Universidade Federal Do Rio Grande Do Sul
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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL
NYKOLLAS GABRYEL OROCZKO NUNES
A SACALINA DE TCHEKHOV
Um relato de viagem e o sistema prisional nas franjas do Império Russo (século XIX)
Porto Alegre
2015
NYKOLLAS GABRYEL OROCZKO NUNES
A SACALINA DE TCHEKHOV
Um relato de viagem e o sistema prisional nas franjas do Império Russo (século XIX)
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado
ao curso de História da UFRGS como requisito
parcial para obtenção do título de Licenciado
em História.
Orientador: Prof. Dra. Cláudia Mauch
Porto Alegre
2015
2
RESUMO:
Em 1890 Anton Pavlovitch Tchekhov, famoso escritor russo, decidiu fazer uma longa
viagem à colônia penal da Ilha de Sacalina, no Extremo Oriente do Império. Durante esta
viagem, o escritor avaliou as condições de habitação dos presos, fez reflexões a respeito dos
castigos que eles recebiam e também sobre o papel da administração da colônia no tratamento
dos condenados a trabalhos forçados. Um relato de viagem que transita nas fronteiras entre
literatura, jornalismo e trabalho científico, o texto de Tchekhov é uma importante fonte para
estudar a sociedade composta por aqueles que foram exilados para uma das partes mais
longínquas e inóspitas do Império Russo, por aqueles que os acompanharam até lá por sua
própria vontade e por aqueles que foram levados até este local por suas carreiras. Para
abordálo, este trabalho será realizado em três etapas: uma análise do que se classifica como a
“bagagem” do autor as convicções morais e as visões acerca da sociedade russa que ele leva
consigo para a ilha , aliada à inserção do texto no seu contexto dentro da área da literatura de
viagem; uma contextualização histórica para compreender o cenário russo à época da
concepção e do desenvolvimento da colônia penal; e um exame aprofundado da fonte,
buscando o diálogo entre a bibliografia estudada e os testemunhos, opiniões e teses que o
autor apresenta durante sua passagem por Sacalina.
Palavraschave: Anton Pavlovitch Tchekhov, Rússia no século XIX, Ilha Sacalina, relato de
viagem, história da punição.
3
ABSTRACT:
In 1890 Anton Pavlovitch Tchekhov, famous Russian writer, decided to make a long
journey to the penal colony of the Sakhalin Island, in the Empire’s Far East. During this trip,
the writer evaluated the prisoner’s conditions of habitation, reflected on the punishment they
received and also on the role of the colony’s administration in the treatment of the condemned
to forced labor. A work on travel literature that oscillates in the boundaries between literature,
journalism and scientific work, Tchekhov’s text is an important source to study the society
composed by those who were exiled to one of the most far away and inhospitable regions of
the Russian Empire, by those who accompanied them there by their own will and by those
who were led there by their careers. To approach it, this study will be executed in three steps:
an analysis of what is classified as the author’s “luggage” the moral convictions and the
views on the russian society that he brings with him to the island , allied to the text’s
insertion on its context in the field of travel literature; a historical contextualization to
comprehend the russian conjuncture at the time of the conception and development of the
penal colony; and an indepth exam of the source material, looking for a dialogue between the
researched literature and the records, the opinions and theses that the author presents during
his passage through Sakhalin.
Keywords: Anton Pavlovitch Tchekhov, Russia in the XIX century, Sakhalin Island, travel
literature, history of punishment
4
SUMÁRIO
Introdução
........................................................................................................................6
Capítulo 1 – A bagagem de Tchekhov
.........................................................................15
Capítulo 2 – A Rússia que criou Sacalina
....................................................................26
Capítulo 3 – Colônias e prisões
.....................................................................................39
Conclusão
........................................................................................................................51
Referências
......................................................................................................................54
5
Introdução
No ano de 1890, chegava a Sacalina, uma ilha no extremo oriente do Império Russo, o
1
famoso escritor Anton Pavlovitch Tchekhov. Desta viagem surgiu um relato, que hoje é um
livro de mais de trezentas páginas, no qual este literato descreve aquilo que teria visto na ilha,
comenta sobre seus interesses lá, e discute com o leitor a respeito do que ele considera que
sejam injustiças e descasos com a população de tal ilha, que à época funcionava como uma
colônia penal do Império Russo. Tratase de um relato com uma variedade estilística
impressionante: em questão de nove páginas, o autor compara um cenário que viu a um em
uma citação de Shakespeare, menciona o Odisseu de Homero, descreve como haveria sido a
“história da margem de Sacalina” – passando pelos diversos navegadores que, segundo suas
leituras, mapearam a região tentando descobrir se Sacalina tratavase de uma península ou de
uma ilha –, escreve sobre um velho que teria lhe narrado uma anedota sobre gansos bêbados e
jurado que tudo acontecera em seu pátio e ainda dá as coordenadas geográficas da ilha que
2
seria seu objeto de estudo, precisandoas aos minutos.
A respeito do conteúdo do texto e da disposição dos temas e assuntos no livro,
a Ilha
Sacalina,
tratase durante os quatorze primeiros capítulos, de uma descrição cronológica das
particularidades de cada um dos povoados e de cada uma das prisões que Tchekhov teria
visitado – ou, em alguns casos, pesquisado sobre – na ilha: uma colônia penal de trabalhos
forçados que se mostraria particularmente heterogênea, caótica, por vezes brutal e distante da
realidade conhecida da Rússia ocidental aos olhos do viajante. Pelos nove capítulos restantes,
1
À época, Anton Tchekhov já era conhecido no ocidente russo como contista, mas sua fama estava apenas
começando a ascender, tendo este começado a escrever para uma revista importante há poucos anos. Tchekhov
ainda não havia escrito algumas das peças que, posteriormente, lhe confeririam fama mundial como dramaturgo,
como Três Irmãs
Tio Vânia ou . Quando partiu para Sacalina, o autor estava em um momento de sua vida em
que, após se diplomar como médico em 1884, exercera esparsamente a profissão, enfrentou um diagnóstico de
tuberculose e a morte precoce de um irmão – estes teriam sido os motivos pelos quais Tchekhov decidiuse a
empreender a viagem para Sacalina. Outra razão teria sido um desejo de redenção frente à medicina, visto que a
carreira de escritor tomava conta de sua vida e suas contribuições para o campo médico haviam sido mínimas.
SALES, D. R. Figuras de Tchekhov. In. TCHEKHOV, Anton P. Três Anos . São Paulo: Editora 34, 2013. p.
137154.
2
TCHEKHOV, A. P. Oстров Cахалин (из путевых записок). YujnoSakhalinsk: Pубеж, 2010. p. 1423.
6
3
o autor analisa o que chama de “aspectos particulares”
da vida na colônia penal, baseado no
que já observara e registrara.
Desta maneira determinase a fonte a partir da qual serão trabalhadas, ao longo deste
estudo, questões acerca do sistema punitivo na Rússia ao fim do século XIX. A escolha desta
fonte é merecedora de algumas considerações quanto à sua natureza e à contribuição que ela
pode trazer a estudos na área da história. Primeiramente, um caráter científico, ou pelo menos
4
paracientífico, da “pesquisa” de Tchekhov durante sua estadia em Sacalina é evidenciado
pelo próprio autor quando este descreve o método que teria utilizado para coletar dados (e
também impressões e experiências, em suas próprias palavras) pelas colônias penais:
Para percorrer, na medida do possível, todos os pontos do povoamento e para ver,
mais de perto, como vivia a maioria dos deportados, recorri ao único método que me
pareceu apropriado considerandose as condições de que dispunha. Fiz um
recenseamento. Em todas as colônias que visitei, entrei em cada isbá e fiz uma lista
dos proprietários, dos membros da família, dos inquilinos e dos servidores. Para
facilitar o meu trabalho e eu poder ganhar tempo, propuseramme amavelmente a
colaboração de ajudantes; contudo, como o principal objetivo do meu recenseamento
não era só a obtenção de resultados, mas também a coleta de impressões que a
própria experiência me proporcionaria, só recorri à ajuda externa em casos muito
5
especiais.
No mesmo trecho, um comentário em particular do autor acerca de seu método pode
ajudar a confirmar que o texto em questão é uma fonte que, com todos seus problemas (alguns
dos quais o autor está ciente, o que também é interessante) e especificidades não deixa de ser
um documento válido para estudos a respeito do contexto de Sacalina relacionados a
diferentes problemas de pesquisa que interessem a diferentes áreas, entre elas a da história:
Este trabalho, realizado durante três meses por uma única pessoa, na verdade não
merece o nome de recenseamento. Embora os seus resultados não possam ser
3
Id. Ibid. p. 166.
4
Tais preocupações com a apresentação de certo rigor científico em seus escritos não são exclusivas à obra de
Tchekhov. Carla Renata Antunes de Souza Gomes, autora que estudou relatos de viagens no Rio Grande do Sul,
também no século XIX, verificou casos similares de comprometimento com a razão, como por exemplo no caso
do médico alemão Robert AvéLallemant. Gomes defende, a partir de sua pesquisa e de um trabalho de revisão
bibliográfica, a existência de um tipo de viajante característico deste século que teria exatamente estas
preocupações, compreendido pelos viajantes “naturalistas” do século XIX. Cf. GOMES, C. De Riograndense a
gaúcho: o triunfo do avesso . Um processo de representação regional na literatura do século XIX (18471877).
Porto Alegre, UFRGS, 2006. (Dissertação de mestrado).
5
Чтобы побывать по возможности во всех населенных местах и познакомиться поближе с жизнью
большинства ссыльных, я при бегнул к приему, который в моем положении казался мне единственным. Я
сделал перепись. В селениях, где я был, я обошел все избы и записал хозяев, членов их семей, жильцов и
работников. Чтобы облегчить мой труд и сократить время, мне любезно предлагали помощников, но так
как, делая перепись, я имел главною целью не результаты ее, а те впечатления, которые дает самый
процесс переписи, то я пользовался чужою помощью только в очень редких случаях. TCHEKHOV, op.
cit. p. 36 (tradução própria). Uma isbá é uma típica casa russa de camponeses, construída com troncos. Neste
trabalho, optouse por transferir o texto original para o rodapé e as traduções para o corpo do texto, devido ao
número expressivo de citações em russo contidas ao longo do estudo.
7
caracterizados pelo rigor e pela confiabilidade, não havendo dados mais precisos,
nem na literatura, nem nos departamentos administrativos de Sacalina, talvez os
6
meus números possam acabar por serem úteis.
A descrição inicial, acima, já é uma forma relativamente detalhada para expor o
método que Tchekhov teria utilizado para estudar Sacalina, mas nas páginas seguintes de seu
texto o autor dedicase longamente a descrever as fichas de recenseamento, explicando em
mais ou menos detalhes cada uma das informações que teriam constado nas fichas: nome do
posto ou da colônia, número cadastral da casa, categoria do recenseado (prisioneiro, colono,
camponês proscrito ou cidadão livre), nome próprio, patronímico e nome de família, relação
entre o entrevistado e o proprietário, idade, religião, local de nascimento, ano de chegada a
Sacalina, ocupação principal e profissão, nível de instrução, situação familiar (casado, viúvo,
solteiro, no caso dos casados também era perguntado se o cônjuge residia em Sacalina), o
recebimento ou não de subsídios do Estado e, por fim, o gênero (que Tchekhov teria
demarcado marcando as fichas das mulheres com um traço vermelho). O autor também coloca
quais problemas enfrentou com algumas das perguntas, ou que soluções tomou para evitar
7
erros previstos.
Cathy Popkin, entretanto, destaca em seu texto
Chekhov as Ethnographer:
Epistemological Crisis on Sakhalin Island que estes esforços do autor para elaborar um
8
trabalho legitimamente científico acabaram por falhar. A autora considera o processo pelo
qual Tchekhov passou durante sua estadia na ilha como particularmente análogo à sua própria
análise da colônia como um ambiente caótico e desprovido de disciplina. Segundo ela, a
determinação e a disciplina com as quais o escritor começa seu texto desaparecem diante da
resistência dos habitantes em responderem ao censo, realizado de maneira que pudessem se
9
enquadrar nos moldes préestabelecidos da pesquisa. Similarmente, os poucos documentos
que Tchekhov encontrou na ilha eram – para Popkin – suspeitos em sua totalidade, criando o
6
Эту работу, произведенную в три месяца одним человеком, в сущности, нельзя назвать переписью;
результаты ее не могут отличаться точностью и полнотой, но, за неимением более серьезных данных ни в
литературе, ни в сахалинских канцеляриях, быть может, пригодятся и мои цифры. Id. Ibid. p. 36 (tradução
própria).
7
Id. Ibid. p. 39.
8
POPKIN, Cathy. Chekhov as Ethnographer: Epistemological Crisis on Sakhalin Island. Slavic Review . Vol. 51,
n. 1, pp. 3651, 1992. Disponível em http://www.jstor.org/stable/2500260. Acesso em 25 de junho de 2015.
Passim.
9
Id. Ibid. p. 39.
8
10
que a autora caracteriza como um “impasse epistemológico”. Esta questão é sumarizada em
seu texto da seguinte maneira:
Em suma, o que Tchekhov encontra aqui é a falha completa das ciências humanas:
nós testemunhamos pessoalmente a falência da sociologia, geologia, geografia,
topografia, medicina, antropologia, psicologia, demografia, estatística, economia,
agronomia, meteorologia, mesmo da linguística (já que o tradutor oficial das duas
línguas indígenas não sabe uma palavra de qualquer uma delas) e especialmente da
criminologia. Na colônia penal de Sacalina, não
há “autoridades competentes”, seja
11
em termos de conhecimento ou de poder.
Cabe avaliar na presente análise, portanto, a hipótese apresentada por Popkin de que a
falta de sentido textual que ela diagnostica em
Ilha Sacalina acabaria por não ter contribuído
para um entendimento melhor do funcionamento e da estrutura da colônia, mas sim para
lançála ainda mais na obscuridade. O trabalho de Tchekhov representaria um sucesso
mimético e moral de representação da colônia de Sacalina, uma vez que transmite ao leitor
12
com perfeição o caos penal na ilha, mas seu caráter científico seria irrelevante. Este triunfo,
por si só, seria capaz de qualificar o texto como uma importante fonte sobre o que pensou um
russo ocidental ao se deparar com a desorganização da ilha, mas acreditase que também seja
possível tratar dados apresentados pelo escritor de maneira mais direta, uma vez que em
diversos momentos ao longo de seu relato estes dados acompanham um
testemunho do autor a
respeito do que observava e suas opiniões a respeito destas informações coletadas.
Mas para a autora, mesmo as
impressões de Tchekhov são desprovidas de lógica e
13
complicadas para se analisar por se contradizerem com frequência. Será analisada, neste
estudo, a possibilidade de isto se dever à própria heterogeneidade da colônia e de seus
habitantes, bem como à “evolução” das opiniões do autor durante sua viagem: este chega à
ilha com uma certa “bagagem”, mas vai deixando para trás partes desta e coletando novas
experiências durante sua estadia nesta.
Tendo estabelecido a fonte utilizada e a sua relevância para o trabalho, passase a
definir como se abordará esta fonte. O trabalho de Tchekhov pode ser relevante para um
10
Id. Ibid. p. 40.
11
In short, what Chekhov encounters here is the complete failure of the human sciences: we personally witness
the bankrupcy of sociology, geology, geography, topography, medicince, anthropology, psychology,
demographics, statistics, economics, agronomy, meteorology, even linguistics (since the oficial translator of the
two indigenous languages knows not a word of either) and especially criminology. In the penal colony of
Sakhalin, there are no “competente authorities”, either in terms of knowledge or power. Id. Ibid. p. 40 (tradução
própria).
12
Id. Ibid. p. 49.
13
Id. Ibid. p. 4648.
9
estudo a respeito dos limites entre história e outras áreas, como evidenciado pelo artigo de
A Ilha de Tchekhov
Denise Regina de Sales . Em seu texto, Sales afirma que
Tão polêmica quanto a motivação da viagem, é a classificação da obra que ela gerou.
