6 - Menecucci P. 75 - LIVRO-1988
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FOLHA DE ROSTO
Dados técnicos
Sumário
Introdução 7
14. Sociologia Política dos políticos do Brasil: um estudo da competição eleitoral sob o 357
regime da Constituição de 1988
Introdução
A Constituição de 1988 e a
Ciência Política no Brasil
A edição deste livro se encerra em meio à crise mais aguda da democracia no Brasil
desde o golpe de 1964. Mais do que a celebração de uma data redonda – os 30 anos da
Constituição de 1988 –, a reflexão sobre o texto constitucional, suas mutações e forma
atual, é oportuna e necessária em um contexto de ceticismo grave e difundido sobre
os modelos tradicionais da política representativa. Os arranjos formais e informais que,
apesar de limites e tensões importantes, equilibraram a vida política do país nas últi-
mas três décadas já não são capazes de acomodar as demandas dissonantes da cena
contemporânea. Nos espaços institucionais formais, os três poderes disputam frontei-
ras e precedência. Fora deles, imprensa e grande público agem e reagem de maneira
vigorosa. Ao impeachment da presidente Dilma Rousseff, em 2016, somaram-se outros
tantos eventos críticos que desafiam a estabilidade de nossas leis e instituições, em
uma dinâmica de aceleração vertiginosa dos fatos políticos e produção de imprevisibi-
lidade quanto a seus desdobramentos.
Nesse contexto, a Associação Brasileira de Ciência Política (ABCP) entende que
lhe cabe o desafio de aproximar a produção acadêmica do cotidiano social da con-
trovérsia política com o objetivo de contribuir de maneira qualificada para o debate
público. Este livro nasce dessa preocupação e se destina a qualquer pessoa que te-
nha interesse em conhecer diferentes temas e maneiras de abordar os impactos da
8 A CONSTITUIÇÃO DE 88 - TRINTA ANOS DEPOIS
Introdução
No final da década de 1980, um dos principais temas da Ciência Política no Brasil,
senão o principal, era a transição política. Após décadas sob a égide do regime militar
e uma longa transição, o Brasil voltava a ser uma democracia, alinhando-se com a
“onda democrática” que tomava outros países da América Latina e do mundo (HUN-
TINGTON, 1991). Nesse contexto, uma das principais questões que se levantava para
os estudiosos da democracia dizia respeito às “bases sociopolíticas” (MOISÉS, 1995)
da legitimidade democrática: os avanços no campo institucional – que culminaram
na Constituição Cidadã de 1989 – foram devidamente acompanhados de avanços no
campo da “cultura política”, isto é, nas orientações políticas dos brasileiros?
Passados quase 30 anos da Constituição Cidadã, essa pergunta pode agora ser refor-
mulada. Se logo nos primeiros anos após a transição política havia uma preocupação
fundamental a respeito das condições sociopolíticas sobre as quais as instituições de-
mocráticas seriam recebidas, é preciso responder agora qual o efeito dessas instituições
sobre essas mesmas bases sociopolíticas: após viver o seu maior período de estabilidade
democrática já registrada, que tipo de mudanças e permanências poderiam ser obser-
vadas na “cultura política” dos brasileiros?
Essa última pergunta é o tema deste capítulo. Para sistematizar essa discussão, par-
14 A CONSTITUIÇÃO DE 88 - TRINTA ANOS DEPOIS
1 Tradução livre do autor: “[...] political orientations – attitudes toward the political system and its various parts,
and attitudes toward the role of the self in the system”.
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tos e relacionamentos [...]”2 , seriam divididas em três tipos básicos: cognitivas, afetivas e
avaliativas. As primeiras seriam conhecimentos e crenças dos indivíduos sobre os objetos
políticos. As orientações afetivas, por sua vez, se refeririam aos sentimentos de ligação e
envolvimento partilhados pelos agentes em relação a tais objetos. Por fim, as orientações
avaliativas envolveriam julgamentos e opiniões, que são a combinação dos dois tipos
anteriores de orientações, pois para produzir juízos sobre determinados objetos os indiví-
duos aliam conhecimentos e sentimentos (Ibid., p. 14).
Os objetos a que se referem essas orientações englobariam o sistema político em
sua totalidade, com suas estruturas de incorporação (inputs) e satisfação (outputs) de
demandas individuais e coletivas, bem como o próprio indivíduo em seus papéis e
atribuições políticas. Quanto a esse último objeto, alguns esclarecimentos adicionais
devem ser prestados, pois levam ao desenvolvimento de um importante conceito den-
tro da abordagem: a eficácia política subjetiva. Os pesquisadores afirmaram que os
indivíduos que fazem parte de um sistema político para atuar ou abster-se de participar
realizam uma autoavaliação sobre seu desempenho enquanto ator relevante dentro do
sistema político. Dessa maneira, pessoas que avaliam a si mesmas de maneira negativa,
ou seja, que dispõem de uma baixa estima política, tendem a assumir uma posição
apática no que diz respeito aos demais objetos, não tomando parte ativamente dos
acontecimentos. Por outro lado, aqueles que dispõem de uma alta estima seriam inte-
ressados e, consequentemente, mais ativos politicamente.
A partir da identificação do conjunto dessas orientações e da forma como elas se
integram, os autores estabeleceram uma classificação dos tipos de culturas políticas,
apresentada em uma tabela presente no estudo original:
Sujeita 1 0 1 0
Participante 1 1 1 1
Fonte: ALMOND e VERBA, 1963, p. 16.
2 Tradução livre do autor: “[...] internalized aspects of objects and relationships [...]”.
1. A “Constituição Cidadã” e a cultura política: uma sociedade mais participativa e democrática? 17
colocou um grande problema para a teoria democrática, que foi objeto de intenso de-
bate nas décadas seguintes. A literatura não é consensual a esse respeito. De um lado
temos pesquisas que reforçam o quadro encontrado por Converse e Campbell nas dé-
cadas de 1960 e 1970 nos EUA, com baixo interesse e sofisticação (DELLI-CARPINI
& KEETER, 1996; CAPLAN, 2007). O nível de informação política entre os cidadãos
médios teria se mantido reduzido ao longo de décadas, principalmente em razão de
as novas gerações estarem se tornando menos interessadas e informadas sobre política
(WATTENBERG, 2007). Infelizmente esse não seria um fenômeno geograficamente
isolado, pois investigações revelam que entre os cidadãos europeus a informação polí-
tica qualificada é uma exceção (CONVERSE & PIERCE, 1986).
De outro lado, alguns pesquisadores têm defendido uma interpretação distinta
para o contexto recente, identificando que um processo de mobilização cognitiva tem
elevado os níveis de sofisticação política nas democracias ocidentais (INGLEHART,
1990; INGLEHART & WELZEL, 2005; DALTON & KLINGEMANN, 2007; DAL-
TON, 2002, 2008, 2013). Tal processo estaria atuando sobre as habilidades para ad-
quirir e processar informações políticas. Se na primeira metade do século passado
existiam dificuldades para o acesso à informação, muitas dessas barreiras caíram ou
foram sensivelmente reduzidas com o desenvolvimento dos meios de comunicação
de massa, proporcionando um contexto de maior atenção política (DALTON, 2008;
NORRIS, 2011). Obviamente esse volume de informação crescente não poderia afetar
os níveis de sofisticação política se a habilidade de processamento não tivesse acom-
panhado esse progresso. A melhoria dos níveis educacionais em diversos países demo-
cráticos, portanto, operou em conjunto com a ampliação da oferta de informação, em
um relacionamento já bastante documentado pela literatura que associa escolaridade,
interesse e sofisticação política (NIE et al., 1996; SNIDERMAN et al., 1993). Em
contraste com o diagnóstico de Converse e outros, esses pesquisadores mais otimistas
têm identificado mais interesse por campanhas eleitorais (DALTON, 2008, 2013) nos
EUA e também em diferentes países europeus (DALTON & WATTENBERG, 2000).
No contexto brasileiro, a literatura tem predominantemente afirmado a baixa mo-
bilização cognitiva dos cidadãos para os assuntos políticos. Carvalho (1998) identifica
que, em contraste com uma visão positiva em relação às nossas belezas naturais, a
população brasileira lança um olhar bastante pessimista sobre as instituições sociais
existentes e também acerca de seu papel como ator político relevante. Esses indícios
de baixa eficácia política subjetiva conduzem o autor à conclusão de que o brasileiro
“[...] é a própria definição do não cidadão, do súdito que sofre, conformado e alegre, as
decisões do soberano [...]” (p. 36). Ainda que essa passividade não possa ser entendida
como uma ameaça direta e eminente em nosso horizonte democrático, ela segura-
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Participação política
Para finalizar as dimensões da cultura política brasileira aqui analisadas, a presente
seção trata da participação política. Enquanto as habilidades e as atitudes políticas per-
tencem ao terreno das predisposições cognitivas e atitudinais, a participação envolve
o domínio do comportamento (ou a sua ausência), isto é, de uma ação efetiva sobre o
mundo político. Em última instância, podemos dizer que as habilidades e as atitudes
são concretizadas na medida em que são efetivadas por meio de comportamentos,
sendo um dos principais deles a participação.
Desde o seminal trabalho de Milbrath (1965), tem-se assistido a uma profusão
do debate sobre participação política. Formulação amplamente reconhecida é aquela
dada por Brady (1999, p. 737), que a define como “[...] a ação de cidadãos comuns
com o objetivo de influenciar alguns resultados políticos”. Tal conceito permite criar
diferentes indicadores passíveis de serem verificados empiricamente4. Os indicadores
se materializam em modalidades de participação, das quais, com a posse dos dados
empíricos, temos a possibilidade de verificar sua frequência, evolução, comparar paí-
ses, identificar determinantes, entre outras operações.
O primeiro esforço de elaboração de uma tipologia das modalidades de partici-
pação pode ser encontrado no trabalho de Milbrath (1965), a partir da análise dos
4 Não é por demais lembrar que a literatura que estamos tratando aqui é fundamentalmente tributária dos desen-
volvimentos metodológicos experimentados pela Ciência Política a partir dos anos 1940 e 1950, em especial com o
desenvolvimento das técnicas de amostragem e das pesquisas de opinião pública, as quais possibilitaram a guinada
comportamentalista no âmbito da disciplina, cujos trabalhos precursores podem ser encontrados em Lazersfeld,
Berelson e Goudet (1948), Campbell (1960) e Almond e Verba (1989).
30 A CONSTITUIÇÃO DE 88 - TRINTA ANOS DEPOIS
dalidade de participação política, percebendo-as não como uma anomalia típica dos
países subdesenvolvidos, mas como fenômenos que estavam acontecendo naqueles
contextos centrais em termos de desenvolvimento político e econômico – e sem ne-
cessariamente apontar para uma crise de legitimidade das democracias –, tal projeto
levou a uma reformulação das próprias formas de mensurar e classificar a participação
política, como veremos abaixo. Para os nossos propósitos, interessa destacar a tipologia
de participação política que é elaborada em tal estudo – e que passa a ser incorporada
ao vocabulário da área –, qual seja, a divisão entre as “modalidades convencionais” e
“não convencionais”.
No rol das modalidades convencionais, teríamos aquelas já apresentadas acima,
constantes dos modelos de Verba e Nie (1972), mais a “leitura sobre política nos jor-
nais” e “discussão política com os amigos”, que levam inclusive ao questionamento de
Brady (1999) sobre se tais ações realmente poderiam ser enquadradas como modali-
dades de participação. Já como atividades não convencionais, teríamos as relacionadas
aos atos de protesto, as quais, numa escala de complexidade (e custos), são: assinar um
abaixo-assinado, participar de manifestações legais, participar de boicotes, recusar-se
a pagar aluguel ou impostos, ocupar edifícios ou fábricas, bloquear o tráfego com de-
monstrações de rua, participar de greves. Reconhecendo a dificuldade de mensurar
atividades episódicas e irregulares, como as de protesto, Barnes et al. (1979) desenvol-
vem uma complexa metodologia que combina a participação em atividades de protes-
to com a propensão a participar.
Como amplamente reconhecido pela literatura, Political Action foi um verdadeiro
divisor de águas nos estudos sobre participação política, ao incluir as modalidades não
convencionais (BRADY, 1999; VAN DETH, 2001; VERBA, SCHLOZMAN, BRADY,
1995). A distinção proposta nessa obra entre participação “convencional” e “não conven-
cional” tem sido recorrentemente utilizada nos principais trabalhos que se ocupam do
comportamento político, em que pesem algumas adaptações conceituais (INGLEHART
& WELZEL, 2009; DALTON & KLINGEMANN, 2007; TOPF, 1995a, 1995b; NOR-
RIS, 1999; 2007; CLARK, HOFFMAN-MARTINOT, 1998; DALTON, 2002). Em ter-
mos metodológicos também realizou inovações, ao articular a dimensão atitudinal e
comportamental na criação de uma escala de participação não convencional.
A grande inovação posterior a Political Action é, sem dúvida, o trabalho de Verba,
Schlozman e Brady (1995). Esse trabalho incorpora a participação não convencional
como modalidade de participação, mas também inclui modalidades não endereçadas
ao “governo”. Exemplo disso são as formas “sociais” de participação, como o “volun-
tariado”. Em termos de modelo explicativo, os autores vão desenvolver aquilo que foi
denominado de modelo do “voluntarismo cívico”, no qual a participação política é
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por uma escolha deliberada, mas por dificuldades cognitivas impeditivas de compreen-
são da estrutura e dinâmica de organização do voto na urna eletrônica.
Dessa forma, parte considerável daquilo que permaneceu como voto invalido após
a universalização da urna eletrônica seria expressão da insatisfação/descontentamento
do eleitor para com o processo político (BORBA, 2008; SILVA, GIMENES, BORBA,
RIBEIRO, 2014). Outra parte seria relacionada a outros erros cometidos pelo eleitor
na hora de usar a urna eletrônica (ZUCCO JR. & NICOLAU, 2016). Precisar o quan-
to de erro e o quanto de descontentamento está presente no voto inválido é algo difícil,
mas para além dessa disjuntiva acreditamos ser importante a continuidade de pesqui-
sas sobre o tema, principalmente em torno do aspecto do impacto da desigualdade de
recursos entre os eleitores sobre os votos válidos/inválidos/abstenções.
Quanto à participação dos brasileiros nas formas não convencionais, segunda mo-
dalidade de participação que nos propusemos a analisar neste capítulo6, optamos por
utilizar os dados provenientes de todas as quatro ondas do World Values Survey (WVS)
conduzidas no território nacional, nos anos de 1991, 1997, 2005 e 20147. As variáveis
em análise serão participação em abaixo-assinados, participação em boicotes e partici-
pação em passeatas.
Como podemos observar na Figura 8, comparando a participação dos brasileiros
em cada uma delas, a assinatura de abaixo-assinados é de longe a mais frequente, atin-
gindo uma média próxima a 50% no período. O percentual máximo de envolvimento
dos brasileiros nessa modalidade ocorre na onda de 2010 (56%) e o mínimo em 2014
(45%). Bem menos frequente é o envolvimento em passeatas, que no seu período de
maior ocorrência atinge 24,8%, com uma média de 19,25%. Os boicotes, finalmente,
são a prática menos comum, atingindo seu máximo de 10,5% em 1991 e o mínimo de
5% em 2014.
6 É necessário apontar brevemente as dificuldades envolvidas no estudo das modalidades não convencionais
no Brasil em razão da ausência de bases de dados produzidas especificamente para o estudo de tais modalidades.
Iniciativas como a do projeto Citizenship, Involvement, Democracy (CID) ainda não foram conduzidas nos países
latino-americanos, o que nos obriga a trabalhar com informações provenientes de baterias reduzidas de questões
incluídas em surveys cujos objetivos são mais gerais. Apesar de todos os seus méritos, essas fontes são insuficientes
para a realização de testes sobre a ampla variedade de modalidades catalogadas pela literatura. Os dados da última
onda do World Values Survey (WVS), por exemplo, trazem uma bateria com três variáveis sobre modalidades não
convencionais e se constituem na base mais completa que dispomos para o estudo de tais modalidades numa
perspectiva longitudinal.
7 Informações técnicas sobre cada uma dessas sondagens podem ser obtidas através do endereço do World Values
Survey. Disponível em: <http://www.worldvaluessurvey.org>.
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Apesar de ser uma pequena série temporal, os dados indicam que não houve
elevação da participação dos brasileiros em formas não convencionais no período
analisado, o que pode ser confirmado com recursos a outras bases de dados (REN-
NÓ et al., 2011; RIBEIRO & BORBA, 2015). Uma questão que deriva dos dados
sobre participação não convencional é quanto aos seus significados: qual o caráter
da participação em contextos de amplas desigualdades materiais e cognitivas no
eleitorado? Seria ela sinal de instabilidade política e, portanto, os que aderem a
tais formas de participação teriam atitudes negativas em relação à democracia? Ou
seria ela indicador de uma cidadania crítica, que valoriza cada vez mais as formas
de ação diretas?
Os dados são inconclusivos quanto a isso, mas o que os estudos sobre participação
não convencional no Brasil têm apontado é que entre os traços definidores de quem
participa de tais modalidades estão: serem cidadãos portadores de maiores recursos
como renda e escolaridade, que aderem aos princípios e instituições do regime demo-
crático, mas estão satisfeitos com o seu desempenho (do regime) e/ou insatisfeitos com
a situação da economia (RENNÓ et al., 2011; RIBEIRO & BORBA, 2015). Em outras
palavras: quem mais protesta são os democratas insatisfeitos. O que vai ao encontro do
8 Pergunta original no WVS: “Now I’d like you to look at this card. I’m going to read out some forms of political
action that people can take, and I’d like you to tell me, for each one, whether you have done any of these things, whe-
ther you might do it or would never under any circumstances do it (…) 1) Signing a petition; 2) Joining in boycotts; 3)
Attending peaceful demonstrations”. As opções de resposta eram: 1) Have Done; 2) Might Do; 3) Would Never Do.
38 A CONSTITUIÇÃO DE 88 - TRINTA ANOS DEPOIS
Considerações finais
Abordamos neste trabalho a relação entre a Constituição de 1988 e a cultura política
dos brasileiros, em especial quanto às expectativas atitudinais e comportamentais relacio-
nadas à vivência por quase 30 anos ininterruptos sob a égide de um regime democrático.
Nesse sentido, se as primeiras avaliações feitas na década de 1990 quanto à adesão
dos brasileiros à democracia permitia traçar um cenário otimista (MOISÉS, 1995),
este não parece ser o quadro atual. Para a maioria dos indicadores analisados identifica-
mos estabilidade ou reversão em relação às habilidades políticas individuais, avaliação
do desempenho do regime e até mesmo em relação à adesão ao regime democrático
per se. No aspecto comportamental, o declínio do comparecimento também se consti-
tui um indicador importante para a concretização deste cenário que poderíamos deno-
minar, em um sentido próximo àquele identificado por Baquero, Castro e Ranincheski
(2016)9, “estagnação democrática”.
Em termos temporais, parece que 2010 é um divisor de águas na maioria dos indi-
cadores, especialmente de atitudes políticas. A crise iniciada em 2013 com o ciclo de
protestos de junho parece ter sido o ponto de explosão de um conjunto crescente de
sentimentos bastante negativos do eleitorado para com o funcionamento concreto da
democracia no país e suas instituições.
Sem ter que adentrar no significativo debate acadêmico em torno dos protestos
de 2013, cabe refletir sobre seus significados e consequências políticas. As diferentes
fases dos atos de junho indicam que uma ação inicialmente “autonomista” e “antica-
pitalista” que impulsionou as mobilizações iniciais foi absorvida por outros discursos,
composição social e orientação ideológica. Nas palavras de Singer (2013, p. 33):
9 Ao encontrar resultados semelhantes ao deste capítulo, porém com dados do ESEB de 2002 a 2014, os autores
utilizam a expressão “democracia inercial” para caracterizar o cenário político brasileiro. Esse conceito, no entan-
to, envolve um conjunto de fatores mais complexo que englobam mudanças econômicas, políticas e atitudinais,
ultrapassando o escopo da nossa análise, que se concentra nas habilidades, atitudes e comportamentos políticos.
1. A “Constituição Cidadã” e a cultura política: uma sociedade mais participativa e democrática? 39
O centro político, que teria sido o grande vitorioso político de junho (segundo Singer),
acabou defendendo uma agenda de combate à corrupção e defesa da melhoria dos ser-
viços públicos, uma postura tipicamente “pós-materialista” conforme o modelo proposto
por Ronald Inglehart (SINGER, 2013, p. 37). Ainda de acordo com Singer, “os protestos
teriam evidenciado a existência de uma nova agenda e de uma nova postura que são,
acredito, típicos do que Inglehart chama de pós-materialismo” (SINGER, 2013, p. 38).
Tomando a interpretação de Singer sobre uma agenda pós-materialista derivada
dos atos de 2013, nossos dados apresentados acima tornam questionável que essa agen-
da esteja presente na cultura política do eleitorado brasileiro, ao menos com todas as
consequências empíricas e normativas derivadas da tese do pós-materialismo. Se, por
um lado, tal tese pode ser interpretada como estando localizada no “centro político”
(ou uma teoria de centro?) por defender pautas como combate à corrupção e melhores
serviços públicos, Singer, por outro, não menciona que na base da teoria do pós-ma-
terialismo existe uma concepção de cidadão, que, mesmo sendo crítico em relação ao
funcionamento concreto das instituições tradicionais da democracia, é profundamen-
te imbuído de um “espírito democrático”, valorizando a democracia enquanto regime
político e reconhecendo suas exigências institucionais e valorativas (eleições livres,
liberdades civis, tolerância). Ora, o que os dados apresentados acima indicam é uma
erosão das próprias bases da legitimidade democrática no país, muito longe, portanto,
de um contexto pós-materialista. Como vimos, dados de 2015 e 2016 apontam que o
número de não democratas passou a superar o de democratas.
É difícil traçar qualquer cenário futuro e análises multivariadas mais complexas
devem ser empreendidas para um diagnóstico mais preciso. Nesse sentido, se por um
lado é preciso prudência para não incorrer em conclusões fatalistas, parece evidente,
por outro lado, que os resultados aqui levantados servem de alerta. Em relação à nossa
pergunta inicial, é possível identificar que, passados quase 30 anos, nossa sociedade
não se tornou nem mais democrática nem mais participativa. Uma nova Constituição
e todo o aparato institucional por ela criado não precisam necessariamente se orientar
teleologicamente para alterações das atitudinais ou comportamentos dos cidadãos que
vivem sob sua égide. No entanto, a avaliação desses impactos, ainda que não intencio-
nais, tem sido um exercício recorrente na Ciência Política. No caso da Constituição
Cidadã de 1988, ao que tudo indica os efeitos não se mostraram positivos e, em alguns
casos, irrelevantes. A experiência de viver sob instituições democráticas, em boa parte
do tempo deficitárias, parece não ter contribuído para uma cidadania mais competen-
te, ativa e democrática em nosso contexto.
Essa conclusão reforça a importância de uma agenda de estudos que tem cres-
cido na Ciência Política nacional, mas que ainda carece de avanços: a qualidade da
40 A CONSTITUIÇÃO DE 88 - TRINTA ANOS DEPOIS
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46 A CONSTITUIÇÃO DE 88 - TRINTA ANOS DEPOIS
2.
A Magna Carta e o xadrez
político internacional: triunfo da
democracia de mercado?
Introdução
Ao completar 30 anos desde que entrou em vigor, a Constituição de 1988 marcou o
início de um período importante para o país, inaugurando a retomada do regime demo-
crático. Este período coincide também com o momento de mudanças no modelo econô-
mico do país, marcado na década de 1990 pela abertura do mercado e intensificação das
relações exteriores do Brasil, tanto com nossos vizinhos da América do Sul quanto com
outros países do mundo.
Sabemos que a Constituição de 1988 é, essencialmente, a guardiã de um conjunto de
princípios e instituições democráticas que, durante três décadas, foram pouco observados,
comprometendo, assim, a existência de um genuíno Estado de Direito. Se, por um lado,
ela articula, intramuros, o demos à res publica e reflete uma preocupação social inconteste
dos legisladores, ela se mostra, por outro lado, em sua gênese, em descompasso com os
regimes internacionais de natureza financeira e comercial, dado que seu viés nacionalista
contrasta com a predominante ideia de livre mercado que se cristaliza, quase que consen-
sualmente, após a queda do Muro de Berlim. É, assim, que esse binômio – democracia
de mercado – em grande medida, irá situá-la no xadrez político do mundo globalizado.
De acordo com Flávia Piovesan (2016, p. 109), a Constituição Federal de 1988
(CF/1988):
48 A CONSTITUIÇÃO DE 88 - TRINTA ANOS DEPOIS
1. Independência nacional2
A independência nacional provavelmente é o traço de continuidade mais perene
que marca a formulação e implementação da política externa de um Estado. O exercí-
cio da soberania pauta o comportamento das unidades de sobrevivência desde que os
primeiros contratos sociais e políticos são firmados. Todavia, a paulatina metamorfose
dos parâmetros espaço e tempo, acentuada nas últimas três décadas pelo advento das
redes informacionais, promove uma aproximação inexorável dos atores estatais e, dessa
maneira, suscitam, mais uma vez, reflexão sobre a práxis da independência nacional.
O projeto da União Europeia revela-se, nesse sentido, um catalisador, pois con-
substancia um experimento inédito que, apesar de encerrar problemas inerentes a
todo arranjo político vanguardista, inova no que concerne à vivência da independên-
cia nacional. A racionalidade do Estado per se alerta-o sobre sua provável incapacidade
de gerenciar a supremacia absoluta da comunidade que nele se abriga (KRITSCH,
2002, p. 536). Registra-se, assim, um descompasso entre as esferas política e econômi-
ca que o enfraquece e limita o exercício harmônico de suas funções.
Historicamente, tal qual a maior parte dos Estados, o Brasil vem pautando a prática
de sua independência nacional em política externa de acordo com as contingências
internacionais. Fonseca Júnior (1998) e Vigevani e Cepaluni (2011, p. 34) propõem
uma leitura dessa independência através de uma métrica fundamentada na autono-
mia, que para eles é definida “como a condição que permite que os Estados formulem
e implementem sua política externa independentemente do constrangimento imposto
por Estados mais poderosos3. Haveria, assim: (i) o hiato da Guerra Fria, onde prevale-
ce a autonomia pela distância, a fim de preservar o Estado brasileiro de alinhamentos
inconvenientes; (ii) o período iniciado após a queda do Muro de Berlim, marcado pela
autonomia pela participação, onde Brasília manifesta a opção em aderir aos regimes
internacionais na expectativa de poder influenciar a formulação dos mesmos e; (iii) a
fase inaugurada com a produção, por um lado, de alianças Sul-Sul e, de outro lado, de
acordos com parceiros não tradicionais, onde predomina a autonomia pela diversifica-
ção (VIGEVANI & CEPALUNI, 2011, p. 35).
A CF/1988 é forjada e promulgada alguns poucos anos antes da inflexão sofrida
2 Assimilamos aqui independência nacional à definição de soberania externa proposta por Matteucci (1997, p.
1180).
3 O uso do conceito de autonomia em lugar daquele de soberania assinala, ao menos semanticamente, a rele-
vância dos condicionantes estruturais representados pelo sistema internacional. Mesmo se, como sublinha Buzan
(2009, p. 498), “A soberania não deve ser confundida com a liberdade de ação: atores soberanos podem ter liberda-
de de tomar decisão em circunstâncias limitadas por relações desiguais de poder”. Tradução nossa.
50 A CONSTITUIÇÃO DE 88 - TRINTA ANOS DEPOIS
pelo sistema internacional, que politicamente deixa – pelo menos durante um decênio
– de funcionar sob a lógica bipolar, passando a uma dinâmica multipolar dominada,
do ponto de vista econômico, pela prevalência do livre mercado (HUNTINGTON,
1999, p. 35). Ela, então, não parece refletir, ao menos antes de ser emendada, esse
espírito de internacionalização que, de uma forma ou de outra, impacta na compreen-
são da ideia de independência nacional.
O parágrafo único do art. 4o da CF/1988, contudo, procura se cristalizar, em 1991,
com a assinatura do Tratado de Assunção, que cria o Mercado Comum do Sul (Merco-
sul), reconhecendo as metamorfoses mais recentes do sistema mundial. O Mercosul,
ancorado na CF/1988, surge como a ponta de lança da “autonomia pela diversifica-
ção”, que será posteriormente incrementada na direção da América Latina e, final-
mente, para além das fronteiras continentais em coalizões, como o BRICS4, grupo de
Estados emergentes que pretende, a partir da conjunção de interesses comuns, pesar
sobre a determinação dos regimes internacionais.
Por último, mas não menos importante, ainda se pode refletir sobre o caráter na-
cional da independência. O exercício da soberania externa é reconhecido na Magna
Carta brasileira como competência da União (art. 21, I). Ou seja, cabe-lhe, principal-
mente via Poder Executivo, “manter relações com Estados estrangeiros e participar
de organizações internacionais”. E, dentro da dinâmica de check and balances e ação
ex-post ao: (i) Congresso Nacional “resolver definitivamente sobre tratados, acordos ou
atos internacionais que acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio
nacional” (art. 49, I) e; (ii) Poder Judiciário exercer o controle de constitucionalidade
de tais atos (art. 105).
Souza (2001, p. 514) alega que a CF/1988 descentraliza o poder político e finan-
ceiro, o que, segundo ela, engendra um novo federalismo, “favorecendo a consolida-
ção da democracia, tendo tornado o Brasil um país mais ‘federal’ pela emergência de
novos atores no cenário político e pela existência de vários centros de poder soberanos
que competem entre si”. Todavia, esses vários centros de poder – Estados federados e
municípios – não são reconhecidos explicitamente no que se refere à sua capacida-
de de ação internacional. Mesmo se, como anota Rodrigues (2008), o art. 52, V, da
CF/1988, tratando de competências privativas do Senado Federal, estatui que compe-
te à câmara alta “autorizar operações externas de natureza financeira, de interesse da
União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios”. O que, na
prática, levaria à implementação das múltiplas negociações diretas que alguns Estados
Isso visando prover o texto constitucional de menção clara no que se refere aos
limites da ação internacional de Estados e municípios.
O arquivamento, contudo, reafirma, diferentemente do que ocorre em Estados
como a Alemanha ou a Argentina, a proeminência inconteste e a natureza una de
uma independência nacional no âmbito externo, concentrados constitucionalmente
na alçada da União. Isso não significa que, em termos infraconstitucionais, mecanis-
mos não tenham sido criados para estimular e balizar legalmente a ação de unidades
infraestatais, ainda que dentro de um espírito de soberania monolítica exercida pelo
Estado-nação (VIGEVANI et al., 2004).
Em suma, a Constituição Federal de 1988, no que concerne à independência
nacional no xadrez político internacional, dá sinais de uma adaptação aos valores
atrelados ao livre mercado – vide as emendas constitucionais supramencionadas. Se
ela nasce, em muitos aspectos, a ele refratária, parece, paulatinamente, acolhê-lo de
forma a tornar a soberania externa compatível com os regimes internacionais vigen-
tes. De uma perspectiva política, stricto sensu, nota-se, contrariamente, uma maior
inércia: apesar de preocupação intrínseca com a prática democrática, galvanizada,
por exemplo, através do movimento de descentralização e da engenharia institucio-
52 A CONSTITUIÇÃO DE 88 - TRINTA ANOS DEPOIS
5 Por exemplo: Assessoria de Relações Federativas – ARF (BOGEA, 2001); Assessoria Especial de Assuntos Fe-
derativos e Parlamentares – Afepa; os escritórios regionais do MRE (MELANTONIO NETO, 2001); criação da
Secretaria de Relações Institucionais da Presidência da República e da Subchefia de Assuntos Federativos – SAF.
