Marta Morais Da Costa - Literatura Infantil
Marta Morais Da Costa - Literatura Infantil
Marta Morais Da Costa - Literatura Infantil
www.iesde.com.br
Literatura
Infantil
Autora
Marta Morais da Costa
2008
Sumário
Literatura, leitura e aprendizagem........................................................................................5
Conjunto de elementos gramaticais..........................................................................................................7
Repositório de mensagens e informações.................................................................................................7
Decodificação...........................................................................................................................................8
Avaliação..................................................................................................................................................8
A integração em uma concepção autoritária de leitura.............................................................................9
O professor-leitor..................................................................................................................19
A contação de histórias.........................................................................................................47
Tipologia textual...................................................................................................................53
A biblioteca escolar...............................................................................................................109
Por muito tempo, a função do leitor reduzia-se a interpretar uma suposta vontade
expressa pelo autor no texto sob análise. Era muito freqüente na escola a pergunta: “O
que o autor quis dizer neste texto?” Hoje, as teorias da recepção de textos deslocam
a importância do papel exercido pelo sentido e o significado do texto para o receptor,
isto é, o leitor. Considera-se que um livro fechado não existe, não tem vida. Quem
lhe dá força e sobrevivência é a leitura, ação praticada por um leitor. Dessa forma,
o leitor deixa de ocupar um papel secundário, subordinado à vontade do autor e/ou
do texto, para ocupar o papel principal de fonte de sentidos. Um texto que não pode
ser compreendido também não existe. E as palavras de um texto vão recebendo os
sentidos que um leitor, motivado por elas, atribui a essas palavras. Mais ainda, os
recentes estudos de Lingüística e da Análise do Discurso afirmam que os significados
das palavras são flutuantes e variáveis: dependem do contexto cultural e pessoal, das
palavras que compõem o restante do texto, da experiência de vida e leitura do leitor e
assim por diante. O resultado é que o sentido flutua e, ao ler, o sujeito leitor projeta,
sobre a materialidade das palavras, significados que se alteram de leitor para leitor
– nem sempre com muita diferença, mas sempre com nuances, pequenas distinções,
frutos da individualidade de cada leitor.
Essa nova posição teórica vem alterar substancialmente o trabalho escolar
com a leitura, que passa a valorizar muito mais a força e a capacidade do leitor
para construir sentidos diferenciados para os textos que lê.
Experimente ler o mesmo texto em diferentes situações de sala de aula. Ou em
diferentes momentos do ano. Ou em anos diferentes. O texto será o mesmo, mas as
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Literatura, leitura e aprendizagem
Conjunto
de elementos gramaticais
Neste caso, o professor “utiliza o texto para desenvolver uma série de atividades
gramaticais, analisando, para isso, a língua enquanto um conjunto de classes e funções
gramaticais, frases e orações.” Há um isolamento do texto, uma fragmentação e um desvio
de função, uma vez que a compreensão dos sentidos gerais, da visão de mundo expressa
e, conseqüentemente, de uma leitura significativa para o aluno ficam perdidas.
Embora o livro didático se sirva com freqüência dessa concepção, ela
contribui para o desinteresse do leitor, desestimulando-o para a leitura, pois um
texto é muito mais do que um conjunto de fatos gramaticais: ele visa a comunicar
idéias, provocar efeitos no leitor, registrar acontecimentos ou pensamentos.
Repositório
de mensagens e informações
Ângela Kleiman critica uma concepção muito freqüente no trabalho com a
leitura: a de que o texto é um depósito de informações, veiculadas pelas palavras.
O trabalho do leitor seria buscar o sentido das palavras, uma a uma, para chegar
cumulativamente à mensagem.
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Literatura Infantil
Por isso, evite sair falando em “minha leitura”, “porque é minha leitura”,
sem antes promover a compreensão do texto autoral.
Decodificação
Ângela Kleiman (2000) descreve essa atividade como “uma série de automatismos
de identificação e pareamento das palavras do texto com as palavras idênticas, numa
pergunta ou comentário”. Para atingir o cumprimento dessa tarefa o aluno deve,
por exemplo, responder a uma pergunta sobre alguma informação do texto: o leitor
precisa somente de um passar de olhos pelo texto, à procura de trechos que repitam
o material já decodificado da pergunta. Essa atividade em nada modifica a visão
de mundo do aluno – sendo, portanto, pobre e desestimulante.
A solicitação de sinônimos e antônimos descontextualizados configura a
imagem desvalorizada do texto. Ela é apenas um dicionário, isto é, a listagem de
palavras sem concatenação, sem coesão.
A linguagem não funciona dessa maneira isolada: ela é associativa, uma
rede de sentidos. E o professor erra ainda mais ao deixar de investigar com maior
profundidade o pensamento expresso no texto. Em lugar desse questionamento,
o professor transfere ao aluno a capacidade de opinar: sem que o estudante tenha
sequer compreendido o texto, já está o professor a perguntar-lhe a opinião, o
posicionamento crítico, a concordância ou discordância com o autor.
Avaliação
Igualmente negativa é a atitude de transformar a leitura, principalmente
aquela em voz alta, em forma de avaliação de compreensão ou, mesmo, da
perfeita ou imperfeita evolução na dicção das palavras. Outra finalidade, a de
avaliar se o aluno realmente leu silenciosamente o texto indicado, por meio de
uma prova ou questionário, fica muito distante da boa intenção de formar o
leitor, de incentivar a leitura. “Resumos, relatórios e preenchimentos de fichas
(representam) uma redução da atividade a uma avaliação desmotivadora”, diz
Ângela Kleiman (2000, p. 23).
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Literatura, leitura e aprendizagem
A leitura medida por páginas, realizada sem objetivos, para atender à ordem
do professor ou à cobrança, age negativamente sobre o aluno e impede que o texto
seja significativo para ele, para sua aprendizagem, para sua vida.
A integração em uma
concepção autoritária de leitura
As quatro funções criadas pela escola para justificar o trabalho com a leitura
produzem enganos sérios. Primeiramnte, a crença de que há apenas uma maneira de
abordar o texto e somente uma interpretação. Em segundo lugar, a crença de que o
texto se reduz ao conhecimento do vocabulário. Em terceiro, a de que o professor
produz uma leitura “autorizada”, isto é, a única verdadeira.
O importante, segundo Kleiman (2000), é ter em mente que qualquer texto,
oral ou escrito, tem uma intencionalidade. Visa a informar, a persuadir, a influenciar
o interlocutor e somente o fará na medida em que o leitor possa interagir com
ele, confrontando os objetivos e intenções do autor com seus próprios objetivos
e intenções.
Podemos concluir, com Maria Bernadete Abaurre, que
Se o objetivo do trabalho com a leitura de textos é a constituição de leitores com uma gama
variada de habilidades de leitura, de leitores capazes de ler para informar; para estudar
e entender o ponto de vista de um autor; para compará-lo com o de outros autores; para
buscar e construir novos conhecimentos; para fruir, apreciar e refletir sobre o conteúdo, a
estrutura textual ou os recursos de linguagem utilizados; para relacionar o texto lido com
outros; para criticar aspectos do texto ou da realidade que retrata etc., o aluno deve ser
exposto a textos reais (e não artificialmente construídos, para enfatizarem “um problema
de ordem gramatical” ou “temático”). (ABAURRE et al., 1998, p. 10).
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Literatura Infantil
1. Proceda a um exame de suas crenças e/ou superstições a respeito da leitura. Verifique se você age
conforme alguns dos itens mencionados no texto da aula e procure repensar sua prática docente.
Registre suas conclusões.
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2. Entreviste alunos e a comunidade para saber quais são as expectativas em relação à leitura e que
funções ela pode cumprir na vida de cada um. Registre suas conclusões.
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Literatura, leitura e aprendizagem
3. Marque com uma cor, no texto da aula, as idéias que foram inovadoras para você e em outra cor
as dúvidas e discordâncias. Procure a bibliografia indicada e verifique que novas informações,
ali, podem ser encontradas e que respondem às suas perguntas. Registre suas conclusões.
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ABAURRE, Maria Bernardete et al. Avaliação de cartilhas e livros didáticos: perguntas a formular.
Leitura: teoria & prática, Campinas, n. 31, p. 10, jun. 1998.
EVANGELISTA, Aracy Alves M.; BRANDÃO, Heliana Maria B.; MACHADO, Maria Zélia V. (Org.).
A Escolarização da Leitura Literária: o jogo do livro infantil e juvenil. Belo Horizonte: Autêntica,
1999.
KLEIMAN, Ângela. Oficina de Leitura: teoria e prática. 7. ed. Campinas: Unicamp/Pontes, 2000.
ORLANDI, Eni. Interpretação: autoria, leitura e efeitos do trabalho simbólico. Petrópolis: Vozes,
1996.
A concepção
escolar da leitura
Itens a serem abordados
A atuação da escola na questão da leitura
A alfabetização como fator de formação de leitores
O livro didático enquanto empecilho para a formação de leitores
Caráter transdisciplinar da leitura
A
responsabilidade pela aprendizagem da língua portuguesa escrita foi atribuída, pela sociedade,
à escola, que vem cumprindo esse papel em especial após o Iluminismo (séc. XVIII), período
em que nasce a escola burguesa que herdamos. Com maior ou menor eficácia, a escola tem
alfabetizado o povo brasileiro em sua maioria: ficam fora das estatísticas os atuais 9% de
analfabetos do Brasil e as crianças alfabetizadas em casa, pela família.
A atuação da escola na formação de leitores de primeiras letras pode resultar acréscimo
significativo de valores humanos, sociais, econômicos, científicos, filosóficos, sociológicos, psíquicos,
artísticos e tantos outros. A iniciação da criança nas habilidades de leitura abre-lhe portas para
o conhecimento. A competência de leitura, adquirida nas trocas que, enquanto leitor, ela realiza,
aperfeiçoa-se ao longo da vida e pode mantê-la conectada a toda produção do pensar, agir e criar
realizada pela humanidade e registrada em formato de textos escritos. A força dessa aprendizagem
constrói consciência e atitudes eficazes ao longo da vida.
Por essas razões, a necessidade de realizar uma alfabetização eficaz torna-se imperativo
educacional, do qual a escola não pode fugir. São inúmeras as circunstâncias que interferem no
cumprimento desse objetivo, mas alguns cuidados podem facilitar a aprendizagem e auxiliar a formação
de leitores competentes.
O conceito de alfabetização ampliou-se de “mera capacidade de firmar ou de ler uma mensagem
simples”, para “leitura de novo material e recopilação de novas informações a partir de um material”,
conforme Resnick e Resnick, (apud Colomer; Camps, 2002, p. 16).
A criança já traz para o ambiente escolar a consciência da importância do desempenho
lingüístico oral, para a obtenção de uma melhor comunicação e interação com os demais membros
da comunidade em que se insere. Portanto, já conhece algumas regras básicas da linguagem, que a
constituem como sujeito e como participante de relações com outros sujeitos. Já domina intuitivamente
uma série de normas e procedimentos lingüísticos que a auxiliarão a penetrar no reino das palavras
em sua representação escrita.
O professor sabe que:
A língua, produto do trabalho de sujeitos sócio-histórico-culturalmente marcados, [guarda] as marcas da história
da sua constituição, visíveis nas variedades lingüísticas que convivem no espaço (variedades marcadas pela classe/
grupo social, pela origem regional, pelo contato maior ou menor com a escrita, pela própria subjetividade) e que
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Literatura Infantil
(brevidade, fragilidade da existência) pelo confronto entre indivíduos (amor, ódio, piedade) ou
pelas estruturas sociais (opressão, miséria, medo do futuro, tédio). Em suma, ele é um recurso
contra o absurdo da condição humana.”(FOUCAMBERT, 1999, p. 55).
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A concepção escolar da leitura
1. Pesquise em sua escola a concepção de leitura vigente no projeto pedagógico. Registre aqui o que
encontrou.
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2. Entreviste a direção e a supervisão pedagógica para saber quais são as diretrizes estabelecidas
pela instituição para o trabalho com a leitura. Registre o que encontrou.
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3. Estabeleça parceria com professores de outras disciplinas para criar um grupo de discussão sobre
textos em sua escola, dos informativos aos literários, dos técnicos aos argumentativos, e assim
por diante. Registre aqui algumas conclusões do grupo.
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Literatura Infantil
ABAURRE, Maria Bernardete et al. Avaliação de cartilhas e livros didáticos: perguntas a formular.
Leitura: teoria & prática, Campinas, n. 31, p. 5-26, jun. 1998.
BELMIRO, Célia Abicalil. A leitura na educação de jovens e adultos. In: EVANGELISTA, Aracy
Alves M.; BRANDÃO, Helena Maria B.; MACHADO, Maria Zelia V. (Orgs.). A Escolarização da
Leitura Literária: o jogo do livro infantil e juvenil. Belo Horizonte: Autêntica, 1999.
CELANI, Maria Antonieta Alba. Transdisciplinaridade na lingüística aplicada no Brasil. In:
SIGNORINI, Inês; CAVALCANTI; Marilda (Orgs.) Lingüística Aplicada e Transdiciplinaridade:
questões e perspectivas. Campinas: Mercado de Letras, 1998.
COLOMER, Teresa; CAMPS, Anna. Ensinar a Ler, Ensinar a Compreender. Porto Alegre: Artmed,
2002. Campinas: Mercado de Letras, 1998.
FOUCAMBERT, Jean. A Criança, o Professor e a Leitura. Porto Alegre: Artmed, 1998.
SOARES, Magda. A escolarização da literatura infantil e juvenil. In: EVANGELISTA, Aracy Alves
Martins. et al. A Escolarização da Leitura Literária: o jogo do livro infantil e juvenil. Belo Horizonte:
Autêntica, 1999.
