Educacao Escolar Indigena PDF
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Superintendência da Educação
Departamento de Ensino Fundamental
EDUCAÇÃO ESCOLAR
INDÍGENA
CURITIBA
SEED/PR
2006
EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA – Série Cadernos Temáticos.
É permitida a reprodução total ou parcial desta obra, desde que seja citada a fonte.
Diretoria Geral
Ricardo Fernandes Bezerra
Superintendência da Educação
Yvelise Freitas de Souza Arco-Verde
CDU 37+572.95(816.2)
DISTRIBUIÇÃO GRATUITA
IMPRESSO NO BRASIL
PRINTED IN BRAZIL
Roberto Requião
Governador do Estado do Paraná
Cristina Cremoneze
Coordenadora da Educação Escolar Indígena
Equipe Técnico-Pedagógica
Iozodara Telma Branco De George
Lilianny Rodriguez Barreto dos Passos
Raquel Marschner
Arte
Eguimara Selma Branco – SEED/DEF
Revisão
Andréa Gouveia de Oliveira
Ciomara Stocchero Amorelli
Lilianny Rodriguez Barreto dos Santos
Raquel Marschner
Autores:
Carmen Lucia da Silva (UFMT), Claudia Inês Parellada (Museu Paranaense), Cristina Cremoneze (SEED/
DEF/CEEI), Germano Bruno Afonso (UFPR), Iozodara Telma Branco De George (SEED/DEF/CEEI), José
Ribamar Bessa Freire (UERJ), Kimiye Tommasino (UEL), Lilianny Rodriguez Barreto dos Passos (SEED/DEF/
CEEI), Ludoviko Carnasciali dos Santos (UEL), Lucio Tadeu Mota (UEM), Raquel Marschner (SEED/DEF/CEEI),
Ricardo Cid Fernandes (UFPR), Roseli de Alvarenga Corrêa (UFOP), Ruth Maria Fonini Monserrat (UFRJ),
cultura afro
Susana Martelletti Grillo Guimarães (MEC/SECAD/DEDC), Thaisa Maria Nadal (Planetário Indígena), Zélia
Maria Bonamigo (IHGP).
Colaboradores:
Alair Redede Camati (SEED/DEF/CEEI), Andréa Gouveia de Oliveira (SEED/DEF), Ciomara Stocchero
Amorelli (SEED/DEF), Eguimara Selma Branco (SEED/DEF).
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APRESENTAÇÃO
A Secretaria de Estado da Educação do Paraná oferece este
Caderno Temático, como parte de uma série, produzido para
subsidiar a prática educacional prioritariamente no âmbito das
escolas da Rede Pública de Ensino. Mais amplamente, os temas
propostos no conjunto dos Cadernos buscam oferecer informações
sistematizadas, análises críticas e indicações bibliográficas para dar
sustentação teórica ao professor das escolas estaduais. Esta inicia-
tiva atende ao desejo da comunidade escolar de atualização e de
aprofundamento de conceitos formulados em diferentes campos
do conhecimento.
6 Cadernos Temáticos
EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA
cultura afro
8 Cadernos Temáticos
SUMÁRIO
COMO NASCEU ESTA PUBLICAÇÃO COLETIVA ..................................................... 11
OS XETÁ................................................................................................................... 50
10
Como nasceu esta publicação coletiva
A Secretaria de Estado da Educação do Paraná tem como um dos princípios da atual
gestão o respeito e o atendimento à diversidade. Através da Coordenação da Educação Escolar
Indígena, reativada nesta gestão, são implementadas políticas que atendem aproximadamente
2.600 alunos indígenas de Educação Infantil, Ensino Fundamental e Médio, das etnias Kain-
gang, Guarani, Xokleng e descendentes da etnia Xetá, em 19 Terras Indígenas. Ao todo, são
29 escolas indígenas, territorializadas em 18 municípios no Estado do Paraná.
Dentre os desafios postos para o desenvolvimento da Educação Escolar Indígena no Estado
do Paraná, está a elaboração de material pedagógico específico, propiciando a disseminação de
saberes que apontem para o perfil pretendido à essa modalidade de ensino: de qualidade, laica
e diferenciada, que respeite e fortaleça os costumes, tradições, língua, processos próprios de
aprendizagem e reconheça as organizações sociais dos povos indígenas.
Contemplando diferentes áreas (Línguas, Arte, História...), como desdobramento das ações
realizadas em 2005 e 2006 por essa Coordenação, organizou-se o Caderno Temático Educação
Escolar Indígena – Coletânea de Textos: uma rica e original coletânea de reflexões (gentilmente
cedidas pelos autores) acerca da interculturalidade, do atendimento e entendimento da dife-
rença e da diversidade, da compreensão de que as sociedades indígenas compartilham elementos
básicos que são comuns a todas elas e que as diferenciam da sociedade não-indígena.
Enfim, com essa Coletânea de Textos, voltada para a Educação Escolar Indígena, pretende-
se propiciar visibilidade à diversidade cultural e sociolingüística das comunidades indígenas si-
tuadas no Paraná, bem como possibilitar acesso às pesquisas desenvolvidas sobre a temática.
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12 Cadernos Temáticos
As populações indígenas no Paraná 1
Resumo
Este artigo é uma síntese da ocupação do território paranaense pelas populações indígenas.
Primeiro pelas populações de caçadores e coletores que aqui chegaram por volta de
8 000 anos antes do presente descendentes dos grupos de paleoíndios que humaniza-
ram o continente americano provenientes do nordeste da Ásia. Depois pelas populações
indígenas históricas que aqui se encontravam pela ocasião da chegada dos europeus a
partir de 1500, e que hoje habitam as dezessete Terras Indígenas no Paraná.
Palavras-chave: Populações indígenas, História do Paraná, Relações Interculturais.
Figura reproduzida do texto de: W. NEVES; et al. O povoamento da América à luz da morfologia
craniana. Revista USP, N. 34, jun,jul.ago. 1997., p. 105.
Legenda. maa: milhões de anos atrás
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1. Uma primeira versão deste texto foi publicada em parceria com Francisco Silva Noelli no livro Maringá e Norte do Paraná: estudos de história regional. Maringá, organizado
pelos professores José H. Rollo Gonçalves e Reginaldo Benedito Dias, publicado pela Eduem em 2000.
2. Professor da Universidade Estadual de Maringá (UEM). Pós Doutor em Etno História Indígena pela Universidade Federal do Rio de Janeiro(UFRJ).
3. Consideramos, para fins didáticos: “populações pré-históricas”, são as anteriores à chegada dos europeus na região, isto é, meados do século XVI; “populações indígenas”,
aquelas que entraram em contato com os europeus e vivem até o presente no Paraná, isto é, os Kaingang e os Guarani. Evidentemente, como veremos adiante em alguns
casos, houve uma “continuidade” entre a pré-história e a história.
áreas alagadiças, construíram os cerritos – aterros artificiais – onde fixaram suas habitações.
As aldeias tinham tamanhos variados, podendo comportar mais de mil pessoas, organizadas
socialmente através de relações de parentesco e de aliança política. Essas famílias extensas viviam
em casas longas, e cada aldeia poderia ter até sete ou oito casas. As casas eram construídas de
madeira e folhas de palmáceas, podendo abrigar até 300 ou 400 pessoas e alcançar cerca de 30
Os Xetá, que falavam uma língua homônima, foram contatados esporadicamente desde a
década de 1840 quando Joaquim Francisco Lopes e John H. Elliot - empregados do Barão de
Antonina - fizeram contato com eles nas imediações da foz do rio Corumbatai, no Ivaí, onde
estão hoje os municípios São Pedro do Ivaí, Fênix e São João do Ivaí. Posteriormente, em 1872,
o engenheiro inglês Thomas Bigg-Whiter capturou um pequeno grupo nas proximidades do
Salto Ariranha, no rio Ivaí, hoje Ivaiporã e Grandes Rios. Mais tarde, outros contatos foram
noticiados, mas foi na Serra dos Dourados, próxima de Umuarama, entre 1955-56, que se deu o
mais documentado encontro com um grupo de 18 pessoas (Kozák et al., 1981). A partir daqueles anos
os Xetá desapareceram enquanto população, hoje seus remanescentes casados com Guarani,
Kaingang e mesmo brancos, estão espalhados pelo Paraná, com algumas famílias vivendo em
Terras Indígenas e outras em pequenas cidades do interior do estado.
ções coloniais nos territórios hoje denominados Paraná, foi possível conhecer parcialmente a
toponímia empregada pelos Kaingang para nominar seus territórios: Koran-bang-rê (campos de
Guarapuava); Kreie-bang-rê (campos de Palmas); (Campo Erê - sudoeste); Payquerê
(campos entre os rios Ivaí e Piquiri, hoje nos município de Campo Mourão, Mamborê, Ubiratã
e outros adjacentes); Minkriniarê (campos de Chagu, oeste de Guarapuava, no município de
16 Cadernos Temáticos
Laranjeiras do Sul); campos do Inhoó (em São Jerônimo da Serra). E, quando da ocupação da
região norte e oeste do Paraná, nos anos 30 a 50 desse século, os Kaingang já estavam aldeados
em São Jerônimo da Serra e Apucaraninha, mas circulavam pelas matas existentes caçando,
coletando e pescando nos rios Tibagí, Pirapó, Ivaí, Piquiri e seus afluentes.
A sua cultura material também era composta predominantemente por objetos perecíveis
e, se compararmos aos Guarani, houve bem menos estudos e poucas coisas são conhecidas. O
mesmo ocorre com a cerâmica, porém, os primeiros estudos já mostram que ela era utilizada
basicamente para preparar alimentos. Suas ferramentas de pedra tinham funções similares às
dos Guarani.
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Resumo
As políticas educacionais atuais para a realidade indígena partem dos fundamentos legais e
conceituais presentes na Constituição de 1988, que colocou sobre novas bases os direitos
indígenas. São direitos constitucionais dos povos indígenas o reconhecimento e a garantia
de seus territórios, de suas formas de organização social e de sua produção sociocultural,
o ensino ministrado nas línguas indígenas e o reconhecimento dos processos próprios de
aprendizagem. Neste artigo, vamos analisar alguns conceitos muito inovadores que derivam
das diretrizes e que devem nortear nossas ações no campo da gestão pública da educação
escolar indígena.
Palavras-chave: Educação Escolar Indígena, Diretrizes, Políticas Públicas.
Refletir sobre as diretrizes da educação escolar indígena remete para dois amplos campos
de estudos sociopolíticos e educacionais. Em primeiro lugar, estaremos lidando com um conjunto
de direitos territoriais, políticos e culturais conquistados pelos povos indígenas e que balizam
sua relação com o Estado e a sociedade brasileira. Pensar sobre isso é reconhecer que somos
uma sociedade plural, multiétnica e plurilíngüe, que as culturas indígenas são patrimônio cul-
tural da nação brasileira e que nosso sistema educacional deve se reorganizar para a educação
em direitos humanos e respeito às diferenças culturais.
Em segundo lugar, formular e implementar políticas educacionais a partir do reconheci-
mento e valorização da sociodiversidade significa enfrentar grandes desafios, quando se leva
em conta a história da educação brasileira, e recolocar com ênfase a relação entre sociedade,
cultura e escola. Este texto, então, procurará apresentar algumas reflexões situadas nesses
campos – o dos direitos culturais e o da transformação das práticas pedagógicas, curriculares
e gerenciais, quando tomamos por base a diversidade sociocultural indígena e suas relações
com a educação escolar.
As políticas educacionais atuais para a realidade indígena partem dos fundamentos legais e
conceituais presentes na Constituição de 1988 que colocou sobre novas bases os direitos indígenas.
São direitos constitucionais dos povos indígenas: o reconhecimento e a garantia de seus territórios, de
suas formas de organização social e de sua produção sociocultural, o ensino ministrado nas línguas
indígenas e o reconhecimento dos processos próprios de aprendizagem.
As concepções que alimentam esses direitos superam idéias antigas de que os povos in-
dígenas formariam sociedades em vias de desaparecimento, que suas identidades seriam pro-
visórias e que deveriam ser assimilados pela cultura dominante. Estas idéias ainda fazem parte
da compreensão que se tem sobre os povos indígenas, pois tiveram vigência durante muito
tempo e, em muitos casos, são reproduzidas no espaço escolar. Delas se derivou a percepção
de que existiriam culturas superiores a outras, de que as sociedades indígenas não são dinâmi-
cas e concepções equivocadas acerca das trocas culturais, isto é, a partir do momento em que
essas sociedades adotam elementos da cultura dominante, estariam se desfigurando enquanto
“índios”, abandonando um estado original de cultura. É necessário, então, um esforço crítico
de identificação e desconstrução dessas concepções para criarmos as bases de um novo enten-
dimento sobre a questão indígena, nos relacionando de modo positivo com a questão.
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1. Consultora da Coordenação Geral de Educação Escolar Indígena – DEDC/SECAD/MEC. Mestre em Educação pela Universidade de Brasília (UnB).
18 Cadernos Temáticos
Como o princípio do reconhecimento da diversidade sociocultural indígena passa a pautar
as políticas públicas indigenistas? Quando se começou a romper com aquelas idéias ultrapas-
sadas sobre os povos indígenas? É importante conhecer esse processo histórico relacionado à
redemocratização de nosso país.
Em meados dos anos 1970, os povos indígenas começam a se organizar em um movimen-
to pluriétnico, discutindo a garantia de seus territórios, as políticas de Estado, a recuperação
da autonomia e protagonismo na defesa de seus interesses. Encontros e assembléias reuniram
inúmeros representantes de vários povos, fortalecendo esse movimento e dando crescente vi-
sibilidade política a esse segmento social na cena nacional. Esse movimento foi apoiado por
organizações da sociedade civil mobilizadas pela defesa dos direitos territoriais, políticos e
culturais dos povos indígenas, tornando-se parceiras e atores referenciais na renovação nas
idéias e práticas do indigenismo. Esse amplo movimento social conquista uma expressiva
vitória quando tem suas reivindicações acolhidas pelos parlamentares sensíveis às causas da
justiça social, influindo decisivamente na nova configuração dos direitos indígenas afirmados
na Constituição.
As políticas educacionais formuladas a partir dos novos marcos constitucionais têm como
diretrizes “a afirmação das identidades étnicas, a recuperação das memórias históricas, a valo-
rização das línguas e ciências dos povos indígenas e o acesso aos conhecimentos e tecnologias
relevantes para a sociedade nacional” (BRASIL, 1996, p. 79).
Esta configuração transforma profundamente a tradição escolar que temos na história
da educação brasileira de atribuir à escola, a promoção da homogeneização cultural à matriz
européia, considerando que experiências sociais, conhecimentos, práticas e sociabilidades
diferenciadas, deveriam ser assimiladas ao padrão cultural dominante. Essa ideologia criou
internatos onde crianças indígenas eram retiradas do convívio com suas famílias e comunida-
des para aprendizagem e adoção de novas formas de pensar e agir, que negavam valor às suas
próprias culturas, gerou a extinção de muitas línguas indígenas e a negação de conhecimentos,
tradições e práticas acumulados na vida social.
Antes de continuarmos, vale a pergunta: por que os debates sobre a educação escolar
indígena sempre remetem para a legislação? Segundo Chauí (Apud, CURY 2002) “a prática de
declarar direitos significa, em primeiro lugar, que não é um fato óbvio para todos os homens
que eles são portadores de direitos e, por outro lado, significa que não é um fato óbvio que
tais direitos devem ser reconhecidos por todos”. Assim, citar os marcos constitucionais e outros
textos legais quando nos referimos aos direitos culturais e educacionais dos povos indígenas
implica em dizer que os povos indígenas são portadores de direitos que conformam sua cida-
dania no contexto da sociedade brasileira, que esses direitos foram conquistados na luta que
empreenderam pelo respeito às suas identidades étnicas e à auto-determinação na condução
de seus destinos, e que temos grandes desafios para dar efetividade a esses direitos.
Do ponto de vista legal, então, temos uma compreensão de que os povos indígenas se
organizam socialmente de formas diferenciadas, têm uma identidade étnica, são portadores de
conhecimentos, valores, tradições e costumes próprios e transmitem esse universo de significados
– a cultura – para as gerações mais novas por meio de processos próprios de aprendizagem. No
entanto, do ponto de vista das relações sociais interétnicas, ou seja, quando deparamos com
estudantes indígenas em uma escola não-indígena ou somos técnicos ou gestores responsáveis
por ações ligadas às políticas públicas, muitas daquelas idéias permanecem, dificultando nossa
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2. Tassinari (2001) conceitua as escolas indígenas como “espaços de fronteira, entendidos como espaços de trânsito, articulação e troca de conhecimentos, assim como
espaços de incompreensões e de redefinições identitárias dos grupos envolvidos nesse processo, índios e não-índios”.
