A Imitação No Ensino Do Piano
A Imitação No Ensino Do Piano
A Imitação No Ensino Do Piano
por
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AGRADECIMENTOS
A meus pais, Ana Deolinda e Julio, por todo o amor e confiança em mim depositados.
Aos meus irmãos, Natalie e José Enrique, pela força no ano mais doloroso de minha vida.
A minha avó, pelo carinho, cuidado e preocupação que tem por mim.
À minha orientadora, Ingrid Barancoski, pelo material disponibilizado e indicado, pela atenta
leitura e observações feitas a este trabalho.
Ao meu grande amigo Humberto Amorim, pelo estímulo, colaboração e amizade durante
todos estes anos de faculdade.
Aos amigos Larissa de Oliveira, Marilia Machado, Ana Mercedes Figueiredo, Débora
Lombardi, Carolina Couri, Pedro Henrique Barbosa, Flávia de Castro, Vinícius Amaral,
Marcia Jaqueline e Guilherme Tomaselli, por dividir boas risadas e por me apoiar em
momentos difíceis.
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REINOSO, Ana Paula Teixeira. A imitação no ensino do piano. 2008. Monografia
(Licenciatura Plena em Educação Artística- Habilitação em Música) - Instituto Villa-Lobos,
Centro de Letras e Artes, Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro.
RESUMO
Este trabalho propõe-se a estudar a imitação no ensino do piano. Para tanto, estudamos o
desenvolvimento psicomotor e cognitivo da criança, a relação entre aprendizado e
desenvolvimento e alguns métodos de ensino de piano. Os procedimentos metodológicos
utilizados foram a revisão bibliográfica e uma entrevista. Buscamos demonstrar que a
imitação no ensino do piano desperta processos de desenvolvimento psicomotor e cognitivo
nas crianças, que, de outra forma, seriam adiados.
iv
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ........................................................................................................................ 1
CAPÍTULO I ............................................................................................................................ 2
DESENVOLVIMENTO PSICOMOTOR E COGNITIVO DA CRIANÇA NOS ANOS
PRÉ-ESCOLARES................................................................................................................... 2
1.1 desenvolvimento psicomotor ...................................................................................... 2
1.2 desenvolvimento cognitivo ......................................................................................... 5
CAPÍTULO II ........................................................................................................................... 9
APRENDIZADO E DESENVOLVIMENTO: A TEORIA DE VYGOTSKY E OUTRAS
CONCEPÇÕES ........................................................................................................................ 9
2.1 as diferentes concepções a respeito da relação entre o aprendizado e o
desenvolvimento ..................................................................................................................... 9
2.2 Vygotsky: uma outra perspectiva ............................................................................. 11
2.2.1 o pensamento sócio-interacionista de Vygotsky .............................................. 11
2.2.2 a relação entre aprendizado e desenvolvimento ............................................... 13
2.2.3 nível de desenvolvimento real e potencial....................................................... 14
2.2.4 zona de desenvolvimento proximal ................................................................. 16
2.2.5 A imitação no aprendizado ............................................................................... 19
CAPÍTULO 3 .......................................................................................................................... 24
A IMITAÇÃO NO ENSINO DO PIANO ............................................................................. 24
3.1 o método Suzuki e suas premissas............................................................................ 24
3.2 a memória e a imitação ............................................................................................. 27
3.3 a posição de outros professores ................................................................................ 31
CONCLUSÃO......................................................................................................................... 36
v
1
INTRODUÇÃO
Uma boa idéia pode surgir a qualquer momento. Foi na aula de psicologia da educação
que decidi sobre o que iria escrever. Estudando a teoria de Vygotsky, chegamos ao conceito
de zona de desenvolvimento proximal. Imediatamente pensei: será que estas idéias também
Foi esta a pergunta que me estimulou a realizar este trabalho que tem o objetivo de
demonstrar, através das idéias do método Suzuki, do método das Professoras Maria de
crianças, através da imitação no ensino do piano. Acreditamos que este trabalho pode
contribuir para o ensino do piano para crianças, trazendo novos horizontes para esta prática.
2
CAPÍTULO I
PRÉ-ESCOLARES
longo do período pré-escolar (2 aos 7 anos). Jean Piaget (1896-1980) denomina este período
aos dois anos de idade; o terceiro período é o período das “operações concretas”, que vai de
sete aos onze anos; e o último é o das “operações formais”, que começa na adolescência.
Devemos explicar que o crescimento físico não foi por nós abordado, porque sobre
sobre o próprio corpo. E, seguindo a lei próximo-distal1, este controle vai alcançando as partes
mais afastadas do eixo corporal, permitindo o manuseio dos músculos que controlam os
movimentos dos punhos e dedos. Graças a este maior controle, pouco a pouco a motricidade
fina vai se aperfeiçoando, as crianças vão adquirindo habilidade para pintar com os dedos,
de controlar cada segmento motor. Ao longo do período pré-escolar, a criança vai adquirindo
esta independência, eliminando alterações em partes do corpo que não se deseja mover.
Assim, a criança torna-se capaz de fazer um movimento complexo com uma das mãos, sem
mover a outra e sem mexer qualquer outro segmento do corpo. E coordenada no sentido de
a automatização dos movimentos, de modo que a criança deixa de se preocupar com “quais”
uma seqüência de movimentos automatizados, sem que o dispositivo cognitivo que processa
os estímulos fique sobrecarregado. Desta forma, a atenção da criança pode estar voltada para
mielinização dos neurônios (a mielina é uma bainha que reveste os neurônios, aumentando a
1
O domínio do controle corporal ocorre segundo duas grandes leis do desenvolvimento: a lei cefalo-caudal e a
lei próximo-distal. A primeira lei diz que o controle das partes próximas à cabeça ocorre antes, e o controle
estende-se para baixo. A lei próximo-distal impõe que o controle das partes mais próximas do eixo corporal
(uma linha vertical imaginaria que divide o corpo em duas partes simétricas) é anterior ao controle das partes
mais afastadas deste.