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O professor-leitor
Itens a serem abordados
Formação docente
História pessoal de leitura
Depoimentos de professores
Prática docente
Necessidade de continuar a formação pessoal de leitor
P
ara que possamos pensar na leitura em sentido amplo, não devemos desconsiderar a formação
do professor, um dos principais agentes de formação de leitores. Por essa razão, é preciso avaliar
os fundamentos, conhecimentos e objetivos que servem de parâmetros para o trabalho docente e
que, portanto, precisam estar em sua formação.
A educação pressupõe dois parceiros fundamentais e que, necessariamente, devem interagir: o
professor e o aluno. No trabalho de formação do leitor, consideram-se sempre as bases teóricas que
fundamentam a atividade docente.
Entre elas, podemos considerar a noção de letramento que, segundo Ângela Kleiman e Magda
Soares (apud GUEDES PINTO, 2002, p. 32), pode ser definido como um conjunto de práticas sociais,
de que a escrita é parte integrante e necessária, sendo utilizada para atingir algum fim específico. Ou
seja, o conceito de letramento está relacionado aos usos da escrita em um determinado contexto social,
conseqüentemente também envolvendo, a prática da leitura.
Considerando as normas estabelecidas pela Lei de Diretrizes e Bases (LDB) de 1996 e pelos
Parâmetros Curriculares Nacionais, entende-se a importância conferida à leitura enquanto instrumento
indispensável para o acesso e a aquisição dos mais diferentes conhecimentos, pertencentes aos mais
diversos campos do saber humano. Há, por isso, um argumento de ordem legal e outro de ordem
conceitual a indicarem a importância da leitura no sistema escolar. Portanto, eles se convertem, também,
em pilares da formação docente.
Deve ser acrescentada a esses dois pontos uma tendência da historiografia contemporânea, que
privilegia os depoimentos e histórias pessoais, dentro de toda a sistemática teórica da Nova História,
da Escola dos Annales. Direcionados para a educação, os estudos de Antônio Nóvoa sobre a vida de
professores de Portugal, editado em 1995, abriu caminho para vários outros livros com depoimentos
de histórias pessoais de leitura de docentes de muitos países.
Estudos empíricos mais recentes, que tomam como objeto de análise a memória, a história de vida dos sujeitos e agentes
da educação, envolvidos no processo educativo, têm assumido nos meios de estudo acadêmico um caráter de grande
importância e destaque, uma vez que demonstram que a realização deste tipo de pesquisa oferece a possibilidade de
preencher as lacunas deixadas pelos trabalhos voltados, apenas, para os aspectos relacionados ao sistema educacional e
sua expansão, sem fazer referência aos professores e demais profissionais do ensino. (GUEDES PINTO, 2002, p. 41).
Professora – Eu não me lembro dos meus pais lerem alguma coisa pra mim, não.
Não, meus pais, acho que não. Ele, meu pai, brincava muito comigo. É, aquela
brincadeira “balança caixão”, né ? Essas coisas ele brincava demais. É, minha mãe...
não me lembro assim de minha mãe brincar com a gente assim, nem tanto. Mais era
meu pai. Mas de leitura, não. Acho que leitura, nem um pouco. Me lembro assim
de jornal. Aos domingos tinha, mas não me lembro se ele mostrava alguma coisa.
Acho que, não sei. Eu acredito que a parte de alfabetização era mais a escola. Eles
deixavam essa parte pra escola mesmo, não tinha incentivo em casa.
Eu [a pesquisadora] – Nem Bíblia, nada?
P – Sempre teve, sempre teve.
E – Então, por que eu tô perguntando leitura, é...
P – Geral, tá. Sempre teve Bíblia em casa [...]
E – Então eles liam?
P – Liam, liam.
E – Então, por que é justamente aí que eu tô...
P – Ah! Tá! Eu tô entendendo [...] Não, isso tem. Isso sempre teve. Meu pai
sempre leu jornal, é, minha mãe a Bíblia, livro mais, assim, religioso [...]
Desde pequena. Isso eu me lembro, bastante [...]
E – Você falou que na sua casa tinha muita música?
P – Tinha. Minha mãe sempre cantou muito. Música de igreja, ou música,
qualquer música assim que a gente tem, que eu lembre, né, de artista.
Gostava de escutar aquelas rádios, que tem até hoje, né? AM. Então isso
tem, sempre teve sim. Muitos discos...
E – Vocês acompanhavam, às vezes? Que às vezes tinha escrito.
P – Tem isso, aqueles folhetos, tem, tem, tem.
E – Aqueles livretos. Pra dá um exemplinho.
P – Isso, tinha, lia. Sempre tivemos.
E – E isso era comum?
P – Comum, comum. Mesmo na escola eu era, eu sempre participava de teatro.
Até me lembro no pré, que teve a história de D. Batatinha e suas filhas e eu
era D. Batatinha. E eu sempre, assim, me destacava nessas coisas porque
eu sempre gostei de decorar as coisas, de ler, jogral.
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O professor-leitor
Convém não esquecer que um professor aviltado pelo salário e pela ausência
de perspectiva de aperfeiçoamento dificilmente se torna um bom profissional.
O entusiasmo inicial da carreira extingue-se, desaparece com o tempo, como
resultado de um trabalho mal recompensado e mal desenvolvido.
Mas nem tudo são espinhos na profissão. Sabemos da dedicação e da
persistência do professor e de seu papel imprescindível no desenvolvimento
das inteligências, na transmissão do saber acumulado ao longo dos séculos
pela humanidade, na formação do pensamento crítico, na experimentação de
comportamentos de cidadania.
Para que este papel se cumpra, é essencial a aprendizagem da leitura, a
descoberta de sua utilidade, a prática de constante intercâmbio com os textos.
E, para que esse trabalho possa ser realizado em sua plenitude, estará sempre
presente a história pessoal do professor-leitor. O conhecimento dessa história
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Literatura e Infantil
permite que o professor possa lidar, com maior segurança, com a orientação e a
formação de outros leitores. Por mais simples e lacunar que tenha sido o início
da vida de leitor do docente, ficaram marcas indeléveis que estarão presentes
em seu trabalho na escola.
Convém lembrar que a leitura tem um poder conscientizador, que possibilita ao homem
descobrir as suas representações do mundo. Conseqüentemente, este processo faz com
que o homem, dialeticamente, direcione-se para determinados fatos e relações contidos
na realidade circundante e tome distância desses, a fim de refletir sobre eles, questioná-los
e transformá-los, quando necessário. Entre os diversos tipos de textos existentes, o texto
literário é o que dá conta da totalidade social, pois, mesmo representando o particular,
atinge uma significação mais ampla. A linguagem literária extrai dos processos histórico-
político-sociais uma visão da existência humana, havendo uma identificação com outros
homens de tempos e lugares diversos. (BETENCOURT, 2000, p. 24)
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O professor-leitor
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O professor-leitor
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A formação do leitor
Itens a serem abordados
Leitura e os signos do mundo
Etapas percorridas pelo sujeito leitor
Características buscadas nos textos pelo leitor
Estratégias de leitura
Relações entre as linguagens
O leitor crítico
A
ntes mesmo de ver a luz do dia, o feto já reage aos estímulos do exterior, interpretando as reações
maternas. Suas primeiras expressões de contato com o mundo indicam uma contínua aprendizagem
que se concretiza em risos, choros e satisfações, modos de interpretar a realidade que o cerca.
Essa realidade deve-se ao fato de que a natureza, os homens e a sociedade se constituem textos
codificados e ao sujeito cumpre decifrá-los, isto é, lê-los e interpretá-los, na medida em que vive. Desde
os fenômenos naturais (a chuva, o sol, o frio, a noite, por exemplo) até as convenções sociais (como os
rituais de amizade, acasalamento e poder bem como a linguagem), tudo passa pela interpretação. São
signos, isto é, representações que significam algo para alguém. Para Eliana Yunes (2002, p. 97), essa
capacidade e ofício de ler sinais e linguagens do mundo, à exceção dos escritos, caracterizam o ledor.
Portanto, ler e interpretar tornam-se sinônimos à luz das teorias da linguagem e da hermenêutica.
Maria Helena Martins (1985, p. 31) sintetiza as teorias da leitura em dois grandes grupos:
como decodificação mecânica de signos lingüísticos, por meio de aprendizado estabelecido a partir do
condicionamento estímulo-resposta (perspectiva behaviourista cognitivo-sociológica);
como processo de compreensão abrangente, cuja dinâmica envolve componentes sensoriais, emocionais,
intelectuais, fisiológicos, neurológicos, bem como culturais, econômicos e políticos (perspectiva congnitivo-
sociológica).
Ler é questionar o mundo e ser questionado por ele, em uma definição bastante
feliz de Jean Foucambert. Está nessa troca entre o sujeito e tudo o que está fora
dele o núcleo mais essencial da leitura enquanto ato social, não apenas enquanto
aprendizagem de um código. Por isso, ler é encontrar algumas respostas para os
problemas da vida, é descobrir que o mundo e o homem podem ser diferentes. E,
por isso, estar apto a mudanças, equipado a realizar uma trajetória de desafios ao
historicamente estabelecido. É ter a capacidade de propor utopias, de persegui-las.
Ler é reconhecer-se. Toda vez que percebemos a identificação do leitor com
situações, sentimentos e personagens, vivenciamos o poder de expressar o ser humano
que o texto literário, por natureza, contém. É por isso que o leitor alimenta seu
imaginário ao interagir com as construções literárias, inventadas a partir do real.
O livro em sala de aula – e não importa o estágio de estudos em que o
educando se encontra – é um ato de comunicação em que a interação entre o sujeito
autor e o leitor permite descobrir e criar sentidos para os signos textuais. E não se
trata apenas de signos verbais escritos, mas de uma variada gama de linguagens que
atraem o leitor e solicitam, como sereias encantadas, uma decifração. Por isso, ao
ler, exercitamos todos os sentidos. A leitura exige empenho, atuação, persistência,
vitória sobre desafios. E um dos maiores é o de ultrapassar a ignorância, não apenas
do alfabeto mas de tudo o que está oculto, além de nossa compreensão. Assim, ler
é conhecer. Não apenas no sentido de acumular informações mas também no de
integrar-se à realidade do mundo e da interioridade.
E qual é a realidade da leitura na escola? Como se dá a formação do leitor
na instituição criada para cumprir função socialmente tão essencial?
Numa ciranda perversa, o leitor formado (se é que é formado) pela escola
lê somente o que lhe cai graciosamente às mãos, e de qualidade inferior, mas se
acredita um leitor competente. Ao deixar a sala de aula, a falta de exercício da
leitura verbal reconverte-o em analfabeto e, muito mais tragicamente, em um leitor
que sabe, mas não lê.
Pesquisas entre alunos e egressos do sistema escolar têm demonstrado que
a maior dificuldade que os leitores encontram ao se defrontarem com um texto é
interpretá-lo, quando não simplesmente entender o que dizem as palavras ali escritas.
Conclui-se facilmente que a sala de aula tem sido apenas uma alfabetizadora, isto
é, capaz de dar a conhecer às crianças a correspondência entre o som e a letra. As
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A formação do leitor
história, hoje, são as crianças que lêem ou contam histórias aos adultos. A família,
embora se posicione a favor, não lê e além disso interfere negativamente no trabalho
de formação do leitor ao privilegiar formas de lazer que, pensa ela, trazem maior
prazer do que a leitura. Na verdade, somos todos responsáveis pela leitura como
somos responsáveis pelo país.
Ler as linguagens da realidade e especialmente ler os livros implica o resgate
da cidadania, uma vez que assim se conscientiza o leitor do poder de – ele também
– criar sentidos para os textos que se apresentam, a cada passo do cotidiano. Acordar
esse poder transforma o casulo em borboleta. Temos assistido com freqüência às
mudanças operadas no comportamento de leitores ao se descobrirem capazes de
atuar em mão dupla na leitura, recebendo e dando sentidos à história individual e
à história do outro. A reação é, por vezes, comparável a uma iluminação interior.
A amplitude do alcance social e individual da literatura completa-se com o
prazer interior despertado pelo contato com a beleza da criação artística. Cabe,
porém, perguntar, sem preconceitos e sem argumentos falsos, como a escola tem
patrocinado o encontro do leitor com essa revelação.
Convém conhecer o depoimento de Eliane Marta Teixeira Lopes a esse
respeito:
Gosto de ler. Mas, se pensarmos que todos os gestos e todos os – poucos – movimentos que
estão presentes na hora da leitura, e mais o imobilismo a que ela nos sujeita, fadigam-nos,
fazem-nos doer as costas, a nuca, o dorso, os quadris, os olhos, por vezes entorpecem-nos
as mãos... então, de onde vem o gosto? Haveria prazer no ato de ler? De qual prazer se fala,
quando se fala no prazer da leitura?
Sou uma leitora antiga. Isto quer dizer que leio há muito tempo, desde quando sobre mim
se aplicou a máxima sentença pedagógica, definidora de destinos, “ela aprendeu a ler”.
Assim foi sentenciado, quando as primeiras palavras que me entraram pelos olhos e me
saíram pela boca, quase simultaneamente – há especialistas que sabem o que se passa entre
um momento e outro – foram: Olhem para mim. Eu me chamo Lili. Eu comi muito doce.
Eu gosto tanto de doce! Vocês gostam de doce? Declamo isso, sem me importar se era
mesmo assim que estava no cartaz à minha frente e na cartilha às minhas mãos. Somente
muito tempo depois, apelidaram-me Lili; mesmo assim, aprendi a ler e até ganho a vida
com isso, hoje. (LOPES, 2005).
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sustentar a nota daquela leitura, para tornar-nos o leitor, a leitora, daquele autor. Como uma
mulher torna-se a mulher de um homem.
