O Mito Da Assistencia Social Mota Ana El PDF
O Mito Da Assistencia Social Mota Ana El PDF
O Mito Da Assistencia Social Mota Ana El PDF
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www.nezoeducacional.com.br
MÓDULO:
Coordenação Pedagógica
Revisão Editorial
Boa Leitura
Apresentação
PRIMEIRA PARTE
A Organização das Nações Unidas divulgou pesquisa (realizada por organismo a ela
vinculado, o Instituto Mundial de Pesquisa sobre a Economia do Desenvolvimento) que
mostra que a riqueza do mundo – propriedades a ativos financeiros – está assim
distribuída: 2% dos resultados que habitam a Terra detêm 50% de toda a riqueza, ao passo
que cabe aos 50% de adultos mais pobres somente 1% dela. E mais: “A riqueza está
fortemente concentrada na América do Norte, na Europa e nos países de alta renda da Ásia
e do Pacífico. Os moradores desses países detêm, juntos, quase 90% da riqueza do
Planeta”.
Um quadro como este, segundo Mota, só pode surpreender aqueles que desconhecem a
mais que secular crítica de economia política.
A evidência de crescimento incomensurável da riqueza e, simultaneamente, de
ampliação exponenciada do pauperismo não polariza exclusivamente um “mundo rico” e
um “mundo pobre” – perpassa as sociedades nacionais de ambos os “mundos”.
Pobreza e “exclusão social” entraram na pauta dos organismos multilaterais no último
decênio do século XX e prosseguem a cada vez mais tematizados. Uma agência da ONU, o
Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento/PNUD, contava, em 2001 e apenas
para países em desenvolvimento, 968 milhões de pessoas sem acesso a serviço de água
potável, 2.4 bilhões sem acesso a saneamento básico, 854 milhões de adultos analfabetos,
325 milhões de crianças fora da escola, 163 milhões de crianças com menos de cinco anos
subnutrida (PNUD, 2001).
Para Mota, não cabe mais aludir quantitativamente à polaridade
riqueza/pauperismo; ela já possui registros suficientes para que seja considerada
inconteste. Cabe pensá-la no âmbito do desenvolvimento histórico do capitalismo.
No curso deste desenvolvimento histórico, Mota relata que é elementar a notação
de que, à diferença do consumismo primitivo, quando a produção de bens (mais
exatamente, em termos marxianos, de valores de uso) necessários à vida estava
baseada na divisão sexual do trabalho, na propriedade coletiva da terra e dos
instrumentos de trabalhos e no usufruto comum dos produtos do trabalho, a
produção capitalista se funda na socialização do trabalho e na apropriação privada
da riqueza produzida. O modo de produção capitalista, ao mesmo tempo em que
institui o trabalhador assalariado e patronato, também produz, o fenômeno do
pauperismo, responsável pelo surgimento da pobreza como QUESTÃO SOCIAL.
Na sequência da eclosão da REVOLUÇÃO INDUSTRIAL, a degradação das
condições de vida de milhares de antigos camponeses e artesãos que, impossibilitados
de prover o seu sustento, precisam vender o único bem que possuíam (SUA FORÇA
DE TRABALHO) e formavam o incipiente proletariado, determinou a emersão de
movimentos contestatórios nas primeiras décadas do século XIX – o desenvolvimento
do capitalismo levou a que parte dos trabalhadores egressos de modos de produção
pré-capitalista engrossasse as fileiras dos sobrantes e disponíveis para o trabalho, sem
que a nascente manufatura pudesse absorvê-los, tornando-se objeto de legislações
sociais repressivas ou da ação caritativa das classes abastadas e da igreja católica.
Mas é somente quando os trabalhadores se organizam como sujeitos coletivos,
dando voz aos interesses e necessidades do proletariado enquanto CLASSE, exigindo
reformas, melhores condições de trabalho, ganhos econômicos e, no limite, a
superação do capitalismo, que as classes dominantes adotam medidas de
enfrentamento da QUESTÃO SOCIAL, ATRAVÉS DA LEGISLAÇÃO E DE
ALGUMAS REFORMAS SOCIAIS.
