Lanterna Mágica Mito e Magia

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Lanterna Mágica: Mito e Magia

Marino Mendes Macedo1

Resumo

Este artigo pretende mostrar como os espetáculos de fantasmagoria, inaugurados a partir da


lanterna mágica, representam uma metáfora do conhecimento, tomando como premissa
básica os ensinamentos acumulados pela lingüística, para analisarmos inicialmente a
narrativa como produtora de sentido em relação ao novo, que na época se apresentava. A
lanterna mágica representa o modelo subjetivo de produção de verdades, dominantes e
consensuais, e que por isso se transmitem não literalmente, mas em sentido figurado e
devido à semelhança subentendida, e, dessa forma, metafórico.

Palavras-chave: Lanterna mágica, metáfora, lingüística, narrativa.

Abstract

This paper intends to show how the phantasmagoric spectacles, begun with the magical
lantern, represent a metaphor of the knowledge. We take, as a basic premise, the teachings
accumulated by linguistics, initially to analyze the narrative as a sense maker, in relation to
the newness that was presented at this time. The magical lantern represents the subjective
model of truths production, dominant and consensuals, and, for this reason, it is transmitted
in a not literal way, but in a figurative sense and because of the implied similarity, and,
therefore, metaphoric.

Key words: Magical lantern, metaphor, linguistic, narrative.

A Lanterna Mágica e os espetáculos de fantasmagoria.

Precede a lanterna mágica e sua utilização outro dispositivo: a câmara escura, conhecida no
campo da astronomia desde o século XIII, utilizada para observação de objetos exteriores. O
físico italiano Giovanni Bapttista Della Porta (1540-1615) descreveu em detalhes este
dispositivo, em sua obra Magiae naturallis [Da mágica natural] em 1558. Porem em 1588
surgiu uma novidade, a idéia de organizar um espetáculo óptico com a câmara escura. Então,
segundo Mannoni, tais espetáculos prenunciavam as projeções de lanterna mágica do século
seguinte, conseqüentemente, a câmara escura abandonava sua vocação científica para se
tornar um “teatro óptico”. Convertida em um aparelho voltado para o entretenimento e
diversão no século XVII que, devido às dificuldades de seu funcionamento e ao fato de exigir
intensa iluminação sobre o cenário exterior, teve seu uso para encenar aparições
sobrenaturais, rapidamente substituídos pelo uso de um novo aparelho capaz de difundir de
modo mais eficaz as superstições: a lanterna mágica.
(...) uma caixa óptica (...) que projeta sobre uma tela branca (tecido,
parede caiada, ou mesmo couro branco, no século XVIII), numa sala
escurecida, imagens pintadas sobre uma placa de vidro.

(...) um método de iluminação capaz de projetar histórias, cenários


fictícios, visões fantasmagóricas. Deixou o domínio da ciência e da
astronomia para mergulhar nos domínios do artifício, da
representação, do maravilhoso, da ilusão2.

De acordo com Mannoni, o “princípio da lanterna mágica permaneceu o mesmo, com


algumas poucas variantes, do século XVII ao fim do século XIX.” Bastava introduzir uma placa
de forma invertida “no passa-vistas, na frente do foco luminoso de uma vela ou de uma
lâmpada a petróleo” para que as imagens projetadas surgissem na tela.

Durante o século XVIII as lanternas passaram a projetar também animações, momentâneas


ou contínuas, a partir do incremento de placas mecanizadas, promovendo espetáculos com
efeitos de “substituições, desaparições, aparições bruscas, movimentos contínuos”. A pintura
dessas placas, entretanto, era uma arte difícil e para se obter vistas de qualidade eram
necessárias muitas horas, às vezes dias, de trabalho, onde artesãos, pintores, gravadores, ou
miniaturistas profissionais, precisavam de muita habilidade para saber jogar com as cores e
as sombras3.