6 Para uma reflexão mais detida sobre a fundamentação dos direitos humanos, ver Ramos (2016).
2. A Magna Carta e o xadrez político internacional: triunfo da democracia de mercado? 53
7 Dois atos foram aprovados na forma deste parágrafo: (i) Decreto Legislativo n. 186, de 9/7/2008, publicado no Diário
Oficial da União (DOU) de 10/7/2008 aprovando o texto da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência
e de seu Protocolo Facultativo, assinados em Nova Iorque, em 30 de março de 2007; (ii) Decreto n. 6.949, de 25/8/2009,
publicado no DOU de 25/8/2009, promulgando a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com
Deficiência e seu Protocolo Facultativo, assinados em Nova York, em 30 de março de 2007.
8 Mandatos: 2006-2008; 2009-2011 e 2013 e 2015. Cf. site, disponível em: <http://www.itamaraty.gov.br/pt-BR/
politica-externa/direitos-humanos-e-temas-sociais/3664-politica-externa-para-direitos-humanos>. Acesso em: 14 de
junho de 2017.
54 A CONSTITUIÇÃO DE 88 - TRINTA ANOS DEPOIS
[…] o Brasil pode ser considerado um país que desempenha papel de relativo
destaque no regime internacional de direitos humanos. Em 2002, o governo logrou in-
clusive a nomeação de Sérgio Vieira de Mello como alto-comissário das Nações Unidas
para os Direitos Humanos. O padrão qualitativo de adesão do Brasil ao regime multila-
teral pode ser comparado ao de algumas superpotências e outras potências médias do
sistema internacional.
Apesar disso, conciliar a busca dos interesses nacionais – sobretudo quando tradu-
zidos em termos econômicos – com a práxis do respeito aos DH tem se mostrado um
grande desafio. O pragmatismo imediatista e a preponderância do interesse nacional
parecem estar na raiz da condescendência de Brasília em relação a dossiês relativos a
Estados autoritários que vêm sendo denunciados pela prática de violação dos direitos
humanos, tais como: Coreia do Norte, Cuba, Sri Lanka ou, ainda, Sudão, (MILANI,
2012, p. 51).
Por considerar que a solicitação apresentada por Vossa Excelência é justa e coe-
rente com os princípios defendidos pelo Brasil para a Questão Palestina, o Brasil, por
meio desta carta, reconhece o Estado palestino nas fronteiras de 1967. Ao fazê-lo, quero
reiterar o entendimento do Governo brasileiro de que somente o diálogo e a convivência
pacífica com os vizinhos farão avançar verdadeiramente a causa palestina. Estou seguro
de que este é também o pensamento de Vossa Excelência. O reconhecimento do Estado
palestino é parte da convicção brasileira de que um processo negociador que resulte em
dois Estados convivendo pacificamente e em segurança é o melhor caminho para a paz
no Oriente Médio, objetivo que interessa a toda a humanidade10.
9 Pode-se destacar: o art. 22, inciso 14, indicando que compete privativamente à União legislar sobre populações
indígenas; o art. 49, inciso XVI, assinalando que é da competência exclusiva do Congresso Nacional autorizar, em
terras indígenas, a exploração e o aproveitamento de recursos hídricos e a pesquisa e lavra de riquezas minerais; o
art. 109, inciso XI, apontando que aos juízes federais compete processar e julgar a disputa sobre direitos indígenas;
o art. 129, inciso V, manifestando que são funções institucionais do Ministério Público defender judicialmente
os direitos e interesses das populações indígenas; o art. 176, parágrafo primeiro, com redação dada pela Emenda
Constitucional n. 6 de 1995, estipulando que a pesquisa e a lavra de recursos minerais e o aproveitamento dos
potenciais somente poderão ser efetuados mediante autorização ou concessão da União, no interesse nacional, por
brasileiros ou empresa constituída sob as leis brasileiras e que tenha sua sede e administração no país, na forma da
lei, que estabelecerá as condições específicas quando essas atividades se desenvolverem em faixa de fronteira ou
terras indígenas; o art. 210, parágrafo segundo, assinalando que o ensino fundamental regular será ministrado em
língua portuguesa, assegurada às comunidades indígenas também a utilização de suas línguas maternas e processos
próprios de aprendizagem; art. 215, parágrafo primeiro, apontando que o Estado protegerá as manifestações das
culturas populares, indígenas e afro-brasileiras, e das de outros grupos participantes do processo civilizatório nacio-
nal; o art. 231, parágrafo quinto, manifestando que é vedada a remoção dos grupos indígenas de suas terras, salvo,
“ad referendum” do Congresso Nacional, em caso de catástrofe ou epidemia que ponha em risco sua população,
ou no interesse da soberania do país, após deliberação do Congresso Nacional, garantido, em qualquer hipótese, o
retorno imediato logo que cesse o risco.
12 Em 2012, o intercâmbio comercial brasileiro com a Palestina registrou US$22,5 milhões. O comércio com a
Palestina deverá ser beneficiado pela entrada em vigor do Acordo de Livre Comércio entre o Mercosul e a Palesti-
na, assinado em 2011 e em processo de aprovação interna. Em 2015, as exportações brasileiras para Israel fecharam
em US$380 milhões e as importações brasileiras de Israel, em US$895 milhões. Cf. site, disponível em: <http://
www.itamaraty.gov.br/pt-BR/ficha-pais/5629-estado-da-palestina> Acesso em: 16 de junho de 2017.
Sem surpresa, contudo, como sublinha Bracey (2011, p. 321), sugerindo um ranço
de Realpolitik que marca a maior parte das ações diplomáticas:
O Timor-Leste, portanto, criou uma oportunidade única para o Brasil: sua condição
de ex-colônia portuguesa em uma luta de grande visibilidade para a independência per-
mitiu ao país demonstrar ativamente a sua política externa independente, seu compro-
misso com a autodeterminação e sua expansão dos laços econômicos com o sul global.
Nesse mesmo sentido, em mais recente episódio, o Brasil esteve dentre os primei-
ros Estados que, após enviar missão de observadores ao referendo sobre a autodeter-
minação, reconheceram e estabeleceram relações diplomáticas com o Sudão do Sul,
tendo-o feito em 9 de julho de 2011, dia da independência do país. Em 2013, a embai-
xada brasileira em Adis Abeba passa a ser cumulativamente responsável por representar
o Brasil junto às autoridades do Sudão do Sul.
Isso dentro de um contexto africano de resistências devido ao temor de que con-
flitos de ordem étnico-linguísticos ou segregacionistas de base religiosa possam atiçar
outras pretensões separatistas. Como anotam Oliveira e Silva (2011, p. 24):
4. Não intervenção
O princípio da não intervenção atua no cenário internacional como complemen-
tar aos princípios da independência nacional e da autodeterminação dos povos. Ele
é levantado, precipuamente, como fiador do status quo e como vetor de respeito às
autoridades constituídas dos Estados partícipes do sistema internacional.
Se a reflexão sobre a não intervenção já pode ser detectada de forma pragmática
58 A CONSTITUIÇÃO DE 88 - TRINTA ANOS DEPOIS
em Francisco de Vitória quando de sua análise sobre a colonização dos índios america-
nos no século XVI (BROWN et al., 2002, p. 231), em época mais recente, na segunda
metade do século XX, ela assume papel claramente protagonista quando do processo
de descolonização da África. Diante da amplitude do conflito, a Resolução 1514 (XV)
da Assembleia Geral de 14 de dezembro de 1960 é lavrada estabelecendo que:
Esse conflito leva Hedley Bull e John Vincent a implicitamente reconhecer que
a intervenção de caráter humanitário põe em relevo o conflito entre ordem e justiça
na sociedade de Estados, situação em que propósitos realistas e pluralistas coe-
xistem desconfortavelmente com elementos de natureza solidária (HERMANN,
2011, p. 146).
O princípio da não intervenção marca a política externa brasileira desde o século
XIX. Inicialmente visando à manutenção de sua independência da antiga metrópole
e, em seguida, manifestando a salvaguarda contra possíveis investidas de potências
estrangeiras. Assim, tal princípio desenhou-se como um dos mais consagrados dentre
aqueles que regem as relações internacionais do Brasil, tendo, dessa forma, merecido
lugar proeminente na CF/1988 (VISENTINI, 2001).
No bojo dessa lógica, a noção de R2P foi criticada pelo então chanceler Celso Amo-
rim, tendo sido qualificada como um droit d’ingérence com nova roupagem – o que
obviamente contrariava a CF/1988 (SPEKTOR, 2012). Todavia, subsequentemente,
essa atitude crítica transmutou-se em uma política de engajamento construtivo com a
Responsabilidade de Proteger. Quando da participação brasileira na missão da ONU,
em 2004, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva já alegou que o Brasil seguia um enfo-
que “orientado pelo princípio da não intervenção, mas também por uma atitude de não
indiferença”16, prenunciando o conceito de Responsabilidade ao Proteger (R2P) forjado
pelo Itamaraty logo em seguida e praticado no decorrer do governo Dilma Rousseff, e
cujo argumento principal é, nas palavras de Spektor (2012, p. 58): “sem limites sobre
o que os poderosos podem fazer, a ideologia emergente da intervenção humanitária
poderia facilmente se tornar uma ferramenta para manipulação” (tradução dos autores).
Esta nova percepção da diplomacia brasileira, que adota como marco normativo
a defesa da democracia, permite uma inflexão incremental na tradição não interven-
cionista do Itamaraty a fim de melhor se adequar aos novos padrões da política inter-
nacional (SARAIVA, 2007, p. 44). Em 2005, Celso Amorim invoca, assim, o princípio
da não indiferença em discurso perante a XXXV Assembleia Geral da Organização dos
Estados Americanos (OEA)17:
Aquele corpo de lei, no entanto, que está relacionado com relações mútuas entre
Estados ou governantes de Estados, seja derivado da natureza, ou estabelecido por or-
dem divina, ou tendo sua origem no acordo personalizado e tácito, pouco foi tocado20.
No início do século XX, na mesma linha do jurista holandês, Laski (1936, p. 245)
assinala que:
Nenhum Estado pode viver isolado. É membro de uma comunidade de Estados que
gozam dos mesmos direitos e estão sujeitos às mesmas obrigações. Estão todos envolvi-
dos em uma rede de relações internacionais para a qual é preciso ter regras. (Tradução
dos autores)
[…] um monster country assustador porque, à luz de sua história e de suas circuns-
tâncias, tem um estilo de comportamento internacional que se configura, […] por uma
moderação construtiva que se expressa na capacidade de desdramatizar a agenda de
política exterior ou seja de reduzir os conflitos, crises e dificuldades ao leito diplomático.
Esta moderação construtiva está permeada por uma leitura grociana da realidade inter-
nacional, nela identificando, sem ingenuidades, um ingrediente positivo de sociabilidade
que permite lidar com o conflito e a cooperação por meio da diplomacia e do direito.
A defesa da paz e a busca pela solução pacífica dos conflitos são dois princípios
tradicionalmente presentes na política externa brasileira. Os dois temas não podem
ser dissociados, já que integram o mesmo discurso, de reivindicação de um modelo de
atuação internacional pacifista e da atuação do Brasil como mediador entre as partes.
Embora sempre presente no discurso diplomático, a defesa da paz insere-se como
um dos elementos da CF/1988 de forma mais explícita e atendendo ao posicionamen-
to frente a mudanças importantes das relações internacionais, marcadas por conflitos
intraestatais no período pós-Guerra Fria e por incertezas sobre contendas emergentes
envolvendo atores estatais e não estatais. Essa orientação determina que o país deve
sempre buscar manter a paz na ordem global e nas relações com outros Estados sobe-
ranos. Isso significa que o Brasil sempre buscará solucionar conflitos por intermédio
de mediações entre países, por exemplo. Desde 193423, as Forças Armadas brasileiras
participam de missões de paz, hoje organizadas pela ONU24.
Segundo ex-ministro e embaixador Celso Amorim:
O multilateralismo encontra nas Nações Unidas sua mais legítima expressão. A ONU
tem vocação universalista, de inclusão dos povos e de respeito à soberania de seus Esta-
dos-membros. Sua maior legitimidade deriva de sua vocação universal e da representa-
tividade da sua composição.25
Dessa forma, o que podemos entender por “defesa de paz” é a busca constante do
Estado brasileiro pela manutenção da ordem de direito dos povos no âmbito inter-
nacional, além da constante participação em organizações multilaterais que atuam
22 KANT, Immanuel. A metafísica dos costumes. Lisboa: Fundação Calouste Gulberkian, 2005. p. 227.
23 Na “Questão de Leticia”, entre o Peru e a Colômbia em 1934, o Brasil enviou um oficial junto à comissão da
Liga das Nações a fim de verificar a retirada de guerrilheiros peruanos.
É óbvio que estados soberanos, diferentemente dos indivíduos, não estão sujei-
tos a um governo comum, e que nesse sentido existe, na frase que ficou famosa por
Goldsworthy Lowes Dickinson, uma “anarquia internacional”.28
28 BULL, Hedley. The Anarchical Society: a study of world order. World Politics, 1977.
29 Tratado Internacional que estabeleceu a criação da Organização das Nações Unidas, assinado em 26 de julho
de 1945.
2. A Magna Carta e o xadrez político internacional: triunfo da democracia de mercado? 65
dão, em geral, dentro de órgãos multilaterais como OMC30 e ONU, além de comissões
internacionais e soluções arbitrais.
O Brasil, tomando como base a CF/1988, tem buscado preservar os dois elementos
e reforçar a imagem de país emergente que defende permanentemente a preservação
da paz e o princípio da não intervenção, a partir da atuação pela via multilateral.
Por fim, é importante ressaltar a diferença entre asilo político e refúgio. Enquanto
um tem um caráter individual, o segundo está relacionado com uma perseguição cole-
tiva, ou seja, o indivíduo que busca refúgio está fugindo de uma situação de persegui-
ção por sua raça, religião, nacionalidade ou por participação em determinado grupo
social ou ainda ter certa opinião política.
O Brasil, a partir da CF, tem garantido asilo político para vários indivíduos em dife-
rentes ocasiões. Faz parte também da nossa política recente a concessão de abrigo para
O terrorismo consiste na prática por um ou mais indivíduos dos atos previstos neste
artigo, por razões de xenofobia, discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia e re-
ligião, quando cometidos com a finalidade de provocar terror social ou generalizado,
expondo a perigo pessoa, patrimônio, a paz pública ou a incolumidade pública.
34 LASMAR, Jorge Mascarenhas. A legislação brasileira de combate e prevenção do terrorismo quatorze anos
após 11 de setembro: limites, falhas e reflexões para o futuro. Revista de Sociologia e Política, 23.53, 2015, p. 47-70.
35 CARDOSO, Alberto Mendes. Terrorismo e segurança em um estado social democrático de direito. Revista
CEJ, 6.18, 2002, p. 47-53.
2. A Magna Carta e o xadrez político internacional: triunfo da democracia de mercado? 67
36 Reportagem de O Estadão intitulada Terrorismo, um conceito com muitas definições, disponível em: <http://
internacional.estadao.com.br/noticias/geral,terrorismo-um-conceito-com-muitas-definicoes,10000075260>. Aces-
so em: 10 de julho de 2017.
preocupação com um tema que ganha visibilidade num período mais recente, e passa
a ser central nos debates das principais organizações internacionais.
Racismo
A Paz de Westphalia (1648) deu fim à Guerra dos Trinta Anos (1618-1648), e foi a
primeira vez que se reconheceu o Estado como sujeito nas relações internacionais. Es-
tas, sendo iguais perante o direito internacional, “deveriam estar submetidas às regras
elaboradas e impostas em conjunto”38.
A questão do indivíduo nas relações internacionais é muito mais recente. O com-
bate ao racismo nas relações internacionais tem sua base no fim da Primeira Guerra
Mundial, no conceito de autodeterminação dos povos, presente nos 14 pontos do dis-
curso de Woodrow Wilson para o congresso em 1918:
[…] toda distinção, exclusão, restrição ou preferência baseada em raça, cor, des-
cendência ou origem nacional ou étnica que tenha por objeto ou resultado anular ou
restringir o reconhecimento, gozo ou exercício em um mesmo plano (em igualdade de
38 ROLAND, Manoela; SANTORO, Maurício Racismo, direito e relações internacionais. In: Revista Democra-
cia Viva, n. 34.
39 Idem, ibidem.
2. A Magna Carta e o xadrez político internacional: triunfo da democracia de mercado? 69
Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se
aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à
liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: inciso XLV – a
prática de racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito a pena de reclusão.
40 GOWA, Joanne. Anarchy, Egoism, and Third Images: The Evolution of Cooperation and International Re-
lations. International Organization, v. 40, n. 1, 1986, p. 167-186. Disponível em: <www.jstor.org/stable/2706746>.
Acesso em: 15 de janeiro de 2018. Tradução dos autores.
70 A CONSTITUIÇÃO DE 88 - TRINTA ANOS DEPOIS
Nesse sentido, vale ressaltar o art. 1o, § 3, da Carta de São Francisco (1945), que
elenca os propósitos das Nações Unidas:
Conclusão
Partindo da Constituição Federal, promulgada em 1988, onde os temas internacio-
nais ganham destaque, coincidindo com uma mudança na nossa agenda de política
externa, de maior ênfase à abertura econômica, de adesão a regimes internacionais em
diversas áreas, o comportamento do Brasil de maior cooperação internacional marcou
todos os governos a partir do final dos anos 1980. O objetivo deste capítulo foi revisar
os dez pontos consagrados às relações internacionais, buscando compreender o desen-
volvimento trazido pelo art. 4o da Constituição de 1988.
2. A Magna Carta e o xadrez político internacional: triunfo da democracia de mercado? 71
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2. A Magna Carta e o xadrez político internacional: triunfo da democracia de mercado? 73
Introdução
A comemoração dos 30 anos de promulgação da Constituição brasileira vigente
coloca o desafio de refletir sobre as novidades e concepções que ela trouxe, sobre o
quanto suas propostas foram implantadas e o que não logrou êxito, e ainda sobre as
mais de cem alterações que sofreu ao longo destes anos, além de milhares de outras
propostas de emendas constitucionais em tramitação no Congresso Nacional. Esse re-
gistro é particularmente relevante no âmbito das políticas sociais, no qual as alterações
normativas e institucionais introduzidas contribuíram para a alcunha de “Constituição
Cidadã”, a partir da noção de que as políticas sociais dão materialidade aos direitos so-
ciais enquanto um dos pilares da noção contemporânea de cidadania. Nesse período,
houve um caminho tortuoso no qual se mesclam, por um lado, esforços e iniciativas
para dar concretude às disposições constitucionais no campo dos direitos sociais, com
resultados variados nos subsetores das políticas sociais, e, por outro lado, as diversas
modificações sofridas ou ensaiadas naquelas disposições tanto no sentido de ampliar
como de restringir seu escopo. O resultado aponta para momentos de ampliação de
direitos em relação à Constituição Federal de 1988 (CF/1988), com resultados visíveis
em termos de universalização, redução de desigualdades e melhoria do bem-estar, e
outros de desconstrução de muitos deles, senão de maneira programática explícita,
76 A CONSTITUIÇÃO DE 88 - TRINTA ANOS DEPOIS
agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção
e recuperação” (art. 196). Os princípios e diretrizes para orientar a política formalmente
alteraram significativamente o padrão anterior ao romper com o caráter meritocrático
da assistência à saúde, originariamente vinculada à inserção no mercado de trabalho,
e ao incorporá-la à ideia de cidadania. Para dar materialidade à política, foi instituído
o Sistema Único de Saúde (SUS), baseado nos princípios da universalidade de acesso e
gratuidade em todos os níveis da atenção à saúde; a igualdade na assistência, sem precon-
ceitos ou privilégios de qualquer espécie; a integralidade da assistência, que envolve um
conjunto articulado de ações e serviços preventivos e curativos, individuais e coletivos; a
participação da comunidade no processo de formulação de diretrizes e prioridades para
a saúde e na fiscalização, controle e avaliação de ações e serviços; a descentralização
político-administrativa com ênfase na descentralização dos serviços para municípios, re-
gionalização e hierarquização da rede de serviços a partir de pactos federativos.
A assistência social ganhou destaque como política específica e como o componen-
te não contributivo da seguridade social. Frente ao legado da “política” assistencialista,
a Constituição rompeu com a trajetória anterior caracterizada por ações de natureza re-
sidual e fragmentada, com enfoque caritativo e clientelista e forte presença da iniciativa
privada filantrópica, e assegurou à assistência o status de direito social universal com
garantia de acesso aos serviços e benefícios voltados para atendimento das necessidades
básicas para quem deles necessitar. Como benefício monetário não contributivo, foi
instituído o Benefício de Prestação Continuada (BPC) – benefício mensal de um salá-
rio mínimo para idosos e pessoas portadoras de deficiência que comprovarem não pos-
suir meios de prover a sua manutenção ou não possuírem outra fonte de rendimentos.
Similar à saúde, foram definidos como princípios que deveriam sustentar a organização
e gestão da assistência: descentralização política e administrativa com responsabilidade
federal pela coordenação da política, participação da sociedade na formulação das polí-
ticas e no controle das ações, e participação privada na oferta de serviços.
A educação foi definida como direito de todos e obrigação do Estado e da socieda-
de. Foi introduzido o ensino gratuito em todos os estabelecimentos públicos oficiais,
aumentou-se o gasto obrigatório mínimo em educação para União, Estados, Distrito
Federal e municípios em relação à vinculação de recursos definida desde 1983 (Emen-
da Calmon) e manteve-se a contribuição social do salário-educação criado em 1964
– devida pelas empresas e destinada ao financiamento de programas, projetos e ações
voltados para a educação pública. Os constituintes de 1988 também definiram como
ação prioritária que ao menos metade do gasto em educação deveria ser destinado
ao ensino fundamental e à erradicação do analfabetismo, reconhecendo a necessária
superação das exclusões sociais no acesso e direito à educação.
3. A trajetória das políticas sociais nos 30 anos desde a Constituição de 1988 79
2 Em 2000, a participação da esfera federal no custeio das ações e serviços públicos de saúde era de 59,8%, a da
esfera estadual 18,6% e da municipal 21,7%; em 2010, esses percentuais foram, respectivamente, 45,1%, 26,4% e
28,5% (PIOLA et al., 2016).
3. A trajetória das políticas sociais nos 30 anos desde a Constituição de 1988 83
A LDB regula o sistema educacional, especificando, entre outras coisas, o que deve
ser entendido como gasto exclusivo em educação, a divisão de competências dos go-
vernos subnacionais na provisão da educação básica (municípios prioritariamente no
ensino fundamental e na educação infantil, Estados e o Distrito Federal dão priori-
dade ao ensino médio e colaboração com os municípios no ensino fundamental), a
mudança de ensino supletivo para educação de jovens e adultos.
Para resolver o problema da universalização do acesso ao ensino fundamental, o
FUNDEF criou mecanismos de incentivo para a priorização do atendimento do en-
sino fundamental, como: a elevação do percentual mínimo a ser gasto pelos governos
subnacionais de 50% para 60%; criação de um mecanismo para tentar equalizar os gas-
tos nas redes municipais e estaduais por meio de uma complementação por parte do
governo federal; definição de gasto mínimo das receitas do FUNDEF na remuneração
dos professores tentando melhorar os (reconhecidos) baixos salários; e redistribuição
de parte das receitas retidas pelo FUNDEF de acordo com o número de alunos ma-
triculados nas redes de ensino municipais e estaduais. Como resultado, verificou-se
crescimento da municipalização da oferta de ensino fundamental e expansão de vagas
efetivas, aproximando o país, pela primeira vez, da universalização do acesso para a
população em idade escolar de 7 a 14 anos, saindo de 77% de escolarização líquida
em 1991 para 98% em 2000.
Outras iniciativas federais no mesmo período visaram dar maior autonomia às esco-
las assim como ações para induzir à melhoria do processo ensino-aprendizagem como
reformas de currículos e instauração das primeiras avaliações de aprendizagem para
embasar o planejamento de ações, como o Sistema de Avaliação da Educação Básica
(SAEB) e o Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM).
Essas iniciativas foram bem-sucedidas para universalizar o acesso ao ensino funda-
mental e criaram condições para novas reformas a partir de meados da década de 2000.
Em 2008, é aprovado o FUNDEB, que amplia o escopo do FUNDEF para atender
alunos e escolas desde a creche até o ensino médio, definindo um piso nacional dos
profissionais do magistério. Para ampliação de receitas, foram elevados percentuais de
impostos municipais e estaduais, assim como a participação da União na complemen-
tação de recursos. Outras ações ampliaram o leque de políticas, como alimentação
escolar, livros didáticos e bibliotecas para as escolas, transporte escolar, dentre outras.
Em 2009, a EC59 amplia a obrigação do Estado quanto à educação, tornando obriga-
tório o ensino para a faixa etária de 4 a 17 anos.
Em relação à qualidade da educação, destacam-se medidas para aperfeiçoamento
da avaliação de desempenho, como: a Avaliação Nacional do Rendimento Escolar
(Prova Brasil) e a criação do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB);
88 A CONSTITUIÇÃO DE 88 - TRINTA ANOS DEPOIS
públicas. Cardoso et al. (2018, no prelo, p. 12) ressaltam que “cresceram os estudos
situados mais especificamente no campo denominado de análise de políticas públicas,
como implementação e avaliação de políticas públicas, além de se manter o debate
sobre reforma do Estado e da gestão pública”.
Além do federalismo e participação social, é notável a presença das discussões so-
bre o Estado de Bem-Estar Social, desenvolvimento e reformas estruturais do Estado.
Somado a essas discussões, o tema de inovação em políticas públicas se consolida
como importante campo de pesquisa em políticas públicas. Ao contrário das décadas
anteriores, os anos 2000 foram marcados pela ascensão da temática das políticas so-
ciais nos estudos setoriais de políticas públicas, notadamente marcados pelos temas
de educação e saúde. Algumas décadas após os estudos sobre burocracia decorrentes
dos estudos sobre o DASP e sobre o Decreto-lei n. 200/67, a temática da burocracia
também volta à agenda nos anos 2000, com estudos que buscam ir além dos temas da
burocracia de alto escalão ou relação da burocracia e política, mas analisando também
outros estratos burocráticos, como o “nível de rua” e o médio escalão.
Do ponto de vista metodológico, como apontam Cardoso et al. (2018, no prelo, p.
13), “além dos estudos de caso, cresceram em volume os estudos comparativos, entre
políticas e entre países, e a utilização de procedimentos estatísticos sofisticados, par-
ticularmente para os estudos de avaliação. Destaca-se ainda a proliferação do uso dos
métodos de análise de redes que encontram no estudo de políticas públicas um espaço
relevante para desenvolvimento a partir de difusão de abordagens teóricas que privile-
giam as policy networks para compreensão do processo de formulação e operação das
políticas públicas, bem como para seu impacto no âmbito societário.
Em relação à institucionalização do campo de ensino, observa-se um grande cres-
cimento dos cursos de políticas públicas e ou de gestão pública no Brasil. Conforme
apontam Pires et al. (2014), o ensino de graduação do Campo de Públicas envolve
um pool de mais de 200 cursos pelo país e tem, aproximadamente, 49 mil alunos
matriculados, segundo o INEP. A homologação das Diretrizes Curriculares Nacionais
de Administração Pública, em 2013, foi um importante passo para institucionalização
definitiva desses cursos, expressando a configuração e autonomização de um campo
que se distingue da administração de negócios.
A expansão da área de políticas públicas, relacionada principalmente aos novos
cursos criados, é comprovada na sistematização feita por Marques & Souza (2016) das
publicações em português com títulos contendo “políticas públicas” nos últimos 45
anos no portal Google Acadêmico, comparando-as com artigos que possuem “teoria
política”, “relações internacionais” e “partidos políticos” em seu título.
3. A trajetória das políticas sociais nos 30 anos desde a Constituição de 1988 93
250,000
200,000
150,000
100,000
50,0000
-
1970 a 1980 1980 a 1990 1990 a 2000 2000 a 2010 2010 a 2015
Fonte: Pesquisa direta no Google Acadêmico. Elaboração: Marques & Souza (2016)
3 Não há anais disponíveis para os anos de 1997, 1998 e 1999, de forma que não foram aqui contemplados. Foram
contemplados todos os grupos com temática de políticas públicas, mesmo que tenham alterado seu nome ao longo
do tempo, como Políticas Públicas, Políticas Públicas e Desenvolvimento, etc.
4 Um mesmo artigo pode discutir duas ou mais políticas ou dois ou mais conceitos.
94 A CONSTITUIÇÃO DE 88 - TRINTA ANOS DEPOIS
30
25
20
15
10
5
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Fonte: elaboração própria baseada nos anais dos encontros da ANPOCS (1988-2017)
10
Fonte: elaboração própria baseada nos anais dos encontros da ANPOCS (1988-2017)
14
Federalismo
12
10 Avaliação de Políticas
8
Participação
6
Análise de mudança
4
institucional
2
Burocracia
0
92 97 02 07 01
2
01
6 Democracia e políticas
-19 19 -2
0 20 -2 -2
88 3- 3- 8 13 públicas
99 98 00 00
19 1 19 2 2 20
Fonte: Elaboração própria baseada nos anais dos encontros da ANPOCS (1988-2017)
o que também sugere sua importância constante por parte do Estado, como gastos
governamentais e mudança institucional.
ticas sociais do país que tencionam modelos e categorias de análise mais consagradas,
desafiam a possibilidade de prognósticos e indagam sobre que comemoração é possível
nos 30 anos da Constituição Cidadã em relação às políticas sociais. Está em curso um
processo de desconstrução ou de mudança institucional mais amplo que sinaliza para
redução das políticas sociais num contexto de forte ajuste fiscal em que as políticas se
afastam de um ideal normativo constitucionalizado – direitos a serem garantidos pelo
Estado – e passam a ser vistas como custos a serem reduzidos em função de um supos-
to esgotamento da capacidade de financiamento. A associação entre desenvolvimento
econômico e desenvolvimento social perde força na atual conjuntura política brasilei-
ra, bem como o papel proativo do Estado nesse sentido. Embora os desdobramentos
desse processo ainda não estejam dados, o período atual sinaliza para um novo ciclo
das políticas sociais brasileiras no sentido inverso da CF/1988.
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102 A CONSTITUIÇÃO DE 88 - TRINTA ANOS DEPOIS
4.
A segurança pública no Brasil a partir
da Constituição Federal de 1988
Luis Flávio Sapori (PUC-MG)
Clebler da Silva Lopes (UEL)
André Zanetic (NEV-USP)
Gláucio Ary Dillon Soares (IESP-UERJ)
Introdução
O conceito de segurança pública na sociedade brasileira tem duplo significado.
Pode se referir a um bem coletivo a ser provido pelo Estado como também pode se
referir a uma área de conhecimento da esfera acadêmica. A noção de bem coletivo
pressupõe uma coletividade que institucionaliza uma atitude específica em relação
a bens socialmente valorizados, caracterizada pela noção de que tais bens devem es-
tar acessíveis a todos os membros da coletividade, devendo ser providos pelo Estado.