Da resistência criamos a sua residência. O livro, o texto, o autor habita em nós e passamos
a habitá-lo. Não disse Mário Quintana, no mais belo e mais curto poema sobre o amor, que
“Amar é mudar a alma de casa”? (LOPES, 2005).
Mas, para quem não domina o alfabeto, a imagem permite manter o contato
com o mundo e com a produção de sentidos. Seria, entretanto, minimizar o poder
da imagem, tomá-la apenas no sentido informativo e preenchedor de lacunas
culturais. A linguagem visual, tal como a verbal, possui sua estrutura própria, que
a constitui como um todo orgânico, capaz de servir de instrumento de transmissão
da herança cultural e de criação artística.
Porém, na relação texto-imagem há limites permanentes: nem a palavra
consegue substituir a imagem, por mais que tente descrevê-la, nem a imagem é
capaz de reproduzir a sonoridade da palavra e a multiplicidade de sentidos que ela
é capaz de evocar. Mas, respeitando as respectivas idiossincrasias, texto e imagem
podem somar-se e ampliar os sentidos das mensagens.
A associação entre o prazer, o lúdico e o riso na formação do leitor merece
ser acrescida de uma reflexão sobre a leitura como um ato coletivo e democrático,
como expõe o poeta Fernando Paixão em A leitura como educação dos sentidos:
Não esqueçamos que a prática de ler em sala de aula, ao lado de ser uma prática individual,
constitui-se boa parte das vezes, também, numa tarefa coletiva. Seja pelo confronto
de opiniões, pelos diferentes níveis de atenção despertados, ou seja ainda pelo gosto
diferenciado de cada leitor, a oportunidade de discussão e confrontação permite a cada um o
seu posicionamento em relação ao texto. [...] A exposição em grupo, onde a argumentação é
personalizada, constitui muitas vezes a primeira experiência que temos, ao nível de cidadania.
Não seria exagerado, pois, afirmar que esse exercício reforça concretamente a idéia de uma
democracia da leitura na sala de aula.
Ao meu ver, ao lado da exigência social, para que todos tenham acesso mínimo ao ato de
ler, esta democracia coloca-se como um imperativo individual para que cada um, no ato de
ler, possa experimentar a vivência de sua própria subjetividade. O importante aqui é que
não haja uma confusão entre liberdade de interpretação e esta democracia da leitura. Ao
invés de promover o “achismo” como expressão de autonomia do sujeito, esta democracia
deve trabalhar com uma diversidade que permita a cada leitor trabalhar, interiormente, a
sua inocência e seu espírito crítico.
A literatura, nesse sentido, constitui um campo privilegiado para a refração do conhecimento
– de si próprio e do mundo – que é perseguido pelos indivíduos. Paulo Freire já nos ensinou
o quanto a alfabetização constitui um fato que estimula, pela aquisição da linguagem,
a emancipação do sujeito em sua relação ativa com o mundo. Na verdade, porém, esta
emancipação apenas começa com a alfabetização.
Os caminhos posteriores, no interior da linguagem e das leituras realizadas, é que
possibilitarão os contornos de uma efetiva transformação. (PAIXÃO, 2005).
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A formação do leitor
1. Pesquise a respeito dos índices de analfabetismo funcional em sua escola e bairro e procure
encontrar as causas dessa situação. Registre aqui o que encontrou.
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2. Crie um projeto de formação do leitor com textos de literatura em gradação de dificuldade, isto
é, dos mais simples aos mais complexos. Aplique ao longo do ano letivo e avalie os resultados
ao final do período. Registre aqui a lista de títulos desse projeto.
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Literatura Infantil
3. Promova atividades em que os alunos tenham de relacionar textos escritos com música, artes
visuais, cinema e televisão. Registre aqui algumas dessas atividades.
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CARNEIRO, Flávio. Entre o Cristal e a Chama: ensaios sobre o leitor. Rio de Janeiro: EdUERJ,
2001.
LOPES, Eliane Marta Teixeira. Leitura, Prazer e Saber. Disponível em: <www.unicamp.br/iel/
memoria/Ensaios/elaine.html>. Acesso em: 18 out. 2005.
PAIXÃO, Fernando. A Leitura como Educação dos Sentidos. Disponível em: <www.
unicamp.br/iel/memoria/Ensaios/>. Acesso em: 18 out. 2005.
MARTINS, Maria Helena. O que é Leitura. São Paulo: Brasiliense, 1985.
MACHADO, Ana Maria. Contracorrente: conversas sobre leitura e política. São Paulo: Ática,
1999.
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A construção
do sentido do texto
Itens a serem abordados
O texto como intermediário entre sujeitos comunicantes
A interpretação
A compreensão pessoal e a força da interpretação coletiva
A leitura do contexto
Etapas da compreensão
A compreensão: inferência e paráfrase
A
s atividades de leitura pressupõem, de início, uma relação interativa entre dois sujeitos (o autor
e o leitor) mediada pelo texto. O ato de escrever baseia-se em um processo de significação.
Mas não é apenas o escritor que trabalha/emite/processa significados: o leitor também constrói
sentidos a partir do estímulo textual e de sua história particular de ser significante.
Segundo Eni Orlandi,
Queiramos ou não, quando fazemos parte do conjunto dos chamados sujeitos-leitores – além de constituir um público
com suas implicações e conseqüências – estamos fazendo parte de um processo do qual resulta a institucionalização
dos sentidos. O cerne da produção de sentidos está no modo de relação (leitura) entre o dito e o compreendido.
(ORLANDI, 1988, p. 59).
Os sentidos dos textos não nascem espontaneamente, são convencionados e construídos por
seus usuários em uma conjunção de ordem histórico-social. Isto é, alteram-se no tempo e com a evo-
lução social. Além disso, estão atravessados pelas “relações de poder com seus jogos imaginários”
(ORLANDI, 1988, p. 60).
A construção dos sentidos de um texto tem, portanto, mutabilidade ao longo do tempo. Os sentidos
não pertencem nem ao autor, nem ao leitor, pois são efeitos da troca de linguagem, segundo Orlandi. Por
isso não se extinguem com esses sujeitos: têm um passado e projetam-se no futuro. Essa qualidade é uma das
razões que permite a permanência dos textos, com sua multiplicação de sentidos, ao longo da história.
A atividade do leitor na busca da construção do sentido pode passar por etapas que vão da visão
mais estreita ao conhecimento mais ampliado, dependendo do tipo de pergunta proposta ao texto.
Podemos olhar o texto e fazer perguntas sobre letras, mas, então, precisaremos de uma quantidade relativamente concentrada
de informação visual e veremos muito pouco. Ou podemos olhar para o texto e fazer perguntas sobre palavras, vendo,
então, um pouquinho mais, mas, provavelmente, não o suficiente para encontrar sentido naquilo que estamos tentando
ler. Ou podemos olhar para o texto e fazer perguntas sobre o significado, situação na qual não teremos consciência das
palavras individuais, mas teremos a maior chance de ler fluente e significativamente. (SMITH, 1999, p. 109).
Literatura Infantil
36
A construção do sentido do texto
Após essa definição, cabe escolher a estratégia de leitura a ser utilizada: se-
lecionar, pesquisar, comparar, recortar/colar, desenhar e outras mais. No momento
seguinte, cabe ao professor esclarecer qual a utilidade de tal procedimento. Essa
orientação pode ser maior garantia para do sucesso da tarefa, uma vez que o aluno
estará mais seguro de ter o controle do processo em suas mãos.
Na etapa seguinte, o professor deve mapear os procedimentos da descoberta
da interpretação, tornando transparente o processo. Evidenciar a maneira de se
chegar a construir o sentido – seja pelo contexto, seja pela associação de palavras,
seja pela memória de textos e interpretações anteriores.
Na seqüência, a intervenção do professor deve tornar-se paulatinamente menos
intensa, criando, aos poucos, a autonomia do aluno no processo de interpretação. Esse
é o passo seguinte: levar os estudantes a confrontarem sua compreensão do texto com
a dos colegas, reforçando o conhecimento dos passos da estratégia utilizada.
Por último, cabe ao professor assegurar que a estratégia adotada possa ser
reutilizada em momentos posteriores da aprendizagem, que ela passe do patamar
de exercício para o de conhecimento adquirido. Para tanto, o uso de questões que
possam direcionar, na fase de aprendizagem, o leitor-criança para a compreensão
sempre são muito eficazes. Questões do tipo “Onde?”, “Quando?”, “Por quê?”, “O
quê?”, “Como?” facilitam o caminho rumo à compreensão.
Entre as estratégias para o domínio do texto a ser interpretado, uma de grande
eficácia é a divisão do texto em partes, para que, apenas em um primeiro momento, a
unidade menor permita um desempenho mais controlável, pelo leitor e pelo professor.
Não se deve, no entanto, perder de vista que a recomposição das partes será necessária
em algum momento, pois a unidade de sentido do texto precisa ser preservada.
Também se torna importante que a leitura possa existir no plano do indivíduo
(a compreensão tem componentes psiconeurológicos que cada qual atualiza a sua
própria maneira) em uma leitura silenciosa; como pode ser socializada, compar-
tilhada, quando professor e alunos dividem o texto, as dúvidas e as certezas da
compreensão. Esse não é um processo limitado à infância: a troca de interpreta-
ções e de compreensão de sentidos de textos deveria realizar-se ao longo da vida.
Sabemos o quanto é importante socializar, trocar, intercambiar pontos de vista,
oriundos de interpretação de textos, com outros leitores.
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A construção do sentido do texto
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Literatura Infantil
40
A leitura como
responsabilidade social
Itens a serem abordados
Analfabetismo e cidadania
A literatura e seu papel na construção da cidadania
A sociedade leitora
O papel da família
Políticas de leitura
O
s miseráveis, no Brasil, compõem uma legião de 25 milhões de pessoas: representam 24% da
população; desses, 83% são analfabetos funcionais e 45% vivem na região Nordeste.
O que representa cidadania para os mais pobres? Representa uma expectativa de vida
de 56 anos, com taxa de analfabetismo de 60% em algumas regiões. Mesmo quando estudam, o tempo
médio de estudo é de um ano. São 55% de crianças que trabalham e a renda familiar mensal vai de meio
a dois salários mínimos.
Já para a classe média brasileira, a expectativa de vida estende-se de 61 a 71 anos; a taxa
de analfabetismo está entre 5 e 18%, com tempo médio de estudo de 5 a 7 anos. A renda mensal é
de até dez salários mínimos e apenas 10% das crianças trabalham.
Que fatores precisam ser considerados quando falamos em cidadania?
A renda familiar e a concentração de renda; o analfabetismo e a média de anos de estudo; as
crianças que trabalham e não estudam; a habitação em residências feitas com materiais duráveis; o
acesso à água e a esgoto tratado; e a expectativa de vida e a mortalidade infantil.
Um adolescente custa, por mês, 918 reais na Febem; 530 reais na prisão e 570 reais na escola,
em índices de 2000.
Gilberto Dimenstein afirmava, em 1997:
Quero dizer: não há possibilidade de se viver em sociedade sem o desafio da alfabetização. Um desafio
particularmente dramático no Brasil, onde temos 20 milhões de pessoas incapazes de escrever um simples bilhete
de recado. Os que não conseguem entender e interpretar sequer um texto que acabaram de ler são 60 milhões
em nosso país. Repito: 60 milhões. (DIMENSTEIN, 1997).
Neste panorama, que pretende cruzar informações sobre a sociedade brasileira, a leitura, a
literatura e o papel social que ela pode exercer, partimos do princípio de que literatura é linguagem,
isto é, língua em uso. E a língua é um código convencionado socialmente, que necessita do outro, do
interlocutor. Em decorrência, por natureza, ela se constitui um ato social. A literatura também pressupõe
o outro, o leitor, a comunicação, a intenção e a realização estéticas. Além disso, a literatura fala do
homem, do mundo e da relação entre eles.
Literatura Infantil
42
A leitura como responsabilidade social
Eu já podia identificar, numa página escrita, onde estava a “folha”. Naquela altura, eu ainda
estava na emoção pré-histórica do aprendizado e, à semelhança das gravuras pintadas nas
paredes interiores das cavernas do paleolítico, a representação era o representado. Quer
dizer, a palavra folha era a folha.
Por outro lado, quando eu olhava uma folha eu passava a ver folha. O mundo, mansamente,
passava a converter-se em linguagem. Muitos anos depois, aprofundando essa prática
compreensiva e conversível da realidade em palavras, eu portava sempre um caderno para
nele anotar as palavras da realidade.
Alimentava a crença de que o poeta percebe o mundo como linguagem, como palavra
significante. Nesse caderno eu ia registrando as palavras que a leitura do mundo me
estimulava para a criação poética. (LOUREIRO, 1992).
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Literatura Infantil
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Literatura Infantil
1. Faça um levantamento no acervo da biblioteca de sua escola a respeito de textos literários para
crianças e seus aspectos ideológicos (preconceitos, visão crítica da realidade, temas de cidadania).
Use o material analisado para um projeto de leitura e responsabilidade social.
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2. Estimule seus alunos a fazerem um levantamento de informações sobre leitura entre os seus
familiares. Aproveite o resultado para, sem constranger, tratar do assunto na escola. Registre
aqui as informações mais interessantes.
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3. Pesquise sobre projetos que envolvam a leitura existentes em sua cidade e que não sejam de
responsabilidade da escola. Use o estudo para propor mudanças e responsabilização social para a
leitura. Anote suas propostas.
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DIMENSTEIN, Gilberto. Escola da rua. Folha de S. Paulo, São Paulo, set. 1997.
LAJOLO, Marisa; ZILBERMAN, Regina. A Leitura Rarefeita. São Paulo: Brasiliense, 1983.