O intuito desta breve explanação sobre o histórico dos espetáculos luminosos é o de dirigir a
atenção aos espetáculos denominados de “fantasmagoria”, uma forma mais elaborada de
entretenimento visual, onde se invocava o sobrenatural projetando imagens de espíritos dos
mortos em misteriosos ambientes, com encenações cuidadosamente dirigidas. A diferença
entre estas exibições e as anteriores está no aprofundamento da diegese (historia narrada,
narrativa, representação, debate): ocultava-se o equipamento de projeção, as projeções
eram bem mais nítidas (graças a aperfeiçoamentos no tubo óptico da lanterna) e começaram
as projeções sobre cortina de fumaça, criando um efeito mais realista, tridimensional. A
lanterna utilizada para esse tipo de exibição possuía rodas e se deslocava sobre trilhos para
frente e para trás, proporcionando, além da já conhecida animação, o aumento ou
diminuição das imagens, o que causava a impressão de que se moviam em direção à platéia.
Além disso, ao início da exibição as luzes se apagavam, como parte da encenação planejada
e, na maioria das vezes, “as paredes da sala eram encortinadas de negro”, possibilitando o
escurecimento total da sala e acrescentando um tom “fúnebre” à encenação, reforçando,
assim, as sensações dos espectadores.

Paul Philidor e Étienne-Gaspard Robert, mais conhecido como Robertson, ambiguamente,


pioneiros na fantasmogoria, exploravam o gosto do público pelo obscurantismo, se
aprimorando na “encenação” para impressionar o público, ao mesmo tempo em que
tentavam combater a credulidade do povo em relação a feiticeiros e profetas. Durante as
exibições de fantasmagorias, os exibidores ressaltavam que as imagens pareciam, mas não
eram reais, dizendo aos espectadores que o que era projetado era apenas uma imagem, mas
que, mesmo assim, se acreditaria ser real. Após as explicações, as luzes se apagavam, e o
espetáculo ilusionista começava com aparições de personagens históricos já falecidos,
causando um “inquietante tipo de medo” nos espectadores, ainda que essas “sessões”
fossem efetivamente anunciadas como “ilusões ópticas”.

A Importância da Diegese.

A maior importância da narração, no contexto desse trabalho, está no fato de proporcionar a


construção semiótica de modo heterônomo. Em outras palavras, a diegese – ou a narrativa –
fornecia dados externos que propiciavam a construção signica no tocante à produção de
sentido.

Contudo, o ponto impactante não recai sobre a simples narrativa, uma vez que ao longo da
história da humanidade muito se tem falado acerca de narrações. O que realmente afirma a
importância de um estudo sobre a lanterna mágica é a junção de vários elementos dos
espetáculos de fantasmagoria no plano do conteúdo ao plano da narrativa.

Esses espetáculos reclamavam a sua notoriedade por causa do seu caráter mágico, onde
todo conhecimento técnico-cientifico era ocultado, deixando visível apenas as “aparições”,
levando os espectadores a crerem numa ilusão. É claro que os procedimentos de ocultação e
desvelamento não teriam a eficácia desejada para os fins de uma produção “mágica” não
fosse a introdução, nesse contexto “ilusório”, do recurso da diegese. Dessa forma, o real que
se apresentava no desvelamento ou nas aparições e que colonizava o imaginário era
remetido ao campo simbólico através da narrativa, condutora da interpretação dos
espectadores à produção do sentido pré-determinado (mágico).

Então, no plano do conteúdo, tínhamos um destinador (emissor) de uma mensagem não


verbal, responsável pela qualificação das imagens ou ilusões, que sugeria um aspecto mágico
através das aparições e causava uma dúvida nos destinatários a respeito do real. Por sua vez,
no plano da narrativa, tínhamos uma mensagem verbal que, ao mesmo tempo em que
produzia o sentido, interrompia as duvidas dos destinatários, impondo confiabilidade aos
aspectos mágicos. É essa junção de elementos que fazia do espetáculo algo fantasmagórico.

