Análise Do Estilo de Rembrandt

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Análise do estilo de Rembrandt

Rembrandt Harmens van Rijn foi um dos maiores ícones e exemplo das desventuras que se abatem sobre
certas personalidades criativas na história da pintura.

Filho de moleiro e neto de padeiro, Rembrandt nasceu em Leiden, a segunda cidade das Províncias Unidas
(atual Holanda) em 16 de julho de 1606.

Nos 40 anos seguintes, vive um período de prosperidade, enriquece e torna-se um dos mais conhecidos e
respeitados pintores da burguesia holandesa.

Após a década de 1640, no entanto, as encomendas rareiam, as dívidas se acumulam até ao ponto de morrer
miserável, em 4 de outubro de 1669. (ao lado, Auto-retrato, 1659, óleo sobre tela, 84,5x66 cm, National
Gallery of Art, Washington).

Sua vida pessoal é trágica. Sua primeira esposa, Saskia van Uylenburch, com quem tem uma relação
extremamente afetuosa - retratada em muitas de suas pinturas - falece aos 30 anos, em 1642.

Rembrandt liga-se à primeira governanta de seu filho Tito, Geertghe Dircx. Esta
união terminará com o internamento de Geergthe em um hospício, segundo consta pela afeição que
Rembrandt dedicará à nova e jovem governanta de Tito, Hendrickje Stoffels. (ao lado, Rembrandt e Saskia
na cena do Filho pródigo na taverna, cerca de 1635, óleo sobre tela, 161x131 cm, Gemaldegalerie Alte
Meister, Dresden).

 Hendrickje se tornará a companheira de sua vida. Com ela, entretanto, o artista viverá sob constante
reprovação social e religiosa, o que, em parte, é uma das causas para a diminuição progressiva das
encomendas, até o artista declarar falência em 1653. Uma cláusula do testamento de Saskia impedia que
Rembrandt se casasse novamente, sob pena de perder os bens deixados pela primeira esposa. Em 1663
morre Hendrickje. Em 1668, seu filho Tito. Um de seus últimos quadros retrata seu quarto miserável, com
uma cama e uma cadeira quebrada.

As duas fases da produção artística


É comum, entre os historiadores da arte, dividir a produção artística de Rembrandt
em duas fases principais. O ano divisor de águas é 1642, ano em que morre Saskia, e em que Rembrandt
pinta seu célebre Ronda Noturna. (ao lado, autoretrato de Rembrandt).

No primeiro período, o artista faz parte de um movimento cultural denominado Peinture Savante,


constituída por uma elite culta, de admiradores da Itália. Seu mestre, Pieter Lastman, é seguidor de
Caravaggio, tendo estudado por dez anos em Roma. Neste período, a pintura de Rembrandt é dominada
pelos tons luminosos em contrastes dramáticos. Seus temas são bíblicos e mitológicos. O acabamento é
cuidadoso, com técnica refinada. Os grupos de figuras são construídos segundo o receituário barroco, com
gestos dramáticos e expressivos, de ação intensa.

A partir da década de 1640, entretanto, Rembrandt altera seu estilo. Acentua o uso da monocromia em tons
dourados, fundada no jogo de claro-escuro, influência de Caravaggio. Abandona certas características
grandiloqüentes do barroco, para adotar uma composição simplificada, com um clima silencioso e solene.
Ao invés do gesto dramático, em situações de grande ação, suas personagens são pensativas, absortas no
próprio universo interior. Rembrandt cria o que alguns historiadores chamam de pesquisa psicológica.

A luz torna-se então um elemento fundamental em sua arte. Nesta segunda fase, a luminosidade não apenas
reestrutura a composição de suas pinturas como, também, ilumina os recônditos da alma humana. Como
disse o crítico literário Harold Bloom acerca de Shakespeare, Rembrandt recria o ser humano, revelando os
desdobramentos do ser, as sutis gradações da sua emoção e do seus sentimentos.

A temática

São três os temas mais comuns na obra do pintor: a temática sacra, os retratos grupais e os auto-retratos.

