Tese - A Contratação Pública No Direito Do Urbanismo
Tese - A Contratação Pública No Direito Do Urbanismo
Tese - A Contratação Pública No Direito Do Urbanismo
Coimbra, 2018
1
Agradecimentos
A toda a minha família, que nunca deixou de acreditar nas minhas capacidades.
Aos meus amigos, aos de sempre e aos que conquistei em Coimbra, que fizeram desta
cidade a minha segunda casa, por me fazerem acreditar que, aqui, é possível vencer e fazer
a diferença.
Quero agradecer uma vez mais à minha orientadora Fernanda Paula Oliveira, por
todo o tempo disponibilizado, pelos conselhos e pelas críticas construtivas que me fizeram
ir mais além.
Por último, mas não menos importante, ao meu namorado, Fábio Sousa, por ser um
apoio incondicional nas minhas vitórias e pela paciência que tem tido ao longo de todo este
percurso.
2
Resumo
Para concluir, faremos uma análise jurisprudencial, que assenta em casos concretos
de contratos de empreitadas de obras públicas e de contratos de assunção de encargos pelos
particulares, previstos no artigo 25º do RJUE. O objetivo desta análise jurisprudencial
assenta em perceber o porquê da aplicação, ou da ausência da mesma, das normas de
concorrência da contratação pública, com base na posição do TJUE.
3
Abstract
The present dissertation aims to problematize, first, the actions of the private in the
public sphere, occupying the entire Chapter I, dealing with its evolution, its repercussions,
its limits, its advantages and disadvantages.
In this way, the theme on which we will deal in Chapter II is based on public
contraction, namely in the field of urban planning law. We will give importance to the
various modalities of urban contracts, reporting only to the most recurrent urban contracts.
We will focus on problematizing the essential points of each contract and assessing
whether there is any application of the public contracting rules of the contracting parties, as
provided for in the CCP, to the various contractual types.
Keys words: Public Procurement, urban law, urban contracts, private practice, public
functions.
4
Abreviaturas
Al.) - Alínea
Nº - Número
P.;PP. – Página(s)
5
Índice
Introdução ......................................................................................................................... 8
Capítulo I – A atuação privada no âmbito da contratação pública .................................... 10
1. Governação e partilha de responsabilidades públicas entre Administração e
particulares .................................................................................................................. 10
1.1. O princípio da preferência do contrato administrativo em detrimento do ato
administrativo .......................................................................................................... 10
1.2. A atuação privada no setor do urbanismo: cooperação e contratualização ... 17
2. A evolução do processo de transformação urbanística no direito português ........... 20
3. Manifestação do exercício privado na Função Pública – a separação entre a esfera
pública e a esfera privada ............................................................................................. 23
4. Limites à atuação dos particulares no que respeita ao setor da transformação
urbanística ................................................................................................................... 34
Capítulo II – Contratação pública no Direito do Urbanismo ............................................. 42
SECÇÃO I - A atividade contratual administrativa: a mudança de paradigma ....... 42
1. Enquadramento geral da contratação no domínio urbanístico............... 43
1.1. Considerações introdutórias .......................................................................... 43
2. Os Contratos Urbanísticos: a sua formação.......................................... 45
3. Modalidades dos Contratos Urbanísticos ............................................. 55
SECÇÃO 2 - Contratos para planeamento ............................................................. 58
1. Contratos de planeamento .......................................................................... 58
2. Contratos de execução: os sistemas de execução ........................................ 67
Capítulo III – Os Contratos de Gestão Urbanística ........................................................... 79
1. Contratos de cooperação e de concessão do domínio municipal de gestão de
infraestruturas e dos espaços verdes e de utilização coletiva ......................................... 79
2. O Contrato de Assunção de Encargos pelos Particulares de infraestruturas gerais e
especiais ...................................................................................................................... 85
2.1. Conceito de obra pública ............................................................................ 87
2.2 Noção de Loteamento e Reparcelamento .................................................... 88
2.3 O Regime do Contrato do artigo 25º do RJUE ............................................ 93
2.3.1 A repartição de responsabilidades entre os particulares e município . 96
6
2.3.2 Admissibilidade de procedimentos concursais – o princípio da
concorrência do CCP ................................................................................................ 99
3. Análise jurisprudencial – aplicação das regras do CCP aos Contratos Urbanísticos ...
........................................................................................................................... 101
3.1. O Acórdão La Scala .................................................................................... 103
3.2. O Acórdão Auroux ...................................................................................... 111
3.3. O Acórdão Helmut Müller ........................................................................... 113
3.4. Conclusões .................................................................................................. 117
Conclusão ..................................................................................................................... 118
Bibliografia ................................................................................................................... 121
Jurisprudência Consultada ............................................................................................. 125
7
Introdução
8
Ainda no Capítulo II evidenciaremos os contratos para planeamento que se
subdividem em contratos de planeamentos e contratos de execução. Analisaremos em
detalhe os regimes de ambos.
Por último, no Capítulo III, daremos atenção aos contratos de gestão urbanística,
explanando o regime dos vários contratos que esta categoria integra. Em rigor, destacaremos
quais os problemas associados a cada tipo contratual e como poderemos fazer face a esses
problemas.
Por fim, faremos uma análise jurisprudencial, de forma a perceber, perante casos
concretos, se as regras de concorrência da contratação pública, previstas no CCP, se aplicam
aos contratos urbanísticos, mais precisamente, aos contratos de empreitada pública e aos
contratos de assunção de encargos pelos particulares relativos a obras de urbanização,
fazendo referência a infraestruturas gerais e especiais. Este último contrato tem trazido muita
controvérsia jurisprudencial, daí que analisemos os respetivos acórdãos, nomeadamente, o
Scala, Auroux e Müller.
9
Capítulo I – A atuação privada no âmbito da contratação pública
É de bom tom começar por dizer que o direito administrativo foi submetido a uma
reforma, a qual gerou uma enorme transformação que se refletiu em três momentos
essenciais, nomeadamente, a concertação entre atores públicos e privados no
desenvolvimento das finalidades do dito Estado Administrativo Cooperativo, a relevância
crescente do contrato público no modo de relacionamento e de atuação das administrações
públicas e, por fim, a introdução do consenso nas decisões administrativas de autoridade,
gerando automaticamente uma maior atuação privada nas questões de caráter público e que
até agora eram tratadas unilateralmente pela Administração.1
A sociedade dos dias de hoje propõe novos desafios e outras necessidades, às quais a
Administração se vê obrigada a dar resposta e para tal adota comportamentos diferentes dos
que adotara no passado. Agora, assiste-se a uma necessidade de colaborar com os privados
e de se chegar a formas de concerto, de transação e cooperação com grupos sociais e
económicos, medidas estas que conferem ao particular um estatuto de participantes na
1
V. com mais detalhe, JORGE ALVES CORREIA, Contrato e Poder Administrativo – O Problema
do Contrato sobre o Exercício de Poderes Públicos, Coleção Thesis, GestLegal, 2017, p. 270 e ss.
10
conformação das medidas do poder público ou, até, de delegação de execução de tarefas
públicas.
JORGE ALVES CORREIA (2017), vem ainda acrescentar que “desaparece a clássica
separação entre Estado e Sociedade. Público e Privado reposicionam-se, surgindo não
como polos opostos, mas como setores colaborativos, de ação concertada e de
responsabilidades partilhadas.”2 Neste sentido, o objeto do Estado Cooperativo assenta na
participação orgânica e procedimental de particulares na atividade administrativa, bem como
na integração dos mesmos em redes de prestação de serviços públicos. Este é o cenário a que
temos vindo a assistir, caraterizado pela cooperação na realização de fins públicos3 entre
Estado e Sociedade, na partilha de responsabilidades e na divisão de trabalho alicerçados a
uma lógica de critérios de especialidade, em que a regulação jurídica se baseia em contratos.
Neste contexto, acresce o facto de os privados serem chamados a participar na formação e
na tomada de decisões administrativas, garantindo-se a efetivação de políticas públicas.
2
Cfr. JORGE ALVES CORREIA, ob. cit., Contrato e Poder Administrativo…pp.272-273.
3
A doutrina espanhola defende que pode não haver coincidência entre cooperação e colaboração.
Deste modo a cooperação consiste na prossecução de tarefas revestidas de natureza privada, não obstante o
reconhecimento da utilidade pública dos fins institucionais que tais entidades se propõem executar, facto este
que lhes confere, em relação aos restantes sujeitos privados, um estatuto jurídico diferenciado que pode vir a
ser benéfico, considerando a atribuição de regalias e isenções fiscais. No que respeita à colaboração, os
particulares são chamados a contribuir para a realização de fins institucionais da administração, enquanto
auxiliares na preparação, execução ou gestão de tarefas públicas, pelo que a função em apreço reveste natureza
administrativa, ao contrário da cooperação, e os particulares oferecem a sua colaboração enquanto tais. No
mesmo sentido, voltando a colocar a ênfase na distinção entre estas duas figuras, cfr. R.ENTRENA CUESTA,
“Consideraciones sobre la teoria general de los contratos de la Administración”, p.72-73, entende que
“cooperação” e “colaboração” distinguem-se sob a perspetiva funcional: quando o particular colabora com a
Administração, isso quer dizer que a Administração é quem prossegue a tarefa, sendo a parte principal ou titular
da tarefa, enquanto que na cooperação, alude-se a uma situação mais objetiva, a uma “obra que se faz em
comum” apud JORGE ALVES CORREIA, ob. cit., Contrato e Poder Administrativo…p285.
11
Contratante surge como um subtipo do Estado Cooperativo, ou seja, apresenta-se como um
Estado que compreendeu a “cultura do contrato” como um instrumento ao serviço da
realização dos seus fins institucionais.4
Nesta partilha de responsabilidades entre o setor privado e o setor público está implícita
a adoção de um trabalho conjunto e contínuo na concretização do bem comum.
4
Cfr. JORGE ALVES CORREIA, ob. cit., Contrato e Poder Administrativo…p. 274.
5
Entendimento preconizado por FRANCK MODERNE, “L’ Évolution Récente du Droit des Contrats
Administratifs: les Conventions entre Personnes Publiques”, RFDA, 1984, p.14 apud JORGE ALVES
CORREIA, ob. cit., Contrato e Poder Administrativo…p.275.
6
Os sujeitos da Administração Pública usufruem do contrato como um processo normal de ação e de
relacionamento. Este passa a ser encarado como uma ferramenta de trabalho usual, de forma a relacionar a
administração pública e os particulares. Neste sentido, consultar SÉRVULO CORREIA, Legalidade e
Autonomia Contratual nos Contratos Administrativos, Coimbra, 1987, p.782, que considera o contrato
administrativo como instrumento normal das condutas jurídico-administrativas, em paralelo com o ato
administrativo, apud JORGE ALVES CORREIA, ob. cit., Contrato e Poder Administrativo…p.283.
7
Citando JORGE ALVES CORREIA, ob. cit., Contrato e Poder Administrativo…p.276.
12
capacidade dos particulares para a prossecução de fins públicos, se torna cada vez mais
relevante e funcional.
Esta é uma das afirmações que carateriza na totalidade a situação atual da partilha de
responsabilidades entre a Administração e os particulares. Evidencia a mudança de
paradigma de um Estado Autoritário para um Estado Cooperativo e acentua a importância
da atribuição das funções públicas a entidades privadas, como sujeitos de uma relação
jurídica procedimental, onde o particular é participante no procedimento administrativo e
colaborador da administração. O seu estatuto, enquanto cidadão, vê-se alterado e a
titularidade dos seus direitos torna-se mais ampla, encontrando-se agora munido de direitos
subjetivos, procedimentais e processuais.
Esta parceria entre a Administração e os particulares veio dar resposta à multiplicação
das necessidades coletivas. O Estado deixou de ser o único ator na realização de interesses
públicos. Os particulares participam diretamente na própria orientação da administração,
bem como bem como na aceção consistente dos objetivos e das prioridades da ação
administrativa.9
Contudo, as entidades privadas podem colaborar com a Administração, mas pertencem
sempre à Sociedade Civil, isto é, à esfera privada.
8
Voltando a citar JORGE ALVES CORREIA, ob. cit., Contrato e Poder Administrativo…p.279.
9
No entendimento de VITAL MOREIRA, ob. cit., Administração Autónoma…pp.77-78, no preceito
do artigo 267º da CRP, estão apenas abrangidas as formas de participação coletiva dos cidadãos. As formas de
intervenção procedimental individual das pessoas diretamente interessadas, estão estipuladas segundo o artigo
268º da CRP.
13
Neste contexto, as entidades privadas surgem, em sentido funcional, como sujeitos da
administração pública, ou seja, exercem, em nome próprio, a função administrativa.
Não obstante, a ausência de uma referência explícita na CRP no que respeita a uma dita
parceria público-privada, é notória a presença de um consenso, como um elemento essencial
da organização da sociedade e da estruturação do poder democrático. No entanto, o artigo
266º, nº2 da CRP impõe que a atuação dos órgãos e agentes administrativos deve estar
subordinada à Constituição, à lei e aos princípios jurídicos fundamentais. A subordinação da
atividade contratual está, deste modo, implícita.
Mais uma razão para admitir que a consensualização entre entidades públicas e privadas
se prende ao facto de, em boa verdade, a decisão administrativa ótima ser sempre aquela que
prossegue o interesse público e que, além disso, obtém o consenso do particular para a sua
execução.10
Assiste-se a uma evolução no que concerne à integração do contrato no ciclo de formação
da decisão administrativa unilateral, dando a possibilidade de substituir o ato administrativo
pelo contrato. O artigo 127º do CPA, encaminhado pela revisão de 2015, trouxe a inserção
do contrato como regra geral do procedimento administrativo de autoridade. Assim, a partir
deste momento, consagrou-se a regra de alternatividade entre a utilização do ato e do
contrato administrativo. Consequentemente, o contrato passou a estar colocado no mesmo
plano jurídico-formal do ato administrativo, enquanto modos normais de prossecução das
atribuições das entidades públicas. A Administração só tem a ganhar ao envolver o
destinatário na implementação da própria decisão administrativa, considerando a redução da
litigiosidade e da conflitualidade permanentes, ao mesmo tempo proporcionando resultados
e índices mais elevados de execução das decisões.
Ponto que deve ser ponderado e discutido, prende-se à preferência constitucional e legal
por formas administrativas contratuais no procedimento de autoridade, ou seja, perguntamo-
10
Acompanhando de perto, JORGE ALVES CORREIA, ob. cit., Contrato e Poder
Administrativo…p.307.
14
nos se a Administração pode escolher entre o ato e o contrato administrativo, se deve preferir
um ao invés do outro ou, ainda, quando deve adotar um ou outro.
Para começar devemos citar JORGE ALVES CORREIA (2017), quando diz que “sob
ponto de vista jurídico-constitucional, sempre se poderá afirmar que um princípio de
preferência constitucional pelo contrato em detrimento de formas jurídicas unilaterais é o
que melhor realiza ou se coaduna com o princípio do Estado de Direito (artigo 2º da CRP)
e a dignidade da pessoa humana (artigo 1º da CRP), na medida em que trata o administrado
como sujeito e não como objeto das decisões administrativas.”11
Contudo, este princípio não deve ser encarado com um dever que é imposto às entidades
públicas de forma vinculada e rigorosa, sendo que a Administração tem sempre reservado
um poder de escolha. Ele deve ser sim encarado como um princípio pragmático, na medida
em que não pretende sancionar a Administração de forma alguma, mas sim dar seguimento
às finalidades públicas, obtendo bons resultados com a máxima colaboração, cooperação e
concertação12 dos particulares.
Ainda na mesma linha de pensamento, referimos ainda que um princípio geral de
preferência legal pelo contrato em detrimento do ato administrativo poderia frustrar as
expectativas da Administração, retirar mesmo o seu poder de escolha, até mesmo chegando
a dizer que poderia ferir o seu espaço de discricionariedade. A adoção rigorosa deste
princípio faria com que a Administração procurasse de forma sistemática o acordo com os
particulares (o que poderia proporcionar uma degradação da sua posição negocial) sendo
obrigada a recorrer, apenas e só, a atuações unilaterais em situações de manifesta
impossibilidade ou inconveniência de utilização do contrato. Deste modo, o contrato cairia
em descrédito, levando a uma deslegitimação do mesmo, artificiosamente promovido com
base num princípio geral de preferência e não por intermédio da sua funcionalidade e
utilidade ao serviço de fins públicos.13
11
Cfr. JORGE ALVES CORREIA, ob. cit., Contrato e Poder Administrativo…p.307.
12
Diz-se por concertação, o esquema que consiste nas decisões serem apuradas como resultado de
negociações e do consenso estabelecido entre o Estado e as forças sociais interessadas, admitindo o contrato
como objeto da decisão final de autoridade. Neste sentido, v. JORGE ALVES CORREIA, ob.cit., Contrato e
Poder Administrativo…p.304.
13
Citando em parte, JORGE ALVES CORREIA, ob. cit., Contrato e Poder Administrativo…p.313.
15
Deste modo, compreende-se o porquê de o legislador não ter adotado este princípio,
atendendo às razões explanadas acima.
Por sua vez o legislador português adotou antes um outro princípio que responde, no
nosso entender, às necessidades da Administração Pública. Estamos a referir-nos ao
princípio da otimização da ação administrativa que se consubstancia na exigência de serem
conferidas alternativas procedimentais e liberdade de escolha de formas de atuação às
autoridades administrativas, de forma a que seja definido o direito aplicável às concretas
relações jurídico-públicas. Assiste-se aos critérios de discricionariedade, dos quais a
Administração pode sempre usufruir, de forma a influírem sobre a decisão de uma
determinada forma jurídica de atuação. Considerando a forma de atuação que a
Administração escolher, esta deve ter em conta aquela que se revele mais eficaz e coerente
com a obtenção de um resultado. Quando não se afigurar a possibilidade de obtenção do
consentimento dos particulares, a administração tem de continuar em condições, por força
do princípio da prevalência do interesse público, de impor o direito da situação concreta.14
Não obstante, sendo o contrato administrativo a forma mais recorrente15 no que concerne
ao consenso entre o setor privado e setor público, nos dias que correm, assistindo-se a um
alargamento da aplicação do contrato nas relações jurídico-públicas, como já tivemos
oportunidade de referir e como vamos ainda explicitar nos próximos capítulos, não podemos
excluir o ato administrativo, que também pode ser encarado como objeto de
consensualização.
Quando nos referimos ao contrato em substituição do ato administrativo, o regime a
aplicar encontra-se consagrado na Parte III do CCP, adstrita ao regime substantivo do
contrato administrativo, tendo como consequência a sujeição do contraente público a certas
14
Vide JORGE ALVES CORREIA, ob. cit., Contrato e Poder Administrativo…p.314.
15
Através do disposto no artigo 200º, nº3 do CPA e no artigo 278º do CCP, vemos consagrado o
princípio da autonomia pública contratual ou da liberdade de utilização do contrato administrativo.
16
prerrogativas e a certas regras jurídicas típicas do “regime geral dos contratos
administrativos”16.
Não é de todo impossível que se possa conciliar os interesses públicos com os interesses
privados, logo, mesmo não prescindindo da autoridade pública, não significa que a liberdade
de atuação dos sujeitos privados seja sacrificada.
16
Ponto que não será aqui tratado com detalhe, considerando que o objeto da presente dissertação é a
contratação pública, mas no direito do urbanismo, mais especificamente. Sobre o assunto consultar, JORGE
ALVES CORREIA, ob. cit., Contrato e Poder Administrativo…pp. 483-497.
17
Vide em FERNANDO ALVES CORREIA, Manual de Direito do Urbanismo, Volume I, Almedina,
Coimbra, 2012, p.140. No mesmo sentido FREITAS DO AMARAL, Opções Políticas e Ideológicas
Subjacentes à Legislação Urbanística, in Direito do Urbanismo, coord. FREITAS DO AMARAL, Lisboa,
INA, 1989, p.99.
17
indispensáveis para o desenvolvimento urbano 18. Esta tem sido apresentada como a principal
razão para a transferência de responsabilidade públicas para os sujeitos privados a que temos
vindo a assistir.
18
Como exemplos temos os contratos a tratar no próximo capítulo e, em particular, o contrato previsto
no artigo 25º do RJUE, que nos ocupará grande parte do Capítulo III.