As Verdades Dominantes.

Resgataremos algumas idéias de Hegel ao tratarmos das verdades dominantes, partindo do


princípio de que, conforme foi visto, nos espetáculos de fantasmagoria emerge a questão da
produção de sentido para um fenômeno ilusório, ou seja, ressalta as dificuldades do sujeito
em conhecer um determinado objeto. Vejamos, então, como, para Hegel, processa-se a
aquisição do conhecimento, considerando que buscamos entender a relação do sujeito (o
espectador da fantasmagoria) que pretende conhecer o objeto (as aparições, ou todos os
fenômenos apresentados) e sabendo previamente que existem os produtores de sentido
para o objeto que se apresenta.

Na ótica de Hegel, mais especificamente na Fenomenologia do espírito, para que o sujeito


não seja absorvido pelo objeto, durante a contemplação o sujeito deve absorvê-lo, assimilá-
lo assumindo o vazio que mobilizou a buscar tal objeto, promovendo assim, o “retorno de
volta a si” pelo “desejo”.
O desejo torna os homens ativos, inquietos e impulsiona-os à ação, o conhecimento, ao
contrário, o mantém numa quietude passiva. No entanto, a satisfação desse desejo só
poderá realizar-se, ou ainda, realizar o sujeito, quando este produzir uma “negação” do
objeto que o instigou ao conhecimento, sabendo que é o objeto, com as suas características
iluminadoras, que chama o sujeito à relação.

O “Ser conhecente” – que também é desejante – tem em si um vazio. Dessa forma, necessita
de um objeto provido de características especiais que possa satisfazê-lo após a sua negação e
posterior assimilação, para assim receber o conteúdo positivo deste “não-eu desejado”.
Porém, uma ação negadora oriunda do desejo não resulta em simples destruição, mas em
uma transformação do objeto (do não-eu desejado) durante a assimilação. Destrói-se apenas
a realidade formal e objetiva do que esta diante de si, criando no interior do sujeito
conhecente, uma existência subjetiva, enriquecida pela interiorização da realidade externa.

Ocorre porem que o “Eu” criado a partir da assimilação dos conteúdos do “não-eu-desejado”
terá a mesma natureza da “coisa” negada que sustentou o desejo, tornando-o
essencialmente um “Eu coisista 4”. Se o “Eu coisista” for criado pela interiorização de coisas
naturais por um “não-eu natural”, será um “Eu natural”: não pode revelar-se a ninguém
como consciente de si, por se trata de um ser quase animal, só com sentimento de si. Para
tornar-se consciente de si, o homem deverá dirigir seu desejo a um objeto não-natural que,
ao fim do processo de assimilação, deixe suas características não-naturais, características que
ultrapassem o real e que se assemelhem ao vazio (do desejo) que o impulsionou. Para que
isso ocorra o sujeito precisa assimilar algo que só um “outro sujeito” em processo de
conscientização possui: Desejos, apenas outro desejo ultrapassa o real, assemelhando-se a
uma “não-coisa”, assemelhando-se ao vazio revelado pelo desejo.

Portanto, para revelar-se como consciente de si, este “Eu” precisa desejar desejos. Para
deixar de ser um “eu-natural”, precisa desejar algo que seja distinto das coisas naturais,
capaz de ser assimilado pela ação negadora: o “Ser consciente de si”, deve alimentar-se de
subjetividades, de abstrações, de coisas culturais, deve assimilar os “valores” provenientes
dos desejos de outros Seres conscientes de si. Mas se no ato de assimilar as características de
um objeto pela negação ocorre a destruição de uma realidade objetiva, criando-se uma
existência subjetiva, a assimilação de desejos acarretará na incorporação de uma realidade
subjetiva a partir de outra realidade subjetiva. Ao consumir valores, o homem – “ser de
desejos” ou de valores – passa a não ser o que é (ser natural) e ser o que não é (desejos),
numa constante construção de subjetividades e na dependência de uma estrutura social,
forjando assim, um homem social, numa rede de seres de valores que buscam saciar a sede
por desejos, construindo-se na subjetividade do “Ser”.

