O Método Fenomenológico
O Método Fenomenológico
O Método Fenomenológico
SUMÁRIO
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1 INTRODUÇÃO AO MÉTODO FENOMENOLÓGICO
Fonte: www.namu.com.br
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Husserl afirma que "o psíquico não é o conjunto dos mecanismos
cerebrais e nervosos, mas uma região que possui especificidade e peculiaridade;
o psíquico é fenômeno, não é coisa. Esta é o físico, o fato exterior, governado
por relações causais e mecânicas. O fenômeno é consciência, enquanto fluxo
temporal de vivências e cuja peculiaridade é a imanência e a capacidade de
outorgar significado às coisas exteriores". "(…) A consciência é sempre
consciência de alguma coisa”. ” (…) O traço essencial da consciência é a
intencionalidade." "(…) A Fenomenologia é uma ontologia regional na medida
em que trata do ser enquanto estruturado com sentido diferente conforme seja
visado pela consciência". "(…) A região consciência, se torna a região
fundamental que produz o significado das demais".
O "conteúdo" da consciência não é o "objeto", como é pensado na relação
sujeito-objeto na teoria representacional da Modernidade. Como "conteúdo"
tomamos o "sentido" do que dizemos que nele ou mediante ele se refira a
consciência a um objeto como a "seu" objeto. A vivência intencional tem, assim,
uma "referência a um objeto"; também se diz que é "consciência de algo". O
campo de análise da Fenomenologia de Husserl é a exploração do campo de
consciência e dos modos de relação ao objeto.
Nosso olhar, supondo, volta-se com um sentimento de prazer para uma
macieira em flor num jardim. Para a relação sujeito-objeto na teoria
representacional, há duas macieiras: uma macieira real no jardim, e outra
macieira na representação mental do sujeito que a vê.
Se recorrermos à análise intencional, não partiremos da macieira em si
exterior ao sujeito, muito menos da macieira representada. Partiremos das
"coisas mesmas", isto é, da macieira, enquanto percebida, do ato de percepção-
da-macieira-no-jardim que é a vivência original, a partir da qual chegamos a
descrever aquela macieira.
Se o objeto é sempre objeto-para-uma-consciência, ele não será jamais
objeto em si, mas objeto percebido, ou objeto-pensado, rememorado, imaginado
etc. A análise intencional vai nos obrigar assim a conceber a relação entre
consciência e o objeto sob uma forma que poderá parecer estranha ao senso
comum.
Para Husserl, consciência e objeto não são, com efeito, duas entidades
separadas na natureza que se trataria, em seguida, de pôr em relação, mas
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consciência e objeto se definem respectivamente, a partir desta correlação que
lhes é, de alguma maneira, cooriginal.
Se a consciência é sempre "consciência de alguma coisa" e se o objeto é
sempre "objeto para a consciência, é inconcebível que possamos sair dessa
relação, já que fora dela, não haveria nem consciência nem objeto".
Fonte: despertarcoletivo.com
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quando julgamos, afirmamos, sonhamos, vivemos. A Fenomenologia não se
orienta para fatos externos ou internos, e, sim para a realidade da consciência,
para os objetos enquanto intencionados por e na consciência, isto é, para as
essências ideais. Para o fenomenólogo, as essências ideais não são simples
representações: são fenômenos, ou seja, aquilo que se manifesta imediatamente
à consciência, alcançado por uma intuição antes de toda reflexão ou juízo.
Todavia, a visão de essência não é dotada de nenhum caráter metafísico.
A essência na Fenomenologia de Husserl é apenas aquilo que a "própria coisa"
é revelada em sua doação originária.
Considerando o fenômeno na sua pureza absoluta como aparecimento
em si mesmo, isto é, como a própria coisa simplesmente enquanto revelada à
consciência. Portanto, esse fenômeno será puro ou absoluto.
Fenômeno se estende a tudo aquilo de que podemos ter consciência, de
qualquer modo que seja. Portanto, não só os objetos da consciência, mas
também os próprios atos enquanto conscientes, sejam eles intelectivos, volitivos
ou afetivos, são para Husserl, fenômenos.
O fenômeno refere-se ao conteúdo intencional da consciência. Para
obtermos acesso ao fenômeno na sua essência fenomenológica precisamos
realizar a primeira "redução fenomenológica" ou epoché. A finalidade da epoché
é retirar do circuito mental toda a doxa (opiniões), para podermos apreender o
que se mostra a nós em toda a sua evidência própria. A epoquê é o que Husserl
chama de "colocar o mundo entre parêntesis", e que já foi defendida pelos
Céticos na Antiguidade.
Sexto Empírico, propôs a "suspensão de todo os juízos – a epoché", sobre
cada uma das questões examinadas. Os Céticos tomaram o phainómenon, o
que aparece, como critério de ação.
Não havendo como justificar opiniões ou legitimar asserções que se
pretendam verdadeiras, quer se trate de nossas crenças e opiniões banais e
cotidianas, quer de asserções filosóficas, somente nos resta o caminho de uma
universal epoché.
Em verdade, o ceticismo concebe-se a si próprio como uma terapêutica
que se serve do discurso para curar os homens de sua propensão ao
dogmatismo.
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Husserl apesar de usar o conceito epoquê não desenvolveu uma teoria
cética, propõe duas reduções no método fenomenológico. A primeira chamada
"redução eidética", é a busca da epoché que visa obter as significações dos
fenômenos a partir da suspensão de todos os dados da consciência
mesma: convicções, opiniões e pré-juízos. Ela não nega o mundo, só o coloca
entre parêntesis.
A segunda, a "redução transcendental", colocam-se entre parêntesis as
essências mesmas dos fenômenos captadas na primeira, para alcançar um
resíduo fenomenológico intencional puro na consciência, fundada no "eu
transcendental".
O resultado, é que a Fenomenologia não pressupõe nada: nem o mundo
natural, nem o senso comum, nem as proposições da ciência, nem as
experiências psíquicas. Coloca-se "antes" de toda crença e de todo prejuízo para
explorar simplesmente e ingenuamente o "dado."
