Mapa Orientação Sul Ponto de Vista

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MUNDO

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Estes mapas provam que norte e sul


podem ser direções arbitrárias
A discussão é antiga e representa uma das maiores dificuldades dos cartógrafos ao
longo da história: até que ponto um mapa representa a realidade? A imagem do mundo
do avesso é o novo tema do debate.

 Milton Cappelletti
Texto

22 abr 2015, 00:24 2 

Reprodução do Twitter @AUssieYouToo


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Observe bem o mapa abaixo. Consegue ver algo de diferente na sua
representação?

Ni está del revés, ni está mal dibujado.Así son


los #mapamundis australianos #Australia #Facts #EmigrarAustralia pic.twitter.
com/m8VoTV19Le
— AUssieYouTOO (@AUssieYouTOO) April 10, 2015
O mapa acima foi utilizado pelo grupo de apoio a estudantes estrangeiros na
Austrália AUssieYouToo como forma de chamar a atenção para as diferentes
perspetivas que o mapa mundi pode ter de acordo com o país de origem. A
imagem ganhou as redes sociais e levantou questões sobre a sua correção e
validade científica. Estaríamos todo este tempo a ver o mundo de cabeça para
baixo ou são os australianos que estão a ver o mundo de baixo para cima? O
jornal El País traz a solução.

De acordo com a publicação, é possível utilizar mapas com a parte sul para
cima, desde que respondam a três questões importantes para a cartografia: qual
é a orientação do mapa, o que se deve colocar no meio e como se desenha uma
esfera num plano.

Comecemos pela primeira questão. Segundo Jeremy Brotton, autor do livro “A


History of the World in Twelve Maps” citado pelo El País, as convenções norte e
sul podem ser arbitrárias. “Não há nenhuma razão puramente geográfica pela
qual uma direção seja melhor que outra ou porque os mapas ocidentais
modernos naturalizam a tendência de que o norte deveria estar acima”, explica.

Para defender a sua opinião, cita a história da representação geográfica do


mundo, quando até o final do século XV, a Terra era desenhada em direção ao
oeste, com a Ásia em cima, a Europa abaixo à esquerda e a África ao seu lado à
direita. De acordo com Brotton, a direção leste era a preferida da maioria das
culturas “por ser onde onde sai o sol”, enquanto o oeste era associado com a
“decadência e morte” e o norte “com a escuridão e maldade”. Exceções: os
mapas babilónios e chineses e o mapa do astrónomo grego Ptolomeu no
segundo século depois de Cristo.

Um exemplo de como a mudança na orientação do mapa altera apenas a


perspectiva territorial é o mapa da Europa abaixo. Como vê Portugal na porção
norte da representação?
Um exemplo fotográfico vem da estação Apolo 17, que registou a Terra com o
pólo sul voltado para cima. No centro, encontra-se a ilha de Madagáscar.
Em relação à questão do ponto central de um mapa, Brotton explica que a
maioria dos mapas “põem a cultura que os produziu no centro” por um motivo
político, mas admite que também é mais prático para o cálculo das distâncias
entre territórios. Um exemplo prático acontece no Google Maps, quando o lugar
que se deseja buscar se encontra centralizado na interface da página.
Outro caso citado pelo autor é o logotipo das Organizações das Nações
Unidas (ONU). O mapa localizado no seu centro representa uma
projeção equidistante centralizada no Pólo Norte de modo a transmitir
o valor de neutralidade.

Ainda como exemplo da escolha do ponto central de um mapa por


motivos políticos, Brotton cita o cartógrafo Richard Edes Harrison, que
durante a Segunda Guerra Mundial, desenhou uma representação do
mundo com os Estados Unidos e a então União Soviética no centro.
#WWII Led 2 a Revolution in #Cartography. These #Maps Are Its
Legacy newrepublic.com/article/117835
http:// … #geography
/richard- edes- harrison- reinvented- mapmaking-world- war- 2-americans

#sschat

Brotton ainda explica ao El País que, mesmo ao inverter os pontos


norte e sul de um mapa, “é impossível projetar uma esfera numa
superfície de duas dimensões sem que haja algum tipo de distorção na
forma ou nos ângulos”. Desta maneira, mesmo que um mapa seja
desenhado “de cabeça para baixo” ou com um perspectiva “não
eurocêntrica”, o problema continua o mesmo.