Se, no ser natural, nos animais, o valor supremo é a preservação de sua existência biológica,
na preservação da vida, no homem, verdadeiramente humano, este valor deve ser superado,
em outras palavras, o homem é capaz de por em risco a vida pela satisfação desse “desejo”.

O homem desejando desejos desejará o que o outro deseja, desejará que o outro me deseje,
me reconheça como um valor desejável e reconheça em mim um valor maior e autônomo.
O desejo que este homem busca só poderá ser encontrado em outro homem, também um
ser de desejos. Assim, inevitavelmente, no encontro dos dois seres desejantes, um tentará
assimilar o outro, o que provocará (na intenção) uma ação de destruição de uma das partes.
Tal destruição revela-se numa luta pela sobrevivência do “ser” que busca a consciência de si
e que precisa ser reconhecido como um valor maior: cada um dos indivíduos sabe que, se
não o fizer, tornar-se-á um simples objeto assimilado pelo outro. Nessa luta pelo
reconhecimento, dois seres buscam a satisfação das suas necessidades de assimilar o valor
que visualizou no outro, que é desejo do outro. E por serem diferenciados dos animais na
medida em que não se apegam à simples sobrevivência, os homens arriscarão as suas vidas
em função desse reconhecimento. O reconhecimento é, por essa razão, de importância
capital no conflito: dele depende a sobrevivência de uma das partes. Para não haver o
aniquilamento da entidade biológica, um homem deve ceder e reconhecer o valor do outro:
apenas com essa condição preenchida preservará sua existência física e poderá buscar o
reconhecimento em outra relação. Contudo, o reconhecimento de uma das partes não
resolve o problema ontológico do reconhecido, este necessita do outro como um ser vivente:
se o outro não existir, for aniquilado, o reconhecido não mais terá um reconhecedor e para
tal dilema, só existe uma solução: a manutenção constante da relação de reconhecimento;
deve existir uma relação de prestígio (praestigium), de fascinação, de encantamento, de
influência moral, enfim, de importância social.

O sujeito prestigiado, dependente do reconhecedor, fica diante de um dilema de difícil


solução: ao depender da vida do outro (do reconhecedor), o reconhecido torna-se, também,
um reconhecedor, alguém que deve reconhecer o valor do outro como desejante. Para
resolver este problema, o prestigiado (reconhecido) deve manter o outro vivo, embora
assimilado, mas não autônomo, deve promover uma coexistência pacífica e controlada, deve
sujeitar o outro ao seu propósito, numa uma relação de domínio. A dominação passa a ser
uma saída para o dilema do reconhecido, do prestigiado. A relação de domínio torna o
reconhecedor um escravo das suas necessidades, coloca-o submisso às suas necessidades e,
conseqüentemente, numa situação de inferioridade. Tal inferioridade relaciona-se a uma
hierarquia de valores: o ser a que nos referimos é um ser de valores, ou seja, nessa relação o
prestigiado realiza-se por ter o reconhecimento do outro sem reconhecê-lo ou, se o fizer,
será um reconhecimento de menor prestígio. É dever, do reconhecido, abandonar o seu
desejo e satisfazer o desejo do outro. Deve, enfim, reconhecer o outro como senhor e
reconhecer-se como escravo deste senhor. Então, o surgimento do homem realmente
humano depende de sua inserção numa rede social de relações de dominação. Surge, dessa
forma, necessária e essencialmente um vínculo de sujeição e dominação entre senhores e
escravos.

Assim, a sociedade só será humana se implicar em vínculos de dominação e de sujeição, nas


quais determinadas existências serão autônomas e outras dependentes.