Enquanto bem coletivo, a garantia da segurança é responsabilidade, apesar de não
exclusiva, do aparato organizacional estatal criado no âmbito do Estado-nação para
prevenção e repressão de comportamentos qualificados juridicamente como crimino-
sos. Esse aparato é formado pela polícia, pela justiça e pela prisão. Tem como objetivo
básico a proteção do patrimônio e da integridade física dos cidadãos que formam uma
comunidade política. A segurança pública como bem coletivo é resultado da progres-
siva aquisição do monopólio da violência por parte do Estado.
Segurança pública significa também uma área de produção de conhecimento aca-
dêmico similar à existente no mundo anglo-saxão com o nome Criminology e Criminal
Justice. De caráter interdisciplinar, abrange o estudo do crime, da polícia, da justiça
criminal, das prisões, da justiça juvenil e das políticas públicas correlatas. Trata-se de
104 A CONSTITUIÇÃO DE 88 - TRINTA ANOS DEPOIS
1 No primeiro semestre de 2017, o Brasil contava com sete cursos de bacharelado, 41 cursos tecnológicos e seis
mestrados profissionais em segurança pública. Contava também com sete periódicos acadêmicos especializados
no tema, dos quais um estava classificado nos estratos superiores do Qualis Periódico da área de Ciências Sociais –
Dilemas: Revista de Estudos de Conflito e Controle Social.
4. A segurança pública no Brasil a partir da Constituição Federal de 1988 105
a) no âmbito federal, existem duas polícias, quais sejam, a Polícia Federal (PF) e a
Polícia Rodoviária Federal (PRF), ambas vinculadas ao Ministério da Justiça. Cabe à
PF o patrulhamento das fronteiras nacionais e a investigação de crimes de repercussão
interestadual e internacional, tais como o tráfico de drogas e o contrabando, além de
crimes contra o patrimônio da União. A PRF, por sua vez, está incumbida da atividade
exclusiva de patrulhamento das rodovias federais, não podendo investigar os crimes
eventualmente ocorridos nesses territórios. A Polícia Ferroviária Federal, apesar de pre-
vista constitucionalmente, não foi implementada até o presente momento;
b) no âmbito estadual, existem duas polícias, quais sejam, a Polícia Militar e a Polícia
Civil. Cada Estado, incluindo o Distrito Federal, é dotado desse mesmo modelo dual,
sob a autoridade dos governadores e mediados pelas secretarias estaduais de segurança
pública. As polícias militares são responsáveis pelo policiamento ostensivo, não po-
dendo apurar infrações penais, com exceção das infrações militares. As polícias civis
limitam-se à atividade investigativa, devendo atuar na coleta de evidências da autoria
e materialidade dos crimes. Como polícia judiciária, são responsáveis pela elaboração
do inquérito policial;
Esse sistema policial estabelecido pela Constituição de 1988 não apresenta ino-
vação institucional em relação ao sistema policial prevalecente na ditadura militar.
Manteve as polícias da União então existentes, alterando apenas a subordinação da
PRF, passando do Departamento Nacional de Estradas de Rodagem (DNER) para o
Ministério da Justiça (MJ). As polícias estaduais, militar e civil, também foram manti-
das com as mesmas estruturas e atribuições do período anterior.
106 A CONSTITUIÇÃO DE 88 - TRINTA ANOS DEPOIS
As polícias militares estão submetidas a uma legislação penal própria, que é o Có-
digo Penal Militar. As infrações disciplinares e criminais eventualmente cometidas
por esses policiais são investigadas, processadas e julgadas de acordo com o Código de
Processo Penal Militar. A partir da Lei n. 9.299/1996, entretanto, a competência para
julgar crimes dolosos contra a vida praticados por policiais militares contra civis passou
para a justiça comum. A hierarquia das polícias militares é nitidamente piramidal,
incorporando a nomenclatura do Exército. Divide-se nas carreiras dos praças (soldado,
cabo e sargento) e nas carreiras do oficialato (tenente, capitão, major, tenente-coronel
e coronel). A principal atribuição das polícias militares é o policiamento ostensivo e
preventivo das vias públicas, podendo realizar prisões em flagrante ou mediante cum-
primento de mandados judiciais.
Os policiais civis, por sua vez, estão submetidos aos parâmetros do Código Penal
e do Código de Processo Penal, como qualquer cidadão brasileiro em caso de come-
timento de crimes. A hierarquia nas Polícias Civis tem como principal característica
o status de supremacia dos delegados. É um bacharel em Direito que faz concurso
público específico para a carreira. Estão subordinados a ele o investigador, o escrivão,
o perito criminal e o médico-legista. Em alguns Estados brasileiros, as carreiras do
perito criminal e do médico-legista passaram a compor uma organização distinta, co-
mumente denominada de Polícia Tecnocientífica. Cabe às polícias civis a investigação
criminal, que consiste na reunião de evidências da autoria e materialidade dos crimes
registrados. Essas evidências são usadas no inquérito policial, procedimento investiga-
tivo que, depois de finalizado, é remetido à justiça.
A divisão das atribuições do policiamento ostensivo/investigação criminal em or-
ganizações policiais distintas não é uma criação da Constituição de 1988. Suas ori-
gens históricas remontam ao século XIX, mais especialmente ao período imperial. A
consolidação desse processo ocorreu na ditadura militar, quando da promulgação do
Decreto-lei n. 667, de 2 de julho de 1969. Esse Decreto-lei reorganiza as atribuições
das polícias militares estaduais, definindo como exclusividade dessas polícias a reali-
zação do policiamento ostensivo. Nesse ato extinguiu-se as guardas civis existentes nas
estruturas organizacionais das polícias civis estaduais, que eram unidades fardadas e
dedicadas ao patrulhamento das vias públicas.
Desde então, o Brasil tornou-se um dos poucos países do mundo a contar com
organizações policiais que dividem o ciclo da atividade policial, dado que o modelo
prevalecente mundo afora é a concentração em uma mesma organização policial das
atividades de policiamento ostensivo e de investigação criminal. A Constituição de
1988 apenas ratificou o arranjo institucional do sistema policial estabelecido pela di-
tadura militar.
4. A segurança pública no Brasil a partir da Constituição Federal de 1988 107
Outro aspecto a ser salientado é o fato de que o art. 144 da Constituição de 1988
não faz qualquer menção ao Ministério Público e ao Judiciário, embora ambas as insti-
tuições tenham sido merecedoras de capítulos específicos na Carta Constitucional. O
Judiciário é contemplado no capítulo III, artigos 92 a 126, e o Ministério Público está
presente no capítulo IV, artigos 127 a 130. São reconhecidas e valorizadas como insti-
tuições estruturantes do Estado Democrático de Direito, porém suas responsabilidades
na segurança pública não são destacadas. O mesmo ocorreu com o sistema prisional,
sumariamente ignorado pela Constituição de 1988. Nesse sentido, a segurança pública
é concebida como principal atribuição das polícias, ignorando-se a necessária interde-
pendência que existe entre as atividades de policiamento ostensivo, investigação crimi-
nal, processamento criminal, sentenciamento e aprisionamento. Essa lacuna normativa
pode ser apontada como um dos motivos para a frouxa articulação existente no aparato
estatal responsável pelo controle da criminalidade na sociedade brasileira, mais parti-
cularmente entre as organizações policiais, as instâncias judiciais e o sistema prisional.
Merece também ser problematizada a constatação de que o art. 144 da Constitui-
ção Federal não induziu a reformulação do Código Penal e do Código de Processo
Penal, que são os principais ordenamentos jurídicos da segurança pública, elaborados
ainda na década de 1940. A Constituição de 1988 não sinalizou eventuais princípios
que deveriam nortear a adequação de ambos os ordenamentos ao período democrático
que se inaugurava. Como consequência, nas décadas que a sucederam, o processo
legislativo federal oscilou na aprovação de leis que objetivavam o recrudescimento
penal e leis que visavam alguma forma de efetivar direitos, políticas despenalizadoras
ou estabelecer penas alternativas. No primeiro caso, destacam-se a Lei de Crimes
Hediondos (Lei n. 8.072/1990) e a Lei do Regime Disciplinar Diferenciado – RDD
(Lei n. 10.792/2003). No segundo caso, merecem menção a Lei dos Juizados Espe-
ciais Criminais – JECrim (Lei n. 9.099/1995) e o Estatuto do Desarmamento (Lei n.
10.826/2003). Há assim a coexistência de princípios normativos de segurança pública
que são vistos, na maior parte do tempo, como antagônicos, e, supostamente, inconci-
liáveis. Em função disso, o debate sobre segurança pública acaba permeado por vieses
ideológicos que contribuem para inviabilizar consensos mínimos na delimitação de
políticas eficientes para o controle da criminalidade.
Mesmo reconhecendo as limitações institucionais detectadas no art. 144, a sepa-
ração entre segurança pública e segurança nacional é aspecto bastante meritório da
Constituição de 1988. No título V, artigos 136 a 143, a Constituição define que os
bens coletivos a serem garantidos são a soberania nacional e a defesa do Estado Demo-
crático, sendo o primeiro voltado à segurança externa contra agressão estrangeira e o
segundo voltado à segurança interna contra a implantação de um estado tirânico que
108 A CONSTITUIÇÃO DE 88 - TRINTA ANOS DEPOIS
venha a violentar as suas cláusulas pétreas do art. 60, § 42. Adota-se a denominação de
Defesa Nacional, e não de Segurança Nacional, em consonância com o Conselho de
Defesa Nacional previsto no art. 91, como também previsto no art. 21, III, e no art. 22,
XXVIII, que cuidam da competência da União na defesa aeroespacial, marítima, civil
e territorial. A única menção ao verbete Segurança Nacional está presente no caput do
art. 173, integrado ao seu título VII, quando cuida “Da Ordem Econômica e Finan-
ceira”, referindo-se à soberania nacional no sentido de proteção das áreas econômicas.
As Forças Armadas têm suas atribuições estabelecidas no caput do art. 142:
As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são
instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na
disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa
da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da
lei e da ordem.
Além da defesa nacional, portanto, podem atuar na segurança pública, mais espe-
cificamente na garantia da lei e da ordem (GLO), quando devidamente demandadas
nesse sentido.
A Constituição de 1988 ainda estabeleceu no parágrafo 6o do art. 144 que as polícias
militares e corpos de bombeiros militares são forças auxiliares e reserva do Exército, a
despeito de estarem subordinadas administrativa e operacionalmente aos governadores
de Estado. A Inspetoria Geral das Polícias Militares e dos Corpos de Bombeiros Mili-
tares é o órgão que efetiva tal vinculação do Exército com as forças militares estaduais,
sustentando-se no art. 22, XXI, que define entre as competências da União legislar
sobre normas gerais de organização, efetivos, material bélico, garantias, convocação
e mobilização das polícias militares e corpos de bombeiros militares. Essa vinculação
não é uma criação da Constituição Federal de 1988. Ela tem origem na década de
1930 e é parte do processo mais amplo de fortalecimento da União perante os Estados,
muitos dos quais durante a Primeira República contaram com forças policiais capazes
de fazer frente ao Exército em termos de efetivo e equipamentos bélicos.
A despeito da separação entre segurança pública e defesa nacional como bens
coletivos distintos, não se pode afirmar que a Constituição de 1988 superou todo o
“entulho autoritário” oriundo da ditadura militar. O ponto problemático é menos a
manutenção da polícia militar como força auxiliar e reserva do Exército e mais a sua
organização em moldes militares, que cria uma estrutura demasiadamente rígida para
a realização das atividades de policiamento. Hierarquia e disciplina militar são carac-
terísticas importantes para organizações que precisam atuar no campo de batalha con-
4. A segurança pública no Brasil a partir da Constituição Federal de 1988 109
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ração com as demais. A taxa de MVI praticamente dobrou entre 1985 e 2003, sendo
seguida de longo período de redução bastante expressiva, com a incidência de MVI
retornando aos patamares da década de 1980. Em anos recentes, tem-se observado
relativa estabilização das mortes violentas intencionais. Esse fenômeno peculiar da
Região Sudeste foi capitaneado pelo Estado de São Paulo, que alcançou redução su-
perior a 60% na taxa de MVI entre 2001 e 2016.
A despeito das variações regionais, é fundamental assinalar que a vitimização por
MVI apresenta viés de classe, raça, gênero e idade em todo o território nacional. As ví-
timas são jovens entre 15 e 24 anos de idade, do gênero masculino, negros e residentes
em territórios de alta vulnerabilidade social. Além disso, a arma de fogo é o principal
instrumento perpetrador da violência, que não se restringe mais aos grandes centros
urbanos, afetando também as cidades de pequeno e médio porte no interior do país.
Os fatores sociais que estão relacionados à dinâmica ascendente da criminalidade
violenta nesse período são variados. Deve-se considerar, a princípio, que a violência é
traço constitutivo da história do país, precedendo e ultrapassando os regimes políticos
autoritários. É uma marca das relações de poder impingidas pelo Estado contra o
segmento mais empobrecido da população. Além disso, a violência opera como uma
moralidade que legitima o uso da força física enquanto recurso de resolução de confli-
tos cotidianos. Para além desse traço histórico e geral, nota-se que há uma nítida asso-
ciação das mortes violentas, em especial os homicídios, com processos de urbanização
desordenada, segregação espacial e exclusão social. Além disso, não se deve ignorar o
fato de que parte relevante dos homicídios está relacionada a conflitos engendrados no
mercado das drogas ilícitas. Jovens residentes em territórios de maior vulnerabilidade
social, agrupados em gangues ou em facções criminosas, tornaram-se protagonistas
da violência resultante desse mercado ilegal. E a tática do confronto adotado pelas
organizações policiais para lidar com essa situação também alimenta o ciclo vicioso
da violência.
No que diz respeito ao Executivo federal, o ano de 2001 constitui o ponto de infle-
xão em uma trajetória histórica anterior pautada pela completa omissão. A primeira
década pós-Constituição de 1988 foi caracterizada pela ausência da segurança pública
na agenda da União. Priorizou-se a formulação de uma política nacional de direitos
humanos, na qual estavam inseridas menções ao tema do controle da criminalidade.
A prioridade, contudo, era o controle da violência por parte das polícias brasileiras. A
criação de um órgão no Ministério da Justiça para cuidar da política nacional de segu-
rança pública ocorreu apenas em 1997, qual seja, a Secretaria Nacional de Segurança
Pública (SENASP).
Já o primeiro plano nacional de segurança pública é lançado apenas em 2001,
durante o segundo governo Fernando Henrique Cardoso. O plano institui o Fundo
Nacional de Segurança Pública (FNSP), de modo que o governo federal passa a alocar
recursos orçamentários e financeiros a serem posteriormente repassados aos Estados
mediante submissão de projetos junto à SENASP. Diretrizes nacionais para a política
de controle da criminalidade são pela primeira vez formuladas e definem os critérios a
serem utilizados pela SENASP na avaliação dos projetos estaduais. Entre 2003 e 2010,
dois outros planos nacionais são formulados, ambos no governo Lula. No primeiro
deles, em 2003, é instituída a diretriz do sistema único de segurança pública (SUSP)
inspirada na política sistêmica da saúde. Diferentemente desta, porém, o SUSP não
tinha status legal, funcionando apenas como um conjunto de medidas de integração
das organizações do sistema de segurança pública e justiça criminal que foram suge-
ridas aos governos estaduais. Permaneceu o mecanismo de financiamento de projetos
por parte do Fundo Nacional de Segurança Pública.
Em 2007, no segundo governo Lula, é lançado o Programa Nacional de Segurança
Pública com Cidadania (PRONASCI), caracterizando-se pela ênfase no financiamen-
to de projetos de prevenção social da criminalidade. Houve grande destaque também
da formação policial com a criação da Rede Nacional de Especialização em Seguran-
ça Pública (RENAESP).
Entre 2011 e 2016, nos governos Dilma Rousseff, a segurança pública não é mais
inserida na agenda nacional. Nenhuma política para o setor foi formulada no período,
prevalecendo a rotina de repasses de recursos financeiros aos Estados e municípios
mediante submissão de projetos. O governo Michel Temer, por sua vez, sob a pressão
das rebeliões que deixaram mais de 130 detentos mortos em presídios dos Estados do
Norte e Nordeste em janeiro de 2017, lançou plano de ações para a segurança pública
com ênfase na abertura de novas vagas para o sistema prisional.
Esse breve relato histórico evidencia que, ao longo das três décadas pós-Consti-
tuição de 1988, apenas entre 2000 e 2010 houve a formulação e implementação de
4. A segurança pública no Brasil a partir da Constituição Federal de 1988 117
2 A metodologia utilizada nesse levantamento e a análise completa do material coletado serão tratadas em artigo
específico.
4. A segurança pública no Brasil a partir da Constituição Federal de 1988 119
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2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016
O Gráfico 7 indica que a área se consolida a partir de 2007 com a criação de pe-
riódicos especializados. O marco dessa consolidação é a criação da Revista Brasileira
de Segurança Pública (2007), editada por um importante think tank da área, o Fórum
Brasileiro de Segurança Pública. Na sequência, foram criadas as seguintes revistas: Di-
lemas – Revista de Estudos de Conflito e Controle Social (2008), vinculada ao Núcleo
de Estudos da Cidadania, Conflito e Violência Urbana (NECVU) e ao Programa de
Pós-Graduação em Sociologia e Antropologia da UFRJ; Revista Brasileira de Estudos
em Segurança Pública (2008), ligada à Academia de Polícia Militar do Estado de Goiás
(2008); LEVS – Revista do Laboratório de Estudos da Violência e Segurança (2008),
da UNESP de Marília; Sistema Penal & Violência (2009), editada pelo Programa de
Pós-Graduação em Ciências Criminais da PUC-RS3; e a Revista Brasileira de Ciên-
cias Policiais (2010), vinculada à Academia Nacional de Polícia da Polícia Federal.
Com a criação desses canais de divulgação, a quantidade de publicações muda de
patamar, e as revistas especializadas passam a concentrar a maior parte da produção
sobre segurança pública. A despeito do volume dessas publicações, nota-se também
um crescimento das publicações sobre segurança pública nas revistas não especializa-
das posicionadas nos estratos superiores do Qualis Periódico.
O Gráfico 8 mostra as instituições mais abordadas nos 557 artigos publicados entre
2000 e 2016. Assim como ocorreu entre 1988 e 1999, as organizações de policiamento
foram as mais estudadas (50% dos artigos)4. A discricionariedade do mandato, o abuso
e o controle da autoridade policial (MACHADO & NORONHA, 2002; MUNIZ &
SILVA, 2010; OLIVEIRA, 2010; TRINDADE & PORTO, 2011; PINHEIRO, 2013;
dentre outros), assim como a cultura ocupacional, a formação, o treinamento e a pro-
fissionalização da polícia (ALBUQUERQUE & MACHADO, 2001; PONCIONI,
2005; RUDNICKI, 2008; BATTIBUGLI, 2009; PINC, 2009; BATITUCCI, 2011;
LOPES et al., 2016; SCHABBACH, 2016; dentre outros) continuaram no centro das
preocupações dos cientistas sociais. A esses estudos se somaram outros sobre filosofias
e estratégias de policiamento e seu impacto na redução do crime (BELLI, 2000; COS-
TA, 2005; 2014; BEATO et al., 2008; dentre outros). Destaque aqui para o policia-
mento implementado pelas Unidades de Polícia Pacificadora no Rio de Janeiro, que
atraiu a atenção de muitos pesquisadores (LEITE, 2012; BARBOSA, 2012; MUNIZ
4 Excluem-se aqui os artigos que tratam especificamente do Inquérito Policial conduzido pela Polícia Civil, que
foram contabilizados na categoria “Sistema de Justiça”. Isso porque o Inquérito é um dispositivo ambíguo no qual
a polícia desempenha tanto o papel de investigação – atividade tipicamente policial – quanto de instrução do pro-
cesso penal para formação da culpa a ser aceita ou não pelo Ministério Público – atividade tipicamente judiciária.
4. A segurança pública no Brasil a partir da Constituição Federal de 1988 123
& MELLO, 2015; dentre outros). Da mesma forma, os serviços prestados pela polícia
no atendimento a mulheres vítimas de violência doméstica foi objeto de muitas inves-
tigações (RIFIOTIS, 2004; PASINATO, 2010; NOBRE & BARREIRA, 2008; dentre
outros). Por fim, a imagem e a legitimidade da polícia (SILVA & BEATO, 2013; ZA-
NETIC et al., 2016) também foram analisadas nesse período, assim como a vitimiza-
ção e a saúde física e mental de policiais (MINAYO & SOUZA, 2007; OLIVEIRA &
SANTOS, 2010; SOUZA et al., 2012; dentre outros).
A conclusão mais geral que emerge desses estudos é a de que o sistema policial
estabelecido pela Constituição de 1988 é anacrônico e ineficiente, inspirando pouca
confiança na população. As polícias possuem baixa capacidade de prevenir e reprimir
o crime, apresentam índices elevados de letalidade e vitimização policial, são pouco
transparentes e são avessas à prestação de contas e tentativas de mudanças em suas prá-
ticas. Em suma, os estudos apontam que a Constituição de 1988 não foi capaz de indu-
zir mudanças efetivas na atuação das organizações policiais, que mantiveram práticas
e representações inadequadas à institucionalidade democrática. Essa é a razão pela
qual o debate sobre a governança e a reforma das polícias tornou-se uma constante no
período (BRASIL & ABREU, 2002; MEDEIROS, 2004; COSTA, 2008; MIRANDA
et al., 2008; SAPORI & ANDRADE, 2008; PROENÇA JR. et al., 2009; TEIXEIRA,
2013; BEATO & RIBEIRO, 2016).
Espaços de Participação 4%
Instituições de Saúde 7%
Nota: A classificação não é mutuamente excludente, pois um artigo pode tratar de duas ou mais instituições.
124 A CONSTITUIÇÃO DE 88 - TRINTA ANOS DEPOIS
que se tornou mais premente a partir da década de 2000, os demais estão em linha de
continuidade com os já estudados pela literatura na virada da década de 1980 e durante
a década de 1990. O diagnóstico geral de incapacidade de o Estado gerir a massa carce-
rária e violações de direitos fundamentais também é semelhante, indicando assim uma
realidade que não se alterou após a Constituição de 1988.
Além das instituições de segurança e justiça criminal propriamente ditas, encontra-
mos estudos em instituições pouco notadas nos levantamentos bibliográficos anterio-
res. Cerca de 7% do total de artigos coletados eram estudos em instituições de saúde
sobre violência doméstica (SCHRAIBER, 2000; MOURA & REICHENHEIM, 2005;
dentre outros). Espaços de participação, debate e deliberação na área de segurança pú-
blica, por sua vez, foram estudados em 4% dos artigos (GALDEANO, 2010; RIBEIRO
& TEODÓSIO, 2011; BUENO et al., 2016; dentre outros). Também encontramos ar-
tigos sobre instituições e atores relevantes na área de segurança que não se enquadram
em nenhuma das categorias descritas anteriormente (14% do total). É o caso daqueles
que estudaram o modo como a mídia cobre e influencia as respostas estatais ao crime
(CAMPOS, 2009; PORTO, 2009; ALMENDRA & MORAES, 2012); a atuação do
Legislativo em matéria criminal (AZEVEDO, 2008; LOWENKRON, 2013; CAM-
POS, 2014; dentre outros); e o envolvimento de militares das Forças Armadas em
atividades de segurança pública (ZAVERUCHA, 2000; MUNIZ & PROENÇA JR.,
2007); o papel das escolas na redução da violência escolar (GONÇALVES & SPOSI-
TO, 2002; MIRA & PAULY, 2015); e o fenômeno da segurança privada (HUGGINS,
2000; LOPES, 2013 e 2015; ZANETIC, 2009 e 2013).
Por fim, 8% dos artigos coletados analisam as ações de órgãos responsáveis pelo pla-
nejamento, fomento e coordenação de políticas de segurança pública nos três níveis da
federação (ADORNO, 2003; CERQUEIRA & LOBÃO, 2004; SOARES, 2007; RAT-
TON et al., 2014; SANTOS et al., 2015; COSTA, 2015b; MOURA, 2012; ZAVERU-
CHA & NÓBREGA JR., 2015; dentre outros). Esses artigos nos levam à temática das
políticas públicas de segurança, aqui entendidas como as diretrizes e ações estratégicas
ou operacionais empreendidas por agentes estatais que agem intencionalmente para
enfrentar o problema da criminalidade e da insegurança pública.
Os trabalhos sobre políticas públicas de segurança e justiça criminal ganham rele-
vância à medida que aumenta o protagonismo dos governos na área de segurança pú-
blica. Uma caracterização geral dessa produção pode ser obtida se olharmos o número
de artigos que abordam políticas públicas (Gráfico 9) e para o foco analítico desses
trabalhos – se descrições institucionais e/ou históricas da ação do Estado na área ou
se voltados para o entendimento de uma ou mais fases do ciclo da política pública:
formação da agenda, formulação, implementação e/ou avaliação (Tabela 1).
126 A CONSTITUIÇÃO DE 88 - TRINTA ANOS DEPOIS
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Não Sim
N° %
Esses dados precisam ser analisados com mais profundidade, mas parecem sinali-
zar que, apesar do avanço acadêmico no estudo das políticas públicas, ainda há impor-
tantes lacunas a serem preenchidas. Avaliações de impacto e avaliações de desempe-
nho, que geralmente demandam desenhos de pesquisa mais sofisticados para assegurar
o controle de variáveis, ainda são relativamente raras. A explicação mais imediata para
essa realidade certamente está na persistente escassez de dados confiáveis e válidos na
área de segurança pública, pré-requisitos para estudos avaliativos mais complexos. Essa
carência, por sua vez, está relacionada a um fenômeno político mais amplo presente
em outras áreas de políticas públicas: a fragilidade da prestação de contas e a ausência
de uma visão gerencial por parte dos agentes públicos, em geral pouco adeptos da
filosofia da política pública baseada em evidências. Os poucos estudos sobre forma-
ção de agenda e formulação de políticas também apontam para lacunas importantes.
Os cientistas políticos costumam ter particular interesse por essas fases, podendo aqui
contribuir mais ativamente para o avanço do conhecimento sobre políticas públicas
de segurança e justiça criminal.
Conclusão
Os 30 anos pós-Constituição de 1988 revelam um cenário ambíguo em relação à
segurança pública. Por um lado, essa temática conquistou espaço na esfera acadêmica,
suscitando a produção de respeitável conhecimento científico. A segurança pública
está se institucionalizando como área acadêmica na sociedade brasileira, diferencian-
128 A CONSTITUIÇÃO DE 88 - TRINTA ANOS DEPOIS
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136 A CONSTITUIÇÃO DE 88 - TRINTA ANOS DEPOIS
5.
Comunicação Política
e Opinião Pública
Introdução
A área de Comunicação Política e de estudos sobre opinião pública é uma das mais
tradicionais no mundo acadêmico norte-americano1. Com a popularização dos jornais
nos Estados Unidos no final do século XIX e o surgimento e a rápida disseminação do
rádio, no início dos anos 1920, as relações entre a mídia, a opinião pública e o sistema
político passaram a interessar a estudiosos como Lippman e Robert Park, pioneiros das
primeiras análises sobre o poder da comunicação e seu impacto na vida social e polí-
tica estadunidense. Esse interesse se tornou ainda mais premente quando os partidos
e as campanhas políticas passaram a usar intensivamente os meios de comunicação
de massa, o rádio nos anos 1930 e a televisão no início dos anos 60. Essa articulação
entre o sistema de mídia e o sistema político despertou grande atenção e atraiu diversos
pesquisadores, como Katz & Lazarsfeld (1955), cujas pesquisas são consideradas um
clássico da área, ao lado de Lippman (1922) e Park (1960), para a investigação sobre
os efeitos da mídia na formação da opinião pública e na decisão do voto. Assim, já na
primeira metade do século passado, várias universidades norte-americanas de prestígio
2 Entre os títulos de maior longevidade, pode-se mencionar o Journalism & Mass Communication Quarterly
(publicado pela Association for Education in Journalism and Mass Communication, AEJMC), o Journal of
Communication (da ICA), o Journal of Applied Communication Research e o Critical Studies in Media Communi-
cation (ambos da NCA), e Media, Culture & Society.
4 Consultar, sobre a constituição da área de Comunicação e Política no Brasil, Rubim e Azevedo (1998).
5 Sobre a institucionalização da Ciência Política no Brasil, ver, por exemplo, Avritzer, Milani e Braga (2016).
5. Comunicação Política e Opinião Pública 139
No campo das Ciências Sociais, o primeiro GT dedicado a esses temas foi formado
na ANPOCS. Até 1997, os primeiros pesquisadores da área com formação em política
apresentaram seus primeiros papers sobre mídia e política nos grupos de trabalhos
sobre partidos e eleições ou, em menor escala, em outros GTs com recorte temático
próximo ou tangente. No XXI Encontro Anual da ANPOCS, em 1997, em Caxambu,
foi realizado um Seminário Temático dedicado a mídia, política e opinião pública,
com a participação de cientistas políticos e comunicólogos. No final do encontro, os
pesquisadores participantes do seminário resolveram propor à ANPOCS a criação de
um grupo de trabalho permanente, com o mesmo nome, a partir do XXII Encontro,
em 1998. O GT foi aprovado e hoje continua em funcionamento sob o nome de Mí-
dias, Política e Eleições. Esse GT teve um papel aglutinador muito importante ao reu-
nir cientistas sociais dedicados ao tema do grupo e ao discutir e disseminar questões,
teorias e metodologias no momento inicial de formação do campo de estudo no Brasil.
Recentemente, com a emergência da internet e as novas mídias sociais, três novos GTs
foram criados para abrigar os pesquisadores dedicados aos novos dispositivos midiáti-
cos, ampliando, dessa forma, as fronteiras da área.
A ABCP foi criada em 1986, mas os seus encontros bianuais, organizados por áreas
temáticas, só tiveram início em 1996. Com o campo disciplinar ainda em formação no
país, o aumento de participantes nos encontros foi lento, e nos primeiros eventos patro-
cinados pela entidade os pesquisadores foram aglutinados em grandes áreas que se di-
vidiam em seções temáticas. Desse modo, os pesquisadores da Comunicação Política e
da Opinião Pública, a maior parte cientistas políticos, começaram a participar dos en-
contros através da área temática Eleições e Representação Política, ao lado dos colegas
que trabalhavam com partidos, eleições e Legislativo. Nesse período, que se estendeu
até o VI Encontro Anual, em 2008, pelo menos uma das seções da área temática era
reservada para a apresentação de papers e a discussão das questões relativas à relação
entre a mídia e a política. Justamente em 2008, ocorreu a separação (amigável) entre
o pessoal da Comunicação Política e de partidos, com os primeiros migrando para a
área temática Cultura Política e Democracia. Finalmente, em 2010, durante o VII
Encontro Anual, criou-se a área temática Comunicação Política e Opinião Pública.
O crescimento e a consolidação do campo de estudo, tanto em número de pesqui-
sadores quanto de instituições que lhe dão suporte no meio universitário, possibilitou
o projeto de criação de uma sociedade científica especializada no campo de estudo.
A partir de uma proposta inicial de Wilson Gomes, da UFBA, 56 comunicólogos
e cientistas políticos fundaram, em Salvador, em dezembro de 2006, a Associação
Brasileira de Pesquisadores em Comunicação e Política – COMPOLÍTICA. Como a
ABCP, a associação realiza encontros bianuais que são desenvolvidos tendo por base
144 A CONSTITUIÇÃO DE 88 - TRINTA ANOS DEPOIS
7 E que deliberam, entre outros assuntos, sobre a liberdade de expressão e inconstitucionalidade da censura, a
proibição de monopólios e oligopólios de mídia, as concessões de serviços de radiodifusão, a propriedade dos veícu-
los e a instituição do Conselho de Comunicação Social.