2
A definição de mielina encontrada na wikipedia é “a mielina está presente na chamada bainha de mielina
(formada pelas células de Schwann), que rodeia algumas fibras nervosas, fazendo com que tenham uma
condução de impulsos nervosos mais rápida (condução saltatória)”.
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atividades motoras e sensoriais com muito mais rapidez e precisão. Por volta dos 5-6 anos de
de regulação e planejamento da conduta. Com isso, várias funções psicológicas que antes
eram involuntárias, passam a ser controladas. Como exemplo, podemos citar o controle sobre
a atenção que, ao longo deste período pré-escolar, vai tornando-se maior e mais consciente.
Outro importante avanço que ocorre entre três e seis anos de idade, é a lateralização. A
preferência lateral da criança ocorre espontaneamente, porque nosso próprio cérebro nos faz
ser destro ou canhoto. Assim, se uma definição ainda não tiver ocorrido por parte da criança,
por parte do próprio sistema nervoso, mas é passível de controle voluntário, tanto é que
ajustar seu tônus muscular às especificidades de cada situação através de suas experiências
Este controle da tonicidade muscular é ainda importante porque o tônus tem relação
Além destes aspectos práxicos da motricidade, convém falar dos aspectos simbólicos.
isto é, ela conhece melhor seu próprio corpo e torna-se capaz de ajustar suas ações de acordo
com seus propósitos. A construção deste esquema é, pois, progressiva, na medida em que a
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conhecermos o nosso próprio corpo, exploramos o corpo do outro. Assim, acontece com o
bebê. A criança obtém informações sobre elementos do corpo percebendo-os nos demais e
combinando com as experiências do próprio corpo. Desta forma, como afirmam Mora e
do próprio corpo, de forma a ser capaz de extrair dele todas as possibilidades de movimento
Em primeiro lugar, devemos dizer que até os anos 80 o desenvolvimento cognitivo das
crianças de dois a sete anos era praticamente desconhecido. Um dos motivos que contribuiu
para esta situação foi o fato de que as teorias que trabalhavam com a idéia de “estágios” do
crianças nesta faixa etária, esperando que transformações ocorressem no período posterior.
Na teoria de Piaget esta fase é marcada pelo aparecimento da linguagem oral, que
confere à criança capacidade para construir esquemas simbólicos, ou seja, representações que
envolvem a idéia preexistente de algo. Neste momento a criança desenvolve apenas pré-
conceitos, isto é, primeiras noções a respeito dos objetos. Como neste período ainda não
apresentam habilidades cognitivas peculiares a este período, não havendo motivo, portanto,
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categorias. Eleanor Rosch e Katherine Nelson (1976) citados no texto de Maria José Rodrigo
(1995) fizeram uma pesquisa e comprovaram que, a partir dos dois anos e meio, a criança já é
capaz de categorizar coisas a um nível básico. Por exemplo, crianças com idade maior que
dois anos e meio agrupam cães com cães, flores com flores etc. O que se observa é que, nesta
que se realiza. O conhecimento categorial é, pois, uma forma de a criança aumentar seu
conhecimento.
Duas outras valiosas pesquisas são mencionadas por Rodrigo (1995) foram realizadas:
lógico. A primeira foi efetuada por Gelman e Gallistel (1978). Estes investigadores
concluíram que a criança entre dois e cinco anos já tem uma noção implícita de alguns
correspondência um a um, que significa conhecer que a cada objeto de uma coleção deve ser
atribuído apenas um número. Segundo Gelmam e Gallistel, crianças de dois anos são
plenamente capazes de atribuir somente um número para cada coisa, o que indica que ela tem
raciocínio cientifico, cuja característica fundamental é ser regido por regras, começam a se
estabelecer aos três anos de idade. Siegler chega a esta conclusão a partir de um experimento
realizado com pesos colocados sobre uma balança. Dentre outras observações, ele constata
que crianças de três anos, treinadas para codificar o peso, são capazes de aprender que apenas
pesos iguais mantêm a balança em equilíbrio. Desta forma, conclui-se que, desde os três anos
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gradual no uso destas estratégias. Rodrigo (1995) cita algumas pesquisas que abordam o uso
suas motivações e interesses pelo objeto a ser memorizado. Investigações realizadas por
Wellman (1977) e Deloache e Brown (1981) demonstram que crianças de três anos de idade
desenvolvem uma série de estratégias para recordar a localização de um objeto escondido, tais
como: olhar fixamente para o local em que se supõe estar o objeto; tocar com a mão o local;
fazer sinal afirmativo com a cabeça quando apontam para o local etc. Portanto, crianças
menores de sete anos já contam com um repertório de estratégias eficiente para a realização
de certas tarefas.
Conclui-se, assim, que nos anos pré-escolares diversos fatores influenciam a criança a
adotar estratégias de memorização, dentre eles: o seu grau de envolvimento pessoal; o seu
intuitivo, ela é capaz de solucionar problemas, partindo das estratégias de memorização que
elaborou, dos princípios e regras que conhece implicitamente e dos esquemas simbólicos que
enriquecido, no qual possa desenvolver plenamente suas capacidades” (Rodrigo, 1995, p.133).
CAPÍTULO II
CONCEPÇÕES
desenvolvimento
ainda não estão maduras o suficiente para que ela possa compreender determinado assunto, é
Podemos enumerar dois teóricos que são adeptos desta primeira posição teórica:
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Lev Semenovich Vygotsky nasceu em 17 de novembro de 1896 em Orsha, cidade da Bielo-Rússia; faleceu de
tuberculose em 11 de novembro de 1934 em Moscou. Formou-se em Direito em 1918 pela Universidade de
Moscou. Além de Direito, Vygotsky também estudou filosofia, história e fez cursos na faculdade de medicina
em Moscou. Seu interesse pela psicologia acadêmica partiu de um trabalho de formação de professores em que
teve contato com crianças com defeitos congênitos. Esta experiência estimulou Vygotsky a buscar alternativas
para ajudar o desenvolvimento destas crianças e, ao mesmo tempo, era uma oportunidade para compreender os
processos mentais humanos. A partir de 1924, Vygotsky dedicou-se sistematicamente à psicologia. Suas idéias,
portanto, foram desenvolvidas na União Soviética pós-revolucionaria, e refletiram todo o desejo de construir
uma teoria psicológica voltada para a nova realidade social. Seus maiores colaboradores foram Alexander
Romanovich Luria (1902-1977) e Alexei Nikolaievich Leontiev (1904-1979).