A visão de uma rede de dominação e de sujeição fundamentada no reconhecimento leva-nos à


idéia da construção das subjetividades humanas: subjetividade do reconhecimento, do
reconhecimento dos valores. A essência, do “Ser” humano, fundada no reconhecimento de
valores torna a realidade humana uma realidade calcada na interpretação do ato de
reconhecer que, ao ser essencialmente subjetiva, faz da realidade social uma realidade
também subjetiva. Na luta pelo reconhecimento em uma rede de relações sociais
essencialmente desigual, cada um dos “seres” humanos está subjetivamente “certo-de-si”,
mas não do outro. Ao construir-se, o ser consciente de si constrói-se e realiza-se em uma
sociedade desigual. Por isso, a subjetividade, oriunda das necessidades humanas de consumir
valores, de assimilar desejos, inaugura um novo problema para o ser que pretende realizar-se:
a busca pela certeza de si, ou ainda, a certeza a respeito do seu valor ou do seu
reconhecimento.

As características da construção da consciência de si supõem, pelo outro, o reconhecimento


dos valores que um sujeito tem, dos valores que não podem ser validados no interior do
sujeito que o possui: o ser humano, para ser consciente de si, precisa provar o seu valor. É
necessário que o outro diga que o seu valor não é apenas uma construção delirante, é
preciso que o outro transforme em realidade o que nasceu de uma subjetividade. Os
“homens” necessitam de uma comprovação das suas incertezas, precisam que se tornem
certezas. Estas certezas, por sua vez, surgem da subjetividade e são construídas com as
mesmas vicissitudes das relações humanas: são, pois, certezas incertas, ou ainda, certezas
consensuais.

Se no reconhecimento não se encontra uma certeza real, posto que é fundada nas
subjetividades humanas, não encontrará também uma resposta objetiva ou concreta, pois foi
incitado pela busca de algo que se parecesse ao vazio do desejo. Enfim, o reconhecimento
trará só certezas consensuais, sociais. Para estar certo, o homem precisa de uma “verdade”
que lhe satisfaça, uma verdade social que, como o homem, será uma verdade em
construção: a verdade da incerteza humana. Logo, se o ser consciente de si abandonou o
mundo dos objetos reais, distanciando-se gradativamente dos objetos naturais até chegar ao
mundo das coisas socialmente construídas, as suas verdades, conseqüentemente, serão
também incompletas, numa constante construção solidificada por valores oriundos das
mesmas relações de dominação: no mínimo, verdades dominantes.

A Verdade e o mito.

Roland Barthes procurou reduzir de modo significativo o conceito de mito, apresentando-o


como: “... qualquer forma substituível de uma verdade. Uma verdade que esconde outra
verdade” 5.

Ainda acompanhando as idéias de Roland Barthes conceituaremos o “mito” não no sentido


de fábula, lenda, invenção, ficção, mas do modo como as sociedades arcaicas o viam, ou seja,
no sentido de que o mito seria o relato de um acontecimento ocorrido nos tempos em que
tudo começou, quando entes sobrenaturais interferiram para criar as coisas, os fatos ou
pessoas, ou ainda, relato dos tempos em que determinada realidade inexistente passou a
existir, uma narrativa sobre como, algo que não era, começou a ser. Desse modo ao
traçarmos um paralelo, entre essas idéias e o que ocorria nos espetáculos de fantasmagoria
veremos que algo que não existia, no caso as imagens ou ainda as aparições (no modo real),
passa a existir, e o acabou de existir recebe um “sentido” dado pela narrativa, tal como nos
processos de construção dos mitos.
Segundo Lévi-Strauss o mito, é um fato lingüístico que está situado na “escala dos modos de
expressão lingüística” e seu sentido é dado pela maneira como os elementos isolados, que o
compõem, estão combinados é, portanto, parte da linguagem 6. Tal análise, que é estrutural,
não persegue os arquétipos, apenas recolhe as versões existentes sobre determinado mito,
elimina as sucessividades procurando correspondências entre elas. O mito, nesse sentido,
supõe relações que escapam às sucessões diacrônicas 7 porque ele tem função paradigmática,
nos projetando na ordem da sincronia 8. Então, as duas visões sobre os mitos, corroboram
com a idéia de que o homem é perseguido por imposições da “verdade”, quer se origine de
narrativas míticas ou que ocorram por construções contemporâneas. Não levaremos em
conta os aspectos dialéticos que envolvem discussões sobre a “verdade”, somente porque,
alem de não desprezamos tal complexidade, a relevância está nos aspectos lingüísticos,
discernidos por Levi-Strauss, e assim, se o mito é um fato lingüístico e tem função
paradigmática, está sujeito à cegueira 9 e a uma lógica própria.