5. Comunicação Política e Opinião Pública 147
do globo, entre outras dimensões, levaram a que muitos autores depositassem nessas
novas ferramentas suas esperanças de redenção de expectativas democráticas e de re-
novação das promessas da chamada “esfera pública”. Por outro lado, efeitos talvez não
imediatamente discerníveis da proliferação das redes e do avanço das tecnologias de
controle da informação passaram a representar riscos cada vez maiores de ameaças à
privacidade, além de abrir vias inauditas para a manifestação de ódios e preconceitos,
e para a articulação de iniciativas e interesses escusos e antidemocráticos.
Assim, foi possível observar ao longo das últimas três décadas uma evolução consis-
tente do ponto de vista teórico-metodológico e a consagração de técnicas de pesquisa
cada vez mais apuradas e sofisticadas. Entre as mais utilizadas, é possível destacar: 1)
a análise discursiva e de enquadramentos da produção midiática: revelando estruturas
de significação e recorte, intencional ou não, da realidade, assim como estratégias
enunciativas e conotativas (PORTO, 2002); 2) análises ditas de conteúdo: com o des-
velamento das estratégias editoriais mais ou menos conscientes e deliberadas dos di-
versos veículos de comunicação e os consequentes processos de formação da agenda
pública (LATTMAN-WELTMAN, 1996); 3) a partir das quais, por sua vez, derivam
também as chamadas análises de valências: em seu esforço por caracterizar de modo
mais preciso o tratamento eventualmente sistemático reservado pelos meios a atores
políticos e a issues de campanha e confronto partidário (ALDÉ, MENDES, FIGUEI-
REDO, 2007). Em escala consideravelmente menor, mas não menos bem-sucedidos
– e muitas vezes buscando superar as limitações dos métodos mais empregados de
análise da oferta midiática – destacaram-se também experimentos na seara dos estudos
de recepção, com recurso inclusive à utilização de grupos focais e entrevistas em pro-
fundidade (ALDÉ, 2004).
Em igual monta e relevância, há também que se mencionar tanto o recurso a
técnicas conhecidas de história oral, com a realização de entrevistas com atores e per-
sonagens estratégicos, sem esquecer, é claro, o recurso sempre desejado – mas muitas
vezes proibitivo – de efetivação de surveys e pesquisa quantitativa representativa. Mas
é justamente em função do já mencionado processo de informatização que muitos
pesquisadores – em especial os mais jovens – têm se dedicado à prospecção de ferra-
mentas computadorizadas de pesquisa em rede, com o uso de sofisticados mecanismos
de coleta e análise de dados – particularmente em investigações justamente a respeito
das novas ferramentas de comunicação digitais e processos de interpelação ideológica
e mobilização política e partidária via redes (CHADWICK & HOWARD, 2009).
Todo esse esforço coletivo tem revertido em prol de um conhecimento cada vez
mais sistemático acerca das principais especificidades do papel político, institucional
e ideológico exercido pelos modernos meios de comunicação na experiência política
148 A CONSTITUIÇÃO DE 88 - TRINTA ANOS DEPOIS
contemporânea e de seus impactos sobre a prática da cidadania, das lutas pelo poder e
do destino das instituições, em particular as democráticas.
Assim, ao longo dos anos que se seguiram à promulgação da Constituição Brasilei-
ra de 1988, inclusive, dificilmente poderíamos abrir mão de tais estudos e pesquisas
se quiséssemos, de fato, dar conta de uma compreensão mais abrangente e sofisticada
dos transes e sucessos por que passamos na busca de soluções coletivas para nossos
principais problemas e impasses.
De fato, como compreender eventos tão decisivos da recente história política bra-
sileira sem a devida atenção ao papel específico desempenhado por nosso jornalismo
e nossos veículos de comunicação de massas? Das expectativas às críticas com que foi
recebida a nova Carta Magna pelos ditos formadores de opinião, aos eventualmente
surpreendentes resultados das eleições, desde a inusitada vitória de Collor de Mello,
em 1989, à acirradíssima e contestada disputa de 2014, e sem deixar de mencionar, é
claro, a crise política do impeachment de Dilma Rousseff em 2016 e as atribulações do
governo Temer, até o presente momento; ou se nos ativermos ao debate econômico,
marcado pela crise hiperinflacionária legada pelos anos 1980, pelas tentativas hetero-
doxas de solução, até o Plano Real (1994), a retomada do crescimento, cerca de uma
década depois, até nova crise global se abater sobre nós; ou, de modo ainda mais cons-
pícuo, o show ininterrupto de escândalos e denúncias de corrupção que vêm atingindo
praticamente todas as administrações públicas (até onde a memória alcança); enfim:
como sequer imaginar a ocorrência de todos esses fatos, e o profundo impacto causado
por eles sobre a imaginação do público e o destino de tantos enredos, instituições e
personagens políticos sem a mediação decisiva – perdoem-nos a redundância – dos
meios? Assim sendo, é virtualmente impossível dizer onde termina a narrativa e a cons-
trução dos sentidos e onde começa o narrado e sua “realidade”. Ou até que ponto são
tais instituições – as mídias – parte da solução ou parte do problema, ou dos grandes
problemas da democracia, hoje, no Brasil e alhures?
É justamente em função desses e de outros dilemas e impasses, portanto, que a área
temática dos estudos de comunicação política ainda tem muito que evoluir e desenvol-
ver, tanto teórica quanto metodologicamente.
assim como dos processos não necessariamente intencionais de enquadramento e bias que
as afetam. Também é possível observar grande acúmulo de conhecimento substantivo em
cada uma das já mencionadas subáreas de pesquisa do campo.
Seja como for, em função de tais avanços, tornou-se hoje quase um truísmo a no-
ção de que, a despeito de sua ainda hoje propalada neutralidade ou apartidarismo, as
mídias nunca deixam, de um modo ou de outro, de serem atores políticos relevantes
(AZEVEDO, 2017). Certamente pode-se diagnosticar graus bem variados de envol-
vimento político midiático: desde uma abordagem mais aparentemente equilibrada
e desapaixonada dos temas da agenda política e seus atores principais, até o engaja-
mento faccioso mais declarado e irreversível (ao longo do último quarto de século,
inclusive, foi possível observar exemplos de evolução radical e relativamente rápida
em tal continuum no comportamento de vários veículos). Mas seja qual for a direção
ou intensidade de tais posicionamentos, é certo que eles implicarão, de um modo ou
de outro, na forma como serão construídos os significados dos fatos sociais e das pautas
públicas, em determinados sentidos e não outros, possíveis. Em suma: se havia ainda
alguma dúvida a respeito, a experiência de pesquisa na área já demonstrou fartamente
que a objetividade jornalística e, consequentemente, as pretensões de imparcialidade
política e ideológica do jornalismo não conseguem ultrapassar a pretensão de serem
“apenas” importantes ideais regulatórios e deontológicos (talvez inerentes a determi-
nadas necessidades econômicas e sociais de legitimação do campo jornalístico; e, des-
confiamos nós, talvez até mesmo, ou em grande medida, circunscritos a determinadas
fases de desenvolvimento histórico da democracia liberal contemporânea)8.
O que frequentemente não se pode saber a partir daí – e esse segue sendo um de-
safio a que nem sempre os pesquisadores do campo parecem dar a devida atenção – é
qual será a recepção, ou quais as diferentes maneiras de se receber e processar tal infor-
mação, por mais aparentemente consistente e/ou obviamente enviesada e tendenciosa
que esta possa ser; qual uso se fará da mesma e com que consequências. Assim como
o cidadão/eleitor pode ser considerado o ponto simultaneamente focal e ainda relati-
vamente cego, ou na melhor das hipóteses, ainda enigmático de grande parte do es-
forço explicativo e preditivo da Ciência Política, em contextos ao menos formalmente
democráticos, o leitor/telespectador/ouvinte/internauta, enquanto ator político, segue
sendo o foco e a principal esfinge a ser desvendada pelo especialista em processos con-
temporâneos de comunicação política. Como interpretar – e, se possível, prever – as
eventuais oscilações de comportamento e escolha política de indivíduos submetidos
pública retira grande parte de sua relevância e de seu interesse da forte percepção – ou
sentimento – acerca da onipresença cotidiana, massiva e incontornável de seu objeto,
em suas diversas e mutantes formas, em todas as esferas de reprodução da vida cultural
e social contemporânea. Ou seja: não há como ser neutro ou indiferente a fenômeno
cultual e ideológico tão pervasivo, tão influente em nosso ambiente físico e mental, e
em grande medida tão definidor de nossa cultura, nossas próprias identidades e visões
de mundo.
Por isso mesmo, os riscos de enfrentamento de tal objeto nunca se reduzem a
meras dificuldades técnicas ou metodológicas (tal como a ingenuidade típica dos pes-
quisadores neófitos pode supor em seu salutar entusiasmo e curiosidade). Eles dizem
respeito também, num plano intelectual um pouco mais complexo e profundo, à ne-
cessidade de controle crítico dos próprios pressupostos normativos e teóricos, ou seja,
das expectativas mais ou menos realistas que se pode nutrir em relação não somente
às reais dimensões, potencialidades e implicações do objeto em questão – em poucas
palavras, o poder da mídia –, no contexto geral das instituições políticas, e da correla-
ção geral de forças na sociedade, mas também, ao mesmo tempo, dos limites de nosso
próprio conhecimento a respeito.
Assim, se por um lado saudamos hoje o inegável sucesso institucional do campo de
estudos sobre comunicação política e opinião pública – manifesto, como vimos acima,
na consolidação de grupos competentes de pesquisa espalhados por todo o território
nacional, na qualidade e constância dos fóruns acadêmicos especializados, na interna-
cionalização da produção científica da área, na renovação dos quadros de docentes e
pesquisadores e, por último, mas não menos importante, na construção de um corpus
significativo de conhecimento teórico, metodológico e substantivo especializado –,
por outro lado, como não poderia deixar de ser, há que se atentar para a outra face da
institucionalização, naquilo que ela tem de habitualmente pernicioso. Ou seja: referi-
mo-nos aqui à inevitável burocratização das atividades de pesquisa – com a tendência
comum à repetição ritual de experimentos e métodos – ou ao engessamento superfi-
cial dos conteúdos de ensino e do senso comum da área, tomando-se pressupostos e
resultados mais ou menos provisórios e datados como dados imutáveis e assumindo-se
determinadas premissas normativas como sendo óbvias e indisputadas.
Acima de tudo, há que se atentar para os potenciais e efetivos efeitos contraditó-
rios dos meios contemporâneos sobre a própria qualidade e futuro do desempenho das
instituições políticas da democracia e sobre o exercício da cidadania. Ou seja: até que
ponto hoje as práticas comunicacionais se fazem não exatamente no sentido do aprimo-
ramento ou consolidação de culturas cívicas, ou ditas republicanas, compatíveis com
as tradições modernas de liberdade individual, igualdade jurídica, justiça social básica
152 A CONSTITUIÇÃO DE 88 - TRINTA ANOS DEPOIS
e tolerância diante das diferenças culturais – como já foi, e ainda é, hoje, comum se
esperar9 –, ou, na verdade, muito mais contra a política e contra a própria democracia?
Trata-se, pois, não somente de se preservar e aprimorar um patrimônio acumulado
de conhecimento teórico e substantivo, ou de se reproduzir um conjunto de técnicas,
métodos e de profissionais de pesquisa qualificados ao seu exercício, mas sim de se dar
continuidade a uma bem-sucedida, embora relativamente jovem, tradição de estudos,
bem como avançar para além dos caminhos já percorridos – e em certos casos, já de
há muito batidos – e permitir o enfrentamento de problemas que, se não exatamente
inéditos, não deixam, porém, de se mostrar cada vez mais urgentes e frequentes. E não
apenas no Brasil.
Aqui, em particular, o contexto político e institucional contemporâneo parece re-
clamar urgente atenção e considerável esforço de revisão e renovação teórica. Sem
dúvida que o papel recentemente desempenhado pelos meios de comunicação mais
tradicionais, mas também o impacto inédito trazido pela massificação e pela trans-
formação permanente daquilo que já se chamou de “galáxia da internet” (MARTU-
CELLI, 2015), no quadro de grave crise vivida no país – e cujo ápice (até agora)
aparentemente se deu com o impeachment de Dilma Rousseff, em 2016 –, vêm sendo
maciçamente estudados pela comunidade de pesquisadores da área, em tarefa que cer-
tamente se encontra em processo relativamente aberto (não sendo propriamente pos-
sível ainda, nem muito menos justo, demandar dessa produção algo muito diferente
do que a reiteração dos mesmos esquemas interpretativos já devidamente consagrados
pela “tradição” a que já aludimos).
É preciso levar em consideração também ao menos a hipótese de estarmos todos
agora diante de transformações bem mais significativas, ou radicais, do ambiente co-
municacional político geral, de modo que, para além dos aspectos histórica e aparen-
temente repetitivos que assemelhariam a crise atual com outras já vividas no passado
– seja como farsa ou tragédia –, não podemos abrir mão de verificar até que ponto o
contexto atual seria qualitativa e decisivamente distinto de tudo o que já vimos ou co-
nhecemos antes. Em grande medida, justamente por força de novas coordenadas tec-
nológicas, econômicas, culturais e sociais relacionadas aos novos meios digitais, à sua
difusão em escala planetária e, por último, mas não menos importante, às mudanças
que inevitavelmente impõem a toda a economia política da comunicação – dramati-
9 A despeito da grande corrente de estudiosos “apocalípticos” da comunicação social (ECO, 1970), a tradição
predominante das análises institucionais sobre democracia ainda hoje tende a equacionar liberdade de expressão e
operação usual da mídia com plena vigência das instituições democráticas, sem maiores preocupações ou questio-
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156 A CONSTITUIÇÃO DE 88 - TRINTA ANOS DEPOIS
6.
Constituição Cidadã e participação
social – a política externa brasileira
em debate no CONSEA e no CNS*
Introdução
Em sua transição política para a democracia, em particular ao longo do processo
de formulação de sua nova Carta Magna, o Brasil contou com intensa participação
social. Essa foi uma característica particularmente importante na definição do arranjo
institucional de diversas políticas públicas, levando inclusive a que a Constituição de
1988 passasse a ser conhecida como Constituição Cidadã. Não se tem registro, entre-
tanto, de um movimento em direção à criação de mecanismos formais de ampliação
da participação social na política externa neste momento.
De fato, não houve, por parte da sociedade civil, qualquer reivindicação pela cria-
ção de mecanismos constitucionais que, ao alterarem a lógica da representação políti-
ca na formulação da política externa, procurassem garantir participação social na defi-
nição das diretrizes da política externa nos anos vindouros. Por que a política externa
teria ficado ao largo dessa tendência, ainda que talvez não tenha sido a única e embora
tenham sido as políticas sociais aquelas que mais se beneficiaram dessa demanda? Essa
indagação se justifica, entre outras razões, por termos conhecimento de que, durante
* Agradecemos a leitura e os comentários sugeridos pelos organizadores desta publicação, assim como os de Maria Re-
gina Soares de Lima. Possíveis omissões e incorreções do texto final, entretanto, são de nossa inteira responsabilidade.
158 A CONSTITUIÇÃO DE 88 - TRINTA ANOS DEPOIS
esse mesmo processo, houve intensa interlocução da sociedade civil com os consti-
tuintes e com o Itamaraty, interlocução essa responsável pela introdução de algumas
proposições no art. 4° da Constituição Federal1. E, passados 30 anos da sua aprovação,
existiriam mecanismos constitucionais que, atualmente, possam contemplar deman-
das da sociedade a respeito de questões voltadas para o plano externo?2
Há alguns anos, em artigo sobre processo decisório da política externa brasileira
(PEB), afirmava-se ser um equívoco ignorar os mecanismos constitucionais que re-
giam a matéria, uma vez que a Carta Magna estabelece os parâmetros dentro dos
quais os atores atuam (PINHEIRO, 2009). Afinal, como lembra Lopes (2011, p. 77),
as premissas constitucionais da PEB são “o ponto de partida para uma formulação de
política pública que variará conforme mudam as interpretações e as contingências
do exercício de governo”. Assim, se é no texto constitucional que a competência dos
atores na formulação e condução das políticas é delimitada, por suposto que a ausên-
cia de mecanismos que garantam algum grau de participação social na definição da
política externa levaria a resposta de que, no Brasil, teríamos uma política externa sem
lastro social. Na oportunidade, entretanto, também se alegava que, a fim de explicar
a relação entre o processo de formulação e o conteúdo da política externa, era preciso
ir além desses mecanismos, pois, embora fosse importante identificar as competências
constitucionais dos atores, isso não seria suficiente para explicar a direção e o conteúdo
da política a ser conduzida (PINHEIRO, 2009).
Nesse sentido, destaca-se que a inexistência desses mecanismos na Constituição
de 1988 não impediu a participação da sociedade civil organizada nos debates sobre
as conferências sociais das Nações Unidas na década de 1990 (ALVES, 2013; LIMA,
2009; MESQUITA, 2016), assim como não impossibilitou a atuação de entidades da
sociedade na produção de políticas relacionadas ao Mercosul (MARTINS, 2011; MES-
QUITA, 2012, 2016). Da mesma forma, a criação de secretarias especiais, como a de
Direitos Humanos e a de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, temas com forte
interface internacional, pode ser vista como expressão de interesse dos governos petis-
tas por manter algum grau de interlocução com os movimentos sociais (JAKOBSEN,
1 Para maiores informações sobre o processo de incorporação desses princípios na Constituição, ver Valente
(2015); e para uma análise sobre a capacidade da Constituição Federal de responder, à luz dos mesmos, aos desafios
impostos pelo sistema internacional nestes últimos 30 anos, ver Onuki e Medeiros no capítulo 2 neste livro.
2 No campo de estudos sobre a política externa brasileira, existem diversos trabalhos que abordam a participação
e a influência de setores da sociedade civil em assuntos afeitos a esta agenda. Para citarmos apenas alguns: Carvalho
(2003); Dolce Faria (2015); Faria (2012); Lopes, Faria e Santos (2016); Oliveira (1999); Pomeroy (2016); Santana
(2001); Vieira (2016). Entretanto, esses trabalhos e outros que serão citados ao longo do texto não abordaram a
temática sob a perspectiva das mudanças constitucionais, que é o nosso objetivo neste capítulo.
6. Constituição Cidadã e participação social – a política externa brasileira em debate... 159
2016). Sendo assim, reiteramos a importância de não se limitar a análise apenas àquilo
que é definido pela Constituição como competência em assuntos de política externa.
Nosso objetivo neste capítulo, no entanto, é o de investigar se na própria Constitui-
ção, e não fora dela, existem mecanismos dessa natureza quando se olha para a política
externa. Nesse sentido, voltamos ao texto constitucional, dessa feita para refletir sobre
a existência de dispositivos que, embora não tenham sido originariamente criados para
contemplar temas de política externa, constituem-se nos dias de hoje em espaços de
debate e controle sobre temas de forte interface com a mesma. Essa reflexão nos le-
varia, assim, a responder à segunda pergunta feita acima. Da mesma forma, ao longo
deste capítulo, procuraremos responder a primeira pergunta, ou seja, por que durante
o processo constituinte a política externa teria ficado ao largo do movimento da socie-
dade civil pela introdução de mecanismos formais de participação social na definição
das políticas públicas?
Essa linha de reflexão se aproxima de, pelo menos, outras duas desenvolvidas ante-
riormente por especialistas na área. Embora se distingam da perspectiva aqui adotada
por focarem apenas em temas de política externa stricto sensu, também se voltam para a
investigação de mecanismos e espaços de atuação sobre temas da agenda internacional
já existentes na Constituição e outros potencialmente mobilizáveis no sentido da am-
pliação da participação e do controle de temas de política externa para além daqueles,
manifesta e notoriamente, criados para tal. Referimo-nos à pesquisa de Sanchez Badin,
Cardoso e Spécie (2006), em que se buscou explorar formas de controle do poder pú-
blico disponibilizadas pela Constituição de 1988 para supervisão da política externa; e o
trabalho de Anastasia Mendonça e Almeida (2012), em que se procurou identificar cur-
sos de ação que um legislador talentoso, com preferências intensas em alguma área de
política externa, seria capaz de mobilizar no arranjo institucional brasileiro, com vistas
a ampliar sua participação no processo decisório relacionado a essa política. Enquanto
Sanchez Badin, Cardoso e Spécie optaram por analisar os atos da administração pública
e determinados meios de requerer publicidade na condução da política externa como
instrumentos de controle da mesma, Anastasia, Mendonça e Almeida optaram por in-
vestigar o jogo ex ante do exame das matérias de política externa pelo Poder Legislativo,
e o jogo ex post ao início da apreciação formal das referidas proposições por esse mesmo
poder. Nosso objetivo, neste capítulo, por sua vez, será o de identificar outros espaços de
debate e de possível controle de questões de política externa que, apesar de não terem
sido incorporados à Constituição de 1988 com esse fim, podem ser mobilizados para tal.
Referimo-nos aos conselhos nacionais de políticas públicas.
O capítulo está dividido em quatro seções, além desta introdução. A primeira apre-
senta um breve panorama sobre a definição constitucional de competências em polí-
160 A CONSTITUIÇÃO DE 88 - TRINTA ANOS DEPOIS
relações com os Estados estrangeiros (art. 5º), nomear os membros do corpo diplo-
mático e consular, celebrar tratados e convenções internacionais; conceder ou negar
passagem a forças estrangeiras pelo território nacional; declarar a guerra e fazer a paz;
resolver definitivamente sobre os limites do território nacional; organizar a defesa ex-
terna, a polícia e a segurança das fronteiras e forças armadas. Por sua vez, ao Poder Le-
gislativo competia resolver definitivamente sobre tratados e convenções com as nações
estrangeiras; autorizar o presidente da República a declarar a guerra e a negociar a paz,
assim como autorizá-lo a ausentar-se do país.
Com a promulgação da Carta autoritária de 1937, todas as atribuições do Execu-
tivo e do Legislativo ficaram concentradas na Presidência da República, ignorando a
autonomia dos entes da federação, legislando por via de decretos-leis e emendando a
Constituição por meio de leis constitucionais (DALLARI, 1994, p. 42, apud POLVEI-
RO JR., s/d, p. 4). Com relação à política externa em particular, não se instituiu mu-
dança na sua condução, a não ser a determinação expressa de que a competência para
dirigi-la e orientá-la fosse também do presidente da República (SANCHEZ BADIN,
CARDOSO, SPÉCIE, 2006, p. 129-130).
Nove anos mais tarde, a aprovação da nova Carta consolidaria, nas palavras de
Dallari (1994, p. 47), “um sistema político fundado na democracia representativa, a
institucionalização da federação e da autonomia municipal e a progressão no trata-
mento constitucional dos direitos e garantias fundamentais e de matéria econômica
e social”. Em que pese refletir a mudança radical de um regime autoritário para um
regime democrático, não houve alteração substantiva das competências da União so-
bre a condução das relações internacionais do país, praticamente reeditando os artigos
atinentes da versão anterior. Nesse sentido, as atribuições em matéria de relações in-
ternacionais dadas pela Constituição de 1946 ao Congresso Nacional e à Presidência
da República voltaram a ser aquelas que constavam na Carta de 1934.
Da mesma forma, o advento da Carta de 1967, após o golpe de 1964, e a promul-
gação, em 1969, do Ato Institucional n. 1 também não alterariam substantivamente os
procedimentos relativos à definição de competências na matéria.
Essa recorrência muito nos ensina sobre o lugar das relações internacionais e, mais
precisamente, da política externa, no imaginário dos nossos constitucionalistas e po-
líticos. Protegida pela crença na sua associação com a defesa da soberania nacional e
blindada contra eventuais tentativas de tornar mais transparente e pública sua formu-
lação e condução, do regime monárquico ao regime autoritário implantado em 1964,
passando pelo Estado Novo e pela República democrática de 1946, a definição das
diretrizes da política externa não saiu das mãos do Executivo, com apenas algumas
concessões feitas ao Poder Legislativo no sentido da sua participação ex post.
162 A CONSTITUIÇÃO DE 88 - TRINTA ANOS DEPOIS
[…] resolver definitivamente sobre tratados, acordos ou atos internacionais que acar-
retem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional; autorizar o Presi-
dente da República a declarar guerra, celebrar a paz, permitir que forças estrangeiras
transitem pelo território nacional ou nele permaneçam temporariamente [...]; autorizar o
presidente e o vice a se ausentarem do País [...]; aprovar o estado de defesa e a inter-
venção federal […].
3 Cabe também mencionar a atribuição concedida ao Supremo Tribunal Federal de processar e julgar, origina-
riamente, “a extradição solicitada por Estado estrangeiro e a homologação das sentenças estrangeiras e a concessão
do exequátur às cartas rogatórias (art. 102, I, g e h)” (DALLARI, 1994, p. 151).
6. Constituição Cidadã e participação social – a política externa brasileira em debate... 163
4 Alguns, como Alexandre (2006), destacam que o Poder Legislativo delega suas competências ao Executivo até
que, em caso de algum desacordo grave sinalizado pela ativação dos mecanismos de alarme de incêndio, decida
retomá-las. Outros, como Anastasia, Mendonça e Almeida, vão além, afirmando que “o Poder Legislativo, no Brasil,
conta com um conjunto de instrumentos institucionalizados – indicação parlamentar, manipulação de dimensões,
controle de agenda e voto estratégico – que lhe permite, caso assim o deseje, intervir ex ante e ex post na produção,
execução e acompanhamento da política externa brasileira” (2012, p. 620).
5 “Art. 4º. A República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações internacionais pelos seguintes princípios:
I - independência nacional; II - prevalência dos direitos humanos; III - autodeterminação dos povos; IV – não-in-
tervenção; V - igualdade entre os Estados; VI - defesa da paz; VII - solução pacífica dos conflitos; VIII - repúdio
ao terrorismo e ao racismo; IX - cooperação entre os povos para o progresso da humanidade; X - concessão de
asilo político. Parágrafo único. A República Federativa do Brasil buscará a integração econômica, política, social
e cultural dos povos da América Latina, visando à formação de uma comunidade latino-americana de nações”
(BRASIL, 1988).
164 A CONSTITUIÇÃO DE 88 - TRINTA ANOS DEPOIS
Junto a esse inegável ineditismo no que tange à explicitação dos princípios pe-
los quais a política externa brasileira deve se reger, merece referência uma outra
dimensão da Constituição em que os temas internacionais podem ser contempla-
dos. Como afirma Dallari (1994, p. 151), “[...] as normas constitucionais relativas à
inserção do Brasil na comunidade internacional se desdobraram por todo o texto”.
Em outras palavras, continua o autor, mesmo “não vinculados explicitamente ao tra-
tamento do tema das relações exteriores do País, dispositivos cujo teor encerra forte
incidência nessa temática estão presentes nos diferentes Títulos da Constituição”
(1994, p. 151).
Embora Dallari não esteja se referindo ao universo do processo decisório de polí-
tica externa, é numa chave semelhante que, a seguir, gostaríamos de tratar da relação
entre os espaços criados – ou reorganizados – pela Constituição de 1988 para ampliar
a participação social nas políticas públicas e na política externa brasileira. Entendemos
que o reconhecimento desses espaços como ambientes de debate sobre política exter-
na está relacionado à concepção da mesma como uma política pública6 (MILANI,
PINHEIRO, 2013; LOPES, 2011) e como um continuum entre as políticas interna,
externa e internacional (SANCHEZ BADIN, CARDOSO, SPÉCIE, 2006). Outros
fatores importantes nesse sentido são a reconfiguração contemporânea dos temas de
política externa e a diluição da dicotomia interno-externo, em um contexto político
doméstico em que se introduziu forte componente social à política externa brasileira.
Dessa forma, como veremos a seguir, tais espaços revelam a existência de canais de
participação social na Constituição brasileira passíveis de acolher demandas da socie-
dade a respeito de questões voltadas para o plano externo.
A fim de ilustrar a assertiva acima – que, na realidade, se constituirá na resposta
à principal pergunta deste capítulo7, gostaríamos de, a seguir, explorar as possibili-
dades de debate sobre a política externa por meio de mecanismos de participação
social previstos pela Constituição de 1988. Na oportunidade, buscaremos também
responder a outra pergunta formulada na introdução: por que, durante o processo
6 Nas palavras do próprio Celso Amorim, ministro das Relações Exteriores ao longo dos dois mandatos do pre-
sidente Lula, “do mesmo jeito que há uma política social, uma política educacional, uma política econômica, há
uma política externa. E, ao ser uma política externa, é também uma public policy, digamos assim. [...] É uma public
policy e, por isso, espelha as atitudes e percepções dos governos. Naturalmente, essas percepções e essas atitudes não
podem estar em contradição com aqueles princípios [constitucionais da PEB]. Mas elas são uma maneira de levar
esses princípios à prática, de transformar esses princípios em diretrizes políticas” (AMORIM, 2007 apud LOPES,
2011, p. 77).
7 A título de recordação, trata-se da seguinte questão: nos dias de hoje, haveria na Constituição brasileira meca-
nismos de participação social que pudessem contemplar, de algum modo, demandas da sociedade a respeito de
questões voltadas para o plano externo?
6. Constituição Cidadã e participação social – a política externa brasileira em debate... 165
constituinte, a política externa teria ficado fora do movimento pela criação de me-
canismos formais de participação social nas políticas públicas?
[…] quase a totalidade das políticas sociais brasileiras – saúde, educação, assistên-
cia social, criança e adolescente, trabalho e renda, turismo, meio ambiente, pesca, etc.
– contam com espaços institucionalizados de participação social, denominados conse-
lhos, que se configuram como órgãos administrativos colegiados com representantes da
sociedade civil e do poder público. (ROCHA, 2008, p. 137)
8 A primeira referência pública de que temos conhecimento foi feita pela então coordenadora da Rede Brasileira
para a Integração dos Povos (REBRIP), Fátima Mello, através do jornal O Globo, em 8 de setembro de 2010.
166 A CONSTITUIÇÃO DE 88 - TRINTA ANOS DEPOIS
[…] a sociedade civil como um elemento da política internacional […], devido à cren-
ça teórica de que o internacional seria espaço majoritário de atuação do estado nacio-
nal, situação que fixou no imaginário teórico a explicação estadocêntrica até meados da
década de 1970. (MESQUITA, 2016, p. 77)
[…] um processo interno de tomada de decisão, mas sim um insumo – uma caracte-
rística da política nacional – a qual serviria para a adequação da inserção brasileira. A
ampliação democrática da política externa seria conduzida internamente ao Ministério,
9 Embora não sejam os únicos a apoiar essa demanda, foram os integrantes do Grupo de Reflexão sobre Relações
Internacionais (GR-RI) – que reúne acadêmicos e pessoas que atuam no campo das relações internacionais a partir
de movimentos sociais e organizações não governamentais como a REBRIP, a Conectas, a FASE, entre outras,
além de partidos políticos, instituições de pesquisa e de governo – os que lideraram a campanha pela criação do
chamado CONPEB (A criação do Conselho Nacional de Política Externa fortalece o Itamaraty e consolida a
inserção soberana do Brasil no Mundo. In. Carta Capital. 10/09/2014. Disponível em: <http://www.cartacapital.
com.br/blogs/blog-do-grri/conselho-nacional-de-politica-externa-fortalece-o-itamaraty-8986.html>. Acesso em: 4
de maio de 2017.