Fonte: www.jrmcoaching.com.br
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3) Fenomenologia Hermenêutica de Martin Heidegger (1889-1976), Hans
Georg Gadamer (n. 1900) e Paul Ricouer (n. 1913).
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A Fenomenologia de Husserl propõe o método que dá início a um novo
tipo de conhecimento: o conhecimento compreensivo. Não mais o conhecimento
explicativo-causal-dedutivo, mas fenomenológico-descritivo-compreensivo.
Wilhelm Dilthey (1833-1911), dedicou-se a fundar um método psicológico-
compreensivo, pois para ele o predomínio da psicologia explicativa, que funciona
com hipóteses por analogia com o conhecimento natural, implica consequências
extraordinariamente danosas para o desenvolvimento das ciências do espírito.
O conceito de uma psicologia descritiva e analítica surgiu em nós da natureza
de nossas vivências psíquicas, da necessidade de uma captação intacta e sem
pré-juízos da vida anímica.
Dilthey não parte da Fenomenologia de Husserl, mas pretende realizar
uma compreensão do homem como ser histórico, e não como um ente imutável,
uma natureza ou uma substância. A descrição dos fenômenos humanos
realizada por Dilthey, na prática, é muito semelhante aos resultados obtidos na
primeira redução fenomenológica.
Para Heidegger, a Fenomenologia não é um método a mais entre os
vários disponíveis, que possuímos para conhecer o mundo. Para ele, a
Fenomenologia é a única forma de via de acesso ao "ser dos entes". "A
Fenomenologia é a via de acesso e o modo de verificação para se determinar o
que deve constituir tema da ontologia. A ontologia só é possível como
fenomenologia.
Fonte: maringapost.com.br
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O conceito fenomenológico de fenômeno propõe como o que se mostra o
ser dos entes, o seu sentido, suas modificações e derivados. Pois, o mostrar-se
não é um mostrar-se qualquer e, muito menos, uma manifestação.
O ser dos entes nunca pode ser uma coisa "atrás" da qual esteja outra
coisa "que não se manifesta. "Atrás" dos fenômenos da fenomenologia não há
absolutamente nada, o que acontece é que aquilo que deve tornar-se fenômeno
pode-se velar. A fenomenologia é necessária justamente porque, de início e na
maioria das vezes, os fenômenos não se dão. O conceito oposto ao de fenômeno
é o conceito de encobrimento.
Heidegger e Gadamer receberam fortes influências de Husserl e Dilthey .
Heidegger desenvolveu o conceito de compreensão fundamentado na
Fenomenologia e na sua Ontologia. "Compreender" tem sua raiz que em
elementos constitutivos da existência do ser-no-mundo. "Mundo" não é o
universo dos físicos, a res extensa; "mundo" é o conjunto de condições
geográficas, históricas, sociais e econômicas, em que cada pessoa está imersa,
na sua "facticidade existencial".
Em Ser e Tempo, Heidegger postula que o "compreender" não é apenas
intelecção de um novo sentido; o "compreender" é parte do ser humano como
um existencial. Portanto, o modo de ser no mundo é o modo de compreender, e
o ser no mundo é um compreender e interpretar.
Gadamer pensa a relação linguagem-mundo, em paradigma distinto da
Antiguidade até a Modernidade. O conceito de "compreensão" é, "guiado pela
ideia de que linguagem é um centro no que se reúnem o "eu" e o "mundo", ou
melhor, em que ambos aparecem em sua unidade originária. ”. "Agora estamos
em condições de compreender que este giro do nascer da coisa mesma, do
acesso do sentido à linguagem, aponta a uma estrutura universal-ontológica, à
constituição fundamental de tudo aquilo que podem voltar-se à compreensão.
O ser que pode ser compreendido é linguagem ". " É seguro que não
existe, porém, compreensão livre de todo pré-juízo, por muito que a vontade de
nosso conhecimento esteja sempre dirigida a escapar da evocação de nossos
pré-juízos".
Além de Gadamer, Merleau-Ponty também considerava tarefa impossível
para os humanos obter uma epoché, isenta totalmente de pré-juízos, tal como
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Husserl postulava. Eles consideravam que podemos conseguir vários graus de
redução, mas não uma epoché completa.1
Fonte: fintechlab.com.br
A tese de Nilton Campos, que iremos agora analisar, pode – e deve – ser
considerada desde já um clássico da história da psicologia brasileira. Não deixa
de ser, igualmente, um escrito epistemológico que radica sua discussão nas
diversas facetas de uma ciência principiante, ainda infante, e que discute os
diversos modelos de apropriação que esta ciência busca em seu processo de
autonomia.
Neste particular, o cenário atual não está tão distante de suas discussões,
principalmente quando discutimos o "fazer" e o "saber" da Psicologia. O autor
11
também não se exime de questionar os alicerces ideológicos propugnados por
determinados contextos de época.
Um dos aspectos mais significativos de sua tese é o fato de destacar as
mais recentes reflexões – de sua época – no terreno da Psicologia e da Filosofia.
Para tal, basta observarmos que na sua apresentação, Nilton Campos conta com
comentários sobre sua obra, de autores renomados como Wolfgang Köhler e
Gordon Allport, que congratulam o pesquisador brasileiro por seus esforços e
reflexões.
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e o vitalismo, incidem na preocupação de formular outra teoria explicativa,
levantando a suspeita de desejarem fiscalizar a psicologia" (CAMPOS, 1945, p.
14).
Todavia, em sua própria defesa, os gestaltistas clamaram por uma filiação
à realidade fenomenológica dos fatos da consciência, tomando-os como os
objetos de investigação psicológica, como temos em Kohler e Koffka. O próprio
Nilton Campos apresenta, em especial, dois textos como apoio: The Place of
Values in a World of Facts, de Wolfgang Kohler; e Principles of Gestalt, de Kurt
Koffka. Kohler mesmo reconhece que "(...) voltar às coisas-mesmas é uma arte
difícil que Husserl chamou fenomenologia".