Recorda-se que o surgimento da grande indústria e da sociedade urbano-industrial
compuseram o ambiente no qual os trabalhadores se organizaram e politizaram suas
necessidades e carecimentos, transformando-os numa QUESTÃO PÚBLICA E
COLETIVA. Por forças das suas lutas sociais, algumas de suas necessidades e de suas
famílias passaram a ser socialmente reconhecidas pelo Estado, dando origem ao que
modernamente denominou-se de POLÍTICAS DE PROTEÇÃO SOCIAL,
ANCORRADAS EM DIREITOS E GARANTIA SOCIAIS.
A AMPLIAÇÃO DESSAS RESPOSTAS PÚBLICAS ÁS NECESSIDADES
SOCIAIS DA CLASSE TRABALHADORA ORIGINOU, NUM CONTEXTO
ECONÔMICO-SOCIAL E GEOPOLÍTICO, O CHAMADO ESTADO DE BEM-
ESTAR SOCIAL (WELFARE STATE). Que se expandiu a partir da Segunda Guerra
Mundial, configurando-se como uma vitória do movimento operário. Mota destaca que é
evidente que o Welfare mostrou-se funcional ao capitalismo daquele pós-guerra,
caracterizado, entre outros traços, pela generalização do fordismo; porém, quando a autora
considera uma vitória do movimento dos trabalhadores, está rompendo com as análises
funcionalistas.
Por outra parte, a autora destaca que a consolidação de direitos sociais e trabalhistas
e a oferta de serviços sociais públicos, ao mesmo tempo em que foram responsáveis pelo
reconhecimento da necessidade de proteção social dos trabalhadores, também
possibilitaram o surgimento de ideologias que defendiam a possibilidade de compatibilizar
capitalismo, bem-estar e democracia, lastro político da social-democracia – lastro que
perdurou durante as “três décadas gloriosas”. E enquanto os países centrais viviam o
“pleno emprego” e a expansão da seguridade, garantindo a reprodução da virtuosidade do
crescimento econômico com desenvolvimento social, NA PERIFERIA MUNDIAL
ASSISTIA-SE À DEFESA DA MODERNIZAÇÃO E DO DESENVOLVIMENTO
COMO MEIO DE INTEGRAÇÃO MENOS ONEROSO DESSES PAÍSES À
ORDEM ECONÔMICA MUNDIAL.
Importante é destacar a inexistência de arranjos econômico-sociais e políticos do tipo
Welfare State nos países periféricos. Somente para explicar: NO CASO BRASILEIRO, É
APENAS EM 1988 QUE SE INSTITUEM AS BASES FORMAIS E LEGAIS DO
QUE PODERIA SER UM ESTADO DE BEM ESTAR. Contudo, as condições sob as
quais se deu a integração do país à ordem econômica mundial resultaram, nos anos iniciais
da década de 90, na subordinação aos imperativos do pensamento e da prática neoliberais,
marcados pela retração das políticas públicas de proteção social, donde a existência de
profunda regressão no exercício dos direitos e na universalização da seguridade social
brasileira.
O ultimo terço do século XX sinalizado, de um lado, pela crise dos modelos de Welfare
e, de outro, pelo exaurimento das experiências do “socialismo real” – refretando-se a crise
e o exaurimento, primeiro nos países capitalistas centrais e, em seguida, nos periféricos -,
esses trinta anos vão recolocar, na ordem-do-dia, a QUESTÃO SOCIAL, AMPLIADA E
REDEFINIDA, INCORPORANDO TRAÇOS E CARACTERÍSTICAS COMO AS
QUE FORAM APONTADAS NA ABERTURA DESTE TEEXTO. OS QUE
“VIVEM DO SEU TRABALHO” PASSARAM A SE DEFRONTAR COM
QUESTÕES QUE AFETAM SEVERAMENTE O SEU MODO DE SER E DE
VIVER: O DESEMPREGO ESTRUTURAL E A CRISE DO TRABALHO
ASSALARIADO, O DESMONTE DO ESTADO DE BEM-ESTAR E A SUPRESSÃO
DE DIREITOS SOCIAIS E A FRAGMENTAÇÃO DAS NECESSIDADES E DA
ORGANIZAÇÃO POLÍTICA DOS TRABALHADORES.
