Manejo Pastoril Sustentavel Da Caatinga PDF
Manejo Pastoril Sustentavel Da Caatinga PDF
Manejo Pastoril Sustentavel Da Caatinga PDF
COORDENAÇÃO EDITORIAL
Felipe Jalfim, Maria Virgínia de Almeida Aguiar, Simone Amorim Ramos e Mayara Renata Ferreira da Silva
REVISÃO GRAMATICAL
Cecília Fujita
REVISÃO TÉCNICA
Felipe Jalfim, Maria Virgínia de A. Aguiar, Maria Aparecida Azevedo, Fábio dos Santos Santiago, Nielsen
C. Gomes da Silva e Jorge Luiz Schirmer de Mattos
FOTOS
Arquivo Projeto Dom Helder Camara, acervo Associação Caatinga e J. A. Araújo Filho
IMPRESSÃO
Cidade Gráfica e Editora Ltda.
PARCEIROS DA EDIÇÃO
Programa Semear / FIDA / IICA / AECID e ABA-Agroecologia
DOWNLOAD DISPONÍVEL EM
www.projetodomhelder.gov.br;
www.aba-agroecologia.org.br;
www.portalsemear.org.br
ISBN: 978-85-64154-04-9
Boa Leitura!
Ângela Brasileiro
Coordenadora do Programa Semear (FIDA/IICA/AECID)
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO 11
CAPÍTULO 1
CAPÍTULO 2
CAPÍTULO 3
O BIOMA CAATINGA 61
Flora 62
Formações 63
Árvores da caatinga de interesse pastoril 64
Aroeira (Myracrodruon Urundeuva) 66
Catingueira (Poincianera pyramidalis) 68
Cumaru (Amburana cearensis) 70
Juazeiro (Zizyphus joazeiro) 72
Jucá (Libidibia ferrea) 74
Jurema-preta (Mimosa tenuiflorar) 76
Mororó (Bauhinia cheilantha) 78
Pau-branco (Auxemma oncocalyx) 80
Sabiá (Mimosa caesalpiniaefolia) 82
Fauna 84
CAPÍTULO 4
CAPÍTULO 5
CAPÍTULO 6
REFERÊNCIAS 187
Cerca de 70% das áreas continentais da Terra têm como vocação primordial a explo-
ração pecuária, por se constituírem, essencialmente, de ecossistemas frágeis e de baixo
potencial agrícola. Isso porque apresentam várias limitações à implantação de uma agri-
cultura intensiva, devido a restrições, dentre outras, do clima, dos solos e da topografia.
Portanto, seu uso como pastagem nativa é de importância fundamental para a produção
de alimentos de origem animal no planeta. No Nordeste brasileiro, cerca de 80% da
área correspondente à região semiárida é utilizada como pastagem nativa, associada, em
muitos casos, à produção agrícola de base familiar.
Pastagens nativas são, pois, áreas geralmente impróprias para a agricultura intensiva,
mas que podem ser utilizadas para o apascentamento dos rebanhos domésticos, abri-
go para os animais silvestres, produção de madeira e de água, recreação, preservação
ambiental e outros bens e serviços demandados pela sociedade humana. A definição
é muito ampla e inclui desde áreas desérticas e de vegetação escassa até aquelas onde
a cobertura vegetal é formada por densa camada de vegetação arbustiva e arbórea,
como no caso da caatinga. Assim, a cobertura florística da pastagem nativa pode ser
composta de plantas herbáceas com predominância ou não de gramíneas, de plantas
arbustivas e de espécies arbóreas. Todas, dependendo da espécie ou combinação de
espécies animais que as utilizam, podem ser fontes imprescindíveis de produção de
forragem, ao longo do ano.
O manejo de pastagem nativa é a ciência e a arte de se planejar e direcionar o uso da
pastagem para obtenção de bens e serviços demandados pela sociedade humana, numa
concepção de rendimento ótimo sustentável e consoante com a melhoria e conservação
dos recursos naturais renováveis.
À luz da definição do manejo, cinco objetivos devem ser alcançados:
1. manutenção das espécies forrageiras mais importantes e conservação da biodiver-
sidade da pastagem;
2. uso eficiente da forragem produzida; 11
3. produção ótima sustentada dos rebanhos domésticos e conservação da fauna
nativa;
4. controle do fluxo das correntes d´água, evitando-se as enxurradas; e
5. controle da erosão.
A vegetação diversificada da pastagem constitui o seu acervo mais importante.
O não atingimento do primeiro objetivo resultará, sem dúvida, na falha na obtenção dos
demais, uma vez que as comunidades vegetais não só atuam, diretamente, na conserva-
ção dos recursos naturais renováveis, como também são a fonte de alimentos responsável
pela produção do ecossistema. Além do mais, uma vegetação de elevada diversidade
apresenta melhor resiliência, ou plasticidade ambiental, podendo absorver com mais
facilidade os efeitos destrutivos resultantes de mudanças bruscas e intensas nos fatores
ambientais. Portanto, a conservação da biodiversidade da cobertura florística, enrique-
cida com a ocorrência significativa de forrageiras nativas, sobressai-se como a meta mais
importante a ser alcançada pelo manejo.
No uso eficiente da forragem, pode-se considerar que, para que o ecossistema da
pastagem nativa e seus recursos de solo, água, vegetação e fauna sejam conservados,
a utilização não deve ultrapassar os 60% da fitomassa produzida anualmente. O uso
desejável, em longo prazo, é de 50%, porque é fundamental que o aporte de matéria
orgânica, tão essencial para circulação de nutrientes, manutenção da fertilidade natural,
proteção do solo contra a erosão e preservação do banco de sementes de espécies forra-
geiras nativas, seja mantido em níveis adequados. A Figura 1 ilustra por meio de um
contraste de cerca o percentual de uso recomendado (à esquerda) e sobrepastejo
(à direita).
12
Figura 1. Contraste de cerca em Irauçuba, Ceará.
Foto: J. A. Araújo Filho.
Na pastagem nativa deve-se buscar a produção ótima sustentável dos rebanhos, sem
prejudicar a conservação dos animais silvestres. Estes têm, muitas vezes, hábitos alimen-
tares e preferências forrageiras diferentes dos de animais domésticos, possibilitando-se,
assim, o uso de pastoreio múltiplo. Portanto, ao se determinar a capacidade de suporte
da pastagem, devem-se levar em conta as necessidades alimentares da fauna silvestre.
A manutenção de uma cobertura vegetal adequada é o fator mais importante no
controle do movimento da água da chuva sobre a superfície do solo. Esse controle é obti-
do de três maneiras: intercepção e retenção da água da chuva pela folhagem, regulando
a quantidade de água que chega ao solo; melhoria da taxa de infiltração e da capacidade
de armazenagem de água pelo solo; e redução da velocidade de escorrimento superficial,
pelas barreiras oferecidas pelo restolho da vegetação e pelo aumento da porosidade do
solo, resultando na redução da quantidade de água que chega à malha de drenagem do
13
terreno.
Por fim, o controle da erosão é condição essencial para a conservação da pasta-
gem, advindo do manejo correto de sua cobertura florística. Para tanto, a vegetação
contribui para a redução da velocidade do escorrimento superficial, para o fortale-
cimento e a manutenção da estrutura do solo e para a retenção do solo pelas raízes
das plantas.
14
CAPÍTULO 1
15
INTRODUÇÃO
energia solar
6CO2 + 12H2O --------------------> C6H12O6 + 6H2O + 6O2
clorofila, sais
Existem três processos de captura e fixação do CO2 da atmosfera pelas plantas: C3, C4 e
MAC (Mecanismo do Ácido Crassuláceo). No mecanismo C3, os vegetais captam o CO2
por meio da enzima ribulose bifosfato carboxilase oxigenase (Rubisco), fixando-o na molé-
cula de uma pentose (ribulose bifosfato), originando a seguir o ácido fosfoglicérico de três
átomos de carbono. As plantas C3 têm seu ótimo de temperatura entre 20 e 25ºC, o ponto
de compensação de CO2 entre 20 e 100 ppm, funcionam bem em baixa luminosidade
(sombra) e sua produtividade de biomassa alcança 22,0 t/hectare. São predominantemen-
te espécies arbóreas. As espécies C4 captam o gás carbônico via enzima fosfoenol piruvato
carboxilase (PEPcase), originando o ácido oxalacético, de quatro átomos de carbono. Atuam
estavelmente em temperaturas de 10 a 40ºC, têm o ponto de compensação de CO2 de 0 a
5 ppm, funcionam bem sob elevada luminosidade, sua produtividade de biomassa atinge até
39 t/ha e são mais eficientes no uso da água do que as espécies C3. As C4 pertencem predo- 17
minantemente à família das gramíneas. Nas plantas MAC, ocorre separação entre fixação e
redução do CO2. A fixação pela PEPcase dá-se à noite, com temperaturas mais amenas. O
oxaloacetato é convertido a malato e estocado no vacúolo da própria célula. De dia, com os
estômatos fechados, o ácido málico libera o CO2 que será reduzido pela rubisco. As espécies
com mecanismo MAC são muito resistentes à seca e a elevadas temperaturas e são predomi-
nantes em regiões desérticas, pertencendo, em sua maioria, à família das cactáceas.
A fotossíntese, além da produção de carboidratos, tem também importante papel na
circulação geral do oxigênio e do gás carbônico na atmosfera terrestre. Esse fato enfatiza
o desempenho das plantas na purificação e no enriquecimento da atmosfera e no seques-
tro de gás carbônico.
Os produtos finais mais importantes da fotossíntese são os carboidratos. Estes, após
sua produção, podem seguir quatro destinos diferentes:
1. Metabolismo, utilizado na respiração para suprir as necessidades energéticas da planta.
2. Crescimento, ou seja, são fixados na formação dos tecidos da planta.
3. Armazenamento, como reservas, podendo ser mobilizados para satisfazer necessi-
dades de crescimento.
4. Reprodução, formação de flores, frutos e sementes.
A primeira demanda de carboidratos pela planta é para a produção da energia neces-
sária ao seu metabolismo, a qual é fornecida pela queima dos hidratos de carbono, reali-
zada pela respiração que libera gás carbônico, água e energia. É, pois, uma reação inversa
à fotossíntese.
FATORES AMBIENTAIS
Todo organismo é submetido, em seu ambiente, à ação dos chamados fatores ambien-
tais. Didaticamente são classificados nas seguintes categorias: climáticos, edáficos, fisio-
gráficos, bióticos, píricos e antrópicos. 25
Fatores climáticos
O clima é definido como os padrões do tempo meteorológico em longo prazo. Por outro
lado, tempo meteorológico refere-se às condições atuais da atmosfera, podendo ser previsto
pela meteorologia. São componentes do clima: precipitação, temperatura, luz solar e atmosfera.
Precipitação – consiste na queda da água na forma líquida (chuva), em flocos de cris-
tais de gelo (neve) ou sólida (granizo), que se dá por meio do processo da coalescência
das gotículas de água ou de gelo que formam as nuvens. Em nossa região, a precipitação
pluvial é a única forma de ocorrência, sendo raríssima a precipitação na forma de granizo.
Constitui a fonte principal de oferta de água para a planta e os animais. A precipitação
pluvial é medida em milímetros, cujo valor corresponde à altura da lâmina de água que se
formaria sobre o solo, após uma chuva, se a água não escorresse ou não se infiltrasse.
