O Nascimento Do Precursor de Jesus (LC 1.5-25)

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O nascimento do precursor de Jesus

(Lc 1.5-25)

A profecia havia cessado há mais de quatrocentos anos. O povo não recebia

nenhuma palavra profética de Deus desde que o profeta Malaquias prometera a vinda do

precursor do Messias, na força e no poder de Elias (Ml 4.5,6). Nesse tempo, alguns líderes

religiosos estavam rendidos a uma tradição morta, e outros haviam se capitulado à sedução

do lucro e transformado a casa de Deus num covil de salteadores. Herodes, o Grande, era

um rei tirano, amante do poder, que não hesitava em matar qualquer concorrente do trono.

E nesse tempo de obscurantismo espiritual que Deus invade a história com sua intervenção

soberana e traz à lume a esperança para o seu povo.

Antes de avançarmos no assunto, vaie a pena fazer uma retrospectiva. Todo

descendente direto de Arão era automaticamente sacerdote. Durante o reinado de Davi,

os sacerdotes foram organizados e divididos em 24 grupos (l Cr 24.1-6). Essas divisões

foram reafirmadas por Salomão, filho de Davi (2 Cr 8.14). A oitava divisão, a de Zacarias,

era a divisão de Abias (l Cr 24.10).

Somente quatro divisões regressaram de Babilónia (Ed 2.36-39). Essas quatro,

porém, foram redivididas em 24 e lhes foram dados nomes antigos. Cada divisão cumpria

deveres no templo duas vezes ao ano, e a cada vez o período de serviço era de uma

semana. Como destaca Leon Morris, havia muitos sacerdotes, mas um só templo, por isso

esses turnos de trabalho eram necessários para que todos os sacerdotes pudessem ter o

privilégio de queimar incenso no templo. Somente nas festas da Páscoa, Pentecoste e

Tabernáculos é que todos os sacerdotes serviam juntos. Os sacerdotes que amavam seu

trabalho aguardavam ansiosamente seu turno, que acontecia duas vezes por ano.
Era um grande privilégio um sacerdote casar-se com uma mulher de linhagem

sacerdotal. Zacarias teve o privilégio de casar-se com Isabel, uma descendente da família

de Arão. Foi no exercício do seu turno de trabalho que o anjo Gabriel falou com Zacarias.

À guisa de introdução, destacamos aqui três fatos.

O anjo visita Zacarias e Maria. O anjo Gabriel vai a Judeia e a Galileia, levando uma

mensagem do céu a um velho sacerdote e a uma jovem virgem.

O anjo parece chegar atrasado num caso e adiantado no outro. Na perspectiva

humana, Gabriel chegou atrasado à vida de Zacarias e sua mulher, pois eles já eram

avançados em idade e Isabel ainda era estéril. De igual modo, parece que o anjo chegou

adiantado à vida de Maria, pois ela era ainda jovem, virgem e noiva de um carpinteiro. Na

perspectiva divina, entretanto, o anjo chegou na plenitude dos tempos, quando todo o

cenário estava pronto e quando todas as profecias estavam cumpridas (G1 4.4).

O anjo fala sobre dois nascimentos: do precursor e do Messias. O anjo Gabriel

menciona dois nascimentos: o nascimento do arauto precursor e o nascimento do Messias

prometido. Ambos são fruto de um milagre. João Batista nasce de uma mãe estéril. Jesus

nasce de uma jovem virgem. João Batista nasce de pais já amortecidos. Jesus nasce pela

operação sobrenatural do Espírito Santo.

Seus pais eram extraordinariamente piedosos (1.5-7)

Em primeiro lugar, quando viveram (1.5). Lucas define a época em que o sacerdote

Zacarias viveu, ou seja, nos dias de Herodes. Esse é o Herodes, o Grande, idumeu que

governou a Judeia de 37 a 4 a.C. Ele adotou a religião judaica e dependia de Roma para

governar. Foi notório por suas grandes obras, como o porto de Cesareia, a fortaleza de

Massada e a ampliação do templo de Jerusalém. Também foi um governante astuto, cruel

e perverso. Matou vários membros da própria família, como sua mulher Mariana, sua sogra
Alexandra e seus três filhos Alexandre, Aristóbulo e Antípatro, e mandou matar as crianças

de Belém de 2 anos para baixo, intentando com isso eliminar o menino Jesus, que tinha

nascido para ser rei dos judeus. O próprio imperador César Augusto disse acerca dele: “Eu

preferiria ser um porco a ser um filho de Herodes”. Hendriksen diz que Lucas contrasta um

monstro diabólico, um tirano terrível com um sacerdote piedoso.

