A Cognição Distribuída
A Cognição Distribuída
A Cognição Distribuída
A
Ciência da Informação apresenta-se informação contida nos documentos e a
como um espaço investigativo marcado preocupação “não com a custódia, a posse de
por diversas tendências de pesquisa documentos, mas com a sua circulação, sua
voltadas para fenômenos relacionados ao seu disseminação, a promoção de seu uso da maneira
principal objeto – a informação. Sua origem mais produtiva possível” (ARAÚJO, 2014). Tais
enquanto ciência é frequentemente relacionada à características marcaram as especificidades da
revolução técnico-científica pós-Segunda Guerra área durante sua consolidação, mas também
Mundial, devido às necessidades de lidar com a desafiaram a avançar de forma conceitual e
o grande volume de informação registrada nas metodológica, posto que promover a circulação,
mais diversas formas. Conforme Araújo (2014), disseminação e uso da informação não é uma
apesar de ter se consolidado como uma área tarefa trivial.
cuja preocupação se direciona para os registros Ao mesmo tempo em que avançava,
de conhecimento, a Ciência da Informação se a Ciência da Informação também construía
distingue de outras áreas com interesse similar sua identidade. Esse processo foi marcado
devido a algumas características que lhe são por diálogos com outros campos científicos, o
específicas. que caracterizou um movimento reconhecido
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Janicy Aparecida Pereira Rocha, Claudio Paixão Anastácio de Paula e Adriana Bogliolo Sirihal Duarte
como interdisciplinar na área. Apesar disso, a sua antecessora e, ainda, que não há a melhor
interdisciplinaridade na Ciência da Informação ou pior abordagem e sim, abordagens mais
se caracteriza mais pela absorção de conceitos adequadas a cada contexto ou questão a ser
de outras áreas do que pela transferência de seu investigada. Entretanto, cada vez mais o campo
corpo de conhecimento para as demais ciências de estudo de usuários atribui importância ao
(DAL’ EVEDOVE; FUJITA, 2013; ARAÚJO, sujeito informacional inserido em um contexto
2014). Não obstante os argumentos usados histórico e sociocultural. Paula (2012) alerta que
para defender a interdisciplinaridade (ou para a maioria dos estudos de usuários tende a repetir
negar sua existência), existe certa conexão abordagens de pesquisas convencionais sobre
entre a Ciência da Informação e outros campos comportamento organizacional e informacional.
científicos. Para o autor, tais abordagens possuem
A conexão com as Ciências Cognitivas importante caráter prescritivo/moral, no
aparece de forma expressiva na produção entanto, possibilitam apenas uma compreensão
científica da Ciência da Informação, quer pela fragmentada dos usuários da informação.
adoção direta de constructos teóricos daquela, Desde a década de 1980, a intenção
quer pelos enfoques de pesquisa desta que de estudar os usuários de forma menos
refletem princípios cognitivos em maior ou fragmentada motiva a adoção de teorias
menor grau. De forma geral, observa-se que e modelos influenciados por perspectivas
o principal ponto de interseção entre Ciência tradicionais das Ciências Cognitivas como
da Informação e Ciências Cognitivas está o cognitivismo e o conexionismo. Todavia,
em compreender os processos cognitivos tais perspectivas consideram que o indivíduo
envolvidos no comportamento dos usuários adquire o conhecimento que lhe falta captando
e como estes, em suas práticas cotidianas, e processando a informação, mas não levam em
interagem com a informação e se apropriam do conta que o conhecimento também é construído
conhecimento. no viver cotidiano. Críticas direcionadas a essa
O reflexo da influência que as Ciências postura motivaram a adoção de perspectivas
Cognitivas exercem na Ciência da Informação contemporâneas da cognição – tais como a
pode ser observado, de forma mais expressiva, Ecologia da Mente, de Gregory Bateson; a
em uma subárea desta: os estudos de usuários Biologia do Conhecer, de Humberto Maturana
da informação. Esta subárea se constitui em e Francisco Varela; a Cognição Situada de Jean
torno de duas tradições já consolidadas – as Lave, entre outras.