A esta defesa de uma perspectiva científica baseada na realidade
concreta e desprovida de preconceitos, Nilton Campos (1945) ainda afirma que
"(...) as doutrinas nenhum progresso real trazem para a ciência" (p. 16).
Sem dúvida, diríamos que esta seria "a verdadeira" posição do cientista,
muito próximo do que Carl Sagan – grande divulgador da ciência – delimitaria
como o espírito "democrático" da ciência. Igualmente Husserl – em famosa
epígrafe – concordaria, ao colocar que "o verdadeiro método segue a natureza
das coisas a investigar, mas não segue os nossos preconceitos e modelos".
Fonte: posglobal.com.br
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biologia: por um lado, uma ideia que reduz os processos biológicos a sua físico-
química; por outro, princípios explicativos metafísicos, "divorciados dos fatos".
"Assim, em lugar da ambicionada autonomia científica, o estudo dos fenômenos
biológicos oscila entre a física e a metafísica" (CAMPOS, 1945, p. 16).
Idêntica a posição da Psicologia, oscilando entre o materialismo e o
espiritualismo, sendo que "ambos impedem a pesquisa dos fenômenos
psíquicos livre de preconceitos" (CAMPOS, 1945, p. 16).
Distinto do idealismo kantiano, que separa os fenômenos do noumenon.
Alia-se, todavia, a Leibniz, quando este se nega a considerar o mundo um caos.
e na mesma direção da máxima: Alles was ist hat Sinn, "tudo se faz sentido"; ou,
tudo tem um sentido.
A posição, pois, da Fenomenologia – e que alicerça a colocação
husserliana que a considera a "ciência das ciências" – é que "[A] pesquisa
fenomenológica procura descobrir, e não inventar" (CAMPOS, 1945, p. 17).
O próprio Husserl, em suas Investigações Lógicas, coloca que "o sistema
inerente à ciência – naturalmente a verdadeira ciência – não é uma invenção
nossa, mas reside nas coisas, das quais as descobrimos simplesmente", como
cita Campos (1945, p. 18).
A Fenomenologia é, pois, contrária a qualquer forma de ceticismo. Em
apoio a esta ideia, Nilton Campos ainda nos lembra Albert Einstein, quando este
diz que dificilmente alguém contemplaria as estrelas sem crer em sua existência;
e Max Planck, que afirma que a ciência também precisa de espíritos crentes.
"A investigação fenomenológica funda-se na consideração da realidade
de todos os seres, sejam propriamente reais, no sentido de rerum natura, ou
puramente ideativos" (CAMPOS, 1945, p. 19).
Assim, um centauro (como exemplifica Sartre), ou a figura de Júpiter
(outro exemplo, este de Husserl), são tão reais como objetos da consciência,
quanto o corpo que vivo, a folha de papel que tenho nas mãos, a inflação que
corrompe minhas economias ou o delírio do sujeito delirante.
14
Fonte: helioprint.com.br
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Parte daí para uma discussão com Oswald Kulpe, o que permite a Binet
uma nova concepção de método experimental, agora liberto do fisiologismo, e
que levou o nome de "introspecção dirigida", sendo publicado em 1903, em
L'Étude Expérimentale de l'intelligence.
Dissidência esta que teria favorecido Brentano, que fizera sérias críticas
à obra wundtiana –Grundzuge der physiologischen Psychologie no seu caráter
de restrição à pesquisa associada à fisiologia. Em seu lugar, Brentano coloca a
"experiência", como a apreensão direta dos fenômenos. Mesmo que Boring
(1929) aponte que a "psicologia empírica" de Brentano não seja uma "psicologia
experimental", conclui-se que a própria experimentação sistemática precisa
da descrição, sendo assim – segundo Nilton Campos (1945) – "indubitável que
as descobertas realizadas nos laboratórios de Würzburg e Graz foram
influenciadas pelas ideias de Brentano, que clamavam pela emancipação da
pesquisa psicológica do naturalismo experimental" (p. 24). Foi a "conversão"
brentaniana ao conceito escolástico de intencionalidade que possibilitou o
advento da Fenomenologia.
Campos (1945) ainda ressalta a interessante proximidade entre os
pensamentos de Husserl e de Ehrenfels, mais especificamente no que o primeiro
escreve em sua Filosofia da Aritmética, de 1891; e no que o segundo escreve
em 1890, sobre as Gestalt-qualitaten. E, igualmente, chama-nos a atenção para
esse importante movimento de renovação e revisionismo dos estudos
psicológicos, em fins do século XIX, representado por figuras proeminentes
como Henri Bergson (em Les Données Immédiates de la Conscience, 1889),
William James (em Principles of Psychology, 1890) e Wilhelm Dilthey (em Ideen
uber eine beschreibende und zergliedernde Psychologie (Ideias concernentes a
uma psicologia descritiva e analítica), de 1894), em aberta "oposição ao
mecanicismo dominante que dão origem respectivamente a novos critérios
teleológicos sobre o caráter qualitativo dos fenômenos mentais, a natureza
dinâmica da consciência e a diferença entre explicar e compreender a atividade
mental" (CAMPOS, 1945, p. 25).
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Fonte: www.educamundo.com.br
18
p. 37). Ademais, o próprio Husserl afirmara a importância do valor do Principles
of Psychology, para o campo da psicologia descritiva.
Fonte: www.minutopsicologia.com.br
19
1945, p. 39-40). Ora, isto implica dizer que esta apreensão "se dá", ou seja, se
mostra como uma coisa conhecida de si. Em outras palavras, a conclusão que
se tira de uma clássica epígrafe como "penso, logo sou" ou "existo", não se dá
por silogismo ou por uma conclusão tirada do seu pensamento, mas de uma
coisa conhecida em si, diz Campos (1945).