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Piaget (1896-1980) e Binet. Estes teóricos buscam estabelecer a idade mínima para que uma
certa habilidade possa ser aprendida pela primeira vez. Eles buscam afastar as instruções
prematuras, isto é, o ensino de assuntos antes que a criança esteja preparada para aprender. Ao
idéia de que o aprendizado pode ter alguma influência no processo de desenvolvimento. Há,
processos ocorrem simultaneamente. Este é a idéia comum a várias teorias que têm origens
diferentes. Uma destas teorias tomou como base o conceito de reflexo. O desenvolvimento é
entendido como o domínio de reflexos condicionados. Segundo Vygotsky (2003), para esta
possíveis” (p.105). Willian James (1958) é um dos autores que defende esta teoria, e afirma
que “não existe melhor maneira de descrever a educação do que considerá-la como a
inatas.
Outro teórico que também se encontra neste segundo grupo é Thorndike que entende
Assim, a grande diferença entre estas duas posições teóricas está na relação temporal
primeiras. Vygotsky (2003) cita a teoria de Koffka para representar esta posição. Na teoria de
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Koffka, o desenvolvimento tem como base dois processos diferentes, que, no entanto, são
processo de desenvolvimento” (apud Vygotsky, 2003, p.106). Para Koffka, entre o processo
posição de Thorndike, estes teóricos postulam que o aprendizado não pode ser reduzido à
formação de hábitos ou habilidades específicas. Afirma Vygotsky que, para estes teóricos, o
processo de aprendizado leva a mente a incorporar uma “ordem intelectual” que permite a
transposição dos princípios gerais assimilados durante a solução de uma operação para várias
Vygotsky (1896-1934) buscou no pensamento marxista a base para construir sua teoria
humanas não nascem prontas, nascem da relação que se estabelece entre os homens e
Teresa Cristina Rego (1995), em seu livro sobre Vygotsky, explica que pra ele “o
desenvolvimento mental humano não é dado a priori, não é imutável e universal, não é
vida humana.” (pp.41-42). Tais funções amadurecem ao longo da vida de cada um, na medida
em que o indivíduo interage com o meio histórico e cultural. A cultura é, pois, parte integrante
que se tornam a causa imediata do comportamento" (p.53). Estes estímulos artificiais, também
chamado de signos, permitem ao ser humano controlar o seu próprio comportamento, agindo
independentemente dos estímulos externos. Afirma Vygotsky que “os seres humanos foram
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além dos limites das funções psicológicas impostas pela natureza, evoluindo para uma
reflexiva” e o “controle deliberado” (Vygotsky, 1998, p.112). Podemos citar, como exemplo,
são características tipicamente humanas. Estas não são inatas, nem são apenas reflexos das
pressões do meio exterior; elas resultam da interação dialética do homem com o seu contexto
As funções psicológicas superiores do ser humano surgem da interação dos fatores biológicos,
que são parte da constituição física do Homo sapiens, com os fatores culturais, que evoluíram
através de dezenas de milhares de anos de história humana. (p.41).
primeiro dia de vida da criança” (Vygotsky, 2003, p.110), Vygotsky descarta, de imediato, a
Vygotsky defende a unidade entre os dois processos. A unidade pressupõe que “um
seja convertido no outro” (Vygotsky, 2003, p.118). Como, então, revelar as relações reais
4
Alexander Romanovich Luria (1902-1977) foi um dos principais colaboradores de Vygotsky e lhe acompanhou
até o fim de sua vida. Luria, Vygotsky e Leontiev (1904-1979) constituíram a chamada “troika”, uma associação
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Assim, para Vygotsky, é preciso determinar pelo menos dois níveis de desenvolvimento: o
aprendeu e domina completamente, uma vez que já pode utilizá-las sozinha, sem a
colaboração de outras pessoas do seu grupo social (pai, mãe, irmãos mais velhos, professores,
colegas mais experientes, etc.). Por exemplo, a criança que anda sem ajuda de outrem, ou que
amarra seu sapato sem pedir a ninguém, ou que anda de bicicleta sozinha, etc.
criança tem domínio de determinada função ou capacidade, significa que ela já preencheu
psicológicas que integram o nível de desenvolvimento real de uma criança são aquelas que
estão bem amadurecidas naquele momento de sua vida, isto é, resultam de processos de
No entanto, muitas tarefas que a criança ainda não é capaz de realizar de forma
independente, podem ser cumpridas se alguém orientá-la, seja qual for o meio utilizado,
que Vygotsky denomina nível de desenvolvimento potencial. Como exemplo, podemos pensar
numa criança de cinco anos de idade, sem necessidades especiais, que, mesmo não sabendo
ler uma nota na partitura, poderá, através da observação da execução de seu professor, imitá-
lo, e, após algumas repetições, a criança estará tocando a música. Esta idéia de nível de
desenvolvimento potencial é fundamental na teoria de Vygotsky uma vez que ele atribui à
Desta forma, duas crianças que tenham a mesma idade cronológica, capazes de
professor, solucionar problemas muito mais difíceis, seu nível de desenvolvimento potencial é
maior que o da outra, e, por conseqüência, seu nível de desenvolvimento mental também é
maior. No entanto, “pensadores mais sagazes” nunca atentaram para o fato de que a
capacidade da criança de realizar atividades com a ajuda dos outros pode ser, de alguma
maneira, muito mais indicativo de seu desenvolvimento mental do que aquilo que consegue
Entretanto, não se quer dizer que a todo instante uma criança pode, com o auxilio de
outrem, realizar qualquer tarefa. Isto porque, a capacidade que a criança tem de tirar proveito
mínimo de desenvolvimento físico, psicomotor e cognitivo. Uma criança que, por exemplo,
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ainda não sabe andar, só conseguirá andar com a ajuda de um adulto quando seu corpo
apresentar uma mínima maturação. Certamente, aos quatro meses de vida, ela ainda não se
forma mais lenta e atrás do processo de aprendizado; desta sequenciação resultam, então, as
A zona de desenvolvimento proximal é como se fosse uma trilha que ainda precisa ser
percorrida para que se alcance o cume de uma montanha. A caminhada já começou, mas ainda
é preciso dar muitos passos, aumentar a resistência física e psíquica, acostumar-se com bolhas
nos pés, agüentar chuva, etc. Afirma Marta Kohl de Oliveira que “a zona de desenvolvimento
A zona de desenvolvimento proximal define aquelas funções que ainda não amadureceram,
mas que estão em processo de maturação, funções que amadurecerão, mas que estão presentes
em estado embrionário. Essas funções poderiam ser chamadas de ‘brotos’ ou ‘flores’ do
desenvolvimento, ao invés de frutos do desenvolvimento (Vygotsky, 2003, p.113).