A restauração capitalista, tal como analisada por Braga (1996), configurou uma
resposta à crise que implicou tanto na REESTRUTURAÇÃO DOS MECANISMOS DE
ACUMULAÇÃO COMO NA REDEFINIÇÃO DOS MECANISMOS IDEO-
POLÍTICOS NECESSÁRIOS À FORMAÇÃO DE NOVOS E MAIS EFICIENTES
CONSENSOS HEGEMÔNICOS. ORQUESTRADA PELA OFENSIVA
NEOLIBERAL, A AÇÃO SÓCIO-REGULADORA DO ESTADO SE RETRAI,
PULVERIZANDO OS MEIOS DE ATENDIMENTO ÀS NECESSIDADES
SOCIAIS DOS TRABALHADORES ENTRE ORGANIZAÇÕES PRIVADAS
MERCANTIS E NÃO-MERCANTIS, LIMITANDO SUA RESPONSABILIDADE
SOCIAL À SEGURANÇA PÚBLICA, À FISCALIDADE E AO ATENDIMENTO,
ATRAVÉS DA ASSISTÊNCIA SOCIAL, DAQUELES ABSOLUTAMENTE
IMPOSSIBILITADOS DE SOBREVIVER.
Instala-se, no âmbito do sistema capitalista e na sua economia-mundo, muito mais
do que um crise econômica, segundo a autora: ESTÃO POSTAS AS CONDIÇÕES
DE UMA CRISE ORGÂNCIA1, MARCADA PELA PERDA DOS
REFERENCIAIS ERIGIDOS SOB O PARADIGMA DO FORDISMO2, DO
KEYNESIANISMO3, DO WELFARE STATE E DAS GRANDES ESTRUTURAS
1
A crise orgânica por Gramsci é resultado de um conflito mais amplo entre a classe dominante e os demais grupos
sociais. Este tipo de crise atinge as instituições e pode romper o bloco histórico vigente. A crise orgânica ocorre quando
as classes subalternas estão organizadas e disputam a hegemonia com a classe dominante.
Hegemonia: Conquista, via consenso e persuasão, da direção intelectual e moral da sociedade. Capacidade de unificar e
manter unido o bloco social formado pelas classes dirigentes e pelas classes subordinadas.
Somente pela conquista da hegemonia é que é possível realizar a transformação da sociedade burguesa em sociedade
socialista.
2
Fordismo é um termo que se refere ao modelo de produção em massa de um produto, ou seja, ao sistema das linhas
de produção. O Fordismo foi criado pelo norte-americano Henry Ford, em 1914, revolucionando o mercado
automobilístico e industrial da época.
O fordismo funcionava tendo como princípio a especialização que cada funcionário da empresa teria na hora de montar o
produto, sendo cada um responsável exclusivamente por uma etapa da produção. As empresas também não tinham a
preocupação de contratar profissionais totalmente qualificados, pois cada operário precisava aprender apenas a executar
as funções inerentes a uma pequena parte dentro de todo o processo de confecção do produto.
O sistema fordista foi de extrema vantagem para os empresários, porém considerado negativo para os funcionários. O
trabalho repetitivo, desgastante e a baixa qualificação faziam com que recebessem salários mais baixos, justificando-se
com o objetivo de baixar o preço da produção.
O clássico filme "Tempos Modernos" (Modern Times, 1936), do ator e diretor Charles Chaplin, faz uma sátira e crítica
ao sistema de produção fordista, além de mostrar um pouco as condições que a crise econômica de 1929 deixou nos
Estados Unidos.
3
Teoria Keynesiana. Conjunto de ideias que propunham a intervenção estatal na vida econômica com o objetivo de
conduzir a um regime de pleno emprego. As teorias de John Maynard Keynes tiveram enorme influência na renovação
das teorias clássicas e na reformulação da política de livre mercado. Acreditava que a economia seguiria o caminho do
pleno emprego, sendo o desemprego uma situação temporária que desapareceria graças às forças do mercado.
SINDICAIS E PARTIDÁRIAS. SE SOMADO, A TAIS CONDIÇÕES, O
ESGOTAMENTO DO “SINDICALISMO REAL”, VÊ-SE COMO SE PÔDE
AFETAR A COMBATIVIDADE DO MOVIMENTO OPERÁRIO,
IMPRIMINDO, A PARTIR DE ENTÃO, UM CARÁTER MUITO MAIS
DEFENSIVO DO QUE OFENSIVO ÀS SUAS LUTAS SOCIAIS.