Várias são as possibilidades de análise desse livro, que, pelo conteúdo, forma e
destinação, abarca aspectos da literatura, do jornalismo e da produção científica. No
Brasil, Ilha Sacalina foi chamada de “texto de fronteira entre jornalismo e literatura”,
na análise de Gutemberg Medeiros, com base na acepção do teórico Iúri Lotman,
que trata os textos de fronteira como a intercessão entre campos semióticos
14
diferentes.
Para o autor, a história da sociedade é, “uma colaboração entre modelos gerais de
16
estrutura e mudança social e o conjunto específico de fenômenos que de fato aconteceram”,
assim como “a história de unidades específicas de pessoas que vivem juntas, unidades que são
17
definíveis em termos sociológicos”. Sacalina, entretanto, ao longo da leitura do texto de
Tchekhov, revelase cada vez mais heterogênea, diversificada, com um presídio apresentando
políticas e posturas muitas vezes antagônicas às adotadas em outro. Seria possível definir a
ilha nos termos necessários para enquadrála na definição acima?
A questão seguinte que Hobsbawm levanta em seu trabalho pode ajudar a responder
esta pergunta: tratase da existência, de fato, de um problema – uma dificuldade – para a
definição destas unidades, mas uma dificuldade acompanhada de um “modo operacional”
comum e – para o autor – acertado, de contornála: a escolha de “uma determinada relação ou
18
complexo de relações como central e específico da sociedade [estudada]”. Assim, no caso de
Sacalina, parece relativamente simples resolver o questionamento postulando que a unidade é
14
SALES, Denise Regina de. A Ilha de Tchékhov . 2010. Disponível em
http://sgcd.assis.unesp.br/Home/PosGraduacao/Letras/SEL/anais_2010/deniseregina.pdf. P. 3. Acesso em 15 de
junho de 2014.
15
HOBSBAWM, São Paulo: Companhia das Letras, 2013. p. 85.
Sobre História.
16
Id. Ibid. p. 89.
17
Id. Ibid. loc. cit.
18
Id. Ibid. p. 9091.
10
ao mesmo tempo territorial, na medida em que a “sociedade sacalinense” compreende e
abarca, nos seus conflitos e interesses, todos os habitantes da ilha, e “jurídica”, enquanto
tornase possível definir que todas as pessoas que residem na ilha interagem umas com as
outras de acordo com seu estatuto e compromisso perante a lei russa – deportados, colonos e
agentes administrativos, todos formam relações entre si de acordo com o papel (ou a pena)
que cumprem neste local.
O tema das prisões e do aparelho de Estado que as sustenta, por si só, pode interessar
um pesquisador que esteja realizando uma “história da sociedade”. No prefácio a
The Oxford
History of the Prison
, os organizadores do livro afirmam que:
O compromisso do historiador com a prisão também constróise sobre o fato de que
a história social se uniu à história política para investigar como sociedades e
governos mantêm a ordem social. Para este fim, a punição se torna não um desvio no
panorama histórico, mas um elemento crítico para a avaliação do exercício da
19
autoridade.
19
The historians’ engagement with the prison also builds on the fact that social history has joined with political
history to explore how societies and governments maintain social order. To this end, punishment becomes not a
detour on the historical landscape but a critical element in evaluating the exercise of authority. MORRIS, N;
ROTHMAN, David J. The Oxford History of the Prison New York: Oxford University Press, 1998. p. VIII
(tradução própria).
20
“Sistema carcerário tradicional”, aqui, referese ao modelo de isolamento em celas (total para alguns presos,
relativo para outros), acompanhado ou não de trabalho obrigatório em oficinas, no qual surgem como
preocupações a ocupação constante do detento e a atenção à disciplina de sua rotina. Popularizado a partir do fim
do século XVIII com a prisão de Walnut Street (modelo de Filadélfia), este sistema é relativamente moderno
temporalmente, remontando – em suas origens mais distantes – ao fim do século XVI, em Amsterdã. Cf.
FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir
: nascimento da prisão; tradução de Raquel Ramalhete. Petrópolis, Vozes,
1987. p. 140146. Ele é tratado como “tradicional” neste estudo, entretanto, em oposição aos casos mais
heterodoxos que Tchekhov encontra em Sacalina, com os presos servindo a particulares e servindo em suas casas
ou outras situações que diferem do teoricamente desejável para uma prisão no século XIX.
21
O’BRIEN, Patricia. The Prison in the Continent: Europe, 18651965 In: The Oxford History of the Prison,
New York: Oxford University Press, 1998. p. 180.
22
Prisons were expected to change and develop in accord with democratic and moral principles of equity,
fairness, and improvement. […] the prison was also the product of pressure to reform existing methods of
punishment and to find a more enlightened, humane and effective answer to punishing crime. Id. Ibid. p. 178
(tradução própria).
11
Uma análise extensiva da maneira como determinado governo ou sociedade trata
aqueles que desviam do comportamento estabelecido como normativo e desejado, além de
evidenciar estas próprias expectativas das classes que estabelecem as leis, pode revelar
também uma série de outras informações que podem vir a ser do interesse de um determinado
esforço de pesquisa. O presente estudo procurou, a partir de uma análise deste gênero, obter
respostas (ou determinar que certas respostas não podem ser obtidas a partir da fonte
estudada) a respeito dos seguintes problemas para o contexto da Ilha de Sacalina à época da
viagem de Anton Pavlovitch Tchekhov:
1) Quais sujeitos sociais infringem a legislação, e o porquê de eles o fazerem. A lei
tem a capacidade de privilegiar classes sociais específicas, podendo não criminalizar certas
práticas – mais comumente associadas ao grupo privilegiado – enquanto criminaliza outras –
por sua vez associadas a um grupo marginalizado, ou de costumes tidos como inadequados
para o projeto nacional da classe dominante –, estabelecer punições brandas para
determinados desvios da norma estabelecida e severas para outros (obedecendo os mesmos
critérios citados acima).
2) O que é aceito pelos redatores das leis (e aqueles que os apoiam) como punição
aceitável para estes sujeitos. Caso a premissa de que o Estado detém, nas sociedades
modernas, o monopólio da violência seja aceita como verdadeira, partindo de uma reflexão
sobre que tipos de violência o Estado permite que seja infligida sobre os desviantes da ordem
estabelecida, sem incorrer em prática criminosa, pode ser possível concluir que tipo controle e
que liberdades as classes e categorias responsáveis pela legislação esperam ter sobre as vidas
e os corpos da população, e com o que eles a ameaçam. As reações, sejam de movimentos
populares ou de elites intelectuais, a uma ou outra prática de violência institucionalizada
(como o castigo físico), por sua vez podem ser declarações de oposição a estes grupos que
procuram estabelecer de maneira hegemônica naquela sociedade o seu controle sobre os
corpos dos súditos, ou simplesmente expressões de revolta contra a instituição destes métodos
punitivos.
3) Que projeto os grupos que estabelecem as leis e o sistema punitivo têm para os
detentos e para o sistema carcerário. Na modernidade, o cárcere, por diversas vezes, é
justificado como sendo uma medida reformadora dos sujeitos sociais que a ele são
confinados. Esta característica da privação de liberdade já foi extensivamente contestada com
base em argumentos particularmente diversificados: o ambiente prisional já foi visto como
12
corruptor, segundo uma perspectiva de que a instituição carcerária seria uma “escola do
crime”, assim como a experiência do aprisionamento também já foi considerada
impossibilitada de reformar por possuir características relativamente traumáticas, bem como
pelas condições do cárcere e pelas maneiras como a sociedade recebe exdetentos. Para
justificar tanto um lado do argumento quanto o outro, os críticos do caráter reformatório da
prisão citam, principalmente, os índices de reincidência.
A discussão a respeito da capacidade da prisão de reformar o detento, contudo, não é a
única que se pode desenvolver a partir da análise dos projetos pensados para o sistema
prisional: o uso do trabalho dentro dos muros da instituição como redutor da pena (reforçando
a capacidade deste de reformar o indivíduo infrator), o nível de isolamento previsto aos
presos, a existência de um regime semiaberto, a obrigatoriedade do trabalho dos prisioneiros –
e a maneira como este se justifica: para pagar os custos do seu cárcere, para tornar a prisão um
investimento rentável para o Estado, ou mesmo para gerar lucro para determinado grupo
social ou empresa –, o afastamento dos presos da população livre – seja “para a segurança”
desta, seja com propósito de colonização ou desenvolvimento de determinada área do
território – ou a sua manutenção em meio a centros urbanos; todas estas categorias de análise
podem revelar traços de determinado sistema punitivocarcerário. Se “rumo ao fim do século
XIX, o encarceramento se tornou o alvo de um ascendente criticismo e gradualmente perdeu a
23
posição absoluta que havia ganho como a forma dominante de punição”, o trabalho de
Tchekhov inserese neste contexto precisamente como um dos expoentes desta crítica na
Rússia.
Este trabalho pretende efetuar esta análise em três capítulos: “a bagagem de
Tchekhov” tratará daquilo que o autor do texto levou consigo para Sacalina – sua moralidade,
estudos prévios que havia realizado, suas visões a respeito da sociedade russa que podem ter
impactado o resultado de seu trabalho; além de discutir aspectos referentes à inserção de seu
texto no gênero da literatura de viagem. “A Rússia que criou Sacalina” é um capítulo de
contextualização histórica dedicado a compreender em que circunstâncias a colônia penal foi
concebida e instalada, principalmente com relação aos interesses do governo central russo, e
como isto afetou o resultado que o autor do relato presenciou ao chegar na ilha. “Colônias e
23
Toward the end of the nineteenth century, imprisonment became the subject of increasing criticism and
gradually lost the absolute position it had gained as the dominant form of punishment. Id. Ibid. p. 178179
(tradução própria).
13
prisões” tratase de um capítulo para uma análise mais aprofundada da fonte, na qual se
examinará o texto de Tchekhov quanto às questões mais relevantes de acordo com os
objetivos do conjunto deste trabalho, assim como também serão analisadas as opiniões que o
autor formulou a respeito da ilha durante a sua estadia nesta.
Este trabalho também constituiu um esforço de tradução da língua russa para a
portuguesa, devido à ausência de uma tradução direta publicada do russo para o português
deste texto de Tchekhov, aliada à percebida necessidade de um contato mais direto com a
fonte, evitando as perdas do sentido original que, inevitavelmente, ocorrem durante o
processo de tradução (especialmente quando este é repetido). O contato inicial com
Ilha
Sacalina deuse a partir da tradução a partir do francês da obra, realizada por Júlia Ferreira e
José Cláudio, cujas notas mostraramse de grande utilidade nesta primeira abordagem.24
Devo agradecer, portanto, aos tradutores supracitados, pelo trabalho que permitiu o
acesso inicial à fonte. Também gostaria de agradecer às professoras Cláudia Mauch, do
Departamento de História do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da UFRGS, minha
orientadora, que demonstrou interesse genuíno em ver este trabalho completarse da melhor
forma possível (dentro das minhas limitações); e Denise Regina de Sales, do Departamento de
Línguas Modernas do Instituto de Letras da UFRGS, que apresentoume ao fascinante tema
Ostrov Sakhalin
da , além de possibilitar o acesso ao texto original, ensinandome um pouco
da língua russa e alguns dos princípios do ofício do tradutor. Gostaria também de agradecer
ao professor Luis Dario TeixeiraRibeiro, também do Departamento de História do Instituto
de Filosofia e Ciências Humanas da UFRGS, que aceitou unirse às professoras Cláudia e
Denise para assim conformar a banca avaliadora deste trabalho. Agradeço também a todos
aqueles que colaboraram emocionalmente para que eu concluísse este trabalho.
24
TCHEKHOV, Anton.
A Ilha de Sacalina.
Tradução de Júlia Ferreira e José Cláudio. Lisboa: Relógio D’Água,
2011.
14
Capítulo 1 – A bagagem de Tchekhov
Anton Tchekhov fez um extenso estudo antes de sua viagem: leu sessenta e cinco
25
títulos que julgou relevantes para abordar a Ilha Sacalina não como um leigo, mas como
alguém preparado para a elaboração de um texto científico fundamentado. O esforço
monumental e a peculiaridade da empreitada do autor poderiam levar a crer que a obra de
Tchekhov é única em sua natureza, mas o relato de viagem é uma categoria literária ampla e
diversificada. A produção de Tchekhov está incluída em um contexto referente a uma prática
que se estendeu por séculos, e que foi definida por Fernando Cristóvão da seguinte maneira:
Por literatura de viagens entendemos o subgênero literário que se mantém vivo do
século XV ao final do século XIX, cujos textos, de caráter compósito, entrecruzam
Literatura com História, e Antropologia, indo buscar à viagem real ou imaginária
(por mar, terra e ar) temas, motivos e formas.
E não só à viagem enquanto deslocação, percurso mais ou menos longo, também ao
que, por ocasião da viagem pareceu digno de registro: a descrição da terra, fauna,
flora, minerais, usos, costumes, crenças e formas de organização dos povos,
comércio, organização militar, ciências e artes, bem como os seus enquadramentos
antropológicos, históricos e sociais, segundo uma mentalidade predominantemente
26
renascentista, moderna e cristã.
Em sua dissertação de mestrado a respeito de relatos de viajantes que teriam passado
pelo Rio Grande do Sul no século XIX, Carla Gomes cita Flora Sussenkind, que aponta a
existência de um olhar particular destes viajantes comprometidos com a verossimilhança e
27
Ilha Sacalina
com a confiabilidade de seus textos. Tudo indica que, em , Tchekhov apresenta
um olhar como este ao percorrer as colônias de deportados e as prisões da ilha. Gomes,
contudo, alerta que
[...]cumpre ressaltar que os registros dos viajantes ou os textos literários não tem a
função de “complementar” outras informações, mas surgem como fatos que se
relacionam com outros acontecimentos sócioculturais e fornecem, através das
narrativas dos sujeitos históricos, e suas variações, outras possibilidades de
interpretar a cultura de uma sociedade, constituem, portanto, pontos de vista, sobre
aquela realidade, sobre aquele tempo, sobre aquelas pessoas, visões que repercutem
julgamentos culturais e valores sociais importantes na construção da significação de
uma comunidade. Enfim, sua relevância reside nas possibilidades que essas
25
SALES, 2010, p. 3.
26
CRISTÓVÃO, 2002, apud ROMANO, Luís Antônio Contatori. Viagens e Viajantes: uma literatura de viagens
contemporânea. In: , Volume 10B, pp. 3348. Londrina, 2013. p. 38.
Estação Literária
27
GOMES, op. cit., p. 150151.
15
narrativas abrem, para a interpretação do historiador, sobre as “leituras sociais” que
28
esses viajantes fazem da sociedade observada [...]
Gomes e Sussenkind preocuparamse com a maneira como os relatos de viagem,
dotados deste “olhar armado” que descrevem, são capazes de – a partir de um ponto de vista
particular, cabe ressaltar –, apresentar uma visão verossímil do que seus autores observam.
Temístocles Cezar, por sua vez, em seu ensaio intitulado
Thevet e Léry: visão, crença e
história no Brasil do século XVI
, faz menção à maneira como os viajantes que escrevem seus
relatos comprometemse com a verdade. Parece relevante para a abordagem escolhida para o
trato do texto de Tchekhov neste trabalho a noção apresentada por Cezar de que há uma
29
“intenção de verdade” presente no gênero.
Ao considerar estas análises, a abordagem julgada ideal para o trabalho com o texto de
Tchekhov parece ser considerálo a visão, influenciada por diversos estudos, de um literato –
que também é um médico – sobre a colônia penal de Sacalina, e dotada de uma intenção de
verdade acompanhada de um primor pela verossimilhança. Cabe a este trabalho analisar esta
visão como fonte histórica a respeito da ilha, mas não seria possível deixar de estudar,
também, o próprio autor enquanto um “filtro” através do qual observase os ambientes e os
personagens da história por ele contada.
A categoria do relato de viagem, entretanto – como imaginase que tenha ficado
aparente – é consideravelmente ampla e, por isso, cabe melhor situar o texto de Tchekhov
nesta. Romano menciona uma tipologia, criada por Fernando Cristóvão, para o gênero das
viagens anteriores à era do turismo: estas poderiam ser de peregrinação – como a do caminho
de Santiago de Compostela –; de comércio – Romano menciona Marco Polo –; de expansão,
as quais subdividemse nas de expansão da fé, expansão política e expansão científica – o
autor cita, respectivamente, o padre Antonio Vieira, Pero Vaz de Caminha e Charles Darwin,
entre outros autores de textos que se enquadrariam como produtos destas viagens –; as
viagens “de erudição” ou “de serviço” – realizadas por diplomatas, por estudiosos ou por
28
GOMES, Id. Ibid. p. 156.