As nuvens formam-se pela condensação de vapor d’água atmosférico, em função do
gradiente térmico da camada gasosa que envolve a terra e que equivale a 9,8ºC para cada
1.000 m de elevação, para a região da caatinga. O gradiente térmico consiste na redução
da temperatura do ar conforme ocorre a elevação de altitude em relação à superfície do
solo. Há três tipos básicos de nuvens: Cirrus – nuvem branca, plana, de elevada altitude,
formada por cristais de gelo; Cumulus – nuvem de desenvolvimento vertical, podendo
ter sua base a partir de 1.000 m e alcançar altura superior a 12.000 m. A água se encon-
tra em forma líquida na parte inferior e gelo na superior; Stratus – nuvens planas, que
dão ao céu aparência de mosaico, formadas por gotículas d’água (Figura 4). Diversas
formas de nuvens são originadas a partir da combinação dos tipos acima descritos, tais
como cúmulo-nimbo, cirro-estrato, estrato-cúmulo, etc.
Fatores edáficos
O solo, além de servir como meio de fixação das plantas, fornece-lhes a maior parte
dos nutrientes necessários para sua existência. Do ponto de vista ecológico, não se pode
estudar o solo separadamente da vegetação, pois ambos evoluem juntos, se autoinfluen-
ciando. Para cada tipo de solo tem-se uma comunidade vegetal específica. Na realida-
de, alguns autores consideram o solo um complexo composto de elementos minerais,
húmus e organismos, como uma espécie de ponte entre os componentes bióticos e abió-
ticos do ecossistema. A conservação das características físicas, químicas e biológicas do
solo e a proteção contra a erosão eólica ou hídrica constituem pontos-chave do manejo
da pastagem nativa.
Os solos formam-se a partir da decomposição das rochas sob ação do intemperismo
e dos organismos. No início do processo de formação, as características do solo e
da vegetação são determinadas principalmente pela natureza do material de origem.
Porém, à medida que ambos amadurecem, o clima, principalmente no que tange à
temperatura e à precipitação, passa a ser o fator dominante na determinação do solo
33
e da vegetação.
Do ponto de vista ecológico, ou seja, como determinantes das características da
comunidade vegetal, são importantes as seguintes características do solo: textura, estru-
tura, profundidade, porosidade, densidade, acidez, fertilidade e capacidade de retenção
de água. A textura diz respeito aos teores de areia, argila e silte, ou limo do solo. A
estrutura refere-se à formação de aglomerados compostos de partículas de areia, argila e
silte. Na formação e manutenção dos aglomerados, a matéria orgânica tem papel funda-
mental, pois, através da decomposição, libera substâncias que agem como aglutinantes
ou “cola”, que os mantém firmes. As queimadas da agricultura e o sobrepastejo reduzem
drasticamente a deposição da matéria orgânica, enfraquecendo, assim, a estrutura do
solo e resultando em aceleração da erosão eólica e hídrica, que removem a argila e o
silte, alterando sua textura nas camadas superficiais, e tornando o solo arenoso, típico de
regiões desérticas. A porosidade e a densidade são características inversas: solos porosos
têm baixa densidade e solos compactados têm baixa porosidade. Os excessos de pisoteio
animal na pastagem, bem como o tráfego de maquinaria pesada, aumentam a densidade
pela compactação do solo e reduzem sua porosidade. O solo tem, então, reduzidas sua
taxa de infiltração e a capacidade de retenção de água. Com isso, aumentam os riscos
de erosão, a ocorrência de assoreamentos dos mananciais e enchentes e a diminuição da
cobertura vegetal, por causa do declínio da emergência e desenvolvimento das plantas.
Fatores fisiográficos
São considerados fatores fisiográficos a latitude, a altitude, a declividade e a exposição.
Os efeitos da fisiografia em termos ecológicos são indiretos, uma vez que atuam sobre
os fatores climáticos.
Chama-se latitude a distância da posição geográfica de um objeto ao Equador, medi-
da ao longo do meridiano de Greenwich. Essa distância é expressa em graus, podendo
variar entre 0º e 90º para Norte ou para Sul, cada grau vale 60 minutos e cada minuto,
60 segundos. Considerando a circunferência da Terra no Equador, que é de 40.000 km,
um grau de latitude corresponde aproximadamente a uma distância de 111,1 km, um
minuto equivale a 1.852 m, e um segundo vale 31 m. Com base na latitude, pode-se
dividir a Terra, geograficamente, em quatro zonas: Tropical, Subtropical, Temperada e
Ártica. A Zona Tropical situa-se entre o Trópico de Câncer (23º27’ N) e o Trópico de
34
Capricórnio (23º27’ S). Todavia, devem ser descartadas como verdadeiramente tropi-
cais muitas áreas montanhosas que, embora se localizem na Zona Tropical, por apresen-
tarem baixas temperaturas e umidade, têm somente duas estações: a das chuvas e a seca.
Na região Tropical, temperaturas elevadas, combinadas ou não com altos índices de
umidade do ar, resultam em estresses para as plantas e para os animais ao longo de prati-
camente todo o ano. A Zona Subtropical situa-se entre a Zona Tropical e a Temperada,
ou seja, entre as latitudes de 23º27’ N e 30º N e 23º27’ S e 30º S, consistindo de áreas
de maior aridez que as tropicais, onde se localizam os maiores desertos do planeta. A
Zona Temperada situa-se entre os paralelos de 30º a 60º, tanto no hemisfério norte,
como no sul. Nessa faixa, a luminosidade solar é menos intensa, as quatro estações do
ano estão bem definidas e as plantas e os animais devem adaptar-se aos rigores da estação
fria. Já a Zona Ártica localiza-se acima dos paralelos 60º em ambos os hemisférios e é
caracterizada por limitações na luminosidade e por temperaturas extremamente baixas,
determinando profundas adaptações nos organismos em geral e migração estacional de
espécies animais.
A altitude, geralmente medida em metros acima do nível do mar, determina a ampli-
tude ecológica das espécies vegetais, por seus efeitos sobre a temperatura e pluviosidade.
Como se viu anteriormente, a altitude máxima que uma espécie pode atingir é deter-
minada pela temperatura mínima noturna, enquanto a disponibilidade de água limita o
mínimo de altitude que uma espécie de montanha pode atingir.
A declividade, medida em graus ou percentagem, afeta a vegetação pelo seu efeito
sobre a distribuição de energia solar e da umidade, em nível do solo. Quanto maior a
declividade, menor a temperatura alcançada pelo solo, o que afeta as perdas de água por
evaporação. Por outro lado, há também um aumento de velocidade do escorrimento
superficial e aceleração do processo de erosão. Assim, conforme recomendações técni-
cas, de 0-10% de declividade podem ser mínimas as práticas de conservação de solo;
na exploração agrícola de 10-25%, a construção de cordões de contorno, terraços e
patamares é condição essencial ao estabelecimento da atividade agrícola. Acima de 25%
de declividade cessaria a exploração agrícola, e somente atividades silvipastoris de baixa
intensidade seriam aconselhadas.
Exposição diz respeito à direção para a qual está voltada a vertente da serra. Seus efeitos se
fazem sentir basicamente na precipitação, temperatura e, por conseguinte, disponibilidade
35
de água. Na região do Semiárido nordestino, as vertentes voltadas para o leste são geralmente
mais frias e de maior ocorrência de precipitações, pois se situam a barlavento, ou seja, estão
voltadas para a direção dos ventos dominantes. Já as encostas direcionadas para o oeste, isto é
a sotavento, no lado oposto ao dos ventos dominantes, têm temperatura médias mais eleva-
das e menores índices pluviométricos. A Figura 8 ilustra uma área barlavento, no município
de Itapagé, no Ceará, e a outra, de sotavento, no município de Irauçuba, no mesmo Estado.
Fatores bióticos
São considerados bióticos todos os efeitos causados pelos organismos em um ecossiste-
ma que condicionam as populações que o formam. A interação e a interdependência entre
os diversos seres vivos que compõem o ecossistema é a condição essencial para sua própria
sobrevivência. Mesmo as plantas verdes, que sintetizam seu próprio alimento, muitas vezes
dependem de insetos para efetuar a polinização e, assim, garantir a perpetuação da espécie.
Há diversos sistemas de classificação das relações entre os organismos. Será discutida
aqui a classificação de Barry. Nesta, a relação entre os organismos recebe o nome gené-
rico de simbiose, que pode ser:
I – Disjuntiva, isto é, os organismos não mantêm contato constante.
A) Social – Há benefícios mútuos para as espécies envolvidas. Por exemplo, o
gregarismo, que serve aos propósitos de proteção e reprodução.
36 B) Nutritiva – Envolve o funcionamento da cadeia alimentar. Pode ser:
1. Antagônica – Com vantagem para só uma das partes. Por exemplo: pasto-
reio e predatorismo.
2. Recíproca – Com vantagem para ambas as partes. Por exemplo: poliniza-
ção provocada pelo inseto e cultivo de fungos pelas formigas.
II – Conjuntiva, isto é, organismos diferentes vivendo em contato recíproco.
A) Social – Epifitismo, como no caso das orquídeas.
B) Nutritiva – Envolve o funcionamento da cadeia alimentar. Pode ser:
1. Antagônica – Apenas um dos membros tira vantagem. Por exemplo: para-
sitismo.
2. Recíproca – Ambos os membros se beneficiam. Por exemplo: a simbiose
entre as leguminosas e as bactérias do gênero Rhizobium.
Fatores píricos
O fogo tem sido um fator preponderante da ecologia terrestre, determinando em
muitas regiões o tipo de vegetação predominante. Fogos originados do impacto das
descargas atmosféricas ou de raios sobre material orgânico na terra foram os primeiros a
ocorrer no planeta. Depois, o homem aprendeu a utilizá-lo, não somente para o aqueci-
mento de suas habitações, como também para caça. Queimando extensas áreas de vege-
tação, o caçador primitivo sabia que o rebrote novo atraía os animais, o que facilitava a
caça. Posteriormente, o fogo passou a fazer parte do cenário agrícola.
As plantas adaptaram-se ao fogo, quer pelo desenvolvimento de grossa camada de
cortiça que envolve as partes em crescimento, quer pelo posicionamento de gema de
rebrota sob a superfície do solo. As gramíneas alcançam um excelente nível de sobrevi-
vência ao fogo. Nessas, não só a parte aérea é facilmente “descartável”, como também as
gemas responsáveis pela sobrevivência das plantas estão abaixo da superfície do solo. Daí
por que, para muitos ecologistas, as pastagens nativas com predominância de gramíneas
se originaram e se mantêm sob a presença de fogos acidentais ou propositais. A retirada
do fogo dessas áreas as faria retornar à situação de floresta.
O fogo tem sido utilizado como instrumento de controle do mato ou remoção de
macega, tanto nas práticas da agricultura itinerante nas regiões tropicais, como no mane-
jo de pastagens, através do mundo. Em ambos os casos, seus efeitos têm sido prejudiciais
aos ecossistemas e ao planeta Terra como um todo. De fato, as enormes queimadas que 37
ocorrem em nosso país têm, segundo os cientistas, concorrido significativamente para
o aumento do CO2 na atmosfera, contribuindo para o incremento do “efeito estufa”.
