A Pericia Psicológica No Direito de Familia PDF

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JORNADA

A PERÍCIA
PSICOLÓGICA NO
DIREITO DE FAMÍLIA
21 DE MAIO DE 2007
PROMOÇÃO

JUSMULHER-RS

APOIO: EMA/AJURIS
SPRGS CRP-07 ABMCJ
SIPERGS
A J ORNADA “A P ERÍCIA P SICOLÓGICA NO
DIREITO DE FAMÍLIA” FOI UM EVENTO PROMOVIDO
PELO IBDFAM-RS E PELO JUSMULHER-

RGS, QUE OCORREU NO DIA 21 DE MAIO DE


2007 NO AUDITÓRIO DA AJURIS, RUA CELESTE
G O B AT O , 229 E M P O RT O A L E G R E , C O M
INSCRIÇÕES GRATUITAS AOS PARTICIPANTES, E QUE

SE DESENVOLVEU EM TRÊS BLOCOS, CADA UM DELES

R E P R E S E N TA D O P O R U M A M E SA O N D E T R Ê S

DIFERENTES GRUPOS DE CINCO CONVIDADOS

DESENVOLVERAM OS TEMAS “D O J UDICIÁRIO ”,


“DO PERITO” E “DO PERICIADO”.
E S TA PU B L I C A Ç Ã O T E N TA R E T R ATA R O S

CONCEITOS ALI EXPOSTOS DE FORMA A TORNAR

PASSÍVEL SUA DIVULGAÇÃO E CONSULTA.


Palestrantes: Ana Luiza Castro
Delma Ibias
Lucio Garcia
Maria Aracy Costa
Maria da Graça Corrêa Jacques
Maria Inês Linck
Maria Regina Fay de Azambuja
Márcia Steffen
Mônica Guazzelli
Plínio Caminha de Azevedo
Renato Caminha
Rosa Magrinelli
Silvia Tejadas
Sonia Liane Reichert Rovinski
Verônica Chaves

Coordenação: Ivone Coelho de Souza

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1 BLOCO - DO JUDICIÁRIO
COMPOSIÇÃO DA MESA

Ana Luiza Castro psicóloga coordenadora


Maria Inês Linck juíza de direito relatora
Márcia Steffen psicóloga
Mônica Guazzelli advogada
Plínio Caminha de Azevedo juiz de direito

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Mônica Guazzelli

A PERÍCIA EM DIREITO DE
FAMÍLIA

MÔNICA GUAZZELLI

Advogada Especialista em Direito de Família

Mestre em Direito pela PUC/RS

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Mônica Guazzelli

I – NOÇÕES SOBRE PROVA PERICIAL

Antes de qualquer observação é preciso definir o que é


e para o quê serve a produção de prova no processo.
Assim, provar é investigar e demonstrar como ocorreu
determinado FATO, confirmando sua exatidão. Ou seja, mesmo em um
processo as questões de direito não são alvo de prova, pois esta se limita
ao mundo fático.
Vários são os meios de prova e a perícia ou a prova
pericial, pode ser entendida como sendo qualquer trabalho de natureza
específica. Pode haver em qualquer área, sempre onde existir a controvér-
sia ou a pendência. Sua origem é no interesse de pessoas litigantes, no
interesse da justiça e no interesse público, podendo ser: arbitral, judicial,
extrajudicial, administrativa ou operacional. As mais conhecidas são clas-
sificadas como sendo de natureza criminal, contábil, trabalhista e outras
que, quando se necessite de constatação, prova ou demonstração, cientí-
fica ou técnica, da veracidade de situações, coisas e fatos.
Como sabido nos processos litigiosos diferentes são as
provas que se podem valer as partes para formar o convencimento judici-
al. Basicamente se usa das provas documentais – trazidas aos autos- oitiva
de testemunhas e das partes – o que se dá em audiência – e, em certos
casos pode-se postular a realização de diferentes provas periciais, com
exames e laudos mais específicos sobre determinado assunto.
Assim a perícia – antes de tudo – é um dos meios de
prova admitidos no processo judicial.
No direito processual vigora o princípio da inércia da
jurisdição, isto é, o juiz é inerte e só atua mediante a “provocação das
partes”. Em geral o juiz não devassa, mas apenas verifica e analisa as pro-
vas trazidas pelos litigantes. Contudo, importa referir que também o pró-
prio juiz poderá requisitar e determinar a realização de provas, mesmo

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Mônica Guazzelli

que sem a provocação das partes, para que se sinta absolutamente seguro
quanto a decisão que deverá dar ao caso.
Veja-se que, por exemplo, mesmo que as partes não te-
nham requerido o juiz poderá fazer uma inspeção judicial ou determinar
uma perícia.
A orientação doutrinária mais recente é que o juiz, es-
pecialmente quando tratar de direitos indisponíveis - o que ocorre no di-
reito de família em geral – tenha uma maior intervenção.
O juiz pode não ser suficientemente apto a proceder -
pessoal e diretamente - a verificação e apreciação de certos fatos e – suas
causas e conseqüências, precisando da atuação de entendidos na matéria.
Este trabalho se apresentará ao juízo na forma de PROVA PERICIAL.
Este requisito de especificidade é que determinará a
necessidade – ou não – e, ou a conveniência - ou não- da realização deste
tipo de prova.

II – OBJETO DA PERÍCIA
A perícia terá por fundamento a PERCEPÇÃO e
CONSTATAÇÃO DE FATOS – os quais – na linguagem de Carnelutti – são
fatos que devem ser percebidos e constatados por técnicos, pois necessi-
tam de PERCEPÇÃO TÉCNICA, eis que exigem qualidades sensoriais
especializadas e conhecimentos científicos e técnicos capazes de
compreendê-los e distingui-los.
Em Direito de Família um exemplo já clássico é o exa-
me de DNA para determinar a existência ou não do vínculo biológico de
paternidade. O qual precisa ser realizado através de perícia por especialis-
tas em genética.
Em casos como o exame de DNA, a perícia se limita em
constatar o fato em si, mas há várias outras perícias – psiquiátricas e psico-
lógicas, por exemplo – onde se conjuga não só a verificação do fato, mas a
sua compreensão e apreciação, cumprindo ao perito, nesta hipótese, de-
pois de informar quanto a existência do fato, emitir um parecer ou juízo

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Mônica Guazzelli

no tocante a sua natureza, valor e importância ou, ainda, sobre suas cau-
sas e efeitos (presentes e futuros).
Nestes casos é preciso tal valoração do experto, pois é
ela que tornará o fato inteligível ao magistrado, o qual em tese é leigo no
assunto específico.
Percepção; Observação; Apreciação são momentos da
Verificação. E a própria Interpretação dos fatos como apreciação que é –
reclama prévia verificação.
A perícia muitas vezes se resume na declaração de ciên-
cia de um fato, noutras é a declaração + a afirmação de um juízo, o que
resume a interpretação técnica, que nos casos de perícia psicológica tor-
na-se imprescindível.
O que caracteriza a perícia é justamente a
QUALIDADADE da declaração, posto que se trata de declaração de caráter
técnico, isto é uma declaração técnica sobre um elemento de prova.

III – O PERITO / EXPERTO


Os peritos – que são as pessoas entendidas tecnicamen-
te no assunto – vão fornecer a sua VERIFICAÇÃO + INTERPRETAÇÃO dos
fatos através de um laudo ou parecer.
O profissional no desempenho da função pericial deve
considerar os efeitos em benefício da sociedade, propiciando bem-estar a
todos que têm interesse no deslinde da controvérsia. As características de
excelência moral, intelectual e técnica são condições essenciais para o
encargo a ser confiado pelo Juízo. Dentre as principais qualidades que
formarão o conjunto de capacitação do perito, temos como exemplo, a
ética que conduz a um trabalho honesto e eficaz em decorrência de uma
formação sadia do profissional.
É acrescida também ao perito a capacidade de estar
sempre atualizado, pesquisando novas técnicas e estar sempre preparado
para a execução de trabalhos de boa qualidade.
O principal lastro de sustentação da realização profissi-

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Mônica Guazzelli

onal constitui-se basicamente pelo compromisso moral e ético do perito


com a sua classe profissional e, consequentemente, com a sociedade.

IV – PERÍCIA JUDICIAL / EXTRAJUDICIAL


As perícias em relação ao processo podem ser JUDICI-
AIS ou EXTAJUDICIAIS – se for executada por ordem do juiz, de ofício ou
a requerimento da parte dentro do feito, ou se realizada fora do processo
por uma ou por ambas as partes e trazida para os autos.
Os pareceres escritos trazidos pelas partes para corro-
borar alegações; ocorre com relativa freqüência na seara familiar e nestes
casos o técnico funciona como um consultor da parte, e nessa condição
seu parecer equivale a uma perícia extrajudicial – assemelha-se a um pare-
cer emitido por um jurisconsulto.
A perícia também pode ser realizada para ser aproveita-
da em processo futuro – quando se fala em perícia antecipada – ad perpe-
tuam rei memoriam.

V – BREVES NOTAS CONCLUSIVAS


Nas disputas familiares é de grande importância a perí-
cia psicológica até porque se está lidando com um ponto muito delicado
do ser humano, representado pelo seu universo de relações mais íntimas.
No processo, como se disse, o princípio é que o juiz é
livre para ordenar a prova pericial, mas respeitando a necessidade e utili-
dade que a prova poderá trazer ao feito.
Assim, as causas que envolvem direito familiar, justa-
mente pela natureza dos direitos postos em julgamento, quase sempre
indisponíveis, são justamente aqueles feitos em que o juiz pode e muitas
vezes até deve, ante a omissão das partes, determinar a realização de pro-
va pericial psicológica, pois a riqueza e abordagem que serão trazidas pelo
experto darão ao caso outra visão, muitas vezes mais ampla e rica, o que
com certeza dará ao magistrado mais subsídios para decidir o processo.

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Mônica Guazzelli

A família é um sistema único, onde entre os membros


coexistem vários laços e uma enorme gama de afetos. Nem sempre estes
afetos redundam em harmonia e quando ocorrem as crises, os profissio-
nais da área psi são imprescindíveis para ajudar a compreender os dilemas
que precisarão ser analisados e considerados pelo magistrado, para que a
decisão judicial possa ser a mais justa possível, como se deseja.

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Plínio Caminha de Azevedo

PERÍCIA É PROVA JUDICIAL?

PLÍNIO CAMINHA DE AZEVEDO

Juiz de Direito -

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Plínio Caminha de Azevedo

PERÍCIA É PROVA JUDICIAL?


Diz o Código Civil de 2002:

DA PROVA
Art. 212. Salvo o negócio a que se impõe forma especial, o fato jurídi-
co pode ser provado mediante:
Vide art. 5º, XII e LVI, CF.
Vide art. 136, CC/1916.
Vide art. 332, CPC.

I- CONFISSÃO;

Vide arts. 213 e 214, CC.


Vide art. 136, I, CC/1916.
Vide arts. 348 a 354, CPC.

II - DOCUMENTO;

Vide arts. 107 a 109 e 215 a 226, CC.


Vide art. 136, III, CC/1916.
Vide arts. 364 a 399, CPC.
Vide Lei 7.115/1983 (Prova documental).
Vide Lei 7.116/1983 (Validade nacional das carteiras de
identidade).
Vide arts. 23 e 24, Lei 8.159/1991 (Política Nacional de
Arquivos Públicos e Privados).

III - TESTEMUNHA;

Vide arts. 227 a 229, CC.


Vide art. 136, IV, CC/1916.
Vide arts. 400 a 419, CPC.

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Plínio Caminha de Azevedo

IV - PRESUNÇÃO;

Vide art. 136, V, CC/1916.


Vide art. 335, CPC.

V- PERÍCIA.

Vide arts. 231 e 232, CC.


Vide art. 136, VI e VII, CC/1916.
Vide arts. 18, § 2º, 420 a 439, 606, 607, 627, §§ 1º e 2º e
1.206, CPC.
(...)

Art. 231. Aquele que se nega a submeter-se a exame médico necessá-


rio não poderá aproveitar-se de sua recusa.
Art. 232. A recusa à perícia médica ordenada pelo juiz poderá suprir a
prova que se pretendia obter com o exame.

SEÇÃO VII

- DA PROVA PERICIAL (ARTIGOS 420 A 439)


Art. 420. A prova pericial consiste em exame, vistoria ou avaliação.
Vide arts. 846, parte final, e 850, Código de Processo Civil.
Parágrafo único. O juiz indeferirá a perícia quando:
I - a prova do fato não depender do conhecimento es-
pecial de técnico;
II - for desnecessária em vista de outras provas produzi-
das;
III - a verificação for impraticável.
Art. 421. O juiz nomeará o perito, fixando de imediato o prazo para a
entrega do laudo.
Caput com redação dada pela Lei nº 8.455, de 24.08.1992,
DOU de 25.08.1992, em vigor quinze dias após sua publica-
ção.
Vide arts. 145, 331, § 2º, e 850, Código de Processo Civil.

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Plínio Caminha de Azevedo

Vide art. 35, Lei nº 9.099/95 (Juizados Especiais).


§ 1º Incumbe às partes, dentro em 5 (cinco) dias, contados da
intimação do despacho de nomeação do perito:
I - indicar o assistente técnico;
II - apresentar quesitos.
Vide arts. 276 e 426, II, Código de Processo Civil.
§ 2º Quando a natureza do fato o permitir, a perícia poderá con-
sistir apenas na inquirição pelo juiz do perito e dos assisten-
tes, por ocasião da audiência de instrução e julgamento a
respeito das coisas que houverem informalmente examina-
do ou avaliado.
§ 2º com redação dada pela Lei nº 8.455, de 24.08.1992, DOU de
25.08.1992, em vigor quinze dias após sua publicação.
Art. 422. O perito cumprirá escrupulosamente o encargo que lhe foi
cometido, independentemente de termo de compromisso.
Os assistentes técnicos são de confiança da parte, não sujei-
tos a impedimento ou suspeição.
Artigo com redação dada pela Lei nº 8.455, de 24.08.1992,
DOU de 25.08.1992, em vigor quinze dias após sua publica-
ção.
Vide art. 850, Código de Processo Civil.
Art. 423. O perito pode escusar-se (art. 146), ou ser recusado por im-
pedimento ou suspeição (art. 138, III); ao aceitar a escusa
ou ao julgar procedente a impugnação, o juiz nomeará novo
perito.
Artigo com redação dada pela Lei nº 8.455, de 24.08.1992,
DOU de 25.08.1992, em vigor quinze dias após sua publica-
ção.
Vide art. 850, Código de Processo Civil.
Art. 424. O perito pode ser substituído quando:
Caput com redação dada pela Lei nº 8.455, de 24.08.1992,
DOU de 25.08.1992, em vigor quinze dias após sua publica-
ção.
Vide art. 850, Código de Processo Civil.
I- carecer de conhecimento técnico ou científico;

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Plínio Caminha de Azevedo

II - sem motivo legítimo, deixar de cumprir o encargo no prazo


que lhe foi assinado.
Inciso II com redação dada pela Lei nº 8.455, de 24.08.1992,
DOU de 25.08.1992, em vigor quinze dias após sua publica-
ção.
Parágrafo único. No caso previsto no inciso II, o juiz comu-
nicará a ocorrência à corporação profissional respectiva,
podendo, ainda, impor multa ao perito, fixada tendo em vis-
ta o valor da causa e o possível prejuízo decorrente do atra-
so no processo.
Parágrafo único com redação dada pela Lei nº 8.455, de
24.08.1992, DOU de 25.08.1992, em vigor quinze dias após
sua publicação.
Art. 425. Poderão as partes apresentar, durante a diligência, quesitos
suplementares. Da juntada dos quesitos aos autos dará o
escrivão ciência à parte contrária.
Vide art. 850, Código de Processo Civil.
Art. 426. Compete ao juiz:
Vide art. 130, 421, § 1º, II, e 850, Código de Processo
Civil.
I- indeferir quesitos impertinentes;
II - formular os que entender necessários ao esclarecimento da
causa.
Art. 427. O juiz poderá dispensar prova pericial quando as partes, na
inicial e na contestação, apresentarem sobre as questões de
fato pareceres técnicos ou documentos elucidativos que
considerar suficientes.
Artigo com redação dada pela Lei nº 8.455, de 24.08.1992,
DOU de 25.08.1992, em vigor quinze dias após sua publica-
ção.
Vide art. 850, Código de Processo Civil.
Art. 428. Quando a prova tiver de realizar-se por carta, poderá proce-
der-se à nomeação de perito e indicação de assistentes téc-
nicos no juízo, ao qual se requisitar a perícia.
Vide arts. 202, § 2º, e 850, Código de Processo Civil.

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Plínio Caminha de Azevedo

Art. 429. Para o desempenho de sua função, podem o perito e os as-


sistentes técnicos utilizar-se de todos os meios necessários,
ouvindo testemunhas, obtendo informações, solicitando do-
cumentos que estejam em poder de parte ou em repartições
públicas, bem como instruir o laudo com plantas, desenhos,
fotografias e outras quaisquer peças.
(...)
Art. 431-B. Tratando-se de perícia complexa, que abranja mais de uma
área de conhecimento especializado, o juiz poderá nomear
mais de um perito e a parte indicar mais de um assistente
técnico.
Artigo acrescido pela Lei nº 10.358, de 27.12.2001, DOU de
28.12.2001, em vigor três meses após sua publicação.
Art. 432. Se o perito, por motivo justificado, não puder apresentar o
laudo dentro do prazo, o juiz conceder-lhe-á, por uma vez,
prorrogação, segundo o seu prudente arbítrio.
(...)
Art. 433. O perito apresentará o laudo em cartório, no prazo fixado
pelo juiz, pelo menos 20 (vinte) dias antes da audiência da
instrução e julgamento.
Caput com redação dada pela Lei nº 8.455, de 24.08.1992,
DOU de 25.08.1992, em vigor quinze dias após sua publica-
ção.
Parágrafo único. Os assistentes técnicos oferecerão seus
pareceres no prazo comum de 10 (dez) dias, após intimadas
as partes da apresentação do laudo.
Parágrafo único com redação dada pela Lei nº 10.358, de
27.12.2001, DOU de 28.12.2001, em vigor três meses após
sua publicação.
O parágrafo alterado dispunha o seguinte:
“Parágrafo único. Os assistentes técnicos oferecerão seus
pareceres no prazo comum de 10 (dez) dias após a apresen-
tação do laudo, independentemente de intimação.”
* Parágrafo único com redação dada pela Lei nº 8.455, de
24.08.1992, DOU de 25.08.1992, em vigor quinze dias após

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Plínio Caminha de Azevedo

sua publicação.
Vide art. 850 , Código de Processo Civil.
(...)
Art. 435. A parte, que desejar esclarecimento do perito e do assisten-
te técnico, requererá ao juiz que mande intimá-lo a compa-
recer à audiência, formulando desde logo as perguntas, sob
forma de quesitos.
Vide arts. 452, I, e 850, Código de Processo Civil.
Parágrafo único. O perito e o assistente técnico só estarão
obrigados a prestar os esclarecimentos a que se refere este
artigo, quando intimados 5 (cinco) dias antes da audiência.
Art. 436. O juiz não está adstrito ao laudo pericial, podendo formar a
sua convicção com outros elementos ou fatos provados nos
autos.
Vide arts. 131 e 850, Código de Processo Civil.
Art. 437. O juiz poderá determinar, de ofício ou a requerimento da
parte, a realização de nova perícia, quando a matéria não
lhe parecer suficientemente esclarecida.
Vide arts. 130 e 850, Código de Processo Civil.
Art. 438. A segunda perícia tem por objeto os mesmos fatos sobre
que recaiu a primeira e destina-se a corrigir eventual omis-
são ou inexatidão dos resultados a que esta conduziu.
Vide art. 850, Código de Processo Civil.
Art. 439. A segunda perícia rege-se pelas disposições estabelecidas
para a primeira.
Vide art. 850, Código de Processo Civil.
Parágrafo único. A segunda perícia não substitui a primeira,
cabendo ao juiz apreciar livremente o valor de uma e outra.

STJ-201139) RECURSO ESPECIAL. ADMINISTRATI-


VO. SERVIDOR PÚBLICO. CONCURSO. EXAME
PSICOTÉCNICO. CARÁTER SUBJETIVO.
IRRECORRIBILIDADE DOS TESTES. ILEGALIDADE
RECONHECIDA.

