Sebenta Teoria Geral Do Direito Civil
Sebenta Teoria Geral Do Direito Civil
Sebenta Teoria Geral Do Direito Civil
CIVIL
2º ano
2017/2018
ANA CLÁUDIA PEREIRA
FDUP
Nota Prévia: este documento foi elaborado com base nos apontamentos das aulas
das professoras Raquel Guimarães e Regina Redinha e nos livros Teoria Geral do
Direito Civil de Orlando de Carvalho e Teoria Geral do Direito Civil de Carlos Alberto
da Mota Pinto. A matéria relativa às incapacidades encontra-se com a atualização de
2018.
A teoria da parte geral do Direito Civil corresponde àquilo que é comum aos
vários ramos. Adotou-se uma sistematização que autonomizou a parte geral,
discutindo-se se é verdadeiramente comum aos vários ramos ou não.
A matéria que o legislador elegeu como sendo aspetos comuns e
autonomizou como parte geral do Código vem da sistematização alemã do BGB em
1900. Esta sistematização, como consequência da adesão ao modelo pandectístico,
tem a pretensão de concentrar os princípios e as regras comuns a todo o Direito
Civil, nela se incluindo os elementos ou denominadores comuns das partes especiais.
Esta sistematização que foi adotada no Código alemão e depois no nosso
Código é apenas uma das sistematizações possíveis, foi apenas uma opção do
legislador. O Código francês, por exemplo, adota uma outra sistematização, o Plano
de Gaio: tem três partes, designadamente, pessoas, obrigações e contratos, não
tendo uma parte geral.
1Importa analisar a diferença entre direitos reais e direitos obrigacionais. Estes têm eficácia inter
partes, ou seja, o direito de exigir de outrem o cumprimento de uma prestação que só é válido entre
as partes contratantes. Já os direitos reais têm eficácia erga omnes, ou seja, o seu respeito impõe-se a
todos os sujeitos de Direito. Os direitos obrigacionais podem ser modelados pelos particulares,
estando a regulação dos seus interesses, em princípio, à sua disposição, de acordo com o princípio da
autonomia privada. Já aos direitos reais aplica-se o princípio da tipicidade, nos termos do qual não
podem ser criados direitos reais para além daqueles que a lei prevê.
1
poderes que aquela pessoa tem. Abrange, assim, relações que têm por objeto o
poder sobre determinada coisa, procedendo à ordenação dos bens em vida;
- o livro do Direito da Família: relações derivadas do casamento, do parentesco, da
afinidade e da adoção – vínculos muito mais marcadamente pessoais;
- o livro do Direito das Sucessões: versa sobre a transmissão de bens mortis causa. A
fonte de que emergem as relações sucessórias é a morte. Refere, assim, o complexo
de relações desenvolvidas em redor do fenómeno da atribuição por morte dos
direitos e vinculações pertencentes ao falecido.
2
privada do Estado encontra-se regulada no Código Civil, no livro do Direito das
Obrigações, existindo uma norma específica sobre responsabilidade civil do Estado
nos casos em que este provoca danos, mas não está a atuar com o seu poder de
imperium.
3
No Direito público prosseguem-se interesses públicos, de coletividade,
enquanto que no Direito privado prosseguem-se interesses privados, dos
particulares como tal.
A norma do Código Civil que, por exemplo, impõe ao devedor pagar ao
credor também tem o interesse público de que as leis sejam cumpridas. Assim,
aquilo que começa por ser um interesse público, é também um interesse privado 2.
Inversamente, as normas de Direito público pretendem também dar adequada
tutela a interesses dos particulares. Por exemplo, as normas que definem as
condições de promoção dos funcionários públicos têm em vista, para além do
interesse público do eficaz funcionamento dos serviços, uma proteção justa dos
legítimos interesses das pessoas singulares a que se dirigem. Acresce que todas as
normas, por cima dos interesses específicos e determinados que visam, miram um
fundamental interesse público – o da realização do Direito ou da segurança e da
retidão.
É um critério pouco nítido e a sua correção deu-se com o acrescento do
advérbio “predominantemente”. Ainda assim, é um critério impraticável, pois só nos
conduziria a respostas carecidas de certeza e, portanto, inaceitáveis.
2Um outro exemplo é o da norma que sujeita as vendas de imóveis a escritura pública como requisito
de validade do ato. Tem-se em vista com ela, além de defender as partes contra a sua ligeireza e
precipitação, realizar os interesses públicos da segurança do comércio jurídico, da prova fácil da
realização do ato, etc.
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No Direito público, temos uma relação vertical em que os sujeitos, de acordo
com a sua posição nas relações jurídicas, têm ius imperium. Este ramo do Direito é
integrado, portanto, pelas normas que estruturam o Estado e outras pessoas
coletivas dotadas de qualidades ou preorrogativas próprias do poder estadual ou
disciplinam as relações desses entes provados de ius imperium entre si e com os
particulares. Já no Direito privado, temos uma relação horizontal, em que cumpre
disciplinar as relações jurídicas em que os sujeitos se encontram em posição de
paridade ou igualdade, mesmo sendo o Estado ou outro ente público. Por outras
palavras, o Direito privado regula as relações jurídicas estabelecidas entre
particulares ou entre particulares e o Estado ou outros entes públicos, mas
intervindo estes em veste de particular, isto é, despidos de poder soberano. Por
exemplo, quando o Estado arrenda um prédio para instalar um serviço. Assim, nas
relações de Direito privado nenhum dos sujeitos possui ius imperium, mesmo que as
relações entre eles sejam desiguais.
No entanto, não se deve fazer uma divisão estanque, já que, por vezes, o
mesmo facto jurídico determina, simultaneamente, a aplicação de regras de Direito
público e de Direito privado, havendo uma área de interseção cada vez maior.
5
jurisdição competente, dado que existe uma jurisdição especial (tribunais
administrativos e fiscais) para a atividade de órgãos, agentes ou representantes do
Estado quando estes atuam sob essa veste.
A responsabilidade civil (a obrigação de indemnizar por prejuízos sofridos)
está sujeita a um regime diverso quando decorrente da atividade de órgãos, agentes
ou representantes do Estado, consoante os danos são causados no exercício de uma
atividade de gestão pública ou de uma atividade de gestão privada.
O Direito Civil é Direito privado, mas não é o único ramo de Direito privado.
Existem outros ramos que se autonomizaram historicamente: Direito comercial,
Direito do trabalho, Direito do consumo, Direito social, Direitos de autor.
O Direito Civil constitui o núcleo fundamental do Direito privado.
Historicamente, o Direito privado confunde-se com o Direito Civil, regendo este, sem
restrições, todas as relações jurídicas entre sujeitos privados. O desenvolvimento da
sociedade, no decurso dos séculos, fez surgir ou acentuou necessidades específicas
de determinados setores da vida dos homens. Daí que fossem surgindo regras
especiais para estes setores particulares. Dentro do Direito privado surgiram, assim,
por especialização relativamente às normas do Direito Civil, ramos autónomos de
Direito.
6
o Direito laboral: surge com a revolução industrial, sendo, como tal, muito mais
recente (século XIX). Corresponde à parte privada do Direito do trabalho,
existindo uma parte pública. O contrato de trabalho aparece previsto no
Código Civil no artigo 1152º, mas, no artigo seguinte, remete-se para
legislação especial. Enquanto que no Direito comercial temos apenas
legislação própria, no Direito laboral temos o Código do Trabalho, lei
processual própria e tribunais próprios.
7
São referidos, ainda, os usos, no artigo 3º, mas estes não são por si
vinculantes, carecendo de intermediação da lei, isto é, de força legal.
O artigo 4º permite aos tribunais a solução ex aequo et bono, isto é, a
equidade dos casos que lhes são presentes, mas com algumas limitações.
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A relação jurídica é utilizada nela como meio técnico de arrumação e
exposição do Direito, por se considerar esse conceito um quadro adequado para
exprimir a realidade social a que o ordenamento jurídico se aplica.
Tendo o Direito a pretensão de disciplinar os interesses contrapostos no
entrecruzar de atividades e interesses dos homens, são criados enlaces, nexos entre
os homens, nos termos dos quais a uns são reconhecidos poderes e a outros
impostas vinculações – precisamente essa relação entre os homens, traduzida em
poderes e vinculações, constitui a relação jurídica.
A relação jurídica é, portanto, um conceito operativo, que permite dividir e
estabelecer um método de compreensão do Direito Civil. É uma relação social
juridicamente relevante.
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atualmente isso já não acontece. O Direito da família é muito mais permeável a
alterações do que, por exemplo, o Direito das obrigações ou os direitos reais.
Seguidamente, o livro das sucessões abre com uma parte geral e depois
regulam-se diferentes tipos de sucessão: legítima (pode ser afastada pelo autor),
legitimária (é forçada, não pode ser afastada pelo autor, reserva parte do património
do titular da sucessão a certas sucessivas, a certas pessoas) e testamentária. Há
regras que não podem ser afastadas e outras que são regras supletivas e que podem
ser afastadas. Nos termos do artigo 2157º, a lei diz que há uma parte do património
que não pode ser afastada, chama-se legítima, não se pode mexer na legítima,
destina-se a cônjuges, descendentes e ascendentes. A lei estabelece um conjunto de
regras para a quota disponível que se chama sucessão legítima – regras supletivas
nos artigos 2131º e 2133º - ordem pela qual são chamados os herdeiros, sempre que
nada seja disposto em sentido contrário, regras que valem na eventualidade de não
haver herdeiro e não há uma vontade manifestada. O testamento vale para a quota
disponível. A solução voluntária pode ser contratual ou testamentária.
Temos um sistema externo do Código que não tem nada a ver com o sistema
do Código anterior. A antecipação de uma parte geral encontra-se nos vários livros,
mas não em todos. Há quem critique esta sistematização, nomeadamente pelo
caráter incompleto desta classificação. Há partes muito importantes do Direito Civil
sem sede própria, como é o caso dos direitos de personalidade. Também a
despersonalização que esta classificação comporta, contrariamente ao outro Código
que continha uma perspetiva antropocêntrica. Finalmente, critica-se a incoerência, a
utilização de conceitos indeterminados e cláusulas gerais3 e a utilização de uma
linguagem demasiado técnica.
Não podemos confundir este sistema externo, este plano de exposição das
normas de Direito Civil, com o sistema interno, os princípios que norteiam o Direito
Civil. Se temos um determinado direito previsto no livro das obrigações, não é só por
isso que o vamos classificar como um direito obrigacional. Não é a sistemática que
nos dá a função, temos de analisar a natureza do direito para além do local onde ele
está contido. A sistematização não é determinante para as funções do direito.
Assim, por sistema interno entende-se a totalidade conexionada dos seus
princípios e pensamentos fundamentais, ou seja, exprime as conexões que entre as
matérias se estabelecem.
As alterações de 1977
3 Em termos de técnica legislativa, o legislador adota os conceitos gerais e abstratos – conceitos fixos
conjugados com parâmetros de definição bem claros, sendo o trabalho do intérprete compatibilizar
as situações reais a estes parâmetros. As cláusulas gerais são standards jurídicos, padrões pelos quais
aferimos determinada conduta, como a boa fé ou os bons costumes. Os conceitos indeterminados já
não são critérios de valoração, mas conceitos que carecem de preenchimento valorativo em cada
situação concreta.
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O Código Civil de 1966 continha uma série de regras que estavam em conflito
direto com a Constituição de 1976. Quando esta surgiu, provocou uma revolução no
Direito Civil e o Código foi alterado em 1977.
O artigo 36º da CRP provocou alterações profundas no Código Civil, porque
neste o homem era considerado superior à mulher e os filhos concebidos fora do
casamento não eram considerados iguais aos concebidos dentro do casamento.
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Temos dois institutos próprios do Direito Civil que nos permitem assegurar a
efetividade de dois direitos constitucionais.
A nulidade decorre da contrariedade a uma norma do Código Civil, não é na
CRP que se encontra a solução, qualquer alusão à nulidade ou à responsabilidade
civil encontra-se apenas no Código Civil.
Na nulidade, o artigo 280º constitui uma cláusula geral em matéria de
requisitos do objeto dos negócios. Em termos de responsabilidade civil, tê-la-íamos
através de uma outra cláusula geral, prevista no artigo 70º.
12
O reconhecimento da pessoa e dos direitos de personalidade
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Além desta, temos ainda um dever geral de auxílio (relação proactiva de manter a
titularidade do direito), isto é, um dever de auxiliar na manutenção do direito.
Novas coordenadas têm surgido no contexto deste princípio, concretamente
a questão dos animais e dos seus “direitos”. Na verdade, não são titulares de direitos
por não terem personalidade. Outro exemplo é a questão das e-persons, a
possibilidade de reconhecimento de uma personalidade instrumental atribuída a
inteligências artificiais. Assim, podemos concluir que o conceito de personalidade é
dinâmico.
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- unilateral: composto apenas por uma declaração de vontade ou composto por mais
do que uma, mas todas no mesmo sentido, por exemplo, um testamento, um ato de
instituição de uma fundação, uma revogação de um contrato. Assim, a pluralidade
de declarações não invalida a unilateralidade do negócio;
- bilateral ou contrato: composto por duas ou mais declarações de vontade em
sentido contrário, mas convergentes, convergem num resultado que é pretendido
por ambas as partes, tendem à produção de um resultado jurídico unitário, por
exemplo, um contrato de compra e venda. Só há contrato quando uma parte
formula e comunica uma declaração de vontade (proposta) e a outra manifesta a sua
anuência (aceitação).
Dentro do negócio jurídico bilateral, podemos distinguir, quanto às
obrigações assumidas pelas partes:
- bilateral: para ambas as partes;
- unilateral: para uma das partes.
Assim, concluímos que a noção de negócio jurídico é mais abrangente do que
a de contrato.
A autonomia privada tem a sua manifestação mais expressiva nos negócios
jurídicos bilaterais/contratos, enquanto liberdade contratual. A sua consagração tem
lugar no artigo 405º. A autonomia da vontade encontra, nesse domínio dos
contratos obrigacionais, a sua mais ampla dimensão. Uma vez celebrado um
contrato, este só pode ser modificado havendo mútuo consentimento – pacta sunt
servanda (artigo 406º).
Quanto aos negócios jurídicos unilaterais, a autonomia da vontade não está
excluída, mas sofre restrições muito acentuadas. Nos termos do artigo 457º, a
vinculação através de um negócio unilateral é uma vinculação taxativa, isto é, só nas
situações tipificadas na lei é que é obrigatória (princípio da taxatividade e
tipicidade). No caso dos negócios bilaterais, as partes podem celebrar contratos
diferentes dos previstos no Código ou incluir neles as cláusulas que lhes aprouver,
mas nos negócios unilaterais isto não acontece. No entanto, nos casos em que a lei
atribui eficácia vinculativa a um negócio unilateral (por exemplo a promessa pública
do artigo 459º), a parte respetiva tem o poder de fixar livremente o conteúdo da
promessa e, nessa medida, reaparece a autonomia da vontade. Quanto aos negócios
unilaterais modificativos ou extintivos de relações jurídicas, vigora também o
princípio da tipicidade. Toda a relação jurídica, ligando dois ou mais sujeitos, não
pode ser extinta ou modificada por atuação unilateral de um deles, a não ser que a
lei, fundada em valorações de justiça e conveniência, tenha consagrado essa
possibilidade e nos termos em que a consagrou. O negócio unilateral produz sempre
efeitos (porventura favoráveis) na esfera de terceiros, devendo assumir, portanto, as
modalidades que a lei julgou oportuno admitir.
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Assim, dentro do princípio da liberdade contratual, distinguimos duas
modalidades:
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atípicos, são algo de novo que não estava previsto na lei, conjugam dois ou mais
contratos diferentes.
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liberdade contratual, já que a conduta das partes contratuais se deve pautar pelo
princípio da boa fé.
Há determinados contratos, contratos normativos, que se impõem
necessariamente, mesmo contra a vontade dos sujeitos, contratos que dizem
respeito a determinadas categorias económicas ou profissionais e que têm um
conteúdo genérico que se impõe, como as convenções coletivas de trabalho.
Também temos limites de duração dos contratos (artigo 1025º quanto ao
contrato de locação), e normas de caráter imperativo (artigo 1146º quanto ao
empréstimo de dinheiro, estabelecendo taxas máximas de juros).
Temos, ainda, a proibição de determinados contratos serem sujeitos a
condições ou a termo. O casamento é um negócio incondicionável, ou seja, a lei não
permite uma condição, nem termo.
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Este Decreto-Lei também se aplica a contratos individualizados, para um
único destinatário, mas esse também não dispõe da possibilidade de os alterar –
artigo 1º número 2.
Principais características:
Pré-formulação
Generalização Artigo 1º número 1 do DL
Imodificabilidade
5A não adoção do ónus não corresponde a uma sanção, não é antijurídico, no caso de um dever sim.
Só adotando aquele comportamento do ónus é que obtém, contudo, a vantagem pretendida.
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absolutamente proibidas (artigo 21º) e cláusulas relativamente proibidas (artigo
22º), acrescentando-se-lhes os artigos 18º a 20º.
Pode haver cláusulas não elencadas nestas listas e que o tribunal considera
proibidas por violação do princípio da boa fé, estas listas são exemplificativas e não
taxativas.
- normas processuais:
- controlo incidental:
Consiste na apreciação da validade das cláusulas gerais contratuais no
contexto de um conflito concreto instalado entre um predisponente e um aderente.
A nulidade é de conhecimento oficioso – um juiz, quando verifica a existência de
nulidade, tem poderes para vir dizer que existe, não tem de ser levado pelas partes.
Esta sentença de nulidade apenas vale para aquele contrato. O alcance da sentença
é apenas relativo ao contrato em concreto que o problema foi levantado.
- controlo abstrato:
Consiste na ação inibitória – artigo 25º. É proposta contra uma entidade ou
um conjunto de entidades que utiliza a cláusula. É uma ação com caráter coletivo,
com eficácia ultra partes (a cláusula é nula em todos os contratos em que já foi
utilizada e nos contratos futuros, e as entidades são condenadas a não poder usar
nem invocar a cláusula, é uma eficácia muito mais abrangente) e as pessoas que têm
legitimidade para a propor são as associações de defesa ao consumidor, associações
profissionais e o Ministério Público.
No artigo 26º, tem de ser acrescentado o que é referido no artigo 13º da Lei da
Defesa do Consumidor (Lei nº 24/96, de 31 de julho) – o consumidor tem sempre
legitimidade ativa para ações inibitórias.
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sem pré-aviso adequado, a proibição de cobrança de consumos mínimos e o direito
à faturação pormenorizada. É, assim, uma outra lei que vem corrigir desequilíbrios
fácticos.
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o dano verificado. Deverá o prejuízo ficar a cargo da pessoa em cuja esfera jurídica
ele foi produzido ou deverá, antes, impor-se a obrigação do seu ressarcimento à
pessoa cujo comportamento provocou uma lesão na esfera de outrem? Quando a lei
impõe ao autor de certos factos a obrigação de reparar os danos causados a outrem,
depara-se-nos a figura da responsabilidade civil, que atua, portanto, através do
surgimento da obrigação de indemnização.
É um instituto que tem como função colocar o lesado na posição em que
estaria se não sofresse o dano, tem em vista tornar indemne, sem dano. Visa,
portanto, restituir a normalidade jurídica. A regra base encontra-se prevista nos
artigos 483º e 562º do CC. A reconstituição natural muitas vezes não é possível, ou
não é suficiente, ou é excessivamente morosa e a lei prevê uma segunda hipótese: a
indemnização em dinheiro (artigo 566º) – restituição ou execução por equivalente.
Embora esta seja a exceção e não a regra, é a mais frequente na prática.
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Pode não ser uma adesão do sujeito ao facto querida, mas não deixa de ser
voluntária, na medida em que o resultado do facto poderia ter sido evitado.
Ilicitude:
O facto tem de ser ilícito, contrário à ordem jurídica (artigo 483º). Deve ser
violador de direitos subjetivos ou interesses alheios tutelados por uma disposição
legal.
Culpa:
E temos de ter, em regra, culpa. Mas o que é a culpa? É um juízo de censura e
reprovação relativamente à conduta do autor da lesão. Aquele que provocou a lesão
podia e devia ter agido de outra forma, se não o fez, atuou culposamente. Este
apuramento é difícil, pois sindicamos algo que se passa no domínio da subjetividade
de outrem. Este procedimento torna-se, então, um pouco obscuro.
A lei distingue diferentes graus de culpa:
- dolo: modalidade mais grave de culpa, onde o juízo de censura é maior, a conduta
do agente é mais censurável pois há uma ligação mais estreita entre o facto e a
vontade. A culpa, nesta modalidade, traduz-se numa reprovação ou censura da
conduta desrespeitadora da existência de uma intenção de causar um dano violando
uma proibição;
- dolo direto: o agente representa, na sua mente, o resultado da conduta e
quer que o efeito se produza, havendo uma adesão completa ao resultado. Por
exemplo, um agente incendeia uma casa com intenção de assassinar quem lá estava;
- dolo necessário: o agente prevê que o facto aconteça necessariamente por
causa da conduta que vai tomar. Quer outro resultado, mas sabe que o resultado
ilícito se vai necessariamente produzir. Por exemplo, o agente não quer matar o
ocupante, quer, pois, destruir a casa, mas lança o fogo mesmo sabendo que vai
matar o ocupante, por ser um mal necessário para completar a conduta;
- dolo eventual: o agente prevê o facto ilícito como um efeito da sua conduta,
mas tem menor adesão ao seu resultado. Por exemplo, o indivíduo quer incendiar a
casa, mas não sabe que estão pessoas lá dentro, a morte do ocupante é um efeito
eventual/possível. Há, assim, indiferença do agente quanto às consequências;
- negligência ou mera culpa: o agente limita-se a omitir um comportamento diligente
que lhe era exigível, não atuou com o cuidado que deveria, o grau de reprovação da
conduta do agente é menor, há uma mais ténue ligação entre a vontade e o facto. É
a omissão dos deveres de cuidado, diligência ou perícia exigíveis para evitar o dano.