29
CEZAR, Temístocles. Thevet e Léry: visão, crença e história no Brasil do século XVI. Ensaio sobre
historiografia e relatos de viagem. Ciências e Letras (Porto Alegre), Porto Alegre, v. 37, pp. 2743, 2005. p. 28.
Vale a pena colocar, entretanto, que – lembrando o relato de viagem como um gênero particularmente
heterogêneo – os relatos analisados pelo autor diferenciamse substancialmente do relato de Tchekhov. Os
relatos de Thevet e Léry sobre o “Novo Mundo” que observavam podem possuir a intenção de verdade da
mesma maneira como Ilha Sacalina ou outros tantos relatos mais próximos deste, do século XIX, mas isto não
significa que as concepções dos autores quanto aos métodos ou às fontes que seriam apropriados para a produção
de um texto “verdadeiro” fossem as mesmas.
16
artistas, como os da missão francesa ao Brasil no século XIX –; e as viagens imaginárias
30
As Viagens de Gulliver
– como –
(1772) .
Tentar enquadrar a obra de Tchekhov nesta tipologia, portanto, mostrase
aparentemente simples.
Ilha Sacalina certamente não seria uma viagem imaginária, de
peregrinação, de comércio, ou de expansão – seja esta religiosa, científica ou política. Restam
as viagens ditas “de erudição”, mas Cristóvão destaca em citação usada por Romano, sobre
estas, que:
São viagens em que a aquisição de conhecimentos é a preocupação maior, quer se
trate de conhecimentos científicos, ou de cultura geral, capazes de provocarem novas
ideias e hipóteses.
E quanto aos viajantes, são diferentes dos outros. Não têm, em geral, espírito de
aventura, nem realizam actos de coragem dignos de serem recordados. São
príncipes, preceptores, artistas, eclesiásticos, bolseiros de diversos tipos, intelectuais
críticos que não se acomodam à estreiteza política, cultural, religiosa ou artística dos
seus países, desejosos de encontrar fora de fronteiras o que lhes falta dentro.
Por meio de escritos irão contribuir para a renovação cultural dos seus concidadãos.
31
Mas embora a “renovação cultural dos seus concidadãos” possa ser compreendida como um
dos objetivos centrais de Tchekhov com sua viagem, caso se assuma que a mudança dos
costumes dos russos para com seus presos era realmente parte da agenda do autor, esta seria
apenas uma das facetas da viagem do literato. Romano cita como marco da literatura de
viagem “erudita” Michel de Montaigne e seu texto que resultou nos referenciais para o gênero
– “interesse em aprender com a culinária do outro, interesse em saber o que o outro pensa de
seu próprio lugar e interesse em viajar informado previamente sobre os lugares por onde
32
transita”. Embora o interesse pela culinária não esteja presente na obra do autor russo, os
outros dois certamente despontam como características marcantes de sua obra.
Parece possível evitar tanto o tratamento de
Ilha Sacalina como uma obra sem par,
desprovida de contexto, quanto a simplificação desnecessária de seu caráter complexo ao
considerála como parte desta literatura de viagem “erudita”, mas sem deixar de destacar a
presença de um forte caráter jornalístico, de denúncia, que perpassa a obra. Com estas
ressalvas, parece mais apropriado tratar a obra de Tchekhov desta maneira do que incluíla
33
entre os viajantes “naturalistas” apontados por Gomes.
30
ROMANO, op.cit. p. 3941.
31
Id. p. 40.
32
Id. p. 41.
33
Ver nota 4.
17
Andrew Gentes apresenta outras facetas dos relatos de viagem a regiões de exílio na
Rússia que permitem um melhor enquadramento do trabalho de Tchekhov. Entre 1885 e 1886,
o “explorador e jornalista” estadunidense George Kennan teria entrado em contato com presos
políticos condenados a trabalhos forçados na Sibéria, difundindo após retornar de sua viagem
ideias contrárias ao czarismo por meio de uma série de artigos publicados entre 1888 e 1891.
Causando um impacto maior que o de uma série de textos publicados anteriormente sobre o
Notas da Casa dos Mortos
sofrimento vivenciado pelos exilados (notadamente as , de
Dostoyevskyi), Kennan foi proibido de retornar à Rússia após a quase instantânea tradução
34
destes seus trabalhos, e levou o czarismo a tomar outras providências a respeito. É possível,
inclusive, que esta viagem (e seu impacto) tenha sido uma das razões pelas quais Tchekhov
foi impedido de entrar em contato com os prisioneiros políticos em Sacalina.
Nos anos seguintes à viagem de Tchekhov, o Império Russo patrocina dois escritores
estrangeiros – o inglês Harry de Windt e o estadunidense Benjamin Howard – para que estes
viajem a Sacalina e escrevam relatos de suas experiências. De Windt pinta um quadro
particularmente otimista da ilha, relatando que os prisioneiros que viu encontravamse em
condições particularmente boas, enquanto Howard os classifica a todos como sendo
assassinos perigosos. Surgem, então, o que Gentes classifica como uma tensão entre duas
categorias de relato – aquelas que procuram humanizar os condenados e aquelas de cunho
35
sensacionalista. As primeiras têm, em geral, um objetivo político relacionado à mudança das
condições dos exilados ou à revisão da instituição do exílio com trabalhos forçados. As
essencialmente sensacionalistas poderiam ter o objetivo político oposto – da manutenção
destas instituições – ou mesmo procurar um sucesso de público devido ao “apetite por
36
histórias sensacionais sobre crimes e criminosos” constatado entre os leitores russos à época.
Ilha Sacalina inserese, nesta oposição, como um relato de tendência essencialmente
34
GENTES, Andrew. Sakhalin as Cause Célèbre : The Resignification of Tsarist Russia’s Penal Colony. In.
Eleventh British Universities Siberian Studies Seminar: A Multidisciplinary International Conference, 2006.
Vladivostok. Acta Slavica Iaponica, Tomus 32, pp. 55‒ 72. Disponível em:
http://srchokudaiac.jp/publictn/acta/32/03Gentes.pdf. p. 5860. Acesso em 25 de fevereiro de 2015.
35
Id. Ibid. p. 6163.
36
GENTES, Andrew. The Salience of the Sakhalin Penal Colony. Slavic Research Center News. Hokkaido,
2010. N. 17. Disponível em: https://srch.slav.hokudai.ac.jp/eng/news/no17/enews17essay1.html. Acesso em 25
de fevereiro de 2015. Neste texto, entretanto, Gentes menciona o trabalho de Doroshevitch, que teria
simultaneamente um caráter sensacionalista – por fazer questão de tratar dos maiores criminosos de Sacalina e
descrever longamente assassinatos violentos para aproveitar este mencionado “apetite” –, e um caráter
humanizante, uma vez que seu texto desponta como mais uma crítica ao sistema penal russo que assim tratava
seus súditos, levandoos a ambientes tão degradantes quanto a ilha.
18
humanizante – e Gentes inclusive aponta uma influência da obra de Kennan sobre o texto de
37
Tchekhov.
Tchekhov escreveu que chegara à cidade de onde partiria para a ilha de Sacalina no dia
38
10 de julho de 1890. Um comentário em particular que fez ao observar os habitantes da
cidade e seus costumes deixa transparecer, de maneira particularmente concisa, os valores que
o autor traria para sua obra, a natureza do seu “olhar” durante sua viagem investigativa, e
acima de tudo, sua percepção das pessoas e culturas com as quais entrava em contato. A
cidade de Nikolayevsk, de onde teria escrito este comentário, não faz parte do mesmo
conjunto penal das cidades e vilas que abrigam os prisioneiros na ilha, mas tem uma história
semelhante a estas, com uma data de fundação próxima e tendo sido destino de deportados
por boa parte de seus então quarenta anos de existência. Desta maneira, as percepções que o
autor teve em Nikolayevsk o acompanham uma vez que deixa o continente e chega à ilha da
colônia penal, com trechos de comentários semelhantes, mas menos gerais, surgindo em
diversos momentos ao longo do texto. Cabe, portanto, a análise do seguinte trecho:
[...] me demorei almoçando lá e escutei como na mesa ao lado falavam de ouro, de
chifres de rena, de um mágico que chegou a Nikolayevsk, de um japonês que não
precisa de um alicate para arrancar dentes, o fazendo apenas com os dedos. Se se
ouve com atenção, longamente, estas conversas, pensase: “Meu Deus! Como a vida
desta gente está longe do modo como se vive na Rússia!” A começar pelo peixe
defumado, que acompanha os cálices de vodka, e a acabar nas conversas, tudo
parece algo diferente, próprio, não russo . Enquanto navegava ao longo do Amur,
tinha a impressão de estar num lugar como a Patagônia ou o Texas, mas não na
Rússia. Para não falar da natureza, que é inteiramente original, não russa . Sentese a
cada momento que a maneira de viver dos habitantes das regiões do Amur é
totalmente diferente da nossa , que
eles nunca conseguiriam compreender Puchkin,
ou Gogol, os quais, portanto, lhes pareciam inúteis. Senti que a nossa história os
aborrecia, e que nós, pessoas recémchegadas da Rússia, lhes parecíamos
estrangeiros . Em relação à religião e à política notei uma indiferença total. Todos os
padres que aqui vi comem carne durante a Quaresma; e cheguei mesmo a saber que
um deles, que se veste com um robe de seda branca, rivaliza com seu rebanho no
ardor de pilhar as minas de ouro. Se querem ver um habitante desta região morrer de
aborrecimento e bocejar, falemlhe da política russa, do governo russo, da arte russa.
As suas regras de moral não têm nada a ver com as nossas. Manifestam em relação
às mulheres uma atitude cavalheiresca que quase atinge as dimensões de um culto,
mas ao mesmo tempo não veem nada de errado em emprestarem, por dinheiro, a
mulher a um amigo. E ainda há mais: por um lado, não têm preconceitos de casta e
tratam de igual para igual os deportados políticos, mas, por outro, não veem grande
37
GENTES, 2006. p. 61.
38
SALES, 2010, p. 2
19
mal em disparar, na floresta, às escondidas, contra um vagabundo chinês, ou até
39
mesmo contra um corcunda.
Tchekhov, aqui, demarca uma característica importante de seu relato como um todo:
apesar de ser um russo em solo pertencente à Rússia, ele demonstra sentirse um estrangeiro e
compartilha com o leitor esse sentimento de estranhamento. É uma outra Rússia, onde
predomina um outro modo de vida que causa choque ao instruído médico e escritor que
passara sua vida na Rússia europeia. Sua moral e sua noção daquilo que era típico de seu país
são desafiados pela terra distante a que chega. Mesmo os estrangeiros que permeiam as vidas
dos habitantes russos da região não são os alemães e franceses que frequentemente figuram
nas ruas de Moscou e São Petersburgo na literatura russa, mas sim chineses, japoneses e
guiliaks (populações indígenas assentadas na região do rio Amur, não são realmente
estrangeiros, já que habitavam o território antes da conquista deste pelo Império Russo e
seguiram o habitando lado a lado com os russos após a colonização destas terras). Este choque
cultural entre a Rússia à qual Tchekhov pertencia e aquela à qual ele havia chegado deve ser
levado em conta em toda descrição do exótico, do pitoresco, do condenável ou do
surpreendente que o autor fizer durante seu relato.
outros
Os habitantes de Sacalina são sempre , há um sentimento de alteridade em
Tchekhov que nunca se rompe, mesmo que o autor demonstre compaixão por eles. São
diferentes por serem prisioneiros, ou por não serem russos ocidentais, ou por estarem tão
distantes da sociedade russa que os seus vínculos com esta parecem enfraquecidos e efêmeros.
39
[...] долго обедаю там и слушаю, как за соседним столом говорят о золоте, о понтах, о фокуснике,
приезжавшем в Николаевск, о какомто японце, дергающем зубы не щипцами,а просто пальцами. Если
внимательно и долго прислушиваться, то, боже мой, как далека здешняя жизнь от России! Начиная с
балыка из кеты, которым закусывают здесь водку, и кончая разговорами, во всем чувствуется чтото свое
собственное, не русское. Пока я плыл по Амуру, у меня было такое чувство, как будто я не в России, а
гдето в Патагонии или Техасе; не говоря уже об оригинальной, не русской природе, мне всё время
казалось, что склад нашей русской жизни совершенно чужд коренным амурцам, что Пушкин и Гоголь
тут непонятны и потому не нужны, наша история скучна и мы, приезжие из России, кажемся
иностранцами. В отношении религиозном и политическом я замечал здесь полнейшее равнодушие.
Священники, которых я видел на Амуре, едят в пост скоромное, и, между прочим, про одного из них, в
белом шёлковом кафтане, мне рассказывали, что он занимается золотым хищничеством, соперничая со
своими духовными чадами. Если хотите заставить амурца скучать и зевать, то заговорите с ним о
политике, о русском правительстве, о русском искусстве. И нравственность здесь какаято особенная, не
наша. Рыцарское обращение с женщиной возводится почти в культ и в то же время не считается
предосудительным уступить за деньги приятелю свою жену; или вот еще лучше: с одной стороны,
отсутствие сословных предрассудков – здесь и с ссыльным держат себя, как с ровней, а с другой – не
грех подстрелить в лесу китайцабродягу, как собаку, или даже поохотиться тайком на горбачиков.
TCHEKHOV, op. cit. p. 1415 (tradução própria, grifos meus).
20
Levar em consideração esta alteridade é particularmente importante para o texto em
questão, por se tratar de uma obra dotada de certa interdisciplinaridade – não no sentido
contemporâneo do termo, mas significando que o texto está situado em uma fronteira entre
um relato jornalísticocientífico e uma obra literária, agora sendo utilizado ainda como fonte
histórica. Cabe especificar que, enquanto Tchekhov
sentiase estrangeiro no oriente do
império, ele não
era estrangeiro como os outros viajantes citados neste trabalho, como Thevet
e Lery – estudados por Cezar – ou como os médicos alemães estudados por Gomes.
Isto conferia a Tchekhov um caráter bastante peculiar: a fascinação pelo exótico, pelo
novo e o interesse por descrevêlos estava presente em seu texto tanto quanto nos textos de
autores estrangeiros; mas seu texto também era permeado de um caráter de denúncia de
alguém que aparentava preocuparse com seus concidadãos e com o todo da sociedade russa.
A agência social apresentada pelo autor não se limitava ao que ele podia fazer
in loco durante
sua viagem, ou ao que seus escritos poderiam revelar aos interessados em ler sobre um local
fantástico e longínquo: eles tinham o potencial de chegar às mãos de pessoas influentes, de
causar comoção e indignação na Rússia ocidental e até mesmo de levar autoridades a
alterarem suas políticas referentes aos presos e à deportação. E Tchekhov aparenta ter tido
consciência disto, pois seu texto é permeado por apelos à “decência humana” que, embora não
deixassem de possuir sentido caso fossem apenas reflexos de um “monólogo interno” do
autor, corroboram esta hipótese.
Referindose ao barco que o levaria à ilha, Tchekhov faz menção a um cenário que
transpunha os milhares de quilômetros da transiberiana e emulava, ali mesmo, uma fronteira
que geograficamente não existia: um ambiente mobiliado à europeia, com garçons chineses
tratados por
boys que serviam pratos russos temperados com especiarias do Extremo Oriente.
É ao mencionar o Baikal (não o lago, este era o nome do navio) que, pela primeira vez na
obra, surge também um tema que o autor trabalhará extensivamente durante esta: a, assim
julgada, quase inviabilidade do “projeto” de colonização em Sacalina. Escreve: “[o transporte
pelo barco t]em tarifas muito elevadas, as mais elevadas do mundo, creio eu. A colonização,
que exige acima de tudo liberdade e facilidade de acesso, associada a tarifas altíssimas,
pareceme absolutamente incompreensível”. É também neste momento da narrativa que
surgem os primeiros comentários a respeito dos prisioneiros acompanhados de seus
familiares: Tchekhov declara que entre os passageiros do barco que tomou estavam uma
21
pequena menina que se agarrava às correntes do pai e um marido que decidira
40
voluntariamente acompanhar a mulher ao cárcere.