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Plínio Caminha de Azevedo

1. Impossível a apreciação de violação de dispositi-


vos constitucionais em sede de recurso especial.
2. No exame de recurso especial, não se conhece
de matéria que não foi objeto de apreciação pelo
Tribunal de origem, ausente assim o necessário
prequestionamento.
3. Prequestionamento é o exame pelo Tribunal de
origem, e não apenas nas manifestações das par-
tes, dos dispositivos que se têm como afrontados
pela decisão recorrida.
4. Embora reconhecida a legalidade do exame
psicotécnico para a carreira de policial federal, é
vedada sua realização de modo sigiloso e
irrecorrível.
5. No que diz com a inexigibilidade da avaliação
psicológica em razão de anterior aprovação em
outro certame, a compreensão atual do Superior
Tribunal de Justiça é no sentido da
imprescindibilidade do aludido exame.
6. Recurso provido.
(Recurso Especial nº 396002/RS (2001/0193442-
0), 6ª Turma do STJ, Rel. Paulo Gallotti. j.
18.11.2003, unânime, DJ 30.10.2006).

TJSC-090569) DIREITO DE FAMÍLIA. PROCESSUAL


CIVIL. AÇÃO DE GUARDA E REGULAMENTAÇÃO
DE VISITAS. INSURGÊNCIA CONTRA A REALIZA-
ÇÃO DE EXAMES TÉCNICOS DE CUNHO PERICI-
AL. INVIABILIDADE. PODER DISCRICIONÁRIO
DO MAGISTRADO PARA AFERIR O MELHOR AMBI-
ENTE CAPAZ DE PROPORCIONAR AO INFANTE
PLENO DESENVOLVIMENTO. EXEGESE DO ART.

18
Plínio Caminha de Azevedo

130 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. PRETEN-


SÃO DAS PARTES EM NOMEAREM ASSISTENTES
TÉCNICOS. POSSIBILIDADE. INCLUSÃO DO ATU-
AL COMPANHEIRO DA GENITORA NOS ESTUDOS
PERICIAIS RECOMENDÁVEL. RECURSO PROVIDO.
1. “Em procedimentos que têm por objetivo pri-
mordial a salvaguarda física, moral e psicológica da
criança, conta o julgador com amplitude discricio-
nária mais significativa para sublevar aspectos jurí-
dico-formalísticos a fim de conferir maior seguran-
ça e eqüidade às decisões que proferir” (AI nº
2004.033800-4, de Ibirama).
2. Determinada a realização de estudo social, to-
mado este o caráter de perícia judicial ante a no-
meação pelo juízo de especialistas que não fazem
parte da equipe interprofissional, conveniente se
faz, em respeito aos princípios do contraditório e
ampla defesa, a intimação das partes para indica-
ção de assistentes técnicos e apresentação de que-
sitos (arts. 420 e seguintes do Código de Processo
Civil).
(Agravo de Instrumento nº 2005.001485-3, 3ª Câ-
mara de Direito Civil do TJSC, Itajaí, Rel. Des.
Marcus Túlio Sartorato. unânime, DJ 15.12.2005).

19
Plínio Caminha de Azevedo

A PROVA PERICIAL E A NOVA


REDAÇÃO DO CÓDIGO DE
PROCESSO CIVIL
IVAN LIRA DE CARVALHO
Juiz Federal
Professor da UFRN
Doutorando em Direito pela UFPE

I. INTRODUÇÃO
(...)

II. A MODIFICAÇÃO DO PAPEL DO ASSISTENTE TÉCNICO.


O primeiro dos preceptivos a sofrer alteração com a lei
nova foi o inciso III do artigo 138 do Código de Ritos. Dispunha a redação
originária do prefalado inciso que os mesmos motivos ensanchadores do
impedimento e da suspeição do Juiz (singular ou membro de Colegiado),
do representante do Ministério Público não-parte na demanda, do
serventuário da Justiça e do intérprete seriam também aplicáveis ao perito
e aos assistentes técnicos.
A nova dicção do Código de Processo Civil excluiu do
rol dos passíveis de suspeição e impedimento o assistente técnico, redu-
zindo-o, ao que se depreende, a um mero colaborador da parte que o
indicou, sem prejuízo de ser também visto como um eficaz colaborador
do juízo (ainda que de forma transversa), no afã de atingir a verdade pro-
cessual. A deliberada omissão do assistente técnico do elenco do artigo
138 do Código de Processo Civil está roborada, de forma explícita, na
redação inovadora do artigo 422 do mesmo codex, que na parte final afir-
ma que ditos auxiliares ‘são de confiança da parte, não sujeitos a impedi-
mento ou suspeição’.
Laborou acertadamente o legislador, ao impor esta revi-
são redacional do Código de Processo Civil. Com efeito, por ser pessoa
geralmente da estreita confiança de um dos litigantes, não se lhe deve ser
outorgado o mesmo status do perito judicial, este sim, um auxiliar precio-

20
Plínio Caminha de Azevedo

so do magistrado, que como tal deverá sempre exercer o encargo escru-


pulosamente e vinculado ao Judiciário por força de nomeação, sendo, por
isso mesmo, afastado da missão opinativa quando sobre si pesarem moti-
vos de impedimento ou de suspeição.

III. O PERITO E O PROCESSO.


Havido para alguns doutrinadores como ‘sujeito secun-
dário’ do processo, em face da sua configuração como auxiliar da Justiça
(conforme MAURO CUNHA e ROBERTO G. COELHO SILVA, Guia para o
Estudo da Teoria Geral do Processo, 1984, 122), o perito, ao dizer do
artigo 146 do Código de Processo Civil, ‘tem o dever de cumprir o ofício,
no prazo que lhe assina a lei, empregando toda a sua diligência’. Pode,
inobstante, escusar-se do encargo, desde que por motivo legítimo.
A escusa do experto tem prazo para ser apresentada:
cinco dias, a contar da intimação de que foi escolhido para o encargo ou
do aparecimento do motivo ensejador do impedimento ou da suspeição,
sob pena de ser reputado como renunciado o direito de alegá-los.
A vigente redação do parágrafo único do artigo 146 do
Código de Processo Civil fixou, para a escusa do perito, um novo dies a
quo: a intimação ou o impedimento ou a suspeição supervenientes ‘à re-
ferida comunicação processual’. Anteriormente, a suspeição e o impedi-
mento ulteriores à intimação somente poderiam ser apresentados como
base para a declinação do mister pelo perito, após a tomada do compro-
misso deste.
Registre-se que o legislador perdeu, com a reforma em
análise, excelente oportunidade para corrigir a omissão constatada no
corpo do parágrafo único do artigo 146 do Código de Processo Civil, que
apenas faz referência ‘ao impedimento’ como lastro para a escusa do peri-
to, esquecendo elemento de igual importância interferidora na
credibilidade do experto, que é a ‘suspeição’. Inobstante, como foi con-
servada, ao fim do texto, a expressa remissão ao artigo 423, e neste dispo-
sitivo está dito que o perito pode-se escusar ou ser recusado por impedi-
mento ‘ou suspeição’, não resta dúvida que os dois motivos podem dar
base à iniciativa do auxiliar pericial.
21
Plínio Caminha de Azevedo

IV. FACILITANDO A PRODUÇÃO DA PROVA PERICIAL.


Inovação de grande relevo foi introduzida na produção
da prova pericial com a substituição do absurdo texto do § 2º do artigo
421, que previa, em caso de pluralidade de autores ou de réus, a escolha
do assistente técnico pelo voto da maioria, e em caso de empate, pela
decisão da sorte. Agride ao bom senso a aparição da álea como instrumen-
to processual, mormente em um sistema jurídico que consagra o mono-
pólio do Estado na prestação jurisdicional, sendo tímidas as ‘delegações’
em sentido inverso (verbi gratia, O Juízo Arbitral - Código de Processo
Civil, artigo 1.072, e Lei nº 7.244, artigo 25). THEOTÔNIO NEGRÃO já
havia criticado com acidez: ‘Esta disposição não tem sentido, em face do
sistema adotado pelo Código de Processo Civil. De acordo com o antepro-
jeto, os peritos eram indicados pelas partes. Justificava-se, portanto, o sor-
teio, quando houvesse pluralidade de autores ou de réus. O assistente
técnico não passa, porém, de mero assessor dos litigantes: não é perito do
juízo; e, assim sendo, inexiste razão para que cada litisconsorte não fique
livre de indicar seu assistente técnico, especialmente no caso de interes-
ses distintos ou opostos (argumento do artigo 509, caput)’ (Código de
Processo Civil e Legislação Processual em Vigor, 1992, 274).
Consoante o novo § 2º do artigo 421 do Código de Pro-
cesso Civil, sempre que “a natureza do fato o permitir, a perícia poderá
consistir apenas na inquirição pelo Juiz do perito e dos assistentes, por
ocasião da audiência de instrução e julgamento a respeito das coisas que
houverem ‘informalmente examinado’ ou ‘avaliado’” (grifei).
Desnecessária, assim, a interferência presencial do Juiz
na produção da prova técnica. Sequer a marcação de dia, hora e lugar para
a realização da diligência é mais tarefa do magistrado, a teor da nova reda-
ção do artigo 427 do Código de Processo Civil.
Suprimindo tais atributos, passou o artigo 427 a cuidar
de tema mais importante, qual seja o de facultar ao Juiz a dispensa da
prova pericial, desde que as partes, na inicial ou na contestação, apresen-
tarem pareceres técnicos ou documentos suficientes ao esclarecimento
das questões fáticas. Consagrada está assim a atividade saneadora do Juiz,

22
Plínio Caminha de Azevedo

independentemente da topografia processual, posto que, com esteio no


mencionado artigo 427, exercerá mais confortavelmente a deliberação das
provas que interessem ao desate da questão sub judice.
Volvendo ao § 2º do artigo 421 do Código de Processo
Civil, cumpre anotar que quando ali está permitida a inquirição do perito
que houver examinado ou avaliado coisas, deve ser entendida a permis-
são, também, para que o experto seja perguntado sobre idêntica análise
que porventura tenha desenvolvido em pessoas. Creio eu que houve im-
perfeição técnica na redação da norma, já que a produção da prova perici-
al é perfeitamente incidível nas pessoas, servindo como exemplo as que
são apuradas em questões de Direito de Família.

V. A DESNESCESSIDADE DO COMPROMISSO E A
RESPONSABILIDADE PELA ATUAÇÃO DO PERITO.
Na redação antiga, dispunha o artigo 422 do Código de
Processo Civil que os peritos e os assistentes técnicos seriam intimados a
prestar, em dia, hora e local marcados pelo Juiz, o compromisso de bem
cumprir o encargo que havia a eles sido cometido. A redação atual simpli-
ficou mais uma vez o processo, prescindindo o perito da assinatura do
anacrônico termo de compromisso. Idem o assistente da parte.
Já não era sem tempo a tomada de tão significativa pro-
vidência legislativa, escoimadora de uma das célebres sandices que
atravancam a marcha processual. O perito é havido como auxiliar da justi-
ça, e ainda que seja serventuário excepcional e temporário (conforme
CINTRA, GRINOVER e DINAMARCO, Teoria Geral do Processo, 1991, 184),
máxime por exercer o encargo mediante remuneração (para uns, uma
taxa; para outros, um preço público), não foge ao enquadramento de ‘par-
ticular em colaboração com o poder público’ (conforme MARIA SYLVIA
ZANELLA DI PIETRO, Direito Administrativo, 1991, 308) ou mais precisa-
mente de funcionário público, na amplitude conceptual do artigo 327 do
Código Penal.
Outro não era o desígnio do malfadado ‘termo de com-
promisso’ do perito e dos assistentes técnicos, senão o de vincular-lhes à
atividade estatal judicante, sujeitando-se aos rigores disciplinares e penais

23
Plínio Caminha de Azevedo

em caso de tergiversação ou perjúrio. Mas, qual a necessidade do ‘termo’,


se a própria lei prevê o sancionamento do experto que agir de maneira
criminosa, levando inexatas informações ao processo?
É indiscutível que ao exercer uma função pública (‘atri-
buição ou conjunto de atribuições que a administração confere a cada
categoria profissional, ou comete individualmente a determinados servi-
dores para a execução de serviços eventuais’ - HELY LOPES MEIRELLES,
Direito Administrativo Brasileiro, 1990, 356), o perito configure-se como
funcionário público e portanto está exposto às punições antevistas no ar-
tigo 147 do Código de Processo Civil, quais sejam a reparação civil dos
prejuízos e a inabilitação, por dois anos, para funcionar em outras períci-
as.
No que concerne ao encaixe do perito como funcioná-
rio público para efeitos penais (Código Penal, artigo 327), a matéria é
pacífica, tanto em sede doutrinária como a nível pretoriano (conforme
NELSON HUNGRIA, citado por JULIO FABBRINI MIRABETE, Manual de
Direito Penal, 1991, 289, e Revista dos Tribunais, 640/349, 556/397, 569/
376, 598/327; Revista Trimestral de Jurisprudência, 100/135; JUTACRIM,
69/552).
Assim, se o perito, no exercício do seu mister, fizer afir-
mação falsa, ou negar ou calar a verdade, incorrerá no crime de falsa perí-
cia (Código Penal, artigo 342) e sofrerá reclusão, de um a três anos, além
de multa, desde que não se retrate oportunamente e as informações te-
nham potencialidade lesiva para desnaturar a distribuição de Justiça (Re-
vista Trimestral de Jurisprudência, 107/134; e Revista dos Tribunais, 639/
295).
Além das sanções de natureza penal acima comentadas,
é recomendável que o mau perito receba, também, o exemplamento do
órgão administrativo incumbido de fiscalizar o seu exercício profissional
(CREA, CRM, etc.).
Se o perito, nessa condição, causar prejuízo a quaisquer
das partes, responderá civilmente pelo seu agir, consoante dispõe o já
citado artigo 147 do Código de Processo Civil. Mais fácil ainda será a repa-

24
Plínio Caminha de Azevedo

ração devida pelo perito, se tiver este sido condenado por falsa perícia
(Código Penal, artigo 342), já que aí a indenização advirá em simples exe-
cução, precedida de liquidação. Em outro escrito, emiti opinião sobre o
tema: ‘A liquidação da sentença condenatória criminal é feita por artigos
(Código de Processo Civil, artigos 609 e seguintes), com a citação do exe-
cutado para oferecer defesa (procedimento ordinário). Será aí apurado o
montante da indenização e quem deverá recebê-la’ (Os Efeitos Civis da
Sentença Penal Condenatória, Informativo ADV/COAD, 1992, 374).
Por último, sendo o perito judicial um agente público,
e tendo o seu agir dado azo ao prejuízo da parte, há base para que esta
procure do Estado uma indenização, na conformação do artigo 37, § 6º,
da Constituição Federal, bem assim do artigo 15 do Código Civil. Não é
demais lembrar que, em casos tais, a responsabilidade do Estado é objeti-
va, já que ‘pouco importa para o prejudicado e para o bom Direito que o
prejuízo tenha decorrido da culpa do funcionário ou da proclamada defi-
ciência e insegurança do serviço público. O contribuinte, o usuário, paga
para ter um serviço satisfatório e, se o serviço, por ser notoriamente falho
e mal aparelhado, ocasiona um prejuízo inescusável, deve a administração
pagar pelo dano, notadamente quando se tem em conta que a responsabi-
lidade do Estado é objetiva, isto é, independe de culpa’ (MÁRIO MOACYR
PORTO, Temas de Responsabilidade Civil, 1989, 148). A responsabilidade
sem culpa do Estado tem inspiração ‘no risco e na solidariedade social’
(conforme JOSÉ AUGUSTO DELGADO, Responsabilidade Civil do Estado
pela Demora da Prestação Jurisdicional, RF, 297/406; Associação dos Juízes
do Rio Grande do Sul, 29/17, e RP, 40/147).

VI. A SUBSTITUIÇÃO DO PERITO.


Dispunha o artigo 424 do Código de Processo Civil, em
sua redação original, que poderia haver a substituição do perito ou do
assistente, desde que estes carecessem de conhecimento técnico ou cien-
tífico sobre a matéria em exame ou se, sem motivo legítimo, deixassem de
prestar o compromisso. Atualmente, nada está regulado no que tange ao
assistente e não mais será exigido o compromisso do perito, devendo este

25
Plínio Caminha de Azevedo

ser substituído se não reunir bagagem técnica ou científica sobre o tema


examinado, bem assim se ‘deixar de cumprir o encargo no prazo que lhe
foi assinado’ (inciso II). Nesta última hipótese, ‘o Juiz comunicará a ocor-
rência à corporação profissional respectiva, podendo, ainda, impor multa
ao perito, fixada tendo em vista o valor da causa e o possível prejuízo
decorrente do atraso no processo’.

VII. O LAUDO E OS PARECERES. PRAZOS.


Sobre o ‘atraso no processo’, é bem de ver que foi mo-
dificada a redação do artigo 433 do Código de Processo Civil, restando
facultada ao Juiz a marcação do prazo para a entrega do laudo pericial em
Cartório, pelo menos 20 dias antes da audiência de instrução e julgamen-
to. Duas destacadas modificações foram introduzidas na produção da pro-
va pericial pelo parágrafo único do prefalado artigo 433. A primeira diz
respeito ao vocábulo usado para definir a peça informativa confeccionada
pelo assistente técnico: ao invés de laudo, como dizia o dispositivo
derrogado, chama-se agora de parecer, patenteando assim a intenção do
legislador de excluir o assistente técnico da relação dos auxiliares da Justi-
ça, para enquadrá-lo como ajudante da própria parte, às expensas desta,
que tal qual um jurisconsulto emite uma opinião a pedido do litigante que
com ele tenha contactado. Aliás, já era como mera ‘alegação da parte’ que
a jurisprudência encarava o laudo extemporâneo apresentado pelo assis-
tente técnico (1º Tribunal de Alçada Civil de São Paulo, Jurisprudência
ADV/COAD, 1991, verbete nº 55.257). Era o gérmen do parecer agora con-
sagrado na lei.
A segunda inovação trazida pelo novo texto do parágrafo único do artigo 433 do Código de
Processo Civil é sobre o prazo para que os assistentes entreguem em juízo os seus pareceres.
É este de 20 dias; é comum; e correrá independente-
mente de intimação. O dies a quo deste prazo é a apresentação do laudo
em Cartório, o que exigirá redobrada diligência das partes e dos seus res-
pectivos advogados para evitar a preclusão, máxime em razão do prazo
conferido ao perito ser de natureza judicial (marcado pelo Juiz, artigo
433, caput).

26
Plínio Caminha de Azevedo

VIII. CONCLUSÕES.
1ª) Com as modificações introduzidas no Código de Processo Civil, pela
Lei nº 8.455, o assistente técnico é considerado um auxiliar da parte
que o contactou para dele receber um opinamento acerca das ques-
tões técnicas ou científicas afloradas na sede da prova pericial.
2ª) O assistente técnico está expressamente excluído do rol das pessoas
passíveis de suspeição ou impedimento no processo (Código de Pro-
cesso Civil, artigo 422), não mais estando elencado no artigo 138 do
Código de Processo Civil.
3ª) Para apresentar a sua escusa em não funcionar no processo, o perito
tem o prazo de cinco dias, a contar da intimação de que foi nomeado
ou do surgimento do fato novo ensejador do impedimento ou da
suspeição. Não o fazendo nesse lapso, reputar-se-á renunciado o di-
reito de argüir tais óbices.
4ª) Deveria o legislador de 1992 ter incluído na redação do artigo 146 a
suspeição como causa autorizadora da escusa do perito em funcionar
no processo.
5ª) Desde que compatível com a natureza do fato, é judicialmente válida
a informação prestada em audiência, tanto pelo perito como pelo
assistente técnico, acerca de fatos ou de pessoas que tenham sido
examinadas por estes.
6ª) Se as partes oferecerem, no ajuizamento e/ou na defesa, pareceres
técnicos ou documentos que bastem ao aclaramento da lide, o Juiz
poderá dispensar a produção da prova pericial (Código de Processo
Civil, artigo 427).
7ª) O perito e o assistente técnico não mais prestarão compromisso (Có-
digo de Processo Civil, artigo 422).
8ª) É permitida a substituição do perito se este carecer de base técnica ou
científica, bem assim se deixar de cumprir o seu mister no prazo assi-
nado.
9ª) O laudo do perito deve estar em Cartório no prazo fixado pelo Juiz
até 20 dias antes da audiência de instrução e julgamento.
10ª) É chamada de parecer a peça de opinamento dos assistentes técnicos,
e deverá chegar a juízo no prazo comum de 10 dias, a contar da entre-
ga do laudo oficial.