Lawrence Richards é oportuno quando mostra a necessidade de fazermos uma

distinção entre a aristocracia sacerdotal e os sacerdotes da ordem. A aristocracia era

limitada a várias famílias sacerdotais, que dominavam os ofícios na hierarquia e

controlavam as finanças e rituais do templo. Já os sacerdotes da ordem moravam fora de

Jerusalém, e a tarefa deles era oficiar nos sacrifícios e nas cerimónias que ocorriam

diariamente no templo.

Em segundo lugar, como viveram (1.6). No verso anterior, Lucas dá a linhagem do

casal Zacarias e Isabel e, agora, mostra como eles viveram. Ambos eram justos diante de

Deus, vivendo irrepreensivelmente em todos os preceitos e mandamentos do Senhor. John

Charles Ryle diz que não importa se o anjo está tratando aqui da justiça imputada

(justificação) ou da justiça realizada no íntimo dos crentes pela operação do Espírito Santo

(santificação), pois não existe nenhum “justo” que não seja santificado e nenhum “santo”

que não seja justificado. O ministério deles era de uma linhagem legítima, e a vida deles

era um exemplo no meio de uma geração corrompida. Eles viviam o que pregavam.

Pregavam aos ouvidos e também aos olhos.

Em terceiro lugar, como sofreram (1.7). A vida com Deus não é uma estufa

espiritual nem nos blinda das aflições. Fritz Rienecker diz, com razão, que não ter filhos

naquela época era um grande infortúnio para um casal em idade avançada, e até mesmo

era percebido como extremo sofrimento, um sinal do desfavor divino e uma vergonha

perante as pessoas. A esterilidade era normalmente considerada sinal de reprovação e


juízo de Deus e motivo legítimo para reivindicar o divórcio. O pesadelo da esterilidade era

tão grande que Raquel disse a Jacó, seu marido: Dá-me filhos, senão morrerei (Gn 30.1).

Isabel, ao ficar grávida, disse: Assim me fez o Senhor, contemplando- -me, para anular o

meu opróbrio perante os homens (1.25). Outros nascimentos milagrosos semelhantes são

encontrados nas Escrituras, como o nascimento de Isaque (Gn 18.1-5; 21.1-7), Sansão (Jz

13.1-25) e Samuel (ISm 1.1- 2.10). O impossível acontece mais uma vez, trazendo à lume

um grande milagre. Estou de pleno acordo com o que escreveu Hendriksen: “A extrema

incapacidade do homem é a oportunidade de Deus”.

Seu nascimento é extraordinariamente anunciado (1.8-14)

Em primeiro lugar, um exercício espiritual (1.8-10). Em virtude de não haver

deveres sagrados em número suficiente para todos os sacerdotes, lançavam-se sortes

para ver quem cumpriria cada função. Oferecer o incenso era considerado um grande

privilégio. Um sacerdote não podia oferecer o incenso mais de uma vez na sua vida inteira,

e alguns sacerdotes nunca receberam o privilégio. O dia de o sacerdote Zacarias entrar no

lugar santo para queimar incenso chegou, e chegou por sorteio. Portanto, esse era o

momento mais importante da sua vida inteira. A parte mais solene de toda a liturgia era o

ato da queima de incenso, que era oferecido duas vezes ao dia: de manhã e à tarde. E

nesse cenário que sua vida é radicalmente mudada. E nessa geografia sagrada que os

céus visitam a terra. E nesse ambiente de culto, regado de oração, que Deus envia seu

mensageiro para falar com Zacarias. Rienecker diz que “a hora da oração é a hora da

revelação de Deus”.

Em segundo lugar, uma visita angelical (1.11,12). Hendriksen tem razão ao dizer

que a aparição repentina de um anjo santo, com um resplendor deslumbrante, faz tremer

alguém que é débil e pecador. O medo caiu sobre Zacarias. A mensagem da vinda do
Messias trouxe temor às pessoas que receberam a visitação angelical: Zacarias temeu

(1.12), Maria temeu (1.29,30), José temeu (Mt 1.20), os pastores temeram (2.10). Harold

Willmington sintetiza a relação dos anjos com Jesus no Novo Testamento: 1) foram criados

por ele e para ele (Cl 1.16); 2) adoraram-no (Hb 1.6); 3) predisseram seu nascimento (1.31);

4) anunciaram seu nascimento (2.9-13); 5) protegeram-no de Herodes (Mt 2.13); 6)

ministraram para ele no deserto (Mt 4.11); 7) ministraram para ele no jardim do Getsêmani

(22.43); 8) tiraram a pedra da entrada do seu túmulo (Mt 28.2); 9) anunciaram sua

ressurreição (Mt 28.6); 10) estiveram presentes em sua ascensão e predisseram sua

segunda vinda (At 1.10,11); 11) acompanharão sua segunda vinda (2Ts 1.7,8).