19
Um dos autores que segue esta corrente é PEDRO GONÇALVES, Entidades Privadas com Poderes
Públicos: O exercício de autoridade por entidades privadas com funções administrativas, Coimbra, 2005,
p.1101, que defende que, normalmente, a ação pública deve caber às entidades que se caracterizam pela
prossecução exclusiva do interesse público, devendo ponderar-se bem em termos de custos e benefícios as
implicações resultantes da participação de privados na ação pública.
20
No mesmo sentido JOÃO MIRANDA, A Função Pública Urbanística e o seu exercício por
particulares, Coimbra Editora, 2012, p.31.
18
Aquando do exercício da função pública por particulares, estes ficam sujeitos aos
princípios gerais da atividade administrativa, particularmente no que concerne à prossecução
do interesse público, de transparência e de imparcialidade. Neste âmbito pode falar-se do
conceito de governação contratual, “com o qual se pretende retratar a preferência da
governação por formas de negociação, acentuar a relevância do contrato como mecanismo
que habilita os particulares a exercerem funções administrativas e obrigar a encarar os
poderes da Administração como poderes de orientação”21.
21
V. JOÃO MIRANDA, ob. cit., A Função Pública Urbanística…p.102.
22
JOÃO MIRANDA, ob. cit., A Função Pública Urbanística… p.103, entende que o conceito de
planeamento colaborativo, poderá ser enquadrado neste campo. Planeamento colaborativo, pode ser entendido
como o fim ou o resultado da ação conjunta dos atores públicos e privados tendente a plasmar no campo do
planeamento a conexão existente entre o processo de governação e as dinâmicas sociais e especiais. No mesmo
19
2. A evolução do processo de transformação urbanística no direito português
sentido consultar, PATSY HEALEY, Collaborative planning. Shaping places in fragmented societies, 2ª
edição, Nova Iorque, 2006, p.321.
23
Decreto- Lei nº 46 673, de 29 de novembro de 1965. Antes da aprovação deste DL, o Governo
solicitou um parecer ao Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República nº22/65, de 7 de junho de
1965, p.7, que nunca chegou a ser publicado.
24
Cfr. JOÃO MIRANDA, ob. cit., A Função Pública Urbanística…p.205. Ainda nesta obra é referida
a conceção de MARÍA PARDO ALVAREZ, La potestad de planeamento urbanístico bajo el Estado social,
autonómico y democrático de Derecho, Madrid, 2005, pp. 134-135, que encara a transformação urbanística
como uma atividade de caráter privado, isto porque inclui não só a atividade urbanizadora mas também a
atividade edificatória. A Autora considera que não está aqui em causa qualquer tipo de função pública, embora
reconhecendo que, devido à importância de interesses públicos co-envolvidos, os poderes públicos devem
controlar intensamente o exercício desta atividade privada. Rejeita fundamentalmente a sua qualificação como
atividade pública, considerando que não implica o exercício de prerrogativas de autoridade. Aqui percebe-se
perfeitamente que a posição desta Autora não vai ao encontro da posição defendida pelo Autor JOÃO
MIRANDA, nem pela posição adotada por nós.
20
Mais uma vez, voltamos a reiterar que esta atividade não deve ser prosseguida, na
sua totalidade e em exclusivo pelas entidades públicas. É necessária a colaboração dos
particulares e esta chega mesmo a ser imposta por lei, ao abrigo do disposto nos artigos
47º, nº 3 e 4 e 49º da Lei de Bases25.
Estamos perante uma tarefa comum entre o setor público e o setor privado em que a
transformação urbanística se apresenta como a atividade crucial. Aqui as entidades
administrativas podem realizar esta atividade diretamente ou, então, delegar a sua
execução ao setor privado.26
25
Consagrado no artigo 16º, nº3 da antiga Lei de Bases Gerais da Política Pública de Solos, de
Ordenamento do Território e de Urbanismo, aprovada pela Lei nº 48/98, de 11 de agosto.
26
Em sentido contrário, cfr. LLISET BORRELI, La atividade urbanística de los particulares, Madrid,
1975, p.209 apud JOÃO MIRANDA, ob.cit., A Função Pública Urbanística… p.205, que defende que estamos
perante uma atividade exclusivamente pública, embora admita que os particulares possam participar, mas ao
abrigo de uma concessão desenvolvida pela Administração.
27
V. FERNANDO ALVES CORREIA, ob. cit., Manual… II, p.22. Ver ainda, no que concerne à
concorrência entre os setores público e privado na execução de tarefas públicas, PEDRO GONÇALVES, ob.
cit., Entidades… pp.244-245.
28
Cfr. JOÃO MIRANDA, ob. cit., A Função Pública Urbanística… pp.206-207.
21
relacional, na medida em que a execução do plano se baseia em relações contratuais
estabelecidas entre os destinatários das prescrições urbanísticas, no que diz respeito à
autonomia privada, em que o município desempenha o papel de «registo das escolhas
planificatórias dos privados»29, isto é, a Administração apresenta-se como um terceiro
na execução do plano, do qual nunca podemos dispensar a intervenção.
JOÃO MIRANDA (2012) é da opinião que deverá haver «um rompimento com a
visão doutrinária que procura encerrar exclusivamente com o problema numa de duas
alternativas: ou o direito de urbanizar faz parte integrante do direito de propriedade
privada, caso em que está imune às regras de concorrência; ou corresponde a uma
realidade apartada do referido direito fundamental, hipótese em que se encontra sujeita
às normas da contratação pública».30
Indo de encontro a esta posição, podemos afirmar que esta ideia não contradiz a ideia
de que as obras de urbanização são obras públicas. Não podemos deixar de ter em atenção
que estas obras prosseguem finalidades públicas, salvaguardando a sua qualificação
como atividade privada. Daí que se justifique a qualificação para estas atuações dos
sujeitos privados como a de atividade privada de interesse público. Neste contexto, a
realização das operações de loteamento urbano por particulares assumem uma elevada
importância, às quais será dada a devida importância no Capítulo III.
Na nossa modesta opinião, não devemos ir ao encontro a posições tão radicais, mas
sim encontrarmo-nos no intermédio, ou seja, defendemos que a contratação urbanística,
geralmente, não se deve ser submetida às regras da concorrência aplicadas à contratação
pública pelo CCP, salvaguardando os casos em que estejam em causa a escolha entre
vários promotores de operações urbanísticas, designando-se por particulares interessados
e que a escolha do contraente, por concurso público, para ficar a cargo daquela operação
urbanística se adeque à situação em apreço. A não ser assim, os casos mais frequentes
29
Designação utilizada por PAOLO URBANI, Territorio e poteri emergenti: Le politiche di sviluppo
tra urbanística e mercato, Turim, 2007, p.176.
30
Seguindo de perto, JOÃO MIRANDA, ob. cit., A Função Pública Urbanística…p.213.
22
na contratação pública encontram-se ao abrigo do artigo 5º do CCP que enumera os casos
em que a contratação pública se encontra fora do alcance da aplicação das normas de
concorrência. Mais à frente, mais precisamente no Capítulo II, iremos falar das várias
modalidades contratuais e se, a cada uma delas há aplicabilidade das referidas regras de
concorrência da contratação pública.
Como já é habitual, sabemos que há uma nítida separação entre a esfera pública e a esfera
privada, sendo que o conceito de particulares31 é encarado como o antónimo do conceito de
entidades públicas, ou seja, aquelas que integram a Administração Pública.
31
Definidos como as únicas entidades privadas que têm origem na sociedade e que se apresentam
como externas face à estrutura da Administração pública. PEDRO GONÇALVES, ob. cit., Entidades…p.424,
ainda acrescenta que apenas os particulares se apresentam como entidades genuinamente privadas por atuarem
no espaço da Sociedade, no exercício de direitos e liberdades.
32
V. JOÃO MIRANDA, ob. cit., A Função Pública Urbanística…p.270.
23
relevância ao fenómeno da «administração por particulares» ou da «privatização orgânica
material».33
Destarte, tomando em linha de conta o que já foi dito acerca da natureza privada dos
particulares, não podemos esquecer que as mesmas possuem um substrato publicístico, em
resultado da influência dominante que é exercida sobre eles por outras entidades
administrativas. Daí a que a doutrina as venhas a englobar no conceito subjetivo de
Administração Pública34.
33
VITAL MOREIRA, Administração autónoma e associações públicas, Coimbra, 2007, pp.288 e
545, procede à distinção entre «administração por particulares» e «entidades administrativas de direito
privado». No mesmo sentido, PEDRO GONÇALVES, ob. cit., Entidades…p.396, vem ainda dizer que quando
nos referimos a «administração por particulares», estamos a dirigir-nos à «privatização orgânica material» e
aquando das «entidades administrativas de direito privado» estamos no domínio da «privatização orgânica
formal», conceitos utilizados pelo autor, dos quais não nos vamos ocupar nesta dissertação.
34
Como exemplos desta doutrina temos MARIA JOÃO ESTORNINHO, A fuga para o direito
privado – Contributo para o estudo da atividade de direito privado da Administração pública, Coimbra, 1996,
p.327; VITAL MOREIRA, ob. cit., Administração…p.286; PAULO OTERO, Vinculação e liberdade de
conformação jurídica do setor empresarial do Estado, Coimbra, 1998, p.222; PEDRO GONÇALVES, ob. cit.,
Entidades…p.398.
35
Este conceito não abarca as diversas entidades privadas criadas pelos sujeitos públicos com o fim
de desenvolverem atividades públicas no domínio urbanístico. Não se subsumem neste conceito os
trabalhadores, os funcionários, os agentes e titulares de órgãos públicos. Aqui trata-se de sujeitos que mantêm
uma ligação ou um vínculo a uma entidade administrativa, pertencendo à estrutura desta. Tal como PEDRO
GONÇALVES reconhece, ob. cit., Entidades…p.427, as pessoas em causa «não participam na Administração;
são a Administração».
24
favor de particulares. Desta forma, justifica-se a atribuição de regimes diferenciados a estas
duas formas de exercício de funções públicas.
36
Recorrendo à terminologia utilizada por FRITZ OSSENBÜHL, Die Erfüllung von
Verwaltungsaufgaben durch Private, in VVDStRL, nº29, 1971, pp.189-190, que determina o afastamento da
possibilidade de os particulares a quem é retirado o exercício de uma função pública poderem argumentar a
proteção dos direitos fundamentais com o fim de evitar que tal se verifique.
37
Recorrendo às expressões utilizadas por SALVATORE GIACCHETTI, Dalla «Amministrazione di
Diritto Pubblico» allo «amministrare nel pubblico interesse», in FA, 2006. pp.2357-2358 apud JOÃO
MIRANDA, ob.cit., A Função Pública Urbanística…p.275.
25
Neste contexto, essa entidade privada é análoga aos sujeitos públicos que fazem parte da
Administração Pública. Os atos por ela praticados são, inevitavelmente, atos jurídico-
públicos e as relações que estabelece com outros sujeitos privados qualificam-se como
jurídico-administrativas38, ao invés de jurídico-privadas. Consequentemente, quaisquer
litígios que surjam neste contexto estão sujeitos às normas da jurisdição administrativa. 39
38
Recorremos ao entendimento, a este respeito, de ALEXANDRA LEITÃO, A proteção judicial dos
terceiros nos contratos de Administração Pública, Lisboa, 2002, p.440 e de PEDRO GONÇALVES, ob. cit.,
Entidades…p.1044, como base doutrinal. PEDRO GONÇALVES sustenta que as relações em causa se inserem
no âmbito privado. No entanto, são regidas pelo Direito Privado Administrativo, encarando-o com Direito
Privado Especial.
39
PEDRO GONÇALVES, ob.cit., Entidades…pp.1040-1041, vai ao encontro desta ideia.
40
Voltando a recorrer aos ensinamentos de PEDRO GONÇALVES, ob. cit., Entidades…pp.653-654.
26
Contudo, nem todas estas atividades são suscetíveis de serem executadas pelos
particulares.
De seguida, colocaremos a nossa atenção nos casos em que existe uma aparente
manifestação do exercício privado da Função Pública.
Começando por enumerar os casos em que não existe uma verdadeira manifestação do
exercício privado da Função Pública, JOÃO MIRANDA (2012) defende que a execução do
plano por via de sistema de iniciativa de interessados42, traduzindo-se em relações jurídico-
privadas estabelecidas entre os destinatários das normas jurídicas, se integra nestes casos.
Destarte, frisamos que estão em causa a prossecução de finalidades públicas, mais
precisamente da distribuição perequativa dos benefícios e encargos decorrentes do plano, o
41
Na mesma linha de pensamento, v. JOÃO MIRANDA, ob. cit., A Função Pública
Urbanística…p.279.
42
Conceito que iremos trabalhar de forma mais desenvolvida no capítulo II da presente dissertação.
27
que não impede que os particulares atuem no âmbito da sua capacidade jurídica de Direito
Privado, visando a concretização de uma tarefa privada.
Posto isto, não estamos perante a execução de uma tarefa administrativa, portanto
pública.
A primeira vertente irá ser referida aquando da classificação das diversas modalidades
dos contratos urbanísticos, no capítulo III. Aqui apenas de mostra necessário referir que este
tipo contratual não constitui uma forma de colaboração dos particulares na realização de
tarefas públicas e, consequentemente, é insuscetível de ser qualificada como uma
manifestação de exercício privado da função pública urbanística.
JOÃO MIRANDA (2012) vem ainda acrescentar que, neste cenário, os particulares estão
a desenvolver uma atividade estritamente privada, embora se verifique a prossecução do
28
interesse público, na medida em que esta atividade é desenvolvida de acordo com as
condições mais adequadas para este fim. 43
No entanto, reportando-nos ao antigo sistema podemos afirmar que tanto esta figura,
como a dos contratos de cooperação se apresentam como uma manifestação aparente do
exercício privado de funções públicas, isto porque, neste âmbito, os sujeitos públicos e
privados celebram-nos tendo em conta o seu espaço de liberdade de atuação, respetivamente,
no quadro da autonomia pública e no da autonomia privada. 44
Nos dias de hoje, já não se recorre a esta figura. No entanto, quando dispúnhamos do uso
da mesma, esta enquadrava-se nas situações em que existe uma prossecução de finalidades
43
Cfr. JOÃO MIRANDA, ob. cit., A Função Pública Urbanística…p.285.
44
Na mesma linha, JOÃO MIRANDA, ob. cit., A Função Pública Urbanística…p.286.
45
Esta figura estava prevista no artigo 22º da Lei dos Solos, aprovada pelo DL nº576/70, de 24 de
novembro e dispunha do seguinte:
“1. A Administração pode expropriar por utilidade pública os terrenos necessários à criação ou
ampliação de zonas ou parques industriais.
2. Os terrenos referidos no número anterior, depois de dotados de infraestruturas adequadas, podem
ser cedidos pela Administração para o estabelecimento e funcionamento de instalações industriais, públicas
ou privadas.”
29
próprias, não descartando o resultado final que se afigura no interesse quer das entidades
públicas, quer das entidades privadas.
Estamos num domínio onde não existe uma verdadeira manifestação de exercício
privado da função pública urbanística, em que temos as figuras da participação
procedimental e da incorporação de particulares em órgãos administrativos.
46
A expressão é utilizada por FREITAS DO AMARAL, Curso de Direito Administrativo, I, 3ªedição,
Coimbra 2006, p.717.
30
atores privados como peritos especializados47 ou, noutra vertente, como representantes de
organizações da sociedade civil48. Concluindo, os cidadãos passam a ser titulares ou
membros de um órgão, não havendo qualquer ligação ao exercício privado de uma função
pública.
De todo o modo, quer uma modalidade de participação dos cidadãos, quer a outra não
reúnem os requisitos para se integrarem no exercício privado da função pública, ou seja,
estamos, mais uma vez, perante uma manifestação aparente deste mesmo exercício.
47
Trata-se de uma participação prestada por cidadãos especialmente qualificados em razão da sua
capacidade técnica.
48
Neste âmbito, os principais interessados no funcionamento de uma determinada estrutura
administrativa intervêm no que concerne à tomada de decisão. Deste modo, procura-se que os cidadãos se
considerem aptos para tal.
49
Recorrendo à terminologia utilizada por JOÃO MIRANDA, ob. cit., A Função Pública
Urbanística…pp.290-291.
31
Administração também pode contratar sujeitos privadas com a objetivo de serem estes a
promoverem, sem autonomia, a execução das suas decisões.
O objetivo a alcançar traduz-se nas partes darem o seu contributo para a formação da
decisão administrativa, dando lugar a uma «justiça procedimental abrangente»50. Nos casos
de colaboração auxiliar, os particulares regem a sua atuação segundo as normas do Direito
Privado, consequentemente executando uma atividade privada. Pelo contrário, no exercício
privado da função pública urbanística, o particular adota em nome próprio a responsabilidade
de levar a cabo a tarefa administrativa.51
O direito de ação popular consiste na forma de participação cívica dos cidadãos na vida
política do Estado, consubstanciando-se numa manifestação da sociedade face à organização
de poderes públicos.
A questão a levantar coloca-se nos casos em que as autarquias locais não defendem os
bens dos particulares, ou seja, o particular pretende controlar a atuação dos poderes públicos.
50
Cfr. JOÃO MIRANDA, ob. cit, A Função Pública Urbanística…p.292.
51
Com mais pormenor acerca do tema, v. PEDRO GONÇALVES, ob. cit., Entidades…p.348 e
seguintes.
52
Quanto à ação popular, a doutrina considerava a ação popular corretiva que se traduzia na reação
contra atuações ilegais da Administração e a ação popular supletiva que estava ligada ao propósito de colmatar
a inércia das autarquias locais na defesa dos seus bens. Abordando a origem da ação popular no direito
português, consultar MARCELLO CAETANO, Manual de Direito Administrativo, II, 10ªedição, 5ª
reimpressão, Coimbra, 1994. JOÃO MIRANDA, ob. cit., A Função Pública Urbanística…pp.295-297, é da
opinião de que não há razões para autonomizar estes dois tipos de ação popular, sendo que a ação popular
consiste sempre na “expressão da participação cívica dos cidadãos e de controlo sobre a atuação dos poderes
públicos”.
32
Este caso representa, mais do que a substituição da Administração, o cumprimento de
deveres de colaboração cívica dos cidadãos.
Neste seguimento, PAULO OTERO (1999) diz que estamos perante o exercício
ocasional de funções públicas por particulares, isto é, estes atuam processualmente para
tratar “judicialmente de interesses de uma entidade pública, suprindo a omissão ou
negligência de atuação pública na sua defesa.”53
Neste campo específico do urbanismo o particular tem como pretensão máxima preservar
o domínio público urbano e evitar um balizamento à utilização comum do mesmo pelos
cidadãos.
Posto isto, a ação popular não pode ser entendida como uma manifestação de exercício
privado da função pública. Deparamo-nos, sim, com um mecanismo de participação cívica
dos cidadãos que pretende assegurar tanto o controlo das atuações públicas, bem como a
fruição coletiva de determinados bens tutelados sob normas constitucionais.
Por último, dando espaço a outra figura que não se apresenta como uma manifestação do
exercício privado da função pública, temos a tarefa da aprovação dos planos que se apresenta
como insuscetível de ser delegada a sujeitos privados. Segundo o artigo 65º, nº4 da CRP,
esse papel cabe exclusivamente à Administração, verificando-se a atribuição de uma
competência reservada em matéria de planeamento à mesma.
53
V. PAULO OTERO, A ação popular: configuração e valor no atual direito português, in ROA,
1999, p.877 apud JOÃO MIRANDA, ob. cit., A Função Pública Urbanística…p.295.
33
capítulos da presente dissertação. Estas sim se apresentam como uma verdadeira
manifestação do exercício privado das funções públicas.
Tal como foi outrora referido, a concorrência entre os setores público e privado é
permitida no que concerne à transformação urbanística.
São estas as razões que fazem com que o recurso à transferência de tarefas públicas para
particulares seja cada vez mais frequente.
Atendendo a tudo o que já foi dito até agora, existe a necessidade da imposição de limites
ao exercício da função urbanística aos particulares
Como tal, neste contexto, têm lugar alguns princípios limitadores da transferência de
funções urbanísticas para particulares, nomeadamente o princípio da prossecução do
interesse público, o princípio da proteção dos direitos fundamentais, o princípio da
socialidade, entre outros, aos quais também será dada a devida atenção.