Não há adesão ao resultado;
- negligência consciente: o agente prevê a produção do facto ilícito como
possível, mas acredita que ele não se vai verificar;
- negligência inconsciente: o agente nem sequer concebe a possibilidade de o
facto se verificar, não há representação mental prévia das consequências do ato.
Não é irrelevante o grau de culpa para efeitos de averiguação da
indemnização.
Dano:
É o primeiro a ser visto e sem ele não é possível averiguar a existência dos
demais pressupostos, sendo que é produzido pelo facto. Para a existência de uma
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indemnização, é necessária a existência de um dano, de uma perda. A lesão é o
interesse jurídico tutelado e pode assumir as mais diferentes formas (destruição,
subtração, deterioração de um bem, ferimento, afetação do bom nome, etc.). Por
isso, distinguem-se os danos patrimoniais e não patrimoniais:
- danos patrimoniais: reflexo que o dano patrimonial tem no património do lesado;
- danos não patrimoniais/morais: o bem jurídico atingido é um bem não patrimonial,
todos os danos que incidam sobre a personalidade.
Nexo de causalidade:
É preciso um nexo de causalidade entre o facto e o dano.
o Responsabilidade subjetiva
o Responsabilidade objetiva
6 É fruto da Revolução Industrial: havia acidentes com máquinas, por exemplo, e como não havia
Estado social, as pessoas não tinham meios de subsistência. Não podiam socorrer-se da
responsabilidade civil, pois não havia efetivamente culpa. Começou a falar-se da necessidade de
indemnizar devido ao risco: quem colhia os benefícios daquela atividade devia assumir o risco da
utilização dos equipamentos.
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Excecionalmente, a lei prevê situações em que alguém atua licitamente e,
ainda, assim, causando danos, irá responder por esses danos – responsabilidade por
factos lícitos. Há uma ponderação de interesses entre quem atua licitamente e o
interesse do lesado (exemplos: artigos 229º nº 1, 1347º nº 2 e 3, 1349º e 1367º).
Distinguem-se ainda:
- responsabilidade extracontratual: funda-se no artigo 483º;
- responsabilidade contratual: emerge da falta de cumprimento das obrigações,
nomeadamente dos contratos ou dos negócios unilaterais. Consta do regime
plasmado nos artigos 798º e seguintes.
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A relação jurídica civil, enquanto relação humana concreta que solicita a
disciplina civilística ou que é objeto da disciplina civilística, é a relação que
juridicamente se funda no poder que se reconhece a qualquer indivíduo de gerir
autonomamente a sua esfera de interesses sob a sanção do ordenamento jurídico
em vigor, dado que acata ou incorpora o controlo do Direito.
A ideia básica é a de que a relação jurídica civil se funda numa composição
paritária de interesses e, por conseguinte, no poder de autodeterminação do
indivíduo – no poder de o indivíduo como que criar a sua lei, no poder jurisgénico
(criador de Direito) da pessoa comum.
Assim, a relação jurídica civil é a relação que juridicamente se funda no poder
de autodeterminação do indivíduo, quer dizer, que nele se funda enquanto relação
jurídica, que nele se funda a sua juricidade.
Relação jurídica e situação jurídica são duas faces da uma mesma moeda.
Cada relação pressupõe várias posições.
Podemos distinguir:
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- relações jurídicas abstratas: considera-se a expressão relação jurídica com
referência a um modelo, paradigma ou esquema contido na lei, por exemplo, um
contrato de compra e venda. Por outras palavras, é uma relação jurídica hipotética,
não existe na realidade, um modelo, decorre da celebração de um contrato;
- relações jurídicas concretas: considera-se a expressão com referência a uma
relação jurídica existente na realidade, entre pessoas determinadas, sobre um
objeto determinado, e procedendo de um facto jurídico determinado, por exemplo,
a hipótese em que A compra a B, pois já é uma realidade jurídica existente e
individualizada.
Critério funcional:
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- facto jurídico: incide a partir de uma causa. O elemento causal da relação jurídica é
aquele que dá origem à relação jurídica – o facto jurídico. Pode ser um contrato, por
exemplo;
- garantia: em grande medida, é possibilitada pela responsabilidade civil. A relação é
jurídica porque existe uma garantia. Para que o poder jurídico que é atribuído ao
sujeito ativo se imponha relativamente ao sujeito passivo, é necessário que a ordem
jurídica ponha à disposição do sujeito ativo meios coercitivos, para que ele possa
exercer o seu poder. Por exemplo, a possibilidade de recurso a tribunais.
Existe um vínculo entre os sujeitos ativo e passivo, a figura que está no cerne
da relação jurídica – o direito subjetivo. O exercício deste direito é posto na
dependência do seu titular. Nessa perspetiva, é um instrumento de
autodeterminação do sujeito, instrumento de autonomia privada. É um poder que é
reconhecido a alguém, está na disponibilidade do seu titular, é ele quem escolhe se
exerce ou não esse poder.
O exercício do direito é um ato de autonomia, é uma opção do titular. A
norma que atribui o direito subjetivo é apropriada pelo seu titular, estando na sua
disponibilidade utilizá-la ou não.
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determinados efeitos jurídicos que inevitavelmente se impõem a outra pessoa
(contraparte),
Temos várias posições adotadas pela doutrina quanto à definição de direito
subjetivo:
- o direito como poder: a conceção defendida;
- o direito como interesse juridicamente tutelado: a teoria de Ihering.
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Direito subjetivo strictu sensu ou direito subjetivo propriamente dito:
Direito potestativo:
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encontra previsto para as obrigações naturais. Que hipóteses são estas do artigo
404º? Uma delas é bastante importante – prestação prescrita.
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funcionam como limite à liberdade de cada um e valem como lei, na medida em que
não sejam derrogados pela própria lei. A atuação contrária aos bons costumes
funciona como um limite à liberdade de cada um e conduz sempre à nulidade dos
atos praticados – irrelevância do exercício do direito (artigo 280º nº 2).
Num terceiro patamar, aparece-nos o abuso de direito – já estamos num
plano diferente, aquilo que todos concordam ser o último patamar, a última ratio, a
válvula de escape do sistema. Está em causa a imagem estruturalmente correta do
direito e a missão que lhe foi funcionalmente atribuída. Temos de fazer apelo à
perspetiva funcional da relação jurídica que apela ao plano dos interesses e não nos
podemos ficar na perspetiva estrutural, aquela que já pressupunha a integração do
Direito e que fazia prevalecer os interesses de um em relação a outro através do
reconhecimento de um direito subjetivo. Na origem, o direito subjetivo é
reconhecido porque se entendeu fazer prevalecer o interesse de alguém. Mas, no
seu exercício, não há uma fiscalização quanto aos interesses que são prosseguidos,
até porque tal não seria possível. Numa situação limite, alguém que exerça o direito
subjetivo sem em qualquer momento tender fazer valer os interesses que estiveram
na sua origem e, com isso, nega interesses de outrem causando danos, a questão
torna-se relevante – exercício do direito sem que haja o interesse subjacente e com
isso se prejudiquem os interesses de outrem potenciando danos. Muitas vezes, a
atribuição de um direito subjetivo nega os interesses de outrem, isso é inerente e,
nessas hipóteses, a questão está na essência do próprio direito subjetivo e aí não há
abuso de direito. Esta ideia de abuso é utilizada numa perspetiva ética e não é
admissível.
O direito potestativo
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Recordando, numa perspetiva estrutural do direito subjetivo e posições
jurídicas ativas e passivas, o direito subjetivo em sentido amplo constitui um poder
de exigir ou pretender de outrem um comportamento positivo ou negativo, por um
lado, e, por outro, o direito de só de per si constituir um ato de autoridade que pode
produzir efeitos jurídicos.
A um direito subjetivo opõe-se um dever jurídico, um comportamento
positivo ou negativo exigido ao sujeito passivo de uma relação jurídica que tem na
posição ativa um titular de um direito subjetivo em sentido estrito. A um direito
potestativo contrapõe-se uma sujeição.
Constitutivos
Modificativos
Extintivos
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exemplos, a resolução de contrato, no artigo 1083º, a possibilidade de denúncia do
contrato, no artigo 1101º e a extinção da servidão legal de passagem, no artigo
1569º.
Tudo isto através de um ato unilateral do titular do direito e sem que haja reação
possível do sujeito passivo que se encontra na posição de sujeição. A contraparte
encontra-se num estado de sujeição, o sujeito passivo assiste ao exercício do direito
sem que possa obstar aos seus efeitos.
Consistem numa posição jurídica ativa que integra também uma posição
jurídica passiva que alguns equiparam aos poderes discricionários da administração
pública e consideram que já não estariam perante direitos subjetivos.
A posição a adotar vai no sentido de que estes poderes ainda cabem
estruturalmente dentro do direito subjetivo, são hipóteses de direito subjetivo.
São situações ou posições jurídicas em que a alguém é atribuído um poder,
mas esse poder não corresponde a um interesse próprio. A concessão do poder
justifica-se porque ele tem que ser exercido no interesse alheio. Há uma
funcionalização do poder ao interesse de outrem.
São posições jurídicas, por exemplo, as responsabilidades parentais ou poder
parental (artigos 1877º e 1878º). Trata-se de um poder conferido a alguém para
tutelar os interesses de outra pessoa. A especialidade destes poderes face aos
direitos subjetivos, em regra, é que temos a intermediação de alguém entre o poder
e o interesse. O poder jurídico que é aqui conferido para a tutela de um interesse
não existe na titularidade do interessado, mas na titularidade de outra pessoa.
Normalmente, o titular de um direito subjetivo será a pessoa a quem esse poder foi
reconhecido. Nestes poderes-deveres, o titular do poder jurídico não é a pessoa em
cujo interesse o poder vai ser exercido, o interessado é outro. O direito é
reconhecido a uma pessoa diferente daquela que é o interessado no seu exercício.
Exerce o poder para a proteção dos interesses de outra pessoa. No fundo, não há
uma separação radical, porque os interesses daquele a favor de quem o poder é
exercido são simultaneamente os interesses do titular do direito. O pai exerce os
seus direitos que a lei lhe confere enquanto pai pelo interesse do filho, mas pelo
interesse do pai, pois há interesse do pai no interesse do filho. Há uma conjugação
de interesses. O titular ainda está a gerir os seus interesses.
Temos, como exemplos, no Código Civil, os artigos 89º (poderes de
administração legal na ausência) e 154º (poderes de administração na inabilitação,
versão anterior do CC).
Faculdades e expectativas
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se desdobra o poder de autodeterminação, permitem a alguém tornar-se sujeito de
uma determinada relação jurídica. Podemos distinguir:
- faculdades jurídicas primárias: faculdades, poderes anteriores a uma relação
jurídica e, no fundo, são emanações do poder de autodeterminação, emanações da
própria personalidade do indivíduo, por exemplo, o poder de casar. Antecedem a
efetiva relação jurídica, sendo, como tal, faculdades inerentes ao estatuto do sujeito
de direito, mas que não têm potenciação numa concreta relação jurídica. O sujeito
tem o poder mesmo antes de o efetivar numa concreta relação jurídica;
- faculdades jurídicas secundárias: contrapõem-se ao direito subjetivo na medida em
que são poderes que decorrem desse direito subjetivo, são desdobramentos desse
direito subjetivo. Por mais simples que seja a posição jurídica positiva de um sujeito,
essa posição encerrará sempre um conjunto de poderes, nomeadamente, o titular
do direito de crédito (direito subjetivo) encerra o poder de interpelar o outro para
cumprir (artigo 805º), o poder de exigir juros de mora pelo não cumprimento
monetário, o poder de exigir judicialmente o cumprimento, o poder de requerer a
execução específica – encerra um feixe de poderes e a esse conjunto de poderes
chamamos faculdades jurídicas secundárias, pressupondo a existência de um direito
subjetivo.
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sujeito, falta verificar-se a condição. Outros entendem que temos o direito formado
completo, só falta um titular, isto é, falta-lhe o sujeito. Por exemplo, a posição
jurídica do nascituro, que é aquele que já está concebido, mas ainda não nasceu.
Havendo uma doação ao nascituro, ela só se concretizará com o seu nascimento,
assim que haja direito de propriedade. O certo é que as expectativas não são direitos
subjetivos, embora se associem aos mesmos.
Esta distinção é criticada pela doutrina. Quando se diz que se impõem erga
omnes, qual é verdadeiramente o grupo de pessoas a que se impõem? Enquanto
titular do direito de propriedade, este impõe-se a quem, quem são os sujeitos
passivos? Todos aqueles que estivessem numa situação de perturbar a propriedade
estão obrigados a um comportamento omissivo. E quem são estas pessoas?
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o disponíveis: possibilidade de o sujeito se desligar do direito, existe
possibilidade de transferência. Por regra, os direitos patrimoniais são
disponíveis;
o indisponíveis: impossibilidade o sujeito se desligar do direito. Por regra, os
direitos pessoais são indisponíveis.
Ónus
O sujeito sobre quem recai o ónus, enquanto posição jurídica passiva, poderá
adotar ou não o comportamento, sendo certo que, só adotando determinado
comportamento, é que tem as vantagens associadas. Traduz-se na necessidade de
adotar um comportamento com vista à satisfação de um determinado interesse. A
não adoção do comportamento não é um ilícito, ao contrário do dever jurídico. As
consequências não têm caráter de uma sanção. Se o onerado não adotar o
comportamento, deixa simplesmente de poder usufruir de um benefício.
A sua concretização mais conhecida é o ónus da prova (artigo 342º). Caso não
adote certo comportamento, consideram-se provados os factos contrários à sua
invocação, deixa de obter uma vantagem que é a prova.
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- direitos subjetivos em sentido estrito:
- direitos de personalidade: direitos da pessoa sobre si própria. Têm a
particularidade de serem direitos absolutos, mas, para além disso, têm
associado uma atividade proactiva. Dada a relevância dos bens jurídicos em
causa na tutela da personalidade, o Direito não se basta com o dever geral de
abstenção – exige, por vezes, prestações ativas, como é o caso do dever geral
de auxílio;
- direitos de crédito: direitos que se traduzem na necessidade de adotar um
determinado comportamento positivo ou negativo, que é o cumprimento de
uma prestação, só se impõem a certas e determinadas pessoas;
- direitos reais: poderes diretos e imediatos sobre uma coisa. Não carecem da
mediação de ninguém para que o titular possa tirar benefício do objeto.
Podem ser de gozo, de aquisição ou de garantia;
- direitos sobre a pessoa de outrem: o objeto do direito é uma outra pessoa,
situações excecionais que a lei prevê, concretamente nas responsabilidades
parentais – artigos 1887º e 1935º.
38
o instantâneas: esgotam-se ao fim de um determinado período temporal;
o duradouras: prolongam-se no tempo;
Relação de acessoriedade
Relação de pertinência
Quando temos uma convergência entre relações jurídicas num mesmo ponto
comum, que pode ser, por exemplo, um sujeito – esfera jurídica. Esta é a forma mais
ampla de combinação de pertinência que pode existir e todos os sujeitos têm uma
esfera jurídica.
Outra forma de pertinência é o património, que não é um conjunto de bens,
é antes uma sub-esfera da esfera jurídica, é um conjunto de relações de caráter
patrimonial de que um sujeito é titular. O património ilíquido é apenas o património
ativo do sujeito. O património líquido será as posições ativas menos as passivas, e o
património autónomo ou separado corresponderá aos patrimónios separados. No
património separado temos o mesmo sujeito de direitos e mais de um património,
enquanto que no património autónomo dá-se a criação de mais de um sujeito de
direitos, cada um com o seu património próprio e autónomo.
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dos direitos de personalidade. Assim, a constituição de direitos é o surgimento do
direito em questão, pela primeira vez, na ordem jurídica.
Já a aquisição de direitos trata-se de direitos que já existiam na ordem
jurídica, nomeadamente de outro titular, e que se transferem para um novo sujeito.
Aquisição originária:
Aquisição derivada:
O direito adquirido filia-se no direito anterior, mas não é tão amplo quanto
ele. O direito adquirido tem um conteúdo diferente e absorvível pelo direito
anterior. O direito adquirido surge ex novo, é constituído, mas é constituído a partir
da existência de um direito anterior.
Temos, como exemplo, o usufruto, que é um direito real de gozo, em que o
usufrutuário tem o direito real de usar a coisa durante determinado período de
tempo, mas não é proprietário da mesma – artigo 1439º. O conjunto de poderes que
o usufrutuário adquire pertenciam anteriormente ao proprietário. O conteúdo do
usufruto já existia dentro do direito de propriedade, sendo que este vai ser
comprimido, dando origem ao fenómeno comum de direitos reais limitados.
Também é exemplo o contrato de subarrendamento, previsto no artigo 1060º.
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Aquisição derivada translativa:
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do trato sucessivo, em que tem de haver um registo sucessivo, só se consegue
registar se o anterior titular tiver registado esses bens em seu nome. Só pode fazer
uma inscrição subsequente se houver uma inscrição antecedente. Terá de haver uma
transparência de registo, em que B só consegue registar esse bem em seu nome, se
A o tiver registado anteriormente em seu nome – artigo 34º do CRPr.
O registo não é, assim, um meio de aquisição do direito, uma vez que, por
exemplo, se A vende a B um imóvel e se B não o registar, ele não tem o seu direito
invalidado por causa disso. O registo é apenas um ónus do adquirente, não é um
requisito de validade do direito, apenas dá publicidade e conhecimento a esse
direito, permitindo ao adquirente beneficiar de alguns benefícios por via desse
registo. Isto quer dizer que temos um sistema de registo declarativo, uma vez que o
registo não é uma condição de validade, nem é uma formalidade – é um
averbamento subsequente à transmissão do bem. É uma mera condição de eficácia
da aquisição face a terceiros. Não obstante, temos pequenas exceções à natureza
deste registo declarativo, como na hipoteca em que o regime é constitutivo.
Mas qual a importância do registo para o afastamento do princípio nemo plus
iuris? Para os casos em que temos terceiros para efeitos de registo, sujeitos que
recebem direitos total ou parcialmente incompatíveis ou conflituantes sobre o
mesmo objeto. Por exemplo, A vende o mesmo prédio a B e depois a C. Segundo o
princípio nemo plus iuris, B é o possuidor do bem imóvel, pois foi quem adquiriu
primeiro. Assim, as coisas alteram-se ou podem ser alteradas por efeito do registo,
porque se A vende a B e este não regista, ele não pode opor o seu direito a terceiros
e, se C vai registar, ele adquire na aquisição uma proteção, podendo opor a B, sendo
que, embora C veja prevalecer a sua aquisição, B tem o direito a ser indemnizado
pela decadência do seu direito. Estes casos de desvio à regra só se verificam se o
único vício for de que o padecer de transmissão for a ilegitimidade do transmitente.
Se houver outros vícios, como o caso em que o próprio vendedor é alvo de alguma
ilegalidade, já se analisa outro vício na aquisição.
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regime de aquisições, sendo que o que se regista não são bens, mas sim a mudança
da titularidade dos bens.
Suponhamos agora que este negócio, para além de ser nulo por ser uma
venda de bens alheios, era nulo por outra razão que conduza à nulidade. Assim, não
é indiferente entre A e C, porque não é indiferente a validade substancial, já que
esse negócio, se for suscetível de vícios, o registo predial não apagará esses mesmos
vícios. Se for um vício de forma, não há registo; se for um vício de titularidade em
que não houve registo no caso de B, C consegue registar.
Vejamos outro exemplo, em que A vende a B, que não regista. A morreu e o
seu herdeiro vai à conservatória e no processo normal de sucessão pede o registo
em seu nome dos bens que estavam em nome do pai. Adquire o terreno de B, sendo
que as transmissões não se adquirem em bens por sucessão, só apenas por efeitos
mortis causa e em função do registo, uma vez que o pai em vida não pôde transmitir
por não ser proprietário, sendo que C só adquire o terreno por via do registo em
efeito de sucessão hereditária. O direito de B extingue-se por decadência pela
superveniência de um direito incompatível, sendo que quem adquire o direito de
propriedade por registo é C.
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perspetivada em sentido subjetivo, correspondendo a um estado psicológico do
sujeito. Não tem a ver com atuar lealmente ou corretamente, mas sim com aquilo
que o terceiro conhece ou desconhece – artigo 243º nº 2. É feita, no nº 3 do mesmo
artigo, uma presunção iure et de iure relativamente à má fé.
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Modificação e extinção de direitos
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o concentração: fenómeno inverso da multiplicação, a obrigação que recai
sobre vários devedores passa a concentrar-se num único devedor, dá-se a
consolidação de esferas jurídicas.
o Quiescência:
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Quando a relação já funcionou, já produziu os seus efeitos, mas, por qualquer
obstáculo, deixa de ter um funcionamento normal, como se hibernasse ou estivesse
adormecida.
o Revivescência:
Quando a relação torna a viver, deixando de haver o obstáculo à produção
dos efeitos normais da relação jurídica.