"Vemos, portanto, Descartes demonstrando que a consciência de si
mesmo é uma evidência assertórica, realizando-se sem intermediário, pois
resulta de uma percepção interna imediata" (p. 40). Eis de volta a experiência
imediata sendo reabilitada.
Campos (1945) ainda caminha na direção da análise de uma crítica ao
mecanicismo, unindo – segundo ele – Locke a Descartes, quando aquele aponta
que o conhecimento do próprio ser se dá por intuição, enquanto que o
conhecimento das coisas se dá por sensação (como escreve Locke em An Essay
Concerning Human Understanding, de 1690).
A coincidência do pensamento de Locke com a fenomenologia iria mais
além, segundo Campos (1945), como quando o filósofo inglês defende que a
ideia seria o "objeto" do pensamento, ou ainda, que seria sobre a experiência
que nosso conhecimento se funda. Isto marca uma filiação "empirista" da
fenomenologia – especialmente às figuras de Locke e de Hume (DEPRAZ,
2007).
Assim, Campos (1945) reitera que a consciência apresenta um
movimento incessante, deslocando-se dos polos objetivo e subjetivo.
Posteriormente, define experiência como o "fenômeno de sentir ou viver os fatos,
de maneira espontânea e imediata" (p. 43). Assim, são vivências tudo o que tem
lugar na consciência: as percepções, as representações, a imaginação, a
fantasia, o pensamento, etc. e igualmente são vividas suas partes componentes
e seus conteúdos. Em suas palavras, seria característico da consciência, ser "um
fluxo multiforme de vivências mentais" (CAMPOS, 1945, p. 43).
Qualquer discussão sobre a materialidade ou a substancialidade dos fatos
psíquicos teria um caráter metafísico. Em outras palavras, a fenomenologia não
se preocuparia com os fatos em si, mas com os sentidos dos fatos. Não importa
se há ou não há o azul ou o vermelho nos objetos, estas são qualidades da
consciência e, portanto, realidades imediatas e distintas uma das outras
20
2.3 "Legitimidade do Método Introspectivo"
Fonte: cafe-com-ciencia.blogspot.com
21
A observação interior é somente concebível no sentido de uma
retrospecção, pelo recurso da evocação mnemônica" (CAMPOS, 1945, p. 65). A
consciência "vive", pois, seus fenômenos num "suceder ininterrupto"
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numa ou noutra perspectiva, aponta – todavia – para alguns elementos que
devem ser destacados.
O primeiro deles refere-se ao seu caráter de contemporaneidade. Já em
1945, o autor demonstra uma interessante apropriação de literaturas cruciais nos
campos filosófico e psicológico, colocando-se – de certa forma – na vanguarda
de um pensamento que no Brasil acabou sendo construído por vias que
chamaríamos "acessórias" ou "suplementares", quais sejam, os dos
pensamentos existencialistas (em suas diversas formas, mas especialmente a
partir de Sartre) e o de Heidegger (com toda a gama de sua especificidade).
Fonte: verdademundial.com.br
Com isto, queremos apontar para um fato que consideramos crucial para
a compreensão do legado da fenomenologia, que foi o de ter Nilton Campos, em
certa medida, trilhado o caminho dos fundamentos, aqui no caso, relativos aos
pensamentos de Brentano e de Husserl.
Na medida em que consideramos as diversas perspectivas
existencialistas do século passado como construções devedoras – diretamente
– da fenomenologia husserliana, este fato ganha mais destaque.
Reconhecemos que a fenomenologia (a partir de sua noção central de
intencionalidade), radicalizada desemboca, necessariamente, numa filosofia da
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existência – ideia esta compartilhada por Merleau-Ponty e por Pierre Thévenaz
(RICOEUR, 2009).
O pioneirismo de Nilton Campos ganha mais destaque se considerarmos
que não só seus estudos estão referentes à "atualidade" do pensamento
fenomenológico à época – lembremos que a primeira referência direta a Husserl
na Brasil data de 1941 (como Euryalo Cannabrava), de forma indireta – mas,
principalmente pelo fato de ter sido, provavelmente, o primeiro brasileiro a citar
fontes diretas da fenomenologia husserliana.
Todavia, não podemos nos furtar a uma apreciação de algumas limitações
de sua obra sem, contudo, reconhecer os próprios limites de seu tempo. Uma
delas é o fato de não se ter uma apropriação da obra de Husserl como um todo,
o que é absolutamente natural pelo fato do ineditismo de muitos dos textos
husserlianos, que somente vieram a público, décadas depois. Em seu texto,
Campos (1945) cita textualmente os seguintes textos de Husserl:
as Investigações Lógicas (de 1900), as Ideias (de 1913, em seu primeiro
volume3), e as Meditações Cartesianas (de 1929).
Por focar sua atenção na questão da ciência, Nilton Campos não explora
a totalidade desses mesmos textos, deixando de lado questões importantes para
a própria psicologia, como a questão da consciência pura ou transcendental, ou
mesmo a discussão entre a atitude natural e a atitude fenomenológica, ou ainda
o problema das reduções fenomenológicas (todos esses temas estão presentes
no primeiro volume das Ideen); e a determinação da consciência como
intersubjetividade (presente nas Meditações Cartesianas).
Nada disto invalida ou diminui o trabalho de Nilton Campos. Sua obra –
bem como seu trabalho legado em tantos outros escritos – precisa ser resgatada,
tanto em conteúdo, quanto em forma, o que nos ajudaria a construir um solo de
perspectivas de leituras da fenomenologia, aplicadas à psicologia, menos
enviesadas ideologicamente, e mais coerentes com a lição husserliana de
retorno às coisas mesmas.2
24
3 A ABORDAGEM FENOMENOLÓGICA NA CONDUÇÃO DE GRUPOS
Fonte: portrasdodiva.com
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com o modo de contato construído numa concepção técnico/explicativa,
constituindo-se numa disponibilidade para acompanhar o outro (cliente) em seu
cuidar das suas possibilidades mais próprias, dispondo delas livremente e com
responsabilidade. (p.7)
A Fenomenologia é um movimento filosófico iniciado por Edmund Husserl
no começo do século XX, rapidamente influenciando a psicologia. Trata-se de
um esforço metódico de validação da experiência humana como fonte de
conhecimento.
