Dissertação - Jéverson Bottega - Versão Final PDF

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JÉVERSON LUÍS BOTTEGA

A PROPRIEDADE HORIZONTAL EM PERSPECTIVA DE DIREITO


COMPARADO – PORTUGAL E BRASIL

THE BUILDING CONDOMINIUM IN COMPARATIVE LAW PERSPECTIVE –


PORTUGAL AND BRAZIL

Dissertação apresentada à Faculdade de Direito


da Universidade de Coimbra no âmbito do 2º
Ciclo de Estudo em Direito (conducente ao grau
de Mestre), na Área de Especialização em
Ciências Jurídico-Civilísticas/Menção em Direito
Civil.
ORIENTADORA: Professora Doutora Mónica
Vanderleia Alves de Sousa Jardim.

Coimbra - PT
2016

1
RESUMO

O presente trabalho é o resultado de pesquisa sobre o regime jurídico da


propriedade horizontal. O objetivo central do estudo foi analisar a propriedade horizontal
como direito real autónomo e o instituto jurídico da incorporação imobiliária, a fim de
identificar como os sistemas legais, português e brasileiro, podem mutuamente contribuir
para o aprimoramento do regime jurídico da propriedade horizontal de cada país.

Palavras-chave: Propriedade Horizontal. Frações Autónomas. Condomínio.


Incorporação Imobiliária. Contrato-promessa.

2
ABSTRACT

The present study is the resultof a research on the legal institute of the building
condominium. The main point of the paperwas to analyze the institute of the building
condominium as autonomous right and the legal institute of real estate in order to identify
how the Portuguese and Brazilian systems can mutually contribute to the improvement of
the legal institute of building condominium of each country.

Keywords: Building condominium. Real estate. Sale contract.

3
LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS

CCP – Código Civil Português.


CCB – Código Civil Brasileiro.
CRP – Código do Registo Predial.
NBR – Norma Brasileira.
CT DGRN – Conselho Técnico da Direcção Geral de Registos e Notariado
STJ – Superior Tribunal de Justiça

4
ÍNDICE

INTRODUÇÃO..................................................................................................................06

1. A PROPRIEDADE HORIZONTAL COMO DIREITO REAL AUTÓNOMO......10


1.1 Conceito e características da propriedade horizontal.....................................................11
1.2 Natureza jurídicada propriedade horizontal...................................................................19
1.3 O negócio jurídico de constituição da propriedade horizontal.......................................29
1.3.1 Natureza jurídica.........................................................................................................29
1.3.2 Forma e momento da celebração.................................................................................33
1.3.3 Modalidades e pressupostos de constituição...............................................................42
1.3.4 Modificação e extinção da propriedade horizontal.....................................................49
1.4 O registro da propriedade horizontal..............................................................................52

2. O INSTITUTO JURÍDICO DA INCORPORAÇÃO IMOBILIÁRIA.....................55


2.1 Conceito de incorporação imobiliária e de incorporador...............................................56
2.2 O registro e a extinção da incorporação imobiliária.......................................................63
2.3 O património de afetação das incorporações imobiliárias..............................................79
2.3.1 Conceito.......................................................................................................................80
2.3.2 Deveres do incorporador e a extinção do património de afetação..............................82
2.3.3 Património de afetação e a falência/insolvência do incorporador...............................83
2.3.4 Regime especial tributário do património de afetação................................................87
2.4 O contrato-promessa de transferência das frações autónomas antes do término da obra....88
2.4.1 O contrato-promessa de frações autónomas................................................................89
2.4.2 A transferência de frações autónomas antes do término da obra................................96

CONCLUSÃO....................................................................................................................99

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS...........................................................................103

5
INTRODUÇÃO

O crescimento populacional nos grandes centros urbanos, impulsionado,


principalmente, pelo êxodo rural, gera problemas sociais de diversas espécies 1 . As
dificuldades relacionadas ao referido fenómeno iniciam-se já na chegada dos novos
habitantes, uma vez que a maioria das cidades não possui as infra-estruturas básicas
necessárias para recebê-los de forma adequada.
A falta de infra-estrutura é percebida tanto na ineficiente prestação dos serviços
públicos considerados essenciais (segurança, ensino, saúde, transporte,etc.2) quanto na falta
de moradias para acomodar os novos habitantes.
Um dos fatores que contribuiu para o surgimento dos referidos problemas é, sem
dúvida, o planejamento verticalizado das cidades, caracterizado pelo sistema tradicional de
moradias independentes. É que, com a verticalização das edificações, o território do
município acaba sendo rapidamente preenchido, gerando déficit de habitações e
aumentando as distâncias entre as zonas centrais e periféricas, o que dificulta a prestação
dos mencionados serviços públicos.
Nesse contexto, entende-se que, em relação ao sistema tradicional, o modelo
habitacional baseado no instituto da propriedade horizontal3 parece ser mais adequado às

1
Em Portugal, até 1.991, 68% da população já vivia na zona urbana. No Brasil, até 2.002, o percentual era de
82%. Tais dados, somados a uma política ineficiente na área do ordenamento do território e do urbanismo,
poderão ocasionar o surgimento dos chamados “bairros de lata” em Portugal e ampliar o processo de
favelização no Brasil. Segundo José Afonso da Silva, em termos de direito do ordenamento e do urbanismo,
o grande desafio das cidades pós-industriais é, justamente, conseguir desenvolver uma política com a
finalidade de agregar os centros urbanos às áreas rurais. Segundo o citado autor, a solução poderá estar no
chamado processo de “urbanificação”, ou seja, renovação urbana com a criação de cidades planejadas de
modo a integrar a cidade ao campo. SILVA, José Afonso da. Direito urbanístico brasileiro. 4ª edição, revista
e atualizada. São Paulo: Malheiros, 2006. p. 26 e 27.
2
FRANCO, J. Nascimento. Incorporação Imobiliária - II. Enciclopédia Saraiva do Direito. São Paulo:
Saraiva, 1977. p. 346.
3
Segundo Caio Mário da Silva Pereira, esta denominação, propriedade horizontal, “que não encontra
justificação histórica, pois que as fontes se lhe não referem, prende-se a uma idéia de simetria racional. Pelo
fato de não ser usada pelos romanos a divisão do imóvel, e especialmente do edifício, senão por planos
verticais, que permitiam a projeção espacial do domínio para o alto, usque ad coelum, e para baixo, usque ad
inferos, e de se não ter vulgarizado, senão recentemente, a divisão por planos horizontais, alguns escritores
começaram a ver aí uma propriedade horizontalmente dividida, ou por condensação de linguagem, uma
propriedade horizontal”. PEREIRA. Caio Mário da Silva. Condomínio e Incorporações. 11ª edição. Rio de
Janeiro: Forense, 2014. p. 40.

6
necessidades urbanísticas das cidades modernas, principalmente nas áreas de acentuada
densidade demográfica 4 . Isso porque, nos empreendimentos imobiliários idealizados a
partir do instituto da propriedade horizontal, a construção passa a desenvolver-se mais em
altura, à custa do espaço aéreo, do que em superfície à custa do solo5.
Além de ajudar a travar o crescimento territorial descomunal das cidades, pode-se
dizer, ainda, que o instituto da propriedade horizontal também auxilia a minimizar o efeito
da falta de solo disponível para construção, que está cada vez mais escasso e caro6.
Em Portugal, a primeira norma a considerar possível a existência de mais de um
dono sobre as diferentes partes de uma mesma edificação foi a prevista no título LXVIII do
Livro 1.º, §34, das Ordenações Filipinas, que assim estabelecia: “se uma casa for de dois
senhorios de maneira que de um deles seja o sótão e de outro o sobrado, não poderá aquele,
cujo for o sobrado, fazer janela sobre o portal daquele cujo for o sótão, ou loja, nem outro
edifício algum”.
Contudo, o aprimoramento da figura jurídica da propriedade em planos
horizontais, e sua consequente estruturação legislativa7, só ganharam maiores proporções,

4
Segundo J. Nascimento Franco, “a propriedade horizontal ganhou definitivo impulso depois da I Guerra
Mundial, devido à transferência cada vez maior da população rural para a cidade e ao aprimoramento da
técnica da engenharia civil na construção de edifícios gigantescos nos grandes países, principalmente nos
EUA. A falta de habitações e o encarecimento dos terrenos só puderam ser superados pela construção dos
edifícios de apartamento, que permitem maior aproveitamento, e por preço menos oneroso, do solo urbano.
Cumpria, pois, instituir o regime jurídico do novo tipo de copropriedade, em razão das singularidades que o
caracterizavam”. FRANCO, J. Nascimento. Condomínio em Edifícios. Enciclopédia Saraiva do Direito. São
Paulo: Saraiva, 1977. p. 431.
5
Número 1, do Decreto-Lei nº 40.333/55, de 14 de outubro.
6
MESQUITA, Manuel Henrique. A propriedade horizontal no Código Civil Português. Revista de direito e
de estudos sociais, ano XXIII, jan.-dez., nº 1-2-3-4. Coimbra, 1978. p. 5. No mesmo sentido, LEITÃO, Luís
Manuel Teles de Menezes. Direitos Reais. 3ª edição. Coimbra: Almedina, 2012. p. 290. Também no mesmo
sentido, Haroldo Valladão, citado por J. Nascimento Franco, afirma que “o horror à indivisão, ao
condomínio, é signo de individualismo superado; ele se impõe para facilitar as modernas edificações urbanas,
os clubes de campo, as colônias de férias etc. É forma autêntica de integração que deve ser estimulada pela
legislação.” FRANCO, J. Nascimento. Incorporação Imobiliária - II. Enciclopédia Saraiva do Direito. São
Paulo: Saraiva, 1977. p. 347.
7
Vale referir, utilizando-se da doutrina de Caio Mário da Silva Pereira, que, no que toca a propriedade
horizontal, o jurista do século XX não encontrou uma exposição dogmática da matéria nem uma experiência
legislativa de que se pudesse valer. Mesmo o Código de Napoleão, que inaugurou o momento das grandes
codificações, não deu a importância necessária ao instituto da propriedade horizontal, limitando-se a
determinar, no artigo 644, que, se os diferentes andares de uma casa não pertencessem ao mesmo
proprietário, todos suportariam, por inteiro, as despesas de reparação e reconstrução das paredes mestras e do
teto, na proporção do valor de seu andar, cabendo a cada um seu respectivo piso, e a cada um a escada do
andar inferior até o seu. PEREIRA. Caio Mário da Silva. Condomínio e Incorporações. 11ª edição. Rio de
Janeiro: Forense, 2014. p. 37.

7
como era de se esperar, com o crescimento das aglomerações urbanas, com o
desenvolvimento das cidades e com o encarecimento das obras8.
Após ter sido regulado pelo artigo 2.335.º, do Código Civil Português de 1.867, e
pelo Decreto-Lei nº 40.333/55, atualmente, o regime legal da propriedade horizontal está
disciplinado nos artigos 1.414.º e seguintes, do Código Civil Português (CCP) de 1.9669,
bem como no Decreto-Lei nº 268/94.
No Brasil, por sua vez, a origem legislativa da propriedade horizontal também
está nas Ordenações Filipinas, que vigoraram no território brasileiro até a entrada em vigor
do Código Civil de 1.916.
Entretanto, os primeiros diplomas legais editados no Brasil sobre a matéria, após o
Código Civil de 1916 não ter disciplinado o instituto, foram o Decreto nº 5.481/28, o
Decreto-Lei nº 5.234/43 e a Lei nº 285/48. Atualmente, o regime legal da propriedade
horizontal está disciplinado na Lei 4.591/6410, regulamentada pelo Decreto nº 55.815/65,
na Lei nº 4.864/65 (Lei de Estímulo à Construção Civil) e nos artigos 1.331 e seguintes, do
Código Civil Brasileiro (CCB) de 2.00211.
Pelo exposto, verifica-se que o fato social relativo às habitações concentradas vem
de tempos remotos e, desde então, os juristas têm estudado e debatido a figura da
propriedade em planos horizontais. Sabe-se, portanto, que o tema não é novo. Aliás, como

8
SCHMIDT, Francisco Arnaldo. Incorporação Imobiliária. Porto Alegre: Secovi/RS, 1.995. p.19.
9
Cumpre referir que, no que se refere à propriedade horizontal, o Código Civil Português foi alterado pelo
Decreto-Lei nº 267/94, cujas modificações foram inseridas no próprio texto do Código. Além disso, matéria
referente à administração do condomínio, especialmente quanto à possibilidade de abertura de conta bancária
para constituição de fundo de reserva, está positivada no Decreto-Lei nº 269/94.
10
Segundo a doutrina majoritária, a Lei 4.591/64 não foi revogada pelo Código Civil de 2002. Assim, os
artigos, que não dispõem em contrário do previsto na lei civil de 2002, seguem em vigor. CHALHUB,
Melhim Namem. Da Incorporação Imobiliária. 2a Edição. Rio de Janeiro: Renovar, 2005.
11
Além dos sistemas legislativos português e brasileiro, outros merecem destaque. Segundo Caio Mário da
Silva Pereira, na Bélgica, a lei de 1924 modificou o Código Civil no que diz respeito à propriedade
horizontal. Em França, a lei de 28 de junho de 1938 revogou o artigo do Código e instituiu novo regime para
a propriedade em comum. Em Itália, a legislação de 1934 e 1935 disciplinou em termos modernos as relações
entre condóminos sobre casas, e o Código Civil, arts. 1.117 e seguintes, determinou os princípios do
condomínio nos edifícios. Em Espanha, o art. 396 do Código foi modificado pela lei de 1939, que ofereceu
nova regulamentação à comunhão de bens, no tocante à propriedade dos diferentes andares de um edifício.
Na Argentina, a lei de 1948 detidamente tratou da propriedade horizontal. O Chile o fez em 1937, o Uruguai
em 1946, a Venezuela em 1957. O Código mexicano de 1928 (art. 951) alude à divisão por planos
horizontais, o do Japão, § 208, fala na copropriedade das partes comuns de edifícios. O Código Civil da
China, de 1929-1931, regulando a compropriedade, não se refere explicitamente à divisão horizontal. O
Código Civil da Grécia, de 1946, art. 1.117, instituiu a compropriedade necessária das partes de imóvel
dividido em andares. PEREIRA. Caio Mário da Silva. Condomínio e Incorporações. 11ª edição. Rio de
Janeiro: Forense, 2014. p. 40.

8
disse Caio Mário da Silva Pereira, na sua obra “Condomínio e Incorporações” 12 , “em
verdade, novo, totalmente novo, nada há debaixo do sol”. Contudo, em que pese existam
vários estudos a respeito da propriedade horizontal, este trabalho se propõe a identificar os
pontos que ainda não foram esgotados pela doutrina e, sobretudo, encaminhar a
investigação em perspectiva de direito comparado – Portugal e Brasil.
Nesse contexto, a pesquisa foi realizada a partir do método investigativo, com
análise bibliográfica das doutrinas e legislações, sendo que, com o objetivo de sistematizar
cientificamente a abordagem do tema, o estudo foi dividido em dois capítulos.
O primeiro capítulo foi destinado ao estudo da propriedade horizontal como
direito real autónomo. Ao abordar o conceito, as características, a natureza jurídica e o
negócio de constituição da propriedade horizontal, o objetivo foi identificar como o regime
jurídico português poderia contribuir para aprimorar o regime jurídico brasileiro.
No segundo capítulo, o estudo voltou-se à transferência das frações autónomas
antes do término da obra. Seguindo o sentido oposto ao desenvolvido no primeiro capítulo,
ao abordar o ato jurídico da incorporação imobiliária (denominado em Portugal de
promoção imobiliária), a ideia foi demonstrar que, nesse caso, o regime jurídico brasileiro
poderia contribuir para aprimorar o sistema português.

12
PEREIRA. Caio Mário da Silva. Condomínio e Incorporações. 11ª edição. Rio de Janeiro: Forense, 2014.
p. 35.

9
1. A PROPRIEDADE HORIZONTAL COMO DIREITO REAL
AUTÓNOMO

A evolução jurídica e legislativa da propriedade horizontal fez com que diferentes


nomenclaturas fossem usadas para denominá-la. No Código Civil Português de 1.966
encontra-se a nomenclatura “propriedade horizontal”13. O Decreto-Lei nº 40.333/55, em
contrapartida, utiliza a denominação “propriedade por andares”. A doutrina portuguesa
tradicional14, a seu turno, usa a designação “condomínio”.
Das diferentes nomenclaturas acima referidas, entende-se que a mais adequada é a
usada pelo Código Civil Português, ou seja, “propriedade horizontal”. Isso porque a
referida denominação está relacionada ao exercício do direito, que, nessa espécie de
propriedade, se dá em planos horizontais15.
A designação “propriedade por andares”, por sua vez, não parece estar
tecnicamente correta, pois poderão existir edifícios com mais de uma propriedade por
andar16. Da mesma forma, a nomenclatura “condomínio”, usada pela doutrina portuguesa
tradicional, também parece estar equivocada, pois, como será defendido adiante, a
propriedade horizontal poderá existir e produzir efeitos independentemente da pluralidade
de proprietários de frações autónomas.

13
Para Caio Mário da Silva Pereira, “embora fruto de um passado, pois que a propriedade horizontal nasceu
precisamente da construção em sentido vertical, a adoção desse nome é convinhável, e desperta no espírito de
quem o ouve ou lê a ideia precisa de que se trata daquele complexo de direitos, faculdades e deveres ligado
ao edifício de apartamentos”. PEREIRA. Caio Mário da Silva. Condomínio e Incorporações. 11ª edição. Rio
de Janeiro: Forense, 2014. p. 41.
14
LIMA, Pires de. VARELA, Antunes. Código Civil Anotado. Volume III (artigo 1251.º a 1575.º). 2ª edição,
revista e actualizada. Coimbra: Coimbra Editora, 2010.
15
Afirmar que o exercício do direito de propriedade se dá em planos horizontais quer dizer que as frações
autônomas não possuem independência estrutural. Na prática, isso implica a impossibilidade de o
proprietário realizar modificações que aumentem ou diminuam a área construída da unidade sem a
autorização unânime dos demais condóminos. Esse entendimento vale tanto para as propriedades horizontais
compostas por prédio com um ou mais pavimentos, como para as compostas por casas térreas ou
assobradadas. Importante destacar, contudo, que, parte respeitável da doutrina (e.g., MESQUITA, Manuel
Henrique. A propriedade horizontal no Código Civil Português. Revista de direito e de estudos sociais, ano
XXIII, jan.-dez., nº 1-2-3-4. Coimbra, 1978. p. 8), entende que, no caso de casas térreas ou assobradadas, a
propriedade deixaria de ser horizontal para ser vertical. Vale referir que, até a criação do artigo 1.438.º-A, do
CCP, pelo Decreto-Lei nº 267/94, as propriedades verticais que possuíssem autonomia estrutural
(construções independentes) não podiam ser abrangidas pelo regime da propriedade horizontal.
16
LOPES, J. de Seabra. Direito dos Registros e do Notariado. 6ª ed. Coimbra: Almedina, 2011. p. 323.

10
No Brasil, o instituto da propriedade horizontal também possui diferentes
nomenclaturas. O Código Civil Brasileiro de 2.002 usa a designação “condomínio
edilício”. A Lei nº 4.591/64, em contrapartida, refere-se ao instituto como “condomínio em
edificações”. Na doutrina brasileira é possível encontrar tanto a denominação “condomínio
horizontal”17 quanto “condomínio especial”18.
No direito brasileiro, denominar a propriedade horizontal de “condomínio” pode
ser considerado correto, pois, como será visto, o entendimento maioritário é de que a
propriedade horizontal possui natureza jurídica de condomínio. Sendo assim, todas as
expressões que acompanham a palavra “condomínio” têm diferentes justificativas e
parecem ser coerentes.
Quanto às denominações legais, a palavra “edilício” tem origem no latim
aedilicium que diz respeito à edificação. Assim, considerando que a propriedade horizontal
não existe sem que haja edificação, a denominação encontra justificativa em um dos
pressupostos de existência do instituto. O mesmo argumento pode ser usado para defender
a expressão “em edificações”.
As denominações usadas pela doutrina brasileira, por sua vez, possuem diferentes
justificativas. A nomenclatura “condomínio horizontal” está relacionada ao exercício do
direito de propriedade que, no instituto estudado, se dá em planos horizontais. Já a
denominação “condomínio especial” é usada pela doutrina brasileira para diferenciá-lo do
condomínio comum (compropriedade)19.
Tendo em vista as diferentes nomenclaturas do instituto da propriedade
horizontal, cumpre referir que, no desenvolvimento do estudo, dependendo da fonte legal
ou doutrinaria utilizada, poderá aparecer qualquer uma das denominações acima referidas.

1.1 Conceito e características da propriedade horizontal

A regra geral do direito de propriedade é de que sobre um edifício incorporado no


solo recaia um único direito de propriedade, pertencente a um ou mais titulares,

17
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Condomínio e incorporações. Rio de Janeiro: Forense, 1994.
18
GOMES, Orlando. Direitos reais. São Paulo: Forense, 2008.
19
Na doutrina, ainda é possível identificar outras designações. Carlos Maximiliano adotou condomínio
relativo; Espínola opta por condomínio de edifícios com apartamentos autônomos; Campos Batalha prefere
condomínio por andares ou apartamentos; Serpa Lopes sugere propriedade em planos horizontais; J. N.
Franco e N. Gondo referem-se a Condomínio em Edifícios. PEREIRA. Caio Mário da Silva. Condomínio e
Incorporações. 11ª edição. Rio de Janeiro: Forense, 2014. p. 41.

11
abrangendo esse direito não apenas o solo, mas também as construções nele erigidas. A
propriedade horizontal, contudo, é exceção a essa regra20.
O nascimento jurídico da propriedade horizontal ocorre quando o(s)
proprietário(s), a partir da celebração de um negócio jurídico contendo a identificação das
unidades consideradas isoladamente e o ordenamento concernente às partes destinadas ao
uso comum, submete(m) a edificação e o terreno sobre o qual a mesma foi erigida ao
regime especial previsto nos artigos 1.414.º e seguintes, do CCP (artigos 1.331 e seguintes,
do CCB).
Com a celebração do instrumento de constituição pelo(s) proprietário(s) do
imóvel, os direitos de usar, fruir, transformar e dispor, inerentes à propriedade, passam a
ser limitados por normas pré-estabelecidas por lei ou convenção do(s) proprietário(s).
No mesmo sentido, e esmiuçando ainda mais o conceito, Abílio Neto 21 afirma
que:
“O que caracteriza a propriedade horizontal, e confere ao respectivo instituto verdadeira
especificidade, é o facto de um mesmo edifício (ou conjunto de edifício), dotados de estrutura
unitária, estar decomposto em fracções autónomas, que constituem unidades independentes, as
quais, no entanto, só gozam de autonomia funcional através da utilização de partes comuns do
edifício, necessariamente afectas ao serviço de todas elas. (...).
Assim, porque as fracções representam unidades independentes, cada uma delas pode pertencer,
em exclusivo, a um proprietário distinto, que sobre ela exercerá todos os direitos do proprietário
singular; mas porque, isoladamente consideradas, são componentes de um mesmo edifício,
estabelece-se, desde logo, uma acentuada interdependência entre os diversos condóminos,
traduzida em cerceamentos ou limitações ao livre e incondicionado exercício dos direitos de
proprietário singular (arts. 1422.º e 1428.º); além disso, porque só através das partes comuns do
prédio é que cada uma das fracções que o compõem adquire verdadeira funcionalidade e
autonomia, os condóminos assumem, em relação a essas mesmas partes comuns, a posição de
comproprietários. Em suma, a propriedade distinta de cada fracção não se estende ao próprio
prédio, porquanto este permanece na contitularidade de todos os condóminos, apesar daquela
autonomia ao nível da fracção.”

Segundo Orlando Gomes,


É conhecida a estrutura jurídica da propriedade horizontal. Constitui-se por um conjunto de
propriedades exclusivas de unidades independentes incorporadas no mesmo edifício, completadas
pelo condomínio forçado, do terreno e de partes da construção que não podem ser privativas.
Definiram-na bem os autores do parecer da Câmara corporativa portuguesa sobre o decreto que
originou a Lei nº 40.333, aproveitada no Código Civil de 1966 (arts. 1.414 e seg.). Nesse
documento, assim se descreveu a estrutura da propriedade horizontal – “cada proprietário tem um
direito exclusivo, mas, para que esse direito constitua propriedade de uma casa incorporada no
solo, é integrado por uma comunhão nas paredes não exclusivas do prédio que assegura ao
proprietário, na medida do possível, a plenitude da propriedade de raiz”.

20
LIMA, Pires de. VARELA, Antunes. Código Civil Anotado. Volume III (artigo 1251.º a 1575.º). 2ª edição,
revista e actualizada. Coimbra: Coimbra Editora, 2010. p. 391.
21
NETO, Abílio. Manual da propriedade horizontal. 3ª ed. Coimbra: Coimbra editora, 2006. p. 9 e 10.

12
Caio Mario da Silva Pereira22, autor do anteprojeto da lei brasileira de condomínio
em edificações, nos ensina que:
“A essência do condomínio nos edifícios coletivos reside em que deve ele ser constituído de partes
que são de utilização exclusiva, consistindo no direito de propriedade sobre a unidade de seu
titular, e partes que são comuns a todos, devendo o direito sobre as mesmas ser subordinado ao
conceito condominial. O proprietário de uma unidade no edifício coletivo somente tem a
possibilidade material e jurídica de sua utilização se ao mesmo tempo lhe é assegurada a das partes
comuns. Daí resulta que o conceito do condomínio edilício há de assentar na reunião orgânica e
indissolúvel da propriedade exclusiva, incidente sobre a unidade, e o condomínio sobre as partes e
coisas comuns.”

Estabelecido o conceito jurídico da propriedade horizontal, passa-se à análise das


principais características do instituto, que, quanto a sua estrutura, são as seguintes:
a) existência de áreas de uso comum e áreas de uso privativo.
As coisas de uso privativo são aquelas utilizadas individualmente por cada
proprietário (escritórios, lojas, garagens, apartamentos, casas, etc.). As coisas de uso
comum, por sua vez, são aquelas que, por disposição no ato de instituição da propriedade
horizontal, foram definidas como de utilização comum por todos (áreas de uso comum de
divisão proporcional, das quais são exemplos: vestíbulo, circulações, salão de festa,
piscina, quadras poliesportivas, garagens, etc.) ou por um grupo de proprietários (áreas de
uso comum de divisão não proporcional, das quais são exemplos: jardins, pátios, escadas,
vagas de estacionamento, arrecadações (depósitos), etc.);
b) a cada unidade autónoma deve corresponder uma fração ideal no terreno e nas
partes comuns.
É através da fração ideal que ocorre a fusão da propriedade exclusiva com a
comum. Nesse sentido, a unidade autónoma e o solo formam um todo, constituindo a
propriedade horizontal figura jurídica de natureza complexa na qual não se pode dizer que
é principal a unidade autónoma ou o terreno idealmente repartido23;
c) para a caracterização do prédio não há restrição (salvo as impostas por regras
urbanísticas) quanto ao número de unidades autónomas, material empregado na construção
(desde que não seja de caráter transitório) e número de pavimentos ou tamanho das
unidades;

22
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. Vol. IV. Direitos reais. Rio de Janeiro:
Forense, 2003. p. 185 e 189.
23
MIRANDA, Pontes. Tratado de Direito Predial. Tomo II. 2ª edição. Rio de Janeiro: José Konfino Editor,
1953. p. 148.

13
d) cada fração autónoma deve ter acesso próprio à via pública ou à área comum
que dê acesso à via pública. Essa característica é essencial para que determinada área possa
ser considerada de utilização privativa;
e) o prédio deve ter destinação especifica (residencial, comercial ou misto) e é
recomendável que a ele seja indicada uma denominação24;
f) as unidades serão identificadas de modo que fiquem individualizadas 25 . A
individualização das unidades deve constar tanto do título constitutivo quanto do registro.
Em Portugal, a partir do estabelecido no título, o registro deve fazer menção da
série de letras correspondentes às frações para efeitos da sua individualização (artigo 82.º,
nº 2, do Código de Registro Predial - CRP) e realizar, depois, uma descrição subordinada
de cada fração autónoma, com menção do número da descrição genérica do prédio,
seguido da letra ou letras das frações por ordem alfabética (artigo 83.º, nº 1, a, do CRP), e
menções relativas às características do prédio (artigo 83.º, nº 1, c, do CRP). O extrato da
inscrição deve conter, também, as menções especiais pertinentes ao valor relativo de cada
unidade, expresso em percentagem ou permilagem, à existência de regulamento, caso este
conste do título constitutivo, e aos direitos dos condóminos neste título especialmente
regulados (artigo 95.º, nº 1, q, do CRP).
No Brasil, a perfeita identificação de uma unidade, que será transcrita na
matrícula da unidade junto ao registro, se faz mediante a indicação dos seguintes
elementos: a designação numérica ou alfabética; a destinação; a localização por pavimento;
a situação dentro do pavimento; a área privativa; a correspondente área de uso comum de
divisão proporcional; a eventual existência de área de uso comum de divisão não
proporcional; a área total; a fração ideal de terreno e das coisas comuns26.
Cumpre referir, ainda, que, após a criação do artigo 1.438.º-A27, do CCP, pelo
Decreto-Lei nº 267/94, de 25 de outubro, é possível instituir em Portugal a propriedade
horizontal nos empreendimentos de casas edificadas de forma independente ou ao conjunto

24
O artigo 82.º, n.º 1, “c”, do Código de Registro Predial, prevê a “denominação” do prédio como um dos
elementos da sua descrição. Importante esclarecer, contudo, que, ao contrário do que ocorre com as pessoas
coletivas, é possível existir mais de um prédio (propriedade horizontal) com a mesma denominação.
25
LEITÃO, Luís Manuel Teles de Menezes. Direito Reais. 3ª edição. Coimbra: Almedina, 2012. p. 292.
26
MEZZARI, Mário Pazutti. Condomínio e Incorporações no Registro de Imóveis. 3ª edição. Porto Alegre:
Norton Editor, 2010. p. 41.
27
Artigo 1438.º-A:Propriedade horizontal de conjuntos de edifícios – O regime previsto neste capítulo pode
ser aplicado, com as necessárias adaptações, a conjuntos de edifícios contíguos funcionalmente ligados entre
si pela existência de partes comuns afectadas ao uso de todas ou algumas unidades ou fracções que os
compõem.

14
de moradias geminadas de um só piso28. Nesses empreendimentos, a área comum existirá,
pelo menos, em relação ao terreno (pode existir também sobre as áreas destinadas à
recreação), sendo que as partes privativas incidirão sobre as edificações.
A lei brasileira de condomínios e incorporações também prevê a possibilidade de
instituir a propriedade horizontal nos empreendimentos de casas térreas ou assobradadas. O
artigo 8º, da Lei nº 4.591/94, assim estabelece:
“Art. 8º Quando, em terreno onde não houver edificação, o proprietário, o promitente comprador,
o cessionário dêste ou o promitente cessionário sôbre êle desejar erigir mais de uma edificação,
observar-se-á também o seguinte:
a) em relação às unidades autônomas que se constituírem em casas térreas ou assobradadas, será
discriminada a parte do terreno ocupada pela edificação e também aquela eventualmente reservada
como de utilização exclusiva dessas casas, como jardim e quintal, bem assim a fração ideal do
todo do terreno e de partes comuns, que corresponderá às unidades;
b) em relação às unidades autônomas que constituírem edifícios de dois ou mais pavimentos, será
discriminada a parte do terreno ocupada pela edificação, aquela que eventualmente fôr reservada
como de utilização exclusiva, correspondente às unidades do edifício, e ainda a fração ideal do
todo do terreno e de partes comuns, que corresponderá a cada uma das unidades;
c) serão discriminadas as partes do total do terreno que poderão ser utilizadas em comum pelos
titulares de direito sôbre os vários tipos de unidades autônomas.
d) serão discriminadas as áreas que se constituírem em passagem comum para as vias públicas ou
para as unidades entre si.”

Tanto o artigo 1.438.º-A, do CCP, quanto as alíneas “b”, “c” e “d”, da Lei
brasileirade condomínio e incorporação, possibilitam, ainda, a formação do que a doutrina
tem denominado de “super condomínio”, “subcondomínio” ou “desdobramento do
condomínio”29.
Os autores portugueses João Torroaes Valente e Maria Goreti Rebelo30conceituam
o subcondomínio da seguinte forma:
O conjunto de edifícios ligados entre si por partes comuns e sujeitos todos ao mesmo e único
regime de propriedade horizontal, com a distinção de que não tem por objeto um único edifício,
mas sim vários. Esta figura corresponde aos usualmente designados “supercondomínios”.

Segundo Mónica Jardim 31 , através do artigo 1.438.º-A, do CCP, “o legislador


português passou a admitir que a construção, num mesmo terreno, de vários prédios sem
ligações estruturais entre si pudesse ser concretizada independentemente de uma operação

28
JUSTO, Antônio dos Santos. Direitos Reais. 4ª edição. Coimbra: Coimbra Editora, 2012. p. 328.
29
FRANÇA. R. Limongi. Condomínio por unidades autônomas. Enciclopédia Saraiva do Direito. São Paulo:
Saraiva, 1977. p. 450.
30
VALENTE, João Torroaes; REBELO, Maria Goreti. Loteamento VS Propriedade Horizontal. Revista Vida
Imobiliária. Nº 91. Junho de 2005. Cidade do Porto. Portugal. Disponível em
www.uria.com/esp/publicaciones/art.asp?id=40. Acesso em 10 de março de 2011.
31
JARDIM, Mónica Vanderleia Alves de Sousa. Propriedade horizontal, conjuntos imobiliários e registro I.
Disponível em:
http://www.fd.uc.pt/cenor/index.php?option=com_content&view=category&layout=blog&id=41&Itemid=53
&limitstart=16. Acesso em 30 de novembro de 12.

15
de loteamento sujeita a licenciamento municipal e, portanto, à margem de uma divisão
fundiária”.
Ainda segundo a citada autora:
O objecto da propriedade horizontal tem aqui uma especial natureza ou conformação: não é um
prédio mas um conjunto de edifícios contíguos e as partes comuns que funcionalmente os ligam e
que estão afectadas ao uso de todas ou algumas das unidades ou fracções que os compõem.
Os edifícios que formam o conjunto podem ser apenas unidades imobiliárias que são objecto de
distintos direitos de propriedade, edifícios fraccionados, sujeitos cada um deles ao regime da
propriedade horizontal, ou unidades imobiliárias autónomas e edifícios fraccionados.
Os edifícios que formam o conjunto têm apenas de ser contíguos, vizinhos, não sendo exigível,
obviamente, qualquer ligação estrutural ou material entre eles, uma vez que quando ela existe
aplica-se, como resulta do anteriormente afirmado, o regime da propriedade horizontal sobre um
edifício. O que será de exigir é que os edifícios formem uma certa unidade espacial ou territorial.