O autor cita o caso da Projeção de Mercator, projeção cartográfica


cilíndrica elaborada pelo geógrafo, cartógrafo e matemático Gerhard
Mercator. Neste desenho, o globo terrestre é uma espécie de projeção
cilíndrica, em que todos os meridianos são linhas retas perpendiculares
ao Equador e às suas linhas de latitude.
Ed Pomfret
@EdPomfret

The "traditional" Mercator projection makes Europe/N


America/Russia look massive & Africa/S America/S Asia squished

Brotton afirma que os meridianos não convergem onde deveriam,


motivo pelo qual a Gronelândia parece ter o mesmo tamanho que a
América do Sul, apesar de ter uma oitava parte da sua superfície.
Para corrigir estas distorções, o historiador alemão Arno Peters criou
em 1973 a Projeção de Gall-Peters, diminuindo o intervalo entre as
retas perpendiculares aos paralelos e as linhas meridianas. O objetivo
era reproduzir de maneira mais fiel as áreas dos continentes. Veja a
comparação das duas perspectivas abaixo:

Tanya!
@_guptanya_

This still blows my mind. Mercator-projection vs. Galls-Peter


(actual scale) map of the world.

Brotton adverte, no entanto, que a Projeção de Gall-Peters também


tem erros de cálculo, como são os casos da Nigéria e do Chade, cujas
superfícies parecem ter o dobro do seu tamanho real. Contudo, admite
que esta representação tem um grande mérito, pois “obrigou aos
cartógrafos a admitir que os seus mapas nunca haviam sido e nunca
poderiam ser ideologicamente neutros ou representações
cientificamente objetivas”.
Por fim, o autor explica que os mapas podem ser desenhados a partir
de diferentes projeções de acordo com usos específicos, levando em
conta que cada uma delas tem as suas aplicações. Em outras palavras,
isto significa que a Austrália também pode ser o centro do mundo.

Fonte: https://observador.pt/2015/04/22/mapas-provam-norte-sul-podem-direcoes-
arbitrarias/

El pais

Todos os mapas que você conhece são


ruins
O sul pode estar acima, a Austrália no meio, a Europa
abaixo à esquerda e a África à direita
JAIME RUBIO HANCOCK

21 ABR 2015 - 10:14 BRT

De vez em quando, alguém nos recorda que todos os mapas são ruins. Como este tuíte.

Ni está del revés, ni está mal dibujado.Así son


los #mapamundis australianos #Australia #Facts #EmigrarAustralia pic.twitter.com/m8
VoTV19Le
— YouTOOProject y AUssieYouTOO (@AUssieYouTOO) April 10, 2015

Estes mapas com o sul para cima não são usados tão habitualmente na Austrália, mas são
comuns como forma de demonstrar que a orientação com o norte para cima é arbitrária:
poderia ser de qualquer outro jeito. Na verdade, ele expõe três dos problemas que os
cartógrafos enfrentaram ao longo da história.

1. Para onde oriento o mapa?

Nos parece tão óbvio que os mapas estejam voltados para o norte que nos esquecemos de que
essa é uma convenção, e que norte e para cima não são sinônimos. “Não há nenhuma razão
puramente geográfica pela qual uma direção seja melhor do que a outra, ou pela qual os
mapas ocidentais modernos tenham naturalizado a suposição de que o norte deveria estar
para cima”, escreve Jeremy Brotton em seu livro A History of the World in 12 Maps  (“uma
história do mundo em 12 mapas”).

De fato, nos mapas medievais judaico-cristãos e até o final do século XV, a Terra era
representada orientada para o leste, com a Ásia para cima, a Europa abaixo à esquerda e a
África abaixo à direita, como no mapa-múndi de Saint Sever. Afinal de contas, “orientar” vem
de “oriente”.
Mapa-múndi do Beato de Saint Sever.WIKIPEDIA

O leste era preferido em muitas culturas por ser a direção de onde vinha o sol, sendo o sul a
segunda direção em termos de preferência. O oeste estava associado à decadência e morte, e
o norte “à escuridão e à maldade”. Mas não em todo lugar: os mapas babilônios e chineses,
por exemplo, orientavam-se para o norte, assim como as cartas propostas pelo
astrônomo Ptolomeu no século II da era cristã. Parece sensato, de fato, que os mapas para
navegação levem em conta o eixo norte-sul, dado o uso de bússolas, mas Brotton nos recorda
que seria igualmente fácil optar pelo sul acima.

