Contrato de Depósito Bancário

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DOS CONTRATOS DE DEPÓSITO BANCÁRIO

L. MIGUEL PESTANA DE VASCONCELOS (*)

SUMÁRIO: 1. Introdução; 2. O depósito em geral; 3. O depósito irregular; 4. O depó-


sito bancário; 4.1. Depósito à ordem; 4.1.1. Caracterização; 4.1.2. A ligação à
conta; 4.1.2. Natureza jurídica; 4.2. Depósitos a prazo; 4.2.1. Caracterização;
4.2.2. A natureza jurídica; 4.3. Depósito com pré-aviso; 4.3.1. Caracterização;
4.3.2. Natureza jurídica; 5. Notas finais.

1. INTRODUÇÃO

I. Quase todo o tráfego económico moderno passa pelo sistema ban-


cário. As movimentações de dinheiro, sob forma escritural, fazem-se conta
a conta. Um das principais forma de moderna riqueza, um dos principais
bens do património de um sujeito, são os créditos sobre os bancos: saldos
de contas à ordem ou créditos de depósitos a prazo.
Para participarem nesse tráfego, os sujeitos têm que celebrar com os
bancos um conjunto de contratos (tendo aqui um papel verdadeiramente
central, porque funda a relação com o banco, o de abertura de conta (1))
dentro dos quais assume especial relevância o de depósito bancário de
dinheiro.
Se historicamente a entrega de quantias pecuniárias aos bancos se
fazia para que eles as guardassem, hoje, mantendo-se ainda essa função,
o depósito (à ordem) em conta tem um significado mais amplo, o que
resulta em grande parte da vulgarização da circulação da moeda — moeda

(*)
Professor da Faculdade de Direito da Universidade do Porto.
(1)
Aspecto que será desenvolvido com mais detalhe infra, n.º 4.1.1.

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escritural — pelo sistema bancário. Numa sociedade que é cada vez mais
cashless (seguramente para as transacções de maior valor (2)), os pagamen-
tos das diversas transacções fazem-se recorrendo a transferências de moeda
escritural, através de diferentes figuras bancárias (p. ex., transferências
bancárias, cartões de débito, autorizações de débito, etc.), de conta para
conta (3). Contas que tem de estar para tal aprovisionadas. Através de
depósitos de dinheiro (integralmente, se se recorrer a uma concepção ampla
destes).
Mas não só. Na verdade, para além das funções acima vistas, e que
estão sobretudo ligadas aos depósitos à ordem, os depósitos bancários a
prazo (principalmente) são, para os depositantes, um importante meio
colocação de poupanças de baixo risco e, para as instituições de crédito,
um relevantíssimo meio de financiamento, a que recorrem para a conces-
são de crédito. Portanto: da realização da função de intermediação finan-
ceira, característica dos bancos, e que é fundamental para a concessão de
crédito aos diversos agentes económicos (em particular, nos países cujo
crédito seja essencialmente o bancário, tendo o recurso ao financiamento
junto do mercado de capitais um papel reduzido).
O depósito bancário (rectius: os diferentes depósitos bancários) tem
deste modo um papel central tanto no sistema bancário como na economia
em geral. O que justifica que este tema, que desde sempre tem merecido
a atenção da doutrina (4), sendo nessa medida um tema clássico (5), seja
agora revisitado.

(2)
Aquelas de valor diminuto continuam, pelo menos de momento, a realizar-se
com recurso a numerário, ou moeda legal. Estamos sempre a referir-nos a transacções
lícitas.
(3)
Ver E. P. ERLLINGER/E. LOMNICKA/R. J. A. HOOLEY, Erllinger’s modern banking
law, 4.ª ed., Oxford University Press, Oxford, 2006, pp. 202 ss.
(4)
Já no Direito romano, ver: ANTÓNIO DOS SANTOS JUSTO, “As acções do pretor
(actiones praetoriae)”, separata do vol. LXV, do Boletim da Faculdade de Direito da Uni-
versidade de Coimbra, Coimbra, 1989, p. 25; REINHARD ZIMMERMANN, The law of obliga-
tions, roman foundations of the civilian tradition, Juta & Co./Beck, Africa do Sul/ Munique,
1993, pp. 215 ss.
(5)
Objecto de análise em todas as obras de Direito bancário e tendo sido, ainda,
recentemente, entre nós, objecto de uma monografia bastante completa: PAULA PONCES
CAMANHO, Do contrato de depósito bancário, Almedina, Coimbra, 1998. Há ainda a
apontar o desenvolvido estudo de CARLOS LACERDA BARATA, “Contrato de depósito ban-
cário”, in: Estudos em homenagem ao Professor Doutor Inocêncio Galvão Telles, vol. II,
Direito bancário (organizado pelos Professores Doutores António Menezes Cordeiro, Luís
Menezes Leitão e Januário da Costa Gomes), Almedina, Coimbra, 2002, pp. 7 ss.

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II. Falamos não em contrato de depósito bancário, mas em contratos


de depósito, porque, como se verá melhor no decurso da exposição, eles
são diversos entre si (e muitas vezes nem sequer se reconduzem ao con-
trato de depósito, mesmo irregular, tal como está previsto na lei civil).
Visa-se a correcta caracterização destes contratos, a sua inserção na acti-
vidade dos bancos, determinando, por fim, a sua natureza. Esta última
tarefa é bastante exigente, postulando um conhecimento muito apurado do
regime, da estrutura e da sua função dos contratos. (6)

III. Para o efeito, seguiremos o seguinte percurso. Começaremos,


brevemente, por caracterizar e fixar os principais aspectos de regime do
contrato de depósito. Passamos, em seguida, a uma análise detalhada do
depósito irregular, a que muitas vezes os contratos de depósito bancário
(pelo menos alguns deles) são reconduzidos. Com esse pano de fundo,
poderemos, numa segunda parte, focar a nossa atenção nos contratos de
depósito bancário em si. Depois, analisaremos o depósito à ordem, os
depósitos a prazo e o depósito com pré-aviso. (7)

2. O DEPÓSITO EM GERAL

I. O depósito é um contrato real quod constitutionem, consensual,


bilateral imperfeito (ou sinalagmático, se for oneroso (8)), de prestação de
serviços, pelo qual uma das partes, o depositário, se obriga a guardar uma
coisa móvel ou imóvel que lhe é entregue para esse efeito pela outra (o
depositante). O contrato pode ser gratuito ou oneroso, presumindo-se
gratuito a não ser que tenha por objecto actos que o depositário pratique
por profissão, hipótese em que se presume oneroso (arts. 1186.º e 1158.º

(6)
Ver, sobre este ponto, entre nós, DIOGO LEITE DE CAMPOS, “Ensaio de análise
tipológica do contrato de locação financeira”, Boletim da Faculdade de Direito da Univer-
sidade de Coimbra, 1987, pp. 1-2. Ver ainda especificamente sobre o depósito bancário,
e ao relevo deste tipo de análise, ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO, Manual de direito bancá-
rio, 3.ª ed., Almedina, Coimbra, 2006, p. 482.
(7)
Uma ressalva final: os depósitos de que aqui curamos são só aqueles que se
integram (em maior ou menor grau, parcial ou integralmente) na actividade de intermedia-
ção financeira dos bancos, não os que se inserem, exclusivamente, na sua actividade de
prestação de serviços, como sucede, p. ex., com o depósito de uma quantia de dinheiro
para o banco proceder à sua administração.
(8)
Cfr. WOLFGANG FIKENTSCHER/ANDREAS HEINEMANN, Schuldrecht, 10.ª, de Gruyter,
Berlim, 2006, § 90 I, p. 645

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do Código Civil (9)). O depósito comercial é oneroso, salvo convenção


expressa em contrário (art. 404.º do Código Comercial).

II. A guarda da coisa constitui no depósito a prestação principal, ao


contrário de outros contratos, como, p. ex., o mandato e o comodato, em
que é uma prestação secundária e, noutros casos, um simples dever late-
ral (10). Entende-se por guarda a sua “conservação material”, ou seja,
manter a coisa “no estado em que foi recebida, defendendo-a dos perigos
de subtracção, destruição ou dano”. (11) As partes podem convencionar a
forma como se fará a guarda da coisa. O depositário, no entanto, poderá
afastar-se do acordado, “quando haja razões para supor que o deposi-
tante aprovaria as alterações, se conhecesse as circunstâncias que a fun-
damentam”. Nessa eventualidade, terá de o avisar logo que possível
(art. 1190.º).

III. O depositário não pode usar a coisa depositada, a não ser que o
depositante o tenha autorizado. Havendo essa autorização, e quando o
depósito seja gratuito, há aqui uma aproximação grande ao comodato em
que existe igualmente uma obrigação de guarda da coisa [art. 1135.º,
al. a)]. As figuras, no entanto, não se confundem.
Para além de, como se referiu, o dever de guarda constituir o elemento
marcante do depósito (sendo um dever principal de prestação), enquanto é
meramente secundário no comodato ou na locação (dever secundário), o uso
da coisa tem igualmente no caso do depósito um relevo de segunda linha
relativamente à guarda da coisa, sendo esse elemento que marca o contrato
e o interesse primeiro que este visa satisfazer; ao contrário do que sucede
no comodato ou na locação, em que o uso da coisa pelo comodatário ou
locatário passa para o primeiro plano, sendo nuclear no contrato.
Em segundo lugar, existem diferenças de regime relevantes. Com
efeito, enquanto o comodatário pode efectuar as deteriorações “inerentes
a uma prudente utilização” da coisa (arts. 1043.º, n.º 1, e 1137.º, n.º 3),

(9)
As normas doravante citadas sem outra indicação pertencem ao Código Civil.
(10)
Ver, desenvolvidamente, sobre este ponto JOSÉ CARLOS BRANDÃO PROENÇA, “Do
dever de guarda do depositário e de outros detentores precários: âmbito e função, critério
de apreciação da culpa e impossibilidade de restituição”, Direito e Justiça, tomo 2, 1994,
pp. 45 ss.; tomo 1, 1995, pp. 47 ss.
(11)
FIORENTINO, apud PIRES DE LIMA/ANTUNES VARELA, Código civil anotado,
vol. II, cit., p. 837.

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o depositário já não o poderá fazer, uma vez que incumpriria a obrigação


de guarda (12).

IV. Tendo sido fixado prazo, ele é a favor do depositante, o que sig-
nifica que este poderá exigir a restituição da coisa a qualquer momento
(mas se o depósito for oneroso terá que pagar a retribuição por inteiro,
salvo se tiver justa causa (13) — art. 1194.º), embora o depositário só a
possa restituir decorrido o prazo. Não tendo sido fixado o prazo, a obri-
gação de restituição da coisa é pura, podendo o depositário restitui-la a
todo o tempo (art. 1201.º) e tendo de o fazer quando o depositante,
interpelando-o, o exigir.

V. Como se referiu, a obrigação de guarda do depositário é marcante


deste contrato, constituindo o dever principal de prestação. Para além dela,
como acabámos de ver, integra a relação obrigacional o dever de restituir
a coisa (14) com os seus frutos, assim como o dever de avisar imediata-
mente o depositante quando saiba que algum perigo a ameaça ou que um
terceiro se arroga direitos em relação a ela, desde que o facto seja desco-
nhecido da outra parte [art. 1187.º, als. b) e c)].
Sobre depositante recai dever de pagar a retribuição, sempre o depó-
sito for oneroso, hipótese em que o contrato é sinalagmático, integrando-se
este dever no sinalagma, onde se articula com o dever de guarda (por parte
do depositante) (15) (16).
A ele juntam-se dois deveres eventuais: o de reembolsar o depositário
das despesas que este “fundadamente tenha considerado indispensáveis”
para a conservação da coisa, com juros legais desde que foram efectuadas

(12)
Assim, LUÍS MENEZES LEITÃO, Direito das obrigações, vol. III, Contratos em
especial, 6.ª ed., Almedina, Coimbra, 2009, p. 490.
(13)
Trata-se aqui de uma resolução com justa causa, ver PEDRO ROMANO MARTINEZ,
Da cessação do contrato, 2.ª ed., Almedina, Coimbra, 2006, p. 548.
(14)
A obrigação de restituir no depósito aproxima-se daquela que se verifica na
locação, no comodato, no transporte e no penhor. Ver, para a análise destas obrigações de
restituição e sua distinção das obrigações que tenham por objecto prestações principais de
coisa, PEDRO MÚRIAS/MARIA DE LURDES PEREIRA, “Prestações de coisa: transferência de
risco e obrigações de reddere”, in: Cadernos de Direito Privado, Julho/Setembro, 2008,
pp. 11 ss.
(15)
Cfr. JORGE RIBEIRO DE FARIA, Direito das obrigações, vol. I, Almedina, Coimbra,
1990, p. 247.
10 — RFDUP

(16)
W. FIKENTSCHER/A. HEINEMANN, Schuldrecht, cit., § 90 I, p. 645.

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[art. 1199.º, al. b)], bem como a indemnizá-lo do prejuízo sofrido em


consequência do depósito, a não ser que o depositante tenha procedido
sem culpa [art. 1199.º, al. c)].
Para garantia dos seus créditos à retribuição, às despesas e à indem-
nização, o depositário goza de um direito de retenção sobre a coisa depo-
sitada [art. 755.º, n.º 1, al. e)].