27
Plínio Caminha de Azevedo

BIBLIOGRAFIA

1. ALVIM, Arruda e ALVIM PINTO, Tereza.


‘Manual de Direito Processual Civil’, 4ª edição,
volume 2, São Paulo, Editora Revista dos Tri-
bunais, 1991.

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Condenatória’, Informativo ADV/COAD, nº 34,
Rio de Janeiro, 1992.

3. CINTRA, Antonio Carlos de Araújo; DINAMARCO, Cândido Rangel; e


GRINOVER, Ada Pellegrini.
‘Teoria Geral do Processo’, 8ª edição, São Pau-
lo, Editora Revista dos Tribunais, 1991.

4. CUNHA, Mauro e SILVA, Roberto Geraldo Coelho.


‘Guia Para o Estudo da Teoria Geral do Proces-
so’, Porto Alegre, Sagra, 1984.

5. DELGADO, José Augusto. ‘Responsabilidade Civil do Estado pela Demo-


ra da Prestação Jurisdicional’, in Associação
dos Juízes do Rio Grande do Sul, volume 29,
Porto Alegre, 1983.

6. GRECCO FILHO, Vicente. ‘Direito Processual Civil Brasileiro’, 5ª edi-


ção, volume 2, São Paulo, Saraiva, 1992.

7. MEIRELLES, Hely Lopes. ‘Direito Administrativo Brasileiro’, 15ª edição,


São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 1990.

8. MIRABETE, Julio Fabbrini. ‘Manual de Direito Penal’, 5ª edição, volume


3, São Paulo, 1991.

9. NEGRÃO, Theotônio. ‘Código de Processo Civil e Legislação Processual


em Vigor’, 22ª edição, São Paulo, Malheiros,
1992.

10. PIETRO, Maria Sylvia Zanella di. ‘Direito Administrativo’, 2ª edição,


São Paulo, Editora Atlas, 1991.

11. PORTO, Mário Moacyr. ‘Temas de Responsabilidade Civil’, São Paulo,


Editora Revista dos Tribunais, 1989.
28
Plínio Caminha de Azevedo

A PROVA PERICIAL NO PROCESSO CIVIL

FRANCISCO MAIA NETO


Engenheiro
Advogado
Ex-presidente do Instituto Brasileiro
de Avaliações e Perícias de
Engenharia

Ao proferir a palestra de abertura do Congresso Extra-


ordinário da Union Panamericana de Associaciones de Valuacion (UPAV),
ocorrido em São Paulo, no ano de 1997, concomitantemente ao IX Con-
gresso Brasileiro de Engenharia de Avaliações e Perícias (COBREAP), o
ministro Carlos Mário da Silva Velloso, do Supremo Tribunal Federal, clas-
sificou a perícia como a “rainha das provas”, o que demonstra sua impor-
tância como instrumento probatório.
Nossa análise da situação da perícia no processo civil
inicia-se no Código de 1939, que previa a nomeação de um perito da livre
escolha do juiz, permitindo a indicação pelas partes de assistentes técni-
cos, que poderiam acompanhar os trabalhos do perito e impugnar as con-
clusões trazidas em seu laudo, e segue a alteração, três anos depois, pelo
Decreto-Lei nº 4.565, determinando que o juiz nomeasse o perito somen-
te na hipótese de as partes não chegarem a um consenso sobre a escolha
de um nome comum.
Em 1946, surge outra alteração no texto legal, dessa vez
consagrando a figura que vigorou até a publicação do Código de Processo

29
Plínio Caminha de Azevedo

Civil de 1973, do perito desempatador, que só era nomeado caso as partes


não indicassem um perito comum, ou, na hipótese de cada parte indicar o
seu perito, se as conclusões não satisfizessem o juiz, o que invariavelmen-
te ocorria, pois eles transformavam-se em “advogados de defesa” das par-
tes que os haviam indicado.
A mudança introduzida pelo Código de 1973 retroage
ao dispositivo previsto no Código de 1939, inovando apenas no que se
referia a determinados requisitos exigidos dos assistentes técnicos, no to-
cante à sua imparcialidade, pois, ao contrário da concepção anterior, estes
não eram mais os auxiliares da parte que os indicava, mas, antes de tudo,
auxiliares do juiz.
Essa foi a sistemática adotada até a edição da Lei nº
8.455, ocorrida em 1992, que retirou essas características, uma vez que o
assistente técnico, na prática, nunca pautou pela imparcialidade, pois nin-
guém contratava um profissional senão com o intuito de demonstrar o
acerto de suas posições, baseado nos elementos técnicos obtidos.
O assistente técnico é o auxiliar da parte, aquele que
tem por obrigação concordar, criticar ou complementar o laudo do peri-
to, por meio de seu parecer, cabendo ao juiz, pelo princípio do livre con-
vencimento, analisar seus argumentos, podendo fundamentar sua deci-
são em seu trabalho técnico.
Seguindo o processo evolutivo do instituto da perícia,
no final do ano de 2001, com a edição da Lei nº 10.358, surgiram algumas
novidades, ainda muito recentes, pouco assimiladas e sem um acervo
jurisprudencial, o que nos leva a interpretações doutrinárias sobre o tema.
A primeira alteração refere-se à nomeação do perito e
indicação dos assistentes técnicos, com a possibilidade de o juiz nomear
mais de um perito e as partes indicarem mais de um assistente técnico,
sendo a interpretação corrente que esta nova prerrogativa refere-se a uma
mesma categoria profissional.
Em nosso entendimento, a previsão legal se mostrou
incompleta, uma vez não existir determinação quanto à forma de realiza-
ção da perícia, que se recomenda seja feita em conjunto pelos profissio-

30
Plínio Caminha de Azevedo

nais envolvidos, caso contrário poderão surgir antagonismos entre os pró-


prios peritos e até mesmo entre os assistentes, o que dificultará a aprecia-
ção da prova, existindo algumas opiniões no sentido de que o juiz deveria
desde logo nomear um deles coordenador da perícia.
No que tange à possibilidade de indicação de mais de
um assistente, ainda que o juiz tenha nomeado um só perito, o entendi-
mento é de sua admissibilidade, cabendo unicamente à parte o ônus des-
sa escolha, cuja rejeição se enquadraria em cerceamento de defesa, assim
como, inversamente, se o juiz nomear mais de um perito, a parte pode
indicar somente um assistente técnico.
Essa questão inclusive se torna mais evidente após a
reforma constitucional que extinguiu as férias forenses nos meses de ja-
neiro e julho, uma vez não existir mais suspensão de prazos, o que pode
resultar em perda de prazo do assistente técnico na entrega de seu pare-
cer, caso se encontre em férias quando da entrega do laudo pelo perito.
A outra novidade refere-se ao termo inicial da perícia,
ao determinar que as partes tenham ciência da data e do local designados
pelo juiz ou indicados pelo perito para início dos trabalhos periciais.
Com essa previsão, alguns profissionais incorreram em
grave equívoco, ao entenderem que o perito seria obrigado a comunicar
aos assistentes técnicos, quando na verdade a previsão legal obriga a co-
municação aos advogados, pois são eles que representam as partes.
Uma corrente entende que o perito deve apresentar
petição ao juiz solicitando essa marcação ou até mesmo sugerindo a data
e o local, o que não nos parece recomendável, pela notória demora que
resulta no processo judicial.
O procedimento que muitos estão adotando compre-
ende o envio de carta via AR (aviso de recebimento) aos advogados das
partes, comunicando, com antecedência, a data, que engloba dia e hora, e
o local, não esquecendo de, por questões éticas, comunicar por fax ou
telefone aos assistentes técnicos.
A terceira e última alteração faz referência ao prazo de
entrega do parecer pelo assistente técnico, fixado em até dez dias depois

31
Plínio Caminha de Azevedo

de intimadas as partes da entrega do laudo, e não mais independente de


intimação, que levou alguns a confundirem o termo inicial com o proto-
colo, em clara ofensa ao princípio do devido processo legal.
Uma dúvida que ainda persiste se refere à coincidência
de prazos entre a vista ao advogado, cinco dias, e a entrega do parecer do
assistente técnico, dez dias, podendo este último acontecer após o térmi-
no do prazo para manifestação pelos advogados.
Dessa forma, o que tem acontecido são os advogados
peticionarem sobre o laudo pericial, reservando-se o direito de comenta-
rem os pareceres dos assistentes técnicos após os respectivos protocolos.

32
Plínio Caminha de Azevedo

PERÍCIA É
PROVA
JUDICIAL?

DIZ O CÓDIGO CIVIL DE 2002:


TÍTULO V
- DA PROVA

ART. 212. SALVO O NEGÓCIO A QUE SE


IMPÕE FORMA ESPECIAL , O FATO
JURÍDICO PODE SER PROVADO
MEDIANTE:

33
Plínio Caminha de Azevedo

I - confissão;
II - documento;
III - testemunha;
IV - presunção;

V - perícia.

E DIZ AINDA:

A RT . 231. A QUELE QUE SE NEGA A


SUBMETER -SE A EXAME MÉDICO NECESSÁRIO
NÃO PODERÁ APROVEITAR-SE DE SUA RECUSA.

ART. 232. A RECUSA À PERÍCIA MÉDICA


ORDENADA PELO JUIZ PODERÁ SUPRIR A PROVA
QUE SE PRETENDIA OBTER COM O EXAME

34
Plínio Caminha de Azevedo

E O CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL


COMPLETA:
SEÇÃO VII
DA PROVA PERICIAL (ARTIGOS 420 A 439)
ART. 420. A PROVA PERICIAL CONSIS-
TE EM EXAME, VISTORIA OU AVALIA-
ÇÃO.

O MINISTRO CARLOS MÁRIO DA SILVA


VELLOSO, DO SUPREMO TRIBUNAL
F EDERAL , CLASSIFICOU A PERÍCIA
COMO A “RAINHA DAS PROVAS”, O
QUE DEMONSTRA SUA IMPORTÂNCIA
COMO INSTRUMENTO PROBATÓRIO.

35
Plínio Caminha de Azevedo

O PAPEL DO ASSISTENTE

O ASSISTENTE TÉCNICO NÃO PASSA,


PORÉM, DE MERO ASSESSOR DOS LI-
TIGANTES: NÃO É PERITO DO JUÍZO!

O LAUDO E OS PARECERES
Uma das modificações introduzidas na
produção da prova pericial pelo parágrafo único
do art. 433, diz respeito ao vocábulo usado para
definir a peça informativa confeccionada pelo
assistente técnico:
ao invés de laudo, como dizia o dispositivo
derrogado, chama-se agora de parecer,
patenteando assim a intenção do legislador de
excluir o assistente técnico da relação dos
auxiliares da Justiça, para enquadrá-lo como
ajudante da própria parte, às expensas desta

36
Plínio Caminha de Azevedo

No § 2º do artigo 421 do CPC, houve imperfeição


técnica na redação da norma, pois quando ali está
permitida a inquirição do perito que houver
examinado ou avaliado coisas, deve a permissão
ser entendida, também, para que o experto seja
perguntado sobre idêntica análise que
porventura tenha desenvolvido em pessoas, já
que a produção da prova pericial é perfeitamente
cabível nas pessoas, servindo como exemplo as
que são apuradas em questões de Direito de
Família.

OS RECURSOS A SEREM UTILI-


ZADOS NA PERÍCIA
Art. 429. Para o desempenho de sua função,
podem o perito e os assistentes técnicos utilizar-
se de todos os meios necessários, ouvindo
testemunhas, obtendo informações, solicitando
documentos que estejam em poder de parte ou
em repartições públicas, bem como instruir o
laudo com plantas, desenhos, fotografias e
outras quaisquer peças.

37
Plínio Caminha de Azevedo

A QUESTÃO DA AMPLA DEFESA E


DO CONTRADITÓRIO:

N ÃO HÁ DÚVIDA SOBRE A
NECESSIDADE DA PERÍCIA RESGUARDAR
OS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS
CITADOS, CONFORME EXEMPLIFI-CAM
INÚMEROS JULGADOS.

STJ- RECURSO ESPECIAL. ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO.


CONCURSO. EXAME PSICOTÉCNICO. CARÁTER SUBJETIVO.
IRRECORRIBILIDADE DOS TESTES. ILEGALIDADE RECONHE-
CIDA.
1. (...)
2. (...)
3. (...)
4. Embora reconhecida a legalidade do exame psicotécnico para a
carreira de policial federal, é vedada sua realização de modo
sigiloso e irrecorrível.
5. No que diz com a inexigibilidade da avaliação psicológica em
razão de anterior aprovação em outro certame, a compreensão
atual do Superior Tribunal de Justiça é no sentido da
imprescindibilidade do aludido exame.
6. (...)
(Recurso Especial nº 396002/RS (2001/0193442-0), 6ª Turma do
STJ, Rel. Paulo Gallotti. j. 18.11.2003, unânime, DJ 30.10.2006).

38
Plínio Caminha de Azevedo

TJSC DIREITO DE FAMÍLIA. PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE


GUARDA E REGULAMENTAÇÃO DE VISITAS. INSURGÊNCIA
CONTRA A REALIZAÇÃO DE EXAMES TÉCNICOS DE CUNHO
PERICIAL. INVIABILIDADE. PODER DISCRICIONÁRIO DO MA-
GISTRADO PARA AFERIR O MELHOR AMBIENTE CAPAZ DE
PROPORCIONAR AO INFANTE PLENO DESENVOLVIMENTO.
EXEGESE DO ART. 130 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. PRE-
TENSÃO DAS PARTES EM NOMEAREM ASSISTENTES TÉCNI-
COS. POSSIBILIDADE. INCLUSÃO DO ATUAL COMPANHEIRO
DA GENITORA NOS ESTUDOS PERICIAIS RECOMENDÁVEL.
RECURSO PROVIDO.

1. “Em procedimentos que têm por objetivo primordial a salvaguar-


da física, moral e psicológica da criança, conta o julgador com
amplitude discricionária mais significativa para sublevar aspec-
tos jurídico-formalísticos a fim de conferir maior segurança e
eqüidade às decisões que proferir” (AI nº 2004.033800-4, de
Ibirama).

2. Determinada a realização de estudo social, tomado este o


caráter de perícia judicial ante a nomeação pelo juízo de espe-
cialistas que não fazem parte da equipe interprofissional, conve-
niente se faz, em respeito aos princípios do contraditório e
ampla defesa, a intimação das partes para indicação de assisten-
tes técnicos e apresentação de quesitos (arts. 420 e seguintes do
Código de Processo Civil).

(Agravo de Instrumento nº 2005.001485-3, 3ª Câmara de Direito


Civil do TJSC, Itajaí, Rel. Des. Marcus Túlio Sartorato. unânime,
DJ 15.12.2005).

39
Maria Inês Linck

CONSIDERAÇÕES DA
RELATORA

MARIA INÊS LINCK

Juíza de Direito - Titular da 1ª Vara de Família


e Sucessões
Foro Central - Porto Alegre

40
Maria Inês Linck

Ao participar deste bloco como revisora, coube a mim


realizar um “fechamento” sobre as participações anteriores, passando a
tecer as seguintes considerações:
Certamente a perícia é um elemento assessor ao jurídi-
co pois pode e deve ser utilizada sempre que a capacitação requerida pela
situação não estiver inserida nos parâmetros daquilo que se pode esperar
de um juiz médio, ainda que seja um juiz “moderno” (que investiga) como
diz Dra. Mônica Guazzeli, que mitiga o princípio da inércia da jurisdição
não esperando a provocação, podendo também determinar a realização
da prova. Justifica-se a assertiva porque o magistrado não pode valer-se de
conhecimentos pessoais, mesmo que de natureza técnica, para dispensar
a prova pericial, uma vez que não pode ser dispensado o contraditório (há
diversas decisões jurisprudenciais neste sentido).
Os critérios utilizados para solicitar a avaliação confun-
dem-se com os que foram identificados em relação à função assessora.
O perito não dever trazer fatos para os autos, e sim opi-
niões técnico-científicas a respeito dos fatos, apresenta juízos
especializados, é alguém da confiança do juízo e pode ser levantado con-
tra ele as mesmas exceções de suspeição, impedimentos... que ao juiz. É
por isso que os peritos atuam diretamente com as partes e a eles cabe
entrevistar as pessoas. Quanto aos assistentes técnicos cabe mais a obser-
vação para posterior conferência.
Sem dúvida, a perícia é prova judicial. Para o Dr. Plínio
Caminha de Azevedo é a “Rainha das Provas”, porque trás segurança ao
julgador e por isso é necessário que todos os “operadores do direito” atu-
em de modo efetivo, sanando dúvidas, quesitando para que os laudos
contenham as impressões técnicas com os embasamentos necessários,
tendo em vista a possibilidade de influenciar diretamente na vida dos en-

41
Maria Inês Linck

volvidos. É necessário também que os laudos periciais contenham pro-


postas de encaminhamentos baseados nos fundamentos de seus juízos
especializados e que atinjam efetivamente o seu objetivo, conclusivo con-
forme o instrumental utilizado, cabendo ao juiz a valoração da prova, a
livre valoração da prova desde que fundamentado.
Em um segundo momento, trago à discussão a questão
do exame psico-pericial como ato de profissional que atua na área médi-
ca, especialmente área psicológica e ressalto aqui a possibilidade do peri-
to agir com plena autonomia, pois enfrentei, ao jurisdicionar,
questionamento sobre a possibilidade do assistente técnico participar (en-
trar na sala) da entrevista do perito do juízo com o laudeando e a negativa
do perito oficial fundamentada na autonomia do profissional, neste caso
um médico psiquiatra, por acarretar inibição ou constrangimento ao
periciado.
Conforme parecer do Conselho Federal de Medicina,
(que é mencionado pois no caso em relato o perito era médico psiquiatra)
é dever inalienável do perito para com o paciente exigir a privacidade do
ato. Pondero que neste aspecto a filmagem prevista no “Depoimento sem
Dano”” poderá resolver o problema.
Sobre o assistente técnico, o Código de Processo Civil,
após a reforma não atribui a ele a função de auxiliar do juízo e sim da
parte, portanto, sequer participa da confecção do laudo e deve emitir pa-
recer após examinar o trabalho do perito do juízo (artigo 433 § único). Há
possibilidade de conferência com o perito oficial visando transparência
dos trabalhos.

EM CONCLUSÃO:

Se não houver objeção do perito é possível o juiz admi-


tir a entrada do assistente técnico na sala de entrevista Caso houver obje-
ção, deve prevalecer a autonomia do perito do juízo. Já existe acórdão
recente referente a este tema e transcrevo a ementa do julgamento do
Agravo de Instrumento nº 700.158.70397 - 5º Câmara Cível TJRS - Relator:

42
Maria Inês Linck

Desembargador Umberto Guaspari Sudbrack, 16 de agosto de 2006, por


bem apreciar e resumir a matéria:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. PROCESSUAL CIVIL. PERÍCIA
MÉDICA. AVALIAÇÃO PSIQUIÁTRICA. PRESENÇA DOS ASSIS-
T E N T E S T É C N I C O S N A E N T R E V I S TA D E A VA L I A Ç Ã O .

DESNECESSIDADE. OFENSA AO PRINCÍPIO DA AMPLA DEFE-


SA. INOCORRÊNCIA.

Caso em que o fato de os assistentes técnicos não


poderem participar de entrevista que avaliará o es-
tado psiquiátrico do autor não consiste em ofensa
aos princípios da ampla defesa e do contraditório.
Presença de outras pessoas, além do examinador e
do examinado, no “setting” da entrevista, é rica
fonte de inibições à espontaneidade das respostas
do periciado. Possibilidade de apresentação de pa-
recer autônomo de avaliação pelos assistentes téc-
nicos, bem como de realização de conferência com
o perito judicial, que confere total transparência
aos trabalhos. AGRAVO DE INSTRUMENTO DESPROVIDO.
(Agravo de Instrumento Nº 70015870397, Quinta
Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator:
Umberto Guaspari Sudbrack, Julgado em 16/08/
2006).

43
2º BLOCO - DO PERITO
COMPOSIÇÃO DA MESA

Lucio Garcia psicólogo


Maria da Graça Corrêa Jacques psicóloga relatora
Rosa Magrinelli psicóloga coordenadora
Sílvia Tejadas assistente social
Sonia Liane R. Rovinski psicóloga

44
Maria da Graça Corrêa Jacques

ALGUMAS REFLEXÕES ACERCA


DA PERÍCIA PSICOLÓGICA

(E SOCIAL)

MARIA DA GRAÇA CORRÊA JACQUES

Psicóloga, Mestre em Psicologia


Organizacional, Doutora em
Educação, Pós-Doutora em
Psicologia Social, professora da
Universidade Federal do Rio Grande
do Sul e conselheira do Conselho
Regional de Psicologia do Rio
Grande do Sul.