Aspectos Lingüísticos.

Sabemos que os objetos reais não podem povoar nossas mentes, eles não podem estar em
nós e absorvemos as “coisas” construindo idéias sobre elas assim, na construção de nosso
conhecimento articulamos, inevitavelmente, idéias sobre as coisas, através dos
representantes que captamos do mundo externo tanto quanto do mundo que construímos
em nossa interioridade, que são os signos, falamos com signos sobre os signos. Eles estão na
base de nosso conhecimento estruturando-o de modo lingüística, semiótico.

O signo é um veiculo que comunica à mente algo exterior. Aquilo


em cujo lugar o signo está é denominado seu objeto; aquilo que o
signo transmite, seu significado, e a idéia que ele provoca, seu
interpretante10.

C.S. Peirce (segundo Lucia Santaella)

No processo de incorporação das coisas as subjetivações instauram a vicariedade dos signos


e distancia nossa percepção do real, os representantes jamais abrangerão a totalidade do
mundo concreto, tornando-nos escravos daquilo que deduzimos, das interpretações e de
toda sorte de ruídos presentes na produção e transmissão do conhecimento.

Se analisarmos a lingüística segundo Ferdinand de Saussure veremos que os signos se


constroem na articulação do significado com o significante, dito de outra forma na
articulação de um conceito com uma imagem acústica. Os símbolos lingüísticos são artificiais,
não há uma vinculação entre a palavra e o objeto, o sentido é determinado por convenção.

“(...) signos são entidades em que sons ou sequências de sons - ou


as suas correspondências gráficas - estão ligados com significados
ou conteúdos. (...) Os signos são assim instrumentos de
comunicação e representação, na medida em que, com eles,
configuramos linguisticamente a realidade e distinguimos os
objetos entre si.

Ferdinand de Saussure
Tantos nos aspectos diacrônicos (ao mesmo tempo) e sincrônicos (através do tempo) de
Ferdinand de Saussure como na relação tríade de Peirce, o que notamos é a intensa
incorporação do mundo externo ocorrendo através dos signos e se o interpretante como
uma entidade repleta de signos, faz uso de seus representantes (os signos) no momento em
que da o sentido às coisas, usando suas representações socialmente fornecidas de modo
arbitrário e paradigmático, visto que é imposto, então o conhecimento é um ato de
consenso, que deve percorrer um sentido pré-estabelecido.

Conclusão

Os espetáculos de fantasmagoria representam um incremento da narrativa. Segundo Peirce,


tal narrativa é produtora de sentido, desempenha o papel do interpretante na relação
triádica da semiose. Dessa forma, a lanterna mágica retrata, nesse recorte da história, na
conjuntura da época e em sua dinâmica de funcionamento, um instrumento de grande poder
de influência, assim como muitos outros, ao estimular o desenvolvimento de todo um
arsenal voltado à produção de sentido e, conseqüentemente, de conhecimento.