20 Cadernos Temáticos
Partindo desse último ponto, vamos explorar agora, as categorias de especificidade e
diferenciação que também caracterizam a educação escolar indígena. A escola indígena traz
com muita ênfase, a relação entre sociedade, cultura e escola. Na verdade ela transforma essa
relação da escola que estava dissociada das dimensões mais amplas da vida social e estabelece
novos sentidos e funções para a escola a partir de interesses e necessidades particulares a cada
sociedade indígena.
Professores indígenas, refletindo sobre os objetivos educacionais, teorizam que a escola
deve “contribuir para que se efetive o projeto de autonomia dos povos indígenas a partir de
seus projetos históricos, desenvolvendo novas estratégias de sobrevivência física, lingüística e
cultural, no contato com a economia de mercado” e “desenvolver em seus alunos e professores
a capacidade de discussão de pontos polêmicos da vida da sociedade envolvente e oferecer
para a comunidade indígena a possibilidade de críticas e conhecimento de problemas”3.
Desse modo, as práticas pedagógicas e curriculares mantêm uma relação muito estreita com
os sentidos e funções que a comunidade atribui à escola indígena. A escola indígena se carac-
teriza por ser comunitária, ou seja, espera-se que esteja articulada aos anseios da comunidade
e a seus projetos de sustentabilidade territorial e cultural. Então, a escola e seus profissionais
são aliados da comunidade e trabalham a partir do calendário e da participação comunitária,
definindo desde o modelo de gestão da escola, o calendário de acordo com as atividades rituais
e produtivas do grupo, até os temas/conteúdos do processo de ensino-aprendizagem.
O direito lingüístico dos povos indígenas de que os processos de ensino-aprendizagem
sejam feitos nas línguas maternas dos educandos traz a atenção para a realidade sociolingüística
da comunidade onde está inserida a escola e para os usos das línguas nesse espaço. Chamamos
isso de bilingüismo na escola indígena, sem deixar de saber que, em algumas regiões, falantes
e comunidades indígenas são multilíngües, usando no dia-a-dia, além de duas ou três línguas
maternas, o português e as línguas usadas nos países com quem fazemos fronteira. Esta carac-
terística tem de passar por uma reflexão extensa e profunda entre os professores indígenas e
as equipes técnicas dos sistemas de ensino, pois se refere ao tratamento às línguas usadas na
comunidade e na escola, a partir de concepções muito distantes do que tínhamos no “bilin-
güismo” transicional proposto nos anos 1970 que exerce ainda uma enorme influência sobre
as práticas pedagógicas nas escolas indígenas que implantaram o modelo de ensino bilíngüe.
E, um grande número dessas escolas está no Sul do País.
O programa de ensino bilíngüe da década de 1970, era uma estratégia educacional para
promover a política integracionista no âmbito da escola. As línguas indígenas, a exemplo das
identidades étnicas, eram tratadas como transitórias nas escolas, devendo ser consideradas ape-
nas enquanto “ponte”, instrumento de “transição” para aprendizagem da língua e dos valores
da sociedade nacional. Temos aí, na sala de aula, a reprodução da política integracionista de
considerar a diversidade sociocultural no ponto de partida, mas propor sua superação tendo
em mente uma sociedade homogeneizada lingüística e culturalmente. Seguindo essa orientação,
vários programas de educação bilíngüe foram criados e, foi no contexto dessa proposta que
os índios começam a participar do pensar e fazer escola como “monitores bilíngües”. Esses
agentes educadores na escola tinham como tarefa realizar a alfabetização na língua materna
e desenvolver a aprendizagem da língua portuguesa, primeiro oralmente e, em seguida, na
escrita, promovendo a substituição de uso de uma língua materna pela língua nacional. Com
isto o monitor fazia a transição para a substituição da língua materna pela língua portuguesa,
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3. Reflexões do professor Gersem dos Santos, do povo Baniwa, AM, e de Valmir Kaingáng, de São Valério do Sul, RS.
Referências
CURY, Carlos Roberto Jamil. Legislação educacional brasileira. 2ª ed. Rio de Janeiro: DP&A,
2002.
BRASIL. Lei n. 9394 de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação
nacional. Diário Oficial da União, Brasília, 23 dez. 1996.
TASSINARI, Antonella M. Imperatriz. Escola indígena: novos horizontes teóricos, novas fronteiras da
educação. In: FERREIRA, Mariana Kwall.; SILVA, Aracy Lopes da.(Orgs) Antropologia, História
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22 Cadernos Temáticos
Formação de professores indígenas no estado do Paraná:
breve histórico
Cristina Cremoneze1 (SEED/DEF/CEEI) indigenapr@yahoo.com.br
Iozodara Telma Branco De George2 (SEED/DEF/CEEI) indigenapr@yahoo.com.br
Raquel Marschner3 (SEED/DEF/CEEI) indigenapr@yahoo.com.br
Resumo
Dentre as atividades desenvolvidas pela Coordenação da Educação Escolar Indígena,
de meados de novembro de 2004 até o presente momento, está o acompanhamento
pedagógico dos professores Guarani e Kaingang, no desenvolvimento de Cursos
de Ensino Médio específicos para o exercício da docência intercultural. Este artigo
apresenta breve histórico da implantação e implementação de política pública para o
desenvolvimento da educação escolar indígena com qualidade e responsabilidade no
estado do Paraná.
Palavras-chave: Formação de professores, Professores Indígenas, Propostas Curri-
culares.
Em agosto de 2004, a Coordenação da Educação Escolar Indígena (CEEI), passou a integrar
o Departamento de Ensino Fundamental, em conjunto com as Coordenações do Ensino Funda-
mental, Educação Infantil e Educação do Campo. Nesse primeiro momento, a CEEI priorizou o
mapeamento das realidades pedagógica e administrativa das escolas indígenas territorializadas
no estado do Paraná, com o objetivo de estruturar um banco de dados mais consistente refe-
rente à essa modalidade de ensino.
Tal mapeamento, efetivado durante os meses de outubro de 2004 a março de 2005, foi reali-
zado numa ação conjunta, envolvendo a Secretaria de Estado da Educação (SEED), representantes
das Instituições de Ensino Superior (IES), Fundação Nacional do Índio (FUNAI), Organizações
não-governamentais (ONGs) e comunidades indígenas do Paraná.
Durante as visitas técnicas nas Terras Indígenas, o grupo de trabalho utilizou como ins-
trumento para coleta de dados questionário elaborado pelos representantes das instituições já
nominadas, constituído por vinte e sete questões, sendo que sete delas referiam-se diretamen-
te à formação do professor indígena, sua atuação enquanto docente e ao papel da escola na
comunidade.
Após análise dos dados oriundos da consulta às comunidades indígenas do estado do Pa-
raná, concluiu-se que a formação inicial dos professores indígenas (dentre outras) é condição
primeira para a implantação e implementação de política pública para o desenvolvimento da
educação escolar indígena com qualidade e responsabilidade: “... tem que ter mais formação
dos professores...”, “... magistério indígena para que o ensino seja diferenciado...”,“... alfabe-
tização das crianças na língua materna” 4.
Para tanto, fazia-se urgente a elaboração de proposta curricular para curso de formação
de docentes indígenas, para a educação infantil e anos iniciais, em nível médio, na modalidade
normal. Assim sendo, em março de 2005, constituiu-se uma Comissão de Trabalho, através da
Resolução Secretarial nº 802/2005, com representantes do Departamento de Educação Profis-
sional (DEP) do Departamento do Ensino Médio (DEM), Departamento de Educação Especial
(DEE) e Departamento de Ensino Fundamental (DEF) – Coordenações da Educação Escolar
Indígena, Educação Infantil e do Campo.
cultura afro
1. Professora de História da rede estadual de ensino do Paraná. Mestre em História pela Universidade Federal do Paraná (UFPR).
2. Professora de Matemática da rede estadual de ensino do Paraná. Especialista em Matemática pela Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG) e em Psicopedagogia
pelo Instituto Brasileiro de Pós Graduação e Extensão (IBPEX).
3. Professora de Biologia da rede estadual de ensino do Paraná.
4. Falas de professores indígenas registradas nos questionários realizados em visitas técnicas às Terras Indígenas, entre outubro de 2004 a março de 2005.
5. Professores Kaingang: 3,70% possuíam o Ensino Fundamental Incompleto; 18,52% Ensino Fundamental Completo; 13% Ensino Médio Incompleto; 25,9% Ensino Médio Completo;
35,2% Ensino Superior Incompleto e 3,7% com Pós Graduação. Professores Guarani: 37,5% possuíam o Ensino Fundamental Incompleto; 12,5% Ensino Fundamental Completo; 25%
Ensino Médio Incompleto; 18,8% Ensino Médio Completo e 6,2% Ensino Superior Incompleto.
6. Constituição da República Federativa do Brasil de 05 de outubro de 1988, art. 210, 231 e 232; Convenção OIT nº 169 de 07/06/1989; Decreto nº 26 de 04 de fevereiro
de 1991;Portaria Interministerial MJ e MEC nº 559 de 16 de abril de 1991; Lei nº 9.394 de 20 de dezembro de 1996, art. 32, §3º; Resolução CNE/CEB nº 002 de 07
de abril 1998; Parecer do CNE/CEB nº 14/99; Resolução CEB nº 003, de 10 de novembro de 1999; Lei nº 10.172 de 09 de janeiro de 2001.
7. Projeto Pira-Yawara (1998, AM), Projeto Vãfy (2001, RS), Projeto Tucum (1995, MT), Projeto Uhitup (1996, MG), Proposta Curricular Bilíngüe Intercultural para a Formação
de Professores Índios do Acre e Sudoeste do Amazonas(1997, AC/AM).
8. Referenciais para Implantação de Programas de Formação de Professores Indígenas nos Sistemas Estaduais de Ensino (2001) e as Diretrizes para a Implantação de Programas
de Formação de Professores Indígenas nos Sistemas Estaduais de Ensino (2000).
9. Na ocasião, além de representação da FUNAI, estavam presentes representantes das Secretarias de Educação dos municípios de Cândido de Abreu, Chopinzinho, Manguei-
rinha, Manoel Ribas, Nova Laranjeiras, Palmas e São Jerônimo da Serra, bem como representantes dos Núcleos Regionais de Educação de Cornélio Procópio, Guarapuava,
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24 Cadernos Temáticos
Das quarenta vagas para o Curso inicialmente ofertadas, foram preenchidas trinta e uma.
A primeira etapa presencial intensiva ocorreu durante o período de 08 de maio a 30 de junho
de 2006, no Centro de Capacitação de Professores, Faxinal do Céu, no município de Pinhão
– Paraná. E a segunda etapa presencial intensiva ocorreu de 11 de julho a 06 de agosto de 2006.
Foram contemplados conteúdos de Antropologia Cultural, Língua Kaingang, Língua Portuguesa,
Alfabetização Bilíngüe, História e Organização Social Kaingang, Fundamentos da Educação Es-
colar Indígena, Organização do Trabalho Pedagógico da Escola Indígena, Metodologia Científica,
Estágio Profissional Supervisionado Escolar, Psicologia e Etnoconhecimentos.
É importante registrar o trabalho de acompanhamento pedagógico dos cursistas, realiza-
do pelos Coordenadores da Educação Escolar Indígena dos Núcleos Regionais de Educação,
durante as etapas presenciais intensivas (revezando-se com a equipe da CEEI/DEF), e também
na constante articulação desses profissionais com as Secretarias Municipais de Educação, re-
gionais da FUNAI, professores, Caciques e lideranças indígenas, favorecendo a circulação de
informações e propiciando maior entrosamento entre as várias instituições que envolvem a
Educação Escolar Indígena no estado do Paraná.
A duração do curso será de cinco etapas presenciais, em regime de alternância, no período
de dois anos, sendo que a proposta curricular está estruturada em etapas presenciais, atividades
na comunidade, estágio profissional supervisionado curricular e seminários descentralizados,
totalizando 1800 horas/relógio. Tal estrutura garante o atendimento aos professores cursistas
que estão em sala de aula, sem causar prejuízo em sua prática docente. Cabe ressaltar que as
despesas com transporte (aldeia/local do curso/aldeia), hospedagem, alimentação e material
escolar dos cursistas durante as etapas intensivas são inteiramente custeadas pelo Governo do
Estado do Paraná/SEED.
Concomitantemente ao processo de implantação e implementação da formação dos pro-
fessores Kaingang, a Coordenação da Educação Escolar Indígena também realiza o acompa-
nhamento pedagógico de dezesseis cursistas da etnia Guarani, no Programa de Formação para
a Educação Escolar Guarani na Região Sul e Sudeste do Brasil Kuaa Mbo´e Conhecer-Ensinar,
que tem por objetivo habilitar professores Guarani para o exercício da docência nas escolas
indígenas.
O “Protocolo Guarani”, como é nacionalmente conhecido, trata-se de Protocolo de In-
tenções entre MEC/SECAD, FUNAI, Secretarias da Educação dos Estados do Espírito Santo, Rio
de Janeiro, São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul, assinado em 26 de agosto
de 2004. Iniciado em fins de 2003, em Timbó (SC), a grande inovação deste curso é o respeito
à territorialidade Guarani, pois as instituições parceiras consideram a identidade Guarani dos
alunos matriculados no Programa e não apenas o fato de residir neste ou naquele Estado.
As etapas presenciais centralizadas têm ocorrido em Santa Catarina, sendo que as etapas
descentralizadas ocorrem nos Estados e são de responsabilidade das Secretarias de Educação.
Em setembro de 2006, foi realizada, no município de Governador Celso Ramos (SC), a VI etapa
presencial intensiva centralizada. Dentre os conteúdos contemplados estão Matemática, Histó-
ria, Língua Portuguesa, além de oficinas de fotografia. A previsão de conclusão do programa
é 2008.
Na execução das etapas intensivas (tanto do Curso para professores Kaingang, quanto
do Protocolo Guarani) muitos têm sido os desafios postos para todos os envolvidos no pro-
cesso, desde questões pedagógicas, administrativas até especificidades culturais e lingüísticas.
cultura afro
Porém, todos (professores Kaingang, Guarani, técnicos das Secretarias...) estamos vivendo a
experiência do magistério intercultural, buscando construir uma educação escolar indígena de
fato específica, diferenciada, intercultural e bilíngüe.
Resumo
Neste artigo, pretende-se mostrar um panorama sobre a arte e o artesanato indígena
Kaingang e Guarani no Paraná, especialmente sobre aspectos básicos da cerâmica,
cestaria, trançado, tecido e pintura corporal, por meio de materiais arqueológicos e
etnográficos paranaenses. É importante destacar a arte na afirmação da identidade
cultural e como linguagem visual dos povos tradicionais.
Palavras-chave: Artesanato Indígena, Cerâmica, Trançado.
1. Arqueóloga do Departamento de Arqueologia do Museu Paranaense. Doutora em Arqueologia pela Universidade de São Paulo (USP).
2. Zoólitos: esculturas em pedra, de animais, geralmente miniaturas, com uma cavidade central ou lateral para acondicionar materiais relacionados a possíveis rituais.
3. Zoósteos: esculturas em osso, de animais, geralmente miniaturas.
26 Cadernos Temáticos
Os primeiros povos agricultores e ceramistas chegaram no Paraná há 4.000 anos, vindos
do planalto central brasileiro, ocupando preferencialmente as terras altas do sul brasileiro. Ao
longo do tempo dispersaram-se por todo o território paranaense, sendo ancestrais de índios
da família lingüística Jê, representados atualmente pelos Kaingang e Xokleng.
Viviam em aldeias, com até 300 pessoas, e os territórios eram marcados através da gravação
de símbolos clânicos em abrigos rochosos e em troncos do pinheiro Araucária. Os ancestrais
dos Kaingang, no século XIX, enterravam os mortos em estruturas subterrâneas, forradas com
folhas de palmáceas e cobrindo com montes de terra que se assemelhavam a pequenas pirâ-
mides. Os Xokleng cremavam os mortos, e ambos esses grupos faziam cemitérios em abrigos
rochosos, onde eram realizadas pinturas e gravuras.
A cerâmica relacionada aos ancestrais de índios Jê no Paraná caracteriza-se pelo peque-
no volume e a espessura fina, com eventual engobo4 negro ou vermelho, e em alguns casos
marcada com impressão de tecido ou malha, ou mesmo carimbada e incisa, na face externa
dos vasilhames. A confecção dos vasilhames era feita pelas técnicas do modelado5, paleteado6
e roletado7. Os artefatos em pedra eram polidos e/ou lascados, como os raspadores, plainas,
lâminas de machado com formas petalóides8 e mais raramente semi-lunares, pilões e mãos de
pilão, virotes9 e outros.
Há 2.000 anos aparecem, em território paranaense, os ancestrais dos índios Tupi e Gua-
rani, provavelmente vindos da Amazônia. Os Guarani, também agricultores, viviam em aldeias,
em grandes casas comunais, sendo as habitações Guarani mais largas que a dos Kaingang. Essas
proporções parecem se repetir nas formas tradicionais das vasilhas Kaingang e Guarani.
A cerâmica característica Guarani era decorada com pinturas geométricas, vermelhas e
pretas sobre engobo branco, ou incisões e marcações com as unhas e a polpa dos dedos; eram
comuns os cachimbos cerâmicos (MELIÁ, SAUL, MURARO, 1987).
