Ao Sul Do Corpo - Resenha

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configurada história econômica, polftica ou social esséncialmente masc.

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que ele vai propor, e os demais autores vão reforçar, é que os historiador t. ~ut
se detiverem sobre esta questão devem buscar tratá-la estabelecendo co111o
foco central a mulher - o que implica não somente e l egê~la como objeto I
estudo mas buscá-la como sujeito de sua própria história e procurar entendO la
e ao mundo que a cerca a partir da interação de ambos.
Tendo em vista es ta "proposta" de trabalho podemos identificar ao longo
da leitura do texto a apreensão, por parte da autora, de rrês papéis espedfícos
estabelecidos para a mulher nesse período estudado por ela, que abrange os
DEL PRIORE, Mary. Ao Sul do Corpo: condição feminina, maternidades e séculos XVI, XVII , XVIII e XIX: o papel de esposa, o papel de mãe e finalmente,
mentalidades no Brasil Col6nia. Rio de Janeiro: José Olympio Editora, 1993. e em estreita relação com a concretização desses dois. o papel de transmissora
e fixadora dos ideais e de uma moral católico-cristãos. Assim, partindo de dois
MARIANA LIBÃN/0 DE REZENDE DANTAS discursos fundamentais, que a autora considera como tendo sido os dois
Bolsista de lniolaçiio clentlflca do CNPq.
Aluna do ourso de História da UFMG musculosos instrumentos de ação acionados para O processo de adestramento
pelo qual passaram as mulher:es coloniais, o discurso sobre padr6es ideais de
comportamento, diiundido por moralistas, pregadores e confessores e fruto, ern
grande parte, das decis6es tomadas pela Igreja durante a reforma católica e de
"Este estudo apenas tentou abrir uma }anela para a história social da um projeto civilizatório que inundava a Europa renascentista; e o discurso
mulher. Nele, procurei desvendar os mais salientes papéis da mulher na normativo médico que, procurando discorrer sobre o funcionamento do corpo
coltJnia, para descobrir que sentido elas lhe davam. Ou ainda, avaliar feminino, acaba por endossar e difundir uma concepção deste como destinado
como os tais papéis funcionavam para endossar a ordem social proposta à procriação, a autora vai resgatando a maneira pela qual esta imagem da
pelas inst.§ncias de poder, ou, no plano oposto, para promover mudanças mulher vai sendo construída e firmada, não somente na menta lidade daquela
nesse sistema. além de incentiVar rupturas e resistências. '' [ Del Priore, sociedade como, também, na visão que a própria mulher tinha de si mesma.
1993] Mas, se por um lado temos o que se mostra como sendo o idealizado pela
época, por outro temos o que era praticado na época. Mary Del Priore nos
Como a própria autora especifica nesse trecho retirado da conclusão de apresenta, portanto, um mundo dicotCmico, polarizado, onde o que propunha
seu livro, esta obra vai procurar delinear o modo como a mulher se inseria na (ou impunha) o discurso masculino (religiosos, civi lizador ou médico) tinha como
realidade social do Brasil colônia, quais papéis ela assumia, qual era a sua opositor a realidade social desse mundo colonial, fruto de uma grande miscige-
função social - função esta ditada pelos discursos normativos presentes e nação de culturas, crenças e comportamentos. testemunha de necessidades
conjugados neste dado momento histórico - e quais eram seus comportamentos, que mu itas vezes não condiziam com o que procurava estabelecer tais discursos
!alas e gestos que nos permitem entrever o seu posicionamento em relação a e aliado de práticas e costumes que fugiam a estes ditames. E dentro dessa
esta sua existência ( sua aceitação ou sua recusa e a maneira como os realidade "a-ser-normatizada" surgia a própria atitude dessas mulheres : que se
demonstrava ). apresentava como uma resposta mais coerente às imposições dessa realidade
Ao se propor este objetivo a autora vai mostrar estar em ressonância com do que seria aquela desejada, pregada ou recomendada pelos seus adestrado-
a tendência atual de uma historiografia 'francesa (ou poderlamos estender isto a res. O texto da autora vai se basear, portanto, nessa polaridade e, ao mesmo
uma historiografia mundial?) que vem tratando da mulher. Como bem nos mostra tempo em que procura mostrar a concretização da mulher ideal ela nos mostra
Bernard LePetit na introdução que escreveu para uma série de quatro artigos o torjamento da imagem da mulher condenada, aquela que se nega a ser
que visam criticar a obra Histolre des Femmes en Occidenl - organizada por esposa, que exerce a maternidade de uma maneira distoante da desejada pela
Geroges Ouby e Michelle Perrot - publicada em um dos últimos exemplares da Igreja e pelo Estado e que é incapaz de transmitir uma tradição católico-cristã
Revista dos Annales. não cabe mais se limitar a tratar a mulher na história como por ser ela própria urna transgressora desta tradição, em suma, ela procura
parte abstrata de um contexto mais geral, ajustando a sua história a uma já mostrar como essa mesma sociedade, que procura estabelecer os moldes da