A garantia
A tutela privada de direitos
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O problema dos direitos sem sujeito (referência)
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Direito dá à pessoa deverá cobrir todo esse potencial. O Código Civil opta, no artigo
70º, por uma cláusula geral de proteção e rejeita um numerus clausus.
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Depois o filho, através dos pais (problema de representação), diz que não deveria ter
nascido, pois a vida surge como um dano – problema ético.
Quer a vida, quer a morte estão sujeitas a registo civil obrigatório – artigo 1º
do Código do Registo Civil. O registo de óbito compete às entidades previstas no
artigo 193º do mesmo diploma, sendo uma obrigação que a lei impõe. O registo não
pode ser feito sem o certificado de óbito – artigo 194º.
Pode haver casos em que o cadáver seja desconhecido e devem ser
recolhidos o máximo de elementos que o permitam identificar – artigo 202º. Em
indícios de morte violenta, suspeita de crime e ignorância da causa de morte, o
funcionário do registo civil não deverá lavrar o assento de óbito e deverá comunicar
o caso às autoridades.
A presunção de comoriência
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Por exemplo, A e B, pai e filho, morrem num desastre de carro. Se A fosse o
primeiro a falecer, o fenómeno sucessório ocorria no sentido de A para B; se fosse B,
o herdeiro seria C, por força da sucessão legitimária.
O desaparecimento
Os direitos de personalidade
51
O direito geral de personalidade
Direito à vida:
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terminal. Aqui a lei prevê possibilidades de diretivas antecipadas, mas proíbe
qualquer auxílio ao suicídio ou homicídio a pedido da vítima.
Em caso de lesão do direito à vida, a lei prevê a sua compensação por danos
não patrimoniais – artigo 496º do CC. São os sucessores que acionam os meios de
reparação. Este artigo abrange os danos não patrimoniais sofridos pelo próprio
lesado e por aqueles que conviviam com a vítima (danos não patrimoniais laterais).
Direito à liberdade:
- Projeção física:
o Direito à imagem
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A imagem de alguém é qualquer aspeto identificativo da pessoa. A imagem é
violada sem haver captação, pode haver imitação da pessoa – violação indireta,
neste caso, não temos captação de imagem, mas temos divulgação. Naqueles casos
em que esteja em causa uma manipulação da imagem, teremos uma violação
simultânea do direito à imagem e do direito à verdade.
Há a possibilidade de limitação do direito à imagem enquanto objeto de
contrato, como no caso das modelos. Para além do consentimento do titular, o
artigo prevê uma série de hipóteses de justificação de violação do direito. Podemos
agrupar estas situações em razões de caráter objetivo e subjetivo. Quando a lei se
refere a finalidades de justiça, temos que ter em conta que não é possível antes de
haver uma pronúncia criminal e, mesmo depois, não se admite a divulgação de
imagem se não estiverem em causa interesses de justiça e que a sua divulgação seja
a única forma de prosseguir estes interesses de justiça.
A referência à honra no nº 3 do mesmo artigo permite-nos retirar a seguinte
conclusão: neste confronto do direito à imagem e suas limitações e a honra, o
legislador parece dizer que a honra se sobrepõe aos limites e às próprias hipóteses
do consentimento do titular. O direito à honra não é disponível e surge, assim, como
limite à própria autodeterminação do titular.
Os pais têm responsabilidades parentais e são as pessoas a quem cabe ajuizar
o melhor interesse dos seus filhos, mas a divulgação das fotos das crianças tem sido
objeto de discussão. Será que esta exposição dos menores à internet é benéfica? A
proteção dos dados pessoais está também associada a isto. Tem sido entendido pela
jurisprudência que a exposição dos menores, salvo circunstâncias excecionais, não
corresponde ao seu melhor interesse e, por isso, os pais não têm o direito de
proceder à publicação de imagens nas redes sociais.
o Direito à palavra
- Projeção vital:
o Direito ao caráter
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assumem meios que antes não eram conhecidos. Assistimos hoje a avaliações de
caráter não autorizadas, por exemplo, com base no comportamento online.
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É o direito de administrar a verdade. A pessoa não pode ser objeto de testes
de deteção de mentira sem o seu consentimento. É um direito à liberdade negativa
relativamente aos aspetos confidenciais da pessoa.
- Projeção moral:
o Direito à honra
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Direito à identificação da pessoa, para que esta não seja confundida com
outra. É um direito inato, pois todos nascem com ele. Na atribuição do nome, a
pessoa passa a ter o direito ao nome, esse direito já não é inato. Abrange:
- o direito ao nome: direito adquirido, dependente do registo civil, sendo que a lei
permite a homonímia porque o nome é composto por elementos que advêm da
identificação pessoal e familiar (artigo 72º);
- o direito ao pseudónimo: só no caso em que tenha notoriedade deve ser protegido
nos mesmos termos que o direito ao nome, mas já não é possível haver dois
pseudónimos iguais, porque são nomes sem imediata conexão com os elementos de
identificação pessoal e familiar (artigo 74º);
- o direito à verdade pessoal: direito à não deformação da verdade, não tem de ser
denegritória, a verdade pode ser violada através de uma notícia falsa. Neste âmbito,
será a identidade genética parte da identidade pessoal? Isto foi importante nas
adoções e na identificação dos dadores de órgãos. A professora Regina Redinha diz
que existe um direito à informação da história pessoal, porque não há uma
identificação genética.
Cabe aqui o direito moral de autor. É um direito não inato e é violado quando
se limita a liberdade artística de alguém. Para termos uma obra, temos de ter algo
original e tem de ser objetivada. Ou seja, a criação deste direito só passa a ser obra
se preencher dois requisitos: originalidade e objetivação.
Os direitos de autor têm por objeto as obras de engenho que sejam originais
e que tenham um conteúdo minimamente exteriorizado (projeção da ideia do autor
para o exterior). Não é necessária a exploração económica. Relaciona-se com o
direito ao inédito, à intangibilidade da obra e à dignidade da obra (que ela não seja
desviada do seu sentido objetivo). Há violação do direito de autor quando há
deformação ou atentado à integridade da obra. Mas pode-se utilizar a obra para
efeitos de paródia. Esta é uma utilização desconforme com o sentido original, mas
que respeita as linhas de base da obra.
57
diretivas da União. Com o Regulamento nº 2016/679 do Parlamento e do Conselho
Europeu, passamos para um sistema de autorregulação, a partir de 25 de maio de
2018. Substituíram-se as diretivas em vigor e houve uma uniformização do regime da
proteção de dados em todos os países da União. Deixou de se conceder a margem
de manobra que a diretiva pressupõe aos Estados-membros e há uma uniformização
do regime da proteção de dados em todos eles. Este Regulamento é complementado
por duas diretivas adicionais.
58
Os princípios ordenadores do regime da proteção de dados são: licitude,
lealdade e transparência; limitação da finalidade; minimização dos dados; limitação
da conservação; integridade e confidencialidade; e responsabilidade.
O direito à proteção de dados é um direito fundamental e de personalidade.
Tem como direitos derivados os direitos ARCO (acesso, retificação, cancelamento e
oposição), os direitos de portabilidade e os direitos ao apagamento.
Consentimento vinculante:
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Consentimento que é dado no contexto do negócio jurídico, quando o
consentimento integra o negócio jurídico, normalmente num contrato. É objeto de
um negócio jurídico oneroso, isto é, há um valor pago em contrapartida à limitação
do direito de personalidade. Por efeito do contrato, o lesante fica legitimado a violar
o direito de personalidade. Há um poder jurídico de agressão, se o titular do direito
de personalidade se arrepende deste consentimento e o revoga (é livre de o fazer
pois o consentimento é sempre revogável), isso implica o incumprimento contratual,
sob as consequências que daí advêm em termos de responsabilidade contratual. Não
se aplica o disposto no artigo 432º nº 2.
Consentimento autorizante:
Consentimento tolerante:
60
Tem-se entendido que exige a manifestação da vontade do menor, desde
que ele tenha capacidade de querer e entender os efeitos e consequências da
prestação. Isto significa que os pais não podem autorizar que o seu filho seja dador
de órgão.
61
O consentimento deve ser esclarecido e livre e o dador deve ser o
beneficiário. Este consentimento deve ser prestado perante um médico
independente, não envolvido na operação. Poderá gerar-se responsabilidade
objetiva por danos causados por este procedimento. Por isso, os hospitais devem ter
um seguro obrigatório.
A colheita em cadáveres é aquela que tem como dadores todos os que não
manifestem a vontade de não o serem. Nos termos do artigo 3º do Decreto-Lei nº
274/99, é possível a utilização de cadáveres para fins científicos e de ensino. Nos
outros casos, não é possível, a menos que o corpo não tenha sido reclamado no
período de 24h. É criado um registo para pessoas que queiram que o cadáver seja
utilizado.
Intervenções cirúrgicas
62
casal homossexual feminino, têm que recorrer a um banco de esperma. Caso seja
um casal heterossexual, o homem deve fornecer o seu esperma para a conceção do
embrião.
Para efeitos de declaração parental, os dadores de sémen não são relevantes.
A lei proíbe a compra e venda de material genético (artigo 18º) e a inseminação post
mortem (artigo 22º).
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A capacidade negocial de gozo e capacidade para o exercício de direitos
As incapacidades de gozo
Como nos diz o artigo 67º, a regra geral para todos os sujeitos é capacidade
adquirida a partir do momento em que têm personalidade. No entanto, há exceções
a esta regra:
- incapacidades nupciais (artigo 1601º);
- incapacidades de testar (artigo 2189º);
- incapacidades para perfilhar (artigo 1850º).
Quando falamos de incapacidade, não falamos de indisponibilidade, que se
traduz na impossibilidade de celebrar determinados negócios ou estabelecer
determinados benefícios relativamente a um conjunto de pessoas. Também não
falamos de ilegitimidades, que resultam das proibições de celebrar negócios em
função da posição do sujeito, como no caso da proibição da venda a filhos ou netos.
Estas hipóteses também não se confundem com as indisponibilidades
relativas, previstas no artigo 953º. Estes casos não se tratam de situações de
incapacidade de gozo, porque não está em causa a proteção daquele a quem se veda
a realização do negócio. O que a lei pretende é proteger o incapaz de si mesmo,
relativamente à falta de discernimento, que é o que não se verifica em situações de
indisponibilidades relativas.
Relativamente às pessoas coletivas, a sua personalidade é instrumental e,
nestes casos, a capacidade corresponde à personalidade. Têm capacidade, na
medida em que prosseguem os seus fins. Não há situações de incapacidade de
exercício, uma vez que há uma coincidência entre incapacidade de gozo e de
exercício. Não obstante, as pessoas coletivas são passíveis de incapacidade
funcional, pois obedecem a um princípio da especialidade (artigo 160º) que as
vincula às suas funções. A sua incapacidade resulta da sua finalidade. Não há
incapacidades de exercício no que diz respeito às pessoas coletivas, pois não faz
sentido atribuirmos uma capacidade funcional para depois a limitarmos.
o Instituto da assistência:
64
O assistente vai atuar ao lado do incapaz, autorizando os atos que o incapaz
não possa realizar por si. Neste caso, a iniciativa negocial é do incapaz, mas não atua
sozinho, mas sim mediante a intervenção do assistente. A assistência é utilizada nos
casos menos graves, pois permite a coadjuvação do incapaz na atividade do
assistente e é utilizada para inabilitados.
A incapacidade do menor
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Qual é a consequência da atuação do menor em caso de incapacidade?
A
principal consequência é a anulabilidade do negócio, há um regime próprio para este
tipo de anulabilidade, previsto no artigo 125º. O prazo começa a contar-se a partir
do momento em que os pais ou o tutor têm conhecimento do negócio até que o
menor atinja a maioridade, tendo 1 ano para arguir a anulabilidade do negócio. Caso
o menor atinja a maioridade num prazo inferior a 1 ano, é esse prazo que os
representantes têm para arguir a anulabilidade. Após a maioridade, o próprio menor
pode arguir a anulabilidade do ato que praticou de acordo com o artigo 125º nº 1
alínea b).
Se o menor morrer, os seus herdeiros têm a possibilidade de vir a arguir a
anulabilidade dentro do próprio prazo que o menor tinha para arguir a anulabilidade
da alínea b), o prazo é 1 ano a contar da morte, os herdeiros não têm só o prazo que
o menor ainda tinha.
A anulabilidade tem sempre um prazo, normalmente de 1 ano, mas se as
prestações não estiverem a ser cumpridas, pode vir a qualquer momento. A arguição
da anulabilidade é sempre uma exceção. Numa ação que lhe é proposta com vista ao
pagamento, o indivíduo pode invocar a anulabilidade, não se aplicando o artigo
125º.
Exclui-se da anulabilidade o disposto no artigo 126º, não é dolo apenas dizer
que é maior, ele teve que usar artifícios para se fazer passar por maior, como por
exemplo, a exibição de um documento falsificado. Há uma censura da lei
relativamente a este comportamento contraditório de fazer de tudo para a
realização do negócio e depois querer anulá-lo, a lei considera que o menor não é
tão merecedor de tutela.
Em nenhuma hipótese, a lei permite a arguição da anulabilidade pela
contraparte, apenas os responsáveis legais e o menor podem arguir a anulabilidade.
O artigo 126º deixa em aberto a possibilidade de arguição da anulabilidade
por parte dos representantes ou herdeiros. A tendência é que os herdeiros não
disponham da possibilidade de arguir a anulabilidade, porque se baseia na mesma
possibilidade de o menor arguir a anulabilidade. Relativamente aos representantes
legais, há quem entenda que também estes não deverão ter essa possibilidade em
caso de dolo, mas também há quem entenda de forma diferente, uma vez que o
papel dos representantes legais é o de corrigir a atuação dos menores, o que lhes
devia dar a possibilidade de arguir a anulabilidade quando os menores ajam com
dolo.
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seguintes. Compete aos pais exercer atividades parentais no interesse dos filhos,
tendo um conteúdo patrimonial, como o poder de administração dos bens e o dever
de alimentos (artigos 1888º a 1900º), e pessoal, como a educação e a religião
(artigos 1885º a 1987º).
O dever de alimentos é recíproco entre pais e filhos, para os filhos impõe-se
após a sua maioridade e na velhice dos pais.
Do artigo 1888º excluem-se alguns atos
da administração dos pais.
O artigo 1889º sujeita a autorização de tribunal alguns
atos praticados pelos pais.
O não cumprimento destas regras conduz à anulabilidade
dos atos nos termos do artigo 1893º.
A interdição7
Noção e fundamento
7 Todos os artigos mencionados pertencem à versão anterior do Código Civil que previa estas figuras.
67
da pessoa em causa; a menoridade não depende de um processo judicial, verifica-se
com o facto naturalístico da idade, a menos que seja emancipado pelo casamento
antes dos 18 anos, aos 16 anos.
Tem que haver uma iniciativa processual e com motivos específicos, previstos
no artigo 138º.
A incapacidade é geral, o indivíduo não pode praticar qualquer ato negocial,
com exceção dos previstos no artigo 127º, pelo qual se aplica o regime da
menoridade por analogia – artigo 139º. Ambos regimes são em tudo semelhantes, as
únicas exceções são as previstas no artigo 127º e os atos praticados anuláveis ao
abrigo do artigo 125º. O regime da menoridade é, assim, um regime regra para as
incapacidades gerais, que se aplica no caso das interdições.
A sentença de interdição deverá ser registada, ao abrigo dos artigos 1920º-B
e 1920º-C, para publicitar a condição daquele incapaz. O juiz define apenas se é
interdito ou não e não está condicionado ao pedido inicial.
O que é avaliado pelo juiz é a capacidade de a pessoa atuar no campo
negocial. A interdição só pode ser requerida nos termos do artigo 141º nº 1, tem que
ser alguém que esteja numa posição mais próxima da pessoa. É preciso ter atenção
ao nº 2, pois, se a pessoa em causa estiver sujeita a poder paternal, só os pais ou o
Ministério Público podem interpor a ação de interdição. Ainda há a hipótese que no
último ano da menoridade se possa interpor esta ação e que esta produza efeitos
para a maioridade.
O levantamento da interdição também está dependente da sentença, nos
termos do artigo 151º e têm legitimidade para esse levantamento as pessoas
requerentes previstas no artigo 141º nº 1 e o próprio interdito.
Os interditos por anomalia psíquica são incapazes, mas a lei faz distinções em
relação aos fundamentos. É mais incapacitante o caso em que o fundamento é a
anomalia psíquica, pelo qual os interditos não podem casar (artigo 1601º) perfilhar
(artigos 1850º, 1913º, 1914º), nem testar (artigo 2189º).
A lei estabelece preferências sobre quem é o tutor – artigo 143º. Se recair
sobre os pais (artigo 144º), as regras aplicadas serão as constantes dos artigos 1878º
e seguintes, isto é, as regras das responsabilidades parentais e não as regras da
tutela.
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negócios celebrados serão anuláveis, desde que se verifiquem cumulativamente dois
requisitos:
- a interdição venha a ser verificada;
- e o negócio provocou prejuízo ao interdito.
A inabilitação
Causas
69
esbanja o seu património para além das suas possibilidades, é uma deficiência de
caráter que não é considerada uma simples extravagância.
O artigo 156º estipula que, em tudo o que não esteja previsto no regime da
inabilitação, aplicar-se-á aquilo que está previsto no regime da interdição com as
necessárias adaptações. Quanto às pessoas que têm legitimidade para propor a
inabilitação e prazos para arguir a anulabilidade, aplica-se o regime da interdição.
O levantamento da inabilitação
70
As alterações até aqui relativamente ao regime anterior são a supletividade,
a plasticidade da medida que é estabelecida em função das necessidades naturais do
acompanhado – antes eram consequências fixas e determinadas para todos os
interditos e inabilitados alienados da administração de bens e agora não é a lei que
estabelece as consequências, é a sentença de acompanhamento que determina o
âmbito de limitação da capacidade casuisticamente.
71
E após o anúncio do início do processo de acompanhamento? No decurso do
processo a solução é a anulabilidade diferida condicionada ao prejuízo. De acordo
com o artigo 154º nº 1 alínea b), os atos do acompanhado são anuláveis quando
praticados depois de anunciado o início do processo, mas apenas após a decisão
final e caso se mostrem prejudiciais ao acompanhado. Há anulabilidade, mas esta é
condicionada ao prejuízo do acompanhado, portanto, o negócio tem de ter sido
prejudicial.
A decisão final tem que ser sujeita a registo, sendo que a sentença de
acompanhamento tem que ser sujeita a registo por afetar o estatuto pessoal do
indivíduo (no registo civil). Após o registo, o maior está em situação de
acompanhamento e, se a sentença determinar que não pode praticar aquele ato em
concreto, o que acontece é a anulabilidade, nos termos da alínea a) do nº 1 do artigo
154º.
72
negócios que violem esta regra são anuláveis a requerimento do cônjuge que não
deu consentimento ou dos seus herdeiros se ele, entretanto, morrer. No entanto, há
um prazo especial previsto no artigo 1687º nº 2. É um dos poucos casos em que
existem dois prazos a correr em simultâneo: o prazo de 6 meses e 3 anos,
respetivamente. Após estes 3 anos, o cônjuge não pode arguir a anulabilidade de
forma alguma e o negócio fica consolidado.
73
inquinados de uma ineficácia. Esta inibição do insolvente é estabelecida para
salvaguarda dos credores e não imposta no interesse do mesmo.
A situação do insolvente, sob o ponto de vista da possibilidade de atuação
negocial, não pode ser qualificada como de incapacidade, já que este conceito deve
ser reservado para as proibições, assentes numa falta de certa qualidade da pessoa,
estabelecidas no interesse desta e a restrição advinda da insolvência é estabelecida
no interesse de terceiros que poderiam ser atingidos por atos do insolvente ou até
mesmo no interesse público. Assim, estamos perante uma ilegitimidade: o
insolvente não tem legitimidade para praticar certos atos em relação à massa
insolvente. Há, verdadeiramente, uma restrição à capacidade de exercício em função
de interesses de terceiros ou de interesses gerais.
Importa notar que a insolvência não diz respeito apenas a pessoas coletivas,
já que pessoas individuais também podem ser objeto de insolvência.
Domicílio
Noção e relevo
A residência e o paradeiro
74
Não se confunde com o paradeiro, que é o local em que se encontra a pessoa
em qualquer momento. Pode ter repercussão jurídica, como no artigo 225º.
Diferente destas noções é também o conceito de residência ocasional. Na
falta de domicílio, pode funcionar como tal, de acordo com o artigo 82º nº 2.
Além disso, há, de acordo com o artigo 83º, um domicílio profissional, no
lugar onde a profissão é exercida.
Pode haver também domicílio eletivo, nos termos do artigo 84º, para
determinados negócios jurídicos.
Finalmente, temos as hipóteses de domicílio legal, que é fixado
independentemente da vontade do sujeito. É o caso do domicílio legal dos menores
e maiores acompanhados, nos termos e para os efeitos do artigo 85º, e do domicílio
legal dos empregados públicos (artigo 87º). Há ainda uma regra específica para os
agentes diplomáticos no artigo 88º, que se consideram domiciliados em Lisboa.
Ausência
75
curadoria provisória não é pressuposto da curadoria definitiva, embora quando
houve a primeira, ao intentar-se a segunda, encerra-se o processo da primeira e
abre-se o novo. Distribuem-se os bens do ausente pelos sucessores mortis causa –
não é uma partilha, porque não os recebem como proprietários, mas para os
administrarem, não podendo aliená-los. A probabilidade de regresso do ausente
começa aqui a esfumar-se. Termina com o regresso do ausente, com a notícia da
existência do local onde reside, com a certeza da sua morte ou com a declaração de
morte presumida. No caso de regresso do ausente, ser-lhe-ão entregues os bens que
já estavam com os sucessores logo que o requeira, pelo que a iniciativa é da pessoa
que regressa (artigo 113º).