abordagens tradicional e alternativa – e de uma O contexto apresentado e os desafios
terceira abordagem ainda em constituição – a impostos pelas questões mencionadas motivaram
abordagem social (ARAÚJO, 2010, 2015). A o esboço de uma base teórico-metodológica
constituição dessas tradições de estudo está que visa auxiliar a compreensão, de forma mais
vinculada à evolução na forma de se olhar holística, do sujeito informacional e de suas
para a informação e, principalmente, para práticas vinculadas ao contexto no qual esse
seu usuário. Este passou por transformações sujeito está inserido. Assim, o objetivo desse
sucessivas: de mero informante de suas ações artigo é apresentar a Cognição Distribuída
frente aos sistemas de informação, tornou- como um quadro teórico de elevado potencial
se um usuário passivo que usava recursos para os estudos de usuários vinculados à
informacionais para suprir suas necessidades de abordagem social. A Cognição Distribuída é uma
informação e, finalmente, um sujeito social ativo abordagem oriunda das Ciências Cognitivas
que se relaciona com a informação e a constrói, que permite estudar a distribuição social,
individual ou coletivamente. Diante desse último temporal e por artefatos dos processos cognitivos
entendimento, o usuário da informação passa a durante a produção e o uso da informação e do
ser denominado sujeito informacional (ARAÚJO, conhecimento por um grupo de indivíduos.
2013). Acredita-se que seus pressupostos são uma
Estudos baseados em cada uma dessas alternativa promissora para auferir um novo
abordagens se aplicam melhor a distintas fôlego à investigação de campos desafiadores –
situações, o que significa que o surgimento de apesar de consagrados – dos estudos em Ciência
uma abordagem não invalidou ou substituiu da Informação.
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A cognição distribuída como referencial teórico para os estudos de usuários da informação
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Janicy Aparecida Pereira Rocha, Claudio Paixão Anastácio de Paula e Adriana Bogliolo Sirihal Duarte
se a noção da informação como algo subjetivo, elementos que influenciam a busca e o uso
mas que, conforme Ferreira (1995), só tem da informação, ainda que isso fosse feito
sentido se integrada a um contexto. De acordo subjetivamente para suprir uma necessidade
com essa concepção é preciso que o usuário informacional. O Sense-making de Brenda Dervin
atribua sentido à informação conforme seus (1983, 1992) utiliza a metáfora do indivíduo que
referenciais anteriores. Pesquisas pautadas por encontra lacunas de informação durante sua
esta abordagem são “centradas no indivíduo, caminhada e age para supri-las. Ao defender
partindo de uma perspectiva cognitiva, buscando a irredutibilidade entre sujeito e sistemas de
interpretar necessidades de informações tanto informação, Dervin rompe com a separação
intelectuais como sociológicas” (FERREIRA, entre sujeito e objeto, característica dos estudos
1995, p.5). cognitivistas.
Durante o desenvolvimento e a O Information Search Process (ISP) de
consolidação da abordagem alternativa, Carol Kuhlthau (1991, 1993) – cujo modelo para
percebe-se a adoção de referenciais teóricos observação do processo de busca da informação
das Ciências Cognitivas por vários autores da considera incertezas inerentes aos indivíduos
Ciência da Informação que entendiam o enfoque – deixa de ser estritamente cognitivista ao se
cognitivo como um caminho promissor para a atentar para os aspectos afetivos que permeiam
área. Brookes (1980) foi um dos precursores da a busca de informação. A atenção aos aspectos
adoção da abordagem cognitivista na Ciência afetivos também foi evidenciada no modelo de
da Informação ao propor a fórmula por ele busca e uso da informação de Choo (2006).