Dentre os autores brasileiros, Caio Mario da Silva Pereira32 explica o fenômeno


do subcondomínio, ao comentar o artigo 8º da Lei 4.591/64:
“Nos últimos tempos, mesmo no regime do Dec. 5.481, de 1.928, e ao arrepio de sua letra, que
condicionava a propriedade horizontal ao número de pavimentos e ao material de construção,
surgiu a idéia de se fazerem construções em praias, balneários, lugares pitorescos etc., que os
interessados vinculavam ao mesmo sistema, embora não pudessem invocar a sua tutela. A Lei nº
4.591, de 16 de dezembro de 1.964, olhou para o assunto (art.8º) e abraçou na sua disciplina esta
modalidade especial de aproveitamento condominial de espaço. Estabeleceu regras específicas
para o caso de se levantar mais de uma edificação em terreno aberto, ainda que não ocorra
superposição de unidades. Em tais circunstâncias, em relação às unidades autônomas que se
constituírem de casas térreas ou assobradadas, será discriminada a parte do terreno ocupada pela
edificação e também aquela eventualmente reservada como de utilidade exclusiva, e bem assim a
fração ideal sobre a totalidade do terreno e partes comuns, correspondente a cada unidade (art. 8º,
alínea a).
A lei 4.864, de 29 de dezembro de 1.965, permite, para essa modalidade condominial, o
desdobramento da incorporação em várias incorporações, fixando a convenção ou o contrato
prévio, os direitos e as relações de propriedade entre condóminos das várias edificações. Nada
impede, portanto, que no regime da propriedade horizontal se conjugue o edifício de apartamentos
com a idéia de construções em terreno aberto. O problema residirá na definição precisa das partes
e coisas comuns e sua distinção das de uso exclusivo, o que constitui matéria da “convenção de
condomínio”.
Diversamente da sua propriedade horizontal típica, em que a cada unidade se vinculam apenas a
quota ideal do terreno e partes comuns, aqui existem uma unidade autônoma, uma parte de terreno
edificado, uma parte de terreno reservada como de utilidade exclusiva para jardim ou quintal e
ainda a fração ideal sobre o que constitui o condomínio.
Se nesse conjunto houver edifício de dois ou mais pavimentos, será discriminada a parte de terreno
ocupada pela edificação, aquela que eventualmente for de propriedade exclusiva, correspondente
às unidades do edifício, e ainda a fração ideal da totalidade do terreno e das partes comuns, que
corresponderá a cada unidade.
No entanto, a peculiaridade deste tipo condominial é que, além das partes e coisas comuns
habitualmente componentes, há outras que devem ser discriminadas, com menção da fração ideal
que, nelas, corresponde a cada unidade, e as partes de terreno que poderão ser utilizadas em
comum pelos titulares de direito sobre os vários tipos de unidades autônomas, tais como
playgrounds, salas de reuniões, restaurantes, cinemas, etc.
Discriminar-se-ão, ainda, as áreas que se constituem em passagem comum para as vias públicas ou
para as partes utilizadas entre si ou os caminhos de acesso à praia, à fonte, ao lugar aprazível e
pitoresco etc.

32
PEREIRA. Caio Mário da Silva. Condomínio e Incorporações. 11ª edição. Rio de Janeiro: Forense, 2014.
p. 44.

16
O princípio jurídico dominante é o mesmo do edifício urbano, guardadas as peculiaridades
especiais. Cada titular é o dono da sua unidade e, como se lhe reserva um terreno à utilização
exclusiva, pode cercá-lo ou fechá-lo, observando o tipo de tapume previsto na convenção. Mas
não lhe assiste o direito de dissociar a sua unidade do conjunto condominial nem separá-la da
fração ideal que lhe corresponde nesse conjunto. E muito menos apropriar-se das partes de uso
comum ou embaraçar sua utilização pelos demais.
E tem de sujeitar-se às regras da Convenção de Condomínio, observando as restrições nela
constantes, o regulamento do uso por todos, enfim, obedecendo às normas do direito estatutário,
além do direito comum, porque instituídas em benefício da convivência, que um dos condóminos
não pode egoisticamente perturbar.”

Para essa modalidade de propriedade horizontal, é importante que, no projeto de


construção, já conste discriminadas as áreas individuais e os limites comuns entre os
diferentes tipos de edificação, de forma a evitar futuros conflitos.
Nos super condomínios, a regra é a existência de dupla fração ideal (uma para o
conjunto de edifícios e outra para cada um dos edifícios fracionados) 33 , obrigando o
condómino a participar tanto das despesas do condomínio onde mora, quanto das despesas
do condomínio geral, que engloba os demais blocos, prestigiando o controle da segurança,
estacionamento, manutenção urbanística e outras de uso geral do empreendimento, tais
como clubes privativos34.
Importante frisar, ainda, que, diante das diferentes destinações que cada
subcondomínio pode ter, as peculiaridades de cada um podem tornar inviável a vida em
comunidade. Sendo assim, importante, ao encaminhar o registro da propriedade horizontal,
observar as peculiaridades de cada edificação, criando regras de convívio adequadas à
destinação do empreendimento, principalmente quando no mesmo condomínio existirem
prédios com destinação distinta.
Por óbvio, o regramento específico de cada subcondomínio, atendendo ás
características e função de cada tipo de edificação, caberá à Convenção de
Condomínio.Com caráter normativo entre os condóminos, a convenção de condomínio,
portanto, vai disciplinar os direitos e deveres dos condóminos nos vários subcondomínios,
observadas as características de cada um, em função do tipo de edificação que contêm.
Por fim, cabe destacar que, no direito brasileiro, além de a propriedade horizontal
ser instituída em prédio com estrutura construtiva verticalizada e em casas térreas ou

33
JARDIM, Mónica Vanderleia Alves de Sousa. Propriedade horizontal, conjuntos imobiliários e registro I.
Disponível em:
http://www.fd.uc.pt/cenor/index.php?option=com_content&view=category&layout=blog&id=41&Itemid=53
&limitstart=16. Acesso em 30 de novembro de 12.
34
AGHIARIAN, Hércules. Curso de Direito Imobiliário. 3ª Edição. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2001. p 176
a 178.

17
assobradadas, tem ganhado força, nos últimos anos, uma nova espécie de propriedade
horizontal, formada por lotes representados por frações ideais que compõem um terreno
maior. A doutrina brasileira35 denominou essa modalidade de propriedade horizontal de
“condomínio urbanístico”.
O condomínio urbanístico possui as mesmas características do condomínio
edilício, contudo, as unidades autónomas são representadas por lotes individuais destinados
às futuras edificações. O que diferencia o chamado condomínio urbanístico das demais
espécies de propriedade horizontal é, portanto, a inexistência de edificação para a
configuração das unidades autónomas, que, na nova espécie, será representada por lotes
integrados em um terreno maior.
A justificativa social para o surgimento da nova figura jurídica está relacionada à
falta de segurança pública nas cidades, problema ainda presente na maioria dos grandes
centros urbanos brasileiros. Assim, buscando morar em locais mais seguros, a sociedade
brasileira tem preferido os empreendimentos imobiliários regidos pelo instituto da
propriedade horizontal às formas tradicionais de habitações independentes. Todavia, se, de
um lado, a sociedade anseia por segurança, de outro, quer liberdade para decidir o formato
arquitetónico de sua moradia, já que a característica dos condomínios edilícios tradicionais
é a similaridade entre as edificações que constituem as unidades autónomas (essa situação
é mais evidente nos condomínios de casas).
Nesse contexto, foram editadas, no Brasil, legislações municipais (a partir da
competência outorgada pelo artigo 30, IX da Constituição da República Federativa do
Brasil) no intuito de regrar juridicamente o novo fato social. Com a finalidade de
normatizar, em âmbito nacional, a figura do condomínio urbanístico, tramita no congresso
nacional brasileiro o Projeto de Lei nº 20/2007. Ao buscar a positivação do instituto o
legislador parece agir de forma correta, pois o direito, na sua função de regular o fato
social criado a partir das necessidades dos cidadãos, não pode ser estático, sob pena de
encaminhar os novos fatos sociais a existirem à margem da regularidade.
Pelo exposto, no Brasil, é possível identificar duas espécies de propriedade
horizontal (condomínio por unidades autónomas). Na primeira (condomínio edilício), a
edificação é obrigatória para a instituição da propriedade horizontal, na medida em que as
unidades autónomas serão as próprias edificações (sejam elas representadas por edifícios,
35
SCHMIDT, Francisco Arnaldo. Condomínio Horizontal de Lotes – Novo Direito Imobiliário e Registral –
São Paulo: Quartier Latin, 2008.

18
casas ou conjunto de edificações). A segunda espécie (condomínio urbanístico), por sua
vez, caracteriza-se pela inexistência de edificação para a configuração das unidades
autónomas, que será representada por lotes destinados à edificação que compõem o terreno
maior36.

1.2 Natureza jurídica da propriedade horizontal

Antes de analisar as teorias que buscam explicar a natureza jurídica da


propriedade horizontal, entende-se necessário desassociá-la da figura do condomínio.
Em regra, a propriedade horizontal é constituída para possibilitar a alienação livre
das unidades autónomas, atingindo a plenitude das suas funções com o surgimento do
condomínio. Contudo, entende-se que a instituição do regime da propriedade horizontal
independe da pluralidade de proprietários das diferentes unidades autónomas, pois a
autonomia das unidades está relacionada ao objeto e não ao sujeito37.
Nesse sentido, Nisske Gondo e J. Nascimento Franco38 enfatizam:
A propriedade horizontal é um direito autônomo que se distingue preferencialmente por suas
próprias características e nem sempre resulta de um condomínio, pois o proprietário único de um
edifício pode submetê-lo ao sistema da propriedade horizontal, bem como outorgar a convenção e
o regulamento, surgindo, em lugar de uma só propriedade (o edifício), diversas unidades que
podem ser alienadas ou oneradas isoladamente. Em suma, é a propriedade de unidades privativas
(e não de proprietários) que dá origem à propriedade horizontal.

Verifica-se, portanto, que a constituição da propriedade horizontal é pressuposto


para a existência do condomínio e, quando englobada por este, atinge, conforme dito, a
plenitude de seus efeitos; todavia, a instituição da propriedade horizontal não depende da
existência do condomínio39.

36
Nesse sentido: FRANÇA. R. Limongi. Condomínio. Enciclopédia Saraiva do Direito. São Paulo: Saraiva,
1977. p. 399; FRANÇA. R. Limongi. Condomínio por unidades autônomas. Enciclopédia Saraiva do Direito.
São Paulo: Saraiva, 1977. p. 445.
37
MEZZARI, Mário Pazutti. Condomínio e Incorporações no Registro de Imóveis. 3ª edição. Porto Alegre:
Norton Editor, 2010. p. 29.
38
FRANCO, J. Nascimento; GONDO, Nisske. Condomínio em Edifícios. São Paulo: Revista dos Tribunais,
1998. p. 14.
39
MEZZARI, Mário Pazutti. Condomínio e Incorporações no Registro de Imóveis. 3ª edição. Porto Alegre:
Norton Editor, 2010. p. 29.

19
Dito isso, passa-se à analise da natureza jurídica da propriedade horizontal que,
como será visto, é controvertida e pode variar de acordo com o ordenamento jurídico de
cada país40. As principais correntes encontradas na doutrina são:
I. Pessoa coletiva:
Para Carnelutti, Luzzatto e Carbonnier 41 , a propriedade horizontal seria uma
pessoa coletiva. Contudo, entre nós, o fato de o condomínio não ter personalidade jurídica
e de o edifício não possuir autonomia patrimonial42, tornam a tese defendida pelos citados
autores insustentável. Na mesma linha, também não seria possível entender a propriedade
horizontal como uma espécie de sociedade entre os condóminos, pois lhes falta o chamado
affectio societatis, na medida em que o vínculo jurídico que congrega os proprietários é
real e não pessoal.
Cumpre esclarecer que não se deve confundir a impossibilidade de atribuir
personalidade jurídica à propriedade horizontal com a possibilidade de se reconhecer a
personalidade jurídica do condomínio.
Segundo Eduardo Pacheco Ribeiro de Souza43, embora o Código Civil Brasileiro
não arrole o condomínio dentre os entes com personalidade jurídica, a doutrina e a
jurisprudência vêm se inclinando no sentido de reconhecer ao condomínio edilício
personalidade jurídica.

40
A doutrina portuguesa prevê alguns direitos que não podem ser confundidos com compropriedade.
Exemplos: a) concurso de direitos (quando sobre a coisa incidem dois ou mais direitos reais distintos); b)
condomínio (quando o direito de cada proprietário incide sobre partes comuns do bem, mas, também, a
coisas autónomas (propriedade horizontal); c) comunhão (figura mais ampla aplicada não especificamente a
um bem, mas ao conjunto patrimonial afetado a um fim). LIMA, Pires de. VARELA, Antunes. Código Civil
Anotado. Volume III (artigo 1251.º a 1575.º). 2ª edição, revista e actualizada. Coimbra: Coimbra Editora,
2010. p. 347.
41
Id., Ibid., p. 395.
42
No mesmo sentido, destaca-se o entendimento de Mónica Jardim: “A personalidade colectiva envolve,
portanto, autonomia jurídica e esta implica, no mínimo, autonomia patrimonial. Em suma, tem de haver um
conjunto patrimonial, capaz de suportar os interesses colectivos que a pessoa colectiva representa, destacado
dos patrimónios dos portadores de tais interesses. (...). Em face do exposto e analisando, no seu conjunto, o
regime ou estatuto da propriedade horizontal, facilmente se conclui que no condomínio não encontramos os
traços fundamentais da personificação, uma vez que apesar de ser dotado de uma organização formal −
composta pela assembleia-geral e pelo administrador −, não detém autonomia patrimonial”. JARDIM,
Mónica Vanderleia Alves de Sousa. Propriedade horizontal, conjuntos imobiliários e registro I. Disponível
em:
http://www.fd.uc.pt/cenor/index.php?option=com_content&view=category&layout=blog&id=41&Itemid=53
&limitstart=16. Acesso em 30 de novembro de 12.
43
SOUZA, Eduardo Pacheco Ribeiro de. Condomínio edilício no Brasil – noções e algumas questões
controvertidas. Coimbra: Coimbra editora. 2º Seminário Luso-Brasileiro de Direito Registal. Centro de
Estudos Notariais e Registrais / Instituto de Registro Imobiliário do Brasil, 2009. p. 108.

20
Nesse sentido é o enunciado nº 246, do Conselho da Justiça Federal Brasileira, ao
estabelecer que “deve ser reconhecida personalidade jurídica ao condomínio”.
A própria Lei nº 4.591/64 considera o condomínio como capaz de direitos para a
aquisição e alienação de cota condominial, quando as unidades, ainda em construção,
forem alienadas judicialmente em razão da falta de pagamento das parcelas do contrato de
compra e venda.
Sobre o tema, Silvio de Salvo Venosa44 assim se posiciona:
“O Condomínio de edifícios possui o que denominamos personificação anômala, ou personalidade
restrita, como preferem alguns. Qualificamo-lo como entidade com personificação anômala. (...).
O condomínio atua na vida negocial como qualquer pessoa jurídica, dentro de seu âmbito de
atuação. A realidade não admite outra solução. O condomínio tem, portanto, existência formal
(STJ – 4ª T. RE 9.584-SO, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo, In: Theotônio Negrão, Código de
processo civil e legislação processual em vigor, nota 23 ao artigo 12). Sua personificação mitigada
é inafastável. Sua personalidade jurídica é reconhecida expressamente, por exemplo, na legislação
francesa, cuja doutrina o qualifica como uma criação original do legislador.”

II. Direito real de superfície ou de servidão:


Caio Mário da Silva Pereira 45 , ao tratar da natureza jurídica da propriedade
horizontal, relaciona os autores que tentam defini-la como direito real de superfície ou de
servidão, refutando tais hipóteses nos seguintes termos:
Domenico Simoncelli cuida do antigo direito de superfície, já conhecido e desenvolvido em
Roma, e a seu ver assumiria a propriedade horizontal o caráter de uma verdadeira propriedade
superficiária, como conjunto imobiliário situado sobre o solo, cujo proprietário é pessoa distinta
de quem tem o gozo, e se alinharia entre os iura in re aliena. Outros aí enxergam uma espécie de
servidão, da unidade autónoma sobre o solo, exercida pelo proprietário daquele, ideia que não é
estranha à doutrina de Coviello, para quem o solo é de propriedade do dono do andar inferior e que
mais francamente é defendida por Ferrini, Demolombe, Planiol. Aliás, foi do germe de uma
“servidão de indivisão” e do consequente dever de manterem os proprietários as coisas comuns
afetadas a seu uso que envolveu toda a teoria do regime novo de compropriedade do edifício de
apartamentos. Sem necessidade de mais extensos comentários, é de afastar, e logo, esta
conceituação, à vista da inexistência da dualidade de prédios, servente e dominante, já que é da
essência do novo regime que o dono da unidade autónoma seja simultaneamente condómino do
solo, e já era de direito romano que a superfície pressupõe titular diverso do dominus soli.

III. Compropriedade (artigos 1.403.º e seguintes, do CCP; artigos 1.314 e


seguintes, do CCB):
Para Cunha Gonçalves46, a propriedade horizontal é um caso de compropriedade.
Contudo, as diferenças entre os institutos aparecem já no conceito de ambos.

44
VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil: Direitos Reais. 11ª edição. São Paulo: Atlas, 2011. p. 362.
45
PEREIRA. Caio Mário da Silva. Condomínio e Incorporações. 11ª edição. Rio de Janeiro: Forense, 2014.
p. 55.
46
GONÇALVES, Cunha, apud, LIMA, Pires de. VARELA, Antunes. Código Civil Anotado. Volume III
(artigo 1251.º a 1575.º). 2ª edição, revista e actualizada. Coimbra: Coimbra Editora, 2010. p. 395.

21
A propriedade horizontal caracteriza-se pela existência de partes de uso privativo
(unidades autónomas), nas quais os direitos inerentes à propriedade são exercidos de forma
exclusiva, e partes de uso comum, nas quais os direitos inerentes à propriedade são
exercidos de forma simultânea pelos diversos proprietários das unidades autónomas (isso
após a formação do condomínio, que ocorrerá com a venda das frações autónomas que
integram a propriedade horizontal). Cada unidade autónoma é vinculada às coisas de uso
comum por uma fração ideal do solo, que é calculada, em regra, com base na área privativa
de cada unidade.
Na compropriedade (denominada de condomínio geral pelo legislador brasileiro,
arts. 1314 e seg. do CCB), como consequência do negócio jurídico de aquisição, o direito
de propriedade sobre determinado bem é exercido simultaneamente por mais de uma
pessoa, sem que tal direito incida sobre parte determinada, mas sim sobre fração ideal do
todo.
Existe, portanto, situação de compropriedade sempre que a propriedade seja
atribuída a mais de um titular 47 . Na compropriedade, ou propriedade em comum, os
direitos dos comproprietários, ou consortes, sobre a coisa comum são qualitativamente
iguais, embora possam ser quantitativamente diferentes. Todavia, as quotas presumem-se
iguais se não estiverem expressas no título constitutivo (artigo 1.403.º, do CCP; artigo
1.315, parágrafo único, do CCB).
Assim, enquanto que, na propriedade horizontal, além da compropriedade nas
coisas definidas como de uso comum, existem partes de uso privativo, sendo que as frações
autónomas fazem parte de uma estrutura unitária e as coisas comuns são acessórias em
relação às frações autónomas 48 , na compropriedade essa divisão entre coisas de uso
comum e coisas de uso privativo não existe e todo o imóvel é usado de forma comum por
todos os condóminos (os direitos são qualitativamente iguais)49.

47
Como consequência da pluralidade de proprietários, a administração do bem fica limitada aos interesses da
maioria dos consortes (artigo 1.407.º, do CCP/66; artigo 1.323, do CCB). LEITÃO, Luís Manuel Teles de
Menezes. Direito Reais. 3ª edição. Coimbra: Almedina, 2012. p. 205.
48
LIMA, Pires de. VARELA, Antunes. Código Civil Anotado. Volume III (artigo 1251.º a 1575.º). 2ª edição,
revista e actualizada. Coimbra: Coimbra Editora, 2010. p. 392.
49
No exercício do direito de propriedade (plano dos direitos obrigacionais) são admitidas, contudo, as figuras
denominadas de condomínio pro diviso (não dividido de fato, portanto, de acordo com o conceito de
compropriedade) e condomínio pro indiviso (dividido de fato, com a localização no solo da parcela de cada
comproprietário). MESQUITA, Manuel Henrique. A propriedade horizontal no Código Civil Português.
Revista de direito e de estudos sociais, ano XXIII, jan.-dez., Coimbra, 1978. p. 72.

22
Além de conceitos distintos, a propriedade horizontal e a compropriedade
possuem as seguintes diferenças:
a) enquanto a compropriedade surge em decorrência de um negócio jurídico de
transmissão50 (artigo 1.403.º, do CCP), a propriedade horizontal necessita de instrumento
específico para a sua constituição (artigo 1.417.º, do CCP; artigo 1.332, do CCB)51.
b) para alienar parte especificada do bem, o comproprietário precisa da anuência
dos demais consortes (artigo 1.408.º, do CCP). De outra banda, o direito de alienação da
fração autónoma por parte do proprietário, no regime da propriedade horizontal, é livre
(artigo 1.414.º, CCP; artigo 1.335, CCB).
c) na compropriedade existe direito de preferência entre os consortes no caso de
alienação onerosa da quota (artigo 1.409.º e 1.410.º, do CCP; artigo 504, do CCB),
enquanto na propriedade horizontal os condóminos não gozam do direito de preferência em
caso de alienação da fracção (artigo 1.423.º, do CCP; artigo 1.335, do CCB), pois, quanto à
fração, existe propriedade exclusiva.
d) na compropriedade, conforme estabelece o artigo 1.412.º, do CCP (artigo
1.320, do CCB), qualquer condómino pode exigir a divisão da coisa. Prevalece aqui o
princípio de que os comproprietários não são obrigados a permanecer com a coisa indivisa
ad eternum. Na propriedade horizontal, em contrapartida, os condóminos não gozam do
direito de pedir a divisão das partes comuns (artigo 1.423.º, do CCP; artigo 1.331, §2º, do
CCB).
Caio Mario da Silva Pereira 52 , ao criticar o enquadramento da propriedade
horizontal como compropriedade, refuta a teoria defendida por Cunha Gonçalves nos
seguintes termos:
A originalidade da corrente a que Cunha Gonçalves pertence, e que tem ainda como defensores
Valverde Y Valverde, está em negar a existência de uma propriedade exclusiva, mesmo em
conjunção com a compropriedade. O argumento forte, em que assentam o parecer, está nas
limitações aos direitos do proprietário, que não pode dissociar o seu apartamento ou andar da
compropriedade indivisível do conjunto, nem ao menos transformar a sua parte sem o
consentimento expresso dos vizinhos e dos condóminos. Ao nosso ver, porém, a limitação imposta
ao direito do proprietário do apartamento é um argumento a favor de uma propriedade exclusiva
aliada ao condomínio, pois não se haveria de limitar o exercício de um direito no seu titular se este
direito se perdesse dentro da noção, já de per si restritiva, da compropriedade. Demais disso, a
propriedade exclusiva, em coisa de assenhoreamento individual típico, sofre hoje, como tem

50
LEITÃO, Luís Manuel Teles de Menezes. Direito Reais. 3ª edição. Coimbra: Almedina, 2012. p. 206.
51
ASCENSÃO, Maria Teresa Pereira de Castro e ASCENSÃO, José de Oliveira. Condomínio (Instituição,
incorporação e convenção). Enciclopédia Saraiva do Direito. São Paulo: Saraiva, 1977. p. 405.
52
PEREIRA. Caio Mário da Silva. Condomínio e Incorporações. 11ª edição. Rio de Janeiro: Forense, 2014.
p. 63.

23
sofrido nos milénios de sua evolução na civilização ocidental, um tão grande número de restrições
que o fato é de si inábil a autorizar o seu desfiguramento como direito dominial individual, quando
tais cortes se fazem a benefício de um condomínio que se lhe associa.

IV. Propriedade especial:


Segundo Oliveira Ascensão53:
“O escopo da propriedade horizontal não é criar uma situação de comunhão: é permitir
propriedades separadas, embora em prédios colectivos. Sendo assim, há nuclearmente uma
propriedade, mas esta é especializada pelo facto de recair sobre parte da coisa e de envolver
acessoriamente uma comunhão sobre outras partes do prédio. Estas especialidades levam a que a
lei tenha tido a necessidade de recortar um regime diferenciado. Isto é típico justamente das
propriedades especiais, de que a propriedade horizontal nos oferece como exemplo.” (grifo
nosso)

O Código Civil Brasileiro, ao tratar da matéria, parece alinhar-se ao entendimento


de Oliveira Ascensão, ou seja, de que a propriedade horizontal é um tipo especial de
propriedade54. O fato de o legislador brasileiro não ter arrolado a propriedade horizontal
entre as espécies de direito real, previstas expressamente no artigo 1.225, do CCB, e ter
denominado o instituto de condomínio edilício, inserindo-o dentro do título que trata do
direito de propriedade, confirmam, de início, essa constatação55.
Nesse sentido, Mário Mezzari, afirma que:
“A instituição do regime de condomínio edilício não constitui direitos reais. Os direitos reais pré-
existentes (propriedade, nua-propriedade, usufruto, enfiteuse, hipoteca, etc.) continuam válidos e
eficazes. Devem, apenas, ser transportados para as novas matrículas que serão abertas em razão do
parcelamento da propriedade original em unidades autônomas. Quem era proprietário continua
proprietário. Quem era promitente comprador continua assim. E a ninguém se constitui direito real
pelo simples fato de instituir em condomínio.
O que se constitui é um regime de propriedade diferenciado. O imóvel fica afetado ao regime do
condomínio edilício, com suas regras diferenciadas, mas o direito em si permanece inalterado.”

Contudo, a propriedade horizontal não foi criada pelo legislador brasileiro, que,
para regulamentar o instituto, buscou inspiração nas legislações já existentes sobre a
matéria, inclusive no Código Civil Português. Assim, rogando vénia ao citado autor,
entende-se que, ao legislar sobre a propriedade horizontal, o parlamentar brasileiro deve
respeitar as características próprias do instituto, que, como será demonstrado a seguir,
indicam que a propriedade horizontal é espécie autónoma de direito real.

53
ASCENSÃO, José Oliveira. Direitos reais. 5ª edição. Coimbra: Coimbra editora, 2000. p. 464.
54
ASCENSÃO, Maria Teresa Pereira de Castro e ASCENSÃO, José de Oliveira. Condomínio (Instituição,
incorporação e convenção). Enciclopédia Saraiva do Direito. São Paulo: Saraiva, 1977. p. 407.
55
ASCENSÃO, José Oliveira. Direitos reais. 5ª edição. Coimbra: Coimbra editora, 2000. p. 464.

24
V.Direito real autónomo:
Defensores dessa corrente, Pires de Lima e Antunes Varela56 afirmam que:
“Analisando o instituto nada encontramos nele que não possa enquadrar-se no conceito dos
direitos reais preexistentes com base no qual se formou, mas o estatuto desses direitos sofre, na
propriedade horizontal, as adaptações impostas pelo conflito de interesses entre as partes comuns e
privativas. As limitações específicas do instituto da propriedade (no caso das áreas privativas) e da
compropriedade (no caso das áreas comuns), remetem ao surgimento de um direito real
autônomo.” (grifo nosso)

Verifica-se, portanto, que, para os defensores dessa última corrente, as limitações


impostas ao exercício do direito de propriedade, nomeadamente, os direitos de uso (que
deve respeitar o fim a que a fração se destina), de fruição (a obtenção dos frutos também
fica limitada à destinação da unidade autónoma), de transformação (em razão da limitação
das obras novas)57, não apenas criam um tipo especial de propriedade, como defendido por
Oliveira Ascensão, mas remetem a propriedade horizontal a uma espécie autónoma de
direito real.
Partidário da tese que defende a propriedade horizontal como direito real
autónomo, Menezes Leitão58 afirma:
A propriedade horizontal constitui um novo direito real, regulado nos artigos 1414.º e ss., que faz
coexistir sobre o mesmo edifício dois tipos de faculdades distintas dos condóminos: as faculdades
correspondentes à propriedade exclusiva sobre uma fracção autónoma do prédio e as faculdades
correspondentes à compropriedade sobre as partes comuns do edifício. (grifo nosso)

Ainda segundo Menezes Leitão, alinham-se a esse entendimento:


Manuel Henrique Mesquita, Carvalho Fernandes, José Alberto Gonzalez e Sandra Passinhas. Para
estes autores, a propriedade horizontal constitui um novo modelo de direito real de gozo que,
embora mantenha similitude com a propriedade singular e a compropriedade, traduz uma síntese
que se espelha num regime jurídico específico, com particularidades que não encontram
justificação em nenhuma daquelas figuras, sendo, portanto, um direito real de gozo típico.

Entende-se importante destacar, também, que definir a propriedade horizontal


como direito real autónomo não contraria o princípio da tipicidade dos direitos reais
(numerus clausus), previsto no artigo 1.306.º, do CCP (artigo 1.225, do CCB). Isso porque
as restrições geradas ao direito de propriedade pela propriedade horizontal, mesmo as

56
LIMA, Pires de. VARELA, Antunes. Código Civil Anotado. Volume III (artigo 1251.º a 1575.º). 2ª edição,
revista e actualizada. Coimbra: Coimbra Editora, 2010. p. 397.
57
Menezes Leitão destaca, ainda, que a propriedade horizontal impõe várias novas obrigações (negativas e
positivas) aos condóminos como, por exemplo, encargos de conservação, uso e fruição das partes comuns,
pagamento de serviços de interesse comum, seguro do condomínio e encargos com inovações. LEITÃO, Luís
Manuel Teles de Menezes. Direitos Reais. 3ª edição. Coimbra: Almedina, 2012. p. 303. Nesse sentido
também, MESQUITA, Manuel Henrique. A propriedade horizontal no Código Civil Português. Revista de
direito e de estudos sociais, ano XXIII, jan.-dez., Coimbra, 1978. p. 75.
58
LEITÃO, Luís Manuel Teles de Menezes. Direitos Reais. 3ª edição. Coimbra: Almedina, 2012. p. 289.

25
criadas pela vontade das partes, derivam do estrito limite legal (artigos 1.414.º e seguintes,
do CCP)59.
Sobre o princípio da tipicidade, Menezes Leitão60 afirma que:
“Esse princípio proíbe que as partes, em nome da autonomia da vontade, criem direitos que
restrinjam o direito de propriedade. E se forem celebrados contratos com essa característica, aos
mesmos não será atribuída eficácia real, e sim meramente obrigacional. Nada impede, contudo,
que as partes criem direitos reais reconhecidos pela lei através de contratos atípicos. (...).
A tipicidade não implica igualmente que o intérprete tenha que seguir as qualificações legais,
apenas reconhecendo caráter real aos direitos que a lei considere expressamente como direitos
reais. Efetivamente, a tipicidade restringe a exigência legal de criação desses direitos, não
abrangendo a respectiva qualificação, que não vincula o interprete. Pode, por isso, o interprete
qualificar como reais direitos que a lei não reconhece expressamente como tais, como sucede com
a propriedade horizontal, que a lei qualifica como propriedade.” (grifo nosso)

No direito brasileiro, definir o instituto da propriedade horizontal como direito


real autónomo é tarefa complicada 61 . Isso porque a interpretação literal dos diplomas
legais que tratam da matéria (Lei nº 4.591/64 e os artigos 1.331 e seguintes do CCB) leva à
conclusão de que, para o direito brasileiro, a propriedade horizontal tem natureza jurídica
de condomínio 62 . As nomenclaturas usadas nas citadas legislações (condomínio em
edificações, condomínio edilício ou condomínio urbanístico) remetem a essa ideia.
Ao tratar da natureza jurídica da propriedade horizontal, Caio Mário da Silva
Pereira relacionou o posicionamento de diversos autores sobre o tema. Ao refutar as
tentativas de enquadramento da propriedade horizontal nos institutos jurídicos já existentes
(nova pessoa jurídica, universalidade de bens, superfície, servidão, compropriedade), o
autor concluiu que:
“Ao expormos as doutrinas inventadas pelos especialistas da matéria, vimos que não colocaram as
tentativas de explicar o fenômeno jurídico da propriedade em edifícios divididos por planos
horizontais com a mobilização pura e simples dos velhos conceitos.
(...).
Tenhamos a coragem de sacar a máscara, e digamos que há nela um conceito dominial novo.

59
LIMA, Pires de. VARELA, Antunes. Código Civil Anotado. Volume III (artigo 1251.º a 1575.º). 2ª edição,
revista e actualizada. Coimbra: Coimbra Editora, 2010. p. 398.
60
LEITÃO, Luís Manuel Teles de Menezes. Direitos Reais. 3ª edição. Coimbra: Almedina, 2012. p. 23 e 24.
61
Caio Mario da Silva Pereira, ao tratar do tema no direito brasileiro, afirma que “até hoje os doutrinadores
não conseguiram fixar a natureza jurídica da propriedade horizontal. Não logram uma zona de pacificidade
onde situá-la, pois tantas são as formulas empregadas que em verdade é como se não existisse nenhuma. Por
seu turno, as leis especiais e as disposições dos códigos espelham concepções diferentes. E tudo arma um
círculo vicioso difícil de vencer: porque inexiste uma dogmática segura, os legisladores perdem-se em mal
dirigido casuísmo, que lhes interdiz adotar orientação uniforme e a fixação de uma doutrina legal segura;
porque as leis são desobedientes a um critério harmônico, os doutrinadores perdem-se em esquematizações
teóricas subordinadas a um positivismo árido e deixam escapar as oportunidades de estabelecer um pré-
ordenamento abstrato.” PEREIRA. Caio Mário da Silva. Condomínio e Incorporações. 11ª edição. Rio de
Janeiro: Forense, 2014. p. 51.
62
ASCENSÃO, Maria Teresa Pereira de Castro e ASCENSÃO, José de Oliveira. Condomínio (Instituição,
incorporação e convenção). Enciclopédia Saraiva do Direito. São Paulo: Saraiva, 1977. p. 407.