A morte presumida é regulada pelos artigos 114º e seguintes. Só pode
ocorrer passados dez anos sobre as últimas notícias e passados cinco anos se o
ausente tiver completado 80 anos. Se for menor, não pode ser declarada até cinco
anos após a data em que atingiria a maioridade. Produz os efeitos da morte,
abrindo-se a sucessão e os bens sendo entregues aos herdeiros (artigo 115º). O
casamento não se dissolve, mas o cônjuge do ausente pode contrair novo casamento
(artigo 116º), de modo a obviar situações de indefinição do estatuto pessoal. Mas se
o ausente regressar ou se houver notícia de que estava vivo na data da celebração
das segundas núpcias, não há bigamia – há dissolução do primeiro casamento por
divórcio à data da morte presumida, ou seja, retroativamente. Se o ausente
regressar ou se se tiver conhecimento de que morreu num momento diferente, há
direito à devolução dos bens e tem de se fazer o ajuste dos herdeiros – artigos 118º
e 119º. Se houver má fé da parte dos sucessores, isto é, saberem que o ausente
estava vivo, há direito a uma indemnização pelos prejuízos sofridos, nomeadamente
a privação do seu património.
76
- pessoas coletivas de substrato patrimonial: dão origem às fundações.
Correspondem a uma massa de bens organizada.
77
O elemento pessoal verifica-se nas corporações – é a coletividade de
indivíduos que se agrupam para a realização, através de atividades pessoais e meios
materiais, de um escopo ou finalidade comum, é o conjunto dos associados.
O elemento patrimonial intervém nas fundações – é o complexo de bens que
o fundador afetou à consecução do fim fundacional. Tal massa de bens designa-se
por dotação.
Elemento teleológico:
A pessoa coletiva deve prosseguir uma certa finalidade, justamente o fim ou
causa determinante da formação da coletividade social ou da dotação fundacional.
Nas corporações, esse fim pode visar ou não lucro; nas fundações, o fim tem
que ser sempre de índole social (caráter altruístico).
O escopo visado pela pessoa coletiva deve revestir os requisitos gerais do
objeto de qualquer negócio jurídico (artigo 280º), ou seja, deve ser determinável,
física ou legalmente possível, não contrário à lei ou à ordem pública, nem ofensivo
dos bons costumes; deve ser comum ou coletivo. O artigo 994º estabelece uma
regra muito importante – a proibição do pacto leonino. É a cláusula que exclui um
sócio da comunhão dos lucros ou que o isenta de participar nas perdas de sociedade.
Não pode haver membros mais favorecidos do que outros; deve ser duradouro ou
permanente, sendo que não é legítima a exigência deste requisito em termos de a
sua falta impedir forçosamente a constituição de uma pessoa coletiva.
Elemento intencional:
Trata-se do intento de constituir uma nova pessoa jurídica distinta dos
associados, do fundador ou dos beneficiários (animus personificanti).
A exigência deste elemento radica na circunstância de a constituição de uma
nova pessoa coletiva ter na origem um negócio jurídico – o ato de constituição nas
associações (artigo 167º), o contrato de sociedade para as sociedades (artigo 980º) e
o ato de instituição nas fundações (artigo 186º). Nos negócios jurídicos, os efeitos
determinados pela ordem jurídica dependem da existência e do conteúdo de uma
vontade/intenção correspondente.
Elemento organizatório:
A pessoa coletiva é integrada por uma organização destinada a introduzir na
pluralidade de pessoas e de bens existentes uma ordenação unificadora. Essa
organização traduz-se num conjunto de preceitos disciplinadores das caraterísticas e
do funcionamento da pessoa coletiva e na existência de órgãos. O número e
características dos órgãos da pessoa coletiva e designação dos indivíduos que os
preenchem obedece aos estatutos e, no seu silêncio, à lei.
Em suma, é preciso que a pessoa coletiva seja dotada do mínimo de
organização, com órgãos capazes de assegurar a realização do objetivo proposto.
78
Verificado o reconhecimento, surge uma nova pessoa jurídica – a pessoa
coletiva. Como sujeito jurídico, a pessoa coletiva torna-se titular de relações
jurídicas.
São possíveis várias modalidades de reconhecimento:
- reconhecimento normativo: derivado automaticamente da lei;
- incondicionado: a ordem jurídica atribui personalidade jurídica de plano,
sem mais exigências, a todo o substrato completo da pessoa coletiva;
- condicionado: derivado de uma norma jurídica dirigida a uma generalidade
de casos e não de uma apreciação individual. A lei formula em geral a exigência de
determinados pressupostos ou requisitos, que devem acrescer aos elementos
caracterizadores de um substrato e, verificados esses requisitos, a pessoa coletiva é
automaticamente constituída;
- reconhecimento individual/por concessão: traduzido num ato individual e
discricionário de uma autoridade pública que, perante cada caso concreto,
personificará ou não o substrato, isto é, há um ato administrativo ad hoc que atribui
personalidade jurídica à pessoa coletiva.
Corporações e fundações:
Esta distinção tem por critério a composição do substrato quanto ao primeiro
dos seus elementos integradores: as corporações são coletividades de pessoas (o seu
substrato é um elemento pessoal), as fundações são massas de bens (o seu substrato
é um elemento patrimonial, designado por dotação). Constitui a grande divisão de
pessoas coletivas.
79
Há vários critérios de linhas de demarcação distintas. As pessoas coletivas de
Direito público são aquelas que têm em maior ou menor grau ius imperium, isto é,
são dotadas de prerrogativas de autoridade, assumem funções do Estado, enquanto
que as pessoas coletivas de Direito privado serão aquelas que não apresentam estas
características. Esta é uma distinção importante, pois as primeiras estão sujeitas a
regras diferentes, de Direito público e as questões respeitantes serão resolvidas por
tribunais administrativos e fiscais.
Classificação legal
80
A lei, concretamente no artigo 157º do CC, distingue de acordo com o seu
regime jurídico entre:
- associações: previstas nos artigos 167º e seguintes e na Lei nº 40/2007, dispõem de
substrato pessoal e não visam obtenção do lucro. São pessoas coletivas que resultam
do negócio jurídico plurilateral feito por escritura pública. Tem que ter um âmbito
mínimo de forma legal, especificado no artigo 167º nº 1. Caso contrário, há nulidade
do ato de constituição da associação, pelo que a personalidade não se adquire. Só
por registo é que os estatutos da associação são oponíveis a terceiros (artigo 168º).
Extinguem-se, segundo o artigo 182º, por ato de vontade dos associados, por
disposição da lei ou por decisão judicial. A sua vontade forma-se de modo imanente
e exterioriza-se através de órgãos;
- fundações: previstas nos artigos 185º e seguintes e na Lei nº 24/2012, o seu
substrato é patrimonial e visam o interesse social. Provêm de um negócio unilateral
que pode ser realizado entre vivos (por escritura pública) e por testamento. É
preciso dar publicidade ao ato de instituição da fundação. Neste ato deve ser
indicado o fim e os meios destinados ao cumprimento deste fim. O reconhecimento
só é concedido se for observado o princípio da suficiência – os meios devem ser
suficientes para o cumprimento do fim. O reconhecimento resulta de um ato
discricionário por parte da administração pública. Se for recusado, não há fundação.
As regras do reconhecimento constam do artigo 188º. Extinguem-se quando a sua
finalidade se esgota;
- sociedades: podem ser comerciais (dedicam-se à prática de atos de comércio e
estão reguladas em lei especial, no Código das Sociedades Comerciais, são
comerciantes e pessoas jurídicas) e civis (aquelas que não praticam atos de
comércio, não são comerciantes). Em qualquer dos casos, têm sempre como fim o
lucro, sendo que a sociedade civil tem esse fim, mas sem praticar atos comerciais.
81
Associações e fundações
82
precisamente o fim e a questão dos bens, se o património é suficiente para a
prossecução desses fins – artigo 188º do CC. Nos termos do nº 3 alínea a) deste
artigo, há alguma margem de apreciação relativamente a este fim (“não forem
considerados”), parece que estamos perante um ato discricionário da Administração.
Nos termos do artigo 186º nº 2, compete ao instituidor a elaboração dos
estatutos da fundação – se não o for, cabe aos executores do testamento a
elaboração dos mesmos (artigo 187º).
Se o reconhecimento for recusado, o que acontece aos bens? Sobretudo no
caso da instituição entre vivos (artigo 188º nº 5), a instituição fica sem efeito; se o
instituidor não for vivo, os bens são entregues a uma associação ou fundação de fim
análogo.
A fundação será extinta nos termos do artigo 192º. A declaração de extinção
é conferida pela autoridade competente para o reconhecimento. Qualquer uma das
causas do artigo 192º leva aos efeitos do artigo 194º. Quer a instituição quer a
extinção caberá, portanto, a uma entidade administrativa. Na Lei Quadro das
Fundações, prevê-se quais são os fins considerados de interesse social para estes
efeitos. O artigo 3º nº 2 desta LQ apresenta-nos uma enumeração exemplificativa, o
legislador enumera fins considerados de interesse social, numa intenção clara de
moralizar a que se destinam as fundações.
83
Quando uma pessoa coletiva atua para além da sua capacidade o que
acontece? Temos a nulidade dos negócios praticados, ideia que decorre do artigo
294º (em ligação com o artigo 160º) que prescreve que, violada uma norma
imperativa, teremos a solução da nulidade. Mas esta solução não é consensual, pois
há quem entenda que a solução deva ser a anulabilidade (como é o caso de Oliveira
Ascensão). Entende que a atuação para além da capacidade da pessoa coletiva é
uma deliberação contrária aos estatutos (artigos 177º e 178º), logo os atos são
anuláveis. Mas uma coisa é deliberação, outra coisa é o ato que resulta da
deliberação. Se uma pessoa coletiva atuar sistematicamente para além dos fins a
que se destina, já poderemos estar numa hipótese de extinção da pessoa coletiva,
conforme decorre do artigo 182º nº 2 alínea b) para as associações e do artigo 192º
nº 2 alínea b) para as fundações.
Definida a capacidade de gozo da pessoa coletiva, falta referirmo-nos à sua
capacidade de exercício – elas necessariamente coincidem, porque não há
incapacidades naturalísticas. Não pode haver uma falta de sobreposição entre
ambas, os direitos e obrigações que poderão existir na esfera jurídica da pessoa
coletiva, poderão ser exercidos por ela. Aqui não podemos falar de situações de falta
de discernimento, nem de falta de capacidade técnico-jurídica de agir.
Para atuar, para exercer os seus direitos e cumprir as suas obrigações, a
pessoa coletiva precisa de órgãos, tem de recorrer a pessoas. Nos termos do artigo
163º, a representação cabe a quem os estatutos determinaram ou, na sua falta, à
administração e a quem for designado pela administração. Assim, são seguidos os
seguintes passos:
1º) representação por quem os estatutos determinarem
2º) representação pela administração
3º) representação por alguém designado pela administração
2º SEMESTRE
84
Responsabilidade contratual:
Responsabilidade extracontratual:
85
que não excluem a responsabilidade do ente coletivo, são os que visaram exclusiva
ou conjuntamente interesses da entidade representada).
Ao lado da pessoa coletiva fica igualmente adstrito à obrigação de
indemnizar, como vimos, o órgão, agente ou mandatário. Trata-se de uma obrigação
solidária (artigo 497º nº 1, aplicável por força do artigo 499º). Responderá apenas a
sociedade, se não for determinado o órgão ou agente culpado do ato desencadeante
de responsabilidade.
A pessoa coletiva que tiver satisfeito a indemnização ao lesado tem direito de
regresso contra o órgão, agente ou mandatário.
A sede
86
Numa conceção jurídica, o objeto da relação jurídica é o objeto do direito
subjetivo. O objeto reporta-se ao elemento ativo da relação jurídica, ao direito
subjetivo. O direito subjetivo traduz-se num poder atribuído a uma pessoa.
Os direitos subjetivos pressupõem um sujeito, uma entidade a quem sejam
atribuídos, um titular. O conjunto de poderes pressupõe a entidade que seja titular
desses poderes. Excecionalmente, são admitidas situações de direitos sem sujeitos.
Esse conjunto de poderes em que se traduz incide sobre um determinado objeto, é
esse o objeto da relação jurídica, há coincidência entre objeto do direito subjetivo e
objeto da relação jurídica. São objeto de relações jurídicas todas as realidades sobre
as quais podem recair direitos subjetivos. O conteúdo do direito subjetivo será o
conjunto de poderes em que se consubstancia o direito.
Coisa diferente será o objeto do seu direito sobre que incidirão o conjunto de
poderes. Os direitos podem não ter objeto, mas terão sempre um conteúdo. Por
exemplo, os direitos potestativos têm um determinado conteúdo, que pode ser um
de três: constitutivo, modificativo ou extintivo de uma relação jurídica e não têm
objeto. Por outro lado, podemos ter o mesmo objeto sobre o qual incidam direitos
com diferentes conteúdos.
O objeto é aquilo sobre que recaem os poderes do titular do direito. O
conteúdo é o conjunto dos poderes ou faculdades que o direito subjetivo comporta.
É costume distinguir-se:
- objeto imediato: aquilo sobre que incidem diretamente os poderes do titular do
direito sem que se interponha qualquer intermediação;
- objeto mediato: aquilo sobre que recaem os poderes de uma forma indireta.
Esta distinção exprime, portanto, a diversidade entre aquilo que diretamente
está submetido aos poderes ideais que integram um direito subjetivo e aquilo que só
de uma forma mediata ou indireta, isto é, através de um elemento mediador, está
submetido àqueles poderes.
Existe esta distinção em relação a vários objetos, mas não necessariamente.
Há direitos que só têm objeto imediato, por exemplo, os direitos reais, que são
direitos que incidem diretamente sobre uma coisa, os poderes do titular exercem-se
diretamente sobre a coisa, não há intermediário entre o titular do direito e a coisa.
Os direitos de crédito têm objeto mediato e imediato. O objeto imediato do direito
do credor é o comportamento do próprio devedor, a prestação, o ato de entrega da
coisa. O objeto mediato é a própria coisa que deve ser entregue ao credor. Este só
tem direito à coisa através da prestação do devedor. Entre o credor e a coisa
intromete-se a pessoa do devedor.
87
O que é que pode ser objeto de um direito subjetivo? Sobre que podem
incidir os poderes de um titular de um direito subjetivo? Realidades muito diferentes
podem desempenhar esta função de objeto da relação jurídica:
pessoas: os direitos podem recair sobre pessoas singulares, sem que isso
signifique que haja uma coisificação da pessoa, pois isso não seria compatível
com a dignidade da pessoa humana. No âmbito dos poderes-
deveres/poderes funcionais, nomeadamente nas responsabilidades parentais
ou poder tutelar, temos direitos que recaem sobre pessoas. Embora os
interesses prosseguidos sejam os interesses dos visados, simultaneamente
também se prosseguem interesses próprios. São direitos que conferem
poderes destinados a habilitarem os pais ou o tutor ao cumprimento dos
seus deveres para com o filho/pupilo. Também é exemplo o novo contrato de
maternidade de substituição, os comitentes têm direitos sobre uma pessoa e
a comissária obriga-se a suportar uma gestação e a obrigar a entregar outra
pessoa. Isto não constitui uma ofensa à dignidade da pessoa humana, como
acontecia com a instituição historicamente ultrapassada da escravatura, em
que se admitiam relações jurídica patrimoniais sobre pessoas físicas;
prestações: os direitos de crédito incidem sobre as prestações. Pode ser a
entrega de uma coisa ou deixar de fazer algo. Pode ser prestação positiva ou
negativa. O objeto é um comportamento do devedor;
coisas:
- corpóreas/materiais: realidades físicas, carecidas de personalidade jurídica. É o
caso dos direitos reais. Estes objetos corpóreos têm de revestir determinados
requisitos – existência autónoma, idoneidade para satisfazer interesses humanos,
isto é, devem ser úteis, possibilidade de sujeição jurídica ao poder exclusivo de um
ou alguns homens, isto é, devem ser apropriáveis;
- incorpóreas/imateriais: resultam da atividade intelectual e não são tangíveis, são
coisas ideais e associadas à personalidade humana, como acontece com os direitos
de autor que incidem sobre realidades intangíveis e têm uma proteção numa
vertente patrimonial (têm valor patrimonial autónomo pois podem ser explorados
economicamente) e numa vertente pessoal (a personalidade do autor está refletida
na obra criada). O mesmo sucede com a propriedade industrial/intelectual;
direitos: podemos ter direitos que têm por objeto outros direitos – direitos
sobre direitos. Exemplos: artigos 679º, 1439º, 1446º, 1463º, 1464º, 1467º,
688º nº 1 alíneas c) e e). O objeto do direito não é propriamente o outro
direito nem o bem em causa, o direito incide sobre uma situação
economicamente vantajosa que está ligada à titularidade do direito. De uma
forma simplista, dizemos direitos sobre direitos, mas podemos precisar desta
forma;
a própria pessoa titular do direito subjetivo: é o que acontece relativamente
aos direitos de personalidade. Foi a sua natureza muito discutida na doutrina,
porque entendiam que os direitos não podiam ter como objeto a sua própria
pessoa, seria uma coisificação da pessoa. Hoje entendem-se os direitos de
personalidade como direitos subjetivos cujo objeto é o próprio titular;
animais: estes já não integram a categoria de coisas, dado o seu novo
estatuto. Os animais podem, por exemplo, ser objeto de direito de
88
propriedade (artigo 1305º-A). Há ainda um conjunto de poderes funcionais
das pessoas relativamente aos animais de estimação.
Num sentido jurídico de coisa, cumpre analisar o artigo 202º, mas não pode
considerar-se rigorosa tal definição. Esta noção leva-nos a pensar que as coisas são
sinónimos de objeto da relação jurídica, mas sabemos que não é assim. Com efeito,
há entes suscetíveis de serem objeto de relações jurídicas que não são coisas em
sentido jurídico, desde logo, as pessoas e as prestações.
Quanto aos bens imateriais, objeto dos direitos de autor ou de propriedade
industrial/intelectual, e aos direitos, objeto de certas figuras de direitos sobre
direitos, podem integrar-se no conceito de coisas, embora tenham um regime
especial relativamente ao regime geral das coisas por serem coisas incorpóreas.
Assim, podemos definir coisas em sentido jurídico como os bens ou entes de
caráter estático, desprovidos de personalidade e não integradores do conteúdo
necessário desta, suscetíveis de constituírem objeto de relações jurídicas.
Coisa será uma entidade do mundo exterior, sensível ou insensível, tem de
ter individualidade e economicidade para ser suscetível de objeto, para sofrer
estatuto permanente de objeto. Por exemplo, uma parede não tem individualidade,
logo não é coisa. Quanto à economicidade, é preciso que a coisa tenha um valor
económico. Por exemplo, um grão de areia tem individualidade, mas não tem
economicidade. Tem de ser suscetível de domínio, ser o objeto do domínio. Por
exemplo, o ar que respiramos não é suscetível de objeto de domínio, bem como a
luz do sol. O que não significa que tenham de ser coisas corpóreas. Em suma, devem
apresentar as seguintes características: existência autónoma ou separada,
possibilidade de apropriação exclusiva por alguém e aptidão para satisfazer
interesses ou necessidades humanas.
89
- por destinação: só são imóveis porque se encontram numa especial relação
com os imóveis (alíneas c), d) e e)). O facto de as árvores serem imóveis não
significa que não possam ser objeto de negócios separadamente. Os direitos
sobre imóveis são imóveis e seguem o seu regime;
90
obrigação de restituir), mas também pode ser um mútuo (artigo 1142º –
contrato pelo qual uma parte empresta à outra dinheiro). Quer o mútuo,
quer o comodato são aquilo a que nós chamamos, na linguagem comum,
empréstimos. Contudo, o comodato tem por objeto uma coisa não fungível,
enquanto que o mútuo tem um objeto fungível. O dinheiro é fungível, não há
nada mais fungível que o dinheiro. A classificação do negócio depende da
própria classificação da coisa;
91
Alguém que vende coisa alheia como coisa presente e própria está a celebrar
um contrato nulo. Um negócio sobre coisa futura não pode produzir imediatamente
o seu efeito real. O artigo 408º nº 2 diz que a transferência de coisa futura só tem
efeitos quando a coisa se tornar presente. A lei admite a compra e venda de coisa
futura, mas não admite a doação de bens futuros (artigo 942º nº 1).
o fruto: tudo o que é produzido periodicamente pela coisa, sem prejuízo da sua
substância;
- frutos naturais: provêm da própria coisa, como o leite da vaca;
- pendentes: ainda estão ligados à coisa;
- percebidos: já foram separados, tem que ver com a
separação da coisa;
- frutos civis: como rendas, juros de depósitos ou interesses que a
coisa produz, em relação a uma relação jurídica. O momento em que
deixa de ser pendente e passa a ser percebido é o momento do
recebimento efetivo e não o vencimento da coisa;
92
chama-se ainda a atenção para as regras relativamente à propriedade dos animais
(artigo 1305º-A): no nº 2, especificam-se os deveres que se exigem para o garante do
bem-estar do animal. Há um conjunto de deveres que são impostos aos
proprietários dos animais. Não são coisas, mas são objeto de propriedade (a
contrario das pessoas que não são objeto de propriedade).