O método fenomenológico pode ser muito resumidamente apresentado
como de suspensão de todos os pressupostos – sobretudo da crença numa
realidade objetiva e numa consciência que com ela se relacionaria – para que os
fenômenos apareçam na sua constituição.
Por fenômeno a fenomenologia se refere àquilo que aparece na
correlação intencional: realidade experienciada, percebida por alguém. Trata-se,
portanto, de um modo de proceder (método), que cuida para não recorrer a
teorias prévias sobre aquilo que se quer conhecer. (Husserl, 2008; Dartigues,
1992; Bello, 2006; Goto, 2008)
O grande problema epistemológico que a fenomenologia visa combater é
o de que as teorias, saberes prévios e mesmo o senso comum podem encobrir
o significado dos fenômenos. O termo ‘ fenômeno' vem do grego phainomenon
e significa literalmente aparecer'. A Fenomenologia surge na filosofia como uma
ciência dos fenômenos, que tem por objetivo conhecer aquilo que aparece, que
se mostra, tal como se mostra, e não de acordo com o que nossas ideias
previamente delimitam. É um antídoto ao leito de Procusto, ladrão mitológico que
oferecia hospedagem a viajantes em sua casa, onde mantinha duas camas, uma
pequena e outra grande; aos viajantes baixos, oferecia a cama grande e,
prendendo-os, esticava-os até que coubessem perfeitamente, enquanto aos
viajantes altos oferecia a cama pequena, cotando-lhes as extremidades.
Assim, conduzir grupos numa abordagem fenomenológica significa
suspender, pelo menos temporariamente, o que já se sabe sobre grupos. Isso
implica suspender todo o conhecimento psicológico desenvolvido sobre grupos
até o momento, pois o grupo que temos diante de nós pode não corresponder
ao que os autores já disseram que grupos são.
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Por isso, quem espera indicações de técnicas fenomenológicas na
condução de grupos se frustra, pois, a condução fenomenológica de grupos é
prescritiva somente de um método, que é o método fenomenológico.
Consequentemente, o psicólogo que trabalha com grupos numa
abordagem fenomenológica precisa dispor de uma compreensão sobre o que é
um grupo, que não o limite ou defina previamente.
Aqui cabe muito cuidado, pois quem trabalha com grupos em psicologia
já compreende grupo como sinônimo de grupo operativo, grupo de trabalho, rede
de múltiplas transferências, sistema, etc. Uma delimitação do que é um grupo
pode ser, então: um conjunto de pessoas capazes de se reconhecerem em sua
singularidade e que estão exercendo uma ação interativa. (Osório, 2003).
Fonte: carreiras.empregos.com.br
Fonte: pdhpsicologia.com.br/
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Em situações em que há mais de um condutor, não é raro que cada um
compreenda o que acontece diferentemente. Isso não é defeito do observador,
nem falta de sintonia entre os condutores; é condição de mostração dos
fenômenos.
Quando o grupo pode dispor de observadores, eles também trazem outras
versões. Os participantes do grupo têm outras compreensões do que acontece
com eles nesse contexto.
Assim, a compreensão do que acontece no grupo depende da costura
destas várias perspectivas e da certeza de que nenhuma delas esgota o
fenômeno.
Os fenômenos se mostram de múltiplas maneiras porque o mostrar-se
depende sempre de um horizonte compreensivo que os acolhe. Isto é, a
descrição fenomenológica não é a mera descrição dos aspectos sensoriais, mas
a descrição da experiência, da vivência de alguém.
Para se compreender a experiência deve-se considerar o contexto no
qual este fenômeno aparece. Um comportamento aparentemente igual tem
sentidos absolutamente diferentes dependendo do contexto em que acontece.
Para a fenomenologia, o que o fenômeno é, é o seu sentido.
Por isso a investigação do contexto é fundamental, assim como o acesso
à perspectiva a partir de onde se lida com o fenômeno. Isto implica que cada
contexto delimita modos específicos dos fenômenos grupais. Um grupo num
hospital psiquiátrico e numa escola serão absolutamente diferentes, por mais
que se assemelhem quanto ao número de participantes, frequência de
encontros, e até mesmo que o coordenador seja o mesmo. Isso porque o sentido
das experiências depende do contexto no qual se dão. Um psicólogo
fenomenológico precisa ficar atento a tudo isto.
É por isso que o caracteriza a abordagem fenomenológica de grupo não
está nos procedimentos nem nos aspectos materiais', como espaço, tempo,
número de participantes, recursos técnicos.
A fenomenologia está na leitura que se faz do que acontece no grupo. E,
como já dito, a compreensão dos fenômenos deve se ater ao sentido que eles
revelam, não aos sentidos que teorias sobre psicologia grupal ou que o condutor
do grupo lhes impinge.
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A fenomenologia é uma abordagem privilegiada na condução de grupos
também por não partir de uma compreensão do ser humano isolado, como
indivíduo, que posteriormente entra em contato, estabelece relações com outros.
Heidegger é o filósofo que aplica' o método fenomenológico de Husserl para
compreender livremente de pressupostos a existência humana, revelando que a
existência é ontologicamente coexistência, ser-com-os-outros. (Heidegger,
1927/1998).
Não há nada que alguém possa vivenciar que não envolva desde sempre
os outros. Mesmo a atitude de se isolar depende e implica outros, de modo que
Eu e os outros formam uma relação diferenciável, mas indissociável, entre entes
cujo modo de ser se apresenta como ser- aí, ou seja, lançado às possibilidades
num mundo compartilhado. (Camasmie & Sá, 2013, p.955).