denominada ‘A Equação Fundamental da Ciência Diversos autores teceram críticas à
da Informação’: K[S] + ∆I = K[S + ∆S]. Essa visão reducionista dos estudos com enfoque
equação exprime a ideia de que uma estrutura cognitivista. Tais críticas foram direcionadas,
de conhecimento K[S] se torna uma nova sobretudo, à ênfase dada à natureza individual
estrutura K [S + ∆S] devido à adição de um novo dos processos cognitivos reduzidos à mente
conhecimento ∆S extraído de uma informação dos sujeitos e ao isolamento destes das
∆I. Por meio dela, Brookes enuncia que a adição relações sociais e culturais. Miksa (1999)
de informação é algo que modifica a estrutura criticou a omissão da perspectiva social e
cognitiva dos sujeitos. o foco no usuário individual que recebe a
Estudos que tratam das estruturas de co- informação capaz de preencher uma lacuna
nhecimento e suas alterações, bem como das sobre uma questão definida previamente.
necessidades de informação denotam a forte Frohmann (1992) também criticou o enfoque
presença do cognitivismo na Ciência da Infor- cognitivo individualista argumentando que
mação (ROZADOS, 2007). A discussão acontece ele negligencia os condicionamentos sociais e
em torno dos processos de captação, represen- materiais do existir humano. Hjørland (2002),
tação e processamento de informações vindas questionou a exclusão dos aspectos sociais e
do meio para satisfazer uma necessidade infor- culturais dos sujeitos em estudos cognitivos
macional, privilegiando o sujeito em detrimento e sugeriu que as perspectivas social, cultural
de seu contexto social. Sob esse enfoque, a in- e histórica fossem incorporadas aos estudos
formação percebida afeta e transforma o estado de usuários. Para tal, ele propôs a adoção de
de conhecimento do indivíduo, preenchendo as uma tendência sócio-cognitiva como uma
lacunas existentes em seu conhecimento. Além nova maneira de assumir a visão cognitiva,
de Brookes, outra expressão significativa da in- integrando este enfoque ao universo social
fluência cognitivista na Ciência da Informação é e cultural. Por sua vez, Rendón Rojas (2005)
o Anomalous States of Knowledge de Belkin, Oddy alertou que o sujeito não é vazio e a informação
e Brooks (1982a, 1982b), segundo o qual os in- não é um pacote que o preenche.
divíduos passam a buscar informações quando A partir da década de 1990, em
percebem uma anomalia em seu estado de conhe- consequência de críticas direcionadas às
cimento e este é insuficiente para resolver deter- abordagens existentes – tradicional e alternativa
minada situação-problema. – e com o intuito de superar limitações e
A partir da década de 1970, a situação lacunas destas, surgiram iniciativas para o
e o contexto começam a ser entendidos como desenvolvimento de uma abordagem voltada
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A cognição distribuída como referencial teórico para os estudos de usuários da informação
para a compreensão dos sujeitos vinculados a por Cole e Engestron (1993) desde os achados
seus contextos históricos e socioculturais. Essa de Alexander Luria, Alexei Leontiev, Clifford
terceira abordagem – denominada social ou Geertz, Lev Vygotsky e outros autores para
sociocultural – está em fase de consolidação e, os quais a atividade mental se inter-relaciona
portanto, não se manifesta de forma expressiva com aspectos físicos, sociais e culturais do
na subárea de estudos de usuários, assim como contexto do indivíduo, sendo os processos
não possui uma base conceitual consolidada cognitivos distribuídos entre os componentes
(ARAÚJO, 2010, 2015). de um grupo cujas ações visam a um objetivo
Visando a construção da base conceitual comum.
