Comedia Dellarte
Comedia Dellarte
Comedia Dellarte
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Commedia dell’arte e a explosão do popular nos palcos
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De acordo com a documentação histórica existente, a primeira companhia de Commedia dell’arte
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imprime às companhias e a seus detentores e/ou sujeitos a condição de profissionais: ou
seja, direito de cobrar pelos seus espetáculos. Dessa forma, ou a partir dessa
caracterização, tem-se uma das conotações a partir da qual pode-se entender o sentido
etimológico do nome de ‘batismo’ desses artistas. Outros nomes com os quais são
conhecidos ou foram designados são: commedia all’improviso, commedia all’soggetto,
commedia italiana, commedia di maschere, commedia di zanni. Desse modo, e a partir da
adoção desses nomes, podem ser tiradas as principais particularidades desses artistas,
isto é:
- dell’arte – dos que sabem, dos que conhecem, do ofício por extensão: dos profissionais.
- all’improviso – oposição contextualizada à commedia sostenuta ou regolare, desenvolvida
na Itália, do século XVI.
- all’soggeto – comédias fundamentadas na improvisação, a partir de um roteiro básico
(também chamado de canovaccio: palavra originada, provavelmente, do francês caneva).
- di maschere – comédias fundamentadas em tipos fixos (tipi fissi), derivada dos
espetáculos ligados à comédia ou fábula Atelana.
- di zanni - por tratar-se de uma das ‘máscaras’ mais tradicionais e importantes desse tipo
de comédia.2
Para além das observações apresentadas acima – em processo de confirmação às
da epígrafe de M. BERTHOLD – pode-se dizer que a commedia dell’arte constituiu-se na
teve seu registro em 1522, por um ator chamado Francesco dei Nobili e cujo apelido era Cherea.
Um outro contrato registrado em Pádua, a 25 de fevereiro de 1545, por oito atores, especifica que o
chefe do grupo é o sr. Maphio e que o dinheiro arrecadado deveria ser dividido em partes iguais. De
todos os grupos registrados depois desta data, parece que o mais importante foi o dos Gelosi
(Ciumentos), cuja atividade é documentada desde 1568.
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Segundo as diversas fontes bibliográficas consultadas, o nome Zanni parecia corresponder a
uma espécie de corruptela dos nomes Gianni ou Giovanni, bastante populares no século XV.
Dario FO (1999,p.74) e ss. apresenta a genealogia plausível da personagem, afirmando, dentre
outras coisas: “É preciso lembrar, em primeiro lugar, a origem histórica e social do Zanni. No
século XV, Zanni era o apelido dado pelos venezianos aos camponeses do vale do rio Pó e,
particularmente, àqueles dos vales da região de Bérgamo. (...) o Zanni está ligado a um
momento fundamental da história de Veneza. Foi aí que nos primeiros anos do século XVI,
(...)Eram vinte mil pessoas invadindo Veneza, então uma cidade com uma população pouco
superior a cem mil almas. Obviamente, esses desesperados tornaram-se personagens
marcantes, modificando todo o ambiente reinante. Fazem explodir uma onda de ressentimento
e desprezo, transformando-se em alvo de ironias e gozações, ou até mais do que isso. Viram
os bodes expiatórios de todo mau humor, como acontece com todas as minorias indefesas em
evidência: falam mal a língua da cidade; praticam toda sorte de disparates; possuem uma fome
descomunal e morrem literalmente de fome; suas mulheres aceitam os trabalhos mais humildes
e humilhantes, praticando até mesmo a prostituição (o mercado de trabalho de servas já estava
saturado)”.
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produção apresentada por atores profissionais, retomando e recuperando as tradições
cômico-populares desenvolvidas desde a Antigüidade clássica greco-romana:
fundamentalmente àquelas desenvolvidas nas atelanas e nas pantomimas e cujas
características fundamentais foram a organização do conjunto em torno do conceito de
personagem fixa e a ação parcialmente improvisada. Nesse particular, vale destacar que a
aludida improvisação dos comediantes alicerçava-se em repertório já dominado, conhecido
e largamente experimentado: mas apresentado de tal modo e a partir de um dinamismo tão
intenso transparecendo ao público que os atores criavam sempre no aqui-agora. Atores
(homens de arte) capazes de desenvolver seu trabalho em qualquer tipo de gênero, tendo
em vista seu esmero, empenho e trabalho com o ofício do teatro desde a mais tenra idade
(por conta do lastro familiar), os ‘comediantes de arte’ escolheram o trabalho com a farsa.