LOUREIRO, José de Jesus Paes. Memórias de um Leitor Amoroso. Rio de Janeiro: Proler, 1992.
SILVA, José Afonso da. Poder Constituinte e Poder Popular: estudos sobre a Constituição. São
Paulo: Malheiros, 2000.
TEIXEIRA, Anísio. A escola secundária em transformação. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos,
Rio de Janeiro, v. 21, n. 53, p. 3-20, abr./jun. 1954.
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A contação de histórias
Itens a serem abordados
Origem e história
Importância social e cultural
Tipos de narrativas e sua função
Recomendações para uma boa contação
O
s contadores de história nasceram com a humanidade. Falar sobre e encadear acontecimentos,
acrescentando-lhes uma interpretação, são atributos humanos. Usar o corpo para acentuar e definir
a expressão do pensamento pertence aos artifícios da comunicação entre os seres. O contador reúne
essas duas qualidades: a capacidade de narrar e de representar – com a voz, o olhar e os gestos –
essas narrativas.
A atração que sempre exerceu a narração oral reporta-se ao tempo das cavernas, quando as
caçadas e os acontecimentos do dia compunham uma espécie de jornal falado, atraente, histórico e de
forte carga ideológica.
Uma primeira pesquisa identifica, em funções estritamente semelhantes, migrantes nômades
que, disseminados por regiões diversas e culturas diferentes, distribuíam saberes e ficções que ajudavam
a construir o que hoje denominamos História. Os rapsodos e os atores perpetuaram as narrativas
míticas gregas. Os jograis, os trouvères e os cantores de gesta mantiveram vivas as lendas e as paixões
medievais. As tribos africanas e americanas tinham em seus feiticeiros, sacerdotes e pajés o repositório
da sabedoria ancestral, externada em falas poéticas, expressas em momentos ritualísticos.
À medida que a civilização evoluiu, os recursos refinaram-se, a arte de contar ganhou formatos
e intenções diferentes. Nasceu o teatro dos rituais religiosos, ocupou praças e edifícios ao longo dos
séculos. À narrativa dos fatos, pensamentos e sentimentos do homem somaram-se os recursos da
encenação teatral: o palco, o cenário, a música, o figurino.
Paralelamente, os contadores, em configuração mais despojada, usando o corpo e a voz
exclusivamente, conviveram com artes mais elaboradas. Transportaram-se a si mesmos e a sua arte
para todos os espaços possíveis. Fizeram de todos os momentos da vida o instante próprio e sedutor
da contação. Presentes em todas as sociedades, hoje, representam uma espécie de crônica viva das
histórias dos mais diferentes povos.
Comunidades ágrafas convertem seus contadores em historiadores e sacerdotes, porque
eles conservam em suas narrativas os saberes do povo. Comunidades detentoras da escrita vêem nos
contadores a vivificação da história. São eles os mensageiros vivos de saberes registrados e muitas
vezes desconhecidos. Atores e artistas da oralidade, os contadores articulam a ficção e o público;
os pensamentos, expressos nos textos, com a reflexão momentânea dos ouvintes; os sentimentos,
registrados na escrita, com as emoções despertadas no calor da contação. Leitores especiais, os
contadores transcendem o texto na intenção de disseminá-lo por um público maior.
Essa importância pode ser apreendida nas palavras de Paul Zumthor:
Não se pode negar a importância do papel dos recitadores e cantores profissionais, através de regiões tão variadas, na formação de
línguas poéticas românicas e germânicas e, talvez, de sistemas de versificação. Papel triplo ou quádruplo. O próprio nomadismo
Literatura Infantil
É uma atividade primordial, uma necessidade da existência, uma maneira de suportar a vida.
Para conhecer o que somos, como indivíduos e como povos, não temos outro recurso do que
sair de nós mesmos e, ajudados pela memória e pela imaginação, projetar-nos nessas ficções;
é refazer a experiência, retificar a história real na direção que nossos desejos frustrados,
nossos sonhos esfarrapados, nossa alegria ou nossa cólera reclamem.
A partir dessas idéias, podemos afirmar que contar histórias – assim como
ouvi-las – é uma experiência humana insubstituível.
É comum encontrarmos associados: o ato de contar histórias e o público
infantil. De fato, um dos caminhos para integrar as crianças no universo cultural,
construído ao longo dos séculos, é contar-lhes histórias imaginativas. Além da
função de resgate da cultura, essa atividade proporciona momentos em que o ouvinte
trabalha mais intensamente, e de maneira individualizada, o seu imaginário. Há,
portanto, uma função psíquica formadora na contação de histórias. Além, é claro,
do natural prazer e divertimento de poder compartilhar narrativas inventadas.
Há, contudo, uma omissão imperdoável nessa crença de que apenas as
crianças gostam e devem ouvir histórias. Os adultos recebem com igual prazer,
encantamento e curiosidade.
Quem trabalha em bibliotecas e em escolas com a formação de leitores conhece
de perto o poder de sedução de uma bela história. Para falar apenas de meios de
comunicação populares e acessíveis, podemos observar que o cinema e a televisão
se tornaram veículos privilegiados de encenação das infinitas histórias criadas ou
a criar. A ligação afetiva, emocional e ideológica dos espectadores exemplifica,
muito bem, a força atrativa das histórias ali apresentadas, não distinguindo nessa
atração idade, sexo, religião ou nacionalidade. Assistimos a uma telenovela, por
exemplo, como nossos antepassados ouviam alguém ler ou contar longos folhetins
com histórias, igualmente, complicadas e emocionantes.
À medida que vivemos, verificamos não apenas que crescemos em sabedoria
e paciência, mas também que nos tornamos repositório de um sem-número de
experiências, todas elas passíveis de converterem-se em histórias. Além disso,
somos tomados por um desejo de transmitir, enquanto a vida ainda pulsa em nós,
o que vimos, ouvimos e vivemos. A realidade da existência é sempre constituída
por acontecimentos relatáveis, ou seja, sempre é possível transformar fatos e
sentimentos em relatos. Contar transforma-se, assim, numa herança que legamos aos
outros. Herança composta por experiências, desejos, sentimentos, histórias ouvidas
e vividas. Ao contá-las, exercemos um ato de generosidade, de desprendimento
humanitário. Ao mesmo tempo, ao exercer a generosidade, expressamos nossa
realidade interior, permitimos que as personagens criadas pelas narrativas
sejam parte de nós e, portanto, representem-nos, liberando o que guardávamos,
egocentricamente.
A contação, como toda atividade de linguagem, pressupõe o interlocutor e o
público. Trata-se de um processo ininterrupto e dinâmico, em que as expectativas dos
ouvintes se confrontam com os acontecimentos e formas narrados, criando um
sistema de recompensas e frustrações, na medida em que aquilo que se esperava
da narrativa acontece, ou não, conforme o previsto. Se atende as expectativas, a
história reproduz os modelos da tradição. Se surpreende e inova, acrescenta novas
formas e situações ao já conhecido, ampliando, assim, o repertório do ouvinte
(ISER, 1989, p. 165-195).
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Literatura Infantil
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Literatura Infantil
1. Pesquise em obras de literatura popular oral, de diferentes nacionalidades, algumas histórias que
possam agradar aos seus alunos. Leia ou conte-as e analise a reação deles. Registre aqui uma
lista das histórias que encontrou.
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2. Organize uma antologia das histórias que seus alunos mais gostam de ouvir e ensine-os a contá-las.
Registre aqui uma lista destas histórias.
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3. Recolha narrativas e poemas contados e declamados por familiares de seus alunos. Organize um
pequeno volume. Registre aqui os títulos dos textos encontrados.
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CASCUDO, Luís da Câmara. Prefácio. In: ______. Contos Tradicionais do Brasil: folclore. Rio de
Janeiro: Ediouro, [19–?].
ISER, Wolfgang. La realidad de la ficción. In: WARNING, Rainer (org.). Estética de la Recepción.
Madri: Visor, 1989.
YUNES, Eliana. Prefácio difícil. In: GREGÓRIO FILHO, Francisco. Guardados do Coração:
memorial para contadores de histórias. Rio de Janeiro: Amais, 1998.
ZUMTHOR, Paul. A Letra e a Voz. São Paulo: Companhia das Letras, 1993.
52
Tipologia textual
Itens a serem abordados
A tipologia textual: diversidade e interação
Textos informativos
Textos de opinião
Textos publicitários
A
compreensão durante o ato de ler está relacionada, intensamente, com o reconhecimento dos
diferentes tipos textuais. Sabemos que a compreensão infantil necessita da mediação do professor,
que cria condições de aprendizagem, e que está relacionada com a retomada do texto, para melhor
compreendê-lo.
Se queremos, portanto, que nosso aluno conquiste independência no ato de ler, precisamos
orientar sua leitura na fase inicial, para que ele entenda como proceder nas tarefas de construção de
sentido nos textos que forem aparecendo em seu percurso escolar e de vida.
Cumpre lembrar que o aluno deve estar consciente de que o processo de aprendizagem da
leitura implica
Tarefas progressivamente mais complexas e independentes que, cumulativamente, contribuam para um objetivo pe-
dagógico relevante para professor e aluno, [assim] a criança estará formando-se como leitor, isto é, estará construindo
seu próprio saber sobre texto e leitura. (KLEIMAN, 2000, p. 9).
Em busca dessa complexidade, a variedade de tipos textuais ocupa papel principal. Quando
tratamos de leitores proficientes (ou competentes, ou críticos) sempre-nos estamos referindo ao sujeito-
leitor capaz de ter desempenho eficaz com os mais variados tipos de textos que circulam na cultura.
Entre os níveis de conceitos/indícios de leitura, arrolados por Josette Jolibert (1999, p. 142-201),
encontramos a noção de contexto, principais parâmetros da situação de comunicação; tipos de texto,
superestrutura que se manifesta sob a forma, Lingüística textual, Lingüística da frase e palavras e
microestruturas que as constituem. Grifamos a relevância que ocupa o conhecimento do tipo de texto,
que se apresenta ao leitor para sua formação e educação na leitura proficiente. E por que a tipologia
textual é importante?
Para Jolibert, por três razões especiais: porque cada tipo apresenta uma organização espacial e
lógica dos blocos de texto – que ela denomina silhueta; porque os textos narrativos possuem um es-
quema identificável, provindo da tradição; e por causa da dinâmica interna (abertura, progressão e
encerramento).
A tipologia textual compreende os mais diferentes esquemas pelos quais podemos estabelecer
características próprias e idiossincráticas, bem como estabelecer diferenças com os demais tipos. Por
exemplo, não confundimos textos como as cartas, os cartazes, os poemas, a publicidade, as receitas
culinárias, as receitas médicas, as bulas de remédio, os panfletos entregues na ruas, a notícia de jornal,
os contos, os bilhetes, os catálogos e tantos outros.
Literatura Infantil
A lista acima torna evidente que o trabalho com a leitura precisa abarcar os tipos
textuais que circulam na realidade, não apenas os literários, para que não se faça, como
costumeiramente se faz, a associação entre leitura e literatura com exclusividade.
Ocorre, ainda, que os textos literários, muito mais complexos em sua compo-
sição, no discurso e nas relações semânticas estabelecidas, contêm com freqüência
a reprodução dos demais tipos textuais. Há, inclusive, gêneros literários que se
compõem exclusivamente de um tipo textual, como o gênero epistolar, composto
unicamente por cartas.
Estudar a literatura não dispensa conhecer o funcionamento da linguagem,
nem exclui o reconhecimento dos diferentes tipos textuais e, muito menos, as
condições de elocução e de interlocução, bem como as funções diferenciadas dos
textos (informar, opinar, dissertar, descrever, induzir, ensinar, comunicar, embe-
lezar e outros). Na medida em que o leitor se mostra competente no intercâmbio
dos sentidos com textos de estruturas mais denotativas, o salto de qualidade para
textos mais complexos far-se-á com maior facilidade. Expor a criança à diversidade,
não apenas formal mas também de exposição de idéias cada vez mais complexas,
prepara o leitor para a independência futura no trato com os textos culturais.
Ângela Kleiman propõe que mesmo o texto, até agora, considerado informativo
e técnico não dispensa o colocar “em ação todo nosso sistema de valores, crenças
e atitudes que refletem o grupo social em que se deu nossa sociabilização primária,
isto é, o grupo em que fomos criados” (KLEIMAN, 2000, p. 10).
Exemplifica a autora o caso em que uma professora de alfabetização para
adultos procurou trabalhar com o tipo textual da bula. O resultado veio a confirmar
o pressuposto de que os textos nunca conseguem ser efetivamente lidos apenas a
partir do pressuposto da decodificação, pura e simples.
[...] a bula, que é um texto que poderíamos considerar “apenas” informativo, e cuja leitura
instrumental ou funcional figura nos programas de alfabetização de adultos, por ser leitura
indispensável a todo grupo social, está longe de representar “apenas” uma fonte de infor-
mações necessárias para o leitor. Isto porque a bula é um texto de divulgação de informação
científica sobre o tratamento de uma doença que pressupõe, primeiro, que o leitor está inserido
na cultura letrada que acredita na ciência como fonte de conhecimento, e, segundo, que ele
acredita que a doença é objeto de análise e o tratamento dela, conseqüência da aplicação
dos resultados e descobertas dessa análise.
[...] o acordo em relação a essa premissa fora pressuposto pela professora, que pertencia a
uma classe social que vai ao médico, compra remédios na farmácia e segue as instruções
para tomá-los. Entretanto, os alunos, que não foram sociabilizados nesse tipo de classe so-
cial, não partilhavam dessa crença, e a aula foi marcada por desentendimento e resistência.