A mercantilização da esfera doméstica, familiar e não mercantil é também um dos
novos traços desta fase, repercutindo em dois níveis: na expropriação e
mercantilização de atividades consideradas domésticas e privadas não-mercantis;
e na superexploração das famílias, particularmente das mulheres dos países
periféricos, que assumem duplas jornadas de trabalho, obrigadas a incorporar,
como parte das suas atividades domésticas, um conjunto de afazeres que deveriam
ser responsabilidade pública e estatal. Neste quesito, também se observa o
impacto da transformação dos espaços domésticos em locais de produção, por
forças das terceirizações, do trabalho em domicílio, por tarefa etc.
Essas mudanças, mediadas pelo uso de novas tecnologias e pela redefinição das
dimensões de espaço/tempo e território, convivem com a ampliação do
desemprego e com situações de miséria e indigência.
A ofensiva político-social e ideológica para assegurar a reprodução deste
processo passa pela chamada reforma do Estado e pela redefinição de estratégias que
devem ser formadoras de cultura e sociabilidade, imprescindíveis à gestação uma
reforma intelectual e moral, conduzida PELO GRANDE CAPITAL PARA
ESTABELECER NOVOS PACTOS E PARÂMETROS PARA O ATENDIMENTO
DAS NECESSIDADES SOCIAIS – SEM ROMPER COM A LÓGICA DE
ACUMULAÇÃO E DA RACIONALIDADE DO LUCRO.
O objetivo do keynesianismo era manter o crescimento da demanda em paridade com o aumento da capacidade produtiva
da economia, de forma suficiente para garantir o pleno emprego, mas sem excesso, pois isto provocaria um aumento da
inflação. Na década de 1970 o keynesianismo sofreu severas críticas por parte de uma nova doutrina econômica: o
monetarismo. Em quase todos os países industrializados o pleno emprego e o nível de vida crescente alcançados nos 25
anos posteriores à II Guerra Mundial foram seguidos pela inflação. Os keynesianos admitiram que seria difícil conciliar o
pleno emprego e o controle da inflação, considerando, sobretudo, as negociações dos sindicatos com os empresários por
aumentos salariais. Por esta razão, foram tomadas medidas que evitassem o crescimento dos salários e preços, mas a
partir da década de 1960 os índices de inflação foram acelerarados de forma alarmante.
AO MESMO TEMPO EM QUE A BURGUESIA CONSEGUE ARTICULAR
E AGREGAR OS INTERESSES DOS CAPITAIS DE TODAS AS PARTES DO
MUNDO, FRAGMENTA AS IDENTIDADES E NECESSIDADES DAQUELES
QUE VIVEM DO SEU TRABALHO. É NESSE CONTEXTO QUE A EXPRESSÃO
“QUESTÃO SOCIAL” AMPLIA O SEU LEQUE DE SIGNIFICADOS,
ULTRAPASSANDO, DE CERTA FORMA, O SENTIDO ORIGINAL QUE LHE
FOI CONFERIDO. AQUI A AUTORA REFERE-SE, ÀS CONSEQUÊNCIAS
DESSA FRAGAMENTAÇÃO NA COMPOSIÇÃO E AÇÃO POLÍTICA DAS
CLASSES TRABALHADORAS, RESULTADO DO DESEMPREGO, DA
PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO E DOS SEUS NOVOS MODELOS DE
GESTÃO.
Em certa medida, as lutas sociais – apesar de presentes em todo o cenário mundial –
perdem forças com a fragilização do movimento operário, adquirindo um caráter de
resistência, mas com incidência relativa nas questões afetas às relações e processos de
trabalho. ESTE ASPECTO IMPLICA NUM “DESLOCAMENTO” DO
SIGNIFICADO DA QUESTÃO SOCIAL, QUE SE AFASTA DA RELAÇÃO
ENTRE PAUPERIZAÇÃO DOS TRABALHADORES E ACUMULAÇÃO
CAPITALISTA, PARA SER IDENTIFICADA GENERICAMENTE COM AS
EXPRESSÕES OBJETIVAS DA POBREZA.
1. A emergência do debate sobre questão social no Serviço Social brasileiro.
Segundo Mota, nestas últimas duas décadas do século XX, especialmente, falar em
sociedade civil É REPORTAR-SE AO CONTEXTO DE OFENSIVA NEOLIBERAL
NOS PAÍSES CENTRAIS E PERIFÉRICOS E APREENDER A DINÂMICA QUE
ESTA REALIDADE REVELA, TENDO COMO UMA DAS REFERÊNCIAS A
APROPRIAÇÃO IDEOLÓGICA DO CONCEITO E A NECESSIDADE DE
CONFERIR ÀS PRÁTICAS DE CLASSE OUTROS ELEMENTOS, CUJOS
CONTEÚDOS EXPRESSAM A FORMAÇÃO DE UM CONSENSO NAS
SOCIEDADES.