45
Maria da Graça Corrêa Jacques

Inicio minha exposição como debatedora deste painel


registrando a minha satisfação em estar aqui compartilhando com vocês
da discussão de um tema que vem sendo objeto de preocupação entre os
diversos segmentos sociais envolvidos: a questão da perícia no âmbito das
relações entre Psicologia e Direito. Entre a categoria dos psicólogos e no
Sistema Conselhos de Psicologia o tema da perícia psicológica é uma dis-
cussão recorrente. No último Congresso Nacional de Psicologia onde se
elegem as prioridades de atuação do Sistema Conselhos no próximo
triênio, a Psicologia Jurídica recebeu, em um primeiro momento, 11 teses
entre as 156 apresentadas, quais sejam: diálogo com a sociedade acerca
da Psicologia Jurídica e fortalecimento das entidades representativas,
ações para inclusão do psicólogo no Sistema Judiciário e na Segurança
Pública, formação em Psicologia Jurídica, parâmetros para orientação e
fiscalização do trabalho do psicólogo, avaliação psicológica na perícia e
mediação.
As teses sobre a avaliação psicológica na perícia se con-
centraram em três grandes eixos: a definição de parâmetros mínimos para
a realização da avaliação psicológica, a aquisição pelo Sistema Judiciário
do instrumental para aplicação de testes psicológicos e a conscientização
dos psicólogos para respeitarem os diferentes códigos jurídicos, especial-
mente o Código Civil. No Rio Grande do Sul, a discussão no VI Congresso
Regional de Psicologia levou a rejeição de 7 dessas 11 teses e a aprovação
de 4 delas com alterações por julgá-las ou repetitivas, ou não condizentes
com as atribuições do Sistema Conselhos ou por demandarem uma regu-
lamentação sem uma maior discussão com os vários segmentos envolvi-
dos. O Rio Grande do Sul encaminhou como proposta, entre outras, a
abertura de espaços para debate a partir dos quais se possa propor
parâmetros para a avaliação psicológica na perícia para posterior regula-
mentação.
46
Maria da Graça Corrêa Jacques

Na plenária final do VI Congresso Nacional ocorrida em


Brasília com a presença de delegados das diferentes regiões do país e com
o objetivo de definir as prioridades de atuação do Sistema Conselhos, 4
teses foram aprovadas referentes à Psicologia Jurídica, no eixo ‘Interven-
ção dos psicólogos nos sistemas institucionais’, quais sejam: Tese nº 115,
Tese nº 117, Tese nº 121 e Tese nº 125. A Tese nº 115 propõe ações para
inclusão do psicólogo nos Sistemas de Justiça e de Segurança Pública; a
Tese nº 117 versa sobre a avaliação psicológica no âmbito da Justiça, espe-
cificamente, a proposição de ações que fomentem essa discussão e que
sugerem condições a serem oferecidas pelo Sistema Judiciário para a atu-
ação do psicólogo; a Tese nº 121, uma tese especialmente voltada para a
Mediação; e, a Tese 125 que se refere a alguns encaminhamentos para a
construção de referências quanto à prática do psicólogo nos Sistemas de
Justiça e Segurança.
O tema dessas teses nos informa qual vem sendo a pre-
ocupação dos psicólogos e quais as suas expectativas em relação ao Siste-
ma Conselhos. Chama a atenção a ausência de referências explícitas a
questões sobre a perícia psicológica, embora as proposições referentes à
avaliação psicológica as englobem. Neste caso, as proposições encami-
nham tanto para ampliação da discussão no âmbito da categoria dos psi-
cólogos como uma interlocução com os representantes do Sistema Judici-
ário, esclarecendo e reivindicando condições básicas para a atuação dos
psicólogos neste campo.
Portanto, esse espaço vem atender a essa expectativa
como um espaço em que se possa debater o tema e se ampliar o diálogo
para além das fronteiras da Psicologia. Celso Pedro Luft1, em seu Dicioná-
rio da Língua Portuguesa, define o verbo debater como “discutir, desper-
tar, contender; agitar-se, estrebuchar-se.” Tal definição aponta, especial-
mente, para o sentido negativo do debate que eu espero não seja a ten-
dência de leitura da minha intervenção. Ao contrário. Espero que minha
apresentação seja compreendida enquanto exposição de um ponto de vis-
ta e que se transforme em um estímulo para o nosso diálogo.
1
LUFT, C.P. Pequeno Dicionário da Língua Portuguesa. S.P: Scipione, 1987, p. 159.

47
Maria da Graça Corrêa Jacques

Tomo como ponto de partida a referência de Silvia


Tejadas, expositora que me precedeu, sobre a necessidade de
contextualização histórica e política da perícia social. Compartilho com
sua argumentação e entendo que a construção de objetos de estudo e
espaços de intervenção em Psicologia, assim como no Serviço Social, não
são algo acima ou à margem da sociedade, mas componentes da própria
sociedade em que se produzem, sujeitos aos limites do tempo e do espa-
ço.
O meu olhar retrocede ao Renascimento e a criação no
mundo ocidental de novos conceitos sobre a natureza e a sociedade pau-
tados nos grandes progressos das chamadas Ciências Físicas e Naturais de
onde decorre a conclusão epistemológica de que métodos e procedimen-
tos devem se estender a todo o domínio do conhecimento científico. A
partir do século XVIII o grande debate que se instala é sobre a objetivida-
de do conhecimento, sobre a problemática da Verdade e sobre a aproxi-
mação maior ou menor com o real. Edgar Morin2 se refere criticamente a
esse pensamento hegemônico qualificando-o de “Ciência-Verdade-Absolu-
ta”, “Ciência-Solução”, “Ciência-Farol”, “Ciência-Guia”. Michel Foucault3,
também um dos seus grandes críticos, escreve:
“No fundo da prática científica existe um discurso
que diz: nem tudo é verdadeiro, mas em todo o
lugar e a todo o momento existe uma verdade a ser
dita e a ser vista, uma verdade talvez adormecida
que, no entanto, está somente a espera da nossa
mão para ser desvelada”.
É nesse contexto histórico que a Psicologia nasce como
uma ciência autônoma da Filosofia. Ancora-se, na constituição do seu ob-
jeto, na noção de indivíduo e no antropocentrismo que se instaura a par-
tir das descobertas científicas e se apropria dos pressupostos das Ciências
Físicas e Naturais no afã por reconhecimento. Inscreve-se como importan-
te braço científico de consolidação da ordem social, como um dispositivo
2
MORIN, E. O despertar da razão. S.P.: Melhoramentos, 1986, p. 79.
3
FOUCAULT, M. Microfísica do poder. R.J.: Graal, 1982, p. 113.
4
PATTO, M.H. Psicologia e ideologia. S.P.: Queiroz, 1987.

48
Maria da Graça Corrêa Jacques

cujas práticas se circunscrevem a prever e controlar, selecionar e orientar,


nas palavras de Maria Helena Patto4. Constitui-se como ciência normativa,
definidora dos padrões de normalidade e construtora de instrumentos de
medida e quantificação do psiquismo. É nesse contexto histórico-social
que a Psicologia fornece as ferramentas para a individualização dos pro-
blemas sociais referidos por Silvia Tejadas quando se refere à construção
do Serviço Social como profissão em que ao atribuir-se ao indivíduo a
responsabilidade pela situação vivenciada, deixa-se de vislumbrar as de-
terminações que emanam da estrutura econômica, social, política e cultu-
ral.
Tais fundamentos que se expressam na constituição da
Psicologia como ciência e profissão, encontram na avaliação psicológica
um terreno fértil enquanto um modo de legitimação fundamentada em
princípios científicos a partir de uma concepção de ciência. A descoberta
da “Verdade”, a aproximação com o “real”, a objetividade, balizam sua
atuação. Da mensuração da sensação através de recursos fornecidos pela
psicofísica, passando pela mensuração da inteligência e das aptidões, a
Psicologia passa a avaliar características de personalidade ou, aspectos do
psiquismo com nomes variáveis.
E, ainda, sob uma perspectiva crítica, a avaliação psico-
lógica, especificamente a perícia psicológica (assim como a social) pode
se apresentar como um substituto científico à moral clássica, com reco-
nhecimento social, pautada pelos valores hegemônicos de um determina-
do contexto sócio-histórico. Hilton Japiassú5 alerta para o risco da prática
psicológica se submeter aos ditames de uma ideologia dominante de cará-
ter regulador sempre que desvinculada de uma reflexão ética constante
sobre o seu fazer e sobre o que está sendo feito com o produto do seu
trabalho.
O mesmo autor assinala que assim como o indivíduo da
Idade Média tinha certa compreensão de si mesmo graças ao modelo
explicativo e moral proposto pela Igreja, constata-se, hoje, o que se pode-
ria chamar de “psicologização” em que a sociedade delega com freqüência
5
JAPIASSÚ, H. Introdução à epistemologia da Psicologia. R.J.: Imago, 1982.

49
Maria da Graça Corrêa Jacques

à Psicologia poderes de determinar os lugares na sociedade e de resolver


problemas sociais. Tal “psicologização” pode ser uma das explicações para
a crescente demanda pela avaliação psicológica em determinados espaços
como, por exemplo, o espaço jurídico em que a decisão de julgar e suas
conseqüências objetivas e subjetivas são delegadas a um saber técnico ex-
terno ao saber jurídico.
Daí a importância do apontamento de Sonia Liane
Rovinski, também uma das expositoras que me precedeu, sobre o lugar
do psicólogo e o lugar do juiz, que não se confundem. A função da perí-
cia, em tese, é de ampliar as possibilidades de decisão do juiz, fornecendo
elementos para seu convencimento. Porém, o que se percebe com mais
freqüência é que o laudo pericial acaba por receber um valor maior a
partir de uma concepção de “Ciência-Verdade-Absoluta”, “Ciência-Solu-
ção”, ciência que desvela a Verdade oculta e que determina as conseqüên-
cias daí derivadas.
Tal tendência é interpretada por Silvana de Oliveira6
como uma das expressões da maior “judicialização” da vida cotidiana que
no Conselho Regional de Psicologia se reflete como uma grande demanda
por orientação e fiscalização. Tal demanda se reflete no significativo nú-
mero de Resoluções do Conselho Federal de Psicologia pertinentes ao
trabalho da perícia psicológica como bem apontou o primeiro expositor
dessa mesa-redonda Lúcio Garcia. Também com uma posição crítica a esta
tendência, Neuza Maria Guareschi7 pontua o quanto a Psicologia naturali-
zou como um dever seu responder a determinadas demandas oriundas de
outros campos disciplinares, os quais, também arbitrariamente, julgam
que a Psicologia é capaz de atendê-las.
Há alguns registros históricos da intervenção do Estado
para manter a ordem social vigente através do aparato jurídico e da apro-
ximação com os métodos de avaliação do psiquismo. É o caso, por exem-
plo, do uso de provas psicométricas de inteligência como critério de emi-
6 OLIVEIRA, S. Psicologia e Justiça. Jornal Entrelinhas, CRPRS, ano VIII, n. 39, maio/junho de
2007, p. 8.
7 GUARESCHI, N. Editorial. Jornal Entrelinhas, CRPRS, ano VIII, n. 39, maio/junho de 2007, p.2.
8 MASIERO, A. “Psicologia das raças” e religiosidade no Brasil: uma intersecção histórica. Psico-
logia, ciência e profissão, ano 22, n. 1, p. 66-79, 2002.

50
Maria da Graça Corrêa Jacques

gração nos Estados Unidos no início do século XX. Deve-se lembrar, tam-
bém, a posição de Galton como um dos principais defensores da proibi-
ção de casamentos entre loucos, débeis mentais e alcoólatras para retar-
dar o nascimento dos chamados degenerados8.
O que se constata, hoje, é um aumento da demanda
pelo poder judiciário dos conhecimentos e intervenções da Psicologia.
Incorporar os questionamentos quanto a essa demanda não significa, ne-
cessariamente, concordar plenamente com a qualificação de Louis
Althusser9 à Psicologia de modo geral (e a perícia psicológica em particu-
lar) como “técnicas humanas de adaptação” ou com Michel Foucault10
como “uma prática generalizada de perícia”. Implica em examinar critica-
mente a filiação a práticas de dominação, segregação, exclusão. Implica
em avaliar como insuficientes as pesquisas e regulamentações sobre a di-
mensão técnica da perícia para dar conta da dimensão ética envolvida.
Implica em reforçar a necessidade da reflexão crítica como uma constân-
cia no exercício profissional. É esse o papel do Código de Ética dos Psicó-
logos como foi apontado inicialmente por Lucio Garcia.
Importante considerar que nenhuma profissão existe
no vácuo, mas que se constrói a partir da atividade de diferentes pessoas
que se apropriam dos conhecimentos produzidos. Estimular a reflexão
contemplando as dimensões técnicas, sociais, políticas e éticas envolvidas
é o papel dos órgãos de orientação e fiscalização do exercício profissional.
Daí a importância de espaços como este em que se exercite a reflexão e o
diálogo interdisciplinar sobre os limites, possibilidades e responsabilida-
des de cada exercício profissional, os lugares que ocupam, as éticas que
promovem e os efeitos das práticas que efetivam. Este é também o papel
do debatedor em cada mesa-redonda: incitar o diálogo e a reflexão a par-
tir das exposições que a precederam, compreendendo o verbo debater
no sentido de discutir e, principalmente, despertar.

9 ALTHUSSER, L. Ideologia e aparelhos ideológicos do Estado. Lisboa: Presença, 1974.


10 FOUCAULT, M. As palavras e as coisas. S.P.: Martins Fontes, 1981.

51
Sonia Liane Reichert Rovinski

A PERÍCIA PSICOLÓGICA NO
DIREITO DE FAMÍLIA

SONIA LIANE REICHERT ROVINSKI

Psicóloga do Tribunal de Justiça do RS,


Especialista em Psicologia Jurídica
(CFP),
Mestre em Psicologia Social e da
Personalidade (PUC-RS) e Doutora em
Psicologia Clínica e da Saúde
(Universidade de Santiago de
Compostela).

52
Sonia Liane Reichert Rovinski

Perícia, em uma concepção genérica, é o “exame de si-


tuações ou fatos relacionados a coisas e pessoas, praticado por especialis-
ta na matéria que lhe é submetida, com o objetivo de elucidar determina-
dos aspectos técnicos” (Brandimiller, 1996, p.25). No caso dela ser solici-
tada na área do Direito de Família, terá como especificidade questões téc-
nicas decorrentes das demandas típicas desta área que chegam aos agen-
tes jurídicos para julgamento, ou seja, questões ligadas à adoção, guarda
de filhos, separação, divórcio, entre outras.
Os casos mais freqüentes encaminhados aos psicólogos
que assessoram juízes das Varas de Família dizem respeito a avaliações
relacionadas à disputa do poder familiar, no sentido de que este profissio-
nal possa auxiliar na definição da guarda e da regulamentação de visitas.
Muitas vezes, estes casos chegam acompanhados de denúncias de maus-
tratos e abuso sexual, podendo a demanda jurídica incluir, nestas avalia-
ções, questões ligadas à possibilidade da destituição do poder familiar.
Apesar desta temática, do poder familiar, ser a mais freqüente nos encami-
nhamentos das avaliações psicológicas, não chegam a esgotar o tipo de
trabalho realizado pelos psicólogos na área do Direito da Família. Outras
solicitações podem ser requisitadas como, por exemplo, a avaliação da
capacidade laborativa em situações de separação, em que uma pensão ao
cônjuge pode estar em jogo, ou a verificação das condições pessoais para
responder por atos da vida civil (interdição). Esta última bastante freqüen-
te para os técnicos da área da saúde mental, mas preferencialmente enca-
minhada aos psiquiatras por ser, quase sempre, subsidiada por diagnósti-
co de doença mental; ainda que os casos de deficiência mental deveriam
ser rotineiramente avaliados por psicólogos, que possuem o instrumental
necessário para a definição exata de tal transtorno.
Considerando que os tipos de avaliações citadas podem

53
Sonia Liane Reichert Rovinski

envolver temáticas psíquicas muito diferenciadas, privilegiar-se-á como


foco de discussão na apresentação desta mesa sobre perícias apenas aque-
la relacionada à questão do poder familiar, seja pela freqüência com que
as solicitações chegam aos psicólogos ou, mesmo, pelos desafios éticos e
metodológicos que suscita.
Discutir o trabalho do psicólogo em perícias que envol-
vam decisões quanto ao poder familiar exige de início uma reflexão sobre
as questões éticas envolvidas. Primeiro, é muito importante que o psicólo-
go tenha em mente os limites de seu trabalho técnico quanto à definição
das capacidades parentais. Ainda que possa como técnico identificar pato-
logias de vínculos entre pais e filhos, até identificar situações de risco à
criança, não é compatível ao seu trabalho assumir um papel de julgamen-
to, definindo em que momento um genitor deve ser dado como impedido
para o desempenho de sua função parental. Esta decisão deve ser conside-
rada como um “ato de julgamento”, pois envolve expectativas sobre os
papéis sociais e a tolerância do grupo quanto aos limites da normalidade,
sempre circunstanciado pela norma jurídica - aspectos todos pertinentes
exclusivamente ao agente judiciário. Em outras palavras, é ao juiz que
cabe o ato de julgar, sendo o psicólogo apenas um auxiliar da Justiça no
sentido de fornecer informações pertinentes e suficientemente fundamen-
tadas pela ciência.
Este posicionamento traz repercussões diretas na ma-
neira do psicólogo trabalhar e na forma de escrever seu informe ao judici-
ário. O técnico deve estar atento, a todo o momento, sobre o que seria
resultante de seus achados técnico-científicos e o que seria decorrente de
suas crenças sociais, envolvendo os valores de sua própria formação pes-
soal. Não cabe aqui discutir o quão intrincado pode ser a dinâmica destas
forças na fundamentação do raciocínio clínico que deve ser descrito no
laudo, na medida em que ciência e crenças sociais se constituem em uma
verdadeira inter-relação na formação da sociedade e do próprio sujeito.
Uma outra questão ética que diz respeito ao
posicionamento do psicólogo frente aos genitores que está avaliando, no
sentido de se colocar como aquele sujeito capacitado para decidir quem

54
Sonia Liane Reichert Rovinski

seria o “melhor” dos pais para ter o cuidado da criança. Neste sentido,
Emery, Otto e O’Donohue (2005), em uma revisão crítica sobre avaliações
psicológicas para custódia nos EUA, chamaram a atenção para cuidado
que os psicólogos devem ter ao dirigir seu trabalho pela premissa existen-
te nestas avaliações “do melhor interesse da criança”. Salientam que além
desta máxima ser um conceito vago, predispõe a que se construa estereó-
tipos de genitores “mais ou menos saudáveis” pela indicação na avaliação
daquele com quem a criança estaria sendo melhor cuidada. Estes autores
sugerem que o foco da avaliação deveria ser deslocado para uma nova
proposta, a da “regra da aproximação”, onde se buscaria manter de forma
mais aproximada possível a organização da rotina de vida da criança com
a que ela tinha antes da separação dos pais. Deste modo, não se buscaria
um arranjo familiar “ideal” para esta criança, com o genitor mais “saudá-
vel”, mas aquele que lhe trouxesse menores mudanças. É claro que esta
regra só pode ser seguida se o arranjo familiar prévio à separação vinha
atendendo as necessidades da criança.
Ainda, segundo Emery e colaboradores (2005), as pes-
soas mais capacitadas para definirem esta “melhor” reorganização familiar
seriam os próprios pais. Toda a organização judiciária deveria estar prepa-
rada para facilitar, desde o início do processo, que os pais mantivessem o
poder de decisão quanto a como definir a guarda, através de atividades
técnicas como a mediação. Antes que os genitores entrassem em litígio
judicial deveriam ser alertados quanto aos prejuízos que um processo ju-
dicial litigioso poderia gerar aos filhos. Estudos têm provado de que mais
do que o tipo de arranjo familiar posterior a separação (guarda comparti-
lhada ou individual), é o processo de dissolução e a natureza das relações
familiares que se constroem que influenciarão no sofrimento psíquico dos
filhos. Um processo de mediação judicial, ou preferencialmente
extrajudicial, através do estímulo dos próprios advogados para que os
genitores cheguem a um consenso, evitando o ingresso de um processo
de separação litigiosa, é ainda a melhor e mais durável solução para todos
os membros da família.