Dando lugar ao primeiro princípio, este é encarado como o princípio norteador de todas
as atuações destinadas à satisfação de necessidades coletivas públicas. Com efeito, este é o
fio condutor dos vários princípios fundamentais da Administração Pública previstos no
34
artigo 266º, nº1 da CRP, onde os respetivos trabalhadores «estão exclusivamente ao serviço
do interesse público», segundo o artigo 269º, nº1 da CRP. Isto quer dizer que o molde
constitucional de Administração Pública se concentra, primacialmente, na existência de
entidades que se dedicam “à prossecução do interesse público 54, e que, por isso, possuem
uma credibilidade reforçada55, resultante da «fidelidade aos valores públicos» 56”.
No entanto, isto não significa que a Constituição proíba o exercício de funções públicas
por entidades privadas. Temos oportunidade de observar exatamente o contrário no artigo
267º, nº6 da CRP.
Como sabemos esta conceção apresentada por VITAL MOREIRA (2007), já não é tão
estanque assim, considerando que o recurso aos contratos urbanísticos, objeto da presente
dissertação, é utilizado em grande escala, deixando o exercício de funções administrativas
por particulares de se enquadrar numa situação excecional, contanto enquadrando-se nas
situações versadas na segunda parte da afirmação feita pelo mesmo autor.
A questão que nos surge neste contexto prende-se ao facto de saber se “esses sujeitos
privados estão em condições de pautar a sua atuação pelo objetivo de realização do
interesse público ou se, pelo contrário, a «situação contraditória» em que se encontram –
em virtude da sua natureza privada mas ligada à realização do interesse público – não
54
Em sentido semelhante, PEDRO GONÇALVES, ob.cit., Entidades…pp.989-990.
55
Cfr. PAUL VERKUIL, Outsourcing and the duty to govern, in Government by contract, Cambridge
(Massachusetts), 2009, p.330 apud JOÃO MIRANDA, ob. cit., A Função Pública Urbanística…p.551.
56
A expressão pertence a JOHN DONAHUE, The privatization decision, Nova Iorque, 1989, p.12
apud JOÃO MIRANDA, ob. cit., A Função Pública Urbanística…p.551.
57
V. VITAL MOREIRA, ob. cit., Administração…p.546.
35
poderá ser um fator gerador de uma certa ambivalência que, em certos casos, os faça
preferir desenvolver interesses privados, em detrimento do interesse público”.58
Ora, neste contexto, podemos apresentar várias respostas possíveis, versando sobre
diferentes posições.
Deste modo, é entendido que a única via para a integração dos particulares no exercício
de funções públicas passa pelo reforço dos poderes de fiscalização das entidades públicas
sobre as entidades privadas.60
Quando está em causa a delegação de tarefas públicas a sujeitos privados, há que garantir
que o princípio da prossecução do interesse público é respeitado pelos mesmos, isto porque
a delegação dessas mesmas tarefas é condicionada por essa garantia. Isto leva-nos a
considerar o risco de captura do interesse público por interesses privados, já antes
mencionado na presente dissertação. Consequentemente, a solução preconizada para este
problema passa pela vinculação desse exercício à observância da juridicidade administrativa,
em que os sujeitos privados que sejam adstritos a esse exercício, se encontram sujeitos a uma
cláusula geral de imparcialidade.
58
Questão suscitada por JOÃO MIRANDA, ob. cit., A Função Pública Urbanística… p.552.
59
Entendemos por “accountability”, o facto de se ser responsável pelas suas ações e ainda ser capaz
de dar justificações para estas. Esta expressão foi utilizada por GILLIAN METZGER, Private delegations, due
process and the duty to supervise, in Government by contract. Outsourcing and american democracy, obra
coletiva, Cambridge (Massachusetts), 2009, p.291 apud JOÃO MIRANDA, ob. cit., A Função Pública
Urbanística… p.553.
60
O autor PAUL VERKUIL, Public law limitations on privatization of government functions, in
N.C.L Rev, vol.84, 2005-2006, p.399, que este controlo não tem sido realizado em grande escala, considerando
que há um aumento de entidades privadas a exercer tarefas públicas e uma diminuição das entidades públicas
criadas para fiscalizar aquelas, apud JOÃO MIRANDA, ob. cit., A Função Pública Urbanística… p.553.
36
Neste sentido podemos assistir a uma situação de desvio de poder aquando da atuação
do delegatário da função pública colidir com os valores de imparcialidade e da neutralidade
administrativas e, ao invés de serem prosseguidos interesses públicos, são prosseguidos
interesses privados.61
Por sua vez, quando estamos perante a atuação de peritos técnicos, corremos também o
risco da transferência da decisão pública para entidades externas à Administração, as quais
estão desprovidas de qualquer legitimidade democrática.
Nos dias de hoje, cada vez mais se assiste a uma privatização das instituições da
Administração, visando o lucro, não deixando por esse motivo de prosseguir o interesse
público.
61
No mesmo sentido, cfr. PEDRO GONÇALVES, ob. cit., Entidades…pp.977-991, que vê a
atribuição de funções públicas criadas para prosseguir exclusivamente o interesse público como «a garantia
mais idónea e segura da observância da neutralidade e da imparcialidade da ação pública». Considera ainda
que não existem garantias de que os sujeitos privados se sujeitem a uma atuação desinteressada.
37
a utilidade pública, sendo que estas se encontram em condições mais adequadas e
privilegiadas para desenvolver funções administrativas do que as demais entidades privadas.
Atendendo ao segundo princípio limitador, o artigo 266º, nº1 da CRP sublinha que a
prossecução do interesse pública tem de ser realizada, considerando os direitos e interesses
legalmente protegidos dos cidadãos. Consideramos que a realização destes interesses com
cariz público deve estar sempre condicionada pela defesa dos direitos dos cidadãos, não
fazendo sentido ser de outra forma.
Acresce, ainda, que o princípio da proteção dos direitos fundamentais pode ser invocado
de igual forma, como limite à liberdade de conformação do legislador na atribuição de tarefas
públicas urbanísticas a sujeitos privados. Desta forma, a proteção do promotor da operação
urbanística fica garantida, na medida em que a transferência de responsabilidades públicas
tem de ser escoltada do cumprimento do dever estadual de emissão de normas
regulamentares e de planeamento a adequar a realização de operações urbanísticas. 62
Deste modo fica vedado ao legislador, através de uma privatização forçada dos poderes
de controlo da atividade de urbanização e de edificação, onerar desproporcionadamente o
promotor com tarefas procedimentais que não lhe competem ou que constituam um custo de
transação excessivo para a execução da atividade.
62
Acompanhando de perto JOÃO MIRANDA, ob. cit., A Função Pública Urbanística…p.556.
38
Ao legislador compete sempre averiguar se os mecanismos administrativos de
fiscalização existentes são suficientes para a prevenção de riscos, tais como perigos para a
vida e a integridade física decorrentes de construções.
Com efeito, este princípio funciona como limite ao legislador no que toca à privatização
de tarefas urbanísticas, quer na perspetiva da proteção da segurança jurídica do promotor,
quer na tutela dos vizinhos.
O plano não pode ser substituído por instrumentos privados de desenvolvimento urbano.
Consequentemente cabe à Administração definir nos próprios planos quais as bases
essenciais e principais das políticas locais de habitação.
63
Esta é uma das normas que mostra a indisponibilidade da Administração delegar a aprovação dos
instrumentos aqui mencionados a entidades privadas. A alínea a), não padece da habitual indeterminabilidade,
caraterizadora de muitas normas constitucionais consagradoras de deveres de prestação estadual ao nível dos
direitos sociais. Neste sentido v. REIS NOVAIS, As restrições aos direitos fundamentais não expressamente
autorizadas pela Constituição, Coimbra, 2003, p.133 apud JOÃO MIRANDA, ob.cit., A Função Pública
Urbanística…p.559.
39
ao nível da orientação das políticas de habitação. Muito pelo contrário, a intervenção dos
particulares na execução de operações urbanísticas é admitida segundo o artigo 65º, nº2, al.
c) e d) da CRP, no que diz respeito à construção de habitação e à promoção do bem-estar
social e económico e da qualidade de vida, segundo o artigo 81º, nº1, al.a) da CRP.
Não obstante o que foi dito, existe muito espaço para a atuação privada neste campo.
Mais do que tudo, este princípio vem sublinhar que a condução da política pública
urbanística não pode ignorar as preocupações alicerçadas à justiça social.
Entende-se que os particulares devem colaborar e atuar neste domínio, não esquecendo
que cabe à Administração a responsabilidade de garantia, acrescida de uma capacidade
efetiva de orientação do processo que não sacrifique a sustentabilidade social.
64
Cfr. JOÃO MIRANDA, ob. cit, A Função Pública Urbanística…p.559.
40
de cumprimento das suas responsabilidades de tutela dos direitos fundamentais de cariz
social.
41
Capítulo II – Contratação pública no Direito do Urbanismo
65
Antes a Administração atuava imperativamente e unilateralmente. Contudo, com a contratualização,
o agir administrativo passa a conviver com outros modelos de interação cooperativa, concertada e consensual.
Neste sentido, JORGE ALVES CORREIA, Os Contratos Urbanísticos – concertação, contratação e
neocontratualismo no Direito do Urbanismo, Dissertação de Mestrado, FDUC, 2009
66
Expressão utilizada por JORGE ALVES CORREIA, Os Contratos… cfr.p.6.
67
Neste sentido JORGE ALVES CORREIA, Os Contratos… cfr.p.7, que se verifica uma verdadeira
evolução do tradicional paradigma da Administração Pública de ato administrativo e da regulação pública
unilateral e vertical para um sistema de Administração Pública de consenso, de concertação e ainda de
“governação partilhada”. Nos dias de hoje, as relações administrativas são baseadas em negociações entre
sujeitos públicos e sujeitos privados, onde estão presentes a cooperação e a concertação de interesses.
68
Expressão utilizada por FREEMAN, JODY, “The Contracting State”, Fl. St. U. L. Revista, vol.28,
2000, pp.155 e ss.
42
1. Enquadramento geral da contratação no domínio urbanístico
69
A doutrina chega mesmo a falar, neste contexto, de uma “codeterminação público-privada”
conteúdos urbanísticos. Expressão utilizada por PAOLO URBANI, Urbanistica Consensuale: La disciplina
degli usi del território tra liberalizzazione, programmazione negoziata e tutele diferenziate, TORINO, Bolatti
Boringheri, 2000, p.74 apud FERNANDA PAULA OLIVEIRA, A Contratação Pública no direito do
Urbanismo, in Estudos de Contratação Pública, CEDIPRE, Coimbra Editora 2008. Neste sentido v. tb.
FERNANDA PAULA OLIVEIRA, Os Contratos para planeamento – Da consagração legal de uma prática,
às dúvidas práticas do enquadramento legal, Almedina, 2009, pp. 22 e ss.
70
FERNANDA PAULA OLIVEIRA, ob. cit., A Contratação Pública…p.781, nota de rodapé, onde
ainda refere que estas operações se encontram sujeitas a procedimentos de controlo preventivo por parte dos
entes públicos, que exercem esta tarefa através de atos de licenciamentos e de autorização, regulados no artigo
4º do RJUE.
43
O urbanismo é um domínio onde se torna fácil confundir interesses públicos e privados.
Como já vimos supra, não obstante de ser a Administração a fixar as regras aplicáveis ao
território, são os particulares que, no seu essencial intervêm, promovendo e levando a cabo
as operações urbanísticas concretizadoras da estratégia e do modelo de ocupação (mais
precisamente do plano) definido pela Administração. Com efeito, os privados mostram-se
peças essenciais e indispensáveis neste “jogo de interesses” 71, que deve ser tido em conta
pela Administração, considerando que a mesma pretende que as estratégias definidas por si
se tornem eficazes e operativas.
71
Expressão utilizada por FERNANDA PAULA, ob. cit., A Contratação… em nota de rodapé, p.782.
72
Os interesses públicos e privados têm tendência para convergir entre si. De modo a combater o
caráter confuso dos mesmos, mostra-se necessário proceder à instituição de técnicas de regulação dos poderes
públicos que garantam o cumprimento dos princípios básicos de Direito Administrativo, nomeadamente o da
adequada ponderação de interesses e da imparcialidade. Torna-se particularmente necessário ter em atenção a
articulação da ação urbanística pública e da participação privada.
73
Cfr. FERNANDA PAULA, ob. cit., A Contratação…, p.782.
74
Com efeito, a consagração destes princípios na CRP, apela para a obtenção do maior nível de
consenso e de adesão dos interessados às soluções urbanísticas projetadas pela Administração. O artigo 65º,
nº5 da CRP garante “a participação dos interessados na elaboração dos instrumentos de planeamento
urbanístico e de quaisquer outros instrumentos de planeamento físico do território.”
44
margem de discricionariedade. Participando os cidadãos mais ativamente na execução das
operações urbanísticas e, consequentemente, estando diretamente envolvidos, a
Administração vê a margem de discricionariedade de planificação mais limitada 75,
determinando a sua maior legitimação por aceitação dos privados. Essa maior aceitação é
também um fator de redução da litigiosidade.76
Outro dos benefícios inerentes à contratação traduz-se na obtenção, por parte dos
municípios, dos meios financeiros necessários à concretização dos projetos de interesse
público, isto é, o município pretende dar início a uma operação urbanística ou dar
continuidade à mesma, mas não detém de disponibilidade financeira para tal. Atendendo a
esse facto, com o aumento da intervenção de entidades privadas, afigura-se a possibilidade
de realizar as operações urbanísticas em questão, proporcionando a fomentação de parcerias
entre entidades públicas e privadas77.
Perante a análise ao artigo 65º, nº4 da CRP, podemos afirmar com toda a certeza de que
o urbanismo 78 se traduz numa tarefa ou função pública.
75
Sempre ponderando os demais interesses coenvolvidos, ou seja, considerando o caso concreto.
76
Neste sentido vide ALEXANDRA LEITÃO, “Contratualização no direito do urbanismo”, in
Revista Jurídica do Urbanismo e Ambiente, nº25/25, p.11.
77
A contratação apresenta-se como um instrumento importante e adequado para a sustentabilidade
financeira dos municípios. Com efeito a associação de investimentos privados a projetos com claro interesse
público proporciona a promoção de “um urbanismo programado e de parcerias e operações urbanísticas
perequativas e com autossustentabilidade financeira” como medida constante do PNPOT.
78
Área especial do Direito Administrativo.
45
No entanto, a contratação urbanística, tal como já fora realçado no presente capítulo, foi
a área onde se verificaram avanços mais significativos.
No que a este propósito diz respeito, temos em causa vários tipos de contratos de que a
doutrina apelida de decisórios – contratos que visam a substituição de atos administrativos,
contratos designados de obrigacionais ou endoprocedimentais, pelos quais a Administração
se compromete a praticar ou não praticar atos administrativos. Podemos ainda referir uma
terceira categoria doutrinal de contratos normativos, que são aqueles cujos objetos se
traduzem na delegação de funções ou serviços públicos, na solicitação de produtos e de
serviços ao mercado80. No fundo fala-se de contratos sobre o exercício de poderes públicos.
79
Neste sentido JORGE ALVES CORREIA, Os Contratos… ob. cit., p.22 e JORGE MANUEL
MEIRA COSTA, O Contrato para assunção de encargos relativos a obras de urbanização (gerais e
especiais): um contrato entre dois territórios jurídicos?, p.9, Dissertação de Mestrado, Universidade do Minho,
Escola de Direito, Outubro de 2015.
80
Cfr. JORGE ALVES CORREIA, Os Contratos…, p.22.
81
Expressão utilizada por JORGE COSTA, ob. cit, p.10.
46
administrativa, assume a direção da vontade das partes com a finalidade de promover
transformações na ordem jurídica. Assim nasce um acordo bilateral que assenta num mútuo
consenso dos contraentes82.
Secundariamente, o referido contrato pode ser celebrado entre uma (ou várias)
entidade(s) pública(s). Porém, também há contratos urbanísticos celebrados exclusivamente
entre entidades públicas83 e, podendo se dar o caso, de existirem contratos somente entre
particulares. Neste contexto, é condição que uma das entidades esteja investida de uma
especial capacidade de direito público.
82
Segundo MARCELLO CAETANO (2005) o mútuo consenso deve ser considerado um elemento
essencial do Contrato Administrativo. Vide Manual de Direito Administrativo, tomo I, Coimbra, 2005,
reimpressão da 7ª edição, obra do autor supramencionado, pp.591 e ss.
83
Apelidados de contratos interadministrativos que se traduzem em contratos celebrados entre o
Estado e os municípios. Como exemplo temos os contratos que têm por objeto a elaboração, alteração ou
revisão de instrumentos e gestão territorial, ou seja, formas de adequação ou de adaptação de um PMOT
preexistente e um PEOT ou a um PROT posteriormente aprovado. Através dos artigos 79º, nº1, 51º e 60, nº2,
al.a) do RJIGT, é possível apreciar a celebração deste tipo contratual. Neste sentido JORGE ALVES
CORREIA, ob. cit., Os Contratos… pp.29-34.
84
V. artigo 405º do CC
47
contratos85, na medida em que, sendo a sua atuação conformada pela discricionariedade, está
originária e necessariamente, investida de um estatuto público que delimita e condiciona as
possibilidades e formas da sua atuação.86
A par desta questão podemos falar de sujeitos públicos e de sujeitos privados, recorrendo
à análise da legislação urbanística. Não obstante, não podemos esquecer o facto de existirem
contratos urbanísticos celebrados apenas entre entidades públicas. Tais contratos não
85
Contudo, o princípio da autonomia contratual da Administração tem de ser convocado em sede de
qualquer entidade pública poder recorrer aos contratos administrativos para realizar as atribuições que
estiverem a seu cargo. Neste sentido o artigo 278º do CCP estatui que “na prossecução das suas atribuições, e
sempre que estejam em causa o exercício da função administrativa, os contraentes públicos podem celebrar
quaisquer contratos administrativos, salvo se outra coisa resultar da lei ou da natureza das relações a
estabelecer”. Ainda a este respeito, o artigo 280º e 281º do referido diploma, estabelecem o regime do princípio
da competência e legalidade, bem como da proporcionalidade, respetivamente.
86
Acompanhando de perto, JORGE ALVES CORREIA, ob. cit., Os Contratos…, p.29.
87
PEDRO GONÇALVES, O contrato Administrativo. Uma Instituição do Direito Administrativo do
Nosso Tempo, Coimbra, 2003, p.37. Ainda de notar que é dado espaço à Administração para escolher a forma
de atuação, mas não o conteúdo do contrato. No entanto, sendo dada a alternativa na escolha das formas de
atuação, o mesmo não quer dizer que a Administração atue sempre através da via contratual. Como é possível
observar o artigo 278º do CCP faz a específica ressalva de “salvo se outra coisa resultar da lei ou da natureza
das relações a estabelecer”. É dada aqui uma ampla importância à natureza das relações a estabelecer, vedando
a total discricionariedade da Administração neste domínio, salvaguardando os casos em que a lei fixe
vinculadamente uma outra forma de atuação. Neste sentido, ver ainda SÉRVULO CORREIA, Legalidade e
Autonomia Contratual nos Contratos Administrativos, Coimbra, 1987, pp.659-678.
48
assumirão grande relevância na presente dissertação, considerando que apenas nos iremos
debruçar sobre os contratos celebrados entre entidades públicas e privadas.
Atendendo ao exposto, podemos identificar dois grandes grupos de sujeitos públicos com
capacidade para celebrar contratos urbanísticos. O primeiro grupo é constituído pelo
Estado88, Regiões Autónomas e Autarquias Locais89.
Dentro deste primeiro grupo, é possível afirmar que os municípios são os atores públicos
primários de preferência ao nível da contratação urbanística, considerando o facto de eles
serem os sujeitos competentes para elaborar os planos, com grande importância, de eficácia
plurisubjetiva90 (os PMOT). Também compete aos mesmos sujeitos elaborar regulamentos
municipais sobre urbanizações e edificações, no sentido de promover a execução coordenada
e programada dos planos e, por fim, praticar atos de controlo das atividades que se traduzem
na realização de transformações urbanísticas dos solos (dos quais falaremos mais adiante,
sendo um dos pontos essenciais, relacionados com os contratos de gestão urbanística).
88
A norma constante no artigo 65º, nº4 da CRP, confere ao Estado, no âmbito do ordenamento
urbanístico português, o poder de elaborar e aprovar as normas gerais sobre a ocupação, uso e transformação
do solo.