VI. O depósito pode ser realizado também no interesse de terceiro (17).


Nessa eventualidade, se o terceiro tiver comunicado ao depositário a sua
adesão, o depositário só se exonera restituindo a coisa ao depositante com
o consentimento daquele (art. 1193.º). Não se trata de um contrato a favor
de terceiro. Para tal seria necessário que resultasse do contrato a atribui-
ção ao terceiro do direito à restituição, que teria, pois, que lhe ser feita a
ele. Não é o que sucede no caso previsto na lei.
Tal não obsta, no entanto, a que as partes celebrem um verdadeiro
contrato a favor de terceiro, nos termos gerais (art. 443.º), do qual decorra
para o para este último o direito à entrega da coisa (18). A adesão, nesta
hipótese, teria que se fazer face ao depositante e ao depositário (art. 447.º,
n.º 2).

3. O DEPÓSITO IRREGULAR

I. A lei trata o depósito irregular (19) como uma modalidade de depó-


sito que tem por objecto coisas fungíveis (art. 1205.º), sendo o seu regime

(17)
Sobre este, ver JOÃO TIAGO MORAIS ANTUNES, Do contrato de depósito escrow,
Almedina, Coimbra, 2007, pp. 72 ss.
(18)
Ver PIRES DE LIMA/ANTUNES VARELA, Código civil anotado, vol. II, cit., p. 847.
(19)
Quanto a este, ver: PIRES DE LIMA/ANTUNES VARELA, Código civil anotado,
vol. II, cit., p. 859; A. MENEZES CORDEIRO, Manual de direito bancário, cit., pp. 475 ss.;
PAULA PONCES CAMANHO, Do contrato de depósito bancário, Almedina, Coimbra, 1998,
pp. 179 ss.; C. LACERDA BARATA, “Contrato de depósito bancário”, cit., pp. 41 ss.; ARTURO
DALMARTELLO/GIUSEPPE B. PORTALE, “Deposito (diritto vigente)”, in: Enciclopedia del
Diritto, XII, pp. 269 ss.; ERNESTO SIMONETTO, “Deposito irregulare”, in: Digesto delle
discipline privatistische, sezione civile, V, pp. 279 ss.; DIETER MEDICUS, Schuldrecht II,
Besonderer Teil, 12.ª ed., C.H. Beck, Munique, 2004, § 107, p. 218; HANS BROX/WOLF-DIE-
TRICH W ALKER , Besonderes Schuldrecht, 29.ª ed., C.H. Beck, Munique, 2004, § 30,
pp. 342-343; W. FIKENTSCHER/A. HEINEMANN, Schuldrecht, cit., § 90 III, p. 646.

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determinado, por força da remissão do art. 1206.º, “na medida do possível”


pelas regras do mútuo. Vejamos.
Aplicam-se ao depósito (de dinheiro), desde logo, as normas relativas
à forma (art. 1143.º — mas, sendo um deposito bancário, a remissão é
para as disposições do mútuo bancário), as relativas à transferência da
propriedade (art. 1144.º) e ao risco (art. 796.º) (20).
Não podem ser aplicadas as disposições do mútuo relativas ao bene-
fício do prazo (art. 1147.º), que no depósito é sempre a favor do credor,
bem como a presunção de onerosidade (art. 1145.º, n.º 1).

II. Coloca-se questão de saber qual a verdadeira natureza jurídica do


depósito irregular: se se trata ainda de um depósito — um subtipo do
depósito (21) —, se é antes um contrato de mútuo (22), ou, mesmo, um con-
trato misto de depósito e de mútuo (23) (24) (25) (26).

(20)
PIRES DE LIMA/ANTUNES VARELA (Código civil anotado, vol. II, cit., p. 862;
posição a que adere A. MENEZES CORDEIRO, Manual de direito bancário, cit., p. 476)
sustentam a aplicação do art. 1148.º, n.º 1, uma vez que este, com o prazo de 30 dias, teria
sido fixado em atenção ao carácter fungível dos bens. Não cremos que seja assim.
O depósito irregular, como se verá já de seguida em texto, distingue-se do mútuo pela
permanente disponibilidade dos bens, mesmo quando tenha sido fixado prazo, uma vez que
este é a favor do depositante. Não faria sentido conceder este prazo de trinta dias ao
depositário quando não tenha sido fixado prazo. A norma faz sentido no mútuo, onde é
essencial a existência de uma dilação temporal, mesmo que reduzida, a favor do mutuário,
mas já não, pelo motivo apontado, no depósito irregular.
(21)
Neste sentido, C. LACERDA BARATA, “Contrato de depósito bancário”, cit.,
pp. 41 ss., p. 46; E. SIMONETTO, “Deposito irregulare”, cit., p. 281.
(22)
Neste sentido: JOSÉ DIAS MARQUES, Noções elementares de direito civil (com a
colaboração de Paulo Almeida), Lisboa, 1992, p. 262; JOÃO DE CASTRO MENDES, Teoria
geral do direito civil, vol. I, AAFDL, Lisboa, 1978, p. 409; HEINRICH E. HÖRSTER, A parte
geral do código civil português, Almedina, Coimbra, 1992, p. 186.
(23)
A. MENEZES CORDEIRO, Manual de direito bancário, cit., p. 477.
(24)
Sustentando estarmos perante um “negócio especial”, que não é nem mútuo nem
depósito, ADRIANO VAZ SERRA, “Anotação ao acórdão do STJ de 17-3-1961”, Revista de
legislação e de jurisprudência, ano 94.º, p. 380, em nota.
(25)
Os Autores do projecto do Código sabiam da divergência doutrinal e escolheram,
e bem, não tomar partido, limitando-se a fixar o regime do contrato. Ver I. GALVÃO TEL-
LES, “Contratos civis, exposição de motivos”, Revista da Faculdade de Direito da Univer-
sidade de Lisboa, 1953, p. 215.
(26)
A questão era já debatida em Roma. Como refere A. SANTOS JUSTO [“As acções
do pretor (actiones praetoriae)”, cit., p. 25]: “o depósito de res fungíveis — dito depositum
irregulare ou bancário —, considerado pela doutrina clássica um mútuo e por Justiniano
um verdadeiro depósito.”

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Obsta-se à qualificação do depósito irregular como um subtipo de


depósito, marcado pelas especificidades das coisas seu objecto, porque não
existe aquele que é o dever marcante do contrato de depósito: o dever de
guarda (27) (28). Efectivamente, no depósito irregular as coisas tornam-se
propriedade do depositário que tem, tão só, que restituir outras tantas do
mesmo género, podendo pois livremente dispor daquelas que o depositante
lhe tenha entregado, ou, mesmo que conte restituir essas coisas, ter que o
fazer com outras se as primeiras perecerem ou se deteriorarem.
Esta crítica parece em grande parte correcta. O dever de guarda com
a configuração que tem no depósito (regular) não existe no depósito irre-
gular. As coisas depositadas passam a ser do depositário. A obrigação
deste é genérica, tendo meramente que restituir coisas do mesmo género
e quantidade. Não se pode pois falar num dever de conservação material
das coisas depositadas, com o conteúdo que tem no depósito regular.
Contudo, desta forma, embora sem recurso ao dever de guarda tal
qual ele existe do depósito regular, obtém-se igualmente a custódia, porque
o credor não está interessado na restituição daqueles bens específicos, que
deposita, mas de bens do mesmo género e quantidade. Desinteressa-se do
destino dos primeiros, porque, sendo fungíveis, vê sempre assegurada a
restituição de outros do mesmo género e quantidade (e que estão na per-
manente disponibilidade do depositante: quer a obrigação de restituição
seja a prazo, quer seja pura).
Existe mesmo uma transferência do risco de perda ou de deterioração
das coisas depositadas, uma vez que mesmo que aquelas entregues tenham
perecido ou se tenham deteriorado por facto não imputável ao depositário,
este terá sempre, por força do disposto no art. 540.º, que entregar outras
do mesmo género, (29) ao contrário do que se verifica no depósito regular
em que tendo perecido as coisas entregues, pertencentes ao depositante,
por facto não imputável ao depositário, extingue-se a obrigação de resti-

(27)
Cfr. A. MENEZES CORDEIRO, Manual de direito bancário, cit., p. 476.
(28)
CARLOS FERREIRA DE ALMEIDA (Contratos II, conteúdo, contratos de troca,
Almedina, Coimbra, 2009, p. 159) sustenta que o depósito “não prescinde, em nenhum das
suas modalidades de um elemento de guarda que só é compatível com as coisas corpóreas”.
Razão pela qual entende que sempre que se trate de moeda escritural, faltando a natureza
corpórea, não estariam preenchidos os requisitos da obrigação de guarda.
Como se verá pela exposição que se faz de seguida em texto, não podemos acom-
panhar este Autor.
(29)
A. DALMARTELLO/G. B. PORTALE, “Deposito (diritto vigente)”, cit., p. 270.

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tuição. O que significa que o interesse do depositante em re-obter as


coisas depositadas (aquelas ou outras, uma vez que são fungíveis) é tute-
lado de uma forma mais extensa do que no depósito regular.
Por essa razão, ainda que por outra via, o depósito irregular insere-se
na categoria mais ampla, onde se inclui igualmente o depósito regular, dos
contratos de custódia. O que permite aplicar aqui algumas disposições do
depósito (regular) que não digam respeito ao dever de guarda, tal como
ele é configurado nesse contrato, mas com a função de custódia (30).
Assim, o art. 1194.º relativo ao benefício do prazo da obrigação de resti-
tuição — a favor do credor.
Decorre ainda do exposto que não se adere à tese que sustenta tra-
tar-se de um verdadeiro contrato de mútuo. Estruturalmente, tal como no
mútuo, há a transmissão dos bens à outra parte que fica obrigada a restituir
não esses bens, mas outros do mesmo género, qualidade e quantidade.
Todavia, enquanto no depósito, mesmo no irregular, há uma perma-
nente disponibilidade da coisa por parte do depositante, o mesmo não
sucede no mútuo relativamente ao mutuante. Pelo contrário, como contrato
de crédito, a existência de uma dilação temporal a favor da contraparte
deste último é essencial (31).
Repare-se que, no mútuo gratuito sem estipulação de prazo, a obriga-
ção de restituição do mutuário só se vence trinta dias depois da exigência
do seu cumprimento. E se o mútuo for oneroso, embora qualquer das
partes lhe possa por termo, tem de o denunciar com uma antecedência
mínima de trinta dias (n.os 1 e 2 do art. 1148.º).
Ainda, o interesse prevalecente no depósito é o do depositante,
enquanto no mútuo é o do mutuário (32).
Acresce que o mútuo desempenha uma função de crédito, o depósito
irregular a de custódia. (33)
Também não nos parece que deve proceder, em princípio, a qualifi-
cação do depósito irregular como um contrato misto com elementos de

(30)
Cfr. PAULA PONCES CAMANHO, Do contrato de depósito bancário, cit., p. 180.
(31)
Ver JOSÉ SIMÕES PATRÍCIO, Direito do crédito. Introdução, Lex, Lisboa, 1994,
pp. 55 ss.
(32)
C. LACERDA BARATA, “Contrato de depósito bancário”, cit., p. 45; D. MEDICUS,
Schuldrecht II, Besonderer Teil, cit., § 107, p. 218; MICHELE FRAGALI, Del mutuo, in: Com-
mentario del Codice Civile (a cura do Antonio Scialoja e Giuseppe Branca), Libro quarto, Delle
obbligazioni, art. 1754-1860, Zanichelle Editore/Foro italiano, Bolonha/Roma, 1953, p. 332.
(33)
M. FRAGALI, Del mutuo, cit., p. 329.

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depósito e de mútuo. O contrato é estruturalmente composto por elemen-


tos do mútuo por força da remissão do art. 1206.º, tendo em conta o seu
objecto. Mas, como se acabou de destacar, a função de ambos os contra-
tos é bem diversa.
Além disso, o depositário não poderá dispor da coisa depositada, ou
só o poderá fazer de uma forma muito limitada. De facto, essa disposição
conflitua com a permanente disponibilidade que o depositante tem sobre
ela, dado que a pode exigir, e na totalidade, a qualquer momento. Ora se
o depositário dispuser da coisa, (34) ele não estará em posição de cumprir
o seu dever de restituir.
Para além disso, o depositário não pode retirar quaisquer utilidades
do bem que está obrigado a guardar. Estas pertencem ao depositante,
mesmo não sendo o seu proprietário (juridicamente; poderá falar-se numa
“propriedade económica” do depositante, mas tal tem somente o valor de
uma imagem com que se procura exprimir a realidade jurídica).

III. Se o depositário retribuir o depósito através do pagamento de


juros, há uma alteração mais intensa na constelação de interesses. Não é
só o depositante que tem interesse na guarda (já vimos que de forma
diversa da do depósito regular, sem que exista este dever específico) e
disponibilidade permanente da totalidade da quantia, mas é igualmente o
depositário que tem interesse em poder dispor da mesma, embora sem ser
durante um determinado período de tempo (o que nos permitira qualificar
este contrato como mútuo, o que não é, como se viu, o caso).
Saímos aqui do âmbito do depósito irregular (35).
Efectivamente, no depósito irregular oneroso o pagamento é realizado
pelo depositante ao depositário exactamente como contrapartida do serviço
prestado (36).