26
(...).
A propriedade horizontal é, portanto, um direito que se configura com as suas linhas estruturais
definidas, próprias, características, peculiares, na aglutinação do domínio e do condomínio; da
propriedade individual e da propriedade comum, formando um todo indivisível, inseparável e
unitário. Os direitos do comunheiro sobre a sua unidade autônoma e sobre as partes comuns
consideram-se então indivisíveis, não podendo ser cedidos separadamente.
Somente esta simbiose orgânica dos dois conceitos, na criação de um direito complexo, é que
oferece justificativa precisa aos direitos e aos deveres dos condóminos. Não é apenas uma
propriedade mista, em que o domínio exclusivo vive ao lado do condomínio. Não é uma
justaposição de direitos e de conceitos. É uma fusão de direitos e uma criação de conceitos
distintos.”

Entende-se que a tentativa do autor em definir a propriedade horizontal como um


direito novo (direito complexo63, na medida em que compreende a propriedade das áreas
privativas e o condomínio das áreas comuns), com conceito distinto dos já existentes, é o
caminho correto a seguir. Em que pese tenha identificado de forma precisa o instituto da
propriedade horizontal, faltou a Caio Mário, na caracterização da natureza jurídica do
instituto, enquadrá-lo como direito real autónomo.
Na estrutura jurídica da propriedade horizontal, prevista nas leis que a
disciplinam, existe nítida e distinta duplicidade de direitos reais 64 . A combinação da
propriedade individual e da propriedade comum, formando um todo indivisível,
inseparável e unitário formam um direito real novo, que, em que pese não seja
expressamente previsto como direito real pelo legislador, é regulado de forma especial pela
legislação65.

63
FRANÇA. R. Limongi. Condomínio por unidades autônomas. Enciclopédia Saraiva do Direito. São Paulo:
Saraiva, 1977. p. 447.
64
Art. 1.331, do CCB. Pode haver, em edificações, partes que são propriedade exclusiva, e partes que são
propriedade comum dos condóminos. § 1o As partes suscetíveis de utilização independente, tais como
apartamentos, escritórios, salas, lojas e sobrelojas, com as respectivas frações ideais no solo e nas outras
partes comuns, sujeitam-se a propriedade exclusiva, podendo ser alienadas e gravadas livremente por seus
proprietários, exceto os abrigos para veículos, que não poderão ser alienados ou alugados a pessoas estranhas
ao condomínio, salvo autorização expressa na convenção de condomínio. § 2o O solo, a estrutura do prédio, o
telhado, a rede geral de distribuição de água, esgoto, gás e eletricidade, a calefação e refrigeração centrais, e
as demais partes comuns, inclusive o acesso ao logradouro público, são utilizados em comum pelos
condóminos, não podendo ser alienados separadamente, ou divididos. § 3o A cada unidade imobiliária caberá,
como parte inseparável, uma fração ideal no solo e nas outras partes comuns, que será identificada em forma
decimal ou ordinária no instrumento de instituição do condomínio. § 4o Nenhuma unidade imobiliária pode
ser privada do acesso ao logradouro público. § 5o O terraço de cobertura é parte comum, salvo disposição
contrária da escritura de constituição do condomínio.
Art. 1º, da Lei 4.591/64. As edificações ou conjuntos de edificações, de um ou mais pavimentos, construídos
sob a forma de unidades isoladas entre si, destinadas a fins residenciais ou não-residenciais, poderão ser
alienados, no todo ou em parte, objetivamente considerados, e constituirá, cada unidade, propriedade
autônoma sujeita às limitações desta Lei. § 1º Cada unidade será assinalada por designação especial,
numérica ou alfabética, para efeitos de identificação e discriminação. § 2º A cada unidade caberá, como parte
inseparável, uma fração ideal do terreno e coisas comuns, expressa sob forma decimal ou ordinária.
65
VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil: Direitos Reais. 11ª edição. São Paulo: Atlas, 2011. p. 361.

27
A definição da propriedade horizontal como direito real é defendida na doutrina
portuguesa. Conforme leciona Menezes Leitão 66 , mesmo que a lei não qualifique
expressamente determinados direitos com direito real, cabe ao interprete qualificar como
direito real o que a lei caracteriza como tal, como sucede com a propriedade horizontal.
Nesse sentido, o legislador, ao impor limitações legais à propriedade horizontal,
especialmente quanto aos direitos de dispor, usar, fruir e transformar, inerentes à
propriedade, em que pese não diga expressamente, está caracterizando um direito real
autónomo.
Assim como em Portugal, entender a propriedade horizontal com espécie de
direito real não fere os princípios da tipicidade e da taxatividade que disciplinam o direito
das coisas no sistema jurídico brasileiro. Sobre os princípios da tipicidade estrita e da
taxatividade (numerus clausus), cabe destacar a lição de Luciano de Camargo Penteado67:
“Dizer que direitos reais são numerus clausus significa afirmar que apenas e tão somente são
direitos reais aqueles desenhados segundo este regime em lei. (...). No Brasil, em matéria de rol
taxativo, há um rol bastante minucioso no CC 1.225, embora não esgote todos os direitos reais que
nosso sistema civil admite. Há outros direitos reais em leis especiais, mas que não fogem nem
podem fugir do sistema comum criado pelo Código, que dá o regime geral do direito real.
(...).
Além do princípio de numerus clausus, está o de tipicidade estrita. Alguns autores confundem as
duas noções, outros acabam mesmo por equipará-las diante da semelhança que apresentam. Há,
entretanto, diferenças em números suficientes para que se possa mesmo extrair duas características
distintas dos direitos reais.
A tipicidade estrita é uma exigência adicional à do numerus clausus. Pode existir sistema de
numerus clausus sem tipicidade estrita. Esta diz da impossibilidade de alterar as situações reais,
parcialmente, mediante modelação negocial. Um particular não pode criar direito real por negócio
jurídico em virtude do princípio de numerus clausus, mas não pode modificar elementos
constitutivos de um determinado direito real, afastando a incidência da norma que o disciplina, em
virtude do princípio de tipicidade estrita.
(...).
Inexiste, no plano do direito das coisas, quanto à constituição da situação jurídica e quanto às
normas que a regulam, direito dispositivo.”

Pelo exposto, tanto em Portugal, quanto no Brasil, mesmo sem lei expressa, que
defina a propriedade horizontal como espécie de direito real, a caracterização legal do
instituto permite tal enquadramento, na medida em que, com a constituição da propriedade
horizontal, a relação do proprietário com a coisa (agora unidade autónoma), será diferente
da relação pré-existente entre o sujeito e o objeto (terreno com edificação).

66
LEITÃO, Luís Manuel Teles de Menezes. Direitos Reais. 3ª edição. Coimbra: Almedina, 2012. p. 289.
67
PENTEADO, Luciano de Camargo. Direitos das coisas. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p. 94.

28
1.3 O negócio jurídico de constituição da propriedade horizontal

1.3.1 Natureza jurídica

Entende-se que a análise científica do negócio jurídico de constituição da


propriedade horizontal deve começar pela definição da sua natureza jurídica. E, nesse
ponto, a discussão centra-se em definir se a constituição da propriedade horizontal decorre
da celebração de um contrato ou se o instrumento que dá origem ao referido instituto
jurídico pertence a uma categoria mais abrangente.
Contrato é a veste jurídico formal de operações económicas 68 e possui como
característica a bilateralidade 69 (celebrado por duas ou mais partes 70 com interesses
contrapostos)71. Fala-se aqui do conceito de contrato previsto de forma sistematizada a
partir do Código de Napoleão (1.804), que incorporou os ideais liberais e jusnaturalistas da
revolução francesa e representou uma nova realidade sócio-económica72, na qual imperava
o princípio da autonomia da vontade das partes a fim de facilitar a circulação de riquezas.
Ao analisar a natureza jurídica da propriedade horizontal (criação de um direito
real autónomo) com base no conceito de contrato acima referido, verifica-se que, em
princípio, a sua constituição, por não gerar circulação de riqueza, não pode ser considerada
uma “operação económica”. Além disso, no negócio jurídico de constituição da
propriedade horizontal, por não estarem presentes interesses contrapostos (proposta e a

68
O conceito de operação económica é aqui empregado como forma de circulação de riquezas. Riqueza, por
sua vez, é qualquer coisa com valor económico. O contrato, por óbvio, não é a única forma de circular
riqueza (sucessão causa mortis é exemplo de circulação de riqueza não advinda de um contrato).
69
Segundo Pontes de Miranda, “todos os contratos são negócios jurídicos bilaterais. Porque, aí, a
bilateralidade diz respeito à composição subjetiva do suporte fático, ao nascimento do negócio jurídico, com
as duas manifestações de vontade concordes (plano da existência). Poderia ser, em vez disso, plurilateral.
Quanto à eficácia, é que os negócios jurídicos (bilaterais ou plurilaterais) podem ser unilaterais, bilaterais, ou
plurilaterais (plano da eficácia). Então, contratos bilaterais são negócios jurídicos, pelo menos bilaterais, de
eficácia bilateral. Contrato bilateral é aquele de que se irradia eficácia bilateral (deveres, obrigações, ações,
de ambos os lados). Bilateral, aí, é, portanto, bilateralmente criador de direitos, deveres, pretensões,
obrigações, ações e exceções”. MIRANDA, Pontes de. Tratado de Direito Privado – Parte Geral. Tomo III. 2ª
edição. Campinas: Bookseller, 2001. p. 245.
70
Na definição tradicional, entende-se por parte não uma pessoa, mas antes o titular de um interesse, o que
poderia implicar que duas ou mais pessoas constituíssem uma única parte, quando tivessem interesses
comuns. Daí a exigência de uma contraposição de interesses, na autoria das declarações negociais,
contraposição essa que seria resolvida precisamente na estipulação contratual. LEITÃO, Luís Manuel Teles
de Menezes. Direito das Obrigações. 9ª edição. Coimbra: Almedina, 2010. p. 191.
71
ROPPO, Enzo. O contrato. Coimbra: Almedina, 1988.
72
Id., Ibid., p. 42.

29
aceitação), necessários à formação do “consenso contratual”, não se identifica, também, a
chamada “bilateralidade”.
Diante disso, entende-se que o instrumento de constituição da propriedade
horizontal está mais próximo de um voluntário regulamento de relações patrimoniais que
se torna vinculativo, criando obrigações e direitos entre os diversos sujeitos. Nessa
hipótese, o regulamento se torna juridicamente vinculante por efeito de manifestação de
vontade de uma só parte (ainda que com pluralidade de sujeitos, mas sempre com unidade
na manifestação de vontade73), dando vida a um negócio unilateral74.
O negócio jurídico unilateral não é, por falta de requisitos objetivos, uma espécie
de contrato, estando inserido dentro de um conceito mais amplo de relação negocial, que
tem origem no Código Civil Alemão. A evolução da teoria dos contratos, a partir do
Bürgerliches Gesetzbuch, de 1.896, fez surgir uma nova sistematização jurídica dos atos de
circulação de riqueza.
No BGB, a partir da elaboração da categoria de negócio jurídico (Rechtsgeschäft),
realizada pela escola da Pandectística na base de uma nova utilização modernizada dos
textos do direito romano justinianeu, o processo de generalização e abstração é levado ao
extremo criando, assim, um conceito capaz de englobar em si uma série de fenómenos
reais muito mais ampla do que a expressa pelo conceito de contrato.A partir dessa nova
sistematização, o contrato é entendido como uma subespécie de negócio jurídico (figura
que abarcaria, portanto, tanto as manifestações de vontade bilaterais quanto as
unilaterais)75.
Menezes Leitão76 diferencia negócio unilateral e contrato nos seguintes termos:
“No negócio unilateral, há apenas uma declaração negocial, da qual resultam todos os efeitos
jurídicos estipulados, independentemente de ter apenas um único autor ou vários. No contrato, a
emissão de apenas uma das declarações negociais não se apresenta como suficiente para produção
dos efeitos jurídico estipulados, uma vez que a lei o faz depender da emissão de uma segunda
declaração negocial contraposta, mas integralmente concordante com a primeira (artigo 232.º, do
CCP/66). O contrato assume-se assim como o resultado de duas ou mais declarações negociais
contrapostas, mas integralmente concordantes entre si, de onde resulta uma unitária estipulação de
efeitos jurídicos. Consequentemente, os contratos pressupõem sempre uma proposta e a sua
aceitação, das quais deve resultar o mutuo consenso sobre todas as cláusulas sobre as quais uma
das partes julgue necessário o acordo.”

73
MIRANDA, Pontes de. Tratado de Direito Privado – Parte Geral. Tomo III. 2ª edição. Campinas:
Bookseller, 2001. p. 243.
74
A razão da diferença entre negócio jurídico unilateral e contrato (negócio jurídico bilateral) reside, pois, no
fato de que ninguém pode ser exposto a sacrifícios económicos por efeito de vontade alheia, mas só por
efeito da sua própria vontade. ROPPO, Enzo. O contrato. Coimbra: Almedina, 1988. p. 74 e 75.
75
Id., Ibid., p. 47.
76
LEITÃO, Luís Manuel Teles de Menezes. Direitos Reais. 3ª edição. Coimbra: Almedina, 2012. p. 295.

30
Nesse contexto, entende-se que o instrumento de constituição da propriedade
horizontal não tem natureza de contrato, mas, dentro da teoria do negócio jurídico, seria
possível classificá-lo como negócio jurídico unilateral. E é negócio jurídico unilateral, e
não ato jurídico stricto sensu77, porque, ao instituir a propriedade horizontal, o proprietário,
a partir dos limites previstos na lei, controla as consequências do instituto (e.g. ao atribuir
as unidades entre os proprietários ou ao definir a forma de utilização das coisas comuns,
etc.), ao passo que nos atos jurídicos as consequências do instituto ficam limitadas ao
primado da lei. Dito de outra forma, enquanto que no negócio jurídico o sujeito quer
produzir a consequência prevista na norma, no ato jurídico os efeitos decorrem da
aplicação da lei ao fato, independentemente da intenção dos sujeitos envolvidos.
Tal entendimento é evidente quando os proprietários não atribuírem entre si as
frações autónomas de modo que a compropriedade, antes existente sobre o terreno,
permaneça sobre as novas unidades criadas. Contudo, quando o instrumento de
constituição da propriedade horizontal operar a divisão amigável da coisa entre os diversos
proprietários (1.413.º, do CCP; artigo 1.321, do CCB), Menezes Leitão afirma que se
estaria, sim, diante de um contrato78.
É que, naquela hipótese, na modalidade unilateral de constituição da propriedade
horizontal, os consortes, ao criarem as novas propriedades, permanecem comproprietários
das frações autónomas, não sendo possível, portanto, falar em circulação de riqueza e
interesses contrapostos. Por outro lado, quando, através do instrumento de constituição da
propriedade horizontal, há divisão da coisa comum com a atribuição de frações autónomas
entre os proprietários, os elementos caracterizadores da relação contratual (operação
económica e bilateralidade) estarão presentes e, sendo assim, estar-se-ia diante de um
contrato. Evidente, na segunda hipótese, a existência de relação jurídica entre as partes.
Cabe destacar, ainda, que a autonomia da vontade no contrato de constituição da
propriedade horizontal é livre, no que diz respeito à atribuição das frações autónomas entre
os proprietários, e limitada pela lei, no que se refere à criação da propriedade horizontal
enquanto direito real autónomo (conforme desenvolvido no item 1.2).

77
Pontes de Miranda classifica os fatos jurídicos lícitos em: a) fatos jurídicos stricto sensu; b) atos-fatos
jurídicos; c) atos jurídicos stricto sensu; d) negócios jurídicos (dividido em negócio unilateral e contrato).
MIRANDA, Pontes de. Tratado de Direito Privado – Parte Geral. Tomo II. 2ª edição. Campinas: Bookseller,
2001. p. 222.
78
LEITÃO, Luís Manuel Teles de Menezes. Direitos Reais. 3ª edição. Coimbra: Almedina, 2012. p. 295.

31
Como última questão a ser tratada no âmbito da natureza jurídica do instrumento
de constituição da propriedade horizontal, destaca-se o entendimento de Pires de Lima e
Antunes Varela 79 no sentido de que a declaração unilateral do proprietário do edifício,
embora qualificada pela lei como título constitutivo, não pode originar, só por si, uma
situação plena e acabada de propriedade horizontal. Isso porque, segundo os referidos
autores, essa figura pressupõe pluralidade de proprietários, sendo, portanto, pressuposto da
constituição da propriedade horizontal a existência de mais de um dono.
Pires de Lima e Antunes Varela80 afirmam, ainda, que:
“O título constitutivo tem eficácia imediata: por força da declaração negocial do proprietário, cada
uma dessas fracções passa a constituir um objecto de direitos – uma coisa em sentido jurídico –
com todas as consequências daí resultantes. Quanto a tudo o mais que de uma situação de
propriedade horizontal decorre – sujeição de determinadas partes do edifício ao regime da
compropriedade, eleição do administrador destas partes comuns, limitações relativas ao uso das
fracções autónomas,etc. – a eficácia do título fica dependente da alienação de, pelos menos, uma
das fracções autónomas, pois só nessa altura surgirá pluralidade e condóminos. Assim, nesses
casos estaríamos diante de um negócio jurídico com eficácia suspensiva, um negócio sujeito a
condição suspensiva da alienação de alguma das fracções autónomas do edifício”81.

Rogando vénia aos mencionados autores, a teoria apresentada não parece estar
correta. Isso porque, entende-se, conforme defendido no item 1.2, que a propriedade
horizontal e o condomínio devem ser tratados como institutos distintos.
O negócio jurídico de constituição da propriedade horizontal não envolve a
alienação de qualquer fração do imóvel, gerando, apenas, a modificação do estatuto de
natureza real que a este se encontra sujeito. Além disso, o proprietário poderá jamais
vender as unidades, utilizando-as apenas como investimento (arrendando-as, e.g.), e os
efeitos da relação condominial (com a pluralidade de moradores/arrendatários) seriam
alcançados, mesmo sem existir pluralidade de proprietários.
Nesse contexto, a condição suspensiva não seria alcançada apenas com a venda de
uma das unidades e o surgimento do condomínio, mas, também, com a celebração de
qualquer negócio jurídico envolvendo o imóvel capaz de criar no prédio uma pluralidade
de moradores (exemplo: usufruto, uso, habitação, comodato, arrendamento, etc.).
Pelo exposto, parece, de fato, mais adequado entender que a propriedade
horizontal, como direito real autónomo, é um instituto jurídico, e o condomínio, que
79
LIMA, Pires de. VARELA, Antunes. Código Civil Anotado. Volume III (artigo 1251.º a 1575.º). 2ª edição,
revista e actualizada. Coimbra: Coimbra Editora, 2010. p. 405.
80
Id., Ibid., p. 407.
81
No mesmo sentido, MESQUITA, Manuel Henrique. A propriedade horizontal no Código Civil Português.
Revista de direito e de estudos sociais, ano XXIII, jan.-dez., Coimbra, 1978. p. 21. E, também, LEITÃO,
Luís Manuel Teles de Menezes. Direitos Reais. 3ª ed. Coimbra:Almedina,2012. p. 295.

32
designa pura e simplesmente a pluralidade de proprietário sobre um mesmo bem, trata-se
de outro instituto que poderá, ou não, incidir sobre a propriedade horizontal.
No ordenamento jurídico brasileiro, no que toca a natureza jurídica do documento
de instituição do condomínio edilício, a teoria geral dos contratos permite a aplicação do
entendimento de Menezes Leitão, ou seja, quando não se estiver extinguindo o condomínio
comum em razão da atribuição das unidades autónomas entre os proprietários, sendo
mantida, portanto, a co-propriedade pré-existente, a natureza do documento é de negócio
jurídico unilateral.
No caso contrário – quando, ato contínuo à instituição do condomínio edilício,
ocorrer a extinção do condomínio comum com a consequente atribuição das unidades
autónomas entre os condóminos, gerando, assim, a modificação do direito real de
propriedade – o instrumento de constituição terá natureza jurídica de contrato.

1.3.2 Forma e momento da celebração

Nos ordenamentos jurídicos, português e brasileiro, a validade da declaração


negocial não depende da observância de forma especial, salvo quando a lei expressamente
exigir (artigo 219.º, do CCP e artigo 107, do CCB). A exceção legal mais comum é a
exigência de forma escrita que, por exemplo, é obrigatória para a constituição de direitos
reais82.
Contudo, além de exigir forma escrita, a lei, por vezes, é ainda mais rigorosa
impondo, para a validade da declaração de vontade (artigos 220.º, do CCP, e 166, IV, do
CCB), que o documento seja celebrado por instrumento público, lavrado por notário.
Segundo Pontes de Miranda 83 , a escritura pública (instrumento público stricto
sensu) é o que é feito pelo oficial público, de acordo com as regras jurídicas de
competência e de pressupostos formais, para efeitos de existência, validade e eficácia dos
atos jurídicos.

82
A respeito da exigência de forma escrita para a constituição de direitos reais sobre bens imóveis existente
em alguns sistemas jurídicos, Enzo Roppo afirma: “Quanto aos contratos sobre imóveis, a necessidade de um
ato escrito relaciona-se estreitamente com a exigência da sua transcrição nos registros imobiliários (por sua
vez destinada à tutela dos terceiros, que, precisamente através de tal sistema de publicidade são garantidos
com o risco de adquirir um imóvel sem saber que o mesmo foi vendido a outrem, ou que sobre ele recaia uma
hipoteca)”. ROPPO, Enzo. O contrato. Coimbra: Almedina, 1988. p. 101.
83
MIRANDA, Pontes de. Tratado de Direito Privado – Parte Geral. Tomo III. 2ª edição. Campinas:
Bookseller, 2001. p. 398.

33
São funções da forma pública84: a) fiscalização do recolhimento de tributos85; b)
proteger as partes de decisões precipitadas; c) tornar incontroversa a conclusão e o
conteúdo do contrato, uma vez que o notário tem o dever de explicar o conteúdo do mesmo
aos signatários, fazendo-os entender o que está sendo firmado 86 ; d) tornar público
(cognoscíveis pelos terceiros) o conteúdo dos contratos.
Pelo exposto, verifica-se que a forma pública deve seguir regras jurídicas de
competência e de pressupostos formais, visando proteger o negócio, as partes celebrantes e
os terceiros interessados. Nesse sentido, por entender que, em certos casos, o bem objeto
da relação negocial é merecedor de tutela especial, o legislador exige que o negócio
jurídico seja celebrado por escritura pública.
Em Portugal, conforme estabelece o artigo 80.º, nº 1 do Código do Notariado,
“celebram-se, em geral, por escritura pública, os actos que importem reconhecimento,
constituição, aquisição, modificação, divisão ou extinção dos direitos de propriedade,
usufruto, uso e habitação, superfície ou servidão sobre coisas imóveis”. (grifo nosso)
Pelo disposto no artigo acima transcrito, em se tratando de constituição do direito
de propriedade, a regra da liberdade de forma é excetuada e a escritura pública passa a ser
obrigatória.
Nessa conjuntura, sabendo que o instrumento de constituição da propriedade
horizontal opera a modificação do estatuto real 87 a que o imóvel se encontra sujeito,
extinguindo o direito de propriedade “normal” e constituindo, em substituição, um direito
real novo, a forma pública seria necessária.
Ocorre, contudo, que a regra prevista no artigo 80.º, n.º 1 do Código do Notariado,
vem sendo relativizada pelo legislador. Em um primeiro momento, o artigo 22.º, do
Decreto-Lei nº 116/2008, permitiu que a propriedade horizontal fosse constituída por
escritura pública ou documento particular autenticado (artigo 1.419.º, do CCP88). Embora o
referido Decreto-Lei tenha simplificado a solenidade de celebração do negócio, abrindo
84
ROPPO, Enzo. O contrato. Coimbra: Almedina, 1988. p. 100.
85
Nesse sentido é, também, o artigo 72.º, nº 4, do Código do Registro Predial.
86
A celebração clara e precisa da relação negocial é de interesse das partes e, também, do Estado, uma vez
que litígios poderão ser prevenidos. Destaca-se aqui a função de prevenção de litígios da atividade notarial e
de registro.
87
LIMA, Pires de. VARELA, Antunes. Código Civil Anotado. Volume III (artigo 1251.º a 1575.º). 2ª edição,
revista e actualizada. Coimbra: Coimbra Editora, 2010. p. 408.
88
Ora, se, conforme disposto no artigo 1.419.º, do CCP, para modificar o direito real de propriedade
horizontal, exige-se escritura pública ou documento particular autenticado, por uma questão de coerência do
sistema, a sua constituição também deve exigir as mesmas formas, embora os artigos 1.417.º e 1.418.º, do
CCP não façam nenhuma referência à forma do documento.

34
mão da forma pública, seguiu exigindo a participação do notário através da autenticação do
instrumento particular.
Posteriormente, contudo, em razão de disposição contida no Decreto-Lei nº 263-
A/200789 e da Portaria nº 795-B/2007, estendida à constituição da propriedade horizontal
pela Portaria 1167/2010, a regra da exigibilidade de escritura pública ou documento
particular autenticado também foi excepcionada e, actualmente,a propriedade horizontal,
também pode ser constituída mediante procedimento especial de transmissão, oneração e
registro de imóveis, realizado diretamente nas conservatórias prediais.
No direito brasileiro, a forma do título de constituição da propriedade horizontal
deve ser analisada a partir do disposto no artigo 108 do Código Civil, que assim estabelece:
Não dispondo a lei em contrário, a escritura pública é essencial à validade dos negócios jurídicos
que visem à constituição, transferência, modificação ou renúncia de direitos reais sobre imóveis
de valor superior a trinta vezes o maior salário mínimo vigente no País. (grifo nosso)

Portanto, por operar a modificação do direito real de propriedade, a escritura


pública é essencial para a validade do instrumento de instituição da propriedade horizontal
sobre imóveis de valor superior a trinta vezes o maior salário mínimo vigente no País.
90
Arnaldo Rizzardo destaca que os argumentos dos que entendem a
obrigatoriedade da escritura pública para a instituição do condomínio horizontal são no
sentido de que “no documento que contém a manifestação criadora do condomínio há,
inequivocadamente, uma alteração no direito real de propriedade, uma vez que se verifica a
transferência de um regime jurídico para outro”.
Assim, a forma pública seria exigida tanto com base no argumento de que a
instituição da propriedade horizontal gera a constituição de um direito real novo, quanto
pelo entendimento de que a instituição da propriedade horizontal gera a modificação do
direito real de propriedade.
Cumpre destacar, entretanto, que, em função de a doutrina brasileira majoritária
tratar a propriedade horizontal como propriedade especial (espécie de condomínio) e não

89
O objetivo do Governo em editar o DL 263-A/2007 foi desburocratizar o sistema de circulação de bens
eliminando atos notariais, que, segundo o Governo, dificultam a vida do cidadão. Através do novo sistema, o
cidadão só utiliza o sistema notarial se for do seu interesse. Caso contrário, poderá celebrar os instrumentos
de transmissão ou constituição de direitos reais diretamente nas conservatórias prediais com base em modelos
pré-elaborados.
90
RIZZARDO, Arnaldo. Condomínio Edilício e Incorporação Imobiliária. Rio de Janeiro: Forense, 2011. p.
33.

35
como direito real, os registradores aceitam, em regra, que o documento de instituição seja
celebrado por instrumento particular.
Nesse sentido, Mário Mezzari91 afirma:
“Tenho insistido em aulas e palestras, que, o instrumento particular continua podendo ser utilizado
para a instituição de condomínio. Ao meu sentir, basta ler o artigo 108 do CC e comparar suas
disposições com o que é que acontece com o registro da instituição de condomínio.
(...).
1. A instituição do regime de condomínio edilício não constitui direitos reais. Os direitos reais pré-
existentes (propriedade, nua-propriedade, usufruto, enfiteuse, hipoteca etc) continuam válidos e
eficazes.
(...).
2. A instituição do regime de condomínio edilício não transfere direitos reais. Os direitos reais pré-
existentes (propriedade, nua-propriedade, usufruto, enfiteuse, hipoteca etc) continuam válidos e
eficazes.
(...).
3. A instituição do regime de condomínio edilício não modifica direitos reais. Os direitos reais pré-
existentes (propriedade, nua-propriedade, usufruto, enfiteuse, hipoteca etc) continuam válidos e
eficazes e não sofrem nenhuma modificação.
4. A instituição do regime de condomínio edilício não implica renúncia a direitos reais. Os direitos
reais pré-existentes (propriedade, nua-propriedade, usufruto, enfiteuse, hipoteca etc) continuam
válidos e eficazes.”

Pelo exposto, verifica-se que a exigência da forma pública para a constituição da


propriedade horizontal passa pela definição da natureza jurídica do instituto. Os que
entendem, de forma equivocada, que a instituição da propriedade horizontal não faz surgir
um direito real novo, aceitam o instrumento particular. Por sua vez, os que, a partir da
aplicação correta dos princípios da taxatividade e da tipicidade, que norteiam o direito das
coisas, identificam na propriedade horizontal um direito real autónomo, exigem a escritura
pública para a sua constituição.
Importante destacar, ainda, que, no Brasil, parte da doutrina, 92 que admite o
instrumento particular, exige a escritura pública quando, em ato contínuo à instituição do
condomínio, os proprietários atribuírem entre si as unidades autónomas, operando a
divisão amigável da coisa entre os diversos proprietários. Tal negócio jurídico demandaria
a forma pública, pois a atribuição de unidades autónomas geraria a modificação do direito
real de propriedade (compropriedade)93.

91
MEZZARI, Mário Pazutti. Condomínio e Incorporação no Registro de Imóveis. 3a ed. Porto Alegre:
Norton Editor, 2010. p. 56.
92
Id., Ibid., p. 72.
93
ASCENSÃO, José Oliveira. Direitos reais. 5ª edição. Coimbra: Coimbra editora, 2000. p. 408.

36
Quanto ao momento da celebração do instrumento constitutivo da propriedade
horizontal, Pires de Lima e Antunes Varela94 afirmam que o título pode ser celebrado a
qualquer momento, mesmo que o edifício se encontre ainda em construção ou esteja
apenas projetado.
A constituição da propriedade horizontal posteriormente à existência física do
edifício é o encaminhamento natural do instituto, portanto, não há nada a ser acrescentado.
Contudo, a constituição da propriedade horizontal antes do término da obra sobre a qual
recairá o direito real merece algumas considerações que a justifique.
Sobre as vantagens em constituir a propriedade horizontal antes do término da
obra, Pires de Lima e Antunes Varela 95 mencionam que, com a constituição prévia, os
adquirentes das frações autónomas poderão conhecer antecipadamente os seus direitos e
obrigações, bem como as limitações a que, como condóminos, ficarão sujeitos.
Segundo os referidos autores, existem vantagens, também, no caso dos
comproprietários do terreno desejarem construir sobre o mesmo um prédio que fique a
pertence-lhes sob o regime da propriedade horizontal. A constituição prévia permitirá que
cada um dos comproprietários saiba os limites dos seus direitos evitando que, numa
partilha futura, surjam litígios.
As justificativas apresentadas pela doutrina são, de fato, razoáveis. Contudo, a
inscrição prévia (antes do término da edificação) definitiva da propriedade horizontal no
registro predial não é admitida96 no ordenamento jurídico português. Em contrapartida,
com a finalidade de proteger o interesse dos adquirentes, o legislador português passou a
admitir que a propriedade horizontal seja “pré-constituída” durante, ou até mesmo antes, da
construção do edifício.
Nesse caso, conforme estabelece o artigo 92, nº 1, “b” do Código do Registro
Predial, o registro será lavrado como provisório por natureza97. Da mesma forma, os fatos
jurídicos respeitantes às fracções autónomas celebrados antes do registro definitivo da
constituição da propriedade horizontal também serão objeto de registro provisório,
conforme previsto no artigo 92, nº 1, “c” do Código do Registro Predial.

94
LIMA, Pires de. VARELA, Antunes. Código Civil Anotado. Volume III (artigo 1251.º a 1575.º). 2ª edição,
revista e actualizada. Coimbra: Coimbra Editora, 2010. p. 408.
95
Id., Ibid., p. 408.
96
MESQUITA, Manuel Henrique. A propriedade horizontal no Código Civil Português. Revista de direito e
de estudos sociais, ano XXIII, jan.-dez., nº 1-2-3-4. Coimbra, 1978. p. 28.
97
LEITÃO, Luís Manuel Teles de Menezes. Direitos Reais. 3ª edição. Coimbra: Almedina, 2012. p. 295.

37
No direito brasileiro, o entendimento predominante é de que o instrumento de
98
constituição da propriedade horizontal e o respectivo registro, que faz nascer
juridicamente a nova espécie de propriedade, também só podem ser lavrados após o
término da obra e a expedição da respectiva “carta de habitação” pelo órgão competente do
município. É possível, contudo, alienar as futuras unidades antes de as mesmas estarem
prontas, mas, para isso, será necessária a celebração de um ato jurídico prévio denominado,
pela Lei nº 4.591/64, de “incorporação imobiliária” (espécie de pré-instituição de
condomínio), que será objeto de análise mais adiante.
Todavia, parte importante da doutrina brasileira admite a possibilidade do registro
da pré-instituição de condomínio, mesmo antes da finalização da obra e sem a necessidade
do registro da incorporação imobiliária. Os defensores desse registro99, com base no direito
espanhol100, identificam na Lei nº 4.591/64 elementos caracterizadores da chamada pré-
horizontalidade101.
Segundo a citada doutrina, a leitura conjunta dos artigos 8º e 9º, ambos da Lei
4.591/64, possibilita o registro da instituição de condomínio, mesmo antes da obra estar
concluída. Os referidos dispositivos legais assim estabelecem:
“Art. 8º Quando, em terreno onde não houver edificação, o proprietário, o promitente comprador,
o cessionário deste ou o promitente cessionário sobre ele desejar erigir mais de uma edificação,
observar-se-á também o seguinte:
a) em relação às unidades autónomas que se constituírem em casas térreas ou assobradadas, será
discriminada a parte do terreno ocupada pela edificação e também aquela eventualmente reservada
como de utilização exclusiva dessas casas, como jardim e quintal, bem assim a fração ideal do
todo do terreno e de partes comuns, que corresponderá às unidades;
b) em relação às unidades autónomas que constituírem edifícios de dois ou mais pavimentos, será
discriminada a parte do terreno ocupada pela edificação, aquela que eventualmente for reservada
como de utilização exclusiva, correspondente às unidades do 0edifício, e ainda a fração ideal do
todo do terreno e de partes comuns, que corresponderá a cada uma das unidades;
c) serão discriminadas as partes do total do terreno que poderão ser utilizadas em comum pelos
titulares de direito sobre os vários tipos de unidades autónomas;
d) serão discriminadas as áreas que se constituírem em passagem comum para as vias públicas ou
para as unidades entre si.” (grifo nosso)

98
RIZZARDO, Arnaldo. Condomínio Edilício e Incorporação Imobiliária. Rio de Janeiro: Forense, 2011. p.
10.
99
SILVA FILHO, Elvino. Da obrigatoriedade do registro da incorporação imobiliária. Revista dos Tribunais.
São Paulo, nº 21, 1988. p. 29.
100
LUIS DÍEZ-PICASO Y PONCE DE LÉON, apud SILVA FILHO, Elvino. Da obrigatoriedade do registro
da incorporação imobiliária. Revista dos Tribunais. São Paulo, nº 21, 1988. p. 29.
101
Vale dizer que o Código Civil Brasileiro, ao disciplinar o condomínio edilício nos artigos 1.331 e
seguintes, não veda a pré-horizontalidade. Portanto, a Lei 4.591/64, que não foi revogada, logo segue,
juntamente com o novo código, disciplinando a figura do condomínio por unidades autónomas, pode ser
utilizada para justificar a pré-instituição do condomínio. MEZZARI, Mário Pazutti. Condomínio e
Incorporação no Registro de Imóveis. 3a ed. Porto Alegre: Norton Editor, 2010. p. 76.