A lanterna mágica inaugurou, também, um novo modo de o homem enxergar o mundo: ao


olhar as coisas reais ou as ilusórias, fá-lo ativamente. Se o homem caracterizado por Hegel na
sua Fenomenologia do Espírito é um ser de valores, que necessita de coisas “não naturais”
para revelar-se como ser consciente de si, por óbvio o seu maior interesse dirige-se àquilo
que está distante do natural, distante do real, e volta-se ao que é mais “humano”, ou àquilo
que seja artificial e cultural fruto da produção humana: o ilusório. Os mitos mostram-nos a
necessidade do homem em produzir verdades, ou nexos, sobre ocorrências das quais não
possui um claro entendimento e que se perpetuam pela narrativa, conservando o sentido
produzido inicialmente. O sentido é mantido pelo narrador, detentor do conhecimento e que
goza do prestigio. Nesse contexto, o produtor de sentido detém também o poder sobre a
verdade dominante, a verdade constituída socialmente e mantida por ela.

O caráter ativo está naquele que detém o poder ao promover a manutenção de tal verdade.

O poder daqueles que detinham o conhecimento cientifico (da ótica) e dos instrumentos (a
lanterna mágica) assemelha-se aos detentores das verdades míticas, de onde obtêm o
reconhecimento e esse reconhecimento gerado a partir do conhecimento e mantido através
da conservação do sentido por intermédio de verdades dominantes preservando a relação de
dominação e, conseqüentemente, de prestigio, fornecendo a confiabilidade necessária para
os fins da fantasmagoria e alimentando os espectadores com respostas “mágicas”. As
respostas mágicas, através dos ritos, tornam presentes as ausências e, com isso, emprestam
aspectos de real ao que é imaginário turvando, ainda mais, a fronteira entre o mundo
subjetivo e o objetivo.

As intrincadas articulações lingüísticas, citadas anteriormente, tanto quanto as complexas


relações de poder visto nas citações de Hegel revelam duas faces opostas que foram
apontadas a respeito das vicissitudes humanas: uma face trágica e outra feliz; a trágica se
expressa de maneira marcante nas referencias que foram apresentadas e a feliz se encontra,
subentendida, nas possibilidades dialéticas das teses primeiras, visto que, o ser humano se
libertou dos impeditivos naturais, das simples impressões e de muitas ilusões pela
capacidade de depurar-se como conhecedor apoiado em sua complexidade, pois ao
manipular toda sua simbologia pôde superar o concreto, o real, as coisas em si e rumar ao
“alem das coisas”. Lembremos de Edgar Morin 11, quando sugeriu que a complexidade nos da
liberdade ao nos livrar do determinismo depositou em nós a responsabilidade sobre nossos
destinos a partir de nossas escolhas, sejam elas conscientes ou não. A conclusão que se
constrói aqui é também a inauguração de um novo processo, uma caminhada rumo ao
pensamento complexo que alem de angustiar liberta, que segundo o referido pensador, nos
obriga a banir duas ilusões que nos desviam do percurso rumo à complexidade.

A primeira é acreditar que a complexidade conduz à eliminação da


simplicidade. A complexidade surge, é verdade, lá onde o pensamento
simplificador falha, mas ela integra em si tudo o que põe ordem, clareza,
distinção, precisão no conhecimento. Enquanto o pensamento simplificador
desintegra a complexidade do real, o pensamento complexo integra o mais
possível os modos simplificadores de pensar, mas recusa as conseqüências
mutiladoras, redutoras, unidimensionais e finalmente ofuscantes de uma
simplificação que se considera reflexo do que há de real na realidade. A
segunda ilusão é confundir complexidade e completude. É verdade, a
ambição do pensamento complexo é dar conta das articulações entre os
campos disciplinares que são desmembrados pelo pensamento disjuntivo
(um dos principais aspectos do pensamento simplificador); este isola o que
separa, e oculta tudo o que religa, interage, interfere. Neste sentido, o
pensamento complexo aspira ao conhecimento multidimensional. Mas ele
sabe desde o começo que o conhecimento completo é impossível: um dos
axiomas da complexidade é a impossibilidade, mesmo em teoria, de uma
onisciência. (...) Ele implica o reconhecimento de um princípio de
incompletude e de incerteza. Mas traz também em seu princípio o
reconhecimento dos laços entre as entidades que nosso pensamento deve
necessariamente distinguir, mas não isolar umas das outras. (...) O
pensamento complexo também é animado por uma tensão permanente
entre a aspiração a um saber não fragmentado, não compartimentado, não
redutor, e o reconhecimento do inacabado e da incompletude de qualquer
conhecimento.