(34)
Salvo os casos do comércio bancário, e mesmo aí com limites, como se verá
infra, n.º 4.1.
(35)
Noutro sentido, entendendo que não saímos do campo do depósito irregular:
PIRES DE LIMA/ANTUNES VARELA, Código civil anotado, vol. II, cit., p. 862. Acrescente-se
que, o contrário do que sustentam os ilustres Autores (ob. cit., ibidem), não se trata de uma
“possibilidade mais teórica do que real”. É mesmo muito comum, como se verifica no
depósito bancário à ordem. Mas este, conforme se verá, infra, n.º 4, não é um (puro)
depósito irregular.
(36)
Como foi anteriormente observado, a permanente disponibilidade das coisas por
parte do depositante implica que o depositário tenha sempre de ter na sua disponibilidade
coisas do mesmo género e quantidade para poder, a qualquer momento, satisfazer o pedido

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Contudo, se for o depositário que paga ao depositante uma remune-


ração pela disponibilidade das coisas, altera-se a equação económica.
Embora o contrato desempenhe, nos termos acima apontados, uma função
de custódia, ao mesmo tempo permite ao depositário a disposição dessas
coisas, no interesse e por conta deste, sendo-lhe transmitida para esse efeito
a propriedade delas (37). Daí a remuneração. Ora, estes são elementos de
mútuo oneroso.
Nesse aspecto, cremos que se poderá afirmar a existência de elemen-
tos de mútuo oneroso (38) e estaremos, então, face a um contrato misto de
depósito irregular e mútuo oneroso (39).

IV. Em qualquer caso, o depósito irregular de dinheiro é constituído


por uma estrutura fiduciária (40), embora o risco daí decorrente para o
depositante/fiduciante seja, atendendo ao seu objecto, mais diminuto do
que no conjunto dos negócios fiduciários. Vejamos então em que medida
este contrato se aproxima dos negócios fiduciários.
Como elementos de confluência, temos a estrutura adoptada e a pró-
pria finalidade, que permite incluir este contrato no seio da fiducia cum
amico. (41)
Contudo, o depósito irregular diverge já da categoria dos negócios
fiduciários nos seguintes aspectos.
Como se frisou, a natureza do bem e os meios de tutela executiva per-
mitem afastar o risco fiduciário traduzido na recusa de restituição da quantia,
transmissão desta a terceiro e sua penhora em acção executiva interposta pelos
credores do depositário. Enquanto o depositário tiver património, será sempre
possível, por essa via, ao depositante recuperar o dinheiro depositado.

de reembolso (tratando-se de dinheiro terá sempre que ter a totalidade da quantia no seu
património, ou a possibilidade de a obter a todo o momento, para a qualquer altura a poder
entregar ao depositante).
(37)
Esta dupla disponibilidade só é possível, adiante-se já, dadas as particularidades
do comércio bancário. Não fosse assim, seria muito difícil ao depositante dispor das
coisas e ao mesmo tempo poder restitui-las a qualquer momento do depositante.
(38)
Mas não só de mútuo, pelas razões antes expostas.
(39)
Este aspecto será desenvolvido, infra, n.º 4, a propósito do depósito bancário de
dinheiro.
(40)
Sublinhando este aspecto, E. SIMONETTO, “Deposito irregulare”, cit., p. 290.
(41)
Sobre a fiducia cum amico, ver L. MIGUEL PESTANA DE VASCONCELOS, A cessão
de créditos em garantia e a insolvência, Em particular da posição do cessionário na
insolvência do cedente, Coimbra Editora, Coimbra, 2007, pp. 48 ss.

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152 L. Miguel Pestana de Vasconcelos

O mesmo não sucede já na insolvência do depositário dada a normal


insuficiência dos bens que integram a massa para satisfazerem (por inteiro)
o conjunto dos credores do insolvente. Este risco, decorrente da estrutura
adoptada, com a transmissão dos bens ao depositário (sendo substituídos
no património do depositante pelo crédito à sua restituição), é um dos mais
relevantes aspectos que compõem o risco fiduciário e o depositante, em
princípio (42), não tem meio de o evitar. Só no caso de o depositário não
ter disposto das coisas e as tenha separadas do seu restante património se
poderá aplicar o art. 1184.º

4. O DEPÓSITO BANCÁRIO

I. Quando o depósito é realizado junto de um banco, estamos perante


um depósito bancário (43). O depósito pode ter por objecto dinheiro, que

(42)
Ver M. PESTANA DE VASCONCELOS, A cessão de créditos em garantia e a insol-
vência. Em particular da posição do cessionário na insolvência do cedente, cit., pp. 237
ss., nota 512.
(43)
Quanto ao depósito bancário, ver: JOSÉ GABRIEL PINTO COELHO, “Operações de
banco”, Revista de Legislação e de Jurisprudência, ano 81.º, pp. 19 ss.; JOÃO ANTUNES
VARELA, “Depósito bancário”, Revista da Banca, 1992, pp. 43 ss; VASCO LOBO XAVIER/
MARIA ÂNGELA COELHO BENTO SOARES, “Depósito bancário a prazo. Levantamento ante-
cipado por um contitular”, Revista de Direito e Economia, 1988, pp. 289 ss:, A. MENEZES
CORDEIRO, Manual de direito bancário, cit., pp. 477 ss.; J. CALVÃO DA SILVA, Direito
bancário, cit., pp. 346 ss.; JOSÉ ENGRÁCIA ANTUNES, Direito dos contratos comerciais,
Coimbra, 2009, pp. 492 ss.; C. FERREIRA DE ALMEIDA, Contratos II, conteúdo, contratos
de troca, cit., pp. 158 ss.; C. LACERDA BARATA, “Contrato de depósito bancário”, cit.,
pp. 47 ss.; PAULA PONCES CAMANHO, Do contrato de depósito bancário, cit., pp. 69 ss.;
AUGUSTO DE ATHAÍDE/LUÍS BRANCO, “Operações bancárias”, in: Direito das empresas
(organizado por Diogo Leite de Campos), INA, Lisboa, 1990, pp. 320 ss.; JOSÉ SIMÕES
PATRÍCIO, A operação bancária de depósito, Elcla, Porto, 1994; PAULO OLAVO CUNHA,
Cheque e convenção de cheque, Almedina, UCP, Coimbra, 2009, pp. 402 ss.; idem, Lições
de direito comercial, Almedina, Coimbra, 2011, p. 227; JOSÉ MARIA PIRES, Elucidário de
direito bancário, Coimbra Editora, Coimbra, 2002, pp. 527 ss.; ANTÓNIO PEDRO A. FER-
REIRA, Direito bancário, Quid Juris, Lisboa, 2005, pp. 599 ss.; GIUSEPPE FERRI,” Deposito
bancário”, in: Enciclopedia del Diritto, vol. XLI, pp. 278 ss.; LINO GUGLIELMUCCI, “Depo-
sito bancário”, in: Digesto delle discipline privatistische, sezione commerciale, IV, pp. 255
ss.; GIACOMO MOLLE, “I contratti bancari”, 4.ª ed., in: Trattato di diritto civile e commer-
ciale (de Antonio Cicu, Francesco Messineo e Luigi Mengoni), vol. XXXV, t. 1, Giuffrè,
Milão, 1981, pp. 97 ss.; GIACOMO MOLLE/LUIGI DESIDERIO, Manuale di diritto bancário e
dell'intermediazione finanziaria, 7.ª ed., Giuffrè, Milão, 2005, pp. 163 ss., FRANCESCO
GIORGIANNI/CARLO-MARIA TARDIVO, Manuale di diritto bancario, Giuffrè, Milão, 2005,

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Dos contratos de depósito bancário 153

passa a ser propriedade do banco (44), ou outros bens de valor. No primeiro


caso, trata-se de um depósito pecuniário, no segundo, podemos distinguir
diversas figuras como o depósito de títulos, depósito de valores em
cofres-fortes e o depósito cerrado (45).

II. Interessa-nos só o depósito pecuniário (simples) (46).


Comece por se dizer que depósito bancário se encontra previsto no
Código Comercial. Com efeito, dispõe o art. 407.º que “os depósitos
feitos em bancos ou em sociedades reger-se-ão pelos respectivos estatutos
em tudo o que não se ache prevenido neste capítulo e mais disposições
aplicáveis.” (47).

pp. 227 ss.; CHRISTIAN GALVADA/JEAN STOUFFLET Droit bancaire, instituitions — comptes
— opérations — services, 5.ª ed., Litec, Paris, 2002, pp. 167 ss.; JEAN-LOUIS RIVES-LANGE/
/MONIQUE CONTAMINE-RAYNAUD, Droit bancarire, Dalloz, Paris, 1995, pp. 267 ss.; WOLF-
GANG GÖßMANN, “Einlagengeschäft”, in: H. SCHIMANSKY/H.-J. BUNTE/H.-J. LWOWSKY,
Bankrechts-Handbuch, Band II, C. H. Beck, Munique, 1997, p. 1463 ss.; HANS-PETER
SCHWINTOWSKI/FRANK SCHÄFER, Bankrecht. Commercial Banking-Investment Banking,
2.ª ed., Carl Heymanns, Colónia, Berlim, Bona, Munique, 2004, pp. 91 ss.; SIEGFRIED
KÜMPEL, Bank— und Kapitalmarktrecht, Otto Schmidt, Colónia, 2004, pp. 314 ss.; JOSE
LUIS GARCIA-PITA Y LASTRES, “El deposito bancario de efectivo”, in: Contratos bancarios y
para bancarios (dirigido por Ubaldo Nieto Carol), Lex Nova, Valladolid, 1998, pp. 891 ss.
(44)
Na maior parte das vezes o depósito terá por objecto moeda escritural e, por-
tanto, não há em rigor transmissão da propriedade de coisas corpóreas, como as notas.
(45)
Sobre estes, ver PAULA PONCES CAMANHO, Do contrato de depósito bancário,
cit., pp. 71 ss.
(46)
Não aqueles, resultantes da inovação financeira, que juntam aos depósitos ele-
mentos de risco que os afastam desta qualificação, sendo, antes, produtos financeiros
complexos (ver, para a noção, art. 2.º do Dec-Lei n.º 211-A/2008, de 3-1). Estes consistem
em instrumentos que, assumindo a “forma jurídica de um instrumento jurídico pré-existente,
têm características que não são directamente identificáveis com as desse instrumento em
virtude de terem associados outros instrumentos de cuja evolução depende, total ou par-
cialmente, a sua rendibilidade…”
É o que sucede com os depósitos indexados e depósitos duais, regulados pelo Aviso
do Banco de Portugal n.º 5/2009 (que estabelece deveres de informação a observar pelas
instituições de crédito).
(47)
As disposições do depósito mercantil não têm aplicação a este contrato, pelo
seguinte. Em primeiro lugar, porque a lei comercial o autonomiza no art. 407.º (J. G.
PINTO COELHO, “Operações de banco”, cit., p. 146), depois porque as disposições deste
contrato não se adequam ao depósito bancário. Com efeito, não há neste contrato “per-
missão expressa do depositante para o depositário se servir da cousa, já para si ou seus
negócios…”. Ela não é aqui necessária, uma vez que a propriedade do dinheiro passa para
o depositário, que naturalmente a utilizará para os seus negócios. Cfr., C. LACERDA

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154 L. Miguel Pestana de Vasconcelos

Porém, como se vê, esta disposição pouco adianta relativamente à


caracterização do contrato: esta será aquela que da lei (bancária, como se
verá já de seguida), das cláusulas contratuais gerais (48) a que os bancos
recorrem (trata-se de uma contratação em massa) e dos usos bancários (49)
decorrer (50).

III. A este propósito podemos fazer as seguinte distinções: uma noção


muito ampla (i), uma intermédia (ii) e uma última, bastante restrita (iii) (51).

(i) O depósito abrange quaisquer entregas de moeda legal ou escritu-


ral, que são inscritas numa conta, sendo realizadas quer por um seu titular
quer por terceiros. Trata-se daquela que é em geral usada pelos econo-
mistas (52), e que se encontra no art. 155.º, n.º 3, do RGICSF, relativo ao
Fundo de Garantia de Depósitos (53) (54), assim como pelo art. 2.º da

BARATA, “Contrato de depósito bancário”, cit., p. 21. Acresce que muitas vezes não haverá
qualquer remuneração ao depositário pelo depósito.
(48)
Há aqui um fenómeno de tipicidade social. Para efeitos da análise realizada em
texto, recorremos a alguns modelos contratuais, verdadeiros contratos a celebrar por adesão,
de alguns bancos nacionais. Efectivamente, é daqui que se tem que partir para, articulando
com o regime legal, caracterizarmos e qualificarmos este, ou estes, contrato(s) de depó-
sito.
(49)
É neste sentido que a doutrina entende “estatutos” — cfr. V. LOBO XAVIER/M.ª
ÂNGELA BENTO SOARES, “Depósito bancário a prazo. Levantamento antecipado por um
contitular”, cit., p. 301.
(50)
Em Itália, pelo contrário, o depósito bancário aparece regulado no Codice Civile
no seio dos contratos bancários, (arts. 1834 e segs.), sendo assim um negócio legalmente
típico.
(51)
Distinguindo igualmente um conceito de depósito para efeitos da KWG (Kredi-
twesengesetz) da noção civilística e, por fim, da prática bancária, H.-P. SCHWINTOWSKI/F.
SCHÄFER, Bankrecht. Commercial Banking-Investment Banking, cit., p. 94.
(52)
Cfr. J.-L. RIVES-LANGE/M. CONTAMINE-RAYNAUD, Droit bancarire, cit., p. 268;
J. L. GARCIA-PITA Y LASTRES, “El deposito bancario de efectivo”, cit., p. 910.
(53)
Nos termos do qual “entende-se por depósito os saldos credores que, nas con-
dições legais e contratuais aplicáveis, devam ser restituídos pela instituição de crédito e
consistam em disponibilidades monetárias existentes numa conta ou que resultem de situa-
ções transitórias decorrentes de operações bancárias normais.”; assim como no art. 4.º do
Regulamento do Fundo de Garantia de Depósitos (Portaria n.º 285-B/95, de 19-9).
(54)
E a que recorre igualmente na doutrina FERNANDO CONCEIÇÃO NUNES, “Depósito
e conta”, in: Estudos em homenagem ao Professor Doutor Inocêncio Galvão Telles, vol. II,
Direito bancário (organizado pelos Professores Doutores António Menezes Cordeiro, Luís
Menezes Leitão e Januário da Costa Gomes), Almedina, Coimbra, 2002, pp. 75-76. De
forma próxima, também, PAULO OLAVO CUNHA, Lições de direito comercial, cit., p. 227,