89
Conhecidas por entidades públicas primárias que se integram na Administração em sentido
orgânico, segundo a opinião de DIOGO FREITAS DO AMARAL in Curso de Direito Administrativo, Vol.I,
Coimbra,2006 apud JORGE ALVES CORREIA, Os Contratos… ob. cit., p.32.
90
Para mais desenvolvimentos na área de planos com eficácia subjetiva ver FERNANDO ALVES
CORREIA, Manual do Direito do Urbanismo, Vol.I, Almedina, 4ª Edição, 2012.
49
solos e da habitação91 (institutos públicos), de contratos interadministrativos (associações
públicas).
Focando agora a nossa atenção nos sujeitos privados, só podem celebrar contratos
urbanísticos as entidades privadas que estejam investidas de uma especial capacidade de
direito público92 e estipulem o contrato com base nessa posição. Neste sentido observamos
uma Administração Pública93 em forma privada e uma Administração Pública delegada 94.
91
Plasmados no artigo 3º, nº2, al.d) e f) e nº3, al.o), p), s), z) e aa) do DL 223/2007, de 30 de maio,
que aprova a orgânica do Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana.
92
Entidades privadas que desempenhem funções administrativas e que disponham de poderes públicos
de autoridade.
93
A Administração em forma privada consiste na criação de entidades formalmente privadas, adstritas
de uma atividade que pode ser levada a cabo por entidades públicas ou por uma parceria público-privada. Estas
entidades formalmente privadas estão sob a influência dominante de entidades públicas. Neste sentido, v.
PEDRO GONÇALVES, Entidades Privadas com poderes públicos: O exercício de poderes públicos de
autoridade por entidades privadas com funções administrativas, Coimbra, 2005, p.397.
94
A Administração por delegação consiste numa forma de delegar funções públicas em entidades
particulares, que assumem, com autonomia, a responsabilidade de executar uma tarefa pública.
95
Cfr. JORGE ALVES CORREIA, ob. cit., Os Contratos… p.40.
50
privatização da Administração, na medida em que têm, por via de regra, como objeto
atividades públicas de natureza comercial e económica, suscetíveis de serem geridas
segundo uma lógica empresarial” 96.
Deste modo, é possível afirmar que os contratos urbanísticos regulam uma relação
jurídica que se estabelece entre dois ou mais sujeitos (públicos ou privados), desde que um
deles esteja obrigatoriamente investido de poderes públicos, isto é, terá de ser membro da
Administração Pública ou agir nessa qualidade (substituindo-se a esta).
Como já foi referido acima, os contratos urbanísticos consistem num acordo de vontades,
que se traduz num mútuo consenso dos contraentes, onde os interesses são colidentes entre
si, mas de possível harmonização e concertação. Na mesma linha, afigura-se conveniente
questionarmo-nos acerca da natureza das obrigações típicas do contrato urbanístico, isto é,
se existe ou não um vínculo de interdependência ou de reciprocidade entre elas. O
enigmático Professor Doutor Jorge Alves Correia, faz a seguinte pergunta: “Será o contrato
urbanístico um contrato bilateral ou sinalagmático?” 97
96
Cfr. PEDRO GONÇALVES, ob. cit., O Contrato Administrativo…pp. 74-75.
97
Cfr. JORGE ALVES CORREIA, ob. cit., Os Contratos…, p.43.
98
JORGE ALVES CORREIA (2009) salienta que são contratos onde o particular aceita submeter-se
a um regime jurídico-público marcado pela supremacia contratual da Administração Pública. V. ob. cit., Os
Contratos…, p.43.
51
Sob outra perspetiva, os contratos urbanísticos em sentido estrito99 assentam no mútuo
consenso dos contraentes, ou seja, os mesmos não se limitam a estabelecer direitos e
obrigações entre as partes que resultem da lei. Nesta medida, o contrato urbanístico não se
pode fundamentar apenas em previsões legislativas, devendo também acrescentar-se-lhe
algo de novo, nomeadamente o que resulte do encontro da vontade das partes. Em sentido
oposto, nos contratos de urbanização 100, têm-se cláusulas que se traduzem numa “mera
reprodução das obrigações que, designadamente, para o loteador resultam da lei (artigo
53º do RJUE)”101.
Entre nós, perante o estipulado no artigo 1º do CCP, não é novidade que os contratos
urbanísticos se subsumem à natureza administrativa. No entanto, considerando a
heterogeneidade dos tipos contratuais incluídos no conceito de contrato urbanístico, conclui-
se que a sua natureza administrativa depende especificamente do contrato que se está a
analisar, ou seja, do contrato em concreto.
99
Conceção adotada por JORGE ALVES CORREIA, ob. cit., Os Contratos…, pp.43-45
100
Previstos no artigo 55º do RJUE.
101
Cfr. JORGE ALVES CORREIA, ob. cit., Os Contratos…, pp.44-45.
102
Cfr. PEDRO GONÇALVES, ob. cit., O Contrato Administrativo…pp. 74-75.
52
contratos urbanísticos) ou, na falta ou insuficiência desta, atento ao normativo constante na
Parte III do CCP. Quando este mesmo regime não se encontrar regulado, nem em lei especial
ou na Parte III do CCP, serão sucessivamente aplicáveis, a título subsidiário os princípios
gerais de direito administrativo e as restantes normas de direito administrativo, com as
necessárias adaptações. Somente em último recurso, se recorrerá a normas contantes na lei
civil, sempre atendendo às necessárias adaptações.
Face ao exposto é possível concluir que o regime dos contratos urbanísticos não se
encontra plasmado num único diploma legal. Isto acontece porque o contrato urbanístico
engloba uma pluralidade de figuras contratuais, investidas de especificidades e
particularidades próprias, não subsumíveis na mesma categoria de contrato administrativo.
Com efeito, a questão de aferir a que categoria de contrato administrativo pertence o contrato
urbanístico, não pode ser resolvida de forma genérica e ligeira, tendo sempre de ter em conta
o caráter específico e particular de cada um (por vezes podem estar em causa contratos de
delegação de funções ou serviços públicos- dos quais nos vamos ocupar ao pormenor no
Capítulo III, outras vezes contratos sobre o exercício de poderes públicos, entre outros).
Deste modo, compreende-se que o contrato urbanístico, quanto à sua natureza jurídica,
se considera um contrato administrativo especial103, atendendo às especificidades e aos
traços de inequívoca semelhança que o mesmo compartilha com o contrato administrativo.
Por fim, afigura-se relevante realçar que o contrato urbanístico, por sua vez constitui uma
forma da ação administrativa regular o exercício da atividade urbanística. Este elemento
103
“Species do genus Contrato Administrativo”. Expressão utilizada por JORGE ALVES CORREIA,
ob. cit., Os Contratos…p.48.
104
Estes contratos encontravam-se consagrados no anterior art.40º do CPTA. V. mais sobre o assunto,
CARLOS CADILHA E MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais
Administrativos, Coimbra, 2010, p.271; VIEIRA DE ANDRADE, A Justiça Administrativa- Lições, Coimbra,
2017, p.225; MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, Manual de Processo Administrativo, Coimbra, 2016, pp.239-
240.
53
essencial, comum à generalidade dos contratos urbanísticos, pretende regular aspetos que se
introduzem na realidade da atividade urbanística globalmente considerada.
105
O planeamento consiste numa atividade que tem como finalidade a emanação de um plano, na
medida em que este constitui o produto da referida atividade. O vocábulo planificação expressa, assim, uma
ideia de ação, do procedimento. Quando nos referimos ao plano, este é algo que concretiza, que retrata o
resultado do procedimento do planeamento. Neste sentido v. FERNANDO ALVES CORREIA, O Plano
Urbanístico e o Princípio da Igualdade, Coimbra, 1989, p. 346.
106
J.M.GÓMEZ LOBATO, “La Participación Privada en la Formación de Planes de Ordenácion
Urbana”, RDU, Nº114, 1989, p.47 ss.; TOMÁS RAMÓN FERNÁNDEZ, Manual de Derecho Urbanistico,
Madrid, 2008.
107
FERNANDO ALVES CORREIA, Manual de Direito do Urbanismo, Vol. I, Almedina, 2012.
108
Vide em TERESA CRAVEIRO PEREIRA, “O plano-processo no planeamento estratégico”,
Sociedade e Território, nº12, 1990, p.12.
109
JORGE ALVES CORREIA, ob.cit., Os Contratos…p.50.
110
Pode haver gestão urbanística sem que haja, simultaneamente, execução de planos, o que
acontecerá quando não estiver em prática ou não exista nenhum plano urbanístico para executar. Em termos
práticos é possível verificar esta hipótese estipulada no artigo 42º, nº1 do RJUE, onde o licenciamento de uma
54
de execução dos planos urbanísticos, bem como todas as atividades relacionadas com a
ocupação, uso e transformação do solo. Estas mesmas atividades podem ser realizadas sob a
direção, promoção, coordenação ou controlo da gestão urbanística e, por outro lado, as
mesmas podem não estar enquadradas no contexto específico da execução de um plano
urbanístico, o que significa que os conceitos de gestão urbanística e de execução dos planos
não são totalmente coincidentes.111
Mesmo assim, tendo em conta a atual nomenclatura e considerando que a totalidade dos
municípios do Continente possuem um PDM, bem como que a LBPOTU e o RJIGT regulam
a disciplina jurídica da execução dos planos municipais, pode afirmar-se com certeza que a
parte mais significativa da gestão urbanística corresponde à execução dos planos.
No contexto dos contratos urbanísticos, tal como já referimos acima, está em causa a
utilização de diferentes tipos de contratos. A doutrina apelida de contratos decisórios aqueles
que tem como finalidade a produção de um efeito jurídico de um ato de natureza pública112.
Por outro lado, temos os contratos designados doutrinalmente de obrigacionais ou
operação de loteamento pode ser realizado em área não abrangida por qualquer plano municipal ou
intermunicipal de ordenamento do território, desde que sujeito a parecer prévio favorável da CCDR. Há que
avaliar o disposto no nº1 deste preceito, considerando sempre o que vem estipulado no nº2 do mesmo preceito,
que determina que o parecer da CCDR, se designa a “avaliar a operação de loteamento do ponto de vista do
ordenamento do território e a verificar a sua articulação com os instrumentos de desenvolvimento territorial
previstos na lei”.
111
Neste sentido v. FERNANDO ALVES CORREIA, As Grandes Linhas da Recente Reforma do
Direito do Urbanismo Português, Coimbra: Almedina, 2000, p.65.
112
Como exemplo temos o contrato de concessão de urbanização previsto no artigo 151º, nº1 do
RJIGT, no qual a troco de cedência de uma parte de um terreno, no âmbito de um procedimento informal pré-
expropriativo, a câmara municipal transfere para o particular uma outra parcela para a qual viabiliza, de acordo
com as normas em vigor, uma determinada operação urbanística com uma capacidade edificativa e um desenho
urbano específico. Neste sentido ver JOÃO MIRANDA, A Função Pública Urbanística e o seu exercício por
particulares, Coimbra Editora, 2012, pp. 368-369.
55
endoprocedimentais113, pelos quais a administração se compromete a executar uma decisão,
ou que essa decisão contenha um determinado conteúdo.
113
Na célebre opinião de JORGE ALVES CORREIA, os contratos endoprocedimentais, podendo
encarnar numa nova vertente, trazida pelas alterações do DL nº80/2015 de 14 de maio, designada de contratos
sobre o exercício da discricionariedade procedimental, “podem surgir como um instrumento de mediação entre
interesses individuais e interesses difusos, sobretudo em caso de lesão potencial ou ameaça de lesão de bens
ou valores constitucional e legalmente protegidos”. Estes contratos encontram-se regulados no artigo 57º do
CPA. Neste sentido, vide JORGE ALVES CORREIA, Contrato e Poder Administrativo – O Problema do
Contrato sobre o exercício de poderes públicos, Coleção Thesis, GestLegal, 2017, pp. 632-641.
114
Estes contratos encontram-se previstos no artigo 336º do CCP. Neste sentido, ver JORGE ALVES
CORREIA, ob. cit., Contrato e Poder Administrativo…pp. 724-853.
115
Os quais a doutrina denominam de contratos normativos, nomeadamente, ALEXANDRA
LEITÃO, “Contratação no domínio do urbanismo”, p.12. A Autora sublinha que estes contratos estão
redirecionados no sentido de conformar o conteúdo de uma norma que depois é adotada de forma unilateral
pela Administração (contratos pré-normativos ou integrativos do procedimento). No entanto, entende que
aquelas normas podem vir a assumir uma forma contratual, embora reconheça a rara e escassa utilização deste
tipo de contratos. Para outra doutrina, nomeadamente, SUZANA TAVARES DA SILVA, os contratos
normativos são vistos como substitutos da atuação administrativa tradicional. V. da Autora, “A Nova
Dogmática do Direito Administrativo: o Caso da Administração por Compromissos”, apud FERNANDA
PAULA OLIVEIRA, ob. cit., A Contratação… p784. Porém, no nosso entendimento e no de PEDRO
GONÇALVES, continuamos a considerar que este tipo de atuação se enquadra no âmbito dos contratos sobre
o exercício de poderes públicos, v. PEDRO GONÇALVES, ob. cit., O Contrato Administrativo…p.52. V. tb.
FERNANDA PAULA OLIVEIRA, DULCE LOPES, “O Papel dos Privados no Planeamento: Que formas de
Intervenção?”, in Revista Jurídica do Urbanismo e do Ambiente, Nº 20, 2003. Destarte, não podemos ignorar
o facto de algumas formas de concertação de interesses entre a Administração e os particulares não possuírem
um base formal suficiente de modo a preencher os requisitos legais exigíveis dos contratos administrativos,
colocando a necessidade de recorrer a este modo de atuação.
116
Na perspetiva de JORGE ALVES CORREIA, a distinção entre os vários tipos contratuais
urbanísticos baseia-se no objeto, nas partes contratantes, na finalidade adjacente ao contrato, no caráter
56
Por um lado, no domínio do planeamento analisamos os contratos para planeamento117
e os contratos de execução dos planos.
Já no que diz respeito aos contratos de execução dos planos, estes correspondem aos
diferentes tipos de contratos celebrados entre os particulares e a administração no âmbito da
execução sistemática dos planos, com o objetivo de concertar a concretização das opções
urbanísticas previamente determinadas nos instrumentos de planeamento territorial 118. Neste
contexto colocaremos o foco nos contratos celebrados no âmbito dos sistemas de iniciativa
dos interessados, cooperação e de imposição administrativa, sistemas estes triviais no que
respeita à execução dos planos119.
Diferente domínio, e para nós o mais relevante, é o da gestão urbanística tradicional 120.
Neste englobam-se os contratos de assunção de encargos, os de cooperação e concessão.
Para além destes três domínios, encontramos ainda aqueles em que a Administração
contrata com privados que, contudo, continuam a assumir as qualidades de um contrato
público, devido às suas cláusulas que, por regra, são exercidas por atos de autoridade. Os
mesmos têm sido alvo de diversos problemas, que não serão tratados na presente dissertação.
1. Contratos de planeamento
Durante muito tempo, os contratos de planeamento, foram vistos perante nós, como uma
novidade legislativa. Anteriormente eram, apenas, considerados doutrinalmente, facto que
nunca impediu a sua celebração. No entanto, celebrados à margem das exigências de
transparência e de publicidade, persistindo a falta de controlos sociais e judiciais, não existia
a devida e necessária imposição de limites aos abusos e exageros a que muitos estavam
associados.
121
Já o nº2 do artigo 6º e o nº81º, nº1 do RJIGT prevê a possibilidade da celebração dos contratos para
planeamento.
122
Excluímos aqui os contratos pelos quais a câmara “atribui” a um ou vários interessados a
elaboração de um plano, os quais se confundem com os contratos para conceção de estudos/projetos do domínio
do ordenamento do território e do planeamento urbanístico ou com os contratos de prestação de serviços nestes
domínios.
58
O contrato de planeamento123 traduz-se na concertação de interesses público-privados,
onde a Administração municipal se compromete, perante os interessados, a desencadear o
procedimento de elaboração dos programas e planos territoriais, ou contratos pelos quais,
previamente à elaboração dos referidos planos ou programas, a Administração co-determina
com os privados os respetivos conteúdos, a integrar no instrumento de planeamento. 124
123
Plasmado no artigo 6º-A do RJIGT anterior (redação do DL nº316/2007). O seu regime encontra-
se, atualmente, consagrado nos artigos 79º a 81º do RJIGT.
124
Seguindo de perto FERNANDA PAULA OLIVEIRA, ob. cit., Contratos para planeamento…p.17.
125
Ver OCHOA GÓMEZ, Los Convenios Urbanísticos - Limites a la Figura Redentora del
Urbanismo, Madrid, 2006, p.108.
126
Ver JORGE ALVES CORREIA, ob. cit., Os Contratos…p.75.
127
Vide ponto 3 do presente capítulo infra.
128
Cfr. FERNANDA PAULA OLIVEIRA, ob. cit., Contratos para planeamento… p.20. Não temos
quaisquer dúvidas em afirmar, baseando a nossa certeza no artigo 80º, nº2 do RJIGT, que “os contratos para
planeamento não prejudicam o livre exercício dos poderes públicos municipais relativamente ao conteúdo,
procedimento de elaboração, aprovação e de execução do plano”.
59
Na linha do artigo 81º, nº1 do RJIGT, é através de um contrato que a Administração
concilia com os privados o modo como vai exercer os poderes públicos de planeamento –
que pertencem à Administração – obrigando-se a elaborar um plano (que englobe, por
exemplo, uma construção de uma infraestrutura geral) ou a elaborá-lo com um determinado
conteúdo.
O que aqui se trata é de optar130 pela contratualização das escolhas do plano que,
geralmente, seriam da autoria unilateral do município (ainda que se admitisse a participação
dos particulares na discussão pública) e que a partir de agora podem surgir, por força do
contrato, concertadas entre este e os particulares. Por este motivo, os referidos contratos não
prejudicam o exercício dos poderes públicos municipais relativos ao procedimento,
conteúdo e aprovação do plano131, encontrando-se aqui consagrado o princípio da
indisponibilidade do poder de planeamento.
129
Cfr. FERNANDA PAULA OLIVEIRA, ob. cit., Contratos para planeamento… p.22.
130
Neste seguimento, JORGE ALVES CORREIA (2009), afirma que os contratos para planeamento
são contratos de caráter meramente conveniente, podendo a Administração optar pelo contrato ou pelo ato
administrativo. “Vale, por isso, o princípio da alternatividade entre ato e contrato.”, JORGE ALVES
CORREIA, ob. cit., Os Contratos…p.79.
131
Plasmado no nº2 do artigo 80º do RJIGT.
60
nunca ignorando que a tramitação procedimental do planeamento é da responsabilidade
exclusiva da câmara municipal.
No mesmo seguimento, podemos afirmar que estes contratos são celebrados com uma
condição resolutiva implícita, ou seja, o contrato deixará de produzir os devidos efeitos se
as circunstâncias de facto e de direito sofrerem modificações. Caso os pressupostos de direito
e de facto se alterarem, como por exemplo o surgimento de novos dados a ponderar, a
obrigação da câmara municipal – viabilização de determinadas vantagens urbanísticas aos
132
Vide JORGE ALVES CORREIA, ob. cit., Os Contratos… p.137
133
FERNANDA PAULA (2008) ainda acrescenta que é este o sentido que se pretende dar ao nº2 do
artigo 80º do RJIGT, falando-se aqui de uma obrigação de meios e não de uma obrigação de resultados para a
câmara municipal, no que concerne ao conteúdo a conferir ao futuro plano. V. ob. cit., A Contratação pública…
p.791
61
particulares e das correspetivas prestações à Administração como “contrapartida”
daquelas – extingue-se.134
Destarte, não basta para a celebração do contrato que o particular proponha a assunção
da totalidade dos encargos inerentes à elaboração do plano, se este mesmo plano não se
fundamentar em verdadeiras razões de interesse público.135
134
O mesmo não acontece quando nos colocamos no lugar do particular e/ou interessado, ou seja, o
interessado não pode invocar a posição jurídica (v.g. no caso de uma cedência de um terreno, a câmara obriga-
se a alterar o plano de forma a que seja possível a admissão de uma capacidade edificativa noutro terreno do
mesmo interessado de forma a compensá-lo pela cedência já referida) enquanto o plano não a consagrar, o que
só acontecerá quando e se o plano entrar em vigor. Se o plano não previr esta “contrapartida” o interessado não
pode invocar a perda desta posição jurídica, dado que a mesma não lhe é concedida pelo contrato, antes pelo
plano. Neste sentido, cfr. FERNANDA PAULA, ob. cit., Os Contratos para planeamento… pp.26-27. V. tb.
da mesma autora, ob. cit., A Contratação pública… p.791. Esta caducidade vai de encontro ao plasmado no
artigo 337º, nº2 do CCP.
