Ebook ICL Historia-do-Brincar Finalizado
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Título do Livro:
História do brincar e das brincadeiras no Brasil
Autora:
Joana Carolina Schossler
Produção editorial:
Mariana Paulon, Marielly Agatha Machado, André Chacon
Pesquisa iconográfica:
Bruno Medeiros
Revisão:
Fabrina Camilotti
Designer gráfico:
Jéssica Teixeira
Capa:
Jéssica Teixeira
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CEP 09531-190
E-mail: contato@institutoliberta.com.br
Sumário
Apresentação ................................................................................................................. 6
6
Neste texto, a historiadora Joana Carolina Schossler se
interroga sobre uma das práticas culturais mais relevantes
para formação da nossa subjetividade social: como se brinca
no Brasil e quais são as brincadeiras populares que fazem
parte da nossa história? Joana percorre a memória do
brincar propiciando o encontro com os registros ancestrais e
as heranças colonizadoras que se tornaram parte da nossa
tradição. No texto, a autora nos leva a pensar a infância por
meio de pinturas, passagens literárias, propagandas e textos
bibliográficos que nos levam até a industrialização dos
brinquedos e problematiza as intersecções entre o brincar,
gênero, classe e raça com as formas de brincar e reinventar
as heranças indígena, africana e colonizadora.
Boa leitura!
Suze Piza
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1. Brincar, símbolos da própria cultura
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do trabalho (ARIÈS, 1986, p. 94).
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É interessante perceber que as brincadeiras populares
acontecem, em sua maioria, na rua, em um espaço público,
coletivo e democrático, que é o palco para o lúdico, tornando
essa uma cena comum, inclusive, ao olhar artístico e literário,
nos quais observa-se o registro de crianças brincando de
pipa, de cabra-cega, de correr, de roda, ou mesmo
participando das celebrações das festas populares e
religiosas.
Noite de São João, 1946. Autoria: Djanira da Motta e Silva. Fonte: Casa Roberto Marinho.
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Entende-se, portanto, que a brincadeira é a porta de
entrada da criança na cultura, pois ela constitui laços
coletivos e atividades sociais (TOMÁS, 2014, p.15). Além disso,
Walter Benjamin nos faz pensar que, muitas vezes, os
sentidos do brincar constituem parte do povo e da classe a
que ele pertence, sendo um diálogo de sinais entre a criança
e a sociedade (BENJAMIN, 2009, p.94).
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Nesse sentido, o jogo de futebol ocupa o lugar de
principal paixão de muitos brasileiros, e preenche espaços
físicos, como várzeas, praias, praças, ruas, comunidades
periféricas e indígenas. Para o crítico literário José Miguel
Wisnik, o futebol é quase uma metáfora da vida, pois o campo
de jogo se confronta com essa angústia da existência.
(...) mais do que o campo deserto da vida vazia, o
futebol é um campo de jogo em que se confronta
o vazio da vida, isto é, a necessidade premente de
procurar-lhe sentido. Procurar, aqui, na acepção
ativa que inclui também encontrar, emprestar e
inventar sentido — ali onde ele falta como dado,
mas sobra como disposição a fazê-lo acontecer
(WISNIK, 2008, p. 75).
Futebol, 1935. Autoria: Candido Portinari. Fonte: Google Arts & Culture.
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Portanto, se nem sempre o tempo do brincar e o tempo
do trabalho se distinguiam, vimos que o brincar e as
brincadeiras são múltiplas e possuem uma dimensão
geográfica cheia de diversidades culturais, sendo parte delas
as festas religiosas, os folguedos, os objetos e as interações
individuais e coletivas que contribuíram para que a criança
ganhasse espaço, voz e vez para participar do mundo como
um ser social.
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2. Invenção da infância e representação do brincar
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símbolo do brasão da monarquia, o que, segundo Lilia Moritz
Schwarcz, demonstra ser “provavelmente a única pintura da
época que revela o príncipe em um ambiente de intimidade,
com brinquedos, e até mesmo com um tímido sorriso nos
lábios” (SCHWARCZ, 1998, p.70).