Verificaram-se algumas mudanças do Código Alemão (que também são
criticadas): para a professora, o legislador parece ter redigido estas normas para os
animais domésticos, mas não restringiu. Quando se matam aranhas, centopeias,
estar-se-á a infringir o artigo 1305º-A? A professora considera que sim. Na realidade,
há que distinguir a centopeia, a aranha, a formiga, o estatuto é igual para todos?
Terão sensibilidade? Para tal, teriam de ter sistema nervoso central. A lei não
especifica quais os meios necessários para o bem-estar para o animal. O caso da
aranha: para que se alimente, há que matar outros insetos, por exemplo. A doutrina
tem de preencher estas incompletudes.
Na ocupação de animais, vem-se dizer, no nº 7 do artigo 1323º, que o
achador do animal pode retê-lo caso tenha receio de que o seu dono o agrida (algo
novo). No Direito da Família, temos também algumas regras novas (animal no
âmbito familiar): no artigo 1733º, são excetuados da comunhão de bens do casal, os
animais de companhia, já restringe, ainda que seja o regime do casamento – na
comunhão geral, os animais mantêm-se como bens não comunicáveis, que cada um
dos cônjuges tiver ao tempo do casamento. O artigo 1775º vem acrescentar em caso
de divórcio por mútuo consentimento, mas exige que haja acordo sobre
determinados aspetos essenciais, nomeadamente sobre a casa de morada de
família, se há alimentos a prestar ao outro cônjuge, a questão dos filhos e o destino
dos animais de companhia quando existam. Quando não se chegue a acordo quanto
a animais de companhia, não há divórcio por mútuo consentimento. Em Espanha,
aplicavam-se as regras da guarda partilhada dos filhos. É preciso acordo quanto aos
animais de companhia. O artigo 1793º-A especifica que, neste caso de divórcio, são
confiados a um ou a ambos os cônjuges, tendo em conta os interesses de cada um
cônjuge e do próprio animal. Há uma elevação do estatuto do animal, sendo que
alguns dizem, de forma crítica, que, em simultâneo, houve a coisificação da pessoa
por via da maternidade de substituição.
93
Classificação dos factos jurídicos
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devedor para cumprir nos termos do artigo 805º (negócio jurídico ou situação
obrigacional), a partir daqui, se o devedor não cumprir, temos uma situação de mora
do devedor, cujas consequências resultam diretamente da lei, independentemente
do credor querer ou não esse resultado, independentemente da sua vontade ir no
mesmo sentido ou não. O credor terá direito a uma indemnização pelo não
cumprimento do contrato/obrigação (artigo 804º). Portanto, esta interpelação feita
ao devedor é um ato juridicamente relevante, produtor de efeitos jurídicos, mas não
é um negócio jurídico, na medida em que os efeitos que dela decorrem resultam
diretamente da lei, independentemente da vontade do credor ir no mesmo sentido
ou não. Eles produzem-se mesmo que a sua vontade vá ou não nesse sentido.
Em suma, os negócios jurídicos são factos voluntários, cujo núcleo essencial é
integrado por uma ou mais declarações de vontade a que o ordenamento jurídico
atribui efeitos jurídicos concordantes com o conteúdo da vontade das partes, tal
como este é objetivamente apercebido. O comportamento de cada parte aparece
exteriormente como uma declaração visando certos resultados prático-empíricos,
sob a tutela do ordenamento jurídico, e os efeitos determinados pela lei são os
correspondentes aos resultados cuja intenção foi manifestada. É o que acontece
com o testamento e os contratos.
Os simples atos jurídicos, por outro lado, são factos voluntários cujos efeitos
se produzem, mesmo que não tenham sido previstos ou queridos pelos seus autores,
embora muitas vezes haja concordância entre a vontade destes e os referidos
efeitos. Não é, todavia, necessária uma vontade de produção dos efeitos
correspondentes ao tipo de simples ato jurídico em causa para essa eficácia se
desencadear.
95
produz efeitos jurídicos ao nível dos direitos de personalidade bem como
direitos patrimoniais. Os efeitos que decorrem desse ato material resultam
da lei, independentemente de existir vontade nesse sentido. O mesmo
acontece com a descoberta de um tesouro – é uma aquisição originária de
direitos (é uma operação juridicamente relevante, cujos efeitos decorrem da
lei). Nos artigos 1324º e 1318º há uma ressalva para as aquisições originárias.
96
da promessa do mútuo, pois ainda não há um mútuo válido, já que o mútuo, para
que se conclua, requer a verificação da entrega da coisa mutuada.
Por outro lado, no contrato de compra e venda, a obrigação de entregar a
coisa decorre de um contrato anteriormente celebrado. A propriedade transmite-se
por mero efeito de contrato. Ou seja, basta a declaração de vontade para que o
negócio jurídico produza os seus efeitos. A entrega da coisa não é um ato material
necessário à eficácia do negócio.
97
Teoria dos efeitos prático-jurídicos:
Daí que se apoie a teoria intermédia, a teoria dos efeitos prático-jurídicos:
para que os efeitos do negócio sejam tutelados pela lei, não é necessário que os
intervenientes tenham querido todos os efeitos, mas é necessário que tenham
querido a sua produção, todos eles irão decorrer de normas de natureza supletiva e
outros da vontade das partes. A vontade vai dirigir a produção de certos efeitos
práticos, no sentido de querer que eles sejam tutelados pela via jurídica e, por essa
razão, a ordem jurídica irá dar cobertura a essa vontade. A vontade negocial
distingue-se da vontade extranegocial, em certas situações a vontade vai no sentido
de pretender a proteção do Direito para a tutela de efeitos jurídicos e, noutros, as
partes não o pretendem. Há uma intenção dirigida a um determinado efeito
económico juridicamente garantido. É o ponto de vista correto no entender de Mota
Pinto.
Simplesmente não se trata de uma representação completa dos efeitos
jurídicos correspondentes àquela vontade de efeitos práticos – esses efeitos
jurídicos completos serão determinados pela lei. Basta uma representação global
prática dos efeitos jurídicos imediatos e fundamentais do negócio.
O acordo que visa meramente a produção de efeitos práticos não tem que
ter necessariamente a cobertura do Direito, na medida em que a vontade dos
intervenientes não pretenda a cobertura do Direito, a teoria dos efeitos práticos não
permite explicar. Existem situações que são comuns, em que os intervenientes
pretendem a produção de efeitos práticos, mas afastam a tutela do Direito, a sua
cobertura relativamente aos efeitos produzidos.
98
Quando há um incumprimento de um acordo deste género, é importante
distinguir se estamos perante um acordo de cortesia ou de cavalheiros, na medida
em que, para efeitos do ónus da prova, as regras são totalmente diferentes. O artigo
342º nº 1 prescreve que, na dúvida entre um negócio jurídico e de pura cortesia,
será a parte interessada em fazer vingar a tese do negócio jurídico que terá de fazer
a prova de que a intenção foi a celebração de um negócio jurídico.
Já no domínio dos negócios de cavalheiros, como estamos em domínios em
que, normalmente, os acordos são negócios jurídicos, será aquele que pretende
fazer vingar a tese de que o negócio é um mero acordo (e não negócio jurídico) que
tem de fazer prova disso. Tem de provar que estava num plano meramente social,
na medida em que estamos num domínio tendencialmente jurídico. De novo, do
artigo 342º nº 2 retira-se que compete àquele contra o qual a invocação foi feita.
Não podemos colocar os negócios juridicamente irrelevantes ou sociais todos
num conjunto indistintamente, na medida em que o seu tratamento irá ser distinto
consoante as caraterísticas em causa.
Elementos essenciais:
A sistematização tradicional considera elementos essenciais de todo e
qualquer negócio jurídico os requisitos ou condições gerais de validade de qualquer
negócio. São eles a capacidade das partes (e legitimidade, quando a sua falta
implique a invalidade e não apenas ineficácia), a declaração de vontade sem
anomalias e a idoneidade do objeto (artigo 280º).
Pode igualmente falar-se de elementos essenciais no sentido das cláusulas
que distinguem um certo tipo negocial dos restantes tipos, ou seja, os elementos
essenciais de cada negócio típico (venda, doação, mútuo, etc.).
Elementos naturais:
Os elementos naturais correspondem aos efeitos jurídicos, em virtude de
disposições supletivas sem necessidade de qualquer estipulação correspondente. Os
elementos naturais podem ser afastados por declaração de vontade em sentido
contrário. O artigo 885º prescreve o momento e local do pagamento do preço – é
um elemento natural.
Elementos acidentais:
Os elementos acidentais correspondem àquelas cláusulas negociais
acessórias, que não são cláusulas que caraterizem o tipo negocial, não são essenciais
para caraterizar um determinado tipo, mas uma vez incluídas (e tem de haver uma
vontade ad hoc nesse sentido) vão ter interferência na produção dos efeitos do
negócio. Ou seja, os efeitos essenciais ou acidentais interferem com a produção dos
efeitos do negócio. São as estipulações que não caracterizam o tipo negocial em
abstrato, mas tornam-se imprescindíveis para que o negócio concreto produz os
99
efeitos a que elas tendem. Podem não existir, mas uma vez introduzidas no negócio,
irão condicionar os seus efeitos.
No caso do mútuo, por exemplo (contrato real – a entrega da coisa concorre
com a declaração de vontade no sentido da entrega), os elementos essenciais são a
entrega da coisa fungível e a obrigação da coisa ser restituída. O mútuo será válido
se as partes tiverem capacidade para celebrar o negócio, se a declaração de vontade
for válida e se o objeto for idóneo. Se introduzirmos uma cláusula de juros, ela
poderá estar ou não no negócio.
No contrato de trabalho a termo (cláusula acessória), a cláusula “termo” não
é um elemento essencial do contrato de trabalho, mas irá produzir efeitos. É um
elemento acidental do negócio jurídico.
100
A nossa lei toma como posição no artigo 224º a doutrina da receção. Para
efeitos de celebração do contrato, o momento da perfeição será quando a aceitação
é recebida pelo proponente, independentemente de este conhecer efetivamente a
aceitação ou não, basta que chegue à sua esfera de poder, por exemplo chegar à
caixa de correio.
Na medida em que a proposta é irrevogável (artigo 230º), depois de ser
recebida ou conhecida pelo destinatário, o proponente fica vinculado por essa
proposta a partir do momento em que é recebida pelo destinatário ou então
conhecida. Mantém-se nos lapsos de tempo especificados do artigo 228º. A lei
estabelece um prazo supletivo na alínea c).
Dentro dos negócios bilaterais temos:
- unilaterais: só resultam obrigações para uma das partes, como na doação;
- bilaterais: ambas as partes têm obrigações ligadas entre si por um nexo de
correspetividade, como na compra e venda, arrendamento ou empreitada.
Esta distinção já tem por base as obrigações do contrato e sobre quem
recaem. A distinção é importante para a proteção de terceiros de boa fé, os negócios
tinham de ser onerosos, implicavam obrigações, aquisições a título oneroso,
obrigações para ambas as partes. Outro caso onde é relevante tem a ver com a
figura da exceção de não cumprimento dos contratos (artigo 428º). Se as prestações
são simultâneas e um dos contraentes não cumprir, pode invocar a exceção de não
cumprimento para não cumprir, não tem consequências em termos de
responsabilidade, o que só é possível em contratos bilaterais. Outra questão é a do
artigo 801º nº 2. Alguns institutos só se aplicam aos contratos bilaterais, temos de
conhecer a distinção para saber em que casos se aplicam.
Uma outra hipótese são os contratos bilaterais imperfeitos, não são
contratos bilaterais e estes institutos não se aplicam aos contratos bilaterais
imperfeitos. São contratos em que só há obrigações para uma das partes
inicialmente, começam por ser contratos unilaterais, mas depois durante a vida dos
contratos vai surgir uma obrigação para a parte que não tinha nenhuma, mas não há
uma relação de correspetividade entre essa obrigação posterior e as obrigações
impostas inicialmente à contraparte. Por exemplo: um mandato ou um mútuo
gratuito.
101
é um negócio jurídico unilateral recetício. Esta denúncia significa pôr fim ao
contrato.
Os negócios unilaterais estão sujeitos ao princípio da tipicidade (ou numerus
clausus). A autonomia privada tem uma expansão muito maior no domínio dos
contratos (negócios bilaterais) e tem uma expressão mais diminuta nos negócios
unilaterais em virtude deste princípio que resulta do artigo 457º. Não temos
negócios unilaterais para além dos previstos na lei.
Esta distinção é estrutural, porque o critério que serve de base
à distinção é o critério da estrutura do negócio.
Uma outra distinção que abrange todos os negócios jurídicos é aquela que
distingue:
o negócios entre vivos: produzem todos os seus efeitos jurídicos durante a vida
dos intervenientes;
o negócios mortis causa: produzem os seus efeitos após a morte dos
intervenientes, de que é exemplo paradigmático o testamento. São negócios
fora do comércio jurídico, no sentido de que, na sua regulamentação, os
interesses do declarante devem prevalecer sobre o interesse na proteção da
confiança do destinatário dos efeitos respetivos.
102
Quando, nos casos excecionais em que a lei prescrever uma certa forma, esta
não for observada, a declaração negocial é nula (artigo 220º).
A regra geral da liberdade de forma conhece variadas exceções, há muitos
negócios para os quais a lei exige documento autêntico, é um documento exarado
por um notário ou qualquer outro oficial de fé pública, será o caso do testamento
(artigo 2204º), compra e venda de imóveis (artigo 875º) e doação de imóveis (artigo
947º nº 1). A doação de coisas móveis não depende de formalidade externa, se for
acompanhada de tradição de coisa doada. A palavra tradição remete para a entrega
da coisa. Mas e se esta não for entregue? Então a doação só pode ser feita por
escrito particular para ser válida. A doação de coisas móveis não é um contrato real
quanto à constituição. A doação é um contrato consensual, pelo que basta o acordo
das partes. A questão da entrega da coisa prende-se com a forma do negócio. Se não
houver entrega da coisa, o negócio é inválido formalmente.
Outra forma possível é o documento particular, todos aqueles em que não
intervém um oficial dotado de fé pública, mas podem ser a posteriori autenticados e
nesta autenticação é que vamos ter intervenção de alguém que é dotado – artigo
363º nº 3. Hoje a autenticação de documentos não é feita apenas pelos notários,
pois é permitida a autenticação feita por outras entidades – artigo 38º do DL nº 76-
A/2006, de 29 de março, pelo que não há uma hierarquização entre os documentos
autenticados pelas diferentes entidades. Os documentos autenticados têm a mesma
força probatória que os documentos autênticos (artigo 377º). No entanto, se a lei
exigir documento autêntico, não pode ser substituído por documento particular
autenticado. Exemplo em que a lei exige documento particular: artigo 947º nº 2 (a
tradição é a entrega), contrato-promessa (artigo 410º nº 2), mútuo (depende do
valor mutuado) – até 2.500€ é um contrato informal, até 25.000€ exige documento
particular, a partir daí exige-se escritura pública ou documento particular
autenticado (artigo 1143º).
O casamento é um negócio solene, formal, em que se exige muito mais do
que um documento (artigo 1615º). Quanto maiores e mais exigentes forem as
formalidades, mais potencia uma maior ponderação dos intervenientes.
Atente-se a uma outra distinção que tem como critério a natureza da relação
jurídica constituída, modificada ou extinta pelo negócio:
o negócios obrigacionais: vigora o princípio da liberdade negocial (artigo 405º)
quase inconfinadamente. Quanto aos contratos, abrangendo a liberdade de
fixação de conteúdo dos contratos típicos, de celebração de contratos
diferentes dos previstos na lei e de inclusão nestes de quaisquer cláusulas.
Quanto aos negócios unilaterais, vigora, porém, o princípio da tipicidade;
o negócios reais: o princípio da liberdade contratual sofre considerável
limitação, derivada do princípio da tipicidade, visto que não é permitida a
constituição, com caráter real, de restrições ao direito de propriedade ou
figuras parcelares deste direito, senão nos casos previstos na lei (artigo
1306º). Só podem constituir-se direitos reais típicos, embora essa
constituição possa resultar de um negócio atípico;
o negócios familiares:
o pessoais: a liberdade está praticamente excluída, há pouca margem
para autonomia. São exemplo o casamento, a perfilhação e a adoção;
103
o patrimoniais: há uma maior amplitude, embora com algumas
restrições (artigo 1628º). São exemplo as convenções antenupciais;
o negócios sucessórios: o princípio da liberdade contratual sofre importantes
restrições, resultantes de algumas normas imperativas do Direito das
Sucessões (sucessão legitimária, proibição dos pactos sucessórios, etc.). São
exemplo deste tipo de negócios o testamento e os pactos sucessórios.
A distinção é útil, pois há regras diferentes para estes negócios. Tem uma
aplicação prática, na medida em que vai levar ao afastamento das regras gerais e à
aplicação de regras diferentes. A sua importância prende-se com a interpretação do
negócio jurídico.
Uma figura que pode aparecer é o negócio misto. A tem um terreno que vale
x e vende-o a B por metade do preço. Não é falta de habilidade do vendedor para
fazer o negócio ou de o comprador ter conseguido negociar o preço. Numa primeira
análise, diríamos que era uma compra e venda. Mas se A vende para beneficiar B,
supondo que tem uma oferta de C por duas vezes o preço, na realidade, isto não é
uma compra e venda pura, porque na compra e venda há a tal correspetividade das
prestações e, neste caso, A intervém no negócio, em parte, com espírito de
liberalidade. Que negócio é este? Não é uma doação nem uma compra e venda, é
um negócio misto de doação e de compra e venda. Levanta o problema de saber
qual o regime aplicável, mas não podemos aplicar sem mais as regras da compra e
104
venda, porque há a intervenção de um espírito de liberdade que não está incluído na
compra e venda, mas a doação também não se aplica verdadeiramente. No fundo,
são os negócios atípicos, 50% de um e 50% de outro, que a nossa lei não prevê.
Estamos no domínio, por excelência, da liberdade contratual do artigo 405º, é uma
possibilidade que está sempre em aberto com base no princípio da liberdade
contratual.
Esta distinção é importante em várias situações. É o caso da proteção de
terceiros de boa fé prevista no artigo 291º. Esta distinção também releva em
situações que se prendem com a impugnação pauliana, ou seja, com situações em
que há possibilidade de um credor desfazer os negócios celebrados pelo seu
devedor. Assim, para este efeito, o regime a aplicar é distinto consoante o negócio
seja gratuito ou oneroso. O credor tem que provar a má fé do devedor, no caso de
negócio oneroso. No negócio gratuito, o credor não tem que provar nada, pelo que o
negócio pode ser impugnado.
105
A importância desta distinção prende-se com a questão da administração de
bens alheios ou no caso do antigo regime da inabilitação.
A declaração negocial
Noções gerais: o conceito e a importância da declaração negocial
106
uma vontade. Basta o comportamento de um indivíduo que seja interpretado como
tal. Quando se exige uma declaração de vontade, estamos a analisar os
comportamentos exteriorizados independentemente de existir uma vontade
negocial correspondente a esse comportamento.
Quem exterioriza um comportamento declarativo é designado de declarante.
A pessoa a quem é dirigido é designado de declaratário, é quem recebe a declaração
negocial. De acordo com a organização adotada no Código, na parte geral, o
legislador pegou em tudo o que era comum a todos os negócios jurídicos. Se
pensarmos num contrato, temos de ter pelo menos duas declarações negociais, mas
quantos declarantes temos? Dois, pelo menos. Quando temos um contrato de
compra e venda, temos o comprador e o vendedor que dizem “eu compro” e “eu
vendo” respetivamente, e deste consenso forma-se o contrato. Do lado do
comprador, temos um declarante (comprador) e um declaratário (vendedor) e do
lado do vendedor, temos um declarante (vendedor) e um declaratário (comprador).
Quando há um vício de vontade, temos de analisar cada declaração por si.
107
mas não há vontade de ação, o gesto não foi feito de forma consciente e
voluntária. É o que falha nas situações de coação absoluta;
o vontade de declaração/da relevância negocial da ação: consiste em o
declarante atribuir ao comportamento querido o significado de uma
declaração negocial, o que apenas se verifica se o declarante tiver a
consciência e a vontade de que o seu comportamento tenha significado
negocial vinculativo. Exemplo: alguém entra distraidamente com o carro
num local que é um parque de estacionamento privado. Ou no leilão, X
acena ao amigo. Aqui há vontade de ação, mas não há vontade de
declaração. Adota o comportamento que visto exteriormente é visto como
declaração;
o vontade negocial/vontade do conteúdo da declaração/intenção do
resultado: haverá vontade de ação, haverá vontade de declaração, mas para
haver vontade negocial é preciso que o declarante queira celebrar
determinado negócio específico/concreto. É uma vontade dirigida à
celebração de um negócio em concreto. Consiste na vontade de celebrar um
negócio jurídico de conteúdo coincidente com o significado exterior da
declaração. Por aqui já se vê que a vontade negocial pode ter desvios, mas
não pode falhar por completo. Exemplo: A quer comprar o objeto x, mas
enganou-se na designação do objeto, queria o y. Nestes casos, temos
vontade de ação e vontade de declaração. Estão pressupostas as anteriores,
o que está em causa é a vontade de celebração de um determinado negócio
específico.
Modalidades de declaração:
- expressa: prevista no artigo 217º, é dirigida diretamente a um determinado sentido
que o declarante lhe quer dar. Por vezes, a lei exige que a declaração negocial seja
expressa, por exemplo na renúncia expressa à hipoteca (artigo 731º);
108
- tácita: o declarante não emite uma declaração que vá diretamente num sentido,
mas os factos interpretados levam a deduzir que há uma vontade indireta. A lei, por
vezes, diz expressamente em situações de dúvida que determinadas declarações
podem ser tácitas (como nos artigos 302º ou 2056º), são hipóteses que o legislador
optou por razões de clareza, mas se nada for dito vale a regra geral do artigo 217º da
liberdade declarativa.