O uso do fogo nas pastagens brasileiras é um indicativo do manejo inadequado, e tem
contribuído para a degradação delas, não só pelo superpastoreio que se segue à rebrota
das gramíneas após a queimada, como pela destruição da matéria orgânica e quebra da
estrutura do solo superficial. No caso das pastagens nativas do Semiárido nordestino,
não parece haver justificativa para o uso do fogo, uma vez que a fitomassa produzida
anualmente não é suficiente para oferecer uma cobertura morta adequada à proteção do
solo e manter um nível adequado de matéria orgânica. Vale ressaltar que só o intempe-
rismo normal na região consome anualmente cerca de 90% da serrapilheira.
Fatores antrópicos
Como espécie, o homem é o animal que mais afeta os ecossistemas do planeta Terra.
Dotado de inteligência elevada, o homem é o único manipulador do ecossistema, trans-
formando-o e orientando-o para seu usufruto, mas, muitas vezes, por ação proposital ou
sem conhecimento das consequências, concorrendo decisivamente para a rápida degra-
dação e destruição. Muitas das tecnologias criadas pelo homem parecem estar baseadas
em dois “princípios”: (1) a natureza é um depósito infinito de lixo e (2) a energia é
gratuita. Isso resultou em níveis de poluição e degradação dos ecossistemas que estão
pondo em risco a própria vida na Terra. A morte de muitos rios, a desertificação de
regiões outrora cobertas por florestas, a destruição paulatina da camada de ozônio, a
poluição da atmosfera, tornando-a insuportável em algumas grandes cidades, o aumento
do poder corrosivo do ar, o aumento da temperatura, a destruição da fauna e da flora
na Terra, são alguns dos exemplos mais comuns que estão na mídia no nosso dia a dia.
Mas a sociedade está despertando e começando a preocupar-se com as relevantes
questões ambientais. O processo está aprofundando-se. Hoje se toma conhecimento
quase que diariamente das ações de preservação e conservação movidas por grupos
sociais atuantes e que se revelam, desde a salvação de uma árvore em uma rua de uma
cidade, até a “ressurreição” de rios antes considerados mortos e recuperação de ecossiste-
mas inteiros. O poder da ecologia na sociedade brasileira tem se manifestado na criação
de instituições oficiais federais, estaduais e municipais como sentinelas da preservação
38 ambiental. Por outro lado, os processos tecnológicos estão passando por profundas
modificações, e a tônica de hoje é o desenvolvimento sustentável, um conceito calcado
em princípios ecológicos. Na agricultura cresce a mobilização da sociedade civil e de
setores do meio científico-acadêmico para frear o uso dos agrotóxicos, tentando pres-
sionar por um maior controle do Estado e estimulando o desenvolvimento de sistemas
agrícolas menos dependentes de insumos industrializados. A Agroecologia, entendida
aqui como a aplicação ou o casamento da ecologia com a agricultura, é a grande bandei-
ra hodierna. Queremos crer que a ecologia é a ciência-base do milênio. A simplificação
destrutiva dos ecossistemas naturais promovida pela “modernização da agricultura” dará
lugar às técnicas de agricultura e pecuária que imitam o seu funcionamento, levando à
explosão da vida nas áreas degradadas.
SINECOLOGIA
SUCESSÃO
As características da comunidade vegetal até agora estudadas são instrumentos indis-
pensáveis na avaliação das mudanças constantes que a vegetação sofre em função do efei-
to dos fatores ambientais. Essas alterações podem ser rítmicas e repetidas todos os anos 41
como consequência do passar das estações, mas podem também indicar uma evolução
em busca de um novo ponto de equilíbrio, chamado de clímax, que constitui a comuni-
dade vegetal final do processo sucessional. As mudanças unidirecionais de substituições
de comunidades vegetais em uma mesma área são denominadas de sucessão. Esse fenô-
meno há muito é conhecido e sua manipulação constitui um dos aspectos fundamentais
do manejo da pastagem nativa.
Quanto à origem, a sucessão pode ser primária ou secundária. A sucessão primária
tem lugar em áreas nunca antes ocupadas por vegetação ou onde a vegetação prévia e o
solo foram destruídos. A ocupação das dunas pela vegetação é um exemplo de sucessão
primária denominada de psamossérie. Na sucessão primária, vegetação e solo evoluem
concomitantemente e se autoinfluenciam de tal modo que para cada estágio de formação
do solo há uma comunidade vegetal característica. Já a sucessão secundária tem lugar em
áreas onde a vegetação prévia foi destruída, sem que o solo tenha sido atingido signifi-
cativamente. Enquanto a sucessão primária é excessivamente lenta e de quase nenhuma
aplicação imediata para o manejo de pastagens nativas, a secundária constitui um dos
fenômenos ecológicos que é manipulado constantemente pelo manejo. Assim, uma
capoeira em pousio no sertão nordestino e uma pastagem em degradação são exemplos de
tipos de áreas onde a sucessão secundária tem lugar. A sucessão secundária é classificada,
quanto à origem, em: natural, se originada de causas naturais, e induzida, quando resulta
da ação antrópica. Quanto à direção, pode ser classificada em progressiva, quando tende a
regenerar o clímax, e retrogressiva, quando se afasta do clímax, indicando uma degradação.
Todavia, nem sempre o clímax representa o estádio mais produtivo do ponto de vista da
exploração que se propõe; é possível a estabilização do processo de sucessão em etapas
intermediárias que resultem no ponto ótimo da produção de fitomassa.
Muitas vezes, como ocorre no Semiárido nordestino, o uso abusivo da vegetação da
caatinga, seja pelas queimadas repetitivas da mesma área pelas queimadas da agricultu-
ra, seja pelo sobrepastejo, faz com que a sucessão secundária leve a vegetação para um
estádio conhecido como disclímax, ou clímax de áreas degradadas, caracterizado por
uma comunidade vegetal de baixa biodiversidade e composta basicamente por espé-
cies espontâneas pioneiras (Figura 9). A recuperação das áreas mostradas na Figura 9
dificilmente será natural, pois o banco de sementes, principalmente das espécies que
42
constituíam o clímax original, é praticamente inexistente.
Figura 9. Disclímax de áreas agrícola e pastoril.
Fotos: J. A. Araújo Filho.
47
CAPÍTULO 2
CARACTERIZAÇÃO
FÍSICA DO
SEMIÁRIDO
NORDESTINO
49
INTRODUÇÃO
50
Figura 11. Nova delimitação do Semiárido brasileiro.
Fonte: BRASIL, 2005.
51
GEOLOGIA E SOLOS
Das terras que recobrem o Semiárido, aproximadamente 50% são de origem sedi-
mentar, ricas em águas subterrâneas, e o restante tem um embasamento cristalino. Um
estudo de zoneamento agroecológico (SILVA et al., 1993) identificou 20 Unidades
de Paisagem, compondo um total de 172 Unidades Geoambientais. Ocupando uma
área total de 368.216 km2, representando 22,2% do Nordeste, destaca-se, dentre as
Unidades de Paisagem descritas, a Depressão Sertaneja, em função de sua larga distri-
buição, constituindo uma paisagem típica do Semiárido nordestino.
De maneira geral, os solos que recobrem a área do Semiárido são quimicamente
adequados, mas apresentam, quase sempre, sérias restrições físicas em razão de sua pouca
profundidade, afloramentos rochosos e presença de pedimentos, que são áreas planas de
capeamentos de cascalho ou seixos rolados. Cerca de quinze classes de solos recobrem a
região do domínio da caatinga: latossolos vermelho-amarelos, latossolos vermelho-escu-
ros, neossolos litólicos, argissolos, luvissolos crômicos órticos, neossolos quartzorênicos,
planossolos háplicos, chernossolos, planossolos nátricos, solonchaks, cambissolos, verti-
solos, neossolo regolítico, solos aluviais e rendzinas. Todas apresentam um problema
comum, isto é, estão em fase acelerada de erosão, com a taxa média de 29,7%. Seis clas-
ses destacam-se pela área de cobertura, que corresponde a 86,6% da área do Semiárido:
planossolos háplicos, neossolos quartzarênicos, luvissolos crômicos órticos, argissolos,
latossolos e neossolos litólicos (Tabela 1).
Tabela 1. Cobertura (%) e grau de erosão (%) dos tipos de solos dominantes no Semiárido
nordestino
Tipos de solo Cobertura (%) Erosão (%)
Latossolos 21,0 9,0
Neossolos litólicos 19,2 65,0
Argissolos 14,7 29,0
Luvissolos órticos crômicos 13,3 65,0
Neossolos quartzarênicos 9,3 0,0
Planossolos háplicos 9,1 10,0
Totais/média 86,6 29,7
52 Fonte: Adaptado de Jacomine (1996).
LATOSSOLOS
Estão agrupados nesta classe os latossolos amarelos, os vermelho-amarelos e os verme-
lho-escuros. Recobrem extensas áreas do sul do Piauí, dos sertões pernambucanos e
baianos, geralmente sob relevo plano a suave-ondulado e destacando-se como a classe de
maior área de cobertura, perfazendo 21,0% no Semiárido. Porém, 9,0% de sua área de
cobertura encontram-se degradados. São solos ácidos (pH de 4,0 a 5,5), embora possam
ocorrer alguns tipos com pH superior a 5,5, profundos, bem drenados e com baixos
teores de matéria orgânica. Em geral, são quimicamente pobres, mas com boas proprie-
dades físicas, têm largo uso agrícola, tanto em regime de sequeiro, como sob irrigação.
NEOSSOLOS LITÓLICOS
São solos minerais, pedregosos, rasos, pH de 5,0 a 6,5, fertilidade média, encontrados em
terrenos de topografia acidentada, podendo ocorrer também em terrenos suave-ondulados,
em toda a região do Semiárido, onde perfazem 19,2% da cobertura edáfica. Devido às suas
características físicas, seu uso é muito limitado, restringindo-se à silvicultura moderada.
Presentemente, 65% de sua área estão erodidos, pois os solos litólicos das áreas serranas são
frequentemente cultivados, mas sem os cuidados necessários à proteção contra a erosão.
ARGISSOLOS
Perfazendo 14,7% da cobertura edáfica da região semiárida, esses solos ocupam extensas
áreas dos estados da Bahia, Paraíba, Rio Grande do Norte e Ceará. São solos de textura
arenosa na parte superficial e argilosa na subjacente, com pH de 5,0 a 6,5. De fertilidade
natural média a alta e com boas condições físicas, esses solos são explorados com diversas
culturas, tanto em condições de sequeiro, como sob irrigação. São muito susceptíveis à
erosão e, devido ao não uso de práticas conservacionistas, aproximadamente 29% da área
de cobertura desse valioso solo se encontra em estado de erosão grave.
NEOSSOLOS QUARTZARÊNICOS
São solos arenosos, profundos, excessivamente drenados, ácidos, com pH de 4,5 a 5,5
e de baixa fertilidade. Recobrem aproximadamente 9,3% do território do Semiárido,
ocupando extensas áreas nos estados do Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte, Pernambuco
e Bahia. Localizam-se tanto no alto sertão, como na faixa litorânea, onde têm uso prin-
cipal na cultura do cajueiro, do coqueiro e da fruticultura em geral. Com um teor de
matéria orgânica extremamente baixo e com elevadas perdas de água por evaporação,
o cultivo desses solos é feito com a utilização de cobertura morta e amontoamento do
mato da capina em cordões, sobre os quais é instalada a cultura. Nas regiões litorâneas,
é muito comum o uso da palha da carnaúba, após o picamento na obtenção do pó,
como cobertura no cultivo desses solos. Tendo em vista sua elevada permeabilidade e
topografia plana, são praticamente livres de erosão.