Costumavam sepultar os mortos em vasilhas cerâmicas, no interior da casa, que era, em
seguida, incendiada, e uma nova habitação era construída no mesmo local. O enterro podia
ser secundário, ou seja, inicialmente o indivíduo era sepultado às margens de um rio, por
exemplo, e, depois de algum tempo, os ossos eram retirados, pintados, emplumados e, junto
com os adornos do morto, inseridos em uma vasilha cerâmica, enterrada no interior da casa
do morto ou das rezas.
Era hábito dormir em redes, fixadas nas estruturas internas das casas; as malhas das redes
tinham padrões similares às tramas da cestaria.
Pintavam o corpo com motivos geométricos, tanto com pigmentos vermelhos: urucum e
óxido de ferro, bem como pretos: carvão e óxido de manganês. Teciam vestimentas em algodão,
que também podiam ser decoradas (RIBEIRO, 1986).
As pinturas dos corpos e dos tecidos podiam ser feitas através de carimbos de rolo, em
cerâmica ou madeira. Usavam muitos adornos de cabeça e de dorso com pedras polidas, se-
4. Engobo: fina camada de pigmentos, aplicados posteriormente à manufaturas do vasilhame, na superfície, antes, durante ou depois da queima. Pode modificar a cor e
aumentar a impermeabilização da peça.
5. Modelado: a argila era modelada com as mãos, no caso da cerâmica Jê podia-se usar porongos, frutos ocos, como moldes internos. Esses frutos eram queimados com a
argila aderida na superfície, desaparecendo com as altas temperaturas, mas deixando impressões no interior dos vasilhames.
cultura afro
6. Paleteado: confeccionava-se o vasilhame inicialmente através de um cone de argila apoiado em seixo arredondado de pedra, que era batido sucessivamente com uma paleta
de madeira ou outro seixo, fazendo-se diferentes formas e tamanhos.
7. Roletado: através de roletes ou cordéis de argila, sucessivamente ligados e apoiados uns sobre os outros.
8. Petalóides: com formatos assemelhados a pétalas.
9. Virotes: pontas de projétil com forma rombuda, para derrubar pinhas e abater pássaros.
Atualmente, os Kaingang fazem cestos, alguns grandes, como os cargueiros, com tramas
e padrões decorativos que caracterizam a identidade grupal. Usam, geralmente, muitas cores,
como o roxo, o rosa, o verde, o amarelo e o vermelho, procurando resgatar o colorido dos
adornos em plumária, como diademas e brincos, que acabaram caindo em desuso ao longo do
tempo.
28 Cadernos Temáticos
Os cestos em taquara, kre em língua Kaingang, possuem quatro formas básicas, os longos
ou compridos, os cargueiros - kre téj, os redondos ou baixos - kre ror, os de fundo quadrado
- kre kõpó, e os com alça de embira, kre iyr (SILVA, 2001).
Os cestos podem ser usados na armazenagem de líquidos, como os impermeabilizados
com cera, ou serem usados no transporte objetos pesados, inclusive produtos agrícolas. A
fibra do caraguatá era matéria-prima de cordas e cordões de alta resistência (BECKER &
LAROQUE, 1999).
As flautas, antes cobertas por tramas de taquara e imbé e penas coloridas de arara, prati-
camente não são produzidas. Porém, atualmente, os chocalhos feitos em porongos, e adornados
com desenhos e penas coloridas de galinha são vendidos em grande quantidade. O som do
chocalho Kaingang é diferente do Guarani, pois a quantidade e os tipos de sementes inseridos
no interior dos porongos são diferenciados, conforme a etnia indígena. Atualmente, algumas
miniaturas de armas, como arcos e flechas, são decoradas com lã e penas coloridas de galinha,
e podem ser cobertas por trançado de taquara e cipó imbé, com motivos geométricos.
Os Guarani pertencem à família linguística Tupi-Guarani, sendo a etnia indígena mais
numerosa do Brasil. Nas áreas onde atualmente estão reunidos, há três grupos com dialetos
diferentes: os M’byá, os Chiripá ou Ñandeva e os Paitvyterã ou Kaiowá (SCHADEN, 1954).
Os Guarani deslocam-se com freqüência, entre as aldeias, existindo uma dinâmica cultural
intensa, além da incorporação de comportamentos típicos das sociedades ocidentais (MELIÁ,
SAUL, MURARO, 1987).
A religião e a língua são as bases da resistência cultural Guarani. A religião, mesmo sendo
coletiva na grande parte das manifestações, tem um caráter familiar e individual, que permitiu
sua sobrevivência, inclusive depois dos jesuítas fazerem grandes esforços evangelizadores, no
início do século XVII (PARELLADA, 1995, p. 51-61).
Os adornos em plumária e a pintura corporal, descritos nos séculos XVI e XVII, acabaram
ao longo do tempo, sendo substituídos pelos trajes dos colonos luso-brasileiros. Vender tecidos
fiados em algodão nas aldeias e trabalhar como empregados de fazendas de gado foram, durante
os séculos XVIII e XIX, as principais estratégias de sobrevivência dos Kaingang e Guarani no
Paraná. A intensa produção de cerâmica indígena foi interrompida no século XIX, e a partir
daquela época os recipientes usados eram de ferro, trocados através do trabalho em fazendas
e vilas, que surgiam no Paraná.
A confecção de flautas em bambu e chocalhos com porongos, que podem ser pirogravados,
e adornados com penas coloridas e/ou cobertos com trançado em taquara e imbé, mostram a
musicalidade do grupo.
A confecção de cestos em taquara, decorados com tramas geométricas, mais escuras, em
cipó imbé, mantêm-se até hoje, com algumas características diferenciadas, como por exemplo,
o uso da anilina para colorir as fibras de taquara. Atualmente, no litoral norte paranaense, os
Guarani vêm produzindo cestas com formas muito parecidas à cerâmica arqueológica Tupi-
guarani, o que representa um resgate de antigos modelos geométricos, inclusive as formas
carenadas10.
Algumas representações da cerâmica arqueológica Guarani parecem estar relacionados à
cruz e à serpente, elementos mitológicos (TOCCHETO, 1996, p. 33-45).
cultura afro
Referências
BECKER, Itala Irene Basile; LAROQUE, Luis Fernando da Silva. O índio Kaingang do Paraná:
subsídios para uma etno-história. São Leopoldo: Ed. Unisinos, 1999.
BORBA, Telêmaco. Actualidade indígena. Coritiba: Impressora Paranaense, 1908.
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Curitiba. v.1, p.161-229, 1941.
HELM, Cecília Maria Vieira. Kaingang, Guarani e Xetá na historiografia paranaense. Curitiba:
Design Estúdio Gráfico, 1997.
MELIÁ, Bartolomeu; SAUL, Marcos Vinícius Almeida; MURARO, Valmir Francisco. O Guarani: uma
bibliografia etnológica. Santo Ângelo: FUNDAMES, 1987.
MONTOYA, Antonio Ruiz. Conquista espiritual feita pelos religiosos da Companhia de
Jesus nas Províncias do Paraná, Paraguai, Uruguai e Tape. Tradução Arnaldo Bruxel.
Porto Alegre: Martins Livreiro, 1985.
NIMUENDAJU, Curt. Etnografia e indigenismo: sobre os Kaingang, os Ofaié-Xavante e os índios
do Pará. Campinas: Ed. da UNICAMP, 1993.
PARELLADA, Claudia Inês. Análise da malha urbana de Villa Rica del Espiritu Santo (1589-1632)/
Fênix-PR. Revista do Museu de Arqueologia e Etnologia da USP, São Paulo, n.5, p.51-61.
1995.
PARELLADA, Claudia Inês. Estudo arqueológico no alto vale do rio Ribeira: área do gasoduto
Bolívia-Brasil, trecho X, Paraná. São Paulo, 2005. Tese (Doutorado em Arqueologia) – USP.
cultura afro
11. Caixeta ou caxeta: árvore da família das bignoniáceas, que fornece madeira branca, leve, macia e durável.
30 Cadernos Temáticos
RIBEIRO, Berta. Arte indígena, linguagem visual. Belo Horizonte (Coleção Reconquista do
Brasil, 2 série): Itatiaia/São Paulo: EDUSP, 1989.
RIBEIRO, Darcy. Suma etnológica brasileira, v. 3. Petrópolis: Vozes, 1986.
SCHADEN, Egon. Aspectos fundamentais da cultura Guarani. Boletim da Universidade de São
Paulo, FFCL, São Paulo, n.188, Antropologia n.4, 1954.
SILVA, S. Etnoarqueologia dos grafismos Kaingang: um modelo para a compreensão das so-
ciedades Proto-Jê meridionais. São Paulo: USP, 2001. Tese (Doutorado em Antropologia Social).
TIBURTIUS, Guilherme; BIGARELLA, João José. Objetos zoomorfos do litoral de Santa Catarina e
Paraná. Pesquisas: Antropologia, n. 7, p.1-51, 1960.
TOCCHETTO, F. B. Possibilidades de interpretação do conteúdo simbólico da arte gráfica Guarani.
Revista do Museu de Arqueologia e Etnologia da USP, São Paulo, v.6, p.33-45, 1996.
TOMMASINO, Kimiye. A história dos Kaingang na bacia do Tibagi: uma sociedade Jê
meridional em movimento. São Paulo: USP. 1995. Tese (Doutorado em Antropologia Social).
VAN VELTHEN, L. H. Em outros tempos e nos tempos atuais: arte indígena. In: AGUILAR, N. (Org.).
Mostra do redescobrimento: artes indígenas. São Paulo: Fund. Bienal de São Paulo, 2000. p.
58-91.
VEIGA, Juracilda. Organização social e cosmovisão Kaingang: uma introdução ao parentesco,
casamento e nominação em uma sociedade Jê meridional. Campinas: Unicamp,1994. Dissertação
(Mestrado em Antropologia Social).
cultura afro
Resumo
Refletindo sobre o desenvolvimento de modos de aprendizagem significativos, com abertura
e flexibilidade suficientes para discutir e incorporar as experiências e conhecimentos das
diversas culturas, busco, neste artigo, expressar alguns princípios, que eu diria, norteadores
de uma ação pedagógica visando a tais possibilidades. Em concordância com as visões
de D’Ambrosio sobre a proposta pedagógica da Etnomatemática e a de Sebastiani Ferreira
sobre a necessidade da formação do professor pesquisador, procurei articular minhas
considerações, tentando estabelecer uma proposta síntese das visões desses autores,
tomando como objeto de interrogação a Educação Matemática nos cursos de formação
de professores que irão ensinar Matemática e como a Etnomatemática pode se apresentar
no currículo desses cursos.
Palavras-chave: Etnomatemática, ação pedagógica, professor pesquisador.
Introdução
Em minha vivência como educadora e professora de Matemática em cursos de formação de
professores, eu sempre busquei respostas para minhas próprias incertezas e inquietações sobre os
caminhos da educação matemática na escola, na construção de uma filosofia pessoal da Educação
Matemática com base não apenas no trabalho que tenho desenvolvido nesse campo, mas também
no estabelecimento de uma relação dialógica com integrantes dos diferentes segmentos que se ocu-
pam da educação escolar, com educadores matemáticos, com pesquisadores e docentes de outras
áreas, com documentos oficiais e outros.
Todo esse ideário, resultado, também, das reflexões originadas de meu trabalho nos cursos
de formação de professores indígenas, tem orientado a elaboração de diretrizes pedagógicas que
defendem o ponto de vista de que os professores – e seus alunos – possam desenvolver uma atitude
investigativa frente ao conhecimento e à realidade, servindo-se de fontes distintas de pesquisa, com
base nas quais possam aprofundar, ampliar ou reformular seus conhecimentos, e fazer das tarefas
de seu ensino convencional algo prazeroso, interessante e desafiante.
Para a composição deste texto, busquei dialogar com idéias de dois educadores e pesquisa-
dores que, nessas últimas décadas têm se dedicado aos estudos da Etnomatemática como uma das
vertentes da Educação Matemática: Ubiratan D’Ambrosio e Eduardo Sebastiani Ferreira.
Sobre a Etnomatemática, D’Ambrosio considera que
A proposta pedagógica da Etnomatemática é fazer da matemática algo vivo, lidando com situações
reais no tempo e no espaço. E, através da crítica, questionar o aqui e agora. Ao fazer isso, mergu-
lhamos nas raízes culturais e praticamos dinâmica cultural. Estamos, efetivamente, reconhecendo na
educação a importância das várias culturas e tradições na formação de uma nova civilização, trans-
cultural e transdisciplinar (D’AMBROSIO, 2001, p.46).
Sebastiani Ferreira considera, em entrevista que concedeu à revista Educação Matemática em
Revista (SBEM, dez. 2001)2, que é necessário devolver ao profissional da educação status adquiridos
cultura afro
mas já perdidos no tempo - em particular os de sábio e o de didata - e que isso só pode ser feito na
sua formação escolar e continuada, desde que tenham em vista formar o professor pesquisador,
1. Professora da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP). Doutora em Educação pela Universidade de Campinas (UNICAMP).
2. Educação Matemática em Revista. SBEM, Ano 8, n. 11, dez 2001.
32 Cadernos Temáticos
(...) pesquisador tanto dentro da etnologia, onde sua escola está inserida, como pesquisador em
novas metodologias e por que não, em novos conhecimentos matemáticos e tecnológicos. Formar
o professor pesquisador é trabalho das licenciaturas nas universidades, que devem propiciar cursos
(...) para esse profissional no exercício de sua profissão (S. FERREIRA, 2001, p. 6-7).
Em concordância com as visões de D’Ambrosio sobre a proposta pedagógica da Etno-
matemática e a de S. Ferreira sobre a necessidade da formação do professor pesquisador,
procurarei articular minhas considerações, tentando estabelecer uma proposta síntese dessas
visões, tomando como objeto de interrogação, a Educação Matemática nos cursos de formação
de professores que ensinarão Matemática e como a Etnomatemática pode se apresentar no
currículo desses cursos. Assim, antevendo a possibilidade – em cursos de formação de pro-
fessores, e nas escolas onde eles exercem a sua prática – do desenvolvimento de modos de
aprendizagem abertos e flexíveis para as experiências e conhecimentos das diversas culturas,
busquei estabelecer alguns princípios, que eu diria, norteadores de uma prática pedagógica
visando a tais perspectivas.
savós. Isso não quer dizer que eles estudaram Matemática como hoje em dia, mas eles aprenderam
com o tempo, pela natureza de sua vida, passando de pais para filhos, de geração para geração.
Desde então a Matemática já existia na vida dos Ticuna segundo a pesquisa feita. Antes do contato
com o branco, quando viviam na maloca já sabiam medir o tempo e qual era o tamanho do tururi que
Acredito que o destaque que faço, a seguir, de um relatório de pesquisa elaborado no 1o.
semestre de 2003, na disciplina Etnomatemática por um grupo de alunos do curso de Licenciatura
em Matemática da UFOP, traz evidências de uma Educação Matemática, assim como pensa Skovs-
34 Cadernos Temáticos
mose (1995), enraizada num espírito crítico e num projeto de possibilidades que permite às pessoas
participar na compreensão e transformação da sociedade. (p. 163)
Esta pesquisa foi realizada em uma comunidade da cidade de Mariana, MG, Bairro Santo Antonio.
Buscamos investigar o conhecimento matemático de pessoas sem escolarização ou pouco escolari-
zadas, nas atividades comerciais da comunidade. Pertencem a essa comunidade, pessoas com um
passado de dificuldades e um presente de busca pela sobrevivência. Procuramos compreender como
é construído o saber matemático em um contexto real, fora da escola. Acreditamos que essas pessoas,
mesmo sem terem freqüentado a escola, desenvolvem esse saber que não é menos importante que o
saber desenvolvido em sala de aula. As pessoas entrevistadas mostraram que usam a matemática como
uma ferramenta de sobrevivência, porque possuem um passado de vida rural, onde os estudos eram
mais difíceis e um presente de exclusão social, com poucas possibilidades de emprego. Recorreram,
então a pequenos comércios no bairro simples. Embora não reconheçam, elas fazem um eficiente
uso da matemática. Seus relatos sempre falam de uma matemática distante, difícil e que elas não
são capazes de aprender e desenvolver. Na verdade percebemos que elas possuem grandes conhe-
cimentos e, o que é melhor, é um saber real com base na realidade e na necessidade das pessoas.
Essa pesquisa nos mostrou que devemos sempre aproximar a nossa prática pedagógica à realidade
de nossos educandos, pois tanto eles quanto a comunidade em que estão inseridos têm muito a nos
oferecer (Gláucio, João Bosco, Márcio Luiz, Maria Helena, Wemerson, 2003, p.1-3).