Seguindo as indicações de Heidegger sobre a coexistência, a filósofa
Critelli (2012) convoca cada existente a se tornar narrador de si mesmo. Ser
narrador de si mesmo é conhecer-se, apropriando-se da biografia que brota na
trama de narrativas próprias e dos outros com quem se convive. Os outros são
participantes fundamentais da existência de cada um.
Fonte: peekaboo.vision
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viagem à lua, conta que lá é exatamente como aqui, não há nada de diferente.
Isso causa espanto nos espectadores, que percebem sua manta, suas roupas
coloridas, de diversos tecidos, desarmônicos, muito diferentes do que estão
acostumados a ver, como um mapa-múndi desenhado pelas viagens de um
artista. Apesar disso, o imperador insiste na afirmação de que lá é exatamente
como aqui.
Para parar os risos da plateia, ele resolve tirar sua túnica colorida, mas
eis que aparecem outras camadas de roupa coloridas. O imperador se despe até
a nudez, mas eis que sua pele também está desenhada, colorida, tatuada pelas
experiências em suas viagens. Mas o imperador insiste que o lá-fora é como
aqui. O conto termina com o corpo do Arlequim se transformando em luz branca,
deixando a plateia atônita.
O conto aponta uma questão essencial da coexistência, que é que,
olhando-me a mim mesmo, raramente me estranho. As narrativas sobre mim me
são familiares, me dão uma sensação de identidade. (Critelli, 2012) É no
encontro com os outros que o estranhamento pode aparecer. Isso é fundamental
nos grupos. Para que alguém possa descobrir seus modos de ser, depende que
os outros os revelem.
A ação interativa nos grupos é o que possibilita que apareçam os modos
de se relacionar com outros.
O conceito de aqui-agora é outro que suscita confusões. Em geral ele é
associado à abordagem fenomenológica, mas entendido como eliminação de
quaisquer acontecimentos passados ou futuros ou exteriores ao que está
acontecendo. Não é bem assim. Nós somos seres históricos, o que significa que
existimos entre nascimento e morte.
Meus modos de ser no mundo são modos constituídos historicamente.
(Heidegger, 1927/1998) exatamente por serem assim constituídos é que existe
a possibilidade de descobrir novos modos de ser. Então aqui-agora significa que
meus modos históricos de ser estão presentes em cada momento da minha
existência, inclusive nas interações com os demais numa situação grupal.
O interessante é que meus modos de estar-com aparecem na relação
imediata com aqueles com quem estou.
O desconhecimento de Arlequim de suas cores e tatuagens só aparece
na relação com outros e é enquanto está diante dos outros que aparece. Isto é
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um acontecimento muito poderoso na condução de grupos, pois abre acesso ao
que alguém está vivenciando no momento em que está vivenciando. O
coordenador do grupo pode pedir que um participante revele como está se
sentindo ou o que está pensando naquele momento, diante daquelas pessoas,
e pode perguntar aos demais como se sentem e o que pensam disso que lhes
foi revelado. Nessa situação estão todos diante de um mesmo fenômeno,
recolhendo seus vários modos de aparecer e ser.
O que foi dito até aqui vale como diretriz para a condução de grupos em
geral. Resumindo, a abordagem fenomenológica é o cuidado de permitir que os
fenômenos se mostrem a partir de si mesmos, e não de pressupostos sobre eles.
Esse mostrar-se depende do contexto do mostrar-se, que precisa, portanto, ser
levado em conta. Ademais, tendo os fenômenos a possibilidade de se mostrarem
sob múltiplos aspectos, a compreensão do sentido de um fenômeno depende
que se consulte todos os envolvidos e nenhum aspecto é mais verdadeiro que
os outros.
Fonte: encenasaudemental.net
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o grupo, entendido como interação com outros que reconhecem singularidade
de cada qual, o fenômeno que aqui interessa, poder deter-se junto às interações
e consultar os envolvidos quanto ao que está acontecendo com eles no momento
em que está acontecendo é um modo de realizar o cuidado fenomenológico com
o mostrar-se por si mesmo dos fenômenos.
O que caracteriza a abordagem fenomenológica de grupos não é a
quididade (o que), é a qualidade (o como). Assim, o coordenador de grupos nesta
abordagem precisa considerar a especificidade do contexto no qual propõe o
grupo, a especificidade dos participantes, quais objetivos propõe ao grupo. Tudo
isso é horizonte compreensivo. O grupo acontece num hospital? Os pacientes
estão internados ou são ambulatoriais? Que idade têm? O grupo é homogêneo,
isto é, organizado em função de todos os participantes compartilharem uma
mesma experiência? Ou é heterogêneo? Com que frequência acontece? São os
mesmos participantes que retornam a cada vez ou há rotatividade? Por quanto
tempo o grupo vai se encontrar? Cada um destes aspectos prepara o terreno
para o grupo acontecer, dizendo respeito à quididade do grupo.
O que caracteriza a abordagem fenomenológica do que acontece nesses
grupos tem a ver com como se compreende os fenômenos. Para ser um
fenomenólogo na condução do grupo é necessário conhecer o contexto de
acontecimento do grupo, mas estar disposto a deixar que o grupo aconteça a
partir de suas possibilidades.
Isto é, precisa deixar de lado as expectativas sobre o que e como o grupo
deve acontecer, pois se não as deixar, o condutor tentará forçar o grupo a ser tal
como deseja ou acredita que o grupo deve ser, o que muito frequentemente
resulta em frustração por parte do condutor ou pelo encaixe do grupo nos
padrões exigidos pelo condutor (Leito de Procusto), passando por cima dos
fenômenos eles mesmos.
Considerando especificamente a psicoterapia a longo prazo de grupos
heterogêneos, seu objetivo específico é a descoberta e apropriação dos meus
modos de me relacionar com as demais pessoas e a possibilidade de mudança
desses modos. Não quer dizer que os modos de ser e se relacionar não possam
aparecer na relação psicoterapêutica individual, pois aparecem.