Dessa forma, enquanto característica mais específica dessa produção, pode-se
dizer que as "commedias" eram espetáculos montados através do processo de criação
coletiva, com base num soggetto (argumento), elaborado no scenario (sequência de cenas)
ou canovaccio (roteiro básico ou entrecho), repleto de lazzi e cujo objetivo maior constituía-
se no virtuosismo do trabalho interpretativo, enfatizando a teatralidade. Desse modo, o
lazzo constituía-se numa espécie de aparte, fundamentado em um certo ornamento gestual
ou vocal. Os lazzi eram apresentados quase que exclusivamente pelos criados ou Zanni.
Com relação aos canovacci, Ruggero Jacobbi (Revista Dionysos. Rio de Janeiro:
MEC/SNT, p.25) afirma:
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para colocar em relevo a inventividade (invenzione) e o já citado virtuosismo (altamente
especializado) do ator. A respeito desta última observação:
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Esta minha pobre vida, só encontrou fundamento na
Commedia dell’Arte,
Pois é nela que reconheço velhos companheiros
Lambuzo meus beiços na criança de Arlecchino
Cobiço a gostosa Franceschina
Me apaixono por Flaminia
Desfruto o prazeroso tilintar de moedas no ‘saquinho’ de
Pantalone
Me transformo num gigante, nas asas da imaginação de
Capitano Spavento
Discurso e rediscurso minha vida na verborréia de Dottore
Gratiano
Sou safado, preguiçoso e poeta na boca de Pulcinella
Sou um Clown
Sou um Louco, um Fool, um Bobo da Corte
Descubro princípios. Crio meus princípios
Sou o princípio, o início, o instinto harmonizado
Gestos leves, fluentes e definidos
Errou? Improvisa!
Não errou? Improvisa também!
É nela, na Commedia dell’Arte, que recrio minha vida
E é através dela que retorno ao ‘teatro de garagem’ de meus
tempos de infância
Alegria, prazer, tesão de fazer teatro
A Commedia dell’Arte é o próprio espírito encarnado nestes pobres
corpos de carne e osso.
Vecchi
(velhos)
- Pantalone (Pantaleão) – avarento e teimoso; mulherengo e ‘fissurado por traseiros’ de
jovens moças; viúvo, normalmente pai do mocinho com o qual disputava o amor da
mocinha; falava o dialeto3 de Veneza. Usava uma máscara com o nariz adunco e bastante
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Com relação aos diferentes dialetos usados pelas personagens, parece que tal expediente
deve-se ao surgimento das formas populares de teatro: mariazi (cenas campesinas, do século
XVI) e à commediolla buffa, que eram apresentadas nas ruas e praças de Florença. Ainda com
relação ao assunto, Dario FO (1999, p.97) e ss. afirma que os diferentes dialetos usados pelos
comediantes pautavam-se no Grammelot. “é uma palavra de origem francesa, inventada pelos
cômicos dell’arte e italianizada pelos venezianos, que pronunciavam gramlotto. Apesar de não
possuir um significado intrínseco, sua mistura de sons consegue sugerir o sentido do discurso.
Tratava-se, portanto, de um jogo onomatopéico, articulado com arbitrariedade, mas capaz de
transmitir, com o acréscimo de gestos, ritmos e sonoridade particulares, um discurso completo.
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fálico, barba grisalha, calça de malha e meias vermelhas, chinelos e casaco preto (até a
altura do tornozelo) e pequena bolsa na cintura. Duas das etimologias possíveis para a
personagem são: (hipotética) Pantalone: como patrono de Veneza e como um tipo de
calça, usada pelos mercadores (etimologia mais segura). A corruptela de Pantalone, deve-
se, provavelmente, por efeito cômico. Trata-se da máscara mais antiga e bastante
conhecida em Veneza, onde nasceu, cujo nome era messer Pantalone dei Bisognosi
(senhor Pantaleão dos Necessitados). Também conhecido como: Pancrazio, Bernardone, il
Barone, Magnifico4 etc.