135
V. FERNANDA PAULA, ob. cit., Os Contratos para planeamento… pp. 31-32.
62
ausência desta concertação de interesses, o plano, para ser executado, implicaria recorrer a
procedimentos impositivos morosos e onerosos136.
Face ao exposto, concluímos que, como havíamos afirmado anteriormente, apesar dos
referidos contratos não afetarem o poder de planeamento – o qual continua a pertencer à
Administração – este encontra-se limitado por auto-vinculações administrativas.
Relativamente à primeira questão não há base legal que permita a delegação de tarefas
públicas de planeamento par ao particular. O que se admite nos contratos para planeamento
é um compromisso contratual onde a Administração se auto-vincula a elaborar um plano,
com determinado conteúdo.
136
Que poderão ter lugar na presença de resistência dos proprietários, ou na falta de um acordo estável.
137
Estes procedimentos administrativos de controlo prévio podem ser observados, neste caso, em sede
de licenciamento ou de aprovação de operação de loteamento ou de reparcelamento. Acompanhando de perto
FERNANDA PAULA OLIVEIRA, ob. cit., Os Contratos para planeamento… pp.34-35. Para mais
desenvolvimentos no âmbito dos controlos prévios, vide JOÃO MIRANDA, ob. cit., A Função… pp. 510-554.
63
No que concerne à questão da submissão deste tipo contratual ao regime de concorrência
previsto no CCP, temos vários pontos a discutir e diversas conceções que se podem
demonstrar opostas.
Para JORGE ALVES CORREIA (2009) a concorrência tem de ser encarada numa dupla
perspetiva. Por um lado, temos a Administração que está interessada em obter o máximo de
vantagens que o operador lhe puder fornecer com o objetivo de obter a melhor conceção de
plano e garantir a devida execução do mesmo, o que originará a realização dos interesses
públicos. Por outro lado, temos os demais operadores económicos que tem como máximo
interesse que o plano consagre as soluções urbanísticas que lhe sejam úteis para os seus
empreendimentos económicos. O autor acredita que “afastar os contratos para planeamento
das regras gerais da contratação pública e vedar essa possibilidade de a Administração
encontrar no mercado a melhor proposta de ocupação territorial representará, ao fim ao
cabo, uma pálida satisfação do interesse público, secundarizando-o na fisionomia do
contrato”.138
138
Cfr. JORGE ALVES CORREIA, ob. cit., Os Contratos… pp. 147-151. O autor apresenta uma
posição “fechada” e inflexível acerca do regime concorrencial a que os contratos para planeamento devem ser
submetidos. O mesmo nega a necessidade de os mesmos serem abrangidos pelo artigo 5º do CCP, que trata da
contratação que não se encontra ao abrigo das regras de concorrência da contratação pública, estabelecidas no
CCP. Em sentido contrário, FERNANDA PAULA, defende que os contratos para planeamento devem ser
submetidos ao regime do artigo 5º, nº1 do CCP.
64
questão da concorrência é ultrapassada, no sentido da Administração não ter de fazer uma
escolha de uma proposta, sendo evidente, neste caso, que será a Administração, por natureza,
a “prestadora de serviço” que o interessado procura. 139
Situação diferente é quando são os próprios proprietários dos solos, sobre os quais vai
recair o instrumento de planeamento objeto do contrato, a apresentar proposta. Há quem
entenda que, neste caso, não há necessidade de abertura de um procedimento concorrencial,
isto porque, são da opinião de que existem apenas dois interessados, designadamente a
Administração e o proprietário do imóvel. No entanto FERNANDA PAULA (2009) refuta
esta perspetiva. A tarefa de planeamento é uma atividade pública. Tal significa que estão em
causa a prossecução de interesses públicos140 e não, somente, de interesses dos proprietários
dos solos. Nas palavras da Autora, “não tem lógica deste modo, afirmar-se que apenas
existem dois interessados na elaboração do plano (a Administração que o faz, e os
proprietários dos solos sobre os quais o mesmo incidirá)”.141
Em suma, face a tudo o que foi dito, é facilmente deduzível que há um risco inerente à
admissibilidade da adjudicação direta aos privados (ainda que seja exigível que os privados
sejam os proprietários dos solos em causa) na tarefa de elaboração dos planos. Nesta medida
tal admissibilidade poderia gerar um recurso generalizado a este tipo de procedimento,
139
É imprescindível referir aqui que, como todos nós sabemos, o princípio da concorrência apenas
assume um valor fundamental no âmbito dos designados procedimentos de adjudicação (necessário assegurar
que o interesse público beneficie e veja a sua pretensão satisfeita considerando a proposta mais vantajosa).
Neste caso concreto, tratando-se de um contrato que se engloba na “contratação excluída”, prevista no artigo
5º do CCP, por abranger prestações que não estão submetidas à concorrência de mercado já que são efetuadas
exclusivamente pela Administração. Neste seguimento v. FERNANDA PAULA, ob. cit., Os Contratos para
planeamento…pp. 36-64. Neste caso concreto, de encontro a esta posição JORGE ALVES CORREIA, ob. cit.,
Os Contratos… p. 151.
140
Aqui está implícita a prossecução de todos os interesses coenvolvidos. Vide FERNANDA PAULA,
ob. cit., Os Contratos para planeamento…pp. 65 e ss.
141
No entanto, quando nos deparamos com os contratos para assunção de encargos relativos a
infraestruturas gerais previstos no artigo 25º do RJUE, a situação é diferente. Neste caso permite-se a
adjudicação de obra pública (as infraestruturas gerais) ao interessado na operação urbanística sem a qual (obra
pública) esta pretensão não pode ser viabilizada. Estamos perante uma adjudicação direta e a realização de
operações urbanísticas, que ao contrário dos planos se apresentam como atos atinentes a situações concretas.
Este ponto será desenvolvido com mais detalhe e enfâse no capítulo III da presente dissertação. Para mais
desenvolvimentos acerca do procedimento concorrencial associado ao CCP v. FERNANDA PAULA, ob. cit.,
Os Contratos para planeamento…pp. 55-72. V. tb., JORGE ALVES CORREIA, ob. cit., Contrato e O Poder
Administrativo… pp.789-810.
65
podendo deste modo a Administração adquirir “fora de portas” planos que, no sentido de
poupar custos com a sua elaboração/aquisição, ajustaria diretamente com os proprietários,
os quais, também, socorrer-se-iam do ajuste direto com privados para a elaboração do plano.
Tudo isto geraria um ciclo vicioso e, consequentemente, faria com que a Administração
escapasse “folgadamente”142 do recurso às regras da contratação pública.
Concluindo, expostas ambas as opiniões divergentes dos dois Autores, sendo a posição
de JORGE ALVES CORREIA mais rígida comparativamente à de FERNANDA PAULA,
assumimos que estamos mais inclinados a defender a posição da segunda Autora.
142
Expressões utilizadas por FERNANDA PAULA, ob. cit., Os Contratos para planeamento…pp.
71-72.
143
Cfr. JORGE ALVES CORREIA, ob. cit., Os Contratos… p.149.
144
Podendo, neste caso, adotarmos a posição defendida por JORGE ALVES CORREIA.
66
Concordamos e finalizamos esta exposição citando JORGE ALVES CORREIA (2009),
quando diz “o contrato para planeamento revelar-se-á um instrumento da ação
administrativa adequado ao desenvolvimento da policy urbanística”. 145
Desde logo, afigura-se necessário referir que os contratos de execução abarcam uma
vasta e diversa gama de contratos, todos com o objetivo de “pôr o plano em prática”, por
diversas formas de atuação. No fim de contas os contratos de execução, não são mais do que
a efetiva concretização do modelo territorial talhado nos planos, pondo em prática um
conjunto de ações, designadamente de urbanização e edificação, de acordo com a
programação e as previsões naqueles estipuladas.
Iremos dar uma importância acrescida aos contratos integrativos dos sistemas de
execução dos planos municipais de ordenamento do território no decorrer da nossa
exposição, fazendo apenas uma breve referência aos restantes. Como teremos oportunidade
de verificar, mais à frente, estes são designados por contratos integrativos, na medida em
que “completam ou densificam a disciplina jurídica dos sistemas de execução”. 146
145
Cfr. JORGE ALVES CORREIA, ob. cit., Os Contratos… p.149.
146
Expressão utilizada, ao longo da exposição, por JORGE ALVES CORREIA, ob. cit., Os
Contratos…pp. 85-94.
147
Previsto no artigo 16º da anterior LBPOTU, redigido sob a égide da Lei nº48/98, de 11 de agosto,
revogada pela lei – atualmente em vigor – Lei nº 31/2014, de 30 de maio.
148
Reconduzem-se aos artigos 118º a 125º do anterior RJIGT.
67
Tal como nos contratos para planeamento, nos contratos de execução a tarefa executória
cabe primordialmente à Administração, não ignorando a significativa participação dos
particulares naquela atividade, dado que essa participação se encontra consagrada
legalmente nos artigos 3º, nº1, al.g) e 54º, nº2 da LBPOTU, bem como no artigo 146º, nº2 e
3 do RJIGT, como um dever legal.
Aqui, faz todo o sentido falar-se em tarefas privadas de interesse público, afirmando a
ampla relevância que os particulares têm na execução dos planos, através da promoção de
operações urbanísticas com a finalidade de satisfazer o interesse público, contribuindo para
o desenvolvimento urbanístico de certas áreas do espaço municipal. 149
No nosso ordenamento jurídico a execução dos planos pode ser feita mediante três vias,
designadamente a execução direta, a execução sistemática e a execução assistemática 150. A
primeira diz apenas respeito ao plano diretor municipal, de agora em diante, PDM, que é o
único de elaboração obrigatória de acordo com o artigo 95º, nº4 do RJIGT151, o que quer isto
dizer que as disposições do plano não têm de, obrigatoriamente, passar pela intermediação
de um ulterior plano de execução [artigo 96º, nº1, al.k) e 2, do RJIGT].
Relativamente à execução sistemática 152, a qual iremos abordar com mais detalhe e a
preferida pelo legislador, esta encontra-se regulada no artigo 55º, nº1 da LBPOTU e nos
artigos 147º a 151º do RJIGT e desdobra-se em três sistemas de execução ao abrigo da lei,
149
Cfr. JORGE ALVES CORREIA, Contratos Urbanísticos – Concertação, Contratação e
Neocontratualismo no Direito do Urbanismo, Almedina, 2009, p.150.
150
Encontra-se plasmada no artigo 55º, nº2 da LBPOTU e diz respeito a uma execução realizada fora
do contexto de unidades de execução, dado que não está adstrita a nenhum dos sistemas de execução tipificados
na lei. Traduz-se na concretização de operações urbanísticas isoladas e desligadas de uma solução de conjunto
e de qualquer parceria entre privados e entre estes e a Administração na execução dos planos. Noutras palavras,
a execução assistemática não se encontra associada e uma urbanização programada e coordenada das várias
parcelas incluídas no âmbito de um mesmo espaço territorial. Para mais desenvolvimentos acerca do tema
consultar JORGE ALVES CORREIA, ob. cit., Contratos Urbanísticos… Almedina, pp. 150-159, em especial
p. 156 e 158, a última em nota de rodapé.
151
Reconduz-se ao artigo 84º, nº4 do anterior RJIGT.
152
Também conhecida por execução indireta. Neste sentido, v. JORGE ALVES CORREIA, ob. cit.,
Contratos Urbanísticos… Almedina, p.156.
68
denominados por sistema de iniciativa dos interessados153, sistema de cooperação e sistema
de imposição administrativa (artigo 147º, nº1 do RJIGT).
Colocando agora o foco nos três diferentes sistemas de execução, o sistema de iniciativa
de interessados155, tal como o nome indica, tem como caraterística essencial a iniciativa
privada e encontra-se plasmado no artigo 149º do RJIGT. É neste sistema de execução que
encontramos maior ingerência da atividade dos particulares no procedimento de execução
dos planos. Antes designado por sistema de compensação, justamente pela razão de serem
os particulares a prestar ao município a compensação devida, com base no que está
estabelecido nos planos e/ou regulamento, sendo aos primeiros dado a iniciativa referida.
De seguida, cabe aos mesmos, de acordo com o que está estabelecido na lei e nos planos,
encarregar-se de proceder à distribuição equitativa de benefícios e encargos derivados da
153
Anteriormente denominada por sistema de compensação e consagrada no artigo 122º do anterior
RJIGT. A alteração da denominação encontra sentido no facto de este sistema se apresentar como um sistema
de iniciativa essencialmente privada. Aqui são os proprietários e/ou titulares de direitos reais relativos a prédios
abrangidos no plano, que tem o dever de promover a execução daqueles planos de âmbito municipal e
intermunicipal, de acordo com o disposto no nº1 do artigo 149º do RJIGT.
154
Para melhor entendimento, unidades de execução traduzem-se em áreas do solo, devidamente
delimitadas, nas quais hão-de desenvolver-se – no seu interior – todas as operações jurídicas e materiais em
que consubstancia a execução do plano. Segundo o nº2 do artigo 148º do RJIGT, as unidades de execução
deverão ser “delimitadas de modo a assegurar um desenvolvimento urbano harmonioso e a justa repartição
de benefícios e encargos pelos proprietários abrangidos”.
155
Anteriormente designado por sistema de compensação, plasmado no artigo 122º do RJIGT. Foi, e
continua a ser, o sistema de execução em que os particulares tem um maior protagonismo no que toca ao
procedimento da execução dos planos.
69
execução do instrumento de planeamento entre todos os proprietários, na proporção do valor
previamente atribuído aos seus direitos. 156
Ora, neste sistema, os direitos e os deveres dos particulares que participam na unidade
de execução são definidos por contratos de urbanização, de acordo com o nº2 do artigo 149º
do RJIGT. É um contrato de natureza privada, no qual participam apenas atores
exclusivamente privados, ou seja, este contrato representa uma “forma de
autorregulamentação dos particulares que executam o plano em substituição da
Administração Pública”157, não obstante do mesmo ser celebrado no âmbito de um sistema
de execução de um plano urbanístico e, consequentemente prosseguir o interesse público.
Deste modo, é de fácil assunção que estamos perante um contrato urbanístico em sentido
estrito158.
Neste sentido, somos da opinião que o legislador criou intencionalmente esta lacuna,
dando espaço de “manobra” às partes intervenientes, considerando que remete,
propositadamente, várias matérias não reguladas no artigo 149º para um contrato de
urbanização. Podemos, assim, afirmar com certeza que o contrato é visto aqui como um
elemento essencial para que este sistema de execução funcione.
156
Aqui referimo-nos ao mecanismo designado por perequação que, neste caso concreto está previsto
no artigo 149º, nº1 e 3, do RJIGT.
157
Citando JORGE ALVES CORREIA, ob. cit., Os Contratos… p.89.
158
Tese defendida por Jorge Alves Correia e referida no presente Capítulo nas pp.49-50.
70
de interessados. No entanto, mesmo sendo menos sentido neste sistema de execução, a
participação dos particulares é mais intensa aqui do que no sistema de imposição
administrativa.
Aqui, também se deduz facilmente que o legislador deixou um amplo espaço acerca do
conteúdo a regular em contrato de urbanização pelas partes.
71
Finalmente, no que toca ao sistema de imposição administrativa, previsto no artigo 151º
do RJIGT, os particulares detêm uma escassa intervenção, deixando de ser os protagonistas.
Aqui o protagonismo cabe ao município, que atua diretamente ou através da celebração de
um contrato de concessão de urbanização com um particular, de acordo com o artigo 151º.
Trata-se, sem qualquer dúvida, de um contrato urbanístico em sentido estrito.
Analisando a disposição do artigo 151º do RJIGT, que nos expõe a natureza do contrato
de concessão e de como se processa o sistema de imposição administrativa, percebemos que
o concessionário se pode substituir à Administração, mas isso não quer dizer que a
Administração renuncie a tarefa concessionada. Pelo contrário, opta por não a executar pelos
seus próprios meios e, portanto, assumirá sempre uma responsabilidade de garantia, a qual
se encontra investida de uma fiscalização contínua da execução da atividade que foi
concessionada.159 O contrato de concessão de urbanização, a ser desenvolvido mais adiante
com mais pormenor, consiste num contrato em que é delegado uma função pública, dado
que é atribuída ao contratante particular a responsabilidade de executar determinada tarefa
ou função pública, no caso sub judice, a urbanização de uma unidade de execução que o
município tinha determinado como tarefa sua.
159
Acompanhando de perto JORGE ALVES CORREIA, ob. cit., Os Contratos… p.92.
72
preenchimento de uma lacuna infralegal aberta pelo legislador e constitui um modo
particular de adaptar o regime do sistema de execução às particularidades do caso
concreto.”160 Os contratos são, aqui, considerados como contratos integrativos dos sistemas
de execução dos planos, sendo os mesmos imprescindíveis para o decorrer do procedimento
dos sistemas identificados.
160
Cfr. JORGE ALVES CORREIA, ob. cit., Os Contratos… p.93.
161
Cfr. JOÃO MIRANDA, ob. cit., A Função Pública Urbanística… pp.206-207, em nota de rodapé.
Ainda na mesma linha de pensamento, JOÃO MIRANDA é da opinião de que enquanto persistir a ausência de
desenvolvimento legal dos sistemas de execução, a única alternativa que se vislumbra é, seguindo o
pensamento de FERNANDO ALVES CORREIA, ob. cit., Manual… II, p.72, que os municípios regulem essas
matérias nos seus planos ou regulamentos de urbanização, de forma a incentivar os proprietários a tomarem a
iniciativa de execução do plano. Em síntese, face ao que foi exposto e perante a realidade prática, a insuficiência
da disciplina legal gerou a inaplicabilidade dos sistemas de execução, mais precisamente do sistema de
iniciativa dos interessados. No nosso entender, mais do que esta consagração e determinação legal no que
concerne aos sistemas de execução, a ser feita pelo legislador ordinário, urge a aprovação do diploma legal dos
contratos de concessão. A falta desta aprovação faz com que os contratos de concessão, de forma a serem
utilizados, tenham de recorrer analogamente às normas dos contratos de cooperação e não às suas próprias
normas. Socorrem-se ainda das normas aplicadas aos contratos de concessão de obras públicas previstas no
CCP, o que pode, consequentemente, pode gerar uma má aplicação das normas referidas ao contrato em apreço
e ao caso concreto. Deste modo, compreende-se a urgência de aprovar o devido regime legal dos contratos de
concessão previstos no artigo 47º do RJUE.
73
Os contratos de execução dos planos podem abarcar várias modalidades de contratos.
Como já vimos há contratos de execução dos planos integrativos dos sistemas de execução,
os quais já foram devidamente explanados. No entanto, ainda nos é possível enumerar mais
alguns, que se enquadram no âmbito da execução de planos, aos quais faremos uma breve
referência neste ponto, tomando em consideração que três deles serão discutidos em
pormenor mais à frente (Capítulo III – Contratos de Gestão Urbanística) e, por outro lado,
referindo-nos aos restantes, não faria sentido fazer uma exposição extensa, considerando a
sua falta de relevância para nós nesta dissertação.
Agora, colocando o foco noutro tipo contratual, falaremos dos contratos no âmbito do
reparcelamento do solo urbano em breves linhas, começando por dizer que o seu regime se
encontra previsto nos artigos 164º a 170º do RJIGT162. Acompanhando o artigo 165º, nº1 do
RJIGT de perto entendemos que a operação de reparcelamento é “da iniciativa dos
proprietários, diretamente ou conjuntamente com outras entidades interessadas, ou da
câmara municipal, isoladamente ou em cooperação”. Segundo o nº2 do mesmo artigo, as
relações entre os proprietários e o município são objeto de contrato de urbanização, figura
que temos vindo a recorrer, no âmbito da contratação, com bastante frequência. Na hipótese
de a iniciativa ser do particular163, o processo tem início com um requerimento feito pelo
particular dirigido ao presidente da câmara municipal.