Os grupos fornecem uma miríade de jeitos de ser que frequentemente se
assemelham aos de pessoas da convivência fora do contexto psicológico. Por
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isso, o grupo potencializa o poder ser apresentado aos modos de ser em relação
mais do que numa psicoterapia individual.
Os psicólogos existenciais Leszcz & Yalom (2006) propõem que os
grupos psicoterapêuticos podem se tornar um microcosmo social, desde que
conduzidos de modo a resguardar a liberdade de acontecer do grupo. Assim, no
grupo há pessoas com modos de ser que suscitam em em cada participante
modos de estar com elas. Por exemplo, num grupo pode haver alguém mais
agressivo, que faz com que o outro se retraia diante dele. Nesse grupo, esse o
retrair-se pode ser tematizado, explorado e apropriado por aquele que se retrai,
assim como o agressivo, que suscita retraimento, pode ganhar clareza sobre o
modo como os outros reagem a ele.
Ou ainda, se uma pessoa se sente pouco à vontade com mulheres e no
grupo as há, ele é confrontado pela presença delas e reage de acordo com suas
possibilidades, o que, novamente, abre para que seu modo de ser em relação
às mulheres possa ser considerado ali, no momento em que acontece.
Fonte: projetoexistencial.blogspot.com
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Grupo é o que a analítica existencial chama de mundo', configurando o aí
terapêutico, o espaço de revelação do modo de ser do membro do grupo e de
explicitação do sentido que permeia cada experiência relatada. (Jardim, 2012, p.
943).
Os grupos abrem a possibilidade de o paciente descobrir como as outras
pessoas o enxergam, podendo, inclusive, perguntar a elas. Com tempo, é
possível desvelar e se aprofundar em padrões de comportamento interativo; isto
é, pode, por exemplo, descobrir o quanto a busca por admiração norteia e limita
as relações, como seduz os outros ou o que dos outros o seduz, etc.
Os grupos são um contexto privilegiado para isso, pois é um mundo
compartilhado pelos participantes, cada qual com seus traços singulares, que
mostram, no acontecer das interações, como cada um é e se relaciona. (Leszcz
& Yalom, 2006)
Apesar de seu caráter terapêutico, os grupos em nossa sociedade têm
sido considerados como de segunda categoria, voltados a quem não dispõe de
recursos para atendimentos individuais. Outros ainda negligenciam grupos
porque possibilitam o atendimento de maior número de pessoas ao mesmo
tempo, o que seria seguir uma lógica produtivista de eficiência. (Camasmie,
2012) .
Trata-se de preconceitos, que precisam ser desfeitos. Muitas pesquisas
comprovam a terapia de grupo deve ser considerada como uma opção de
acompanhamento psicológico de pacientes. (Leszcz & Yalom, 2006)
Por sua constituição, os grupos diminuem o isolamento. Carl Rogers
(1974) já apontava isso na década de 1970: é diretamente proporcional à
crescente “ desumanização do homem a necessidade de “ relações próximas e
verdadeiras, onde sentimentos e emoções se possam manifestar
espontaneamente, sem primeiro serem cuidadosamente censurados ou
dominados; onde experiências profundas – decepções e alegrias – se possam
mostrar; onde se arrisquem novas formas de comportamento e se levem até o
fim...” (p.23) Mas Rogers propõe um objetivo para os grupos, que é a facilitação
da expressão de sentimentos na direção da autodescoberta e autoconfiança dos
participantes, cabendo ao coordenador ser o facilitador do grupo, desenvolvendo
um clima de segurança através das atitudes facilitadoras básicas. Posto de
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antemão, esse objetivo impede o livre desenrolar do grupo, como qualquer outro
pressuposto.
Na condução de grupos na abordagem fenomenológica, cabe ao
coordenador zelar pelo grupo. O modo de zelar deve acompanhar o
desvelamento dos fenômenos do grupo; ora pode ser delimitando o contexto,
fornecendo enquadre, ora estimulando e ativando o grupo, ora cuidando para
que cada participante atente para e compartilhe sua experiência, ora facilitando
a expressão de sentimentos, ora informando. Isso depende de cada grupo e de
cada momento de cada grupo.
A coordenação do grupo é fundamental no processo de formação da
coesão do grupo, que pode ser entendida como a atratividade que os membros
do grupo têm entre si e pelo grupo. Yalom (2006) considera que os membros de
um grupo coeso sentem afeto, conforto e um sentimento de pertencimento no
grupo. Eles valorizam o grupo e sentem que são valorizados, aceitos e
amparados pelos outros membros. (Leszcz & Yalom, 2006, p.62) porém, por
mais importante que ela seja no grupo, a coesão também não pode ser assumida
como objetivo por parte do coordenador, o que impede que o grupo se forme de
acordo com o modo específico de ser de seus participantes.
Fonte: www.google.com.br
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e a parcela de pacientes que não dispõe desta possibilidade é pequena. Mas,
caso o paciente não tenha capacidade de perceber como está se sentindo na
situação e de expressar isso de alguma forma, a experiência grupal não é
indicada a ele. Vale lembrar que expressar o que está se passando consigo não
significa falar. É possível um grupo com participantes com restrições na
comunicação oral.
Recursos corporais também propiciam a interação. Esses grupos são
fenomenológicos, desde que coordenador não traga pronto um tema a ser
desenvolvido e não estabeleça metas e objetivos para o grupo, limitando-se a
acompanhar o sentido do que aparece no aí grupal. Permanece o objetivo
terapêutico dos grupos psicológicos na abordagem fenomenológica: ir ao
encontro dos modos de existir singulares de cada pessoa, tal como aparecem
nas interações com os demais participantes do grupo. O foco do processo
psicoterapêutico não é a “ cura” , mas o crescimento pessoal enquanto
liberdade para lidar com as variadas situações que a vida, sempre
compartilhada, impõe.