38
“Art. 9º Os proprietários, promitentes compradores, cessionários ou promitentes cessionários dos
direitos pertinentes à aquisição de unidades autônomas, em edificações a serem construídas, em
construção ou já construídas, elaborarão, por escrito, a Convenção de condomínio, e deverão,
também, por contrato ou por deliberação em assembléia, aprovar o Regimento Interno da
edificação ou conjunto de edificações.” (grifo nosso)

O artigo 8º acima transcrito prevê os requisitos necessários para o registro da


instituição de condomínio (a) em relação às unidades autónomas que se constituírem em
casas térreas ou assobradadas e (b) em relação às unidades autónomas que constituírem
edifícios de dois ou mais pavimentos. Antes de estipular as regras para cada uma das
modalidades acima referidas, ocaput do artigo 8º estabelece que as citadas regras sejam
observadas quando o empreendedor pretender levar a termo o empreendimento “em
terreno onde não houver edificação”.
Ora, se as regras previstas no artigo 8º devem ser observadas quando o
empreendedor pretende levar a termo o empreendimento em terreno onde não haja
edificação tal só pode significar que o legislador está a permitir que a propriedade
horizontal seja instituída mesmo antes do término da construção.
Complementando a possibilidade prevista no artigo 8º, o artigo 9º da Lei 4.591/64
prevê a possibilidade de os adquirentes de unidades autónomas“em edificações a serem
construídas ou em construção”elaborarem a convenção de condomínio e o regimento
interno da edificação ou conjunto de edificações.
Pelo exposto, fica evidente a intenção do legislador em possibilitar a pré-
instituição do condomínio, tanto que possibilitou aos adquirentes das unidades em
edificações a serem construídas ou em construção elaborarem a convenção de
condomínio102.
Segundo Mário Mezzari 103 , questões de ordem prática também justificam a
instituição de condomínio antes do término da obra:
Somem-se a esses argumentos de ordem jurídica, alguns argumentos de ordem prática: a Receita
Federal tem exigido dos condomínios o registro destes a fim de conceder-lhes a inscrição no
Cadastro Nacional da Pessoal Jurídica – CNPJ. Esse documento é de extrema importância para
uma séria de tratativas e contratações que o grupo condominial terá de fazer durante o curso da
obra. É evidente que tal registro não conferirá personalidade jurídica ao condomínio, pelas razões
que também tratamos nesta obra. Mas, a partir da publicidade gerada pelo registro, e para os

102
Sobre a registrabilidade da convenção de condomínio celebrada antes do término da obra, Mário Mezzari
afirma que “a convenção de condomínio celebrada no curso da obra, nesses casos, nos termos do artigo 1.333
e seguintes do Código Civil (anteriormente regulado pelo artigo 9º da Lei nº 4.591, de 1964), pode e deve ser
registrada. Este registro é feito no Livro 3, chamado Registro Auxiliar”. MEZZARI, Mário Pazutti.
Condomínio e Incorporação no Registro de Imóveis. 3a ed. Porto Alegre: Norton Editor, 2010. p. 82.
103
Id., Ibid., p. 81.

39
efeitos circunscritos à esfera tributária, previdenciária e contábil, o condomínio estará equiparado à
pessoa jurídica, beneficiando-se dos efeitos daí recorrentes.
Postas essas premissas, o juízo é obrigatório e flui cristalino: no chamado “grupo fechado”, onde
um conjunto de pessoas reúne-se com a finalidade de construir para seu uso próprio um
empreendimento sob o regime da propriedade horizontal, pode celebrar desde logo o documento
de instituição de condomínio, com a especificação das unidades autónomas e das áreas destinadas
ao uso comum que comporão o empreendimento. Esse mesmo documento poderá fazer a pré-
atribuição das unidades futuras aos consortes104.
O documento assim celebrado deverá ser levado ao Registro de Imóveis acompanhado do projeto
de construção devidamente aprovado, mais os quadros de áreas e de custos. De posse desses
documentos e observadas as cautelas legais, o oficial registrará a pré-instituição de condomínio no
Livro 2, denominado Registro Geral.

Ao analisar os argumentos que justificariam a pré-instituição de condomínio no


direito brasileiro, a doutrina parte do pressuposto de que a pré-horizontalidade deve ser
estudada a partir da existência de um grupo de condóminos especialmente reunidos (o
chamado “grupo fechado”) para edificar um empreendimento sobre o qual recairá a figura
da propriedade horizontal. A possibilidade de pré-instituição unilateral, via de regra, não é
analisada pela doutrina com o argumento de que “quem é titular individual não terá
relações com segundos nem terceiros que lhe tornem necessária a instituição prévia porque
se tiver essas relações negociais, então estará configurada a necessidade do registro de
incorporação imobiliária”105.
Contudo, se o entendimento acima exposto permite o registro da pré-instituição do
condomínio para os chamados “grupos fechados”, entende-se que os mesmos argumentos
também podem ser usados para aceitar tal registro, em qualquer hipótese em que o
empreendedor (pessoa física ou jurídica, empresário ou não, individual ou coletivamente)
deseje pré-instituir a propriedade horizontal.
Nesse sentido, a instituição da propriedade horizontal antes da obra ser finalizada
deve ser admitida, mesmo sem a figura do “grupo fechado”, pois o ato levado a registro
criará as unidades autónomas apenas no âmbito jurídico e sob condição resolutiva, que será
implementada caso a obra não seja averbada dentro do prazo de execução do projeto
definido na licença de execução expedida pelo órgão competente.
Cumpre esclarecer, também, que a resolubilidade, traço característico da pré-
horizontalidade, não deve servir de justificativa para negar o acesso ao álbum imobiliário

104
A opção pelo registro da pré-instituição de condomínio, no caso do grupo fechado, remete, ainda, à
desnecessidade da celebração da escritura de divisão e atribuição de unidades autónomas, se as unidades já
tiverem sido destinadas especificamente a cada condómino no momento do registro da pré-instituição de
condomínio. MEZZARI, Mário Pazutti. Condomínio e Incorporação no Registro de Imóveis. 3a ed. Porto
Alegre: Norton Editor, 2010. p. 81.
105
Id., Ibid., p. 76.

40
dos negócios jurídicos pactuados na sua dependência. A existência da cláusula resolutiva
não pressupõe a inalienabilidade dos bens sobre os quais a cláusula recai e, no caso da
propriedade horizontal, com a finalização da obra, a averbação da construção transformará
o registro provisório em definitivo, sem a necessidade de novo registro de instituição da
propriedade horizontal.
Obviamente que, se o empreendedor alienar as unidades criadas com a prévia
instituição de condomínio, deverá registrar a incorporação imobiliária106 por imposição do
artigo 32 da Lei 4.591/64107.
Nesse sentido é o entendimento de Oliveira Ascensão108, ao examinar a instituição
de condomínio no direito brasileiro.
“As dificuldades aumentam se considerarmos que a instituição de condomínio se pode fazer antes
do edifício construído. Não se pode falar de uma divisão, pois não há ainda a coisa a dividir.
A figura tem então a natureza de uma situação jurídica preliminar. Tudo fica pré-constituído de
maneira que, terminada a construção do edifício, os direitos porventura adquiridos se concretizem
automaticamente em propriedades sobre as unidades autónomas do edifício.
(...).
Como se compreende então que, mesmo neste caso, a instituição de condomínio possa ser
registrada? Porque ao registro não vão apenas os actos que importem efeitos reais imediatos mas
também aqueles que preparam efeitos futuros.
(...).
Pensa-se por vezes que a incorporação se faz quando o edifício não está ainda construído, e a
instituição de condomínio após a construção. Mas este critério de distinção não pode ser
verdadeiro, porque logo o artigo 8º, da Lei nº 4.591 prevê a instituição de condomínio em terreno
onde não houver edificação e se pretender erigir mais de uma. Logo, a instituição de condomínio é
compatível com os casos em que a construção está ainda por fazer-se. E, na verdade, em nada o
artigo 7º exige a existência actual das unidades autónomas cujo condomínio é instituído.”

A viabilidade do registro da instituição de condomínio antes do término da obra é


reforça pelo disposto no artigo 172, da Lei nº 6.015/73, que assim estabelece:
“Art. 172 - No Registro de Imóveis serão feitos, nos termos desta Lei, o registro e a averbação dos
títulos ou atos constitutivos, declaratórios, translativos e extintos de direitos reais sobre imóveis
reconhecidos em lei, " inter vivos" ou " mortis causa" quer para sua constituição, transferência e
extinção, quer para sua validade em relação a terceiros, quer para a sua disponibilidade.”

106
Quanto ao tema, J. Nascimento Franco e Nisske Gondo, afirmam: “No sistema legal brasileiro,
caracteriza-se a incorporação quando a iniciativa do empreendimento é assumida pelo incorporador que se
dispõe a vender as unidades autónomas do edifício projetado ou a ser construído. As sociedades de fato, dos
coproprietários, para a construção do edifício sob a orientação de um técnico, não configuram propriamente
incorporação imobiliária, nos termos da aludida Lei nº 4.591, porque, para tanto, falta um elemento essencial,
vale dizer a alienação, ou promessa de alienação de unidades autónomas. Adquirindo partes ideais de um
terreno e obrigando-se a custear a edificação das respectivas unidades autónomas, desde logo identificadas,
os interessados não promovem uma incorporação imobiliária, mas simplesmente convencionam aquilo que os
italianos denominam condomínio “precostituto”. FRANCO, J. Nascimento; GONDO, Nisske. Incorporações
Imobiliárias. São Paulo: RT, 1984. p. 3.
107
ASCENSÃO, Maria Teresa Pereira de Castro e ASCENSÃO, José de Oliveira. Condomínio (Instituição,
incorporação e convenção). Enciclopédia Saraiva do Direito. São Paulo: Saraiva, 1977. p. 412.
108
Id., Ibid., p. 408, 409 e 418.

41
A lei dos registros públicos é clara ao prever que os títulos constitutivos de
direitos reais serão registrados no Registro de Imóveis, quer para a sua constituição, quer
para a sua validade perante terceiros. Assim, o registro da instituição da propriedade
horizontal antes do término da obra, mesmo que sob condição resolutiva, é importante
tanto para a constituição do novo direito realquanto para validade em relação a terceiros,
ficando a critério do empreendedor a opção pela prévia instituição diante da situação
prática apresentada.

1.3.3 Modalidades e pressupostos de constituição

Embora a modalidade mais comum de constituição da propriedade horizontal seja


o negócio jurídico unilateral, as leis, portuguesa e brasileira, prevêem, ainda, outros meios
para a sua constituição.
Nos termos do disposto no artigo 1.417.º, do CCP, a propriedade horizontal pode
ser constituída por:
a) Negócio jurídico causa mortis (testamento) ou inter vivos (negócio unilateral e
contrato):
No caso da constituição da propriedade horizontal por testamento, entende-se que
o importante é estar presente a vontade do testador em constituir a propriedade horizontal.
As partes técnicas, como a especificação do empreendimento, poderão ser complementadas
por documentos à parte.
b) Usucapião:
Segundo Menezes Leitão109, a situação da constituição da propriedade horizontal
por usucapião é complexa, pois a ação versa, normalmente, sobre apenas uma fração ideal
e a propriedade horizontal deve ser constituída sobre todo o edifício.
c) Decisão administrativa:
A constituição da propriedade horizontal por decisão administrativa poderá
ocorrer, por exemplo, no caso de expropriação parcial de um prédio. Isso porque o
procedimento expropriatório, nos termos do disposto no artigo 74.º a 79.º do Código das
Expropriações, poderá ser efetivado pela via administrativa, sem a intervenção judicial (o

109
LEITÃO, Luís Manuel Teles de Menezes. Direitos Reais. 3ª edição. Coimbra: Almedina, 2012. p. 296.

42
que, no caso do direito brasileiro, também poderá ocorrer se houver acordo quanto ao valor
da indenização e a expropriação for efetivada por escritura pública amigável)110.
d) Decisão judicial proferida em ação de divisão de coisa comum ou em processo
de inventário (a requerimento de qualquer consorte, nos termos do artigo 1.417.º nº 2, do
CCP/66).
e) Em cumprimento de obrigação assumida em contrato-promessa de transmissão
de fração autónoma de edifício:
Segundo Menezes Leitão 111 , o negócio jurídico constitutivo da propriedade
horizontal pode ser objeto de uma obrigação voluntariamente assumida, designadamente
no âmbito de um contrato-promessa incidente sobre fração autónoma a construir. Nesse
caso, o artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 268/94 estabelece ser obrigação do promitente
vendedor exercer as diligências necessárias relativas à constituição da propriedade
horizontal e à obtenção da correspondente licença de utilização.
f) Caso especial do artigo 1.526.º, do CCP, ou seja, a constituição da propriedade
horizontal sobre edifício alheio ao abrigo de um direito de superfície com esse conteúdo112.
Sobre o referido dispositivo legal, Pires de Lima e Antunes Varela113 estabelecem:
“Prevê-se nesta disposição a hipótese de a faculdade de construir uma obra recair, não diretamente
sobre o solo ou terreno, mas sobre um edifício alheio. Nessa altura, ao lado da propriedade
superficiária, quando a construção se fizer, haverá no mesmo imóvel a propriedade do prédio
urbano subjacente. Precisamente por isso se mandam aplicar à regulamentação do caso, não só as
disposições reguladoras do direito de superfície, mas também as limitações constantes do artigo
1415.º, relativamente à constituição da propriedade horizontal. E, uma vez efectuada a construção,
serão aplicáveis à situação as regras da propriedade horizontal.”

Apesar de reconhecer a controvérsia existente emrelação ao tema, Luís A. de


Carvalho Fernandes 114 entende viável a constituição da propriedade horizontal sobre
edifício alheio ao abrigo de um direito de superfície, utilizando os seguintesargumentos:
“A primeira dificuldade que se poderia opor a este entendimentoresultaria do facto de o direito de
propriedade sobre o solo ondeexiste o edifício pertencer ao fundeiro, não podendo, como tal,ele
ser coisa necessariamente comum, contra a estatuição do artigo 1.241, n. 1, al. A. É esta uma
questão formal. O superficiário temdireito de manter no solo o edifício, com os poderes
correspondentesà sua situação de superficiário. Posto isto, constituída apropriedade horizontal, aos
superficiários-condóminos ficam apertencer, em comum, esses mesmos poderes e tanto basta para
satisfazera exigência do artigo 1.421. Não se vê razão para, na propriedadehorizontal, o solo ter de

110
MESQUITA, Manuel Henrique. A propriedade horizontal no Código Civil Português. Revista de direito e
de estudos sociais, ano XXIII, jan.-dez., nº 1-2-3-4. Coimbra, 1978. p. 15.
111
LEITÃO, Luís Manuel Teles de Menezes. Direitos Reais. 3ª edição. Coimbra: Almedina, 2012. p. 295.
112
Id., Ibid., p. 294.
113
LIMA, Pires de. VARELA, Antunes. Código Civil Anotado.Vol. III(art. 1251.º a 1575.º).2ª
ed.Coimbra:Coimbra Ed., 2010. p.593.
114
CARVALHO FERNANDES, Luís A. Lições de Direitos Reais. Lisboa: Quid Júris, 1998. p. 403-404.

43
pertencer aos condóminos em compropriedade,com exclusão de qualquer outra situação de
contitularidade.O que o solo não pode ser é objecto do direito singular dequalquer condómino.
Também a situação do fundeiro não é afectada,pois não há alteração dos poderes incidentes sobre
o solo,mas somente uma diferente titularidade dos mesmos. Mais significativase diria, até, à
primeira vista, uma outra objecção, fundadaagora na circunstancia de o direito de superfície poder
sertemporário, enquanto o direito de propriedade horizontal se configura,na lei, como perpétuo. Ao
qualificarmos este último comoum tipo autónomo de direito real de gozo, demarcando-o da
propriedade,afasta-se o aparente rigor do argumento. De qualquermodo, não se pode esquecer que,
na situação em análise, o titulardo direito à fracção é primordialmente superficiário e só
depoiscondomínio.Cumpre, finalmente, salientar, sem pretender dar ao argumentovalor decisivo, a
circunstância de ser prática social e jurídica correntea existência de edifícios sobre que incide um
direito de superfícieconstituído em propriedade horizontal, sem que se tenhamverificado, a este
respeito, dúvidas, tanto na titulação notarial,como na inscrição registral do correspondente
negócio.”

No direito brasileiro, por sua vez, as modalidades de instituição do condomínio


edilício estão previstas no artigo 1.332, do CCB, que assim dispõe:
“Institui-se o condomínio edilício por ato entre vivos ou testamento, registrado no Cartório de
Registro de Imóveis, devendo constar daquele ato, além do disposto em lei especial: I – a
discriminação e individualização das unidades de propriedade exclusiva, estremadas umas das
outras e das partes comuns; II – a determinação da fração ideal atribuída a cada unidade,
relativamente ao terreno e partes comuns; III – o fim a que as unidades se destinam.”

Para além da possibilidade da instituição do condomínio edilício por testamento


ou ato entre vivos (negócio jurídico unilateral, contrato, cumprimento de obrigação
assumida em contrato de promessa de compra e venda, etc.), a doutrina brasileira 115
admite, ainda, a instituição por decisão judicial (decisões judiciais proferidas em ação de
divisão de coisa comum116, em processo de inventário, em acções em que se invoque a
usucapião,etc.).
Nos casos de instituição da propriedade horizontal por decisão judicial, a ordem
do Juiz substituirá o instrumento de instituição de condomínio e a declaração de vontade,
que, a priori, é das partes, mas, tal documento, para ter acesso ao álbum imobiliário,
deverá, de qualquer forma, ser instruído com os documentos necessários à instituição117.

115
SOUZA, Eduardo Pacheco Ribeiro de. Condomínio edilício no Brasil – noções e algumas questões
controvertidas. Coimbra: Coimbra editora. 2º Seminário Luso-Brasileiro de Direito Registal. Centro de
Estudos Notariais e Registrais / Instituto de Registro Imobiliário do Brasil, 2009. p. 89.
116
Segundo Mário Mezzari, “essa ideia de divisão física do imóvel é sempre pensada à luz das regras do
condomínio comum, e a partilha do bem entre os comunheiros é analisada somente à luz da divisão em
planos verticais, vale dizer, pelo desmembramento do imóvel. Mas a verdade é que, se a tanto se prestar o
prédio, nada impede que, como forma de solução da lide, o magistrado institua o mesmo em condomínio,
criado duas ou mais unidades autónomas, tantas quantas forem possíveis e necessárias ao deslinde da causa.
MEZZARI, Mário Pazutti. Condomínio e Incorporação no Registro de Imóveis. 3a ed. Porto Alegre: Norton
Editor, 2010. p. 83.
117
Id., Ibid., p. 83.

44
A constituição da propriedade horizontal sobre edifício alheio ao abrigo de um
direito de superfície não é aceita no direito brasileiro. Frederico Henrique Viegas Lima118
considera incabível tal modalidade de constituição da propriedade horizontal, mas
vislumbra a seguinte possibilidade:
“Nada impede que as partes, dentro da faculdade que possuem de pactuar, estabeleçam uma figura
semelhante à da propriedade horizontal. Basta que o acordo mencione, especificamente, que o
objeto do direito de superfície é a construção de uma edificação a ser dividida em unidades,
facultada a sua cessão pelo superficiário a terceiros, pelo tempo que durar a concessão da
superfície. Para caracterizar esta forma de propriedade, as partes poderão utilizar-se de algumas
normas relativas aos condomínios em edifícios contidas no Código Civil de 2002, desde que não
contrariem a natureza jurídica do direito de superfície.”

Alguns autores119 ainda relacionam a incorporação imobiliária como modalidade


de instituição da propriedade horizontal. Contudo, esse entendimento não parece acertado,
pois o registro da incorporação, mesmo gerando a pré-horizontalidade, não dispensa o
registro próprio de constituição da propriedade horizontal, conforme estabelece o artigo 44,
da Lei nº 4.591/64, que possui o seguinte teor:
Art. 44. Após a concessão do "habite-se" pela autoridade administrativa, o incorporador deverá
requerer, (VETADO) a averbação da construção das edificações, para efeito de individualização
e discriminação das unidades, respondendo perante os adquirentes pelas perdas e danos que
resultem da demora no cumprimento dessa obrigação. (grifo nosso)

A constituição da propriedade horizontal, em qualquer das modalidades acima


referidas, depende da verificação de pressupostos físicos do prédio e jurídicos do título
constitutivo.
Os pressupostos físicos do prédio são:
a) a existência de um terreno e que um edifício tenha sido construído sobre esse
terreno;
b) que o imóvel possa ser dividido em frações suscetíveis de constituírem
unidades independentes (artigo 1.414.º, do CCP, artigo 1.332, do CCB), que entre elas
existam coisas de uso comum e que as frações tenham acesso próprio às áreas comuns ou
vias públicas (artigo 1415.º, do CCP, artigo 2º, da Lei nº 4.591/64).
A reunião desses fatores é incindível para identificação da propriedade horizontal
como figura autónoma. A inexistência dos referidos pressupostos físicos descaracteriza a
propriedade horizontal e remete o imóvel ao regime da compropriedade120.

118
LIMA, Frederico Henrique Viegas. O Direito de Superfície Como Instrumento de Planificação Urbana.
Rio de Janeiro: Renovar, 2005. p. 383-384.
119
GOMES, Orlando. Direitos reais. Rio de Janeiro: Forense, 1999. p. 226.
120
LEITÃO, Luís Manuel Teles de Menezes. Direito Reais. 3ª edição. Coimbra: Almedina, 2012. p. 300.

45
Em Portugal, os pressupostos jurídicos do título constitutivo estão previstos no
artigo 1.418.º, do CCP. Segundo o disposto no número 1 do referido dispositivo legal, o
título constitutivo deve conter:
a) a especificação do edifício, que deverá indicar as partes comuns, individualizar
as frações privativas e fixar o valor relativo a cada fração (expresso em percentagem ou
permilagem do valor total do prédio).
O valor das frações será calculado sobre as áreas privativas e é de livre
arbitramento do proprietário. Se, contudo, o valor tiver que ser arbitrado por terceiro (juiz
ou técnico indicado pelos proprietários), deverá ser levado em consideração apenas a
construção e não eventual negócio lá já instalado121.
O valor fixado para as frações ideais será usado para vários efeitos, como, por
exemplo: determinar o voto de cada condómino, calcular a quota de cada uma das despesas
do edifício, partilhar eventuais rendimentos da coisa comum, repartir o valor do terreno no
caso demolição do prédio,etc.122.
Cabe destacar, ainda, que a falta da especificação ou a desconformidade da
destinação constante da especificação em relação ao fixado no projeto de construção geram
a nulidade do título e a sujeição ao regime da compropriedade. A nulidade poderá ser
arguida por qualquer condómino e também pelo Ministério Público sobre a participação da
entidade pública a quem caiba a aprovação ou fiscalização das construções (artigos 1.416.º
e 1.418.º, nº 3, do CCP).
Segundo o previsto no número 2, do artigo 1.418.º, do CCP, o título constitutivo
pode conter ainda:
a) menção do fim a que se destinam cada fração privativa ou parte comum123 (os
particulares nesse caso podem criar limitações ao direito de propriedade além dos previstos
em lei, conforme estabelece o artigo 1.422.º, do CCP);
b) regulamento do condomínio (disciplinando o uso, fruição e conservação quer
das partes comuns, quer das frações) sendo que, nos termos do artigo 1.429.º-A, do CCP,
existindo mais de quatro condóminos, a elaboração do regulamento é obrigatória e a

121
MESQUITA, Manuel Henrique. A propriedade horizontal no Código Civil Português. Revista de direito e
de estudos sociais, ano XXIII, jan.-dez., nº 1-2-3-4. Coimbra, 1978. p. 12.
122
Id. Ibid., p. 32.
123
Nos termos do parecer do C. T. da DGRN, publicado no Boletim dos Registros e do Notariado, nº 8/97, II,
processo nº 72/96, a afetação das frações do prédio ao fim a que se destinam faz parte do estatuto real do
condomínio, com eficácia erga omnes, por estarem em causa regras de interesse e ordem pública. LOPES, J.
de Seabra. Direito dos Registros e do Notariado. 6ª edição. Coimbra: Almedina, 2011. p. 443.

46
responsabilidade pela feitura do documento é da assembleia dos condóminos ou do
administrador;
c) previsão do compromisso arbitral para resolução de litígios emergentes da
relação de condomínio;
d) partes que, em regra, se presumem comuns também podem ser consideradas
privativas e receber atribuição de valor, desde que estejam representadas por área
construída (exemplo: garagens, áreas de lazer,etc.);
Nesse sentido, cumpre destacar que o artigo 1.421.º, do CCP estabelece o que no
edifício são coisas comuns, dividindo-as em obrigatoriamente comuns e presumivelmente
comuns. A distinção entre os dois tipos é fundamental na medida em que as primeiras, por
serem essenciais ao uso comum do prédio, não podem ser atribuídas como de uso
exclusivo de qualquer condómino, enquanto que as segundas, por não serem essenciais e
apesar de se manterem comuns, poderão ser ilididas pelo título ou pela sua natureza e,
consequentemente, poderão ser afetadas ao uso exclusivo de um ou alguns condóminos124.
Pelo exposto, verifica-se que o número 2, do artigo 1.418.º, do CCPadmite a
autonomia da vontade das partes na constituição da propriedade horizontal. A liberdade
existe, contudo, no estrito limite legal.
Além dos pressupostos previstos no artigo 1.418.º, do CCP destaca-se, ainda, o
disposto no artigo 59.º do Código do Notariado. Segundo o referido artigo, os instrumentos
de constituição da propriedade horizontal só podem ser lavrados se for apresentado
documento, passado pela câmara municipal, comprovativo de que as frações autónomas
satisfazem os requisitos legais. Em se tratando de prédio construído para transmissão em
frações autónomas, esse documento pode ser substituído pela exibição do respectivo
projeto de construção e, sendo caso disto, dos posteriores projetos de alteração aprovados
pela câmara municipal125.
Cabe destacar, por fim, que, ao passo que o artigo 1.414.º, do CCP prevê a
constituição do condomínio em relação a um edifício, o artigo 1.438.º-A, do CCP, por sua
vez, admite a aplicação da propriedade horizontal ao conjunto de edifícios contíguos
funcionalmente ligados entre si pela existência de partes comuns afetadas ao uso de todas
ou algumas das unidades ou frações que os compõem.

124
LEITÃO, Luís Manuel Teles de Menezes. Direito Reais. 3ª edição. Coimbra: Almedina, 2012. p. 293.
125
LOPES, J. de Seabra. Direito dos Registros e do Notariado. 6ª ed. Coimbra: Almedina, 2011. p. 441.

47
O disposto no artigo 1.438.º-A, do CCP faz surgir uma séria de novas
possibilidades de configuração do empreendimento. Como exemplo, destaca-se a
possibilidade de constituição dos chamados super-condomínios ou condomínios
complexos126, já mencionado no item 1.1.
No direito brasileiro, os pressupostos físicos do prédio, necessários à instituição
do condomínio edilício, são semelhantes aos previstos no direito português. Por sua vez, os
pressupostos jurídicos do título constitutivo decorrem do disposto no artigo 167, I, nº 17,
da Lei 6.015/73, combinados com o artigo 1.332, do CCB.
Tais dispositivos legais, lidos em conjunto com provimentos normativos que
orientam o exercício da atividade registral imobiliária 127 , exigem que o título de
constituição da propriedade horizontal, para ter acesso ao fólio real e, após o registro, faça
nascer o condomínio especial, tenha, basicamente, os seguintes requisitos:
a) requerimento, instruído com o memorial descritivo contendo as especificações
da obra e individualização das unidades;
b) a carta de habitação fornecida pela Prefeitura Municipal;
c) a certidão negativa de débito fornecida pelo Instituto Nacional do Seguro
Social, relativo à construção realizada;
d) o projeto arquitetónico devidamente aprovado pelo Município;
e) o quadro de custos das unidades autónomas e a planilha de áreas e frações
ideais, subscrita pelo engenheiro responsável pelo cálculo (NBR 12.721);
f) as Anotações de Responsabilidade Técnica relativas aos trabalhos de
engenharia e arquitetura apresentados, bem como à execução da obra.

126
A aplicação do regime previsto no artigo 1.438.º-A, do CCP depende, entretanto, da estrutura física do
prédio. Esse foi o entendimento no Acórdão da Relação do Porto, de 24 de fevereiro de 2005, ao estabelecer
que: “só pode haver um condomínio relativamente a todos os blocos – integrantes de um só prédio – cuja
separação não resulta com nitidez do título de constituição da propriedade horizontal”. PITÃO, José António
de França. Propriedade horizontal – anotações aos artigos 1.414.º a 1.438º-A do Código Civil. Coimbra:
Almedina, 2007. p. 325.
127
No Brasil, os serviços notariais e de registro – previstos no artigo 236, da Constituição da República
Federativa, devidamente regulamentado pela Lei nº 8.935/94 – são atividades jurídicas, de organização
técnica e administrativa, cujas atividades são fiscalizadas pelo Poder Judiciário de cada estado da Federação.
No exercício da fiscalização, o Poder Judiciário estadual edita provimentos normativos que devem ser
seguidos pelos notários e oficiais de registro. Dentre os provimentos já editados, merece destaque o nº
32/2006, expedido pela Corregedoria-Geral da Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, que buscou
consolidar as normas (legais e administrativas) relativas aos serviços notariais e registrais daquele estado. O
artigo 553, do referido provimento, lista os requisitos necessários para que o título de instituição do
condomínio edilício seja lavrado e tenha condições de acesso ao fólio real.

48
1.3.4 Modificação e extinção da propriedade horizontal

O artigo 1.419.º, do CCP prevê a possibilidade de modificação da propriedade


horizontal a partir da alteração do título constitutivo que, em respeito ao princípio da
autonomia privada, exige, em princípio, acordo de todos os condóminos128.
O mesmo dispositivo legal permite, contudo, que o administrador possa
representar os condóminos no documento de modificação, desde que o acordo conste de
ata assinada por todos os proprietários.
Com relação ao que pode ser alterado, importante destacar, desde já, que as partes
imperativamente comuns não podem ser divididas. Quanto às partes privativas, não há
limitação, e o artigo 1422.º-A, do CCP prevê, expressamente, as seguintes possibilidades:
a) modificações resultantes de junção, em uma só, de duas ou mais frações do
mesmo edifício. Para tanto, são necessários os seguintes requisitos: as frações precisam ser
contíguas (exceto no caso de arrecadações (depósitos) e garagens); não há necessidade de
autorização dos demais condominos.
b) modificações resultantes de divisão de frações autónomas do mesmo edifício.
Para tanto, são necessários os seguintes requisitos: possibilidade física/arquitetónica do
prédio, de modo que as frações criadas tenham acesso próprio à via pública ou área
condominial que dê acesso à via pública; se o título constitutivo da propriedade horizontal
não autorizar previamente a possibilidade de divisões, há necessidade de autorização dos
demais condóminos, mediante deliberação da assembleia de condóminos sem oposição.
Nos termos do parecer da C. T. da DGRN, publicado no Boletim dos Registros e
do Notariado, nº 8/97, processo nº 72/96, deve ser recusado o registro de alteração de
propriedade horizontal quanto ao destino de uma fração autónoma com base em escritura
em que não intervieram todos os condóminos do prédio, ou o administrador em
representação ao condomínio com apresentação de ata assinada por todos donde conste o
acordo quanto à alteração, por se tratar de ato nulo por violação do preceito legal
imperativo dos artigos 295.º e 1419.º, nº 1 e 2, do CCP/66129.
Contudo, estando prevista no título ou uma vez autorizada pelos condóminos, a
junção ou divisão poderá ser realizada por ato unilateral do proprietário, que deverá
comunicar o fato ao administrador no prazo de 10 dias (artigo 1422.º-A). E, se para dividir
128
LEITÃO, Luís Manuel Teles de Menezes. Direito Reais. 3ª edição. Coimbra: Almedina, 2012. p. 310.
129
LOPES, J. de Seabra. Direito dos Registros e do Notariado. 6ª edição. Coimbra: Almedina, 2011. p. 443.