Assim, habilidades que ainda estão em fase inicial do desenvolvimento, “aquilo que é
5
Marta Kohl de Oliveira coloca que a expressão “zona de desenvolvimento proximal” quando traduzida para a
língua portuguesa pode aparecer como “zona de desenvolvimento potencial”. OLIVEIRA, Marta Kohl de.
Vygotsky: Aprendizado e desenvolvimento um processo sócio–histórico. São Paulo: Editora Scipione, 1995, p 58.
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blizhaishego significa “imediato”, ou “mais próximo” (Coll, Palácios e Marchesi, 1996, p.98).
(ZDP), é preciso concebê-la como “uma área que é, ao mesmo tempo, interna e externa, física
(...) o termo ‘potencial’, empregado na definição da ZDP, tem conotações de caráter individual
e interno e parece indicar uma ótica centrada no sujeito psicológico e nos processos mentais. O
termo ‘próximo’, utilizado no conceito definido, tem conotações de caráter social e externo e
parece convidar a uma interpretação centrada na atividade social e nos processos de instrução
(Coll, Palácios e Marchesi, 1996, p.99).
Para Vygotsky, há uma interação dialética entre a dimensão biológica e a social do ser
humano. Na visão de Coll, Palácios e Marchesi (1996), o que Vygotsky pretendia era
ambos os níveis simultaneamente, devolvendo assim a unidade perdida (...) aos processos de
desenvolvimento-educação” (p.99).
internos de desenvolvimento, que são capazes de operar somente quando a criança interage
com pessoas de seu ambiente e quando em cooperação com seus companheiros” (Vygotsky,
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desenvolvimento. Segundo Coll, Palácios e Marchesi (1996), “este processo, pelo qual a
ilusória; uma situação que, na vida real, ela ainda não é capaz de fazer, ou não pode
concretizar. Desta forma, ao brincar a criança estará realizando atividades que estão acima do
seu nível de desenvolvimento real. Como diz Vygotsky (2003), “no brinquedo, a criança
cumpridas. Tais regras aproximam-se daquilo que a criança observou na situação real. Desta
forma, ao tentar reconstruir fielmente a situação imaginada, a criança estará agindo como se
fosse alguém que, na realidade, não é. O vocabulário usado, a maneira de falar e de agir, tudo
o que a criança lembrar, servirá de instrumento para ela representar. Seu comportamento,
portanto, dependerá das idéias que possuir. Com isso, a criança aprende a agir numa esfera
desenvolvimento.
consciente; não está presente nos animais, nem nas crianças muito pequenas. Portanto, para
uma criança é um processo psicológico novo. Ao criar uma situação imaginária, a criança
manifesta pela primeira vez sua emancipação em relação às restrições situacionais. Ao eleger
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um objeto para representar um outro, a criança estará usando sua capacidade de separar o
significado do objeto, sem saber que o está fazendo. Este já é um passo para o
importante para o seu desenvolvimento mental. Segundo Coll, Palácios e Marchesi (1996), o
conceito de ZDP “não supõe, pois, somente um desejo de um melhor prognóstico psicológico
desenvolvimento real, através da educação” (p.100). E Vygotsky (2003) ainda ressalta que “a
Estudos concluíram que alguns animais podem aprender por imitação, mas só aprendem
aquilo que poderiam descobrir de forma independente. Isto porque os animais não aprendem
no sentido humano do termo. Os animais não podem ser ensinados a resolver, de forma
humano pressupõe uma natureza social específica e um processo através do qual as crianças
“psicologia clássica” tem por princípio que a atividade imitativa não é indicativa do nível de
desenvolvimento da criança (Vygotsky, 2003, p.114). Este é o motivo que justifica a forma
solução dos problemas que a criança consegue realizar sem assistência de outra pessoa.
aprendizado. Vejamos:
Para o autor, a imitação não se resume a uma simples cópia de um modelo. A imitação
é, para a criança, a reconstrução do que ela observou no outro. É, pois, uma atividade criativa,
na medida em que cada criança vai criar a sua própria maneira de realizar tal atividade. Ao
mesmo tempo, é algo novo, já que foi a partir da observação que ela aprendeu aquela tarefa.
Como explica Moysés (1997) em seu livro “Aplicações de Vygotsky à educação matemática”,
Como muito bem coloca Rego (1995), “a imitação pode ser entendida como um dos possíveis
Mas, a criança pode imitar tudo o que a ela ensinarmos? Segundo Vygotsky (1998),
“para imitar é necessário possuir os meios para se passar de algo que já se conhece para algo
novo” (p. 129). Não é possível ensinar a andar de bicicleta a uma criança de um ano de idade.