para estudos inseridos nessa abordagem, Araújo Assim, a Cognição Distribuída é
(2015) relata que algumas contribuições têm sido entendida como uma abordagem contemporânea
buscadas por autores diversos na epistemologia das Ciências Cognitivas adequada para a
social de Shera, nos regimes de informação compreensão de como a inteligência manifesta-
de Frohmann, na abordagem realista-dialética se no nível sistêmico – e não apenas no nível
de Rendón Rojas, na análise de domínio de cognitivo individual – mediante o estudo da
Hjørland, no interacionismo simbólico e na representação do conhecimento nas mentes dos
etnometodologia. Por sua vez, Araújo (2015) indivíduos e sua propagação entre indivíduos
apresenta sua contribuição sugerindo os conceitos e artefatos (FLOR; HUTCHINS, 1991). Tal
de imaginação (de Durand) e sociabilidade abordagem defende que a cognição, além de
(de Maffesoli) para que estudos conforme a ser um fenômeno distribuído entre dois ou
abordagem social reabilitem a capacidade criativa mais indivíduos, também o é entre indivíduos,
humana e “a ambiência, a potência, o cotidiano, ambientes e artefatos que se relacionam. Esses
o emocional e o imaginário” (ARAÚJO, 2015, artefatos, denominados cognitivos, consistem
online). em dispositivos utilizados pelos humanos em
Considerando essa necessidade de suas atividades para aprimorar ou melhorar a
fortalecer a base conceitual para os estudos cognição e o desempenho (NORMAN, 1991;
de usuários sob a perspectiva da abordagem HUTCHINS, 2002).
social, apresenta-se a seguir os fundamentos Devido às suas características, a
da Cognição Distribuída. Enquanto as Cognição Distribuída se mostra como uma
perspectivas tradicionais das Ciências alternativa às tradicionais teorias cognitivas,
Cognitivas, utilizadas em estudos da abordagem vinculadas a vertentes como o cognitivismo
alternativa, consideram que o indivíduo e o conexionismo. Conforme tais vertentes,
adquire o conhecimento que lhe falta captando os órgãos sensoriais humanos são capazes
e processando a informação, a Cognição de captar a informação existente no mundo
Distribuída considera que a informação, o que, representada em símbolos e armazenada
conhecimento são construções sociais e temporais no cérebro – entendido como uma máquina
que acontecem mediante a interação entre similar ao computador – altera o estado
indivíduos, ambiente e artefatos. de conhecimento do sujeito e gera uma
saída em forma de ação. Quando o intuito é
estudar a informação e o conhecimento como
3 COGNIÇÃO DISTRIBUÍDA construção social a partir da colaboração entre
pessoas e artefatos inseridos em um contexto,
Os fundamentos da Cognição os pressupostos Cognição Distribuída se
Distribuída foram consolidados por Edwin apresentam como uma alternativa promissora.
Hutchins na década de 1990, a partir de A percepção de que, conforme a Cognição
sucessivos estudos sobre sua aplicação, Distribuída, os processos cognitivos extrapolam
como abordagem ou framework, na análise as mentes individuais e podem ser considerados
do processo de navegação em navios a partir das relações funcionais de todos os
(HUTCHINS, 1990, 1995a) e da distribuição de elementos que participam das atividades
processos cognitivos na operação de aeronaves encontra apoio em Hutchins (2000). Para o autor,
(HUTCHINS, 1995b; HUTCHINS; KLAUSEN, a ampliação dos limites da unidade de análise
1996). Entretanto, suas origens são rastreadas e a variedade de mecanismos que podem ser
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considerados como participantes dos processos tais como figuras, gráficos e planilhas são
cognitivos são os princípios norteadores da exemplos de artefatos que auxiliam os
Cognição Distribuída, capazes de distingui- indivíduos em suas atividades.
la de abordagens relacionadas. Ao entender a A noção de representação é bastante
interação entre indivíduos, artefatos e ambientes relevante para a Cognição Distribuída, embora
como distribuída, a cognição passa a ser assuma um significado diferente daquele
vista como um fenômeno contextual e social, utilizado por perspectivas cognitivas tradicionais
construído na interação dos indivíduos entre si para as quais as propriedades e características
e com o ambiente e os artefatos cognitivos nele do mundo e de seus objetos podem ser captadas
existentes. e representadas nas mentes dos indivíduos da
As unidades de análise vistas conforme as forma como são. Agora as representações são
abordagens cognitivas tradicionais possuem seus consideradas como internas (p.ex.: memória,
limites circunscritos às mentes individuais. Am- linguagem) ou externas (p.ex.: mapas, anotações)
pliando os limites, os processos cognitivos são ao indivíduo (HUTCHINS, 1995a). Entretanto,
buscados e considerados onde acontecem. Nesta uma representação externa por meio de
perspectiva, a unidade de análise pode ser um um artefato pressupõe a existência de uma
indivíduo interagindo com um ou mais artefatos, representação mental, pois é necessário um
um grupo de indivíduos interagindo entre si ou intérprete capaz de relacionar um artefato com o
grupos de indivíduos interagindo entre si e com objeto que ele representa. Diferentes intérpretes
artefatos. Hollan, Hutchins e Kirsh (2000) afir- estabelecem diferentes relações entre objetos e
mam que, a partir da variedade de mecanismos suas representações devido às experiências e
considerados como participantes dos processos vivências individuais.