A temática sacra é uma constante durante toda a sua vida produtiva. Rembrandt
apresenta as cenas bíblicas com extrema sensibilidade e profundidade espiritual. Quadros como O retorno
do filho pródigo ou Jacó abençoa os filhos de José têm uma doçura despojada e uma grandiosidade serena
incomparáveis na história da arte. São comoventes e, mesmo os que não conhecem os detalhes das estórias
bíblicas, são tocados pela profunda humanidade destas pinturas. (ao lado, O retorno do filho pródigo, cerca
de 1662, óleo sobre tela, 262x206 cm, The Hermitage, São Petersburgo).
Os retratos grupais eram uma coqueluche da Holanda da época. Muitas
corporações e guildas contratavam pintores para as imortalizar através de um retrato coletivo. Outros
pintores holandeses, como Franz Hals (1581/5-1666) por exemplo, também foram muito requisitados neste
tipo de encomenda. Rembrandt pintou vários destes retratos sendo que os dois mais famosos talvez sejam
a Aula de anatomia do Dr. Tulp e a Ronda Noturna. Nestes dois quadros de sua primeira fase, o artista
anima a composição com uma grande variedade de gestos e expressões dos personagens, bem ao gosto do
Barroco. Na Aula de Anatomia, a curiosidade e o assombro estão estampados em cada face e em cada gesto.
(ao lado, Aula de anatomia do dr. Tulp, 1632, óleo sobre tela, 169,5x216,5 cm, Mauritshuis, The Hague).

Rembrandt pintou mais de cem auto-retratos durante 40 anos. São leituras


psicológicas de si mesmo, só comparáveis ao que Vincent van Gogh - outro holandês - realizou no século
XIX. Desde os primeiros anos felizes até a miséria do final da vida, o artista não condescendeu consigo
próprio, não maquiou nem alterou sua própria realidade, numa busca admirável pela verdade pessoal. Em
um dos seus últimos retratos, vê-se o olhar abatido de um Rembrandt idoso, resignado com a própria sorte,
encarando com tristeza serena a própria pobreza e a solidão. (ao lado, Auto-retrato, 1669, óleo sobre tela,
86x70,5 cm, National Gallery, Londres).

O claro-escuro

O claro-escuro é uma invenção estética do pintor italiano Caravaggio (1571-1610). Não que antes não se
utilizasse na pintura os contrastes de luminosidade, mas foi o pintor italiano quem mostrou as possibilidades
expressivas e dramáticas da acentuação de tal técnica. Sua influência dominou a Itália e grande parte da
Europa Barroca, tendo sito denominados caravaggisti aqueles artistas que trabalharam sob a influência
indireta de Caravaggio.

Na sua primeira fase, o claro-escuro de Rembrandt é um recurso compositivo. Simultaneamente à disposição


planimétrica das personagens sobre a superfície da tela, Rembrandt cria uma segunda ordem compositiva,
evidenciada nos diferentes índices de luminosidade. Dadas as suas diferenças de claridade, as figuras
agitam-se longitudinalmente na pintura, avançando e recuando em direção ao observador.
Na sua segunda fase, ao contrário, o claro-escuro converte-se, antes de mais nada,
em uma metáfora da espiritualidade. Com a simultânea redução na quantidade dos personagens da
composição, as trevas ampliam-se e possuem mais o espaço na pintura. Em quadros como Hendrickje
banhando-se em um rio, o corpo luminoso de sua terceira esposa emerge delicadamente de um fundo quase
indiscernível pela obscuridade. Cuidadosamente, a mulher suspende a espessa camisola branca, e caminha
produzindo uma dourada marola sobre a água. (ao lado, Hendrickje banhando-se em um rio, 1654, óleo
sobre painel, 61,8x47 cm, National Gallery, Londres).

A técnica

A técnica de sua primeira fase é minuciosa. Os detalhes dos objetos e das figuras são construídos em um
desenho preciso de grande primor no acabamento.

Já na segunda fase, Rembrandt empregou uma técnica menos precisa, baseada no uso de grandes manchas
de tinta espessa. Segundo alguns historiadores, o artista chegava a pedir que as pessoas não observassem
seus quadros de muito perto, com o pretexto de que o cheiro da tinta as incomodasse. O pigmento era
aplicado com uma espátula em grossas camadas, como que "rebocados com uma colher de pedreiro",
segundo o pintor e biógrafo Arnold Houbraken (1660-1719). O impaste, como é chamado, chega a ter cerca
de 5 milímetros de espessura.