Quase no fim da aula, um jovem adolescente, catador de laranjas, tornou-se porta-voz de
vários outros alunos, e explicitou sua oposição à premissa, defendendo remédios naturais e
chamando os médicos de exploradores dos pobres; vários alunos uniram-se a ele, contando
casos de sucesso de remédios alternativos e de cura mediante benzedores, indicando com
isso sua descrença absoluta na farmacêutica e na medicina. (KLEIMAN, 2000, p. 11).
Deduzimos, deste caso particular, que os protocolos de leitura de um tipo textual
qualquer irão considerar a tradição de leitura desse tipo e acrescentarão, sempre, uma
interpretação pessoal, contaminada pelo grupo social. O leitor faz sempre uma leitura
histórica e particular/coletiva de um texto, não importa qual seja o tipo.
54
Tipologia textual
Segundo alguns autores, haveria uma quinta categoria, a dos textos infor-
mativo/jornalístico, mas, segundo Solé, eles fazem parte dos tipos narrativos.
Importante é, ainda, citar outras formas classificatórias, como a de Cooper, que
divide os tipos em apenas dois grupos: os narrativos e os expositivos. Esses dois
tipos podem ser identificados por alguns indícios lingüísticos:
[o narrativo] inclui personagens, um cenário, um problema, a ação e a resolução. [...] o
argumento é a forma como se organiza o relato que inclui diversos episódios.
Quanto aos textos expositivos, sua característica fundamental é justamente que não apre-
sentam apenas uma organização; esta varia em função do tipo de informação de que se trate
e dos objetivos perseguidos.
Existe acordo em considerar que os autores utilizam alguma das seguintes estruturas expo-
sitivas: descritiva; agrupadora; causal; esclarecedora e comparativa.
Na estrutura descritiva, oferece-se informação sobre um tema em particular. Mediante o texto
do tipo agrupador, o autor costuma apresentar uma quantidade variável de idéias sobre um
tema, enumerando-as e relacionando-as entre si. É o texto em que aparecem palavras-chaves
como “em primeiro lugar [...] em segundo lugar [...] por último [...]
Os textos causais também contêm indicadores ou palavras-chaves, mas de tipo diferente:
“por causa de [...]; motivo pelo qual [...]; devido a [...]; pelo fato de que [...]. Nestes textos,
o autor apresenta a informação, organizando-a em uma seqüência que evidencia as relações
causa/efeito tratado no texto.
55
Literatura Infantil
56
Tipologia textual
1. Organize com seus alunos uma lista dos tipos de texto com os quais eles convivem. Estabeleça
uma hierarquia (os mais lidos, os mais difíceis, os mais enriquecedores etc.). Transcreva aqui
essa lsita.
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2. Trabalhe intensivamente com diferentes tipos textuais, descobrindo a presença de tipos diferentes.
Analise o porquê dessas combinações. Registre aqui suas conclusões.
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3. Trabalhe estética e ideologicamente com textos publicitários em diferentes suportes: televisão, revistas,
jornais, outdoors, folhetos. Busque as intenções ocultas, mostre as motivações e os argumentos.
Registre aqui algumas conclusões.
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Literatura Infantil
JOLIBERT, Josette. Formando Crianças Leitoras. Porto Alegre: Artes Médicas, 1999.
KLEIMAN, Ângela. Oficina de Leitura: teoria & prática. 7. ed. Campinas: Pontes, 2000.
SOLÉ, Isabel. Estratégias de Leitura. 6. ed. Porto Alegre: Artmed, 1998.
58
O jornal
em sala de aula
Itens a serem abordados
Configurações do jornal
Intencionalidade dos diferentes textos
Localização de informações
Leitura do subtexto
O
uso do jornal, como material didático, vem sendo defendido por diversos estudiosos que se
demonstram preocupados com a má qualidade das aulas de língua portuguesa nas escolas.
Eles defendem que a introdução desse tipo de texto e uso da língua é uma excelente maneira
de proporcionar, ao discente, um contato com a linguagem usada na atualidade. A autora
Maria Alice Faria explica que:
A linguagem jornalística oferece hoje uma espécie de ‘português fundamental’, uma língua base, não restrita,
que limite o crescimento lingüístico do aluno, e nem tão ampla, que torne difícil ou inacessível o texto escrito
ao comum dos estudantes. (FARIA, 1989, p. 12).
60
O jornal em sala de aula
os jornalistas utilizam para veicular sua mensagem e o que pode estar por trás
dos processos utilizados.” (FARIA, 1989, p. 46).
A produção de texto em sala de aula é outra forma de aprimorar a exploração
do jornal e realizar a atividade de escrita resgatando o sujeito-autor, como sugere
Sírio Possenti (POSSENTI, 1997), estimulando a construção do imaginário de
um sujeito-leitor, que lhe devolve a contrapalavra e, dessa forma, promover a
desautomatização da escrita.
O professor pode explicar tipos de textos através do jornal, por exemplo:
A narração, em jornalismo, faz-se com base em personagens reais, através das suas
características e das coisas novas que tenham para dizer. A descrição deve obedecer fielmente
à realidade e o jornalista apenas pode descrever por si aquilo que observa. (LETRIA;
GOULÃO, 1986, p. 93).
62
O jornal em sala de aula
1. Selecione tipos diferentes de texto jornalístico em diversos jornais do mesmo dia. Recorte-os e
organize-os em conjuntos do mesmo tipo. Entregue os recortes a grupos de alunos e oriente para
que percebam semelhanças e diferenças entre os textos, procurando explicá-las. Faça apresentação
por escrito ou em forma de painel oral. Registre algumas conclusões.
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2. Estabeleça trabalhos de complementação de informações. Pegue reportagens ou notícias de jornais
e procure compará-las e enriquecê-las com textos técnicos ou científicos, de enciclopédias ou
da internet. Registre aqui algumas conclusões.
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3. Organize uma visita a redações e parques gráficos que editem jornais em sua cidade. Registre
aqui o que essa visita revelou.
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63
Literatura Infantil
FARIA, Maria Alice de Oliveira. O Jornal na Sala de Aula. São Paulo: Contexto, 1989. (Coleção
Repensando a Língua Portuguesa).
KAUFMAN, Ana Maria; RODRIGUEZ, Maria Elena. Escola, Leitura e Produção de Textos. Porto
Alegre: Artes Médicas, 1995.
LETRIA, José Jorge; GOULÃO, José. Noções de Jornalismo, História e Técnica. 2. ed. Lisboa:
Livros Horizonte, 1986.
POSSENTI, Sírio. Porque (Não) Ensinar Gramática Na Escola. Campinas: Mercado de Letras,
1997.
64
História da Literatura Infantil
Itens a serem abordados
Origens
Funções da literatura através do tempo
Autores e obras relevantes
A
literatura surgiu, particularmente, com a tradição oral. Suas fontes estão no folclore, com suas
lendas, mitos e narrativas exemplares. Mais tarde, a partir do século XIX, com a valorização social
da criança, essas narrativas passaram a ser contadas para as crianças, com intuito formativo.
Na verdade, o principal responsável pelo surgimento da Literatura Infantil é o próprio homem
que, ao sentir necessidade de transmitir idéias e acontecimentos, buscou na ficção uma maneira de
transmitir a herança cultural, acumulada pela humanidade ao longo do tempo. Há, portanto, um forte
elo entre a literatura e a oralidade.
A princípio, a literatura surgiu com fins moralizadores, pois a criança era vista como um
“projeto de adulto”, ou seja, ela deveria ser educada conforme os objetivos traçados pelos adultos,
sem se preocupar com as capacidades e anseios próprios da infância.
São desse período remoto as primeiras fábulas com animais, representando virtudes e defeitos
humanos. A mais antiga coletânea vem do Oriente e intitula-se Calila e Dimna. São 14 livros,
provavelmente escritos por um fabulista indiano: Bidpai ou Pilpay. Mais tarde, foi sendo traduzido
para o persa e para uma versão árabe, até ser traduzido para o castelhano, no século XIII, exercendo
fortíssima influência sobre narrativas ocidentais.
Dessa tradição vêm as fábulas de Esopo, um escravo grego, cujos textos atravessam os séculos
e permanecem na cultura até hoje, com raposas, corvos, bois, cães, lobos e cordeiros fazendo o papel
de humanos e com finalidade moral explícita.
As mudanças sociais, ao longo da História, acabaram determinando alterações também na
literatura infantil. Nas sociedades primitivas, as crianças eram criadas para aprender somente o que
seus pais passavam para elas; a menina assemelhava-se à mãe e o menino ao pai. Na época clássica
(Grécia e Roma) as crianças eram educadas para servir ao Estado ou à Sociedade – em geral, os meninos
tornavam-se grandes guerreiros.
No período medieval, enquanto as crianças nobres liam os autores consagrados pela tradição,
orientados por seus preceptores, as das classes desfavorecidas, em geral, liam ou ouviam as histórias
da cavalaria, de aventuras e as narrativas picarescas de heróis espertos, usando recursos pouco usuais
e nascidos do povo. Nessa época a literatura popular tem grande importância, reunindo lendas e
contos folclóricos.
Da Idade Média e do Renascimento (séculos XV a XVII aproximadamente) datam os primeiros
livros considerados Literatura Infantil, são os catecismos, criados pelos padres Jesuítas para pregar o
cristianismo às crianças: “[...] esta foi a primeira forma de literatura infantil, espontânea, com a finalidade
única de facilitar o ensino às crianças, apenas intuitiva da necessidade da infância” (SALEM,1970, p. 23)
Literatura Infantil
às crianças eram ensinados nas escolas cristãs, em 1684, a leitura, a escrita, a música
sacra e a religião. Mas já circulavam, no período, as fábulas com animais, os livros
com narrativas de comportamentos exemplares e os bestiários. São exemplos
do período, Raimundo Lúlio, com O livro das maravilhas e O livro dos animais
(séc. XIII); O romance da Raposa, uma “epopéia animal” do século X; O livro de
Petrônio ou O Conde Lucanor, escrito por D. Juan Manuel, em 1335, repleto de
narrativas moralizadoras e exemplares.
Também são conhecidas e muito populares as novelas de cavalarias com os
Ciclos do Rei Artur e do Imperador Carlos Magno, narrando as aventuras de cavaleiros
medievais em luta pela afirmação da fé religiosa cristã e em torneios e batalhas, em
defesa do amor, da religião e do rei. Essas narrativas atravessam o Oceano Atlântico e
vêm encontrar espaço nas narrativas populares de cordel do Nordeste brasileiro.
Em aproximadamente 1600, o italiano Giambatista Basile escreve o Conto
dos Contos ou Pentameron, reunindo algumas histórias fabulosas, na linha dos
contos de fadas. Algumas delas farão parte da antologia de Charles Perrault.
Seguindo o modelo das fábulas greco-latinas de Esopo e Fedro, surge na França
a obra de Jean de La Fontaine, Fábulas, em que o escritor renova o gênero e usa
de maneira comunicativa o verso, para dar novo impulso a esse tipo de texto
literário.
No século XVII, mais precisamente em 1697, surgiu a obra do famoso francês
Charles Perrault, que ao trazer histórias da tradição oral, como A bela adormecida,
A gata borralheira, Chapeuzinho vermelho, O pequeno polegar e Pele de asno,
entre outros, conseguiu resgatar esse repertório e aplicá-lo criticamente aos vários
tipos humanos da sociedade da época, acentuando nas narrativas a forma mágica,
própria das crianças, de encarar as situações; tal fato fez com que esses contos de
fadas ainda estejam presentes na cultura de todo o mundo civilizado.
Fénélon também contribuiu para a história da literatura infantil, com
uma literatura mais didática. A sua obra Aventuras de Telêmaco é dedicada
exclusivamente ao duque de Borgonha, neto de Luís XIV, e apresenta caracteres
moralistas e instrutivos, sendo quase como uma cartilha de educação infantil.
O famoso livro As mil e uma noites, de origem árabe, foi revelado em 1704,
através da tradução para o francês por Galland, embora suas narrativas tenham
sido completadas no final do século XV. Com ele, a cultura oriental tornou-se mais
conhecida, além de mostrar a importância da criatividade, do conhecimento e da
liberdade na vida das pessoas, já que Sherazade, a protagonista, teve que usar de
sua inteligência para conquistar a atenção do rei. São narrativas encadeadas umas
às outras; entre elas, podem ser destacadas, O mercador e o gênio, Aladim e a
lâmpada maravilhosa, Ali Babá e os quarenta ladrões e Simbad, o marinheiro.
Entre 1696 e 1698, Madame d’Aulnoy (Marie Catherine le Jumel de
Barneville) publicou vários livros contendo histórias denominadas contos de
fada, inaugurando a expressão para referir-se a histórias, para crianças, repletas
de metamorfoses e magia.
Jean Jaques Rousseau introduziu obras que tratam as crianças de acordo com
suas idéias e princípios, valorizando as suas capacidades. Émile (1762) influenciou
66
História da Literatura Infantil
muitas narrativas da época, embora muitos estudiosos acreditassem ser uma obra
de fundo totalmente moralizante e fora do contexto social. Trata da educação
natural de crianças, afastadas do convívio social e tendo por companhia apenas
seu preceptor.
Alguns livros, escritos para adultos, tiveram maior reconhecimento entre
crianças e adolescentes como: Robinson Crusoé (1719), de Daniel Defoe, e As
viagens de Gulliver (1726), de Jonathan Switf. A primeira foi adaptada para as
crianças como um “manual de conquistas pessoais” e a última, apesar da crítica
social, apresenta um teor fantástico, ao ver um homem transformado em gigante
na terra dos anões, ou ao apresentar uma sociedade perfeita em suas leis e
comportamentos, mas composta apenas por cavalos.
No século XIX, surgem os famosos Contos de Grimm (Kinder und
Hausmärchen, “Histórias para crianças e famílias”) entre 1812-1815, foram
reunidos pelos pesquisadores e folcloristas alemães Jacob e Wilhelm Carl Grimm.