3. Conclusão
Finalizando, devo ainda acrescentar que a Etnomatemática, como disciplina optativa do
curso de Licenciatura da UFOP, tem pensado sua proposta pedagógica, segundo D’Ambrósio,
buscando “fazer da Matemática algo vivo, lidando com situações reais no tempo e no espaço”
e, como Sebastiani Ferreira, incentivando o futuro professor como “... pesquisador tanto dentro
da etnologia, onde sua escola está inserida, como pesquisador em novas metodologias e por
que não, em novos conhecimentos matemáticos ...”.
Considero que, pelos resultados que temos alcançado com os nossos alunos nos diversos
cursos em que tivemos a oportunidade de atuar na disciplina Etnomatemática, temos caminhado
rumo ao estabelecimento dessa “proposta síntese” das visões de D’Ambrosio sobre a proposta
pedagógica da Etnomatemática e de Sebastiani Ferreira sobre a necessidade da formação do
professor pesquisador. No entanto, vejo a necessidade de mais pesquisas, mais troca de idéias,
mais encontros de pesquisadores nessa área que se constrói, hoje, na interface da Educação
Matemática e da Etnomatemática. Muitas idéias já existem na constituição desse novo paradig-
ma educacional. Mas além das idéias, são necessárias ações educacionais. Ações elaboradas
cooperativamente, postas em práticas, refletidas, criticadas, recriadas.
Referências
D’AMBROSIO, Ubiratan. Etnomatemática: elo entre as tradições e a modernidade. Belo Horizonte:
Autêntica, 2001.
LEAVITT, Robert Mike; STAIRS, Arlene. Sobre o ensino da linguagem como atividade cultural. In:
Mensagens da educação indígena para o TESL. Canadá. s/d.
FERREIRA, Sebastiani Eduardo. Etnomatemática. Uma proposta metodológica. Série Reflexão
em Educação Matemática. Rio de Janeiro: Universidade Santa Úrsula, 1997.
SKOVSMOSE, Ole. Competência democrática e conhecimento reflexivo em matemática. In.
cultura afro
Resumo
A astronomia envolveu todos os aspectos da cultura indígena. O caráter prático dos seus
conhecimentos pode ser reconhecido na organização social e em condutas cotidianas
que eram orientadas por rituais cujas datas eram definidas pela posição dos astros. Neste
trabalho apresentamos como os indígenas que habitam o território brasileiro associam a
leitura do céu com o clima, a fauna e a flora de sua região.
Palavras-chave: Astronomia, Meio-Ambiente, Biodiversidade.
1. Introdução
A observação do céu sempre esteve na base do conhecimento de todas as sociedades
do passado, submetidas em conjunto ao desdobramento cíclico de fenômenos celestes como
o dia e a noite, as fases da Lua e as estações do ano. Os indígenas que habitavam o Brasil há
muito perceberam que as atividades de caça, pesca, coleta e lavoura estão sujeitas a flutuações
sazonais e procuraram desvendar os fascinantes mecanismos que regem esses processos cósmi-
cos, para utilizá-los em favor da sobrevivência da comunidade. Até a conduta correta da vida
humana estava ligada ao contexto sazonal dos fenômenos naturais. Juntas, estrelas e espécies
animal e vegetal, informavam ao homem sobre a ordem e a unidade do Cosmos, fornecendo
uma bela visão do mundo, suficiente para a sobrevivência em grupos. Diferentes entre si, os
grupos indígenas tiveram em comum a necessidade de sistematizar o acesso a um rico e variado
ecossistema. Mas não bastava saber onde e como obter alimentos. Era preciso definir também
a época apropriada para cada uma das atividades de subsistência. Esse calendário era obtido
pela leitura do céu. Há registros escritos sobre sua ligação com os astros desde a chegada dos
europeus ao Brasil, mas é possível que se utilizassem desse conhecimento desde que deixaram
de ser nômades.
É evidente, no entanto, que nem todos os grupos indígenas, mesmo de uma única etnia,
atribuem idêntico significado a um determinado fenômeno astronômico específico, e a razão
disso está no fato de cada grupo ter sua própria estratégia de sobrevivência. Além disso,
considerando que não dependem, de maneira uniforme, de suas moradias, caça, pesca ou de
trabalhos agrícolas, as constelações sazonais, por exemplo, oferecem aos distintos povos uma
enorme diversidade de interpretação.
Com freqüência, considera-se a cosmologia de outras civilizações através de nossos pró-
prios conhecimentos, desenvolvidos predominantemente dentro de um sistema educacional
ocidental. Mas esse conhecimento depende de documentos escritos, regras, regulamentos e
infra-estrutura tecnológica. A visão indígena do Universo deve ser considerada no contexto dos
seus valores culturais e conhecimentos ambientais, que se referem às práticas e representações
mantidas e desenvolvidas por povos com longo tempo de interação com o ambiente em que
vivem. O conjunto de entendimentos, interpretações e significados faz parte de uma comple-
xidade cultural que envolve linguagem, sistemas de nomes e classificação, maneiras de usar
recursos naturais, rituais, espiritualidade e interpretações do mundo. Para os indígenas, em
cultura afro
1. Professor da Universidade Federal do Paraná (UFPR) e do Planetário Indígena. Doutor em Física pela Université Paris VI, França e Pós Doutor em Astronomia pelo Observatoire
da la Côte D’Azur.
2. Professora do Planetário Indígena. Mestre pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).
36 Cadernos Temáticos
entre o céu e a terra. Os pássaros (colibri, águia ou papagaio) representam a conexão do aéreo
com o celeste. A serpente, ao elemento intermediário (ou Terra) e a onça, invariavelmente,
é assimilada a um espírito maléfico (deus do submundo). Na pele da serpente estão escritos
todos os segredos cosmogônicos e a pele da onça representa o firmamento, com suas manchas
representando as estrelas. Essa concepção é válida para todas as etnias e somente variam as
plantas e os animais que servem de veículo para essas energias cósmicas (celestes, terrestres
ou do submundo), tendo em vista que um determinado animal ou bebida ritual pode ser subs-
tituído por outro, pois climas, latitudes e alturas diferentes correspondem diversas espécies
vegetais e animais, embora os sentidos essenciais dos símbolos, rituais e mitos permaneçam
semelhantes. Para todo o animal ou vegetal sagrado da Terra existe uma constelação corres-
pondente no céu. O conhecimento indígena não-formal, em contraste com o conhecimento
formal, é transmitido oralmente de geração a geração, através de mitos, músicas e rezas, sendo
raramente documentado.
foram realizados rituais e rezas em virtude da aparição do cometa que quebrava a ordem do
Universo e amedrontava o povo.
4. As Constelações Indígenas
As observações do céu que realizamos com os indígenas permitiram localizar constelações
de diversas etnias e verificamos que etnias diferentes – distintas culturalmente, como seria de
esperar – possuem um conjunto muito semelhante de conhecimentos astronômicos, utilizados
para materializar tanto o calendário como os sistemas de orientação. Esse conjunto comum se
refere, principalmente, ao Sol, à Lua, à Vênus, à Via Láctea, ao Cruzeiro do Sul, às Plêiades e
às regiões do céu onde se situam Órion e Escorpião, constelações ocidentais visíveis, respec-
tivamente no verão e no inverno, no Hemisfério Sul. As constelações indígenas diferem das
concepções das sociedades exteriores ocidentais principalmente em três aspectos. Primeiro, as
principais constelações ocidentais registradas pelos povos antigos são aquelas que interceptam
o caminho imaginário que chamamos de eclíptica, por onde aparentemente passa o Sol, e pró-
ximo do qual encontramos a Lua e os planetas. Essas constelações são chamadas zodiacais. As
principais constelações indígenas estão localizadas na Via Láctea, a faixa esbranquiçada que
atravessa o céu, onde as estrelas e as nebulosas aparecem em maior quantidade, facilmente visí-
vel à noite. Os desenhos das constelações ocidentais são feitos pela união de estrelas. Mas, para
os indígenas, as constelações são constituídas pela união de estrelas e também pelas manchas
claras e escuras da Via Láctea, sendo mais fáceis de imaginar. Muitas vezes apenas as manchas
claras ou escuras, sem estrelas, formam uma constelação. A Grande Nuvem de Magalhães e a
Pequena Nuvem de Magalhães também são consideradas constelações. O terceiro aspecto que
diferencia as constelações indígenas das ocidentais está relacionado ao número delas conheci-
do pelos indígenas. A União Astronômica Internacional (UAI) utiliza um total de oitenta e oito
constelações, distribuídas nos dois hemisférios terrestres, enquanto certos grupos indígenas já
nos mostraram mais de cem constelações, vistas de sua região de observação. Quando indaga-
dos sobre quantas constelações existem, os pajés dizem que tudo o que existe no céu existe
cultura afro
também na Terra que nada mais seria que uma cópia imperfeita do céu. Assim, cada animal ou
vegetal terrestre tem seu correspondente celeste, em forma de constelação.
38 Cadernos Temáticos
5. Astronomia e Biodiversidade
Um dos primeiros e principais objetivos práticos da astronomia foi sua utilização na agri-
cultura, em virtude da necessidade de ter um calendário lunissolar para determinar as épocas de
plantio e de colheita, e a relação das estações do ano e das fases da Lua com a biodiversidade
local, para a melhoria da produção e o controle natural das pragas.
Os indígenas são profundos conhecedores do seu ambiente, plantas e animais, nomeando
as várias espécies. Cada elemento da Natureza tem um espírito protetor e as ervas medicinais
são preparadas obedecendo a um calendário anual bem rigoroso. Eles analisavam a passagem
do tempo em termos dos movimentos de corpos celestes, da maturação de plantas benéficas e
do padrão de acasalamento de animais. Em cada caso, a visibilidade de uma estrela ou constela-
ção estava sincronizada com o comportamento de uma determinada espécie vegetal ou animal.
No sul do Brasil, por exemplo, o aparecimento da estrela Deneb (da constelação do Cisne) no
horizonte, ao anoitecer, indica que o plantio do milho deve ser iniciado, e quando a estrela
Capella (da constelação da Auriga) aparece no horizonte, ao anoitecer, indica o começo da
colheita do milho. Essas duas estrelas brilhantes pertencem à Via-Láctea e esses dois eventos
ocorrem, respectivamente, no início dos meses de setembro e de janeiro. Para os indígenas, o
milho é considerado sagrado tendo em vista que todos os seus mitos ele aparece como entregue
pelos deuses para os homens.
Um dos símbolos sagrados vegetal indígena é o da árvore, como ligação entre o céu e a
terra. Copa, tronco e raízes constituem seus níveis aéreos, terrestre e subterrâneo, respectiva-
mente, comparados ao céu, terra e submundo. Ao contrário da maioria das cosmogonias, a dos
Guarani-Mbyá não postula a preexistência do Criador. A gênese Guarani processa-se mediante
diferentes e complicadas etapas, iniciadas pela autocriação do deus supremo Nhanderu que em
meio às primitivas trevas “fez surgir seu próprio corpo” do caos original. A majestosa cerimônia
assemelha-se ao desenvolvimento de uma árvore. As imagens utilizadas para descrevê-la são
essencialmente vegetais: as plantas dos pés, os braços que são galhos, os dedos que são as
folhagens e, como arremate, a esplendorosa copa da árvore em floração – a cabeça.
6. Conclusões
A comunidade científica conhece muito pouco da astronomia indígena e da sua relação com
o ambiente, patrimônio que pode ser perdido em uma ou duas gerações pelo rápido processo de
globalização, que tende a homogeneizar as culturas e assim perder as nuances da diversidade.
Esse risco ocorre, também, pela falta de pesquisa de campo e pelas dificuldades em documentar,
avaliar, validar, proteger e disseminar os conhecimentos astronômicos dos indígenas do Brasil.
Atualmente, há um grande interesse internacional na proteção e conservação do conhecimento
tradicional e de práticas ancestrais de indígenas e das comunidades locais, para a conservação
da biodiversidade. Ainda encontramos muito dos saberes referentes às astronomias indígena no
Brasil entre agricultores, caçadores e pescadores, que os utilizam no seu cotidiano. A pesquisa
do conhecimento das diversas comunidades indígenas pode contribuir para o conhecimento
formal, auxiliando no desenvolvimento sustentável e na redução da pobreza.
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Resumo
O artigo destaca a importância das fontes orais e da memória oral para a elaboração das
histórias dos povos indígenas; discute a noção de tradição oral e o papel das línguas ágrafas
na preservação e transmissão da memória oral; reflete sobre a relação da oralidade e da
escrita e apresenta alguns relatos orais de velhos Karai Guarani, recolhidos e transcritos
por professores do Curso de Formação para Professores Indígenas Guarani das regiões
Sul e Sudeste.
Palavras-chaves: Fonte Histórica, Registro Oral, Memória Guarani, Ensino de História.
1. Introdução
No ano de 1985, em fevereiro, aconteceu um acidente muito grave em Angra dos Reis,
no Rio de Janeiro, perto da aldeia guarani de Sapukai. Choveu muito e as águas pluviais pro-
vocaram deslizamentos de terras das encostas da Serra do Mar, destruindo o Laboratório de
Radioecologia da Central Nuclear Almirante Álvaro Alberto, construída em 1970 num lugar que
os índios Tupinambá, há mais de 500 anos, chamavam de Itaorna. O prejuízo foi calculado na
época em 8 bilhões de cruzeiros.
Os engenheiros responsáveis pela construção da usina nuclear não sabiam que o nome
dado pelos índios continha informação sobre a estrutura do solo, minado pelas águas da chuva.
Só descobriram que Itaorna, em língua tupinambá, quer dizer pedra podre, depois do acidente,
que talvez pudesse ter sido evitado se o conhecimento dos índios fosse levado a sério.
No mesmo ano, em abril, uma criança morreu e quinze pessoas ficaram intoxicadas, todas
elas por comerem mandioca furtada de uma horta no bairro Vila Nova, na periferia de Porto
Alegre (RS). Na época, o secretário de Saúde e do Meio Ambiente, Germano Bonow, informou
que “todas as semanas há casos no Rio Grande do Sul de intoxicação leve de pessoas que co-
mem mandioca, porque não sabem diferenciar a mandioca do aipim”2.
A mandioca foi domesticada pelos índios do alto Amazonas há quatro mil anos, segundo
os arqueólogos (LATHRAP, 1970). De lá para cá, os índios fizeram experimentos e inventaram
muitos tipos de mandioca, enriquecendo a espécie. Só na região do rio Negro (AM), entre
os índios Tukano, foram encontradas 137 espécies diferentes. A preservação, as técnicas de
cultivo e a forma de extrair o veneno da mandioca vêm sendo transmitidas eficazmente pelos
horticultores indígenas através da tradição oral (CHERNELLA, 1986, p. 151-158).
Esses dois acontecimentos mostram que houve a quebra de elos na cadeia de transmis-
são oral de conhecimentos, prejudicando a memória. Por causa disso, a sociedade brasileira
deixou de se apropriar de um saber milenar, útil para a sua sobrevivência, pois a escrita não
substituiu, nesses casos, as funções de registro e de memória. Afinal, qual é a importância da
tradição oral para a memória dos povos indígenas e dos brasileiros?
cultura afro
1. Professor do Programa de Pós-Graduação em Memória Social da UNI-Rio e da Faculdade de Educação da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Doutor em
Letras pela UERJ. Cursou doutorado em História na École Des Hautes Études en Sciences Sociales, EHESS, França.
2. Agência O Estado de São Paulo: Famílias famintas comem raiz mortal. A Crítica, Manaus, 26 de abril de 1985.
40 Cadernos Temáticos
2. Os senhores da memória
Sem memória coletiva, os homens não podem sobreviver. A memória ajuda a sociedade
a se organizar, permite conhecer o passado e constitui elemento importante da identidade, in-
dividual ou coletiva. Ela orienta o destino dos povos. Por isso, em algumas sociedades, quem
controla a memória - os senhores da memória - detém o poder.
As sociedades criaram, ao longo da história, instituições e mecanismos para preservar a me-
mória coletiva. O historiador francês Jacques Le Goff (1984, p. 11-50), que estudou este processo,
encontrou cinco tipos de memória, com formas diferentes de conservação e de transmissão:
1. A memória oral, que ele chama também de memória étnica, presente nas sociedades
sem escrita.
2. A memória de transição da oralidade à escrita, correspondendo classicamente ao perí-
odo da Pré-História à Antiguidade.
3. A memória medieval, onde se dá um equilíbrio entre o oral e o escrito.
4. A memória escrita, com a invenção da imprensa, a mecanização e seus progressos, do
século XVI aos nossos dias.
5. A memória eletrônica, atual, que através da informática sistematiza e agiliza o acesso
às fontes de informação.
Existem muitas diferenças entre as culturas orais, como as sociedades indígenas, e a so-
ciedade jurua3, onde predomina a escrita. No entanto, há uma equivalência de tais sociedades
no sentido de que ambas possuem uma memória institucionalizada. Uma não é melhor do que
a outra.