Ela ainda não possui o equilíbrio, nem a coordenação de movimentos mínimos necessários
que, portanto, a criança pode começar a desenvolver através da imitação. Assim, só poderão
ser imitadas ações que se encontrem dentro da zona de desenvolvimento proximal daquela
Coll, Palácios e Marchesi (1996), afirmam que “a imitação da criança lhe permite
21
criança não chega, o adulto completa a atividade proposta com seus recursos e estabelece
distinções” (p.97). Estes autores vêem na imitação uma “construção a dois”, a criança utiliza
sua capacidade imitativa e o adulto faz uso inteligente e educativo desta capacidade na zona
“Com o auxilio de uma outra pessoa, toda criança pode fazer mais do que faria
sozinha, ainda que se restringindo aos limites estabelecidos pelo seu grau de
desenvolvimento” (Vygotsky, 1998, p.129). Oliveira (1995), que escreve sobre a teoria de
Vygotsky, traz o exemplo de uma criança que imita a escrita de um adulto. Afirma a autora
A criança é capaz de imitar muitas ações que caem dentro de sua atual potência física de ação,
mas que, graças ao caráter representacional destas ações -não acessível conscientemente à
criança, porém acessível funcionalmente- e, graças ao fato de que a criança está inserida em
uma atividade coletiva guiada pelos adultos, vão além deste potencial (p.97).
Desta forma, se, segundo Vygotsky, o bom aprendizado é aquele que se adianta ao
imitação é eficaz do ponto de vista do desenvolvimento global da criança, ela não se restringe
criança, aquilo que hoje ela é capaz de realizar por meio da ajuda de outrem, amanhã ela
6
Vygotsky chega a afirmar que “o único tipo produtivo de aprendizado é aquele que vai à frente do
desenvolvimento, servindo-lhe de guia”. VIGOTSKY. Pensamento e Linguagem. São Paulo: Martins Fonte,
1998, p.130.
22
psicológicas superiores. A memória é uma delas. Para imitar alguém, a criança necessita usar
bastante a sua memória. E, de acordo com Vygotsky (2003), nas fases iniciais da infância, a
memória é uma dentre as “funções psicológicas centrais, em torno da qual se constroem todas
as outras funções” (p.66). Afirma Vygotsky (2003) que “o ato de pensar na criança muito
pequena é determinado pela sua memória. (...) Para crianças muito pequenas o ato de pensar
significa lembrar” (p.66). Se a memória é assim tão importante para o pensamento da criança,
aprendizado.
exemplo, a atenção que antes era involuntária, passa a ser voluntária, dependendo cada vez
“Poder-se-ia dizer que tanto a atenção quanto a memória tornam-se ‘lógicas’ e voluntárias, já
que o controle de uma função é a contrapartida da consciência que se tem dela” (Vygotsky,
funções psicológicas, deve ser exercitada logo nos primeiros anos escolares.
mente das crianças é um “processo baseado nas suas lembranças” (p.66). Vygotsky não
determina a que idade está se referindo. No entanto, segundo Piaget, na fase pré-operatória
tem início o pensamento pré-conceitual. De acordo com Vygotsky (2003), quando uma
criança pensa um conceito, o conteúdo que vem à mente é determinado muito mais pelas suas
lembranças concretas que pela estrutura lógica do conceito em si. Desta forma, uma criança
que aprende um conceito por imitação tem facilidade em relembrá-lo futuramente, já que seu
conteúdo foi registrado a partir das impressões que lhe foram deixadas quando da execução da
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atividade. Tem-se, pois, mais um motivo para dar crédito à importância do aprendizado por
imitação.
mas do social para o individual. O que leva Rego (1995) a afirmar que “o desenvolvimento
pleno do ser humano depende do aprendizado que realiza num determinado grupo cultural, a
partir da interação com os outros indivíduos da espécie” (p.71). E, para Vygotsky (1998), “o
a imitação ganha ainda maior relevância. Ao mesmo tempo em que a imitação desencadeia
do pensamento.
Vejamos, assim, como todos estes conceitos podem ser aplicados ao ensino do piano.
24
CAPÍTULO 3
século XVIII, François Couperin apontava a necessidade de a criança ouvir e reproduzir, antes
Não se deve começar a mostrar a notação musical a crianças, antes que elas tenham uma certa
quantidade de peças nos dedos. É quase impossível que, olhando para o livro, os dedos deixem
de sair da boa posição e se contorçam. Alem do mais, a memória se forma bem melhor quando
se aprende de cor (apud Gonçalves e Barbosa, 1989, vol.4, p.4).
Assim, tocar por imitação não é uma idéia muito nova no ensino de um instrumento de
teclas. Coordenar ouvido e mão é mais fácil que a tarefa de coordenar olho, ouvido e mão,
exigida numa execução por leitura. Será que este é o único motivo pelo qual a imitação é
utilizada? Vejamos então o que dizem alguns métodos e professores que trabalham com a
7
Shinichi Suzuki nasceu em Nagoya, em 17 de outubro de 1898. Shinichi Suzuki foi tocado pela música após
ouvir a “Ave Maria”, de Schubert, interpretada por Mischa Elman. Aos 21 anos, Suzuki foi estudar violino com
Ko Ando, em Tóquio. Um ano depois, Suzuki foi estudar em Berlim onde foi aluno de Karl Klinger foi professor
por oito anos. Em 1929, Suzuki volta ao Japão. Em 1930 Suzuki tornou-se presidente da Escola de Música
de Teikoku e diretor da Orquestra de Cordas de Tóquio. Em 1945, Suzuki inicia na Escola de Musica de
Matsumoto a Educação do Talento. Nos anos 60, professores do ocidente começam a viajar a fim de ver os
estudantes de Suzuki e com ele aprender. Em 1964, Suzuki viajou para os Estados Unidos com um grupo de
dezenove estudantes para dar concertos e palestras. Em 1965, o concerto anual de cordas do Japão pôde ser visto
na Europa pela televisão (Suzuki, 1994, p.98). Durante sua vida, Suzuki recebeu várias condecorações, foi
nomeado pelo Imperador do Japão Tesouro Nacional e foi indicado para o Prêmio Nobel da Paz. Shinichi Suzuki
faleceu em 26 de janeiro de 1998. Mais informações sobre a biografia de Suzuki em
25
Segundo Suzuki, (1994), “talento não é um acaso do nascimento” (p.9). Esta frase
inicia o prólogo de seu livro “Educação é Amor”. O autor complementa dizendo que “todo ser
nasce com tendências naturais para aprender. Para viver, uma criança recém-nascida se adapta
ao ambiente que a cerca e adquire assim diversas qualidades” (p.9). Segundo Suzuki, as
aptidões de qualquer pessoa podem ser desenvolvidas, e somos nós mesmos que
desenvolvemos nossas habilidades. “Creio, firmemente, que a aptidão cultural e musical não
vem de dentro, não é herdada, mas ocorre através de condições ambientais favoráveis (p.21).