6. Constituição Cidadã e participação social – a política externa brasileira em debate... 167
dentro de “uma cadência diferente, tanto discursiva quanto na prática, a marcha rumo
à democratização” (LOPES, 2013, p. 32), mantendo a lógica tradicional da representação
baseada na separação entre governantes e governados com a formação de uma elite
política distanciada. Nesse sentido o Itamaraty manteve a concentração decisória sem
o incentivo à participação no debate público e na formação da agenda. (MESQUITA,
2016, p. 84-85)
Assim, embora a política externa não estivesse (como ainda não está) imune a
denúncias de um forte déficit democrático, os argumentos que potencializaram a
criação ou reorganização dos demais conselhos durante o processo constituinte não
encontraram aderência no seu caso. Nada mais distante do universo da política ex-
terna brasileira do que as acusações de ineficiência e ausência de profissionalismo da
agência diplomática (CHEIBUB, 1985). São conhecidas as análises acadêmicas sobre
o processo de institucionalização da diplomacia brasileira que explicam o alto grau de
confiança gerado na sociedade brasileira em sua alegada competência para a condu-
ção da política externa do país (CHEIBUB, 1985; BARROS, 1986; PINHEIRO, 2009;
ALMEIDA, 2015). Nesse sentido, a própria demanda por maior debate público sobre
essas diretrizes, apoiada nas análises que denunciam seu déficit democrático (LOPES,
2014), são muitas vezes neutralizadas, ou ao menos fortemente combatidas, sob o ar-
gumento da necessidade de se manter a alegada eficiência da diplomacia.
No entanto, se a inexistência de um Conselho Nacional de Política Externa Bra-
sileira, em moldes semelhantes aos conselhos de outras políticas públicas, nos leva a
concluir pela inexistência de um mecanismo constitucional que garanta um canal
direto e institucionalizado de diálogo entre a sociedade civil e o Estado sobre a política
externa em seu sentido estrito10, é possível identificar outros mecanismos constitucio-
nais para tanto. Referimo-nos aos debates sobre temas relacionados à agenda inter-
nacional que ocorrem em alguns conselhos nacionais de políticas públicas atuantes
desde a aprovação da Constituição de 1988, particularmente durante a vigência da po-
lítica externa do governo Lula. A título de exemplo, destacamos o Conselho Nacional
de Segurança Alimentar e Nutricional (CONSEA) e o Conselho Nacional de Saúde
(CNS). Ambos são bastante ilustrativos da perspectiva aqui desenvolvida, qual seja, a
de que a crescente diluição da dicotomia entre os planos doméstico e internacional e
10 É importante notar que a promoção dos encontros entre diplomatas, acadêmicos, intelectuais, representantes
da sociedade civil sob o título de Diálogos sobre Política Externa, organizados entre fevereiro e março de 2014, e o
anúncio da confecção do primeiro Livro Branco da Política Externa, embora tenham sido iniciativas importantes
nessa direção, não chegaram de fato a se consolidar (COSTA DA SILVA, 2015).
168 A CONSTITUIÇÃO DE 88 - TRINTA ANOS DEPOIS
3.1. CONSEA
Criado no governo de Itamar Franco (1992-1994) pelo Decreto n. 807, de 1993, na
sequência do processo de institucionalização de formas de participação da sociedade
inaugurado pela Constituição de 1988, o CONSEA surgiu como um desdobramento
das estratégias de combate à fome que então começavam a se delinear. Conforme
Pinheiro (2009, p. 128), com sua criação pretendia-se realizar uma “gestão comparti-
lhada entre governo e sociedade civil para dialogar e construir conjuntamente alter-
nativas, ações, projetos e políticas que vis[ass]em à garantia da Segurança Alimentar
e Nutricional (SAN) no Brasil”. Não demorou muito, entretanto, para que, em 1995,
este Conselho fosse extinto e substituído por outras iniciativas que, a despeito de seus
alegados bons propósitos, não retomavam seus procedimentos originais (SILVA, 2014
apud GOMES, 2016, p. 11). Foi só com o governo Lula, quando o CONSEA foi re-
criado por meio do Decreto n. 4.582 e confirmado pela Lei n. 10.683, de 2003, que
teria início uma nova etapa do debate sobre segurança alimentar e nutricional.
Em sua concepção original, o tema da segurança alimentar e nutricional possui
forte interface com as relações internacionais. De fato, a crise alimentar que se abateu
sobre o planeta e que aponta para crescentes dificuldades no futuro gerou uma reação
de inúmeros Estados nacionais e organizações internacionais – com destaque para
Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO, na sigla
em inglês) – indicando a necessidade de uma ação imediata e integrada com vistas
ao enfrentamento da fome, percebida como um risco à segurança mundial a médio e
longo prazos.
Nesse contexto, a campanha pelo combate à fome, uma das principais iniciati-
vas do programa dos governos do PT, foi, dia a dia, adensando seu vínculo com a
agenda de política externa brasileira. Não por acaso, no art. 6o da Lei Orgânica de
Segurança Alimentar e Nutricional (LOSAN), finalmente sancionada em 200611 e
11 “Em 15 de Setembro de 2006, o presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, sanciona a Lei Orgânica
de Segurança Alimentar e Nutricional – LOSAN –, (Lei n. 11.346, de 2006) que reafirma as obrigações do Estado
de respeitar, proteger, promover e prover a alimentação adequada. Dentre outras determinações, a LOSAN cria
o Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional – SISAN, que tem como objetivos formular e imple-
mentar políticas e planos de SAN, estimular a integração dos esforços entre governo e sociedade civil, bem como
promover o acompanhamento, o monitoramento e a avaliação da Segurança Alimentar e Nutricional do país”
(BRASIL, 2010, p. 5).
6. Constituição Cidadã e participação social – a política externa brasileira em debate... 169
13 Beghin (2014, p. 63) apresenta uma lista resumida das inúmeras atividades do CONSEA no que tange à
cooperação brasileira para o desenvolvimento na área de segurança alimentar e nutricional: “i) a elaboração de
recomendações à Presidência da República, por meio de exposições de motivos; ii) a deliberação de diretrizes
referentes ao tema nas conferências nacionais de segurança alimentar e nutricional; iii) a inclusão do assunto no
Plano Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (PLANSAN); iv) a realização de atividades de incidência
em espaços multilaterais regionais e globais; e v) a troca de experiências e informações com outros países, tanto com
representantes governamentais quanto com membros da sociedade civil”.
170 A CONSTITUIÇÃO DE 88 - TRINTA ANOS DEPOIS
Beghin (2014) nos informa que, entre 2004 e 2013, foram 12 as Exposições de
Motivos enviadas pelo CONSEA à Presidência da República com relação, direta ou
indireta, a questões internacionais. A título de exemplo, na Exposição de Motivos
enviada pelo Conselho à Presidência da República em 2004, em que buscava alargar
sua presença nos debates da agenda internacional do país, o CONSEA manifestava
sua “disposição de ser parte ativa nas consultas a respeito das negociações em curso
com a Organização Mundial de Comércio (OMC), a União Europeia e o Mercosul,
alertando para seus possíveis impactos sobre a segurança alimentar e nutricional”
(BEGHIN, 2014, p. 63).
Vale mencionar, ainda, a presença do presidente Lula em reunião plenária para de-
bater documento intitulado Considerações de Segurança Alimentar e Nutricional nas
Negociações Internacionais integradas pelo Brasil, no qual o Conselho fazia propostas
a serem discutidas nas negociações da OMC (BEGHIN, 2014, p. 64). Esse documen-
to, aprovado em plenária do Conselho, apresentava uma proposta de princípios e eixos
de ação que deveriam orientar a agenda de atuação internacional do CONSEA e,
consequentemente, o posicionamento do governo brasileiro. Os eixos de ação então
propostos eram:
(i) integração regional, com ênfase no Mercosul; (ii) regimes internacionais, com des-
taque para a Organização Mundial de Comércio (OMC) e para as conferências das par-
tes das nações unidas sobre a mudança do clima (COP); e (iii) cooperação Sul-Sul e
atuação perante os organismos multilaterais14.
Por fim, e apenas como mais uma amostra do significativo ativismo do CONSEA
em temas internacionais, Beghin (2014, p. 64) afirma que, no ano de 2011, “o conse-
lho, mais uma vez, enviou à Presidência da República sugestões quanto à atuação do
Brasil no cenário internacional, especialmente no que se refere ao fortalecimento do
Comitê de Segurança Alimentar das Nações Unidas (CSA) em detrimento do G20”. A
propósito, é interessante sublinhar que, na sua argumentação, o CONSEA sugeria que
esse Comitê, e não o G20, seria o fórum global mais adequado para a coordenação das
ações de enfrentamento da crise, não somente por seu formato multilateral no âmbito
14 CONSEA. A segurança alimentar e nutricional com base no respeito à soberania alimentar e na promoção do
direito humano à alimentação no âmbito internacional: proposta de agenda de atuação para o CONSEA e o Governo
brasileiro. Documento debatido e aprovado na plenária de 10 de dezembro de 2008. Disponível em: <http://www4.
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Acesso em: 24 de agosto de 2017.
6. Constituição Cidadã e participação social – a política externa brasileira em debate... 171
das Nações Unidas, dessa forma representando o conjunto das nações, especialmente
aquelas mais afetadas pela crise alimentar, mas também por contar com mecanismo
institucionalizado de participação social, ao contrário do G20 (BEGHIN, 2014, p. 64).
15 Em 2006, por exemplo, é aprovado um novo regimento para o conselho, instituindo eleições tanto para a pre-
sidência, até então ocupada diretamente pelo ministro da Saúde, como para os conselheiros nacionais. Ademais, o
número de conselheiros passou de 48 membros, com a devida paridade de 50% de usuários, 25% de trabalhadores
de saúde e 25% de prestadores e gestores (CNS em Revista, ano 1, n. 1 – setembro/2011, p. 9).
172 A CONSTITUIÇÃO DE 88 - TRINTA ANOS DEPOIS
16 Como veremos mais adiante (nota 20), durante o governo de Fernando Henrique Cardoso a menção a temas
de saúde no âmbito internacional nas reuniões ordinárias do CNS nem sempre os vinculava à agenda da política
externa do governo.
174 A CONSTITUIÇÃO DE 88 - TRINTA ANOS DEPOIS
17 Para citarmos alguns exemplos, em atas de reuniões ordinárias do CNS, encontramos: o registro de demandas
por um acompanhamento mais próximo da utilização de recursos internacionais recebidos para a implantação de
projetos na área da saúde (Ata, n. 49, de 1995) e de orientação ao MS para que o CNS fosse consultado sobre a
composição de representação do Brasil nos Fóruns Internacionais da Saúde, criando a oportunidade de incorpo-
ração de representantes das organizações sociais nos referidos fóruns (Ata n. 52, de 1996); temas mais diretamente
relacionados a iniciativas no campo da saúde stricto sensu, embora com interface internacional; registro sobre
indicação de conselheiros a Reunião Regional de Avaliação da Cúpula do Desenvolvimento” (Ata n. 64, de 1997);
sobre participação de conselheiro como integrante da delegação brasileira em reunião do ECOSOC das Nações
Unidas (Ata n. 74, de 1998); e sobre avaliações acerca do desempenho e das potencialidades do Mercosul (Ata n.
88, de 1999, e Ata n. 100, de 2000), estes exemplos voltados para uma apreciação mais geral da inserção interna-
cional do país.
6. Constituição Cidadã e participação social – a política externa brasileira em debate... 175
cias no Poder Executivo e os poucos avanços registrados a partir de 1988 no que tange
à participação dos Poderes Legislativo e Judiciário. A seguir, tratamos da introdução de
mecanismos de participação social no controle e na condução das políticas públicas
com a Constituição de 1988, em particular os conselhos nacionais e sua relação com
os temas de política externa. Essa reflexão não pretendeu superdimensionar o papel
desses conselhos como esteiras de transmissão de demandas e debate público sobre
temas da agenda de política externa. São conhecidas algumas de suas deficiências,
muitas delas apontadas a partir da própria experiência de seus conselheiros (IPEA,
2012). Como afirma Rocha (2008, p. 148),
Da mesma forma, também não se pretendeu com essa reflexão diminuir ou mes-
mo negar a contribuição que a criação de um Conselho Nacional de Política Externa
traria para a democratização do processo de formulação da política externa brasileira,
com consequências diretas para seu conteúdo, assim como para seu maior ancoramen-
to às demandas da sociedade e aumento da sua legitimidade.
O que pretendemos demonstrar foi que a reconfiguração contemporânea dos te-
mas de política externa e a diluição da dicotomia interno-externo, em um contexto
político doméstico em que se introduziu forte componente social à política externa,
permitiu e incentivou que espaços já consolidados de participação social na formu-
lação de políticas públicas no Brasil e amplamente reconhecidos pela literatura es-
pecializada como importantes mecanismos de inclusão da sociedade na gestão e na
produção das mesmas e com altíssimo potencial de aprofundamento da democracia
(AVRITZER, 2002, 2008), pudessem ser acionados para assuntos de política externa,
acolhendo demandas da sociedade a respeito.
Em outras palavras, ainda que não se possa falar de uma institucionalização da
6. Constituição Cidadã e participação social – a política externa brasileira em debate... 177
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180 A CONSTITUIÇÃO DE 88 - TRINTA ANOS DEPOIS
7.
(Des)venturas do Poder Constituinte
no Brasil, 1964-19861
Introdução
A fratura da ordem constitucional democrática pelo golpe de Estado de 1964 in-
duziu a mais de duas décadas de reiteradas tentativas de conferir legitimidade a uma
moldura jurídico-institucional que lograsse a estabilização do regime político no país.
Nos debates e nas reflexões que se produziram em torno dessa questão, o problema do
Poder Constituinte como fundamento de legitimidade da ordem jurídico-política ocu-
pou um lugar central. Que força política está apta e no direito de exercer esse poder
de fundação constitucional? Em que condições pode fazê-lo? Tais são as perguntas que
atravessaram os anos de 1964 a 1986 e que encontraram distintas respostas.
Neste texto, argumentamos que o período 1964-1986 conhece fundamentalmente
três versões de Poder Constituinte, cada qual invocando uma modalidade específica
de legitimidade. Haverá, inicialmente, o apelo a um Poder Constituinte Revolucio-
nário, alegadamente decorrente da ruptura radical de 64, para assentar as inovações
jurídicas baixadas nos 17 Atos Institucionais e nas duas Constituições elaboradas por
1 Agradeço as críticas e sugestões dos colegas Andrei Koerner, Bernardo Ferreira e Jefferson Goulart, que evita-
ramdiversas insuficiências presentes no texto original. As indetectadas deficiências remanescentes são todas mea
culpa, mea maxima culpa.
182 A CONSTITUIÇÃO DE 88 - TRINTA ANOS DEPOIS
3 Art. 1º da CF/46.
7. (Des)venturas do Poder Constituinte no Brasil, 1964-1986 183
[...] O que houve e continuará a haver neste momento, não só no espírito e no com-
portamento das classes armadas, como na opinião pública nacional, é uma autêntica
revolução. (CITOLA, 1997)
Há que se frisar que a “Revolução” não se sustentaria, caso não existisse a intervenção
de Francisco Campos na redação do Ato Institucional. Medeiros Silva4 assim rememora:
Sem o Ato Institucional, não teria havido uma Revolução, mas um golpe de Estado,
ou uma revolta, destinados a substituir pessoas dos altos postos do Governo, conservan-
do, porém, as mesmas regras jurídicas, os mesmos métodos de governo, políticos e admi-
nistrativos, que provocaram a deterioração do poder e a sua perda. (SILVA, 1964, p. 450)
4 Secretário de Francisco Campos no Governo Vargas, durante o Estado Novo. Posteriormente, ocupou os
cargos de consultor geral da República, ministro da Justiça do governo Castello Branco e ministro do Supremo
Tribunal Federal.
186 A CONSTITUIÇÃO DE 88 - TRINTA ANOS DEPOIS
a ordem jurídica como se Poder Constituinte fosse. De qualquer modo, era inegável e
manifesto o deslocamento do titular do Poder Constituinte; a promessa da transitorie-
dade dessa apropriação do Poder Constituinte desfez-se com a edição de outros Atos,
faculdade que durou até a entrada em vigor da Emenda Constitucional n. 11, em 13
de outubro de 1978. Nesse período, toda a fachada constitucional do regime se fixaria
por tais instrumentos de força.
5 Ao que consta, a ideia de elaborar uma nova Constituição proveio dos próprios militares. Mas há uma certa
oscilação entre atribuir-se ao Serviço Nacional de Informações (SNI) ou ao presidente Castello Branco a iniciativa.
De fato, há evidências de que SNI havia proposto o preparo de uma Constituição que pudesse “constitucionalizar
o institucional” (MOREIRA ALVES, 1985). E Castello, repetidas vezes, falou em “concluir a obra do meu governo
com uma Constituição” (LIRA NETO, 2004).
7. (Des)venturas do Poder Constituinte no Brasil, 1964-1986 187
A meu ver, o poder constituinte do Congresso é limitado, não lhe sendo permitido
exercê-lo para substituir a carta política atual por outra. Nele se compreende apenas a
faculdade de emendar o texto da Constituição. Esse entendimento assenta no Art. 217, da
própria Constituição, no que se estatui que ela poderá ser emendada, sendo as emendas
anexadas, com os respectivos números de ordem, ao texto original. (LIRA NETO, 2004)
lidez do presidente Costa e Silva, a Junta Militar que assume o poder no país ignora
solenemente a regra constitucional e veda a posse do vice-presidente Pedro Aleixo no
cargo vacante. Mais ainda: perpetrando um ostensivo golpe dentro do golpe, a própria
Junta fará elaborar e promulgar a Emenda Constitucional n. 1/69, que efetivamente se
converte em outra Carta Constitucional, passando a reger a ordem jurídica e institu-
cional do país até a promulgação da CF/88.
Faoro ganha de Josaphat Marinho por 13 votos contra 11 e logo em seguida come-
ça a mobilizar a OAB pela volta ao Estado de Direito. Mas, se por um lado, ele tem
que se haver com as negociações com o Governo Geisel para obtenção do retorno do
habeas corpus e das garantias da magistratura, Faoro também enfrentará o que ele apo-
dava de “juristões tradicionais”. Em depoimento a José Eduardo Faria9 para matéria no
jornal O Estado de São Paulo, Faoro declarava:
Esses juristas tradicionais estão todos ultrapassados. Eles só sabem falar de Poder
Constituinte originário e Poder Constituinte derivado. Não são capazes de perceber que
há uma distinção entre legitimidade, por um lado, e legalidade, por outro lado. Porque,
durante muito tempo, os velhos juristas brasileiros trabalharam com a seguinte mentali-
dade: “Tudo que é arbitrário é ilegítimo. A lei neutraliza o arbítrio. Logo, a lei é legítima”.
Por isso, eles fundem legitimidade com legalidade. Só que, com isso, eles reduzem a legi-
timidade às regras do jogo, e essas regras têm de ser definidas a priori. É óbvio que, com
essa mentalidade, os juristões brasileiros não eram capazes de trabalhar numa transição
democrática, num momento em que Geisel cada vez mais enfrentava uma crise política,
podendo perder espaço para o retorno de uma extrema-direita.
10 Mas a emenda também assinalava: “ressalvados os efeitos dos atos praticados com bases neles, os quais estão
excluídos de apreciação judicial”.
7. (Des)venturas do Poder Constituinte no Brasil, 1964-1986 191
Naquele momento, a ideia que parecia mais viável, a menos utópica, era retirar da
Constituição de então – a Carta de 1967/1969 – o que era antidemocrático e dar realce
ao que nelas era democrático. Eu fiz uma palestra na Escola Superior de Guerra, quando
era comandante o general Rodrigo Otávio, e eles me solicitaram uma exposição, com
título Um modelo político para o Brasil. Eu falava assim: “A Constituição de 1967, que não
é a ideal e que não é a nossa, tem virtualidades democráticas que é preciso realçar”.11
CF/67/69: “A força não se qualificou juridicamente para confessar o seu status de po-
der; ficou aquém, confiando que a instabilidade inerente a essa situação se congelasse
no impedimento da mobilização popular. E arrematava: “Entrou-se, em consequên-
cia, pela primeira vez na história brasileira, em um período sem constituição”.
Em seguida, o autor gaúcho dirige sua crítica à identificação dos conceitos de le-
galidade e legitimidade na pena dos “juristões”, que ele reputa inspirados em Kelsen
e Schmitt. Em ambos, a negação do arbítrio estaria no Estado de Direito, relegada a
concepção da legitimidade a um plano não jurídico:
Segundo o critério positivista, o Estado deve ser considerado um rei Midas, que con-
verte em direito tudo quanto toca. [...] Assim, o direito legislado da autocracia é direito
em sentido próprio, parecendo-lhe uma restrição inadmissível invalidá-lo apenas porque
não foi produzido pelo método democrático.
Mas não seria esse o ponto nodal da questão, insistia Faoro (1981): “A legitimidade
não se dilui na legalidade: este é o ponto de Arquimedes do Estado de Direito quali-
ficado, autenticamente democrático”. Em outra passagem, o autor argumenta que a
legalidade, tal como sustentada pelo publicistas simpáticos ao regime, não passaria,
em última análise, de uma técnica jurídica do poder, arrematando: “A ausência de
legitimidade indica um governo de fato, por mais leis que edite e publique”.
Contudo, o núcleo talvez essencial do escrito de Faoro seja o combate que move à
associação entre revolução e poder constituinte – crucial, como vimos, para a elaboração
teórica do Poder Constituinte Revolucionário. “Não é verdade, ao contrário da doutrina
de Schmitt, que as constituintes sejam a sequência de uma revolução: a constituinte vem
em lugar da revolução” (idem). E inverte os termos da questão: “Não é a ruptura do
poder que reclama a Constituinte, para legitimá-la; é a legitimidade em decomposição,
agravada pela ineficiência, que desperta o Poder Constituinte de um povo”. Prosseguin-
do, assinala que
12 A exposição de Arinos seria posteriormente publicada na Revista de Ciência Política, 25(1), p. 3-17, jan./
abr. 1982.
194 A CONSTITUIÇÃO DE 88 - TRINTA ANOS DEPOIS
na Capital Federal, a não ser construir o edifício constitucional naquele planalto, que
oferece, hoje, o maior vazio político da nossa história?”. E se aparta definitivamente de
Faoro nos rumos que aponta para a saída da crise:
E assevera:
For no man or society or men, having a power to deliver up their preservation, and
consequently the means of it, to the absolute will and arbitraty dominion of another,
whenever anyone shall go about to bring them into such slavish condition, they will always
have a right to preserve what they have not a power to part with; and to rid themselves
of those who invade this fundamental, sacred, and unalterable law of self-preservation for
which they entered into society; and thus the community may be said in this respect to be
always the supreme power, but not as considered under any form of government, because
this power of the people can never take place till the government be dissolved.
Prosseguindo, assinala:
pria época, tanto como Cromwell e Napoleão, mostra-nos que os grupos revolucionários
podem instaurar um sistema de governo autocrático. Esses grupos, por isso, não formam
um poder constituinte. (idem)
Elaborei o que a sociedade civil pedia, e tive muita colaboração. Meu substitutivo
não saiu da minha cabeça: foi fruto de muito debate e de inúmeras discussões. A questão
da anistia foi imensamente debatida. Recebi na minha casa assessores parlamentares
das três Forças Armadas para falar sobre o assunto. Recebi um volume grande de emen-
das substitutivas e supressivas, que analisei uma a uma.14
Recebi nada menos que 70 mil cartas e telegramas de apoio: de pessoas físicas, de
entidades, de faculdades, de centros acadêmicos, de tudo quanto foi lugar. Levei esse ma-
terial no dia da discussão do Substitutivo e falei assim: “Está aqui: nesta caixa de papelão,
estão as mensagens contrárias; nesta mala, tenho 70 mil mensagens a meu favor”. (idem)
[...] O consenso nacional admite ser necessário e urgente dar uma nova feição
jurídica ao Estado brasileiro. O Poder Constituinte é a fonte da estruturação jurídica
do Estado; instituído, decorre da competência dos Poderes Legislativos e Executivo de
emendar a Constituição.
[...] A solução para a crise institucional decorrente da deposição do presidente João
Goulart, em 1964, teria sido, se aqueles que tomaram o poder tivesse querido ouvir a voz
da nação, a convocação de uma Assembleia Nacional Constituinte. Ruptura houve;
oportunidade houve; faltou-se, talvez, sensibilidade. Essa lacuna jurídica, de mais de
20 anos, tem-se tentado, em vão, preencher com muitas emendas aos textos constitu-
200 A CONSTITUIÇÃO DE 88 - TRINTA ANOS DEPOIS
1986, nada menos que 40% dos parlamentares eleitos haviam sido, em algum momento
de suas carreiras políticas, filiados à Aliança Renovadora Nacional – o partido político de
sustentação do regime militar (SOUZA, 1985). Não poderiam ser mais sombrias as pers-
pectivas para o processo constituinte que se avizinhava, conclui Souza (idem), fazendo
eco a muitas outras vozes e análises provindas do campo progressista. No entanto, a ANC
funcionaria de facto como uma Constituinte soberana e originária, malgrado o Poder
Constituinte Instituído que a havia investido – ainda que seu molde congressual tenha
deixado marcas, como na gama de prerrogativas atribuídas ao Congresso Nacional e aos
congressistas. E, ao cabo de 583 dias de turbulentos e intensos trabalhos, a Assembleia
Nacional Constituinte de 1987-1988 produziria um documento final inequivocamente
progressista e, em muitos aspectos, deveras inovador – de que é exemplar o seu capítulo
sobre o meio ambiente. Como entender essa notável reversão de expectativas?
Há algumas explicações plausíveis. Alguns apontam a irrupção dos movimentos
sociais Constituinte adentro, desmantelando os acordos prévios entre as elites polí-
ticas, econômicas e militares (DREIFUSS, 1989). Outros salientam a especial ha-
bilidade de Mário Covas na atribuição das relatorias de comissões e subcomissões
temáticas a parlamentares progressistas, superando, assim, a maioria conservadora da
ANC (PILATTI, 2008).
Mas esse é enigma ainda por ser elucidado, a demandar ampliação e aprofunda-
mento das pesquisas sobre o evento formador da “República de 88”, em sua efeméride
de três décadas de existência.
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202 A CONSTITUIÇÃO DE 88 - TRINTA ANOS DEPOIS
Introdução
Após quase 30 anos da Constituição de 1988, como estamos e como foi o caminho,
transcorridos dois impeachments presidenciais e com presidente atual com menos de
5% de aceitação popular? O levantamento do Latinobarômetro de 2017 confirma a
indisposição da opinião pública ao apontar que os brasileiros são os mais insatisfeitos
com a democracia entre os 18 países da América Latina envolvidos no projeto de pes-
quisa. Apenas 13% se dizem satisfeitos ou muito satisfeitos com o regime. A pesquisa
mostrou também que somente 11% das pessoas no país confiam “muito” ou “razoavel-
mente” no Congresso Nacional, ficando em situação melhor apenas do que o Paraguai
no ranking (BBC Brasil, 27 de outubro de 2017).
Mas o caminho nem sempre foi tortuoso. Se analisarmos a linha do tempo, vere-
mos que o Congresso Nacional nem sempre foi tão mal avaliado pelos brasileiros. Em
2006, 45% dos entrevistados avaliavam bem e muito bem os parlamentares. Em 2008,
tal atitude era compartilhada por 52% dos brasileiros ouvidos. Sempre de acordo com
o Latinobarômetro, fortes quedas acontecem entre os anos de 2008 e 2015, quando a
avaliação positiva varia de 31% para 21%, e, entre 2015 e 2017, quando se tem o pata-
mar de 11%. Tendência de insatisfação também fica constatada para o Poder Judiciá-
rio: 56% dos entrevistados pelo Latinobarômetro avaliavam de forma positiva o Poder
204 A CONSTITUIÇÃO DE 88 - TRINTA ANOS DEPOIS
Fonte: Latinobarômetro
1986 71 60
1989 80 Não houve Não houve
1990 63 47
1994 66 60 48
1998 64 63 63
2002 75 74 77
2006 75 * *
2010 75 72 72
2014 73 68 68
Fonte: Kinzo (2004) e dados do TSE
Médios e grandes
Pequenos partidos Total
partidos Volatilidade
Anterior Posterior Anterior Posterior Anterior Posterior
1 Esta parte deste capítulo se baseou em informações do projeto de pesquisa Quem escolhe os candidatos: Parti-
dos Centralizados ou Descentralizados?, financiado pelo CNPq, sob a coordenação da prof. Maria do Socorro Sousa
Braga (UFSCar) e com a participação das professoras Luciana Fernandes Veiga (UniRio) e Gabriela Tarouco
(UFPE).
8. Eleições e representação política na Nova República 213
veram 84% do total de eleitos. Os números indicam que os partidos paulistas lançaram
uma porcentagem menor de candidatos e obtiveram melhor resultado eleitoral em
percentual do que as legendas de Curitiba.
Diante da ausência de regras na lei sobre a organização interna das legendas, fica
a cargo dos partidos estabelecer em seus estatutos os procedimentos de organização da
seleção de candidatos. A partir da literatura pertinente e da análise dos documentos de
cada legenda, elaboramos uma classificação das organizações partidárias (ver figura 1).
Conforme os documentos dos partidos analisados, verificamos que há presença de
menções aos diretórios nacional, estadual e municipal nos estatutos dos sete partidos.
Os diretórios nacional, estadual e municipal correspondem aos comitês da teoria da
articulação adotada neste trabalho, sendo composto em sua maioria por lideranças
de prestígio na esfera correspondente. Dessa maneira, a existência dos diretórios não
demarca diferenças entre as legendas analisadas. Cabe lembrar que a lei partidária de
1971 indicava que as legendas deveriam ter diretórios nacional, estadual, municipal
e distrital, especificação que não se encontra mais presente na lei partidária de 1995.
Há presença de menção ao diretório zonal ou subdistrital nos estatutos dos sete
partidos, mas com requisitos distintos para a sua formação. As seções, por definição,
são mais voltadas para o levantamento de novos membros partidários e para a forma-
ção política. Por afinidade de funções e tamanhos, elas podem ser relacionadas com
os diretórios zonais ou subdistritais. Registra-se ainda a ausência de menções sobre as
unidades de base nos estatutos do DEM e PP e presença nos demais partidos, mas com
requisitos distintos para a sua formação.
A respeito das seções, o estatuto do PT – por exemplo – aponta que os núcleos de
base são agrupamentos de filiados organizados por local de moradia, trabalho, movi-
mento social, categoria profissional, local de estudo, temas, áreas de interesse, ativida-
des afins, tais como grupos temáticos, clubes de discussão, círculos de estudo e outros.
E ainda de acordo com o estatuto do PSB, a sua finalidade é estimular a participação
8. Eleições e representação política na Nova República 215
DEM e PP são considerados os dois partidos menos articulados por não possuírem
em seus estatutos menções sobre os núcleos de base. O PP apresenta maior possibili-
dade de articulação do que o DEM porque admite a criação de diretórios distritais, que
tomam como unidade territorial o bairro e não a zona eleitoral. PMDB e PDT tratam
sobre os núcleos de base em seus estatutos, no entanto, colocam que os diretórios zo-
nais são demandados apenas em cidades com mais de 1 milhão de habitantes. Em seu
estatuto, o PT determina como requisito para a formação de zonais a base geográfica
correspondente a capitais com mais de 500 mil eleitores e em municípios com mais
de um milhão de eleitores. O PSDB estabelece o patamar de cidades com mais de 500
mil habitantes como requisito para a criação de diretórios zonais, e o PSB não mencio-
na o patamar mínimo no documento oficial do partido. Esse partido ainda apresenta
o menor número necessário para se criar uma unidade de base, apenas três filiados.