Tipos próximos a ele – Pandolfo, Bartolo, Gerontio.
Descendentes – Gaultier, Gargille, Orgonte, Gorgibus, Harpagon (de Molière).
Bartholo (de Beaumarchais).
- Dottore (Doutor) – viúvo; quando nasceu não chorou: disse uma frase em latim e
continuou falando um latim ‘macarrônico’ ao longo da vida (falso saber); pedante. Usa uma
roupa severa em branco e preto: o que contrastava com seus erros, daí o cômico. Sempre
conseguia ser enganado pelos criados e, normalmente, era o pai da mocinha. Falava o
dialeto de Bolonha, na medida em que, historicamente, era a cidade da Itália a ter criado a
primeira universidade. A máscara dessa personagem cobria testa e nariz (origem provável
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em personagens que existiam), além disso tinha, também, uma mancha de vinho no rosto
(máscara). Outros dos nomes com os quais era chamado, foram: Graziano, Balanzone
(que vem de balança) etc.
Innamorati
(casal de enamorados/amorosos – jovens)
Talvez tenha sido a última categoria de personagens a aparecer, cabendo ao par a função
de acrescentar ao espetáculo o elemento romanesco, herdado da Idade Média. Não
usavam máscaras, cantavam e dançavam bem e falavam no dialeto da Toscana. Os
principais nomes foram: Lelio, Florindo, Ottavio, Fabrizio, para os jovens; e, para as jovens:
Rosaura, Clelia, Angelica, Flaminia etc.
Zanni
(criados)
Etimologicamente, parece vir de Gianni ou de Giovanni, que eram os nomes dados aos
criados em Veneza, durante o Renascimento)
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macaco, ágil como um gato, violento como um urso enfurecido.
Juntando e encaixando todos esses elementos, obtemos o Arlecchino
de Tristano Martinelli, um tipo de fauno tagarela, exprimindo-se na
língua da Lombardia do Zanni, permeada por expressões do argot
francês. O primeiro Arlecchino não usa máscara, mas tem o rosto
pintado de preto com garatujas avermelhadas. Somente em uma
época posterior, surgirá em público com uma máscara de couro
marrom, apresentando a caratonha de um macaco antropomorfo,
com sombrancelhas vistosas e uma grande protuberância na testa. O
primeiro figurino foi confeccionado em tela rústica com fundo branco,
salpicado de silhuetas cortadas em forma de folhas de diversas
cores: verde, ocre, vermelho e marrom. É evidente a referência ao
homo selvaticus. Os losangos e os remendos multicoloridos vão
aparecer somente sessenta anos depois. (Dario FO,1999, p.80-1)
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Tonellgay (na Holanda); Don Cristobal (na Espanha)
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interesseira, sensual, desbocada, gostava de ser disputada pelos homens
(fundamentalmente pelos parceiros e zanni Briguela e Arlequim), não usava máscaras.
Capitano
(Capitão)
Segundo muitas fontes bibliográficas, a personagem não existe nos primórdios do gênero;
assim, afirmam alguns historiadores, que a personagem teria surgido a partir de
rivalidades entre a Itália e a Espanha (durante a ocupação dos mouros). Estruturalmente, o
Capitão e sempre a última personagem a aparecer nas encenações (peças). Trata-se de
uma figura fanfarrona e ‘bravateira’, de olhos brilhantes, com máscara de nariz adunco,
chapéu de plumas, colete, camisa com mangas bufantes, espada, calça apertada e capa.
Apesar de ser um homem alto é um grande covarde. Foi chamado pelo nome de
Matamoros, Spazzaferro, Scamonte, Spazzavento (peido), Scaramuccia, Cucurucu,
Meoscovaqueria (diarréia).