Se um professor bilíngüe guarani quiser pesquisar e conhecer a história de seu povo, ele
deve procurar, em primeiro lugar, as fontes orais, os conhecimentos dos velhos, dos Karai4, que
são livros vivos. Depois, ele deve combinar esses conhecimentos com os documentos escritos
que estão nos arquivos. Foi o que fizeram os participantes do Curso de Formação para Profes-
sores Indígenas Guarani das regiões Sul e Sudeste, realizado desde 2003 em Santa Catarina. Eles
entrevistaram os velhos de suas aldeias para usar esses conhecimentos nas escolas bilíngües.
Um dos entrevistados, em janeiro de 2004, foi o Karai Alexandre Acosta, 60 anos, da
aldeia Jataity, Canta Galo, RS. Ele nasceu em Mangueirinha (PR) e passou por várias aldeias,
entre as quais a aldeia Tamanduá, na Argentina. Contou para o professor Marcos Moreira como
plantava e colhia o milho guarani e como levava o milho para a Opy5, para o Nhemongarai6.
Falou como era a vida dos guarani, antigamente, e como mudavam de um lugar para outro.
Contou sobre as cerimônias, a reza, o canto e a dança dentro da Opy. Ensinou como os Guarani
curavam a doença e como eram tratados os rios e as matas. Ele disse:
Nós respeitamos a mata porque é dali que retiramos a lenha. Os rios também eram tratados com
respeito. Antigamente não bebíamos água só nas nascentes, bebíamos também nas correntezas. Onde
era encontrado um rio, a gente limpava um lugar para as crianças tomarem banho e perto da nascente
ninguém podia ocupar aquela água. O rio também é um remédio para nós porque fornece a água para
preparar os remédios com as ervas medicinais que tomamos, para fazer comida. A água era tratada
com mais respeito. Quando era tarde não mexíamos na água, porque ela está descansando. A água
não pode ser usada de qualquer forma. Água é remédio. A água é o que nos salva também.
cultura afro
3. A tradição oral
Um pesquisador jurua, o antropólogo Franz Boas, descobriu que a tradição oral era como
se fosse a “autobiografia da tribo”, um recurso e uma técnica para transmitir sua cultura e a sua
história, os mitos, contos, sistema de crenças e outros relatos. Outro pesquisador, Jan Vansina,
disse que a tradição oral é “tudo aquilo que é transmitido pela boca e pela memória”, ou “um
testemunho transmitido oralmente de uma geração a outra” (VANSINA, 1980, p. 160).
cultura afro
7. ACOSTA, Alexandre. Relato oral feito em entrevista a Marcos Moreira. Aldeia Jataity, Canta Galo – RS. 28 e 30 de janeiro de 2004.
8. Taxaua: Cacique.
42 Cadernos Temáticos
Esses pesquisadores falaram que está havendo um processo de valorização da tradição
oral feita não só nas sociedades indígenas, mas também naquelas que têm uma longa e forte
tradição literária, de escrita, porque nada prova que a escrita registra a realidade de forma mais
fiel do que o testemunho oral transmitido de geração à geração.
“Se tradição oral e memória significassem fantasia e fragilidade perpétuas - escreve Henri
Moniot – não seria possível que sociedades sem escrita tenham conseguido realizações políticas
e culturais, algumas vezes complexas, extensas e duráveis” (MONIOT, 1969, p. 100).
Ele tem razão. Basta ver as línguas dos povos da floresta amazônica e as formas como
domesticaram a mandioca e como até hoje processam a extração de seus derivados, mediante
uma tecnologia sofisticada milenar que tem que lidar com um veneno poderosíssimo. Isso mos-
tra que essas sociedades orais têm uma prática de produção de conhecimento, testam hipóte-
ses através de experimentos genéticos, plantam e selecionam sementes, realizam observações
rigorosas e classificam o mundo natural de uma maneira tão complexa como a taxonomia8
de um biólogo universitário, conforme demonstram recentes estudos na área de etnobiologia
(RIBEIRO, 1986).
As pesquisas que incorporaram a tradição oral como fonte, realizadas nas três últimas
décadas, vêm demonstrando que os julgamentos sobre as culturas ágrafas, consideradas como
incapazes de construir o pensamento abstrato, são preconceitos que não fazem diferença entre
o saber e a escrita, quando sabemos que “a escrita é uma coisa, e o saber outra. A escrita é
apenas uma fotografia do saber, mas não o saber em si” (HAMPATÉ BÁ, 1980, p. 181).
Por isso, na África, os pesquisadores realizaram campanhas de coleta da tradição oral e
criaram centros regionais de documentação oral. Em vários países da América de colonização
espanhola como o México, o Peru, a Guatemala, a Bolívia, o Equador e a Venezuela, os avanços
da pesquisa histórica, que usa a tradição oral como fonte, tem apresentado resultados surpreen-
dentes e reveladores não apenas da memória indígena, mas da própria identidade nacional.
No Brasil, as universidades e os centros de pesquisa começam a prestar atenção para essa ques-
tão. Os índios também. Existem algumas iniciativas como o Museu Maguta, no Alto Solimões (AM),
criado com o objetivo de preservar a cultura dos índios Ticuna, da mesma forma que a proposta de
criação de Centro de Tradição Oral dos Povos Tukano, no rio Negro (AM). Os professores Guarani
das regiões Sul e Sudeste também estão registrando a fala dos velhos. Após a publicação do mito
Desana, três índios Tukano, no rio Papuri, munidos de gravadores, passaram a registrar os mitos que
alguns velhos ainda recordam, segundo informações da antropóloga Berta Ribeiro (1980, p. 44).
4. A canoa do tempo
A ignorância, o despreparo e até mesmo o desprezo mantido em relação às línguas e
cultura indígenas têm impedido que a atual sociedade brasileira aprenda com o saber indíge-
na, transmitido de uma geração a outra através da tradição oral. O preconceito não nos tem
permitido aproveitar dessa herança cultural acumulada durante milênios. É um especialista em
biologia, citado pelo antropólogo francês Lévi-Strauss em “O Pensamento Selvagem”, que chama
a atenção para o fato de que muitos erros e confusões poderiam ter sido evitados – alguns dos
quais só muito recentemente retificados – se o colonizador tivesse confiado no saber indígena
e nas taxonomias indígenas em lugar de improvisar outras não tão adequadas.
O desaparecimento nos últimos quinhentos anos de mais de mil línguas indígenas no
cultura afro
Brasil significou uma queima de arquivo, um apagamento da memória, cujos estragos podem
ser ainda minimizados. Como observa Darell Posey, “com a extinção de cada grupo indígena,
Referências
FREIRE, José Ribamar Bessa. É remo, é clava, é voz de guerreiro. Revista de Comunicação.
Ano 4, n. 15. Rio de Janeiro: Agora Comunicação Integrada p. 30, 1988.
CHERNELLA, Janet M.: Os cultivares de mandioca na área do Uaupés (Tukano) In: Suma Etnológi-
ca Brasileira. Edição atualizada do Handbook of South América Indians. Berta G. Ribeiro (Coord.)
Etnobiologia. Petrópolis: Vozes, v. 1, p. 151-158, 1986.
DARREL, Posey A. Etnobiologia: teoria e prática. In: Suma Etnológica Brasileira. Petrópolis: Vozes,
t. 1, op. cit. p. 28, 1986.
HAMPATÉ BÁ, A. A tradição viva. História Geral da África. São Paulo: Ática-Unesco, v. I,
p. 181. 1980.
LATHRAP, Donald W.: O Alto Amazonas. Southampton: The Camelot Press Ltd. 1970.
LE GOFF, Jacques: Memória. Enciclopédia Einaudi. Memória – História. Rio de Janeiro: Imprensa
Nacional-Casa da Moeda, v. I. p. 11-50, 1984.
MONIOT, Henri. A história dos povos sem história. In: História: novos problemas. 2 ed. Rio de
Janeiro: Livraria Francisco Alves Editora, 1979.
RIBEIRO, Berta G. Os índios das águas pretas. São Paulo: Livraria Cultura Editora, 1980.
RIBEIRO, Berta G. (Coord.): Suma Etnológica Brasileira. Etnobiologia. Petrópolis: Vozes, 1986. t. 1
VANSINA, Jan. A tradição oral e sua metodologia. História Geral da África. Metodologia e Pré-
História da África. São Paulo: Ática-Unesco, 1980.
cultura afro
44 Cadernos Temáticos
Os Kaingang no Paraná: aspectos históricos e culturais
Kimiye Tommasino1 (LAEE-UEM) kimiye@sercomtel.com.br
Resumo
Este artigo apresenta algumas especificidades da organização social dos Kaingang, uma
sociedade Jê meridional que foi submetida entre a segunda metade do século XIX e início
do XX. O objetivo é mostrar que, apesar de viverem de forma aparentemente semelhante
à da população nacional, eles mantiveram seus próprios sistemas simbólicos e organização
social.
Palavras chave: Sociedade Kaingang, Organização Social Kaingang, Mudança Cultural.
1. Professora da Universidade Estadual de Londrina (UEL). Doutora em Antropologia Social pela Universidade de São Paulo (USP).
gang, quero deixar explicitados alguns conceitos antropológicos para que os leitores possam
adotá-los em substituição aos fornecidos pelo senso comum.
46 Cadernos Temáticos
Cultura - É um conceito que designa o conjunto complexo de códigos simbólicos que as-
seguram a ação coletiva de um grupo. Cada sociedade elabora um conjunto de regras de inter-
pretação da realidade que permite a atribuição de sentido ao mundo natural e social. Portanto,
cada cultura possui uma racionalidade interna e se constitui como sistema. A nossa cultura é
apenas uma entre milhares de outras modalidades de se colocar no mundo (VELHO & CASTRO,
1978). Por ser um produto histórico, a cultura se transforma ao longo do tempo, é um processo
permanente de invenção e ressignificação.
Etnocentrismo - Consiste em adotar a própria cultura como referência para conhecer e/ou
julgar as demais. Apesar de ser um mecanismo universal da humanidade, nas sociedades que
compreendem a diferença cultural em termos de desigualdade essa atitude pode gerar discri-
minações e interferências indesejáveis e ilegítimas.
Relativização - Diferente da postura etnocêntrica, é um conceito que indica o esforço de
compreender a significação do pensamento e ação do “outro” nos termos da cultura do “outro”.
A relativização é o procedimento antropológico por excelência.
2. Em nossa sociedade a descendência é bilinear, conta-se o parentesco tanto pelo lado paterno quanto materno. Em outras sociedades a descendência pode ser unilinear,
cultura afro
isto é, patrilinear ou matrilinear: considera-se a filiação apenas pelo lado do pai ou da mãe.
3. É a regra que, em todas as sociedades, determina o lugar em que se vai estabelecer um casal recém-casado. Em algumas a regra é matrilocal (também chamada uxorilocal)
como na sociedade kaingang – o casal vai residir no grupo do pai da esposa; patrilocal quando a residência se dá junto ao grupo do pai do marido; e neolocal, quando a
regra é o estabelecimento numa nova casa, como em nossa sociedade.
48 Cadernos Temáticos
Atualmente, o poder político Kaingang dentro das Terras Indígenas está estruturado na
figura do cacique e sua liderança. Desde a década de 1990, as comunidades Kaingang escolhem
o cacique e membros da liderança através de eleições. Internamente, o cacique, junto com a
liderança, tem a prerrogativa do planejamento e organização dos trabalhos comunitários, de
controle social interno e, externamente, de representação nas instituições públicas municipais,
estaduais ou federais (Ibidem).
Há, ainda, uma nova instituição indígena surgida no Paraná há mais ou menos vinte
anos: o Conselho Indígena Estadual do Paraná (Região Norte) e o Conselho Indígena Regional
de Guarapuava, cada qual constituído por presidente e vice-presidente eleitos e formados por
todos os caciques das Terras Indígenas de cada região correspondente. A pauta de discussões
que tem mobilizado as autoridades indígenas é bastante extensa: demandas por aumento das
terras, discussões sobre educação intercultural de melhor qualidade, políticas de saúde indí-
gena, programas para a erradicação do alcoolismo, alternativas econômicas que promovam a
auto-sustentabilidade e respeitem a organização própria dos Kaingang, discussão sobre a in-
denizações por impactos de barragens e linhas de transmissão, entre outros. Nesses conselhos,
os Kaingang são parceiros dos Guarani, Xokleng e Xetá.
Referências bibliográficas
FERNANDES, Ricardo Cid. Política e parentesco entre os Kaingang: uma análise etnológica.
São Paulo: PPGAS-USP. 2003. Tese (Doutorado em Antropologia Social).
MOTA, Lúcio Tadeu. As guerras dos índios Kaingang. A história épica dos índios Kaingang no
Paraná (1769-1924). Maringá: EDUEM, 1994.
RAMOS, Alcida R. Sociedades indígenas. São Paulo: Ática, 1986.
TOMMASINO, Kimiye. Território e territorialidade Kaingang. Resistência cultural e historicidade de um
grupo Jê. In: MOTA, L. T. et al. (Orgs.) Uri e Wãxi. Estudos interdisciplinares dos Kaingang. Londrina:
EDUEL, 2 000.
VELHO, Gilberto; CASTRO, Eduardo Viveiros de. O conceito de cultura e o estudo de sociedades
complexas: uma perspectiva antropológica. In: Artefato. Rio de Janeiro: Ano I, N. 1, Janeiro de
1978.
cultura afro
Resumo
Pensar a descendência entre os povos indígenas a partir do viés biológico é algo superado
na antropologia desde a década de 1930. Ao contrário da previsão “apocalíptica” disse-
minada pela mídia através de reportagens sensacionalísticas que destacam o eminente fim
dos Xetá, atualmente, às comunidade de sobreviventes Xetá soma um total de 86 pessoas,
23 famílias, que, alheias a suas vontades vivem dispersas em áreas indígenas Kaingang,
ou Guarani no Estado de Santa Catarina e Paraná, ou em núcleos urbanos paranaenses
e no Estado de São Paulo. Diferente de outros povos indígenas brasileiros, estes vivem
como inquilinos ou agregados, longe de seu território imemorial tradicional e impedidos de
compartilhar os códigos de sua cultura, língua, organização social, política e econômica,
adormecidos até 1996 e revitalizados na memória de quatro sobreviventes mais velhos,
três homens e uma mulher.
Palavras-chave: Xetá, Memória, Território.
No Paraná, os Xetá, da família lingüística Tupi-guarani foi o último povo autóctone a es-
tabelecer contato com a sociedade nacional. Habitantes originais da região noroeste, ao longo
da margem esquerda do Ivaí e seus tributários2, o grupo, na década de 1940, teve seu espaço
invadido pelas frentes colonizadoras, vindas do norte paranaense, em busca de terras férteis
para plantação de café. É exatamente nesse período que se intensificou as notícias de sua pre-
sença nesta região, até então relativamente protegida das frentes colonizadoras e interesses
do governo.
No início da década de 1950, o Governo do Paraná, visando promover o desenvolvimento
do Estado a qualquer preço, implementou projetos de ocupação dos “espaços vazios”3 e das
terras indígenas, incluindo aquelas já tituladas e doadas aos povos indígenas territorializados
no Estado.
Caçadores e coletores, os Xetá são também conhecidos na literatura etnográfica e histórica
como Aré, Yvaparé, Botocudo, Setá e Héta, através dos escritos de Elliot (1868), Keller (1986),
Borba (1904), Bigg-Wither (1974), Kozák (1981), entre outros, que tratam de sua presença na
região do século XIX ao XX, períodos estes cobertos pela memória histórica dos sobreviventes4
mais velhos do grupo.
No século XX, a primeira aproximação de um pequeno grupo familiar patrilateral5 de uma
propriedade sobreposta à parte de seu território de caça e coleta, ocorreu em seis de dezembro
de 1954, quando um grupo formado por seis pessoas do sexo masculino (três adultos e três
jovens) aproximou-se dos moradores da fazenda Santa Rosa, situada no município de Ivaté/PR.
A propriedade em questão pertencia ao deputado estadual Antônio Lustosa de Oliveira e era
cuidada por Antônio Lustosa de Freitas, que nela habitava com seus familiares.
2. Córrego 215, Indoivaí, Córrego das Antas, onde atualmente estão as cidades de Umuarama, Ivaté, Cruzeiro do Oeste, Icaraíma, Douradina, entre outras.
3. Sobre a concepção e ações sobre mencionados espaços, ver MOTA (1994).
4. Em especial os mais velhos, Tucanambá José Paraná, 61; Coein Manhaai Nhaguakã (71) e José Luciano da Silva (Tikuein, 55 anos), falecido em dezembro de 2005.
5. Patrilateral: relativo à instituição, segundo a qual, pelo casamento, é a mulher obrigada a seguir o marido, passando a morar no local onde ele mora.
50 Cadernos Temáticos
Silva (1998) registra um conjunto de narrativas desse encontro, sob a ótica de um dos
sobreviventes que participou do contato, apresentando também a versão dos moradores da
fazenda. Nas falas de ambos os lados destacam-se os “estranhamentos” entre as partes, as ini-
ciativas e os conflitos desencadeados internamente no grupo quando um membro mais jovem
de uma família extensa decidiu aproximar-se da fazenda Santa Rosa.