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mulher ideal, vai forjar a imagem da "puta" para, através desta polarização imagem de mulher - acabando, inclusive, por endossar a i nevit~bili a
radical, poder rmpor mais eficientemente seu projeta de adestramento da mulher. configuração fem inina? Assim, ao trabalhar com o discurso domrnante e uscnr
Enfim, procurando entender e captar essa mulher presente no Brasil col6- o modo como este interage com a mulher ela vai delineando uma imagem, u
nra, Mary Del Priare envereda pela literatura narmatizadora de quatro séculos um retrato, desta mulher que vai ser sustentada por exemplos ilustra1ivo.,
buscando nas escritos teológicos, moralizantes e médicos da Europa, como deixando sempre a impressão de que a autora pode estar certa ou ela pod .
também alguns produzidos no Brasil, o olhar masculino sobre a mulher e as simplesmente, ter "topado" com os exemplos "certos" I
intenções masculinas com relação a este sexo impllcitas nesse "olhar". E numa Mas, independentemente de qualquer critica que possamos formular a esta
tentativa de resgatar essa ''mulher" ela vai percorrer o que a passado nos largou obra ·fica a certeza de sua indiscutível importância pois ao procurar desvendar
de indfcios sobre ela: os testamentos, os autos de divórcio, as receitas de a origem e formação desse estereótipo Mary Dei Priore nos fornece o conheci
"remédios", as crenças e tradições femininas. os relatos de viajantes e demais menta necessário ao entendimento de certos fatores que até os nossos dias vêm
testemunhas que tiveram algum canvfvio com ela. marcando negativamente o destino da mulher brasileira. Nos remetendo ao
Através desse seu rastreamento ela nos deixa um retrato que, apesar de nosso passado a autora nos permite entender melhor os elementos que com-
pouco nftido, nos permite perceber uma mulher que aceitou ser uma esposa pusseram e continuam compondo a nossa condição de mulher ~· assim. nos
obediente e submissa. que se rendeu à su função de mãe e, para tanto, sofreu permite compreender como somos, na verdade, uma construçao. fruto~ ?~
imensamente as dores do pano, sentiu um enorme medo e uma grande insegu- ideais de uma época passada, e, assim, ela acaba nos entregando a possrbrlr-
rança, que viveu permanentemente entre a vida e a morte (seja a sua seja a de dade de nos "reconstruirmos".
seus filhos), que teve que negar sua própria identidade em prol de seus rebentos,
de seu marido, do recato e da boa conduta moral, que abriu mão da sua Janeiro/1994
sexualidade e do prazer e que finalmente acabou se adequando ao que a Igreja
e a sociedade exigiam dela. Mas se observarmos bem esse mesrno retrato
vamos perceber que essa mesma mulher era dada a agir, de vez em quando,
de uma maneira nada "recomendável ", que era protagonista de "histórias de
'amor-demasiada"', que se permitia viver amancebada ou concubinada, que
criava suas filhas para venderem seus corpos como ela o fazia , que era detentora
e transmissora de um saber considerado como feitiçaria ou bruxaria, que se
recusava a ser mãe e abortava, abandonava ou matava seus filhos e, enfim, que
apesar de todos os esforços masculinos para a controlarem e adestrarem, era
muitas vezes "senhora absoluta" de suas casa e de seu corpo.
É essa mulher que a autora procura apreender e é através dessa mulher
que ela procura delinear a trajetória histórica que marcou a vida da mulher desde
a fundação da col6nia até a sociedade oitocentrsta - quando o papel social da
mulher se apresenta melhor delimitado e esta se mostra melhor adequada a ele
e mais nitidamente situada na sociedade brasileira - e é através dela, ainda, que
ela procura entender a origem de uma certa imagem de mãe e de mulher que
se mostra presente no imaginário de milhões de brasileiros ainda nos nossos
dias. Mas será que, no final das contas, este seu trabalho responde a questão
que ela se propOs, ou seja, responde a pergunta "Quem somos nós" ? A autora
vai, indubitavelmente, "abrir uma janela para a históna social da mulher" na
medida em que instaura um questionamento a cerca da origem desta mulher
brasileira, esposa e mãe, mas será que na tentativa de dar conta destas questões
ela não cai numa generalização e numa abstração ao tentar resgatar uma

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