Aliás, “todos os estudiosos da Idade Média sabiam que a Terra era uma esfera”, explica
Umberto Eco em seu História das Terras e Lugares Lendários, citando Dante, Orígenes,
Ambrósio, Alberto Magno, Tomás de Aquino e Isidoro de Sevilha, que inclusive calculou o
comprimento da linha do equador. As dúvidas sobre a rota proposta por Colombo, diga-se de
passagem, não decorriam do temor de cair num abismo, e sim do fato de que Colombo teria
subestimado o tamanho da Terra, traçando assim uma rota que não era tão curta quanto ele
imaginava (e não era mesmo).

Se alguém ainda tem dúvidas sobre como é arbitrário orientar um mapa para qualquer
direção, basta ver esta foto. É a Terra fotografada da nave Apollo 17, com o Polo Sul acima.
Sim, normalmente giram a imagem para que ninguém fique nervoso.
A ilha no centro é Madagascar.NASA

2. Que coloco no centro?

Como se pode ver no mapa do tuíte, a Austrália está situada no meio. A maioria dos mapas
“coloca no centro a cultura que os produziu”, como explica Brotton. O que tem um sentido não
só político, mas também prático: como quando abrimos o Google Maps e a primeira coisa que
queremos saber é onde estamos, para saber qual caminho precisamos seguir.
“Alguma vez você já quis tanto ser o centro das atenções que partiu a Ásia em dois?”, pergunta
esse ‘meme’ sobre os mapas norte-americanos que colocam as Américas no centro

O centro tem um valor simbólico, como no caso do mapa-múndi da catedral de Hereford,


desenhado por volta do ano 1300 na Inglaterra, mas que coloca Jerusalém em seu centro. Ou
como o mapa que aparece no logotipo das Nações Unidas, com centro no Polo Norte, para que
ninguém se zangue – uma ideia semelhante à projeção criada pelo norte-americano Richard
Edes Harrison durante a Segunda Guerra Mundial, com outros objetivos em mente: mostrar
tanto a importância do avião no conflito como o lugar que os Estados Unidos e a União
Soviética ocupariam depois da guerra.

3. Como desenho uma esfera em um plano?

Esse é um dos problemas mais complexos para os cartógrafos, explica Brotton, já que
é impossível projetar uma esfera em uma superfície bidimensional sem que haja algum tipo de
distorção na forma ou nos ângulos. Usemos como exemplo um mapa que segue a projeção de
Mercator, um planisfério de 1569 no qual muitos dos mapas atuais se baseiam.
Mapa-múndi com a projeção Mercator.STREBE / WIKIPEDIA

Conforme recorda este vídeo do Buzzfeed, esse mapa contém proporções que não são
corretas.

Mercator “tratou o globo como um cilindro e manteve os ângulos cuidadosamente em sua


superfície”, explica Brotton. Os meridianos não convergem como deveriam, e por isso a
Antártida parece ser tão grande, e a Groenlândia aparece com uma área semelhante à da
América do Sul inteira, apesar de ter apenas uma oitava parte da sua superfície. Além disso, a
Europa parece ter o dobro do tamanho da América do Sul, sendo que na verdade é metade. Há
várias outras distorções assim.

Mas, ainda que pareça estranho, o mapa de Mercator está longe de ser ruim. As distorções
permitem manter os rumos marítimos em linhas retas, o que era um de seus objetivos. Ainda
hoje, Google Maps, Bing e OpenStreetMap, por exemplo, usam uma variante do Mercator para
seus mapas em grande escala, já que seus “retângulos simétricos se adequam perfeitamente
aos mosaicos de pixels que compõe um mapa digital”, explica Simon Garfield em seu livro On
the Map: Why the World Looks the Way It Does (“sobre o mapa: por que o mundo tem a
aparência que tem”).
Mercator em Google Maps, como pode ser apreciado pelo tamanho da Groenlândia, por
exemplo