49
uma fração em duas basta a aprovação da assembleia sem oposição e, depois, o interessado
deve alterar o título constitutivo e comunicar ao administrador, claro que nada justifica que
para a alteração do título se exija a unanimidade e não apenas a falta de oposição que terá
permitido a obra de divisão material de uma fração.
Nos casos em que a propriedade horizontal pertença a apenas uma pessoa (porque
as frações ainda não foram alienadas ou foram concentradas na titularidade de um só
sujeito), a modificação poderá ser feita por declaração negocial do único proprietário130,
aplicando-se, quanto à forma do título, os mesmos requisitos necessários para a
constituição da propriedade horizontal.
Outro requisito importante, previsto no artigo 60.º do Código do Notariado é o de
que os instrumentos de modificação do título constitutivo da propriedade horizontal, que
importem alteração da composição ou do destino das respectivas frações, só podem ser
lavrados se for junto documento camarário comprovativo de que a alteração está de acordo
com os correspondentes requisitos legais. No caso de a modificação exigir obras de
adaptação, a exibição do projeto devidamente aprovado dispensa o documento a que se
refere o número anterior.
Cumpre destacar, por fim, que, conforme previsto no artigo 2.º do Código do
Registro Predial, os fatos jurídicos que importem a modificação da propriedade horizontal
estão sujeitos a registro.
No direito brasileiro, a modificação da propriedade horizontal tanto para a junção
quanto para a divisão de unidades também é permitida em termos e requisitos semelhantes
aos previstos no direito português.
A doutrina131 indica, contudo, outras possibilidades de alteração na instituição da
propriedade horizontal, dentre as quais se destacam, por serem mais recorrentes, as
alterações que visama criação de nova unidade autónoma e o aumento de área privativa de
uma unidade autónoma já existente.
Em ambos os casos, as fases da modificação seriam as seguintes:
a) aprovação unânime dos condóminos, após deliberação em Assembleia-Geral
(artigo 10, da Lei nº 4.591/64).

130
LIMA, Pires de. VARELA, Antunes. Código Civil Anotado. Vol. III (art.1251.º a 1575.º). 2ª ed. Coimbra:
Coimbra Ed., 2010. p.415.
131
MEZZARI, Mário Pazutti. Condomínio e Incorporação no Registro de Imóveis. 2a ed. Porto Alegre:
Norton Editor, 2002. p. 203.

50
b) aprovação do projeto de construção pelo órgão competente do Município.
c) execução da obra de criação da nova unidade autónoma ou de aumento da área
privativa da uma unidade.
d) expedição da competente carta de habitação pelo órgão competente do
Município.
e) celebração da escritura pública de compra e venda de frações ideais entre os
condóminos e do instrumento de retificação da instituição da propriedade horizontal e da
convenção de condomínio.
A necessidade da forma pública decorre do fato de que, no Brasil, a fração ideal
que representa as unidades autónomas é ligada ao terreno sobre o qual está assentada a
edificação com base em cálculo realizado, em regra, a partir da área construída de cada
unidade. Assim, se a alteração da propriedade horizontal importar em aumento ou
diminuição de área construída das frações existentes, o condómino que pretender a
alteração deverá adquirir ou vender cotas de terreno (fração ideal) aos demais proprietários
em quantidade necessária a viabilizar a alteração. Cabe destacar, ainda, que, sobre esse
negócio jurídico de transmissão de fração de terreno (compra e venda de fração), incide
imposto de transmissão.
No caso de retificação da instituição da propriedade horizontal para a criação de
uma nova unidade, não haverá necessidade da escritura pública de compra e venda onde
intervenham por unâmidade todos os consortes, mas é necessário uma deliberação tomada
pela Assembleia sem oposição.
Como tarefa final deste subcapítulo, cumpre identificar as formas de extinção da
propriedade horizontal. Usando a doutrina de Menezes Leitão132, tem-se que a propriedade
horizontal se extingue por:
a) acordo entre os condóminos.
b) concentração de todas as frações autónomas na propriedade de uma pessoa.
Entende-se importante destacar, contudo, que, nesse caso, diante da aquisição das
frações autónomas por apenas uma pessoa, a extinção se opera em relação ao condomínio e
não à propriedade horizontal que, mesmo com apenas um proprietário, seguirá existindo.

132
LEITÃO, Luís Manuel Teles de Menezes. Direito Reais. 3ª edição. Coimbra: Almedina, 2012. p. 312.

51
c) destruição do edifício (artigo 1428.º, do CCP). Ocorrendo essa hipótese, os
proprietários das frações autónomas destruídas passam a ser comproprietários sobre o qual
se assentava a edificação.
No direito brasileiro, os artigos 1.357 e 1.358, ambos do CCB, estabelecem que o
condomínio edilício extingue-se por destruição do edifício e, também, no caso de
desapropriação. A doutrina 133 , entretanto, ainda prevê, como hipóteses de extinção,o
acordo de vontades firmado entre os condóminos e a aquisição de todas as unidades
autónomas por um único proprietário134.
No caso da celebração de escritura pública de extinção de condomínio edilício por
todos os condóminos, a partir do registro do título, os proprietários das unidades
autónomas do condomínio edilício extinto passam a ser comproprietários do prédio no
regime de condomínio comum (compropriedade). Como o instrumento de extinção opera a
modificação do direito de propriedade, nos termos do disposto no artigo 108, do CCB, a
escritura pública é obrigatória.

1.4 O registro da propriedade horizontal

Nos termos do disposto no artigo 1.417.º, do CCP, a propriedade horizontal,


seguindo a regra geral do direito português, constitui-se em decorrência da celebração do
título constitutivo. Contudo, o artigo 2º, do CRP prevê que os fatos jurídicos que
determinem a constituição ou a modificação da propriedade horizontal estão sujeitos a
registro para valer perante terceiros.
Além disso, o artigo 62.º, nº 1 do Código do Notariado estabelece que nenhum
instrumento pelo qual se transmitam direitos reais ou contraiam encargos sobre frações
autónomas de prédios em regime de propriedade horizontal pode ser lavrado sem que se
exiba documento comprovativo da inscrição do respectivo título constitutivo no registro
predial135.

133
SANTOS, Flauzilino Araújo dos. O condomínio edilício e o registro de imóveis. SAFE: Porto Alegre,
2003. p. 141.
134
MEZZARI, Mário Pazutti. Condomínio e Incorporação no Registro de Imóveis. 2a ed. Porto Alegre:
Norton Editor, 2002. p. 214.
135
MESQUITA, Manuel Henrique. A propriedade horizontal no Código Civil Português. Revista de direito e
de estudos sociais, ano XXIII, jan.-dez., nº 1-2-3-4. Coimbra, 1978. p. 16.

52
Assim, para que seja possível transmitir uma fração autónoma, é obrigatório o
prévio registro, definitivo ou provisório, da constituição da propriedade horizontal junto ao
registro predial 136 . Considerando que, na grande maioria dos casos, a propriedade
horizontal é constituída quando o proprietário do prédio tem a intenção de comercializar as
frações autónomas, mesmo que o registro não tenha efeito constitutivo, na prática, o título
acaba sendo levado a registro para possibilitar a negociação das frações autónomas. Sem o
registro da propriedade horizontal, na conservatória o que consta é um prédio uno, e não
frações que possam ser objecto de negócios a ser publicitados pelo registro.
A inscrição do título no registro predial obriga a estabelecer a descrição genérica
do prédio ou prédios em regime da propriedade horizontal. O artigo 82.º, n.º 1, do Código
do Registro Predial prevê, quanto à descrição, que:
“1 – A da descrição deve conter: a) O número de ordem privativo dentro de cada freguesia,
seguido dos algarismos correspondentes à data da apresentação de que depende; b) A natureza
rústica, urbana ou mista do prédio; c) A denominação do prédio e a sua situação por referência ao
lugar, rua, números de polícia ou confrontações; d) A composição sumária e a área do prédio; e)
(Revogada.); f) A situação matricial do prédio expressa pelo Artigo de matriz, definitivo ou
provisório, ou pela menção de estar omisso. 2 - Na descrição genérica de prédio ou prédios em
regime de propriedade horizontal é mencionada a série das letras correspondentes às fracções e na
de empreendimento turístico classificado para fins turísticos esta circunstância, bem como as letras
correspondentes às unidades de alojamento, quando existam.”

Por sua vez, quanto às descrições subordinadas, o artigo 83.º, n.º 1, do Código do
Registro Predial estabelece:
“1 - A descrição de cada fracção autónoma deve conter: a) O número da descrição genérica do
prédio, seguido da letra ou letras da fracção, segundo a ordem alfabética; b) As menções das
alíneas c), d) e f) do n.º 1 do artigo 82.º indispensáveis para identificar a fracção; c) A menção do
fim a que se destina, se constar do título.”

Completando os requisitos da individualização das frações autónomas, o artigo


95.º, nº 1, alínea “q”, do Código de Registro Predial estabelece que:
“O extracto da inscrição deve ainda conter as seguintes menções especiais: (...); q) Na de
constituição de propriedade horizontal, o valor relativo de cada fracção, expresso em percentagem
ou permilagem, a existência de regulamento, caso este conste do título constitutivo, e os direitos
dos condóminos neste título especialmente regulados e, na de alteração do título constitutivo, a
descrição da alteração;”

A falta de registro, além de impedir a realização dos atos notariais de alienação ou


oneração das frações autónomas, torna o ato de constituição da propriedade horizontal, nos

136
O artigo 62.º, nº 2, do Código do Notariado prevê, contudo, uma exceção à regra. Não será necessário o
registro prévio de constituição da propriedade horizontal para a alienação das frações autónomas, quando os
atos de transmissão de direitos ou de constituição de encargos sejam lavrados no mesmo dia e com o
conhecimento pessoal do notário de que foi lavrado o título constitutivo de propriedade horizontal,
circunstância que deve ser expressamente mencionada.

53
termos do disposto no artigo 2.º, nº 1, b, e artigo 5.º, ambos do Código do Registro Predial,
inoponível a terceiros.
No direito brasileiro, a instituição da propriedade horizontal depende da inscrição
do título constitutivo no Serviço de Registro de Imóveis da circunscrição registral em que
está localizado o imóvel.
A obrigatoriedade do registro para a constituição da propriedade horizontal é
defendida com base em dois dispositivos legais. Osautores que não identificam a
propriedade horizontal com espécie de direito real justificam a obrigatoriedade do registro
no artigo 1.332, do CCB, combinado com oartigo 167, I, 17, da Lei nº 6.015/73, que assim
estabelecem:
“Art. 1.332. Institui-se o condomínio edilício por ato entre vivos ou testamento, registrado no
Cartório de Registro de Imóveis, devendo constar daquele ato, além do disposto em lei especial:
I - a discriminação e individualização das unidades de propriedade exclusiva, estremadas uma das
outras e das partes comuns;
II - a determinação da fração ideal atribuída a cada unidade, relativamente ao terreno e partes
comuns;
III - o fim a que as unidades se destinam.”

“Art. 167 - No Registro de Imóveis, além da matrícula, serão feitos.


I - o registro:
(...).
17) das incorporações, instituições e convenções de condomínio;”

De outro lado, os autores que identificam na propriedade horizontal um direito


real autónomo, para justificar a obrigatoriedade do registro, utilizam, além dos dispositivos
legais acima referidos, o artigo 172, da Lei nº 6.015/73, que assim estabelece:
“Art. 172 - No Registro de Imóveis serão feitos, nos termos desta Lei, o registro e a averbação dos
títulos ou atos constitutivos, declaratórios, translativos e extintos de direitos reais sobre imóveis
reconhecidos em lei, " inter vivos" ou " mortis causa" quer para sua constituição, transferência e
extinção, quer para sua validade em relação a terceiros, quer para a sua disponibilidade.”

Como se verifica, o dispositivo legal transcrito exige, para a constituição dos


direitos reais sobre imóveis, por ato inter vivos, o registro do título no competente Serviço
de Registro de Imóveis, o que, entende-se, também deve ser aplicado à propriedade
horizontal.

54
2. O INSTITUTO JURÍDICO DA INCORPORAÇÃO IMOBILIÁRIA

No Brasil, o ato jurídico de incorporação imobiliária está previsto no título II, da


Lei nº 4.591/64, e deve ser obrigatoriamente levado a registro quando o empreendedor
objetivar a alienação de unidades autónomas antes de a obra estar concluída 137 . Em
Portugal, no âmbito das Conservatórias Prediais, o instituto que mais se assemelha à
incorporação imobiliária, embora muitíssimo distinto, é o registro provisório da
propriedade horizontal, previsto no artigo 92, nº 1, “b”, do Código do Registro Predial, que
será lavrado quando os negócios jurídicos respeitantes às fracções autónomas forem
celebrados antes do registro definitivo da constituição da propriedade horizontal.
Assim, nesse capítulo, pretende-se tratar da figura da incorporação imobiliária
com a finalidade de demonstrar as vantagens do instituto em relação ao registro provisório
da propriedade horizontal previsto no sistema português.
Cumpre destacar que não foi objeto da investigação o Decreto-Lei nº 68/2004, que
estabelece os requisitos a que obedecem a publicidade e a informação disponibilizadas aos
consumidores no âmbito da aquisição de imóveis para habitação.
Em que pese se reconheça que a ficha técnica da habitação138 assemelha-se, em
parte, com os objetivos da incorporação imobiliária 139 , entende-se que a sistemática
prevista no Decreto-Lei nº 68/2004 está ligada apenas às informações económicas e
estruturais das edificações no âmbito da Câmara Municipal. O ato jurídico de incorporação
imobiliária, por sua vez, é muito mais amplo, pois o registro da incorporação imobiliária
no serviço registral competente, além de pré-instituir a propriedade horizontal,

137
ASCENSÃO, Maria Teresa Pereira de Castro e ASCENSÃO, José de Oliveira. Condomínio (Instituição,
incorporação e convenção). Enciclopédia Saraiva do Direito. São Paulo: Saraiva, 1977. p. 410.
138
O artigo 4º, nº 1, do Decreto-Lei nº 68/2004, prevê que, “sem prejuízo de outras obrigações legais, o
promotor imobiliário está obrigado a elaborar um documento descritivo das características técnicas e
funcionais do prédio urbano para fim habitacional, documento que toma a designação «Ficha técnica da
habitação». (grifo nosso)
139
O artigo 9º, nº 1, do Decreto-Lei nº 68/2004, estabelece, por exemplo, que, “sem prejuízo de outras
normas aplicáveis, não pode ser celebrada a escritura pública que envolva a aquisição da propriedade de
prédio ou fracção destinada à habitação sem que o notário se certifique da existência da ficha técnica da
habitação e de que a mesma é entregue ao comprador”.

55
permitequeos adquirentes das unidades autónomas tenham acesso não apenas às
informações urbanísticas da edificação, mas, também,à solvabilidade do empreendedor.
A incorporação imobiliária, como será demonstrado, também cria mecanismos de
incentivo e proteção ao empreendedor, que poderá utilizá-la, por exemplo, para testar o
mercado quanto à aceitação do produto que pretende comercializar.

2.1 Conceito de incorporação imobiliária e de incorporador

Sobre o surgimento da atividade de incorporação imobiliária, Caio Mário da Silva


Pereira140, autor do anteprojeto da Lei de Incorporações, lembra que:
“A incorporação imobiliária surgiu, como freqüentemente acontece, mais como uma criação
empírica negocial do que como modalidade contratual. Para ser mais preciso, de princípio não se
cogitava da operação abstrata da incorporação. Quem primeiro apareceu foi o incorporador, figura
um tanto quanto obscura, na linha média ou na composição mista de corretor, de procurador, de
comissário, de vendedor. As primeiras manifestações judiciais reconhecendo a sua existência ainda
não esclareceram a sua estrutura jurídica. Aos poucos os tribunais se afeiçoaram à idéia de que no
complexo da construção de edifícios coletivos havia uma entidade não definida no Direito
Positivo, à qual tornava-se necessário precisar os contornos para assinalar os seus deveres e as suas
responsabilidades”.

Ainda à margem da elaboração legislativa, passou-se, a partir da caracterização


subjetiva do incorporador, a fala em incorporação imobiliária em seu negócio jurídico e na
existência de um contrato de incorporação.
De início, a incorporação imobiliária foi tratada como contrato atípico, pois nem
no Código Civil de 1916, nem na legislação posterior se podia encontrar o menor resquício
de norma reguladora dessa atividade. Neste sentido, Pontes de Miranda afirmava que “o
negócio jurídico ou série de negócios jurídicos que faz a incorporação é, de regra, negócio
jurídico ou série de negócios jurídicos inominados”141.
Para Caio Mário142, antes de surgirem na França as sociétés de constructions, os
interessados na construção de edifícios procediam sem sistema nem ordem: as relações
jurídicas que visavam ao financiamento do negócio, as garantias deste, a fixação das

140
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Incorporação Imobiliária. Revista de Direito Imobiliário, São Paulo, n.4,
p.18, jul./dez.1979.
141
MIRANDA, Pontes de, apud PEREIRA, Caio Mário da Silva. Incorporação Imobiliária. Revista de
Direito Imobiliário,São Paulo, n.4, p. 19, jul./dez.1979.
142
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Incorporação Imobiliária. Revista de Direito Imobiliário, São Paulo, n.4,
p. 20, jul./dez.1979.

56
quotas partes do prédio projetado, tudo se entrecruzava “e o contrato de empreitada, pelo
qual se realizava a edificação fazia ainda as vezes de incorporação”143.
Como o mercado imobiliário já demonstrava ser um bom investimento, os
empresários da construção civil utilizavam aquilo que tinham à disposição para efetuar os
negócios, ou seja, as negociações eram feitas por contratos atípicos. Em assim sendo,
tornava-se necessário que as partes especificassem os respectivos direitos e obrigações,
como se dá sempre nessa forma contratual. Entretanto, como era o incorporador que os
elaborava, nele se arrogaria mais direitos ao mesmo passo que a maior soma de deveres era
atribuída à parte adquirente144.
Verifica-se, assim, que não existia específica disciplina jurídica positiva. O
resultado não foi dos melhores. A ganância de alguns incorporadores, exercendo
indiscriminadamente a atividade, proporcionou muitos prejuízos a terceiros de boa-fé, que
pagavam e não recebiam as unidades autónomas, desestimulando os investimentos no
setor145.
A partir dessa situação caótica, surgiu a primeira tentativa de normatização da
incorporação imobiliária através do decreto nº 5.481/28146, que vigorou por mais de trinta
anos desenvolvendo a atividade de incorporação por meio de contratos atípicos147.
Apesar de continuar tratando da atividade de incorporação imobiliária como
contrato atípico, o decreto nº 5.481/28 foi de extrema importância para o desenvolvimento
da incorporação imobiliária, pois tornou possíveis os condomínios em edificações quando
“o legislador determinou que as edificações, com as características nele determinadas
podiam ser alienadas em parte, constituindo cada apartamento uma propriedade autónoma,
suscetível de ser como tal alienada e gravada; os negócios jurídicos assim realizados

143
COTRIM NETO, A.B. Incorporação Imobiliária I. Enciclopédia Saraiva Saraiva do Direito. São Paulo:
Saraiva, 1977. p. 340.
144
Id., Ibid., p. 339.
145
O investimento no ramo imobiliário nunca foi dos mais lucrativos. O percentual de aluguel raramente
atinge 1% do valor do imóvel. Entretanto, o que atrai os investidores para o negócio é a valorização do
imóvel, sobretudo a especulação na incorporação de edifícios em condomínio. GALHANONE, Álvaro Luiz
Damásio. O incorporador como empresa. Revista de Direito Imobiliário, São Paulo, p. 33–48, jan./jun.1981.
146
O artigo 1º do decreto estabelecia a abrangência do mesmo com o seguinte teor: "Edifícios de mais de
cinco andares, construídos de cimento armado ou matéria similar incombustível". Esse artigo foi alterado
pela Lei 285/48 que o reescreveu com o seguinte teor: "Os edifícios de dois ou mais pavimentos, construídos
de cimento armado ou material similar incombustível".
147
NASCIMENTO, Tupinambá Miguel Castro do. Responsabilidade Civil no Código do Consumidor. Rio de
Janeiro: Aide, 1991. p. 158.

57
podiam ser transcritos ou inscritos no Registro de Imóveis. Até esse momento era
inconcebível a existência da propriedade autónoma de um apartamento”148.
O enorme desenvolvimento dos condomínios em edifícios mostrou as falhas do
decreto, exigindo um novo diploma legal mais eficiente. A partir dessa necessidade, o ato
jurídico de incorporação imobiliária ganhou tipicidade na Lei nº 4.591/64 e, através dela,
encontram-se estatuídos os direitos e deveres dos contratantes nas suas linhas gerais.
Quanto ao conceito de incorporação, olegislador brasileiro, no artigo 28,
parágrafo único, da Lei 4.591/64, definiu que incorporação imobiliária é "a atividade
exercida com o intuito de promover e realizar a construção, para alienação total ou parcial,
de edificações, ou conjunto de edificações compostas de unidades autónomas".
Tupinambá Miguel Castro do Nascimento149, complementando o conceito legal,
defineincorporação imobiliária da seguinte forma:
Incorporação é uma atividade empresarial, em que com estruturação econômica, o incorporador,
através do expediente de efetivar ou compromissar a alienação prévia de frações ideais de
determinado terreno, adquire condições monetárias para construir uma ou mais edificações e,
posteriormente, vender as unidades autônomas já previamente vinculadas às frações ideais
alienadas. Esta atividade ocorrente antes da obra ser construída é que define e dá conteúdo à
atividade empresarial do incorporador. Daí que quem constrói uma edificação e, após a edificação
construída, vende as unidades autônomas, não é incorporador nem há incorporação.

A incorporação imobiliária tem por escopo, portanto, a comercialização das


unidades autónomas ainda não edificadas. Para que a unidade autónoma seja posta à venda
antes da conclusão da obra, o legislador, com a finalidade de proteger os adquirentes da
coisa futura, exige que o empreendedor registreperante o Serviço de Registro de Imóveis
competente o memorial de incorporação, através do arquivamento dos documentos de que
trata o artigo 32, da Lei 4.591/64.
Estando em ordem a documentação apresentada, o registro será lavrado, gerando a
pré-instituição da propriedade horizontal, que, após a conclusão da obra,deverá ser
confirmada por um novo ato de registro. A constituição da propriedade horizontal é,
portanto, a consequência da atividade de incorporação imobiliária.
Registrado o memorial de incorporação imobiliária, o incorporador está apto a
comercializar as futuras unidades autónomas através da celebração de contratos (que a

148
RODRIGUES, Sílvio. Contrato de Incorporação Imobiliária. RevistaJurídica, São Paulo, n. 243. p. 5-17,
1998.
149
NASCIMENTO, Tupinambá Miguel Castro do. Responsabilidade Civil no Código do Consumidor. Rio de
Janeiro: Aide, 1991. p. 88.

58
doutrina denominou de contratos de incorporação imobiliária150), nos quais se obriga a
promover a construção de empreendimento dividido em unidades autónomas para distintos
adquirentes da respectiva fração ideal do terreno151, sob regime da propriedade horizontal.
A atividade de incorporação imobiliária é caracterizada, portanto, pela construção
de empreendimento sob o regime da propriedade horizontal (elemento objetivo da
incorporação) e a comercialização das unidades autónomas antes da conclusão da obra152
(elemento negocial da incorporação).
No que tange ao contrato de incorporação imobiliária, Everaldo Augusto
Cambler153 afirma:
O objeto material do negócio jurídico incorporativo, por ocasião da assinatura do contrato, não
está à disposição do adquirente, motivo pelo qual o identificamos como coisa futura. Enquanto não
terminada a construção, a situação jurídica real é de uma co-propriedade, pois da existência efetiva
de unidades condominiais depende o aparecimento da propriedade, em planos horizontais.

A compropriedade surge no momento do registro das vendas das unidades


autónomas no registro de imóveis, quando o adquirente passa a ter direito real sobre as
frações ideais do terreno e sobre a fração autónoma. O adquirente só terá seu direito
completamente satisfeito a partir do cumprimento da obrigação de fazer por parte do
incorporador, transformando o terreno uno em frações ideais e criando frações autónomas
sobre as quais existira direito exclusivo.
Necessariamente, toda a incorporação tem incorporador (elemento subjetivo da
incorporação). A Lei 4.591/64, em seu artigo 29, conceituou o incorporador como:
“A pessoa física ou jurídica, comerciante ou não, que, embora não efetuando a construção,
compromisse ou efetive a venda de frações ideais de terreno objetivando a vinculação de tais
frações ideais a unidade autônoma, em edificações a serem construídas ou em construção sob
regime condominial, ou que meramente aceite proposta para a efetivação de tais transações,

150
O projeto do atual Código Civil Brasileiro, de autoria do jurista Miguel Reale, continha alguns artigos
dedicados ao contrato de incorporação imobiliária. Contudo, no processo de aprovação do projeto, os artigos
foram excluídos. O artigo 763 do projeto assim estabelecia: “Pelo contrato de incorporação imobiliária,
pessoa física ou jurídica, promove e realiza ou tão-somente promove e coordena a construção de edifício de
qualquer natureza, de um ou mais planos horizontais, dividido em unidades autónomas, sob regime
condominial”.
151
GOMES, Orlando. Contrato de Incorporação Imobiliária. Revista dos Tribunais, São Paulo, n. 461, mar.
1974. p. 12.
152
O contrato de incorporação imobiliária foi equiparado pela doutrina à atividade de incorporação.
Entretanto, ela é mais do que isso. Ela é toda a atividade incorporativa. Isto é, ela é o arquivamento da
documentação no Registro de Imóveis competente e a comercialização das futuras unidades autónomas
através do contrato de incorporação concebido sob a forma de um compromisso de compra e venda.
CAMBLER, Everaldo Augusto. Incorporação Imobiliária. Ensaio de uma teoria geral. São Paulo: RT, 1993.
153
Id., Ibid., p 261.

59
coordenando e levando a termo a incorporação e responsabilizando-se, conforme o caso, pela
entrega a certo prazo, preço e determinadas condições das obras construídas”154.

Até a edição da Lei 4.591/64, o incorporador não tinha sua situação regulada. Os
tribunais não tinham adotado posicionamento seguro sobre a figura do incorporador,
chegando a equipará-lo ao corretor da transação e isentando-o de maiores
responsabilidades. Sendo assim, por mais que se diga que a definição do artigo 29 é por
demais extensiva, e ela realmente o é, agora se tem definida essa figura jurídica que por
muito tempo foi conceituada de forma imprecisa.
Caio Mário155, ao tratar da natureza jurídica do incorporador, destaca a presença
de características de diversas categorias jurídicas.
Sob certo aspecto é um corretor, posto que conduz um negócio de venda e compra. Pode ser visto
como mandatário, especialmente por contratar em nome de terceiros. É um gestor de negócios
quando encaminha a seu termo a construção empreitada. É um comerciante, em análise mais
profunda. É, também, um industrial, desde que a construção cível é considerada ramo de atividade
industrial.

Entende-se, entretanto, que a atividade do incorporador transcende a tudo isso,


uma vez que impulsiona todo o empreendimento e, ao mesmo tempo, lhe confere inúmeras
obrigações. A partir da função de harmonizar interesses e encaminhar as pessoas para a
consecução do resultado, alguns doutrinadores 156 concluem que o incorporador exerce
atividade empresária157.
Tal enquadramento, contudo, parece esbarrar no conceito legal previsto no artigo
29, da Lei 4.591/64, que diz que incorporadorpode ou não ser comerciante 158 . Nesse

154
O artigo 3º, nº 1, “a”, do Decreto-Lei nº 68/2004, defini o promotor imobiliário como “a pessoa singular
ou colectiva, privada ou pública, que, directa ou indirectamente, decide, impulsiona, programa, dirige e
financia, com recursos próprios ou alheios, obras de construção ou de reconstrução de prédios urbanos
destinados à habitação, para si ou para aquisição sob qualquer título”.
155
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Incorporação Imobiliária. Revista de Direito Imobiliário, São Paulo, n.4,
jul./dez.1979. p. 23.
156
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Condomínios e Incorporações. Rio de Janeiro: Forense, 1994. p. 234-
235.
157
Empresa, nas palavras de J. Pinto Antunes, "é um dos regimes de produzir, onde alguém (empresário), por
via contratual, utiliza os fatores da produção sob sua responsabilidade (riscos), a fim de obter uma utilidade,
vendê-la no mercado e tirar, da diferença entre o custo da produção e o preço de venda, o maior proveito
monetário possível". ANTUNES, Pinto J., apud GALHANONE, Álvaro Luiz Damásio. O incorporador como
empresa. Revista de Direito Imobiliário, São Paulo, jan./jun.1981. p. 40.
158
A partir da adoção da teoria da empresa pelo direito brasileiro, deve-se substituir a palavra “comerciante”,
ligada à teoria dos atos de comércio, por “empresário”, relacionada à teoria da empresa. A teoria da empresa,
introduzida no direito brasileiro com a entrada em vigor do Código Civil de 2002, está prevista a partir do
artigo 966, que assim estabelece: Considera-se empresário quem exerce profissionalmente atividade
econômica organizada para a produção ou circulação de bens ou de serviço. Parágrafo Único – Não se
considera empresário quem exerce profissão intelectual, de natureza científica, literária ou artística, ainda que
com o concurso de auxiliares ou colaboradores, salvo se o exercício da profissão constituir elemento de
empresa.

60
sentido, Pontes de Miranda159, mesmo antes da vigência da Lei 4.591/64, já refutava a
necessidade de exigir a atividade empresarial do incorporador para caracterizar a
incorporação.
A organização para a construção de edifícios de apartamentos pode ser com o intuito de lucro ou
não. Algumas leis, como a Lei francesa de 28 de junho de 1938, art. 1.º, são explícitas; porém tal
explicitude é supérfula. O incorporador pode ser pessoa física, ou sociedade, ou grupo de pessoas
físicas unidas por alguma razão de ordem moral, ou Estado mesmo (União, Estado-membro,
Município), com o propósito de servir à solução do problema da habitação.

No mesmo sentido, Orlando Gomes160 afirma que:


“A incorporação de edifício em condomínio não requer, do incorporador, habitualidade161 nem
profissionalidade no exercício dessa atividade. Considerada em si é um empreendimento, mas não
necessariamente uma empresa; o proprietário de um terreno pode, sem ser empresário de
incorporações, incorporar eventualmente um edifício sem que por isso deva ser considerado
empresa imobiliária. Claro é que tem essa qualidade a sociedade, ou o indivíduo, que se dedica a
essa atividade comercialmente.
(...)
Ainda, que o incorporador não seja comerciante, e não se equipare à pessoa jurídica por injunção
legal, a sua atividade, conquanto civil, pode ser definida como empresarial para efeitos fiscais,
assimilado, como está, na lei, a uma empresa individual.”

Entretanto, para alguns autores162, no momento em que qualquer pessoa realiza a


atividade de incorporação ela é equiparada ao empresário, pois a complexidade da
atividade de incorporação demanda, para a sua execução, a presença dos elementos
caracterizadores da atividade empresária (capital, insumos, mão de obra e tecnologia).
Nesse sentido, ao organizar o empreendimento e colocar à venda as unidades autónomas, o
incorporador, independentemente de ser pessoa física ou jurídica, estaria praticando uma
atividade econômica organizada.
Corroborando esse entendimento, Álvaro Luiz Damásio Galhanone163 afirma que:
“Efetivamente, à vista de suas próprias características de empreendedor, como elemento de ligação
entre todos os interessados na construção do prédio, inesquecível o caráter empresarial do
incorporador, seja ele pessoa física ou jurídica. Mais do que isso, visa a lucros com essa atividade,
de tal sorte que todo seu esforço é dirigido para a obtenção do resultado econômico.

159
MIRANDA, Pontes. Tratado de Direito Privado. Tomo XII. 2ª edição. Campinas: Bookseller, 2001. p.
211.
160
GOMES, Orlando. Contrato de Incorporação Imobiliária. Revista dos Tribunais, São Paulo, n.461,
mar.1974. p. 18.
161
Caio Mario salienta que "na filosofia da Lei 4.591/64, o incorporador não é, necessariamente, um
profissional que age com habitualidade (habitualidade aqui está se referindo à construção, que é uma só e não
à venda das unidades, que podem ser várias). Desde que uma pessoa, física ou jurídica, realize um
empreendimento que consista em dispor de um terreno dividido em frações ideais alienando as unidades em
fase de construção vinculadas a frações ideais, sob o regime condominial, ela é um incorporador". PEREIRA,
Caio Mário da Silva. Condomínio e incorporações. Rio de Janeiro: Forense, 1994.
162
CAMBLER, Everaldo Augusto. Incorporação Imobiliária. Ensaio de uma teoria geral. São Paulo: RT,
1993.
163
GALHANONE, Álvaro Luiz Damásio. O incorporador como empresa. Revista de Direito Imobiliário, São
Paulo, jan./jun.1981. p. 43.

61
(...)
O enquadramento da figura do incorporador como empresa leva à melhor disciplina de uma
atividade inquestionavelmente importante. E pouco importa que, ao menos por ora, não exista no
Direito Positivo regramento da pessoa física do incorporador como empresa individual (deve-se
analisar o que a pessoa física realiza dentro da dinâmica de produção, para que ela possa ser
considerada empresa, ainda que individual), nem a possibilidade de que seja como tal registrado.
Na verdade, a existência da entidade é o pressuposto, a geratriz dos direitos e obrigações, sendo
certo que personificação através de registro é mero ato posterior, de complementação.”

Caio Mário da Silva Pereira164, com o objetivo de bem delinear juridicamente a


figura do incorporador, conclui no mesmo sentido.
“Falham, pois, todos os esforços de enquadramento da incorporação e do incorporador nas linhas
contratuais clássicas. Nem por isso o direito é ermo de lugar para situá-lo. E exatamente quando
encontramos a praça desejada em que o colocamos, novos horizontes vão se abrir, para definir não
apenas a sua atividade, como ainda as suas responsabilidades e seus direitos também. É que o
direito moderno criou o conceito novo da empresa. E é no campo da empresa que o assentamos. O
incorporador é uma empresa ou empresário.”

Caio Mário165 afirma, ainda, que “toda pessoa, natural ou jurídica, que organiza
uma atividade economicamente estável e teoricamente produtiva, tomando a si os riscos
respectivos, constitui uma empresa”. Para ele, sendo a “incorporação de um edifício uma
atividade empresarial e conceituando o incorporador como empresa, não é o fato de operar
com imóvel que lhe tira a capitulação de mercantil”. Inexistindo essa atividade
empresarial, afirma que inexistiria a incorporação.
Seguindo esse entendimento, o legislador, no Decreto-Lei nº 1.381/74, equiparou
à pessoa jurídica, para fins de cobrança de imposto de renda,a pessoa física que praticar a
atividade de incorporação imobiliária.
Depois de conceituar o incorporador, a Lei 4.591/64 ainda estabeleceu, em seu
artigo 31, quem pode exercer essa função:
a) o proprietário do terreno, o promitente comprador, o cessionário deste ou
promitente cessionário com título,devidamente registrado, que seja irrevogável e
irretratável, do qual conste cláusula de imissão na posse do imóvel, não haja estipulação
impeditiva de usa alienação em frações ideais e inclua consentimento para demolição e
construção (artigo 32, a, da Lei nº 4.591/64).
b) o construtor (Decreto número 23.569, de 11-12-33, e 3.995, de 31 de dezembro
de 1941, e Decreto-lei número 8.620, de 10 de janeiro de 1946) ou corretor de imóveis (Lei
nº 4.116, de 27-8-62).