A Ronda Noturna

Este quadro recebeu este nome devido a um equívoco de historiadores. Não


se trata de uma cena noturna, mas sim vespertina. A obscuridade é devida ao escurecimento do verniz que
foi aplicado sobre a tela. É um retrato grupal e apresenta a partida da companhia do capitão Cocq para
recepcionar a rainha Maria de Médici, da França. O título correto da pintura éA companhia de milícia do
capitão Frans Banning Cocq e do Tenente Willen van Ruytenburch.

Segundo consta, o enfoque barroco da composição dado por Rembrandt desagradou alguns dos retratados.
Ao invés de colocar todos os componentes da escolta do capitão em igualdade de importância, o artista
variou aposição de cada um. O ganho em variedade e dramaticidade implicou em que alguns personagens
tornaram-se mais evidentes enquanto outros ficaram encobertos ou na penumbra. Como todos haviam pago
igualmente, o desagrado teria sido geral. Mesmo assim, já em sua época este quadro havia sido considerado
uma das maiores obras de todos os tempos.
O gesto da mão espalmada do capitão dá a partida para a tropa e é, também,
o rompe-alas da composição. Como o vértice de um triângulo, a partir da mão todos os personagens se
espalham progressivamente em direção ao fundo da pintura. As figuras são dotadas de grande dinamismo,
evidenciado pelas diversas diagonais que atravessam a pintura - lanças, mosquetes, estandartes e tambores -
inclusive pela orientação da posição diagonal das cabeças dos diversos personagens. Entretanto, o
movimento não é frenético ou caótico mas unificado pela expressão serena (até mesmo galhofa) dos rostos.

Segundo preservou a lenda, a pequena personagem feminina em posição de destaque


no centro-esquerda da pintura seria a própria Saskia, falecida enquanto Rembrandt concluia a Ronda. Sua
vestimenta luminosa é equilibrada pela presença da mesma cor e tonalidade na roupa do tenente em primeiro
plano. Assim, também, a faixa vermelha usada pelo capitão Cocq é equilibrada pela vestimenta vermelha da
figura que, à esquerda, carrega um mosquetão.

O Festim de Baltazar

Segundo a tradição bíblica, Baltazar, rei da Babilônia, oferecia uma festa a


reis pagãos quando uma mão misteriosa escreveu uma mensagem nas paredes do palácio prevendo a sua
queda. Baltazar ficou aterrorizado e "seus joelhos batiam um no outro" (Daniel, 5:6).

A cena é vividamente representada. Como um instantâneo fotográfico, o artista captou o momento exato em
que ocorre o fato sobrenatural. A mulher do primeiro plano, à direita, derrama o seu vinho, que umedece a
manga de seu vestido. Também, o braço direito do rei entornou a sua taça, a qual ainda não tombou
completamente sobre a mesa. O momento é tão preciso no tempo que o músico que toca flauta à esquerda
ainda não se apercebeu do ocorrido, olhando distraído o vazio.
O rei volta-se para onde ocorre a intervenção divina e seu semblante é o retrato do espanto e do pavor.
Rembrandt revela toda a sua maestria em representar emoção através das fisionomias. As mãos dos
personagens - inclusive a mão sobrenatural - formam uma estrutura compositiva semicircular, do alto a
baixo da tela.

Também os adereços de cena merecem destaque. Rembrandt possuiu uma rica coleção de objetos e
adereços, dos quais podem-se ver alguns exemplos nos aparatos retratados na mesa de Baltazar. Na
representação das diferentes texturas, dos metais, tecidos e pele dos corpos pode-se ver o uso intensivo do
impaste de tinta, típico do artista.

Daniel decifrou os dizeres da parede, que significavam "Mene, Mene, Tekel, parsin", isto é: Mene, "Contou
Deus o teu reino, e deu cabo dele"; Tequel"Pesado foste na balança, e achado em falta"; Parsin, "Dividido
foi o teu reino, e dado aos medas e aos persas". Segundo o relato bíblico, naquela mesma noite Baltazar foi
morto por Dario, rei dos medas.

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