Tchekhov esclarece, como em um trecho de seu texto em que fala sobre o que “um
jornalista teria escrito” (pela falta de referências e considerandose a natureza do texto é
possível que seja apenas um recurso literário para tratar do assunto em questão), suas
concepções a respeito da natureza humana a partir da convivência com os prisioneiros. O
jornalista em questão teria afirmado que, convivendo com condenados, teria perdido o medo
que o fazia apalpar seu revólver com frequência ao constatar que aqueles não passavam de
homens medrosos e preguiçosos. Tchekhov então comenta: “[p]ara se pensar que os presos
russos poupam a vida e a bolsa dos transeuntes apenas por medo ou preguiça é preciso ter
41
uma opinião muito ruim do ser humano em geral, ou não saber nada sobre ele”.
O autor parte para a ilha dotado, também, de convicções acerca questões éticas que
surgem da relação entre o trabalho e o encarceramento. A respeito de quais formas de
empregar um condenado seriam moralmente apropriadas, Tchekhov faz uma série de
colocações ao longo de seu texto, destacase:
Quando se põem condenados a trabalhar para particulares, contradizse
completamente a visão do legislador acerca do caráter punitivo do presídio: já não se
trata de trabalho forçado, mas de servidão, porque o condenado já não está a serviço
do Estado, mas de alguém que nada tem a ver com o princípio do arrependimento ou
com a ideia da uniformidade do castigo; o condenado deixa de ser um presidiário e
passa a ser um escravo que depende da vontade de um bárin e da sua família, que
procura satisfazer os seus caprichos, e que participa nas fofocas da cozinha. Depois,
quando muda de estatuto, tornase uma réplica dos nossos criados que sabem
engraxar botas e fritar costeletas, mas são incapazes de trabalhar a terra e, por isso,
42
passam fome e ficam abandonados à sua própria sorte.
40
Id. Ibid. p. 1920.
41
Id. Ibid. p. 37.
42
Отдача каторжных в услужение частным лицам находится в полном противоречии со взглядом
законодателя на наказание: это – не каторга, а крепостничество, так как каторжный служит не
государству, а лицу, которому нет никакого дела до исправительных целей или до идеи равномерности
наказания; он – не ссыльнокаторжный, а раб, зависящий от воли барина и его семьи, угождающий их
прихотям, участвующий в кухонных дрязгах. Становясь поселенцем, он является в колонии повторением
нашего дворового человека, умеющего чистить сапоги и жарить котлеты, но неспособного к
земледельческому труду, а потому и голодного, брошенного на произвол судьбы. Id. Ibid. p. 6465
(tradução própria) Bárin é uma antiga forma de tratamento pela qual alguém socialmente inferior referese a seu
superior.
22
funcionamento de uma oficina na qual artesãos já experientes apenas trabalhavam para
exportar objetos diversos para o continente em troca de quantias pífias de dinheiro, ele
comenta que:
[...] em Sacalina, assim como em toda colônia penal, todos os empreendimentos
deveriam ter como objetivo imediato ou a longo prazo uma única coisa: a
regeneração dos criminosos. O objetivo essencial das oficinas deveria ser, acima de
tudo, exportar para o continente, não portas de estufas ou torneiras, mas sim homens
43
úteis e operários com uma boa formação.
Na colônia de Duí, Tchekhov faz um comentário a respeito do que chama de
казармами для семейных
“alojamentos familiares” ( ) – pavilhões nos quais, em uma tarimba
contínua, pessoas dormiam lado a lado. Este comentário reflete tanto uma faceta moral do
autor quanto a tese que defende durante todo o seu texto, a respeito do abandono da proposta
de colonização agrícola em Sacalina:
Nestas acomodações e ambientes bárbaros, onde moças de 15 ou 16 anos se veem
obrigadas a dormir ao lado de condenados, o leitor pode julgar com que desrespeito
e desprezo aqui se tratam essas mulheres e crianças, que por vontade própria
acompanharam seus maridos e pais em suas penas de trabalhos forçados, como aqui
44
lhes é dado pouco valor, e como aqui pouco pensam na colônia agrícola.
Tchekhov também mostrase um admirador do estilo de vida simples encontrado no
interior da Rússia, que parece julgar alheio à “corrupção” que permeia as sociedades mais
urbanizadas que encontra em Sacalina. “Não se assemelha ao Posto de Aleksandrovsk, um
burgo que parece uma pequena Babilônia, com casas de jogo e inclusive com um
estabelecimento de banhos familiares dirigido por um judeu. Pelo contrário, Rikovskoye é
uma autêntica aldeia russa, modesta e sem quaisquer pretensões aos requintes da civilização.”
45
Não se trata, provavelmente, de um caso de repúdio à vida urbana, mas sim à específica
variedade desta que encontra em Sacalina e que chama de “pequena Babilônia”.
Um aspecto particularmente interessante do texto de Tchekhov é sua honestidade ao
tratar de um caso específico referente a sua pesquisa. Após ter afirmado que faria o
43
[...] на Сахалине, как и везде на каторге, всякое предприятие должно иметь своею ближайшею и
отдаленною целью только одно – исправление преступника, и здешние мастерские должны стремиться к
тому, чтобы сбывать на материк прежде всего не печные дверцы и не краны, а полезных людей и хорошо
подготовленных мастеров. Id. Ibid. p. 6566 (tradução própria)
44
По этим варварским помещениям и их обстановке, где девушки 15 и 16 лет вынуждены спать рядом с
каторжниками, читатель может судить, каким неуважением и презрением окружены здесь женщины и
дети, добровольно последовавшие на каторгу за своими мужьями и отцами, как здесь мало дорожат ими
и как мало думают о сельскохозяйственной колонии. Id. Ibid. p. 93 (tradução própria)
45
Оно не похоже на Александровский пост; то городок, маленький Вавилон, имеющий уже в себе
игорные дома и даже семейные бани, содержимые жидом, это же настоящая серая русская деревня без
какихлибо претензий на культурность. Id. Ibid. P. 117118 (tradução própria).
23
recenseamento sozinho, sem aceitar ajuda, pois tinha interesse em falar diretamente com os
condenados, o autor declara que, na segunda metade de sua viagem ele não só teria aceitado
ajuda por não ter vontade de fazer todo o trabalho sozinho, como também declara que passava
46
seus dias a passear.
Por fim, cabe mencionar um ponto das opiniões pessoais de Tchekhov a respeito da
maneira como deve se tratar os deportados que será melhor trabalhado no terceiro capítulo
deste trabalho, por se tratar de uma concepção que Tchekhov aparenta desenvolver a partir de
seu contato com os condenados: sua oposição ao encarceramento. Julgase que cabe, neste
momento, introduzir o tema com algumas considerações gerais do autor, que considera, por
exemplo, que prisão e colonização são antagônicas, e que caso defina que é do seu interesse o
estabelecimento de uma colônia, é necessário que seu idealizador entenda a necessidade de se
47
fazer mudanças e concessões a respeito da forma de punição do condenado. Para o autor,
também é importante levar em consideração que:
O regime penitenciário oprime os camponeses, os detentos, as mulheres livres e os
seus filhos. É comparável ao estado de guerra, com a sua excepcional dureza e o
implacável controle das autoridades, mantém todos em um estado de tensão e de
medo permanentes. A administração penitenciária tiralhes, em benefício da prisão,
as pastagens, os melhores lugares para a pesca, os melhores cortes de madeira; os
evadidos, os agiotas das prisões e os ladrões roubamnos à revelia; a visão do
carrasco que perambula pela rua aterrorizaos; os funcionários sem moral
pervertemlhes as mulheres e as filhas e, sobretudo, a cada segundo, a prisão
48
lembralhes o passado, o que são e onde estão.
Esta é uma das principais teses que A. P. Tchekhov defende em sua obra. Para ele, o
ambiente prisional é degenerativo física e mentalmente para o condenado, o que acaba por
afastálo cada vez mais do “colono ideal” que tornaria a empreitada da colonização um
sucesso. Das concessões que menciona neste trecho, é tida como importante a redução do
tempo da pena durante o período de trabalhos forçados, que teria sido estabelecida pelo
Regulamento de Deportação
, mas o autor ressalta que, em Sacalina, por inúmeros motivos
práticos que seriam inadmissíveis para uma instância formal de justiça, como mera
conveniência, simpatia ou interesses particulares, vaise muito além do
Regulamento ao se
46
Id. Ibid. p. 140.
47
Id. Ibid. p. 176.
48
Крестьян и поселенцев и их свободных жен и детей гнетет тюремный режим; тюремное положение,
подобно военному, с его исключительными строгостями и неизбежною начальственною опекой, держит
их в постоянном напряжении и страхе; тюремная администрация отбирает у них для тюрьмы луга,
лучшие места для рыбных ловель, лучший лес; беглые, тюремные ростовщики и воры обижают их;
тюремный палач, гуляющий по улице, пугает их; надзиратели развращают их жен и дочерей, а главное,
тюрьма каждую минуту напоминает им об их прошлом и о том, кто они и где они. Id. Ibid. p. 193(tradução
própria).
24
liberar presos para viverem fora do cárcere, constituírem família e adquirirem dinheiro.
Tchekhov chegou a uma cifra de 1332 condenados que vivem fora da prisão, o que
49
corresponderia, também em cálculo seu, a 23% dos que estavam na ilha cumprindo penas. O
autor mostrase, em diversos pontos ao longo da obra, particularmente adepto da teoria de que
a experiência da colônia só teria a ganhar se o modelo prisional tradicional fosse abandonado
em favor dos detentos viverem em casas que construíssem, exceto em casos de mau
comportamento.
49
Id. Ibid. p. 180183.
25
Capítulo 2 – A Rússia que criou Sacalina
Por meio dos estudos que realizara anteriormente à viagem, Tchekhov constatou que os
primeiros prisioneiros teriam sido mandados para a ilha por volta de 1858, embora este faça a
ressalva de que a verdadeira colônia penal em Sacalina remontaria a 18601870, quando a
falta de organização do sistema russo de deportação teria quase chegado a um ponto de
ruptura. A anedótica história – desprovida de fontes – que Tchekhov narra a respeito do
primeiro exilado a cruzar o estreito e ir para Sacalina exemplifica bem suas concepções acerca
da ausência de um planejamento elaborado para o projeto de colonização: não fora por ordens
vindas de qualquer funcionário especialista do governo, mas sim pela simples requisição de
um dos exilados da região (que recebe, no relato, apenas o comum nome Ivan) que a
empreitada sacalinense teria iniciado. Independentemente desta pequena história ser
verificável ou não, ela serve para transmitir ao leitor uma impressão do autor acerca do caos
50
presente em Sacalina desde suas origens.
Esta hipótese, da ausência de um plano específico para a região que fosse produto de
apropriada reflexão por parte dos setores administrativos do Império, parece ser um dos temas
centrais do trabalho de Tchekhov. Cabe verificar se há meios de sustentála para além da obra
em questão. Caso não se mostre possível, talvez seja apropriada outra indagação a respeito da
presença deste tema no texto: estaria o autor, após conhecer os resultados da experiência de
colonização, construindo uma narrativa no passado que confortavelmente explicasse este
presente pouco próspero e até mesmo insalubre de que era testemunha?
A Era do Capital
Eric Hobsbawm, em seu , trata precisamente do período citado e, a
respeito deste, de diversos temas a respeito da Rússia que podem ajudar a solucionar a
questão se forem abordados a partir da seguinte pergunta: com o que se preocupava o Império
Russo quando da colonização de Sacalina? Pela análise da obra do autor – da supracitada e da
A Era dos Impérios
sua sequência imediata, –, o divisor de águas para a mentalidade do
Estado russo que virá a definir quais serão tais preocupações nos anos seguintes é a Guerra da
Crimeia (18541856), uma vez que esta marca o momento em que ele reconhece que o
50
TCHEKHOV, op. cit. p. 96n.
26
Império precisa mudar caso queira retornar à posição de potência capaz de competir com
51
países como a Inglaterra: a Rússia, em derrota, reconhece em si o atraso.
Desde o ano de 1855, o governante russo era Alexandre II, e ele enfrentava mais de um
problema: o progresso da industrialização diminuía ainda mais o poder de decisão russo no
52 53
cenário internacional, rebeliões camponesas despontavam em diversas regiões do império e
54
o surgimento da
intelligentsia como grupo de oposição letrado e influente na sociedade
parecem ser os mais graves para Hobsbawm, constituindo os principais elementos de uma
55
crise que, até os anos 1870, teria transformado a Rússia em um “gigante com pés de barro”.
Neste cenário, Alexandre II teria buscado inspiração para suas reformas no Ocidente, de
onde surge, para se aliar ao temor de que a população camponesa descontente iniciasse um
processo violento em busca da sua emancipação, a noção de que a servidão é incompatível
com o desenvolvimento capitalistaimperial. Na era do auge do imperialismo, “[o] que os
senhores da terra precisavam para a expansão da economia de exportação era de melhores
56
transportes, crédito, trabalho livre e máquinas”. A servidão perdera credibilidade econômica
entre diversos extratos da elite russa, e acompanhando esta perda, estava a aparente
incompatibilidade desta com uma sociedade baseada no livre mercado – caminho que a
57
Rússia aparentava tomar desde 1863,
seguindo a tendência do Ocidente.
58
Hobsbawm fala em uma “mescla entre capital privado e de Estado” que teria começado a
apresentar, à época da viagem de Tchekhov para Sacalina, resultados impressionantes em
setores industriais russos como a produção de metais, a tecnologia a vapor e a expansão da
malha ferroviária. A respeito deste tipo de empreitada, vale a pena comentar sobre uma
51
HOBSBAWM, Eric J. A Era dos Impérios, 18751914. São Paulo: Paz e Terra, 2011. p. 449. O atraso em
relação ao Ocidente já fora sentido anteriormente na Rússia, mais notoriamente no governo do Czar Pedro I, que
ficou conhecido como um imperador “modernizador” e como um expoente expressivo da tendência
“ocidentalizante” que, em contraste com a “eslavófila”, acompanhou a história do país durante séculos, pregando
o atraso da Rússia e a necessidade de se olhar para o Ocidente em busca de um caminho para uma sociedade
avançada e próspera. Para Hobsbawm, aparentemente Alexandre II mostravase, até a derrota que compartilhou
com seu pai na Crimeia, pouco convencido de que a maneira russa de governar – confiante nas suas grandes
proporções territoriais e populacionais, e, por conseguinte, produtivas e de contingente militar – era inferior ao
que o Ocidente tinha a apresentar no momento.
52
HOBSBAWM, Eric J. A Era do Capital. 18481875. São Paulo: Paz e Terra, 2012. p. 133
53
Para Hobsbawm, havia entre os nobres o sentimento de que estas pudessem ser canalizadas por um
movimento revolucionário. Em sua análise, isto mostravase tão provável que, em 1861, foi um dos motivos
principais para a abolição da servidão. Id. Ibid. p. 280
54
Id. Ibid. p. 254257.
55
Id. Ibid. p. 258.
56
Id. Ibid. p. 283.
57
Id. Ibid. p. 70.
58
HOBSBAWM, 2011. P. 451.
27
companhia privada chamada “Sacalina”, para a qual Tchekhov dedica algumas páginas em
seu livro, e avaliar o impacto que este tipo de parceria, quando associada a trabalhos forçados,
59
teve – para o autor – na vida dos habitantes da ilha.
Segundo Tchekhov, a partir de 1875, foi concedido a esta companhia, por vinte e quatro
anos, uma porção da ilha para a exploração mineira carbonífera. Acompanhando esta
concessão, estavam uma série de benefícios como: isenções alfandegárias, reserva de locações
apropriadas para estocagem e, mais relevante para este estudo, mão de obra por meio do
emprego dos condenados (com direito ao recebimento de uma multa paga pelo Estado caso
fossem apresentados, em determinado dia, menos condenados do que estabelecido no
contrato). Para salvaguardar os interesses da companhia, a administração manteria duas
prisões na proximidade da mina, zonas as quais, para o autor, são algumas das piores, se não
as piores da ilha.