A ordem mais repetida em toda a Bíblia é: “Não temas”. Deus está nos dizendo: “Pare

de sentir-se amedrontado; anime-se”. Zacarias orou por longos anos para ter um filho, bem

como pela redenção de Israel. Agora, julgava que essa era uma causa perdida. Todos os

recursos humanos já haviam se esgotado. Quando tudo parecia impossível, porém, Deus

reverteu a situação, e Zacarias não apenas teve um filho, mas o maior entre os nascidos

de mulher, aquele que apresentou pessoalmente o Redentor de Israel (Mt 11.11).

Em terceiro lugar, um filho excepcional (1.13,14). O nascimento de João Batista

está envolvido no sobrenatural. Seu nascimento é anunciado por um anjo. Três coisas

acerca de João Batista são dignas de destaque.

Ele é fruto de um milagre (1.7). Isabel, sua mãe, era estéril. Seu ventre era um

deserto. Ela não podia conceber. Além disso, ela e seu marido já eram avançados em

idade.

Ele é fruto de oração (1.13). As orações antigas ainda encontram eco nos ouvidos

de Deus, pois a sua demora em responder às nossas orações não é uma negação. O

nascimento do precursor do Messias acontece em resposta às antigas orações de

Zacarias. Concordo com John Charles Ryle quando ele diz: “Não nos cumpre determinar a
época ou a maneira como nossos pedidos devem ser respondidos”. Vale destacar que ao

lhes dar um filho, Deus não lhes deu um sacerdote, mas um profeta, o profeta que preparou

o caminho do Senhor.

Ele será motivo de alegria (1.14). João Batista será motivo de alegria, pois ele veio

para preparar o caminho do Filho de Deus, o Salvador do mundo.

Sua missão é divinamente especificada (1.15-17)

Destacamos cinco verdades aqui.

Em primeiro lugar, um homem grande aos olhos de Deus (1.15). O padrão de

grandeza do mundo, entre os homens, não corresponde ao padrão de grandeza do céu,

entre os anjos. João Batista foi grande aos olhos do Senhor ao revelar sua profunda

humildade. A insígnia da verdadeira grandeza é a humildade. João não era o noivo, mas o

amigo do noivo. Ele não era o Messias, mas preparou o caminho para o Messias. Ele não

era a luz, mas testificou acerca da verdadeira luz. Ele não era o Cordeiro, mas apontou

para Jesus e disse: Eis o cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo (Jo 1.29). O próprio

Jesus deixou claro que ninguém, entre os nascidos de mulher, foi maior do que ele (Mt

11.11).

Em segundo lugar, um homem consagrado a Deus (1.15). João Batista foi um

nazireu, consagrado a Deus desde o ventre materno (Nm 6.1-12). A única outra pessoa

descrita dessa forma na Bíblia é Sansão (Jz 13-16). O contraste entre os dois homens, um

fisicamente forte e o outro um gigante espiritual, nos lembra que o que faz a diferença não

são os símbolos exteriores da religião, mas nosso compromisso pessoal e interior com

Deus. Sansão viveu com os símbolos de compromisso; João viveu a realidade que os

símbolos deveriam representar. João se alegrou em Jesus antes mesmo de nascer. Seu
lema de vida era exaltar a Jesus. Ele disse: Convém que ele cresça e que eu diminua (Jo

3.30).

Em terceiro lugar, um homem cheio do Espírito Santo (1.15). João Batista não foi

um homem cheio de vinho, mas cheio do Espírito Santo desde o ventre materno. Não

derivou sua força de uma formação moral robusta nem de uma personalidade forte, mas

do Espírito Santo. Sua vida foi um exemplo, e seu ministério produziu profundo impacto

nos corações. Estou de pleno acordo com o que escreveu John Charles Ryle: “Não há

maior erro do que supor que as crianças, por sua tenra idade, não podem estar sujeitas à

operação do Espírito Santo. O modo pelo qual ele opera no coração de uma criança é

misterioso e incompreensível; assim também é toda a sua obra nos filhos dos homens”.