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Dos contratos de depósito bancário 155

RGICSF (55). Neste últimos casos, a sua amplitude justifica-se pela teleo-
logia de ambas as disposições.
Esta concepção alargada do depósito (além de ter, principalmente, em
vista os depósitos à ordem) abrange no seu seio quaisquer entregas de
fundos (realizada pelo cliente/titular da conta, por terceiros ou o próprio
banco, tendo subjacentes as mais diversas figuras — os denominados
“contratos de recepção de depósitos” (56) —, como sucede com a inscrição
em conta de um empréstimo, de um desconto de uma letra, etc.) (57) que
venham a ser creditadas numa conta (numerário ou moeda escritural (58)).
O depósito aqui traduz-se numa entrega (ou transferência) de fundos
para uma conta (por isso denominada conta depósito à ordem (59)), inde-
pendentemente de quem a realize e do acto a que se recorre para o efeito
(entrega de numerário, transferência (60), cheque).

notas 399 e 400. Parecem igualmente subscrever esta posição, AUGUSTO DE ATHAYDE/
/A. ALBUQUERQUE ATHAYDE/DUARTE DE ATHAYDE, Curso de direito bancário, vol. I, 2.ª ed.,
Coimbra Editora, Coimbra, 2009, pp. 151.
(55)
Os depósitos a que alude esta disposição são, na expressão de F. CONCEIÇÃO
NUNES [“Recepção de depósitos e outros fundos reembolsáveis”, in: Direito bancário, Actas
do Congresso comemorativo do 150.º aniversário do Banco de Portugal (22-25 de Outubro
de 1996), Revista da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, Coimbra Editora,
Coimbra, 1997, p. 63], “depósitos-fundos”, ou seja, “disponibilidades monetárias cuja
recepção origina a constituição de um dever de restituir a cargo da instituição de crédito
receptora, expresso pelo saldo credor de uma conta aberta mediante contrato celebrado com
o cliente”.
(56)
F. CONCEIÇÃO NUNES, “Depósito e conta”, cit., p. 76. Numa perspectiva seme-
lhante, C. GALVADA/J. STOUFFLET, Droit bancaire, cit., p. 167.
(57)
Para F. CONCEIÇÃO NUNES (“Depósito e conta”, cit., p. 75), na linha apontada,
“o depósito caracteriza-se por o crédito à restituição dos fundos ser reapresentado pelo
saldo credor de uma conta aberta junto de uma instituição de crédito receptora.”
(58)
Resultante, p. ex., de uma transferência de uma conta noutro banco. Cfr. MARIA
RAQUEL GUIMARÃES, As transferências electrónicas de fundos e os cartões de débito,
Almedina, Coimbra, 1999, p. 40; C. LACERDA BARATA, “Contrato de depósito bancário”,
cit., p. 48, nota 135.
(59)
Como o fazem a generalidade dos contratos de abertura de conta que consultá-
mos.
(60)
A lei define transferência como “a operação efectuada por iniciativa de um
ordenante, operada através de uma instituição e destinada a colocar quantias em dinheiro
à disposição de um beneficiário, podendo a mesma pessoa reunir as qualidades de ordenante
e de beneficiário [art. 3.º, al. a), do Dec.-Lei 18/2007, de 22-1]. A transferência pode ser
entre contas no mesmo banco (interna ou intrabancária), entre contas de bancos nacionais
diferentes (transferência interbancária nacional), ou entre bancos em Estados diferentes
(transferência interbancária internacional). Ver, sobre ela: BEATRIZ SEGROBE, “A transfe-

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156 L. Miguel Pestana de Vasconcelos

A restituição, neste caso, também mais não é do que o débito da


conta, que se pode fazer através de um conjunto também bastante diverso
de operações realizadas pelo depositante, podendo os fundos tê-lo como
destinatário (p. ex., transferência para uma conta a prazo de que seja titu-
lar, ou levantamento de numerário) ou ser entregues a um terceiro por
determinação sua (p. ex., transferência bancária para terceiro) (61).
Esta noção tem grande relevância, tanto por se encontra espelhada
em relevantes disposições legais — e cuja amplitude se explica pela
teleologia dessas normas —, como por traduzir a “realidade económica,
contabilística e psicológica” (62). Todavia, dada a sua extensão, perde na
mesma medida em precisão analítica. Por isso, torna necessário para
cada operação de entrega de fundos determinar o acto a que se recorre
para o efeito.

(ii) Duma forma mais limitada, o depósito bancário pode compreender


simplesmente entrega ao banco por um cliente de uma quantia em moeda
legal (numerário) ou — como será até a regra — escritural, cujo valor é
inscrito a crédito numa conta de que é titular, obrigando-se a instituição
de crédito a restituir, mediante solicitação, nos termos negocialmente fixa-
dos, essa quantia (63). A entrega faz-se aqui por acto do depositante,
recorrendo-se para o efeito a um conjunto de figuras diversas, à seme-
lhança do que se viu acima.

(iii) No sentido mais restrito de todos, pode limitar-se o depósito à


entrega de numerário, excluindo a moeda escritural. A transferência de
uma conta para a outra está afastada. O depósito de numerário (e de
cheque, o que implica mesmo, neste caso, a circulação de moeda escritu-

rência bancária, a moeda escritural e a figura da delegação”, Revista da Banca, 2001,


pp. 79 ss.; CATARINA GENTIL ANASTÁCIO, A transferência bancária, Almedina, Coimbra,
2004; CARSTEN PETER CLAUSSEN, Bank— und Börsenrecht, 3.ª ed., C. H. Beck, Munique,
2003, pp. 188 ss.
(61)
Que será o desenvolvimento mais comum. Nessa medida, a restituição ao titu-
lar da conta apresenta, muitas vezes, um carácter residual (pelo menos, no que diz respeito
aos valores).
(62)
J.-L. RIVES-LANGE/M. CONTAMINE-RAYNAUD, Droit bancarire, cit., p. 268.
(63)
Em geral, no último sentido referido, ver: AUGUSTO DE ATHAÍDE/LUÍS BRANCO,
“Operações bancárias”, cit., p. 320; ANTÓNIO PEDRO A. FERREIRA, Direito bancário, cit.,
p. 599.

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Dos contratos de depósito bancário 157

ral) (64), sendo contraposto, como forma de movimentar a conta a crédito,


às transferências bancárias. Historicamente, consiste na primeira modali-
dade do contrato. (65)

IV. Como estamos no âmbito da liberdade contratual, a conformação


do negócio (do prisma do tipo contratual que se retira da contratação ban-
cária (66)) em cada caso resultará das cláusulas contratuais gerais elaboradas
pelos bancos em articulação com a lei que rege este contratos (67).
E daí podemos retirar o seguinte.
A questão coloca-se, embora nem sempre se faça esta restrição, para
os depósitos à ordem. No que diz respeito aos depósitos a prazo, a sua

(64)
A distinção entre o depósito de numerário e cheque e as transferências bancárias
tem base na lei. Com efeito, o Dec.-Lei 18/2007, de 22-1, que estabelece a data valor de
qualquer movimento de depósitos à ordem e transferências efectuados em euros, distingue
os “depósitos de numerário, de cheques e de outros valores [art. 2.º, n.º 1, al. a)] e as
“transferências intrabancárias e interbancárias” [art. 2.º, n.º 1, al. b)], o mesmo sucedendo
com o Dec.-Lei n.º 317/2009, de 30-10 que transpõe para a ordem jurídica interna a Direc-
tiva n.º 2007/64/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13-11, relativa aos serviços
de pagamento no mercado interno, no art. 4.º [cfr. als. a) e b) e alíneas seguintes], assim
como nos arts. 82.º e segs., que diferenciam entre depósitos e transferências.
A distinção feita nestes diplomas prender-se-á com a necessidade de separar as figu-
ras objecto de regulamentação.
(65)
Esta concepção mais limitada é, na nossa perspectiva, a mais sujeita a críticas.
Efectivamente, em regra, na perspectiva do depositante há uma equivalência entre a moeda
legal e a escritural. O numerário começa por ser depositado para depois circular ente
contas no seio do sistema bancário, e um quantia depositada sob forma de moeda escritu-
ral pode (a qualquer momento, no depósito à ordem, ou nas condições fixadas, nas outras
modalidades de depósito) ser convertida em moeda legal (salvo numa situação de crise
bancária).
Além disso, a constituição de um depósito a prazo faz-se, em regra (constando mesmo
esse procedimento de algumas cláusulas contratuais bancárias), por transferência de uma
conta à ordem. Portanto, necessariamente, por circulação de moeda escritural. Simplesmente,
neste caso, a transferência é já uma forma de entrega da quantia, da moeda escritural.
(66)
Para efeitos do RGICSF, a noção é mais ampla, como acima se referiu, e com-
preende figuras que possam estar afastadas do desenho do contrato, tal como decorre das
cláusulas contratuais gerais bancárias.
(67)
Estes dois aspectos (em particular o primeiro, uma vez que não à qualquer
caracterização legal do depósito bancário em si, apenas uma regulação para certos tipos de
depósitos) são fulcrais para se apreender o tipo jurídico-estrutural do contrato. Quanto a
este, ver KARL LARENZ, Metodologia da Ciência do Direito, 2.ª edição (tradução por José
Lamego da 5.ª edição alemã de Methodenlehre der Rechtswissenschaft, 1983), Fundação
Calouste Gulbenkian, Lisboa, 1989, pp. 568 ss.

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158 L. Miguel Pestana de Vasconcelos

constituição será, em regra, realizada através de moeda escritural por via de


uma transferência da conta à ordem para a conta a prazo, por acto do cliente
do banco, o titular de ambas as contas.
Nos depósitos à ordem, constituídos em contas à ordem, as cláu-
sulas contratuais dos bancos permitem que a movimentação a crédito
da conta seja realizada pelo seu titular ou por terceiro. Não há limi-
tação a uma única entrega, mas, pelo contrário, pressupõe-se mais do
que uma entrega. De facto, um conjunto indeterminado de entregas e
levantamentos.
Depois, nalguns casos, distinguem-se conforme a entrega, ou movi-
mentação a crédito, se faça por transferência, ou por depósito de numerá-
rio (ou cheque).
Claro está que, sempre que se faça essa distinção, o depósito face à
transferência ficará fortemente limitado, restringindo-se na maioria dos
casos à entrega de dinheiro pelo depositante e aproximando-se, nessa
medida, da noção mais limitada da figura.
Quando se recorra a uma noção de depósito em sentido amplo, do
prisma analítico é não só conveniente, mas mesmo necessário, distinguir a
realização de depósitos através da entrega de numerário, a constituição de
depósitos através de recurso a moeda escritural e, dentro destes, os instru-
mentos, que são outras figuras bancárias, a que se recorre para a sua reali-
zação, como a transferência e o cheque.
Em todo o caso, qualquer que seja o recorte, mais amplo, ou mais
restrito, a que os bancos recorram, o que se pode constatar, desde já, é
que estamos face a uma figura que se afasta dos modelos civilistas de
depósitos: não só do de depósito regular, o que é muito claro, mas também
do de depósito irregular. Contudo, sendo embora contratos diferentes, tal
não significa que não possam recolher no seu seio elementos destes (in
casu, do depósito irregular).

V. Resta avançar nesta construção dos diversos tipos de depósitos


bancários, recorrendo agora às distinções que a lei faz a este propósito.
A Lei bancária prevê diversas modalidades de depósito. Nos termos
do Dec.-Lei n.º 430/91, de 2-11 (68), temos: depósitos à ordem, depósitos

(68)
Alterado pelo Dec.-Lei n.º 88/2008, de 28-5. Os depósitos são ainda regulados
pelo Aviso do Banco de Portugal n.º 6 de 2009, que se estabelece um conjunto de dispo-
sições a que devem obedecer os depósitos bancários, desde os mais simples, e aqui objecto

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Dos contratos de depósito bancário 159

com pré-aviso, depósitos a prazo, depósitos a prazo não mobilizáveis


antecipadamente e depósitos constituídos em regime especial (69) (art. 1.º,
n.º 1, do Dec-Lei n.º 430/91, de 2-11).
Os depósitos à ordem podem ser exigidos a todo o tempo (art. 1.º,
n.º 2, do Dec-Lei n.º 430/91, de 2-11); os depósitos com pré-aviso apenas
são exigíveis depois de prevenido o depositário por escrito, com a anteci-
pação fixada na cláusula de pré-aviso, livremente negociada entre as
partes (art. 1.º, n.º 3, do Dec-Lei n.º 430/91, de 2-11); os depósitos a prazo
são exigíveis no fim do prazo por que foram constituídos, contudo, as
instituições de crédito podem conceder aos seus depositantes, nas condições
acordadas, a mobilização antecipada (art. 1.º, n.º 4, do Dec-Lei n.º 430/91,
de 2-11); os depósitos a prazo não mobilizáveis antecipadamente são ape-
nas exigíveis no fim do prazo por que foram constituídos, não podendo
ser reembolsados antes do decurso desse mesmo prazo (art. 1.º, n.º 5, do
Dec-Lei n.º 430/91, de 2-11).