São narrativas de fundo popular, com influência de mitologias nórdicas. Entre
elas, as mais conhecidas são: A Branca de neve e os sete anões, João e Maria e
Os músicos de Bremen, entre outras, servem de apoio para as várias adaptações
surgidas no mundo inteiro e, que têm como público-alvo: as crianças.
O dinamarquês Hans Christian Andersen, com a coleção Eventyr (“Contos de
fadas”) escritos entre 1835 e 1872, apresentou animais e objetos como seres dotados
de comunicação e sentimentos; seus contos como O patinho feio e O soldadinho
de chumbo ainda fazem parte do universo infantil. Mas, também escreveu novas
histórias com fadas e duendes, em que a preocupação social e o anti-preconceito
estiveram presentes. É um escritor de forte cunho poético e autor de inegáveis
méritos literários.
Os contos de fadas facilitaram o uso do lúdico junto ao cognitivo;
contribuindo, intensamente, para a criação de um gênero específico voltado
para o público infantil. Portanto, voltado, dessa forma, para o desenvolvimento
da psique infantil:
[...] estimula, nas crianças, interesses adormecidos que esperam que essa espécie de varinha
mágica os desperte para aspectos do mundo que as rodeia; age sobre as forças do intelecto,
como a imaginação ou o senso estético, que precisam do impulso de correntes exteriores
para adquirir pleno desenvolvimento na evolução psíquica da criança (JESUALDO, 1978,
p. 29).
68
História da Literatura Infantil
JESUALDO. A Literatura Infantil. Tradução de: AMADO, James. São Paulo: Cultrix, 1978.
SALEM, Nazira. História da Literatura Infantil. São Paulo: Metre Jou, 1970.
69
Literatura Infantil
70
História da Literatura
Infantil no Brasil
Itens a serem abordados
Origens da Literatura Infantil no Brasil
Funções da literatura através do tempo
Autores e obras relevantes
A Literatura Infantil brasileira surgiu muito tempo depois do início da européia. Com a implantação
da Imprensa Régia, em 1808, começam a ser publicados livros para crianças no Brasil:
[...] a tradução de As aventuras pasmosas do Barão de Munkausen e, em 1818, a coletânea de José Saturnino da
Costa Pereira, Leitura para meninos, contendo uma coleção de histórias morais relativas aos defeitos ordinários
às idades tenras, e um diálogo sobre geografia, cronologia, história de Portugal e história natural. (LAJOLO;
ZILBERMAN, 1988, p. 23).
Mas essas publicações, segundo as autoras, Marisa Lajolo e Regina Zilberman, eram esporádicas
e insuficientes para caracterizar uma produção literária brasileira, regular, para a infância. Porém, os
livros, a partir dessa data, deixam de ser objetos tão raros no país.
Anteriormente, a falta de uma Literatura Infantil e o privilégio de uma pequena elite econômica
capacitada para ler fizeram com que predominasse por muitos anos a literatura oral:
As correntes culturais negras, trazidas para o Brasil durante o ciclo da escravidão, fizeram florescer alguns institutos
de velhos narradores e contadores de histórias. Floresceu, cresceu e alterou-se, mais tarde, a corrente européia
com os racontos maravilhosos [...]
[...]
Esse lastro cultural não deixou de existir com a Independência. Continuou atuando fortemente, diluindo-se durante
o Império em novas contribuições culturais, com as quais realizava um fenômeno de aculturação, de interação que,
talvez, seja hoje difícil de distinguir nitidamente, em seus múltiplos e complexos aspectos. O grande acervo de
livros de memórias com que contamos, fixando aspectos curiosos do Brasil e de sua formação em vários espaços
e tempos, deixa-nos preciosos depoimentos que mostram a vigência e realidade da confluência cultural européia,
indígena e africana, em nosso desenvolvimento cultural. (ARROYO, 1990, p. 45-46).
criança. Além disso, é comum também que esses textos infantis envolvam a criança que
os protagoniza em situações igualmente modelares de aprendizagem: lendo livro, ouvindo
histórias edificantes, tendo conversas educativas com os pais e professores [...] (LAJOLO;
ZILBERMAN, 1988, p. 34).
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História da Literatura Infantil no Brasil
LAJOLO, Marisa; ZILBERMAN, Regina. Literatura Infatil Brasileira: história e histórias. 4. ed.
São Paulo: Ática, 1988.
ARROYO, Leonardo. Literatura Infantil Brasileira. São Paulo: Melhoramentos, 1990.
COELHO, Nelly Novaes. Panorama Histórico da Literatura Infatil/Juvenil. 4. ed. São Paulo:
Ática, 1991.
CARVALHO, Barbara Vasconcelos de. A Literatura Infatil: visão histórica e crítica. 2. ed. São Paulo:
Edart, 1982.
75
Literatura Infantil
76
Tipologia dos
textos literários: poesia infantil
Itens a serem abordados
Configuração dos poemas
A metaforização e a simbolização
Poesia e música
poesia brasileira para a infância é muito rica e diversificada, tanto pela variedade de tipos
A textuais quanto pelo grande número de poetas que se espalham por todo o país. Essa presença
atende a diversos fatores: a tradição do verso em composições dirigidas à infância, a crença de
que escrever poemas é fácil e basta colocar rimas em final de linha e se terá um bom poema
infantil, e a tendência natural da criança para o ritmo e a metáfora.
De acordo com Maria Antonieta Cunha
[...] é muito comum compararmos a criança e o poeta. Realmente, o mundo infantil é cheio de imagens, como
o campo da poesia. A fantasia e a sensibilidade caracterizam a ambos. [...] O predomínio da linguagem afetiva
existe na poesia e na criança. A primeira forma de expressão do homem em sua história é a primeira a encontrar
ressonância na alma infantil. É fácil entender, portanto, por que entre as formas de arte a criança prefira primeiro
a música, depois a poesia. (CUNHA, 1983, p. 93).
Porém, há uma avaliação, difundida na escola, de que poesia é difícil e que, por não ser
narrativa, cansa e dispersa a atenção da criança. Pode-se explicar essa visão errônea pela má escolha
do poema e por seu tratamento equivocado em classe. Alguns livros apresentam à criança poemas
didáticos demais, com lições de moral e linguagem nada poética, pregando amor à Pátria, à árvore, às
boas ações. Esses textos, geralmente, são produzidos por educadores e não por poetas. Para o trabalho
coerente da poesia vale citar que:
A poesia é a primeira manifestação de expressão literária; é pela poesia que se iniciam todas as Literaturas. E isto
é prova de que o homem somente se encontra pela expressão afetiva, pela sensibilidade, que o revela e o conduz
a seu semelhante, aos seres, às coisas, à natureza, enfim, ao universo, em toda a sua grandeza.
O relacionamento do sujeito com o real e com a linguagem dá-se, inicialmente, através de uma
apreensão lírica, em que sujeito e mundo se fundem. À medida que distingue as coisas que o cercam,
identifica o outro e afirma a própria existência; a criança desenvolve, assim, uma experiência épica,
distanciada e crítica. Assim, o lírico e o épico são processos que se inter-relacionam na infância,
contudo, ressalta-se a predominância do lírico, do gesto primordial do imaginário de reconhecer o
mundo através da analogia, em que as coisas e os seres estão relacionados entre si. Esse movimento
Literatura Infantil
lírico da primeira infância do ser humano explica o prazer dos sons, das cores, das
palavras, e o gosto pela repetição. No mistério que cada imagem poética engendra,
o leitor pode entrar nas brechas e alcançar uma vivência interior.
Para Bárbara Carvalho, a poesia não é apenas linguagem versificada, mas
linguagem poética, simbólica. Ainda segundo a estudiosa, “deve apresentar
certos requisitos: ritmo, sonoridade, simplicidade, clareza e pequena extensão”
(CARVALHO, 1982, p. 224).
Quanto à estrutura, a poesia é composta por ritmo e sonoridade, que buscam
a unidade com o aspecto semântico, atingindo a riqueza estética. O ritmo é um
elemento essencial e deverá ser fortemente marcado e, junto à rima, compõe o
lúdico, característica atraente para o leitor infantil.
O entendimento da poesia não é o essencial, pois “a poesia é para ser sentida,
muito mais que compreendida. Uma das principais características do fenômeno
poético é exatamente a ambigüidade, a conotação” (CUNHA, 1983, p. 96). A poesia
é fruto da sensibilidade do leitor: emoção e beleza. De todos os gêneros, deve ser
o menos comprometido com aspectos morais ou instrutivos.
Por isso tudo, é imprescindível expor o leitor-criança a um material poético
diversificado. Assim, ao se sentir intrigado com um certo tipo de poema, poderá
recorrer a outros que o agradem, ao invés de afastar-se da poesia.
Poetas que constituíram marcos da poesia infantil brasileira, principalmente
no que diz respeito à mudança no tratamento da arte, deixando de apresentar o
cunho pedagógico, sem dúvida: entre os poetas maiores estão Cecília Meireles,
Vinícius de Moraes, Henriqueta Lisboa, Ângela Leite de Souza, Sérgio Caparelli,
José Paulo Paes e Sidônio Muralha.
Cecília Meireles é uma das mais importantes escritoras de poesia infantil.
Lecionou Literatura e Cultura Brasileira na Universidade do Texas, nos Estados
Unidos da América. Também foi jornalista, tendo sido responsável por uma seção
sobre problemas do ensino no Diário de Notícias e uma seção de estudos do folclore
infantil, no jornal A Manhã. Foi a criadora de uma biblioteca infantil, uma das
primeiras do gênero no Brasil. Sua atividade diversificada permitiu-lhe divulgar
as obras maiores da literatura, bem como a tornaram conhecida, e ao seu trabalho,
nacional e internacionalmente.
Cecília Meireles conhece o universo infantil e tira proveito disso,
concretizando-o nos mais variados temas. Na obra Ou isto ou aquilo, por exemplo,
temos o poema que dá título à obra e cujo tema é a dúvida, explicitada pela forte
presença da antítese.
Ou isto ou aquilo
Ou se tem chuva e não se tem sol,
ou se tem sol e não se tem chuva!
Ou se calça a luva e não se põe o anel,
78
Tipologia dos textos literários: poesia infantil
Nela, o eu lírico mostra que a vida é feita de escolhas e estas, muitas vezes,
são difíceis de resolver. Apresenta uma riqueza nas formas e na rima, com uma
musicalidade agradável à criança.
A poesia pode ser pensada em três grandes modalidades: o poema que se
realiza de maneira mais lírica ou mais lúdica; o poema narrativo que é a história
contada em versos com rima e ritmo; a prosa poética que, sem estar presa ao verso,
se constrói a partir de imagens poéticas.
Cecília Meireles apresenta maior expressão na tendência lírica. Na poesia citada,
o jogo sonoro e visual, a tematização do cotidiano infantil e até o reaproveitamento
de formas folclóricas, como a adivinha, são atravessados por um estado de alma que
funde sujeito e mundo, próprio do lírico. De forma emocional e globalizante, a criança
apreende o universo em que se insere, não apenas num processo de reconhecimento,
mas de revelação. O eu-lírico diz, imaginariamente, o mundo existente. O cotidiano do
ser, marcado pela dúvida e pela dificuldade de decisão, é poetizado. Na simplicidade
dos versos, “Ou guardo o dinheiro e não compro o doce/ou compro o doce e gasto
o dinheiro”, estão representados os pólos opostos da realidade e do prazer que o ser
humano é, constantemente, obrigado a conciliar. Sem dúvida, Cecília Meireles abre a
porta para que a criança se instale no espaço do poema, tratando de um tema que não
tem idade, sem menosprezar a inteligência e a sensibilidade infantis, mas ajustando
o foco à percepção própria do mundo.
Os elementos formais da poesia, como estruturas métricas e estróficas, rima,
ritmo, assonância, aliteração, acentuação, são o denominador comum, dos textos
poéticos-infantis, que oferecem mais um processo de vivências interiores do que
experiências ou motivações para a ação, mesmo possuindo, também, os elementos
fundamentais da ficção.
Considerando que a prosa poética não está presa ao verso, mas busca a
musicalidade da linguagem e vale-se de imagens poéticas, Ziraldo cujo menino
não é mais aquele do “ama a terra em que nasceste”, mas O menino maluquinho,
que sabe ser feliz e tem agradado a inúmeras gerações, desde que foi lançado pela
primeira vez. O mesmo sucesso faz Flicts, a cor que não tinha lugar na terra e
se encontrou na lua, um livro em que os recursos poéticos da palavra se aliam à 79
Literatura Infantil
80
Tipologia dos textos literários: poesia infantil
Uni, duni, tê
Salamê minguê
Um sorvete colorê
O escolhido foi você.
O Pato pateta
Pintou o caneco
Surrou a galinha
Bateu no marreco
...........................
Caiu no poço
Quebrou a tigela
Tantas fez o moço
Que foi prá panela.
81
Literatura Infantil
Afinando violino
Toco lino
viofino
toco vio
fonolino
vio toco
linofino
toco fino
violino
(BORDINI, 1986, p.11).
1. Crie um varal de poemas em sua sala de aula. Estimule os alunos a produzirem poemas para
essa exposição.
2. Trabalhe com poemas já escritos, modificando-lhes palavras para comprovar que o texto
modifica seu sentido de acordo com as mudanças em sua estrutura. Crie paráfrases e paródias
de poemas conhecidos. Registre aqui uma dessas criações.
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3. Crie a hora da declamação para poemas publicados e de artistas de renome.