216 A CONSTITUIÇÃO DE 88 - TRINTA ANOS DEPOIS
Municípios Podem ser Municípios Capitais com Municípios Municípios Possui zonais
com mais criados com mais de mais de 500 com com mais e não define
de 10 em 1 milhão de mil eleitores. mais de 1 de 500 mil patamar
zonas, um grandes habitantes. Municípios milhão de habitantes mínimo para
diretório cidades Cidades com com mais de habitantes o estabele-
ZONAIS
3.2. Quem são os selecionadores nas capitais? Quais foram os critérios usados?
A seguir, o objetivo é analisar quem elaborou a composição das listas partidárias e
identificar quais critérios foram utilizados no cumprimento de tal tarefa. A análise será
apresentada por capital. Como será visto, o recrutamento não obedeceu a um padrão
comum às três cidades estudadas. Destaca-se, por exemplo, estratégias diferenciadas
entre São Paulo e Curitiba. Enquanto na capital paulista os dirigentes decidiram por
não preencherem a chapa em sua totalidade, os selecionadores de Curitiba demons-
traram grande empenho em fazê-lo.
delas antes de começar as eleições internas. Os filiados mais votados são consultados
se realmente querem participar do pleito como candidatos e somente com a aprovação
destes será composta a lista partidária a ser apresentada a todo o conjunto dos eleitores
paulistanos. Sendo assim, esse padrão se caracteriza por ser o mais inclusivo no que diz
respeito ao processo de tomadas de decisão quanto à conformação da lista partidária e
também mais democrático, uma vez que diversos membros participam do processo de
seleção no PT e no PSB.
O segundo, um padrão menos descentralizado, foi relatado pelos membros do
PSDB e do PMDB que participaram diretamente da organização da seleção. No caso
desses dois partidos, algumas lideranças partidárias, normalmente o presidente do di-
retório zonal e o secretário de organização, e outros auxiliares decidem quais são os
filiados que vão compor a lista partidária previamente, e na convenção partidária todos
os filiados são convocados a homologar ou não, por meio do seu voto, a chapa com-
pleta. No caso dos dois partidos, outras questões também poderão constar nas cédulas
de votação para os filiados se manifestarem nas urnas. Normalmente são questões para
resolver se esses partidos fazem ou não coligações, qual candidato (e partido) poderá
ser o vice na chapa para prefeito ou mesmo permitir/delegar as lideranças que estão
no comando do partido e que decidirão posteriormente alguma pendência em relação
à disputa eleitoral que virá. Nesse padrão predomina um grau menor de descentrali-
zação das decisões intrapartidárias e de democratização da participação dos membros,
com maior controle, portanto, dos selecionadores sobre a formação da lista partidária.
O terceiro padrão observado é o mais centralizado, ou seja, com as lideranças
dos partidos controlando todo o processo de seleção. Aqui estão incluídos PP, DEM
e PDT. No caso deste último partido, uma das explicações de suas lideranças para
tal processo está relacionada com o fato de o partido apresentar baixa organização
partidária na capital paulistana, o que dificultaria a arregimentação de filiados mais
envolvidos com as atividades internas da organização. Nesses partidos, as principais
lideranças de cada grupo político – em geral, poucos líderes no caso do PP e integran-
tes da comissão executiva nos casos do PDT e do DEM – montam a lista partidária e
decidem todas as questões pertinentes ao processo de competição eleitoral. Os poucos
filiados que participam da convenção desses partidos normalmente são os candidatos,
assessores parlamentares e outros profissionais envolvidos nas campanhas individuais
de cada candidato, sendo que eles apenas tomam conhecimento e homologam os
resultados das decisões resolvidas anteriormente. Trata-se, portanto, de partidos com a
menor participação dos filiados no processo de seleção e montagem da lista partidária,
constituindo-se nos mais centralizados e menos democráticos.
218 A CONSTITUIÇÃO DE 88 - TRINTA ANOS DEPOIS
II) Quais valores são considerados pelos selecionadores na elaboração das listas
No que diz respeito aos critérios adotados pelos partidos para realizar a seleção dos
candidatos, há quase que um consenso entre o DEM, PP, PMDB, PSDB e PDT de
que o primeiro valor a ser observado num postulante seja o seu potencial eleitoral. Já
no caso do PT e do PSB, seus dirigentes apontaram para o fato de o filiado-postulante
ser membro orgânico da organização partidária, isto é, quanto maior o envolvimento
e tempo desse filiado no partido maior a chance de ele ser escolhido pelos demais
filiados para representá-los nas arenas políticas do Legislativo.
Outra condição apontada pelos entrevistados do PDT, PMDB, PSDB, DEM e PP
foi que o aspirante contasse com estrutura financeira para custear sua campanha elei-
toral. Nesse grupo de partidos também encontramos exigências específicas. Um desses
critérios foi mencionado pelo dirigente do DEM, o ex-governador de São Paulo Claudio
Lembro. De acordo com ele, para ser candidato pelo DEM seria necessário que houvesse
convergência entre a linha de pensamento do postulante e a do DEM, que os aspirantes
tivessem boa dicção e apresentação pessoal, além de desenvoltura para falar em público
e escolaridade. Já no PSDB, foram salientados como requisitos cruciais o fato de o postu-
lante já ter sido candidato em pleitos anteriores e ter pertencido a algum grupo temático
de relevância e expressão na sociedade. E, no PP e no PDT, além de qualidades relacio-
nadas à capacidade de liderança política, também foi citado como requisito importante
o grau de formação educacional do futuro candidato. Para o PP, quanto mais alto o grau
de instrução formal do aspirante maiores serão suas chances de obter uma candidatura.
Já o PT e o PSB, segundo seus dirigentes, eles se preocupam mais com requisitos
organizacionais intrapartidários dos postulantes, suas orientações ideológicas e inser-
ção nos movimentos sociais. Observa-se ainda que o PT tende a dar maior peso aos
8. Eleições e representação política na Nova República 219
3.2.2. Curitiba
I) Quem são os selecionadores
O primeiro ponto importante encontrado no estudo sobre a seleção de candidatu-
ras na capital paranaense foi que a oferta de candidatos é menor do que a demanda
dos partidos. Isto é, as legendas tendem a não conseguir completar a lista partidária.
Na perspectiva dos selecionadores, os motivos para tal dificuldade estariam: a) na con-
corrência entre legendas em decorrência de um sistema partidário muito fragmentado;
b) na desilusão com a política em muitos segmentos da sociedade; c) nas dificuldades
impostas pela escassez de tempo e recursos em campanhas eleitorais.
Dessa forma, ao invés de termos selecionadores debruçados diante de uma lista de
pré-candidatos concorrendo entre si por uma candidatura, temos recrutadores partidá-
rios em busca de lideranças capazes de angariar votos para suas legendas. A solução para
reduzir a demanda por candidatos seria a formação de chapa, coligações para a disputa
proporcional. Estratégia que nem sempre agrada aos selecionadores que acreditam que
teriam suas possibilidades restritas no que se refere às funções de formação e promoção
de novos nomes dentro do partido.
Eu não acredito que algum partido consiga montar uma lista para a proporcional
com facilidade. A não ser que seja um “chapão”. Mas, por outro lado, se a opção for por
um “chapão” com um grande partido, o partido começa a ter dificuldade para a inclusão
de candidatos da base da pirâmide e da linha intermediária. (entrevista com o Presiden-
te/Curitiba/PSB)
220 A CONSTITUIÇÃO DE 88 - TRINTA ANOS DEPOIS
Hoje, dia 30 de julho de 2009, ocorre neste sentido: o partido é quem procura o can-
didato. [...] Uma pessoa vem ao partido ou ao vereador e indica: “O E. está aqui e é uma
pessoa que tem uma liderança.
– E o potencial candidato vem para o partido para conversar?
Não, a gente vai conversar com ele. O DEM foi atrás dele, vários partidos foram atrás
desse rapaz. Pelo grau de conversa que tivemos, pelo grau que ele vem trabalhando
e por ele estar ajudando a própria prefeitura, por ele estar mudando a característica
urbana e social da própria região dele, ele ficou com o prefeito, que era o candidato à
reeleição. (entrevista com o Presidente/Curitiba/PSDB)
Perdemos dois candidatos que poderiam ter sido eleitos pelo PDT, eram filiados, nos
últimos dias de setembro. Um foi o J. que foi levado para o PSDB e o outro foi o E., que tam-
bém saiu do partido no último dia. (entrevista com o Presidente ou secretário/Curitiba/PDT)
lista. Uma abrangente negociação entre as diversas correntes foi realizada até que se
chegasse ao consenso da lista, que foi aprovada pela votação entre os filiados.
A primeira prévia é nas zonais. Como temos 57 vagas para candidatos, buscamos em
média 5,7 candidatos por zona eleitoral. Como na região norte temos menor número de
habitantes, nas zonais desta região a média baixa para três vagas por zonal. Feito o cál-
culo, chegamos para o presidente desta zonal e dizemos: “Olha, você tem que me indicar
três candidatos”. Não existe candidatura nata. O fato de eu ser vereador não quer dizer
que eu possa ser vereador de novo, eu tenho que pôr o meu nome em votação. Então a
briga acontece nas zonais. Tem cinco pré-candidatos?! É preciso decidir por três e passar
tais nomes escolhidos para o diretório municipal. Em geral o diretório fica com mais duas
ou três vagas ainda na manga. (entrevista com o Presidente/Curitiba/PT)
222 A CONSTITUIÇÃO DE 88 - TRINTA ANOS DEPOIS
Vale ressaltar uma constante que esteve presente em todos os partidos. De acordo
com todos os dirigentes, o diretório nacional não exerce qualquer interferência na elei-
ção proporcional municipal. Exerce, sim, na eleição majoritária, mas não na escolha dos
candidatos a vereança. Há também grande autonomia em relação aos diretórios estadu-
ais. No entanto, argumentam que as lideranças estaduais – de forma avulsa – tendem a
indicar pré-candidatos. O encaminhamento dado por todos partidos é tratar tais nomes
assim como os demais. Isto é, no caso do PT, tal indicação deve disputar espaço dentro
das correntes internas do partido a fim de pleitear em última instância o espaço na lista
da legenda e, posteriormente, ser eleito pelos filiados. No caso do PSDB, tem-se o mes-
mo processo. O indicado pelo líder terá que se submeter à escolha nas zonais, em geral.
Nos demais partidos, onde se tem um processo de seleção de candidatura mais centra-
lizado, o nome indicado pela liderança precisará ser aceito pelos dirigentes partidários.
Há pedidos dos líderes porque um deputado quer ter um candidato a vereador, isto
fortalece o deputado também. Desde que o pedido não fira qualquer pré-requisito e na
medida em que não há grande concorrência, a tendência é que ele seja atendido de pronto
sem problemas. Como o deputado DA me apresentou uma moça P., da autoescola, como
candidata. É uma candidata apadrinhada por um deputado, mas como a gente está num
processo de que se busca candidato [...] (entrevista com o Presidente /Curitiba/DEM)
DEM não contam com a participação de diretórios zonais estaduais ou nacionais. Sem
diretórios zonais, mas com algum vínculo com o movimento social, o presidente do
partido tenta fazer um elo entre partido e sociedade através de grande esforço pessoal.
Sem diretórios zonais e sem base em movimentos sociais, o dirigente do DEM lança-se
em uma busca de candidatos de forma quase isolada. Ao seu lado, um vereador e o
secretário-geral do partido. A busca inicia-se com o levantamento das listas com re-
sultados de eleições proporcionais recentes. Identificam-se candidatos que obtiveram
uma quantidade relativa de votos, mas que não conseguiram se eleger. A partir do
levantamento cadastral, o passo seguinte é entrar em contato com os mesmos a fim de
apresentá-los ao partido e convidá-los para a filiação. Assim como nos demais partidos,
existe a preocupação em aumentar a abrangência da representação dos candidatos
tanto para segmentos sociais como para segmentos regionais.
Há que ser ressaltado que o recrutamento de candidatos deve ser visto como uma
atividade elaborada pela organização partidária. Isto é, o seu alcance está delimitado
pelo tamanho e desempenho da mesma. De acordo com o dirigente dos Democra-
tas, ao assumir a presidência do diretório municipal há poucos anos, tudo o que exis-
tia no partido “cabia em uma caixa de sapato, nem mesmo a lista dos filiados existia”.
Situação similar foi relatada pelo dirigente do PP. O dirigente do Partido Progressista
também contou com um grupo muito reduzido de pessoas para montar a sua chapa,
adotando critérios semelhantes ao do democrata para angariar candidatos.
Eu vou falar como nós montamos a nossa chapa. Nas últimas três, quatro eleições,
eu ajudei a montar, eu montei, vamos supor, 60%, 70% da chapa. O resto ficou com
224 A CONSTITUIÇÃO DE 88 - TRINTA ANOS DEPOIS
a parte mais comum do partido. Tem esse que quer privilegiar aquele, vem esse que
quer aquele ali. Mas 70% efetivamente da chapa é feita com militantes frequentes do
partido. A maioria dos partidos não consegue nem montar uma chapa, mas no PMDB
nós conseguimos. Atingimos o nosso grupo social. Disseminamos as atividades políticas
e administrativas, para que montemos uma chapa com maior abrangência no aspecto
social, diversificada.
A gente pega o futebolista, o radialista, este, aquele, e pega também militante de
base que vai lá fazer voto pra gente, vai lá pedir voto, tem tudo isso também. Agora,
como a gente chega nesta caminhada? O militante, que são quase 70%, são aqueles que
caminham com a gente sempre, e chega para o partido e dizem: “Quero ser candidato”.
(entrevista com o Presidente/Curitiba/PMDB)
II) Quais valores são considerados pelos selecionadores na elaboração das listas
Nota-se uma unanimidade quanto ao principal valor que um aspirante deve ter
para ser candidato e eleito: é preciso ter voto. Isto é, aquele candidato que demonstra
potencial para angariar muitos votos, seja porque representa um bairro ou um seg-
mento da sociedade, ele é muito bem-vindo ao partido. Os dirigentes também foram
unânimes na necessidade do cumprimento da regra definida em lei de ter o “nada
consta” da justiça. Há uma grande tendência de prestigiar os membros que já são do
partido na hora da seleção da candidatura. Ter disposição para fazer uma campanha
também foi um ponto citado por vários dirigentes como sendo muito desejável em
um candidato.
Já de maneira mais dispersa surgiram ainda outros valores. Ser comunicativo, valor
declarado pelos dirigentes do DEM e do PMDB. Ter afinidade ideológica, compro-
8. Eleições e representação política na Nova República 225
misso com uma causa ou segmento, foram aspectos ressaltados pelos presidentes do
PT, PSDB, PMDB e PSB. Ter o apoio da família e estar disposto a sacrificar a vida
privada durante o mandato foram mencionados pelos dirigentes do PT e do PP.
No entanto, valores recorrentemente apontados pela literatura como sendo im-
portantes, tais como grau de escolaridade, classe social e idade, tiveram o seu peso
reduzido pelos entrevistados.
Em uma entrevista você faz perguntas pra ele. Que trabalho você já fez? Tem algum
trabalho social? Eu tive um candidato que era presidente da Associação dos Funcioná-
rios da PUC. Então você olha para um cara desses e você diz: “Ele não faz menos de se-
tecentos votos”. Entende? Você vê ainda se ele é comunicativo. Porque às vezes a pessoa
é um monte de coisas, mas é introvertida, entende? Mas, com a atual não seleção, hoje
em dia, vai o introvertido, o não sei o quê, e a gente busca fazer um trabalho muito bom
de preparação. (entrevista com o Presidente/Curitiba/DEM)
Primeiro é a questão das certidões negativas. Não adianta ter voto, ter liderança, ter
tudo e estar com esta pendência. (entrevista Presidente/Curitiba/PSDB)
O que a gente faz é analisar o currículo da pessoa, não é analisar se o candidato é
doutor, é isso ou aquilo. É o currículo social dele, se ele participou de um sindicato, de uma
igreja, se ele tem uma inserção social, uma liderança do bairro. (entrevista Presidente/
Curitiba/PDT)
3.3.3. Salvador
I) Quem são os selecionadores
Assim como aconteceu em Curitiba, foram poucos os partidos que precisaram sele-
cionar candidatos para a composição da lista. O número de pré-candidatos foi inferior
ao número de vagas para candidaturas a vereador em cinco dos partidos avaliados. Só
ocorreram cortes de pré-candidatos no PT e no PDT. Posto isso, o processo de seleção
de candidaturas foi descrito como simples, sem competição interna.
Ainda de acordo com os selecionadores entrevistados, em Salvador foi possível veri-
ficar que, com exceção do PT, o processo de composição e aprovação das listas tendeu
a ser muito restrito. Os dois partidos que demonstraram maior grau de centralização
na elaboração das listas foram o PP e o PSDB. O Partido Progressista apresentou um
processo de seleção que constava em uma entrevista dos pré-candidatos com o se-
cretário ou o presidente do partido no nível municipal. O PSDB elaborou sua lista
prioritariamente a partir: a) a indicação de nomes pelo candidato ao cargo majoritá-
rio, o ex-prefeito Antônio Imbassahy; b) escolha entre já vereadores ou ex-vereadores;
c) indicação de outras lideranças partidárias.
226 A CONSTITUIÇÃO DE 88 - TRINTA ANOS DEPOIS
Como foi uma eleição municipal e o PSDB teve candidato à prefeitura – Antônio
Imbassahy (ex-prefeito de Salvador) –, a maioria dos candidatos tinha ligações com
o ex-prefeito, exemplo disso foi a reeleição do vereador Paulo Câmara. Tivemos tam-
bém o vereador José Carlos Fernandes (não reeleito), Ruy Bisneto (não se elegeu), Luiz
Sapucaia (não se elegeu), Thelmo Gavazza (não se elegeu), ligados ao ex-prefeito.
Tivemos também a reeleição do vereador Jorge Jambeiro e a não reeleição do verea-
dor Décio Sant’anna. O candidato a vereador Arnando Lessa, apoiado pelo deputado
federal Jutahy Júnior, não conseguiu se eleger. [...] O critério era a referência, indicado
por qual liderança do partido e os novos filiados que não tinham referências den-
tro do partido foram escolhidos pela disponibilidade de vagas. (entrevista Presidente
PSDB/Salvador)
Com uma atitude um pouco mais inclusiva para o processo de seleção de candida-
turas, o PMDB e o PDT criaram uma comissão com membros do diretório municipal
e da executiva municipal, respectivamente, para a elaboração das listas. A decisão no
PMDB aconteceu praticamente na véspera da eleição e atendeu a critérios definidos
como subjetivos, em entrevista. Já no PSB, os selecionadores foram os membros da
executiva municipal.
No caso do PT, a lista foi aprovada por aclamação pelos militantes em encontro
do partido. Em decorrência da necessidade de aprovação pelos militantes, o processo
desse partido foi considerado o mais inclusivo do grupo.
8. Eleições e representação política na Nova República 227
II) Quais valores são considerados pelos selecionadores na elaboração das listas
Assim como aconteceu em Curitiba, o potencial eleitoral do pré-candidato é o
aspecto mais mencionado pelos selecionadores quando perguntados sobre os critérios
para a definição da lista dos candidatos a vereador. Mas foram mencionados ainda
outros aspectos como: o candidato assumir compromisso e fidelidade partidária (PP);
ele ter já algum tempo de militância (PT); e a proximidade do candidato em relação
às lideranças/indicações (PSDB).
4. Considerações finais
Ao final da discussão que por ora trazemos, verificamos que desde 1988 o sistema
político brasileiro vem sendo repensado e tem sofrido pequenas alterações de modo a
enfrentar os desafios da representação política.
Também constatamos que sejam referentes à opinião dos eleitores sobre as institui-
ções políticas, sejam referentes ao sistema político-partidário, os dados aqui apresen-
tados apontam que houve uma tendência de estabilidade e de consolidação das bases
da representação política no Brasil, via eleições, que terminou por ser invertida nos
últimos anos.
Kinzo (2004) fazia crítica a instituições oriundas da Constituição de 1988 que
tendiam a aumentar o grau de inteligibilidade do processo eleitoral, dificultando a
accountability. Muitas delas não foram alteradas. Muito se discutiu sobre possíveis al-
terações no sistema eleitoral, a ponto de Nicolau (2017) fazer uma classificação desse
debate no tempo. A literatura há muito aponta para as debilidades do sistema propor-
cional de lista aberta, com destaque para o encorajamento da disputa entre candidatos
correligionários, que tanto encarece as campanhas. No estudo sobre recrutamento
partidário nas capitais, foi possível ter uma ideia de como o peso das lideranças parti-
228 A CONSTITUIÇÃO DE 88 - TRINTA ANOS DEPOIS
nos articulado para mais articulado encontram-se no primeiro estágio DEM e PP; no
segundo estágio, PMDB e PDT; e no terceiro estágio, PT, PSDB e PSB.
O passo seguinte foi analisar as regras e os procedimentos de recrutamento adota-
dos pelas legendas a partir de entrevista em profundidade com os seus selecionadores,
atentando ainda para a oferta de candidatos e para a demanda dos gatekeepers, que
selecionam os candidatos entre os aspirantes.
A identificação do quadro de membros que define as candidaturas é importante
na medida em que possibilita a revelação de vários processos de tomada de decisões
intrapartidários e indica os tipos de relações existentes entre os dirigentes e os filiados
do partido. Isso porque uma seleção realizada por meio de eleições internas pode sina-
lizar, por exemplo, um nível maior de inclusão dos filiados nesse processo decisório,
enquanto a escolha realizada por um único dirigente pode apontar para uma estrutura
decisória mais fechada e rígida.
Ademais, com esta análise é possível verificar ainda os vínculos existentes entre os
dirigentes partidários e os futuros representantes. Vários estudos têm avaliado esse as-
pecto por meio de um contínuo que representa os vários graus de inclusão da seleção.
Dessa maneira, temos, nos extremos, o caso dos candidatos escolhidos por um único
líder do partido, que detém o monopólio da seleção, e, de outro lado, a possibilidade
de que a seleção seja definida por meio das primárias, determinando, portanto, um
nível máximo de participação.
Nesta discussão, pode ser inserido ainda o debate a respeito do envolvimento das
diversas esferas partidárias (municipal, regional, estadual ou nacional) na seleção.
Nesse aspecto, supõe-se que, no caso de candidaturas definidas de acordo com me-
canismos mais centralizadores nas lideranças das legendas, haverá maior disciplina
interna, já que os aspirantes têm conhecimento de que estarão sob vigia dos dirigentes
ao exercerem seus mandatos e que dependem do contentamento dos mesmos para
conseguirem uma próxima candidatura.
Interessou-nos ainda identificar que aspectos eles valorizam entre os aspirantes.
Ao chegar nesse item, tem-se a discussão sobre a demanda dos zz. Gallagher & Marsh
(1988) destacam que os valores dos selecionadores podem ter mais impacto em uma
eleição do que os valores dos eleitores. A literatura aponta uma série de requisitos de-
sejáveis entre os recrutadores em relação aos aspirantes, tais como: serviço partidário,
qualificação formal, experiência legislativa, habilidade para se comunicar, recursos
financeiros, conexão política, ter um nome reconhecido, uma rede com o seu grupo
social ou profissional, ambição ou já ser político (NORRIS, 1997).
Nas três capitais, no pleito de 2008, o primeiro ponto a ser ressaltado foi que se ve-
rificou que muitas legendas não preencheram a sua lista partidária por uma estratégia
230 A CONSTITUIÇÃO DE 88 - TRINTA ANOS DEPOIS
eleitoral, como o ocorrido em São Paulo, ou por falta de candidatos como em Curitiba.
O que reitera a percepção que a regra das coalizões aumenta tanta a possibilidade do
número de candidaturas que os partidos sequer conseguem dar conta de fechar a lista.
Foi possível constatar a presença de três perfis bem distintos de grupos de selecio-
nadores. Um primeiro grupo de partidos apresenta um padrão de recrutamento de
candidatos a vereador mais descentralizado, com forte participação dos filiados nas
instâncias dos diretórios zonais ou municipal. Um segundo grupo de partidos insere os
dirigentes dos diretórios zonais, mas exclui a base de filiados na hora da composição/
aprovação da lista de candidatos. O terceiro grupo de legendas restringe o seu grupo de
selecionadores aos componentes dos diretórios municipal e estadual.
É importante ressaltar que, ao analisarmos o processo de seleção de candidaturas, é
preciso considerar a estrutura organizacional da legenda. Partidos com uma estrutura res-
trita, sem diretórios zonais, tendem a apresentar um processo de recrutamento mais cen-
tralizado em decorrência da falta de capilaridade, possibilitada pela existência das zonais.
Sobre o comportamento dos partidos nas três capitais, podemos registrar alguns
comportamentos constantes e outros opostos. O PT foi classificado no grupo de legen-
das com processo de recrutamento mais descentralizado nas três cidades. Da mesma
maneira, o PP e o DEM foram classificados no grupo de legendas com processo de
recrutamento mais centralizado nas capitais estudadas. Tais dados mostram a mais per-
feita associação entre características da organização partidária (grau de articulação e
grau de centralização) e características do processo de seleção (grau de centralização).
Já o PSDB demonstrou comportamento distinto nas três capitais. Em Curitiba, a
legenda foi inserida no grupo com processo de recrutamento mais descentralizado; em
São Paulo, ela pode ser classificada no grupo intermediário; já em Salvador, demonstrou
um comportamento mais centralizador na composição da lista. A mesma variação pode
ser verificada com a classificação do PSB nas três capitais: São Paulo (mais descentrali-
zado), Salvador (grau intermediário de descentralização) e Curitiba (mais centralizado).
Quanto aos valores considerados na hora da definição da lista de candidatos à verean-
ça pelos selecionadores, destacam-se: o potencial de voto dos aspirantes; o compromisso
que ele apresenta com o partido, a ideologia ou o grupo que representa; ser um filiado ati-
vo no partido; ser comunicativo; ter apoio da família e muita disposição para a campanha.
Quando se verifica o processo de organização partidária, seleção de candidaturas e
resultados eleitorais (relação entre número de votos válidos por partido e seu número
de cadeiras na Câmara dos Vereadores) nas disputas em foco, percebe-se uma consis-
tência no processo de representação.
Ao final de toda a discussão aqui colocada, verifica-se que, diferente do que faz crer
o humor do eleitorado no momento, o sistema de representação que saiu da Constitui-
8. Eleições e representação política na Nova República 231
Referências
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Encontro Anual da ANPOCS, 2010.
9.
Neoinstitucionalismo na
pós-Constituição de 1988 e as
duas visões sobre os partidos
políticos no Brasil
Andréa Freitas (UNICAMP)
Fernando Guarnieri (IESP-UERJ)
Introdução
A terceira onda de redemocratização é um marco na área de instituições políticas.
Ela impulsiona pesquisas que têm como referencial teórico o neoinstitucionalismo,
ou seja, pesquisas que partem do princípio que instituições políticas conformam o
comportamento dos atores. No Brasil, não é diferente: a Constituição de 1988 define
os parâmetros institucionais que incitam um extensa literatura.
Em homenagem aos 30 anos da Constituição Cidadã e com objetivo de refletir
sobre as últimas décadas de experiência política nacional, este artigo se propõe a revisi-
tar a literatura de instituições políticas, tendo como parâmetro uma de suas temáticas
centrais, qual seja: os partidos políticos no Brasil.
Partidos políticos são um elemento definidor de qualquer literatura que procu-
re entender o funcionamento de sistemas representativos. Não poderia ser diferente,
dado que eles são o mecanismo primeiro pelo qual se estabelece a relação de represen-
tação. No Brasil, no entanto, o debate em torno dos partidos tem um elemento a mais,
uma vez que são as diferentes interpretações sobre sua força ou fraqueza que definem
o olhar que se tem para o sistema político como um todo.
O intuito deste artigo é descrever a trajetória das pesquisas sobre partidos nos úl-
timos 30 anos, tendo como foco a influência das instituições na organização parti-
234 A CONSTITUIÇÃO DE 88 - TRINTA ANOS DEPOIS
uma vez que a sobrevivência dos mesmos parece mais atrelada aos seus ganhos indivi-
duais do que a benefícios adquiridos coletivamente. Mas o fato é que são disciplinados.
Mais do que isso, os partidos pareciam se comportar como se espera que partidos se
comportem, apesar de todas as suas falhas constitutivas.
Estamos agora em um terceiro momento das análises, em que as visões de que os
partidos são fracos ou fortes convivem e competem para explicar o mundo político. Na
arena legislativa, pode-se dizer que essas visões se dividem entre aqueles que entendem
que os partidos coordenam a ação política e aqueles que entendem que o Executivo
coordena a ação.
Na arena eleitoral, as evidências de fraqueza dos partidos perduraram por mais
tempo. Até meados do ano 2000, o paradoxo de partidos fracos na arena eleitoral e
fortes no Legislativo deu o tom do debate. Esse quadro, porém, se modificou recen-
temente quando seguidos trabalhos passaram a evidenciar que os líderes partidários
tinham mecanismos para controlar a seleção de candidatos e também para aumentar
a chance de eleição de candidatos específicos.
De modo geral, os trabalhos que evidenciam a força dos partidos procuram de-
monstrar que os líderes partidários têm recursos que lhes permitem coordenar a ação
coletiva. Os que partem da ideia que os partidos são fracos entendem que esses recur-
sos estão nas mãos do Executivo e enfatizam os efeitos da legislação eleitoral, ou seja, a
falta de controle de recursos determinada pelo fato de que os eleitores são, em última
análise, os responsáveis pela sobrevivência dos atores políticos. Assim, enfatizaremos
ao longo do texto variáveis que digam respeito ao controle das lideranças.
Essa revisão está dividida conforme a lógica enunciada acima. Começamos apre-
sentando as primeiras conclusões pós-Constituinte. Nesse primeiro momento, a visão
negativa sobre a capacidade dos partidos prevalece. Outra característica a ser ressalta-
da dessa literatura é que ela pensa os partidos políticos a partir da sociedade e de sua
organização, e chega aos resultados no Legislativo, olhando de fora para dentro do
parlamento. A marca está na ideia de institucionalização do sistema partidário. E não
há aqui uma divisão clara entre partidos na arena parlamentar e na arena eleitoral.
Na sequência, apresentamos como o debate é modificado pela verificação das taxas
de disciplina no Legislativo. Essa literatura que olha para o comportamento no Legis-
lativo já não passa pela sociedade ou pela organização dos partidos fora do parlamento.
Volta-se sim para as regras internas e pensa essa arena a partir das suas regras.
Na terceira seção, apresentamos o debate na arena eleitoral. Esse debate parte da
constatação de que partidos são fortes no Legislativo. E primeiro deve lidar com a ideia
paradoxal de que há força no Legislativo apesar de o sistema eleitoral – proporcional de
lista aberta – valorizar o candidato. No entanto, à medida que essa literatura avança,
236 A CONSTITUIÇÃO DE 88 - TRINTA ANOS DEPOIS
AMES, 1995, 2003). Seguindo Carey e Shugart (1995) – para quem os sistemas de
lista aberta incentivam o cultivo do voto pessoal, uma vez que nesse sistema os votos
preferenciais dos eleitores determinam completamente a ordem dos candidatos na
lista –, Mainwaring (1999) afirma que a organização partidária teria menos influência
sobre as chances de um político se eleger do que a vontade popular, o que criaria
incentivos para o político desenvolver o “voto pessoal”: são seus votos individuais que
determinarão sua eleição.