“Talento não é herdado ou inato, mas tem de ser educado e desenvolvido” (p.23).
ensinasse violino a um menino de quatro anos. Suzuki não sabia como fazer. Diante do
“espanto” de que todas as crianças falavam japonês, ele descobriu o caminho. Tal
“descoberta” o fez perceber que, na realidade, toda criança fala fluentemente sua língua
materna. Diante disto, Suzuki (1994) concluiu que “todas as crianças do mundo são educadas
por um método perfeito: por sua língua materna” (p.12). Suzuki, então, estendeu este método
para o ensino da música, já que “toda criança pode alcançar altas capacidades se for exposta a
um método educacional adequado” (p.11). Ele chamou seu método de “educação para o
talento” (p.13).
Para Suzuki (1994), a boa educação, isto é, uma educação com “perícia e
compreensão” deve começar logo no dia do nascimento. Segundo o autor, é esta a “chave do
desenvolvimento integral das potencialidades humanas” (p.12). Suzuki traz o exemplo dos
rouxinóis. Antes de aprender a voar, os rouxinóis são retirados do ninho e colocados juntos a
um pássaro-mestre, que todos os dias emite um belo canto. Assim, o canto do pequeno
rouxinol depende do que ele ouviu de seu pássaro-mestre logo no seu primeiro mês de vida.
Os pássaros-mestre são como os professores. “Se tem um bom professor, [o aluno] vai,
<http://www.internationalsuzuki.org/shinichisuzuki.htm>.
26
através de transformações fisiológicas, aprender a produzir sons tão belos quanto o do seu
professor” (p.17).
são como sementes. “Uma semente precisa de tempo e de estímulo para germinar” (p.14).
Água, calor, luz e sombra são estímulos diários. As transformações que ocorrem são
invisíveis até que “um broto aparece aos nossos olhos” (p.14). Uma vez alcançada a luz do
estabeleça. Na verdade, precisa-se de muito tempo, mas devagar se chega a uma grande
capacidade” (Suzuki, 1994, p.15). Sustenta o autor que tudo é baseado na paciência e na
inato e que qualquer criança adquire habilidade, através de experiências e repetições” (Suzuki,
1994, p.26). “A semente da capacidade, uma vez plantada, cresce aceleradamente” (Suzuki,
1994, p.15). Assim pode-se entender que capacidade gera capacidade A capacidade é lapidada
habilidades naturais emergem. Segundo o autor, deve-se ter uma preocupação com a maneira
pela qual as crianças são criadas e treinadas, com a forma pela qual se dirige o
desenvolvimento de sua mente, sensibilidade, sabedoria e conduta. “As crianças vivem, vêem
e sentem, sua habilidade se desenvolve para ajustá-la ao seu ambiente” (p.20). Onde quer que
nasça, a criança se adapta ao ambiente. “Todas as crianças adaptam as suas forças vitais e
De acordo com Suzuki (1994), a força da vida humana desenvolve novas faculdades
Portanto, através da repetição toda pessoa pode construir uma habilidade. “Se alguém
aprendeu algo, deve conseguir maestria repetindo-o muitas vezes” (p.41). “Nós temos que
praticar e educar nossos talentos, isto é, repetir as atividades até que elas aconteçam
naturalmente, fácil e simplesmente” (p.45), “repetir, repetir até que algo seja parte de nós
mesmos” (p.47). Mas, é preciso que este treinamento seja correto. “O importante é que a
capacidade seja levada pelo trabalho à maior altura possível. Aprenda uma coisa e pratique,
qualquer outra habilidade, estas também precisam ser praticadas. “Não se apresse. (...) Não
descanse em seus esforços. (...) Sem parar, sem correr, cuidadosamente dando um passo por
Para Suzuki (1994), deve-se aprender música da mesma forma como aprendemos
nossa língua-mãe; primeiro aprendemos a falar, depois a ler. De tanto ouvir certas palavras,
sua língua mãe através da escuta repetitiva e o mesmo processo deve ser seguido para o
desenvolvimento de um ouvido para a música. Por isso, no método Suzuki as crianças devem
ouvir com freqüência as músicas que estão estudando. “Seis dias por semana de prática e
escuta em casa serão mais decisivos em determinar a velocidade do avanço da criança do que
execução do professor, a criança começa a tocar. Defende Suzuki (1995) que “a leitura
musical deve ser ensinada somente quando a sensibilidade musical, a destreza da execução e a
memória tenham sido suficientemente treinadas” (p.11). Desta forma a criança terá maior
28
facilidade para memorizar e ainda estará “treinando o seu ouvido para reconhecer uma fina
memorizar é das mais importantes da vida e deve ser incutida profundamente” (p.87) e que as
crianças iniciantes “devem saber a música de cor e não consultar as notas escritas” (p.37).
cada vez mais e o tempo que se leva para memorizar fica cada vez mais curto.
Da mesma forma que Suzuki, Kaplan (1985) considera a memória fator essencial no
conjunto de funções do psiquismo que nos permite conservar o que foi, de algum modo,
vivenciado” (p.69). A memória registra sensações. Todo órgão sensorial tem a sua memória.