As descobertas e experimentações que o grupo propicia repercutem na
vida cotidiana. (Leszcz & Yalom, 2006) o caráter de microcosmo social é
bidirecional, pois os modos de ser-com exteriores ao grupo se manifestam nele,
e os modos desenvolvidos no grupo levam a modificações nas relações fora
dele. Ainda assim, não se pode determinar que o objetivo da psicoterapia de
grupo numa abordagem fenomenológica seja a mudança nos modos de ser-com.
O objetivo é o desvelamento desses modos de se relacionar com outros, que
possibilita mudanças. Se o coordenador assume como objetivo mudar os modos
de se relacionar dos participantes do grupo, acaba por impingir seus modelos,
suas expectativas, seus valores e seu ritmo, passando por cima do fenômeno.
Algumas experiências podem ilustrar estas ideias. Por quase dois anos
coordenei grupos semanais num hospital psiquiátrico em São Paulo. Num dos
primeiros encontros, convidei os pacientes a participarem e fomos ao espaço
destinado ao grupo. Eram mais de quinze participantes. Comecei o grupo
propondo um tema amplo: considerarmos juntos como nos relacionamos com os
outros. e pedi que se apresentassem.
Os primeiros pacientes se apresentam à luz dos quadros psiquiátricos;
“ tenho depressão, sou esquizofrênico. Perto de onde estávamos, outro grupo
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estava fazendo aula de percussão. O barulho dificultava muita nossa escuta. Aí
uma moça começa a falar muito baixo. Outra paciente diz que não dá para ouvir
com tanto barulho e sugere que mudemos de lugar.
O grupo se descobre numa situação de ter que decidir se fica no mesmo
lugar ou se muda, e, neste caso, para onde. Decididos a encontrar um espaço
com menos barulho, que facilite que se ouçam, o grupo segue para outro espaço
aberto no hospital, que mais tarde fui descobrir era a rota de fuga mais usada
pelos pacientes para fugir do hospital, o que fazia com que a equipe evitasse
passar por esse caminho.
Chegando ao novo espaço sem que ninguém tivesse tentado fugir, as
apresentações foram retomadas e, aos poucos, foi aparecendo como temática
deste grupo o estranhamento quando da chegada ao hospital, a falta de
informações sobre a rotina e as regras. Isso logo se desdobrou num
questionamento por parte deles sobre como poderiam ajudar os novos pacientes
que chegassem. Esta experiência em grupo propiciou aos participantes a
confrontação com ter que tomar uma decisão concernente a si mesmos dentro
de uma instituição, cuja organização escolhe tudo por eles.
Fonte: www.cursosdenumerologia.es
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Refletindo sobre esta situação, é necessário considerar o entrelaçamento
com o contexto no qual estavam imersos, pois é a partir dele que os fenômenos
deste grupo surgem significativamente. Os pacientes psiquiátricos são privados
do cuidado consigo mesmos, o tratamento é decidido pela equipe médica, eles
obedecem.
Mas esse contexto asilar foi se apresentando no grupo, isto é, não foi
levado de fora' para dentro'.
A partir da proposta de olhar para como se relacionam, delinearam como
tema como se relacionam entre si no ambiente asilar, assumindo autoria por um
aspecto do cuidado consigo e com outros pacientes. Essa é uma experiência
muito forte, pois se encontram fragilizados pela situação que os levou ao
hospital, estão num ambiente desconhecido, rodeados por estranhos e
submetidos a normas de funcionamento da instituição, que desconhecem.
A situação de grupo possibilita que se apresentam e conheçam os demais
e recuperem alguma autonomia neste contexto restritivo. (Evangelista, 2011).
Os agentes lidam cotidianamente com pessoas que estão
envergonhadas com sua situação, frequentemente vítimas de preconceito ou
que não acreditam mais que podem ser ajudadas pelo sistema de saúde. São
pessoas que vivenciam a exclusão e a marginalidade e para quem a
precariedade e a fragilidade da vida são temas cotidianos. No contato com essas
pessoas, os agentes redutores são confrontados com a precariedade do
trabalho, com as próprias fragilidades.
Frustram-se, sentem raiva por se esforçarem para cuidar dos outros, sem
que estes aceitem os cuidados oferecidos. Sentem-se incompetentes,
incapazes. Mas, cuidadosamente, o coordenador possibilita que os modos como
os agentes estão sendo tocados nas experiências em campo apareçam como
tema da reflexão. Com isso, os agentes redutores de danos descobrem a
necessidade e passam a experienciar no grupo o poder se cuidarem e se
sentirem cuidados, resgatando essa potencialidade minada pelo cotidiano.
Seguindo o ritmo e o fluxo do grupo, a instrumentalização cede espaço para
cuidar dos cuidadores. (Yoshimochi, 2012)
O que está sendo exposto aqui sobre grupos com adultos também vale
para grupos com crianças. A única diferença a ser considerada é que a
linguagem infantil é o brincar.
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Brincando, revelam como estão se sentindo, o que estão desejando, suas
potencialidades e dificuldades nas interações. A criança experimenta a si
própria, às outras crianças e ao terapeuta. Se lhes for dada liberdade, as
crianças interagem com as demais no grupo tal como fora das sessões. O grupo
se torna para elas um microcosmo familiar e social, que possibilita a
compreensão dos seus modos de ser no mundo.
A guisa de conclusão, é possível diferenciar os grupos em duas grandes
categorias: heterogêneos e homogêneos.
Fonte: www.telemundo.com
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que os caracteriza é a mesma, referindo-se ao como se deixa os fenômenos
aparecerem e o grupo se desenrolar.3
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BIBLIOGRAFIA
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GUIMARÃES, A. C. Farias Brito e as origens do existencialismo no Brasil.
São Paulo: Editora Convivio, 1984.
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RICOEUR, P. Na escola da fenomenologia. Petrópolis: Vozes, 2009.
Rogers, Carl. (1974) Grupos de Encontro. Trad. Proença, J. Lisboa: Livraria
Martins Fontes Editora.
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