55
Sonia Liane Reichert Rovinski

No Brasil, já temos alguns exemplos de atividades que


são desenvolvidas pelos psicólogos com o objetivo de valorizar o poder
familiar, são: atividades de orientação a advogados, antes do início do pro-
cesso judicial, para que não se acirrem situações de litígio entre seus cli-
entes, favorecendo a comunicação e o entendimento entre os mesmos
(Polanczyk, 2002); atividades de mediação para a busca de soluções con-
juntas entre os ex-cônjuges (Silva, 2003; Rivera et al., 2002); grupos focais
de atendimento a famílias, com o objetivo de resolução dos impasses sur-
gidos com o processo judicial (Silva e Polanczyk, 1998). De modo mais
recente, a preocupação do próprio Conselho Federal de Psicologia em
regulamentar a atividade de mediação como uma das atividades do Psicó-
logo.
No entanto, a realidade também mostra que nem sem-
pre os genitores estão disponíveis, ou possuem capacidade para chegar a
um acordo sobre a definição da guarda e do estabelecimento das visitas.
Os diversos motivos e sentimentos associados à ruptura da relação, as
questões financeiras, e as próprias limitações na capacidade emocional de
lidar com fatores de estresse, podem criar situações de impasse e até de
risco à integridade da criança, sendo necessária a intervenção do judiciá-
rio. Para Emery e colaboradores (2005) as perícias ficariam indicadas sem-
pre que houvesse indícios de violência familiar ou negligência, antes ou
durante o processo de separação, e suspeita de doença mental em algum
dos genitores, que poderia, da mesma forma, levar a condutas de maus-
tratos aos filhos.

O CONCEITO DE COMPETÊNCIA PARENTAL


A perícia psicológica forense tem sempre por fim subsi-
diar decisões judiciais, por isso é fundamental, para que possa atender
sua demanda, que o foco do trabalho seja bem estabelecido desde o iní-
cio, através das questões formuladas pela justiça (quesitos). Estas ques-
tões, via de regra, versam sobre as capacidades parentais para gerir o bem-
estar dos filhos. Para Grisso (1986) o técnico deveria trabalhar sempre

56
Sonia Liane Reichert Rovinski

com a noção de “competências legais”, que extrapola conceitos


desenvolvimentistas ou psiquiátricos específicos, para incluir descritores
legais sobre os comportamentos esperados. Porém, o próprio autor reco-
nhece sobre a dificuldade em se definir uma competência factual que
pudesse descrever, em comportamentos objetivos, a capacidade espera-
da. A noção de competência pode variar não só de uma tarefa para outra,
como do contexto onde os sujeitos se encontram inseridos. Da mesma
forma, apresenta-se em um continuum ou em níveis, onde, por exemplo,
determinada pessoa pode ser competente para cuidar de seu filho desde
que receba o apoio de um programa social.
Há autores que concordam que diagnósticos de pacien-
tes com doença mental não devem dirigir a avaliação da competência
(Melton et al., 1997; Grisso, 1986) . Reconhecem que os tribunais ainda
tendem a julgar na base do “tudo ou nada”, por meio de diagnósticos
médicos que não apresentam evidências comportamentais e psiquiátricas
suficientes para fundamentar tal decisão. Em muitas circunstâncias, não
apenas na discussão sobre a manutenção do poder familiar, doença men-
tal, retardo mental, idade (muito jovem ou muito velho) e até mesmo
deficientes físicos são utilizados como indicadores de incompetência ge-
ral, sem uma avaliação adequada da competência individual e
contextualizada, extrapolando os limites das funções que devem ser avali-
adas.
Para Grisso (1986), um modelo conceitual para a avali-
ação pericial relacionada à noção de competência precisa iniciar o traba-
lho por uma análise da visão da lei sobre a competência em questão. No
caso de destituição do poder familiar, no Brasil, deve-se citar não só o
Estatuto da Criança e do Adolescente (que fala, ainda, em pátrio poder)
para a construção de padrões de avaliação, como o próprio Código Civil
(2002) no artigo 1.638, quando refere descrições do tipo “castigar
imoderadamente o filho”, “deixar o filho em abandono” ou “praticar atos
contrários à moral e aos bons costumes”.
Se, por um lado, essa doutrina nos oferece uma orien-
tação quanto ao que deve ser avaliado, continua a não explicitar o que

57
Sonia Liane Reichert Rovinski

significa em termos comportamentais o castigo, o abandono ou, de forma


ainda mais significativa, os “atos contrários à moral e aos bons costumes”.
Melton e colaboradores (1997) já haviam salientado, a partir de uma revi-
são da literatura, que, mesmo quando são descritos em estatutos, os pa-
drões de abuso e negligência se apresentam vagos e imprecisos, sofrendo
grande influência das crenças e valores morais dos técnicos avaliadores
quando os colocam em prática.
Uma forma de dirigir o trabalho, então, é buscar medi-
ante análise de padrões relacionais, a compatibilidade entre as necessida-
des da criança e as potencialidades para o atendimento destas por parte
dos pais. O conceito de competência legal exige que ela seja avaliada em
seus aspectos funcionais e contextuais, que sejam feitas inferências cau-
sais sobre um possível déficit relacional e este analisado quanto a deman-
da existente. Assim, na realização da perícia, o conceito de competência
requer que seja descrito o que um pai (ou mãe) pensa, faz, conhece e
acredita, e do que ele é capaz de vir a fazer como agente cuidador. A pre-
sença de um diagnóstico mental só terá sentido nesse contexto se estiver
diretamente relacionado à produção dessas condutas relacionais conside-
radas incapacitantes.

COMO AVALIAR A COMPETÊNCIA PARENTAL


A metodologia na avaliação de casos de guarda e regu-
lamentação de visitas pode variar conforme as características de cada caso.
No entanto, uma revisão sobre o assunto (Rivera et al., 2002) mostra que
as propostas de intervenção apresentadas por diversos autores se mos-
tram muito semelhantes. De maneira geral, espera-se que o psicólogo pe-
rito realize entrevistas individuais com cada progenitor para colher dados
de história pessoal, da relação matrimonial e de sua relação com o filho.
Ackerman (1999) sugere que a entrevista inicial deva começar com um
convite para que a pessoa fale sobre os motivos que provocaram aquela
avaliação. Sugere que o psicólogo fique atento a esta resposta inicial, pois,
geralmente, terá grande importância clínica para o entendimento do caso.

58
Sonia Liane Reichert Rovinski

No decorrer das entrevistas de coleta de dados deverão ainda ser investi-


gados aspectos referentes a: informações de sua família de origem (rela-
ções familiares, história de vínculos afetivos, etc.), história educacional,
história de trabalho e adaptação atual ao trabalho, tratamento psiquiátrico
ou psicológico prévio, outros problemas médicos, história de problemas
com a lei (na infância, adolescência ou na vida adulta), problemas com o
uso de drogas lícitas ou ilícitas, história de abuso sexual, história prévia da
relação conjugal (a atual que se rompeu e anteriores se houver), situações
especiais de estresse relacionado a si e a seus parentes mais próximos.
Rivera e colaboradores (2002) acrescentam a necessi-
dade de se colherem dados da relação com a criança. Esses dados envol-
vem a rotina de vida com o filho (quem cuida quando fica doente, quem
leva à escola, etc.), dados da vida escolar, como manejam situações-pro-
blema, sistema punitivo e de obediência, hábitos de higiene, história mé-
dica, padrões de desenvolvimento desde o nascimento, sexualidade e há-
bitos de higiene, impacto da separação, sistema de visitas e problemas
decorrentes.
Após as entrevistas iniciais de coleta de dados deve-se
partir para uma avaliação de personalidade de cada progenitor. Essa avali-
ação envolve a aplicação de instrumentos psicológicos para uma compre-
ensão mais aprofundada do tipo de personalidade de um deles, com suas
características relacionais. Rivera e colaboradores (2002) indicam a aplica-
ção de testes de nível intelectual (WAIS) e de personalidade (MMPI).
Ackerman (1999) também sugere o uso do MMPI, principalmente por suas
escalas de controle, que demonstrariam a predisposição dos sujeitos em
relação à avaliação e à testagem.
Na realidade brasileira observa-se não se ter por rotina
a avaliação intelectual dos pais em uma perícia de guarda, desde que não
haja indicação específica para tal uso – como no caso de uma suspeita de
deficiência mental. Shine (2003) corrobora com essa visão, dizendo que,
em São Paulo, esses testes quase nunca são utilizados. Cita, como prefe-
rência dos psicólogos, o uso de projetivos gráficos, o TAT e o CAT (em
crianças). Na experiência pessoal que se tem, observa-se que o MMPI (no

59
Sonia Liane Reichert Rovinski

momento inabilitado ao uso em nosso país) sempre contribuiu muito para


a compreensão da personalidade dos pais, principalmente associado ao
Método de Rorschach. Outro instrumento que tem se mostrado muito útil
para este tipo de perícia é o Inventário Fatorial de Personalidade (IFP –
Casa do Psicólogo, 1997), pois, além das escalas de controle (validade e
desejabilidade social), oferece a possibilidade de construção de um perfil,
com fatores que podem ser relacionados ao cuidado do filho (por exem-
plo, assistência, afiliação, agressão, ordem, entre outros). Por fim, pode-se
ainda citar o Inventário de Estilos Parentais (Editora Vozes) que permite
levantar as práticas educativas dos pais através de questionários aplicados
aos genitores e à própria criança.
Após a avaliação dos pais, deve-se proceder a avaliação
da criança. Nesse caso, é importante considerar alguns aspectos. Da mes-
ma forma como foi realizado com os pais, deve-se colher dados com a
criança sobre sua rotina com cada um dos genitores, bem como de carac-
terísticas do relacionamento. Ackerman (1999) sugere que se façam per-
guntas do tipo: como você se sentiria se o juiz determinasse que você
fosse morar com sua mãe ... e se ele determinasse que você fosse morar
com seu pai? Em hipótese alguma a pergunta deveria ser feita no sentido
de “Com quem você quer morar?” Questões sobre rotina, métodos de
punição ou recompensa podem ser feitas através de exemplos concretos
do dia a dia. Outras questões também são importantes: que tipo de ativi-
dades seu pai e sua mãe fazem com você? Quem cozinha para você ou
quem serve o café? Quem o leva para a escola? Quem vai à escola quando
tem uma reunião de pais? Que atividades você faz com seus avós, tios,
primos? Quem ajuda com os temas? Quem leva ao médico? Quais são as
regras da casa e quem as cobra de você?
Em uma análise sobre os testes mais utilizados na avali-
ação de crianças em casos de disputas de guarda no Brasil, Shine (2003)
verificou o uso freqüente dos testes gráficos (HTP e Desenho da família) e
CAT. Silva (2003) reforça a utilização dos testes gráficos, afirmando sua
importância para aliviar as tensões em crianças que apresentam excesso
de defesas internas em função do elevado nível de conflito em que se

60
Sonia Liane Reichert Rovinski

encontram inseridas. Acrescenta o uso do ludodiagnóstico, principalmen-


te entre crianças muito pequenas ou que se encontram muito comprome-
tidas emocionalmente. Em avaliações feitas por esta apresentadora, con-
firma-se a utilidade destes instrumentos, acrescentando-se, ainda, o Teste
de Fábulas (CETEPP, 1993). É importante citar que todos os testes referi-
dos por psicólogos brasileiros são para utilização em contextos clínicos e
por isso devem ser utilizados com cuidado no momento de servirem para
inferências na área forense.
Considerando-se que a perícia sobre a definição de
guarda e visitas valoriza fundamentalmente as condutas relacionais entre
pais e filhos, é indicado pelos autores que, além das entrevistas individu-
ais e aplicação de testes, se realizem entrevistas conjuntas entre pais e
filhos (Melton et al., 1997; Rivera et al., 2002, Ackerman, 1999). Estas fi-
cam apenas contra-indicadas quando há suspeita de abuso sexual ou
quando existir nível muito elevado de ansiedade por parte da criança de
defrontar-se com a figura paterna/materna. Rivera e colaboradores (2002)
sugerem que, para favorecer maior espontaneidade, as entrevistas tam-
bém possam ocorrer na casa dos periciados e envolvam situações que re-
únam todos os filhos com determinado genitor.
Por último, devem ser citadas as entrevistas com tercei-
ros ou também chamadas de “contatos colaterais”, procurando caracteri-
zar as entrevistas com outros que não fossem aqueles diretamente referi-
dos como parte no processo judicial. Shine (2003), ao revisar este tema,
discute a quem estar-se-ia se referindo como “terceiros”. Salienta que es-
sas pessoas são, muitas vezes, da família e sempre próximas à criança –
porque senão não teria sentido entrevistá-las. Muitas vezes, pode-se obter
dados importantes ao entrevistar uma avó, tia, madrinha ou babá. O im-
portante é que essas pessoas, chamadas para complementar a avaliação,
estejam diretamente relacionadas ao problema e tenham informações per-
tinentes para prestar.

61
Sonia Liane Reichert Rovinski

A REALIZAÇÃO DO LAUDO PSICOLÓGICO PERICIAL

O laudo final apresentado pelo psicólogo deve descre-


ver todos os dados levantados e relacioná-los com a questão da competên-
cia parental, finalizando com sugestões quanto à matéria legal que deu
origem ao pedido de avaliação. No caso específico da avaliação de guarda
de filhos, o processo de síntese dos achados exige que o perito psicólogo
realize um “julgamento” quanto ao grau de incongruência entre as habili-
dades parentais e as necessidades da criança, pois, é a partir da identifica-
ção de compatibilidades e de incompatibilidades, que se realizarão as su-
gestões quanto às condições de exercer o poder familiar. Em alguns casos,
pode-se chegar à conclusão de que a criança não estará segura com ne-
nhum de seus progenitores, sendo necessário colocar junto às sugestões a
falta de condições dos pais para o cuidado com a criança.
Voltando a discussão inicial desta apresentação, cabe
lembrar que a tomada de decisão quanto a retirada do poder familiar dos
pais (ou de um deles), envolve um julgamento a partir de inúmeros fato-
res. O fator de maior importância é o grau de risco à criança que a socieda-
de tem interesse em considerar na relação com a interpretação dos direi-
tos parentais e os limites da intervenção que esta sociedade pode tomar
frente aos mesmos. A decisão da retirada do poder familiar é uma decisão
em que o prejuízo que a criança possa sofrer justifica a intervenção estatal
– frente a uma relação considerada única, quanto à intimidade e privacida-
de. Assim, decidir sobre a retirada do poder familiar excede a tarefa técni-
ca do psicólogo, pois, envolve julgamento social e moral da maior gravida-
de. Cabe ao perito psicólogo apresentar evidências empíricas do bem-es-
tar da criança, deixando a avaliação final para o juiz – quem em última
instância responde por uma decisão que seja moralmente justificável.
Avaliar o “melhor interesse da criança” não é só consi-

62
Sonia Liane Reichert Rovinski

derar o momento atual do nível de cuidados parentais frente a ela; é, tam-


bém, fazer previsões sobre o efeito da retirada do poder familiar de seus
pais em sua vida futura, quando, então, a relação já estará irremediavel-
mente danificada. Nesse sentido, no campo empírico e da moral, o psicó-
logo forense não deve ir além da descrição da relação entre estes pais e
filhos, além de descrever ou oferecer opiniões sobre a situação imediata,
as conseqüências previsíveis da retirada ou manutenção do poder famili-
ar, evitando-se as especulações que os próprios dados não permitem.
Conforme Portillo (1995), na discussão da ética do psi-
cólogo na administração da justiça é importante que ele aprenda a dizer
“não sei”, aprenda a reconhecer os limites de sua competência e de suas
técnicas, procedendo com cautela no momento de suas predições.
A avaliação da destituição do poder familiar é matéria
complexa e exige uma abordagem interdisciplinar. A psicologia como ci-
ência do comportamento pode e deve interagir nesse campo de forma a
contribuir para a construção desse objeto de estudo que é o da competên-
cia parental; porém, deve respeitar as limitações de sua atuação no campo
do empírico, conscientizando-se das implicações morais envolvidas nessa
tomada de decisão.
Mediante maior integração entre os agentes jurídicos,
os psicólogos peritos e os demais técnicos avaliadores é que se poderão
esclarecer os próprios parâmetros sociais e morais envolvidos nesse pro-
cesso, não com o objetivo de eliminá-los, pois, são da própria essência do
problema, mas de verificar sua coerência quanto ao grupo avaliador e à
legitimidade social.

63
Sonia Liane Reichert Rovinski

BIBLIOGRAFIA
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Assessment. Toronto: Wiley & Sons, 1999.

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2003.

64
Sonia Liane Reichert Rovinski

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Implantação de um núcleo de atendimento à
família no judiciário – uma proposta inovado-
ra. Aletheia, n.1, Canoas, 1995.

65
Silvia Tejadas

NOTAS SOBRE A PERÍCIA


SOCIAL

SILVIA TEJADAS

Assistente Social do Ministério Público do Rio


Grande do Sul e docente do Curso de
Serviço Social da ULBRA.
Mestre em Serviço Social pela PUCRS e
doutoranda do curso de Serviço Social
da PUCRS.

66
Silvia Tejadas

INTRODUÇÃO

O presente texto visa apresentar sintéticas considera-


ções acerca da perícia social, que compreende o processo de trabalho do
assistente social requisitado a oferecer assessoria à autoridade judiciária,
em matéria do Serviço Social. Esta produção é decorrente de participação
da autora em Seminário promovido pelo Instituto Brasileiro de Direito de
Família, seção Rio Grande do Sul, o qual abordou a temática da perícia
psicológica, sem deixar de dar visibilidade às produções e contribuição de
outras área do conhecimento.
Para tanto, situa-se a profissão desde elementos de sua
trajetória histórica até sua conformação e perspectivas contemporâneas.
Em seguida situa-se a perícia e o laudo social, sua estrutura e as implica-
ções ético-políticas presentes. Ao final do texto, são tecidas ponderações
em torno do direcionamento da prática profissional, sua intencionalidade
e contribuição na garantia de direitos.

1 O SERVIÇO SOCIAL COMO PROFISSÃO

O Serviço Social, originalmente, é uma profissão cons-


tituída em um contexto sócio-político onde a reprodução das relações
sociais capitalistas permeava a intervenção profissional, resultando em um
tratamento moral da questão social e na legitimação das desigualdades
como naturais.
Nesse processo histórico da profissão, evidenciou-se a
alienação moral: reprodução acrítica de valores, assimilação rígida de pre-
conceitos e comportamentos, o pensamento ultrageneralizador, a não
aceitação do que não se adequa aos padrões de comportamento estereoti-
pados como “corretos” (BARROCO, 2001).
Na prática, o efeito da moralização da questão social

67
Silvia Tejadas

está em individualizar os problemas sociais, obscurecendo seu viés econô-


mico e político. Assim, atribui-se ao indivíduo isoladamente a responsabi-
lidade pela situação vivenciada, deixando de vislumbrar as determinações
que emanam da estrutura econômica, social, política e cultural.
A partir das décadas de 1970 e 1980 tem-se o fortaleci-
mento de uma vertente crítica na profissão. Tendo por base o conheci-
mento da realidade, amparado em uma visão do homem como ser históri-
co e social, sujeito capaz de alterar as bases da sociedade capitalista que
gera a exploração da maioria da população, os assistentes sociais atuam
com base na competência técnico-operativa e teórico-metodológica, onde
o instrumental profissional não é vazio, mas dotado de sentido e
intencionalidade. O fazer do assistente social adquire forma a partir de
um projeto ético-político-profissional que busca a garantia de direitos
sociais, pautado por uma sociedade democrática, que tem na liberdade
um valor fundamental.
Parte-se do pressuposto de que o trabalho do Serviço
Social se constrói pela sua dimensão política, o que segundo Martinelli
(1994), compõe-se de: direção ética que compreende um caminho a ser
seguido, mas não pode ser considerada pronta e acabada; trata-se de
uma construção coletiva, ou seja, não pode preceder os sujeitos, mas
é construída com eles; competência técnica que se configura na capaci-
dade e condições de transformar a realidade no exercício cotidiano e
político.
O Serviço Social tem nas expressões da questão social
o seu objeto de trabalho no sentido mais genérico. Esse objeto remete
a que se identifique como a desigualdade econômica afeta a vida social
dos sujeitos e quais as formas de resistência acionadas.
A partir desse entendimento, tem-se o Serviço Social
como uma disciplina do conhecimento, que atua no campo das desigual-
dades sociais, com uma natureza interventiva. Assim, trata-se de uma pro-
fissão que se propõe, além da análise da realidade, a intervir, tendo como
direcionamento a materialização dos direitos civis, políticos e sociais. A
operacionalização do objeto da ação parte da questão social generica-

68
Silvia Tejadas

mente tomada, buscando identificar suas expressões, ou seja, como se


apresenta no cotidiano, no campo da mediação de relações do sujeito
com o seu contexto social.
A intervenção profissional deve articular dialeticamente
o referencial teórico, o método e a metodologia que a norteia. Essas três
dimensões devem oferecer uma visão de totalidade dos fenômenos soci-
ais, entendendo-os como permeados por contradições e produzidos his-
toricamente. Assim, as estratégias, instrumentos, técnicas, documentos e
o produto da ação profissional, que compõem a metodologia do trabalho
profissional, não devem ser percebidos como um fim em si mesmos. De-
vem estar balizados por um referencial teórico e por um método que ofe-
reça o caminho da análise.
É neste fazer profissional que se efetiva o trabalho
profissional e, no campo judiciário, a demanda pela perícia social. Deve-
se indagar: qual a base teórica que o profissional possui para efetivar
este trabalho, qual o direcionamento que ele imprimirá ao fazer profissi-
onal?