VI. A natureza do depósito bancário é discutida, havendo quem


entenda estarmos perante um verdadeiro depósito irregular (70), outros sus-

de análise, aos que assumem a forma de produtos complexos de acordo com o art. 2.º
do Dec.-Lei n.º 211-A/2008, de 3-11, assim como pelo Aviso do Banco de Portugal n.º 4
de 2009 (quanto aos deveres de informação a prestar pelas instituições de crédito).
(69)
Interessam-nos agora as quatro primeiras modalidades e não estes últimos.
(70)
No sentido de que se trata de um verdadeiro depósito irregular: PIRES DE LIMA/
ANTUNES VARELA, Código civil anotado, vol. II, cit., p. 863; J. ANTUNES VARELA, Depósito
bancário, cit., p. 66; L. MENEZES LEITÃO, Direito das obrigações, vol. III, Contratos em
especial, cit., pp. 498-499; J. CALVÃO DA SILVA, Direito bancário, Almedina, Coimbra,
2001, p. 349. É a posição prevalecente em Itália, ver L. GUGLIELMUCCI, “Deposito ban-
cário”, cit., p. 256. Neste sentido, na Alemanha: W. GÖßMANN, “Einlagengeschäft”, cit.,
p. 1469 (porém, só para os Sichteinlagen ou depósitos à ordem); H.-P. SCHWINTOWSKI/
/F. SCHÄFER, Bankrecht. Commercial Banking-Investment Banking, cit., p. 95 (também
para os Sichteinlagen ou depósitos à ordem); S. KÜMPEL, Bank— und Kapitalmarktrecht,
cit., p. 342 (igualmente para os Sichteinlagen ou depósitos à ordem).
Na jurisprudência, ver, p. ex.: o Acórdão do STJ de 10-1-1995 (Cura Mariano), in:
www.dgsi.pt. (qualificando o depósito bancário como depósito irregular), o Acórdão do
STJ de 27-5-2003 (Abílio Vasconcelos), in: www.dgsi.pt. (“O depósito bancário constitui
um depósito irregular, a que se aplicam as regras do mútuo na medida em que sejam
compatíveis com a função específica do depósito, mais as normas do depósito que não
colidam com o efeito real da transferência da propriedade do dinheiro depositado.”), o
Acórdão do STJ de 7-5-2009 (Sebastião Póvoas), in: www.dgsi.pt (“depósito bancário tem
como matriz o contrato de depósito previsto na lei civil, de natureza irregular, aplicando-se-lhe,

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160 L. Miguel Pestana de Vasconcelos

tentam que se trata de um mútuo (71) e outros ainda que estaremos perante
uma figura autónoma (72).
Como acima foi referido, cremos que o depósito bancário de dinheiro
não tem uma natureza unitária. Em rigor, não há um contrato de depósito
bancário, mas diversos contratos de depósito bancário. Não se deve,
mesmo, falar de depósito bancário, como se de um único negócio se tra-
tasse, mas em depósitos: à ordem, a prazo, com pré-aviso.
Efectivamente, pesem embora os aspectos comuns aos diferentes depósi-
tos, como seja a sua ligação a uma conta, a sua inserção no comércio bancário,
com as suas regras específicas de funcionamento, a tutela que é concedida pelos
órgãos públicos, tanto por via do Fundo de Garantia de Depósitos, como pelo
enquadramento normativo em que os bancos actuam (regulação e supervisão
bancária), o seu papel económico central como, em maior ou menor medida,
instrumento financiador dos bancos e, dado o papel de intermediação financeira
que estes desempenham, também da economia, há relevantes diferenças entre
eles. Este aspecto será melhor demonstrado na análise subsequente.
De momento basta-nos adiantar que cremos ser essencial distinguir,
nos termos da lei, os depósitos à ordem [a)], dos depósitos com pré-aviso
[c)], e os depósitos a prazo [b)] (73). Começaremos por os caracterizar,
para depois procedermos à determinação da sua natureza jurídica.

subsidiariamente, e se compatíveis com a função especifica do depósito, as regras do


mútuo”); o Acórdão do TRL de 13-12-2007 (Rui Vouga) in: www.dgsi.pt.
Ainda na jurisprudência, mas agora entendendo que se trata de “um contrato atípico,
que reúne elementos comuns da conta corrente mercantil (art. 347.º do C. Comercial) e de
contrato de mandato (art. 1157.º do CC.), e cujo objecto se desdobra em actividades pró-
ximas do mútuo oneroso (1142.º e ss.) e do depósito (art. 1185.º).”, o Acórdão do STJ
de 9/6/2009 (Mário Cruz), in: www.dgsi.pt
(71)
J. G. PINTO COELHO, “Operações de banco”, cit., p. 22 (“Assim se vê claramente
que o depósito bancário de dinheiro, quer à ordem, quer a prazo, de “depósito” só tem o
nome, e não é mais do que um empréstimo de dinheiro, que se qualifica como mútuo ou
como usura, conforme é gratuito ou produtivo de juros” — itálico no original”); PAULA
PONCES CAMANHO, Do contrato de depósito bancário, cit., pp. 197 ss.; C. FERREIRA DE
ALMEIDA, Contratos II, conteúdo, contratos de troca, cit., p. 160; E. P. ERLLINGER/E.
LOMNICKA/R. J. A. HOOLEY, Erllinger’s modern banking law, cit., p. 203.
(72)
V. LOBO XAVIER/M.ª ÂNGELA BENTO SOARES, “Depósito bancário a prazo. Levan-
tamento antecipado por um contitular”, cit., p. 300; A. MENEZES CORDEIRO, Manual de direito
bancário, cit., p. 482; A. ATHAÍDE/L. BRANCO, Operações bancárias, cit., p. 323; J. SIMÕES
PATRÍCIO, A operação bancária de depósito, cit., pp. 29 ss.; G. MOLLE, “I contratti bancari”,
cit., p. 121; F. GIORGIANNI/C.-M. TARDIVO, Manuale di diritto bancário, cit., p. 231.
(73)
Sustentando, na linha por nós seguida, que as particularidades das várias moda-
lidades de depósitos impedem uma qualificação unitária, S. KÜMPEL, Bank— und Kapital-

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Dos contratos de depósito bancário 161

Este último passo é de grande importância. Só ele, e em especial o


esforço de precisão que implica, confrontando as figuras com os seus
limites e as suas linhas de fronteira, permite um conhecimento mais pro-
fundo de cada uma delas (perspectivando o objecto de análise sob diversos
prismas como que “iluminando-o”). Sem esse conhecimento mais preciso
da figura será bem mais difícil, e já agora bem menos preciso, qualquer
esforço de resolução de problemas de regime que possam surgir.
Ao mesmo tempo, permite também conhecer melhor o papel que cada
uma destas figuras desempenha no seio do comércio bancário. Como se
verá, os depósitos à ordem, embora desempenhem de forma limitada a
função de intermediação financeira, inserem-se essencialmente no âmbito
da guarda do dinheiro e do serviço de caixa prestado pelos bancos, isto é,
quanto a este último aspecto, no seio da função de intermediário nos
pagamentos dos bancos. Os depósitos a prazo e com pré-aviso são uni-
camente instrumentos de financiamento bancário, incluindo-se, por isso,
só na sua função de intermediação financeira.

4.1. Depósito à ordem

4.1.1. Caracterização

I. Contrato pelo qual o cliente (ou terceiro) entrega uma quantia


pecuniária (moeda legal ou escritural) a um banco que a inscreve a crédito
numa conta (74) (designada na prática bancária como conta depósito à
ordem), obrigando-se a receber outras entregas, também a inscrever a
crédito, e devendo restituir ao cliente, no todo ou em parte, a qualquer
momento, o saldo dessa conta, ou mobilizá-lo de outra forma acordada
com ele, p. ex., através de cheque ou de transferência bancária (recor-
rendo-se aqui a uma delimitação ampla do contrato, embora esta possa ser,
como viu, negocialmente restringida).
Não existem tantos contratos de depósito quantas as entregas (pelo
cliente titular da conta ou terceiro) que vão sendo feitas ao banco. Há

marktrecht, cit., p. 341. Noutro sentido, PAULA PONCES CAMANHO, Do contrato de depó-
sito bancário, cit., p 173.
(74)
Pode definir-se conta bancária, com F. CONCEIÇÃO NUNES (“Depósito e conta”,
cit., p. 79), como “um registo, organizado numa base pessoal, cronológico e sintético das
operações de entrega e reembolso de fundos, constitutivas, modificativas ou extintivas do
11 — RFDUP

crédito unitário ao reembolso”.

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162 L. Miguel Pestana de Vasconcelos

só um contrato de depósito ao abrigo (em sua execução) do qual se


vão fazendo diversas entregas e levantamentos (75) (rectius: mobiliza-
ções total ou parciais dos saldos da conta) que contribuem (76) para a
variação do saldo da conta. O banco está obrigado por força da con-
venção de depósito a receber as diversas entregas que lhe vão sendo
realizadas, quer pela sua contraparte negocial, quer por terceiro, cre-
ditando-as na conta. Está igualmente com base na mesma convenção
vinculado restituir o saldo, ou parte do saldo, positivo da conta, ao
titular desta.
Além disso, num aspecto que é característico deste contrato de
depósito bancário, muitas vezes não há uma restituição ao depositante,
mas simplesmente a transferência dessas quantias para terceiro, por via
da mobilização da conta por acto do seu titular (cheque, transferên-
cia (77), cartões de débito e de crédito (78) (79) associados à conta) (80).
O que significa que nesta modalidade de depósito (ao contrário do que
sucede com a figura civilista) a restituição ao credor será simplesmente
eventual (81).

4.1.2. A ligação à conta

I. Existe uma ligação próxima entre a conta e o depósito. A primeira


é necessária para registar as entregas (a crédito) e os levantamentos (a

(75)
PAULA PONCES CAMANHO, Do contrato de depósito bancário, cit., pp. 96-97, em
nota.
(76)
Mas não são os únicos movimentos tanto a débito como a crédito que, como
vimos, esta regista.
(77)
Entre contas no mesmo banco (interna ou intrabancária), entre contas de bancos
nacionais diferentes (transferência interbancária nacional), ou entre bancos em Estados
diferentes (transferência interbancária internacional).
(78)
Sobre o pagamento com cartões, ver, desenvolvidamente, MARIA RAQUEL GUI-
MARÃES, O contrato-quadro no âmbito de utilização de meios de pagamento electrónicos,
Coimbra Editora, Coimbra, pp. 173 ss.
(79)
Existe também uma conta-cartão onde se inscrevem as quantias utilizadas pelo
titular, as comissões, imposto, as despesas, as taxas, os juros devidos, decorrentes da uti-
lização do cartão e cujo saldo, ou parte dele, conforme o acordado, é depois debitado na
conta depósito à ordem a que está associado.
(80)
Insere-se aí também, p. ex., o pagamento de comissões pelos serviços prestados
pelo banco, ou impostos devidos pelo cliente (imposto de selo).
(81)
Sendo até mais frequente a transferência para terceiro.

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Dos contratos de depósito bancário 163

débito), sendo os contratos, em regra (82), celebrados ao mesmo tempo.


Aliás, a própria conta é designada na prática bancária como conta depósito
à ordem.
No entanto, não se confundem.
Na conta (83), onde é inserida uma convenção de conta-corrente (84),
são registados a crédito os diversos movimentos, decorrentes das entregas
de moeda, legal ou escritural, que o banco está vinculado a aceitar, e a
débito os levantamentos, ou mobilizações que o titular da conta faça nos
termos negocialmente definidos.
Ora mesmo que haja uma coincidência entre as movimentações a
crédito e as diversas entregas, realizadas pelo titular da conta ou por ter-
ceiro, de moeda legal ou escritural (o que efectivamente sucede quando
se adopte nos contratos uma concepção ampla do contrato, de que estamos
a partir), o depósito diz respeito às entregas que são inscritas em conta e
às mobilizações das quantias aí registadas.
Portanto: o depósito está ao mesmo tempo antes da conta, uma vez
que as entregas feitas no seu âmbito, em sua execução, terão que ser aí
inscritas (a instituição de crédito, como se referiu, está vinculada a
aceita-las e a inscrevê-las em conta), e estão sujeitas à própria disciplina
dessa conta (em regra, com a convenção de conta corrente), e depois dela,
porque as movimentações a débito dessa conta são actos realizados em
seu cumprimento (as restituição ao titular ou transferências para terceiro
por ordem deste). Claro está que estas movimentações decorrem, desde
logo, do saldo apurado em conta, de acordo com as regras desta (85).
Quando não haja uma coincidência entre as movimentações a crédito
e os actos de execução do depósito, fazendo os contratos essa distinção
(delimitando de forma mais restritiva este contrato), haverá que diferenciar
entre as entregas no âmbito do depósito e as outras movimentações a

(82)
As cláusulas contratuais gerais elaboradas pelos bancos, a que tivemos
acesso, incluem no seu seio, desde logo, a movimentação da conta a crédito através de
depósitos.
(83)
Os requisitos a observar na abertura de conta estão previstos no Aviso do Banco
de Portugal n.º 11/2005, alterado pelo Aviso do Banco de Portugal n.º 2/2007.
(84)
Sobre esta, ver PAULO OLAVO CUNHA, Lições de direito comercial, cit., pp. 240 ss.
(85)
A conta bancária tem depois modalidades diversas, consoante o número dos seus
titulares e as regras de movimentação. Ela pode ser singular ou colectiva, e ainda, sendo
colectiva, solidária, conjunta ou conjunta mista. A movimentação da conta neste último
caso depende sempre da modalidade acordada. Ver, em geral, sobre este ponto, ANTÓNIO
PEDRO A. FERREIRA, Direito bancário, cit., pp. 582 ss.