Tchekhov julga que este é um caso claro no qual, em nome de interesses privados, a
administração se esquece dos princípios de regeneração dos presos em nome do lucro pessoal
de alguns indivíduos (que segundo cálculos do autor, baseados apenas em boatos, chegava à
cifra de trinta mil rublos anuais). Em contraposição a esta visão de que “Sacalina” estaria
abusando dos presos e do Estado, a empresa teria de se comprometer a contratar um
engenheiro de minas para a supervisão da exploração, pagar cotas correspondentes à
utilização do trabalho dos presos e à concessão do terreno, e finalmente usar apenas mão de
obra fornecida pelo presídio.
Contudo, segundo o indignado autor, a empresa descumpriria todas as suas promessas: o
engenheiro contratado estava regularmente ausente, a companhia devia quase cem mil rublos
ao Estado (10% deveriam ir para os presos, que até então não teriam recebido nada), e
“Sacalina” teria utilizado, desde a sua instalação na ilha, mão de obra de fora do presídio,
correspondente a colonos que viveriam em condições de moradia e de recursos ainda piores
do que os detentos empregados nas minas.
Para o autor, o ambiente de trabalho das minas, embora duro, tem maior impacto negativo
nos presos devido à própria falta de ética da empresa, que contaminaria praticamente todos os
funcionários, gerando um ambiente onde não é possível para os presos terem alguma
perspectiva de redenção. Tudo ao redor do detento é corrompido: dos guardas que não
59
TCHEKHOV, op. cit. p. 97101 Todas as informações seguintes, sobre a companhia “Sacalina” tratam deste
trecho. Tendo isto estabelecido, não se fará referências a trechos específicos destas páginas.
28
comunicam irregularidades aos superiores que estão lucrando com estas e destes aos presos
que usam algum recurso monetário que tenham para contratar irregularmente alguém que
trabalhe no seu lugar.
A partir deste relato, “Sacalina” seria um exemplo aterrorizante do quão desastrosa pode
ser uma parceria entre os setores público e privado visando gerar lucro a partir do uso de
presos como mão de obra. Enquanto as preocupações com os lucros da empresa e com a
obtenção de matéria prima para a industrialização aos moldes ocidentais eram privilegiadas,
os interesses e a situação do grupo mais vulnerável envolvido – os presos – eram
negligenciados ao máximo.
Em um estudo mais recente, publicado no segundo volume da extensa coletânea de textos
The Cambridge History of Russia
acadêmicos , a autora Larisa Zakharova argumenta a favor
de uma conjuntura diferente para o período, na qual o czar russo e seu aparato administrativo
não estariam sob influência de um “ímpeto ocidentalizante” como o que Hobsbawm
diagnostica. Suas reformas da década de 1860 seriam a continuidade de um longo processo de
mudanças sociais no Império Russo que teria perpassado todo o século XIX. Isto merece
atenção na medida em que poderia influenciar o presente estudo ao alterar a resposta para a
questão anterior, leiase: “com o que se preocupava o Império Russo quando da colonização
de Sacalina?”
Zakharova chama a abordagem que considera a derrota na Crimeia como marco do fim de
uma era na qual a Rússia não cogitava mudar suas relações com seus súditos, suas relações de
60
produção e seu plano de desenvolvimento de “abordagem tradicional”. Nesta abordagem, o
período seguinte – referente aproximadamente aos vinte primeiros anos da colônia penal –
corresponderia a um período de reformas que teria terminado com o assassinato de Alexandre
II em 1881. Segundo a autora, as reformas – a abolição da servidão, da punição corporal, as
reformas dos governos locais, do exército, da educação pública, da censura, a reforma judicial
61
watershed
“e outras” – teriam sido, sim, um divisor de águas ( ) na história russa, mas
diferentemente da “abordagem tradicional”, em sua interpretação elas não surgiram como
resposta a um momento de crise, e sim de um longo processo que envolveria, acima de tudo,
os posicionamentos políticos do czar e de seus conselheiros mais importantes.
60
ZAKHAROVA, Larisa. The Reign of Alexander II: a watershed? In.
The Cambridge History of Russia,
Volume II: Imperial Russia, 16891917. Cambridge: Cambridge University Press, 2006. p. 594.
61
Id. Ibid. p. 593.
29
A autora faz uma série de elogios ao caráter de Alexandre II, bem como de um membro de
seu corpo de Estado chamado Miliutin, que chama de “principal autor das Grandes
Reformas”, que teria – indo ao encontro da constatação que Hobsbawm fez a respeito da visão
da elite russa da época – afirmado que, caso as reformas fossem adiadas, dentro de quinze
62
anos poderia haver na Rússia um levante campesino. O papel que Zakharova atribui à
benevolência, à “visão” e às preocupações com seus súditos por parte do czar e de Miliutin,
63
entretanto, parece exagerado. Em seu estudo aparece em destaque um período da vida de
64
Alexandre II no qual ele teria passado por um quadro depressivo, mas o desejo do
governante russo e das elites que o apoiaram de modernizar o país, de reconstituir a Rússia a
uma posição de destaque no cenário internacional não figura como merecedor de qualquer
atenção. Além disto, a autora ainda coloca como razão para os aspectos negativos das
consequências das reformas uma falha dos seus autores em “traduzir suas ideias em
65
legislação”,
transformandoos praticamente em vítimas de sua própria incompetência.
Em contraste, outro autor, Hugh SetonWatson, em um trabalho consideravelmente mais
recuado no tempo (o texto de Zakharova é publicado em 2006, o de SetonWatson em 1988),
também apresentou o soberano do Império Russo como bemintencionado e como beneficiado
por uma educação que teria lhe conferido uma perspectiva altruísta com relação aos habitantes
66
pobres da Rússia (inclusive colocandoo, assim como Zakharova, como próabolição
),
contudo, em sua análise, estes são fatores secundários no processo que levou às reformas.
Para SetonWatson, as preocupações de Alexandre II e de Miliutin, bem como todos os
pronunciamentos contra a manutenção da servidão anteriores à derrota na Crimeia, são
eclipsados em importância por questões que surgem no pós1856. Podese exemplificar o tipo
de abordagem do autor, ausente no trabalho de Zakharova, no seguinte trecho de seu trabalho:
A guerra demonstrou o preocupante atraso da Rússia, e sua dependência da lealdade
do soldadocamponês. Esta lealdade não duraria para sempre se nada fosse feito
pelos servos. [...] a era da locomotiva e a penetração da economia monetária no
67
vilarejo russo não eram compatíveis com a sobrevivência da servidão.
62
Id. Ibid. p. 595.
63
Id. Ibid. p. 596599.
64
Id. Ibid. p. 610.
65
Id. Ibid. p. 607.
66
SETONWATSON, Hugh. The Russian Empire 18011917. Oxford: Oxford University Press, 1988. p.
333334.
67
Id. Ibid. The war showed the appalling backwardness of Russia, and its dependence on the loyalty of the
peasant soldier. This loyalty would not last for ever if nothing were done for the serfs. […] the railway age, and
the penetration of the money economy into the Russian village, were not compatible with the survival of
serfdom. p. 334335 (tradução própria).
30
Além da questão das preocupações do governo russo durante o povoamento da colônia
penal em Sacalina, as reformas de Alexandre também colaboram com outro problema que o
presente trabalho tenta solucionar: Tchekhov, em sua estadia na ilha, interage com “presos
comuns” (em oposição aos presos políticos, a quem lhe foi negado acesso), os quais são,
majoritariamente, provenientes de estratos sociais afetados direta ou indiretamente pelas
reformas. Neste sentido, é importante averiguar os impactos que estas reformas tiveram na
sociedade russa para avaliar tanto o sistema penal russo que os enviou à ilha, quanto os juízos
de valor que Tchekhov faz sobre eles. Para isto, uma análise de um trecho sobre a abolição da
servidão do texto de Zakharova aparece como bastante relevante:
Até muito recentemente, a visão predominante na literatura era de que a reforma fora
extorsiva para com o campesinato, com preços de quitação inflacionados para lotes
reduzidos, o que teria levado a uma carência por terras e um arruinamento em massa
de lares camponeses. Métodos modernos de análise estatística dos resultados
socioeconômicos da reforma campesina tem permitido a um número de historiadores
chegar a soluções particularmente diferentes. Na realidade, a abolição da servidão,
segundo os termos dos estatutos de 19 de fevereiro, levou à criação de agricultura
autossuficiente camponesa e a um prospecto de predominância da fazenda familiar
68
campesina na agricultura russa.
Neste trecho, assim como inúmeras vezes ao longo de seu trabalho, Zakharova traz
68
ZAKHAROVA, op. cit. Until very recently, the prevailing view in the literature was that the reform was
extortionate towards the peasantry, with inflated redemption payments for reduced plots, which led to
landhunger and ruination of peasant households on a mass scale. Modern methods of statistical analysis of the
socioeconomic results of the peasant reform have allowed a number of historians to come to quite different
conclusions. In reality, the abolition of serfdom by the terms of the statutes of 19 February led to the creation of
selfsufficient peasant farming and the prospect of the predominance of the peasant family farm in Russian
agriculture. p. 608609 (tradução própria).
31
europeia, de que todos os súditos seriam iguais perante a lei, também teria afetado, para o
69
autor, o poder da autocracia russa. Quanto à separação do judiciário como um poder
independente do monarca, seria difícil argumentar contra o seu papel no enfraquecimento da
monarquia russa. Entretanto, o papel da igualdade dos súditos neste contexto é mais
discutível: se por um lado o czarismo perderia parte do apoio das classes altas, ele não
contaria, por outro lado, com um apoio renovado das classes baixas? Caso considerese que
estes setores são essencialmente revolucionários, parece possível concordar com Baberowski,
do contrário talvez coubesse um estudo específico a este respeito.
De qualquer forma, esta reforma teria “nascido morta”, “porque ela não expressava nem as
70
necessidades executivas da administração, nem o sentimento de justiça da população”. O
novo sistema falava sobre a vontade do povo sem conhecêla: a elite europeizada que
formulou as leis o fez sem levar em consideração que os camponeses russos que não viviam
na Europa Ocidental, onde aquele conjunto de regras fazia – ainda que minimamente –
sentido, não se adaptariam a ele com facilidade. O objetivo desta reforma era que estes russos
do campo se tornassem cidadãos ao se incluírem neste sistema de justiça através do
comparecimento ao júri, onde se veriam em contato com o alto escalão da sociedade “em pé
de igualdade”: um camponês pobre podendo declarar culpado um cidadão de muito mais
posses e influência do que ele. Ao desempenhar esta função cívica, os camponeses também se
veriam presentes em um “ambiente civilizado e civilizador”, devido ao contato com os
71
juristas e com a elite que “lhes ensinariam a ser cidadãos”.
Contudo, vinte anos após a reforma (e seis anos antes da viagem de Tchekhov), o ministro
da justiça Dmitri Nabokov teria declarado “em indignação” que os agentes administrativos
locais responsáveis pelas convocações para a participação em júri, por todo o território russo,
72
insistiam em liberar qualquer elite intelectual ou econômica desta função. O dever de
comparecer ao júri, portanto, obrigava apenas os camponeses a fazêlo, o que, no interior,
implicava em longas viagens nas quais estas pessoas muitas vezes precisavam passar por
69
BABEROWSKI, Jorg. Law, the judicial system and the legal profession
. In.
The Cambridge History of Russia,
Volume II: Imperial Russia, 16891917. Cambridge: Cambridge University Press, 2006. p. 344.
70
Id. Ibid. “because it expressed neither the executive needs of the administration nor the feeling of justice of the
population .” p. 3467 (tradução própria).
71
Id. Ibid. p. 348350.
72
Id. Ibid. p. 350.
32
situações bastante adversas (mendicância, falta de acomodações e de provisões durante os
73
intervalos da corte), tornandose quase um castigo.
A consequência mais clara deste isolamento dos camponeses nas cortes fora das grandes
cidades foi, para Baberowski, a transferência do direito costumeiro camponês para o sistema
judicial russo sempre que os camponeses compunham todo o júri (caso houvesse algum
representante da elite presente, a rotina era de que os camponeses seguissem seu veredito). As
diferenças deste sistema para o que a reforma tentara implantar são múltiplas: para o direito
camponês, a moral, o passado e o modo de vida de um réu eram mais importantes do que o
crime em si, havia diferenciação entre crimes e pecados (que apenas Deus poderia punir), o
foco da sentença era a compensação pelo crime, e não a punição, e havia um esforço para que
o réu pudesse continuar vivendo na comunidade a que ele pertencia, “pois quem na
comunidade teria realmente algum interesse em mandar trabalhadores indispensáveis para a
74
prisão?”
Neste universo do direito costumeiro camponês, membros de comunidades rurais muitas
vezes recorriam a meios extralegais extremos de punição, os quais estes, segundo
Baberowski, não consideravam criminosos, como espancamentos, exorcismos violentos e o
75
assassinato de ladrões que ameaçassem propriedades campesinas e de bruxas. O sentimento
de que esta era a única forma de se fazer justiça era reforçado não somente pela punição do
encarceramento, que pouco interessava às comunidades, mas também pelo próprio sistema
judiciário, no qual o veredito de um juiz podia ser anulado por uma autoridade superior e no
qual o juiz não pode prender ou punir, apenas julgar: para os camponeses estes eram sinais de
76
uma autoridade que não merecia respeito.
Michel Foucault identifica um processo similar de reformas indo contra o que os
camponeses e as classes baixas tinham como seu código de leis na Europa Ocidental do
século XVIII. O autor coloca que “[a] conjuntura que viu nascer a reforma não é [...] a de uma
77
nova sensibilidade; mas a de outra política em relação às ilegalidades”, defendendo que os
agentes envolvidos no processo judiciáriopunitivo não simplesmente transcenderam a um
novo patamar moral, no qual então eram capazes de perceber como as práticas supliciantes e a
73
Id. Ibid. p. 350351.
74
Id. Ibid. “for who in the community ultimately really had an interest in throwing indispensable workers in
prison?” p. 351352 (tradução própria).
75
Id. Ibid. p. 353.
76
Id. Ibid. p. 355356.
77
FOUCAULT, op. cit. p. 102.
33
justiça praticada pelo povo eram “desumanas” (opondose à solução “humanizante” – a prisão
– que esta “nova sensibilidade” permitiulhes identificar entre as diversas alternativas para o
projeto punitivo europeu). O que teria se passado seria uma adequação do direito aos desejos
da classe burguesa de melhor defender sua propriedade – as reformas mantiveram fora do
escopo das condenações as ilegalidades tipicamente burguesas, enquanto enquadraram
aquelas mais ligadas às classes baixas como a delinquência contra a propriedade ou a
78
vadiagem (que, por sua vez, poderiam atrapalhar o lucro).
Na Rússia, a reforma do sistema jurídico ocorre apenas na segunda metade do século XIX,
quando – da mesma forma – não há uma súbita elevação moral das classes dominantes, mas
sim a quebra de uma espécie de contrato social entre os camponeses e as elites. As
ilegalidades praticadas por aqueles, que antes eram toleradas, agora precisavam ser eliminadas
em nome de um projeto de um novo país à europeia, que precisava de uma população com
costumes “apropriados” para a produção capitalista.
Havia no conteúdo da reforma não apenas o desejo de europeizar e civilizar estes
camponeses russos, mas também o de russificar os habitantes daquelas partes do império
cujos costumes se diferenciavam do centro da Rússia europeia, como o Cáucaso ou áreas
particularmente periféricas na parte asiática do império. A penetração da lei estabelecida no
papel, em Moscou, em comunidades atadas a outros valores mostrouse tão ou mais
impraticável do que entre os camponeses, mesmo quando não havia barreiras idiomáticas, e
79
sistemas legais diferentes muitas vezes conviviam lado a lado.
Quanto a estes habitantes de regiões relativamente periféricas do império e sua relação com
os sistemas penais e punitivos russos, vale a pena destacar um trecho da obra de Tchekhov em
que sua concepção a respeito destes, embora perfeitamente condizente com o pensamento de
um intelectual do século XIX, distanciase muito de uma interpretação plausível:
[...] podese dizer apenas que evademse com mais frequência aqueles que sentem
mais diferença entre o clima de Sacalina e o de suas terras natais. Estes são
80
principalmente oriundos do Cáucaso, da Crimeia, da Bessarábia e da Ucrânia.