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Literatura Infantil
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Tipologia dos textos literários:
as narrativas de tradição – I
Itens a serem abordados
Fábulas
Mitos
Lendas
A
tradição oral foi responsável pela criação de formas artísticas e representativas dos povos. O
folclore apresentou gêneros diferentes de narrativas, entre elas, as fábulas, mitos e lendas. Tratam-
se de narrativas primordiais, as quais a literatura infantil incorporou em seu repertório.
Apresentam características populares, ou seja, foram retiradas das histórias do próprio homem,
mostrando as mudanças e valores da sociedade ao longo dos tempos. Segundo Nelly Novaes Coelho,
em sua obra Literatura Infantil: teoria, análise, didática, pode-se representar três mundos diferentes,
dentro desta classificação das narrativas primordiais: mundo real, no qual são atribuídos sentimentos
e fala aos animais, em uma narrativa conhecida como Fábula; mundo das metamorfoses, presente
no Conto de fadas, no qual convivem seres fantásticos e seres naturais e, o mundo religioso-cristão,
representado, principalmente, pelas Parábolas, que trazem em suas narrativas um fundo espiritual,
alertando para os pecados, vícios e virtudes das pessoas.
Nelly Coelho considera as fábulas, mitos e lendas como espécies literárias, assim como as
parábolas, os apólogos, o romance policial, as crônicas e outros tipos de textos literários. Consideramos
aqui as três primeiras dessas espécies.
As fábulas foram a primeira espécie a aparecer, distinguem-se dos outros textos pela “presença
do animal, colocado em situação humana e caracterizando símbolos, dentro de um contexto universal.”
(COELHO, 19991, p. 148). A primeira antologia com esse tipo de narrativa foi Calila e Dimna, de
origem hindu e que chegou ao Ocidente por volta do século XIII. Nela, inaugura-se a maneira de atribuir
aos animais comportamentos, reações, palavras e sentimentos equivalentes aos dos seres humanos.
Também nelas aparece, ao final ou nas primeiras linhas, de maneira condensada, a moral da história.
As fábulas surgiram no Oriente e sofreram várias reinvenções, todas com uma característica
em comum: apresentavam lições morais à sociedade. A origem do termo vem do latim fari = “falar”
e de grego phaó = “dizer algo”. Implicam, portanto, a oralização de um saber.
O grego Esopo trouxe as fábulas ao Ocidente (século I a.C.), na Grécia. Em pouco tempo,
conseguiu um imitador, que foi Fedro (15 a.C. – 50 d.C.), o qual retomou suas narrativas, imprimindo-
lhes um caráter mais prático.
No século XVI, Leonardo da Vinci exercitou essa espécie literária na Itália renascentista, mas
sem muita repercussão. Foi o francês La Fontaine, no século XVII, que retomou o uso do verso e
Literatura Infantil
Em geral, eles estão ligados aos fenômenos da natureza, aos deuses e à criação
do homem e do mundo. Segundo a autora Nelly Coelho, os mitos caminham com a
história e ambos explicam-se: se este trabalha com a razão e observação dos fatos,
aquele existe pela imaginação humana:
É costume dizer que quando o homem sabe, ele cria a História e quando ignora, cria o Mito.
Na verdade, essas duas manifestações do pensamento e da palavra dos homens respondem
a um mesmo desejo: a necessidade de explicar a Vida ou o Mundo. (COELHO, 1991, p.
151).
Por isso, a lenda, em seu princípio, não é senão a história das primeiras lutas do homem, de sua ignorância e de
sua ânsia por desvendar o mistério que o rodeia e o aprisiona. Naquela época, tudo era causa de lenda para ele;
os transtornos do céu e do mar, o movimento dos astros, as migrações dos povos e dos animais, as conquistas e
as viagens, a mesquinha vida de todas as criaturas da terra, numa palavra, a tradução viva do mundo físico, que
encontrou na voz popular o mais sólido acolhimento. (JESUALDO, 1978, p. 109).
As lendas, em geral, apresentam personagens fixos que, ao deparar-se com um destino “inexorável”,
vão deixar mensagens de reflexão de boas condutas no mundo real. As lendas são mais espirituais, no
sentido cristão, do que os mitos, que têm atitudes pagãs, diante do destino, transformadas em ritos.
As lendas, portanto, caracterizam histórias do povo dentro das relações com o inexplicável,
porém, numa busca de bons princípios e dignidade. Já os mitos, considerados mais antigos, apresentam
formas mais livres de entendimento do homem, seja ele bom ou mau.
As fábulas, os mitos e as lendas apresentam, portanto, particularidades quanto a forma em
que são narradas as reflexões e interpretações sobre a Vida e o Mundo.
1. Organize com seus alunos uma antologia de lendas de sua região. Registre aqui uma lista dessas
lendas.
2. Traga para a escola pessoas da comunidade que possam contar mitos, lendas e fábulas de
conhecimento coletivo. Anote aqui o relatório deuma dessas visitas.
3. Crie um grupo de contadores de histórias para narrar esses tipos de textos literários. Anote aqui
o relatório de uma dessas contações de histórias.
COELHO, Nelly Novaes. Panorama Histórico da Literatura Infantil. 4. ed. São Paulo: Ática,
1991.
JESUALDO. A Literatura Infatil. Tradução de: AMADO, James. São Paulo: Cultrix, 1978.
PRIETO, Heloisa. Quer Ouvir uma História? Lendas e mitos no mundo da criança. São Paulo:
Angra, 1999.
88
Tipologia dos textos literários:
as narrativas de tradição – II
Itens a serem abordados
Contos maravilhosos e de encantamento
Características e importância
Autores e obras
A leitura psicanalítica: princípios, aplicação, repercussão
O
s contos nasceram, em geral, dos mitos; representam simbolicamente os acontecimentos
humanos e sociais e reproduzem, em personagens e situações, valores que atravessam os
séculos, porque correspondem a características permanentes do ser humano.
Nelly Novaes Coelho, em seu livro Literatura Infantil: teoria, análise, didática, divide esse
tipo de narrativa em contos de encantamento, contos maravilhosos e contos de fadas.
Os contos de encantamento apresentam em seu enredo fatos extraordinários ou inverossímeis,
que sempre necessitam de auxílio sobrenatural como varinha de condão, amuletos e metamorfoses
fantásticas.
Para ela, os contos maravilhosos são originários do Oriente, principalmente oriundos do povo
árabe. “O núcleo de aventuras é sempre de natureza material, social e sensorial (a busca de riquezas;
a satisfação do corpo; a conquista de poder etc.).” (COELHO, 1991, p. 154). Como exemplos, o
clássico As mil e uma noites, (em que encontramos histórias como Aladim e a lâmpada maravilhosa,
Ali Babá e os quarenta ladrões e Simbad, o marujo) e também como O gato de botas, Joãozinho e o
pé de feijão etc.
Já os contos de fadas são “de natureza espiritual, ética e existencial” (COELHO, 1991, p. 154).
A fada surge para ajudar os homens a adequarem-se ao mundo terreno. Elas são providas de poderes
mágicos e têm a função de ajudar àquele designado a ficar sob sua proteção. As fadas (cujo nome
deriva do latim fatum = “destino”) representam espíritos femininos, benfazejos ou não. Sua origem
estaria entre os celtas, povo que habitou o sul da Inglaterra e o norte da França. Elas representam o
enigma que a mulher tem representado ao longo da história da humanidade.
[...] uma força primordial, necessária e, ao mesmo tempo, temida e, por isso mesmo, continuadamente dominada
pelo homem. As fadas simbolizariam, talvez, a face positiva e luminosa dessa força feminina e essencial: o seu
poder de dispor da vida, de conter em si o futuro. (Lembremo-nos de que a principal missão das fadas nas histórias
infantis é prever e prover o futuro de algum ser). O reverso seria a face frustradora; a da bruxa, – a mulher que
corta o fio do destino, frustra a realização do ser. (COELHO, 1991).
Literatura Infantil
92
Tipologia dos textos literários: as narrativas de tradição – II
93
Literatura Infantil
1. Compare diferentes versões dos mesmos contos de fadas e analise semelhanças e diferenças.
Registre suas conclusões.
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2. Monte atividades de ilustração, recortes e dramatização de histórias de encantamento.
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3. Leia em voz alta e em partes outros contos de fadas, além dos já conhecidos de Grimm, Andersen
e Perrault.
BETTELHEIM, Bruno. A Psicanálise dos Contos de Fadas. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988.
COELHO, Nelly Novaes. Panorama Histórico da Literatura Infantil/Juvenil. 4. ed. São Paulo:
Ática, 1991.
FIGUEIREDO, Taicy de Ávila. A Magia dos Contos de Fadas. Disponível em: <www.psicopedagogia.
com.br>. Acesso em: 1 jan. 2000.
FRANZ, Marie-Louise von. A Interpretação dos Contos de Fadas. São Paulo: Edições Paulinas,
1990.
JESUALDO. A Literatura Infantil. Tradução de: AMADO, James. São Paulo: Cultrix, 1976.
94
Outras formas narrativas
Itens a serem abordados
A retomada das narrativas da tradição
As narrativas do cotidiano
As narrativas de aventuras
A história permanece no mundo pela tradição oral e é, originalmente, o testemunho de alguém que presenciou
um evento ou um modo de ser do mundo, que já não existe como história; existiu, um dia, como fato. E tudo que
existe no presente como evento para a experiência direta poderá, no futuro, sobreviver como relato. (SCHMIDT,
[1990 ?]).
A Literatura da Cavalaria, por exemplo, mostra seres dotados de heroísmo e fantasia que,
modificados pelos sentimentos, em geral pela mulher amada, tornam-se líricos; da mesma forma, as
narrativas que tratam da aprendizagem dos fatos da vida, como os contos de fadas, terminam, com
muita freqüência, numa situação de “felicidade para sempre”.
Na verdade, a tradição está em todos os relatos e contos, pois trabalham ao mesmo tempo, a
diversão e educação:
[...] E enquanto os gregos, decadentes, privados da prática das virtudes políticas, tornavam-se (salvo raras
exceções) mais superficiais, mais volúveis, mais sofistas, mais lisonjeadores, mais fabulosos do que nunca, os
vencedores apossaram-se do precioso elemento divino, de uma parte deste fogo de Prometeu, e com ele animaram
seu vigor prático e seus sentimentos positivos, reunindo num só temperamento a vivacidade e a constância.
(SAINTE-BEUVE, 1957, p. 20).
Homero, Xenofonte, Virgílio, Ovídio e Sófocles são autores clássicos que retornam
periodicamente à literatura, enquanto fonte de inspiração e imitação. Fazem parte, portanto, da retomada
da tradição nos dias atuais.
Da mesma maneira, e mais próximos de nós, estão Shakespeare e Goethe. Este último é considerado
o escritor em quem estão “todas as tradições reunidas”, segundo Sainte-Beuve, pois resgata feitos antigos para
desenvolver uma compreensão sócio-intelectual moderna. Em Shakespeare podemos encontrar os dilemas que
fazem o pensamento atual: a dúvida existencial, a ambição política, o abandono, o ciúme, numa linguagem de
forte impacto emocional e numa reflexão dialética e poética, que impressiona ainda hoje seus leitores. Portanto,
há que se defender a tradição como meio de reviver aspectos históricos e individuais que são extremamente
importantes para o desenvolvimento da humanidade, e que interagem com o nosso cotidiano.
Literatura Infantil
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Outras formas narrativas
98
Outras formas narrativas
homens na lua, A guerra dos mundos, de Orson Welles, encontram-se nessa categoria
que, no caso do segundo autor, incluem ainda pitadas de ficção científica.
Em todas as obras, o herói é o principal responsável pelo interesse do
leitor:
[...] Na aparência, isso coincidirá até com o que acontece na vida real do adulto, quando
os próprios triunfadores esquecem o sacrifício que seus êxitos lhe custaram. Quando toda
a felicidade obtida parece apagar a fronteira de angústia que quase sempre existiu para tal
conquista. (NUNES, 1976).
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Literatura Infantil
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Outras formas narrativas
Sugira a seus alunos a reescrita de contos da tradição, alterando personagens, o tempo, as situações
narrativas e o final. Solicite que expliquem o resultado obtido, do ponto de vista da ideologia e dos
sentidos do novo texto. Pesquise a respeito de intertextualidade, paráfrase e paródia, para entender
melhor a retomada das narrativas tradicionais.Trabalhe com crônicas de jornais para averiguar as
semelhanças com a realidade e a presença da literatura na linguagem. No espaço abaixo, reescreva
uma história você mesmo.
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Literatura Infantil
102
Projetos de leitura
na escola
Itens a serem abordados
Importância e características
Princípios pedagógicos
Aplicações possíveis
O
s educadores, atualmente, convivem com uma questão preocupante em relação aos discentes:
o desinteresse pela leitura. Uma pesquisa apresentada por Maria Antonieta Cunha (1993, p. 9),
já em 1983, dava conta de que os alunos preferiam televisão, cinema e teatro, deixando a
leitura em último lugar. Constatou-se, ainda, que eles não tinham biblioteca em casa (mesmo
os de bom nível econômico) e nem mesmo a metade tinha fichas ou carteirinha nas bibliotecas públicas
ou escolares. Esses resultados serviam para exemplificar a gravidade da situação. Hoje, em tempos
de maiores e mais intensos apelos para o afastamento da reclusão, do silêncio e da reflexão exigidos
pela leitura, sobe e muito o nível de preocupação com o assunto. O consumo em shopping centers, os
fascinantes jogos no computador, as festas e passeios, a pouca exigência social de conhecimento sólido
e de informação estão produzindo uma geração de jovens e crianças alienados da cultura veiculada
pelos livros e avessos à leitura de textos, mesmo básicos e de pouca extensão.