Os tipos arquetípicos das personagens ou, se se quiser, máscaras, segundo Dario FO
(1999, p. 38-9), e à guisa de exemplo:
O motivo dominante da decadência dessa forma teatral tem sido atribuído ao fato
de os commedianti terem saído das praças e ido aos palácios dos nobres, atendendo aos
convites destes. Com a perda de contato com o povo, e tendo em vista o ‘padrão’ de gosto
característico da nobreza (somando-se ao constante cuidado e preocupação em não
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desagradar esse novo público), além de uma perda de referências mais populares (pelo
contato com platéias das ruas) houve, também, uma nova seleção bastante sintomática
quanto aos temas a partir dos quais as cenas seriam apresentadas. Desse modo, e
repetidamente, a perda do contato com o povo, o não enfrentamento dos assuntos da
atualidade, o medo (e os cuidados daí advindos) quanto a não provocar contrariedades nos
novos espectadores... caracterizaram-se em fatores que redimensionaram os espetáculos
e a própria ‘forma’ do gênero; assim, os comediantes transformaram suas comédias, a
partir de um simulacro de gosto e de maneiras ‘grã-finas’ em detrimentos de saberes,
fazeres e modos de ser.
Na ‘nova’ commedia dell’arte, e ao gosto dos nobres, houve um aumento
substancial, nos espetáculos, dos números dançados e cantados, sobretudo pelos
innamorati; luxo da mise en scène; excessivo e ampliado número das piadas; excesso dos
truques de carpintaria e maquinaria em detrimento da teatralidade do ator dando lugar aos
efeitos de encenação; desnudamento das atrizes, para atender aos desejos dos
espectadores ‘mais afoitos’; e, determinantemente pela ‘morte da improvisação’, uma
constante repetição dos números aprovados pelos nobres. Dessa forma, pode-se dizer que
a commedia dell’arte, durante a primeira metade do século XVII já se encontrava em
decadência: caracterizando-se em forma degradada.
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SILVEIRA5) pode ser identificado com o ideário da burguesia. Nascido na Itália e
percebendo a importância da forma desenvolvida pelos comediantes dell‘arte e
conseqüente decadência pela qual passava o gênero, iniciou-se no trabalho dramatúrgico,
adotando os roteiros da commedia como ponto de partida para ‘melhorar a qualidade dos
textos’. Ou seja, segundo os objetivos expressos pelo próprio comediógrafo, seria preciso
desenvolver um intenso trabalho dramatúrgico para retirar do ‘limbo e do estado de
degradação’ em que se encontrava tão importante contribuição da cultura cômica.
À luz, portanto, de tal constatação e tendo em vista a descaracterização do gênero
(nos aspectos anteriormente citados) e os excessos de pornografia, ao gosto da
aristocracia, Goldoni iniciou seu trabalho reescrevendo alguns dos velhos scenari para a
improvisação dos cômicos; depois uma ou duas cenas para cada scenario, evoluindo até a
escritura quase toda da peça e, finalmente, a peça toda. Mudando todo o esquema
tradicional – antes fundamentado no soggeto, Goldoni oficializa aquilo que já acontecia na
prática pela constante improvisação, ou seja a transformação da comédia improvisacional
em commedia sostenuta. A partir dessa modificação, o texto, para ser montado, pressuporia
o trabalho de decoração e aos expedientes característico da comédia erudita (sostenuta).
Fixada a nova ‘commedia dell’arte sostenuta’, e reiterando a identificação do
comediógrafo com os interesses e ideários burgueses, Goldoni retrabalha alguns dos
antigos traços das personagens-tipo, imprimindo-lhes características mais realistas,
humanas, pessoais (e para alguns teóricos algo próximo do psicológico), plausíveis ao
controle social e à nova ordem política que se aproximava. Concordando e discordando de
alguns desses pontos de vista, Ruggero JACOBBI (1965) afirma:
Sua obra, O teatro cômico, de 1749, em tradução para o português de Olga Navarro
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Miroel SILVEIRA. Goldoni na França: do canovaccio à comédia escrita e desta novamente à
commedia dell’arte. São Paulo: Instituto de Cultura Ítalo-Brasileiro, 1981.
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Ruggero JACOBBI. Goldoni, fundador do Realismo teatral, In: O Tablado, 32. Rio de
Janeiro, 12/65.
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(e, até onde foi possível chegar, não publicada em forma de livro) representa uma
verdadeira revolução na transformação da forma, posto que o teatro, e todas as suas
implicações, é tomado como assunto. Dentre todos os textos escritos pelo autor, é
considerado como o mais importante ou sua obra-prima: Arlequim, servidor de dois patrões,
de 1745.
Referências bibliográficas
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