164
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Condomínios e Incorporações. Rio de Janeiro: Forense, 1994. p. 234-
235.
165
Id., Ibid., p. 238.

62
c) o ente da Federação imitido na posse a partir de decisão proferida em processo
judicial de desapropriação em curso ou o cessionário deste, conforme comprovado
mediante registro no registro de imóveis competente.
No caso da alínea “b” acima referida, o incorporador será investido, pelo
proprietário do terreno, pelo promitente comprador e cessionário deste ou pelo promitente
cessionário, de mandato outorgado por instrumento público, no qual se faça menção
expressa da Lei 4.591/64 e se transcreva o disposto no §4º do artigo 35166, para concluir
todos os negócios tendentes à alienação das frações ideais do terreno, obrigando-se
pessoalmente pelos atos que praticar na qualidade de incorporador.
No intuito de dirimir as dúvidas sobre quem é juridicamente responsável pela
incorporação imobiliária, o artigo 31, §2º da Lei 4.591/64 estabelece que "nenhuma
incorporação poderá ser proposta à venda sem a indicação expressa do incorporador,
devendo também seu nome permanecer indicado ostensivamente no local da construção".
No próprio conceito de incorporador estabelecido no artigo 29 da Lei 4.591/64 há
referência de que o incorporador será o responsável pela incorporação.
Esses dispositivos legais deixam claro que o responsável pela atividade de
incorporação é o incorporador como o gestor do negócio, não importando se engloba todas
as atividades ligadas à incorporação ou se é simplesmente o administrador167. Ao lançá-la,
assume uma obrigação perante o adquirente, devendo alcançar o resultado que sua
obrigação se propôs, qual seja, o de entregar a unidade autónoma sob o regime da
propriedade horizontal ou de criar condições para que a mesma seja construída em
perfeitas condições mediante a contraprestação pecuniária.

2.2 O registro e a extinção da incorporação imobiliária

Para o memorial de incorporação imobiliária ter acesso ao fólio real, o


incorporador deve apresentar ao Serviço de Registro de Imóveis competente todos os
166
O artigo 35, §4º da Lei 4.591/64 diz que “Descumprida pelo incorporador e pelo mandante de que trata o
§1º do artigo 31 a obrigação da outorga dos contratos referidos no caput deste artigo (contrato da fração ideal
do terreno e de construção que substituirão os contratos preliminares) nos prazos ora fixados, a carta-proposta
ou o documento de ajuste preliminar poderão ser averbados no Registro de Imóveis, averbação que conferirá
direito à obtenção compulsória do contrato correspondente.”
167
Conforme lembra A. B. Contrim Neto, “no que diz respeito à construção objeto de incorporação nos
moldes da Lei nº 4.591/64, ela “poderá estar incluída no contrato com o incorporador”, ou ser contratada
diretamente entre os adquirentes e o construtor”. COTRIM NETO, A.B. Incorporação Imobiliária I.
Enciclopédia Saraiva Saraiva do Direito. São Paulo: Saraiva, 1977. p. 343.

63
documentos previstos no artigo 32 da Lei nº 4.591/64 (elemento formal da incorporação).
Os documentos previstos no citado dispositivo legal visam demonstrar aos adquirentes das
unidades autónomas em construção ou a serem construídas a estrutura urbanística do
empreendimento e a solvabilidade do incorporador.
O efeito publicitário do registro, além de vincular o incorporador, que deverá
executar exatamente o que publicizou, possibilita que os interessados em adquirir a coisa
futura conheçam todas as características do empreendimento e tenham acesso a uma séria
de certidões expedidas pelo Poder Público, que demonstram a situação financeira do
incorporador.
Dito isso, temos que, para registrar a incorporação, é necessário que o
empreendedor (futuro incorporador) requeira ao Oficial do Registro de Imóveis
competente o arquivamento dos seguintes documentos168:
I. O requerimento para registro da incorporação imobiliária, que será apresentado
em duas vias, além de ser instruído com os documentos indicados no item “II” abaixo,
deve conter: a qualificação completa do incorporador e do proprietário do terreno; a
solicitação do registro da incorporação imobiliária; a descrição do imóvel, conforme consta
do Registro Imobiliário, indicando sua origem; a caracterização do prédio, descrevendo o
imóvel em linhas gerais; a caracterização das unidades autónomas (descrição unitária); e a
indicação das áreas de uso comum.
Quanto ao requerimento, ainda, deve-se observar o seguinte:
a) se os cônjuges forem os incorporadores do empreendimento, ambos deverão
assinar o requerimento; caso o incorporador seja apenas um deles, somente este assinará o
requerimento, mas, nesse caso, deverá apresentar o instrumento de mandato referido no art.
31, §1°, c/c art. 32, da Lei 4.591/64 outorgado pelo outro cônjuge. Igual exigência deverá
ser observada em relação aos alienantes do terreno, se não forem, ao mesmo tempo,
incorporadores. As assinaturas deverão ser reconhecidas em Tabelionato;
b) se for pessoa jurídica, o requerimento deverá estar instruído com o Contrato
Social (ou cópia reprográfica autenticada) devidamente registrado (Junta Comercial,
Registro Civil de Pessoas Jurídicas ou outro órgão competente) juntamente com certidão

168
Na elaboração dos requisitos do requerimento de incorporação, foi levado em consideração o disposto nas
Leis 4.591/64 e 6.015/73, bem como nas normas da Consolidação Normativa Notarial e Registral da
Corregedoria-Geral da Justiça do Estado do Rio Grande do Sul (provimento 32/06-CGJ/RS) e no Roteiro de
Exigências elaborado pelo Sinduscon-RS e homologado pelo Colégio Registral do Rio Grande do Sul.

64
atualizada dos atos constitutivos, devendo este fato estar devidamente comprovado. Pelo
ato constitutivo, se verificará a capacidade dos firmatários do requerimento.
Além desses requisitos, o requerimento de incorporação deverá conter as
seguintes declarações:
a) declaração de estar ou não a incorporação subordinada ao prazo de carência
(art.32, n, da Lei 4.591/64) e às condições que autorizam o incorporador a desistir do
empreendimento.O prazo de carência, que é improrrogável, em hipótese alguma
ultrapassará o termo final do prazo de validade do registro da incorporação, que, como será
visto a diante, é de 180 dias.
O artigo 34 da Lei 4.591/64 facultou ao incorporador fixar prazo de carência para
a efetivação da incorporação. Duranteesse prazo, o incorporador tem a possibilidade de
desistir da incorporação, denunciando-a, por escrito, ao Registro de Imóveis e
comunicando, por escrito, a cada um dos adquirentes ou candidatos à aquisição sob pena
de responsabilização civil e criminal.
Para que essa opção seja legítima, é necessário que, no momento do registro da
incorporação, o incorporador manifeste por escrito que a incorporação possui prazo de
carência e quais são as condições que o autorizam a denunciar a incorporação. Caso
contrário, a desistência da incorporação constitui inadimplemento contratual, punível.
Assim, "uma vez denunciada a incorporação, que tinha a manifestação de prazo de
carência, o incorporador tem 30 dias para restituir as importâncias pagas”169.
Se o incorporador não denunciar a incorporação, o proprietário do terreno, que
outorgou procuração ao incorporador, poderá fazê-lo nos cinco (5) dias subsequentes ao
termo do prazo de carência, ficando solidariamente responsável com o incorporador pela
devolução das quantias pagas, resguardado o direito de regresso contra o incorporador.
Ao possibilitar que o incorporador fixe prazo de carência, o legislador criou uma
segunda utilidade à incorporação imobiliária. Além de a incorporação possibilitar a venda
das unidades autónomas antes delas estarem prontas, com a fixação do prazo de carência, o
incorporador poderá utilizar a incorporação para testar a receptividade do mercado ao
produto que pretende comercializar.
Se, após colocar as unidades a venda, o volume comercializado for inferior ao
necessário para que o empreendimento seja exitoso, o incorporador, que subordinou a
169
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Incorporação Imobiliária. Revista de Direito Imobiliário, São Paulo, n.4,
jul./dez.1979. p. 25.

65
incorporação ao prazo de carência, poderá desistir de executar a obra, devolvendo os
valores até então pagos pelos adquirentes, mas sem a necessidade de indemnizá-los pela
não realização do empreendimento.
b) declaração que fixe o regime de construção:
A construção poderá ser contratada sob o regime de empreitada (preço fechado)
ou de administração (preço de custo) e poderá estar incluída no contrato com o
incorporador ou ser contratada diretamente entre os adquirentes e o construtor. O mais
comum é que as unidades imobiliárias sejam contratadas por preço global, compreendendo
quota de terreno e construção, hipótese em que é obrigatória a discriminação, tanto no
contrato, quanto no requerimento de incorporação, do preço da quota de terreno e o da
construção.
A construção por empreitada poderá ser a preço fixo ou a preço reajustável por
índices previamente determinados. Na empreitada por preço fixo, o preço da construção
será irreajustável, independentemente das variações que sofrer o custo efetivo das obras e
quaisquer que sejam suas causas. Na empreitada a preço reajustável, o preço fixado no
contrato será reajustado na forma e nas épocas nele expressamente previstas em função da
variação dos índices adotados no contrato. Nesse regime construtivo, deverá estar
discriminado explicitamente no requerimento e na publicidade da incorporação o preço da
construção, com indicação expressa da reajustabilidade.
Na construçãoporadministração, o incorporador oferece a unidade com a
estimativa de seu custo, obrigando-se o adquirente a cobrir os gastos na medida em que se
fizerem necessários, mediante a atualização quantitativa e monetária periódica das
prestações, o que aproxima o preço em relação ao custo real, motivo pelo qual a
incorporação por administração também é chamada de incorporação a preço de custo.
Assim, os adquirentes assumem a responsabilidade pelo pagamento do custo integral da
obra, nos temos do artigo 58 da Lei 4.591/64, ainda que o contrato traga a estimativa do
preço, que será meramente informativa170.
Na construção por administração, deverá constar do requerimento de incorporação
o montante do orçamento do custo da obra, bem como, em toda publicidade destinada à
comercialização da incorporação, serão discriminados explicitamente o preço da fração

170
GOMES, Orlando. Contrato de Incorporação Imobiliária. Revista dos Tribunais, São Paulo, n. 461,
mar.1974.

66
ideal de terreno e o montante do orçamento atualizado do custo da construção, com
indicação do mês a que se refere dito orçamento171.
Tanto na incorporação em que o regime de construção é por empreitada quanto no
preço de custo, os adquirentes das futuras unidades autónomas reunir-se-ão em assembleia
que terá como principal objetivo a eleição de uma Comissão de Representantes, caso esta
não tenha sido designada no contrato de construção. A ata da assembleia que eleger a
Comissão de Representantes será registrada no Cartório de Títulos e Documentos,
investindo seu membros, principalmente, na tarefa de fiscalizar o bom andamento da
incorporação.
c) declaração exigindo ou não a abertura de matrículas das unidades autónomas:
O incorporador deverá declarar no requerimento de incorporação se deseja ou não
abrir, de imediato, as matrículas das unidades autónomas. Se a opção for por abrir as
matrículas individuais, o registrador cobrará os emolumentos referentes ao registro da
incorporação e os relativos à abertura de matrícula, descabendo cogitar de cobrar a título
de individualização.
A abertura de matrícula no momento da incorporação não é aconselhável, pois
cria a ilusão no adquirente da unidade autónoma de estar comprando um imóvel já
concluído, tendo em vista que terá seu contrato registrado em uma matrícula individual na
qual a indicação de que ela corresponde a uma unidade autónoma a ser construída fica
praticamente imperceptível ao leigo adquirente. Além disso, o custo da retificação, quando
há alteração de projeto, na incorporação com matrículas abertas é muito elevado, pois seria
necessário retificar todas as matrículas já abertas.
II – Os documentos que devem instruir o requerimento de incorporação são os
seguintes:
1- Título de Propriedade do Terreno.Trata-se da certidão do registro do título que
deu origem à propriedade, instruída com o próprio título, que poderá ser:a escritura pública
(compra e venda, doação, dação em pagamento, permuta, partilha, etc.), o título judicial
171
Ao tratar dos regimes de construção no final dos anos setenta, quando a inflação no Brasil alcançava
índices assustadores, Caio Mário da Silva Pereira afirmou que: Contudo, há que se ponderar que, à vista da
inflação sempre crescente e ainda não controlada neste País, na contratação a preço fixo a construtora levará
em conta a alteração dos preços durante a produção da obra, de tal sorte que o valor unitário a ser
determinado poderá ser até mesmo superior aos valores de mercado. Por conseguinte, muito mais ponderada
a solução esposada pelo legislador, possibilitando ou a adoção do preço de custo, pura e simples, ou o
reajuste dos valores da empreitada, com índices de antemão estabelecidos. É óbvio que estas duas outras
soluções distribuem de forma bem mais eqüitativa o risco pelos dois contratantes. PEREIRA, Caio Mário da
Silva. Incorporação Imobiliária. Revista de Direito Imobiliário, São Paulo, n.4, jul./dez.1979. p. 26.

67
(forma de partilha, mandado de registro de usucapião, carta de arrematação, etc.) ou o
instrumento particular (contrato de promessa de compra e venda, etc.);
2- Certidões Negativas referentes ao imóvel, ao proprietário do terreno e ao
incorporador:
2.1. Da esfera federal (art. 32, b, da Lei 4.591/64):
a) De Tributos Federais administrados pela Receita Federal e da Procuradoria-
Geral da Fazenda Nacional;
b) Da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional;
c) De Regularidade do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço;
d) Relativa à Justiça do Trabalho;
e) Da Justiça Federal (cível e criminal, inclusive de pessoa jurídica). No caso de
pessoa jurídica, deverão ser apresentadas, também, as certidões negativas criminais em
nome dos sócios.
2.2. Da esfera estadual (art. 32, b, da Lei 4.591/64):
a) Da Fazenda Estadual (Exatoria);
b) Da Justiça Comum Estadual (cível, inclusive justiças especializadas, e criminal,
inclusive de pessoa jurídica). No caso de pessoa jurídica, deverão ser apresentadas,
também, as certidões negativas criminais em nome dos sócios;
2.3. Da esfera municipal (art. 32, b, da Lei 4.591/64):
a) Relativa ao Imóvel;
b) Relativa a Tributos Diversos.
2.4. Do Instituto Nacional do Seguro Social (art. 32, f, da Lei 4.591/64), sempre
que o proprietário do terreno e o incorporador forem responsáveis pela arrecadação das
respectivas contribuições e se forem pessoa jurídica ou equiparada.
2.5. Do Serviço de Registro de Imóveis (art. 32, b e c, da Lei 4.591/64):
a) Negativa de Ônus e Ações;
b) Integrantes do Histórico Vintenário.
2.6. Certidão do Tabelionato de Protesto de Títulos (art. 32, B, da Lei 4.591/64).
3. Histórico Vintenário dos títulos de propriedade do imóvel (art. 32, c, da Lei
4.591/64) abrangendo os últimos vinte (20) anos, acompanhado de certidões integrais dos
respectivos registros.

68
4. Projeto Arquitetônico de Construção devidamente aprovado pelas autoridades
competentes e assinado por profissional responsável juntamente com o proprietário.
Alternativamente, poderá ser apresentada cópia do projeto aprovado, devidamente
autenticada pelo profissional responsável pela obra, acompanhada de cópia autenticada em
tabelionato da licença de construção expedida pelo órgão competente (artigo 32, §10, da
Lei 4.591/64);
5. Cópia autenticada do ato de aprovação fornecido pelo órgão ambiental
competente (licença de instalação).
6. Planilha de áreas e custos (quadros I a VIII da NBR 12.721), devidamente
firmada por profissional habilitado, contendo o seguinte:
6.1. Cálculo das áreas das edificações, discriminando, além da global, a das partes
comuns e indicando, para cada tipo de unidade, respectiva metragem de área construída
(art. 32, e, da Lei 4.591/64);
6.2. Memorial descritivo das especificações da obra projetada, segundo modelo a
que se refere o inciso IV, do artigo 53, da Lei 4.591/64. Esse documento descreve todo o
edifício, inclusive a área do terreno, subsolo, térreo, estacionamentos, pavimentos,
fundações, tipo de material, acabamentos, acessos, etc. (art. 32, g, da Lei 4.591/64);
6.3. Avaliação do custo global da obra, atualizada à data do arquivamento,
calculada de acordo com a norma do inciso III, do artigo 53, da Lei 4.591/64, com base nos
custos unitários referidos no art. 54, discriminando, também, o custo de construção de cada
unidade, devidamente autenticada pelo profissional responsável pela obra (art. 32, h, da Lei
4.591/64).
Segundo o artigo 53 da Lei 4.591/64, coube à Associação Brasileira de Normas
Técnicas, através da Norma Brasileira (NBR) nº 12.721, elaborar regras que tornassem
possíveis o cumprimento das exigências mencionadas nesse item.
7. Discriminação das Frações Ideais de Terreno com as unidades autónomas que a
elas corresponderão e respectivo custo da fração ideal por unidade autónoma (art. 32, i, da
Lei 4.591/64);
8. Minuta da Futura Convenção de Condomínio(art. 9°, da Lei 4.591/64 e 1.333 e
seguintes do Código Civil Brasileiro) que regerá a edificação ou o conjunto de edificações,
contendo a individuação das unidades e a caracterização das áreas de uso comum, além das
normas gerais do condomínio (art. 32, j, Lei 4.591/64).

69
9. Declaração em que se defina a parcela do preçode que trata o artigo 39, II, da
Lei do Condomínio e Incorporação (art.32, l, da Lei 4.591/64). Ou seja, nas incorporações
em que a aquisição do terreno se der com pagamento total ou parcial em unidades a serem
construídas no local, deverá ser discriminada a quota-parte da área das unidades a serem
entregues em pagamento do terreno que corresponderá a cada uma das unidades, a qual
deverá ser expressa em metros quadrados.
10. Certidão de Instrumento Público de Mandato,quando o incorporador não for o
proprietário (art. 31, §1°, c/c art. 32, m, da Lei 4.591/64).
11. Atestado de Idoneidade Financeira fornecido por estabelecimento de crédito
que opere no país, há mais de cinco (5) anos, dizendo que o incorporador possui
idoneidade (art 32, o, da Lei 4.591/64).
12. Declaração,acompanhada de plantas elucidativas, sobre o número de veículos
que a garagem comporta e os locais destinados à guarda dos mesmos, mencionando se as
vagas de estacionamento, garagens ou boxes, estão ou não vinculados aos apartamentos
(art. 32, p, da Lei 4.591/64).
13. Anotação de Responsabilidade Técnica – ART,emitido pelos profissionais de
engenharia e arquitetura que prestaram serviço ao incorporador.
14. Contrato-padrão, que ficará arquivado na Serventia Registral, conforme
determina o artigo 67, §§ 3° e 4°, da Lei 4.591/64(item opcional).
Por fim,cabe observar que:
a) Os documentos serão apresentados em duas (2) vias com as firmas de seus
subscritores reconhecidas nos documentos de ordem particular, exceção feita aos públicos;
b) A apresentação dos documentos far-se-á à vista dos originais, admitindo-se
cópias reprográficas autenticadas;
c)As certidões da Justiça Federal, da Justiça Estadual, da Justiça do Trabalho e do
Tabelionato de Protesto de Títulos deverão ser extraídas no domicílio do proprietário e do
incorporador, bem como na circunscrição onde se localiza o imóvel incorporado;
d) As certidões judiciais que forem positivas devem ser acompanhadas das
certidões narratórias dos processos;
e) As certidões forenses abrangerão dez (10) anos e as de protestos de títulos,
cinco (5) anos;

70
f) Será de noventa (90) dias o prazo de validade das certidões salvo se outro prazo
constar expressamente do documento, segundo norma adotada pelo órgão expedidor,
exceto as fiscais, que serão por exercício.
Uma vez protocolado o requerimento, com todos os documentos acima descritos
no Registro de Imóveis competente, o registrador terá o prazo de quinze (15) dias para
apresentar, por escrito, todas as exigências que julgar necessárias ao arquivamento da
documentação apresentada.
Quanto à qualificação da incorporação imobiliária, Lysipo Garcia172 afirma que “a
função do registrador não é simplesmente material, precisamente porque sua
responsabilidade é grande, cabendo-lhe averiguar minuciosamente as solenidades externas
e internas dos documentos que lhe são apresentados, de modo a evitar prejuízo a terceiros”.
Satisfeitas as exigências, que podem ocorrer até antes do término da validade do
protocolo 173 , o registrador terá quinze (15) dias para fornecer certidão, relativa à
documentação apresentada, e devolver, autenticadas, as segundas vias da mencionada
documentação, com exceção dos documentos públicos.
Importante deixar claro que os quinze (15) dias finais são para fornecer certidão e
devolver, autenticadas, as segundas vias da documentação apresentada e não para efetuar o
competente registro, que, segundo o disposto no artigo 188 da Lei 6.015/73, deverá ser
feito em trinta (30) dias a contar da protocolização do requerimento de incorporação. O
registro da incorporação constará na matrícula do terreno onde será construído o edifício.
A existência de ônus fiscais ou reais, salvo os impeditivos de alienação, não
impede o registro (artigo 32, §5º, da Lei 4.591/64). Entretanto, serão feitas as devidas
ressalvas à margem do respectivo registro, mencionando-se, em todos os documentos
extraídos do mesmo174, a existência e a extensão dos ônus.
J. Nascimento Franco175 entende que “é razoável, senão perfeitamente legítima, a
recusa de registro de incorporação quando contra o incorporador e, principalmente, contra
o dono do terreno existirem protestos e ações em grande número, porque, em princípio, é

172
GARCIA, Lysipo, apud, FRANCO, J. Nascimento. Incorporação Imobiliária (Contribuição do oficial do
Registro). Enciclopédia Saraiva do Direito. São Paulo: Saraiva, 1977. p. 358.
173
Segundo a exegese do artigo 188 da Lei 6.015/73, a validade do protocolo será de trinta (30) dias a contar
da apresentação do requerimento no Serviço de Registro de Imóveis.
174
O artigo 32 §5º da Lei 4.591/64 diz que “O Registro de Imóveis dará certidão ou fornecerá, a quem o
solicitar, cópia dos documentos arquivados por ocasião do registro da incorporação.”
175
FRANCO, J. Nascimento. Incorporação Imobiliária (Contribuição do oficial do Registro). Enciclopédia
Saraiva do Direito. São Paulo: Saraiva, 1977. p. 359.

71
duvidosa a alienação do imóvel por parte de quem tiver seu património potencialmente
comprometido por débitos numerosos”.
Após o exame do requerimento e da documentação mencionada e sendo a
qualificação registral positiva, o Oficial do Registro de Imóveis arquivará os documentos,
fazendo, dentro do prazo, o competente registro que conterá, pelo menos:
a) nome e qualificação do incorporador, com indicação de seu título, se não for
proprietário;
b) denominação do edifício, quando houver;
c) descrição das unidades autónomas, com suas localizações, áreas reais,
privativas e totais, e frações ideais;
d) definição sobre o prazo de carência e, quando fixado, seu prazo e as condições
que autorizam o incorporador a desistir do empreendimento;
e) regime de incorporação;
f) custo global da construção e custo de cada unidade autónoma;
g) preço das frações ideais do terreno;
h) circunstância de terem sido abertas matrículas das unidades autónomas a
requerimento do incorporador.
O registro da incorporação será válido pelo prazo de cento e oitenta (180) dias.
Nesse período, o incorporador está autorizado a comercializar as futuras unidades
autónomas. Se, entretanto, em cento e oitenta (180) dias, não for registrado nenhum
contrato de venda, para que as unidades autónomas voltem a ser negociadas, o
incorporador, se a incorporação não houver se concretizado, deverá requerer ao Serviço de
Registro de Imóveis a averbação da revalidação do registro da incorporação, através da
atualização da documentação de que trata o artigo 32 da Lei 4.591/64. O registro só pode
ser revalidado uma única vez e pelo mesmo prazo de 180 dias.
Questão interessante diz respeito à identificação dos requisitos necessários para a
concretização176 da incorporação, que autorizaria o incorporador a seguir comercializando
as unidades autónomas, mesmo com a expiração do prazo de validade do registro da
incorporação.
Para que a incorporação se concretize, entende-se que é necessário o registro de,
pelo menos, um contrato de comercialização de futura unidade autónoma. Contudo, se o

176
O verbo ‘concretizar’ está no artigo 33 da Lei 4.591/64.

72
incorporador subordinou a incorporação ao prazo de carência, a concretização da
incorporação dependerá do implemento das condições definidas pelo incorporador que o
autorizariam a desistir do empreendimento.
Assim, se o incorporador subordinou a incorporação ao prazo de carência e
estabeleceu como condição para a desistência a não comercialização de 50% das unidades
autónomas, a incorporação só poderá ser considerada concretizada se 50% das unidades
forem comercializadas.
Oliveira Ascensão177 destaca que “a concretização da incorporação a que se refere
o art. 33 dá-se quando se celebrar o contrato de construção. Até aí há um projeto, que pode
ainda se abandonado. A partir daí há uma vinculação jurídica, que leva à realização da
função da incorporação”.
Entende-se, ainda, que a incorporação poderá ser considerada concretizada se a
obra estiver em avançado estágio de conclusão. Para o implemento dessa condição, exige-
se declaração do incorporador e do profissional habilitado que estiver executando a obra.
Em que pese tenha se destacado a possibilidade de concretização da atividade de
incorporação com base no estágio de construção da obra, considerando que o escopo da
incorporação é a comercialização das futuras unidades, a concretização ocorre, em regra,
com a comercialização das unidades.
Assim, pode-se dizer que a incorporação se concretiza através do registro de, pelo
menos, dois instrumentos. O primeiro é o registro da incorporação, através do
arquivamento no Serviço de Registro de Imóveis competente dos documentos elencados no
artigo 32 da Lei 4.591/64. O segundo instrumento é o registro do contrato, ou dos
contratos, de compra e venda, promessa de venda, cessão ou promessa de cessão de
unidade autónoma.
Tais contratos, se forem pactuados com cláusula de irretratabilidade, uma vez
registrados, conferem direito real oponível a terceiro, atribuindo direito à adjudicação
compulsória perante o incorporador ou a quem o suceder (como será visto no item 2.4),
inclusive na hipótese de insolvência posterior ao término da obra.
Referidos contratos poderão consignar exclusivamente as cláusulas, termos ou
condições variáveis ou específicas, pois as cláusulas gerais e comuns a todos os
adquirentes constam do contrato-padrão arquivado no Registro de Imóveis por ocasião do
177
ASCENSÃO, Maria Teresa Pereira de Castro e ASCENSÃO, José de Oliveira. Condomínio (Instituição,
incorporação e convenção). Enciclopédia Saraiva do Direito. São Paulo: Saraiva, 1977. p. 415.

73
registro da incorporação. Caso o incorporador tenha optado por não arquivar contrato
padrão, recomenda-se178 que os contratos de vendas contenham, além das parcelas relativas
ao preço, o seguinte:
a) a obrigação de as partes firmarema escritura definitiva de transmissão da
unidade autónoma;
b) a obrigação de o incorporador promover a construção de edifício dividido em
unidades autónomas, estabelecendo o plano da obra e, eventualmente, as condições da
construção, recebendo em contrapartida os valores relativos ao preço ajustado;
c) a obrigação de incorporador entregar aos adquirentes, devidamente averbadas,
as unidades que adquiriram;
d) o número de inscrição da incorporação no registro de imóveis;
e) a existência ou não de ónus real ou fiscal, ou qualquer ação contra os alienantes
que possa comprometer o imóvel, assim como a indicação de sua natureza;
f) a circunstância de a incorporação estar ou não subordinada ao prazo de
carência;
g) a referência à circunstância de o imóvel estar vazio ou não, esclarecendo-se o
título da ocupação e as condições em que ela pode cessar;
h) nas incorporações em que a aquisição do terreno se der com pagamento total ou
parcial em unidades a serem construídas no local, deverá ser discriminada a parte que, se
houver, será paga em dinheiro e a quota-parte da área das unidades a serem entregues em
pagamento do terreno que corresponderá a cada uma das unidades, a qual deverá ser
expressa em metros quadrados;
i) o prazo de entrega das obras e as condições e formas de eventual prorrogação;
j) o regime construtivo da incorporação;
k) a menção dos responsáveis pelo pagamento da construção de cada unidade;
l) a designação da Comissão de Representantes, bem como a declaração dos
poderes a ela outorgados.
m) que o contrato seja acompanhado do projeto arquitetónico e do memorial
descritivo da incorporação.
Nas incorporações em que regime de construção for o da empreitada (preço
fechado), o contrato deverá conter, ainda:
178
FRANCO, J. Nascimento; Incorporação Imobiliária – II. Enciclopédia Saraiva do Direito. São Paulo:
Saraiva, 1977. p. 354.

74
a) a quem cabem as despesas com as ligações do edifício à rede de serviços
públicos, bem como as despesas indispensáveis à instalação, funcionamento e
regulamentação do condomínio, inclusive nos casos de serviços públicos concedidos;
b) se se tratar de preço reajustável, a forma e as épocas dos reajustes, em função
da variação dos índices adotados, também previstos obrigatoriamente no contrato;
c) o montante do orçamento atualizado da obra, calculado de acordo com as
normas do inciso III, do artigo 43, da Lei 4.591/64.
Por sua vez, nas incorporações em que regime de construção for o da
administração (preço de custo), o contrato deverá conter, ainda:
a) a indicação do banco que receberá as contribuições dos condóminos, em conta
aberta em nome do condomínio, bem como a forma de movimentação dessa conta;
b) a quem cabem as despesas com as ligações do edifício à rede de serviços
públicos, bem como as despesas indispensáveis à instalação, funcionamento e
regulamentação do condomínio, inclusive nos casos de serviços públicos concedidos;
c) a indicação do montante do orçamento do custo da obra, elaborado na forma do
inciso II, do artigo 53, da Lei 4.591/64, observando-se as disposições dos parágrafos
primeiro e segundo do artigo 59, da mesma lei, nos casos de contratos celebrados após o
início das obras;
d) a data em que se iniciará a obra;
e) a forma pela qual a comissão de representantes exercerá suas atribuições;
f) a indicação explícita do preço da fração ideal do terreno e do montante do
orçamento atualizado do custo de construção.
O resultado final do contrato de incorporação não se dá no momento da conclusão
da edificação ou conjunto de edificações, mas sim com a averbação das mesmas e a
individualização das unidades autónomas. Apenas com a instituição da propriedade
horizontal é que a incorporação atingirá o seu objetivo extinguindo-se naturalmente179.
Os documentos que devem instruir o requerimento de instituição da propriedade
horizontal,quando há o prévio registro da incorporação, são os seguintes:

179
A responsabilidade de fazer o pedido de averbação é do incorporador e, na falta deste, do construtor.
Entretanto, na omissão de ambos, a providência poderá ser requerida por qualquer adquirente,
independentemente das perdas e danos que poderão ser imputadas ao incorporador e ao construtor por sua
omissão. Artigo 44 da Lei 4.591/64. SCHMIDT, Francisco Arnaldo. Incorporação Imobiliária. Porto Alegre:
Secovi/RS, 1995.

75
a) o memorial descritivo com as especificações da obra e individualização das
unidades autónomas.
Caso não tenha havido alteração nas especificações da obra e na individualização
das unidades autónomas, constantes no memorial de incorporação, o memorial descritivo
da instituição de condomínio poderá ser substituído por declaração firmada conjuntamente
pelo incorporador, o construtor e o profissional responsável pela obra, confirmando, sob as
penas da lei, a manutenção de todas as especificações já registradas.
b) a carta de habitação fornecida pela Prefeitura Municipal;
c) a certidão negativa de débitos expedida pelo Instituto Nacional da Seguridade
Social relativa à obra realizada;
d) a Anotação de Responsabilidade Técnica relativa à execução da obra expedia
pelo Conselho Profissional competente;
e) certidão negativa de débitos expedia pela Receita Federal.
Além da forma regular de extinção da incorporação, é possível identificar alguns
casos de extinção anómala:
a) a incorporação pode se extinguir antes de se concretizar, na forma prevista no
artigo 33 da lei 4.591/64, quando, findos os cento e oitenta (180) dias da validade do
registro, o incorporador não tiver vendido as unidades, nem tiver atualizado os documentos
junto ao respectivo Registro de imóveis;
b) quando o incorporador, dentro do prazo de carência, desistir da incorporação,
denunciando-a por escrito ao Registro de Imóveis e comunicando-a, também, por escrito, a
cada um dos adquirentes ou candidatos à aquisição, sob pena de responsabilidade civil e
criminal.
c) assim como a Lei 4.591/64 “confere ao incorporador a faculdade de desistir da
incorporação no prazo de carência, concede, igualmente, aos adquirentes o poder de
destituição do incorporador. A destituição, posto seja uma penalidade ao incorporador
relapso, que sem justa causa paralisa as obras, ou lhes retarda excessivamente o
andamento, é, também, uma causa extintiva do contrato de incorporação. Extinção
punitiva, sujeitando o incorporador à responsabilidade civil e criminal, libera os

76
adquirentes, que poderão prosseguir na obra, ou tomar as medidas que melhor
entenderem"180.
d) extingue-se o contrato de incorporação com a falência do incorporador, quando
os adquirentes poderão prosseguir na construção, ou, não sendo possível esta opção, os
adquirentes serão credores privilegiados pelas quantias pagas ao incorporador, que poderá,
inclusive, responder pela restituição subsidiariamente com seus bens pessoais.
Além desses casos de extinção do contrato de incorporação, que diríamos
especiais, porque fundados na Lei 4.591/64, “não se consideram afastadas a resilição
bilateral resultante de acordo, nem a resolução judicial, com fulcro no direito comum,
mediante ação de iniciativa do incorporador ou de adquirente"181.
Realizado o registro da incorporação e dos contratos de comercialização das
futuras unidades autónomas, estará concretizada a atividade de incorporação, obrigando o
incorporador a promover a atividade de produção e realização de construção de edificações
ou conjunto de edificações com unidades autónomas sob regime condominial, cuja
finalidade é a alienação parcial ou total das unidades autónomas e frações ideais sobre o
terreno aos futuros adquirentes, que são chamados ao empreendimento antes da edificação
pronta para participação econômica na construção pretendida.
Pelo exposto, verifica-se que, em relação ao sistema do registro provisório da
propriedade horizontal previsto no direito português ou mesmo se comparado à ficha
técnica da habitação182, prevista no Decreto-Lei nº 68/2004, o ato jurídico da incorporação
imobiliária apresenta vantagens, tanto para os adquirentes quanto para o empreendedor.