Em suma, a declaração é expressa quando feita por palavras, escrito ou
quaisquer outros meios diretos, frontais, imediatos de expressão de vontade e é
tácita quando do seu conteúdo direto se infere um outro.
Protesto e reserva
109
A reserva constitui uma modalidade de protesto em que, concretamente, o
declarante vem dizer que não renuncia a um determinado direito ou não admite que
recaia sobre ele determinada obrigação, nem se renuncia a um direito que se tem
como próprio nem se admite ser titular de uma obrigação, faz-se uma declaração
com reserva. Exemplo: A é credor de B e A entende que B lhe deve 1.500€ e B diz
que deve só 1.000€. B propõe-se a pagar 1.000€ e A não quer que, ao recebê-lo,
abdique do restante, pode aceitar os 1.000€ sob reserva, emite uma declaração de
aceitação da quantia sob a reserva de não abdicar de exercer o seu direito de
cobrança do valor que entende que ainda está em dívida.
110
formalizadas sejam nulas. Só assim não será, só se admitirá a sua validade, quando a
lei considerou quanto àquele negócio que aqueles aspetos não eram essenciais, são
aspetos laterais e é preciso provar que a vontade das partes ia no sentido da
integração daquela cláusula. Não é muito fácil considerar válidas cláusulas que não
tenham sido incluídas no documento. Ainda que sejam válidas, temos outras
limitações que decorrem do artigo 394º. Isto aplica-se ao acordo simulatório e
negócio dissimulado. Não é possível recorrer à prova testemunhal.
Relativamente a cláusulas posteriores, vale o artigo 221º, se não estiveram
incluídas no âmbito da forma não há problema, mas é sempre possível um pacto
posterior que altere o conteúdo do documento desde que as partes concordem. Os
pactos modificativos e aditivos são admitidos se formalmente válidos. Ou seja, as
estipulações adicionais não formalizadas, anteriores ou contemporâneas do
documento, não abrangidas pela razão determinante da forma, só produzirão
efeitos, se tiver lugar a confissão ou se forem provadas por documento, embora
menos solene do que o exigido para o negócio.
111
negócio é ineficaz – a forma tem caráter constitutivo. Se, por outro lado, a forma foi
convencionada após o negócio ou simultaneamente com ele, havendo, nesta última
hipótese, fundamento para admitir que as partes se quiseram vincular desde logo,
presume-se que as partes não quiseram substituir o negócio, suprimindo-o e
concluindo-o de novo, mas apenas visaram consolidá-lo ou qualquer outro efeito.
Se a forma for convencional, supondo que o negócio não é formal, as partes
não cumprem o pacto, o artigo 223º diz que as partes não quiseram celebrar o
negócio. Mas se o pacto quanto à forma só for convencionado depois da celebração
do negócio, ou seja depois de chegarem a acordo, aí entende-se que, em princípio,
se quiseram vincular desde logo e que a forma tem um valor meramente probatório
de consolidação do negócio, mas não substitui o negócio, nesses casos considera-se
o negócio celebrado, mas informal – artigo 223º nº 2. O que é relevante para aplicar
ou o nº 1 ou o nº 2 é saber quando foi adotado o pacto quanto à forma.
São presunções relativas ou iuris tantum (artigo 350º).
Para que tenhamos um negócio jurídico perfeito não é apenas necessário que
a declaração seja emitida de acordo com uma das modalidades do artigo 217º ou
silêncio ou declaração voluntária. É preciso ainda que as declarações negociais sejam
eficazes, para produzirem os seus efeitos.
Relativamente às declarações de vontade que têm destinatário, ou seja, que
são recetícias, a sua perfeição ocorre com base na doutrina da receção – eficácia nos
termos do artigo 224º. Para que a declaração recetícia se torne eficaz, basta que
chegue ao poder do destinatário ou que seja por ele conhecido. Para que chegue ao
poder do destinatário, basta que ele esteja em condições para conhecer a
declaração, não é preciso que efetivamente conheça. Se a declaração for conhecida
do declaratário antes de chegar ao seu poder, valor o momento do respetivo
conhecimento.
Mas o artigo 224º não se fica por esta regra do nº 1. Há ainda a regra auxiliar
do nº 2. Se não foi recebida pelo destinatário por culpa dele, considera-se eficaz.
Por outro lado, há o nº 3 que se aplica, por exemplo, quando um português
recebe uma declaração de vontade escrita em japonês.
Quanto às declarações de vontade não recetícias, que não têm de chegar ao
poder de alguém, há o artigo 224º nº 1 segunda parte. Com a exteriorização, já
temos eficácia. É o que acontece, por exemplo, relativamente ao testamento (artigo
2179º) ou relativamente à promessa pública (artigo 459º).
Em suma, a declaração negocial com um destinatário ganha eficácia logo que
chegue ao seu poder ou é dele conhecida. As declarações não recetícias tornam-se
eficazes logo que a vontade se manifesta na forma adequada. Temos, assim, a
doutrina da receção quanto ao momento da sua conclusão (artigo 224º nº 1) – o
contrato está perfeito quando a resposta, contendo a aceitação, chega à esfera de
ação do proponente, isto é, quando o proponente passa a estar em condições de a
conhecer.
112
fundamental. O proponente fica vinculado na medida da sua proposta. Faz uma
proposta e cabe ao aceitante aceitar ou não, podendo fazê-lo a todo o tempo. Por
este motivo, há quem entenda que o destinatário tem o direito potestativo de
desencadear os efeitos do negócio.
No artigo 226º nº 2, a ideia é proteger a contraparte e a confiança que é
gerada. Se há uma retratação, deixa de haver confiança e não há necessidade de
proteção desta confiança.
O artigo 226º nº 1 aborda o caso em que alguém envia uma declaração
negocial que chega ao seu destinatário e o proponente morre e o aceitante emite a
sua aceitação aos herdeiros do proponente. Temos um contrato. Em regra, só os
negócios pessoais se extinguem com a morte de uma das partes. A partir do
momento em que a proposta é enviada e o destinatário aceita, só pode haver
alteração por mútuo acordo.
Já o artigo 231º nº 2 prescreve os casos em que se é emitida uma proposta
negocial, tornando-se eficaz e o destinatário emite uma aceitação e este morre
antes da aceitação ser recebida – com a sua morte, a proposta torna-se ineficaz. O
que cai é a proposta, que se torna ineficaz por morte do destinatário. Se o contrato
se celebra antes da morte, os efeitos recaem sobre os herdeiros.
113
Algo semelhante se passa em relação aos convites em rede – Decreto-Lei nº
7/2004 (Lei do Comércio Eletrónico).
Outra questão está relacionada com os contratos à distância por venda por
catálogo. Serão convites a contratar ou propostas contratuais? Há o Decreto-Lei nº
24/2014, nomeadamente o artigo 21º. Para que um catálogo seja uma proposta
contratual, é necessário que todos aqueles elementos se verifiquem. Caso contrário,
estaremos apenas mediante um convite a contratar.
Temos de ver caso a caso para sabermos se já estão determinados todos os
aspetos essenciais do contrato e se a declaração tem já o conteúdo de vontade de
celebrar o contrato. se este contiver todos os elementos considerados essenciais
para bastar a simples aceitação do destinatário, consideramos aquela oferta em
linha uma proposta contratual. Caso contrário, considera-se que temos um mero
convite a contratar e será o cliente a fazer a proposta.
114
lhe quis dar e o declaratário quererá que ela valha com o sentido que ele percebeu
que ela tinha. Estes interesses podem não coincidir.
115
Relativamente aos testamentos, há regras especiais, pois a regra do artigo
236º só se refere a contratos. Para os testamentos, temos a valorização de uma
interpretação subjetivista (artigo 2187º) em que o legislador procura a vontade do
testador. O nº 2 do mesmo artigo diz que é admitida prova complementar, mas
desde que esta vontade do testador tenha alguma expressão no documento. Aqui, a
lei admite ir buscar elementos estranhos ao próprio testamento para apurar a
vontade do testador, mas é preciso que, no contexto, haja alguma correspondência.
Depois temos algumas regras complementares (artigo 2203º), permite-se corrigir a
vontade do testador que tenha sido expressa de forma inexata em caso de erro.
116
- divergências não intencionais: quando o dissídio em apreço é involuntário, porque
o declarante não se apercebe da divergência ou porque é forçado irresistivelmente a
emitir uma declaração divergente do seu real intento.
Divergências intencionais:
o simulação (artigos 240º a 243º): temos um declarante que emite uma
declaração negocial de acordo com o declaratário no intuito de enganar um
terceiro. Temos uma declaração que é feita por um declarante que não quer
aquilo que declara, essa divergência resulta de um acordo com o
declaratário, este conhece a divergência e visam ambos enganar terceiros,
normalmente a fazenda pública;
o reserva mental (artigo 244º): o declarante emite uma declaração que não
corresponde à sua vontade, não há qualquer conluio com o declaratário pois
o declarante visa enganar o próprio declaratário;
o declarações não sérias (artigo 245º): o declarante emite uma declaração que
não corresponde à sua vontade, o declaratário desconhece essa divergência,
mas aqui o declarante pensa que o declaratário sabia. O declarante não quer
enganar o declaratário, pensa que ele sabia dessa divergência, que se
apercebia do caráter não sério da declaração.
117
que se nos apresenta quando o declarante está equivocado sobre o
verdadeiro nome de um objeto, dando-lhe outra denominação.
118
o teoria da culpa in contrahendo: parte da teoria anterior, mas acrescenta-lhe
a obrigação de indemnizar a cargo do declarante, uma vez anulado o negócio
com fundamento na divergência, se houve dolo ou culpa no dissídio entre a
vontade e a declaração e houve boa fé por parte do declaratário. A
indemnização visa cobrir o interesse da confiança, isto é, repor o
declaratário lesado com a invalidade na situação em que estaria se não
tivesse chegado a concluir o negócio;
o teoria da declaração: dá relevo fundamental à declaração (ao que foi
exteriorizado) e pode ser subdividida:
o posição mais extrema: o negócio produz sempre os seus efeitos de
acordo com a vontade declarada, há uma adesão rígida à expressão
literal;
o posição atenuada com base na confiança: a divergência entre a
vontade real e o sentido objetivo da declaração, isto é, o que um
declaratário razoável lhe atribuiria, só produz a invalidade do
negócio, se for conhecida ou cognoscível do declaratário.
Não é possível uma opção rígida por um dos lados da dicotomia. Ainda assim,
o nosso Código tem claramente uma tendência no sentido declarativista, mais
precisamente pela teoria da confiança, no sentido de favorecer a vontade
manifestada da declaração e de proteger a posição do declaratário. É a solução mais
justa e conforme aos interesses gerais do tráfico.
Modalidades da simulação
119
credores, finge com B, um seu amigo, vender esse bem, celebrando um contrato de
compra e venda, mas não sendo pago preço nenhum;
- simulação relativa: prevista no artigo 241º, em que as partes querem celebrar o
negócio, no entanto o negócio que querem celebrar não é aquele que dizem querer
celebrar. Podemos ter várias hipóteses – dizem celebrar compra e venda quando
querem doação, dizem celebrar entre eles e na verdade querem beneficiar terceiro.
Em qualquer dos casos, por detrás do negócio simulado/aparente há um outro
negócio, aquele que verdadeiramente se quer celebrado – negócio dissimulado ou
oculto. Como tal, surge o problema do tratamento a dar ao negócio dissimulado que
fica a descoberto com a nulidade do negócio simulado.
Quanto aos efeitos, o negócio simulado é nulo (artigo 240º nº 2). A lei
considera a simulação uma divergência tão importante que condena à ineficácia
total o negócio simulado. Não há que tomar em conta quaisquer expectativas do
declaratário, pois este interveio no acordo simulatório. Só os interesses de terceiros
de boa fé que tenham confiado na validade do negócio simulado exigem
ponderação.
Nos testamentos, o negócio era anulável, o legislador privilegiou a
subsistência do testamento em detrimento de, na sua base, estar uma divergência.
Também no casamento temos uma regra parecida (artigo 1635º alínea d)), em que o
casamento simulado é anulável.
O negócio simulado é nulo, não produz qualquer efeito. O artigo 242º nº 1
vem fazer uma precisão, dizendo que um simulador pode arguir contra o outro a
nulidade. De acordo com o respetivo regime geral, pode qualquer interessado
invocar a nulidade e o tribunal pode declará-la oficiosamente (o artigo 242º remete
para o artigo 286º). Esta regra geral em matéria de simulação é complementada com
o artigo 242º, não se pretere a aplicação do artigo 286º, mas temos uma
especificidade aqui introduzida.
O nº 2 vem prever uma hipótese que é um alargamento das pessoas com
legitimidade para arguir a nulidade, se não fosse esta disposição não poderiam
arguir a nulidade – negócios simulados com o intuito de prejudicar herdeiros
legitimários (artigo 2157º) em vida do autor da sucessão. A posição dos legitimários
em vida do autor da sucessão são titulares de simples expectativas que não são
expectativas jurídicas, não são juridicamente tuteladas só se a lei disser e a título
excecional. Neste artigo, os titulares de simples expectativas são protegidos, pois o
legislador constatou que as regras imperativas do Direito sucessório eram obviadas
120
desta forma. A lei diz que podem arguir a nulidade os interessados e juridicamente
os legitimários não são interessados. Há, assim, o alargamento da regra geral do
artigo 286º. Relativamente aos terceiros que são efetivamente interessados, é
indiferente se são prejudicados ou não, só interessa que sejam interessados.
Encontramos no nº 1 do artigo 242º um esclarecimento relativamente aos
simulados, que cabem no conceito de interessados do artigo 286º; enquanto que no
nº 2 temos verdadeiramente um alargamento.
A simulação relativa
121
Na simulação relativa subjetiva, o que é simulado são os agentes da
simulação. A hipótese mais comum desta modalidade prende-se com a interposição
fictícia de pessoas. A quer doar a B, mas não quer que se saiba que está a contratar
com B. Então celebra contrato com C e depois C contrata com B, sendo que o conluio
abrange A, B e C. Acordam que vão disfarçar o negócio efetivamente querido (A-B)
com a interposição fictícia de C. A quer contratar com C? Não, mas efetivamente
contrata. Há conluio entre eles para enganar terceiros. O negócio entre A e C é nulo,
porque é simulado. C quer contratar com B? Não, há divergência, há conluio com
intuito de enganar terceiros. O segundo negócio também é simulado, nenhum deles
quer contratar com o outro. Nestes negócios A-C-B, verificamos o preenchimento
dos requisitos do artigo 240º nº 1 – a consequência é a nulidade (artigo 240º nº 2).
Mas temos um terceiro negócio, efetivamente querido entre A e B – negócio
dissimulado. Aqui levanta-se a questão. Para efeitos de apreciar a validade deste
negócio, vamos esquecer a simulação e vamos apreciá-lo à parte – artigo 241º. Se
houver proibição de A contratar com B, por exemplo, A cometeu adultério com B, o
negócio é nulo. Supondo que não há nenhuma proibição, simplesmente não queria
que se soubesse, não há vício nenhum do negócio, o negócio é válido e produz os
seus efeitos validamente.
Esta interposição fictícia não se confunde com a interposição real de pessoas:
alguém que negoceia em nome próprio no interesse de outrem, de uma forma
legítima, produzindo-se os efeitos na esfera daquele que celebrou o negócio –
mandato sem representação. O interposto atua em nome próprio, mas no interesse
de outrem, em sequência de um acordo entre os simuladores. Neste, o mandatário
obriga-se a transferir os efeitos para o mandante (artigo 1182º). No mandato há uma
interposição real de pessoas – artigos 1157º e seguintes. Um advogado é um
mandatário profissional, para além do forense. Nas hipóteses de simulação, as
partes dizem uma coisa e querem outra. Aqui dizem exatamente aquilo que querem.
Outra hipótese confundível com a simulação relativa é a hipótese da
representação, o representante atua de forma clara e aberta em nome de outra
pessoa. Se C tivesse uma procuração de A, o negócio era válido e os efeitos jurídicos
produziam-se diretamente na esfera de A. O representante não é parte do negócio,
apenas celebra o negócio em nome de A. Não é uma interposição real de pessoas,
porque o representante não é parte do negócio, não é um interposto.
Na prática, estas hipóteses podem ser muito difíceis de distinguir. Em última
instância, é uma questão de prova em saber se há divergência de vontade e
declaração. Em termos de regime jurídico, a solução de cada uma das hipóteses é
absolutamente diferente.
122
- quanto à natureza do negócio: diz que o negócio é compra e venda (negócio
simulado – nulo) e querem simular doação (negócio dissimulado – ver se é válido ou
inválido). Quando o negócio simulado resulta de uma alteração do tipo negocial
correspondente ao negócio dissimulado;
- quanto ao valor do negócio: A vende a B por 100.000€ (simulado) e na realidade
quer vender por 300.000€ (dissimulado).
123
O artigo 241º não esclarece totalmente. Mas o nº 2 é interpretado de forma
diferente pela doutrina. Há quem entenda que, se o negócio dissimulado não foi
celebrado com a forma prevista na lei, é nulo. Mas há quem diga que poderá
aproveitar a forma do negócio simulado, isto é, se a forma exigida para o negócio
dissimulado se encontra preenchida no negócio simulado, então o negócio
dissimulado é formalmente válido, porque aproveita a forma do simulado. Mas esta
tese do princípio geral de aproveitamento da forma tem muito pouca aceitação, até
porque surge um problema: o artigo 238º, quando a lei exige a forma, quer que
naquele documento se espelhe o negócio que efetivamente se quis celebrar e aqui o
que está no documento é uma coisa completamente diferente. Este aproveitamento
sem mais, embora seja defendido por alguma doutrina, não parece ser a solução
regra.
Uma hipótese que tem sido pacificamente aceite pela doutrina em geral é:
supor que há a compra e venda de um imóvel com preço 200.000€ na escritura
pública e, de facto, pagaram 500.000€. Tem-se entendido que, nestes casos, o
negócio dissimulado é válido. Na simulação do valor da compra e venda tem-se
entendido que o negócio dissimulado é formalmente válido, porque o preço sendo
elemento essencial não tem de ser determinado, mas determinável, e então o preço
pode ser acertado depois da compra e venda. Também há uma razão de ordem
prática: a nulidade do negócio dissimulado não interessa a ninguém, a quem menos
interessa é ao Estado que quer um negócio válido para tributar. Se assim o fosse,
tínhamos metade do país a viver em casa alheia. Com base nesta hipótese, vamos
admitir a validade do negócio dissimulado. Assim, quanto à simulação de preço, quer
o preço declarado seja maior, quer seja menor que o preço real, não há obstáculo de
natureza formal a que seja eficaz a venda pelo preço efetivamente convencionado.
Nos restantes casos (simulação de pessoas e simulação sobre a natureza do
negócio), o negócio é considerado formalmente inválido, a menos que tenhamos
conhecimento da forma – documento secreto que é possível no caso de documento
particular autenticado, mas não no caso de escritura pública.
Prova da simulação
124
faz-se num plano psicológico. Mas, na fraude à lei, as partes querem efetivamente
celebrar o negócio, ainda que com ele visem algo diferente. Na simulação, as partes
não querem celebrar o negócio, há uma divergência entre a vontade e a declaração.
A reserva mental
A reserva mental está prevista no artigo 244º. Nesta, temos uma declaração
diferente da vontade real, mas falta o conluio, porque o declarante quer enganar o
declaratário, o declaratário não faz parte desta divergência, ele é o enganado. Pode
ser desconhecida ou conhecida do declaratário, não nos bastamos com a
cognoscibilidade. São duas as notas que definem o conceito: a emissão de uma
declaração contrária à vontade real e o intuito de enganar o declaratário.
Em princípio, a reserva mental não é nula. Trata-se de uma exigência
elementar de justiça e de segurança. Não se poderia conceber que a confiança na
exteriorização de uma vontade pudesse ser afetada, se aquele que declara alguma
coisa como sendo a sua vontade pudesse invocar, para se desvincular, uma vontade
oculta contrária e a provasse sem margem para dúvidas. O artigo 244º nº 2 refere-se
ao conhecimento da reserva mental pelo declaratário e aqui é o efetivo
conhecimento. Se é cognoscível, mas não conhece, ele desconhece. Se for
desconhecida, não afeta a validade da declaração. Se for conhecida, a declaração é
nula. Assim, não há confiança do declaratário que mereça tutela.
Nos casos em que há dois declaratários, qualquer deles que não conheça a
reserva pode invocar a sua irrelevância.
Em algumas situações tem-se entendido, em casos limite em que a reserva
mental é motivada por intuitos com vista a beneficiar o declaratário e não é dele
conhecida, que é possível fazer intervir aqui o instituto do abuso de direito com vista
a obviar aos efeitos do negócio – artigo 334º. Assim, atenua-se a rigidez desta
doutrina, pois muitas vezes excederia os limites impostos pela boa fé e pelos bons
costumes a pretensão do declaratário por ser clamorosamente contrária ao
sentimento jurídico prevalente.
125
A falta de consciência da declaração e a coação física ou coação absoluta
Coação absoluta:
126
hipóteses de nulidade. Mas a professora Raquel Guimarães pensa que podemos
considerar que, nestes casos, nem sequer temos declaração.