A esse fator se somam outras características. O sistema político brasileiro dá poucos
recursos para que as lideranças partidárias controlem a seleção de candidatos. Quando
comparado a outros sistemas políticos, o Brasil teria um padrão descentralizado de
escolha dos candidatos, onde os líderes nacionais teriam pouco controle, uma vez que
os candidatos são escolhidos na esfera estadual e municipal (à exceção dos candidatos
à Presidência da República).
Por fim, Mainwaring (1991) ainda acrescenta uma legislação partidária excessiva-
mente frouxa, que não tem regras rígidas sobre a criação de novos partidos e que tam-
pouco limitaria a migração partidária. Esse conjunto de características teria impedido a
construção de um sistema partidário institucionalizado, uma vez que estimula a ausên-
cia de compromisso, solidariedade, disciplina e coesão partidária. A autonomia política
seria a regra, o que se reflete no modo altamente individualista de se conduzir as cam-
panhas e pela “acirrada competição intrapartidária” (MAINWARING, 1991, p. 43).
Mainwaring (1991) dá três razões para que os políticos tenham deliberadamente
escolhido uma legislação que os fortaleça vis-à-vis os partidos. A primeira é fruto da
importância das clivagens regionais na política brasileira. Obrigados a pertencer a par-
tidos nacionais, os políticos, na prática, “regionalizam” os partidos ao enfraquecerem o
poder das lideranças nacionais. A segunda razão estaria no desejo de se manter padrões
de representação típicos de um “sistema político inexoravelmente elitista”. A terceira
razão deriva da dependência dos políticos com relação ao Estado. Os políticos procu-
rariam maior autonomia para diminuir as restrições no relacionamento com o Estado
na busca de recursos para atender sua clientela.
Esses fatores têm consequências ainda mais devastadoras, pois teriam favorecido
a prevalência dos desejos individuais dos políticos sobre a formação de identidades
partidárias. Se, por um lado, a legislação eleitoral dá pouco controle às lideranças, a
formação de uma identidade partidária, de outro, poderia minimizar os efeitos desa-
gregadores da legislação eleitoral.
Mas esse não é o caso, pois o grau de descontinuidade do sistema partidário desde
sua constituição na República Velha e a forte interferência do Estado na organização
da representação de interesses impossibilitaram, de um lado, que da sociedade emer-
238 A CONSTITUIÇÃO DE 88 - TRINTA ANOS DEPOIS
gissem partidos políticos com uma história atrelada a movimentos sociais e, de outro,
que se estabelecessem vínculos que exigem tempo e maturação1.
Aqui o enraizamento social teria duas consequências: de um lado, afeta a capa-
cidade de os partidos realizarem plenamente sua função de representação, uma vez
que têm pouca permeabilidade; por outro, também reforça o descontrole dos líderes
partidários, dado que a falta de enraizamento faz com que os eleitores não associem a
marca do partido a um conjunto de ideias e valores, o que, por sua vez, dá mais liberda-
de para os membros dos partidos agirem individualmente. A marca do partido também
é um recurso nas mãos dos líderes para controlar seus membros.
No cerne da questão sobre os partidos, estão o baixo controle das lideranças sobre
os recursos e a baixa ligação dos partidos com a sociedade. Nesse contexto, partidos
teriam pouca capacidade de coordenar a arena eleitoral e, consequentemente, a arena
legislativa. Os políticos pensados a partir da ótica da escolha racional seriam regidos
por incentivos bastante estritos. Nessa visão, se as lideranças partidárias possuem con-
trole sobre seleção e eleição de membros de seus partidos, os parlamentares respon-
deriam na arena parlamentar com o comportamento disciplinado. Caso contrário, o
resultado é um comportamento individualista, que visa levar pork e garantir sua sobre-
vivência apenas através da sua reputação pessoal. Neste último caso, somado a outras
instituições, destacadamente o sistema presidencialista, o resultado esperado para um
arranjo institucional que fragmenta o poder político é a paralisia decisória.
1 Para uma revisão detalhada da literatura que trata sobre enraizamento social dos partidos políticos, ver Mene-
guello (1998).
9. Neoinstitucionalismo na pós-Constituição de 1988 e as duas visões sobre os partidos políticos... 239
determinam a ordem do dia, ou seja, quais projetos e quando serão votados. O Execu-
tivo ainda conta com uma gama de recursos, tais como o controle sobre os cargos nos
ministérios e na administração pública em geral, bem como amplo controle sobre o
orçamento da União. Vale mencionar que os líderes partidários também controlam re-
cursos essenciais para a carreira dos parlamentares no interior do Legislativo. Cabe aos
líderes a distribuição dos cargos no Legislativo, o que os torna capazes de incentivar
o comportamento disciplinado dos membros de seus partidos. Somados, esses fatores
tornam possível ao presidente, mesmo quando eleito por um partido minoritário, for-
mar uma coalizão que apoie suas medidas no Legislativo. Para os autores, a despeito
dos incentivos que as regras eleitorais e partidárias podem exercer nos partidos e em
seus membros, instituições endógenas à relação entre Legislativo e Executivo promo-
veram uma centralização do processo decisório no Executivo e nos líderes partidários.
O trabalho de Figueiredo & Limongi (1999) tem grande influência no debate so-
bre o sistema político brasileiro. E deram sequência a inúmeros trabalhos que buscam
compreender a relação entre Executivo e Legislativo, seja buscando complementar ou
mesmo refutar as suas conclusões, mas sempre sobre o mote de entender o presiden-
cialismo de coalizão. Mas, apesar do reconhecimento de que esse arranjo é bem-suce-
dido do ponto de vista da governabilidade, prevalecem divergências quanto ao papel
dos partidos na organização do processo legislativo. De forma genérica, os trabalhos
acabaram por se dividir em dois conjuntos, aqueles que entendem que o sistema é
organizado pelos partidos políticos – influenciados pela corrente partidária – e aqueles
que entendem que o sistema é organizado pela presidência – que seguem a corrente
distributivista2 (FIGUEIREDO & SANTOS, 2016).
Os dois grupos descrevem o sistema político brasileiro de forma parecida. Os dois
entendem que a formação de coalizões é um elemento central para o sistema, bem
como entendem que o processo é centralizado. A dúvida que resta é saber em quem é
centralizado o processo. Para partidários, a centralização nos partidos políticos é a es-
sência. Os poderes legislativos do presidente facilitam a coordenação, mas ela se dá por
meio dos partidos e não do Executivo (ARAÚJO, FREITAS, VIEIRA, no prelo; CHEI-
BUB & LIMONGI, 2010; DINIZ, 2005; FIGUEIREDO, 2007; FIGUEIREDO &
LIMONGI, 1999, 2008, 2009; FREITAS, 2016; IZUMI, 2016; MENEGUELLO,
1998; NEIVA, 2011; SANTOS, 1997, 2003). Para esse grupo, a formação da coalizão
2 A referência aqui diz respeito às três correntes de análise do Legislativo norte-americano, mas vale ressaltar que
a referência é justa até certo ponto. Ainda que do ponto de vista dos preceitos gerais essas literaturas sejam compará-
veis, do ponto de vista das análises e das variáveis incorporadas a elas a literatura nacional é extremamente original.
Não se trata então da mera importação de modelos de explicação de outros contextos. Para as especificidades, ver
Figueiredo e Santos (2016).
240 A CONSTITUIÇÃO DE 88 - TRINTA ANOS DEPOIS
diminui a distância entre Executivo e Legislativo, uma vez que os partidos presentes
no Executivo são os mesmos que estão no Legislativo (FIGUEIREDO & LIMONGI,
2009). Aqui, a agenda do presidente é conformada pelo conjunto de partidos que
fazem parte da coalizão (FIGUEIREDO & LIMONGI, 2009; FREITAS, 2016). Um
elemento central para o entendimento dos partidos aqui é que a centralização do con-
trole dos recursos nas mãos dos líderes partidários vincula a sobrevivência política a
um comportamento partidário.
Já para os distributivistas, o Executivo é o elemento central. Dada a fraqueza dos
partidos no Brasil, em especial porque o sistema eleitoral é centrado no candidato
(CAREY & SHUGART, 1995), os partidos não controlariam os recursos necessários
para coordenar o processo decisório. Seria a distribuição de pork e coalition goods que
permitiria o apoio à agenda legislativa do presidente. Nesse caso, a negociação entre
Executivo e Legislativo não passa pelos partidos. Ela é feita com indivíduos e é inde-
pendente do pertencimento à coalizão. Também membros da oposição serão aliciados
nesse processo (AMES, 2003; MELO & PEREIRA, 2013; PEREIRA & MUELLER,
2002; RAILE, PEREIRA, POWER, 2011; ZUCCO, 2009; ZUCCO & LAUDERDA-
LE, 2011). Assim, o elemento central é que a sobrevivência dos políticos está atrelada
a levar recursos a suas bases, e esses recursos viriam do Executivo sem a intermediação
dos partidos.
Em grande medida, as divergências sobre a força dos partidos na arena legislativa
permanece, porque restam dúvidas sobre a capacidade de controle das lideranças na
arena eleitoral, em grande medida em função dos efeitos da lista aberta.
contaria mais do que o esforço do partido para sua eleição, o que estaria de acordo
com a tese de Carey e Shugart (1995), ainda que, ecoando Samuels (1999), alertaria
para a excepcionalidade do Partido dos Trabalhadores (PT), que teria construído uma
identidade com os eleitores que vai além dos esforços pessoais de seus membros.
Nicolau também aponta para o efeito da lista aberta na competição intraparti-
dária. Na lista aberta, são eleitos os candidatos mais votados de um dado partido ou
coligação. Isso faz com que o candidato procure obter mais votos do que um colega
do mesmo partido. Isso seria agravado pelo grande número de candidatos na lista. Para
dar suporte a seu argumento, Nicolau mostra que, enquanto 22% dos candidatos a re-
eleição foram substituídos por algum nome novo, isto é, foram derrotados por falha do
candidato, apenas 10%, menos que a metade, foram derrotados por falha de partido.
Do ponto de vista do eleitor, o candidato também seria mais importante do que o
partido. Não só o voto em legenda é baixo como também, em pesquisa realizada pelo
autor, mais de 90% dos eleitores disseram que o deputado era mais importante do que
o partido ao qual pertencia para a escolha de um deputado federal.
A adoção de uma estratégia eleitoral com base em reputação pessoal implica, no
caso brasileiro, uma predominância de “um tipo de prestação de contas eminentemente
geográfico” (NICOLAU, 2006, p. 708). Mais uma vez tomando como base o trabalho
de Carvalho (2000), Nicolau (2006) mostra que a atividade considerada como a mais
importante para um deputado é a visita aos municípios onde ele foi bem votado.
Nessas abordagens, a lista aberta é entendida apenas por seu efeito mais imediato,
qual seja, a liberdade que é dada, de um lado, ao eleitor de ordenar os eleitos e, de
outro, a falta de controle das lideranças em determinar os eleitos.
Nessa mesma chave, outros trabalhos questionam alguns dos efeitos atribuídos por
Nicolau à lista aberta. Figueiredo e Limongi (2002), por exemplo, defendem que para
que um deputado possa direcionar políticas públicas para suas bases eleitorais, o que,
como vimos, seria essencial para sua reeleição, ele dependeria da anuência das lideran-
ças partidárias dentro do Congresso. Isso ficaria claro no processo orçamentário. Depu-
tados não teriam acesso direto aos recursos necessários para cultivar o apoio de sua base.
Esses recursos seriam controlados de forma centralizada pelas lideranças partidárias. Ou
seja, mesmo que a lista aberta, de forma direta, dê pouco controle aos partidos, os recur-
sos necessários para sobrevivência política ainda estariam na mão dos líderes.
Um esforço mais recente de análise do padrão de distribuição espacial da votação
dos candidatos a deputado federal foi empreendido por Avelino, Biderman e Silva
(2011), que, superando as dificuldades apontadas por Nicolau (2006) para esse tipo
de estudo, concluem que a votação dos deputados eleitos é mais dispersa do que a dos
candidatos não eleitos, o que contraria a tese de que haveria bases geograficamente de-
242 A CONSTITUIÇÃO DE 88 - TRINTA ANOS DEPOIS
3 Esta discussão é importante, pois muito das análises sobre o comportamento dos parlamentares no Legislativo
deriva da ideia de distritalização informal. No sistema proporcional brasileiro, os distritos são os Estados da Federa-
ção. Em distritos tão grandes geograficamente e com magnitude tão alta, é difícil sustentar a ideia de que parlamen-
tares mandam recursos para suas bases eleitorais. Ames (2003) argumenta então que haveria uma distritalização
informal. Ou seja, parlamentares teriam sua votação concentrada em determinadas regiões e levariam a essas regi-
ões os recursos (emendas orçamentárias), de forma a cultivar seus votos e assim garantir sua reeleição. Essa linha é
seguida pelos autores (mencionados acima), que partem de uma visão distributivista do comportamento legislativo.
9. Neoinstitucionalismo na pós-Constituição de 1988 e as duas visões sobre os partidos políticos... 243
que os votos individuais não bastam para vencer uma eleição. Para ser eleita, a grande
maioria dos candidatos depende dos votos dos partidos. São os votos do partido que
permitem a essa maioria romper a barreira do quociente eleitoral.
Mais que isso: se são raros os candidatos que conseguem romper o quociente elei-
toral, o número de partidos que, sozinhos, consegue ultrapassar o quociente eleitoral
também é pequeno. Em 2014, em média 28 partidos participaram das eleições para
a Câmara dos Deputados em cada Estado. Desses, apenas cinco conseguiram ultra-
passar o quociente eleitoral. Isto é, em cada Estado, menos de um em cinco partidos
consegue votos suficientes para obter cadeiras no Legislativo federal.
Portanto, um deputado, para ser eleito, precisará, além de seus votos, estar em
um partido que consiga atingir o quociente eleitoral ou então em um partido que
participe de uma coligação eleitoral que atinja esse quociente. Eles, na sua maio-
ria, não contariam com bases de apoio que permitam que possam se contrapor aos
esforços das lideranças partidárias para controlar suas ações (FIGUEIREDO & LI-
MONGI, 2002, p. 312).
Assim, mesmo quando se olha de maneira abrangente para o sistema eleitoral pro-
porcional de lista aberta, já surgem dúvidas quanto à inexistência de coordenação
nesse processo. No entanto, quando olhamos para temas específicos, a coordenação
fica mais evidente.
Uma das questões destacadas no trabalho de Mainwaring (1999) diz respeito à se-
leção dos candidatos. Para o autor, como mencionado acima, as lideranças partidárias
teriam pouco controle sobre a seleção dos candidatos, a qual seria pouco centralizada
(em especial, pouco centralizada nas lideranças nacionais). Mainwaring chega a essa
conclusão a partir do fato de que a seleção dos candidatos no Brasil é feita em conven-
ções com a participação dos filiados em nível local, municipal ou estadual, a depender
do nível do cargo em disputa. Isso retiraria das lideranças um recurso importante para
impor sanções a membros pouco partidários (CAREY & SHUGART, 1995; LIMA JR.,
1993; PEREIRA & MUELLER, 2003).
Essa objeção ao papel dos partidos como coordenadores da arena eleitoral foi con-
traposta apenas recentemente. Autores como Guarnieri (2004, 2011), Braga (2009,
2010), Bolognesi (2013a, 2013b) e Braga e Amaral (2013) expandiram o escopo de
análise e chegaram a conclusões bem diferentes. Não só os líderes partidários teriam
controle sobre a formação da lista de candidatos, como também utilizariam esse con-
trole de maneira estratégica.
Utilizando a abordagem sugerida por Rahat e Hazan (2001), Guarnieri (2004) e
Braga (2009) analisam o processo de seleção de forma sistemática, buscando respon-
der a quatro questões que correspondem a quatro dimensões do processo:
244 A CONSTITUIÇÃO DE 88 - TRINTA ANOS DEPOIS
4. Como é feita a escolha dos candidatos? Ela é feita por meio de votação ou ape-
nas por indicação?
Conclusão
O objetivo desta revisão de literatura era apresentar as evidências de controle dos
partidos sobre seus membros na arena legislativa e eleitoral. Após a redemocratização,
muitas dúvidas foram lançadas sobre a capacidade dos partidos políticos no Brasil.
As evidências que sustentam essas dúvidas são de três ordens. Primeiro, do ponto de
vista histórico, o passado do sistemas partidários, organizado pelo Estado e dissolvido
inúmeras vezes também pelo Estado; as passagens por regimes autoritários, bem como
um histórico de elites personalistas. Segundo, as dificuldades que essa história teria
proporcionado para uma relação mais íntima entre partidos e sociedade, ou a falta de
enraizamento social dos partidos, formavam um contexto pouco favorável para institu-
cionalização dos partidos políticos.
Por fim, o arranjo institucional parecia não fornecer os incentivos necessários para
um comportamento partidário. Sistemas presidencialistas seriam naturalmente menos
partidários que sistemas parlamentaristas. Ainda o sistema eleitoral proporcional de
lista aberta incentivaria e reforçaria o personalismo das elites brasileiras. Assim, o con-
texto histórico seria reforçado pelo arranjo institucional.
Essa visão é contestada pela observação empírica de força partidária, revelada pelas
altas taxas de disciplina no plenário, o que leva à interpretação de que na arena legisla-
tiva os partidos teriam força para controlar seus membros, mas não na arena eleitoral,
ou seja, leva à ideia de partidos fortes no Legislativo e fracos na arena eleitoral. Esse
paradoxo, por sua vez, leva ao aprofundamento dos trabalhos voltados para organiza-
ção dos partidos nesta última arena e à observação de um comportamento coordenado
também na arena eleitoral.
Hoje, com 35 partidos registrados no Tribunal Superior Eleitoral, 25 dos quais com
representação na Câmara dos Deputados, a debilidade do sistema partidário parece
246 A CONSTITUIÇÃO DE 88 - TRINTA ANOS DEPOIS
evidente. Ela é reforçada quando levamos em conta que os partidos políticos sempre
foram a instituição brasileira com o menor Índice de Confiança Social. Em 2017, ape-
nas 17% dos entrevistados disseram confiar nos partidos políticos. Essa porcentagem é
praticamente a metade da de 2010.
O desgaste dos partidos políticos perante a opinião pública fez com que, das cin-
co últimas agremiações registradas no TSE, três não incluíssem a palavra “Partido”
em seu nome. Nomes como “Novo”, “Rede”, “Avante” procuram justamente passar
a ideia de uma ruptura com o tipo de organização partidária que existe hoje no país.
Ainda assim, o número de filiações partidárias passou, na última década, de 9,7%
para 11,3%, conforme dados do TSE. Essa evolução vem na contramão do que se-
ria esperado e do que se observa em outras democracias. Os partidos europeus, por
exemplo, vêm apresentando acentuado declínio nas taxas de filiação (VAN BIEZEN,
MAIR, POGUNTKE, 2012). Em um estudo comparando a filiação partidária em 36
países, o Brasil apresentava uma taxa de filiação maior que países como o Reino Uni-
do, Alemanha, França, Chile, entre outros (WHITELEY, 2011).
Esse grande número de filiados reflete a grande capilaridade do sistema partidário.
Sete partidos brasileiros lançaram candidatos em, pelo menos, dois terços dos 5.568
municípios brasileiros nas eleições de 2016, e 19 lançaram candidatos em pelo menos
um terço deles. Para se ter uma ideia, enquanto na Índia as eleições gerais contam com
5.400 candidatos, no Brasil chegamos a 22.383 candidaturas. Organizar essas candida-
turas em tão vasto território, levando em conta as estratégias políticas de cada agremia-
ção, não é tarefa fácil e exige um grande esforço de coordenação.
Esse mesmo esforço de coordenação é necessário no Congresso. Hoje, 25 partidos
têm representação na Câmara dos Deputados, e 18 têm representação no Senado.
A formação de maioria acontece não só por iniciativa do Executivo. Líderes partidá-
rios com interesse em comum, mesmo contra o Executivo, têm capacidade de formar
maiorias, como os casos de impedimento presidencial demonstraram.
Esse paradoxo entre uma instituição desgastada e pouco confiável aos olhos do
cidadão e altamente eficaz do ponto de vista político tem sido o pano de fundo de pro-
postas de reforma política. A última dessas propostas envolveu, entre outras coisas, a
criação do Fundo Especial de Financiamento de Campanha, uma forma de financia-
mento público de campanhas pela qual o dinheiro é distribuído a partir da liderança
partidária nacional, fortalecendo ainda mais seu poder. Ao mesmo tempo, manteve-se
a lista aberta, que cria incentivos para estratégias personalistas.
Outras medidas aprovadas, como a criação de uma cláusula de desempenho e o fim
das coligações a partir das eleições de 2020, prejudicam os pequenos partidos, podendo
levar a uma redução do número de partidos. Além do mais, o tempo de registro neces-
9. Neoinstitucionalismo na pós-Constituição de 1988 e as duas visões sobre os partidos políticos... 247
sário para que um partido possa concorrer à eleição foi reduzido de um ano para seis
meses, e foi mantida a chamada “janela partidária”, que permite que candidatos mudem
de legenda seis meses antes da eleição, o que incentiva a criação de novas legendas.
Essa dupla face dos partidos brasileiros confunde eleitores e analistas. Diante do
quadro caótico que se instaurou no sistema político pós-2015, não há como não des-
confiar dos partidos, alicerce do sistema político. Por outro lado, pode parecer curioso,
mas, apesar da crise política e do quadro caótico, a disciplina partidária em plenário
baixou muito pouco. Isso, colocado em perspectiva, informa sobre o caráter coletivo
das decisões tomadas no Legislativo.
O fato é que democracias representativas constroem-se em torno dos partidos e mais
do que nunca é preciso entender seu caráter. Na pós-redemocratização, os partidos foram
analisados tendo como régua aspectos normativos. O conceito de institucionalização do
sistema partidário, muito utilizado para entender se a democracia brasileira dava mostras
de consolidação, exige dos partidos atributos que naquela época eram visualizados nos
partidos políticos europeus, mas que são fruto da história pelo qual passaram, história
que não é uma opção para os sistemas políticos da terceira onda de redemocratização.
Kinzo (2004) já alertava que “em vista desse quadro podemos questionar até que
ponto o fortalecimento do sistema partidário é realmente um fator fundamental na
consolidação da democracia brasileira” (2004, p. 35). Lembrando Schimitter (2001),
a autora questiona se, dadas as novas configurações e funções que os partidos passam
a assumir, a existência de sistemas partidários consolidados seria condição para uma
democracia consolidada.
Já há algum tempo, os partidos políticos pelo mundo têm dado mostras de que
estão se modificando. O enraizamento social está se perdendo, e cada vez mais se afas-
tam do modelo de partidos de massa (MANIN, 1997). O modelo de partido proposto
pelo Aldrich (1995), uma instituição endógena criada por políticos para atender a seus
próprios interesses, parece mais próximo dos partidos do mundo atual.
Nesse sentido, quando pensar força ou fraqueza, deve passar por avaliar a capacida-
de de coordenação dessas instituições. Partidos organizam as arenas porque os políticos
entendem que são mais fortes se atuarem juntos. Um olhar sem místicas para essa
instituição certamente contribui para o nosso entendimento de seu papel.
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10.
O pensamento político-constitucional
da República de 1988: um balanço
preliminar (1988-2017)
Introdução
Embora próxima de alcançar 30 anos e experimentando um dos momentos de
maior contestação da sua história, a Constituição de 1988 ainda suscita inúmeras ques-
tões. Entre as lacunas existentes, pode-se mencionar um inventário do pensamento
político-constitucional elaborado desde sua promulgação que descreva a riqueza das
clivagens e disputas que atravessaram o período. Compreender a Constituição a partir
das muitas tradições e interpretações em disputa não apenas pode oferecer uma visão
mais complexa do seu significado político como também pode iluminar alguns dos
confrontos centrais do recente cenário político e intelectual brasileiro.
Os estreitos limites do artigo não permitem mais, todavia, do que um possível ponto
de partida para estudos posteriores, dedicados àquele fim. Na forma de um balanço
preliminar, este artigo buscará descrever três momentos sucessivos do imaginário polí-
tico-constitucional desenvolvido ao longo dos últimos 40 anos. O primeiro concerne à
questão da natureza e dos limites do poder constituinte e, por conseguinte, do modelo
de Constituinte que ficaria encarregada de providenciar o estabelecimento da nova
ordem democrática, encerrando o ciclo autoritário (1977-1994). O segundo se refere
aos debates acadêmicos travados no âmbito do direito e da ciência política depois que
o regime político encontrou sua rotina e que diziam respeito ao seu modelo opera-
252 A CONSTITUIÇÃO DE 88 - TRINTA ANOS DEPOIS
1988). O ápice do processo se deu pelo movimento em torno de uma emenda consti-
tucional que restituísse imediatamente as eleições diretas para a escolha do presidente
da República eleito em 1985 (“Diretas Já”).
Em meio a esse complexo processo, a disputa em relação ao modelo de Consti-
tuinte expunha diferentes visões acerca do sentido da própria redemocratização. Ela
opunha os que desejavam uma ruptura completa com a ordem constitucional pregres-
sa e aqueles que admitiam tão somente a sua reforma. Os próprios juristas ligados ao
regime militar já reconheciam no começo da década de 1970, diante das crescentes
denúncias de arbitrariedade policial e violação dos direitos humanos, a necessidade
de enquadrá-lo em alguma moldura institucional estável, na forma de uma “demo-
cracia à brasileira” ou “democracia possível”. Para tanto, era preciso uma nova Cons-
tituição, conforme explicava o jurista conservador Manoel Gonçalves Ferreira Filho:
“A consolidação da obra revolucionária impõe a renovação política, porque só esta a
pode tornar duradoura” (FERREIRA FILHO, 1972, p. 126). Mas a iniciativa, além de
caber ao próprio governo, deveria se consubstanciar por uma ampla reforma da Cons-
tituição, jamais por uma Constituinte. Cinco anos depois, já no cenário da distensão
lenta e gradual patrocinada pelo governo Geisel, concordando em termos gerais com
o pleito de Ferreira Filho, Miguel Reale também atacaria a pretensão de convocar-se
uma Assembleia Constituinte. Tratava-se de mais uma típica expressão de alienação
ou idealismo utópico dos liberais e socialistas, incompatível, ao seu juízo, com as limi-
tadas realidades culturais da sociedade brasileira e de suas necessidades flagrantes de
promoção do desenvolvimento dentro da ordem.
Faoro para a presidência da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Este último pu-
blicaria famoso texto – Assembleia Constituinte: a legitimidade recuperada –, no qual
rebatia a tese conservadora de se reformar a ordem por emenda à Constituição vigente.
Sustentava ali o jurista gaúcho que apenas a convocação de uma Constituinte exclusiva
e soberana seria capaz de resolver o crônico problema da legitimidade democrática no
Brasil. Emulando a argumentação elaborada pelo abade Sieyès em sua brochura clássica
sobre o poder constituinte, Faoro entendia que só uma Constituinte naqueles termos
permitiria romper com um passado nacional marcado desde a colonização ibérica pela
negatividade, eis que nos fizera obedientes à tradição autoritária e patrimonialista por ele
descrita em Os donos do poder. Apenas o protagonismo da soberania popular evitaria que
aquela nefasta herança se perpetuasse através de transformismos conciliatórios:
A transição brasileira foi assim marcada por uma disputa entre uma ordem dese-
josa por manter seus pilares fundamentais e forças organizadas em prol de sua trans-
formação. Os setores progressistas se encontravam em uma frente que reunia desde
radicais, nos núcleos formados em torno do Partido dos Trabalhadores (PT), do PDT
de Leonel Brizola e de parte do setor progressista do PMDB, até moderados que pre-
gavam uma transição pactuada, tais como a maior parte do antigo MDB, chefiado
por Ulysses Guimarães, que se aglutinou em torno da candidatura presidencial de
Tancredo Neves. Também as forças conservadoras não apresentavam homogeneidade.
O projeto inicial de distensão sofreria diversas inflexões e ao cabo se fragmentou, com
a apresentação de diversos candidatos – oriundos do PDS, sucessor da ARENA – à
sucessão do general Figueiredo: Paulo Maluf, Aureliano Chaves e Mario Andreazza.
Em novo manifesto à nação, a chamada Aliança Democrática, formada pelo PMDB
e pelo PFL, se comprometeu em 1984 com a reorganização do país por meio de uma
nova Constituição (ROCHA, 2013, p. 52). A parte majoritária da aliança, todavia, se
por um lado rejeitava a tese conservadora e continuísta de encerrar o regime por mera
emenda da Constituição, por outro também manifestava reservas acerca da proposta
radical de uma Constituinte soberana, dotada de poderes ilimitados.
10. O pensamento político-constitucional da República de 1988: um balanço preliminar (1988-2017) 255
Prevalecia assim a moderação daqueles que desde o início apostaram em uma tran-
sição sem maiores rupturas, como os mineiros Tancredo de Almeida Neves e Afonso
Arinos de Melo Franco. Antigo líder do PSD e ministro de Getúlio Vargas e João Gou-
lart, Tancredo já havia buscado, pela fundação do malogrado Partido Popular (PP), a
construção de uma via intermediária entre o MDB e a Arena, no intuito de promover
uma transição responsável: “Não vemos, no Brasil, como transformar a ordem exis-
tente brutalmente, de um só golpe, para, em seu lugar, impor, revolucionariamente,
a ordem nova. O reformismo lúcido, enérgico, clarividente se nos afigura o método
ideal para alcançarmos as metas de uma sociedade pluralista” (NEVES, 2010 [1980],
p. 548). Idêntica era a posição de Arinos, antigo líder da UDN, com sua notória pre-
ferência por soluções que permitissem mudanças sem grandes rupturas (LATTMAN-
-WELTMAN, 2005; CHALOUB, 2015; LYNCH, 2017). Dentro do marco do libera-
lismo, o constitucionalismo moderado ou whig de Arinos se opunha frontalmente às
aspirações do constitucionalismo radical de Faoro. A prudente concessão de direitos e
garantias por parte de elites parlamentares conscientes de seu papel histórico lhe pa-
recia o melhor caminho para evitar uma eventual radicalização do processo político.