4
A autora está entendendo Estado de Direito como expressão dos antagonismos sociais presentes na institucionalidade
burguesa e enquanto espaço de afirmação da igualdade formal e do domínio da chamada lei positiva.
COLABORAÇÃO DAS CLASSES SOCIAIS PRESENTES EM DETERMINADAS
CONJUNTURAS, ESPECIALMENTE, CONJUNTURAS EM QUE SE
APRESENTA UMA CRISE DE HEGEMONIA, E POR ÚLTIMO, MAS NÃO
MENOS IMPORTANTE, A NECESSIDADE DE ADEQUAR AS ESTRUTURAS
BUROCRÁTICAS DO ESTADO ÀS EXIGÊNCIAS DO ATUAL ESTÁGIO DE
DESENVOLVIMENTO CAPITALISTA, CONFORMANDO UM AMPLO
MOVIMENTO DE REFORMA DO ESTADO.
ESSE CONJUNTO DE QUESTÕES APÓIA-SE EM ARGUMENTOS QUE
AFIRMAM A NECESSIDADE DE IMPRIMIR NOVAS CONFIGURAÇÕES À
SOCIEDADE CIVIL E AOS MEIOS DE ENFRENTAMENTO DA
DESIGUALDADE SOCIAL. ESVAZIADAS DE CONTEÚDOS CLASSISTAS,
ESTAS CONFIGURAÇÕES APRESENTAM-SE SATURADAS DE UM INTENSO
DEBATE GENÉRICO SOBRE DEMOCRACIA E CIDADANIA. POR UM LADO,
A JUSTIFICATIVA DE QUE A CRISE E A DERROCADA DAS SOCIEDADES DO
LESTE EUROPEU MOSTRARAM AO MUNDO A APARENTE
INVENCIBILIDADE CAPITALISTA, SUA ENEXORABILIDADE E O SEU
CARÁTER “CIVILIZATÓRIO”, NA REALIDADE, ALTAMENTE
PREDATÓRIO; DE OUTRO, A COMPLEXIFICAÇÃO DAS FORMAS DE AÇÃO
POLÍTICA DA SOCIEDADE, FACE À CRISE DOS PARTIDOS POLÍTICOS E
DAS ORGANIZAÇÕES SINDICAIS, REPRESENTAÇÕES HISTÓRICAS DOS
TRABALHADORES QUE PROCURAVAM POTENCIAR AS POSSIBILIDADES
DE TRANSFORMAÇÕES SOCIETÁRIAS.
No âmbito do Serviço Social, esta tematização acerca da Sociedade Civil não
passou ao largo das discussões profissionais e dos seus modos de inserção no processo de
transição conservadora para o chamado Estado democrático de direito. Pelo contrário, a
profissão tem encontrado espaços férteis de debate e intervenção, principalmente se
considerarmos que a partir da segunda metade dos anos 80 do século passado, os
assistentes sociais estiveram à frente de diversos movimentos sociais em defesa da
democracia e da cidadania: nesse sentido, o tratamento teórico-político e prático-
operativo dado à sociedade civil ora foi pensado como expressão da ação das classes e
do Estado, como significou, muitas vezes, um conceito destituído de crítica e
incorporado às práticas profissionais como ideário da profissão e como projeto
profissional, que teria, na sociedade civil, a expressão ou mesmo a condição de
exercício da cidadania e da democracia. Obviamente, ao custo de chamar cidadania
uma gama diferenciada de significações.
ISSO, CONTUDO, PERMITIU INSTRUMENTALIZAR PRÁTICAS
SOCIAIS AS MAIS DISTINTAS E CRIA UM BRUTAL ESVAZIAMENTO: SEJA
DO CONCEITO, SEJA DAS PRÁTICAS QUE ELE DEVERIA REFERIR. ESSA
AMBIGUIDADE É NECESSÁRIA PARA ESCAMOTEAR PROJETOS
DISTINTOS E CONTRUIR UMA ESPÉCIE DE “NATURALIDADE”, OU SEJA, O
FIM DA HISTÓRIA.