Decidirmos por uma categoria de inexistência ou de nulidade tem diferentes
aplicações e regimes. Veja-se na proteção de terceiros de boa fé na simulação. As
declarações negociais não produzem efeitos, mas o artigo 246º acrescenta que, se é
imputável a culpa, que pode ser mera culpa (negligência), ele fica obrigado a
indemnizar o declaratário. É uma indemnização pelo dano da aparência, a confiança
que se gera é suscetível de indemnização na medida em que haja culpa do
declarante.
Hipótese mais comum será o erro na declaração, previsto nos artigos 247º e
seguintes. O que está em causa é uma divergência entre a vontade e a declaração
motivada por erro. Em virtude de erro, o declarante engana-se, é uma divergência
não intencional. A consequência de um erro deste tipo é agora a anulabilidade.
Que hipóteses estão aqui em causa? O declarante formula a sua vontade e,
no momento da declaração, diz algo diferente daquilo que queria dizer, na
formulação da declaração há um engano no meio declarativo adotado (erro
mecânico). Outra hipótese que também cabe aqui é o declarante emitir uma
declaração que é a que ele quer emitir, mas tem um sentido diferente daquele que
ele julgava ter, daquele que ele configurava quando formou a sua vontade. Num
caso ou noutro temos uma descontinuidade entre a vontade e a declaração, a
vontade está bem formada, o problema surge posteriormente no momento da
expressão dessa vontade (erro de juízo). O problema não é no elemento interno,
mas sim no elemento externo (expressão da vontade).
A consequência será a anulabilidade da declaração, mas não é uma
anulabilidade sem mais, porque o artigo 247º estabelece um requisito para que a
declaração seja anulada, que se prende já não com o declarante, mas com o
declaratário. O declaratário deveria saber que aquele aspeto sobre o qual incidiu o
erro era um aspeto considerado essencial para o declarante, que é algo diferente de
exigir ao declaratário que ele conheça o erro do declarante, não é isso que a lei diz.
Apela-se a uma cognoscibilidade.
Um aspeto é essencial quando é decisivo, se não se verificasse, o negócio não
seria concluído, essencial no sentido do artigo 232º para que o negócio possa ser
concluído. O erro tem de incidir sobre um desses aspetos decisivos, essenciais, não
pode ser um erro sobre um aspeto secundário. O declaratário tem de saber que
aquele aspeto é decisivo, não tem de saber que há um erro sobre aquele aspeto. Só
nestas situações é que a lei permite ao declarante a anulação do contrato.
Se o declaratário se apercebeu da divergência entre a vontade e a declaração
e conhece a vontade real do declarante, ele apercebeu-se do erro, nos termos do
artigo 236º nº 2 a declaração vale no sentido da vontade real. Se não conhece a
vontade real, mas aceita que o negócio produza os seus efeitos de acordo com essa
vontade, não temos razão para aplicar a anulabilidade e o negócio valerá com o
sentido pretendido pelo declarante, é essa a solução do artigo 248º. O negócio já
será anulável se o declaratário percebeu um terceiro sentido, não compreendeu a
vontade declarada e entendeu um terceiro sentido que nem corresponde ao sentido
127
declarado nem ao sentido efetivamente pretendido, temos um dissenso oculto, não
há acordo no sentido do artigo 232º, a invalidade não depende dos requisitos do
artigo 247º, nem sequer teríamos contrato.
Nalguns casos em que a aplicação do critério do artigo 247º lese com
extrema injustiça os interesses do declaratário, só se poderá obstar à anulação por
força do princípio do artigo 334º (abuso do direito de anular).
Em suma, temos:
- se o declaratário se apercebeu do dissídio entre a vontade real e a declarada e se
conheceu a vontade real do declarante, o negócio valerá de acordo com a vontade
real (artigo 236º nº 2);
- se o declaratário conheceu, ou devia ter conhecido, o próprio erro, o regime
aplicável é o da anulabilidade;
- se o declaratário aceitar o negócio como o declarante queria, a anulabilidade
fundada em erro não procede (artigo 248º);
- o erro de cálculo e o erro de escrita, ostensivamente revelados no contexto da
declaração ou nas circunstâncias que a acompanham, não dão lugar à anulabilidade
do negócio, mas apenas à sua retificação (artigo 249º);
- se o declaratário compreendeu um terceiro sentido que não coincide nem com o
querido pelo declarante, nem com o declarado, há lugar à anulabilidade sem a
exigência dos requisitos do artigo 247º, pois nada justifica fazer valer o negócio com
um sentido objetivo em que nenhuma das partes confiou – teoria da aparência
eficaz.
Os vícios da vontade
128
As hipóteses de vício da vontade são o conjunto de hipóteses que poderão
afetar a validade do negócio. O problema coloca-se ao nível da formação da
vontade. Para que o negócio jurídico produza os seus efeitos e cumpra a sua função
de instrumento da autonomia privada é preciso que a vontade dos intervenientes
seja esclarecida, assente em bases corretas, se forme sem vícios, sem deformações.
Se a vontade não é esclarecida, se foi inquinada por qualquer fator externo, então
dizemos que a vontade está viciada. E se o está, obviamente que esse vício da
vontade irá repercutir-se na declaração negocial que irá ser a tradução da vontade. A
declaração de vontade corresponde efetivamente à vontade, mas o problema é
anterior à formulação da vontade, o problema surge no próprio processo formativo
da vontade.
Tratam-se de perturbações do processo formativo da vontade, operando de
tal modo que esta, embora concorde com a declaração, é determinada por motivos
anómalos e valorados pelo Direito como ilegítimos.
129
negócio. O legislador diz que, havendo estes defeitos, para que o negócio seja
anulável, têm de se verificar os requisitos da anulabilidade por erro, exige que se
verifique uma hipótese de erro para a compra e venda. Um outro domínio onde
temos um regime de defeitos é na locação (artigo 1035º). O Decreto-Lei nº 67/2003
tem origem numa diretiva europeia, faz relevar diretamente o vício redibitório, a
existência de um vício na coisa desencadeia uma série de consequências, parte do
pressuposto de uma base diferente da adotada pelo nosso legislador. No que
respeita à matéria do Código Civil, temos vários regimes de vícios e os que afetam a
própria coisa não surgem autonomizados e a sua relevância depende da verificação
dos pressupostos dos vícios da vontade.
130
os requisitos legais de forma negocial, a ilicitude do objeto, a capacidade do errante.
Alguém só contrata porque julga que o contrato é informal, se soubesse que exigia
escritura pública nunca teria contratado porque não estava disposto a pagar a
escritura, não é inválido por erro, mas sim por falta de forma.
131
anulabilidade. Quais são os casos que o legislador autonomiza? O erro sobre o
objeto do negócio, o erro sobre o sujeito e o erro sobre a base negocial. Os dois
primeiros aparecem no artigo 251º e o último no artigo 252º nº 2. Este erro sobre a
pessoa do declaratário ou sobre o objeto do negócio aparece-nos autonomizado
relativamente à generalidade de motivações porque se entende que o que está em
causa é o próprio objeto ou a pessoa do declaratário, isso são aspetos fundamentais
do negócio e deve-se facilitar a anulabilidade.
O legislador diz que, nestas situações excecionais, o negócio é anulável.
Todos os motivos que não estão autonomizados cabem na hipótese geral do artigo
252º nº 1. Como os motivos que determinam a vontade ficam normalmente no
plano psicológico, não podemos impor à outra parte que o negócio em que confiou
seja destruído por algo que ela não possa conhecer. Ninguém é transparente a esse
ponto. Mas há motivos que são importantes e, se há erro nesses motivos, o
legislador facilita a anulabilidade.
Estas hipóteses estão previstas, como se disse, no artigo 251º e podemos
fazer algumas distinções:
o erro sobre a pessoa do declaratário: pode incidir quer sobre a identidade do
declaratário ou sobre as qualidades pessoais do declaratário. O erro sobre a
identidade só conduz à anulabilidade se se queria beneficiar uma
determinada pessoa e ela é uma pessoa diferente. As qualidades podem ser
habilitações profissionais, podem ser determinadas qualificações, mas não a
sua capacidade, aí o erro não é próprio, é da validade do negócio.
Relativamente ao casamento, temos um regime especial nos artigos 1635º
alínea b) e 1636º. Aqui temos um regime específico, exige que o erro seja
desculpável e que, sem ele, o casamento não teria sido celebrado (critério da
razoabilidade);
o erro sobre o objeto: poderá estar em causa a identidade, a sua substância, as
suas qualidades essenciais. Por exemplo, um terreno com uma viabilidade de
construção diferente, com dimensão diferente, um objeto que pensava ser
de prata e é de metal. O que está em causa é diretamente o objeto do
negócio e não os efeitos que o negócio produz.
Em qualquer destes casos, o que o artigo 251º nos diz é que o negócio será
anulável se se verificarem os requisitos do artigo 247º. O requisito de relevância do
erro-vício sobre a pessoa do declaratário ou objeto do negócio é o mesmo exigido
para a relevância do erro-obstáculo – requisito de cognoscibilidade. Isto significa
que, na hipótese de há pouco, para que o negócio seja anulável, o beneficiário da
doação sabia que não era o filho do amigo ou também ele estava em erro, achava
que era o filho.
132
Relativamente a estas hipóteses, a lei diz que devem ser tratadas da mesma
forma que é tratada a alteração de circunstâncias no negócio. Também aqui temos
uma remissão do artigo 252º nº 2 para a regra da alteração das circunstâncias no
negócio – artigo 437º. As hipóteses são distintas, mas as condições de relevância são
as mesmas. Se excecionalmente as condições que existiam quando se celebrou o
negócio se alteraram, há a possibilidade de modificar ou resolver o negócio, nos
termos do artigo 437º.
O que esteve na origem destas hipóteses foram os chamados coronation
cases. Em Inglaterra, no século XVIII, houve a coroação do rei Eduardo VII e estava
previsto um desfile de coroação. Várias pessoas arrendaram varandas para a
visualização do desfile a preços exorbitantes, que, entretanto, foi cancelado. Até que
ponto as pessoas ficam vinculadas ao compromisso perante a alteração imprevisível
das circunstâncias? De acordo com o princípio da pontualidade, os contratos têm de
ser cumpridos pontualmente, ponto por ponto. O nosso legislador consagrou
expressamente a hipótese de alteração ou resolução do contrato em função da
alteração superveniente das circunstâncias e subordinou a relevância da alteração
das circunstâncias aos seguintes requisitos – alteração anormal das circunstâncias
(implica a imprevisibilidade e a superveniência dos fatores determinantes), tem de
afetar gravemente o princípio da boa fé e não estar coberta pelos riscos próprios do
contrato. A relevância do artigo 437º é para as circunstâncias que se julgam que
viriam a manter e não se mantêm, algo que acontece de anormal posteriormente à
formação da vontade. No erro sobre a base do negócio, não temos alterações
supervenientes, acontece que a realidade que pensávamos existir não existe. Da
remissão para o artigo 437º resulta que o erro só será relevante se o cumprimento
da obrigação afetar gravemente o princípio da boa fé e não estiver coberto pelos
riscos próprios do contrato. Pergunta-se se vamos buscar apenas os requisitos de
relevância ou se vamos buscar também a consequência? A consequência das
hipóteses de erro é a anulabilidade, a do artigo 437º é a alteração ou resolução do
contrato. A professora Raquel Guimarães pensa que é a anulabilidade, embora a
doutrina seja divergente. O que está em causa é a própria validade do negócio. A
solução da resolução pressupõe a celebração de um negócio válido. No erro-vício,
temos a vontade inquinada com um erro e isso põe em causa a própria validade do
negócio e isso leva à anulabilidade e não à resolução.
Uma outra hipótese é as partes contratarem hoje pensando que amanhã vai
acontecer determinada coisa e não acontece – erro quanto ao futuro/quanto à
pressuposição. O erro não tem nada a ver com algo do presente ou passado, tem a
ver com algo projetado no futuro e que não se verifica. Estas situações são tratadas
como as hipóteses do artigo 437º, o erro projeta-se só no futuro. Aqui as partes
querem que as circunstâncias se alterem e elas não se alteram e no artigo 437º elas
não querem que se alterem e elas alteram-se. São hipóteses que ficariam
acauteladas se se introduzisse no contrato uma condição. Mas por vezes as partes
não o conseguem prever.
O dolo
133
Trata-se de um erro determinado por um certo comportamento da outra
parte. O dolo é um erro qualificado. Ou seja, o dolo é outro vício da vontade e
sempre que temos dolo temos erro. Só que o dolo é um erro qualificado, porque no
erro-vício o declarante engana-se a formar a sua vontade, no dolo o declarante é
enganado. Mas se ele é enganado, ele está enganado, portanto se há dolo, há erro.
O legislador considera mais grave uma pessoa ser enganada do que uma pessoa se
engane, sobretudo quando o declarante é enganado pelo declaratário. A lei facilita a
anulabilidade do negócio na hipótese de o dolo provir do declaratário.
Começa por nos dar uma noção de dolo no artigo 253º nº 1, é uma noção
geral de dolo. Temos várias hipóteses: comportamento ativo do declaratário ou
comportamento passivo, pode ser positivo ou negativo, fazer algo ou deixar de fazer
algo (ou seja, não esclarecer o outro). Mas esta é apenas uma definição, e a
consequência? No nº 2, vem-se esclarecer outra coisa: quando é que este dolo é
ilícito (pois o dolo pode ser lícito e, se o for, não tem consequências). A lei parte de
uma noção geral de dolo e só depois vem dizer que há dolo lícito e ilícito. A nós
interessa-nos apenas dolo ilícito. Como é que sabemos se é ilícito ou lícito? Depende
de o dolo ser positivo ou negativo.
134
O dolo negativo corresponde à omissão de esclarecimento, que só constituirá
dolo ilícito quando exista um dever de elucidar por força da lei, de estipulação
negocial ou das conceções dominantes no comércio jurídico (artigo 253º nº 2
segunda parte). São aqui também relevantes os ditames de boa fé, a que se refere o
artigo 227º nº 1.
135
anulabilidade parcial, em que o negócio em si não é prejudicado. É terceiro para
estes efeitos quem não estiver envolvido na conclusão do negócio, nem como parte,
nem como representante, auxiliar ou cônjuge de parte.
Resulta dos artigos 1631º alínea b) e 1636º que, no casamento, o dolo não
tem relevância específica em relação ao erro.
A coação moral
136
A lei estabelece uma ligeira diferença entre as condições de relevância da
coação como motivo de anulabilidade, num e noutro caso (artigo 256º segunda
parte).
Condições de relevância da coação exercida pelo declaratário:
- tratar-se de uma coação essencial ou principal;
- intenção de extorquir a declaração;
- ilicitude da ameaça: ilegitimidade dos meios empregues e da prossecução daquele
fim com aquele meio.
A coação exercida por terceiro provoca a anulabilidade do negócio e põe a
cargo do coator uma obrigação de indemnizar o declarante e o declaratário (se este
não for cúmplice do terceiro). O negócio só será anulável na sua totalidade, quer o
coator seja beneficiado por cláusula a seu favor, existente no contrato, quer não
seja, e haja ou não conhecimento ou cognoscibilidade do vício por parte do
declaratário (artigo 256º primeira parte).
O Código Civil exige, ainda, dois requisitos para a coação por terceiro (artigo
256º segunda parte):
- gravidade do mal cominado;
- justificado receio da consumação do mal.
A incapacidade acidental
O estado de necessidade
137
Constitui uma situação de receio ou temor gerada por um grave perigo que
determina o necessitado a celebrar um negócio para superar o perigo em que se
encontra. Pode ser originado por um facto natural ou por um facto humano.
Este regime não se aplicará, havendo lugar à nulidade, quando a pessoa que
se aproveita conscientemente da situação de necessidade tinha o dever de auxiliar o
necessitado (dever jurídico ou um imperativo dever moral de auxílio). Nesta
hipótese, a nulidade tem como fundamento a contrariedade à ordem pública ou a
ofensa dos bons costumes (artigo 280º).
6.6. Representação
A representação nos negócios jurídicos
138
Espécies
Institutos afins
139
É preciso distinguir ainda o representante do simples núncio. O
representante, ao contrário do núncio, nunca recebe, nem mesmo quando a
procuração é especial, um mandato absolutamente especificado e imperativo.
O representante emite uma declaração em nome de outrem, o núncio
transmite uma declaração de outrem. O representante consuma, o núncio transmite
o já consumado.
A qualidade de representante ou de núncio afere-se à luz do comportamento
do sujeito em face da contraparte e não em face da vontade do comitente. Ou seja,
numa situação concreta, para sabermos se determinada pessoa atua como núncio
ou representante, temos que saber se ele emitiu uma declaração negocial própria ou
alheia.
O representante não precisa de ter plena capacidade legal (artigo 263º).
Quanto ao núncio, bastará a capacidade natural para transmitir a declaração de
vontade.
Se o representante excede os seus poderes de representação, o negócio é
ineficaz em relação ao representado (artigo 268º), se este não atribuir àquele
legitimidade representativa posteriormente através de ratificação. Se o núncio
transmitir a sua declaração inexatamente, o dominus poderá ficar vinculado nos
termos da declaração emitida, se não se verificarem os requisitos exigidos no artigo
250º, para a relevância, no sentido da anulabilidade, do erro na transmissão da
declaração.
Pressupostos da representação
140
Os negócios consigo mesmo
A representação voluntária
141
O artigo 266º determina que a modificação ou extinção da procuração tem
de ser levada ao conhecimento dos terceiros por meios idóneos e, se não o forem,
não são oponíveis, a menos que se mostre que delas tinham conhecimento no
momento da conclusão do negócio. Se a revogação não é oponível a terceiros, os
efeitos da representação produzem-se na esfera do representado. Para ser oponível
a terceiros é necessário que se prove que ele conhecia a procuração no momento da
extinção do negócio. O ónus da prova recai sobre o declaratário.
O nº 2 do mesmo preceito engloba a renúncia e a revogação como causas de
extinção da procuração. A renúncia é um negócio jurídico unilateral através do qual
o representante abdica dos seus poderes representativos. A revogação dá-se por
iniciativa do representado.
A lei determina que a renúncia e a revogação da procuração não podem ser
opostas a terceiro que, sem culpa, as tenha ignorado. Neste caso, tem de ser o
terceiro a provar que ignorava sem culpa a renúncia, pelo que o ónus da prova recai
sobre ele.
A procuração
Podemos distinguir:
- procurações gerais: conferem poderes para uma multiplicidade de negócios;
- procurações especiais: conferem poderes para determinados atos em concreto.
142
exigida para a procuração e tem efeitos retroativos. Todavia, a retroatividade não
prejudica direitos entretanto adquiridos por terceiros. A contraparte pode fixar um
prazo para a ratificação, uma vez que fica num estado de incerteza.
Não havendo ratificação, o representante sem poderes, verificada culpa sua,
responde perante a contraparte, com fundamento em responsabilidade pré-negocial
(artigo 227º). Se o representante sem poderes conhecia a falta de legitimidade
representativa, a contraparte pode optar pela indemnização pelo não cumprimento
do contrato. Seja na representação legal, seja na representação voluntária,
verificada uma situação de responsabilidade, aplica-se o artigo 800º nº 1.
Esta situação é compatível com a hipótese de existir uma procuração, desde
que os poderes exercidos sejam distintos do que os conferidos na procuração. É o
caso da procuração que confere um determinado poder e o procurador usa outro
poder no exercício das suas funções que não aquele que lhe foi conferido.
Veja-se a título de exemplo: A confere a B poderes de representação no
sentido de B arrendar a casa de A e B vende-a. É uma representação sem poderes,
pois B não tem poderes para vender a casa de A.
143
ele verifica que o representante ainda está dentro dos limites da procuração. Mas
não se consegue aperceber do abuso no exercício dos poderes mediante essa prova.
A condição
144
No entanto, em algumas situações, o legislador definiu um critério e
presumiu a natureza da condição. Segundo este critério, em casos de dúvida, tem de
se fazer uma presunção de que a condição é suspensiva, a não ser que se determine
que é resolutiva. Por exemplo o artigo 925º nº 1. Este é um problema de
interpretação e a lei, excecionalmente, estabelece uma presunção no artigo 2234º -
se a herança ou o legado for deixado sob condição de o herdeiro ou o legatário não
dar certa coisa, ou não praticar certo ato, a disposição considera-se feita sob
condição resolutiva.
145
Temos regras especiais em matéria sucessória. Nos artigos 2232º e seguintes,
temos regras especiais quanto a condições ilícitas.
Os artigos 2232º e 2233º especificam um conjunto de condições
consideradas contrárias à lei, uma vez que eram frequentes em testamentos. O
legislador tipifica, assim, algumas condições ilícitas que são mais comuns.
A condição de residir ou não residir em certo prédio ou local restringe a
liberdade. A condição de conviver ou não com certa pessoa também restringe o livre
desenvolvimento da personalidade. A condição de não fazer testamento restringe a
autonomia privada. Estas condições são ilícitas, na medida em que põem em causa a
liberdade e violam o artigo 70º.
O artigo 2233º nº 2 determina que é válida a prestação periódica para
produzir efeito enquanto durar o estado de solteiro ou viúvo do legatário. Este
número não interfere com a liberdade de contrair matrimónio. É uma forma de
proteger o legatário durante determinado período.