Em quarto lugar, um homem usado por Deus (1.16). O ministério de João Batista

provocou uma verdadeira revolução espiritual. Ele conclamou o povo, os líderes religiosos

e os políticos ao arrependimento. Ele colocou o machado na raiz das árvores. Aterrou os

vales, nivelou os montes, endireitou os caminhos tortos e aplainou as veredas fora do lugar.

Em quinto lugar, um homem ousado em Deus (1.17). João Batista veio no poder

de Elias (Ml 4.5,6), o profeta que confrontou, em nome de Deus, a nação de Israel, o rei

Acabe e os profetas de Baal. Ele não era Elias literalmente (Jo 1.21), mas era Elias

figuradamente (Mt 11.13,14; 17.12; Mc 9.12,13). A mesma ousadia de Elias, João

demonstrou ao confrontar os líderes e o povo, chamando-os ao arrependimento. O

ministério de João produziu um avivamento nas relações harmoniosas dentro do lar.

Malaquias, na antiga dispensação, denunciou os casamentos mistos (2.11) e o divórcio

(2.14) como fatores desagregadores da família. João, no começo da nova dispensação,

concentra seu trabalho na conversão dos pais aos filhos e dos filhos aos pais (1.17; Ml 4.6),

preparando, assim, um povo para o Senhor. Concordo com Hendriksen quando ele diz:

“Entra o amor de Deus. Desaparece o abismo entre as gerações”.


A incredulidade de seu pai é denunciada (1.18-23)

Dois fatos são aqui destacados.

Em primeiro lugar, Zacarias, em vez de crer na palavra de Deus, acentua as

impossibilidades humanas (1.18,19). Diante da majestosa aparição de Gabriel, o anjo

que assiste diante de Deus, Zacarias acentua as impossibilidades humanas, em vez de

crer na mensagem enviada da parte de Deus. Ele se recusou, sem rodeios, a crer no anjo.

E como se Zacarias dissesse ao anjo: “Não creio em ti, porque pessoas de minha idade

não podem ter filhos”. Ele já havia esquecido de suas orações, embora essas orações não

estivessem sido esquecidas aos olhos de Deus. Será que Zacarias já havia se esquecido

do que Deus fizera por Abraão e Sara (Gn 18.9- 15; Rm 4.18-25)? As palavras de Zacarias

Eu sou velho contrastam com as palavras do anjo: Eu sou Gabriel, que assisto diante de

Deus. Fica aqui o alerta: Que jamais coloquemos em dúvida o fato de que, quando Deus

diz uma coisa, irá cumpri-la fielmente!

Em segundo lugar, o juízo divino vem misturado com sua misericórdia (1.20-

23). Porque não creu, Zacarias não pôde falar. Porque fez um mau uso da língua, essa

língua teve de ficar silenciosa. Zacarias foi condenado ao silêncio. John Charles Ryle alerta:

“Duvidar que Deus pode fazer alguma coisa que ele diz que fará é negar de forma prática

sua onipotência. Duvidar que Deus não cumprirá completamente alguma de suas

promessas é fazê-lo mentiroso”.

Zacarias fica mudo, mas não mudo para sempre. O juízo veio temperado com a

misericórdia. Quando o menino, fruto do milagre, nasceu, a língua de Zacarias ficou

desimpedida e ele voltou a falar, para dar glória ao nome de Deus (1.64). Rienecker é

oportuno quando escreve: “A mudez de Zacarias explicita igualmente o aspecto salvífico,

pois, quando a voz do que clama no deserto é anunciada, o sacerdócio do Antigo


Testamento emudece. Cala-se a bênção levita quando vem a descendência em que serão

benditas todas as nações da terra”.

O opróbrio de sua mãe é removido (1.24,25)

A palavra profética se cumpriu. Isabel ficou grávida e ocultou sua gravidez por cinco

meses. Os motivos não são mencionados nem devemos especular a respeito, pois onde a

palavra de Deus não tem voz, nós não devemos ter ouvidos.

Isabel, porém, reconhece que sua gravidez é um milagre de Deus para anular sua

vergonha diante dos homens. Naquele tempo, a esterilidade era um vexame e um sinal do

juízo divino. Certamente, sendo ela e seu marido pessoas piedosas, muitos

questionamentos eram feitos, muitas suspeitas eram levantadas e muitos juízos velados

eram lançados sobre o casal.

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