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164 L. Miguel Pestana de Vasconcelos

crédito na conta (que podem consistir em actos do próprio banco — p. ex.,


juros que a instituição de crédito paga pelos depósitos a prazo — ou de
terceiros — transferência realizada por terceiros).

II. Por outro lado, fazendo a análise recair agora sobre o contrato de
abertura de conta (normalmente celebrado por tempo indeterminado, ces-
sando pois por denúncia) (86), importa destacar que ele encerra igualmente,
para além do contrato de depósito, os diversos serviços de caixa (87) que
lhe estão associados. Com efeito, aí está previsto o regime de um conjunto
de serviços que o banco pode prestar ao cliente (autorizações de débito,
transferências), bem como o regime geral de outros contratos, que podem
vir a ser concluídos entre as partes, como a convenção de cheque, cartão
de crédito e tipo de depósitos (a prazo, com pré-aviso) (88).
É, aliás, o recurso a esses serviços, essenciais na vida moderna (trans-
ferências, autorizações de débito (89), cartões de débito), quer para as empre-
sas quer para as pessoas singulares, que leva celebração do contrato de
abertura de conta, do qual o depósito é um simples “instrumento” de apro-
visionamento (mas indispensável à participação nesse tráfego) (90) (91).

(86)
Sobre este, ver PAULO OLAVO CUNHA, Cheque e convenção de cheque, cit.,
pp. 387 ss.
(87)
Quanto a estes, ver JOÃO CALVÃO DA SILVA, Banca, bolsa e seguros, Direito
europeu e português, t. I, Parte geral, Almedina, Coimbra, 2005, p. 19; JOSÉ SIMÕES
PATRÍCIO, Direito bancário privado, Quid Juris, Lisboa, 2004, p. 145.
(88)
O que confere a este contrato um carácter normativo.
(89)
Através das autorizações de débito, o cliente realiza o pagamento de um conjunto
de despesas correntes como, o telefone, a luz e a água, justamente através de débitos, que
autoriza, na sua conta e mediante uma instrução de cobrança dada pelo credor (para um
único pagamento, ou, como é mais comum, para um conjunto reiterado de pagamentos).
Sobre estas, ver MARIA RAQUEL GUIMARÃES, As transferências electrónicas de fundos e os
cartões de débito, cit., pp. 40-41.
(90)
Portanto: para qualquer destes sujeitos recorrer aos serviços de caixa de um
banco terá que celebrar um contrato de abertura de conta, onde eles estarão já directamente
previstos (embora nalguns casos, como na convenção de cheque, seja necessário um acordo
posterior), e depois terá que a manter aprovisionada através de depósitos. Excepto no que
diz respeito às transferências de terceiros para o titular da conta. Para esses basta a simples
abertura da conta.
(91)
Por essa razão se pode dizer com E. P. ERLLINGER/E. LOMNICKA/R. J. A. HOOLEY
(Erllinger’s modern banking law, cit., p. 202) que o banco actua ao mesmo tempo “as the
costumer’s paymaster and as the recipient of amounts payable to him”. No que diz respeito
aos cheques que o cliente aí entrega (aí os deposita) para cobrança junto de outro banco,
o papel do banco (o primeiro) é mesmo mais extenso. Ele é o seu cobrador.

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Dos contratos de depósito bancário 165

Por isso, o depósito à ordem deve ser visto de uma forma dinâmica no
âmbito de uma conta (92), regendo as entregas e as restituições ou transfe-
rências para terceiros. É o saldo dessa conta, para o qual contribuem nos
termos assinalados os diversos actos de execução do depósito, que tem
relevo económico e sobre o qual se calculam os juros (quando sejam pac-
tuados) (93).
O crédito pecuniário sobre o banco, decorrente do saldo da conta, é um
dos mais relevantes bens do património do titular da conta, podendo ser
penhorado (art. 861.º-A CPC), empenhado e transferido (94) (eventualmente em
garantia, como sucede, mas não só, nos contratos de garantia financeira) (95).

III. Do exposto resulta que contrato de abertura de conta (por vezes


designada nas cláusulas contratuais gerais como “conta de referência”, por
contraposição às outras contas, as “contas associadas” (96)) — composto

(92)
Sublinhando que é “redutor circunscrever o depósito a uma relação singular,
ocultando na sombra o fluxo de múltiplas e simultâneas relações solidárias e fungíveis,
que corresponde o exercício da actividade de recepção de fundos reembolsáveis, do público,
para utilização por conta própria, exclusiva de certas instituições de crédito”, F. CONCEIÇÃO
NUNES, “Depósito e conta”, cit., p. 67.
É de facto redutor, e daí a precisão que é realizada. No entanto, colocando as coisas
no contexto a que nos referimos em texto, tal não retira nada à utilidade da determinação
da natureza do depósito bancário de dinheiro.
(93)
É também, muitas vezes, este valor em termos médios que permite ao banco
decidir se remunera ou não o dinheiro depositado. Se esse valor for baixo, o banco não
pagará qualquer remuneração. De facto, em termos económicos, a vantagem de disposição
dessas quantias por parte da instituição de crédito é compensada pelo benefício atribuído
ao cliente de custódia dessas mesmas quantias (bem como do recurso ao serviço de caixa
do banco, embora, na verdade, grande parte das vezes esses serviços são isoladamente
pagos através de uma comissão, p. ex., as transferências bancárias). Quando o montante
do saldo for bastante baixo, o custo para o banco pelo serviço que presta é superior ao
proveito que retira da disponibilidade (bastante reduzida, já se vê) das quantias e cobra
uma comissão por ele.
(94)
Cfr. CLAUS-WILHELM CANARIS, Bankvertragsrecht, 3.ª ed., vol. I, Walter de
Gruyter, Berlim, Nova Iorque, 1988, pp. 107-108.
(95)
Claro está: não só os créditos decorrentes do saldo da conta à ordem, mas das
outras contas, em particular as contas dos depósitos a prazo.
(96)
Estas podem ser contas de depósito de dinheiro, à ordem ou a prazo, e decorrem
da celebração de um novo contrato onde, através das denominadas condições particulares,
se completa, pormenorizando e adaptando, o regime decorrente do contrato de abertura de
conta. Há ainda as contas de registo de valores mobiliários escriturais e contas de depósito
de valores mobiliários titulados, denominadas conjuntamente por “contas de activos finan-
ceiros”.

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166 L. Miguel Pestana de Vasconcelos

por cláusulas contratuais gerais — é efectivamente o contrato nuclear


donde emerge a relação bancária duradoura entre a instituição de crédito
e a sua contraparte (97). É no seio do seu conteúdo complexo que se inte-
gra o contrato de depósito (assim como outros contratos (98) (99)), que dele
depende. Neste aspecto podemos falar numa coligação de contratos com
dependência unilateral.
Em suma: o contrato de abertura de conta, onde se insere o depósito,
como vimos, é verdadeiramente nuclear para a vida moderna (100), quer das
pessoas singulares, quer das empresas. É ele que permite aos sujeitos
participarem no moderno tráfego económico em que a grande generalidade
das transacções se realizam através do sistema bancário, recorrendo a
moeda escritural. As entregas realizadas no âmbito do depósito permitem
aprovisionar, “alimentar” a crédito essa conta (e são por isso, nessa medida,
instrumentais à participação nesse tráfego). Mas o contrato central é o
primeiro (101) (102).
4.2. Natureza jurídica
I. Haverá que distinguir consoante o depositário pague ou não juros
pela disponibilidade das quantias. Começamos pela primeira hipótese.

II. Como sublinhámos a acerca do depósito irregular, um dos interes-


ses (mas não o único, e, por vezes, nem sequer o mais relevante) que esta
modalidade de depósito serve é ainda o do depositante na guarda da coisa
(mas não só, porque a ela se liga também a utilização do serviço de caixa

(97)
Quanto aos principais efeitos e a importância da abertura de conta, donde
decorre a “relação bancária geral”, ver A. MENEZES CORDEIRO, Manual de direito bancário,
cit., p. 416.
(98)
Mas não só. A própria conta-corrente está aí inserida.
(99)
Os denominados “contratos satélites”, cfr. J. ENGRÁCIA ANTUNES, Direito dos
contratos comerciais, cit., p. 487.
(100)
Apontando a conta como o núcleo do tráfego bancário, C. P. CLAUSSEN, Bank-
und Börsenrecht, cit., p. 103.
(101)
É, aliás, perfeitamente possível conceber uma abertura de conta sem que se faça
qualquer entrega de moeda, legal ou escritural, pelo depositante. Basta, p. ex., que o banco
aí credite o montante do empréstimo concedido.
(102)
A importância em termos económicos e sociais de uma conta e do recurso a
alguns dos serviços de caixa do banco é demonstrada pela consagração em certos termos
de um direito à conta (de depósito à ordem) integrada nos serviços bancários mínimos.
Sobre estes, ver ANTÓNIO PEDRO A. FERREIRA, Direito bancário, cit., pp. 592 ss.

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Dos contratos de depósito bancário 167

prestado pelo banco), mas em termos tais que mantenha sobre ela uma
constante disponibilidade, podendo exigir a sua restituição a qualquer
momento. Ora esta permanente disponibilidade do dinheiro depositado,
que é característica do depósito, não é compatível com o mútuo, como
decorre do art. 1148.º (103)

III. Todavia, a existência de juros (mesmo baixos) também não é


compatível com o depósito. No depósito oneroso é o depositante que paga
ao prestador de serviços, o depositário. Neste caso, é o depositário que
paga ao depositante: trata-se da retribuição pela disponibilidade da coisa
e esse elemento é já característico do mútuo (104).
À primeira vista parece um pouco estranho pagar-se pela disponibili-
dade de um bem quando não há um prazo, mesmo que mínimo, para o
gozar. Porém, os juros só são pagos pelo período em que a quantia esteve
na disponibilidade do banco.
E no comércio bancário, em que se lida não com um único de depó-
sito, mas com uma massa de depósitos (105), a instituição de crédito afectará
a operações de crédito grande parte das quantias pecuniárias depositadas
à ordem (106).
Por isso, não é correcta a afirmação, por vezes repetida, segundo a qual
o depositante é titular dos montantes creditados na conta. Não é assim.
Elas pertencem ao banco. Ele tem simplesmente um direito de crédito à
entrega dessas quantias (107). Este aspecto é muito claro na insolvência do

(103)
Quanto à necessidade do deferimento no mútuo, ver: GIORGIO GIAMPICCOLO,
“Mutuo (diritto privato)”, in: Enciclopedia de Diritto, XXVII, p. 445; F. GIORGIANNI/C.-M.
TARDIVO, Manuale di diritto bancario, cit., p. 221; G. MOLLE/L. DESIDERIO, Manuale di
diritto bancário e dell'intermediazione finanziaria, cit., p. 164; G. MOLLE, “I contratti
bancari”, cit., p. 116.
(104)
Como refere PAULA PONCES CAMANHO (Do contrato de depósito bancário,
cit., p. 188): “o banco recebe o dinheiro para poder usá-lo, tal como acontece com o
mutuário.”
(105)
Sublinhando correctamente que o depósito se deve inserir no “fenómeno das
operações comerciais em massa”, F. GIORGIANNI/C.-M. TARDIVO, Manuale di diritto ban-
cario, Giuffrè, Milão, 2005, p. 227.
(106)
E esta afirmação vale, como é claro, para qualquer modalidade de depósito.
(107)
O que significa que quando se dá uma ordem de transferência de moeda escri-
tural de uma conta para outra, o banco está a movimentar, através de um sistema de cré-
ditos e débitos, dinheiro (dinheiro escritural, dinheiro criado pelos bancos) que lhe pertence.
Para os titulares das contas, que são respectivamente creditadas e debitadas, o que se
verifica é um aumento ou diminuição da quantia de que o banco lhes é devedor, portanto

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168 L. Miguel Pestana de Vasconcelos

depositário em que o depositante é um simples credor comum da insolvên-


cia (portanto: sem qualquer garantia especial) (108).
Contudo, o banco retém uma percentagem dessas quantias pecuniárias
(cash/numerário) sob a forma de “reservas” para satisfazer os pedidos de
levantamento em numerário ou moeda legal dos clientes (109). Dessa forma,
saberá qual o montante que terá que ter permanentemente à disposição (“em
caixa” ou no “cofre” ou vault cash) para ser restituído aos depositantes (110)
e qual pode utilizar.
Ora, é por haver essa necessidade de imobilização de parte das quan-
tias (que não podem ser usadas pelo banco), e o benefício que resulta para
o depositante da custódia e permanente disponibilidade do dinheiro (tra-

do objecto do crédito sobre a instituição de crédito. Como referem E. P. ERLLINGER/


/E. LOMNICKA/R. J. A. HOOLEY (Erllinger’s modern banking law, cit., p. 203): “money
flowing into the bank becomes part of a generic fund, and (…) money paid out by the
bank flows, again, from the bank itself and not from and individual pool of money main-
tained by the costumer. In other words, the reservoir is that of the bank, not a reservoir
comprising earmarked amounts owned by separate account holders.”
(108)
Há modalidades de depósitos que têm um regime particular na insolvência,
como se verá infra.
(109)
Cfr. J. SIMÕES PATRÍCIO, A operação bancária de depósito, cit., p. 21. As
reservas constituem uma pequena fracção dos depósitos bancários. Ver sobre as reservas
bancárias, desenvolvidamente, MANUEL LOPES PORTO, Economia. Um texto introdutório,
Almedina, Coimbra, 2002, pp. 329-330.
Este aspecto liga-se à criação de moeda por parte dos bancos: que é maior ou menor
consoante as exigências de “reservas”. Estes podem dividir-se em reservas que estão no
próprio banco (“vault cash”, ou no cofre) e as chamadas reservas “mínimas” que estão
depositadas em conta à ordem aberta por cada instituição de crédito junto dos BCN
(o BCE exige uma média mensal de 2% dos depósitos para reservas “mínimas”, que ele,
note-se, remunera). Cfr. Banco Central Europeu, A política monetária do BCE, 2004,
pp. 84 ss.
Note-se, porém, que é conveniente os bancos terem reservas superiores àquelas que
lhe são exigidas, para evitar os custos inerentes ao seu refinanciamento no caso de levan-
tamentos (ou outros movimentos a débito da conta). Ver FREDERIC S. MISHKIN, The eco-
nomics of money, banking and financial markets, 9.ª ed., Pearson, Boston, Columbus, 2009,
pp. 232 ss. Sublinha este Autor (ob. cit., p. 235): “Excess reserves are insurance against
the costs associated with deposit outflows. The higher the cost associated with deposit
outflows, the more excess reserves the banks will want to hold.”
Quanto ao desenvolvimento em termos históricos das reservas por parte dos bancos,
e as funções económicas que as diversas representam, ver MARIE E. SUSHKA, “Reserve
requirements”, in: The new Palgrave dictionary of money and finance, vol. III, Macmillan
reference limited/Stockton press, Londres/Nova Iorque, 1997, p. 433.
(110)
M. LOPES PORTO, Economia. Um texto introdutório, cit., pp. 343 ss.