Tomando o trecho do trabalho de Baberowski a respeito das dificuldades destes povos de
se adaptarem à norma russa como referência, parece lógico traçar um paralelo entre esta
78
Id. p. 103104.
79
BABEROWSKI, op. cit. p. 357359.
80
TCHEKHOV, op. cit. […] можно сказать только, что чаще всего бегут ссыльные, для которых наиболее
чувствительна разница климатов сахалина и их родины. сюда относятся, прежде всего, уроженцы
кавказа, крыма, Бессарабии и Малороссии. p. 285 (tradução própria).
34
dificuldade e o aumento da taxa de evasão entre deportados provenientes destas localidades, e
não meramente a “diferenças climáticas”. Contrariamente, ao tentar traçar um paralelo similar
entre a “justiça com as próprias mãos” dos camponeses russos ou suas concepções a respeito
daquilo que “não seria uma atividade criminosa” e a demografia dos presos em Sacalina, ou
sua adaptação ao sistema de deportação e de trabalhos forçados, a fonte mostrase insuficiente
para chegar a qualquer conclusão. Embora Tchekhov mencione, como já foi referido na
introdução do presente estudo, assassinatos mais frequentemente como motivos para as
pessoas serem mandadas para a ilha, é impossível precisar a origem social dos condenados ou
as circunstâncias dos crimes a partir da fonte, a não ser em casos muito específicos que não
configurariam uma amostragem suficiente para possuir qualquer caráter conclusivo.
Mesmo com essa ressalva, os condenados parecem tratarse, em sua maioria, de pessoas de
baixa instrução e sem influência, saberes ou posses expressivas (uma vez que esses
rapidamente encontravam nichos específicos para si em Sacalina, destacandose dos outros
presos). O que é impossível determinar são distinções mais específicas – se sua origem é
urbana ou rural, se advêm das cercanias de Moscou e de São Petersburgo ou de confins do
império, se o que lhes acarretou a condenação foi um ato decorrido de seus costumes, de
circunstâncias específicas, ou de suas condições econômicosociais.
Como eram mandados para a ilha cidadãos de todo o Império Russo, a compreensão da
natureza da reforma penal mostrase uma peça essencial para montar o quebracabeças da
criação de Sacalina. Andrew Gentes coloca, em oposição a algumas das perspectivas
apresentadas pelos autores até então citados, que nem todas as reformas de Alexandre II
“enfraqueceram a autocracia”. Opondose a esta noção, ele cita precisamente os aspectos
referentes à punição presentes na reforma do sistema judiciário como uma evidência de que o
czar planeja
fortalecer a monarquia russa: era necessário libertar os servos para evitar levantes
camponeses, mas não era possível para o soberano deixar de endurecer o sistema punitivo –
81
quase como um contrapeso em uma balança.
Quanto à maneira como a administração penitenciária local tratava os presos na colônia
penal, é importante lembrar que, segundo Tchekhov, os deportados estavam submetidos a
códigos de leis particulares, como o Regulamento de Deportação mencionado quando o autor
81
GENTES, Andrew. No Kind of Liberal: Alexander II and the Sakhalin Penal Colony. Franz Steiner Verlag.
Vol. 54, n. 3, pp. 321344. 2006. Disponível em: http://www.jstor.org/stable/41051703. Acesso em 25 de junho
de 2015. p. 327.
35
82
tratava da evasão na ilha e na Sibéria. Sacalina e a Sibéria não eram territórios comuns do
Império Russo, eles estavam intrinsecamente ligados à toda a lógica do sistema penal de
katorga
exílio e de trabalhos forçados ( ).
Este capítulo tratou até agora dos interesses concorrentes da Rússia czarista que fariam da
boa administração da colônia penal que Tchekhov visitou, bem como do bemestar de seus
presos, aspectos particularmente periféricos ao projeto nacional da administração central
russa, o que explicaria parcialmente o estado de “abandono” relatado pelo autor,
confirmandoo como uma hipótese plausível e, simultaneamente, inserindoo em um contexto
histórico que lhe dá sentido. Também se tratou das reformas de Alexandre II, em especial a
reforma judicial, que ajudam a explicar a situação das classes baixas da Rússia, principais
componentes do corpo de deportados que habitam a ilha. Assim, falta analisar um último fator
a respeito da criação de Sacalina: que valor a própria ilha e a sua colonização tinham para o
Estado russo, comparada com os outros fatores já mencionados. Caso mostrese um projeto
particularmente vital e estratégico para a elite russa, a tese do abandono de Sacalina “cai por
terra”.
Segundo Hugh SetonWatson, desde 1840, o governo russo havia realizado esforços para
melhor consolidar sua posição no Pacífico. Esta política, também segundo o autor, não foi
83
tirada de seu curso pela Guerra da Crimeia. Desde esta data, o autor menciona a ilha
estudada como sendo um ponto estratégico militar no cenário internacional. O autor John
Stephan trata Sacalina como a “AlsáciaLorena” da Ásia Oriental: a ilha controlaria a entrada
para o Rio Amur, que corre pelo interior do leste asiático como uma fronteira natural entre a
Rússia e a China, e serviria como uma ponte entre as ilhas japonesas e o continente,
permitindo o controle de dois estreitos que conectam o Mar do Japão ao Mar de Okhotsk. O
Japão, a China e a Rússia já mantiveram controle sobre Sacalina, e à época do texto de
84
Stephan, os soviéticos a chamavam de “tesouro”.
A aquisição de sua totalidade, completada em 1875 pelo tratado de São Petersburgo, levou
mais de vinte anos de negociações com o governo japonês e, quando da sua conclusão, o
85
Japão recebeu a totalidade das Ilhas Kurilas. Parece lógico concluir que a importância da
82
TCHEKHOV, op. cit. p. 293n.
83
SETONWATSON, op. cit. p. 2967, 438.
84
STEPHAN, John. Sakhalin Island: Soviet Outpost in Northeast Asia. Asian Survey
. Vol. 10, n. 12, 1970, pp.
10901100. Disponível em: Acesso em 25 de fevereiro de 2015.
http://www.jstor.org/stable/2643058. p. 1090.
85
STEONWATSON, op. cit. p. 440.
36
ilha não deve ser menosprezada, contudo é importante destacar o aspecto geopolíticomilitar
desta aquisição: Sacalina era importante em caso de guerra. No trecho supracitado,
SetonWatson menciona que a troca pelas Kurilas era uma forma de cada governo ter uma
garantia de que poderia ameaçar o outro. O destino da ilha, entretanto, não foi possuir fortes
militares guarnecidos por militares preparados para um conflito com o Japão ou outra
potência. De fato, este projeto, segundo Tchekhov, foi abandonado a partir de 1875, povoados
86
inteiros de militares “desaparecendo” por terem perdido seu propósito. Em seu lugar, o
projeto vencedor para Sacalina foi o de uma colônia agrícola penal de trabalhos forçados, o
que significaria ter, no local, uma população constantemente exausta e, possivelmente, com
ressentimentos para com o governo russo.
Segundo Tchekhov, optouse por este projeto a partir de 1868, por decisão de um comitê.
87
Este comitê teria visto em Sacalina uma possível “prisão inexpugnável” devido a seu caráter
insular, que não só impediria os deportados de fugirem, como também acabaria com as suas
esperanças de possivelmente o fazerem. Este ponto o autor tenta mostrar como relativamente
88
errado, apontando índices de tentativa de fuga altíssimos, chegando aos 60%.
Gentes aponta para o que aparenta ser um dos motivos pelos quais o Império Russo optou
pela solução da colônia penal agrícola para Sacalina. Interesses privados parecem ter pesado
na decisão, uma vez que o conselheiro de Estado Yakov Butkovskyi, sócio majoritário da
89
mencionada “Sacalina”, era um dos árduos defensores da proposta. Os três principais
argumentos de Butkovskyi para a necessidade da colonização da ilha eram militar – pela
posição estratégica –, o econômico – Sacalina seria uma rica mina de carvão –, e o político –
o destino perfeito para prisioneiros; para reforçar seus argumentos, o conselheiro menciona o
90
sucesso do caso australiano. Estes motivos, entretanto, não explicam a opção por uma
agrícola
colônia especificamente . O texto de Butkovskyi vai ao encontro do que Tchekhov
parece formular a respeito do descaso para com esta questão: parecia não importar aos
idealizadores do projeto as condições de trabalho e de reabilitação dos condenados, contanto
que eles fossem úteis política e economicamente.
86
TCHEKHOV, op. cit. p. 182.
87
Id. Ibid. p. 280.
88
Id. Ibid. p. 290.
89
GENTES, 2006. p. 57.
90
Id. Ibid. p. 5556.
37
Assim, nada parece indicar que haveria qualquer embasamento teórico por trás da opção
da administração central russa por manter e desenvolver uma colônia agrícola de deportados
em Sacalina. Podese propor que os responsáveis pelo estado das prisões e dos povoados na
ilha são exatamente este descaso e desinteresse da administração central, mas também a
exploração dos habitantes da ilha por empresas privadas (como a mencionada “Sacalina”), o
distanciamento entre o sistema punitivo russo e os costumes a população do império e, por
fim, a falta de um plano comum às próprias unidades administrativas locais na ilha – o que é
confirmado pela heterogeneidade entre prisões ou entre vilarejos descrita por Tchekhov.
38
Capítulo 3 – Colônias e prisões
Estabelecidos o contexto russo da criação de Sacalina e um pouco da “bagagem” de
Tchekhov quando este chega à ilha, podese finalmente analisar a passagem do autor pela
ilha, suas constatações a respeito do que teria visto e as conclusões às quais ele chega. Nos
capítulos anteriores já foram mencionadas algumas das teses formuladas pelo escritor durante
sua viagem, cabe agora entrar em detalhes sobre o que ele declara ter presenciado nos
cenários por onde teria passado e sobre duas de suas proposições em particular: a do descaso
administrativo para com o projeto de colonização agrícola da ilha, e a da inferioridade do
sistema de aprisionamento em celas comuns no contexto de Sacalina, se comparado a um
sistema em que se permite aos presos que eles tenham suas casas e fiquem junto a suas
famílias.
Também seria difícil não tratar do tema dos castigos corporais, já que este constitui
uma das maiores preocupações do autor durante sua viagem. Ao final de seu relato, Tchekhov
91
descreve uma sessão de chibatadas que teria assistido (bem como alguns enforcamentos que
lhe teriam sido relatados). A violência choca o escritor que não consegue assistir por completo
o castigo. Transcrevêla ou a resumir fugiria do objetivo deste estudo, mas dois aspectos da
punição corporal em Sacalina são importantes para a caracterização do sistema punitivo na
Rússia periférica do fim do século XIX. O primeiro é que a sociedade russa com a qual o
autor estava mais familiarizado – urbana e ocidental – não tolerava a prática de aplicação de
castigos físicos demasiado cruéis – embora práticas particularmente supliciantes fossem,
segundo as fontes a que Tchekhov afirma ter tido acesso, um aspecto relativamente recorrente
da vida nas prisões de Sacalina até poucos anos antes da viagem do autor. Quando esta se deu
“já não era possível” elas acontecerem, pois a notícia se espalharia pela Sibéria e causaria
92
revolta.
O segundo é que, conforme o escritor, o perfil do carrasco russo havia mudado:
Caso um artista fosse representar um fugitivo sendo açoitado, então em seu quadro,
no lugar do antigo capitão beberrão, velho e com o nariz púrpura, estaria um homem
93
jovem e inteligente trajando um uniforme novo.
91
TCHEKHOV, op. cit. p. 273279.
92
Id. Ibid. p. 262.
93
и если бы, положим, художник изобразил, как наказывают плетьми бродягу, то на его картине место
прежнего капитанапропойцы, старика с синебагровым носом, занимал бы интеллигентный молодой
человек в новеньком вицмундире. Id. Ibid. p. 143 (tradução própria).
39
A partir apenas desta descrição é complicado fazer alguma suposição qualquer sobre os
valores dos “homens jovens e inteligentes de uniformes novos” ou dos “velhos capitães
beberrões de nariz púrpura” da Rússia e no que esta mudança implica com relação a estes,
mas a nova personagem que surge a partir desta constatação é necessária para se “pintar um
quadro preciso” da punição na Rússia à época, que parecia passar por um processo de
burocratização.
Primeiramente, ao longo do texto de Tchekhov, em suas descrições das dezenas de
colônias penais pelas quais passou, bem como das múltiplas prisões visitadas, tornase
progressivamente mais difícil a tarefa de encontrar elementos comuns a Sacalina como um
todo, os quais se poderia usar em uma sentença simples, como “a prisão em Sacalina era da
seguinte maneira: ...”. Se a sujeira, o fedor e o ambiente insalubre em geral parecem unir as
prisões de Duí e de Aleksandrovsk, logo em Rikovskoye esta regra se mostra quebrada por
um ambiente descrito como uma torrente de elogios à sua atenção e dedicação para com a
limpeza e a higiene. O distrito ao qual tais prisões ou colônias pertence tem uma influência
clara nisto: a ilha era dividida em unidades administrativas menores – SacalinaNorte
(composta pelos distritos de Aleksandrovsk e Tym) e SacalinaSul (composta apenas pelo
94
distrito de Korsakovsk
); contudo, mesmo dentro de um distrito existem no relato do autor
locais consideravelmente distintos.
Tchekhov julgou que esta divisão administrativa de Sacalina em pequenas unidades
poderia ser considerada um luxo desnecessário por alguém que dela tomasse conhecimento,
levando em consideração que trechos da Sibéria maiores que a totalidade da ilha
correspondiam administrativamente a apenas uma de suas pequenas partes. O autor então
decide advertir contra este argumento, presumivelmente por conta de sua opinião de que um
corpo burocrático (administrativo) numeroso teria um impacto benéfico na administração
penitenciária. Embora em um momento de seu texto tenha declarado que a intelligentsia
95
pouco fez aos detentos e aos colonos que não os rebaixar, em outros enaltece as vantagens
de se contar com mais funcionários. Julga a burocracia penitenciária em Sacalina à época da
sua viagem como sobrecarregada de trabalho e incompetente, citando que estes homens
94
Tchekhov também menciona um distrito “em projeto”, que seria futuramente parte integrante de SacalinaSul,
mas que, até então, contava com menos de dez habitantes, o distrito de Tarayka. Id. Ibid. p. 166.
95
Tchekhov escreve isto quando conta ter presenciado um senhor de idade, prisioneiro que teria servido um prato
“inapropriado” a um oficial administrativo da ilha para quem trabalhava como criado doméstico, ser xingado a
gritos. Id. Ibid. p. 164.
40
colocariam presos a fazer seus trabalhos, e estes seriam mais competentes nestas funções do
96
que eles próprios.
Mas a população sacalinense vive em condições excepcionais e a sua máquina
administrativa tem uma tarefa muito mais difícil que a de Anádyr. A divisão de uma
colônia penal em pequenas unidades administrativas surge da prática, que [...]
demonstrou que: em primeiro lugar, quanto menores as distâncias em uma colônia
de deportados, mais fácil é dirigíla; em segundo lugar, a divisão em distritos
aumenta a quantidade de pessoal e cria uma abundância de homens novos, o que
tem, indiscutivelmente, uma influência benéfica na colônia. Com o aumento
quantitativo da intelligentsia as pessoas recebem também um aumento qualitativo na
97
administração.
Quando fala sobre Slobodka, um conjunto habitacional estranhamente próspero em
Sacalina, o autor cita motivos que explicariam o êxito desta colônia, como a grande
quantidade de colonos que foram para lá acompanhados de suas esposas, o alto percentual de
pessoas que sabiam ler e escrever, um possível êxito na agricultura, ou mesmo a proporção de
pessoas que já estavam na ilha há mais de dez anos, tendo tido tempo para se adaptar.