Kaplan (1985) fala em memória visual, auditiva, cinestésica, lógica, olfativa, tátil, e
ressalta a existência de outras. Já Barbacci (1965) afirma que a prática musical exige e
desenvolve até sete tipos de memória: memória visual, auditiva interna e externa, muscular-
tátil, nominal, rítmica, analítica (ou intelectual) e emotiva. Segundo este autor, todas estas
memórias devem ser aperfeiçoadas. Para tanto, é preciso trabalhar cada uma individualmente.
memória verbal; ela dita o nome das notas. A memória rítmica é a que guarda os diferentes
ritmos; está em estreita conexão com a memória auditiva. A memória analítica, ou lógica, é a
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mais intelectual das memórias musicais; é a memória advinda da análise da obra musical. A
memória emotiva, segundo Barbacci (1965) é a que constrói a idéia emocional que o
intérprete quer passar no momento da execução da peça; é a memória dos ”mil detalhes
imponderáveis, (...), graduáveis, mas impossíveis de escrever devem ser recordados por meio
de uma memória que chamaremos de emotiva” (p.109)9. Assim, vários tipos de memória
sustenta que a memória rítmica se desenvolve mais livremente quando se pratica sem a
utilização da escrita. Mas, para Barbacci, a memória auditiva é a mais importante das
memórias musicais (Barbacci, 1965). Defende o autor que a educação do ouvido musical
comece nas primeiras lições. “(...) é nas primeiras semanas de estudo, quando a criança
todos os sons, seus timbres, os ruídos e os silêncios”10. A criança, já nas aulas iniciais, deve
começar a desenvolver seu ouvido musical. “No início deve escutar tudo muito atentamente,
deficiências”11.
criança não se ocupa desta memória. Cabe ao professor ajudar a criança a analisar a peça com
De acordo com Kaplan (1985), é possível distinguir três estágios durante o processo de
8
“El processo de individualización es eminentemente psicológico” (Barbacci, 1965, p.58, tradução nossa).
9
“Mil detalles imponderables, (...), graduables, pero no posibles de escribir deben recordarse por médio de uma
memória que llamaremos emotiva” (Barbaccci, 1965, p.109).
10
“(...) es en las primeras semanas de estudio, cuando el nino ingresa en el mundo de la música, cuando debe
despertásele el interes em escuchar atentamente a todos los sonidos, sus timbres, los ruidos, los silêncios”
(Barbacci, 1965, p.77).
11
“En principio debe escuchar todo muy atentamente, formando así el hábito de valorar las diferentes cualidades
del sonido y criticando sus deficiencias”. (Barbacci, 1965, p.76).
30
de associação entre elas. Estas associações podem ser feitas por analogias ou diferenças. “Os
(p.72). A associação facilita a organização mental do material a ser memorizado. “(...) esta
Kaplan (1985), é como se a memória fosse “um sistema com vários estágios de diferentes
milésimos de segundo, uma espécie de “registro sensorial”, nas palavras do autor (p.75). Um
30 segundos daí porque é denominada memória a “curto prazo” (p.75). É a repetição que
permite que uma informação ultrapasse estes primeiros estágios e seja retida na memória a
“longo prazo” a qual é, pois, capaz de manter a informação por um tempo muito maior.
memorização.
A repetição pode ser mental ou física. Assim, um aluno, após observar a execução de
31
uma peça pelo seu professor, deve primeiro repeti-la mentalmente como se estivesse tocando
no instrumento. Neste exercício o aluno estará pensando a seqüência das notas, o dedilhado, a
dinâmica, etc. Posteriormente, o aluno poderá efetivamente repetir ao piano, e através destas
Mas, para que o desenvolvimento dos hábitos motores seja eficaz, é preciso que a
repetição física seja seletiva e não mecânica. É preciso saber “o que” e “como” realizar o
movimento que se quer executar e fixar. Toda repetição tem que ser controlada auditivamente
pelo aprendiz, analisando-a criticamente. A cada nova repetição devemos exigir um resultado
melhor.
sensações que seu sistema próprio-ceptivo lhe fornece para, a partir delas, escolher os
Observa-se, assim, que a retenção das informações na memória por um longo período
é resultado da repetição. A memória musical também funciona assim. Então, uma criança que
ouve repetitivamente uma música, memorizará com mais facilidade que outra que não ouve
com tanta assiduidade. Da mesma forma como ocorre no aprendizado de uma língua, na
professora Gonçalves (1989) inclui tocar por imitação como uma das habilidades funcionais
que deve ser desenvolvida ao longo do processo de aprendizado do piano (vol.4, p.4). Esta
outra forma, seria por muito tempo adiado” (vol.4, p.4, itálico nosso).
Segundo a autora, utilizar o recurso do ensino por imitação tem como objetivo geral
(Gonçalves, 1989, vol.4 p.5). Desta forma a autora inclui nos manuais do professor algumas
peças para serem ensinadas por imitação “na fase que precede o uso do 1° volume, num dos
primeiros contatos com o teclado” (vol.4, p.6). A peça intitulada “au Clair de la lune”, por
Esta peça é para piano a quatro mãos, para professor e aluno. Mas, sugere a autora que
a parte do primo seja aprendida por imitação pelo aluno antes mesmo do uso do primeiro livro
do método. Observamos que a primeira parte desta melodia traz intervalos melódicos de terça
outra peça, “lá no sítio do Renato”, indicada para ser aprendida por imitação antes do início
Ainda no “manual do professor vol.4”, a autora indica uma peça, “a perdiz”, a ser
(Gonçalves, 1989, vol.4, p.108). Esta peça apresenta células rítmicas que a criança ainda não
12
O método foi desenvolvido pelas professoras Maria de Lourdes Junqueira Gonçalves e Cacilda Borges
Barbosa e conta com quatro volumes. O primeiro é nomeado “etapa da musicalização” o qual é composto de
duas partes: “experiências e descobertas” e “pré-leitura”; o segundo volume é “etapa da leitura: nas teclas
brancas”; o terceiro volume é “nas teclas brancas e pretas”; o quarto volume é “habilidades funcionais”. Além
destes livros, há os manuais para os professores
33
afirmar que uma criança iniciante já é capaz de executar por imitação melodias que
apresentem uma certa complexidade rítmica e melódica, com saltos de terças, quartas, quintas
e até oitavas, como aparece na peça “brincando de índio” sugerida pelas professoras como
que “todos esses conceitos de intervalos aqui experimentados só serão explorados, na página
musical, bem mais tarde” (Gonçalves, 1989, vol.4, p.103, itálico nosso).