cognitivos e da ampliação dos limites da unidade Por fim, a noção de distribuição social dos
de análise, três formas de distribuição dos pro- processos cognitivos está relacionada à coordena-
cessos cognitivos se sobressaem: (i) distribuição ção de esforços entre diferentes indivíduos para
temporal, (ii) distribuição por artefatos e (iii) dis- a realização de uma atividade, geralmente norte-
tribuição social. ada por um objetivo em comum que dificilmente
Sobre os processos cognitivos distribuídos seria alcançado individualmente. Esses esforços
no tempo, Cole e Engestron (1993) afirmam envolvem tanto o trabalho colaborativo, quanto
que o mundo atual é interpretado e o futuro é a comunicação e até mesmo o uso de resultados
vislumbrado a partir de experiências passadas de atividades anteriores realizadas por outras
dos indivíduos. Isso significa que o indivíduo, pessoas. Ao analisar as atividades na cabine de
ao se deparar com dada situação, recorre a um avião comercial, Hutchins (2000) ressalta que
lembranças de situações similares já vividas e, a pilotar um avião é um trabalho que, atualmente,
partir delas, traça linhas de ação para lidar com não pode ser feito por um indivíduo agindo so-
a situação apresentada. Além disso, a abordagem zinho. O autor ainda afirma que a segurança dos
da situação pode ser feita a partir da experiência passageiros é dependente das habilidades con-
de outros indivíduos que vivenciaram situações juntas da tripulação, bem como do uso eficiente
semelhantes. Como cada indivíduo conhece e dos artefatos presentes na aeronave e que funcio-
vivencia as situações de forma subjetiva, a mesma nam em conjunto.
situação vivenciada por diferentes pessoas pode No mundo contemporâneo, onde
resultar em diferentes visões e aprendizados. imperam as tecnologias e redes de informação
Hutchins (2000) afirma que a e comunicação, a proximidade física entre os
distribuição por artefatos também se estende indivíduos não é uma regra para que aconteça
ao ambiente, pois os artefatos são mediadores a distribuição social do trabalho cognitivo. A
da interação entre indivíduos e ambiente. diversidade de recursos tecnológicos, sobretudo
Para o autor, a dependência de artefatos ferramentas de comunicação e colaboração,
pelas atividades humanas leva à ampliação permite a interação entre pessoas com diferentes
dos limites das unidades de análise, pois elas localizações geográficas e a coordenação de suas
não podem ser totalmente analisadas sem a atividades, assim como a busca e a localização
devida atenção aos artefatos. Ferramentas, quase instantânea de informações oriundas de
instrumentos e representações simbólicas, diversas fontes.