Do período dessa primeira aproximação até o extermínio da sociedade Xetá decorreram
aproximadamente 10 anos, até que em fevereiro de 1964 morreu Adjatukã (o irmão mais jovem,
membro do grupo dos seis que fizeram o contato com os moradores da fazenda Santa Rosa),
o único chefe de uma pequena família nuclear que ainda habitava um acampamento, num es-
paço reduzidíssimo no interior do território imemorial do grupo. Com a sua morte, a esposa
e seus dois filhos se dispersaram. Os meninos foram levados para trabalhar numa fazenda da
Companhia de Imigração e colonização (COBRIMCO), implantada no espaço de uma grande
aldeia do grupo local de seu pai6. A mulher, após um longo período de perambulação, ficou
doente, vindo a falecer em 1966, num hospital de Umuarama/PR.
Com a dissolução desse único grupo doméstico que ainda resistia no habitat tradicional,
somada às atrocidades e ações arbitrárias praticadas contra o grupo,7 os Xetá foram varridos
de suas terras, que foram esbulhadas pelas Cias Colonizadoras e as fazendas de gado que se
expandiram do oeste e norte do Estado. Aqueles que resistiam foram dispersos e, a sociedade
Xetá desapareceu do seu território tradicional, vitimada pelo desrespeito à diversidade cultural,
pelo descaso e inoperância do órgão indigenista, pelo oportunismo e omissão dos projetos
governamentais.
Ao contrário da previsão “apocalíptica” disseminada pela mídia através de reportagens
sensacionalísticas que destacam o eminente fim dos Xetá - contabilizando e reconhecendo como
Xetá apenas aqueles que sobreviveram ao genocídio e epistemicídio que atingiu a sociedade na
Serra dos Dourados - atualmente, a comunidade de sobreviventes Xetá, soma um total de 86
pessoas, 23 famílias que, alheias à suas vontades, vivem dispersas em áreas indígenas (Kain-
gang ou Guarani) no Estado de Santa Catarina e Paraná, ou em núcleos urbanos paranaenses
ou paulistas.
Diferente de outros povos indígenas brasileiros, os Xetá vivem como inquilinos ou agrega-
dos, longe de seu território imemorial tradicional, impedidos de compartilhar os códigos de sua
cultura, língua, organização social, política e econômica, adormecidos até 1996 e revitalizados
na memória de quatro sobreviventes mais velhos, três homens e uma mulher. Todos, jovens e
velhos Xetá, se identificam e são reconhecidos como tal.
Da população total, oito deles (três mulheres e cinco homens8) viveram de perto as tragédias
que atingiram seu povo e a si próprios, dois deles são falantes ativos da língua materna9, classificada
como pertencente à família lingüística Tupi-guarani, do subgrupo 1 (RODRIGUES, 1978, p. 7-11).
Inclui-se, nesse grupo de falantes, uma mulher (Ã de 55 anos) que, embora compreenda e traduza
o que ouve, observa que não consegue comunicar-se na língua materna. Ambos são reconhecidos
pelos demais como guardiões da memória Xetá e alimentam o desejo de um dia poderem retornar
ao seu território de origem e revitalizar a sua língua e cultura.
6. Esta propriedade, conhecida como Fazenda São Francisco, ainda hoje existe no seio do território tradicional Xetá, no atual município de Ivaté/PR.
7. Estupros, envenenamentos, transferência de famílias para outras áreas indígenas no Estado do Paraná, roubos de crianças, dispersão de famílias inteiras que eram colocadas
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sobre caminhões das Companhias Colonizadoras e soltas a esmo em locais desconhecidos até hoje.
8. Atualmente 04 homens.
9. Até 18 de dezembro de 2005, além dos dois falantes Tuca e Kuein, havia também Tikuein Nhangoray, que recebeu dos não-índios o nome de José Luciano da Silva, que
tinha aproximadamente 55 anos na época de sua morte.
reivindicando seus direitos à terra, educação, saúde e melhoria de condições de vida junto ao
Estado Brasileiro que os manteve invisíveis ao longo de quarenta anos. É legítimo que lhes seja
garantido todos esses direitos, cabendo a eles, a agência de seu presente e futuro.
52 Cadernos Temáticos
Referências
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Janeiro: J. Olympio, v. 162, 1974.
BORBA, Telêmaco. Observações sobre os indígenas do Estado do Paraná. Revista do Museu
Paulista, São Paulo, v. VII, p. 53-62, 1904.
ELLIOT, John Henrique. Resumo do itinerário de uma viagem exploradora pelos rios Verde, Itararé,
Paranapanema e seus afluentes, pelo Paraná, Ivahy e sertões adjacentes, emprehendida por ordem
do Exmo. Barão de Antonina. Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, Rio de
Janeiro, v.10, p. 17-42, 1869.
MOTA, Lucio Tadeu. As guerras dos índios Kaingang: a história épica dos índios kaingang no
Paraná (1769-1924). Maringá: Eduem, 1994.
KOZAK, Vladmir. Os índios Héta: peixe em lagoa seca. Boletim do Instituto Histórico, Geográfico
e Etnográfico Paranaense, Curitiba, Vol. XXXVIII, p. 11-120, 1981.
RODRIGUES, Aryon D. A Língua dos índios Xetá como dialeto Guarani. Separata de: Cadernos de
Estudos Lingüisticos, São Paulo, n.1, p. 7-11, 1978.
SILVA, Carmen Lucia. Sobreviventes do Extermínio: uma etnografia das narrativas e lembranças
da sociedade Xetá. Florianópolis, 1998. Dissertação (Mestrado em Antropologia Social). PPGAS/
UFSC.
SILVA, Carmen Lucia. Em busca da sociedade Perdida: O trabalho da memória Xetá. Brasília,
2003. Tese (Doutorado em Antropologia Social). PPGA/UnB.
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54 Cadernos Temáticos
Foto: Carmen L. Silva – 2001
Kuein (Coen) e Tuca – Ao fundo Rio Ivaí
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Resumo
Compreendendo que a cosmologia nos permite refletir acerca das estruturas sociais Tupi,
neste artigo, articulando elementos inerentes a esses universos complementares, busco
apontar, por meio de dados bibliográficos, algumas notas sobre a infância indígena Guarani,
seus processos de ensino-aprendizado, assim como o lugar ocupado pela criança nesse
universo sociocultural específico.
Palavras chave: Infância, Guarani, Educação.
1. Professora de História da rede estadual de ensino do Paraná. Mestre em Antropologia Social pela Universidade Federal do Paraná (UFPR).
56 Cadernos Temáticos
A duplicidade da alma, nascimento e batismo entre os Guarani
A alma Guarani é caracterizada pela duplicidade2. Uma palavra-alma divina - nhe’ë, é en-
viada pelos deuses protetores à família do bebê. Essa alma existia anteriormente ao nascimento
e vivia junto a Nhanderu3. Entre os Guarani, “quando está por nascer um ser que alegrará os
que levam a insígnia da masculinidade, o emblema da feminilidade, é enviado à terra uma pa-
lavra-alma para que encarne, diz o primeiro pai, aos verdadeiros pais das palavras-almas de
seus filhos” (CADOGAN, 1959, p. 39). Nesse sentido, essa alma está diretamente relacionada
ao universo cosmológico Guarani. É formada também por uma alma social, que passa a ser
construída a partir da concepção e cotidianamente a partir da sociabilidade terrena. Essa se-
gunda alma está ligada à alma-animal, relacionada aos impulsos e simbolicamente representada
pelo jaguar4. Para Fausto (2005), no contexto contemporâneo, através do intenso contato com
o cristianismo, a cosmologia Guarani nega a presença do jaguar como mecanismo de reprodu-
ção social, e acentua a constituição da pessoa e do coletivo indígena através da alma divina.
Dessa maneira, compreende-se que desde a gestação, como também nos primeiros meses após
o nascimento, os pais devem cuidar para que a alma divina não abandone este mundo e volte
para o mundo de origem entre os deuses. Dessa maneira, os pais seguem inúmeras prescri-
ções rituais, tabus alimentares e regras de conduta, evitando e reprovando comportamentos
agressivos e mesquinhos, procedimentos que se estendem a qualquer co-residente materno
(MELLO, 2006, p. 146).
É somente quando o bebê começa a andar e a pronunciar as primeiras palavras, que se
estabelece o vínculo da palavra-alma com o mundo humano. Esses fatos significam que a alma
divina se fixou na criança, marcando o início da infância entre os Guarani. Esse momento pa-
rece ser ideal para o ritual de nominação, quando os pais procuram o xamã – rezador Guarani,
que entra em contato com Nhanderu para identificar a procedência da palavra-alma. O nome
adquire entre os Guarani um significado cosmológico, se remete aos parentes de outros mundos
da palavra-alma, tem um caráter divino e deve ser respeitado e reservado ao uso do ambiente
ritual e familiar. Através do contato com a sociedade não-indígena, os Guarani passaram a re-
ceber também um nome em português, que utilizam em suas relações sociais externas, sendo
que no convívio cotidiano é muito comum também o uso de apelidos.
2. Entre os Guarani-Nhandeva: ayyucué que representa a palavra-alma, e acyiguá (Nimuendaju, 1987:33) que representa a alma social.
3. O primeiro pai, grande criador Guarani.
4. Compreendida a partir da perspectiva do xamanismo, a figura do jaguar permeia as cosmologias ameríndias, em que os xamãs mais poderosos possuem como espírito
auxiliar a figura do jaguar.
58 Cadernos Temáticos
sim como, geralmente, não freqüentam a escola. Dessa maneira, compreende-se que o status
da criança, definido a partir de seus laços de parentesco, orienta os conhecimentos lhe são
transmitidos.
Pereira destaca que “o empenho pessoal, a demonstração – e o reconhecimento social – de
capacidades especiais, proporcionam a superação da condição de inferioridade atribuída ao guacho
puro. Isso permite ascender a níveis de honorabilidade mais altos” (PEREIRA, 1999, p. 180). Por
outro lado, “quando o guacho não recebe uma educação correta – entenda-se “rígida” – pode ficar
revoltado e se tornar o pior tipo de delinqüente, não respeita ninguém” (PEREIRA, 1999, p. 181).
Para Pereira, o frágil vínculo social do guacho com a parentela que o adotou, o torna suscetí-
vel ao rompimento dos laços sociais. Para os Guarani-Kaiowá, não possuir parentes significa
estar “solto” no universo social, impedindo que os mecanismos de coerção social inerentes à
parentela possam atuar. Nessa situação, o guacho torna-se alvo preferencial das acusações de
roubo, feitiçaria e alcoolismo.
Para além da hierarquia entre crianças legítimas e adotadas, como também do tratamen-
to, transmissão de conhecimentos e representações dispensados aos guachos, Pereira procura
demonstrar que, através da circulação de crianças adotadas, pode-se estabelecer redes de
alianças entre as parentelas Guarani - principalmente entre as parentelas de maior prestígio.
Entende-se que alianças entre as parentelas Guarani está diretamente relacionada à reciproci-
dade no campo político, econômico e religioso. Nesse contexto, as alianças podem significar
também trocas de conhecimentos e saberes. Por outro lado, como citado anteriormente, o frágil
vínculo do guacho com a parentela que o adotou, e a possibilidade do retornar ao seu grupo
de consangüíneos, pode ativar a reciprocidade no campo negativo, marcado pela rivalidade
entre parentelas. Nesse sentido, entre reciprocidades e rivalidades, entende-se que as crianças
Guarani ocupam um espaço privilegiado na reprodução da sociabilidade Guarani.
Referências
BRAND, Antonio. O impacto da perda da terra sobre a tradição kaiowá/guarani: os difíceis
caminhos da palavra. Porto Alegre: 1997. Tese (Doutorado em História) – PUC.
CADOGAN, León. Ayvu Rapyta - textos míticos de los Mbyá-Guarani del Guairá. Asunción: Fun-
dación León Cadogan, Ceaduc/Cepag. 1959.
FAUSTO, Carlos. Se Deus fosse Jaguar: canibalismo e cristianismo entre os Guarani (Séculos XVI-
XX). MANA, Rio de Janeiro, v. 11-12, p. 385-418, 2005.
FERREIRA, Mariana K. Leal. Divina Abundância: fome, miséria e a Terra-Sem-Mal das crianças
Guarani. In: SILVA, A. L.; MACEDO, Ana Vera da S.; NUNES, Ângela (Orgs.) Crianças indígenas:
ensaios antropológicos. São Paulo: Global, 2002.
MELLO, Flávia Cristina. Aetchá Nhandekuery Karai Retarã: entre deuses e animais: os seres
humanos e seus parentes. Xamanismo, Parentesco e Transformacionismo entre os Chiripa e Mbyá
Guarani. Florianópolis: 2006. Tese (Doutorado em Antropologia Social) – UFSC.
MENEZES, Ana Luisa Teixeira de. A vivência da infância Guarani: movimentos educativos para
uma formação “culturalmente natureza”. In: Reunião Antropologia Mercosul, Montevideu - UY, 14-16
nov. 2005. Anais: Universidad de La República, 2005.
cultura afro
60 Cadernos Temáticos
Língua Guarani: fala e escrita
Ruth Maria Fonini Monserrat1 (UFRJ) monserruth@alternex.com.br
Resumo
Desde 2003 venho participando como docente em encontros e cursos com professores
Guarani, para o estudo de questões relacionadas a sua língua, na escola e fora dela. Três
de tais encontros, realizados em Santa Catarina, foram etapas do Curso de Formação de
Professores Guarani das Regiões Sul e Sudeste. Outros, com distintas motivações, foram
realizados no Paraná, Espírito Santo e Rio de Janeiro. O presente trabalho constitui uma
breve síntese dos temas e questões tratados nessas distintas ocasiões e mais pormenori-
zadamente expostos nos relatórios de atividades relativos a cada um deles.
Palavras-chave: Língua Oral, Língua Escrita, Guarani.
Há diferenças na língua Guarani falada em diferentes lugares e diferenças também na
escrita de palavras que são faladas da mesma maneira. Isso é uma coisa natural, que acontece
em todas as línguas. O motivo pelo qual em Guarani se escreve de forma diferente, palavras
que são faladas da mesma forma, é que os especialistas (ou, por vezes, alguém não especialista
da comunidade), quando analisavam o Guarani falado numa determinada região e propunham
um alfabeto para sua escrita, não se preocupavam em saber se já havia outro alfabeto em uso
nas demais regiões.
Cada um fez a escrita que considerava a melhor, individualmente. Chamou-se a atenção,
no entanto, para o fato de que, ao se tentar criar um alfabeto, por vezes o conhecimento do
português pode atrapalhar: a pessoa pensa que não pode usar uma letra que já existe em por-
tuguês, mas tem som diferente (como acontece com a letra j, por exemplo, que se pronuncia de
maneira diferente em português e em Guarani). Mas não se deve ficar com medo de usar uma
letra em Guarani que tem som diferente em Português, porque cada língua tem regras próprias
de pronunciar as letras do seu alfabeto, e quem quiser aprender a pronunciar direito as letras
e as palavras de uma língua, precisa estudar suas regras de pronúncia primeiro.
O importante é compreender que as diferentes formas, usadas em regiões diferentes,
estão todas certas e não umas erradas e outras certas. Talvez, algum dia, os Guarani queiram
fazer a unificação escrita de sua língua, mas, por enquanto, é melhor que cada um fique com
seu modo de escrever e, ao mesmo tempo, aprenda o modo dos outros, para poder entender
a escrita Guarani em qualquer lugar onde estiver.
Durante as atividades realizadas nas distintas ocasiões em que se reuniram os professores
Guarani (e outros membros das comunidades, quando houve a oportunidade), como era mais
cômodo adotar uma escrita só, foi escolhida a mais utilizada – aquela que é usada em todos
os estados envolvidos, com exceção do Espírito Santo. No caso dos encontros realizados neste
último estado, usou-se o alfabeto vigente na região.
Há algumas regras gerais, sobre como escrever em Guarani, que valem para as duas principais
escritas em uso, e também sobre como separar os elementos da frase (o que se escreve junto e
o que se escreve em separado). Quando há pronúncias diferentes, por outro lado, cada um deve
escrever como fala. Mas, atenção, há certas palavras que têm importante significado cultural, como
ayvu e, neste caso, deverão conservar o v, mesmo que na fala rápida ele pareça sumir.
cultura afro
A questão do registro escrito de empréstimos merece ser tratada com vagar, para se
poderem assimilarem as várias modalidades de empréstimo e as possíveis soluções para sua
escrita. O problema é que, na fala corrente, há um número bastante expressivo de palavras e
expressões do português, adaptadas, em certa medida, à fonética e à gramática Guarani.
1. Professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro(UFRJ). Doutora em Lingüística pela Universidade Federal do Rio de Janeiro(UFRJ).
outras comunidades indígenas (neste caso, precisa ter também a tradução em português). É
proveitoso examinar livros e outros materiais didáticos de outros povos, produzidos em geral
por professores durante etapas não presenciais dos seus cursos de formação, “não para copiar
deles, mas para se ter novas idéias, ao ver como podem variar os conteúdos e a maneira de
fazer os livros”.