Uma outra peça que merece ser destacada aqui é a “onda mansinha” (Gonçalves, 1989,
vol.3, p.6). Esta deve ser aprendida por imitação quando se chega ao capítulo 4, da 2ª parte
(nas teclas brancas e pretas) do 2° volume (Leitura). Segundo as autoras, esta obra visa a
trabalhar, dentre outros aspectos, a “elegância de gestos e equilíbrio sonoro” através do uso de
mãos alternadas com deslocamento. Afirma a autora que este item constitui “experiência de
pianismo bastante sofisticada, que seria atingida com dificuldade, por leitura e que, realizada
por imitação, é alcançada com facilidade e prazer” (Gonçalves, 1989, vol.3, p.7).
Para tocar cruzando as mãos, sem afetar o equilíbrio sonoro, a criança precisa ser
capaz de ajustar seu tônus muscular àquela situação. Como esta habilidade ainda se encontra
Sustenta ainda a autora que a habilidade de tocar por imitação deve acompanhar a
das crianças, tornando-se um repertório paralelo quando elas aprendem a ler partitura. Assim,
o professor deve ter o material adequado ao momento de aprendizagem que a criança está
vivendo. E, como na prática da imitação o professor é o modelo, deve executar a peça com
cuidado, sem hesitações, de forma expressiva. “Na aprendizagem por imitação, o aluno não
Ao observar o gesto e a posição dos braços, mãos e dedos do professor, a criança está
obtendo informações sobre estas partes do corpo e de sua estruturação postural. Entrelaçando
estes dados com a experiência do seu próprio corpo, a criança nos anos pré-escolares vai
concorre para que a criança amadureça a representação de seu corpo e de suas possibilidades.
Segundo Ângela Diller (1953), uma outra autora que também acredita na importância
de se ensinar por meio da imitação, “no início do estudo, tocar de ouvido, aprender peças por
n°4, p.5). Sustenta a autora que através da imitação a criança aprende a concentrar-se, a ouvir,
hábitos de estudo de grande qualidade. “Ensinando por imitação você estará ensinando o
aluno a usar o ouvido e a mente tanto quanto os dedos” (apud Gonçalves, 1989, vol.2, pp.19-
20).
método Suzuki, em entrevista concedida a nós13, concorda que a música “brilha, brilha
estrelinha” apresenta uma certa complexidade para ser a primeira música do método, e que a
A entrevistada também afirma ainda que “muitas coisas” são desenvolvidas através da
imitação. Ela cita o “cuidado com a afinação e com a postura”, a “qualidade sonora”, o
“movimento”, e “até o amor que o professor tem por aquilo que ele faz”. Afirma ainda que,
sem a leitura, o aluno “interage muito melhor com a música” e que a imitação desperta
ser imitado, seriam bastante adiados. A imitação é, pois, uma ferramenta que encontra
13
SALLES, Mariana. Entrevista realizada no domicílio da entrevistada. Rio de Janeiro, 2008, 1MD (16 min
12’).
36
CONCLUSÃO
pois, fruto de um processo dialético. Neste sentido, podemos dizer que a habilidade para tocar
piano não se desenvolve por um processo de maturação que ocorre naturalmente, nem é
simples reflexo do ambiente externo, mas resulta da interação dialética que se estabelece entre
o aprendiz e o ambiente.
por meio da assistência de um adulto ou de uma criança mais experiente; refere-se às funções
consegue solucionar uma atividade, significa que vários processos de desenvolvimento foram
acionados para tanto. Estes processos acabaram de “brotar’, e têm muito o que desenvolver,
criança pode fazer uso de funções psicológicas que estão além daquelas que se encontram no
seu nível de desenvolvimento real, pois, “com o auxilio de uma outra pessoa, toda criança
no período pré-escolar é capaz de executar peças que sozinha não conseguiria. Relata a
Professora Mariana Salles, em entrevista concedida a nós, que a primeira peça do método
Suzuki (“brilha, brilha estrelinha”) apresenta uma certa complexidade, mas, através da
imitação, uma criança em idade pré-escolar pode executá-la. Este depoimento vem corroborar
capaz de tocar esta música, porque diversas funções que estavam amadurecendo foram
Após algumas repetições, aquilo que, a princípio, a criança só era capaz de tocar com a ajuda
aplicam esta idéia. Ao propor o ensinamento das músicas através da imitação, ambos os
observar que, nesses métodos, as primeiras músicas a serem aprendidas por imitação já
trabalham com diversos padrões rítmicos, saltos e movimentos diferentes entre as mãos. A
criança ainda não sabe ler a partitura, mas já executa peças com todos esses conteúdos. Com
isso, uma série de funções que estão amadurecendo nestes anos pré-escolares são estimuladas.
o que impulsionar. No período pré-escolar, o manejo fino dos músculos que controlam os
movimentos dos dedos é uma função que está brotando. Assim, a criança que, durante este
período, aprende por imitação a tocar piano estará fomentado o domínio da motricidade fina.
complexos, esta criança estará desenvolvendo uma habilidade que é básica para tocar piano, e
simultaneamente movimentos diferentes com ambas as mãos. Com isso, a criança estará
amadurecendo mais uma função que é extremamente importante, não apenas para o
O ensino do piano por meio da imitação exige da criança a memorização. Uma vez
memorizada a peça, a criança pode voltar sua atenção para o tônus muscular. Como afirma
Suzuki (1995), quando o aluno consegue tocar a peça sem errar notas e digitação, “é chegado
o momento de se cultivar sua maestria de música” (p.11). Vencida estas etapas, o professor
deve orientar a criança a ajustar o seu tônus muscular às exigências musicais da obra. Na
medida em que a criança pratique aquela peça, suas respostas musculares tornam-se mais
39
rápidas e adequadas aos fins desejados. Este maior domínio dos estados de contração e
relaxamento dos músculos que é possibilitado pelo ensino do piano por imitação, é essencial
para a prática pianística. E, como afirma a Professora Gonçalves, a busca do equilíbrio sonoro
criança uma “experiência de pianismo bastante sofisticada” (Gonçalves, 1989, vol.3, p.7).
do piano através da imitação, recai sobre a memorização. A criança desenvolve diversos tipos
cinestésica, e emotiva.
percebendo o corpo do professor e a sua estruturação postural, a criança pode elaborar melhor
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