Tchekhov, contudo, descarta estas possibilidades como insuficientes para explicar o sucesso
de Slobodka e formula a hipótese de que, aliados a estes fatores, estariam também o
envolvimento da vila no contrabando de álcool e no comércio irregular de artigos de vestuário
adquiridos a baixo custo entre Nikolayevsk (a cidade de onde Tchekhov partiu para a ilha) e
98
os prisioneiros. Devido a estes artigos circulando pela cidade, Slobodka é referida em vários
99
momentos durante o relato como “a Paris de Sacalina”, mas situase no mesmo distrito de
NovoMikhailovka, cidade que o autor descreve como absolutamente miserável, dando a
entender que só há um habitante desta que conseguiu prosperar ali, um velho camponês
proscrito que conseguira abrir duas lojas em cidades diferentes e ter relativo sucesso com a
100
criação de animais e o plantio de insumos variados.
96
Id. Ibid. p. 263.
97
Но сахалинское население живет при исключительных условиях, и механизм управления здесь гораздо
сложнее, чем в Анадырском округе. Дробление ссыльной колонии на мелкие административные участки
вызывается самою практикой, которая [...] указала, вопервых, что чем короче расстояния в ссыльной
колонии, тем легче и удобнее управлять ею, и, вовторых, дробление на округа вызвало усиление штатов
и прилив новых людей, а это, несомненно, имело на колонию благотворное влияние. С усилением
состава интеллигентных людей в количественном отношении, получилась значительная прибавка и в
качественном. Id. Ibid. p. 125126 (tradução própria).
98
Id. Ibid. p. 4748.
99
Id. Ibid. passim.
Tchekhov também se refere a Aleksandrovsk como “Paris de Sacalina”, isto se deve à
proximidade entre as duas cidades, que o autor declara terem praticamente se fundido quando passa por elas.
100
Id. Ibid. p. 8082. Este senhor é mencionado em outro trecho do relato: é tamanho o seu prestígio na ilha, que
faz parte da recepção do governadorgeral da região do Amur, a que pertence Sacalina, quando este chega na
ilha.
41
Os sujeitos, em Sacalina, também são particularmente heterogêneos, este homem de
NovoMikahilovka, bem como um que o autor declara ter encontrado em Aleksandrovsk, são
exemplos de homens já idosos, que já terminaram suas penas, mas que continuam em
Sacalina vivendo como camponeses proscritos. O colono que, após um período de dez anos
(que pode ser reduzido a seis em caso de bom comportamento), não tiver nenhum novo
problema com as autoridades russas atinge o status de “camponês proscrito”, podendo deixar
a ilha e seguir a vida como qualquer outro campesino russo, excetuandose o fato de que ele
101
segue exilado de sua terra natal.
Essa questão da heterogeneidade presente na colônia penal não deve ser
102
menosprezada. Ela parece ser negligenciada por alguns autores
, empobrecendo suas
análises do relato. Gutemberg Medeiros, em seu texto intitulado
Viagem ao fim do mundo: a
fronteira entre jornalismo e literatura em Tchekhov
, divide casualmente os detentos entre
aqueles que estariam em “regime semiaberto” – os quais apresentariam bom comportamento e
crimes relativamente leves – e aqueles em “regime fechado” – que, ou teriam cometido crimes
mais graves, ou tentaram evadirse da ilha, ou possuiriam um histórico de manutenção de
103
atividades criminosas em Sacalina. Além destas categorias serem anacrônicas, elas não
abrangem as diversas situações dos exilados, nem levam em consideração o fato de que em
diferentes localidades da ilha um ou outro tratamento para com os condenados prevalece,
independentemente da natureza dos seus crimes ou de suas condutas. Ao contrário do que é
104
defendido por Medeiros, o caos administrativo desponta como um fator muito mais decisivo
para determinar as liberdades da maioria da população carcerária sacalinense do que as
condutas dos indivíduos que a compõem.
Para chegar à condição de colono, por sua vez, um detento precisa cumprir a sua pena,
o que pode ocorrer – dependendo dos agentes administrativos da prisão específica na qual
cumpre a pena – dentro ou fora dos muros da prisão em si. Um quarto dos prisioneiros de
Sacalina, segundo o autor, viviam fora das prisões. A opinião negativa que Tchekhov constrói
a respeito da prisão como local para se manter os condenados é expressa de maneira
101
Id. Ibid. p. 189190.
102
Já foi mencionado o caso do texto da autora Cathy Popkin, que também deixa de mencionar o problema.
103
MEDEIROS, Gutemberg. Viagem ao fim do mundo: a fronteira entre jornalismo e literatura em Tchekhov.
Espéculo . Revista de estudios literarios. Universidad Complutense de Madrid. Número 39, 2008. Disponível em:
www.ucm.es/info/especulo/numero39/chejov.html. Acesso em 25 de fevereiro de 2015.
104
No qual compete a autoridade locais, desprovidas de um projeto comum para a ilha ou de qualquer instrução
formal de como obter determinados resultados no trato com os presos.
42
particularmente viva no trecho em que este cita o dado acima. Ele escreve que, apesar de
haver um quarto dos presos vivendo fora da prisão, “pôr em ordem nossos forçados é difícil
105
precisamente porque três quartos vivem na prisão”.
Um dos argumentos que Tchekhov apresenta em favor dos presos permanecerem fora
da prisão diz respeito aos que possuem famílias. Neste ponto do texto o autor não especifica
se está escrevendo sobre condenados que foram acompanhados por suas famílias, ou sobre
aqueles que, em Sacalina, construíram uma (mas provavelmente referese a ambos os casos).
Segue o argumento:
Sem falar nos escrivães, nos desenhistas e nos bons artesãos, os quais, por conta da
própria natureza das suas atividades, não poderiam viver na prisão, em Sacalina há
muitos prisioneiros que são pais e maridos, os quais não seria prático afastar de suas
famílias, o que geraria considerável confusão na vida da colônia. Teria de se manter
também as famílias na prisão, ou assegurarlhes a alimentação e o alojamento à custa
do Estado, ou ainda obrigálas a permanecerem nas suas terras natais durante todo o
106
tempo em que o pai está nos trabalhos forçados.
105
“упорядочить нашу каторгу нелегко именно потому, что остальные три четверти живут в тюрьмах”
TCHEKHOV, op. cit. p. 183 (tradução própria).
106
Не говоря уже о писарях, чертежниках и хороших мастерах, которым по роду их занятий жить в
тюрьме не приходится, на Сахалине немало семейных каторжников, мужей и отцов, которых
непрактично было бы держать в тюрьмах отдельно от их семей: это вносило бы немалую путаницу в
жизнь колонии. Пришлось бы держать семьи тоже в тюрьмах или же продовольствовать их квартирой и
пищей на счет казны, или же удерживать на родине все время, пока отец семейства отбывает каторгу. Id.
Ibid. p. 52 (tradução própria).
43
solução não é difícil: basta tirar da prisão os outros detidos e colocálos em suas
107
próprias isbás.
Concluindo a exposição da situação destes indivíduos com uma nova crítica à prisão,
Tchekhov mais uma vez reforça sua argumentação referida anteriormente. O recluso pode sair
da sua condição inicial para a de colono de maneira mais tranquila, entretanto, somente caso
tenha a oportunidade de acumular pecúlio até o cumprimento da sua pena. Segundo o autor,
esta era uma possibilidade real que se concretizava com certa frequência na ilha, embora com
indivíduos privilegiados, os quais conseguiam se tornar colonos e rapidamente comprar uma
108
casa ou mandar lhe construírem uma.
Quanto ao motivo pelo qual estes prisioneiros seriam privilegiados e quanto à maneira
pela qual eles teriam conseguido este dinheiro, Tchekhov não comenta neste trecho específico
do texto. Em outros momentos de seu relato, no entanto, faz menção ao enriquecimento
(geralmente irregular) de alguns deportados, bem como ao fato de alguns destes trazerem
109
dinheiro consigo para a ilha. É difícil, a partir da fonte, determinar se algum dos casos
ocorria mais substancialmente que o outro.
A respeito das dificuldades que um novo colono poderia vir a enfrentar caso não
tivesse tido as melhores oportunidades na ilha, vale a pena destacar outra crítica a respeito das
prisões escrita por Tchekhov, desta vez referindose especificamente às celas comuns:
Sobre as celas comuns, penso que é quase impossível encontrar algo a dizer a seu
respeito. As pessoas que vivem em celas comuns não formam uma comunidade ou
uma associação que imponha responsabilidades a seus membros, mas sim uma
gangue que os liberta de qualquer responsabilidade para com o local, o seu vizinho
ou os objetos ao seu redor. [...] Esta vida gregária em um ambiente insalubre, com
brincadeiras grosseiras, com a inevitável influência dos maus sobre os bons, como
há muito se comprovou é um ato criminoso contra a moral do condenado. Ela vai
desacostumando pouco a pouco o prisioneiro da domesticidade, que é a qualidade
que mais deveria ser cultivada em um preso, porque quando sair da prisão e se tornar
um membro independente da colônia, no primeiro dia lhe será exigido, por lei e sob
110
o risco de punição, que seja um bom proprietário e um bom chefe de família.
107
Каторжные разряда испытуемых живут в избах и часто поэтому несут более слабое наказание, чем
исправляющиеся. Тут резко нарушается идея равномерности наказания, но этот беспорядок находит себе
оправдание в тех условиях, из которых сложилась жизнь колонии, и к тому же он легко устраним: стоит
только перевести из тюрьмы в избы остальных арестантов. Id. Ibid. p. 52 (tradução própria).
108
Id. Ibid. p. 183184.
109
Id. Ibid. passim.
110
В пользу системы общих камер, я думаю, едва ли можно сказать чтонибудь хорошее. Люди, живущие
в тюремной общей камере, – это не община, не артель, налагающая на своих членов обязанности, а
шайка, освобождающая их от всяких обязанностей по отношению к месту, соседу и предмету.
[...]Стадная сарайная жизнь с ее грубыми развлечениями, с неизбежным воздействием дурных на
хороших, как это давно уже признано, действует на нравственность преступника самым растлевающим
44
Este trecho em particular também indica que Tchekhov é partidário da ideia de que a
prisão é um ambiente em que os detentos com bom comportamento e “chance de reabilitação”
são corrompidos por “maus elementos”. Não seria uma suposição errada, mas a opinião do
autor a respeito das atitudes dos presos e de sua moral nem sempre aparece desta forma ao
longo do relato, por vezes apresentando posições que, embora certamente não representem o
único caso deste tipo de pensamento à época, não deixam de surpreender pela
contemporaneidade:
Nos condenados observase os defeitos e as perversões típicos de pessoas
aprisionadas, escravizadas, famintas e em estado constante de medo. A falta de
honestidade, a fraude, a covardia, a fraqueza de espírito, a delação, o roupo e todo o
tipo de vícios secretos: este é o arsenal de que dispõe esta gente humilhada, ou pelo
menos a sua maioria, contra os chefes e oficiais a quem não têm respeito, mas sim
temem como seus inimigos. Para escapar dos trabalhos mais duros e dos castigos
corporais, para arranjar um pedaço de pão, uma pitada de chá, de sal ou de tabaco, o
condenado recorre a subterfúgios, comprovados pela experiência como o meio mais
111
confiável e mais seguro na luta pela vida.
Ainda a respeito da sua concepção dos condenados, uma mudança nesta é perceptível
ao longo do livro. O convívio constante com a população carcerária da ilha parece ter afetado
a percepção de Tchekhov sobre estes homens e mulheres. Para destacar esta mudança, cabe
comparar dois trechos de sua escrita, o primeiro logo que ele chega na ilha e entra em contato
pela primeira vez com uma cidade onde não só os prisioneiros compõem grande parte da
população, como também andam livres pelas ruas; o segundo quando, após já algum tempo na
ilha, o escritor visita os calabouços de uma das piores prisões de Sacalina, destinada a alguns
dos detentos tidos como mais problemáticos e incorrigíveis. Primeiro:
Os prisioneiros e os colonos, com raras exceções, andam livremente pelas ruas, sem
grilhões e sem escolta, e a cada passo encontrase com eles andando sozinhos ou em
bando. Eles estão nas casas e nos jardins, porque eles são os cocheiros, os vigias, os
cozinheiros, as cozinheiras e as babás. Sem estar habituado, esta proximidade me
confundiu e me deixou perplexo. Eu passava em frente a uma construção qualquer e
образом. Она отучает его малопомалу от домовитости, то есть того самого качества, которое нужно
беречь в каторжном больше всего, так как по выходе из тюрьмы он становится самостоятельным членом
колонии, где с первого же дня требуют от него, на основании закона и под угрозой наказания, чтобы он
был хорошим хозяином и добрым семьянином. Id. Ibid. p. 60 (tradução própria).
111
у ссыльных наблюдаются пороки и извращения, свойственные по преимуществу людям
подневольным, порабощенным, голодным и находящимся в постоянном страхе. лживость, лукавство,
трусость, малодушие, наушничество, кражи, всякого рода тайные пороки – вот арсенал, который
выставляет приниженное население или, по крайней мере, громадная часть его, против начальников и
надзирателей, которых оно не уважает, боится и считает своими врагами. Чтобы избавиться от тяжелой
работы или телесного наказания и добыть себе кусок хлеба, щепотку чаю, соли, табаку, ссыльный
прибегает к обману, так как опыт показал ему, что в борьбе за существование обман – самое верное и
надежное средство. Id. Ibid. p. 265 (tradução própria).
45
lá estavam condenados com machados, serras e martelos. “Se ele o brandir eu já
112
era!”
E então:
Nas masmorras de Duí ficam os presos perigosos, na maioria reincidentes já
julgados ou ainda sob investigação. Pela aparência, são pessoas bastante ordinárias,
boas almas com fisionomias bobas, que expressaram apenas curiosidade e um desejo
de responder as minhas perguntas da melhor maneira possível. E, para a maioria
deles, seus crimes não eram mais espertos ou ardilosos que seus rostos. Geralmente
eles eram condenados a penas entre cinco e dez anos por matar alguém em uma
briga, eles então fugiam, eram pegos, fugiam novamente e assim por diante, até
113
serem condenados a prisão perpétua e tratados como incorrigíveis.
Sobre o contraste existente entre uma prisão e outra da ilha, cabe descrever
brevemente alguns dos comentários mais marcantes de Tchekhov a respeito de algumas
destas. A primeira prisão que Tchekhov teria visitado é a de Aleksandrovsk, onde os presos
114
andavam livres, podiam sair durante o dia e não precisavam usar uniforme. Sobre esta, o
autor fala positivamente ainda do pátio, que estaria em boas condições. Ao falar das
condições dos presos, no entanto, os adjetivos que aparecem são “podre”, “roto”,
“esfarrapado”. Embora Tchekhov mencione a ausência de correntes prendendo os corpos dos
detentos, ele faz menção aos “recapturados”, que teriam sido acorrentados e separados dos
outros prisioneiros em um edifício especial. As preocupações que o autor demonstra no relato
sobre a prisão de Aleksandrovsk são com a negação “da propriedade pessoal, do isolamento,
do conforto e do sono tranquilo”, com a falta de roupas de cama e de uma latrina fora da vista
dos outros presos para os acorrentados, com o desperdício de energia em serviços diversos –
fruto, para Tchekhov, de uma má administração da mãodeobra, outra de suas preocupações
115
–, e com o uso de detentos como criados domésticos. Os detentos agrilhoados, por sua vez,
reclamariam, segundo o autor, da ração de pão, do confinamento isolado e dos ferros em si. A
lotação das celas no edifício dos agrilhoados, aparentemente, era de apenas um a três
112
Каторжные и поселенцы, за немногими исключениями, ходят по улицам свободно, без кандалов и без
конвоя, и встречаются накаждом шагу толпами и в одиночку. Они во дворе и в доме, потомучто они
кучера, сторожа, повара, кухарки и няньки. Такая близость в первое время с непривычки смущает и
приводит в недоумение. Идешь мимо какойнибудь постройки, тут каторжные с топорами, пилами и
молотками. А ну, думаешь, размахнется и трахнет! Id. Ibid. p. 3132 (tradução própria).
113
В Дуйских карцерах содержатся тяжкие преступники, большею частью рецидивисты и
подследственные. На вид это самые обыкновенные люди с добродушными и глуповатыми
физиономиями, которые выражали только любопытство и желание ответить мне возможно почтительнее.