180
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Incorporação Imobiliária. Revista de Direito Imobiliário, São Paulo, n.4.
jul./dez.1979. p. 24.
181
Id., Ibid.
182
O Artigo 7.º, do Decreto-Lei nº 68/2004, prevê os elementos que devem constar na ficha técnica da
habitação:
“1 - A ficha técnica da habitação deve conter informação sobre os principais profissionais envolvidos no
projecto, construção, reconstrução, ampliação ou alteração, bem como na aquisição da habitação, e ainda
sobre o loteamento, o prédio urbano e a fracção autónoma ou a habitação unifamiliar.
2 - A informação sobre os profissionais envolvidos deve incluir:a) Identificação do construtor, contendo os
dados de inscrição no Instituto dos Mercados de Obras Públicas e Particulares e do Imobiliário (IMOPPI);b)
Identificação dos autores dos projectos de arquitectura e de estruturas, contendo os números de registo como
membros das respectivas ordens profissionais;c) Identificação do técnico responsável da obra, com
identificação do número de registo na respectiva ordem, ou na associação profissional, se for o caso;d)
Identificação do promotor imobiliário.
3 - A informação sobre o loteamento deve incluir:a) Número total de edifícios;b) Número total de fogos;c)
Número total de lugares de estacionamento;d) Número e tipo de equipamentos colectivos existentes e ou
previstos;e) Identificação das entidades incumbidas da promoção, da gestão e da manutenção dos
equipamentos referidos na alínea anterior;f) Planta de síntese do loteamento, com o conteúdo previsto na
legislação em vigor, nomeadamente na Portaria n.º 1110/2001, de 19 de Setembro.

77
4 - A informação sobre o prédio urbano deve incluir:a) Identificação do prédio urbano, com indicação da sua
localização, do número de inscrição na matriz predial e do número e data da licença de utilização;b)
Descrição do prédio urbano, com indicação do número de pisos acima do solo, do número total de fogos, do
número de ascensores, da existência de outro tipo de utilização que não a habitacional e respectiva
localização, do número de lugares de estacionamento reservado aos moradores do prédio, das condições de
acesso a pessoas com mobilidade condicionada e da existência de sala de reuniões de condóminos e de casa
do porteiro;c) Caracterização das soluções construtivas dos principais elementos de construção do prédio,
nomeadamente das fundações e da estrutura, das paredes exteriores e da cobertura;d) Descrição dos
principais materiais e produtos de construção utilizados nos espaços comuns do edifício, especialmente
daqueles que estejam em contacto directo com os moradores, e lista dos respectivos fabricantes, contendo
contactos e moradas;e) Descrição dos sistemas de controlo e gestão do prédio, nomeadamente no que se
refere à segurança contra intrusão, à segurança contra incêndio, à gestão energética e à gestão ambiental;f)
Localização dos equipamentos ruidosos, tais como ascensores, grupos geradores e grupos hidropressores;g)
Localização de equipamentos facultativos de condições de acesso ao prédio de pessoas com deficiência,
nomeadamente motora, visual ou auditiva;h) Planta simplificada do piso de entrada no edifício, com
indicação da orientação, e a localização das portas exteriores, circulações horizontais, escadas e ascensores.
5 - A informação sobre a fracção autónoma deve incluir:a) Identificação da fracção autónoma, com indicação
da sua localização e do número e data da licença de utilização;b) Descrição da habitação, nomeadamente do
fogo e das dependências do fogo, com indicação da área bruta da habitação, da área bruta do fogo, da área
útil do fogo, da área útil de cada compartimento e da área útil de cada dependência do fogo;c) Caracterização
das soluções construtivas dos principais elementos de construção, nomeadamente das paredes exteriores e
interiores, dos pavimentos e escadas, dos tectos e coberturas, das portas exteriores e interiores, da caixilharia
exterior e dos sistemas de protecção solar dos vãos;d) Descrição dos principais materiais e produtos de
construção, especialmente daqueles que estejam em contacto directo com os moradores, e lista dos
respectivos fabricantes, contendo os seus contactos e moradas;e) Caracterização das instalações na habitação,
nomeadamente de distribuição de água, de drenagem de águas residuais domésticas, de drenagem de águas
pluviais, de distribuição de gás, de distribuição de energia eléctrica, de climatização e aquecimento, de
ventilação e evacuação de fumos e gases e de comunicações telefónicas e telecomunicações;f) Descrição dos
equipamentos incorporados na habitação, nomeadamente dos da cozinha e das instalações sanitárias, e lista
dos respectivos fabricantes, contendo os seus contactos e moradas;g) Planta simplificada do piso de acesso ao
fogo, com destaque para a localização do fogo e dos espaços comuns, e com indicação da localização de
extintores portáteis e das saídas de emergência em caso de incêndio;h) Plantas simplificadas da habitação,
incluindo planta do fogo com identificação de todos os compartimentos e a localização dos equipamentos
incorporados, fixos ou móveis;i) Plantas simplificadas das redes existentes na habitação, nomeadamente das
redes de distribuição de água, de drenagem de águas residuais domésticas, de distribuição de energia
eléctrica, de distribuição de gás, de climatização e aquecimento e de comunicações e entretenimento.
6 - A ficha técnica da habitação deve ainda conter informação sobre:a) Garantia da habitação, bem como o
seu modo de accionamento em caso de detecção de defeitos;b) Regras de funcionamento do condomínio,
caso existam, e contratos de prestação de serviços que tenham sido celebrados;c) Regras de manutenção dos
equipamentos instalados que requerem tratamento especial.
7 - A informação sobre as soluções construtivas a que se referem as alíneas c) dos n.os 4 e 5 deve incidir
fundamentalmente sobre os aspectos determinantes para a segurança, a saúde e o conforto dos utentes da
habitação.
8 - Os elementos gráficos a que se referem as alíneas f) do n.º 3, h) do n.º 4 e g), h) e i) do n.º 5 devem
constituir anexos à ficha técnica da habitação, devidamente numerados.
9 - A informação sobre os principais materiais e produtos de construção utilizados na habitação, a que se
refere a alínea d) do n.º 5 do presente artigo, deve descrever, em particular:a) O material utilizado nas paredes
com especificação da existência ou não de parede dupla e respectivos revestimentos;b) O tipo de protecção
contra ruído e variações térmicas;c) O tipo de cobertura e de pavimento;d) O tipo de material de
impermeabilização, caso exista;e) O tipo de material das canalizações e eficiência que os mesmos
oferecem;f) O material empregue na caixilharia e nos estores;g) O tipo de porta de entrada.
10 - A informação prevista nas alíneas d) do n.º 4 e d) e f) do n.º 5 na parte em que contém referência a
elementos nominativos que não sejam públicos apenas deve ser facultada ao proprietário do imóvel.”

78
Com o registro da incorporação, os adquirentes das futuras unidades têm mais
segurança na aquisição, pois terão a possibilidade de conhecer a estrutura urbanística do
empreendimento e a solvabilidade do incorporador.
Visando a proteção dos adquirentes das unidades futuras, o legislador brasileiro
estabeleceu sanções ao incorporado, a partir do artigo 63 da Lei 4.591183. Dentre os crimes
e contravenções tipificadas na lei, merecem destaque (a) a previsão de crime contra a
economia popular, punível com reclusão de 1 a 4 anos, a afirmação falsa, em documento
de venda das unidades, sobre a instituição da propriedade horizontal resultante da
incorporação; e (b) a previsão de contravenção contra a economia popular, punível com
multa de cinco a vinte vezes o maior salário mínimo vigente no país, negociar a
transmissão de unidades autónomas sem o registro da incorporação imobiliária ou paralisar
a obra por mais de 30 dias.
O empreendedor, por sua vez, ao registrar a incorporação, poderá subordiná-laao
prazo de carência,reservando-se o direito de desistir do negócio, sem a necessidade de
indemnizar os adquirentes, caso identifique que empreendimento não será exitoso.
Outra vantagem da incorporação imobiliária, em relação ao sistema do registro
provisório da propriedade horizontal é a faculdade de o empreendedor subordinar a
incorporação ao regime do património de afetação, que será objeto de estudo no item 2.3.

2.3 O património de afetação das incorporações imobiliárias

Como foi visto no subcapítulo anterior, ao regulamentar a atividade de


incorporação imobiliária, o legislador preocupou-se em proteger os adquirentes das
unidades autónomas em construção ou a serem construídas, exigindo do empreendedor,
antes de iniciar a comercialização, o registro da incorporação (pré-instituição do
condomínio) com a demonstração da sua solvabilidade. Além disso, obrigou o
incorporador a prestar contas semestrais, sobre o estágio da obra, à Comissão de
Representantes formada pelos adquirentes das futuras unidades.
Contudo, com o passar dos anos e com o crescimento do mercado da construção
civil, tais mecanismos de controle da incorporação mostraram-se insuficientes para

183
O artigo 13º, do Decreto-Lei nº 68/2004, também prevê sanções aos promotores que descumprirem as
regras previstas no Decreto-Lei.

79
proteger os adquirentes das unidades autónomas quando ocorre a falência ou insolvência
do incorporador.
Ciente da importância da indústria da construção civil para o crescimento
económico do país e identificando na atividade de incorporação imobiliária uma
importante ferramenta de impulsionamento desse setor, o legislador, após alguns projetos
de lei184 e a edição da Medida Provisória nº 2.221/2001, aprovou a Lei 10.931/2004,que
criou o Património de Afetação nas Incorporações Imobiliárias e o Regime Especial
Tributário do Património de Afetação.
Assim, como os institutos criados pela nova Lei estão diretamente relacionados
com a atividade de incorporação imobiliária, este subcapítulo será dedicado ao estudo do
Património de Afetação. Primeiramente, serão apresentadas as características gerais do
Património de Afetação, fazendo, em um segundo momento, algumas ponderações sobre o
referido Património e a Falência/Insolvência do Incorporador. Por derradeiro, será
abordado o Regime Especial Tributário do Património de Afetação.

2.3.1 Conceito

Com o objetivo de resgatar a credibilidade da atividade de incorporação


imobiliária, abalada pela falência/insolvência de algumas incorporadoras ocorrida no Brasil
na década de 90, o legislador facultou aos incorporadores a possibilidade de submeter seus
empreendimentos ao regime de afetação.
Optando pela constituição desse regime, o terreno e as acessões objeto de
incorporação imobiliária, bem como os demais bens e direitos a ela vinculados185, manter-
se-ão apartados do património do incorporador e constituirão património de afetação,
destinado ao pagamento das despesas inerentes à incorporação ou reembolso do preço de
aquisição do terreno, propiciando a consecução do empreendimento correspondente e a
entrega das unidades imobiliárias aos respectivos adquirentes.
Não integrarão, todavia, o património de afetação, os recursos financeiros que
excederem as importâncias necessárias à conclusão da obra bem como os valores
referentes ao preço de alienação da fração ideal de terreno de cada unidade vendida.

184
Projeto 2.109/1999, Projeto 3.445/2000 e Projeto 3.751/2000.
185
O produto da cessão plena ou fiduciária de direitos creditórios oriundos da comercialização das unidades
imobiliárias componentes da incorporação também passarão a integrar o património de afetação.

80
O património de afetação possui as seguintes características:
a)é opcional e a opção por este regime não implica na obrigatoriedade de optar
pelo regime especial de tributação (que será tratado abaixo).
b)constitui-se mediante averbação, a qualquertempo186, no Registro de Imóveis,
de termo firmado pelo incorporador e, quando for o caso, também pelos titulares de
direitos reais de aquisição sobre o terreno187.
A existência de ónus reais sobre o terreno, que tenham sido constituídos para a
garantia do pagamento do preço de sua aquisição (registro de uma hipoteca, por exemplo)
ou do cumprimento de obrigação de construir o empreendimento (registro de uma
incorporação imobiliária sem prazo de carência, por exemplo), não obstam a averbação do
termo de constituição188;
c)não se comunica com os demais bens, direitos e obrigações do património geral
do incorporador ou de outros patrimónios de afetação por ele constituídos;
d)só responde por dívidas e obrigações vinculadas à respectiva incorporação;
e)os bens e direitos integrantes do património de afetação somente poderão ser
objeto de garantia real em operações de crédito cujo produto seja integralmente destinado à
consecução da edificação correspondente e à entrega das unidades imobiliárias aos
respectivos adquirentes.
Quando existirem conjuntos de edificações, ou seja, condomínio de casas (artigo
8º, alínea “a” da Lei 4.591/64) ou condomínios constituídos por edifícios de dois ou mais
pavimentos (artigo 8º, alínea “b” da Lei 4.591/64), poderão ser constituídos patrimónios de
afetação separados, desde que tal possibilidade esteja declarada no memorial de
incorporação do empreendimento. No entanto, para a constituição de um único património
de afetação, esse requisito não é necessário.
Nas incorporações objeto de financiamento, a comercialização das unidades
deverá contar com a anuência da instituição financiadora ou deverá ser ela cientificada,

186
Sobre a possibilidade de averbar o património de afetação antes do registro da incorporação imobiliária, o
Conselho da Justiça Federal, na IV Jornada de Direito Civil, editou o Enunciado nº 324 com o seguinte teor:
É possível a averbação do termo de afetação de incorporação imobiliária (Lei n. 4.591/64, art. 31b) a
qualquer tempo, na matrícula do terreno, mesmo antes do registro do respectivo Memorial de Incorporação
no Registro de Imóveis.
187
Identificando que adoção pelo regime de afetação é benéfica aos adquirentes das unidades autónomas. O
Conselho da Justiça Federal, na IV Jornada de Direito Civil, editou o Enunciado nº 323 com o seguinte teor:
É dispensável a anuência dos adquirentes de unidades imobiliárias no “termo de afetação” da incorporação
imobiliária.
188
Isso corrobora o entendimento de que o património de afetação pode ser constituído a qualquer tempo.

81
conforme vier a ser estabelecido no contrato de financiamento 189 . A contratação de
financiamento e a constituição de garantias não implicam a transferência para o credor de
nenhuma obrigação ou responsabilidade do devedor, que permanecerá como o único
responsável pelas obrigações e pelos deveres que lhes são imputáveis.
Tanto a Instituição Financiadora quanto a Comissão de Representantes dos
Adquirentes (artigo 50 da Lei 4.591/54) poderá nomear, às suas expensas, pessoa física ou
jurídica para fiscalizar e acompanhar o património de afetação190. A nomeação de uma
pessoa fiscalizadora não transfere à mesma qualquer responsabilidade do incorporador ou
do construtor. Responderá, entretanto, pela falta de zelo, dedicação e sigilo sobre quaisquer
informações que obtiver em decorrência do exercício da fiscalização ao património de
afetação, salvo se a pessoa fiscalizadora for nomeada pela Instituição Financiadora, quando
deverá fornecer cópia de seus relatórios à Comissão de Representantes.

2.3.2 Deveres do incorporador e extinção do património de afetação

Constituído o Património de Afetação, o incorporador terá as seguintes


obrigações:
a) promover todos os atos necessários à boa administração e à preservação do
património de afetação, inclusive mediante adoção de medidas judiciais;
b)manter apartados os bens e direitos objeto de cada incorporação;
c)diligenciar a captação dos recursos necessários à incorporação e aplicá-los na
forma prevista na Lei 10.931/04, cuidando de preservar os recursos necessários à
conclusão da obra;
d)entregar à Comissão de Representantes, no mínimo a cada três meses,
demonstrativo do estado da obra e de sua correspondência com o prazo pactuado ou com
os recursos financeiros que integrem o património de afetação recebidos no período,
firmados por profissionais habilitados, ressalvadas eventuais modificações sugeridas pelo
incorporador e aprovadas pela Comissão de Representantes;

189
Entende-se que esse dispositivo foi criado com o intuito de amenizar o descrédito que o instituto da
hipoteca tem sofrido com as decisões judiciais fundamentadas no Código de Defesa do Consumidor, que
garantem ao adquirente de boa-fé da unidade imobiliária quitada o direito de ficar com o imóvel sobre o qual
recaia uma hipoteca, fazendo com que aquela garantia real desapareça, tornando o agente financeiro em
credor quirografário. Nesse sentido, súmula 308, do STF.
190
Aqui está um interessante campo de atuação para as administradoras de condomínio, que poderão
profissionalizar-se com o objetivo de exercer a função da Comissão de Representantes.

82
e)manter e movimentar os recursos financeiros do património de afetação em
conta de depósito aberta especificamente para tal fim;
f)entregar à Comissão de Representantes balancetes coincidentes com o trimestre
civil, relativos a cada património de afetação;
g)assegurar à pessoa nomeada, nos termos do art. 31-C acrescido na Lei 4.591/64,
pela Lei 10.931/04, o livre acesso à obra, bem como aos livros, contratos, movimentação
da conta de depósito exclusiva referida na letra “e” supra e quaisquer outros documentos
relativos ao património de afetação;
h)manter escrituração contábil completa, ainda que esteja desobrigado pela
legislação tributária;
i)responder pelos prejuízos que causar ao património de afetação.
O património de afetação extinguir-se-á através da:
a)averbação da construção, registro dos títulos de domínio ou de direito de
aquisição em nome dos respectivos adquirentes e, quando for o caso, extinção das
obrigações do incorporador perante a instituição financiadora do empreendimento.
A averbação da extinção do património de afetação à margem da matrícula do
imóvel depende do implemento das três condições acima previstas.
b)revogação em razão de denúncia da incorporação, depois de restituídas aos
adquirentes as quantias por eles pagas (art. 36 da Lei 4.591/64), ou de outras hipóteses
previstas em lei;
c)liquidação deliberada pela assembleia geral nos termos do art. 31-F, § 1º
acrescido na Lei 4.591/64 através da Lei 10.931/04.

2.3.3 Património de afetação e a falência/insolvência do incorporador

Estabelecidas as características principais do património de afetação, passamos a


analisar o que parece ser o ponto mais importante dentro do regime de afetação.
Criado com o pretexto de que a legislação vigente não contemplava a solução para
a falência do incorporador imobiliário, fato de que se ousa discordar, uma vez que, salvo
melhor juízo, o sistema preconizado na Lei 4.591/64 é, dependendo da situação, mais
benéfico aos adquirentes, a constituição do património de afetação estabelece uma nova

83
disciplina jurídica no acaso de falência do incorporador ou paralisação das obras de forma
injustificada prevista no artigo 43, VII191 da Lei 4.591/64.
Constituído o património de afetação, os efeitos da decretação da falência ou da
insolvência civil do incorporador não atingem o património da incorporação afetada, de
maneira que o terreno, as acessões e demais bens, direitos creditórios, obrigações e
encargos objeto da incorporação não integram a massa falida.
Decretada a falência ou insolvência do incorporador, o condomínio dos
adquirentes, devidamente convocado, terá sessenta (60) dias para instituir o condomínio da
construção, por instrumento público ou particular, e deliberar sobre os termos da
continuação da obra ou da liquidação do património de afetação para o pagamento dos
credores.
Até aqui tudo estava muito bem. Porém, segundo o disposto no artigo 9º da Lei
10.931/04, perde eficácia a deliberação pela continuação da obra ou pela liquidação do
património de afetação acima referida, caso não se verifique o pagamento das obrigações
tributárias, previdenciárias e trabalhistas, vinculadas ao respectivo património de afetação,
cujos fatos geradores tenham ocorrido até a data da decretação da falência, ou insolvência
do incorporador, as quais deverão ser pagas pelos adquirentes em até um ano daquelas
deliberações, ou até a data da concessão do habite-se se esta ocorrer em prazo inferior192.
Além disso, decidindo pela continuação da obra, os adquirentes ficarão
automaticamente sub-rogados nos direitos, nas obrigações e nos encargos relativos à

191
Artigo 43, da Lei 4.591/64 – Quando o incorporador contratar a entrega da unidade a prazo e preços certos,
determinados ou determináveis, mesmo quando pessoa física, ser-lhe-ão impostas as seguintes normas: (...);
VII - em caso de insolvência do incorporador que tiver optado pelo regime da afetação e não sendo possível à
maioria prosseguir na construção, a assembléia geral poderá, pelo voto de 2/3 (dois terços) dos adquirentes,
deliberar pela venda do terreno, das acessões e demais bens e direitos integrantes do patrimônio de afetação,
mediante leilão ou outra forma que estabelecer, distribuindo entre si, na proporção dos recursos que
comprovadamente tiverem aportado, o resultado líquido da venda, depois de pagas as dívidas do patrimônio
de afetação e deduzido e entregue ao proprietário do terreno a quantia que lhe couber, nos termos do art. 40;
não se obtendo, na venda, a reposição dos aportes efetivados pelos adquirentes, reajustada na forma da lei e
de acordo com os critérios do contrato celebrado com o incorporador, os adquirentes serão credores
privilegiados pelos valores da diferença não reembolsada, respondendo subsidiariamente os bens pessoais do
incorporador.
192
Identificando que a sistemática do património de afetação, especialmente em razão do disposto no artigo
9º, da Lei 10.931/2004, é prejudicial aos adquirentes das unidades autónomas se comparado ao previsto
originalmente na Lei 4.591/64, o Conselho da Justiça Federal, na IV Jornada de Direito Civil, editou o
Enunciado nº 327 (proposições legislativas) com o seguinte teor: Suprima-se o art. 9º da Lei n. 10.931/2004.
(Unânime).

84
incorporação, inclusive aqueles relativos ao contrato de financiamento da obra 193 , se
houver.
Com a falência do incorporador e estando a incorporação sob o regime de
afetação, os adquirentes que optarem por seguir com a obra, além de assumir as obrigações
e encargos relativos à incorporação, inclusive os relativos a financiamento, dívidas
trabalhistas, tributárias e previdenciárias, segundo o que preceitua o parágrafo 13 do artigo
31-F, inserido na Lei 4.591/64 pela 10.931/04, deverão entregar à massa falida o saldo
positivo que por ventura exista entre as receitas da incorporação e o custo da conclusão da
incorporação. Ou seja, terão o incómodo de gerenciar a incorporação ou de contratar quem
o faça e não poderão sequer ficar com obónus proveniente da atividade.
Pelo sistema da Lei 4.591/64, segundo o disposto no artigo 43, III, em caso de
falência do incorporador, os adquirentes podem optar por prosseguir na construção da
edificação ou serem credores privilegiados da empresa incorporadora nas importâncias
pagas até o momento da decretação da falência. O benefício em relação à nova Lei é que,
pela 4.591/64, segundo a jurisprudência majoritária 194 , os adquirentes não assumem a
responsabilidade pelo pagamento das dívidas tributárias, previdenciárias e trabalhistas que
deveriam ter sido pagas pelo incorporador falido com os recursos provenientes das
prestações já pagas pelos adquirentes, enquanto que constituído o património de afetação
os adquirentes tem que, de certa forma, pagar pelo que já pagaram.
Optando pelo prosseguimento da obra, a leitura conjunta do inciso III, da Lei
4.591/64195, com o artigo 85, da Lei 11.101/05196,possibilita entender que a mesma não
integrará a massa falida, o que não desvinculará o incorporador de suas responsabilidades
civis, aqui incluídas as dívidas que porventura existam para com os adquirentes das
unidades autónomas e que poderão ser pagas subsidiariamente com o património pessoal
dos sócios da incorporadora. Ocorrendo isso, os contratos firmados com a incorporadora

193
Isto pode ser um benefício que as instituições financeiras queiram exercer passando a fornecer empréstimo
somente para o custeio das incorporações que estiverem submetidas ao regime de afetação. Isto porque,
deixariam de ser credores de uma empresa falida para ser credores dos adquirentes.
194
Apelação Cível nº 200100508574 – Terceira Turma do Tribunal de Justiça de Goiás.
195
Artigo 43, da Lei 4.591/64 – Quando o incorporador contratar a entrega da unidade a prazo e preços certos,
determinados ou determináveis, mesmo quando pessoa física, ser-lhe-ão impostas as seguintes normas: (...);
III - em caso de falência do incorporador, pessoa física ou jurídica, e não ser possível à maioria prosseguir na
construção das edificações, os subscritores ou candidatos à aquisição de unidades serão credores
privilegiados pelas quantias que houverem pago ao incorporador, respondendo subsidiàriamente os bens
pessoais dêste.
196
Artigo 85, da Lei 11.101/05 – O proprietário de bem arrecadado no processo de falência ou que se
encontre em poder do devedor na data da decretação da falência poderá pedir sua restituição.

85
perderão a eficácia e, se as importâncias pagas em virtude do contrato excederem ao
montante de obra construída, elas poderão ser reclamadas judicialmente. Não tendo sido
todas as unidades comercializadas, a massa falida poderá ser condómina no
empreendimento, tendo, como os demais condóminos, que custear a obra (artigo 35, §6º)
ou, não sendo de interesse, os condóminos, que retomaram a obra para finalizá-la, poderão
comercializar referidas unidades com o objetivo de buscar aporte financeiro para a
construção.
Sendo assim, com a nova lei, os adquirentes, além de assumir a responsabilidade
pelo término da obra, assumem, também, a administração do património de afetação, com
seus ónus, mas sem obónus, o que não ocorre no sistema da 4.591/64, no qual os
adquirentes ficam livres para continuar a obra independentemente do pagamento das
dívidas da incorporação, podendo, inclusive, vender as unidades ainda não
comercializadas, utilizando os valores que receberem para custear a construção.
Importante destacar, entretanto, que a possibilidade de excluir do património da
empresa falida e transferir ao Condomínio da Construção as edificações inacabadas,
possibilitando a continuidade da obra, decorre, como foi dito, da interpretação sistemática
do inciso III, da Lei 4.591/64, combinada com o artigo 85, da Lei 11.101/05, corroborada
pelas decisões judiciais. Diante disso, levando em consideração que a interpretação dos
tribunais pode mudar a qualquer momento, deixando de excluir da massa falida as
construções pelo sistema condominial, quando o condómino for prudente e acompanhar o
desenvolvimento da obra, ou quando é representado por uma Comissão de Representantes
atuante, a constituição do património de afetação pode ser uma boa ideia. Isso porque, na
pior das hipóteses, o condómino terá que pagar as dívidas apenas da incorporação de que
fizer parte, tendo a certeza de que a obra não fará parte da massa falida se a empresa
incorporadora, obviamente, falir.
Além disso, outra vantagem em constituir o Património de Afetação é que,
decretada a falência, os bens afetados nem chegam a integrar a massa falida, enquanto que,
pela sistemática da Lei 4.591/64, a construção vai integrar a massa para, posteriormente,
deixá-la, através de uma decisão judicial, dentro do processo de falência, a partir do pedido
dos adquirentes das unidades autónomas com essa finalidade.
Feitas as devidas ressalvas, vemos que o novo dispositivo legal, que surgiu como
uma forma de dar credibilidade às incorporações imobiliárias, traz benefícios aos credores

86
trabalhistas, previdenciários e tributários, que não precisarão aguardar a liquidação do
ativo da massa falida para receber o que lhes é devido, pois os adquirentes das unidades
imobiliárias se sub-rogam nessa obrigação. Contudo, diante da interpretação do artigo 43,
III da Lei 4.591/64, combinado com o artigo 85, da Lei 11.101/05, há desvantagens aos
adquirentes como foi visto acima.
Não obstante, cumpre destacar que, em relação ao que dispunha a Medida
Provisória 2.221/01, a Lei 10.931 apresenta uma excelente alteração, suprimindo o artigo
30-D da Medida Provisória, que estendia ao adquirente a responsabilidade não apenas
pelas dívidas do património de afetação, mas também por todas as dívidas da empresa
incorporadora. O referido dispositivo impunha aos adquirentes o pagamento de um passivo
oculto, incluindo dívidas de outras incorporações e dívidas pessoais do incorporador
relativas ao imposto de renda e contribuição social sobre o lucro da empresa.
Felizmente, o legislador ouviu as críticas feitas à Medida Provisória e substituiu o
texto da mesma, que inseria o artigo 30-D na Lei 4.591/64, pelo texto do §20 do artigo 31-
F inserido na Lei 4.591/64 pela Lei 10.931/04, que tem a seguinte redação: “Ficam
excluídas da responsabilidade dos adquirentes as obrigações relativas, de maneira direta ou
indireta, ao imposto de renda e à contribuição social sobre o lucro, devidas pela pessoa
jurídica do incorporador, inclusive por equiparação, bem como as obrigações oriundas de
outras atividades do incorporador não relacionadas diretamente com as incorporações
objeto de afetação”.

2.3.4 Regime especial tributário do património de afetação

Com o advento da Lei 10.931/04 as empresas incorporadoras têm a opção de


instituir o regime especial de tributação sobre a receita mensal recebida com a venda das
unidades imobiliárias que compõem a incorporação, bem como sobre as receitas
financeiras e variações monetárias decorrentes dessa operação. O regime especial tributário
submete a incorporadora à carga tributária equivalente a 4% da receita mensal recebida
com referidas vendas ou das receitas decorrentes dessas vendas197.

197
Art. 4o - Para cada incorporação submetida ao regime especial de tributação, a incorporadora ficará sujeita
ao pagamento equivalente a 4% (quatro por cento) da receita mensal recebida, o qual corresponderá ao
pagamento mensal unificado do seguinte imposto e contribuições: I - Imposto de Renda das Pessoas Jurídicas
- IRPJ; II - Contribuição para os Programas de Integração Social e de Formação do Patrimônio do Servidor

87
Em contrapartida à citada vantagem tributária, optando pelo regime especial, o
que implica na necessidade de afetar o património da incorporação que optar pelo referido
regime, o património da incorporadora responderá por todas as dívidas tributárias da
incorporação afetada, mas o terreno e as acessões, objeto da referida incorporação,
responderão apenas pelas dívidas tributárias relativas à própria incorporação (reflexo da
constituição do património de afetação), ficando excluídas as que o incorporador tenha de
outros empreendimentos.
Para que a opção pelo regime especial seja efetivada, serão necessários os
seguintes requisitos:
a) entrega do termo de opção à Secretaria da Receita Federal;
b) afetação do terreno conforme o disposto nos artigos 31-A a 31-E acrescidos na
Lei 4.591/64 pela Lei 10.931/04, acima comentados;
c) obrigação da incorporadora de manter escrituração contábil segregada para
cada incorporação submetida ao regime especial.
Uma vez aceita, a opção pelo regime especial tributário do património de afetação
será irretratável enquanto perdurarem direitos de crédito ou obrigações do incorporador
junto aos adquirentes dos imóveis que compõem a incorporação. O recolhimento dos
tributos, que não poderá ser de forma parcelada, será feito através de DARF e iniciará a
partir do mês da opção, devendo ser efetuado até o décimo (10º) dia do mês subseqüente
àquele em que houver sido auferida a receita.

2.4 O contrato-promessa de transferência das frações autónomas antes do término


da obra

Após verificar que é possível comercializar as unidades autónomas antes do


término da obra – emPortugal, como registro provisório da propriedade horizontal; no
Brasil, com o registro da incorporação imobiliária –, estesubcapítulo é destinado ao estudo
do contra-promessa de transferência das unidades, previsto no artigo 410.º, nº 3, do Código
Civil Português, e nos artigos 1.417 e 1.418, do Código Civil Brasileiro, que, considerando

Público - PIS/PASEP; III - Contribuição Social sobre o Lucro Líquido - CSLL; e IV - Contribuição para
Financiamento da Seguridade Social - COFINS.

88
a natureza de coisa futura da unidade autónoma em construção, parece ser o instrumento
mais adequado para contratar a transmissão das unidades.
Assim, em um primeiro momento, serão estabelecidas as linhas gerais do
contrato-promessa para, posteriormente, analisar o referido contrato, no caso de a promessa
de venda se referire às frações autónomas ainda não edificadas.

2.4.1 O contrato-promessa de frações autónomas

A principal função do contrato-promessa é criar a obrigação de as partes


contratantes prosseguirem as negociações, permanecendo firmes aos eventuais acordos já
alcançados.Com esse objetivo, as partes estipulam um contrato preliminar obrigando-se a
celebrar o contrato definitivo no futuro (obrigação principal), tão logo as obrigações
acessórias previstas no contrato-promessa sejam cumpridas198.
Pires de Lima e Antunes Varela199 reforçam esse entendimento ao afirmarem que
a designação mais rigorosa e completa do contrato-promessa seria “contrato-promessa de
contratar”.
É pacífico, portanto, que a principal função do contrato-promessa é a criação da
obrigação de contratar, isto é, a obrigação de emitir a declaração de vontade
correspondente ao contrato prometido, tão logo sejam cumpridas as obrigações acessórias
que impediram a celebração imediata do contrato definitivo200.
Em certas relações negociais o contrato-promessa é usado, também, como forma
de garantia de pagamento do preço. Nesses casos, as partes já definiram o objeto do
contrato e manifestaram as suas vontades (por vezes, inclusive, de forma irrevogável e
irretratável), não tendo concluído definitivamente o contrato apenas por faltar o pagamento
integral do preço ou impossibilidade momentânea de entrega da coisa, como no caso da
venda de unidade autónoma em construção ou a ser construída.
Além de identificar as principais funções do contrato-promessa, entende-se
oportuno para o desenvolvimento deste estudo fazer referência aos tipos de cláusula que
poderão compor o referido contrato. Isso porque, embora se saiba que nos sistemas do tipo

198
ROPPO, Enzo. O contrato. Coimbra: Almedina, 1988. p. 103.
199
LIMA, Pires de. VARELA, Antunes. Código Civil Anotado. Volume I (artigos 1.º a 761.º). 4ª edição,
revista e actualizada. Coimbra: Coimbra Editora, 2011. p. 376.
200
Trata-se de uma obrigação de prestação de fato positivo. Id. Ibid., p. 376.