2. A PERÍCIA E O LAUDO SOCIAL

A Lei n º 8.662/1993 regulamenta a profissão e prevê no


seu artigo quarto as competências do assistente social, dentre elas a reali-
zação de “estudos sócio-econômicos com os usuários para fins de benefí-
cios e serviços sociais junto a órgãos da administração pública direta e
indireta, empresas privadas e outras entidades”. Já no artigo quinto da
mesma Lei estão previstas as atribuições privativas do assistente social,
dentre as quais “realizar vistorias, perícias técnicas, laudos periciais,
informações e pareceres sobre a matéria de Serviço Social”.
Isto posto, deve-se ressaltar que a perícia em matéria de
Serviço Social somente pode ser efetivada por profissional da referida
área. Não é demais pontuar o óbvio, uma vez que ocorrem situações onde,
especialmente nas cidades desprovidas ou com pequeno número de assis-
tentes sociais, é solicitado a pessoas leigas, como conselheiros tutelares, a

69
Silvia Tejadas

efetivação de perícias sociais.


O laudo social, por sua vez, constitui-se em um docu-
mento elaborado pelo Perito Assistente Social, o qual é o resultado docu-
mental de sua intervenção profissional. O laudo deve conter: identifica-
ção das principais pessoas ou partes envolvidas no processo judicial; os
dados mais importantes coletados junto a estas partes; as impressões do
profissional; a análise do profissional e suas indicações para resolução
do conflito judicial (ARAUJO, 2000).
A parte inicial do laudo deve caraterizar as situações,
dando relevo às relações e pessoas envolvidas no processo. Nesse mo-
mento, devem ser explicitadas as expressões históricas, sociais, culturais e
econômicas da vida cotidiana das pessoas. Adquirem relevância e devem
ser apontas as diferentes narrativas e argumentos das partes e de outros
significativos que guardam relação com a situação sub-judice (AGUINSKY,
2003).
A análise implica na contextualização da situação avalia-
da, é o momento no qual o profissional atribui-lhe significados e implica-
ções. São explicitados os argumentos técnicos acerca de aspectos relevan-
tes, os quais darão sustentação ao parecer do assistente social (AGUINSKY,
2003).
Por último, tem-se o parecer, no qual é visibilizada a
opinião profissional. O assistente social expressa as conclusões técnicas
acerca da situação avaliada, assim como sugestões de alternativas aos con-
flitos em questão, bem como de possíveis decisões judicial(is) para a situ-
ação sub-judice (AGUINSKY, 2003).
Os instrumentos que poderão ser utilizados são varia-
dos e dependem das situações em avaliação e dos aspectos teóricos e
metodológicos implicados, podendo constituir-se de observação, entre-
vistas individuais e/ou grupais, pesquisa documental, estudos de caso,
história de vida, contatos institucionais, visitas a instituições, visitas do-
miciliares.
O Laudo Social carrega emblematicamente a expressão
da particularidade do poder do discurso profissional do Serviço Social no

70
Silvia Tejadas

campo jurídico. Este poder se inscreve nas armadilhas da razão jurídica: a


armadilha de quem detém “a” razão e a armadilha da razão tipificadora e
simplificadora que nega e abstrai o mundo da vida, o cotidiano. Tais arma-
dilhas implicam, por vezes, na negação da complexidade das situações
analisadas, buscando encontrar esquemas explicativos que as classifiquem
e que respondam a questão: com quem ou onde está a “verdade”? Ou,
ainda, como “resolver” a questão sub-judice? Esses laudos são frutos de
gestos de interpretação de sujeitos profissionais que, uma vez materializa-
dos em texto, participam de condições em que direitos são afirmados,
mas também violados (AGUINSKY, 2003).
As preocupações apresentadas por Aguinsky (2003) são
compartilhadas por inúmeros profissionais da área, uma vez que, o
posicionamento do profissional em um laudo poderá ser determinante
nas condições e no modo de vida das pessoas envolvidas com a situação
em análise. Desta forma, impõe-se uma preocupação ética sobre o
direcionamento dos posicionamentos profissionais, visto que o risco de
negar direitos é grande no cotidiano profissional.
Por outro lado, a perícia social e o seu resultado docu-
mental, o laudo, pode se constituir em um meio de afirmação e garantia
de direitos. Para tanto requer conhecimento, habilidades e atitudes do
profissional que permitam realizar uma leitura da realidade que seja
contextualizada, histórica e busque uma visão da totalidade social. Tal
perspectiva fundamenta-se na compreensão de que os fenômenos sociais
presentes nas situações objeto da perícia são passíveis de mudança, po-
dendo o profissional atuar no fomento à resiliência. Ainda nesse contexto,
o assistente social tem condições de promover a identificação, a constru-
ção e a consolidação de redes sociais de apoio, envolvendo a família, a
rede de parentesco, de vizinhança, de instituições, favorecendo o
pertencimento.
O Poder Judiciário e os órgãos que compõem o Sistema
de Justiça, assim como as demais instituições pertencentes à rede de pro-
teção social estão a requerer intervenções que venham a favorecer a cons-

71
Silvia Tejadas

trução de redes internas às instituições. Tais redes devem fomentar a rup-


tura com os preconceitos, a construção de estratégias conjuntas de ação,
o trabalho interdisciplinar, a partir de uma percepção contextualizada da
realidade. Posturas diferenciadas podem favorecer a que as situações
judicializadas não sejam identificadas apenas como um processo a mais,
mas oferecer visibilidade aos sujeitos humanos, cujas vidas podem ser for-
temente afetadas por decisões judiciais.
Por fim, o trabalho do assistente social não deve perder
de vista a necessidade de atuar na perspectiva de políticas articuladas,
fundamentadas na transversalidade, na superação da fragmentação, favo-
recendo abordagens integrais e a garantia de direitos que atendam às ne-
cessidades dos sujeitos, através do acesso às políticas públicas.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A perícia social insere-se em um campo contraditório,


de poderes e saberes diversos, no qual o assistente social dispõe de um
arsenal ético-político, teórico-metodológico e técnico-operativo que pode
contribuir para que as necessidades dos sujeitos históricos adquiram visi-
bilidade e reconhecimento. Contudo, trata-se de um campo onde a busca
“da verdade” impõe-se nos discursos e decisões, correndo-se o risco de
posicionamentos técnicos que recorram ao julgamento moral, perdendo
a densidade crítica e sócio-histórica.
Por fim, destaca-se que as contribuições do Serviço So-
cial se inserem em uma perspectiva interdisciplinar, que parte da percep-
ção de que nenhuma área do conhecimento, isoladamente, é suficiente
para intervir nos fenômenos que aportam ao Sistema de Justiça, caracteri-
zados por grande complexidade.

72
Silvia Tejadas

REFERÊNCIAS:
AGUINSKY, Beatriz Eticidades discursivas do serviço social no
campo jurídico: gestos de leitura do cotidia-
no no claro-escuro da legalidade da moral.
Tese de Doutorado em Serviço Social. Facul-
dade de Serviço Social. PUCRS, 2003.

ARAUJO, Rosângela. Perícia social judiciária: o modelo de Porto


Alegre. Faculdade de Serviço Social. PUC Cam-
pinas, 2000.

BARROCO, Maria Lúcia Silva.


Ética e serviço social: fundamentos
ontológicos. São Paulo: Cortez, 2003.

BRASIL, Lei nº 8.662 de 1993


Dispõe sobre a profissão de assistente social e
dá outras providências.

KERN, Francisco. Os produtos do trabalho profissional: a ela-


boração de estudos, laudos e pareceres soci-
ais. Apresentação, 2006.

MARTINELLI, Maria Lúcia. Serviço Social: identidade e alienação. São


Paulo: Cortez, 1994.

73
3º BLOCO - DO PERICIADO
COMPOSIÇÃO DA MESA

Delma Ibias advogada coordenadora


Maria Aracy Costa magistrada
Maria Regina Fay de Azambuja procuradora de justiça relatora
Renato Caminha psicólogo
Verônica Petersen Chaves psicóloga

74
Maria Regina Fay de Azambuja

A INQUIRIÇÃO DA CRIANÇA
VÍTIMA DE VIOLÊNCIA SEXUAL
INTRAFAMILIAR

MARIA REGINA FAY DE AZAMBUJA

Procuradora de Justiça, Especialista em


Violência Doméstica pela USP, Mestre
em Direito pela UNISINOS,
Professora de Direito Civil na PUCRS,
Palestrante na Fundação Escola
Superior do Ministério Público do
RGS, Voluntária no Programa de
Proteção à Criança e CAPS do
Hospital de Clínicas de Porto Alegre,
Voluntária no Comitê de Proteção à
Criança do Hospital São Lucas da
PUCRS, Membro do Comitê de Ética
da Faculdade de Psicologia da
UFRGS, Sócia do IBDFAM, IARGS,
SORBI, ABMCJ e ABENEPI.

75
Maria Regina Fay de Azambuja

INTRODUÇÃO

A violência, na atualidade, através de suas inúmeras for-


mas, expõe a população à situação de risco, sendo considerada um dos
graves problemas de saúde pública. Nesse contexto, as crianças, as mulhe-
res e os idosos são as principais vítimas.
A mudança de paradigmas no que tange aos direitos da
criança, operada com a Constituição Federal de 1988, reflete-se em todas
as áreas do conhecimento, de forma especial, nos Sistemas de Proteção e
Justiça. O reconhecimento da criança como pessoa em desenvolvimento,
sujeito de direitos e prioridade absoluta tem exigido das instituições revi-
são e reestruturação de práticas utilizadas na vigência do anterior coman-
do constitucional.
O texto aborda aspectos da inquirição da criança nos
crimes em que é vítima de violência sexual intrafamiliar, apontando para a
necessidade de revisão de procedimentos adotados ao longo do tempo.

I. A CHEGADA DA CRIANÇA AO SISTEMA DE JUSTIÇA


Os casos de violência sexual intrafamiliar praticados
contra a criança chegam ao Sistema de Justiça através do Conselho Tute-
lar, da Delegacia de Polícia (quando remete o inquérito policial) ou das
disputas familiares envolvendo guarda, visitas, suspensão ou destituição
do poder familiar. Dependendo da situação, será acionado o Sistema de
Justiça Infanto-Juvenil, Criminal ou de Família.
Cabe ao Conselho Tutelar receber, entre outras situa-
ções de ameaça ou violação dos direitos daqueles que ainda não atingiram
os dezoito anos, os casos de suspeita ou confirmação de maus-tratos,
mostrando-se de extrema urgência a sua criação e instalação, em todos os
municípios, “para a efetivação da política de atendimento à criança e ao

76
Maria Regina Fay de Azambuja

adolescente, tendo em vista assegurar-lhes os direitos básicos, em prol da


formação de sua cidadania”2.
Embora sejam inúmeras as formas de violência e maus-
tratos praticados contra a criança, o trabalho aborda o abuso sexual, espe-
cificamente o intrafamiliar, pois, “ainda que a violência com visibilidade
seja a que ocorre fora de casa, o lar continua sendo a maior fonte de
violência”3. Pesquisa realizada em 1997, pelo Governo do Estado do Rio
Grande do Sul, apontou que, em uma amostra de 1.579 crianças e adoles-
centes em situação de rua, 23,4% não retornavam para casa para fugir dos
maus-tratos. Flores e cols., em 1998, “estimaram que 18% das mulheres
de Porto Alegre, com menos de 18 anos, sofreram algum tipo de assédio
sexual cometido por pessoas de sua família”4.
A violência sexual ou exploração sexual é “todo ato ou
jogo sexual, relação hetero ou homossexual entre um ou mais adultos e
uma criança ou adolescente, tendo por finalidade estimular sexualmente
esta criança ou adolescente ou utilizá-la para obter uma estimulação sexu-
al sobre sua pessoa ou de outra pessoa”5. É também definida como o
envolvimento de crianças e adolescentes dependentes e imaturos quanto
ao seu desenvolvimento em atividades sexuais que não têm condições de
compreender plenamente e para as quais são incapazes de dar o consenti-
mento informado ou que violam as regras sociais e os papéis familiares.
Incluem a pedofilia, os abusos sexuais violentos e o incesto, sendo que os
estudos sobre a freqüência da violência sexual são mais raros dos que os
que envolvem a violência física6. O abuso sexual pode ser dividido em
intrafamiliar e extrafamiliar. Autores apontam que “aproximadamente 80%
são praticados por membros da família ou por pessoa conhecida

2 CARVALHO, Rose Mary de. Comentários ao art. 136 do ECA. In: CURY, Munir (coord.); AMARAL E
SILVA, Antônio Fernando (coord.); GARCÍA MENDEZ, Emílio (coord.). Estatuto da Criança e do
Adolescente Comentado. São Paulo: Malheiros, 1992, p. 419/420.
3 KRISTENSEN, Chistian Haag; OLIVEIRA, Margrit Sauer; FLORES, Renato Zamora. Violência contra
crianças e adolescentes na Grande Porto Alegre. In: ______ et al. Violência Doméstica. Porto Ale-
gre: Fundação Maurício Sirotsky - AMENCAR, 1998, p. 115.
4 Idem, p. 73.
5 Idem, p. 33.
6 KEMPE, Ruth S.; KEMPE, C. Henry. Niños maltratados. 4.ed. Madrid: Ediciones Morata, S. L.,
1996, p. 84.

77
Maria Regina Fay de Azambuja

confiável”, sendo que cinco tipos de relações incestuosas são conhecidas:


pai-filha, irmão-irmã, mãe–filho, pai-filho e mãe-filha, sendo possível que
o mais comum seja irmão-irmã; o mais relatado é entre pai-filha (75% dos
casos), sendo que o tipo mãe-filho é considerado o mais patológico,
freqüentemente relacionado com psicose7. A violência sexual intrafamiliar
praticada contra a criança “retém os aspectos do abuso relativos ao apelo
sexual feito à criança, bem como destaca tal ocorrência no interior da
família”8. Insere-se o abuso sexual da criança em uma gama extensa de
situações de violação dos direitos da infância.
A demanda do Conselho Tutelar, no que se refere à vio-
lência intrafamiliar, abarca situações difíceis de serem enfrentadas. Ao
mesmo grupo familiar pertencem os dois pólos da ação, agressor e vítima,
sendo que “as crianças - vítimas inocentes e silenciosas do sistema e da
prática de velhos hábitos e costumes arraigados na cultura do nosso povo
- são as maiores prejudicadas neste contexto calamitoso”9.
No Conselho Tutelar aporta uma demanda que não
pode ser devidamente dimensionada, não só pelo fato de ser recente o
reconhecimento da violência doméstica, como também em decorrência
da “utilização de diferentes definições do fenômeno pelas instituições e
pesquisadores responsáveis pelas estatísticas disponíveis, a diversidade
das fontes de informações existentes e a inexistência de inquéritos
populacionais nacionais”10, dificultando sobremaneira a oferta de estima-
tivas seguras.
No contexto atual, o Estatuto da Criança e do Adoles-
cente passa a significar um “movimento mais amplo de melhoria e refor-
ma da vida social no que diz respeito à promoção, defesa e atendimento

7 ZAVASCHI, Maria Lucrecia Scherer et al. Abuso sexual em crianças: uma revisão. Jornal de Pedia-
tria, v. 67 (3/4), 1991, p. 131.
8 MEES, Lúcia Alves. Abuso sexual, trauma infantil e fantasias femininas. Porto Alegre: Artes e Ofí-
cio, 2001, p. 18.
9 ALBERTON, Mariza Silveira. ALBERTON, Marisa Silveira. O papel dos Conselhos Tutelares. In:
______; KRISTENSEN, Chistian Haag; OLIVEIRA, Margrit Sauer; FLORES, Renato Zamora et al. Op.
cit., p. 26.
10 REICHENHEIM, Michael E.; HASSELMANN, Maria Helena; MORAIS, Claudia Leite. Conseqüências
da violência familiar na saúde da criança e do adolescente: contribuições para a elaboração de
proposta de ação. Ciência e Saúde Coletiva, 4 (1), 1999, p. 110.

78
Maria Regina Fay de Azambuja

dos direitos da infância e da juventude”11. A Convenção das Nações Uni-


das sobre os Direitos da Criança, ratificada pelo Brasil, em seu art. 3.1,
prevê que “todas as ações relativas às crianças, levadas a efeito por institui-
ções públicas ou privadas de bem-estar social, tribunais, autoridades ad-
ministrativas ou órgãos legislativos, devem considerar, primordialmente,
o interesse maior da criança”. Não há como admitir, neste nascer de sécu-
lo, por parte do Poder Público, uma atuação descomprometida com a “de-
fesa dos interesses da criança que sofre maus-tratos praticados, muitas
vezes, por aqueles que teriam legitimidade e possibilidade de defendê-
las”12.
Estarão os integrantes do Sistema de Justiça capacita-
dos para enfrentar a demanda envolvendo violência sexual intrafamiliar
praticada contra a criança?
O tema exige constante reflexão e avaliação sob pena
de a criança vítima de violência sexual ser exposta a mais uma violência
praticada pelo Poder Público, por órgão ou instituição que têm o dever de
zelar pelo cumprimento das disposições legais previstas na Constituição
Federal e na Lei nº 8.069/90.
Em decorrência do contexto em que a violência sexual
intrafamiliar ocorre, os Tribunais, antes mesmo da Carta de 1988, passa-
ram a valorizar a palavra da criança como elemento de prova da autoria e
materialidade do crime. Com os novos princípios constitucionais, faz-se
necessário reexaminar a inquirição da vítima criança.

II. A INQUIRIÇÃO DA CRIANÇA


É comum a violência sexual intrafamiliar praticada con-
tra a criança vir desacompanhada de vestígios físicos, acarretando para o
Sistema de Justiça inúmeras dificuldades para desvendar os comunicados

11 COSTA, Antônio Carlos Gomes da. Comentários ao artigo 6º do Estatuto da Criança e do Adolescen-
te. In: CURY, Munir (coord.); AMARAL E SILVA, Antônio Fernando (coord.); GARCÍA MENDEZ, Emílio
(coord.). Op. cit., p. 38.
12 SCHREIBER, Elisabeth. Os Direitos Fundamentais da Criança na Violência Intrafamiliar. Porto
Alegre: Ricardo Lenz, 2001, p. 80.