Edgar Morin
Referências Bibliográficas

BARTHES, Roland. Mitologias. São Paulo: Difel, 2003

GUNNING, Tom. “Fotografias Animadas”, contos do esquecido futuro do cinema in XAVIER,


Ismail (org.), O Cinema no século. Rio de Janeiro: Imago, 1996.

HEGEL, Georg Wilhelm Friedrich. “Fenomenologia do espírito” in Coleção os pensadores,


Hegel. Trad. Orlando Vitorino: Ed. Nova Cultural, São Paulo, 1996

LÉVI-STRAUSS, Claude. “A estrutura dos mitos”. Antropologia estrutural. Rio de Janeiro:


Tempo Brasileiro, 1975.

MANNONI, Laurent. A grande arte da luz e da sombra: arqueologia do cinema. São Paulo:
Editora SENAC; São Paulo: UNESP, 2003.

MORIN, Edgar. Os sete saberes necessários à educação do futuro. São Paulo, Cortez, 2003.

__________. “O Enigma do Homem”. Rio de Janeiro, Zahar, 2ª ed., 1979.

SANTAELLA, Lucia. “A teoria Geral dos Signos – Como as linguagens significam as coisas”. São
Paulo: Ed. Pioneira, 2003.

SAUSSURE, Ferdinand de. “Curso de Lingüística Geral”. São Paulo: Ed. Cultrix, 1995.
1
NOTAS

Psicanalista (NEP - Núcleo de Estudos Psicanalíticos), Professor de História (Fac. de Rib. Pires), Filosofia e
Psicologia, Psicólogo (Universidade Paulistana), Estudos Sociais (Faculdades Tereza Martin), Mestrado
em Educação, Administração e Comunicação (Unimarco) e Psicodramaticista.

2
MANNONI, Laurent. A grande arte da luz e da sombra: arqueologia do cinema. São Paulo: Editora
SENAC; São Paulo: UNESP, 2003: p. 36-37.

3
Idem p: 108-148 3 HEGEL, Georg Wilhelm Friedrich. Fenomenologia do espírito in Coleção os
pensadores, Hegel. Trad. Orlando Vitorino: Ed. Nova Cultural, São Paulo, 1996

4
HEGEL, Georg Wilhelm Friedrich. Fenomenologia do espírito in Coleção os pensadores,
Hegel. Trad. Orlando Vitorino: Ed. Nova Cultural, São Paulo, 1996

5
BARTHES, Roland. In: Mitologias. S. Paulo: Difel, 2003 p. 224.

6
LÉVI-STRAUSS, Claude. “A estrutura dos mitos”. In: Antropologia estrutural, 1975. cap. X. p. 237-265.

7
SAUSSURE, Ferdinand de. Para Saussure a diacronia estuda, não mais as relações entre os termos
coexistentes de um estado de língua, mas entre termos sucessivos que se substituem uns aos outros no
tempo. Trata-se daquilo que seria da ordem do não-gramatical.

8
SAUSSURE, Na ordem da sincronia, que é geral, mas não imperativa, estão as coisas que se impõe aos
indivíduos pela sujeição do uso coletivo.

9
MORIN, Edgar. O enigma do homem. Rio de Janeiro, Zahar, 2ª ed., 1979: p. 23-27

10
SANTAELLA, Lucia. A teoria geral dos signos – Como as linguagens significam as coisas. São Paulo: Ed.
Pioneira, 2003: p. 28

11
MORIN, Edgar. Introdução ao pensamento complexo / Edgar Morin; tradução Eliane Lisboa. 5.ed. – Porto Alegre :
Sulina, 2015.

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