ASSIM, A “PROFISSÃO”, QUE DESDE A DÉCADA DE 80 FORMA UMA
MASSA CRÍTICA, CUJO REFERENCIAL INCORPORADA A IDEIA DE CLASSE
COMO FUNDANTE PARA A COMPREENSÃO DA SOCIEDADE, PASSA,
PARADOXALMENTE, A SUBTRAIR, NO NÍVEL PRÁTICO E
METODOLÓGICO, A CONCEPÇÃO DE CLASSE, E A REIFICAR O CONCEITO
DE CIDADANIA, E COM ELE, O DE DEMOCRACIA.
Nessa direção, o conceito de sociedade civil adquire um valor estratégico que é,
ao mesmo tempo, o de subsumir o conceito de classe ao de cidadania e democracia e o
de naturalizar e universalizar os conteúdos classistas dominantes nas práticas da
sociedade civil.
Por isso, a trajetória que a autora sugere neste texto é recuperar e mapear a
concepção de sociedade civil a partir das análises e críticas que se fazem das obras
clássicas de autores consagrados como Hobbes, Locks, Hegel. Marx e Gramsci. Na
interlocução com esses autores, sublinhamos questões fundamentais que inspiram o
pensamento contemporâneo de que existe uma nova sociedade civil bastante
dinâmica, participativa, cuja influência sobre o Estado levaria ao estabelecimento de
um novo contrato social no interior da sociabilidade burguesa.
TRATAR DA SOCIEDADE CIVIL, NO ENTENDIMENTO DA AUTORA,
IMPLICA, NECESSARIAMENTE, FAZER OS ANEXOS COM A AÇÃO DO
ESTADO, OU NO DIZER DE GRAMSCI DA INSEPARÁVEL RELAÇÃO
EXISTENTE ENTRE SOCIEDADE CIVIL E SOCIEDADE POLÍTICA.
RELEMBRAMOS QUE GRAMSCI SALIENTA, COM TODA CLAREZA, QUE
ESSA SEPARAÇÃO É MERAMENTE METODOLÓGICA E QUE, NA SUA
TOTALIDADE, ESSE PAR TEÓRICO CONFIGURA O CONCEITO DE ESTADO.
É NESSE SENTIDO QUE DEVEMOS COMPREENDER COMO A
RECORRÊNCIAAO CONCEITO DE SOCIEDADE CIVIL E AS PRÁTICAS QUE
ELE LEGITIMA ATUAM NO INTERIOR DA REFORMA DO ESTADO,
TRANSFORMANDO-SE NUMA ESTRATÉGIA POLÍTICA, COMO TENTATIVA
PARA DESTRUIR A DIREÇÃO DAS CLASSES TRABALHADORAS. INTEGRÁ-
LAS À ORDEM SIGNIFICA DESTITUIR, NO PLANO DAS IDEOLOGIAS DAS
CLASSES SUBALTERNAS, A POSSIBILIDAE CONCRETA DE AÇÕES DE
AUTONOMIA.
5
Parte do conteúdo desse capítulo foi publicado na Revista Em Pauta, n. 20, em 2007, sob o título “Serviço Social e
Seguridade Social: uma agenda política e desafiante”.
QUAISQUER QUE SEJAM SEUS OBJETOS ESPECÍFICOS DE INTERVENÇÃO,
SAÚDE, PREVIDÊNCIA OU ASSISTÊNCIA SOCIAL, O ESCOPO DA
SEGURIDADE DEPENDE TANTO DO NÍVEL DE SOCIALIZAÇÃO DA
POLÍTICA CONQUISTADO PELAS CLASSES TRABALHADORAS, COMO DAS
ESTRATÉGIAS DO CAPITAL NA INCORPORAÇÃO DAS NECESSIDADES DO
TRABALHO.
Trata-se de uma contradição da sociedade capitalista, cujas mediações econômicas
e políticas imprimem um movimento dinâmico e dialético: se do ponto de vista lógico,
atender às necessidades do trabalho é negar as necessidades do capital, do ponto de vista
histórico, a seguridade social é por definição esfera de disputas e negociações na ordem
burguesa.