PLANOSSOLOS HÁPLICOS
Rasos, com drenagem limitada, baixa fertilidade, situados em área de topografia plana
a suave ondulada, esses solos são predominantes em vastas extensões das regiões do
sertão e do agreste nos estados do Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco,
Alagoas, Sergipe e Bahia, recobrindo até 9,1% da superfície do Semiárido nordestino.
Apresentando fortes limitações à atividade agrícola, seu uso está mais restrito ao apas-
centamento animal. Dadas as condições topográficas e as de constante superpastejo, os
planossolos estão sujeitos a forte erosão laminar, que alcança cerca de 10% de sua área
de cobertura, podendo, em áreas críticas, ultrapassar esse percentual.
CLIMA
O Semiárido brasileiro situa-se, grosso modo, entre as isoietas de 300 a 800 mm anuais,
com uma evapotranspiração potencial que pode alcançar os 2.700 mm anuais. O regime
pluvial é caracterizado por duas estações: uma úmida, com duração de 3-4 meses, quando
54
ocorrem cerca de 80% das precipitações anuais; a outra seca, que se estende pelos meses
restantes do ano. A temperatura é megatérmica e isotérmica, com média anual entre
25ºC-31ºC, constituindo junho e julho os meses mais frios. A umidade relativa do ar
flutua de 40-50%, na época seca, a 80-90%, no período das chuvas.
SISTEMAS METEOROLÓGICOS
Vários sistemas meteorológicos contribuem para a formação de nuvens e precipi-
tações pluviais na região do Semiárido. Dentre eles destacam-se as Frentes Frias (FF),
os Vórtices Ciclônicos de Ar Superior (VCAS), a Zona de Convergência Intertropical
(ZCIT) e as Ondas do Leste (OL). As Frentes Frias são formações de nuvens originadas
na região de encontro de uma massa de ar frio e seca, vinda dos polos, com o ar quen-
te e úmido de áreas mais quentes. Sua penetração atinge latitudes tropicais no Brasil,
causando chuvas nos meses de novembro a fevereiro. Os VCAS são um conjunto de
nuvens que se originam sobre o Oceano Atlântico e atingem a região entre os meses
de outubro e março, com maior frequência em janeiro e fevereiro. A ZCIT constitui o
sistema meteorológico mais importante de determinação das características da estação
das chuvas do Semiárido, formada principalmente pela convergência dos ventos alísios
do hemisfério norte com os ventos alísios do hemisfério sul. Constitui-se, pois, de uma
faixa de nuvens que circunda a Terra na altura do Equador, movendo-se de uma posição
de 12º N em agosto-setembro para posicionar-se a 4º S nos meses de março-abril. Sua
ação é mais intensa no oceano, sendo utilizada para determinação de sua intensidade a
Temperatura da Superfície do Mar (TSM). Por fim, as Ondas do Leste se formam na
área de influência dos Ventos Alísios e ocorrem nas próximidades da linha do Equador.
Deslocam-se de leste para oeste, ou seja, da costa africana à costa brasileira, onde provo-
cam chuvas nos estados de Pernambuco, Sergipe, Alagoas, Bahia, Rio Grande do Norte
e, ocasionalmente, no Ceará.
TIPOS (KÖPPEN)
Estabelecer classificações climáticas é muito difícil, pois o clima de uma região se
compõe de muitos elementos, com variações diurnas, estacionais e anuais. O número
possível de combinações é imenso. A classificação climática Köppen-Geiger, uma
das mais utilizadas na atualidade, baseia-se nos valores médios anuais e mensais e
na estacionalidade da temperatura do ar e da precipitação. Cada tipo de clima é
55
identificado por até quatro letras. A primeira letra maiúscula indica as características
gerais do clima. Por exemplo, a letra B refere-se a um clima seco e megatérmico,
isto é, com temperatura mínima do mês mais frio superior a 18ºC. A segunda letra
maiúscula, nos climas tipo B, indica se o clima é semiárido (S) ou desértico (W).
A terceira letra, que é minúscula, refere-se à temperatura. A letra h, nos climas B,
significa um clima semidesértico quente. Por fim, a quarta letra relaciona-se com a
época de ocorrência da estação das chuvas: w para verão, w’ para outono e s’ para
inverno. Para a região do Semiárido, três tipos de clima podem ser identificados,
de acordo com a classificação de Köppen: o BShw, o BShw’ e o BShs’, além de
superposições desses três tipos de clima.
O clima Bshw é descrito como semiárido, megatérmico, com curta estação chuvo-
sa no verão, com concentração das precipitações pluviais nos meses de dezembro e
janeiro. O clima Bshw’ é semiárido, megatérmico, com curta estação chuvosa no
verão-outono, com concentração das precipitações pluviais nos meses de março e
abril. Já o clima BShs’, também semiárido, apresenta uma curta estação chuvosa
no outono-inverno e concentração das precipitações pluviais nos meses de maio e
junho (Figura 12).
Figura 12. Distribuição mensal das precipitações pluviais para os diferentes tipos de clima
no Semiárido nordestino.
56 Fonte: Elaboração própria (2013)
HIDROLOGIA
Bacia do Parnaíba
A bacia do Parnaíba abrange uma área total de 344.112 km2 nos estados do Piauí, do
Maranhão, e em uma pequena área do Ceará. O rio Parnaíba, principal da região, com
aproximadamente 1.400 km de extensão, nasce nos contrafortes da serra do Jalapão, no
Piauí, e deságua no Oceano Atlântico, nas cercanias da cidade de Parnaíba, PI.
Bacia do Jaguaribe
A bacia do Jaguaribe está situada quase que totalmente no estado do Ceará, ocupan-
do cerca de 75.669 km2, que correspondem a pouco mais de 50% da área do estado.
Suas nascentes situam-se na Serra da Joaninha, município de Tauá (CE) e deságua no
Oceano Atlântico, mais precisamente na cidade de Aracati (CE), após percorrer uma
extensão de 610 km. É o maior curso de água do território cearense e sua periodicidade
lhe confere o título de maior rio seco do mundo. 57
Bacia do Acaraú
A bacia do rio Acaraú está totalmente situada no estado do Ceará e drena uma área
de 14.500 km2. O rio Acaraú nasce na serra das Matas, no município de Monsenhor
Tabosa, e deságua no Oceano Atlântico, nas proximidades da cidade do Acaraú, após
percorrer uma distância de 320 km.
Bacia do Apodi
A bacia do Apodi/Mossoró ocupa uma área de 14.271 km2, correspondentes a 27% do
território do Rio Grande do Norte. O rio Apodi tem suas nascentes na Serra Grande, na
Paraíba, e, ao penetrar no município de Mossoró (RN), recebe o nome de rio Mossoró,
corta a cidade homônima e deságua no Oceano Atlântico, nas proximidades da cidade
de Areia Branca.
Bacia do Piranhas
A bacia do rio Piranhas possui uma área total de drenagem de 43.681 km2, cobrindo
60% da área no estado da Paraíba, e 40% da área no estado do Rio Grande do Norte.
O principal rio da bacia é o rio Piranhas-Açu, que tem sua nascente na serra do Bongá, na
Paraíba, penetra no Rio Grande do Norte e, após percorrer aproximadamente 444 km,
deságua no Oceano Atlântico, nas proximidades da cidade de Macau (RN).
Bacia do Capibaribe
A bacia do rio Capibaribe localiza-se totalmente no estado de Pernambuco e cobre
uma área aproximada de 7.455 km2, equivalente a 7,58% do território estadual. Nasce
na serra do Jacará, no município de Poção, e, após percorrer a extensão de 240 km,
deságua no Oceano Atlântico, passando pela cidade de Recife.
As características geomorfológicas da região do Semiárido, com relevo raramente
plano, resultaram na segmentação da paisagem, originando uma malha de drenagem
composta por um sem-número de cursos de água, que variam desde os pequenos riachos
de vazão efêmera até os grandes rios da região. O aproveitamento das águas superficiais
em nível das propriedades rurais baseia-se na construção de açudes, cuja capacidade
de armazenamento varia desde poucos milhares de metros cúbicos dos barreiros para
irrigação de salvação, alguns milhões de metros cúbicos dos grandes açudes privados, a
58 bilhões de metros cúbicos dos grandes açudes públicos. Assim, incluindo-se os açudes
dos programas governamentais, são contabilizadas cerca de 80 mil represas na região,
armazenando acima de 80 bilhões de m3, tornando o Semiárido o possuidor do maior
estoque de águas artificialmente represadas em regiões semelhantes do mundo.
RESERVAS SUBTERRÂNEAS
Considerando as reservas hídricas subterrâneas, quatro províncias são relacionadas:
Escudo Oriental Nordeste, São Francisco, Parnaíba e Costeira.
Na província Escudo Oriental predominam rochas cristalinas, tais como granitos e
xistos, com os aquíferos formados a partir de fissuras e diáclases. É dividida em duas
subprovíncias: a Nordeste, que apresenta, em geral, potencial hidrogeológico muito
fraco (de 1.000 a 3.000 l/hora), relacionado com as condições limitantes de circulação
da água que, sob um clima semiárido, acarretam elevadas taxas de salinidade, e a Sudeste,
onde melhores condições climáticas favorecem condições adequadas para produção de
água subterrânea de melhor qualidade e maior quantidade (10.000 l/hora).
Na província São Francisco, localizada em sua maior parte no estado da Bahia, os
aquíferos tornam-se mais amplos, quando associados com rochas porosas do manto de
intemperismo, resultando em vazões de aproximadamente 10.000 l/hora, podendo, em
condições mais favoráveis, atingir dezenas de milhares de litros/horas.
A província Parnaíba, de origem sedimentar, cobre uma superfície de 600.000 km2,
correspondendo a 90% do território do estado do Piauí, e representa a principal provín-
cia e a mais importante do Semiárido. A partir de poços tubulares de 400 a 600 m de
profundidade, podem ser obtidas vazões horárias de várias centenas de milhares de litros
de água de boa qualidade.
A província Costeira corresponde à extensa faixa litorânea do país, que vai do Amapá
até o Rio Grande do Sul, formando várias subprovíncias, destacando-se na região
semiárida as dos litorais do Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco,
Alagoas, Sergipe e Bahia, com penetrações para o interior, como se observa no Ceará, no
Rio Grande do Norte e na Bahia. Os aquíferos mais promissores podem produzir vazões
de até 10.000 l/hora.
59
CAPÍTULO 3
O BIOMA CAATINGA
61
FLORA
As folhas da aroeira são consumidas, verdes ou secas, por bovinos, caprinos e ovinos.
É uma arbórea que não deve ser rebaixada, mas devido a sua utilidade como produtora
de madeira e de produtos medicinais, é preferível preservá-la. Seu aproveitamento pela
pecuária deverá ser pelo uso de suas folhas naturalmente fenadas. Sua contribuição para
a circulação de nutrientes em um sistema agroflorestal é muito importante, consideran-
do-se o elevado teor de nitrogênio em suas folhas e a rapidez com que se degradam, após
67
sua queda ao solo.