62 Cadernos Temáticos
Em etapa ulterior do curso de formação, além da retomada da questão sobre escritas
Guarani diferentes, foram trabalhadas as seguintes questões: o alfabeto Guarani e sua comparação
com o do Português; revisão e correção dos textos produzidos pelos professores cursistas;
estudo inicial dos tipos de palavras em Guarani: substantivos, verbos, pronomes, adjetivos,
posposições, afixos (prefixos e sufixos); levantamento das posposições; jogos de formação de
palavras a partir de letras escolhidas; organização de dicionários; coleta de palavras (com vistas
ao dicionário) referentes a objetos observados ao redor da casa; apresentação de charadas em
guarani; reflexão sobre a importância da língua oral e a possibilidade de sua exploração na
escola através de representações teatrais.
Sobre a feitura de um desejado dicionário bilíngüe Guarani-Português, os professores
levantaram a questão de que ele deveria conter não apenas nomes de objetos, mas também os
verbos. E aí surgiu um problema, que vale também para os nomes possuídos: o que colocar no
dicionário, só a raiz, ou uma das formas conjugadas ou possuídas? Ficou decidido, finalmente,
que, no caso do verbo, entraria só a raiz, sem os prefixos de pessoa, para evitar que uma letra
no dicionário ficasse muito sobrecarregada, se fosse escolhida uma das formas conjugadas.
Por exemplo, se um verbo sempre entrasse com a forma da terceira pessoa, que é o-, o dicio-
nário ficaria com muitas palavras na letra o. Então, é melhor entrar só, digamos, karu (raiz de
‘comer’) ou, japo (raiz de ‘fazer), etc. Já no caso dos nomes, há uma forma geral de terceira
pessoa, quando se trata de seres humanos, então é essa forma que vai entrar. Além desses, há
outros nomes possuídos que se escrevem com um h no começo, e isso também indica que se
trata da terceira pessoa; por exemplo: hexa ‘olho (dele)’. Então, é essa forma que vai entrar
no dicionário.
Em outra etapa, retomou-se o estudo da gramática Guarani, partindo da consideração da
categoria central de “pessoa”, expressa na língua por marcadores pessoais de ordem diversa,
que funcionam ora como pronomes pessoais independentes, ora como pronomes possessivos,
ou ainda como prefixos verbais. Centrando-nos, depois, na estrutura interna do verbo, anali-
samos os prefixos verbais subjetivos, que indicam o sujeito da oração, e os objetivos que, no
verbo transitivo, indicam o objeto da ação. Vimos também as diversas formas dos marcadores
subjetivos no modo Imperativo, além do Indicativo. Descobrimos ainda os prefixos derivativos
verbais, e o sufixo “nome de paciente”. Ampliamos, a par disso, o material lexical que vem sendo
coletado desde a primeira etapa do curso para o dicionário. Para tanto, foi bastante produtivo
o resultado da atividade lúdica de encontrar palavras a partir de um número limitado de letras
selecionadas do alfabeto Guarani, no chamado Jogo de Palavras.
Finalmente, no curso realizado neste ano no Espírito Santo, foi retomada, uma vez mais,
a questão das relações entre língua oral e língua escrita e do papel das duas modalidades da
língua, na comunidade e na escola, quando o povo está realmente decidido a não perder esse
elemento tão importante de sua identidade cultural. Enfatizamos que uma língua só pode se
salvar do desaparecimento se ela for “falada”, mas falada por todas as gerações e não apenas
pelos mais velhos. Os Guarani sempre souberam fazer isso, ao longo dos quase 500 anos de
contato com os não-índios. Mas agora já existem algumas aldeias em que aparentemente a
língua materna guarani está sendo abandonada, em favor do Português. Isso deve servir de
alerta para todos.
Quanto à língua escrita, ela é importante na escola, e também fora dela, circulando na
comunidade local e entre as inúmeras aldeias do povo Guarani espalhadas pelo Brasil e por
cultura afro
64 Cadernos Temáticos
Apontamentos sobre a língua Kaingang no Paraná
Ludoviko dos Santos1 (UEL) lilukabi@uel.br
Resumo
Neste trabalho pretendemos explicitar um movimento inter-relacionado que pensamos
caminhar na direção da valorização das línguas indígenas do Paraná. Em três frentes dife-
rentes se dá este movimento: ações da CUIA; ações dos professores bilíngües e ações do
Estado. Acreditamos que essas ações constituem-se na semente de uma política para as
línguas indígenas no Paraná.
Palavras-chave: Política Lingüística, Kaingang, Educação Escolar Indígena.
Vários foram os pesquisadores que se preocuparam, por motivos diversos, com o regis-
tro da língua Kaingang. Um dos trabalhos de maior fôlego foi o de Frei Mansueto B. de Val
Floriana, que organizou uma gramática (FLORIANA, 1918) e um dicionário (FLORIANA, 1920)
do Kaingang. A este, seguiram-se vários outros devidamente compilados na Bibliografia das
Língua Macro-jê (D’ANGELIS, CUNHA, RODRIGUES, 2002). Ou seja, apesar de haver trabalhos
sobre a língua Kaingang há quase cem anos, não existe no estado do Paraná, assim como nos
demais estados do Brasil, uma política que fortaleça o uso de línguas indígenas. Como aconte-
ceu com povos indígenas em outros estados brasileiros, também no Paraná , os Kaingang foram
impedidos, em épocas passadas, de falar sua própria língua, parte de uma estratégia utilizada
na guerra contra os índios Kaingang.
Apesar disso, a língua Kaingang resistiu e é falada em todas as Terras Indígenas Kaingang
no Paraná. Isso aconteceu porque, ao contrário dos outros elementos que fazem a cultura de
um povo, a língua não pode ser queimada, quebrada, roubada ou impedida completamente. Por
ser isto evidente, ou seja, casas tradicionais podem ser queimadas, danças, pinturas podem ser
proibidas, mas a língua não pode ser arrancada da mente das pessoas, o movimento contra as
línguas indígenas é velado, insidioso e alicerçado na indiferença com os destinos das línguas
autóctones. A sociedade nacional conta com o lento extermínio das línguas indígenas.
Entretanto, no estado do Paraná, há um movimento em três frentes diferentes, mas inter-
relacionadas, que dão início ao fortalecimento das línguas indígenas no Paraná e que, certa-
mente, constituirão a base para uma política lingüística eficaz.
1. A CUIA
Em 2001, a Lei Estadual 13.134 instituiu a entrada de indígenas nos cursos superiores
das universidades estaduais. Logo em 2002, na UNICENTRO, realizou-se o primeiro vestibular
dirigido exclusivamente à população indígena no Paraná, organizado por um grupo de pro-
fessores das universidades estaduais do Paraná. Em 2003, o vestibular ocorreu na UEL e, em
2004, na UNIOESTE. Neste ano, desencadeou-se a normatização da lei com a criação da CUIA
– Comissão Universidade para os Índios – formada pelo grupo de professores das universidades
estaduais e por professores da Universidade Federal do Paraná, que solicitou participação no
grupo. Em 2005, o vestibular indígena aconteceu na UEM e, em 2006, na UEPG.
Desse modo, atualmente, a CUIA se responsabiliza pelo processo de seleção e acompanha-
mento dos estudantes índios na graduação. Entretanto, não apenas pela realização do vestibular
cultura afro
indígena se responsabiliza a CUIA. Passos importantes foram dados pelos membros do grupo
que vão em direção ao fortalecimento das línguas indígenas no Paraná.
1. Professor da Universidade Estadual de Londrina (UEL). Doutor em lingüística pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).
2. Os Professores Bilíngües
Há consciência, entre os membros de comunidades indígenas no Paraná, que a língua é
um elemento importante da constituição da identidade. A comprovação disso pode ser vista nas
falas de índios coletadas por Pereira (2000) quando perguntados sobre o que é ser Kaingang:
“É falar nossa língua, a única coisa que restou para nós...” “...É manter o costume da língua...”
“...Só a nossa língua pode manter a gente unido, ...” “...Eu preservo minha língua para ser iden-
tificado como Kaingang...” “... eles querem nossas terras que é o que nós temos além da nossa
língua de mais importante...” “...Os nossos costumes praticamente já se perderam todos através
desses anos e o que restou de mais importante foi a nossa língua.” “...somos diferentes por causa
de nossa língua...”
Então, se partíssemos dessas falas, certamente diríamos que a língua é algo importante
e deve ser mantida na escola. No entanto, por mais paradoxal que seja, as comunidades não
consideram o ensino da língua indígena na escola como algo importante, uma vez que “fora
do espaço restrito da comunidade, a língua indígena carece de ressonância, de valor funcional”
(CHIODI, op. cit MONTSERRAT, 2006, p. 145). A fala de uma professora bilíngüe ilustra bem
a situação:“...eles (a comunidade indígena) discutem com a gente (professores bilíngües) que
não querem que a criança vá para a escola para aprender a língua indígena porque essa ele
já sabe, aprende em casa, querem que ela aprenda o português para aprender a se virar na
cidade” (PEREIRA, 2000, p. 76)
Desse modo, os professores bilíngües defrontam-se com a situação de, ao mesmo tempo,
atender aos anseios da comunidade, ou seja, preparar os alunos para enfrentar a sociedade nacional
(com a exclusão da língua indígena da escola), e, por outro lado, lutar pela manutenção da língua
indígena na escola, uma vez que, como professores, sabem que o Kaingang na escola faz parte de
uma estratégia de sobrevivência e fortalecimento dessa língua indígena. A tarefa difícil dos pro-
fessores está bem resumida na seguinte fala de um homem Kaingang: “Então, hoje eu penso que
um bom Kaingang tem que saber ler e escrever as duas línguas, para saber viver no seu mundo e
cultura afro
2. O projeto é coordenado por Ludoviko dos Santos, foi aprovado pelo MEC/PROLIND e já conta com recursos financeiros liberados para sua execução. Estão envolvidos
pesquisadores de quase todas as universidades estaduais, bem como professores bilíngües Kaingang e Guarani.
66 Cadernos Temáticos
À primeira vista parece um problema insolúvel. No entanto, os professores bilíngües encon-
traram uma solução que foi explicitada durante o Curso de Magistério Kaingang, em Faxinal do
Céu, no qual estavam presentes professores de 11 das 18 escolas Kaingang. Aproveitando a opor-
tunidade de haver representantes de quase todas as escolas Kaingang, discutimos sobre as práticas
de ensino de Português e Kaingang. Inicialmente, percebemos certa relutância em explicitar as
práticas adotadas: creditamos isso ao receio natural de apresentar uma prática a nós, professores
ministrantes do Curso de Magistério, que as colocaríamos em discussão.
Passados os primeiros relatos, pudemos constatar, com agradável surpresa, que uma prática
pedagógica foi adotada pelos professores para dar conta da língua Kaingang na escola, ou seja,
em todas as onze escolas, o Kaingang e o Português estão sendo ensinados ao mesmo tempo. Nas
escolas em que o Kaingang é língua materna, o Português é levado à sala de aula concomitante-
mente ao ensino da língua indígena e vice-versa.
Este procedimento não acontece de forma desorganizada. Pelo contrário, os professores en-
tendem a responsabilidade de se ensinar adequadamente a língua portuguesa, bem como a língua
Kaingang. Várias técnicas são utilizadas: contar histórias em uma língua e depois em outra, palavras
e frases em ambas as línguas e outras técnicas desenvolvidas por cada professor que se depara com
a dificuldade das duas línguas. Este tipo de ensino que está sendo feito pelos professores bilíngües
é uma clara reação ao impasse nas comunidades indígenas sobre o ensino da língua indígena.
Colocados diante do problema de saberem a importância da língua indígena e, ao mesmo
tempo, a postura das comunidades em atribuírem maior valor ao ensino do português, uma vez
que é língua funcional, os professores bilíngües tornaram-se sujeitos do processo e escolheram
um caminho que dá valor a ambas as línguas. Ou seja, os professores conseguiram atender às
duas posições claramente expressas nas seguintes falas de mulheres da comunidade Kaingang:
“Ser Kaingang é falar a língua Kaingang, preservar a minha linguagem para ser conhecida como
Kaingang.”.“Eu ensino eles (meus filhos) a falarem o Kaingang, mas eles também têm que aprender
a falar o português senão como vão viver sem serem enganados?” (Idem, p. 80 e 81).
A posição dos professores bilíngües se deve ao respeito às suas comunidades que têm uma
visão claramente pragmática de que o relacionamento com a sociedade nacional se dá por meio da
língua portuguesa. Constatação evidente de quem não vê as Terras Indígenas como ilhas ou gue-
tos. Ainda uma outra fala de uma professora Kaingang ilustra bem os alicerces da postura adotada
pelos professores bilíngües:
“É fácil falar para preservar a cultura, mas que cultura? Eu acho que a gente pode resolver as coisas
do nosso jeito isso é nossa cultura, sem ninguém para dizer faça isso ou aquilo, orientar é bom,
porque muita coisa a gente não sabe como fazer, se a terra não produz, nossa sabedoria é pouca
para fazer ela dar, precisa do branco para ajudar mas não para dizer faz assim ou assado, temos que
achar nosso jeito.” (Ibidem, p. 76)
Desse modo, os professores bilíngües acharam o jeito deles que deve ser apoiado por
aqueles envolvidos com a questão indígena, principalmente os profissionais envolvidos dire-
tamente com a escola. Por outro lado, se não bastasse estar socialmente correta a atitude dos
professores, diversos pesquisadores defendem a idéia do uso da língua materna para o ensino
da segunda língua, como o fazem, na prática, os professores bilíngües. Podemos citar, resumi-
damente, os seguintes pesquisadores: Appel, R. & Muysken, P., Cristovão, V. L. L., Durão, A.
B. A. B., Eldridge, J., Scweers Jr., Selinker, L., Tang, J., Turnbull, M. & Arnett, K. e Cantarotti,
Aline.
cultura afro
Referências
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Contacto de Lenguas. Madrid: Ariel Lingüística, 1996.
CANTAROTTI, Aline. O Papel da Língua em Sala de Aula de Língua Estrangeira. Londrina,
2007. Dissertação (Mestrado em Estudos da Linguagem) – UEL.
CRISTOVÃO, Vera Lúcia Lopes. O Uso de L1 no Ensino de L2. Revista Intercâmbio. São Paulo:
PUC-LAEL.
D’ANGELIS, Wilmar da Rocha ; CUNHA, Carla Maria ; RODRIGUES, Aryon Dall’igna . Bibliografia
das Línguas Macro-Jê. 1. ed. Campinas: UNICAMP, 2002.
cultura afro
3. A equipe é composta pelas professoras: Cristina Cremoneze (Coordenadora da Educação Escolar Indígena), Iozodara T. B. De George, Lilianny R. B. dos Passos e Raquel
Marschner. A Coordenação da Educação Escolar Indígena está alocada no Departamento de Ensino Fundamental, sob a chefia da professora Fátima Ikiko Yokohama.
4. No Paraná existem alguns remanescentes Xetá (Família Tupi-guarani) e algumas famílias Xocleng (Família Jê).
5. As mesmas ações desenvolvidas para os professores Kaingang são também desenvolvidas para os professores Guarani.
68 Cadernos Temáticos
DURÃO, Adja Baldino Amorim Barbieri. La Interlengua. Madrid: Arco/Libros, 2006 (no prelo).
ELDRIDGE, J. Code-switching in a Turkish secondary school. In: ELT Journal, v.50. Oxford University
Press, 1996.
FLORIANA, Frei Mansueto B. de Val. Ensaio de Grammatica Kainjgang. Revista do Museu Pau-
lista. São Paulo, 1918.
FLORIANA, Frei Mansueto B. de Val. Diccionarios Kainjgang–Portuguez e Portuguez–Kainj-
gang. Curitiba: Museu Paranaense, 1920.
HARBORD, JOHN. The use of the mother tongue in the classroom. ELT Journal, v. 46, 1992.
MONSERRAT, Ruth Maria Fonini. Política e Planejamento Lingüístico nas Sociedades indígenas do
Brasil Hoje: o espaço e o futuro das línguas indígenas. In: GRUPIONI, Luis D. B. Formação de
Professores Indígenas: repensando trajetórias. Brasília: Edições MEC/UNESCO, 2006.
PEREIRA, Magali Cecili Surjus. Política de Identidade: um estudo de caso com Kaingang. Londrina:
Ed. da Universidade Estadual de Londrina, 2000.
SCHWEERS Jr, C. William. Using L1 in the L2 Classroom. In: English Teaching Forum, v. 41,
2003.
TANG, Jifeng. Using L1 in the English Classroom. In: English Teaching Forum, v. 40, 2002.
TURNBULL, Malcolm & ARNETT, Katy. Teachers´Uses of The Target and First Languages in Second
and Foreign Language Classrooms. In: Annual Review of Applied Linguistics, v. 22, 2002.
cultura afro
Resumo
Ainda são relativamente poucos os estudos sobre os índios do Sul do Brasil, razão mais do
que suficiente para que se volte ao assunto. No texto a seguir, abordaremos alguns aspectos
da riqueza cultural Kaingang, num contraponto com a determinação da Carta Régia de D.
