Lanterna Mágica Mito e Magia
Lanterna Mágica Mito e Magia
Lanterna Mágica Mito e Magia
Resumo
Abstract
This paper intends to show how the phantasmagoric spectacles, begun with the magical
lantern, represent a metaphor of the knowledge. We take, as a basic premise, the teachings
accumulated by linguistics, initially to analyze the narrative as a sense maker, in relation to
the newness that was presented at this time. The magical lantern represents the subjective
model of truths production, dominant and consensuals, and, for this reason, it is transmitted
in a not literal way, but in a figurative sense and because of the implied similarity, and,
therefore, metaphoric.
Precede a lanterna mágica e sua utilização outro dispositivo: a câmara escura, conhecida no
campo da astronomia desde o século XIII, utilizada para observação de objetos exteriores. O
físico italiano Giovanni Bapttista Della Porta (1540-1615) descreveu em detalhes este
dispositivo, em sua obra Magiae naturallis [Da mágica natural] em 1558. Porem em 1588
surgiu uma novidade, a idéia de organizar um espetáculo óptico com a câmara escura. Então,
segundo Mannoni, tais espetáculos prenunciavam as projeções de lanterna mágica do século
seguinte, conseqüentemente, a câmara escura abandonava sua vocação científica para se
tornar um “teatro óptico”. Convertida em um aparelho voltado para o entretenimento e
diversão no século XVII que, devido às dificuldades de seu funcionamento e ao fato de exigir
intensa iluminação sobre o cenário exterior, teve seu uso para encenar aparições
sobrenaturais, rapidamente substituídos pelo uso de um novo aparelho capaz de difundir de
modo mais eficaz as superstições: a lanterna mágica.
(...) uma caixa óptica (...) que projeta sobre uma tela branca (tecido,
parede caiada, ou mesmo couro branco, no século XVIII), numa sala
escurecida, imagens pintadas sobre uma placa de vidro.
O intuito desta breve explanação sobre o histórico dos espetáculos luminosos é o de dirigir a
atenção aos espetáculos denominados de “fantasmagoria”, uma forma mais elaborada de
entretenimento visual, onde se invocava o sobrenatural projetando imagens de espíritos dos
mortos em misteriosos ambientes, com encenações cuidadosamente dirigidas. A diferença
entre estas exibições e as anteriores está no aprofundamento da diegese (historia narrada,
narrativa, representação, debate): ocultava-se o equipamento de projeção, as projeções
eram bem mais nítidas (graças a aperfeiçoamentos no tubo óptico da lanterna) e começaram
as projeções sobre cortina de fumaça, criando um efeito mais realista, tridimensional. A
lanterna utilizada para esse tipo de exibição possuía rodas e se deslocava sobre trilhos para
frente e para trás, proporcionando, além da já conhecida animação, o aumento ou
diminuição das imagens, o que causava a impressão de que se moviam em direção à platéia.
Além disso, ao início da exibição as luzes se apagavam, como parte da encenação planejada
e, na maioria das vezes, “as paredes da sala eram encortinadas de negro”, possibilitando o
escurecimento total da sala e acrescentando um tom “fúnebre” à encenação, reforçando,
assim, as sensações dos espectadores.
A Importância da Diegese.
Contudo, o ponto impactante não recai sobre a simples narrativa, uma vez que ao longo da
história da humanidade muito se tem falado acerca de narrações. O que realmente afirma a
importância de um estudo sobre a lanterna mágica é a junção de vários elementos dos
espetáculos de fantasmagoria no plano do conteúdo ao plano da narrativa.
Esses espetáculos reclamavam a sua notoriedade por causa do seu caráter mágico, onde
todo conhecimento técnico-cientifico era ocultado, deixando visível apenas as “aparições”,
levando os espectadores a crerem numa ilusão. É claro que os procedimentos de ocultação e
desvelamento não teriam a eficácia desejada para os fins de uma produção “mágica” não
fosse a introdução, nesse contexto “ilusório”, do recurso da diegese. Dessa forma, o real que
se apresentava no desvelamento ou nas aparições e que colonizava o imaginário era
remetido ao campo simbólico através da narrativa, condutora da interpretação dos
espectadores à produção do sentido pré-determinado (mágico).
As Verdades Dominantes.
O “Ser conhecente” – que também é desejante – tem em si um vazio. Dessa forma, necessita
de um objeto provido de características especiais que possa satisfazê-lo após a sua negação e
posterior assimilação, para assim receber o conteúdo positivo deste “não-eu desejado”.
Porém, uma ação negadora oriunda do desejo não resulta em simples destruição, mas em
uma transformação do objeto (do não-eu desejado) durante a assimilação. Destrói-se apenas
a realidade formal e objetiva do que esta diante de si, criando no interior do sujeito
conhecente, uma existência subjetiva, enriquecida pela interiorização da realidade externa.