Catingueira (Poincianera pyramidalis)
Da família das Cesalpináceas, a catingueira (Figura 16) é uma árvore típica dos estágios
intermediários da sucessão secundária da caatinga, encontrada nos sertões nordestinos de
baixa a elevada altitude, na maioria dos solos da região, com predominância nos luvissolos
crômicos órticos e argissolos. Árvore que pode alcançar até 10 m de altura, de crescimento
lento, sistema radicular com raiz pivotante pouco pronunciada, caule inerme, lenho pesa-
do, com densidade específica de 920 kg/m3. Copa arredondada moderadamente densa
e folhas compostas. Caducifólia tardia, seu ciclo fenológico se verifica durante a época
das chuvas, com o início da dormência em plena estação seca. Alcança a vegetação plena
no começo da estação das chuvas, flora ao meio da estação e frutifica ao final do período
úmido. Planta útil como forrageira e produtora de néctar e pólen e de lenha.
As folhas do juazeiro são consumidas quando verdes. Vale salientar que essa espé-
cie pode ser utilizada como reserva alimentar estratégica para o fim do período seco e
73
até para as secas prolongadas que periodicamente assolam o Semiárido nordestino. Os
frutos, tanto se prestam ao consumo humano, como são muito procurados por ovinos
e caprinos. A contribuição dessa espécie para circulação de nutrientes em um sistema
agroflorestal é muito importante, considerando-se, não só o elevado teor de nitrogênio
em suas folhas e a rapidez com que se degradam após sua queda ao solo, como também a
sombra acolhedora que oferece, durante todo a ano, razão por que, nos desmatamentos
e queimadas da agricultura nordestina, essa espécie é sempre poupada e até protegida.
As folhas do jucá são consumidas quando verdes. Vale salientar que essa espécie pode
ser utilizada como reserva alimentar estratégica para o fim do período seco. Todavia, em
condições normais, as vagens constituem um excelente recurso forrageiro para o início
do período seco (Figura 19). A contribuição dessa espécie para a circulação de nutrientes
em um sistema agroflorestal é muito importante, considerando-se não só o elevado teor
de nitrogênio em suas folhas e a rapidez com que se degradam após sua queda ao solo, a
75
profundidade de seu sistema radicular, como também por ser uma leguminosa simbionte.
Jurema preta (Mimosa tenuiflora)
Da família das Mimosáceas, a jurema preta (Figura 20) é uma árvore típica dos está-
gios pioneiros da sucessão secundária da caatinga, encontrada nos sertões nordestinos
de baixa a elevada altitude, na maioria dos solos da região, com predominância nos
luvissolos, órticos crômicos, argissolos, e planossolos háplicos. Pode alcançar até 8 m de
altura, apresenta crescimento rápido, sistema radicular com raiz pivotante pronunciada,
caule espinhoso, lenho moderadamente pesado, com densidade específica de 870 kg/m3.
Perenifólia em quase todos os sítios da caatinga, ou caducifólia tardia, com manutenção
da folhagem nos primeiros meses da estação seca, em áreas ou anos mais secos. Copa
arredondada, moderadamente densa e folhas compostas. Seu ciclo fenológico se verifica
durante a época das chuvas, com o início da dormência em plena estação seca, com a
queda das folhas. Alcança a vegetação plena no início das chuvas, flora ao fim do período
e frutifica no início da época seca. Planta forrageira, produtora de lenha, medicinal e
utilizada na coleta apícola de néctar.
Rebrota e alcança a vegetação plena no início das chuvas; flora e frutifica ao meio da
estação; entrando em dormência, com a queda das folhas, no início do período seco.
Planta forrageira, produtora de lenha e estaca para cerca e utilizada na coleta apícola de
78
pólen e néctar.
Análises laboratoriais das folhas do mororó (Tabela 8), colhidas em diferentes fases
de seu ciclo fenológico, indicaram que o teor de matéria seca aumentou de 25,1%, na
fase de vegetação plena, para 37,4%, na frutificação, alcançando na fase de dormência
cerca de 90,9%. O teor de proteína bruta decresceu de 20,7% na fase de vegetação plena
para 13,3% na frutificação e para 9,7% na dormência. Os teores de fibra em detergen-
te neutro e de fibra em detergente ácido flutuaram, no primeiro, de 46,6 a 54,3% e,
no segundo, de 25,0 a 44,3%, respectivamente, para as fases de vegetação plena e de
dormência. O conteúdo de lignina alcançou 9,1% na vegetação plena, aumentando para
17,6% na frutificação e para 25,3% na dormência, um dos maiores entre as espécies
arbóreas da caatinga. Por outro lado, o percentual de taninos totais variou de 5,7%,
na fase de vegetação plena, a 3,9% na dormência. Por fim, a digestibilidade in vitro da
matéria seca (DIVMS) pode ser considerada elevada para uma arbórea nativa, variando
de 59,7% na fase de vegetação plena, para 55,4% na frutificação, atingindo 35,5% na
dormência.
As folhas do mororó têm excelente palatabilidade quando verdes, porém, devido à baixa
ocorrência dessa espécie, na maioria dos sítios ecológicos da caatinga, sua participação na
dieta dos ruminantes domésticos é sempre muito baixa. É uma espécie lenhosa que deve
ser rebaixada, podendo, também, ser utilizada no enriquecimento da caatinga, quando,
então, poderá ocupar lugar de destaque no forrageamento de ovinos, bovinos e caprinos. Sua
79
contribuição para circulação de nutrientes em um sistema agroflorestal é muito importante,
considerando-se, não só o elevado teor de nitrogênio em suas folhas e a rapidez com que se
degradam após sua queda ao solo, como também por ser uma leguminosa simbionte.
FAUNA
84
A destruição sistemática dos hábitats e a caça descontrolada e predatória podem ser
apontadas como as principais responsáveis pelo reduzido número das espécies compo-
nentes da fauna. Porém, o que mais preocupa é a falta de cursos e faculdades no país
voltados para o estudo da fauna, com a formação de pesquisadores e técnicos que se
dediquem ao estudo e à recuperação, bem como à exploração sustentável desse impor-
tante componente da caatinga.
85
CAPÍTULO 4
SISTEMAS DE PRODUÇÃO
NO ÂMBITO DA CAATINGA
87
INTRODUÇÃO
AGRICULTURA
As práticas da agricultura tradicional seguem o modelo migratório ou itineran-
te, que incluem o desmatamento total, a queimada da madeira, o cultivo de até
dois anos e pousio para recomposição da vegetação nativa e da fertilidade do solo.
O solo é mantido sempre sem qualquer cobertura vegetal, viva ou morta, devido
às constantes capinas, contribuindo, assim, para os elevados índices de erosão
(Figura 27).
A intensificação do uso do solo, bem como seu uso além da capacidade natural de
regeneração dos ecossistemas, vem causando, na região da caatinga, vultosas perdas
na biodiversidade da fauna e da flora, erosão do solo, sedimentação dos reservatórios
e dos rios, com consequente declínio da atividade econômica e da qualidade de vida
da população, podendo ser apontada como um dos fatores que contribuíram para
o êxodo rural. Com base na sucessão secundária da vegetação da caatinga, o pousio
96
deveria ser de pelo menos 40 anos. Mas, na realidade, em extensas áreas do domínio
da caatinga, a pressão demográfica reduziu o período de repouso para menos de 10
anos. O resultado é que o ritmo de perda da vegetação primária alcança 2,7% ao ano,
cerca de 80% da cobertura vegetal é secundária, com mais de 40% mantida em estágio
pioneiro da sucessão secundária, e a desertificação já atinge em torno de 25% da área
do território.
PECUÁRIA
A região Nordeste ocupa um lugar de destaque na pecuária nacional. Com efeito, os
percentuais referentes ao efetivo nacional das diversas espécies de animais domésticos
criados na região são bastante expressivos, como se deduz da Tabela 11.
SILVICULTURA
O produto mais importante da extração madeireira na caatinga é a lenha, que respon-
de por cerca de 30% do consumo de energia da região nordestina (Figura 29). Porém,
considerando o consumo doméstico nos sertões, a lenha satisfaz a mais de 70% da
demanda energética, sendo necessários 78 estéreos para atender a uma residência média
a cada ano. Por outro lado, a taxa anual de incremento da produção de madeira na
caatinga é de 5,0 estéreos por hectare. Isso faz com que a maioria das famílias agriculto-
ras do Semiárido seja importadora desse produto.
98
Figura 29. Extração e uso de lenha na caatinga.
Fotos: J. A. Araújo Filho.
SISTEMAS AGRÍCOLAS
Vários fatores contribuem sobremaneira para a intensificação dos processos que estão
materializando a desertificação de grandes áreas no domínio da caatinga, destacando-se
a estrutura fundiária, as secas periódicas e o caráter extrativista e predatório das práticas
de exploração dos recursos naturais. Nesse contexto, a modernização da agricultura,
com base nas recomendações da Revolução Verde, estimuladoras do uso intensivo da
mecanização, dos agrotóxicos, dos fertilizantes e das sementes selecionadas, técnicas
de grande impacto ambiental, vem resultando na aceleração da degradação dos solos e
desertificação em algumas regiões do Semiárido. Por exemplo, em Irecê, na Bahia, que
era conhecida como a capital mundial do feijão por cerca de 30 anos, a partir do ano
2000 a queda da produção foi tão avassaladora que a maioria dos agricultores desistiu do
103
plantio comercial da leguminosa. Tanto em Irecê como em Novo Oriente, a mecaniza-
ção intensa, aliada à destruição da matéria orgânica, desestruturou o solo, transforman-
do o horizonte superficial em areia e provocando nuvens de poeira sob a ação do vento.
Os sistemas de produção agrícola, comumente praticados pela agricultura tradicio-
nal no Semiárido nordestino, caracterizaram-se, desde seus primórdios coloniais, por
um extrativismo predatório dos recursos naturais de solo e de vegetação. Predominam
na região os pequenos estabelecimentos agrícolas com menos de 10 ha, que podem
perfazer até 70% das unidades de produção. Tendo de tirar o seu sustento de área tão
diminuta e de baixo potencial produtivo, e não dispondo de apoio permanente da
pesquisa e da extensão rural no desenvolvimento de tecnologias compatíveis com o
ambiente, o agricultor familiar não vê outra opção que não seja a de intensificar o uso
da terra a patamares muito além de sua capacidade de recuperação. Por seu turno, as
secas periódicas, características do domínio da caatinga, encontram nos ecossistemas
ecologicamente fragilizados e degradados, e, portanto, com baixa capacidade de absor-
ção de impactos, um campo aberto para incremento de seus efeitos negativos sobre
a produção, a economia e o bem-estar social. A relação exposta e discutida a seguir
sumariza o universo de sistemas de produção em uso pelos agricultores do sertão
nordestino.
SISTEMAS PECUÁRIOS
São considerados sistemas pecuários de uso da terra aqueles em que cerca de 60%
dos rendimentos econômicos provêm da atividade pastoril. No domínio da caatinga, a
pecuária foi a atividade pioneira do uso da terra e, levando-se em conta as características
ecológicas da região, permanece como a que melhor absorve as incertezas climáticas e
melhor se presta à fixação do homem à terra.