ERIGIDA NO CAMPO DE LUTA DOS TRABALHADORES, ELA É
SEMPRE E CONTINUAMENTE OBJETO DE INVESTIDAS DO CAPITAL NO
SENTIDO DE “ADEQUÁ-LA” AOS SEUS INTERESSES.
ORIGINÁRIAS DO RECONHECIMENTO PÚBLICO DOS RISCOS
SOCIAIS DO TRABALHO ASSALARIADO, AS POLÍTICAS DE SEGURIDADE
AMPLIAM-SE A PARTIR DO II PÓS-GUERRA, COMO MEIO DE PROVER
PROTEÇÃO SOCIAL A TODOS OS TRABALHADORES, INSCREVENDO-SE NA
PAUTA DOS DIREITOS SOCIAIS. EM GERAL, OS SISTEMAS DE PROTEÇÃO
SOCIAL SÃO IMPLEMENTADOS ATRAVÉS DE AÇÕES ASSISTENCIAIS
PARA AQUELES IMPOSSIBILITADOS DE PROVER O SEU SUSTENTO POR
MEIO DO TRABALHO, PARA COBERTURA DE RISCOS DO TRABALHO, NOS
CASOS DE DOENÇAS, ACIDENTES, INVALIDEZ E DESEMPREGO
TEMPORÁRIO E PARA MANUTENÇÃO DA RENDA DO TRABALHO, SEJA
POR VELHICE, MORTE, SUSPENSÃO DEFINITIVA OU TEMPORÁRIA DA
ATIVIDADE LABORATIVA.
Nos anos 70, ocasião em que o mundo capitalista inflexiona seu padrão de
cumulação dominante, para enfrentar uma crise de dimensões globais. Essa inflexão
responde pela recomposição do processo de acumulação - seja na esfera da economia, seja
na da política - incidindo diretamente na reestruturação dos capitais, na organização dos
processos de trabalho, na organização dos trabalhadores e no redirecionamento da
intervenção estatal que, sob a batuta do capital financeiro e das ideias neoliberais, constrói
novas estratégias de relacionamento entre o Estado, a sociedade e o mercado.
NESSE CENÁRIO, FOI NECESSÁRIO REDEFINIR A SEGURIDADE
SOCIAL PARA ADEQUÁ-LA ÀS NOVAS NECESSIDADES DO GRANDE
CAPITAL, RAZÃO MAIOR DA DEFINIÇÃO DE UM CONJUNTO DE
PRESCRIÇÕES – NOMEADAS DE AJUSTES E REFORMAS –
PARTICULARMENTE NOS PAÍSES PERIFÉRICOS, COMO É O CASO DOS
LATINO-AMERICANOS (EMBORA NÃO EXCLUSIVAMENTE), CUJOS
PRINCIPAIS FORMULADORES SÃO OS ORGANISMOS FINANCEIROS
INTERNACIONAIS. Essas injunções na política social têm relação direta com os
empréstimos externos, contratados para implementar pacotes que em sua grande maioria já
estão prontos e com as condicionalidades definidas. Aqui os destaques são as parcerias
comunitárias e/ou com ONGS, a necessidade de focalizar a aplicação dos recursos nos
mais pobres, os subsídios à demanda sem ampliação dos serviços públicos, o trabalho com
a própria comunidade e a meta de dotar as iniciativas de auto sustentabilidade.
Contudo, tais mudanças e redirecionamentos deveriam ser conduzidos de modo a
formar uma outra cultura de proteção social, o que sugere o desenvolvimento de estratégias
constitutivas da hegemonia da classe dominante que, para exercitar o seu papel de
dirigente, segundo o pensamento gramsciano, precisa realizar uma verdadeira reforma
social e moral que transforme o seu projeto de classe num projeto de todas as classes.
PARA ISSO, RECORREM TANTO À NEGAÇÃO DAS POSSIBILIDADES
DE CONSTRUIR UMA ALTERNATIVA AO PROJETO SOCIETÁRIO
CAPITALISTA, UM PROJETO “PARA ALÉM DO CAPITAL”, SUBTRAINDO
REFERÊNCIAS TEÓRICAS E HISTÓRICAS, COMO À IMPLEMENTAÇÃO DE
MECANISMOS QUE CUIDEM DE CONSTRUIR PRÁTICAS, VISÕES DE
MUNDO E VALORES NECESSÁRIOS À CONFORMAÇÃO DE OUTRA
CULTURA, FORMADORA DA SOCIABILIDADE REQUERIDA PELO
CAPITALISMO DO SÉCULO XXI.