Ocorre porem que o “Eu” criado a partir da assimilação dos conteúdos do “não-eu-desejado”
terá a mesma natureza da “coisa” negada que sustentou o desejo, tornando-o
essencialmente um “Eu coisista 4”. Se o “Eu coisista” for criado pela interiorização de coisas
naturais por um “não-eu natural”, será um “Eu natural”: não pode revelar-se a ninguém
como consciente de si, por se trata de um ser quase animal, só com sentimento de si. Para
tornar-se consciente de si, o homem deverá dirigir seu desejo a um objeto não-natural que,
ao fim do processo de assimilação, deixe suas características não-naturais, características que
ultrapassem o real e que se assemelhem ao vazio (do desejo) que o impulsionou. Para que
isso ocorra o sujeito precisa assimilar algo que só um “outro sujeito” em processo de
conscientização possui: Desejos, apenas outro desejo ultrapassa o real, assemelhando-se a
uma “não-coisa”, assemelhando-se ao vazio revelado pelo desejo.
Portanto, para revelar-se como consciente de si, este “Eu” precisa desejar desejos. Para
deixar de ser um “eu-natural”, precisa desejar algo que seja distinto das coisas naturais,
capaz de ser assimilado pela ação negadora: o “Ser consciente de si”, deve alimentar-se de
subjetividades, de abstrações, de coisas culturais, deve assimilar os “valores” provenientes
dos desejos de outros Seres conscientes de si. Mas se no ato de assimilar as características de
um objeto pela negação ocorre a destruição de uma realidade objetiva, criando-se uma
existência subjetiva, a assimilação de desejos acarretará na incorporação de uma realidade
subjetiva a partir de outra realidade subjetiva. Ao consumir valores, o homem – “ser de
desejos” ou de valores – passa a não ser o que é (ser natural) e ser o que não é (desejos),
numa constante construção de subjetividades e na dependência de uma estrutura social,
forjando assim, um homem social, numa rede de seres de valores que buscam saciar a sede
por desejos, construindo-se na subjetividade do “Ser”.
Se, no ser natural, nos animais, o valor supremo é a preservação de sua existência biológica,
na preservação da vida, no homem, verdadeiramente humano, este valor deve ser superado,
em outras palavras, o homem é capaz de por em risco a vida pela satisfação desse “desejo”.
O homem desejando desejos desejará o que o outro deseja, desejará que o outro me deseje,
me reconheça como um valor desejável e reconheça em mim um valor maior e autônomo.
O desejo que este homem busca só poderá ser encontrado em outro homem, também um
ser de desejos. Assim, inevitavelmente, no encontro dos dois seres desejantes, um tentará
assimilar o outro, o que provocará (na intenção) uma ação de destruição de uma das partes.
Tal destruição revela-se numa luta pela sobrevivência do “ser” que busca a consciência de si
e que precisa ser reconhecido como um valor maior: cada um dos indivíduos sabe que, se
não o fizer, tornar-se-á um simples objeto assimilado pelo outro. Nessa luta pelo
reconhecimento, dois seres buscam a satisfação das suas necessidades de assimilar o valor
que visualizou no outro, que é desejo do outro. E por serem diferenciados dos animais na
medida em que não se apegam à simples sobrevivência, os homens arriscarão as suas vidas
em função desse reconhecimento. O reconhecimento é, por essa razão, de importância
capital no conflito: dele depende a sobrevivência de uma das partes. Para não haver o
aniquilamento da entidade biológica, um homem deve ceder e reconhecer o valor do outro:
apenas com essa condição preenchida preservará sua existência física e poderá buscar o
reconhecimento em outra relação. Contudo, o reconhecimento de uma das partes não
resolve o problema ontológico do reconhecido, este necessita do outro como um ser vivente:
se o outro não existir, for aniquilado, o reconhecido não mais terá um reconhecedor e para
tal dilema, só existe uma solução: a manutenção constante da relação de reconhecimento;
deve existir uma relação de prestígio (praestigium), de fascinação, de encantamento, de
influência moral, enfim, de importância social.
Se no reconhecimento não se encontra uma certeza real, posto que é fundada nas
subjetividades humanas, não encontrará também uma resposta objetiva ou concreta, pois foi
incitado pela busca de algo que se parecesse ao vazio do desejo. Enfim, o reconhecimento
trará só certezas consensuais, sociais. Para estar certo, o homem precisa de uma “verdade”
que lhe satisfaça, uma verdade social que, como o homem, será uma verdade em
construção: a verdade da incerteza humana. Logo, se o ser consciente de si abandonou o
mundo dos objetos reais, distanciando-se gradativamente dos objetos naturais até chegar ao
mundo das coisas socialmente construídas, as suas verdades, conseqüentemente, serão
também incompletas, numa constante construção solidificada por valores oriundos das
mesmas relações de dominação: no mínimo, verdades dominantes.