162
Anteriormente plasmado nos artigos 131º a 134º do RJIGT, sendo notória a maior especificidade
dedicada à regulação deste tipo contratual.
163
Dispondo da base legal presente em todo o artigo 166º do RJIGT, que expõe detalhadamente qual
o procedimento aquando da iniciativa dos proprietários. Na opinião de JORGE ALVES CORREIA,
considerando a sua tese acerca do contrato urbanístico em sentido estrito, como é possível verificar, este
contrato não se apresenta como tal devido à sua natureza jus-privatística, justificada pelo facto de esta operação
ter iniciativa particular. Consultar detalhadamente na obra do referido autor, ob. cit., Os Contratos… pp. 97-
101.
74
Muito mais havia a acrescentar acerca dos contratos de reparcelamento urbano, mas visto
que esta figura contratual não afigura como essencial neste capítulo, e mesmo nesta
dissertação, avançaremos agora para outra figura contratual distinta, nomeada por contratos
celebrados no contexto da expropriação urbanística em sentido clássico.
Este tipo contratual encontra-se previsto no artigo 159º do RJIGT e tem como objeto
recorrer à expropriação de forma a executar mais fácil e adequadamente os planos
municipais de ordenamento do território, isto porque dispõe que “podem ser expropriados
os terrenos ou os edifícios que sejam necessários à execução dos programas e dos planos
territoriais, bem como à realização de intervenções públicas e instalação de infraestruturas
e de equipamentos de utilidade pública”.
Neste âmbito podemos adotar duas posições. A primeira posição vai ao encontro ao que
FERNANDO ALVES CORREIA (2000)164 denomina por pré-procedimento da
expropriação, tratando-se aqui da situação em que é celebrado um contrato entre a entidade
interessada na expropriação e o titular dos bens a expropriar, tendo o seguinte contrato como
objeto a aquisição dos bens por via do direito privado, previamente ao requerimento da
declaração de utilidade pública por parte da entidade interessada na expropriação. Estamos
perante atos preliminares adotados pela entidade interessada em obter determinados bens ou
direitos patrimoniais com o intuito de prosseguir o interesse público. Os mesmos atos são
praticados recorrendo ao direito privado, evitando o recurso à expropriação. Não obstante, o
recurso a algumas formalidades especificadas no artigo 11º do Código de Expropriações,
estamos fora do domínio do procedimento expropriativo, tomando em conta o facto de esta
figura contratual se encontrar fora do procedimento expropriativo, antes da prática do ato de
declaração de utilidade pública, sendo considerados pelo legislador como contratos de
direito privado.
164
V. FERNANDO ALVES CORREIA, A Jurisprudência do Tribunal Constitucional sobre
expropriações por utilidade pública e o Código das Expropriações de 1999, Coimbra, 2000… p.93.
75
denominada expropriação amigável, antes de ir mais longe e avançar para a discussão
litigiosa da indemnização. O mesmo quer dizer que já nos encontramos perante um contrato
administrativo que põe termo ao procedimento expropriativo. Ao celebrar este acordo de
expropriação amigável, a entidade expropriante está a exercer uma função materialmente
administrativa.
O objeto primordial dos mecanismos de perequação, de acordo com o artigo 176º, nº1
do RJIGT, constitui a repartição equitativa dos benefícios, ou seja, a redistribuição das mais-
valias entre os diversos proprietários, a concretizar nas unidades de execução. O artigo 177º
do mesmo diploma legal, determina quais os mecanismos de perequação que os municípios
dispõem.
165
O contrato no contexto da expropriação urbanística em sentido clássico apresenta-se, neste
contexto, como uma outra via contratual que pode ser adotada com a finalidade de obter os objetivos da
execução dos planos ou programas territoriais. Como é possível verificar, existem várias figuras contratuais
que proporcionam a concertação de interesses, tendo como última finalidade a urbanização.
166
Cfr. JORGE ALVES CORREIA, ob. cit., Os Contratos…pp. 103-105.
76
em excesso, nos casos em que a edificabilidade do terreno for superior à média, afigurando-
se também a possibilidade da celebração de contratos de compra e venda do índice médio de
utilização entre proprietários de terrenos, nos casos em que o próprio plano permitir,
segundo os artigos 178º e 179º do RJIGT.
É com certeza que afirmamos que estas figuras contratuais de aquisição de terrenos por
permuta ou compra e venda, constituem contratos de direito privado da Administração,
mesmo que se considere a circunstância dos mesmos serem celebrados no âmbito da
perequação compensatória167.
Por fim, mas não com menor importância, vamos referir-nos sucintamente aos contratos
no âmbito da reabilitação urbana. Quando nos referimos a este campo, é imprescindível
afirmar que a reabilitação urbana168 constituiu um instrumento efetivo de melhoria e tutela
do ambiente urbano.
Neste sentido, os contratos que revestem a maior importância são os que se encontram
previstos no artigo 43º do RJRU, designados por contratos de reabilitação urbana. Este
mesmo artigo, no seu nº1, regula o conteúdo contratual, estabelecendo como obrigação do
particular a execução da reabilitação da totalidade ou de parte de unidades de intervenção,
em vez da Sociedade de Reabilitação Urbana – SRU. O nº2 dispõe da possibilidade de o
167
Tal circunstância não é suficiente para classificar este tipo contratual como um contrato
administrativo e muito menos como contratos urbanísticos em sentido estrito, apoiando a tese defendida por
JORGE ALVES CORREIA, ob. cit., Os Contratos…p.105.
168
DL nº88/2017, de 27 de julho, diploma legal que consagra o regime atual da reabilitação urbana,
denominado por Regime Jurídico da Reabilitação Urbana – RJRU.
77
contrato prever a transferência da execução desta última para o particular dos direitos de
comercialização dos imóveis reabilitados e de obtenção dos respetivos proventos, podendo
ficar acordada a aquisição do direito de propriedade ou do direito de superfície dos bens a
reabilitar ou a atribuição de um mandato de venda por conta da SRU169.
Deste modo, finalizamos, assim, a nossa interpretação e exposição acerca dos contratos
de execução de planos em si e das várias modalidades que os mesmos podem abarcar.
169
Acompanhando de perto o regime plasmado no artigo 43º, nº2 do RJRU e a opinião de JORGE
ALVES CORREIA, ob. cit., Os Contratos… pp.107-108.
170
Expressão utilizada por JORGE ALVES CORREIA, ob. cit., Os Contratos…p.108.
78
Capítulo III – Os Contratos de Gestão Urbanística
Estes contratos têm como objetivo principal estimular a responsabilização dos moradores
pelo espaço público urbano por si usufruído. Pretende-se, deste modo, fomentar o
investimento privado ou, de certa forma, reduzir, através da colaboração privada, os
encargos públicos com a execução deste tipo de tarefas urbanísticas. Se os particulares
usufruem destes espaços públicos, somos da opinião de que os mesmos devem contribuir
ativamente para a manutenção destes espaços.
171
V. JOÃO MIRANDA, ob. cit., A Função Pública Urbanística…pp.414-415.
79
operações urbanísticas quanto à manutenção futura do empreendimento urbano que geraram,
por falta de capacidade financeira ou mesmo porque se apercebem da falta de potencialidade
do empreendimento. Neste âmbito, a ausência de um diploma legal aprovado, no que
concerne aos contratos de concessão da gestão de infraestruturas e de espaços verdes, não
ajuda em nada, considerando que estes contratos têm, obrigatoriamente, de se reger pelas
normas aplicadas aos contratos de cooperação. O artigo 47º do RJUE impõe a aprovação do
referido diploma legal, mas enquanto o mesmo não acontecer, os contratos de concessão
municipal (uma das experiências mais relevantes, subsumível a este tipo contratual
consubstancia-se na concessão intermunicipal do serviço público de gestão urbana de uma
área compreendida no atual Parque das Nações, que foi atribuída conjuntamente pelos
Municípios de Lisboa e de Loures à sociedade Parque Expo 98)172 não têm autonomia.
Como é possível verificar a associação dos particulares à gestão das infraestruturas e dos
espaços verdes é uma mais-valia, ainda mais se tiver por base o contrato, de forma a
estabelecer as obrigações das partes. O contrato mostra-se um instrumento adequado para
promover a partilha de responsabilidades públicas entre a Administração e os particulares 173.
JOÃO MIRANDA (2009), coloca uma questão no que concerne à qualificação deste
contrato, isto é, se este deverá ser encarado como um contrato de colaboração subordinada
172
Exemplo plasmado na obra de JOÃO MIRANDA, ob. cit., A Função Pública Urbanística…p.416.
173
Os particulares que são diretamente beneficiados pela utilização de cada espaço urbano devem,
assentando na ideia de responsabilização dos cidadãos, ser incentivados a contribuir para uma melhor
prossecução do interesse público urbanístico. No mesmo seguimento, JOÃO MIRANDA, trata, ainda, do
conceito e da natureza das organizações de moradores, traduzindo-se as mesmas num grupo organizado de
moradores que atuam na gestão e exploração do espaço urbano. Esta atuação deve ser encarada não só como
uma forma de colaboração técnica na execução na prossecução do interesse público, bem como o exercício de
uma tarefa administrativa que se encontra interligada com os interesses específicos dos membros daquelas
organizações. V. obra do Autor referenciado ob. cit., A Função Pública Urbanística… pp. 418-420.
80
ou, por outro lado, se poderá ser entendido como um contrato de cooperação paritária 174,
assimilando o mesmos aos contratos de urbanização, previstos no artigo 55º do RJUE, em
que a celebração é entre a Administração e os particulares, no seio de um sistema de
cooperação na execução do plano, o qual já referimos anteriormente e do qual iremos curar
detalhadamente mais á frente.
Aqui estão em causa interesses comuns de cada uma das partes contratuais, não
prevalecendo interesses de nenhuma das partes, encontrando-se estes no mesmo patamar,
daí a razão de falarmos de um contrato de cooperação. Estamos perante a colaboração entre
os particulares e a Administração com vista a concretizar um interesse público. Os interesses
a prosseguir afiguram-se coincidentes, ou seja, os fins que o legislador atribui à
Administração e os fins que os particulares irão prosseguir coincidem entre si.
No entanto, tal não significa que a tarefa de gestão do espaço urbano deixe de pertencer
ao município.175
Contudo, os contratos aqui tratados não são apenas de cooperação, afigurando-se mais
do que isso, assentando a natureza do contrato não só numa mera cooperação, como também
na colaboração dos particulares com a Administração na prossecução dos fins desta. Destarte
do facto de também se afigurarem como fins dos particulares, são, em primeiro lugar, fins
da Administração. Deste modo, trata-se de um contrato onde os particulares se vinculam,
obrigando-se a colaborar temporariamente no desempenho de atribuições municipais.
174
Cfr, JOÃO MIRANDA, ob. cit., A Função Pública Urbanística… p.422.
175
Não estamos perante uma relação paritária, embora se admita uma atenuação dos poderes do
município da conformação da relação jurídica contratual, conferidos à Administração, mas deixando sempre
claro que a titularidade da tarefa de gestão do espaço urbano pertence ao município.
81
KIRBY (2008), “a aplicação das regras da contratação pública depende da suscetibilidade
de o contrato despertar o interesse concorrencial de diferentes agentes económicos”176.
Mais se refere que, até não ser emitido o diploma de regulamentação do regime do
contrato, as respetivas cláusulas contratuais podem ser elaboradas com base nas normas do
CCP que dizem respeito às obras de concessões públicas e de serviços públicos 179,
subsidiariamente aplicável à concessão de exploração do domínio público, sempre tendo em
176
Cfr. MARK KIRBY, Aspetos relativos à aplicabilidade objetiva e subjetiva das novas regras da
contratação pública, in RFDUL, volume XLIX, nº1 e 2, Coimbra, 2008, p.153.
177
Não podemos ser hipócritas ao ponto de dizer que a falta de diploma legal aprovado que regule
este tipo contratual, não tenha repercussões na aplicação prática destes contratos.
178
Citando o referido artigo 47º do RJUE, “Os princípios a que devem subordinar-se os contratos
administrativos de concessão do domínio municipal a que se refere o artigo anterior (mais precisamente ao
nº3 do artigo 46º que diz respeito aos contratos de concessão) são estabelecidos em diploma próprio, no qual
se ficam as regras a observar em matéria de prazo de vigência, conteúdo do direito de uso privativo,
obrigações do concessionário e do município em matéria de realização de obras, prestação de serviços e
manutenção de infraestruturas, garantias a prestar e modos e termos do sequestro e rescisão”.
179
Plasmadas nos artigos 407º e seguintes do CCP.
82
conta as necessárias adaptações180. O artigo 158º do RJIGT, vem admitir isso mesmo,
dispondo acerca da concessão de utilização e exploração do domínio público, dizendo que a
mesma é admitida e que devem ser aplicadas as normas do CCP e demais legislação
complementar.
Concluindo, é possível afirmar que os contratos de concessão têm algo mais a acrescentar
relativamente aos contratos de cooperação.
180
No entender de MARIA JOSÉ CASTANHEIRA NEVES/FERNANDA PAULA
OLIVEIRA/DULCE LOPES, ob.cit., Regime Jurídico… pp. 413-414, já não existe a necessidade que este
contrato seja regulado por um diploma específico. Assim sendo, consideram que as normas do CCP respeitantes
aos contratos de concessão de obras públicas são o suficiente para regular este tipo contratual. Mais
acrescentam que o CCP “contém regulamentação genérica sobre todos os contratos de concessão e que se
refere a todos os elementos exigidos pelo artigo 47º do RJUE”. No entanto, nós mantemos a opinião de que
seria mais fácil e mais claro a emissão de um diploma próprio dos contratos de concessão no âmbito da gestão
de infraestruturas, sendo este um contrato específico. Assim não restariam dúvidas quanto à sua regulação,
pondo fim à situação de inércia descrita.
181
Vide JOÃO MIRANDA, ob.cit., A Função Pública Urbanística… p.429.
83
à delegação de tarefas efetuadas por órgãos de freguesia, afastando outros quaisquer órgãos
de autarquias locais.
Não corremos aqui o risco de “esvaziar” as atribuições da freguesia, sendo que os fins
prosseguidos são de cariz municipal. Note-se que, no que concerne à prossecução das suas
atribuições, o município dispõe de uma discricionariedade de escolha entre transferir parte
delas para os moradores ou para a junta de freguesia.
Existiriam mais pontos a desenvolver no que diz respeito a este tipo contratual, mas como
não é o nosso ponto fulcral, deixaremos aqui apenas o essencial, rematando a final que a
utilização dos contratos de gestão do espaço urbano é suscetível de construir um instrumento
atraente ou aliciante de combinação dos objetivos de valorização e dinamização dos bens
dominais das autarquias com o de associação de moradores no desenvolvimento de
atividades públicas urbanísticas. Deste modo, estando perante os principais utilizadores dos
182
A norma contida no artigo 248º da CRP deve ser interpretada no sentido de que “os moradores
podem executar as tarefas que o legislador ordinário lhes confiar diretamente, assim como todas aquelas em
que lhe for admitida legalmente a transferência do exercício de poderes administrativos de entidades públicas
para as organizações de moradores, salvo a transferência de poderes de autoridade pelos órgãos de
freguesia.” Vide JOÃO MIRANDA, ob. cit., A Função Pública Urbanística… p.435.
84
bens públicos, é lógico que sejam estes os maiores beneficiários das vantagens
proporcionadas pelos menos, ao mesmo tempo que se responsabilizam pela manutenção dos
espaços públicos urbanos. Nessa medida é de gabar esta parceria, encarada como um
compromisso, em que a titularidade do bem se mantém pública, mas permitindo a
intervenção e exploração por sujeitos privados, ao invés de dar lugar a uma privatização do
espaço público183.
Verifica-se uma amplitude diversa de possíveis intervenientes neste contrato, com vista
a abranger a totalidade dos interessados na execução, manutenção e fruição das obras de
urbanização em causa, de forma a que seja possível alcançar, tanto a participação, como a
183
Cfr. BERNARDO AZEVEDO, Linhas Fundamentais por que se rege a disciplina jurídico-
normativa aplicável à constituição, gestão e extinção dos bens públicos, in Domínio Público local, obra
coletiva, Braga, 2006, p.55.
85
responsabilização de todos na execução de tais obras. Assim será possível alcançar uma
melhor afetação de recursos e uma mais razoável imputação de custos relativamente aos seus
“utilizadores”.184 Procura-se atingir uma autossustentabilidade urbanística que, cada vez
mais, nos dias de hoje e tendo em conta o quadro económico-financeiro público, requer que
o urbanismo seja financiado com capitais privados, sejam eles de proprietários ou de outros
interessados e que estes possam, posteriormente, participar também dos benefícios que da
atuação urbanística decorrem.
Nestes casos concretos, a lei impõe o indeferimento da pretensão, a não ser que o
requerente se comprometa, mediante a celebração de um contrato, a realizar os trabalhos
necessários ou assumir os encargos inerentes à realização daquelas infraestruturas, ou a sua
manutenção186. Aqui é possível reverter a situação.
184
Cfr. MARIA JOSÉ CASTANHEIRA NEVES, FERNANDA PAULA OLIVEIRA, DULCE
LOPES, ob. cit., Regime Jurídico…pp. 418-420
185
Tal como se pode verificar pelo plasmado no nº2 e 5 do artigo 24º do RJUE.
186
Ao abrigo do artigo 25º, nº1 do RJUE.
86
2.1. Conceito de obra pública
Para isso, começa por determinar em que consiste o conceito de obra pública,
explicando que a respetiva definição não é objeto de consenso na doutrina.
O autor entende que esta definição, defendida por MARCELLO CAETANO está
plasmada no artigo 343º do CCP com a adição dos tipos de operações materiais que envolve:
«o resultado de quaisquer trabalhos de construção, reconstrução, ampliação, alteração ou
adaptação, conservação, restauro, reparação, reabilitação, beneficiação e demolição de
bens imóveis executados por conta de um contraente público». O estipulado neste artigo
apenas peca no sentido em que não menciona a ligação das obras à prossecução de fins de
natureza pública, mesmo considerando que tal esteja implícito, isto porque se é a
Administração que leva a cabo tais obras, estas prosseguem necessariamente as atribuições
de entidades públicas.
187
Cfr. JOÃO MIRANDA, ob. cit., A Função Pública Urbanística… pp.219-226.
188
Vide MARCELLO CAETANO, Manual de Direito Administrativo, I, 10ª edição, 5ªreimpressão,
Coimbra 1991; II, 10ª edição, 5ª reimpressão, Coimbra, 1994, p.1001.
189
Acerca do domínio público em contrassenso com o domínio privado ver ANA RAQUEL MONIZ,
O Domínio Público – O Critério e o Jurídico da Dominialidade, Coimbra, 2005.
87
Seguindo a doutrina italiana, vem JOÃO MIRANDA (2012) defender que não é
relevante apurar se as obras construídas são da autoria da Administração ou de quem ela
contratar para as executar. Também não se demonstra relevante a questão de saber se estas
revertem para o domínio público ou para o domínio privado. O que realmente aqui assume
uma extrema relevância é a existência da obrigação de uma entidade pública que assegure a
realização de determinada obra de urbanização, de modo a que a prossecução das atribuições
que lhe foram confiadas por lei (conceito funcional de obra pública) 190.
Através do artigo 65º, nº2, alínea a) da CRP, comando constitucional que impõe «a
existência de uma rede adequada de transportes e de equipamento social», é de passível
verificação que a realização de obras de urbanização se integra na prossecução das
atribuições municipais de planeamento, gestão e realização de investimentos nos domínios
dos espaços verdes, das ruas e arruamentos, da rede viária de âmbito municipal e do
saneamento básico.
190
Por este motivo, é de bom tom distinguir obras públicas de obras de utilidade pública, definindo as
últimas como as “obras de um sujeito privado, que aceita satisfazer também um interesse de caráter geral e
que, em razão disso, as sujeita ao regime de obra pública ou a um regime análogo”, segundo MICHELLE
PALLOTINO, Opere e lavori pubblici, in DDP, vol.X, pp.343.
88
JORGE MEIRA COSTA (2015), vem apresentar o conceito de loteamento urbano que,
segundo a sua pesquisa, tem inspiração no ordenamento jurídico francês 191.