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Dessa forma, é possível observar o argumento de que a
infância foi inventada, e que o ato de ser criança nem sempre
esteve associado ao brincar. Nesse sentido, Philippe Ariés
menciona o fato de que, desde o século XVII, as brincadeiras
de adultos se misturavam à primeira infância, além de estar
evidente, por meio da iconografia, a questão social, pois é
possível observar, nos exemplos citados, “crianças
bem-nascidas” (ARIÉS, 1983, p. 92).
A Pátria, 1919. Foto: Reprodução Rômulo Fialdini. Autoria: Pedro Bruno. Fonte: Museu da República.
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Naquela época Ponciá Vicêncio gostava de ser
menina. Gostava de ser ela própria. Gostava de
tudo. Gostava. Gostava da roça, do rio que corria
entre as pedras, gostava dos pés de pequi, dos
pés de coco-catarro, das canas e do milharal.
Divertia-se brincando com as bonecas de milho
ainda no pé. Elas eram altas e, quando dava
vento, dançavam. Ponciá corria e brincava com
elas. O tempo corria também. Ela nem via. O
vento soprava no milharal, as bonecas dobravam
até o chão. Ponciá Vicêncio ria. Tudo era tão
bom... (EVARISTO, 2020, p.13).
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diferença entre o urbano e o rural, pois no interior ainda
estavam preservados lugares, memórias e experiências de
vida tradicionais.
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A partir dessa perspectiva, podemos observar que os
jogos e as brincadeiras de rua incluem as crianças em um
espaço social e de cidadania que antes não era entendido
como parte constitutiva da infância. Portinari pinta a
liberdade corporal e criativa das crianças, registrando
também as brincadeiras e a materialidade dos brinquedos,
afinal, os objetos e o brincar estavam presentes no seu
cotidiano, bem como na sua memória.
Meninos pulando carniça, 1957. Autoria: Candido Portinari. Fonte: Google Arts & Culture.
Menino com pião, 1947. Autoria: Candido Portinari. Fonte: Google Arts & Culture.
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Ainda em relação às brincadeiras de rua, em 1946,
Florestan Fernandes escreveu um trabalho para a disciplina
de Roges Bastide, intitulado “As trocinhas do Bom Retiro”.
Nesse estudo, Florestan estava interessado em entender a
formação de grupos de crianças que se reuniam nas ruas, os
quais, por sua vez, eram chamados de “trocinhas”.
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3. Brinquedo artesanal x brinquedo industrial
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Benjamin também associa a transformação do
tamanho do brinquedo à industrialização e ao espaço
doméstico. Para o autor, na medida que “se tornam maiores,
vão perdendo aos poucos o elemento discreto, minúsculo,
sonhador” (BENJAMIN, 2009, p.91). Para ele, a industrialização
torna os brinquedos cada vez mais estranhos às crianças e
aos pais, sendo claramente crítico a essa mudança.
(...) Hoje talvez se possa esperar uma superação
efetiva daquele equívoco básico que acreditava
ser a brincadeira da criança determinada pelo
conteúdo imaginário do brinquedo, quando, na
verdade, dá-se o contrário. A criança quer puxar
alguma coisa e tornar-se cavalo, quer brincar
com areia e torna-se padeiro, quer esconder-se e
torna-se bandido ou guarda. Conhecemos muito
bem alguns instrumentos de brincar arcaicos,
que desprezam toda máscara imaginária
(possivelmente vinculados na época a rituais):
bola, arco, roda de pena, pipa - autênticos
brinquedos, tanto mais autênticos, quanto
menos o parecem adultos. Pois quanto mais
atraentes, no sentido corrente, são os brinquedos,
mais se distanciam dos instrumentos de brincar;
quanto mais ilimitadamente a imitação se
manifesta neles, tanto mais se desviam da
brincadeira viva (BENJAMIN, 2009, p.90).
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Ainda em relação à propaganda do Bazar Yankee,
notamos que ela incita no público a necessidade de
consumo, pois se assemelha a um catálogo, possibilitando
que o consumidor conheça a diversidade de produtos que a
loja oferece e que ao mesmo tempo se sinta atraído pelo
chamariz de seus bons preços.