A relação entre literatura e a escola tem sido muito intensa, desde a criação da escola burguesa
no século XVIII, até os dias de hoje. Diversos estudiosos defendem o uso do livro em sala de aula, e,
atualmente, o objetivo não é apenas o de transmitir os valores que regem a vida em sociedade mas tam-
bém o de propiciar uma nova visão da realidade. Convém lembrar que os primeiros livros infantis foram
escritos para adultos e, mais tarde, por pedagogos e professores, com o objetivo de estabelecer padrões
comportamentais exigidos pela sociedade burguesa que se estabelecia.
A tarefa de instigar na criança o hábito da leitura é um trabalho que exige competência. Nesse
trabalho, o professor precisa capacitar para a escolha e a qualidade da leitura e é obrigado a enfrentar
problemas de natureza diversa, como
O desinteresse dos adultos envolvidos e comprometidos, como professores, bibliotecários, pais, por ignorância do
problema, o contexto sócio-econômico e todas as suas implicações, toda essa complexidade de fatores e contingên-
cias constitui barreiras difíceis de transpor, e até intransponíveis (CARVALHO, 1982, p. 196).
Visto isso, o professor deve procurar tornar a leitura interessante, aos olhos da criança, como fonte
de surpresas e descobertas. Para Bárbara Carvalho “o enfoque crítico, e reflexivo deve ser observado,
desde o início, das pequenas narrativas.” (CARVALHO, 1982, p. 197).
Para selecionar-se um bom poema, a ser levado à criança, ele não deve comprometer-se com
aspectos outros que não a própria transmissão da sensibilidade, da emoção do poeta. O poema,
portanto, não precisa ter o tom de conselho, ou insistir em transmitir conhecimentos. Terão mais
condições de interessar as crianças os poemas em que predomine a fantasia, a musicalidade e a
Literatura Infantil
Além dessa leitura, com alunos maiores, é interessante realizar a leitura cri-
ticada. Essa técnica propicia a formação do espírito crítico e do respeito à crítica,
por intermédio de estudos minuciosos da linguagem dos textos.
A manipulação lúdica dos sons da língua pela criança e a fruição do sonoro,
independente do significado, constituem-se parte fundamental do desenvolvimento
lingüístico e da atração por textos poéticos.
Ler é aventurar-se a crescer. Por isso, a aventura da criança deve ser uma aventura livre e
descomprometida com o adulto. Nada é mais desagradável e indigesto do que certos livrinhos
de Literatura Infantil, equipados de eficientes questionários para cobrança. Cada livro desses
é um fiel cobrador da criança, que, pensando ter realizado uma leitura livre de imposições
didáticas sistemáticas, se sente lograda. (CARVALHO, 1982, p. 197).
104
Projetos de leitura na escola
lettre. Muitos dos conceitos por ele cunhados foram posteriormente incorporados
ao pensamento complexo. A busca em si de um diálogo ciência-religião expressa
uma das dimensões mais desafiadoras desse espírito.
Jean-Jacques Rousseau foi considerado um dos grandes pensadores europeus
no século XVIII. Sua obra inspirou reformas políticas e educacionais, e tornou-se,
mais tarde, a base do chamado Romantismo. Formou, com Montesquieu e os liberais
ingleses, o grupo de brilhantes pensadores pais da ciência política moderna. Em
filosofia da educação, enalteceu a “educação natural” conforme um acordo livre
entre o mestre e o aluno, levando, assim, o pensamento de Montaigne a uma refor-
mulação que se tornou a diretriz das correntes pedagógicas nos séculos seguintes;
é outro filósofo de importância para a educação. Seus pressupostos básicos com
respeito à educação eram a crença na bondade natural do homem e a atribuição,
à civilização, da responsabilidade pela origem do Mal. Se o desenvolvimento
adequado é estimulado, a bondade natural do indivíduo pode ser protegida da
influência corruptora da sociedade. Conseqüentemente, os objetivos da educação,
para Rousseau, comportam dois aspectos: o desenvolvimento das potencialidades
naturais da criança e seu afastamento dos males sociais. O mestre deve educar o
aluno baseado nas suas motivações naturais. “Logo que nos tornamos conscientes
de nossas sensações, estamos inclinados a procurar ou evitar os objetos que as
produzem”, diz ele.
Em seu método, é essencialmente o mestre que deve educar o aluno para ser
um homem, usando a estrutura provida pelo desenvolvimento natural do aluno,
enquanto, ao mesmo tempo, mantém em mente o contexto social no qual o aluno
eventualmente será um membro. Isso somente pode ser conseguido em um am-
biente muito bem controlado. O ambiente em que o aluno vive deve ser tal, que
não haja qualquer restrição física que não venha do próprio aluno; e depois que
se desenvolve cognitivamente, etapa concluída por volta dos 15 anos, o educando
não deveria sofrer qualquer restrição moral em seu ambiente. O objetivo de sua
pedagogia é o desenvolvimento pleno do Eu natural do aprendiz. Obviamente,
uma tal educação somente seria possível se a criança fosse totalmente isolada da
sociedade e não tivesse contacto social, senão com seu mestre. O aluno somente
entraria na sociedade, quando a tendência para a socialização surgisse como uma
de suas necessidades naturais. Isto aconteceria na adolescência, após o desenvol-
vimento da razão.
Outro filósofo de destaque é Celestin Freinet (1896-1966) crítico da escola tra-
dicional e das escolas novas. Freinet foi criador, na França, do movimento da escola
moderna. Para ele, a relação direta do homem com o mundo físico e social é feita através
do trabalho (atividade coletiva), e liberdade é aquilo que decidimos em conjunto.
Em suas concepções educacionais, dirige pesadas críticas à escola tradicional,
que considera inimiga do “tatear experimental”, fechada, contrária à descoberta,
ao interesse e ao prazer da criança. Analisou de forma crítica o autoritarismo da
escola tradicional, expresso nas regras rígidas da organização do trabalho, no con-
teúdo determinado de forma arbitrária, compartimentado e defasado em relação à
realidade social e ao progresso das ciências.
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Literatura Infantil
106
Projetos de leitura na escola
107
Literatura Infantil
CUNHA, Maria Antonieta Antunes. Poesia na Escola. São Paulo: Discubra, 1976.
______. Literartura Infantil: teoria e prática. São Paulo: Ática, 1993.
CARVALHO, Bárbara Vasconcelos. A Literatura Infantil: visão histórica e crítica. 2. ed. São Paulo:
Edart, 1982.
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A biblioteca escolar
Itens a serem abordados
Nova concepção de biblioteca
As funções da biblioteca escolar
Atividades na biblioteca escolar
A
s bibliotecas existem desde que o homem transmite suas idéias para um objeto concreto, seja a
madeira, o papiro, a argila, a pedra ou o papel. De acordo com historiadores, os escritos surgiram
no Oriente e, com eles, as bibliotecas.
As mais antigas guardavam pergaminhos e manuscritos. Destacam-se como as mais notáveis
e célebres as de Pérgamo e a de Alexandria, no antigo Egito, com cerca de 700 mil rolos de papiro,
selecionados por filósofos, matemáticos e pesquisadores de diversas áreas, que traduziam para o grego
os conhecimentos de várias culturas. A biblioteca instaurou uma nova escritura científica “começando a
alterar a situação anterior de lugar depósito, destinado a acolher somente livros religiosos e inventários
de bens dos reis” (NÓBREGA, 2002, p. 122). E, influenciou os modos de escrita e leitura.
Na história das bibliotecas, destacamos que
Paulo Emílio é o nome do primeiro fundador de uma biblioteca, em Roma. Os romanos conservavam as bibliotecas
proibidas ao público até o reinado de Augusto. Cabe a César a iniciativa das bibliotecas públicas. (CARVALHO,
1982, p. 306).
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Literatura Infantil
112
A biblioteca escolar
1. Monte uma biblioteca de classe, com a ajuda de seus alunos. Formule cuidadosamente um projeto
de aquisição de livros, de empréstimos e de guarda do material. Registre aqui suas conclusões.
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2. Visite, com seus alunos, algumas bibliotecas públicas, escolares ou particulares de sua cidade.
Analise seu acervo e seu funcionamento com os alunos. Anote aqui um relatório dessa
atividade.
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3. Traga para a sala de aula bibliotecários ou profissionais responsáveis por bibliotecas, para darem
depoimentos sobre suas funções e sobre casos especiais, ocorridos no espaço das bibliotecas.
Registre um relatório dessa visita.
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NÓBREGA, Nanci. De livros e biblioteca como memória do mundo: dinamização de acervos. In:
YUNES, Eliana (Org.). Pensar a Leitura: complexidade. Rio de Janeiro: Loyola/PUC-Rio, 2002.
SANDRONI, Laura C.; MACHADO, Luiz Rave. A Criança e os Livros: guia prático de estímulo à
leitura. 2. ed. São Paulo: Ática, 1987.
YUNES, Eliana (Org.). Pensar a Leitura: complexidade. Rio de Janeiro: Loyola/PUC-Rio, 2002.
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Literatura Infantil
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A avaliação dos projetos
de formação de leitores
Itens a serem abordados
Princípios de avaliação da leitura
A progressividade na formação do leitor
A
leitura tem sido discutida intensamente ao longo dos tempos, pois com ela há a possibilidade de conhecer-
se outras realidades e, principalmente, ampliar e desenvolver o conhecimento a respeito do mundo
e de si mesmo.
Para tanto, faz-se necessário continuidade, curiosidade e gosto, qualidades que
possibilitam uma leitura com prazer e não por obrigação. Convém insistir na importância da leitura,
dado que ela realiza um encontro indispensável do sujeito-leitor com a tarefa de reflexão e crítica, fato
que está sendo deixado de lado pela sociedade, principalmente, numa época de mundo virtual e de
consumismo desenfreado. Ou seja, está sendo perdido o gosto pelos livros, já que, crianças e jovens
consideram muito mais fácil o uso do computador, o acesso à internet e todos os meios de comunicação
de massa como rádio, TV e cinema.
Muitos fatores acabam por dificultar a leitura. No Brasil, por exemplo, o baixo poder aquisitivo,
o alto custo dos livros, poucas bibliotecas e a carência de boa leitura nas escolas fazem com que crianças
e jovens – futuros adultos – não se interessem por ela. Ou seja, o desenvolvimento da humanidade
passa a ser freado, devido a essa falha cultural, pois, “A leitura reveladora da palavra e do mundo
constitui-se mais um instrumento de combate à ignorância e à alienação, como calculadas e impostas
pelo regime de dominação.” (GRIGOLETTI, 1995, p. 7).
Na verdade, todos podem contribuir para o conhecimento através das leituras, ao contrário
daqueles que acreditam que somente os professores são os responsáveis por esse assunto.
A família é a primeira a impulsionar o gosto pela leitura, com literatura infantil oral e as cantigas. É
importante esse primeiro contato, que muito ajudará a criança a interessar-se pela escola. Nela, os professores
farão a parte que lhes compete, ou seja, dar a sustentação dessa aprendizagem. Os professores precisam,
primeiramente, gostar de ler, para poderem passar a esses futuros leitores uma boa imagem da leitura.
Bamberger afirma que o desenvolvimento e hábitos permanentes de leitura são um processo
constante, que começa no lar, aperfeiçoa-se na escola e continua pela vida afora, através das influências
da atmosfera cultural e dos esforços conscientes da educação e das bibliotecas públicas (BAMBERGER,
2000, p. 14).
Na verdade, assim como disse Paul Saffo, “a palavra permanecerá como o mensageiro mais
confiável do mundo moderno”. Ele também afirma que
Os entusiastas do vídeo sustentam que as imagens são intrinsecamente mais cativantes do que as palavras, ignorando,
contudo, a diferença maior entre ambos: enquanto o vídeo é captado pelos olhos, o texto ressoa direto na mente. O
texto convida-nos a buscarmos imagens que completem as palavras fornecidas por ele, ao passo que o vídeo exclui
tais excursões mentais. Enquanto não houver uma ligação física entre o cérebro e a máquina, o texto continuará
oferecendo-nos o caminho mais direto entre a mente e o mundo exterior. (SAFFO, 1999).
Literatura Infantil
Entretanto, será que elas, por livre e espontânea vontade, vão até a biblioteca ler esses livros,
sem que sejam estimuladas a fazer tal tarefa? Será que nós, enquanto classe docente, estamos
oportunizando a fruição e o prazer pelo gosto da leitura? Ou, estamos aniquilando cada vez
mais o potencial de leitores das nossas crianças?
117
Literatura Infantil
1. Elabore um projeto de curta duração para a formação de leitores, destinado a seus alunos.
Aplique-o, avaliando-o ao final do tempo previsto para sua conclusão. Anote aqui o seu
projeto.
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2. Informe-se, junto às Secretarias de Educação (municipal ou estadual) a respeito de projetos de
formação de leitores, em andamento ou já finalizados. Entre em contato com os coordenadores
desses projetos, em busca de informações e sugestões. Anote aqui um resumo das informações
recebidas.
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3. Pesquise, por meio de entrevistas e questionários, os interesses de alunos e comunidade escolar.
A partir deles, elabore um projeto de melhoria da qualidade de leitura na escola. Anote aqui o
seu projeto.
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A avaliação dos projetos de formação de leitores
BAMBERGER, Richard. Como Incentivar o Hábito de Leitura. 7. ed. São Paulo: Ática, 2000.
GRIGOLETTI, Marilda Pereira. Importância da Formação de Alunos Leitores e Algumas
Observações na Universidade. Curitiba: PUC-PR.
PEREIRA, Cláudia Gomes. A fragilidade das verdades. In: SOUZA JÚNIOR, José Luiz Foreaux
(Org.). Exercícios de Leitura. São Paulo: Scortecci, 2001.
SAFFO, Paul. Com a palavra. In: REFLEXÕES para o futuro. Encarte Veja 25 anos, São Paulo,
1999.
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Literatura Infantil Literatura Infantil