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Dos contratos de depósito bancário 169

duzido no serviço que dessa forma o banco lhe presta), assim como a
possibilidade de recorrer aos serviços de caixa do banco, que a taxa de
juros destes depósitos tem um valor mais reduzido (111) (substancialmente
mais reduzido, ao ponto de se tornar quase, por vezes, simbólica) do que
sucede com os depósitos a prazo (112).

IV. Como foi referido, o aprovisionamento da conta por via de entre-


gas no âmbito do depósito é essencial para que o seu titular possa parti-
cipar, activamente (113), no tráfego bancário. Isto é: para fazer pagamen-
tos com o cartão de débito, transferências, sacar cheques necessita sempre
de ter a conta aprovisionada. Por isso, a realização de entregas de
dinheiro no seio do depósito visará muitas vezes, principalmente, a dis-
ponibilização de meios para se participar nesse tráfego, afastando-se, nesse
ponto, do conjunto de interesses subjacente ao depósito irregular (114) (115)
e ao mútuo.

(111)
Em rigor, a taxa de juro incidirá não só sobre os montantes depositados, mas
sobre o saldo da conta.
(112)
PAULA PONCES CAMANHO (Do contrato de depósito bancário, cit., pp. 197 ss.)
defende a tese do mútuo, porque, na sua perspectiva, este contrato é conciliável com a
exigibilidade à vista, sustentando que, sendo o art. 1148.º “uma norma supletiva, só se
aplicará na ausência de manifestação de vontade das partes.” (ob. cit., p. 198). Neste ponto,
pelas razões apontadas em texto, não acompanhamos a Autora. Ressalve-se, porém, que
é correcto — e neste ponto já acompanhamos a Autora — o sublinhar a incongruência na
tese do depósito irregular que consiste no pagamento de juros por parte do depositário,
que o faz porque tem um evidente interesse na disponibilidade da quantia.
Acrescente-se ainda que tese semelhante era sustentada no âmbito do Direito anterior
ao Código de 1966 por J. G. PINTO COELHO, Operações de banco, cit., p. 100. Escrevia
este Autor (ob. cit., ibidem): “Não afecta nem afasta a qualificação do depósito como
empréstimo (mútuo) — queremos acentuá-lo aqui — o facto de não haver prazo determi-
nado para o reembolso, e poder o credor reclamá-lo a qualquer tempo (à vista). O prazo
ou termo não é elemento essencial, mas acidental, do empréstimo.”
(113)
De forma passiva, como simples destinatário dos fundos transferidos por ter-
ceiros, bastaria a simples abertura de conta.
(114)
É este aspecto que explica que a restituição ao depositante/titular da conta seja,
como se disse, simplesmente eventual, porque ele utilizará as quantias aí inscritas a crédito
para fazer pagamento de transacções realizadas com terceiros. Pelo que a entrega, por
transferência, dessas quantias não se fará ao depositante, mas antes a estes últimos. Esta
conformação específica do depósito bancário de somas pecuniárias afasta-o (neste ponto)
quer em termos de estrutura, quer em termos de interesses, do depósito irregular.
(115)
Sublinhavam já este aspecto V. LOBO XAVIER/M.ª ÂNGELA BENTO SOARES, “Depó-
sito bancário a prazo. Levantamento antecipado por um contitular”, cit., p. 293, nota 5.

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170 L. Miguel Pestana de Vasconcelos

De facto, vistas as coisas deste ângulo, o depósito bancário à ordem


consiste num instrumento necessário para se realizarem essas operações,
e, sempre que estas se analisem em mandatos (ou, mesmo não o sendo,
por força do art. 1156.º), um acto de cumprimento dos mesmos por parte
do mandante (116) [no que diz respeito à colocação de meios à disposição
do mandatário para este praticar os actos jurídicos a que está obrigado
— art. 1167.º, al. a)].

V. Podemos assim concluir que o contrato de depósito bancário à


ordem é um contrato atípico, tendo um núcleo misto composto por ele-
mentos de depósito irregular e mútuo. Esta qualificação traduz a essên-
cia da figura. Mas ela na sua conformação vai para além desses ele-
mentos.
Na verdade, a entrega das quantias, conforme se tem sublinhado, pode
fazer-se tanto pelo cliente, titular da conta, como por terceiro. Não tem
que ser realizada pelo depositante, variando os instrumentos a que se
recorre para esse efeito (entrega de numerário (117), transferência).
Acresce que, como tem igualmente apontado, a restituição das quan-
tias, elemento caracterizante do depósito (e, portanto, também do depósito
irregular) e do mútuo (típicos) é aqui meramente eventual (118). Os servi-
ços de caixa que o banco presta implicam na maior parte das vezes a
entrega dessas quantias não ao titular da conta, mas a terceiro por deter-
minação deste último (veja-se, p. ex., o recurso ao pagamento com cartão
de débito).
Para além disso, o contrato não abrange uma única entrega, mas
um conjunto sucessivo, em massa, de entregas, o que não é a figura
que os modelos dos contratos de depósito irregular e de mútuo tomam
por base.
Isto dito, pelas razões apontadas, o núcleo da figura é composto por
elementos do mútuo e do depósito irregular. Porém, este contrato de
depósito bancário vai para além deles, sendo é diferente e mais complexo

(116)
Pelo menos, sempre que seja este a realizá-los.
(117)
Como referimos supra, a conformação dos depósitos pelos bancos nos contra-
tos pode afastar do âmbito do depósito as transferências.
(118)
A situação é diversa da do depósito a favor de terceiro, porque para que assim
fosse era necessário que do contrato resultasse a atribuição do crédito à restituição a outrem,
o terceiro. Não é o que aqui se verifica. O cumprimento é que se realiza por ordem do
depositante, em regra, a um terceiro.

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Dos contratos de depósito bancário 171

do que daí resulta. Nessa medida, estamos perante um contrato atípico,


socialmente típico.

VI. A situação é aparentemente diversa quando não haja pagamento


de juros. O interesse aqui seria todo do depositante na custódia, no sentido
assinalado, e permanente disponibilidade das quantias.
O depositário, tendo a todo o tempo que estar preparado para as res-
tituir por inteiro, não poderia beneficiar da disponibilidade delas. Sabe-
mos, no entanto, já o referimos, no comércio bancário não é assim.
O banco mantém só uma fracção das quantias pecuniárias aí depositadas
à ordem. O que significa que pode, e assim o fará, recorrer às outras
quantias pecuniárias para as suas operações activas de crédito.
Verifica-se, pois, ainda neste caso, a dupla disponibilidade da quantia
(embora meramente parcial para o depositário) (119), mas o depositário não
remunera o depositante por essa vantagem através de juros. No entanto,
ela é, ou deve ser, tida em conta para o depositário cobrar ou não uma
remuneração pelo seu serviço e, fazendo-o, no valor fixado (120).
Há, assim, uma alteração do equilíbrio de interesses. O interesse
central passa a ser o do depositante na custódia dos fundos de que mantém
a total disponibilidade e no recurso ao serviço de caixa do banco, enquanto
a disponibilidade destes, agora por parte da instituição de crédito, continua
a ser tida em conta na equação económica do contrato (em particular na
retribuição — existência e valor — a pagar pelo depositante), embora
assumindo um relevo de segundo plano.
Nessa medida, este contrato, indo para além deles, e conformando-os
em diversos pontos (como acima se viu), tem no seu núcleo elementos de
depósito irregular e mútuo, sendo agora o primeiro o elemento dominante.
Pelas razões antes apontadas, continuamos a estar face a um contrato atí-
pico, socialmente típico.

(119)
O que não se verificará nos outros casos de depósito irregular de dinheiro fora
do comércio bancário. Aí, conforme se viu no número anterior, o depositário não tem a
disponibilidade das quantias (ou será muito limitada), uma vez que tem que estar sempre
preparado para as restituir, logo que exigidas, por inteiro. O interesse é só, nos termos
apontados, do depositante que poderá mesmo remunerar a outra parte pelo serviço que ela
lhe presta.
(120)
A contrapartida patrimonial a que nos referimos assume a forma de comissão
pela manutenção de conta cuja existência, e montante, como se visse (nota 111) está ligada
ao saldo médio de conta e, consequentemente, embora de forma algo indirecta, aos depó-
sitos que aí vão sendo realizados.

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172 L. Miguel Pestana de Vasconcelos

4.2. Depósitos a prazo

4.2.1. Caracterização

I. Os depósitos a prazo são remunerados mediante o pagamento de


juros e só são exigíveis no fim do prazo por que foram constituídos; con-
tudo, as instituições de crédito podem conceder aos seus depositantes, nas
condições acordadas (ou melhor: no que decorrer das cláusulas contratuais
gerais a que o banco recorre), a mobilização antecipada (art. 1.º, n.º 4, do
Dec-Lei n.º 430/91, de 2-11), sofrendo penalizações, que consistem, em
regra, na perda, total ou parcial, dos juros devidos. O capital está sempre
garantido. (121)
Os seus montantes são inscritos a crédito em conta própria, denomi-
nada conta de depósito a prazo. Em regra, para a sua constituição é
necessária a constituição prévia de uma conta de depósito à ordem, donde
se transfere depois (122) a quantia aí depositada. (123)

II. O banco recorrerá a estas quantias para as suas operações activas.


Esta modalidade de depósitos será até particularmente relevante no finan-
ciamento bancário, porque o banco sabe que elas só terão que ser coloca-
das na disponibilidade do depositante decorrido o prazo (124). O seu custo,
sob forma de juros, terá que ser comparado com o de outras fontes de
financiamento da banca. Contudo, o banco actua sempre em nome e por
conta própria na aplicação desta quantia nas suas operações activas. O que
significa que o lucro que retire das mesmas é só seu, assim como é só seu
um eventual prejuízo que daí advenha. Independentemente dos resultados

(121)
Art. 4.º do Aviso do Banco de Portugal n.º 6 de 2009.
(122)
Quando assim é, o “respectivo montante não poderá ser considerado como
indisponível na conta de origem antes da data-valor da constituição ou reforço [do depósito
não à ordem], salvo instrução expressa emitida pelo depositante…”. art. 5.º, n.º 4, do Aviso
do Banco de Portugal n.º 6 de 2009.
(123)
E vice-versa. Note-se que, nos termos do art. 5.º, n.º 1, do Aviso do Banco
de Portugal n.º 6 de 2009, “o lançamento a crédito do reembolso no vencimento dos
depósitos não à ordem, deve ser realizado com data-valor e data de disponibilização no
próprio dia.”
(124)
Ou, como já se verá, sempre que a instituição de crédito permitir a sua mobi-
lização antecipada, ela poderá calcular os montantes previsíveis de que tem que ter dispo-
nibilidade imediata para satisfazer essa preferência pela liquidez (e que serão relativamente
baixos, dadas as penalizações que a mobilização antecipada, contratualmente, impõe).

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Dos contratos de depósito bancário 173

das referidas operações, é sempre devedor do capital depositado, e dos


juros, face ao depositante.
Só não seria assim se as quantias fossem depositadas para que o
banco as gerisse em nome próprio, mas por conta do depositante, que
definiria os termos da gestão a realizar pela instituição de crédito. O risco
dessas operações, nesse caso, mas também só nesse caso, correria por
conta do depositante. Tanto o lucro, como o eventual prejuízo. As con-
trapartidas patrimoniais do banco, nessa eventualidade, são as comissões
cobradas pela gestão. Tratar-se-ia de um depósito para administração,
sendo a relação contratual que se estabelece entre o depositante e o banco
de mandato (125).

4.2.2. A natureza jurídica

I. Nestas modalidades de depósitos, o aspecto relevante para o depo-


sitante consiste nos juros do dinheiro que coloca na disponibilidade do
banco durante o período de tempo acordado. Não há aqui uma dupla
disponibilidade, como no depósito à ordem. Mesmo no depósito a prazo
em que os bancos podem permitir a sua mobilização antecipada, tal
implica, como se disse, um prejuízo patrimonial para o depositante, geral-
mente sob a forma de perda de juros.