O artigo 2230º nº 2 determina que a condição ilícita se tem por não escrita,
ainda que o testador haja declarado o contrário. O legislador, em matéria sucessória
e de doações, considera que qualquer condição ilícita é não escrita. O que é isto de
ter uma condição por não escrita? A solução é diferente da nulidade prevista para
outros negócios com condições ilícitas. Relativamente aos negócios mortis causa, se
a solução da condição ilícita no testamento fosse a solução da parte geral do Código,
isso implicaria que todo o testamento seria nulo. Isto ia prejudicar o herdeiro, que é
quem se pretende beneficiar com a nulidade da condição. Tínhamos um resultado
contrário ao que a lei visa acautelar. Para além disso, essa nulidade da cláusula só
era questionada no momento em que se abre o testamento, ou seja, por morte do
testador. Tínhamos de declarar nulo o testamento e a vontade declarada ficava sem
efeito. A regra geral do Código Civil vale nos negócios inter vivos. Nestes negócios, as
partes podem renovar a sua vontade e celebrar o negócio noutros termos.
As regras especiais de condições ilícitas em matéria testamentária são
aplicáveis à doação, segundo o artigo 967º, não obstante ser um negócio entre vivos.
Uma doação em que se inclua uma condição que ponha em causa a liberdade do seu
beneficiário não é nula. Mas a cláusula ilícita torna-se nula para proteger o
beneficiário. Não se compreende a nulidade de todo o negócio, porque isso ia
prejudicar aquele que ia receber a doação.
146
solução diversa, por exemplo, o artigo 1618º nº 2, em que se tem por não escrita a
cláusula condicional.
Introduzindo uma condição, o negócio entra num estado de pendência. Não
existe um direito pleno, mas surge uma expectativa jurídica que goza de proteção
legal. O artigo 272º diz que “aquele que contrair uma obrigação ou alienar um
direito sob condição suspensiva, ou adquirir um direito sob condição resolutiva, deve
agir, na pendência da condição, segundo os ditames da boa fé, por forma que não
comprometa a integridade do direito da outra parte”. Neste regime, o legislador
quase que equipara a posição do alienante condicional na condição suspensiva à do
adquirente condicional na condição resolutiva em situações assimétricas. A
professora Raquel Guimarães diz que esta disposição poderia ser questionada.
Veja-se a título de exemplo: A celebra um contrato de compra e venda com
B, que é subordinado a uma condição suspensiva. O negócio é válido, mas só produz
os seus efeitos quando se verificar o acontecimento futuro e incerto. Enquanto não
se verifica a condição, o proprietário é A. B não adquire um direito real, mas tem
uma expectativa jurídica, a sua posição é protegida por lei. A, apesar de ser o
proprietário, tem de atuar de boa fé, nos termos do artigo 272º.
Num negócio com uma condição suspensiva, enquanto o acontecimento
futuro e incerto não se verifica, o credor condicional apenas tem uma expectativa de
eventual aquisição de um direito. Por isso, o artigo 273º permite que o adquirente
do direito, na pendência da condição suspensiva, possa praticar atos conservatórios.
É uma posição que ainda não é um direito, mas é protegida por lei.
Da mesma forma, o adquirente condicional tem a possibilidade de registar o
seu direito e, deste modo, pode opô-lo a outros direitos sobre o mesmo bem que
sejam incompatíveis com o seu. Por sua vez, o devedor condicional deve atuar de
boa fé e abster-se de comportamentos que prejudiquem o direito que o credor pode
vir a adquirir.
Portanto, o negócio sujeito a uma condição suspensiva ainda não tem
direitos atuais, mas produz efeitos provisórios na expectativa da produção de efeitos
definitivos.
Vejamos um outro exemplo: A e B celebram um contrato de compra e venda
com uma condição suspensiva. A não teve qualquer cuidado com o objeto, o seu
comportamento é contrário à boa fé. B, não sendo proprietário, mas tendo uma
expectativa, pode praticar atos de conservação da coisa que ainda não é dele, mas
que pode vir a ser sua.
147
Uma vez verificada a condição, o artigo 276º determina o princípio da
retroatividade da condição. Segundo este, os efeitos da condição retroagem à data
da conclusão do negócio. Este princípio não é absoluto, na medida em que as partes
podem dispor em sentido contrário ou a lei pode determinar que, pela natureza do
ato, não há retroatividade. As partes podem, assim, determinar que a condição não
tem efeitos retroativos ou podem reportar a consumação desse acontecimento a um
momento intermédio.
Temos exceções ao princípio da retroatividade, que se justificam na medida
em que beneficiam as partes. Nos termos do artigo 277º, os atos de administração
praticados pelo devedor condicional na pendência da condição são válidos. Também
é ressalvada a não retroatividade da aquisição de frutos, nos termos do artigo 277º
nº 3. Ao abrigo do artigo 1270º, o possuidor de boa fé faz seus os frutos naturais
percebidos até ao dia em que souber que está a lesar com a sua posse o direito de
outrem. Portanto, se a coisa gera frutos, estes ficam ressalvados da retroatividade.
Veja-se o seguinte caso: A vende a coisa a B mediante uma condição suspensiva. A é
o proprietário e B tem uma expectativa. Entretanto, a coisa gera frutos naturais.
Verifica-se a condição. Esta tem efeitos retroativos. Mas e os frutos que A colheu
entretanto? Estão ressalvados da retroatividade.
Se a condição suspensiva não se verificar, os efeitos provisórios são
destruídos e não se produzem efeitos definitivos.
148
Verifica-se a condição resolutiva e tudo se passa como se D nunca tivesse sido
proprietário. Mas os frutos ficam ressalvados da retroatividade.
Isto é diferente do que a lei prevê em matéria de resolução do contrato.
segundo o artigo 435º, a resolução, ainda que convencionada, não prejudica os
direitos adquiridos por terceiros. Por exemplo, E e F celebram um contrato de
compra e venda e convencionam uma cláusula de resolução. F celebra um contrato
de compra e venda da mesma coisa com G. A resolução tem, como regra, efeitos
retroativos, nos termos do artigo 433º. Mas não prejudica os direitos adquiridos por
terceiros. Assim, se o negócio entre E e F é resolvido, isso não vai prejudicar a
posição de G. A resolução do primeiro negócio não é oponível a G. A coisa já não
pode ser devolvida a E, porque G já é proprietário. Isto só não será assim se a coisa
vendida for um imóvel, no caso de G não registar e se tivermos uma ação de
resolução registada. Nesta hipótese, a resolução é oponível a G.
O termo
O termo é regulado no artigo 278º, mas este não nos apresenta uma noção
desta figura. O termo é o momento a partir do qual o negócio produz os seus efeitos
ou deixa de os produzir. Reporta-se ao início ou à cessação dos efeitos do negócio a
um acontecimento futuro e certo.
Podemos distinguir termo certo e incerto. Em qualquer dos casos estamos
perante um acontecimento futuro e que sabemos que se vai realizar, podemos é não
saber quando é que se vai concretizar. Se subordinarmos o negócio à morte de uma
das partes temos um termo, porque a morte é certa, todos vamos morrer, agora
quando não sabemos. Quando se sabe exatamente quando o acontecimento se vai
verificar, temos um termo certo. O termo incerto reporta-se a um termo futuro
certo, distingue-se da condição, a incerteza prende-se com o momento em que vai
acontecer, ou seja, quando não se sabe ao certo quando o acontecimento se vai
verificar.
O termo pode ser suspensivo e resolutivo. É suspensivo ou inicial quando
marca o momento a partir do qual o negócio produz os seus efeitos. Será resolutivo
ou final quando marca o momento em que o negócio deixa de produzir efeitos. Pode
ser estipulado em benefício do devedor ou do credor. Normalmente, o termo
resolutivo é até à verificação do termo e, quando verificado este, o negócio deixa de
produzir efeitos apenas para o futuro, não há eficácia retroativa. Antes de se
verificar o termo resolutivo, tudo se passa como se o contrato não estivesse sujeito a
termo.
O artigo 278º faz uma remissão para as regras da condição (artigos 272º e
273º), aquelas regras relativas à imposição do dever de boa fé na pendência da
condição e a possibilidade de atos conservatórios.
149
No artigo 279º temos algumas regras quanto à contagem do termo, um
regime supletivo.
Importa dizer que há alguns negócios em que não é possível um termo, há
uma inoponibilidade do termo, concretamente os artigos 1307º nº 2 e 2243º. A
inclusão de um termo em negócios que não o admitem pode levar à nulidade do
negócio ou apenas à nulidade do termo.
Um contrato onde a questão do termo é particularmente sensível e está
sujeito a lei especial é o contrato de trabalho, designadamente o termo resolutivo.
O modo
150
A doação com encargos é um negócio jurídico em que o donatário, ao aceitar
a proposta, se sujeita a adotar o comportamento imposto pelo modo. O artigo 963º
admite os encargos nas doações e estabelece o limite do encargo, que é o limite do
valor da coisa ou do direito doado. Se o encargo que é imposto é de grande
dimensão, este negócio pode ser descaracterizado em termos de doação. Aliás, se o
encargo se começar a aproximar de um correspetivo do benefício, o negócio pode
passar a ser oneroso.
O artigo 965º determina que o doador, os seus herdeiros ou quaisquer
interessados podem exigir o cumprimento dos encargos. Se o encargo não for
cumprido definitivamente, o artigo 966º refere-se a uma resolução do negócio
fundada em incumprimento. Mas esta possibilidade depende de uma previsão na
própria doação, ou seja, esta deve prever a possibilidade da resolução por
incumprimento do encargo.
As liberalidades testamentárias não são contratos, mas podem impor ao
sujeito o cumprimento de um encargo. O artigo 2245º determina que a instituição
de herdeiro e nomeação de legatário podem ser sujeitas a encargos. Nesta matéria,
o que se diz é que o tribunal pode impor uma caução, se se justificar, ao beneficiário
do testamento (artigo 2246º). Ou seja, o que recebe uma deixa testamentária ou um
legado pode ser obrigado a pagar uma caução, de forma a assegurar que cumpre o
que lhe é imposto. O cumprimento do encargo pelo herdeiro onerado não deve
exceder o valor do bem herdado, nos termos do artigo 2071º. Tal como o
cumprimento do encargo pelo legatário não deve exceder o valor da coisa legada, o
que consta do artigo 2276º.
O artigo 2248º prescreve que qualquer interessado pode pedir a resolução,
mas que tem um prazo máximo. Neste caso, os interessados são os herdeiros e os
que são afetados pelo modo. A possibilidade de resolução só existe se o testador a
tiver previsto ou se resultar do testamento que a deixa testamentária não teria sido
feita sem o cumprimento do encargo.
Se a deixa testamentária for resolvida, os demais herdeiros vão beneficiar
dos bens respetivos. Mas impõe-se a esses herdeiros o cumprimento do encargo,
uma vez que este se mantém. O direito de resolução caduca no prazo de 5 anos
sobre a mora no cumprimento do encargo ou 20 anos sobre a abertura da sucessão.
151
Se for um modo, não afeta a eficácia do negócio, mas é preciso pedir a resolução. A
solução é radicalmente diferente num caso e noutro, daí a importância da distinção.
Sendo um elemento exterior ao negócio, o modo não vai influenciar os seus
efeitos. O modo não interfere com a eficácia do negócio onde é aposto. Isto difere
da condição e do termo. O negócio onde é introduzido o modo produz os seus
efeitos normalmente, independentemente da existência do modo e de este ser
cumprido ou não.
A condição não obriga a determinado comportamento, pois é um
acontecimento futuro e eventual. O modo obriga e não resolve, traduz-se numa
obrigação que é imposta ao beneficiário da liberalidade.
O não cumprimento do modo não vai interferir com a eficácia do negócio.
Mas pode dar azo à resolução do negócio, mas esta não é uma consequência
automática do incumprimento, uma vez que precisa de um comportamento ativo
que a desencadeie. A resolução da liberalidade não tem eficácia retroativa para
terceiros.
A cláusula penal
152
aquela prestação. Funciona como uma pena para obrigar o devedor a cumprir, sendo
que acrescerá à indemnização em caso de incumprimento, não a substituindo.
Não temos um modelo único de cláusula penal, temos que olhar para o
contrato e perceber a função que a cláusula cumpre no contrato, qual a vontade das
partes para apurarmos a sua verdadeira natureza jurídica. Isto é importante porque
o nosso Código Civil, ao estipular o regime da cláusula penal (que é uma cláusula
típica – artigos 810º e seguintes) está a pensar numa cláusula penal que cumpre
funções indemnizatórias. O legislador não está a modelar a cláusula penal em geral,
mas apenas um modelo. O regime aqui previsto poderá não ser adequado a uma
cláusula penal que cumpra funções diferentes, por exemplo uma cláusula penal que
seja puramente sancionatória. Ao analisar a noção do artigo 810º, facilmente se
entende que o legislador se refere, portanto, apenas à modalidade da cláusula penal
indemnizatória. Mas ao abrigo do princípio da liberdade contratual, as partes podem
ainda prever cláusulas penais com outras funções.
153
indemnizatória, já não fará sentido para as cláusulas penais com natureza
meramente sancionatória/compulsória. Esta é a posição defendida por Pinto
Monteiro.
154
jurídica, porque temos todos estes instrumentos jurídicos de que o credor poderá
lançar mão. Daí que se entenda que este artigo 809º tenha de ser interpretado de
forma restritiva e que não condena à nulidade as cláusulas de exclusão e limitação
de responsabilidade. Relativamente às primeiras, não são admissíveis sempre que se
pretenda excluir a responsabilidade em caso de culpa grave, a tanto não chegamos,
pois atentaria contra a ordem pública. Em caso de mera culpa, culpa leve, então
parece que já é admissível, na medida em que, de facto, o credor tem à sua
disposição outros meios de satisfação do seu crédito para além da indemnização.
Relativamente às cláusulas de limitação da responsabilidade, estas têm sido
admitidas.
No artigo 18º alínea c) do Decreto-Lei nº 446/85, prevê-se a proibição de
cláusulas de exclusão de responsabilidade em caso de dolo ou culpa grave. Portanto
a contrario, em sede de cláusulas contratuais gerais, admite-se em caso de culpa
leve. Por maioria de razão, devem ser admitidas em contratos em que há igualdade
das partes no contrato. Esta posição já era defendida no sentido da sua
admissibilidade, mas com a aprovação deste diploma temos mais um argumento
neste sentido. Parece que devemos admitir como válidas cláusulas de exclusão,
aquelas cláusulas em que esteja em causa apenas mera culpa ou culpa leve.
Pressuposição
6.8. Invalidades
A ineficácia do negócio jurídico
Ineficácia:
o invalidade:
o nulidade
o anulabilidade
o invalidades mistas
o ineficácia em sentido estrito:
o ineficácia absoluta
155
o ineficácia relativa
▪ total
▪ parcial
o outras formas de cessação dos efeitos do negócio jurídico:
o resolução
o revogação
o denúncia
o caducidade
156
A ineficácia em sentido estrito pode ser:
- absoluta: trata-se de uma ineficácia erga omnes, o negócio não produz efeitos em
relação a qualquer dos interessados e qualquer um destes pode invocá-la. Por
exemplo uma condição suspensiva, que não produz os seus efeitos enquanto não se
verificar um acontecimento futuro e incerto;
- relativa: quando só não produz efeitos relativamente a determinadas pessoas e só
por elas pode ser invocada (hipóteses de inoponibilidade). Por exemplo uma compra
e venda de um imóvel cuja aquisição do direito não foi registada – é inoponível a
terceiros para efeitos de registo. Esta ineficácia pode ser:
- total: refere-se a todos os efeitos do negócio;
- parcial: refere-se apenas a alguns efeitos do negócio.
157
anulabilidade for estabelecida no sentido de arguir esses vícios, vamos precisar de
uma ação intentada para esse efeito, ou por via de exceção defender-se
judicialmente alegando a anulabilidade (artigo 287º), o que significa que o juiz não
pode conhecer dela ex officio. Só as pessoas em favor das quais a anulabilidade foi
estabelecida a podem arguir (artigo 287º). Isto porque estão em causa interesses
particulares, pelo que têm de ser os próprios interessados a arguir a anulabilidade.
Este conceito de interessados é diferente do mesmo conceito para efeitos de
nulidade. Para efeitos de anulabilidade, são interessados aqueles em cujo interesse a
lei decretou a anulabilidade. No entanto, em alguns casos o legislador diz
especificamente quem são as pessoas em cujo interesse se estabelece a
anulabilidade (caso dos artigos 125º, 247º ou 256º).
Nos termos do nº 2 do artigo 287º, enquanto o negócio não estiver
cumprido, pode a anulabilidade ser arguida sem dependência do prazo, ou seja,
pode ser requerida a todo o tempo (enquanto o negócio não estiver cumprido).
A anulabilidade é sanável por decurso do tempo, a lei dá um prazo para
reagir, são questões que se entendem não ser de interesse público. Durante o
decurso do prazo há instabilidade em relação aos efeitos do negócio. Daí os prazos
serem curtos, pois o legislador não quer que a instabilidade se prolongue durante
muito tempo. Há, assim, um prazo supletivo de 1 ano a contar do conhecimento do
vício que gera a anulabilidade. Mas temos hipóteses especiais em que os prazos são
diferentes. Se o prazo decorrer sem que a anulabilidade seja arguida, o negócio
torna-se válido, ou seja, consolida-se e a anulabilidade fica sanada. Se o negócio for
anulado, os seus efeitos são destruídos retroativamente.
A anulabilidade é sanável por confirmação (artigo 288º). A confirmação é,
como já se disse, um negócio jurídico unilateral pela qual a pessoa que pode arguir a
anulabilidade diz que aprova o negócio, tem efeitos retroativos, tudo se passa como
se fosse válido desde o momento em que foi celebrado e não desde o momento da
confirmação. A ratificação, por outro lado, é quando temos um problema de eficácia
do negócio, as pessoas chamam a si os efeitos do mesmo, daí que importa não
confundir os dois conceitos.
A confirmação não depende de forma especial, a lei nem sequer diz que tem
de ser expressa, pode ser tácita (artigo 288º nº 3). Tem efeito retroativo mesmo em
relação a terceiro.
158
A lei prevê alguns casos em que é possível minorar as consequências da
invalidade – redução (artigo 292º) e conversão (artigo 293º) do negócio jurídico, em
que se pretende aproveitar os negócios. Há uma tendência grande no sentido da
redução.
Na redução, o negócio é parcialmente inválido, é uma situação muito
específica. A lei diz que, como regra, o negócio ficará reduzido à sua parte válida
(artigo 292º). A redução opera sem mais. Só não será assim se se mostrar que o
negócio não teria sido concluído sem a parte viciada, mas a regra é a redução
automática. É o que acontece nas condições contrárias à lei nas doações e
testamentos, que se consideram como não escritas e o negócio mantém-se, mas
sem essas condições. A parte que não quer a redução, que quer a nulidade total, é
que tem de provar que o negócio nunca teria sido celebrado sem aquela parte. O
ónus da prova funciona no sentido de conduzir à redução automática do negócio.
A conversão (artigo 293º) reporta-se a negócios totalmente inválidos, são
convertidos noutro negócio, desde que contenham os requisitos essenciais. A parte
que quer a conversão é que tem de provar que a vontade hipotética das partes ia
nesse sentido. Caso contrário, o negócio não é convertido. A conversão não é
automática. Mas em alguns casos, faz-se a conversão automática por força da lei,
por exemplo as doações com efeitos mortis causa, que são proibidas, convertem-se
em disposições testamentárias. A lei só o admite em sede de convenções
antenupciais. Aqui não é necessário que se verifiquem os requisitos do artigo 293º.
159
registo, o direito de resolução é oponível a terceiro que não tenha registado o seu
direito antes do registo da ação. No caso da resolução por condição resolutiva, o
regime é distinto, uma vez que os efeitos são retroativos sem que se proteja a
situação de terceiros. Por outro lado, a invalidade produz os seus efeitos
relativamente a terceiros, salvo a exceção do artigo 291º;
- o artigo 436º determina que a resolução se faz mediante declaração à outra parte,
que pode ser judicial ou não.
A invalidade atua automaticamente no caso da nulidade, ou através de ação
judicial no caso da anulabilidade.
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Neste contexto, são de destacar os artigos 296º e seguintes.
A passagem do tempo é juridicamente relevante, na medida em que tem
determinados efeitos.
A prescrição e a caducidade são factos jurídicos que produzem a cessação da
eficácia dos direitos. Há direitos que se extinguem pelo decurso do tempo, apesar de
não haver qualquer vício. Os regimes jurídicos destas duas figuras são diferentes.
Quando é que determinado direito prescreve ou caduca? Por vezes, a lei dá-
nos essa indicação, mas na maior parte dos casos, não a temos. Como regra, os
direitos subjetivos em sentido estrito prescrevem e os direitos potestativos
caducam. No entanto, isso não se aplica em todas as situações.
A prescrição e a caducidade
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A lei depois prevê, nos artigos 318º e seguintes e 323º e seguintes, hipóteses
de suspensão e interrupção da prescrição, respetivamente.
O artigo 318º prevê as causas de suspensão da prescrição. São situações em
que, enquanto se mantiverem aquelas relações jurídicas, o prazo não começa a
contar nem corre.
Já de acordo com o artigo 323º, dá-se a interrupção da prescrição quando
houver citação ou notificação judicial de qualquer ato que exprima a intenção de
exercer o direito.
Qual a diferença entre ambas? Em consequência da interrupção do prazo,
aquele que tiver decorrido fica inutilizado e começa a correr novo prazo a partir do
fim da interrupção. O período de suspensão não é contabilizado para efeitos de
prazo prescrição. No entanto, se já se começou a contar um prazo de prescrição,
este é contabilizado e retoma-se este mesmo prazo depois da suspensão.
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