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Percebemos ainda que a bicicleta passa a ser um
grande atrativo para as crianças, e que, na propaganda de
1928 da Casa São Nicolau, ela parece ser uma grande
especialidade, pois a loja oferece ao consumidor “vehiculos
para crianças em seus mais variados formatos, patinetes,
tricícletas, voadores”, entre outros.
Veículos para crianças, Casa São Nicolau, 1928. Fonte: Reclames do Estadão.
Reprodução do documentário “As Bonecas Inquebráveis - História da Fábrica de Bonecas Belém, 1919 – 1950”.
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Em relação às bonecas, as quais foram as suas
primeiras criações, a Estrela conta como, em duas décadas,
mudanças materiais, estéticas e mercadológicas
aprimoraram o brinquedo que faz parte do imaginário e da
fantasia das crianças.
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Cabe problematizar que esse tipo de
boneca não representa em nada a
realidade social brasileira, e que até
mesmo as bonecas de milho
conseguiram ter maior desdobramento
imagético em relação à diversidade, pois
como contam seus brincantes, “algumas
espigas tinham cabelinho mais claro,
outras, mais escuro. Por isso, eram
"filhinhas" diferentes umas das outras”.
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Menina pataxó, 1972. Fonte: Arquivo Nacional do Brasil.
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4. Brinquedos de menina x brinquedos de menino
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Justamente pela civilização ter se
construído a partir do domínio patriarcal,
tem sido trabalhoso para as mulheres
reivindicar e provar que, ao longo da
história, elas tiveram sua participação no
campo político, científico, social e
educacional, pois a dominação
masculina acabou por exercer um
apagamento de seus protagonismos,
estruturando sexismos, estereótipos e
construções de narrativas que
favoreceram a desigualdade e a
invisibilidade social das mulheres.
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A ênfase permanecia na costura, não na escrita.
Mesmo a aritmética exigida nas escolas
femininas era inferior à ensinada aos meninos.
Construíam-se bem poucas escolas públicas
para as meninas e os baixos salários oferecidos
aos professores mostravam-se em geral poucos
atraentes. (...). Muitas meninas ainda recebiam
sua escassa e precária educação em casa ou em
escolas particulares, algumas orientadas e
dirigidas por religiosas e outras, por professoras
estrangeiras. As crianças da elite, geralmente
eram educadas em casa (HAHNER, 2003, p.78).
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deixa claro o anúncio da mini enceradeira mirim, feita “para
tornar a tarefa do lar mais agradável para sua filhinha”.
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bastante usadas pela indústria de
brinquedos, que até os dias atuais cria
seus objetos reforçando os estereótipos
de gênero, não apenas com as cores, mas
também com os produtos, os quais
induzem funções de gênero ao
determinar brinquedos de aventura para
meninos e brinquedos de casinhas para
meninas.
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Por fim, os estudos feministas têm possibilitado amplas
reflexões e revisões que nos permitem ultrapassar as
oposições de brinquedo de menina x brinquedo de menino,
ou, menino usa azul x menina usa rosa. Como lembra a
professora e socióloga John Scott, é possível desconstruir
esses termos de diferenciação sexual, rejeitar as justificativas
biológicas, romper com as dominações de poder patriarcais,
questionar a desigualdade entre homens e mulheres e
pensar no gênero como um elemento constitutivo das
relações sociais (SCOTT, 2017).
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Considerações finais
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Por fim, diante do futuro que nos espera, finalizamos
este estudo com uma indagação de autoria da pedagoga
Maria Pereira: qual é o contato das crianças no século XXI
com a terra, a água, a areia, as árvores e a paisagem tropical
e a espontaneidade corporal que existe em nosso país?
(PEREIRA, 2017, p. 55).
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Referências Bibliográficas
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HOOKS, bell. O feminismo é para todo mundo: políticas
arrebatadoras. Rio de Janeiro: Rosa dos tempos, 2019.
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PORTNARI, João Candido. Visões de uma infância brasileira.
Disponível em:
https://artsandculture.google.com/story/TQXxTgBJ4UHlLw.
Acesso em: 14 jul. de 2022.
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Indicação de filmes e bibliografias
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Sobre a autora
E-mail: mergulhandonolitoral@gmail.com
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