Historicamente, a pecuária tem se concentrado nas áreas recobertas por solos inade-
quados ao cultivo e com limitações climáticas impeditivas a uma agricultura economi-
camente rentável. Assim, nos sertões nordestinos, os tabuleiros, onde predominam os
solos das classes dos planossolos háplicos e solonetz solodizados, que recobrem acima de
9,0% da região, constituem as áreas de maior concentração dos rebanhos. Isso porque
sua fisionomia é a de uma savana, com abundância de ervas, que constituem o principal
componente da dieta dos ruminantes domésticos. Nessas áreas, a cobertura arbórea-
-arbustiva alcança valores médios de 20%, enquanto a densidade das espécies lenhosas
varia de zero até cerca de 300 plantas por hectare. Os tabuleiros sertanejos constituem
ecossistemas frágeis, e o manejo inadequado, caracterizado por condições constantes de
sobrepastejo, tem resultado em extensas degradações dessas áreas, algumas das quais já
108
se encontram em condições graves de desertificação.
O manejo pastoril na caatinga é geralmente extensivo e, praticamente, nenhum
cuidado é exercido com relação às pastagens nativas, constituindo a atividade mais um
exemplo de extrativismo predatório. Na maioria dos casos, não se conhece o conceito
de sobrepastejo e, assim, o desempenho produtivo dos rebanhos apresenta índices extre-
mamente baixos e sem a necessária resiliência para absorver os impactos das variações
climáticas rotineiras das regiões semiáridas.
Por outro lado, o impacto do pastejo sobre a vegetação, o solo e os recursos
hídricos está associado, principalmente, com a espécie animal, a carga animal na
pastagem, a pressão de pastejo, com o tipo de solo e de vegetação e com a topografia.
Diferenças marcantes existem entre as espécies de herbívoros domésticos no que
tange à preferência alimentar e ao hábito de pastejo. Bovinos e ovinos compõem sua
dieta basicamente com plantas herbáceas, enquanto caprinos o fazem com folhas de
árvores e arbustos. Bovinos têm um hábito de tosa mais elevado, e ovinos cortam a
forragem rente ao solo. A capacidade de suporte das pastagens nativas dos sertões
varia com o tipo de vegetação, sua produtividade, a espécie animal, sofrendo o efeito
do clima, principalmente no que concerne às precipitações pluviais e à ocorrência
de secas. Podem-se agrupar os sistemas pecuários dos sertões em duas categorias: os
de sequeiro e os irrigados.
112
Figura 33. A palma na depressão sertaneja no Ceará.
Foto: J. A. Araújo Filho.
Plantios florestais
O plantio florestal vem sendo incentivado pelo governo desde a publicação do decre-
to sobre produção de energia de biomassa em 1974. Todavia, a repercussão tem sido
baixa nos sertões nordestinos e hoje constitui uma atividade rara na região, exceto com
algaroba (Prosopis juliflora), que começa a ser substituída depois da fase de expansão, e
do sabiá, em certas áreas, para produção de estacas.
AGRICULTURA
O componente agricultura do sistema de produção deve envolver técnicas de poli-
cultura, com plantio direto. Justifica-se o uso da policultura, em razão de constituir
a melhor opção para os agentes da agricultura familiar das regiões semiáridas, onde
as incertezas e variações climáticas resultam em elevados riscos de frustração de safra.
Milho, sorgo, feijão, mandioca, melão, melancia, abóbora, algodão, sisal, gergelim e
mamona são exemplos de cultivos que, além de constituírem as melhores alternativas
culturais, devem ser plantadas consorciadas.
PECUÁRIA
Do ponto de vista ecológico, sobressai-se o fato de que o animal desempenha um
papel importante na distribuição dos nutrientes, via esterco e urina, nas áreas do sistema
de produção. Em se tratando de animais que pernoitam em apriscos ou currais, todo o
esterco deve ser recolhido para uma esterqueira e, posteriormente, redistribuído para as
parcelas agrícolas. Por seu turno, deve haver providências para que a parcela agrícola seja
usada como banco de proteína no período seco, o que reforçaria a ideia da distribuição
dos nutrientes. Por outro lado, nunca é demais enfatizar que o agricultor deve adotar
sempre técnicas de pastoreio conservadoras, evitando o superpastoreio e zelando pelo
bem-estar da pastagem.
116
Considerando-se o aspecto econômico, vale a pena salientar o papel da pecuária como
atividade tampão dos efeitos da seca, ocorrência comum nas regiões semiáridas. Dados
do governo do estado do Ceará informam que, em um ano de seca, a produção agrícola
apresenta uma perda de rendimento de 72%, com relação à média de longo prazo, ou de
84%, com relação à produção de um ano normal. Por seu turno, as perdas da pecuária
podem corresponder a menos de 20% de um ano normal. Isso permitiria ao agricultor
estabilizar sua renda, flexibilizando suas atividades, de acordo com as condições climá-
ticas do ano.
Com relação ao aspecto social, a pecuária, mormente a de pequeno porte, tem desem-
penhado importante papel de fixação do homem à terra. No Nordeste semiárido, a
ovinocaprinocultura, em razão de sua maior adaptação às condições ambientais limitan-
tes, tem-se prestado a essa função, caracterizando-se como a fonte de proteína animal
para consumo doméstico, bem como, dada sua elevada liquidez, prestando-se à obtenção
de recursos financeiros para pequenas despesas da propriedade. Por ser uma atividade
de menor risco e de baixos investimentos, está ao alcance da maioria da população de
agricultores familiares, constituindo-se, além disso, uma atividade de rápida circulação
de capital. Um ovino ou um caprino pode estar pronto para o mercado em até seis meses
após o nascimento. Por seu turno, matrizes ovinas ou caprinas já podem ser cobertas aos
nove meses de idade e se reproduzir a intervalos de oito meses, com até 50% de partos
duplos, produzindo cerca de 1,7 crias desmamadas, anualmente.
FLORESTA
No que tange à parte florestal, especial atenção deve ser dada a alguns aspectos pecu-
liares da região. Diversos produtos madeireiros e não madeireiros são obtidos extrati-
vamente da vegetação da caatinga. Além da lenha, seu produto economicamente mais
importante, a vegetação lenhosa da caatinga fornece também postes e varas para confec-
ção de cerca, forragem, produtos medicinais e é uma importante área para a apicultura.
117
CAPÍTULO 5
TECNOLOGIAS
DE MANEJO PASTORIL
DA CAATINGA
119
INTRODUÇÃO
Tabela 13. Participação (%) dos componentes botânicos da caatinga nativa nas dietas de
bovinos, caprinos e ovinos, na estação úmida (E.U.) e na estação seca (E.S.)
Participação de componentes botânicos (%)
Espécie
Gramíneas Ervas Lenhosas
animal
E.U. E.S. Média E.U. E.S. Média E.U. E.S. Média
Bovinos 19,6 4,4 12,0 12,3 23,3 17,8 68,0 72,2 70,1
Caprinos 5,3 0,3 2,8 6,3 14,5 10,4 88,4 85,1 86,8
Ovinos 18,1 0,7 9,4 11,1 14,7 12,9 70,7 84,5 77,6
Fonte: PETER (1992).
Por outro lado, apesar das variações estacionais na qualidade da forragem, ovinos e
122
caprinos conseguem compor uma dieta adequada em termos de proteína, mesmo na
estação seca (Tabela 14). Esses pequenos ruminantes requerem cerca de 9% de proteína
na composição de sua dieta.
Os dados demonstram que esse percentual é alcançado, tanto no inverno como no
verão, por ambas as espécies de ruminantes, pastando em caatinga nativa, ao longo do
ano. As médias observadas no inverno foram de 17% e 16,6% de proteína bruta na dieta
de ovinos e caprinos, respectivamente. Já no verão, os primeiros tiveram 11,7%, e os
segundos, 10,6% de proteína bruta em suas dietas.
Tabela 14. Teores de proteína bruta (%) na dieta de caprinos e ovinos em caatinga nativa
Teores de proteína bruta (%)
Autor Época das chuvas Época seca
Caprino Ovino Caprino Ovino
Kirmse (1984) 15,6 14,4 12,4 8,7
Pfister (1982) 19,2 18,6 13,2 12,4
Souza (1991) 14,7 15,0 9,1 8,8
Peter (1992) 18,6 18,2 12,2 12,5
Média 17,0 16,6 11,7 10,6
Fonte: Elaboração própria (2013).
Tabela 15. Produção anual média de fitomassa (Pfito), disponibilidade de forragem (Dfor),
capacidade de suporte (CSup), ganho de peso diário (GPD) na recria e produção de peso
vivo (PPV) em uma caatinga nativa
Espécie Pfito Dfor CSup GPD (g) PPV
animal (kg/ha) (kg/ha/ano) (ha/cab./ano) Inverno Verão (kg/ha/ano)
Bovino 4.000 400 10,0 375,5 -155,7 8,0
Caprino 4.000 400 2,0 36,1 14,9 9,3
Ovino 4.000 400 2,0 44,0 18,2 11,3
Fonte: ARAÚJO FILHO et al. (2002).
Nesse contexto, o CNPC (2006) realizou uma pesquisa em três microbacias no sertão
cearense, para determinar a largura adequada da mata ciliar, levando em consideração
que a grande maioria dos cursos d’água da região é de largura inferior a cinco metros e
todos são periódicos ou efêmeros. Foram testadas três larguras: zero (sem mata ciliar),
uma vez e duas vezes a largura do leito do riacho, ambas tomadas em sua parte superior.
Os resultados indicaram que, em média, houve uma redução de 89% na quantidade de
sedimento arrastado, quando a mata ciliar tinha uma vez a largura do riacho e de 97,5%,
126
quando correspondia a duas vezes.
Por fim, é fundamental que as áreas submetidas aos métodos de manejo da caatinga
sejam devidamente protegidas por cercas apropriadas, a fim de permitir um controle
adequado da pastagem pelo proprietário. Esse controle diz respeito, principalmente no
que se refere à época de entrada e saída do rebanho, à carga animal, à espécie e à catego-
ria de animal que vai utilizar a forragem e à frequência e intensidade de uso da forragem
disponível.
Dentre as diversas alternativas de manipulação da vegetação da caatinga visando o
aumento da produção de forragem e melhor desempenho dos rebanhos, nos deteremos
sobre as três mais comumente usadas: o rebaixamento com manejo das rebrotações, o
raleamento e o enriquecimento.
5. Retirar toda madeira útil para estacas, estacotes, mourões, lenha, etc.
129
Capacidade de suporte e produção animal na caatinga rebaixada
A caatinga rebaixada deverá ser explorada preferencialmente com caprinos, ou com
a combinação de bovinos e caprinos, na proporção de 1:6 ou 1:8. Convém notar que
deverá haver, pelo menos, dois bovinos por piquete. A disponibilidade de forragem na
caatinga rebaixada corresponde a 40% da fitomassa produzida, ou seja, 1.600 kg/ha/
ano. Nessas condições, a capacidade de suporte anual é de 5 ha para bovinos, 0,7 ha para
caprinos e 1 ha para ovinos (Tabela 16). Com isso, o ganho diário de peso vivo para
bovinos pode atingir 405,8 g/cab no inverno, com perda de 132,9 g/cab no verão, e uma
produção de 20 kg/ha/ano de peso vivo. Já com caprinos, os ganhos diários são de 54 g/
cab na época das chuvas, e 27,8 g/cab no período seco, sendo obtidos 42,6 kg/ha/ano de
peso vivo. Para ovinos, o ganho diário é de 47,7 g/cab no inverno, e 21 g/cab no verão,
com a produção anual de 25,1 kg/ha de peso vivo (Tabela 16).