O loteamento urbano apresenta uma espécie de ramificação que importa referir aqui,
visto que se trata de duas figuras que se interligam e coadunam uma à outra. Estamos a
referir-nos à figura do reparcelamento que se consubstancia numa “operação de
recomposição da estrutura fundiária que incide sobre o conjunto de prédios de uma área
delimitada de solo urbano e que tem por finalidade adaptar essa estrutura fundiária a novas
necessidades de utilização do solo previstas em plano municipal de ordenamento do
território ou em alvará de loteamento”192.
191
Ver JORGE MANUEL MEIRA COISA, ob. cit., O contrato para assunção de encargos… p.48.
192
Definida segundo a ficha nº60 do Anexo ao Decreto-Regulamentar nº9/2009, de 29 de maio. Já a
doutrina define-a como “um processo de reordenamento dos terrenos, edificados ou não, situados em regra no
âmbito de aplicação de um plano, de modo a constituir lotes em terreno que, pela sua localização, forma e
extensão, se adaptem aos fins de edificação ou a outro tipo de aproveitamento previsto no plano. É possível
afirmar que a figura de reparcelamento integra uma operação de loteamento. No entanto, apresenta-se como
uma figura muito mais complexa em comparação ao loteamento urbano. Sobre este tema vide MARIA JOÃO
CASTANHEIRA NEVAS, FERNANDA PAULA OLIVEIRA, DULCE LOPES, FERNANDA MAÇÃS, ob.
cit., Regime Jurídico… p.64.
89
loteamento193 que abarca as ações que tenham por objeto a criação de lotes, mas também
aquelas que a tenham por efeito e que são o resultado de um ato ou negócio jurídico 194.
O segundo elemento assenta na formação de novos prédios urbanos e, por fim, o terceiro
consubstancia-se no facto das edificações urbanas se apresentarem como fim último da
operação de loteamento, isto é, o destino das novas unidades prediais, tendo estas como
finalidade a concretização material da construção ou o resultado da mesma.
No que concerne à figura do loteamento, há ainda a acrescentar que a mesma pode ter
iniciativa privada ou municipal. A este respeito a única diferença a apontar reside no facto
de a atuação pública estar isenta do cumprimento dos procedimentos de controlo preventivo,
enquanto que o particular estará sempre sujeito ao cumprimento deste procedimento, nos
termos da Secção III do RJUE (artigos 41º a 66º).
193
Expressão utilizada por FERNANDA PAULA OLIVEIRA, Direito do Urbanismo, Perguntas de
Bolso, Respostas de Algibeira, Coimbra, Almedina, 2013, p.101 apud JORGE MANUEL MEIRA COSTA,
ob. cit., O contrato para a assunção de encargos relativos… p.49.
194
Ver ainda, neste sentido, MARIA JOSÉ CASTANHEIRA NEVES, FERNANDA PAULA
OLIVEIRA, DULCE LOPES, FERNANDA MAÇÃS, ob.cit., Regime Jurídico da Edificação… p.360 e
seguintes, em que as autoras ainda evidenciam e explanam as diferenças entre os conceitos jurídicos de
operação de loteamento e de operações de transformação fundiária. Acerca deste último, explicam que se traduz
num conceito mais abrangente e sustentam que a diferença não está na criação de novas unidades prediais, mas
sim na precisão da capacidade edificativa. No mesmo seguimento, ver também FERNANDO ALVES
CORREIA, ob. cit., As Grandes Linhas da Recente Reforma… pp.81-82, que explica, a respeito do momento
em que os lotes se destinam à edificação, que os casos em que o objetivo de implantação de uma construção,
em pelo menos um dos lotes, ocorre logo no momento da divisão se enquadram no conceito de “loteamento –
ação”. No entanto, quando a intenção de construir é demonstrada em momento posterior à divisão, estaremos
sob um “loteamento – resultado”. Deste modo, afirma-se com certeza que o conceito de loteamento se encontra
munido de várias extensões. Em todas elas é passível de verificar que o destino é a construção de prédios, seja
ele sucessivo ou imediato.
90
Na opinião de JOÃO MIRANDA (2012)195, o loteamento urbano constitui o exemplo de
desenvolvimento de ação privada de interesse público, enquanto que JORGE ALVES
CORREIA (2009)196 qualifica o loteamento como atividade privada.
O loteamento urbano pode ser encarado como uma operação de natureza privada,
considerando que é realizado no âmbito da esfera de atuação própria do respetivo promotor
e, tendo em conta que, em primeiro lugar, está em vista a satisfação de um interesse particular
interligado à edificação urbana. Outro ponto de referência que nos faz encarar o loteamento
como uma operação de natureza privada traduz-se no facto do promotor gozar de autonomia
da vontade na decisão de desencadear a realização da ação197, sendo da sua responsabilidade
conduzi-la e executá-la. É de realçar, ainda, que o loteamento tem como finalidade a
obtenção de proventos económicos com a futura alienação dos lotes construídos, tal como
acontece com outras atividades privadas sujeitas ao controlo prévio da Administração.
195
V. JOÃO MIRANDA, ob. cit., A Função Pública Urbanística…p.214.
196
V. JORGE ALVES CORREIA, ob. cit., Os Contratos Urbanísticos… Almedina, p.31. No mesmo
sentido consultar OSVALDO GOMES, Manual dos Loteamentos Urbanos, 2ª edição, Coimbra, 1983, p.113,
defendendo que, embora a atividade seja regulada por normas jurídicas, trata-se de uma atividade cuja
iniciativa, condução e execução cabe aos particulares, sendo que a Administração prossegue uma mera
atividade de controlo e de fiscalização.
197
Isto não quer dizer que os particulares se encontrem eximidos de respeitar certas normas implícitas
ao regime desta operação urbanística. Face ao exposto, o legislador impõe, através do artigo 57º do RJUE, nº5,
interpretado a contrario sensu a aplicação do regime do loteamento urbano, em matéria de espaços verdes e de
utilização coletiva, infraestruturas e equipamentos, caso, no mesmo prédio, existam edifícios que possuam
autonomia funcional entre si. Não estamos perante um caso de obrigatoriedade de realização da operação de
loteamento pelo promotor, apenas se procedeu à tentativa de evitar a fuga de certas operações privadas ao
referido regime dos loteamentos, em especial aos encargos urbanísticos associados, com vista a assegurar os
níveis mínimos de qualidade de vida. Sobre este assunto, consultar FERNANDA PAULA OLIVEIRA/DULCE
LOPES, Implicações notariais e registais das normas urbanísticas, Coimbra, 2004, pp-62-63.
198
Designação utilizada por JORGE ALVES CORREIA, ob. cit., Os Contratos Urbanísticos…
Almedina, p.32.
91
Deste modo, o loteamento, nos dias que correm, não pode ser encarado como uma
operação de concretização de direito de propriedade privada. Há que reforçar que esta
operação apresenta repercussões ao nível da transformação do território que está associada
ao desenvolvimento urbano e territorial.
Para além do mais, a intervenção da Administração não está apenas adstrita ao controlo
e fiscalização da operação, devendo ser compreendida como uma forma de conjugação de
vontades entre o sujeito público e o sujeito privado na «programação do ordenamento de
uma zona».199
Concluindo, face às razões expostas é verificável e percetível que, não esquecendo que
o loteamento detém a natureza de uma ação privada, o facto de a sua realização pretender
lograr finalidades públicas faz com que esta atividade seja considerada privada e de interesse
público, simultaneamente.201
199
Designação utilizada por ENRICO DALFINO, L’interesse pubblico nelle lottizzazioni edilizie,
Milão, 1981, p.18 apud JOÃO MIRANDA, ob. cit., A Função Pública Urbanística… p.216.
200
Segundo a opinião de CARLOS CADILHA, Aspetos Contratuais do loteamento urbano, in
BFDUC, vol. XII, 1986, p.391.
201
No que concerne ao regime do loteamento urbano é notório que este se distingue do regime de
obras de urbanização, atendendo ao facto do loteamento dispensar a realização dessas obras, quando tem lugar
em áreas já dotadas de infraestruturas necessárias ou quando não se justifique a localização de qualquer
equipamento ou espaço verde público, acompanhando o regime do artigo 44º, nº4 do RJUE. Para além disso,
as obras de urbanização podem ser efetuadas fora do perímetro urbano, ao contrário do loteamento urbano,
segundo o disposto no artigo 41º do RJUE. Tal como já fora explicitado no presente Capítulo, no ponto do
conceito de obra pública, as obras de urbanização não podem ser qualificadas como atividade privada pelo
simples facto da sua execução revestir natureza de atividade pública, não obstante a promoção ser feita por
particulares. Esta é a principal razão que distingue os dois regimes e que, consequentemente, qualifique as
obras de urbanização como públicas. No mesmo sentido v. JOÃO MIRANDA, ob. cit., A Função Pública
Urbanística… p.219.
92
2.3 O Regime do Contrato do artigo 25º do RJUE
No caso de o município aceitar a proposta do interessado, que nos referimos acima, será
celebrado um contrato que se configura em contrato administrativo, isto porque, a lei admite
através dele, que a Administração e os particulares alterem ou modelem o conteúdo de uma
relação jurídico-administrativa.202
No entanto, sendo a celebração destes contratos admissíveis nos termos que já referimos,
a aceitação de situações ao abrigo deste artigo deve ser cada vez mais excecional,
considerando que a admissão de construção sem a devida prévia infraestruturação promove
a utilização de zonas urbanas não programada e, consequentemente, uma desordenação da
cidade.
202
Acompanhando de perto, FERNANDA PAULA OLIVEIRA, ob. cit., Contratação Pública…
p.804.
203
Cfr. CASTANHEIRA NEVES, MARIA JOSÉ; OLIVEIRA, FERNANDA PAULA; LOPES,
DULCE, ob. cit., Regime Jurídico da Urbanização… pp. 337-342.
93
Reportando-nos agora ao período mínimo de 10 anos, referido no nº1 do artigo 25º do
RJUE, este diploma legal, além deste período, deixa uma margem de concertação de
interesses entre a Administração e o particular.
O objeto deste contrato tem de assentar num conteúdo determinado, ou seja, a licença,
as taxas devidas e a caução terão de ser devidamente discriminadas, de forma a que não haja
erros na sua interpretação e aplicação.
De seguida, as taxas devem ser encaradas como um elemento integrativo da eficácia 204
do ato de licenciamento. Quando haja lugar a uma redução proporcional do valor das taxas,
esta deve constar do contrato celebrado, sendo encarado como um elemento de estabilidade
e de segurança que determina a celebração do contrato. Na falta da previsão do valor destas
taxas205, não é percutível que este desconto se opere. A redução proporcional deve ser levada
a cabo, tendo em consideração o valor previsível e concertado dos encargos com a execução
e manutenção de infraestruturas em causa.
No que diz respeito à redução de taxas a zero, esta não se trata de uma isenção. Pelo
contrário, aqui o promotor assume a realização de encargos que, embora sirvam para
204
Segundo o nº3 do artigo 25º do RJUE, esta eficácia também depende da emissão de alvará.
205
Esta falta de previsão da redução proporcional da taxa, poderia levar a que a Administração
causasse uma lesão incontornável na esfera de direitos e interesses legalmente protegidos dos particulares.
Consequentemente o princípio da proporcionalidade seria violado. Perante uma situação desta índole, é
concedido aos particulares afetados uma reação judicial.
94
viabilizar a sua operação urbanística, são da inteira exclusividade do município, como
poderemos explicar detalhadamente mais à frente.
Enquanto que o pagamento da caução e das taxas devidas é condição de eficácia do ato
de licenciamento, relativamente ao artigo 25º do RJUE, a realização efetiva das obras de
urbanização devidamente contratualizadas, previstas no artigo 54º do RJUE, não condiciona
a eficácia da licença, ao contrário do que aponta o nº4 do artigo 25º, in fine. Estamos aqui
perante um modo207 (diferente de condição) que se traduz numa cláusula acessória oponível
a atos administrativos produtores de vantagens para os respetivos destinatários, implicando
a imposição a estes de um dever de fazer, não fazer ou suportar. São cauções que apresentam
conteúdos e exigências diversas.
206
Cfr. CASTANHEIRA NEVES, MARIA JOSÉ; OLIVEIRA, FERNANDA PAULA; LOPES,
DULCE, ob. cit., Regime Jurídico da Urbanização… pp. 339.
207
O modo, enquanto cláusula acessória, ao contrário do que sucede com o termo e condição, não
influi sobre a eficácia do ato. Quando estamos perante o seu incumprimento, este não determinada a ineficácia
do ato, permitindo à Administração desencadear a execução, no sentido de obter o seu cumprimento (o que no
caso em apreço se trata de pôr em prática a execução do contrato celebrado).
95
2.3.1 A repartição de responsabilidades entre os particulares e município
Procedendo à análise da norma aqui em apreço, é visível a permissão que a lei concede,
de uma forma expressa, à celebração de um contrato pelo qual a Administração municipal
adjudica a um privado a responsabilidade de execução de infraestruturas gerais que, de
acordo com a distribuição de tarefas nesta matéria, seriam da sua responsabilidade.
Os municípios são entidades públicas que assumem um papel de relevo na realização das
mais importantes infraestruturas que servem o espaço urbano, como a rede viária municipal
(estradas municipais estruturantes ou de ligação à rede nacional, assim como os arruamentos
principais do espaço urbano), o saneamento básico (coletores principais dos sistemas de
abastecimento e drenagem, abastecimento de água e águas residuais, e ainda os sistemas
coletivos de armazenamento, tratamento ou reciclagem de resíduos sólidos urbanos) e a
energia elétrica (servem a generalidade dos empreendimentos ou edificações situadas numa
determinada área territorial) 209. Estamos perante do que apelidamos de infraestruturas gerais.
208
Seguindo de perto, FERNANDA PAULA OLIVEIRA, ob. cit., Contratação Pública… p.804.
209
Cfr. FERNANDA PAULA OLIVEIRA, ob. cit., Contratação Pública… p.805.
96
conveniente fazer (remodelar ou reforçar) na respetiva circunscrição devido a essa operação
urbanística, sendo da exclusiva responsabilidade do município.
De acordo com JORGE COSTA (2015), a lei é omissa no que diz respeito à estrutura
dos custos. Este sublinha, ainda, que o legislador deixa espaço para a determinação destes
custos, considerando que não há uma definição clara e inequívoca dos custos associados ao
planeamento e à execução das operações urbanísticas 213.
210
Na perspetiva da Ilustre FERNANDA PAULA OLIVEIRA, ob. cit., Contratação Pública…
p.805.
211
Estamos perante uma taxa pela realização, reforço e manutenção das infraestruturas urbanísticas
que, simultaneamente com a taxa de emissão de licença, constituem um meio financeiro importante dos
municípios no âmbito urbanístico. Deste modo, esta taxa, correspondendo a um encargo com as infraestruturas
gerais exigidas pelas diversas operações urbanísticas que ocorrem na sua área de influência, deve ser assumida
por cada promotor na proporção da sobrecarga da sua operação nas mesmas, encarando a proporcionalidade
como um elemento essencial à configuração desta figura tributária. A determinação do cálculo desta taxa deve
assentar numa análise concreta e circunstanciada dos encargos urbanísticos resultantes da operação urbanística
projetada, de modo a que aquela possa refletir as exigências materiais de proporcionalidade entre prestação.
212
Em destaque vide FERNANDA PAULA OLIVEIRA, ob. cit., Contratação Pública… p.805.
213
O autor refere ainda, relativamente à estrutura de custos que esta deve conter: i) os custos
administrativos na preparação do planeamento e programação municipal: ii) custos inerentes à elaboração do
projeto de execução da aludida operação; iii) custos administrativos inerentes à operação urbanística em
concreto; iv) custo de realização das infraestruturas e dos edifícios e instalações para os equipamentos sociais;
v) custos de exploração e manutenção das obras de urbanização realizadas; vi) custos financeiros eventuais ou
extraordinários; vii) custos sociais.
97
Do ponto de vista de JOÃO MIRANDA (2012), o contrato para a assunção de encargos
pelo particular com as infraestruturas gerais, previsto no artigo 25º, engloba-se no âmbito
dos contratos sobre o exercício de poderes públicos, em que a contrapartida exigida ao
particular “consubstancia um encargo enquadrável numa delegação de tarefa pública,
tendo em conta que a Administração fica desonerada durante um largo período de tempo
do exercício de uma atividade pública de conservação de infraestruturas urbanísticas, que
passa a ser assumida pelo particular”214. O autor acrescenta ainda que, aqui, mais uma vez,
se assiste, atendendo ao contrato em apreço, ao surgimento de figuras contratuais atípicas,
que dificilmente se subsumem a um único tipo contratual enunciado no CCP, isto porque
podem englobar prestações típicas de diferentes contratos ou até porque detêm prestações
de natureza sui generis, que não se reconduzem sequer a um contrato pré-existente.
Notoriamente, o direito do urbanismo é palco de uma versatilidade atípica no que diz respeito
ao surgimento de figuras contratuais. Em sentido contrário, FERNANDO ALVES
CORREIA (2010), sublinha que o contrato em apreço se subsume aos contratos sobre o
exercício de poderes públicos, inserido particularmente na modalidade de contrato
obrigacional215.
214
Cfr. JOÃO MIRANDA, ob. cit., A Função Pública Urbanística… p.414, em nota de rodapé.
215
Em destaque, vide FERNANDO ALVES CORREIA, ob. cit, Manual… Volume II…p.41.
98
2.3.2 Admissibilidade de procedimentos concursais – o princípio da concorrência
do CCP
Importa referir em que consiste os princípios da igualdade e da concorrência 216, a ver se,
neste âmbito, são de possível aplicação ao contrato contemplado no artigo 25º do RJUE.
Com efeito, note-se que a regulamentação geral dos procedimentos contratuais aplicáveis
em matéria de empreitadas de obras públicas, não oferece esclarecimentos acerca da
interligação entre a contratação pública e gestão urbanística (que, porventura, são duas áreas
com bastante conexão) no nosso ordenamento jurídico, nada se referindo também no CCP.
Neste seguimento, atendendo a esta disposição legal e a outras em sentido idêntico não
se retira a necessidade de cumprimento prévio de procedimentos concursais para o
216
A este propósito, mais a acrescentar sobre estes princípios em CEDOUA/FDUC/IGAT,
Contratação Pública Autárquica, Coimbra Almedina, 2006, p.43 e seguintes.
217
Citando FERNANDA PAULA OLIVEIRA, ob. cit., Contratação Pública… p.806.
218
O artigo 25º do RJUE prevê explicitamente a possibilidade de o particular se substituir à
Administração e executar obras de urbanização gerais necessárias à viabilização da sua pretensão.
99
estabelecimento ou escolha da entidade que executará as obras públicas decorrentes dos
projetos urbanísticos aprovados. Tal facto justifica-se pela especificidade do fenómeno
urbanístico, que exige uma consideração específica do projeto na sua execução global, bem
como da posição particular dos proprietários na sua área de intervenção. Consequentemente,
há que ter em conta o facto destas infraestruturas gerais corresponderem a infraestruturas
que viabilizam a operação urbanística do promotor. Deste modo, tornar-se-ia altamente
gravoso obrigar o projeto privado a aguardar pela execução daquelas, com cumprimento
prévio dos trâmites da contratação pública, pondo em causa o interesse público da
continuidade das redes de infraestruturas. No caso em apreço, é um processo demasiado
moroso que implicaria perdas desnecessárias.
Deste modo, vamos ao encontro à posição defendida por FERNANDA PAULA (2008),
quando afirmamos que o desencadeamento de procedimentos concursais não é exigível
quando tratamos dos contratos previstos no artigo 25º219. Como tivemos oportunidade de
referir, crucial é que a realização das infraestruturas gerais decorra necessariamente da
operação urbanística aprovada e que delas dependa a viabilização desta mesma operação.
219
Cfr. FERNANDA PAULA OLIVEIRA, ob. cit., Contratação Pública… p.807.
100
Importa acrescentar que o valor daquelas infraestruturas deva ser o correto e
objetivamente determinado, permitindo que a compensação 220 devida ao particular
adstrita à sua realização corresponda estritamente ao valor dos encargos que este tinha
de assumir, isto é, ao valor das infraestruturas gerais que realizou, descontada a
sobrecarga221 que da sua operação resulta para o funcionamento das mesmas.
Os comentários que farei de seguida a três acórdãos, incidem todos no mesmo tema,
tendo todos o intuito de esclarecer o lugar que a contratação pública ocupa no direito do
urbanismo, nos dias de hoje.