79
Maria Regina Fay de Azambuja

e ocorrências que chegam ao Conselho Tutelar e à Delegacia de Polícia,


assim como as denúncias que aportam nas Varas Criminais e nos litígios
que se deflagram nas Varas de Família, através de disputas de guarda e
regulamentação de visitas. Dados colhidos na investigação de 464 casos
de abuso sexual, no período de um ano, em Hospital Infantil (Child Abuse
Program Annual Report, 1987), apontam que apenas 24% das crianças
estudadas tinham achados físicos positivos13.
A inexistência de vestígios físicos, aliada à falta de teste-
munhas presenciais, uma vez que a violência sexual intrafamiliar pratica-
da contra a criança geralmente se dá na clandestinidade, levaram os Tribu-
nais a valorizar a palavra da vítima, favorecendo a sua exposição a inúme-
ros depoimentos no afã de produzir a prova e possibilitar a condenação
do réu. Neste sentido, vale ilustrar:
PROVA. CRIME CONTRA OS COSTUMES. PALA-
VRA DA VÍTIMA. CRIANÇA. VALOR. Como se tem
decidido, nos crimes contra os costumes, cometi-
dos às escondidas, a palavra da vítima assume es-
pecial relevo, pois, via de regra, é a única. O fato
dela (vítima) ser uma criança não impede o reco-
nhecimento do valor de seu depoimento. Se suas
palavras se mostram consistentes, despidas de
senões, servem elas como prova bastante para a
condenação do agente. É o que ocorre no caso em
tela, onde o seguro depoimento da ofendida em
juízo informa sobre o ato sexual sofrido, afirman-
do que o apelante foi o seu autor. Condenação
mantida pela prática de crime contra os costumes.
(...)14

13 JOHNSON, Charles F. Abuso na Infância e o Psiquiatra Infantil. In: GARFINKEL, Barry D.; CARLSON,
Grabrielle A.; WELLER, Elizabeth B. Infância e Adolescência. Porto Alegre: Artes Médicas, 1992, p.
300.
14 BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Apelação Crime nº 70003007424,
Sétima Câmara Criminal, Relator Des. Sylvio Baptista Neto, 4 de agosto de 2005, Nova Petrópolis.

80
Maria Regina Fay de Azambuja

ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR. PALAVRA


DA VÍTIMA, DE 09 ANOS, COERENTE E MINU-
CIOSA NAS DUAS FASES DA PERSECUTIO
CRIMINIS, CORROBORADA PELO RESTANTE
DA PROVA TESTEMUNHAL CONSTANTE DOS
AUTOS. CONDENAÇÃO MANTIDA. Em crimes
contra a liberdade sexual geralmente cometidos na
clandestinidade, a palavra da vítima assume vital
importância na elucidação da autoria delitiva, ain-
da mais quando corroborada pelo restante do con-
junto probatório constante dos autos. Outrossim,
importante salientar que dificilmente a vítima men-
tiria em juízo, fantasiando ou inventando a estória
narrada, com o fito de prejudicar o apelante; pelo
contrário, em que pese ser uma criança de 09 anos,
de maneira minuciosa e harmoniosa relatou, em
ambas as fases da perquirição da culpa, os abusos
sexuais praticados pelo padrasto. (...)15

A posição adotada pelos Tribunais16 data de várias déca-


das que antecederam a Constituição Federal de 1988. Neste tempo, não se
questionava, nos feitos judiciais e extrajudiciais, o melhor interesse da
criança (best interest of the child). Desconhecia-se a amplitude dos preju-
ízos que o depoimento da criança, colhido com o fim de produzir a prova
da materialidade de um crime, em regra, praticado por um familiar (pai,
padrasto, avô, tio, irmão)17 ou pessoa de suas relações, pudesse causar à
15 BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Apelação Crime nº 70008980013,
Oitava Câmara Criminal, Relator Des. Marco Antônio Ribeiro de Oliveira, 1º de setembro de 2004,
Uruguaiana.
16 “(...) alguns autores afirmam que a mais importante evidência nos casos de suspeita de abuso sexu-
al, em crianças, é o testemunho prestado pela própria vítima (Lauritsen et al., 2000)”. (BENFICA,
Francisco Silveira; SOUZA, Jeiselaure Rocha de. A importância da perícia na determinação da
materialidade dos crimes sexuais. Revista do Ministério Público do Rio Grande do Sul, Porto Ale-
gre, n. 46, jan./mar. 2002, p. 183).
17 Dos casos atendidos pelo Serviço de Psicologia (Serviço de Atendimento Básico) da Vara Central da
Infância e Juventude do Tribunal de Justiça de SP, entre 1990 e 1998, em 90% dos casos o agressor
exercia a função paterna (65% de pais biológicos). (DUQUE, Cláudio. Parafilias e crimes sexuais. In:
TABORDA, José G. V. (org.); CHALUB, Miguel (org.); ABDALLA-FILHO, Elias (org.). Psiquiatria Fo-
rense. Porto Alegre: Artmed, 2004, p. 303).

81
Maria Regina Fay de Azambuja

vítima, bem como os danos que a violência sexual pudesse acarretar ao


seu desenvolvimento social e, de forma especial, ao seu aparelho psíqui-
co. A partir da década de setenta, estudos e pesquisas na área da saúde
mental têm contribuído para um maior entendimento do fenômeno, em
especial, quando a violência é praticada por aqueles que tem o dever de
cuidá-la e protegê-la.
Negar tais achados significaria caminhar na contramão
dos princípios que alicerçam a Convenção das Nações Unidas sobre os
Direitos da Criança, a Constituição Federal e o Estatuto da Criança e do
Adolescente. Os conhecimentos na área da saúde mental e o fortalecimen-
to dos direitos humanos estão a exigir novas formas de proceder visando
assegurar à criança o desenvolvimento em condições de dignidade, como
reza o artigo 3º da Lei nº. 8.069/90, passando a ser responsabilidade de
todos evitar qualquer forma de negligência, discriminação, exploração,
violência, crueldade e opressão (art. 5º do ECA). Na mesma esteira, reza a
Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança:
Art. 19 – 1. Os Estados Partes adotarão todas as
medidas legislativas, administrativas, sociais e edu-
cacionais apropriadas para proteger a criança con-
tra todas as formas de violência física ou mental,
abuso ou tratamento negligente, maus-tratos ou
exploração, inclusive abuso sexual, enquanto a cri-
ança estiver sob a custódia dos pais, do represen-
tante legal ou de qualquer outra pessoa responsá-
vel por ela (sem grifo no original).

Sob o prisma da nova ordem constitucional, inúmeras


ações praticadas pelo Sistema de Justiça passam a merecer urgente revi-
são, como se vê de parte do acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do
Rio Grande do Sul, reformado, em 9/8/05, pelo Colendo Superior Tribu-
nal de Justiça:
(...) a ação, cometida pelo réu contra a vítima, não
teve uma repercussão tão danosa que exigisse uma
punição exemplar. Ainda que se afirme certo des-

82
Maria Regina Fay de Azambuja

gaste psicológico (as informações dos pais dão


conta disso), penso que ele se deve muito mais as
atitudes dos adultos, tratando o assunto com gran-
de alarde, que propriamente à ação do agente. Esta
se deu através de toques em partes do corpo da
ofendida e talvez o ato do cunilíngua. Tenho a im-
pressão que o dano psicológico não foi tão inten-
so, tão marcante que determinasse, repito, uma
reprimenda rigorosa18.
Para o Superior Tribunal de Justiça,
(...) plenamente justificado o grande alarde dos
responsáveis pela menina que, como qualquer
membro médio da sociedade, encara essa forma de
criminalidade como das mais graves. Os crimes se-
xuais praticados contra menores têm conseqüênci-
as gravíssimas para as vítimas e suas famílias, com-
prometendo o normal desenvolvimento das crian-
ças que tiveram o infortúnio de sofrer tão hedion-
da agressão, somente, por serem inocentes19.

Exigir da criança a responsabilidade pela produção da


prova da violência sexual, através do depoimento judicial, como
costumeiramente se faz, não seria uma nova violência contra a criança?
Estaria a criança obrigada a depor? Estes e outros questionamentos preci-
sam ser enfrentados sob a ótica da Doutrina da Proteção Integral.
No âmbito da regulação do exercício do poder familiar,
a oitiva pode se dar de três formas: “(i) ex lege, ou seja, determinada pela
lei em casos específicos que trazem, normalmente, regras de dispensa
motivada do comparecimento da criança pelo juiz; (ii) por convoca-

18 BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Apelação Crime nº 70007781917,
Oitava Câmara Criminal, Relator Des. Sylvio Baptista Neto, 7 de abril de 2004, Porto Alegre.
19 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça, Recurso Especial nº 714.919, Quinta Turma, Relatora Ministra
Laurita Vaz, 9 de agosto de 2005, Rio Grande do Sul.

83
Maria Regina Fay de Azambuja

ção do juiz, nas hipóteses possíveis, ou (iii) por solicitação da criança”


(sem grifo no original)20. Não se deve permitir “a indicação de criança
como testemunha por uma das partes, ou seja, por um dos seus pais ou de
seus parentes, sob pena de a criança se sentir envolvida de forma que
se mostra pouco conveniente” (sem grifo no original)21.
Quando se aborda a oitiva da criança, importante lem-
brar que, com a vigência da Lei nº 8.069/90 e, posteriormente, com o
Código Civil de 2002, o legislador passa a valorizar a opinião da criança,
em especial, nos feitos que envolvem colocação em família substituta,
como se vê do artigo 28, § 1º, do ECA, exigindo, no caso de tutela, a sua
opinião, se já contar 12 anos (art. 1.740, III, do CC/02), e o seu consenti-
mento, no caso de adoção, quando o adotando contar 12 anos (art. 45, §
2º, ECA). A inovação atende os princípios da Convenção das Nações Uni-
das sobre os Direitos da Criança, consolidados na legislação pátria, permi-
tindo que a criança e o adolescente expressem sua opinião sobre fatos
que digam diretamente com sua rotina, oferecendo-lhes a oportunidade
de participar ativamente do processo judicial e das decisões que interfi-
ram na sua vida familiar.
A Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da
Criança, ratificada pelo Brasil, responsável pelo estabelecimento de um
“catálogo completo dos direitos substanciais, civis e políticos, econômi-
cos, sociais e culturais, próprios à criança”, detentora da força jurídica
cogente de tratado22, em seu artigo 12, dispõe:
Os Estados partes assegurarão à criança que estiver
capacitada a formular seus próprios juízos o direi-
to de expressar suas opiniões livremente sobre to-
dos os assuntos relacionados com a criança, levan-
do-se devidamente em consideração essas opini-

20 MÔNACO, Gustavo Ferraz de Campos; CAMPOS, Maria Luiza Ferraz de. O Direito de Audição de
Crianças e Jovens em Processo de Regulação do Exercício do Poder Familiar. Revista Brasileira de
Direito de Família, IBDFAM, Síntese, n. 32, out./nov. 2005, p. 12.
21 Idem. Ibidem.
22 Artigo 5º, § 3º, da Constituição Federal – “Os tratados e convenções internacionais sobre direitos
humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três
quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais”.

84
Maria Regina Fay de Azambuja

ões, em função da idade e da maturidade da


criança.
Com tal propósito, se proporcionará à criança, em
particular, a oportunidade de ser ouvida em todo
processo judicial ou administrativo que afete a
mesma, quer diretamente quer por intermédio de
um representante ou órgão apropriado, em
conformidade com as regras processuais da legisla-
ção nacional (sem grifo no original).
Expressar as próprias opiniões, como menciona o do-
cumento internacional, tem sentido diverso de exigir da criança, em face
de sua peculiar condição de pessoa em desenvolvimento, em Juízo ou
fora dele, o relato de situação extremamente traumática e devassadora ao
seu aparelho psíquico, vivenciada no ambiente familiar, e mais, praticada,
em regra, por pessoa muito próxima, como o pai, o padrasto, o avô, o tio
ou mesmo o irmão23. Nesse sentido, observa-se a palavra da vítima, regis-
trada em processo de destituição do poder familiar motivado por violên-
cia sexual:
Na primeira vez em que foi dormir na casa dele,
‘quando a tia V. não estava’, ele já a convidou para
dormir na mesma cama que ele. Certa noite acor-
dou com a cabeça dele no peito dela. T. evidencia
séria preocupação com tais fatos, pára de falar
mais de uma vez no meio da entrevista, abaixa
a cabeça e a esconde entre seus braços. Muda
de assunto, falando que já fez ‘um desenho de
uma árvore, com uma corda e ela pendurada’,
lembrando de momentos em que já quis abre-
viar sua vida (sem grifo no original)24.

23 Levantamento realizado em Hospital Infantil (Child Abuse Program Annual Report, 1987), analisan-
do 464 casos de abuso sexual, no período de um ano, indicou que o perpetrador mais comum foi a
pai (15%), seguido pelo padrasto (8%) e tio (7%). (JOHNSON, Charles F. Op. cit., p. 300).
24 BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Apelação Cível nº 70012117024, Séti-
ma Câmara Cível, Relatora Desª. Maria Berenice Dias, 9 de novembro de 2005, Lajeado.

85
Maria Regina Fay de Azambuja

Quando a Lei nº 8.069/90 reconhece a peculiar condi-


ção de pessoa em desenvolvimento da criança e do adolescente está a
falar de sua imaturidade ou, em outras palavras, de seu estágio incomple-
to de desenvolvimento. Entende-se por maturidade “a fase da vida em que
a pessoa atinge um completo desenvolvimento ou maturação físico-men-
tal”25. As etapas do desenvolvimento humano se desdobram em várias fa-
ses: a) pré-natal; b) primeira infância; c) segunda infância; d) terceira in-
fância; e) adolescência; f) o jovem adulto; g) meia-idade e h) terceira ida-
de26, abrangendo mudanças que ocorrem ao longo da vida, envolvendo
aspectos físicos, cognitivos e psicossociais. Integram o desenvolvimento
físico, as mudanças no corpo, no cérebro, na capacidade sensorial e nas
habilidades motoras capazes de influenciar outros aspectos do desenvol-
vimento. As mudanças ocorridas na capacidade mental, como aprendiza-
gem, memória, raciocínio, pensamento e linguagem, situam-se no desen-
volvimento cognitivo, ao passo que as mudanças nos relacionamentos
com os outros se referem ao desenvolvimento psicossocial27.
Não há que confundir a hipótese inovadora do artigo
28, § 1º, do ECA, com a inquirição cogente da criança nos processos crimi-
nais em que se apura a existência de violência sexual. Nestes casos, a in-
quirição da criança visa essencialmente produção da prova da autoria e
materialidade em face dos escassos elementos que costumam instruir o
processo com o fim de obter a condenação ou absolvição do abusador,
recaindo na criança uma responsabilidade para a qual não se encontra
preparada, em face de sua peculiar condição de pessoa em desenvolvi-
mento ou, ainda, nos termos da Convenção, em razão de sua imaturidade
física, cognitiva e psicossocial. No primeiro caso, - feitos que discutem a
colocação em família substituta -, a oitiva da criança tem por objetivo co-
nhecer seus sentimentos e desejos, permitindo ao Julgador considerá-los
por ocasião da decisão; no segundo, diferentemente, o objetivo da inqui-
rição da criança é a produção da prova, hipótese que não encontra respal-

25 ENCICLOPÉDIA SARAIVA DO DIREITO. São Paulo: Saraiva, 1977, v. 52, p. 81.


26 PAPALIA, Diane E.; OLDS, Sally Wendkos. Desenvolvimento Humano. 7.ed. Porto Alegre: Artes Mé-
dicas Sul, 2000, p. 26.
27 Idem. Ibidem.

86
Maria Regina Fay de Azambuja

do na aludida Convenção Internacional e tampouco no ordenamento jurí-


dico pátrio.
É do texto internacional que emerge a expressa previ-
são de a opinião da criança ser colhida, de forma direta ou através de
representante ou órgão apropriado, sinalizando a clara intenção de evitar
exposições inapropriadas da criança, com riscos de danos à sua saúde
psíquica. Por ser uma pessoa em desenvolvimento, a criança carece biolo-
gicamente de “maturação nos níveis emocional, social e cognitivo”, levan-
do-a a comportar-se, relacionar-se e a pensar de forma diferente dos adul-
tos28. As condições de maturidade da criança e do adulto se refletem na
forma como a primeira enfrenta e reage a uma situação de abuso sexual e
pela maneira como se manifesta quando é chamada a falar sobre o fato
ocorrido29.
Estudiosos da saúde mental afirmam que “a criança
mais velha pode ter a capacidade verbal de relatar o abuso, mas pode estar
relutante devido ao medo de represálias, culpa associada com o ato ou
aceitação da sedução, ou medo de dissolução da família”30. Nos casos de
violência sexual intrafamiliar, recomendam os estudiosos envolver a mãe
no processo de revelação, sem desconhecer que, até as mães apoiadoras,
muitas vezes, “ficam tão perturbadas durante a entrevista, que transmitem
à criança a mensagem direta ou indireta de não revelar; ou as crianças
ficam tão ansiosas que se fecham para protegerem as mães”31.
A violência sexual traz no seu âmago a negação ou
síndrome do segredo que envolve todo o desenrolar do processo de abu-
so sexual intrafamiliar, tanto nas etapas em que o fato ainda não foi iden-
tificado, e que pode durar vários anos32, acompanhado de freqüentes ame-

28 FURNISS, Tilman. Op. cit., p. 14.


29 Estima-se que 49% dos casos de abuso sexual acontecem com crianças com idade inferior a cinco
anos (Marie-Pierre, Representante do UNICEF no Brasil, Revista Isto é, nº 1881, de 2/11/05, p. 49).
30 JOHNSON, Charles F. Op. cit., p. 300.
31 FURNISS, Tilman. Op. cit., p. 198.
32 Estudo realizado pelos autores aponta que “nos casos de violência sexual contra crianças e adoles-
centes, no âmbito doméstico, praticados pelos pais ou padrastos, há uma certa continuidade no
delito que, não fosse por fatores externos, jamais chegaria ao conhecimento das autoridades”
(BENFICA, Francisco Silveira; SOUZA, Jeiselaure Rocha de. Op. cit., p. 181).

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Maria Regina Fay de Azambuja

aças33; como nas etapas que se desenvolvem junto aos Sistemas de Saúde
ou Justiça, cabendo referir que “sobreviver ao abuso sexual da criança
como pessoa intacta pode ser tão difícil para o profissional como é para a
criança e para os membros da família”34.
No Brasil, são escassas as iniciativas voltadas a trabalhar
com os agressores. No Canadá, a maioria dos grupos para homens
agressores busca uma intervenção integrada e coordenada em relação ao
problema da violência doméstica, possibilitando serviço às mulheres e cri-
anças (assistência psicológica, jurídica, grupos de auto-ajuda, encaminha-
mento a abrigos, se necessário), treinamento profissional no manejo de
questões envolvendo violência doméstica (como identificar a vítima de
abuso, como abordar o problema, como fazer o encaminhamento e acom-
panhamento do caso), paralelamente ao trabalho realizado com os ho-
mens agressores.35
A falta de compreensão da dinâmica do abuso sexual
intrafamiliar, verificado tanto nas agências de saúde como no Sistema de
Justiça acaba por gerar intervenções inadequadas com sensíveis prejuízos
ao desenvolvimento da criança. A nomeação do abuso sexual da criança
“cria o abuso como um fato para a família”, podendo “refletir-se na rede
profissional e no nosso próprio pânico e crise profissionais, quando inter-
vimos cegamente em um processo que muitas vezes não compreende-
mos”36.
Maria Helena Mariante Ferreira chama a atenção para
os cuidados a serem dispensados aos profissionais que trabalham com o
abuso sexual:
É necessário salientar a necessidade de apoio e cui-
dado constante do profissional e equipe que aten-

33 “Nossa pesquisa observou que geralmente o réu exercia alguma autoridade sobre a vítima, gerando
nesta o chamado temor referencial (Sznick, 1992), decorrente do dever de obediência para com o
réu” (BENFICA, Francisco Silveira; SOUZA, Jeiselaure Rocha de. Op. cit., p. 181).
34 FURNISS, Tilman. Op. cit., p. 1.
35 GROSSI, Patrícia Krieger. Nem como uma flor: reflexões sobre abordagens com grupos de homens
agressores. In: GROSSI, Patrícia Krieger; WERBA, Graziela C. Violência e Gênero: coisas que a gente
não gostaria de saber. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2001, p.97.
36 Idem. Ibidem.

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Maria Regina Fay de Azambuja

de a criança abusada em função do aumento im-


portante de stress que este tipo de trabalho traz. É
bem superior ao encontrado no trabalho com os
demais pacientes. É semelhantes stress que conta-
mina as equipes que trabalham com pacientes em
centros de tratamento intensivo, ultrapassando os
limites do ambiente profissional e contaminando a
vida familiar e pessoal dos cuidadores37.