João VI, que desumaniza os índios do Sul do Brasil. Para aqueles que já acompanharam o
ritual do kiki, fica clara a seriedade com que tratam o assunto. Eles têm muito a nos ensinar.
Seus mortos são celebrados, não esquecidos. Quem já participou de um kiki sabe que o
maior medo do Kaingang não é a morte, mas o esquecimento. D. João VI certamente não
sabia da existência do culto aos mortos entre os Kaingang, quando retirou-lhes a humani-
dade. Mal sabia ele que isso não seria possível, pois os mortos também são Kaingang e,
como tais, continuariam a lutar pela terra e pela vida no mato.
Palavras-chave: Kaingang, Kiki, Ressignificação.
D. João VI, na Carta Régia de 5 de novembro de 18082, suspendeu a “humanidade” dos
índios do Sul do Brasil3. As palavras do monarca atravessaram tempo e espaço; cruzaram os
campos e as matas de araucárias que cobriam o planalto; tornaram-se mais que palavras nos
atos de violência que dominaram os processos de contato. Entretanto, as palavras de D. João
VI só estão alcançando significado pleno no final do século XX.
A humanidade retirada dos índios do sul cumpriu o deprimente itinerário desterritoriali-
zação – confinamento – esquecimento. Com certeza, aqueles que trabalham direta ou indireta-
mente com as comunidades indígenas do Sul do Brasil sentirão o peso desta afirmação. Afinal,
trata-se de aproximadamente vinte e cinco mil índios espalhados por cinqüenta e uma áreas
indígenas nos estados de São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul4. O esqueci-
mento, porém, não retira a humanidade dos índios por extingui-los, mas por torná-los pouco
interessantes, por torná-los não-índios ao olhar urbano. Com isso perdemos a oportunidade de
incorporar aspectos singulares da cultura de grupos que conheceram “nossos” territórios muito
antes da chegada do homem branco. Perdemos porque deixamos de nos impressionar com o
outro. Pensemos nos Kaingang. A devolução da humanidade a esses índios, ou a criação de
um espaço em nossa memória para a cultura Kaingang, poderia significar o conhecimento de
histórias sobre a araucária, o pinhão, a saracura, o bugio, a seca da taquara, o pau do cotai.
Perdemos histórias fantásticas e, conseqüentemente, perdemos a capacidade de refletir – com
este “conhecimento primitivo” – sobre conceitos importantes para a nossa cultura.
1. Professor da Universidade Federal do Paraná (UFPR). Doutor em Antropologia Social pela Universidade de São Paulo (USP).
2. “Sendo-me presente o quasi total abandono, em que se achão os campos geraes de Coritiba e os de Guarapuava, assim como todos os terrenos que desaguam no
Paraná e formam do outro lado as cabeceiras do Uruguay (...) infestados pelos Índios denominados Bugres, que matam cruelmente todos os fazendeiros e proprietários
(...) e fazendo-se cada vez mais evidente que não há meio algum de civilisar povos bárbaros, (...) sou servido por estes e outros justos motivos que hora fazem suspender
cultura afro
os efeitos de humanidade que com elles tinha mandado praticar ordeno-vos: deveis considerar como principiada a guerra contra esses barbaros Índios (...).” Carta Régia
de 5 de novembro de 1808.
3. A humanidade dos índios foi contestada também pela ciência do século XIX. O antropólogo Físico Blumenbach afirmou que os botucudos – provavelmente os Xokleng de
Santa Catarina – estavam a meio caminho entre o orangotango e o homem.
4. Distribuídos pelas áreas indígenas do Sul do Brasil vivem índios Kaingang, Xokleng e Guarani, os oito remanescentes do Xetá – grupo Tupi descoberto na década de quarenta
– vivem dispersos em meio às outros etnias.
70 Cadernos Temáticos
O esquecimento também ocorre no interior dos próprios grupos indígenas. Muitos já não
falam as línguas nativas, e a tradição deixou de ser o parâmetro privilegiado de comportamento.
Eles, que um dia guerrearam por seus territórios e que, com o tempo, passaram a reivindicar
junto ao Estado seus direitos a porções reservadas de terras, hoje lutam também para serem
índios, ao menos para serem considerados índios – índios no mundo dos brancos. De alguma
forma, eles sabem que se o itinerário histórico desterritorialização – confinamento – esque-
cimento for completado, eles desaparecerão, sabem que dependem de sua indianidade para
garantir a posse da terra. Eles sabem que a realização plena do projeto de D. João VI depende
da incapacidade nativa de pensar a própria cultura e de garantir a sobrevivência da tradição.
Voltar-se para a cultura indígena, para as culturas indígenas, é muito mais do que apreciar
objetos, narrar experiências ou colecionar sons e imagens singulares. Refletir sobre a realidade
indígena atual, além de contribuir para a relativização de nossa própria experiência histórica e
social, implica reconhecer que a cultura indígena é também uma reelaboração de um processo
político do qual somos parte integrante.
Pelo convívio com os Kaingang é possível perceber que as atividades cotidianas estão mar-
cadas por distintivos étnicos, pequenos atos que indicam a filiação cultural: o tipo de agricultura,
a caça, a cestaria, o respeito pelas crianças, a perambulação entre as áreas indígenas, a existência
de pequenas casas de fogo atrás da casa principal onde geralmente vivem os mais velhos. Mas é na
atividade religiosa que encontramos o centro da cultura tradicional Kaingang.
A religiosidade “primitiva” sempre instigou os brancos. A inconstância da alma indígena
frente às investidas missionárias confundia e ainda confunde os observadores. Por um lado, os
índios não resistiam à integração de símbolos do cristianismo. Por outro, demonstravam uma
capacidade sem igual de ressignificação e apropriação de elementos da religiosidade branca a
suas concepções cosmológicas. Ainda hoje é comum ouvir histórias da primeira missa rezada
na terra: uma fusão de História e mitologia. De certa forma, a experiência histórica que reuniu
os conquistadores portugueses e os índios pataxó em 1500 foi fundida aos mitos de origem de
diversos grupos indígenas.
Os Kaingang não são exceção, pois como outros grupos indígenas conviveram com a
atuação de missionários. Certa vez um Kaingang do Posto Indígena Xapecó (SC) me contou
partes do mito do Dilúvio. A narrativa do índio Fokãe ilustra bem essa fusão processada no
campo da religião. Fokãe5 contou que
“José – pai do menino Jesus – era carpinteiro e garrou a fazer barco. Daí vieram os outros e per-
guntaram: Pra que fazer barco? José respondeu que ia vir uma grande chuva, quando as mulheres
estivessem lavando roupa no rio. Os outros riram. Mas ele continuou a fazer o barco. Quando veio
a chuva o barco estava pronto e ele chamou todos os bichinhos pra se salvar do dilúvio.”
A versão de Fokãe não é apenas uma variação da história da Arca de Noé, conforme pre-
servada tradição cristã. Trata-se também de uma variação sobre um tema tradicional da cultura
Kaingang. Os Kaingang também possuem um mito que trata do tema do dilúvio e do ressur-
gimento da vida na terra. Esse mito foi coletado por Telêmaco Borba no final do século XIX
e publicado pela primeira vez em 1882. No mito original, os Kaingang sobrevivem ao dilúvio
com o auxílio das saracuras.
As alterações na vida religiosa dos Kaingang não se limitam à reelaboração de narrativas.
As práticas religiosas sofreram mudanças significativas ao longo deste século. Os ritos de nomi-
nação6, por exemplo, praticamente desapareceram. Além das limitações impostas pelo processo
cultura afro
de contato, a introdução de igrejas evangélicas – os crentes, como são conhecidos – nas áreas
indígenas contribui para esse processo de desetnificação.
5. Vicente Fokãe Fernandes é um líder religioso Kaingang, de aproximadamente oitenta anos, que vive no Posto Indígena Xapecó, no oeste catarinense.
6. Para muitos grupos indígenas, a criança só adquire personalidade social quando recebe o nome, geralmente após um ano do nascimento, no momento em que começa
a andar.
Kaingang chamam as metades de kamé e kairu – ambos heróis mitológicos que sobreviveram
ao grande dilúvio do princípio dos tempos.
72 Cadernos Temáticos
Os rezadores se reúnem para o primeiro fogo – duas fogueiras, uma kamé e outra kai-
ru – e passam a noite conversando, cantando, bebendo, tocando instrumentos tradicionais,
como o xykxy – chocalho de porongo com grãos de milho – e os turus – cornetas de taquara.
Durante todo o ritual, os participantes têm suas faces pintadas com a marca da metade à qual
pertencem: três pontos para os kairus e três riscos para os kamés.
Ao amanhecer, escolhem um pinheiro (araucária) para ser derrubado. O pinheiro pertence
à metade kamé e, portanto, é necessário que o rezador kairu reze para apaziguar e enfraque-
cer o espírito do pinheiro. O pinheiro será o kõkéi, o recipiente do kiki, bebida fermentada
composta de água e mel.
Uma vez derrubado, o pinheiro é posicionado segundo a orientação leste-oeste. O leste é
kamé e o oeste é kairu. Antes que o pinheiro seja transportado para o local onde será realizado
o ritual, os rezadores iniciam suas rezas: kamé da extremidade leste até a metade do pinheiro
e os kairu da extremidade oeste até a metade. Rezam para o pinheiro como se este fosse um
defunto com a cabeça voltada para o nascente e os pés para o poente – a mesma posição dos
corpos nas sepulturas.
Terminado esse trabalho, os rezadores mais uma vez se reúnem e passam a noite ao redor
das fogueiras – o segundo fogo – desta vez duas fogueiras para cada metade.
O pinheiro, então, será posicionado na praça de dança e tem início a confecção do cocho
– kõkéi. Kamés escavam de um lado, kairus de outro.
Geralmente, o kõkéi tem capacidade para cerca de quatrocentos litros de kiki (aproxima-
damente setenta quilos de mel e trezentos litros de água). Cumprida essa fase inicial, o kiki
repousará por aproximadamente quarenta e cinco dias, tempo necessário para a fermentação
da bebida.
No dia estabelecido, os rezadores se reúnem para o terceiro fogo: três fogueiras para
cada metade. Esta é a noite mais importante do ritual, da qual participam convidados de ou-
tras aldeias. Segundo a tradição, que hoje em dia é pouco respeitada: “Durante essa noite, até
mesmo as crianças pequenas devem ser retiradas da cama e trazidas, às costas do pai, para a
praça de dança. Como é nessa noite que os espíritos dos mortos vêm à aldeia, o único lugar
seguro para os vivos é junto aos fogos onde estão os rezadores.” (VEIGA, 1994)
Ao amanhecer, os rezadores de cada metade, seguidos dos demais participantes, diri-
gem-se à casa dos familiares do morto para o qual se está realizando o kiki. Os kamés visitam
os familiares do morto kairu e vice-versa. Na casa dos familiares, eles pegam a cruz que irão
levar ao cemitério (A cruz é um elemento do sincretismo com a religião católica – não se sabe
qual elemento da cultura tradicional Kaingang ela substitui). Dirigem-se ao cemitério onde
irão rezar mais uma vez e substituir a cruz da sepultura. Terminada esta fase, já próximo do
meio-dia, todos retornam para a praça de dança e desta vez kamés e kairus irão se misturar. O
dualismo encontra a complementaridade com a abertura do cocho e a distribuição da bebida,
o kiki. Todos bebem, cantam, dançam até que todo o kiki seja consumido e, por fim, possam
virar o cocho e encerrar o ritual.
Mesmo simplificada, essa descrição do ritual do kiki desafia a caracterização dos Kaingang
como povo aculturado, desafia o esquecimento. A riqueza de detalhes e a complexidade de cada
fase do ritual indica que o kiki é a expressão de uma cultura que utiliza mecanismo nativos para
produzir significados nativos capazes de instrumentalizar sua relação com o mundo dos mortos. O
cultura afro
mundo dos vivos também ganha significado com o kiki. Não apenas um significado religioso ou
cosmológico, mas um significado étnico, étnico-político.
Referências
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do Brasil. CUNHA, Manoela Carneiro da (Org.). São Paulo: Ed. Schwarcz, 1992
cultura afro
74 Cadernos Temáticos
O comércio de artesanato dos Guaranis da Ilha da Cotinga: 1
Resumo
O presente artigo tem como objetivo analisar brevemente a demanda dos Guaranis pelas
trocas com os não-índios, que envolvem a venda de artesanato, a aquisição de bens
industrializados, a procura por dinheiro e por direitos indígenas 3.
Palavras-chave: Índios Guaranis, economia, trocas.
1. A decisão de escrever o nome do grupo indígena no plural está de acordo com a comunidade Mbya-Guarani, representada pelo professor Dionísio, procedimento adotado
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minuíram, que desapareceram os animais de caça, pela caça clandestina, que morreram muitos
peixes devido à poluição das águas. Esses elementos, adicionados às dificuldades advindas de
uma parte do terreno da ilha considerada pouco produtiva para plantio, por ser arenosa, impe-
lem os Mbya-Guaranis a uma demanda maior de venda de artesanato, um comércio carregado
dos sentidos das trocas.
76 Cadernos Temáticos
3. As trocas de significados pelo artesanato
Na economia Mbya-Guarani da ilha da Cotinga, o cacique Nilo estima o artesanato em 20%
da renda total da aldeia. O artesanato envolve a confecção de cestos, miniaturas de animais,
peneiras, abanos, chocalhos, lanças, pau-de-chuva, balaios de diversos tamanhos e feitios, co-
lares, braceletes, brincos e a confecção de seu CD.
Com quem eles trocam seu artesanato? Neste artigo não referirei às trocas com ONGs e
instituições estaduais ou federais, pois o texto ficaria muito extenso. Indico três outras moda-
lidades de trocas, por serem mais freqüentes: com os lojistas; com as famílias, de casa em casa
e com os turistas, tanto em Paranaguá quanto na própria ilha.
A venda de artesanato aos lojistas de Paranaguá não é preferida por eles. Os lojistas pagam
pouco pelo artesanato, o que os deixa insatisfeitos por verem seu trabalho não-reconhecido.
Esta troca ocorre mais freqüentemente quando precisam adquirir alimentos ou outros produtos
em momentos de emergência. A venda de porta em porta dá melhor resultado do que a venda
nas lojas; é planejada com antecedência e diversificada em modelos, tamanhos e cores. Quase
sempre vendem tudo o que levam.
A modalidade preferida é a venda para os turistas, tanto em Paranaguá quanto aos visi-
tantes na ilha. Existe maior liberdade de estabelecimento de preços e de negociação com os
turistas. Segundo o cacique Nilo, eles preferem vender o artesanato para os turistas, pois se,
por exemplo, vendem a arte em madeira por R$ 7,00, as flechas por R$ 8,00, os balaios por R$
10,00 a R$ 15,00 dependendo do tamanho, venderiam nas lojas por R$ 4,00 a R$ 5,00.
Uma das tarefas mais exigentes para a confecção do artesanato é a obtenção da matéria-
prima, a taquara, a madeira, as sementes, entre outros, porque estão cada dia mais difíceis de
serem encontrados na mata. A confecção é tarefa dos adultos e adolescentes. Nota-se que os
adolescentes, além de reproduzir o que aprendem com os adultos, compõem facilmente novas
criações, conforme o interesse dos turistas. Depois de pronto o artesanato, uma outra dificul-
dade encontrada é seu transporte para o continente, pois cabem poucos exemplares nas duas
barcas pequenas que têm à disposição. Mesmo assim, realizam o planejado com a coordenação
do cacique da aldeia.
No artesanato, estão incluídas também as cópias do CD Cânticos Eternos Guarani - Mbora’i
Marae’y Guarani, gravado por eles junto com outros grupos Guaranis do Paraná, em dezembro
de 2002, trabalho realizado pelo Instituto Nhemboete Guarani. A gravação e a venda das cópias
não constituem uma atividade, na conotação dada pelo professor Dionísio, mas um trabalho.
Em geral, os Guaranis aceitam convites para apresentar shows em instituições educacio-
nais, mas, como refere o professor Dionísio, algumas pessoas os chamam para mostrá-los como
pessoas exóticas. Mesmo assim, eles aceitam, e se apropriam “conscientemente” desses momen-
tos. Eles se apossam da modalidade utilizada pelos artistas não-índios de se apresentarem em
shows, cantam e vendem seu CD, que fala das suas tradições. Isso lembra a questão comentada
pelo professor e antropólogo Marshall Sahlins (1997) a respeito dos povos da Nova Guiné. Eles
reverteram os impulsos comerciais suscitados por um capitalismo invasivo em fortalecimento
dos conceitos indígenas. Com isso, quero enfatizar que os Mbya-Guaranis criam os valores de
sua economia de acordo com seu “jeito de ser”, reinterpretado constantemente no interior da
aldeia e conforme os contatos com os não-índios fora da aldeia.
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78 Cadernos Temáticos
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