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cultural e o foco da etnografia cognitiva se volta 4.2 Distributed Cognition For Teamwork
para a forma como os membros criam esses
significados. Assim, uma importante diferença A Distributed Cognition for Teamwork –
entre ambas é que a etnografia tradicional se DiCoT – é um framework semiestruturado proposto
preocupa com o fato e a etnografia cognitiva se por Blandford e Furniss (2005) para auxiliar a
preocupa com o processo de construção do fato. análise de trabalhos em equipe, com base nos
Ou, nas palavras de Williams (2006, p.838) a princípios da Investigação Contextual (BEYER;
“etnografia tradicional descreve o conhecimento; HOLTZBLATT, 1997) e da Cognição Distribuída
etnografia cognitiva descreve como o (HUTCHINS, 1995a). Inspirada na coleta
conhecimento é construído e utilizado”. etnográfica de dados, a Investigação Contextual
Apesar dessas diferenças, a etnografia visa a coleta de dados em menor escala. Ao
cognitiva se apropria de técnicas e métodos da desenvolver a DiCoT, Blandford e Furniss (2005)
etnografia prototípica, tais como observações, extraíram um conjunto de princípios fundamentais
entrevistas, gravações de áudio e vídeo, entre da literatura sobre Cognição Distribuída.
outras. Hutchins e Klausen (1996) adotaram Subdivididos, esses princípios foram associados a
registros de áudio e vídeo ao analisarem representações gráficas similares àquelas existentes
o padrão de cooperação e coordenação de na Investigação Contextual. Esse processo deu
ações entre pilotos em um simulador de voo. origem a cinco diagramas: (i) físico, (ii) fluxo de
Ball e Ormerod (2000) adotaram observações informação, (iii) artefatos, (iv) social, (v) evolutivo
semiparticipantes e entrevistas informais e não (BLANDFORD; FURNISS, 2005).
estruturadas, registradas em áudio e/ou vídeo, O diagrama físico foca no layout do
em uma pesquisa cujo objetivo era facilitar ambiente e na forma como ele afeta a propagação
a reutilização de informações de projetos da informação. O que pode ser visto, ouvido e
de desenvolvimento de sistemas. Apesar de acessado pelos sujeitos inseridos em determinado
alguns autores não relatarem o tempo de coleta ambiente impacta na realização de suas atividades.
de dados em seus estudos, Ball e Ormerod Assim, analisar o ambiente físico é importante,
(2000) relataram que o período de coleta de posto que ele oferece suporte para a comunicação e
dados se estendeu por seis meses, gerando a interação entre indivíduos e artefatos. No Quadro
aproximadamente 150 horas de registros de 1 são listados os sete princípios da Cognição
áudio e vídeo e 100 páginas de notas. Distribuída associados ao diagrama físico.
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A cognição distribuída como referencial teórico para os estudos de usuários da informação
Diagrama de artefatos
Paridade representação-meta Representação explícita da relação entre estado atual e estado-meta
Artefatos mediadores Quaisquer artefatos utilizados na execução da atividade
Criação de scaffolding Como os sujeitos usam o ambiente para facilitar suas atividades
Considera os recursos que são coordenados para auxiliar a ação e a
Coordenação de recursos cognição (p. ex.: planos, objetivos, affordances, história, ação-efeito,
estado atual)
Fonte: Elaborado pelos autores a partir de Blandford e Furniss (2005)
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Diagrama social
Como a estrutura social da equipe relaciona-se com a estrutura-
Estrutura social e estrutura-meta
meta
Propriedades cognitivas
Como o sistema cognitivo é distribuído dentro da equipe.
distribuídas socialmente
Fonte: Elaborado pelos autores a partir de Blandford e Furniss (2005)
Diagrama evolutivo
Patrimônio cultural Considera elementos acumulados no ambiente ao longo do tempo
Considera que a performance do sujeito melhora em função de sua
Acoplamento especialista
interação e experiência no sistema cognitivo distribuído
Fonte: Elaborado a partir de Blandford e Furniss (2005)
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ABSTRACT From the established relationships between the three approaches of the information behavior studies
and the paradigms of Information Science, the influence of cognitive perspectives in these approaches
is pointed. Then Distributed Cognition and two methodological options related to it – Distributed
Cognition for Teamwork and cognitive ethnography – are presented. Both are seen as a high potential
theoretical and methodological framework for the social approach information behavior studies.
The reflection carried out shows that this theoretical-methodological set is indicated to subsidize
information behavior studies guided by the social approach, called information practices studies.
Keywords: Distributed Cognition. Distributed Cognition for Teamwork. Cognitive Ethnography. Information
behavior studies.
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