Tabela 16. Produção anual média de fitomassa (Pfito), disponibilidade de forragem (Dfor),
capacidade de suporte (CSup), ganho de peso diário (GPD) e produção de peso vivo (PPV)
em uma caatinga rebaixada
Espécie Pfito Dfor CSup GPD (g) PPV
animal (kg/ha) (kg/ha/ano) (ha/cab/ano) Inverno Verão (kg/ha/ano)
Bovino 4.000 1.600 5,0 405,8 -132,9 20,0
Caprino 4.000 1.600 0,7 54,0 27,8 42,6
Ovino 4.000 1.600 1,0 47,7 21,0 25,1
Fonte: ARAÚJO FILHO et al. (2002b).
RALEAMENTO
O raleamento da vegetação arbóreo-arbustiva da caatinga consiste no controle seleti-
130
vo de espécies lenhosas, com o objetivo de, reduzindo o sombreamento e a densidade de
árvores e arbustos indesejáveis, obter-se incremento da produção de fitomassa do estrato
herbáceo, propiciando a formação de uma pastagem nativa de elevada produtividade
(Figura 38). Embora com efeitos benéficos para bovinos, caprinos e ovinos, o raleamen-
to se presta mais à exploração por bovinos e ovinos, espécies que apresentam os maiores
desempenhos, por terem uma dieta composta basicamente por espécies herbáceas.
Modelos de raleamento
Os aspectos topográficos da área, principalmente a declividade, influem na intensida-
de do raleamento, por causa dos riscos de erosão, devido a maior exposição do solo, não
sendo recomendado o raleamento em áreas com declividade superior a 25%. Assim, há
três tipos de raleamento: em savana, em bosquete e em faixas.
No raleamento em savana as árvores são preservadas como indivíduos isolados, dando
assim o aspecto de uma savana. Esse modelo é aplicável em áreas de caatinga sucessional,
nos estágios arbustivo-arbóreo e arbóreo-arbustivo. É apropriado para áreas com decli-
vidade de, no máximo, 10%.
O tipo bosquete consiste em poupar as árvores por grupos que ocorrem naturalmente
na área, principalmente em caatingas arbóreas ou nos estágios arbóreo-arbustivo e arbóreo.
O uso do raleamento em savana, nesse caso, quase sempre resulta em perdas consideráveis
de árvores, quer pelo ressecamento, quer pela queda devido ao vento. O percentual máxi-
131
mo de declividade deve ser o mesmo recomendado para o raleamento em savana.
O modelo em faixas deve ser usado em terrenos acidentados, com declividade de 10%
a 25%, colocando-se as faixas de vegetação nativa intocadas e perpendiculares ao declive
do terreno, seguindo as curvas de nível, a fim de conter a erosão.
Todavia, vale salientar que o modelo de raleamento em savana constitui o de uso mais
corrente e recomendado para a vasta maioria da área recoberta pela caatinga.
Ao meio do inverno seguinte, faz-se o roço de todas as rebrotações das espécies lenho-
sas que foram brocadas. Em algumas situações, poderá ocorrer uma ocupação da área 133
raleada pelo bamburral ou sambacuité (Hyptis suaveolens), com elevada densidade. Nesse
caso, é imprescindível o roço dessa herbácea antes de sua floração, ou melhor, quando
as plantas alcançarem cerca de 50 cm de altura. Essa operação deverá ser repetida no
mesmo período do ano seguinte, obtendo-se, com o tempo, um adequado controle das
espécies herbáceas e lenhosas indesejáveis, principalmente do marmeleiro.
A experiência tem mostrado que, com o roço e o ramoneio das rebrotas pelos animais, no
prazo máximo de cinco anos, a maioria dos tocos estará morta e poderá então ser arrancada.
A partir daí, a manutenção da área raleada é obtida com roços, sempre na estação úmida e
a cada três a quatro anos. No primeiro ano, o uso da área raleada só deverá ser feito após a
maturação e queda das sementes das espécies herbáceas, ou seja, no início da época seca.
Pode-se verificar o protocolo com as práticas do raleamento no Quadro 2.
Tabela 17. Participação dos componentes botânicos da caatinga raleada nas dietas de
bovinos, caprinos e ovinos, na estação úmida (E.U.) e na estação seca (E.S.)
Participação dos componentes botânicos (%)
Espécie
Gramíneas Ervas Lenhosas
animal
E.U. E.S. Média E.U. E.S. Média E.U. E.S. Média
Bovinos 78,3 71,5 74,9 17,0 19,6 18,3 4,7 8,9 6,8
Caprinos 17,0 18,1 17,5 37,5 15,0 26,2 45.5 66,9 56,2
Ovinos 47,2 21,0 34,1 48,0 55,7 51,8 4,8 23,3 14,0
Fonte: PETER (1992).
Tabela 18. Produção anual média de fitomassa (Pfito), disponibilidade de forragem (Dfor),
capacidade de suporte (CSup), ganho de peso diário (GPD) na recria e produção de peso
vivo (PPV) em uma caatinga raleada
Espécie Pfito Dfor CSup GPD (g) PPV
Animal (kg/ha) (kg/ha/ano) (ha/cab/ano) Inverno Verão (kg/ha/ano)
Bovino 4.000 2.400 3,5 621,0 -11,5 63,6
Caprino 4.000 2.400 0,5 57,7 26,8 61,7
Ovino 4.000 2.400 0,5 77,9 32,0 76,4
Fonte: ARAÚJO FILHO et al. (2002a).
ENRIQUECIMENTO
Nos domínios da caatinga são encontradas extensas áreas, cuja vegetação, em conse-
quência do uso indiscriminado, quer pelas práticas ambientalmente agressivas da agri-
cultura itinerante, quer pelo sobrepastejo e extração de lenha, já perdeu a diversidade
florística que lhe é peculiar e teve sua produção de forragem reduzida a valores incom-
137
patíveis com uma exploração pastoril economicamente rentável.
Nessas condições, a recuperação ecológica e econômica da pastagem pode ser obtida
pela introdução e ressemeio de forrageiras nativas e/ou exóticas adaptadas às condições
de sítio ecológico. No entanto, as práticas em uso pelos criadores no Semiárido nordes-
tino são por demais agressivas e carecem das características de sustentabilidade, uma vez
que se baseiam na destruição total da vegetação original e no estabelecimento de uma
monocultura de gramíneas.
Para reduzir o impacto ambiental, a introdução de novas forrageiras na pastagem deve
ser feita pela técnica do cultivo mínimo, tendo-se em vista a preservação do estrato herbá-
ceo nativo, rico em leguminosas forrageiras, em alguns sítios mais comuns no sertão.
A caatinga deve ser raleada, preservando-se até 200 árvores por hectare, resultando
no estabelecimento de uma pastagem arborizada de adequada produtividade e elevada
sustentabilidade, estabilidade e resiliência (Figura 40). Acrescente-se a manutenção da
mata ciliar dos cursos d’água existentes na área. O enriquecimento pode ser feito no
estrato herbáceo ou lenhoso.
Tabela 19. Produção anual média de fitomassa (Pfito), disponibilidade de forragem (Dfor),
capacidade de suporte (CSup), ganho de peso diário (GPD) e produção de peso vivo (PPV)
em uma caatinga enriquecida com capim gramão, com adubação fosfatada
10. Proceder às capinas das ervas nos espelhos e ao controle dos rebrotes de
árvores e arbustos.
11. O rebanho não deve entrar na área no primeiro ano, mas somente a partir
do verão do segundo ano com carga animal leve.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
144
CAPÍTULO 6
SISTEMAS DE PRODUÇÃO
AGROFLORESTAIS
PECUÁRIOS PARA
REGIÕES SEMIÁRIDAS
145
INTRODUÇÃO
O plantio das culturas tradicionais deve ser realizado nas faixas entre os cordões, com o
objetivo de proteção do solo. Adota-se a prática da policultura, pois o uso de várias culturas
em sistema de consórcio favorece uma ampliação da biodiversidade dos cultivos, tanto quanto
promove uma dieta diversificada para a população humana, e resulta em uma maior geração de
renda, estabilidade de produção, diminuição dos riscos, redução da incidência de pragas e doen-
ças, eficiência no uso da mão de obra e aumento do retorno, com baixos níveis de tecnologia.
O aporte contínuo de matéria orgânica ao solo é garantido por cinco fontes distintas.
A primeira consta da folhagem das árvores poupadas quando do raleamento, alcançando
cerca de 1,5 toneladas por hectare e por ano. A segunda consiste da parte aérea da rebro-
tação dos tocos, cortada e incorporada ao solo, durante o período das chuvas, atingindo
cerca de 2 toneladas por hectare. A terceira origina-se das ervas nativas, que são capinadas
ou roçadas e incorporadas ao solo, durante o ciclo das culturas e que podem perfazer até
3 toneladas por hectare. A quarta é formada pelo corte da parte aérea da leguminosa perene
estabelecida nos lados dos cordões de garranchos, somando outras 2 toneladas. E, por fim,
a quinta e última fonte de matéria orgânica advém do esterco dos animais, que é distribuído
a lanço, ao final do período seco e que atinge até 3 toneladas por hectare. Assim, são
adicionadas anualmente ao solo cerca de 11 toneladas de matéria orgânica por hectare, na
parcela sob agricultura. Após a colheita, a palhada do milho deve ser recolhida e enfardada
para uso como suplemento alimentar volumoso, durante a época seca, ou deixada em
154
campo para sua futura incorporação no solo, como fonte de matéria orgânica (Quadro 4).
Quadro 4 – Protocolo para o roçado ecológico
9. No primeiro ano, as leguminosas das aleias não poderão ser usadas para
corte ou pastoreio. É preciso que cresçam e produzam sementes.
13. Sessenta dias depois, executar novo corte para a produção de feno para
suplementação do rebanho no verão.
155
Propostas de modelos silvipastoris
Há diversos modelos de sistemas de produção silvipastoris para a região da caatinga,
podendo ser incluídos nessa categoria os bancos de proteína, a caatinga manipulada e os
lotes florestais. Outros modelos são os quebra-ventos e a mata ciliar.
a. Banco de Proteína – também chamado de bancos forrageiros, consistem de
áreas cultivadas com forrageiras de alto valor nutritivo e produtividade destinadas
a fornecer suplementação alimentar, principalmente nas épocas críticas. As espé-
cies botânicas mais utilizadas na formação dos bancos são geralmente leguminosas,
destacando-se a leucena, o guandu, a gliricídia, a jurema-preta, o sabiá e a camaratu-
ba. O preparo da área para implantação do banco de proteína consiste no raleamen-
to da vegetação lenhosa preservando-se até 200 árvores por hectare ou o equivalente
a 20% de cobertura. O plantio das forrageiras pode ser feito por sementes ou mudas,
semeadas no espaçamento de 0,5 m dentro de linhas separadas por 1,5 a 2,5 m,
dependendo do tipo de animal que vai utilizá-lo, ou seja, menores espaçamentos
para ovinos e caprinos e maiores para bovinos. Sementes de tegumento impermeável
requerem um tratamento com água fervente, ácido sulfúrico ou um agente físico
para facilitar a germinação. Plantam-se até três sementes por cova, sem necessidade
de desbaste após a emergência. Aconselha-se ter sempre à mão mudas para replantio,
em número equivalente a cerca de 10% do total de covas plantadas. Após a emer-
gência, capinas periódicas e controle de pragas, principalmente de formigas, cons-
tituem os tratos culturais rotineiros. Para redução dos custos de estabelecimento do
banco, sugere-se, no primeiro ano, o plantio consorciado de culturas alimentares.