220
Compensação que terá lugar no abatimento da taxa que lhe é imputável.
221
A sobrecarga que lhe é imputada, corresponde aos encargos que as infraestruturas gerais têm
especificamente com aquela operação urbanística, de forma a viabilizar a mesma.
101
a certas decisões de gestão urbanística, conseguindo combater esta falta de clareza aos
poucos.
Neste sentido, JOÃO MIRANDA (2012) vem dizer que quando o promotor atua
ancorado num ato autorizativo, a sua situação assemelha-se bastante à do co-contratante da
Administração no âmbito da contratação pública222. Na verdade, existem caraterísticas
comuns entre as duas situações quanto ao regime legal aplicável, tais como:
i) Tanto no regime do artigo 54º do RJUE, como no regime do artigo 88º do CCP
a prestação de caução é obrigatória quer para o promotor, quer para o
adjudicatário do contrato, de modo a que seja garantida a boa e regular execução
das obras de urbanização ou tendo em vista assegurar a celebração do contrato,
bem como o cumprimento de todas as obrigações legais e contratuais assumidas
com a adjudicação, respetivamente;
ii) É aplicável à receção provisória das obras de urbanização, com as necessárias
adaptações, o regime da receção provisória e definitiva das empreitadas de obras
públicas, previsto no artigo 87º, nº3 do RJUE;
iii) Quando se verifique um caso de incumprimento do dever de realização das obras
de urbanização pelo promotor, o município pode preferir promove-las
diretamente ou contrata um terceiro para as realizar, segundo o artigo 84º do
RJUE, tal como acontece no que concerne aos contratos públicos, ao abrigo do
artigo 325º, nº2 do CCP.
Desta forma, verificando o que acabo de dizer, irei refletir acerca das decisões
tomadas nos Acórdãos La Scala, Auroux e Helmut Müller. Estes esclarecem questões acerca
desta problemática de forma crescente e coerente.
222
Afirmamos com certeza que tem vindo a verificar-se uma aproximação entre ato e contrato
administrativo. É o que sucede na hipótese prevista no artigo 24º, nº2, alínea b) e nº5 do RJUE, em que está
em causa uma sobrecarga para as infraestruturas urbanísticas e os serviços gerais existentes o que obriga a
realização de trabalhos ou de serviços não previstos pelo município. Com efeito, a pretensão só poderá ser
deferida após a celebração do contrato a estabelecer as obrigações do promotor.
102
3.1.O Acórdão La Scala
No entanto, a Ordem dos Arquitetos das Províncias de Milão e Lodi e o arquiteto Piero
de Amicis, interpuseram recurso contra estas deliberações alegando que estas iam contra o
direito italiano de urbanismo e de contratos e, contra o direito comunitário.
De acordo com a opinião dos mesmos, visto que esta construção reúne as caraterísticas
de uma obra pública, deveria ter existido um concurso público seguido de adjudicação e não
uma imediata adjudicação direta.
223
Segundo o artigo de JOÃO ILHÃO MOREIRA, Os Contratos Urbanísticos como atividade
económica e mercado público: a Influência da jurisprudência comunitária, pp.556-557
103
Deste modo o Tribunale admministrativo regionale Per Lombardia conclui que as
deliberações a que nos referimos estão de acordo com o direito italiano, mas não demonstra
a mesma certeza em relação ao direito comunitário.
Posto isto, o mesmo colocou duas questões prejudiciais ao Tribunal de Justiça da União
Europeia (TJUE).
A questão principal aqui é saber se para a construção deste teatro, que se apresenta como
uma obra secundária, é necessário a realização de um concurso público ou de apenas um
concurso limitado previamente à sua adjudicação. De modo a chegarmos a uma resposta
esclarecedora teremos de delimitar o âmbito de aplicação desta mesma Diretiva a que me
acabei de referir e, de seguida, verificar se esta mesma se aplica ao caso em questão.
Sendo assim, teremos de definir aqui o que é um contrato de empreitada e quais os seus
elementos essenciais para assim ser mais fácil apreciar o caso em apreço.
104
relativas a uma das atividades referidas no anexo II, quer a realização, seja por que meio
for, de uma obra que satisfaça as necessidades indicadas pela entidade adjudicante”224.
O primeiro elemento controverso a analisar é saber se, nestes casos, temos presente a
natureza contratual.
Na opinião do Advogado-Geral não estamos perante um contrato, visto que não existe
liberdade de escolha em relação à contraparte e assim extinguem-se as razões para aplicação
das regras da contratação pública.
O TJUE não concorda tendo concluído que «os elementos definidos pela convenção de
loteamento e os acordos celebrados no quadro daquela são suficientes para o elemento
contratual exigido pelo artigo 1º, alínea a) da diretiva esteja presente». Para este tribunal a
falta de capacidade de escolher a outra parte contraente não é suficiente para excluir o caráter
contratual do acordo celebrado.
224
Artigo 1º al.a) da Diretiva 93/37/CE
105
vinculação entre duas partes se apresenta como um elemento essencial da figura do contrato,
tendo este elemento contratual sido verificado.
Contudo o TJUE volta a discordar da opinião deste e afirma que a «Diretiva não exige
que a pessoa que celebra um contrato com uma entidade adjudicante esteja em condições
de realizar diretamente a prestação acordada com os seus próprios recursos para poder ser
qualificada como empreiteiro; é suficiente que este seja capaz de fazer executar a prestação
em causa, fornecendo as garantias necessárias para este efeito»225 .
Para este Tribunal, o facto de a MCS subscrever os acordos que a comuna de Milão
concluiu com a sociedade Pirelli, cumpre a obrigação de fornecer garantias suficientes
quanto à realização das obras.
225
Acórdão «Scala», cit., parágrafo 90 (consultável em http:/curia.europa.eu/jurisp./cgi-
bin/gettext.pl? lang=pt=pt&num=79989287C19980399&doc=T&ouvert=T&seance=ARRET)
106
loteamento se vê diminuído deste mesmo valor, sem outra contrapartida financeira que não
seja a dispensa do pagamento da contribuição»226.
Mais se acrescenta que o TJUE entende que para respeitar os princípios de concorrência
e transparência plasmados no direito comunitário, é necessário a existência de um
procedimento de adjudicação, cumprindo assim os objetivos desta Diretiva, isto é, a
liberdade de estabelecimento e a livre prestação de serviços em matéria de contratos de
empreitadas de obras públicas.
Concluindo, prevalece a opinião do TJUE, defendendo que existiam mais razões para
que esta obra fosse compreendida segundo o regime da empreitada de obras públicas e,
consequentemente, ser submetida ao regime da concorrência e transparência regulado nos
termos do CCP e da Diretiva supramencionada.
226
Conclusões do Advogado-Geral, cit., parágrafo 101 (para consultas as conclusões do Advogado-
Geral Philippe Léger para o acórdão «la scala» cfr. http:/curia.europa.eu/jurisp./cgi-bin/gettext.pl?
lang=pt=pt&num=79998792C199803998&doc=T&ouvert=T&seance=CONCL)
107
devidas pelo promotor e realizar, por conta própria, as obras de urbanização. Assim,
existiria a liberdade de celebração que é essencial à existência de um contrato”.227
Por outro lado, o autor não segue alguns dos fundamentos da decisão defendida pelo
TJUE.
O autor volta a entrar em discordância com o TJUE, na medida em que defende que a
decisão não pode ser encarada no “sentido da obrigatoriedade de abertura de um
procedimento concursal em todos os casos de realização de obras de urbanização ou da
existência de um dever de o promotor da operação urbanística assumir a qualidade de
entidade adjudicante, para efeitos da contratação de um terceiro para executar as
obras”.228
227
Cfr. JOÃO MIRANDA, ob. cit., A Função Pública Urbanística…p.232-233.
228
Cfr. JOÃO MIRANDA, ob. cit., A Função Pública Urbanística…p.232-233. Em sentido diverso,
MARIA PARDO ÁLVAREZ, La Potestad de planeamento urbanístico bajo el Estado social, autonómico y
democrático de Derecho, Madrid, 2005, p.200, que lança outra problemática associada à natureza privada da
obra, ou seja, entende que quando se contrate com um sujeito privado, se justifica a inaplicabilidade das normas
da contratação pública. Vamos ao encontro da opinião defendida por JOÃO MIRANDA, evidenciando que se
demonstra irrelevante o facto do promotor se limitar a cumprir um dever imposto legalmente, pois o que
realmente interessa é apurar a finalidade de realização das obras de urbanização e essa é explicitamente pública,
mesmo quando seja prosseguida por um sujeito privado. Deste modo, não se torna relevante apurar se o
financiamento é público ou privado. Mesmo que se chegue à conclusão que a obra é financiada
108
Acrescenta, ainda, que a resolução da problemática do tendencial alargamento dos
mercados públicos à concorrência assenta na delimitação do conceito de obras de
urbanização. A doutrina italiana fez grandes progressos, tendo adotado um conceito de obra
pública. O problema alicerçado a este conceito é a sua amplitude, não determinando os seus
limites. Com a adoção deste conceito tornava-se mais fácil afastar a aplicação das regras da
contratação pública, na medida em que não se observava uma conexão direta entre a
subsunção do conceito de obras públicas e a operação de loteamento no conceito de obras
de urbanização.
Neste sentido, podemos afirmar que não basta determinada obra urbanização constituir
uma obra pública para se concluir que esta deve ser sujeita às normas de contratação pública,
que impõe que a sua realização seja obrigatoriamente precedida da abertura de um concurso
público. Tal procedimento não se justifica se estivermos perante uma obra de urbanização
que mantém uma ligação direta com a operação urbanística principal 229.
O artigo 5º, nº1 do CCP apresenta os casos em que é permitido excluir a observância das
normas procedimentais para a formação dos contratos públicos, entre os quais, quando o
objeto do contrato «abranja prestações que não estão nem sejam suscetíveis de estar
submetidas à concorrência de mercado, designadamente em razão da sua natureza ou das
suas caraterísticas»230.
maioritariamente por fundos privados, a verdade é que a obra continua a ser pública e, consequentemente, o
promotor que a executa, desenvolve uma atividade pública.
229
São exemplos de obras com conexão direta, aquelas sem as quais as construções não reúnem as
condições mínimas de habitabilidade ou de obras necessárias a assegurar os standards urbanísticos de qualidade
de vida, englobando não só aqueles cujo cumprimento é obrigatório por imposição legal, mas também todos
os que estejam ligados funcionalmente às edificações.
230
Artigo este que já referenciado quando nos referimos às várias modalidades de contratação
urbanística em correlação com a aplicação do regime da concorrência da contratação pública, previsto no CCP,
aos contratos em questão.
109
partir do nº1 do artigo 5º do CCP, a não sujeição às normas da contratação pública encontra-
se justificada. 231
Em contrapartida, as obras de urbanização que não tenham a conexão direta que fora
mencionada, submetem-se às regras da contratação pública.
Neste contexto, é pertinente referir o artigo 281º do CCP, dispondo que: “o contraente
público não pode assumir direitos ou obrigações manifestamente desproporcionados ou que
não tenham uma conexão material direta com o fim do contrato”. Esta norma é suscetível a
duas interpretações. Por um lado, pretende proteger o promotor perante prestações
contratuais desproporcionadas pela Administração e por outro, pode ser interpretada como
uma manifestação do princípio da concorrência, impedindo que sejam conferidos direitos ao
promotor sem qualquer ligação imediata com o objeto da relação contratual233.
Em síntese, face à análise detalhada deste acórdão, mais precisamente da obra em apreço,
foi possível percebermos quais os elementos que unem as obras de urbanização e as obras
de uma empreitada pública, regidas pelas normas do CCP. Foi possível, também,
explicarmos o porquê da sujeição ou não deste tipo de obras às regras da concorrência da
231
Em destaque, JOÃO MIRANDA, ob. cit., A Função Pública Urbanística… pp. 237-238 e
FERNANDA PAULA OLIVEIRA, ob.cit., Contratação Pública…p.818.
232
Citando JOÃO MIRANDA, ob. cit., A Função Pública Urbanística… p.238.
233
A norma é interpretada no sentido de prevenir o eventual conflito entre a posição dos proprietários,
que tem a intenção de maximizar os seus proventos económicos em prol da execução das obras públicas sem
terem de ser submetidos a concurso público e a posição dos empresários que, ao abrigo da liberdade de
iniciativa económica privada, ansiam a criação de um mercado concorrencial.
110
contratação pública, quando é que são aplicáveis e a razão de não o serem. Deste modo,
depois da análise do acórdão e das opiniões defendidas por JOÃO MIRANDA,
determinamos em que casos é que o contrato de urbanização é submetido a este regime de
concorrência.
Este acórdão veio permitir uma maior extensão em relação à utilização de Diretivas da
Contratação Pública no direito do urbanismo por parte das entidades administrativas.
“Na origem deste Acórdão está um reenvio prejudicial por parte do Tribunal
administratif de Lyon. Perante este Tribunal encontrava-se um diferendo entre a Commune
de Roanne e os membros da oposição no conselho municipal relativo à construção de um
centro de lazer que incluía a construção de um cinema, de espaços comerciais destinados a
ser cedidos a terceiros, vias de acesso, um parque de estacionamento e espaços públicos a
ser entregues à entidade adjudicante.
111
comunitárias de contratação, visto que a realização desta convenção de urbanismo não
tinha sido antecedida da realização de um procedimento de adjudicação.”234
Perante estes factos, o Tribunal administratif de Lyon colocou duas questões prejudiciais
ao TJUE:
l) Um contrato pelo qual uma primeira entidade adjudicante encarrega uma segunda
entidade adjudicante da realização de uma operação de loteamento urbano, no âmbito da
qual esta segunda entidade adjudicante entrega à primeira obras destinadas a satisfazer as
suas necessidades, constitui um contrato de empreitada de obras públicas na aceção do
disposto no artigo 1º da Diretiva 93/37/CE?
A estas duas perguntas pretendo responder com base na análise do caso concreto.
234
De acordo com JOÃO ILHÃO MOREIRA, ob.cit., Os Contratos urbanísticos como atividade
económica…p.571.
235
Acórdão Auroux, cit., parágrafo 42.
112
adjudicante para se poder afirmar que esta preenche o critério relativo à realização de uma
obra. Contudo, não é possível concluir que o TJUE prescinda de um elemento intencional
que se traduza num fim para o interesse público.
Analisando o caso concreto verifico que este possui este elemento intencional de
satisfazer, mesmo que indiretamente, o interesse público, sendo considerada uma obra
pública, mesmo que não seja em stricto sensu.
Aqui o TJUE parece estar a afastar-se da decisão que tomou no Acórdão La Scala, isto
porque estamos perante duas situações diferentes, visto que enquanto no Acórdão La Scala
a entidade adjudicante via completamente cerceada a sua liberdade de escolha da
contraparte, no Acórdão Auroux, a comuna de Roanne poderia ter escolhido entre um
conjunto de diferentes entidades.
236
Acórdão Auroux, cit., parágrafo 68
113
Daqui decorrem importantes limites à decisão tomada pelo TJUE no Acórdão Auroux,
que nos esclarecem em relação à aplicação das Diretivas da Contratação Pública.
“Na origem deste caso encontra-se o anúncio, em outubro de 2006, por parte da
Bundesanstalt, agência federal alemã responsável pela gestão da propriedade
governamental, da intenção de proceder à alienação de um terreno de 24 hectares
anteriormente afeto a fins militares. Helmut Müller, empresa do sector imobiliário, realizou
uma proposta pelos terrenos em questão, em novembro de 2006, no valor de 4.000.000 €
sob condição de que o Conselho Municipal de Wildeshausen aprovasse um plano
urbanístico baseado nos seus projetos de utilização dos terrenos. Esta proposta não foi
aceite pelo Conselho Municipal.
114
basta que essa obra satisfaça um objetivo público, como o desenvolvimento urbanístico de
uma parte de um município?
O Tribunal diz «que a execução das obras de construção, pelo menos quando estas têm
uma certa envergadura, deve, regra geral, ser objeto de autorização prévia por parte da
autoridade pública competente em matéria de urbanismo» e que «esta autoridade deve
apreciar, no exercício das suas competências de regulação, se a execução da obra é
conforme com o interesse público». Contudo, «o simples exercício de competências de
regulação em matéria de urbanismo, visando a realização do interesse geral, não tem por
237
Seguindo de perto JOÃO ILHÃO MOREIRA, ob. cit., Os Contratos urbanísticos como atividade
económica…pp.576-578
115
objeto receber uma prestação contratual nem satisfazer o interesse económico direto da
entidade adjudicante, conforme exige o artigo 1, nº2, alínea a), da Directiva 2004/18».238
Deste modo conseguimos perceber que não basta que um particular realize obras de
acordo com as políticas urbanísticas para se afirmar que há um interesse económico direto
da entidade adjudicante. Apenas se pode falar num contrato de empreitada no caso de a
obrigação de realizar uma obra, objeto do contrato, poder ser juridicamente exigível, de
acordo com a opinião de JOÃO ILHÃO MOREIRA.
Para se poder afirmar que determinada obra satisfaz as necessidades especificadas pela
entidade adjudicante é «necessário que aquela tenha tomado medidas no sentido de definir
as características da obra ou, pelo menos, de exercer uma influência determinante na
conceção da mesma».239
Não pode, portanto, afirmar-se que determinadas obras serão suscetíveis de se configurar
como obras públicas, para efeitos de aplicação das Diretivas de contratação pública, pelo
«simples facto de uma autoridade pública examinar determinados planos de construção que
lhe sejam apresentados ou tomar uma decisão no exercício das suas competências em
matéria de regulação urbanística».240
Para todos os efeitos, as Diretivas de contratação Pública têm um papel muito relevante
em alguns dos atuais contratos urbanísticos previstos no atual quadro jurídico nacional.
238
Acórdão «Helmut Müller, cit., parágrafo 56.
239
AC. «Helmut Müller», cit., parágrafo 67.
240
AC. «Helmut Müller», cit., parágrafo 69.
116
3.4.Conclusões
Analisando estes três acórdãos foi possível aferir a importância das Diretivas da
Contratação Pública no âmbito do direito do urbanismo.
117
Conclusão
Deste modo, é percetível que se imponham certos limites à atuação dos privados no
âmbito da função pública e que a estes não possam ser delegadas algumas das funções
públicas que são reservadas, em exclusivo, às entidades públicas.
118
urbanísticos são a ferramenta mais eficaz no que diz respeito à concertação de interesses
público-privados.
No que diz respeito aos contratos de gestão urbanística, estes tratam da realização de
operações urbanísticas. Neste âmbito, podemos falar dos contratos de cooperação e de
concessão do domínio municipal, outro campo onde é notória a parceria público-privada.
Evidenciamos, também, o problema associado aos contratos de concessão que não têm um
diploma legal próprio aprovado, tendo de recorrer, para a sua aplicação, às normas do
contrato de cooperação e da concessão de empreitadas públicas, previstas no CCP. Este é
um problema que tem de ser resolvido, na nossa modesta opinião.
Regra geral, dá-se lugar a uma adjudicação direta, isto porque, muitas das vezes o
promotor se encontra numa situação de infungibilidade e irrepetibilidade, sendo o principal
interessado a realizar aquela operação urbanística. Com efeito, entendemos que seria
prejudicial submeter, nestas situações, estes contratos às regras de concorrência da
119
contratação pública, predominantemente porque o procedimento do concurso público só iria
atrasar a realização das mesmas, considerando que se trata de um procedimento moroso.
Com esta, ficamos totalmente inteirados acerca dos regimes dos principais contratos
urbanísticos. Percebemos o porquê da aplicação das regras de concorrência da contratação
pública a estes mesmos contratos, ou a ausência dela, com base na análise jurisprudencial
que nos propusemos a realizar.
120
Bibliografia
121
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normativa aplicável à constituição, gestão e extinção dos bens públicos, in Domínio Público
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- JODY, FREEMAN, “The Contracting State”, Fl. St. U. L. Revista, vol.28, 2000.
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Jurisprudência Consultada
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&mode=lst&dir=&occ=first%E2%88%82=1&cid=283890)
- Acórdão Auroux
(http://curia.europa.eu/juris/showPdf.jsf?text=&docid=65122&pageIndex=0&doclang=PT
&mode=lst&dir=&occ=first%E2%88%82=1&cid=489321)
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