89
capitalista a autonomia de vontade das partes201 predomina na formação dos contratos, em
certos casos previstos em lei, o Estado, com a finalidade de equilibrar a relação contratual,
editará normas de aplicação obrigatória.
Nesse contexto, com relação à estipulação das cláusulas essenciais do contrato, a
autonomia da vontade das partes é limitada pela existência de normas imperativas 202 ,
específicas do tipo ou de aplicação geral, que, se não forem respeitadas, poderão gerar a
nulidade do contrato ou de cláusula específica, dependendo da abrangência substancial da
norma legal contrariada.
Além de impor a aplicação de certas regras, a lei ainda disponibiliza às partes
celebrantes do contrato as chamadas normas dispositivas203, que poderão ser utilizadas de
forma subsidiária às cláusulas contratuais para regular os casos acessórios não previstos
pelas partes.
O legislador, ao estabelecer normas legais que regulam determinado fato jurídico,
o faz através de um critério médio, com equitativos racionais, que, assim, operam uma
repartição dos ónus, dos riscos, dos sacrifícios e das vantagens contratuais, buscando
estabelecer, ainda que em abstrato, o mais justo. Contudo, em nome da autonomia
contratual, as partes podem estabelecer outros critérios de justiça para a relação negocial
que estão firmando, mas, se não o fizerem ou abusarem desse direito, criando, por
exemplo, cláusulas desproporcionais, prevalecerá a vontade do legislador, ainda que a
norma não seja imperativa.
Verifica-se, portanto, que a possibilidade de a autonomia privada derrogar a
disciplina legislativa do tipo (no caso de normas dispositivas) não é ilimitada204.

201
Nesse sentido é o disposto no artigo 405.º, do CCP, ao prever que “dentro dos limites da lei, as partes têm
a faculdade de fixar livremente o conteúdo dos contratos, celebrar contratos diferentes dos previstos neste
código ou incluir nestes as cláusulas que lhe aprouver”.
202
Segundo Enzo Roppo, “as normas imperativas constituem o instrumento fundamental através do qual o
ordenamento jurídico assegura que as relações contratuais, levadas a cabo pela autonomia privada, não
conflituam com os valores, com objetivos, com os interesses que o próprio ordenamento pretende, em
qualquer caso, garantidos”. ROPPO, Enzo. O contrato. Coimbra: Almedina, 1988. p. 190.
203
Para Enzo Roppo, “as normas dispositivas concorrem a integrar o conteúdo do contrato (e a determinar os
seus efeitos) apenas na condição de, sobre o ponto a ser disciplinado, os contraentes não terem
voluntariamente decidido de modo diverso, introduzindo no regulamento uma norma cláusula que derrogue
as previsões da norma dispositiva”. Id. Ibid., p. 187. Importantes destacar, ainda, que determinadas relações
negociais poderão ser pautadas pela existência das chamadas normas contratuais gerais, que, por serem
prefixadas por apenas uma partes, também constituem uma espécie de limitação ao princípio da liberdade
contratual. O regime jurídico das cláusulas contratuais gerais está previsto no direito Português no Decreto-
Lei nº 446/85.
204
Id. Ibid., p. 149.

90
No direito português, a estipulação das cláusulas do contrato-promessa segue a
lógica acima referida, ou seja, existe liberdade contratual, mas o legislador criou algumas
normas imperativas com a finalidade de proteger a relação negocial. No caso específico do
contrato-promessa, o regime aplicável está previsto nos artigo 410.º a 413.º, do CCP.
A primeira parte do número 1, do artigo 410.º, do CCP estabelece que, em regra,
“à convenção pela qual alguém se obriga a celebrar certo contrato são aplicáveis as
disposições legais relativas ao contrato prometido” (regra equivalente ao artigo 462, do
CCB). Esse dispositivo prestigia o princípio da equiparação ao contrato prometido, de onde
resulta, segundo Pires de Lima e Antunes Varela205, que os requisitos e efeitos do contrato
prometido são aplicáveis ao que gerou a promessa, sucedendo-o em matéria de capacidade,
vício de vontade, requisitos do objeto do contrato, resolução, etc.
A segunda parte do número 1, do artigo 410.º, do CCP, por sua vez, prevê
exceção à regra da equiparação especificamente quanto à obrigatoriedade de forma e
quanto às disposições que, pela sua natureza, não se aplicam ao contrato preliminar.
Assim, quanto à inexigibilidade de forma, afirmam Pires de Lima e Antunes Varela206 que,
se o contrato principal exige escritura pública, para a celebração do contrato-promessa
bastaria documento escrito e assinado.
É, contudo, o número 3, do artigo 410.º, do CCP que estabelece as regras
específicas e imperativas para a celebração de contrato-promessa oneroso que tenha por
objeto a transmissão ou constituição de direito real sobre edifício, ou fração autónoma
dele, já construído, em construção ou a construir.
Como requisitos básicos para a celebração do contrato, o citado dispositivo legal
exige:
a) documento escrito;
b) assinatura das partes contratantes;
c) reconhecimento presencial das assinaturas perante um notário207;

205
LIMA, Pires de. VARELA, Antunes. Código Civil Anotado. Volume I (artigos 1.º a 761.º). 4ª edição,
revista e actualizada. Coimbra: Coimbra Editora, 2011. p. 377.
206
Id., Ibid., p. 377.
207
Verifica-se aqui que a exigência é de reconhecimento presencial das assinaturas pelo notário e não a
autenticação do documento. Nos termos do artigo 35.º, do Código do Notariado, os documentos lavrados
pelo notário, ou nos quais ele intervém, podem ser autênticos, autenticados ou ter apenas o reconhecimento
notarial. São autênticos os documentos exarados pelo notário nos respectivos livros, ou em instrumentos
avulsos, e os certificados, certidões e outros documentos análogos por ele expedidos. São autenticados os
documentos particulares confirmados pelas partes perante notário. Tem reconhecimento notarial os
documentos particulares cuja letra e assinatura, ou só assinatura, se mostrem reconhecidas por notário. O

91
d) certificação pelo notário da existência da licença respectiva de utilização ou de
constituição208.
Verifica-se, portanto, que número 3, do artigo 410.º, da CCP criou forma sui
generis para a celebração deste tipo de contrato-promessa, distanciando-se, tanto do
princípio da equiparação do contrato prometido, previsto no número 1 do mesmo
dispositivo legal, quanto da liberdade de forma, prevista como regra geral no artigo 219.º,
do CCP.
Ao criar os requisitos acima referidos, o legislador deixou clara a sua intenção de
coibir a promessa de venda de frações autónomas em construções clandestinas209. O Estado
está, aqui, a proteger os compradores das unidades autónomas que, na expectativa de
adquirir a tão sonhada casa própria, são facilmente ludibriados.
O número 3, do artigo 410.º, do CCP prevê, ainda, que a inobservância dos
requisitos legais implica na nulidade do contrato, que poderá ser alegada pelo promitente-
comprador210. A invalidade que importa na nulidade do contrato, segundo Menezes Leitão,
não pode ser invocada por terceiros, nem reconhecida oficiosamente pelo tribunal,
referindo que essa posição é defendida largamente na doutrina e foi consagrada por dois
assentos do STJ211. Por tal motivo, a missão das referidas formalidades não constituem,
segundo o autor, uma verdadeira nulidade, sujeita ao regime do artigo 286.º, do CCP, mas
antes uma situação de invalidade mista, estabelecida no interesse do promitente adquirente
em evitar a aquisição de um imóvel clandestino212.
Ainda sobre a nulidade ou invalidade mista do contrato decorrente da
inobservância dos requisitos legais, Pires de Lima e Antunes Varela destacam que:
“Se, porém, não obstante a omissão registrada, o edifício construído e o promitente-vendedor se
prestar a outorgar na escritura de venda definitiva, a invocação da nulidade por parte do

reconhecimento notarial pode ser simples (presenciais) ou com menções especiais (presencial ou por
semelhança).
208
Em face ao disposto no artigo 1º, nº 2, do Decreto-Lei nº 281/99, a primeira transmissão de uma fração de
um prédio sujeito ao regime da propriedade horizontal depende da exibição da licença de utilização (ou da
licença de construção acompanhada de prova e declarações do transmitente no sentido previsto no artigo 2º, a
e b, do Decreto-Lei nº 281/99). Importante referir, ainda, que, de acordo com o artigo 66.º, nº 2, do Decreto-
Lei nº 555/99, na redação dada pelo Decreto-Lei nº 177/2001, a licença ou autorização de utilização pode ser
concedida autonomamente para uma fração quando as partes comuns do edifício em que se integre estejam
também em condições de ser utilizadas.
209
LIMA, Pires de. VARELA, Antunes. Código Civil Anotado. Volume I (artigos 1.º a 761.º). 4ª edição,
revista e actualizada. Coimbra: Coimbra Editora, 2011. p. 380.
210
Id. Ibid., p. 380.
211
Assento STJ 15/94, de 28/6/1994 (Miguel Montenegro), no D.R. I Série-A de 12/10/1994. p. 6171-6172.
E Assento STJ 3/95, de 1/621995 (César Marques), no D.R. I Série-A de 22/4/1995. p. 2320-2323.
212
LEITÃO, Luís Manuel Teles de Menezes. Direitos Reais. 3ª edição. Coimbra: Almedina, 2012. p. 231.

92
promitente-comprador não deixará de poder constituir um verdadeiro abuso de direito, pois o
objetivo da tutela estatal, que é a proteção dos promitentes-compradores nos casos de obra
clandestina, foi, nesse caso, alcançado.”

Outra regra que merece destaque no que diz respeito ao contrato-promessa é a


prevista no artigo 413.º, do CCP. A referida norma prevê a possibilidade de o contrato-
promessa possuir efeito real. Segundo o referido dispositivo:
“1. À promessa de transmissão ou constituição de direitos reais sobre bens imóveis, ou móveis
sujeitos a registo, podem as partes atribuir eficácia real, mediante declaração expressa e inscrição
no registo.
2. Salvo o disposto em lei especial, deve constar de escritura pública ou de documento particular
autenticado a promessa a que as partes atribuam eficácia real; porém, quando a lei não exija essa
forma para o contrato prometido, é bastante o documento particular com reconhecimento da
assinatura da parte que se vincula ou de ambas, consoante se trate de contrato-promessa unilateral
ou bilateral.”

Pelo teor do artigo 413.º, do CCP, pode-se afirmar que a regra geral do contrato-
promessa é possuir efeitos inter partes. A promessa de transmissão de direitos reais
poderá, entretanto, produzir efeitos em relação a terceiros, desde que:
a) seja pactuado por escritura pública ou, se o contrato prometido não exigir
forma, instrumento particular com reconhecimento das assinaturas dos compromitentes;
b) pretenderem as partes atribuir-lhe eficácia real (de forma expressa, afastando a
declaração tácita prevista de forma genérica no artigo 217.º, do CCP);
c) estarem no registro os direitos emergentes da promessa213.
Preenchidos esses requisitos, seria possível defender que a promessa se
transformaria em um direito real autónomo (o direito real de aquisição214), o que significa
que o direito à celebração do contrato definitivo prevalecerá sobre todos os direitos reais
que não tenham registro anterior ao da promessa com eficácia real215.
Em sentido contrário, destaca-se o entendimento Mónica Jardim216 que, quanto à
classificação do direito do promissário no contrato promessa de transmissão de bens
imóveis, entende que não se está diante de espécie de direito real de aquisição.
Por efeito da promessa, o respectivo beneficiário é apenas titular de um direito de natureza
creditória: o direito de exigir do promitente a celebração do contrato definitivo, podendo conseguir
esse resultado através da execução específica, nos termos do art. 830.º. Encontrando-se, porém, tal
direito inscrito no registo, torna-se, por essa via, oponível a terceiros. O registo não modifica a
natureza do direito inscrito: apenas lhe amplia os efeitos. Em vez de um direito que esgota toda a
sua eficácia no plano das relações entre credor e devedor (como é próprio dos direitos creditórios),

213
LIMA, Pires de. VARELA, Antunes. Código Civil Anotado. Volume I (artigos 1.º a 761.º). 4ª edição,
revista e actualizada. Coimbra: Coimbra Editora, 2011. p. 386.
214
Id. Ibid., p. 387.
215
LEITÃO, Luís Manuel Teles de Menezes. Direitos Reais. 3ª edição. Coimbra: Almedina, 2012. p. 254.
216
Acesso ao texto permitido pela Autora.

93
estamos perante um direito que, mesmo sem revestir natureza real, se impõe ao respeito de
terceiros.
Portanto, o registo do contrato-promessa dotado de eficácia em face de terceiros, ou de “eficácia
real”, atribui ao direito de crédito decorrente do contrato-promessa uma eficácia equiparada à dos
direitos reais, afastando, assim, o perigo de ele vir a ser inviabilizado, no todo ou em parte, por
actos de alienação ou de oneração do objecto do contrato prometido registados posteriormente,
pois estes são, perante si, ineficazes.
(...).
De facto, o promissário que obtém o registo definitivo com prioridade vê o seu direito de crédito
contra o promitente tornar-se oponível a “terceiros” e, portanto, perante um titular de um direito
real anteriormente constituído mas não registado. No entanto, defendemos que este direito (o real)
não se extingue, nem fica onerado, enquanto não for celebrado o contrato prometido.
Efectivamente, segundo o nosso entendimento, tal direito real passa apenas a ser ineficaz perante a
pretensão do promissário, uma vez que nada garante, por exemplo, que o crédito do promissário
não se extinga por causa diferente do cumprimento (v.g., por remissão) e, caso tal não ocorra, é
óbvio que a pretensão creditória do promissário está plenamente assegurada pela ineficácia do
direito real.
De qualquer forma, atribuir a promessa eficácia contra terceiros representa
segurança ao adquirente, na medida em que o direito de aquisição, obtido através do
contrato-promessa, reduzirá a possibilidade de fraudes, que são muito frequentes quando o
efeito do contrato é apenas obrigacional. Importante destacar, ainda, que a exigência de
registro do contrato presente no artigo 413.º, nº 1, do CCP criou no direito português mais
um caso em que o efeito do registro é constitutivo do direito real217.
No direito brasileiro, por sua vez, o contrato de promessa de compra e venda –
que pode ser usado para a transmissão da propriedade horizontal já construída, em
construção ou a construir – possui regra específica no artigo 1.417, do CCB/2002, que
assim estabelece:
“Mediante promessa de compra e venda, em que se não pactuou arrependimento, celebrada por
instrumento público ou particular, e registrada no Cartório de Registro de Imóveis, adquire o
promitente comprador direito real à aquisição do imóvel.”

Verifica-se, portanto, que os requisitos para que a promessa de compra e venda


outorgue ao promitente adquirente o direito real de aquisição são:
a) documento escrito;
b) não ter sido pactuado arrependimento;
c) o contrato deve estar registrado no cartório de registros de imóveis (com o
registro, portanto, o contrato passa a ter efeito real, independentemente, de as partes terem
pactuado esse efeito).
Para os contratos de promessa de compra e venda, o legislador brasileiro exigiu,
apenas, forma escrita, podendo ser pactuado, portanto, por instrumento particular que, nos

217
LIMA, Pires de. VARELA, Antunes. Código Civil Anotado. Volume I (artigos 1.º a 761.º). 4ª edição,
revista e actualizada. Coimbra: Coimbra Editora, 2011. p. 388.

94
termos do artigo 221, da Lei nº 6.015/73, deverá ser firmado pelos compromitentes e duas
testemunhas, comas firmas devidamente reconhecidas por notário.
A diferença entre o contrato-promessa com efeito perante terceiros, presente do
direito português, e o direito real de aquisição oriundo da promessa de compra e venda
registrada, previsto na lei brasileira, está no fato de que, enquanto no direito brasileiro o
direito de aquisição do promitente comprador é espécie de direito real (artigo 1.225, VII,
do CCB 218 ), o contrato-promessa com efeito real no direito português é espécie de
obrigação pessoal a qual a lei, a partir da vontade das partes e do competente registro,
atribui eficácia perante terceiros, o que não lhe confere o status de direito real autónomo.
Importante referir, ainda, que, no direito brasileiro, o promitente comprador é
titular de direito real desde 1.937, quando o legislador, no artigo 5º, do Decreto-Lei nº 58,
assim estabeleceu:
“A averbação atribuiao compromissário direito real oponível a terceiros, quanto à alienação ou
oneração posterior, e far-se-á à vista do instrumento de compromisso de venda, em que o oficial
lançará a nota indicativa do livro, página e data do assentamento.”

O direito brasileiro prevê, também, a forma de obter o cumprimento da promessa


de compra e venda. Nos termos do artigo 1.418, do CCB:
O promitente comprador, titular de direito real, pode exigir do promitente vendedor, ou de
terceiros, a quem os direitos deste forem cedidos, a outorga da escritura definitiva de compra e
venda, conforme o disposto no instrumento preliminar; e, se houver recusa, requerer ao juiz a
adjudicação do imóvel.

A ação de adjudicação compulsória, necessária, portanto, para que ao promitente


comprador tenha título capaz de, a partir do registro, torná-lo titular da propriedade do
imóvel prometido vender, está prevista no direito brasileiro desde 1.973, quando a Lei nº
6.014, alterou o artigo 22, do Decreto-Lei nº 58/37, e fez a seguinte previsão:
“Os contratos, sem cláusula de arrependimento, de compromisso de compra e venda e cessão de
direitos de imóveis não loteados, cujo preço tenha sido pago no ato de sua constituição ou deva sê-
lo em uma, ou mais prestações, desde que, inscritos a qualquer tempo, atribuem aos compromissos
direito real oponível a terceiros, e lhes conferem o direito de adjudicação compulsória nos termos
dos artigos 16 desta lei, 640 e 641 do Código de Processo Civil.”

O direito português, por seu turno, silenciou sobre a matéria, gerando diversos
posicionamentos na doutrina. Menezes Leitão219 relaciona os posicionamentos existentes:
“Antunes Varela, Almeida Costa e Ribeiro de Faria entendem que o cumprimento da promessa
deverá estabelecer-se da mesma forma a execução específica contra o obrigado, aplicando-se em
relação ao terceiro o regime da venda de bens alheios, o que permitiria exigir imediatamente dele a

218
Artigo 1.225, do CCB – São direitos reais: (...); VII - o direito do promitente comprador do imóvel; (...).
219
LEITÃO, Luís Manuel Teles de Menezes. Direitos Reais. 3ª edição. Coimbra: Almedina, 2012. p. 255.

95
restituição com base na nulidade da venda. Segundo a opinião de Dias Marques e Oliveira
Ascensão, deverá impor-se uma ação de execução específica contra o terceiro. Segundo a posição
de Menezes Cordeiro, a forma adequada seria uma ação de reivindicação adaptada contra o
terceiro (art. 1315.º). Qualquer das posições nos parece criticável.”

Após relacionar os posicionamentos existentes, Menezes Leitão220 afirma que:


Parece-nos, por isso, que o exercício da eficácia real não compreende a uma ação judicial típica,
devendo considerar-se como uma ação declarativa constitutiva, eventualmente cumulável com um
pedido de restituição, a instaurar em litisconsórcio necessário contra o promitente e o terceiro
adquirente, destinada a fazer prevalecer o direito de aquisição do promitente comprador sobre a
aquisição desse terceiro.

Por fim, quanto à classificação 221, cabe salientar que os contratos-promessa de


transmissão onerosa 222 de fração autónoma em edifício construído, em construção ou a
construir, são: quanto à formação, bilaterais223; quanto à forma, solenes224; quanto ao modo
de formação, podem ser consensuais225; quanto aos efeitos, podem ser obrigacionais226 ou,
227
por vontade das partes, reais ; quanto à reciprocidade de obrigações, são
sinalagmático 228 ; quanto às atribuições patrimonial criadas, são comutativos 229 ou
aleatórios230; quanto à previsão legal, são típicos231, quanto à execução, são de execução
sucessiva232, quanto à vinculação das obrigações criadas, são pessoais233.

2.4.2 A transferência de frações autónomas antes do término da obra

O artigo 1.414.º e seguintes, do CCP, ao estipularem o regime jurídico da


propriedade horizontal, não previram regras que possibilitassem a sua constituição antes do
220
LEITÃO, Luís Manuel Teles de Menezes. Direitos Reais. 3ª edição. Coimbra: Almedina, 2012. p. 256.
221
Id., Ibid., p. 193.
222
As obrigações criadas constituem ónus e vantagens para ambas as partes. O promitente comprador tem o
ónus de pagar o preço, enquanto que o promitente vendedor tem o ónus de entregar a fração autónoma
devidamente regularizada.
223
Pactuados por duas ou mais partes com interesses contrapostos.
224
O artigo 410.º, nº 3, do CCP prevê forma específica para a celebração do contrato.
225
Os direitos obrigacionais pactuados nos contratos-promessa ditos consensuais são constituídos com a
formação, perfeita e sem vícios, dos contratos.
226
Geram apenas direitos que tem eficácia inter partes.
227
Nos contratos reais os efeitos são erga omnes.
228
Impõe direitos e obrigações para ambas as partes, ou seja, as partes são credoras e devedoras
simultaneamente. Sendo assim, ambas as partes podem invocar a resolução do contrato.
229
Isso porque, ao contrário dos contratos aleatórios, as atribuições patrimoniais criadas são certas.
230
Tratando-se de fração autónoma em construção ou a construir, a existência da coisa futura, embora
provável, não é certa.
231
Trata-se de um contrato previsto em lei (artigo 410.º, nº 3, do CCP).
232
As prestações dos compromitentes verificam-se mediante soluções periódicas e contínuas que somente
terminam com a celebração do contrato definitivo.
233
Obriga os próprios contratantes. Dessa forma, o promitente comprador tem o dever de pagar e o
promitente vendedor tem o dever de entregar a fração autónoma devidamente regularizada.

96
término das obras do edifício. Contudo, diante da possibilidade de promessa de
transmissão e constituição de direitos reais sobre frações autónomas de edifício em
construção ou a construir prevista no artigo 410.º, nº 3, do CCP, o legislador inseriu nos
Códigos do Notariado e do Registro Predial algumas regras para viabilizar a celebração
segura dos contratos-promessa referentes às futuras frações autónomas de edifício em
construção ou a construir.
Nesse sentido, o artigo 62.°, n.º 1, do Código do Notariado, prevê que:
“Nenhum instrumento pelo qual se transmitam direitos reais ou contraiam encargos sobre fracções
autónomas de prédios em regime de propriedade horizontal pode ser lavrado sem que se exiba
documento comprovativo da inscrição do respectivo título constitutivo no registo predial.”

Por sua vez, o artigo 92.º, n.º 1, “b” e “c”, do Código do Registro Predial
estabelece que:
“São efectuadas provisoriamente por natureza as seguintes inscrições: (...); b) De constituição da
propriedade horizontal, antes de concluída a construção do prédio; c) De factos jurídicos
respeitantes a fracções autónomas, antes do registo definitivo da constituição da propriedade
horizontal;”

Deve-se ter em conta, ainda, o disposto no número 2, do artigo 49.º, do Decreto-


Lei nº 555/99, alterado pelo Decreto-Lei nº 26/2010, que trata do Regime Jurídico de
Urbanização e da Edificação, pois estabelece que:
“Não podem ser realizados atos de primeira transmissão de imóveis construídos nos lotes ou
frações autônomas desses imóveis sem que seja exigida, perante a entidade que celebre a escritura
pública ou autentique o documento particular, certidão emitida pela câmara municipal,
comprovativa da recepção provisória das obras de urbanização ou certidão, emitida pela câmara
municipal, comprovativa de que a caução a que se refere o artigo 54.º é suficiente para garantir a
boa execução das obras de urbanização”234.

Pelo exposto, verifica-se que o legislador português, para viabilizar com


segurança a promessa de transmissão de direitos reais sobre frações autónomas de edifício
em construção ou a construir, preocupou-se em:
a) criar uma espécie de proteção aos adquirentes na medida em que exigiu o
registro provisório da propriedade horizontal, para que os candidatos à aquisição saibam,
efetivamente, o que estão se comprometendo a comprovar;
b) exigir certidão, emitida pela câmara municipal, comprovativa de que foi
prestada pela construtora caução suficiente para garantir a boa execução das obras de
urbanização.

234
LOPES, J. de Seabra. Direito dos Registros e do Notariado. 6ª ed. Coimbra: Almedina, 2011. p. 441.

97
Entende-se importante destacar, ainda, que, findo o prazo de vigência do registro
provisório da propriedade horizontal sem que tenha sido convertido em definitivo, o
registro será cancelado, o que impedirá novas alienações.
Por fim, cabe salientar que, nos termos do disposto no artigo 408.º, nº 2, do CCP,
a constituição ou transferência de direitos reais sobre coisa futura235 no direito português só
ocorrerá quando a coisa for adquirida pelo alienante.
Em atenção ao retro citado artigo, a Procuradoria-Geral da República, no parecer
n.º 9/2000, definiu que a fração autónoma em propriedade horizontal ainda não constituída
só poderá ser transmitida em definitivo, por enquadrar-se no conceito de coisa futura, após
o término da edificação e a constituição jurídica da propriedade horizontal.
Sobre o tema, Mônica Jardim236, observa:
“Questão controversa, em face do Dec.-Lei nº 281/99, é a de saber se − sendo lavrado o título
constitutivo da propriedade horizontal, quando o edifício ainda não está concluído ou quando
apenas está projetado, e sendo lavrado o correspondente registro provisório por natureza − podem
ser alienadas ou oneradas frações enquanto bens futuros. A Procuradoria-Geral da República,
através do parecer n.º 9/2000, já respondeu negativamente à questão, ao analisar os arts. 4.º e 5.º
do diploma em apreço. Nós, ao invés, tendo em conta os antecedentes históricos e o preâmbulo do
referido Dec.-Lei, bem como a noção de coisa futura e respectivo regime legal consagrado no
Código Civil, consideramos que o referido art. 5.º apenas impossibilita a celebração de negócios
jurídicos que visem a transmissão como bem presente de uma fracção ainda não concluída −
hipótese na qual o adquirente teria de suportar os encargos inerentes à conclusão da obra −, já não
a alienação das referidas fracções enquanto coisas futuras (cfr. o arts 408.º, n.º 2 e o art. 880.º, n.º
1, ambos do Código Civil). Sendo alienada uma fracção como coisa futura, simultaneamente é
alienada uma quota-parte indivisa da compropriedade sobre as partes comuns. No entanto, como é
evidente, a alienação da fracção autónoma e da quota ideal das partes comuns não pode produzir,
imediatamente, efeitos reais, (cfr. o art. 408.º. n.º 2, do Código Civil). O comprador irá adquirindo
os seus direitos (de propriedade sobre a fracção e de compropriedade sobre as partes comuns do
edifício) à medida que o respectivo objecto for surgindo e, além disso, fica logo comproprietário
do terreno.”

No direito brasileiro, por sua vez, a venda de frações autónomas em construção ou


a construir é disciplinada pelos artigos 28 e seguintes, da Lei nº 4.591/64, que exige, para
que o bem futuro seja vendido ou prometido vender, o arquivamento perante o registro de
imóveis da incorporação imobiliária.
A venda de bem futuro é admitida no ordenamento jurídico brasileiro (artigo 458
a 461, do CCB) e, ao contrário do sistema português, não há limitação legal de que a
transferência de direitos reais sobre coisa futura só ocorra quando a coisa for adquirida
235
O artigo 211.º, do CCP, estabelece o conceito de coisa futura: São coisa futuras as que não estão em poder
do disponente, ou que este não tem direito, ao tempo da declaração negocial.
236
JARDIM, Mónica Vanderleia Alves de Sousa. Propriedade horizontal, conjuntos imobiliários e registro.
Disponível em:
http://www.fd.uc.pt/cenor/index.php?option=com_content&view=category&layout=blog&id=41&Itemid=53
&limitstart=16. Acesso em 30 de novembro de 12.

98
pelo alienante (a eficácia do contrato, contudo, só se opera, nos termos do disposto no
artigo 483, do CCB, a partir da existência superveniente da coisa). Sendo assim, com o
registro da incorporação imobiliária, o proprietário poderá celebrar o contrato definitivo de
compra e venda, respondendo, nos termos da lei, no caso de as coisas futuras (unidades
autónomas do condomínio edilício) não virem a existir.

99
CONCLUSÃO

A propriedade horizontal, caracterizada pela reunião orgânica e indissolúvel das


partes exclusivas e das coisas comuns do empreendimento imobiliário, atende de forma
mais eficiente às necessidades habitacionais dos centros urbanos, se comparada ao sistema
tradicional verticalizado de moradias independentes.
Em que pese a formação do condomínio não seja obrigatória para a instituição da
propriedade horizontal, reconhece-se que ela só atingirá a sua plenitude com a pluralidade
de proprietários das unidades autónomas.
Assim, a fim de evitar conflitos entre os diversos proprietários, é importante que o
regime jurídico da propriedade horizontal esteja bem definido na legislação e que o
negócio jurídico de instituição seja elaborado em momento adequado e de acordo com os
pressupostos físicos do empreendimento.
Na investigação que ora se conclui, foi possível identificar que os regimes
jurídicos português e brasileiro da propriedade horizontal, ainda que possam ser
aprimorados, estão muito bem definidos na lei.
No que se refere à definição da propriedade horizontal, o sistema português é mais
preciso do que o sistema brasileiro. A citada precisão se inicia já na denominação do
instituto. Comparada com a palavra “condomínio”, utilizada pelo legislador brasileiro, a
expressão “propriedade horizontal” representa melhor o instituto, pois desperta no
interprete a ideia precisa de que se trata daquele complexo de direitos, faculdades e deveres
ligados ao edifício composto por unidades autónomas.
Ao analisar a natureza jurídica da propriedade horizontal, verifica-se que o
sistema português também é mais avançado em relação ao brasileiro, haja vista que a
doutrina portuguesa identifica na propriedade horizontal espécie autónoma de direito real.
Em que pese existam diversas teorias que tentam explicar a natureza jurídica da
propriedade horizontal, conclui-se que a mais adequada é a que a classifica como direito
real autónomo. Isso porque as limitações impostas ao exercício do direito de propriedade
com a instituição da propriedade horizontal não apenas criam um tipo especial de

100
propriedade, mas remetem a propriedade horizontal a uma espécie autónoma de direito
real.
Sobre o instrumento de constituição da propriedade horizontal é possível concluir
que, por não gerar, em regra, a circulação de riqueza e ser celebrado por uma só parte -
exista uma ou mais declarações de vontade - se trata de espécie de negócio jurídico
unilateral. As modalidades e os pressupostos necessários à instituição da propriedade
horizontal, bem como as possibilidades de modificação e as causas que levam à extinção
do direito estão bem delineadas nas leis portuguesa e brasileira.
Contudo, quanto ao momento da celebração do negócio jurídico unilateral de
instituição da propriedade horizontal a lei brasileira não é tão precisa quanto a Portuguesa.
Em Portugal, o legislador admite que a propriedade horizontal seja “pré-
constituída” a qualquer momento, permitindo, quando o negócio for pactuado antes do
término da construção, que o registro seja lavrado como provisório por natureza, o que
também ocorrerá com as transmissões pactuadas na pendência do registro definitivo.
No Brasil, a doutrina admite a pré-instituição do condomínio para os chamados
“grupos fechados”. Entretanto, avançando na leitura proposta pela doutrina aos artigos 8º e
9º, da Lei 4.591/64, conclui-se que a instituição da propriedade horizontal, antes de a obra
ser finalizada, deve ser admitida, mesmo sem a figura do “grupo fechado”.
A instituição da propriedade horizontal antes da finalização da obra não gera
prejuízo às partes, pois o ato levado a registro criará as unidades autónomas apenas no
âmbito jurídico e sob condição resolutiva, que será implementada caso a obra não seja
averbada dentro do prazo de execução do projeto definido na licença de execução expedida
pelo órgão competente.
Em que pese a resolubilidade da prévia instituição de condomínio não justifique a
negativa de acesso ao álbum imobiliário dos negócios jurídicos pactuados na sua
dependência, no Brasil, se o empreendedor pretender alienar as unidades criadas com a
prévia instituição, deverá registrar a incorporação imobiliária, conforme imposição do
artigo 32, da Lei 4.591/64.
É justamente no que se refere à transmissão das unidades autónomas ainda não
concluídas que se identificou no sistema brasileiro mais segurança ao empreendedor e aos
adquirentes, se comparado ao sistema português do registro provisório da propriedade
horizontal.

101
No Brasil, o ato jurídico de incorporação imobiliária está previsto no título II, da
Lei nº 4.591/64, e deve ser obrigatoriamente levado a registro quando o empreendedor
objetivar a alienação de unidades autónomas antes de a obra estar concluída.
Para o memorial de incorporação imobiliária ter acesso ao fólio real, o
incorporador deve apresentar ao Serviço de Registro de Imóveis competente todos os
documentos previstos no artigo 32, da Lei nº 4.591/64. Os documentos previstos no citado
dispositivo legal visam demonstrar aos adquirentes das unidades autónomas, em
construção ou a serem construídas, a estrutura urbanística do empreendimento e a
solvabilidade do empreendedor.
O efeito publicitário do registro, além de vincular o incorporador, que deverá
executar exatamente o que publicitou, possibilita que os interessados em adquirir a coisa
futura conheçam todas as características do empreendimento e tenham acesso a uma série
de certidões expedidas pelo Poder Público, que demonstram a situação financeira do
incorporador.
O empreendedor, por sua vez, se subordinar a incorporação ao prazo de carência,
reservar-se-á o direito de desistir do negócio, sem a necessidade de indemnizar os
adquirentes, caso identifique que o empreendimento não será exitoso.
Outra vantagem da incorporação imobiliária é a faculdade de o empreendedor
subordinar a incorporação ao regime do património de afetação. Tal sistema, em que pese
apresente falhas, se for bem fiscalizado pode ser de grande utilidade aos adquirentes das
unidades futuras no caso de falência/insolvência do empreendedor.
Por fim, considerando a natureza de coisa futura da unidade autónoma em
construção, talvez o instrumento mais adequado para contratar a sua transmissão seja o
contrato-promessa. Esta espécie de contrato preliminar está muito bem delineada nos
regimes jurídicos português e brasileiro e, para proporcionar mais segurança aos
contratantes, deve estar inscrita no registro.
Em Portugal, a eleição do contrato-promessa como instrumento adequado para
contratar a transmissão das unidades em construção ganha mais relevância ao analisarmos
o parecer nº 9/2000 da Procuradoria-Geral da República. Em que pese exista importante
doutrina em contrário, a Procuradoria-Geral da República, ao interpretar o artigo 408.º, nº
2, do CCP, definiu que a fração autónoma em propriedade horizontal ainda não constituída

102
só poderá ser transmitida em definitivo, por enquadrar-se no conceito de coisa futura, após
o término da edificação e a constituição jurídica da propriedade horizontal.
No Brasil, por sua vez, a venda definitiva da coisa futura é admitida pelos artigos
458 a 461, do CCB, e, ao contrário do sistema português, não há limitação legal de que a
transferência de direitos reais sobre coisa futura só ocorra quando a coisa for adquirida
pelo alienante. A eficácia do contrato, contudo, só se opera, nos termos do disposto no
artigo 483, do CCB, a partir da existência superveniente da coisa, respondendo, o
alienante, nos termos da lei, se a coisa futura não vir a existir.

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