II. Para o banco, estes depósitos são um instrumento clássico do seu


financiamento, recorrendo a eles para poderem, depois, conceder cré-
dito (126). A actividade tradicional dos bancos consiste, como se tem vindo
a sublinhar, na recolha das poupanças do público sob a forma de depósitos
a prazo (operações passivas) (127), remunerando-os a uma determinada taxa,
para depois poderem conceder por conta própria crédito (operações activas)

(125)
Em rigor, trata-se de contrato misto de depósito bancário e mandato, sendo o
mandato o elemento dominante do contrato. Sobre este contrato, quando seja celebrado
com um banco, ver MIGUEL PESTANA DE VASCONCELOS, “Modalidades especiais de depó-
sitos. O depósito com finalidade de cumprimento, o depósito para administração, o depó-
sito em garantia e seus regimes insolvenciais”, em curso de publicação nos Estudos em
Homenagem ao Prof. Doutor Heinrich Ewald Hörster.
(126)
Os depósitos à ordem também podem ser utilizados para este fim (inserindo-se, deste
modo, embora de forma bastante limitada, na intermediação financeira bancária), como decorre
do anteriormente exposto, mas, como se compreende, com uma relevância muito menor.
(127)
Mas também, embora em menor medida, pelos depósitos à ordem.

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174 L. Miguel Pestana de Vasconcelos

a quem dele carece a uma taxa mais elevada, sendo o ganho do banco a
diferença entre as duas taxas. É desta forma que a banca desempenha a
função de intermediação no dinheiro (128) (129).

III. Parece claro que, para o banco, são contratos de crédito. Resta
saber se são mútuos, o que se prende com a regra do art. 1147.º nos termos

(128)
L. GUGLIELMUCCI, “Deposito bancário”, cit., p. 256.
(129)
Este aspecto é claramente espelhado na noção de instituição de crédito: “empre-
sas cuja actividade consiste em receber do público depósitos ou outros fundos reembolsá-
veis, a fim de os aplicarem por conta própria mediante a concessão de crédito” (art. 2.º,
n.º 1, RGICSF).
Note-se que a noção de instituição de crédito adoptada no RGICSF diverge na
consagrada na segunda Directiva comunitária e tem sido geralmente alvo de críticas e
sujeita a interpretações correctivas, no que diz respeito à aparente necessidade de os
fundos recebidos estarem vinculados somente à concessão de crédito. Cfr. AUGUSTO DE
ATHAYDE/A. ALBUQUERQUE ATHAYDE/DUARTE DE ATHAYDE, Curso de direito bancário,
vol. I, cit., pp. 144 ss.
Diga-se ainda que o elenco das operações que os bancos, que são uma espécie
— a mais relevante — de instituições de crédito (art. 3.º RGICSF), podem praticar tem
uma amplitude muito maior do que a mera concessão de crédito, como decorre com toda
a clareza do elenco, que não é taxativo, do art. 4.º RGICSF, e que há instituições de
crédito que não podem receber depósitos do público, como p. ex., as sociedades de
cessão financeira e as sociedades de locação financeira. Por isso se pode afirmar que a
definição do art. 2.º, n.º 1, RGICSF tem um “conteúdo muito escasso” (A. MENEZES
CORDEIRO, Direito bancário, cit., p. 798). Além do mais, como se começou logo por
referir no início deste texto, tem hoje enorme relevo o papel desempenhado pelos bancos
no âmbito dos sistemas de pagamento.
Contudo, a actividade de intermediação no dinheiro, recolhido junto do público através
de depósitos (ou outras formas de colecta de fundos) e a sua utilização por conta própria para
a concessão de crédito consiste, como se disse, no núcleo tradicional da actividade bancária.
E é a esse núcleo que o art. 2.º, n.º 1, RGICSF se refere. Cfr. J. CALVÃO DA SILVA, Direito
bancário, cit., pp. 179 ss.; J. SIMÕES PATRÍCIO, Direito bancário privado, cit., pp. 263-264;
F. CONCEIÇÃO NUNES, Direito bancário, vol. I, AAFDL, Lisboa, 1994, pp. 158 ss.
Repare-se que isto não significa que os bancos não possam financiar-se, para
desenvolver a sua actividade de concessão de crédito, de outra forma, em particular
junto dos outros bancos no mercado monetário inter-bancário ou através da emissão
de obrigações.
O recurso aos depósitos ou ao recurso aos mercados para obter financiamento depende
de um conjunto de variáveis, em particular, desde logo, que esses mercados estejam aber-
tos, ou seja, que se disponham a emprestar a bancos de um determinado Estado, e das
próprias taxas de juros que, na hipótese afirmativa, lhes são exigidas. Quando assim não
seja, há uma procura de financiamento no mercado interno, principalmente através de
depósitos, cujas taxas passam a ter que se tornar atractivas. A dívida dos bancos passa,
pelo menos em parte, por via dos depósitos, a ser interna.

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Dos contratos de depósito bancário 175

da qual “no mútuo oneroso o prazo presume-se estipulado a favor de


ambas as partes, mas o mutuário pode antecipar o pagamento desde que
o faça por inteiro.”
Os depósitos a prazo não mobilizáveis antecipadamente correspondem
à primeira parte desta disposição, gerando meramente um desvio no que
toca à última parte da norma. No entanto, não vemos motivo algum que
impeça o afastamento desta regra. É inexistente, a nosso ver, qualquer
interesse específico do mútuo que impeça a exclusão da faculdade de o
mutuário pagar antecipadamente, satisfazendo os juros por inteiro. Daí
que esta modalidade de depósito a prazo seja efectivamente um mútuo.

IV. A situação é diversa no caso dos depósitos a prazo em que as


instituições de crédito permitem aos seus depositantes, nas condições
acordadas, a mobilização antecipada.
É claro que não se trata de um depósito irregular, porque as quantias
não são entregues para que o banco exerça a custódia, nem para aceder
ao serviço de caixa que não existe nesta conta. Se fosse esse o objectivo,
seria celebrado um depósito à ordem.
O que o depositante quer obter é o juro, a contrapartida da disponi-
bilidade de fundos que nesse período de tempo concede ao banco. A ins-
tituição de crédito, por seu lado, pretende a disponibilidade destes fundos,
que remunera, dinheiro a ser utilizado depois nas suas operações activas.
Trata-se, desta forma, de um contrato de crédito.
A sua natureza precisa dependerá sempre do que vier a ser acordado
pelas partes no que diz respeito à sua mobilização antecipada (130). Porém,
se ela se puder fazer a todo o momento, já não estamos face a um mútuo.
Tratar-se-á então de um contrato de crédito atípico, próximo do mútuo
e só explicável no seio do comércio bancário. Aí a lei dos grandes
números (estamos não face a um depósito, mas a uma massa de depósi-
tos) permite à instituição de crédito calcular a percentagem de depósitos
que serão mobilizados antecipadamente e, com base nesses dados, tomar
as devidas medidas de cautela, relacionadas com a necessidade de ter
permanentemente meios líquidos para satisfazer essas mobilizações,

(130)
No sentido de que os depósitos a prazo são mútuos, C. LACERDA BARATA,
“Contrato de depósito bancário”, cit., p. 29, pp. 50-51. Também: C. P. CLAUSSEN, Bank-
und Börsenrecht, cit., p. 136; W. GÖßMANN, Einlagengeschäft, cit., § 70, p. 1470; H.-P.
SCHWINTOWSKI/F. SCHÄFER, Bankrecht. Commercial Banking-Investment Banking, cit.,
p. 96.

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176 L. Miguel Pestana de Vasconcelos

podendo afectar com segurança os outros montantes ao crédito (ou a


outras operações activas).

4.3. Depósito com pré-aviso


4.3.1. Caracterização
I. O depósito com pré-aviso apenas é exigível depois de prevenido o
depositário por escrito, com a antecipação fixada na cláusula de pré-aviso,
livremente negociada entre as partes (art. 1.º, n.º 3, do Dec-Lei n.º 430/91,
de 2-11). A este depósito corresponde uma conta própria, além de ser, em
regra, remunerado. O capital está sempre garantido (131).
Os seus montantes são inscritos a crédito em conta própria, denomi-
nada conta de depósito com pré-aviso.

4.3.2. Natureza jurídica


I. Esta modalidade de depósito está a “meio caminho” entre os depó-
sitos à ordem e os depósitos a prazo. Efectivamente, ao contrário do que
sucede com estes últimos, não existe um prazo para o vencimento da
obrigação de restituir.
Mas, da mesma forma, diferentemente do que sucede com os depósitos
à ordem, não se pode falar de uma disponibilidade imediata da quantia por
parte do depositante (nem igualmente acesso ao serviço de caixa). Haverá
que respeitar o prazo de pré-aviso. O banco beneficia sempre de um período
mínimo de gozo da coisa.
Nessa medida, atendendo ao disposto no art. 1148.º, donde decorre
que este período de tempo pode ser bastante reduzido (trinta dias), estare-
mos perante um mútuo; pelo menos, sempre que o prazo de pré-aviso seja
de trinta dias (132). (133)

(131)
Art. 4 do Aviso do Banco de Portugal n.º 6 de 2009.
(132)
Noutro sentido, sustentado tratar-se de um depósito irregular, C. LACERDA
BARATA, “Contrato de depósito bancário”, cit., p. 29.
(133)
Na Alemanha, no âmbito dos Termineilagen, distinguem-se os Festgelder, que
consistem em depósitos a prazo, dos Kündigunsgelder. Este últimos são contratos cele-
brados por tempo indeterminado que cessam por denúncia, necessariamente precedida de
pré-aviso. Quando este for de um mês, denominam-se Monatsgelder. São assim seme-
lhantes aos nossos depósitos com pré-aviso. Em ambos os casos, o entendimento doutrinal
é que estamos perante mútuos pecuniários. Cfr. H.-P. SCHWINTOWSKI/F. SCHÄFER, Bank-
recht. Commercial Banking-Investment Banking, cit., p. 96.

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Dos contratos de depósito bancário 177

5. NOTAS FINAIS

I. O contrato de depósito bancário não tem natureza unitária, devendo


antes falar-se em contratos, diferentes entre si, de depósito bancário.
Para a construção destes contratos deve partir-se das cláusulas con-
tratuais gerais a que os bancos recorrem, dos usos e do regime legal,
decorrente da lei bancária, para as modalidades de depósitos. A distinção
central é entre depósitos à ordem e depósitos a prazo e com pré-aviso.

II. Os primeiros têm por função a guarda do dinheiro dos clientes e


permitir (forma de alimentação da conta que é) que estes possam recorrer
ao serviço de caixa do banco, central para a via moderna, que se realiza
hoje, essencialmente, em moeda escritural pelas veias do sistema bancário.
Os segundos correspondem unicamente à função tradicional do banco
de intermediação no dinheiro e consistem para quem a eles recorre numa
forma — segura — de rentabilizar um capital mediante a percepção de
juros.

III. Centrando-nos agora no depósito à ordem, convém sublinhar que


ele deve ser visto de uma forma dinâmica no âmbito de uma conta (com
convenção de conta corrente), constituindo as entregas realizadas no seu
âmbito instrumentos de aprovisionamento dela, da sua “alimentação” a
crédito. Juntamente com as restituições ou as transferências a terceiros,
por ordem do titular da conta, elas fazem variar esse saldo, que constitui
um elemento central no património de uma pessoa, singular ou colectiva.
As entregas no âmbito do depósito são essenciais para que o titular da
conta possa recorrer a diversos tipos de serviços (transferências a terceiros,
sacar cheques, autorizações de débito), integrados no serviço de caixa que
está associado à abertura de conta. A função de intermediação financeira
é, para estes depósitos, bastante limitada.
Quanto à sua conformação negocial, ela varia desde a uma concepção
larga, semelhante à adoptada no RGICSF (onde é explicada por razões teleo-
lógicas deste), em o depósito é caracterizado pela entrega de uma ou mais
quantias (moeda legal ou escritural) ao banco, recorrendo para o efeito a
diferentes instrumentos (que correspondem a outras tantas figuras bancárias,
como a ao cheque, a transferência, a simples entrega de numerário), que a
instituição de crédito terá depois de restituir ao titular da conta ou entregar,
por ordem deste, a um terceiro, a modalidades mais restritas em que se
12 — RFDUP

incluam algumas destas figuras bancárias como forma de mobilizar a conta a


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178 L. Miguel Pestana de Vasconcelos

crédito, mas se excluam outras (p. ex., incluindo-se no âmbito do depósito a


entrega de numerário ou cheque, mas excluindo-se as transferências).
No que diz respeito à sua natureza jurídica, o depósito à ordem inte-
gra no seu seio elementos de depósito irregular e, com maior ou menor
intensidade, consoante seja ou não pactuado o pagamento de juros, de
mútuo. Esses elementos, cuja articulação constitui o núcleo do contrato
(e por isso se pode dizer que tem um núcleo misto), são depois confor-
mados num conjunto que é mais amplo e complexo. Nessa medida, deve
ser qualificado como contrato atípico, socialmente típico.

IV. O depósito a prazo não mobilizável antecipadamente, em rigor, é


um autêntico mútuo.
Aquele em que a instituições de crédito permitem aos seus depositan-
tes, nas condições acordadas, a mobilização antecipada trata-se de um
contrato de crédito atípico, próximo do mútuo e só explicável no seio do
comércio bancário.
O depósito a prazo com pré-aviso é um mútuo (pelo menos, sempre
que o prazo de pré-aviso seja de trinta dias).
Nada de novo. O banco recorre a empréstimos (ou contratos de cré-
dito bastante próximos destes) para conceder empréstimos e faz sua a
diferença entre as taxas de juros pagas e cobradas. É o cerne, historica-
mente situado, da actividade bancária.

Porto, Fevereiro de 2011

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