Dependendo das condições climáticas, na primeira estação úmida, após o plantio,
terá início a fase de utilização do banco de proteína, devendo ser para produção de
feno, no período das chuvas, e como área de ramoneio, no período seco. No primei-
ro caso, é necessário que se disponha de um galpão ou uma lona de plástico para
proteção contra a chuva. Poderão ser obtidas duas colheitas de feno na estação das
chuvas. A altura de corte deverá ser de 20 a 30 cm acima do solo, a fim de permitir
uma numerosa rebrotação a partir da base do caule, protegendo-o, assim, contra
o possível anelamento, por ocasião do ramoneio. O uso do feno será integrado
com o da forragem do banco, no período seco. Nessa época, o uso da área será por
156
ramoneio, que se observará diariamente por um período de uma a uma hora e meia,
preferencialmente pela manhã. Para se otimizar o uso do banco de proteína, deve-se
subdividi-lo em parcelas que resultem no consumo de sua forragem disponível no
prazo máximo de 14 dias, protegendo, assim, a rebrotação da forrageira contra a
remoção frequente.
b. Caatinga manipulada – como já foi detalhada anteriormente, a manipulação da
vegetação da caatinga, por meio do rebaixamento, raleamento, enriquecimento ou a
combinação dessas práticas, constitui uma excelente opção de incrementar a produção
de forragem e adequar a caatinga para a espécie animal a ser explorada e otimizar o uso
dos recursos forrageiros nativos.
c. Lote florestal – as áreas de exploração florestal podem ser transformadas em siste-
mas de produção silvipastoris, com a inclusão do pastoreio. Os lotes florestais podem
ser formados in situ e ex situ. A formação do lote in situ utiliza áreas de caatinga
arbórea com adequado potencial madeireiro. O manejo consistirá em cortes rasos de
faixas da mata feitos anualmente, interessando 1/10 da parcela, pois será de aproxi-
madamente 10 anos o tempo de pousio necessário para o restabelecimento da mata.
Os cortes serão praticados durante o período seco. Na estação úmida subsequente,
proceder-se-á ao controle dos arbustos, seguindo-se a admissão dos animais no lote.
O manejo das rebrotas será feito ao fim da segunda estação seca, preservando-se até
três rebrotes por toco.
A formação de lotes florestais ex situ constitui uma excelente alternativa para
incrementar a produção madeireira e forrageira de áreas com bom potencial, além de
recuperar áreas degradadas. Para tanto, as espécies arbóreas devem ser selecionadas
em função de seu potencial para produção simultânea de madeira para diversos fins
e forragem. Diversas espécies da caatinga se prestam à formação de lotes florestais,
destacando-se o sabiá (estacas, lenha e forragem), a jurema-preta (lenha e forragem),
o pau-branco (madeira e forragem), o mororó (estaca e forragem), a aroeira (madeira,
estacas, lenha e forragem) e a catingueira (lenha e forragem). A implantação poderá
ser feita diretamente por sementes ou por mudas. O espaçamento variará de acordo
com o porte da planta, a finalidade do plantio, devendo-se utilizar preferencialmente
espaçamentos mais abertos para que haja condições de produção de forragem pelo
157
estrato herbáceo por um período de anos mais prolongado. É também aconselhável
o consórcio com culturas alimentares no ano do plantio. Os animais só passarão a
utilizar a área para ramoneio a partir do segundo ano. A época do primeiro corte para
colheita de madeira ou lenha dependerá da espécie arbórea, do potencial da área e
das condições climáticas. Após o primeiro corte, as práticas de manejo deverão ser as
mesmas adotadas para os lotes florestais in situ.
Ao fim do período das chuvas e início da estação seca, o rebanho é deslocado nova-
mente para a área de reserva legal, para aproveitar a folhada recém-caída das espécies
caducifólias, permanecendo lá por um período de 30 dias (Figura 44).
160
Figura 44. Manejo do rebanho no início da época seca.
Fonte: Elaboração própria (2009).
163
CAPÍTULO 7
AVALIAÇÃO DAS
PASTAGENS NATIVAS
165
INTRODUÇÃO
LEVANTAMENTO DA VEGETAÇÃO
AMOSTRAGEM
Segue abaixo um exemplo da aplicação do método dos quadrantes. Foi feita uma
amostragem de cinco pontos que resultou em 20 medidas (5 pontos amostrais x 4
quadrantes por ponto). A Tabela 20 apresenta os dados de campo. Observação: o
número de plantas amostradas é igual ao número de medidas anotadas.
Tabela 20. Método dos quadrantes: espécies arbóreas, distâncias e número de plantas
amostradas
172
Cálculo da densidade relativa (Dr):
Tabela 21. Densidade relativa (Dr) e densidade específica (De) das espécies amostradas
ocorrência
F (%) = ⋅ 100
Total pontos
Int
esp
Ce(%) = ⋅ 100
Lt
em que:
Ce = cobertura específica em percentagem;
Int/esp = interceptação média por espécie;
Lt = comprimento do transecto.
4,2
Cobertura: ⋅ 100 = 21,0%
20
A mesma sequência de cálculos seria feita para as demais espécies, usando os dados
da Tabela 23.
As formas poligonais vêm sendo utilizadas desde 1848. Inicialmente eram predomi-
nantemente quadradas. Presentemente são usadas formas circulares e retangulares. As
últimas parecem fornecer maior precisão e eficiência. Em condições do estrato herbáceo
de uma caatinga raleada, os retângulos oferecem maior eficiência que os quadrados,
considerando a mesma área amostral. Araújo Filho et al. (1986) mostraram que a forma
retangular, com dimensões de 0,25 m x 1,00 m (A = 0,25 m2) foi a melhor forma, com
índice de eficiência de 2,9, quando comparada à forma quadrada de 0,50 x 0,50 m, cujo
índice foi 1,0.
No que se refere ao número de unidades amostrais, com exceção das medidas de fre-
quência, ou quando são utilizados métodos de avaliação ocular, há fórmulas que permitem
defini-lo em função da precisão desejada. Para determinações da frequência, a quantidade
deve ser elevada (acima de 50), a fim de se obter o menor intervalo possível entre os
percentuais da frequência e diluir o erro inerente ao processo de avaliação. Nos demais
175
casos, a fórmula, que foi derivada da utilizada no cálculo do teste de t, é a seguinte:
em que:
Variância = 62.500
A− D
Utilização(%) = ⋅ 100 , onde:
A
2.500 − 1.000
Utilização(%) = ⋅ 100 = 60%
2.500
Se 35%__________ 90 dias
15%__________ X dias
Portanto, X = 39 dias, ou seja, com a presente carga animal, ainda restam 39 dias de
pastejo. Para o ajuste da carga, a fim de que o rebanho possa permanecer na pastagem
por todo o período programado, usa-se uma regra de três composta:
182
Figura 49. Relação entre carga animal e produção da pastagem.
Fonte: Adaptado de MOTT (1960).
em que P.V. é o peso vivo do animal. O cálculo é muito simples. Basta elevar-se o peso
vivo ao cubo e extrair duas vezes consecutivas a raiz quadrada. Assim, para se obter a
equivalência entre bovinos e ovinos, calcula-se o peso metabólico da unidade animal
bovina (a); em seguida, determina-se o peso metabólico com base no peso vivo adulto
do ovino (b) e divide-se (a)/(b):
183
Para o cálculo acima, tomou-se por base o peso médio do ovino adulto da raça Morada
Nova no Ceará, que é de cerca de 30 kg, semelhante ao peso adulto dos caprinos sem
raça definida (SRD). Pode-se, pois, obter a unidade animal equivalente ovina, multi-
plicando-se o P.V. médio do ovino pelo número de ovinos que equivale uma unidade
animal bovina:
184
Considerando-se o peso da UA de 450 kg e que o período seria de 180 dias, tem-se:
2. Consumo no período:
4. Capacidade de suporte:
5. Tamanho do rebanho:
O problema a seguir servirá de exemplo: há uma caatinga raleada (CR) com a seguin-
185
te composição florística: gramíneas 30%, ervas 60% e lenhosas 10%. Determinar a
capacidade de suporte para ovinos com peso vivo médio de 40 kg, considerando um
período de 180 dias, uma produção de 1.200 kg/ha de fitomassa da parte aérea. Calcular
também quantos ovinos podem ser criados em 300 ha dessa pastagem.
2. Consumo no período:
4. Capacidade de suporte:
5. Tamanho do rebanho:
186
REFERÊNCIAS
ARAÚJO FILHO, J.A. Carbohydrate storage in roots, underground stems and stem
bases of Guinea Grass (Panicum maximum, Jacq.) as affected by interval of cutting.
1968. 68f. Thesis (Master in Range Management)–Colege of Agriculture, University of
Arizona, Tucson, 1968.
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189
BIBLIOGRAFIA CONSULTADA
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SOBRE OS PARCEIROS
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PROGRAMA SEMEAR – GESTÃO DO CONHECIMENTO EM ZONAS
SEMIÁRIDAS DO NORDESTE BRASILEIRO:
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ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE AGROECOLOGIA (ABA-AGROECOLOGIA):
Sociedade científica que reúne profissionais e estudantes das mais diversas áreas do
conhecimento. Os esforços da ABA-Agroecologia têm sido no sentido de apoiar e orga-
nizar eventos de socialização de conhecimentos; estimular a participação de profissionais
que se dedicam a esse enfoque; manter publicações para a divulgação científica e técnica;
dialogar com a sociedade para despertar o interesse por questões de caráter socioam-
biental; analisar e propor políticas públicas coerentes com os desafios contemporâneos;
e defender a proteção da biodiversidade como condição indispensável para o alcance de
agroecossistemas sustentáveis.
A ABA-Agroecologia também participa de importantes espaços de debate público,
como a Articulação Nacional de Agroecologia (ANA), o Fórum de Agroecologia da
Embrapa, o Comitê de Agroecologia do Conselho Nacional de Desenvolvimento Rural
(Condraf), a Comissão Nacional de Sistemas Orgânicos de Produção, a Comissão
Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio), a Comissão Nacional da Política de
Agroecologia e Produção Orgânica (Cnapo), além de ser parceria da Sociedad Científica
Latinoamericana de Agroecologia (Socla).
Para a Associação, a Agroecologia é entendida como um enfoque científico, teórico,
prático e metodológico, com base em diversas áreas do conhecimento, que se propõe a
estudar processos de desenvolvimento sob uma perspectiva ecológica e sociocultural e,
com base em um enfoque sistêmico, apoiar a transição dos modelos convencionais de
agricultura e de desenvolvimento rural para estilos de agricultura e de desenvolvimento
rural sustentáveis.
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