Inquirir a vítima, com o intuito de produzir prova e ele-


var os índices de condenação, não assegura a credibilidade pretendida,
além de expô-la a nova forma de violência, ao permitir reviver situação
traumática, reforçando o dano psíquico. Enquanto a primeira violência foi
de origem sexual, a segunda passa a ser psíquica, na medida que se espera
que a materialidade, que deveria ser produzida por peritos capacitados,
venha ao bojo dos autos através do seu depoimento, sem qualquer respei-
to às suas condições de imaturidade. Considerar a “fala da criança”, como
prevê a Convenção, necessariamente não exige o uso da palavra falada,
porquanto o sentido da norma é muito mais amplo, estando a significar a
necessidade de respeito incondicional à criança, como pessoa em fase
peculiar de desenvolvimento.
No campo psíquico, a violência sexual impingida à cri-
ança é considerada um trauma, sendo que a extensão dos danos está liga-
da a maior ou menor vulnerabilidade da vítima. Vários transtornos psiqui-
átricos em adultos têm sido relacionados a algum trauma vivenciado na
infância, sendo que o abuso sexual está mais relacionado a transtornos
dissociativos, o estresse pós-traumático a acidentes38. Estudos recentes
apontam para a “influência do trauma na ‘configuração do aparato
neuroendócrino, da arquitetura cerebral, da estruturação permanente da
personalidade e dos padrões de relacionamento posteriores’, sabendo-se
37 FERREIRA, Maria Helena Mariante. Algumas reflexões sobre a perplexidade compartilhada diante
do abuso sexual. Revista de Psicoterapia da Infância e Adolescência, Porto Alegre: CEAPIA, n. 12,
nov. 1999, p. 42.
38 ZAVASCHI, Maria Lucrecia Scherer et al. Associação entre trauma por perda na infância e depressão
na vida adulta. Revista Brasileira de Psiquiatria, v. 24, n. 4, out. 2002, p. 190.

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Maria Regina Fay de Azambuja

que ‘as experiências ficam marcadas na herança genética e nos padrões de


vínculo, sendo, portanto, repassadas de uma forma ou outra para a des-
cendência’”39. Grande número de casos de violência sexual sofrido na in-
fância “permanece em segredo entre vítima intimidada e agressor ameaça-
dor, só sendo detectados quando aquela, já adulta, procura ajuda profissi-
onal e relata o fato como significativo no seu passado”40.
Trauma, de origem grega, significa ferida, furar, “sendo
utilizado na medicina para identificar as conseqüências de uma violência
externa”. Freud “transpôs o conceito de trauma para o plano psíquico,
conferindo-lhe o significado de um choque violento capaz de romper a
barreira protetora do ego, podendo acarretar perturbações duradouras
sobre a organização psíquica do indivíduo”41. Em outras palavras, trauma
ou dano psíquico existe quando há “deterioração, disfunção, distúrbio ou
transtorno, ou desenvolvimento psico-gênico ou psico-orgânico que,
afetando as esferas afetivas e/ou intelectual e/ou volitiva, limita a capacida-
de de gozo individual, familiar, atividade laborativa, social e/ou recreati-
va”42. Autores apontam que a oitiva da criança vítima de violência sexual
intrafamiliar, devido ao “medo de represálias, culpa associada com o ato
de aceitação da sedução ou medo de dissolução da família”, pode fazer
com que a criança retire a acusação43, como confirma a prática forense. E,
ainda, “a criança pode não desejar discutir o(s) incidente(s) novamente
porque a recordação é dolorosa e os pais podem pertinentemente apoiar
a criança nesta resistência”44.
É comum a criança avistar o abusador no ambiente fo-
rense por ocasião de sua oitiva, ainda que o depoimento não seja presta-
do na sua presença, fato que contribui para reacender o conflito e a
ambivalência de seus sentimentos, porquanto, em muitos casos, “nutre

39 AZAMBUJA, Maria Regina Fay de. Violência sexual intrafamiliar: é possível proteger a criança?
Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004, p. 125.
40 DUQUE, Cláudio. Op. cit., p. 303.
41 ZAVASCHI, Maria Lucrecia Sherer et al. Op. cit., p. 190.
42 PEREIRA GOMES, Celeste Leite dos Santos; LEITE SANTOS, Maria Celeste Cordeiro; SANTOS, José
Américo dos. Dano Psíquico. São Paulo: Oliveira Mendes, 1998, p. 7.
43 JOHNSON, Charles F. Op. cit., p. 300.
44 Idem, p. 301.

90
Maria Regina Fay de Azambuja

forte apego pelo abusador, com quem, no mais das vezes, mantém víncu-
los parentais significativos”. O abusador costuma “transferir para a criança
a responsabilidade pelo ocorrido ou pelas conseqüências da revelação,
convencendo a vítima de que será sua culpa se o pai for para a cadeia ou
se a mãe ficar magoada com ela”45. Delegacias de Polícia, Fóruns e Tribu-
nais não são locais apropriados para crianças; são, essencialmente, espa-
ços de resolução de litígios da vida adulta.
Eduardo de Oliveira Leite elenca três ordens de dificul-
dades decorrentes da inquirição da criança: a) as relativas à decisão de
ouvir a criança; b) as que se referem às modalidades de oitiva; c) as que
são criadas pela seqüência da oitiva46. Não há como confundir o respeito à
criança, preconizado pela Convenção das Nações Unidas sobre os Direi-
tos da Criança, ao prever a sua oitiva (de forma direta ou indireta), como
ressalta o artigo 12, com a violência decorrente da exigência de produzir
judicialmente a prova da materialidade da violência sexual sofrida, através
de sua inquirição, desconsiderando o estágio de maturidade e desenvolvi-
mento em que se encontra. No que tange à modalidade de inquirição, em
que pese algumas iniciativas que visam minorar as dificuldades impostas à
criança47, em essência, continua a buscar a produção da prova, em especi-
al, da materialidade, sem considerar os danos que o depoimento pode
causar ao aparelho psíquico da vítima. No momento que a criança relata o
fato, objetivo principal de sua inquirção, ao Juiz ou técnico do Juizado,
não se observa a adoção de qualquer medida para auxiliar a criança a
minimizar o sofrimento psíquico decorrente do trauma experimentado.
O aumento das notificações de violência sexual aliado à
necessidade de assegurar a proteção integral à criança tem despertado o

45 BORBA, Maria Rosi de Meira. O duplo processo de vitimização da criança abusada sexualmente:
pelo abusador e pelo agente estatal, na apuração do evento delituoso, p. 3. Disponível em: <http:/
/jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=3246> Acesso em: 1º dez. 2005.
46 OLIVEIRA LEITE, Eduardo de. A oitiva de crianças nos processos de família. Revista Jurídica, n. 278,
dez. 2000, p. 27.
47 No Rio Grande do Sul, foi instituído o Projeto Depoimento sem Dano. A oitiva da criança passa a ser
em sala especial, através de assistentes sociais ou psicólogos, acompanhado pelo magistrado, pro-
motor e advogado, com comunicação através de intercomunicadores, com filmagem, permitindo
que o Juiz formule perguntas à técnica, a serem formuladas à criança.

91
Maria Regina Fay de Azambuja

interesse dos profissionais em encontrar alternativas menos danosas à cri-


ança. Anualmente, “são comunicados 5.000 casos de incesto”; “o abusador
é conhecido da criança e usa sedução ou suborno para que ela ceda”,
sendo que “esta forma de tirar vantagem da imaturidade e vulnerabilidade
infantil tem uma importante conseqüência para a criança que, mais tarde,
poderá sentir-se culpada e responsável”48.
Inúmeras tentativas têm sido testadas com o fim de
minimizar os efeitos que a oitiva judicial acarreta à criança. Barry D.
Garfinkel et al., ao tratar da violência na infância, assinalam:
Embora não haja abordagens padronizadas para
entrevistar crianças sobre qualquer assunto, tem
havido uma tentativa de organizar a entrevista por
abuso sexual para assegurar ao tribunal que a cri-
ança não foi instigada nem lhe foram feitas pergun-
tas diretivas (Sgroi, 1985; Burgess, 1987; Johnson
e Showers, 1985). Muitas das técnicas usadas em
crianças pequenas, incluindo o uso de bonecas e
desenhos para ajudar a criança a explicar possíveis
eventos de abuso sexual, não foram estudadas com
grupos-controle e são controvertidas (Cohn, 1988;
Sivan, 1988)49.
Países europeus investigam e estudam “a organização e
a operacionalização de uma entrevista entre a criança e o juiz em condi-
ções mais ou menos formalistas”, sendo que a Bélgica, Holanda, França e
Alemanha já publicaram textos legislativos neste sentido50.
Para a doutrina tradicional, em face do princípio da ver-
dade real, instala-se a obrigatoriedade da inquirição da vítima, porquanto
“deve o juiz buscar todos os meios lícitos e plausíveis para atingir o estado
de certeza que lhe permitirá formar o seu veredito”51. Paradoxalmente, é

48 LEWIS, Melvin; VOLKMAR, Fred R. Aspectos Clínicos do Desenvolvimento na Infância e Adolescên-


cia. 3.ed. Traduzido por Gabriela Giacomet. Porto Alegre: Artes Médicas, 1993, p. 101.
49 GARFINKEL, Barry D.; CARLSON, Grabielle A.; WELLER, Elizabeth B. Op. cit., p. 301.
50 OLIVEIRA LEITE, Eduardo de. Op. cit., p. 27.
51 NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal Comentado. 4.ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2005, p. 200.

92
Maria Regina Fay de Azambuja

na mesma doutrina que encontramos subsídios para afastar a inquirição


da vítima, quando criança:
(...) as declarações do ofendido constituem meio
de prova, tanto quanto o interrogatório do réu,
quando este resolve falar ao juiz; (...) não se pode
dar o mesmo valor à palavra da vítima que se costu-
ma conferir ao depoimento de uma testemunha,
esta, presumidamente, imparcial; (...) a vítima é
pessoa diretamente envolvida pela prática do
crime, pois algum bem ou interesse seu foi vio-
lado, razão pela qual pode estar coberta por
emoções perturbadoras do seu processo psí-
quico, levando-a à ira, ao medo, à mentira, ao
erro, às ilusões de percepção, ao desejo de vin-
gança, à esperança de obter vantagens econômicas
e à vontade expressa de se desculpar - neste últi-
mo caso, quando termina contribuindo para a prá-
tica do crime (Psicologia Jurídica, V. II, p. 155-157).
Por outro lado, há aspectos ligados ao sofri-
mento pelo qual passou a vítima, quando da
prática do delito, podendo, então, haver
distorções naturais em suas declarações; (...) a
ânsia de permanecer com os seres amados,
mormente porque dá como certo e acabado o
crime ocorrido, faz com que se voltem ao futu-
ro, querendo, de todo o modo, absolver o cul-
pado. É a situação muitas vezes enfrentada por
mulheres agredidas por seus maridos, por filhos
violentados por seus pais e, mesmo por
genitores idosos atacados ou enganados por seus
descendentes (sem grifo no original)52.

52 NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal Comentado. 4.ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2005,, p. 415/416.

93
Maria Regina Fay de Azambuja

O depoimento da vítima, considerada por alguns auto-


res como testemunha, não se reveste de credibilidade absoluta, porquan-
to suas declarações vêm impregnadas de impressões pessoais, havendo
“um certo coeficiente pessoal na percepção e na evocação da memória,
que torna, necessariamente incompleta a recordação, de forma que não
há maior erro que considerar a testemunha como uma chapa fotográfica”.
Diversos são os fatores a interferir na prova testemunhal, como o interes-
se, a emoção e, assim, sucessivamente53.
Não se pode esquecer que a criança, “mesmo dizendo a
verdade, é tão facilmente sugestionável que pode, com facilidade, ser
induzida a retratar-se numa acareação, especialmente sendo-lhe oposta
uma pessoa a quem tema e respeite”54. Há que se buscar, em juízo ou fora
dele,
(...) evitar a ocorrência do segundo processo de
vitimização, que se dá nas Delegacias, Conselhos
Tutelares e na presença do juiz, quando da apura-
ção de evento delituoso, causando na vítima os
chamados danos secundários advindos de uma
equivocada abordagem realizada quando da com-
provação do fato criminoso e que, segundo a me-
lhor psicologia, poderiam ser tão ou mais graves
que o próprio abuso sexual sofrido55.
Substituir a inquirição da criança vítima de violência
sexual pela perícia médica psiquiátrica, através de profissionais
especializados na área da infância, mostra-se o caminho mais recomenda-
do para assegurar à criança a proteção integral que a Constituição Federal
preconiza, em sintonia com a Convenção das Nações Unidas sobre os Di-
reitos da Criança e a Lei nº 8.069/90, reservando-se a medida apenas aos
casos em que a criança manifesta o desejo de ser ouvida pela autoridade
judicial.

53 ALTAVILLA, Enrico. Psicologia Judiciária. 3.ed. Coimbra: Armênio Amado, 1982, p. 252.
54 Idem, p. 332.
55 BORBA, Maria Rosi de Meira. Op. cit., p. 1.

94
Maria Regina Fay de Azambuja

É momento de pensar em mecanismos de averiguar o


dano psíquico56, situado no campo da proteção à saúde, em substituição à
exigência da inquirição da vítima, quando criança, como meio de provar a
materialidade, evitando a reedição do trauma já experimentado. Raramen-
te é possível apurar os danos físicos, sem afastar, contudo, a ocorrência do
crime. As marcas mais importantes, como sinalizam os conhecimentos ci-
entíficos disponíveis na contemporaneidade, se situam na esfera psíquica
das pequenas vítimas cujas seqüelas podem se estender por toda a vida ao
passo que as lesões físicas tendem a cicatrizar e desaparecer.

III. CONSIDERAÇÔES FINAIS


A condição de sujeito de direitos é uma conquista re-
cente da criança. Historicamente vista como objeto a serviço dos interes-
ses dos adultos, especialmente a partir do século XX, a infância passa a ser
compreendida como uma etapa do desenvolvimento humano. Vários do-
cumentos internacionais alertam para a sua relevância, desencadeando a
revisão das legislações, condutas e dos procedimentos adotados com o
intuito de garantir direitos àqueles que ainda não atingiram dezoito anos.
No Brasil, a Constituição Federal de 1988 é considerada o divisor de águas,
seguida do Estatuto da Criança e do Adolescente.
O desconhecimento por parte de muitos profissionais
integrantes do Sistema de Justiça do funcionamento das famílias em que
está presente o abuso sexual da criança, da extensão dos danos psíquicos
causados, bem como a não utilização dos instrumentos jurídicos por um
ângulo clínico (especialmente o conteúdo das perícias psiquiátricas dos
pais e das vítimas; relevância do tratamento das vítimas; falta de explora-
ção do trabalho terapêutico voltado para os pais que se encontram no
sistema carcerário) faz com que a intervenção destes profissionais não
contribua, como era de se esperar, para minimizar o sofrimento da criança
56 Dano psíquico, ligado à noção de sofrimento psíquico e de dano moral, enseja responsabilidade
civil. Ver Apelações Cíveis nos 70011567195 (Quinta Câmara Cível, Relator Dr. Antonio Vinicius
Amaro da Silveira, 23 de junho de 2005, Porto Alegre) e 70010597631 (Nona Câmara Cível, Relator
Des. Odone Sanguiné, 15 de junho de 2005, Porto Alegre) do Tribunal de Justiça do Rio Grande do
Sul.

95
Maria Regina Fay de Azambuja

vítima da violência sexual intrafamiliar.


É tempo de valorizar, além das marcas físicas, os danos
produzidos no aparelho psíquico, investindo na criação de cargos de peri-
tos psicólogos e psiquiatras, especialistas em crianças e adolescentes e,
quiçá, criando quesitos, a exemplo do que ocorre com as lesões corpo-
rais, o estupro, o atentado violento ao pudor, liberando a criança da
reedição do trauma sempre que é chamada a prestar depoimento.
O Sistema de Justiça começa a perceber a relevância do
seu papel, repensando procedimentos e investindo em ações abraçadas
pelo manto da interdisciplinaridade. Revisar condutas está na pauta das
discussões internacionais, não podendo o Brasil aguardar o alerta vindo
de outros cantos do mundo para sentir-se autorizado a dar efetividade aos
paradigmas impostos pela Carta Maior.

96
Maria Regina Fay de Azambuja

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101
Verônica Petersen Chaves

PERÍCIA PSICOLÓGICA

VERÔNICA PETERSEN CHAVES

Psicóloga do Juizado da Infância e da


Juventude
Especialista em psicoterapia da
infância e da adolescência
Mestre em psicologia - UFRGS

102
Verônica Petersen Chaves

O que é a perícia psicológica senão a nossa avaliação


psicológica de nosso cotidiano enquanto psicólogos, estejamos onde es-
tejamos.
Nossa formação teórica e técnica de base irão nortear
nossa metodologia adequando essa atividade básica ao contexto jurídico,
mais especificamente forense.
O que seria exatamente esta adequação. Seria a
contextualização dos aspectos essenciais da avaliação ao âmbito jurídico:
Demanda
Sujeito
Contrato
Devolução
Diferente do contexto da avaliação clínica, em uma pe-
rícia dificilmente teremos uma demanda espontânea das partes. O pedido
de virá da autoridade judiciária – magistrado ou o promotor de justiça; ou
do instrumentador do processo – defensor. O sujeito da perícia então,
não necessariamente é aquele a quem se dirige o processo.
A avaliação clínica de crianças é uma prática que exige
do psicólogo conhecimentos específicos. É um sujeito em desenvolvimen-
to e que precisa ser visto e compreendido como tal. A perícia então dobra
a necessidade de cuidados e preparação, pois a esta questão se sobrepõe
o contexto judicial – seja ele litigioso ou não.
Nossas crianças são cada vez mais seres sociais, inseri-
dos em diferentes contextos. Sabedoras de suas necessidades e direitos,
dificilmente o objetivo de uma perícia psicológica lhe passará desaperce-
bida. Este, dependendo de seu interlocutor direto, poderá ter sido
distorcido voluntária ou involuntariamente, consciente ou inconsciente-
mente. Examinar junto à criança qual a sua crença a respeito do trabalho a
ser realizado e a importância disto, além de precioso dado avaliativo, é
uma de nossas primeiras tarefas. Desta forma saberemos quais os desejos,
103
Verônica Petersen Chaves

necessidades e expectativas da criança e, principalmente, como podere-


mos estar a serviço dela enquanto profissionais de saúde mental.
Ao definirmos junto à criança o objetivo de nosso traba-
lho, estaremos cumprindo a primeira etapa de nosso contrato com ela,
definindo nosso papel e forma como iremos proceder juntos. A interfe-
rência do setting e de terceiros precisa ser abordada de forma a estabele-
cer uma comunicação fluida. Precisamos dizer claramente a criança o que
precisamos saber, quem saberá o que estamos conversando e porquê
(confidencialidade), que outras pessoas farão parte do processo de avalia-
ção.
Não raro, estaremos em contato com crianças em sofri-
mento, vítimas diretas ou indiretas das questões judiciais implicadas. A
possibilidade de reinserí-las agora como agentes ativos no processo pode-
rá ser salutar, desde que sejam respeitados os seus limites.
Assim como na avaliação clínica, nossa linguagem e ins-
trumentos deverão estar de acordo com a faixa etária e interesses da crian-
ça. A adequação do setting e dos instrumentos é essencial para que possa-
mos efetivamente nos aproximar da criança. Colocaremos a disposição
dela objetos que estejam ligados ao seu cotidiano e realidade, facilitando
sua expressão. O uso do material lúdico se faz essencial. O material gráfi-
co também será de grande valia, pois a produção gráfica da criança, além
de possibilitar a manifestação subjetiva espontânea, nos trará dados possí-
veis de serem objetivados – HTP, desenho da família. Não existem instru-
mentos específicos para a perícia de crianças em nosso país. Precisaremos
selecionar dentro dos instrumentos da psicologia aqueles que mais aten-
dem a criança a qual estamos diante naquele momento.
Nossa última e solitária e trabalhosa tarefa será traduzir
a experiência de avaliação de crianças em um contexto lógico, objetivo e
conciso como deve ser um laudo pericial. Garimpar aquilo que é essencial
dentro de uma teia de dados é árduo e muitas vezes difícil. A linguagem
lúdica da criança passará pelo crivo da interpretação do psicólogo. Este
deverá redobrar o cuidado para que seja um tradutor fidedigno do con-
texto avaliativo, sem que a contaminação de seus próprios valores e prin-

104
Verônica Petersen Chaves

cípio tomem parte no trabalho. Também as informações fornecidas por


outras pessoas que participam do processo devem ser filtradas e aproxi-
madas da realidade que a própria criança traz.
Por fim, podemos considerar que a perícia psicológica
de crianças é um desafio aos psicólogos jurídicos em diversos níveis. Ela
nos exige circular e aproximar diversos mundos que não necessariamente
nos são tão naturais como o universo infantil e o universo jurídico.

105

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