И преступления у большинства из них не умнее и не хитрее их физиономий. Обыкновенно присылаются
за убийство в драке лет на 510, потом бегут; их ловят, они опять бегут, и так, пока не попадут в
бессрочные и неисправимые. Id. Ibid. p. 94 (tradução própria).
114
Id. Ibid. p.56.
115
Id. Ibid. p. 5760.
46
prisioneiros para cada cela, embora com o autor não fazendo menção ao tamanho de cada uma
destas celas, seja difícil avaliar as condições dos presos neste contexto.
A prisão de Voyevodsk foi construída por volta de 1870 e era, por sua vez, lar de uma
infestação de percevejos e de reclusos acorrentados a carrinhos de mão. Para Tchekhov, por
ter conseguido escapar a todas as reformas penitenciárias, ela “pode ser ilustração precisa para
116
representar as antigas prisões que provocavam em quem as via horror e nojo”. A respeito
dos prisioneiros acorrentados a carrinhos de mão, Tchekhov escreve:
Cada um deles está preso a correntes pelas mãos e pelos pés; do meio das que lhes
prendem as mãos parte outra corrente [...] atada na outra extremidade a um pequeno
carro de mão. As correntes e o carro restringem os movimentos dos prisioneiros, que
tentam mexerse o mínimo possível, o que causa, indiscutivelmente, atrofia
117
muscular. [...] Quando se deitam, empurram o carro para baixo da tarimba; [...]
116
[…] может служить точною иллюстрацией к описаниям старых порядков и старых тюрем,
возбуждавших когдато в очевидцах омерзение и ужас. Id. Ibid. p. 102 (tradução própria).
117
Каждый из них закован в ручные и ножные кандалы; от середины ручных кандалов идет длинная цепь
[...]которая прикрепляется ко дну небольшой тачки. Цепи и тачка стесняют арестанта, он старается
делать возможно меньше движений, и это, несомненно, отражается на его мускулатуре. [...]Ночью во
время сна арестант держит тачку под нарой, [...] Id. Ibid. p. 102 (tradução própria).
118
Id. Ibid. p. 145.
119
Id. Ibid. p. 149150.
47
exceções, ninguém tem autorização para viver, nem condenados que trabalham duro
para a reabilitação. Aqui, o posto é uma coisa e a prisão é outra, e podese viver por
120
muito tempo no posto e não perceber que há uma prisão no fim da rua.
120
При осмотре тюрьмы прежде всего замечается стремление местной администрации к резкому
обособлению каторжных от поселенцев. В Александровске тюремные мастерские и квартиры нескольких
сот каторжных разбросаны по всему посту, здесь же в тюремном дворе помещаются все мастерские и
даже пожарный сарай, и жить вне тюрьмы, за очень редкими исключениями, не позволяется даже
каторжным разряда исправляющихся. Здесь пост сам по себе, а тюрьма сама по себе, и можно долго
прожить в посту и не заметить, что в конце улицы находится тюрьма. Id. Ibid. p. 149 (tradução própria).
121
POPKIN, op. cit. p. 41. A ausência em Sacalina do emprego de um sistema como o panóptico, entretanto, não
pode ser atribuída a um mero desconhecimento deste causado pelo atraso russo em comparação às nações
europeias ocidentais com relação à criminologia e a diversos campos do saber envolvidos na sua concepção. A
Rússia conhecia o panóptico, tendo sido o berço do seu protótipo, na segunda metade do século XVIII. O irmão
de Jeremy Bentham, Samuel Bentham, estava desenvolvendo, a serviço do prince Potemkin, um sistema para
controlar, empregando poucos supervisores, a produção referente a um grande número de trabalhadores pouco
qualificados. Depois de uma visita às dependências onde seu irmão testava seu projeto, Jeremy Bentham
escreveria o “Panóptico”, dando crédito a seu irmão pela concepção inicial. Cf. WERRET, S. Potemkin e o
Panóptico: Samuel Bentham e a arquitetura do absolutismo na Rússia czarista do século XVIII. In. BENTHAM,
Jeremy. O Panóptico . Organização e tradução de Tomaz Tadeu da Silva. Belo Horizonte: Autêntica, 2000. p. 155
et seq.
122
Id. ibid. p. 4144.
123
Id. p. 44.
48
precisam permanecer acorrentados e outros que podem mesmo sair de suas celas e das
dependências do cárcere.
Tratadas das principais questões referentes às prisões na obra de Tchekhov, cabe
analisar finalmente a questão das colônias e da sua administração que levou, segundo o relato
do autor, a tamanha pobreza e fome em algumas aldeias que, quando chegavam os
carregamentos de sementes para os colonos plantarem e seguirem com o projeto agrícola da
124
ilha, estes precisavam comêlas de imediato para não morrerem de fome. Certas localidades
de Sacalina são merecedoras de elogios ao longo do relato, mas na maioria dos casos tratase
de vilarejos novos, onde o interesse da administração, ou a “expansão em peso” da colônia
ainda não chegaram, como no caso registrado pelo escritor baseado em visitas anteriores a
algumas pequenas colônias no litoral noroeste da ilha (as quais o próprio Tchekhov não
visitou):
Mas independentemente da dureza e da pobreza da natureza, os habitantes das
aldeias da costa, segundo pessoas entendidas, ainda vivem melhor do que os de
Arkai ou os de Aleksandrovsk.
Isso explicase porque são poucos e as bênçãos disponíveis são divididas entre
apenas esses poucos. Eles também não precisam cultivar cereais, cuidam de si
125
mesmos e escolhem eles mesmos suas atividades e negócios.
A atribuição, ainda que parcial, do relativo sucesso dessas colônias a sua autonomia
com relação à administração da ilha evidencia já neste trecho uma tendência que perpassa
todo o relato: a falha do projeto agrícola está sempre vinculada a algum problema
administrativo. Seja como no caso de KrasnyiYar, onde a escolha do local para dar início à
colônia, para Tchekhov (outro observador talvez argumentasse que a culpa da miséria desta
124
TCHEKHOV, op. cit. p. 88. É interessante mencionar que o projeto agrícola de Sacalina não apresentou
sucesso considerável pelo menos até os anos 1970. Nesta data, o controle da ilha já havia sido partilhado entre o
Império Russo e o Japão a partir da derrota russa na guerra com este país em 1905 (momento em que o Estado
russo opta por abandonar o projeto prisional), inteiramente japonês até a derrota nipônica na Segunda Guerra
Mundial, e finalmente reconquistado pela União das Repúblicas Socialistas Soviéticas. A ilha despontou como
uma importante fonte de riquezas advindas da extração madeireira, de petróleo e gás natural e carbonífera, e
tornouse um importante produtor de pescado, mas as atividades agrícolas seguiram falhando em alimentar a
população local. Julgase que isto se mostra relevante já que, ainda em 1890, Tchekhov se perguntava o porquê
de o Império Russo insistir em um projeto agrário – especialmente de plantio de grãos – quando já se percebia
que os colonos que eram deixados a sustentarse como melhor julgavam por muitas vezes optavam por
atividades como a pesca, as quais se mostrariam, no futuro, mais viáveis em Sacalina. STEPHAN, op. cit. p.
1093.
125
Но как ни сурова и ни бедна природа, жителям береговых селений, по свидетельству сведущих людей,
всетаки живется сравнительно лучше, чем, например, арковцам или александровцам.
Объясняется это тем, что их мало, и те блага, какие имеются в их распоряжении, приходится делить
между немногими. Для них не обязательны хлебопашество и урожаи, они предоставлены самим себе и
сами выбирают для себя занятия и промыслы. TCHEKHOV, op. cit. p. 90 (tradução própria).
49
aldeia devese à pobreza do solo), só poderia ter sido fruto do trabalho de um funcionário que
126
nada soubesse a respeito da vida no campo, seja como no caso do desperdício de recursos
127
públicos (que poderiam ser investidos nos presos e nos colonos) com um túnel “inútil”, seja
como no caso de diversas colônias relativamente prósperas no sul da ilha, onde não há
mulheres pois a administração em Aleksandrovsk realiza a triagem e distribui a maioria destas
128
para seu próprio distrito; a administração sempre está diretamente relacionada com o
problema.
Mesmo quando Tchekhov declara explicitamente que o problema é outro, como em
um trecho em que afirma que “a principal razão apontada para a falha da colônia até o
129
momento é o grande número de homens solteiros”, é difícil desvencilhar este comentário do
restante da obra, no qual, em diversos momentos como aquele supracitado, o autor atribui o
excesso de solteiros a uma distribuição das mulheres pela ilha ligada a interesses da
administração de Aleksandrovsk. O argumento, no entanto, nem sempre é pela incompetência
ou pela desonestidade dos administradores, por vezes resumese ao seu descaso com o
projeto, como quando cita o caso da aldeia de AndreyeIvanovskoye – onde a presença de um
grupo bastante heterogêneo étnica e religiosamente, contando com um número expressivo de
muçulmanos, de católicos, de protestantes e de cristãos ortodoxos – comentando que as
130
pessoas foram agrupadas sem compromisso algum com a formação de uma comunidade.
126
Id. Ibid. p. 83.
127
Id. Ibid. p. 91.
128
Id. Ibid. P. 52, 112.
129
“как на главную причину, почему колония до сих пор не удалась, указывают именно на большое число
бессемейны”. Id. Ibid. p. 205 (tradução própria)
130
Id. Ibid. p. 124
50
Conclusão
O relato de Tchekhov sobre sua viagem descreve um cenário atroz, distante e – à sua
maneira – fascinante. A escrita do autor, com seu caráter por vezes literário, por vezes
jornalístico e por vezes científico, seduz o leitor a acreditar que aquela era a Sacalina tal qual
existiu, mas não esconde, em diversos momentos, que o escritor, por exemplo, não esteve
presente em determinado evento ou tomou por verdadeiro um testemunho qualquer. O
presente trabalho procurou dar um tratamento especial a esta fonte, tentando obter, por meio
de uma abordagem específica comparando o conteúdo do relato de viagem com as
informações a respeito do contexto russo obtidas a partir de um levantamento bibliográfico,
respostas para certas questões sobre o sistema punitivo na Rússia tal como praticado em
Sacalina.
O texto de Tchekhov talvez não seja a fonte mais adequada para avaliar o impacto das
reformas de Alexandre II sobre o envio das classes baixas e das etnias periféricas do Império
Russo para colônias de trabalhos forçados. Não era preocupação do autor registrar em seu
relato as origens dos deportados. A constatação de que muitos dos presos em Sacalina
acabavam lá por, para exemplificar, homicídios cometidos durante brigas e aumentavam suas
penas por tentativas repetidas de fuga, entretanto, se aliada à noção apresentada no segundo
capítulo do presente trabalho, de que para o campesinato russo a justiça e a violência
cotidianas se confundiam com os crimes estabelecidos pelo Estado como passíveis de penas
severas de reclusão, pode ser esclarecedora. Ela permite inferir que as reformas do sistema
judicial russo tiveram, na segunda metade do século XIX, um impacto sobre os súditos do
império análogo àquele identificado por Foucault para o ocidente europeu no século XVIII.
As ilegalidades tradicionalmente atreladas ao campesinato russo, referentes às
“delinquências” cotidianas praticadas entre eles, não eram mais tratadas segundo o direito
costumeiro camponês, mas sim segundo o importado sistema jurídico então vigente, o que era
pouco vantajoso para a comunidade rural de onde o preso fora sequestrado – a mãodeobra
disponível diminuía. Assim como era desestabilizador para o exilado, que não vê em seu
destino perspectiva de ser “reabilitado na sociedade”, tornando toda a sua vida num exílio,
mesmo após o fim de sua pena, uma extensão do seu crime.
A constatação de que naquela época Sacalina tinha valor, para o governo russo, apenas
na qualidade de ponto estratégico militar, aliada ao estranho abandono dos postos militares
51
após a obtenção da totalidade do território insular, e às diversas preocupações do governo
central russo, parece confirmar a tese de que apenas a administração local e os investidores do
setor privado cuidavam das questões da ilha. A incompetência, o descaso e a desonestidade de
tal administração, defendidas por Tchekhov, parecem plausíveis, mesmo levando em
consideração o caráter da obra, que aparenta querer constantemente chamar a atenção para os
diversos problemas da ilha de maneira a motivar uma mudança. É provável que o cenário
realmente fosse, se não este especificamente, o de um território similarmente abandonado à
própria sorte. É possível afirmar, entretanto, que isto é, se não uma expressão mais concreta
do cenário da colônia penal, aquilo que Tchekhov julgou que seria um quadro administrativo
cuja descrição seria capaz de levar a sociedade russa ao ponto de demandar que algo fosse
mudado.
Quanto ao problema abordado ao longo deste trabalho referente às preocupações do
Império Russo quando da constituição da colônia penal em Sacalina, julgase adequado
afirmar que Sacalina
tornouse uma prioridade para o czarismo, embora economicamente o
fosse desde antes para alguns de seus funcionários, como o mencionado Butkovskyi, um dos
donos da companhia “Sacalina”. As opções pela colônia agrícola, pela maneira de ocupação
espacial da ilha e pela maneira de administrar a ilha parecem terem sido feitas segundo os
interesses privados destes indivíduos e aceitas pelo restante do governo pela conveniência de
se enviar
indesejáveis para uma terra distante e firmar a presença russa nesta. As
particularidades do cenário sacalinense (castigos físicos, má ocupação do terreno, fome,
corrupção de oficiais e de presos) não incomodavam o governo central russo até o tema
prisional tornarse motivo de críticas ferozes ao Estado, o que ocorre a partir, precisamente,
de relatos como o de Tchekhov. E mesmo então as primeiras medidas tomadas por São
Petersburgo foram no sentido de tentar esconder essas críticas (impediuse que Tchekhov
entrasse em contato com prisioneiros políticos, patrocinouse escritores para fazerem relatos
de acordo com os interesses centrais), e não de alterar as condições na ilha.
A aliança entre o capital privado e o de Estado para cuidar de pessoas tão socialmente
vulneráveis quanto presidiários mostrase capaz de produzir uma relação predatória em
Sacalina, a qual também não é pouco provável, considerandose as lógicas do imperialismo
apresentadas ao longo dos livros de Hobsbawm trabalhados. Mais especificamente, a
companhia “Sacalina”, sendo trechos particulares da descrição de Tchekhov sobre suas ações
na ilha verdadeiros ou extrapolações, representa no mínimo aquilo que um homem letrado da
52
sociedade urbana russa do fim do XIX considerava como uma das piores instituições de seu
tempo: uma companhia interessada no lucro sem compromisso algum com a dignidade
humana. Uma reflexão a respeito parece particularmente apropriada, já que o tema da
privatização dos presídios e de parcerias públicoprivadas no setor carcerário é recorrente no
cenário brasileiro contemporâneo, sendo mencionado com frequência na mídia televisiva e
tendo despontado como pauta de inúmeros candidatos nas eleições de 2014.
Quanto à ojeriza de Tchekhov pelo sistema carcerário tradicional, parece confirmarse
a hipótese de que o autor corresponde a um importante crítico da prisão em seu país. Tendo
formado sua opinião a partir de suas leituras ou de seu próprio contato com a realidade do
sistema prisional às beiras do Império Russo, suas críticas apresentam para a sociedade russa
na forma da obra de um grande escritor e dramaturgo, estes problemas do aprisionamento
como solução universal para a criminalidade, no qual os presos são submetidos a ambientes
insalubres, abusos de autoridade e a situações que dificilmente contribuiriam para sua
reinserção na sociedade – como advogavam os partidários do encarceramento. O autor
acredita no potencial de regeneração do trabalho, mas – como outros críticos do sistema penal
à sua época – não julga possível que esta se dê em um ambiente associado a maus tratos. Em
seu relato, ele expõe as variadas formas de abuso ofertadas a partir da decisão pela privação
de liberdade associada ao exílio com trabalhos forçados. O trabalho de Tchekhov, associado
ao de outros agentes políticos descontentes com a situação da ilha, contribuiu para esse
processo de revisão dessa forma punitiva – pela influência que teve sobre outros escritores
que decidiram, ou foram levados a, fazer viagens similares (como o mencionado Vlas
Doroshevitch); ou pela visibilidade que trouxe ao tema, chamando a atenção do czarismo à
época, assim como ainda hoje chama a atenção de historiadores.
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