A Verdade e o mito.
Aspectos Lingüísticos.
Sabemos que os objetos reais não podem povoar nossas mentes, eles não podem estar em
nós e absorvemos as “coisas” construindo idéias sobre elas assim, na construção de nosso
conhecimento articulamos, inevitavelmente, idéias sobre as coisas, através dos
representantes que captamos do mundo externo tanto quanto do mundo que construímos
em nossa interioridade, que são os signos, falamos com signos sobre os signos. Eles estão na
base de nosso conhecimento estruturando-o de modo lingüística, semiótico.
Ferdinand de Saussure
Tantos nos aspectos diacrônicos (ao mesmo tempo) e sincrônicos (através do tempo) de
Ferdinand de Saussure como na relação tríade de Peirce, o que notamos é a intensa
incorporação do mundo externo ocorrendo através dos signos e se o interpretante como
uma entidade repleta de signos, faz uso de seus representantes (os signos) no momento em
que da o sentido às coisas, usando suas representações socialmente fornecidas de modo
arbitrário e paradigmático, visto que é imposto, então o conhecimento é um ato de
consenso, que deve percorrer um sentido pré-estabelecido.
Conclusão
O caráter ativo está naquele que detém o poder ao promover a manutenção de tal verdade.
O poder daqueles que detinham o conhecimento cientifico (da ótica) e dos instrumentos (a
lanterna mágica) assemelha-se aos detentores das verdades míticas, de onde obtêm o
reconhecimento e esse reconhecimento gerado a partir do conhecimento e mantido através
da conservação do sentido por intermédio de verdades dominantes preservando a relação de
dominação e, conseqüentemente, de prestigio, fornecendo a confiabilidade necessária para
os fins da fantasmagoria e alimentando os espectadores com respostas “mágicas”. As
respostas mágicas, através dos ritos, tornam presentes as ausências e, com isso, emprestam
aspectos de real ao que é imaginário turvando, ainda mais, a fronteira entre o mundo
subjetivo e o objetivo.
Edgar Morin
Referências Bibliográficas
MANNONI, Laurent. A grande arte da luz e da sombra: arqueologia do cinema. São Paulo:
Editora SENAC; São Paulo: UNESP, 2003.
MORIN, Edgar. Os sete saberes necessários à educação do futuro. São Paulo, Cortez, 2003.
SANTAELLA, Lucia. “A teoria Geral dos Signos – Como as linguagens significam as coisas”. São
Paulo: Ed. Pioneira, 2003.
SAUSSURE, Ferdinand de. “Curso de Lingüística Geral”. São Paulo: Ed. Cultrix, 1995.
1
NOTAS
Psicanalista (NEP - Núcleo de Estudos Psicanalíticos), Professor de História (Fac. de Rib. Pires), Filosofia e
Psicologia, Psicólogo (Universidade Paulistana), Estudos Sociais (Faculdades Tereza Martin), Mestrado
em Educação, Administração e Comunicação (Unimarco) e Psicodramaticista.
2
MANNONI, Laurent. A grande arte da luz e da sombra: arqueologia do cinema. São Paulo: Editora
SENAC; São Paulo: UNESP, 2003: p. 36-37.
3
Idem p: 108-148 3 HEGEL, Georg Wilhelm Friedrich. Fenomenologia do espírito in Coleção os
pensadores, Hegel. Trad. Orlando Vitorino: Ed. Nova Cultural, São Paulo, 1996
4
HEGEL, Georg Wilhelm Friedrich. Fenomenologia do espírito in Coleção os pensadores,
Hegel. Trad. Orlando Vitorino: Ed. Nova Cultural, São Paulo, 1996
5
BARTHES, Roland. In: Mitologias. S. Paulo: Difel, 2003 p. 224.
6
LÉVI-STRAUSS, Claude. “A estrutura dos mitos”. In: Antropologia estrutural, 1975. cap. X. p. 237-265.
7
SAUSSURE, Ferdinand de. Para Saussure a diacronia estuda, não mais as relações entre os termos
coexistentes de um estado de língua, mas entre termos sucessivos que se substituem uns aos outros no
tempo. Trata-se daquilo que seria da ordem do não-gramatical.
8
SAUSSURE, Na ordem da sincronia, que é geral, mas não imperativa, estão as coisas que se impõe aos
indivíduos pela sujeição do uso coletivo.
9
MORIN, Edgar. O enigma do homem. Rio de Janeiro, Zahar, 2ª ed., 1979: p. 23-27
10
SANTAELLA, Lucia. A teoria geral dos signos – Como as linguagens significam as coisas. São Paulo: Ed.
Pioneira, 2003: p. 28
11
MORIN, Edgar. Introdução ao pensamento complexo / Edgar Morin; tradução Eliane Lisboa. 5.ed. – Porto Alegre :
Sulina, 2015.