Ou seja, todas as projeções têm suas vantagens, mas também seus inconvenientes (e
distorções, que podem ser medidas com os chamados indicadores de Tissot). Até mesmo a
projeção de Arno Peters, criada em 1973. No seu mapa, os continentes do norte aparecem
radicalmente reduzidos em tamanho, enquanto a África e a América do Sul se apresentam
como “lágrimas enormes escorrendo para a Antártida”, como descreve Brotton. Esse
planisfério buscava corrigir as falhas de proporções do Mercator e demonstrar que a nossa
forma de ver o mundo tem consequências políticas. O mapa de Peters foi o mais vendido
durante as duas décadas seguintes, sendo adotado por entidades como as Nações Unidas e a
ONG Oxfam. Chegou inclusive à série de TV West Wing, na qual um cartógrafo pronuncia a
frase: “Nada está onde você acha que está”.
Projeção de Gall-Peters.STREBE / WIKIPEDIA

Mas essa projeção também tem distorções e erros de cálculo: a Nigéria e o Chade, por
exemplo, aparecem com o dobro do tamanho real. Ainda por cima, Peters não mencionou que
se baseara no trabalho de James Gall. Apesar de todos esses defeitos, Brotton recorda que seu
grande mérito é ter “obrigado os cartógrafos a admitirem que seus mapas nunca haviam sido e
nunca poderiam ser ideologicamente neutros ou representações cientificamente objetivas”. O
modelo também contribuiu para que fossem criadas (ou recuperadas) projeções adequadas
para fins específicos, levando-se em conta que cada uma tem suas aplicações.

A projeção do mapa australiano citado no tuíte do começo, por exemplo, é a Hobo-Dyer, de


2002, similar à Gall-Peters. Este outro mapa é da projeção Robinson, de 1963, incorporando
elementos dos mapas de Mercator e Gall-Peters, além de tentar simular certa curvatura,
embora isso gere uma distorção nas altas latitudes.
Projeção de Robinson.STREBE / WIKIPEDIA

A de Goode, de 1923, mantém a proporção de tamanhos, mas as direções e distâncias não são
fidedignas.
Projeção de Goode.STREBE / WIKIPEDIA

A Dymaxion, de R. Buckminster Fuller, é um icosaedro desenhado de forma a manter os


formatos e dimensões, tentando representar os continentes de forma contínua.
Projeção Dymaxion.ERIC GABA / WIKIPEDIA

A Winkel Tripel, de 1921, é uma das projeções que menos distorcem. Desde 1998, a National
Geographic a utiliza como padrão, substituindo a Robinson.
Projeção Winkel TripelSTREBE / WIKIPEDIA

À medida que nos familiarizamos com a imagem do mundo, os mapas passaram a ser usados
para refletir temas sociais, políticos e econômicos. Na verdade, os planisférios frequentemente
são distorcidos de modo a refletir esses aspectos. Um dos principais exemplos desta tendência
é o Atlas of the Real World: Mapping the Way We Live (“Atlas do mundo real: mapeando a
forma como vivemos”, de 1998), em que Daniel Dorling, Mark Newman e Anna Barford
desenharam 366 mapas adaptando-os segundo dados demográficos, de migração, de
mortalidade infantil e de mortalidade em conflitos bélicos, entre outros temas. Na mesma
linha, este mapa de TeaDranks, usuário do foro Reddit, mostra os tamanhos dos países
segundo sua população em 2015. Austrália e Canadá quase desaparecem, e a Índia fica maior
que a África.

Tamanho dos países segundo sua população em 2015TEADRANKS / REDDIT


Este outro, de Jan Van der Weijst, ajusta os tamanhos segundo a taxa de encarceramento a
cada 100.000 habitantes de cada país.
Mapa-múndi com os tamanhos dos países ajustados segundo sua população carcerária.JAN
VAN DER WEIJST

Os mapas também podem nos servir para ver o tamanho da África em perspectiva. E isso que
este exemplo segue a projeção de Mercator –o Reino Unido na realidade tem metade do
tamanho de Madagascar, e não um tamanho semelhante, por exemplo.

O mapa anterior ganha especial relevância se além do mais o comparamos com a riqueza de
cada país.

Adere a
Mais informações >

ARQUIVADO EM:

 Cartografia
 Geografia
 Verne

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Fonte: https://brasil.elpais.com/brasil/2015/04/14/cultura/1429016086_681676.html

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