NO BRASIL, A DESPEITO DAS INICIATIVAS REALIZADAS NOS ANOS
40, É SOMENTE A PARTIR DOS ANOS 80 QUE A SOCIEDADE
Por tudo isso, entendo que os governos das classes dominantes conseguiram operar um
giro sem precedentes nos princípios que ancoram a seguridade social: a previdência social
transforma-se numa modalidade de seguro social, a saúde numa mercadoria a ser comprada
no mercado dos seguros de saúde e a assistência social, que se expande, adquire o estatuto
de política estruturadora.
Como uma verdadeira “Crônica de uma morte anunciada”, a despeito dos inúmeros
movimentos de resistência que uma parcela significativa dos trabalhadores realizou, a
reforma da Previdência aprovada pelo Congresso Nacional no governo Lula, dá
seguimento à agenda de reformas iniciadas por Fernando Henrique Cardoso, consolidando
o cumprimento das exigências dos organismos financeiros internacionais. Ao mesmo
tempo, amplia e define um novo desenho operativo para os programas de assistência
social, donde as ações de combate à pobreza aparecerem como substitutivas do tratamento
da questão social em termos distributivos.
Novos mecanismos de consenso são estimulados, tais como, a descentralização, as
parcerias e a participação indiferenciada das classes, que se juntam à focalização e à
responsabilização individual. Emergem parâmetros morais subordinados aos limites dos
gastos sociais públicos. A questão social é despolitizada. As tensões sociais provocadas
pelo não atendimento das demandas sociais coletivas passam a ser minimizadas através do
atendimento a questões pontual. Chega a ser provocativo o histórico discurso de ministros
e secretários sobre “redução das filas” nos hospitais e ambulatórios, como se fosse uma
mera questão administrativa ou de má utilização dos “fartos” recursos disponíveis para o
sistema público de saúde.
A verdade é que as armas da crítica à Seguridade Social brasileira foram sendo
tecidas no campo da racionalidade capitalista e das contrapartidas sociais movimentos
sindical e profissional ainda resiste ao canto da sereia, é preciso arregimentar forças para
acompanhar e disputar o que ainda virá pela frente.
POR FIM, MOTA CONCLUI QUE A IMPOSSIBILIDADE HISTÓRICA DE
O CAPITALISMO SUPERAR AS SEQUELAS SOCIAIS E MATERIAIS DO
PROCESSO DE ACUMULAÇÃO É INCONTESTE. TODAVIA, É POSSÍVEL
UTILIZAR MEIOS PARA ENFRENTÁ-LAS NO LIMITE DA ORDEM
BURGUESA, COMO PARTE DA LUTA SOCIAL. A LUTA POR DIREITOS E A
INSTITUCIONALIZAÇÃO DA SEGURIDADE SOCIAL SE DÁ NO LIMITA DA
EMANCIPAÇÃO POLÍTICA, FATO QUE NÃO ELIDE OS CONFRONTOS DE
CLASSE E SUAS DIMENSÕES POLÍTICAS. TODAVIA, É NECESSÁRIO FAZER
UMA DISTINÇÃO ENTRE AS ESPECIFICIDADES DE UMA PRÁTICA
POLÍTICO-ORGANIZATIVA, QUE MESMO RESPONDENDO ÀS LEGÍTIMAS
NECESSIDADES POSTAS PELA REALIDADE, PODE NÃO CONDENSAR UMA
CONSCIÊNCIA TEÓRICA, SUBSUMINDO O IDEAL AO REAL. OU, EM
OUTROS TERMOS, ABDICANDO DA EMANCIPAÇÃO HUMANA EM PROL
DOS LIMITES HISTÓRICOS DA EMANCIPAÇÃO POLÍTICA.
A política da Assistência Social brasileira tem passado, nos últimos anos, por
transformações que exigem grande esforço interpretativo dos pesquisadores do Serviço
Social e áreas afins. Esta transformação não podem ser compreendidas longe da dinâmica
mais geral da sociedade, determinada pelo movimento da economia e da política.
À guisa de conclusão
MOTA. Ana Elizabete. O mito da Assistência Social: ensaios sobre Estado, Política e
Sociedade. 3. ed. São Paulo: Cortez, 2009.
Boa sorte.