O regime militar ainda não estava morto, e as ameaças de retrocesso lhe pareciam
possíveis, principalmente diante da radicalidade de setores contra os quais o regime
militar se instaurara (como o trabalhismo de Leonel Brizola). Era nesse sentido que
Arinos falava contra a solução alvitrada por Faoro:
Alguns advogados eminentes têm essa opinião [de convocação de uma Constituin-
te exclusiva] e influem na decisão da Ordem [dos Advogados]. Mas não acho que isso
tenha repercussão sobre as decisões políticas, porque há uma impossibilidade histórica
de se fazer uma Assembleia independente. A Assembleia independente corresponde a
derrubada do Poder Executivo. Só se pode formar uma Assembleia Constituinte com
seus poderes clássicos quando não existe outro poder anterior. Em suma, é uma forma
de Estado que se inicia com a Constituinte. Todas as constituintes nos moldes da que a
ordem está defendendo são inaugurais de uma nova fase do Estado de direito. E para
isso se tem que derrubar o governo, o que é uma coisa evidentemente impossível. (FRAN-
CO, 1983, p. 65-66)
A atual assembleia foi convocada e eleita com o fim de redigir a nova Constituição
e para cumprir este desiderato é livre e soberana. O povo não lhe concedeu poderes re-
volucionários, elegeu deputados e senadores para que cumprissem missões especificas,
determinadas na Constituição vigente. (LOPES, 2013, p. 27)
É aqui que se acha o cerne dos dilemas constitucionais do Brasil de hoje. Cortada no
ápice do seu fluxo, a oscilação histórica apontada comporta duas visões opostas do que
deve ser a constituição em processo de elaboração. Os que defendem o “compromisso
sagrado de Tancredo Neves”, malgrado sua vocação democrática, afundam no pântano
conservador. Para eles, não existe uma ordem ilegal, mas um “entulho autoritário”. Ele
poderia ser removido como uma leve dor de cabeça, com uma vassourada. De fato,
trata-se de uma colossal mistificação, pela qual a ordem ilegal não é expelida da cena
histórica e condiciona, ao contrário, o processo de construção da sociedade civil e do
Estado. [...] Os juristas que defendem essa posição abominam a ideia de uma Assembleia
Nacional Constituinte exclusiva e soberana e se fixam na consolidação da Nova Repúbli-
ca como e enquanto rebento da Ditadura Militar, descrita eufemisticamente como “velha”
República! O congresso constituinte reduz-se a um “poder derivado” e, se extravasar esse
limite, seria condenado à instância judiciária, que poderia anular suas decisões, e, o que
não se diz, ao quarto poder da República, o poder militar, a instância suprema, que pode-
ria eliminá-lo do mapa... O que se reitera é uma afã ultraconservador e ultrarreacionário
(que conta com o apoio da maioria parlamentar e com a tolerância das direções dos
dois principais partidos da ordem – o PMDB e o PFL à frente), de conceber a elaboração
da constituição como uma revisão constitucional. Nesta revisão constitucional, a ordem
ilegal vigente seria reinstaurada “legitimamente”, como um sonho “liberal” dos antigos e
novos donos do poder. Para isso foi concebido o congresso constituinte! A outra visão
do que deve ser a Constituição é sustentada pelos que, já no passado, queriam remover
a Constituição de 1946 da condição de letra morta, e pelos que tentaram levar o movi-
mento das Diretas-já até o fim e até o fundo. São vários grupos e tendências de opinião,
que compartilham da ideia de que o desenvolvimento capitalista e do regime de classes
sociais desembocou num beco sem saída que só pode ser ultrapassado se os trabalha-
dores e oprimidos adquirirem peso e voz na sociedade civil e a faculdade de exercerem
controle ativo sobre o funcionamento do Estado. (FERNANDES, 1989, p. 6-7)
vadores, que se viram claramente derrotados. Prova disso foi a obra coletiva, publicada
logo em seguida, organizada por Paulo Mercadante, na qual 14 intelectuais insatis-
feitos extravasavam suas críticas à nova ordem. O título dava a dimensão da crítica: O
avanço do retrocesso (1990). A coletânea aproveitava o desmoronamento do bloco sovi-
ético e a vaga libertária, que punha em xeque os Estados de bem-estar social europeus,
para questionar o suposto anacronismo da nova Constituição, que reiteraria os padrões
autoritários da tradição nacional-estatista ao consagrar um programa socializante, sa-
bidamente superado pelos acontecimentos históricos. José Guilherme Merquior fa-
zia votos para que os elementos liberais nela constantes se desenvolvessem no futuro,
superando o “liberalismo de Estado” tipicamente brasileiro. Miguel Reale criticava
o “mito de estatização que surgiu no Brasil e nos ameaça” (REALE, 1990, p. 26).
Antonio Paim acusava a má organização da representação política, gerada pelo voto
proporcional, pela desproporcionalidade das bancadas dos Estados e pela exacerbação
de poderes legislativos. Vicente Barreto afirmava que, por sua extensão, a declaração
de direitos individuais e coletivos acabaria inaplicável. Ubiratan Borges de Macedo
destacava igualmente a necessidade de se abandonar “o esdrúxulo neopatrimonialis-
mo arcaico e interventor, adotado no país desde Pombal e reforçado pelo castilhismo
estado-novista, com influência em 64”. Esperava-se que a revisão constitucional de
1993 atenuasse esses males (MACEDO, 1990, p. 66). A tônica libertária aparecia com
toda a força no artigo de Roberto Campos:
Pouco depois, o jurista conservador Manoel Gonçalves Ferreira Filho viria a criti-
car a nova Constituição por contribuir para a aparentemente infindável crise econômi-
ca, social e política em que o país estava afundado. Com seu anacronismo estatista, ela
solapava a governabilidade ao favorecer a sobrecarga de funções, o mau agenciamento
entre os poderes e consagrar um modelo representativo ineficiente. A solução mais
prática não passava por reformar a Constituição, mas substituí-la por outra, por meio
de uma emenda que alterasse o seu processo de mudança formal (FERREIRA FI-
260 A CONSTITUIÇÃO DE 88 - TRINTA ANOS DEPOIS
Temos que reformar o Estado no Brasil [...] Basta de tanto subsídio, de tantos incen-
tivos, de tantos privilégios sem justificativas ou utilidade comprovadas. Basta de empre-
guismo. Basta de cartórios. Basta de tanta proteção à atividade econômica já amadu-
recida. Mas o Brasil não precisa apenas de um choque fiscal. Precisa também de um
choque de capitalismo. (COVAS, 1989)
A longa crise inflacionária atravessada pelo país, afinal resolvida no governo Itamar
Franco com o protagonismo de um ministro da Fazenda tucano – Fernando Henri-
262 A CONSTITUIÇÃO DE 88 - TRINTA ANOS DEPOIS
p. 14). Seu projeto reformista buscava superar através dos mecanismos do mercado o
tradicional protagonismo estatal da trajetória nacional brasileira, que via no Estado o
meio de solucionar politicamente a ausência sociológica da nossa formação e logica-
mente recusava, com isso, aposta direta no mundo do laissez-faire. Do ponto de vista
constitucional, o legado getulista encontrava expressão justamente em determinadas
expressões da Carta de 1988. De fato, a opção pelo controle estatal de certos setores
da economia e serviços essenciais, assim como o amplo protagonismo do Estado na
condução da política econômica, exprimiam uma visão de país que, consagrada pela
primeira vez na Constituição de 1934, passara relativamente incólume por todas as
sucessoras (PILLATI, 2008).
A Presidência Fernando Henrique Cardoso investiu-se assim da tarefa de promover
uma verdadeira cirurgia na Constituição, destinada a despi-la, o tanto quanto pos-
sível, de sua roupagem varguista. Para tanto, o PSDB uniu-se ao PFL, partido con-
servador que representava o transformismo da antiga ARENA, com cujo apoio con-
seguiu operar 35 Emendas Constitucionais destinadas a colocar o país “no trilho da
modernidade”. De fato, o processo era todo o tempo justificado como necessário à
adequação do país à realidade resultante da queda do socialismo real. Entretanto, Fer-
nando Henrique Cardoso buscava manter distância dos argumentos produzidos pelo
neoliberalismo de Hayek ou Mises, que ainda encontravam poucos adeptos no país.
Ao contrário, construía sua imagem pública, ponto especialmente presente nos seus
recém-publicados “Diários da Presidência”, próxima aos movimentos de “terceira via”
que então empolgavam parte considerável da social-democracia internacional depois
da queda do Muro de Berlim. Adotada por Bill Clinton, Tony Blair e Gerard Schroe-
der, e legitimada pela sociologia de Anthony Giddens, a “terceira via” encontrava na
redução do intervencionismo estatal um meio de combater a estagnação econômica
atravessada pelos Estados de Bem-Estar social desde a década de 1980. A companhia
do PFL, porém, e a crescente adesão da ala direita do PSDB a postulados de econo-
mistas monetaristas acabavam por embaralhar o liberalismo social da “terceira via”
com o neoliberalismo.
A tendência do PSDB de converter-se cada vez mais em um partido liberal mais
arquetípico teve como fatores suplementares a crescente polarização que dali em dian-
te a agremiação manteria com o Partido dos Trabalhadores, assim como a própria
aproximação do petismo ao nacional-estatismo ao longo da década de 1990. De fato,
conforme referido, o PT havia surgido nos anos 1970 sob o signo da ruptura com o
passado e construindo sua identidade com idênticas críticas ao nacional-estatismo e à
sua tradição sindical, rejeitada como “pelega” (VIANNA, 2006). Símbolo maior dessa
postura havia sido a famosa declaração de Lula segundo a qual a Consolidação das
264 A CONSTITUIÇÃO DE 88 - TRINTA ANOS DEPOIS
Leis do Trabalho seria o “AI-5 dos trabalhadores”. A condenação das grandes tradições
da esquerda nacional, como o trabalhismo e o comunismo, se fazia sempre presen-
te. Seus intelectuais acreditavam que a hegemonia deveria partir da sociedade e não
do Estado, considerado uma esfera política autônoma e hipertrofiada, que há muito
dominava a realidade nacional. Grande defensor da Constituinte exclusiva – a favor
da qual atuou por meio da militância e de intelectuais como Florestan Fernandes,
Raymundo Faoro, Francisco Weffort e Dalmo de Abreu Dallari –, o partido apresentou
um projeto próprio de Constituição, da autoria de Fábio Konder Comparato. Durante
a Constituinte, o PT votara muitas vezes próximo ao bloco progressista liderado por
Mário Covas. Entretanto, nem mesmo o setor moderado do PT se mostrou satisfeito
com o resultado final, acabando por concordar com sua ala radical de que se tratava
de uma Constituinte burguesa (MEDEIROS, 2016). Como resultado, o partido abs-
teve-se de subscrever o novo texto constitucional. Os confrontos políticos da década
de 1990 trariam, entretanto, novas feições ao partido e à sua perspectiva acerca da
Constituição. Para tanto, contribuiu a reformulação interna do PT, que assumiu uma
face mais voltada ao jogo eleitoral, com a crescente hegemonia da Articulação na
política partidária e a saída das correntes mais radicais, como a Convergência Socia-
lista, que veio a dar origem ao PSTU. Da mesma forma, diante do reformismo liberal
patrocinado pelo PSDB, o PT passou, uma vez na oposição, à condição de defensor
do texto original da Constituição, reputado “progressista”, contra o ímpeto reformador
do PSDB, atacado como “neoliberal”. Outrora crítico de certo entusiasmo estatista de
certa esquerda, o PT agora surgia, pela imposição das disputas de conjuntura, como
bastião contrário a uma ofensiva de franco caráter privatista.
Foi durante a Presidência de Fernando Henrique, portanto, marcado pela pola-
rização política com o PT e sustentado pelo presidencialismo de coalizão – isto é, a
repartição de ministérios e cargos na administração federal como meio de obtenção
de maiorias sólidas –, que o regime constitucional de 1988 finalmente encontrou sua
rotina. Ao longo desse período, marcado pela estabilização econômica e pelo avanço
da agenda social, o debate político constitucional foi dominado pela discussão em
torno do modo pelo qual os poderes públicos deveriam se relacionar. Em que pese
às diferenças entre os respectivos campos, tanto a Ciência Política neoinstitucionalis-
ta quanto a Ciência Jurídica neoconstitucionalista encararam o texto constitucional
com o mesmo ânimo de conferir-lhe efetividade e romper com os padrões predomi-
nantes de ordens constitucionais anteriores. A Ciência Política debateu a natureza
positiva ou negativa do arranjo instituído entre os Poderes Executivo e Legislativo
pelo presidencialismo de coalizão, ao passo que a Ciência Jurídica tratava de absorver
a teoria do neoconstitucionalismo, entendida como uma filosofia e hermenêutica da
10. O pensamento político-constitucional da República de 1988: um balanço preliminar (1988-2017) 265
Constituição recém-redigida, mas sim como uma maneira de lhe conferir concretude,
impedindo sua reincidência nas mazelas da nossa formação nacional. Partindo das
interpretações anti-iberistas do Brasil, elaboradas por autores como Raymundo Faoro,
Sérgio Buarque de Holanda e Roberto da Matta, Barroso identifica no patrimonia-
lismo, no estatismo, na falta de ética, na impunidade dos ricos e na desigualdade
perante a lei as causas do retardo civilizacional brasileiro (BARROSO, 2014; LIMA,
CHALOUB, 2018). Assim, a despeito de seu caráter inequivocamente democrático
e garantidor dos direitos humanos, especialmente o das minorias, a Constituição não
deixaria de albergar dispositivos que prejudicavam a construção de uma ordem mais
livre, justa e igualitária, em contrariedade manifesta com seus próprios princípios:
cimento da democracia, foi endossada por parte significativa dos sociólogos do direito
na virada do século, entre os quais Luiz Werneck Vianna. Baseada em uma soberania
que deveria ser apreendida em termos complexos, à maneira de Rosanvallon, Werne-
ck alegava que a democracia contemporânea não estava mais encerrada nos estreitos
limites eleitorais e que a Constituição de 1988 apostara em um desenho institucional
verdadeiramente revolucionário na parte concernente aos órgãos essenciais da Justiça.
Ao conferir uma representação funcional ao Ministério Público e ao Poder Judiciário,
a Constituição teria alargado as bases da democracia, tornando-a mais participativa: “A
sociedade não está mais vinculada ao Estado e à sua interpretação dos ideais civiliza-
tórios, mas aos princípios e direitos fundamentais declarados pelo constituinte como a
expressão da vontade geral, passíveis de concretização por parte da cidadania pela via
do direito, suas instituições e procedimentos” (VIANNA, 2008, p. 101). Da mesma for-
ma, a centralidade adquirida pelo Judiciário em geral, e pelo Supremo Tribunal Fede-
ral em especial, era saudada como positiva e saudável. Ela representava o primado da
vontade do poder constituinte sobre as limitações intrínsecas de um poder constituído,
ou seja, o Legislativo, de resto em processo de esvaziamento no mundo inteiro. Nessa
chave, haveria uma relação de complementariedade democrática entre os dois tipos
de representação, o eleitoral e o funcional. Mas Werneck advertia: “Que aqueles que
ocupam posições de comando nas instituições da democracia representativa saibam
compreender os caminhos da convergência e da ação complementar com os atores e
instituições da representação funcional, e vice-versa” (VIANNA, 2002, p. 484).
Próximas pela busca da efetividade no recém-aprovado texto constitucional, as
vertentes do neoconstitucionalismo e do neoinstitucionalismo, acima expostas, esta-
vam atravessadas por enormes diferenças de pressupostos e objetivos. Enquanto o neo-
constitucionalismo tinha por centro a questão dos valores na análise do mundo social
e apontava para um conhecimento que se faz intervenção, o neoinstitucionalismo
cultivava postura mais próxima à neutralidade axiológica weberiana, declaradamente
preocupado com a descrição de fenômenos sociais. As dissonâncias não impediram,
entretanto, que nos campos acadêmicos da Ciência Política e do Direito as correntes
teóricas tivessem papel estrutural semelhante, extremamente relevantes para construir
um discurso de efetividade em relação à Constituição em seu momento de consoli-
dação. Com tons diversos, as narrativas mais centradas na ruptura do que na conti-
nuidade permitiram vislumbrar possibilidades da carta constitucional não vistas pelos
segmentos mais radicalmente refratários ao seu conteúdo. Se o neoconstitucionalismo
assumiu um olhar mais crítico em relação ao texto constitucional, não resta dúvida de
que compartilhou com o neoinstitucionalismo a visão de que, mesmo com limites, a
nova ordem constitucional possuía os necessários fundamentos para sua conservação.
270 A CONSTITUIÇÃO DE 88 - TRINTA ANOS DEPOIS
juízes e dos promotores era reconhecida e mesmo saudada por toda a literatura e pelo
grande público, Bruno Wanderley Reis chamava a atenção para o fato de que o Poder
Legislativo corria “o sério risco de vir a ser considerado o ‘patinho feio’” da efeméride:
Receio que, nos últimos tempos, a banalização da ideia de que os políticos são um
amontoado de bandidos tenha chegado a um ponto que arrisca comprometer grave-
mente a autoridade do sistema. [...] Se nos habituarmos à rotinização de práticas pouco
justificáveis perante a opinião pública, então tenderá a disseminar-se no público a opi-
nião de que o modus operandi do sistema político é vil – e com tanto mais força quanto
mais a estabilidade do sistema vier a depender em alguma medida dessas práticas.
(REIS, 2008, p. 58 e 75)
A Constituição de 1988 já cumpriu suas funções, e a principal delas foi servir de lastro
para a consolidação do processo democrático que então se iniciava. Vencida essa eta-
pa, é hora de pensar e desenhar uma nova Constituição, realista e funcional, resultado
de uma sociedade madura, que se deu conta de que a explicitação de direitos no papel
nada é, se tais direitos não tiverem como ser exercidos na prática. O desafio que se im-
põe agora é o de formular um marco jurídico adequado aos tempos atuais. (O ESTADO
DE SÃO PAULO, editorial 31 de março 2017)
A medida recebeu feição acadêmica pelo endosso que lhe deu em seguida o soció-
logo político Simon Schwartzman, de orientação conhecidamente liberal:
Constituições não se trocam toda hora. Isto acontece quando existem grandes rup-
turas políticas e institucionais, depois de uma guerra ou uma revolução, e as novas cons-
tituições acabam sempre refletindo, de alguma maneira, os valores e as correntes de
ideias que predominam em seu momento. Não passamos por nenhuma guerra ou revolu-
ção, mas por um terremoto suficientemente profundo para justificar que a proposta seja
discutida com a profundidade que merece. (SCHWARTZMAN, 2017)
Conclusão
Não há dúvida sobre o lugar central da Constituição no cenário imediatamente
posterior a sua confecção. Entre críticos e apóstolos, a questão passava pela disputa
em torno da interpretação e, sobretudo, das supostamente necessárias modificações
que a conjuntura impunha ao texto constitucional. A conjuntura mais recente deu ou-
tras roupagens a esse embate, mas continua a transcorrer em uma política fortemente
276 A CONSTITUIÇÃO DE 88 - TRINTA ANOS DEPOIS
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278 A CONSTITUIÇÃO DE 88 - TRINTA ANOS DEPOIS
Introdução
A literatura sobre a participação social no Brasil voltou-se, ao longo dos anos 1990,
predominantemente para a análise dos processos e resultados da sua institucionaliza-
ção, refletindo as mudanças no contexto político ensejadas pela Constituição Federal
de 1988 (CF/1988).
As mobilizações em torno do processo constituinte favoreceram a nacionalização
de vários movimentos e a estruturação de suas pautas, permitindo qualificar suas de-
mandas e dotá-las de sentido fortemente propositivo. Esse processo ganhou tradução
legal na CF/1988, que, por sua vez, abriu espaços para experiências inovadoras de
gestão no plano local, principalmente sob prefeituras progressistas, que fecundaram
a imaginação política no sentido da proposição de novos arranjos na relação entre
sociedade civil, Estado e políticas públicas.
Na academia, o período pós-Constituinte foi marcado por uma qualificada e diver-
sificada produção que buscou compreender os sentidos, as dinâmicas e os resultados
dessas novas interações socioestatais em canais formalmente constituídos para a par-
ticipação de atores da sociedade civil nas políticas públicas, a exemplo do orçamento
participativo, dos conselhos e das conferências de políticas públicas, das audiências
públicas, dentre outros (ABERS, 2000; FEDOZZI, 2001; SOUZA SANTOS, 2002;
282 A CONSTITUIÇÃO DE 88 - TRINTA ANOS DEPOIS
1 Encontros e publicações como as do Instituto Pólis e INESC (2011), IESP/UFRJ-SGR (2011), IPEA (2010,
2011, 2013), entrevistas com representantes de governo (LAVALLE & SZWAKO, 2011) mostram a interação entre
representantes desses campos no período, sem contar as inúmeras teses, dissertações e artigos produzidos sobre o
tema. Balanço da produção na área da participação institucional entre 2000 e 2011, focado na produção sobre os
conselhos de políticas públicas, identificou a publicação de 537 títulos, sendo a maioria deles na forma de disser-
tações de mestrado. O estudo aponta ainda que houve um crescimento consistente da produção a partir de 2006,
seguindo a própria consolidação dos espaços de participação no âmbito federal. Quanto às áreas do conhecimento,
nota-se uma tendência à diversificação, que se estende das Ciências Sociais, Saúde, Educação e Serviço Social,
áreas tradicionais de estudos sobre a participação, para as Ciências Exatas, Tecnológicas e Biológicas, evidência,
segundo as autoras, da crescente visibilidade e consolidação do objeto como tema de investigação (ALMEIDA,
CAYRES, TATAGIBA, 2015, p. 287).
pendência ou não dos atores da sociedade civil em relação ao Estado (BOSCHI, 1999;
AVRITZER, 2000; HOUTZAGER, LAVALLE, ACHARYA 2004), no início do século
XXI, quando da consolidação dessas inovações, essa discussão se desfaz, cedendo lugar
às preocupações relativas à qualidade da relação estabelecida entre representantes do Es-
tado e da sociedade civil no interior desses arranjos (COELHO & NOBRE, 2004; DAG-
NINO, OLVERA, PANFICHI, 2006; DAGNINO & TATAGIBA, 2007). Essa mesma
temática será novamente problematizada no início da segunda década deste mesmo sé-
culo quando “novos personagens” emergem, colocando em questão a capacidade de o
Estado responder às demandas de parcelas importantes da população brasileira.
Defensores de uma perspectiva analítica centrada na diferenciação das esferas so-
ciais e, nesse caso, na delimitação clara entre as fronteiras do Estado e da sociedade
civil não apenas sustentavam tal diferenciação como buscaram aferir a legitimidade
das inovações institucionais recém-criadas a partir da análise da capacidade inclu-
siva e deliberativa que elas apresentavam por meio de uma metodologia de análise
que avaliava regras, padrões de comunicação e debate e contexto político onde se
encontravam inseridas (AVRITZER, 2010; ALMEIDA, 2010; CUNHA, 2010; FARIA
& RIBEIRO, 2010; PIRES & VAZ, 2010). Utilizando-se de uma metodologia multidi-
mensional (CUNHA et al., 2011), tal perspectiva analisou o impacto dessas inovações,
tendo como pano de fundo um conjunto de pressupostos normativos que revelavam as
preocupações relativas à autonomia dos atores da sociedade civil frente aos “imperati-
vos sistêmicos”, notadamente àqueles impostos pelos atores do Estado.
Críticos dessa diferenciação tão rigidamente estabelecida apontaram não só os
seus limites, como ofereceram novas ferramentas para a análise do mesmo fenôme-
no (LAVALLE et al., 2005; DAGNINO, OLVERA, PANFICHI, 2006; SILVA, 2007;
CÔRTES, 2009).
Por meio da ideia de “projeto político”, Dagnino, Olvera, Panfichi (2006) nega-
vam a diferenciação mencionada, ao mesmo tempo que prescreviam as bases para o
sucesso da relação estabelecida entre representantes do Estado e da sociedade civil.
O partilhamento de “crenças, interesses, concepções de mundo e representações do
que deve ser a vida em sociedade que orientam a ação política dos diferentes sujeitos”
(idem, p. 38) explicaria a qualidade dessa relação em uma conjuntura marcada pelo
reconhecimento crescente do valor da participação institucional.
Exatamente por causa desse reconhecimento crescente – nacional e internacional
– definido por Dagnino como uma “confluência perversa”, seria imperativo distinguir
os projetos políticos em disputa: um assentado no discurso neoliberal que reconhecia
a existência da nova institucionalidade, mas recusava partilhar com ela o poder e o
outro encabeçado pelos partidos de esquerda, notadamente pelo PT, cujo discurso
286 A CONSTITUIÇÃO DE 88 - TRINTA ANOS DEPOIS
não só defendia a criação e a expansão das IPs, mas partia dela para construir uma
nova forma de gestão da coisa pública (DAGNINO, 2004). A disseminação das IPs,
bem como o sucesso de algumas experiências em detrimento de outras, era explicado,
assim, pelos projetos políticos em disputa, posto que antagônicos. A proposição foi ilus-
trada por diferentes análises empíricas que mostraram as dificuldades e as facilidades
de operacionalização dos formatos participativos inseridos nesses diferentes contextos
(DAGNINO, OLVERA, PANFICHI, 2006).
A essas interpretações contrapunham-se aquelas que defendiam uma perspectiva
de cunho “relacional-processual” (SILVA, 2007). Negando qualquer “conteúdo prévio
e normativamente associado às experiências participativas instituídas no Brasil pós-88”
(SILVA, 2007, p. 481) – democratização ou dominação – essas interpretações susten-
tavam que os resultados das interações entre atores societários e estatais nas IPs deve-
riam se constituir, antes de tudo, em objetos de análises empíricas, evitando qualquer
definição ex ante. As condições que gerariam os efeitos aludidos – um ou outro – é que
deveriam balizar as análises sobre a nova institucionalidade, uma vez que ela, em si
mesma, é desprovida de conteúdo. Seguindo essa rota, Silva (2007) oferece um mo-
delo de múltiplas dimensões – associativas, políticas, institucionais e/ou econômicas –
que, relacionadas entre si, apresenta capacidade de explicar a qualidade dos impactos
produzidos por essas inovações.
Assim como a abordagem acima, Houtzager, Lavalle e Acharya (2004) se mostra-
ram críticos às perspectivas analíticas anteriores. Postulavam que a definição a priori
dos possíveis resultados das interações estabelecidas entre atores da sociedade civil e do
Estado no interior das IPs deixava de lado componentes importantes para explicação
das suas dinâmicas, como, por exemplo, o aporte de recursos – materiais e simbólicos
– que possuem ou adquirem ao longo de suas trajetórias.
Inspirados por uma abordagem denominada polity, os autores defendiam que o
desempenho dessas “novas” interações são sempre dependentes da história pregressa
dos atores envolvidos, dos recursos políticos que possuem e da capacidade de ação ad-
quirida durante suas trajetórias (HOUTZAGER, LAVALLE, ACHARYA, 2004). Assim
sendo, o processo de reconhecimento das demandas dos atores societários ocorrerão
sempre que as Organizações da Sociedade Civil (OSCs) com maior “capital político”
ocuparem posições estratégicas nas negociações com os atores do Estado e/ou do mer-
cado. Embora leve em conta o contexto e os desenhos em que operam essas relações,
essa abordagem confere primazia aos recursos políticos desses atores, bem como à
disputa entre eles para explicar o sucesso (ou não) das novas instituições.
Ao analisarem as trajetórias dos atores no interior dessas estruturas, Lavalle et al.
(2005) chamaram atenção para um outro deslocamento importante no interior desses
11. Participação social no Brasil: trajetória, crise e perspectivas 287
debates, qual seja, o caráter representativo e não mais direto das ações desses atores. Com
isso, inauguram uma nova agenda de pesquisa que passou a discutir a qualidade e a le-
gitimidade da representação no interior e entre as IPs (LAVALLE et al., 2005; PINTO,
2004; LÜCHMANN, 2007; POGREBINSCHI & SANTOS, 2011; ALMEIDA, 2010).
Essa agenda foi tão bem aceita que se chegou a aventar a emergência de um novo
momento do estudo da participação caracterizado como “pós-participação” (LAVAL-
LE, 2011), tal o consenso prático e teórico formado em torno da disseminação das
instituições participativas e do debate acerca da sua operacionalização.
O acúmulo de trabalhos e interpretações acerca dessa nova temática pode ser visto
em várias coletâneas. Chama atenção aquela organizada por Pires (2011) sob o título
Efetividade das instituições participativas no Brasil: estratégias de avaliação, que reu-
niu representantes das antigas e novas gerações de estudos da realidade participativa
brasileira para (re)pensar teórica e metodologicamente como mensurar os resultados
práticos das inovações depois de mais de uma década de existência.
Nesse momento, caracterizado pela expansão e pluralização das IPs, bem como
pelo acúmulo teórico alcançado, parece haver, no Brasil, certa convergência interpre-
tativa no que diz respeito aos padrões de relação entre representantes do Estado e da
sociedade civil no interior das IPs. Conceitos e categorias analíticas como “Comuni-
dades de políticas” (CÔRTES, 2009; 2015), “ativismo institucional” (ABERS & VON
BULOW, 2011; ABERS & TATAGIBA, 2014; ABERS, 2015), “interdependência polí-
tica” (AVRITZER, 2012), “interações socioestatais” (LAVALLE & VERA, 2011), bem
como “sistemas deliberativos” (FARIA et al., 2012; RAMOS & FARIA, 2013; ALMEI-
DA & CUNHA, 2016; MENDONÇA, 2016) passaram a ser mobilizados para explicar
a atuação conjunta dos atores sociais e políticos que se tornou uma rotina no país.
Tanto a prática quanto as interpretações sobre ela foram paulatinamente borrando as
fronteiras entre essas duas esferas, que eram, até então, motivo de disputas interpreta-
tivas (ABERS & VON BULOW, 2011).
O uso da ideia de policy community, oriunda dos estudos sobre políticas públi-
cas (KINGDON, 2003), visava mostrar exatamente a importância da interação entre
múltiplos atores na constituição de uma determinada agenda pública. O conceito foi
utilizado para explicar o impacto da policy community tanto na área de saúde quanto,
posteriormente, na área de assistência social. A ideia de “ativismo institucional” reafir-
ma, de certa forma, essa mesma perspectiva, ao mostrar que as relações estabelecidas
entre movimentos sociais e burocracia pública não precisam necessariamente ser ava-
liadas sob a lente da cooptação. Desdobramentos dessa ideia podem ser encontrados
na tipologia de interações entre movimentos sociais e Estado realizada posteriormente
por Abers, Serafim e Tatagiba (2014). A ideia de “interdependência política” buscou
288 A CONSTITUIÇÃO DE 88 - TRINTA ANOS DEPOIS
mostrar como a relação entre as esferas Estado e sociedade civil vão se transformando
ao longo do processo de democratização do país, caminhando de uma postura supos-
tamente mais autônoma dos atores da sociedade civil em relação ao Estado para uma
postura mais interdependente. O conceito de “interações socioestatais” vem, por seu
lado, reafirmar a mútua constituição entre os polos em questão. Finalmente, a ideia
de “sistema deliberativo”, inspirada na abordagem deliberativa de democracia, busca
integrar diferentes atores, arenas e repertórios de ação – conflitivos e consensuais – na
explicação da conformação da agenda de políticas públicas.
Nesse processo de convergência, poucas foram as interpretações capazes de an-
tever o que estava por vir: a crise da participação institucionalizada que gerou um
contexto de crítica não só a ela, mas também à própria forma de operacionalização da
democracia brasileira no período em questão. Na seção que se segue (seção 3), bus-
caremos analisar essa nova conjuntura que teve o seu ápice em 2013, nas chamadas
jornadas de junho, mas que, como veremos, vem sendo anunciada muito antes disso.
Acho que havia certa perplexidade em relação ao alcance e aos limites dos proces-
sos de participação que se desencadearam durante o governo Lula. Parte do campo
democrático popular imaginava que com o Partido dos Trabalhadores e com Lula che-
gando à presidência seria possível conseguir introduzir uma mudança na correlação de
forças que iria tornar esses canais de participação mais efetivos, torná-los mais delibe-
rativos. Sobretudo no primeiro mandato, esses mesmos atores começaram a perceber
que, ainda que os espaços de participação tenham se ampliado, ainda que a prática de
diálogo com a sociedade tenha sido uma prática fortemente incorporada no governo
Lula, ainda existiam muitas limitações. [...] Havia também a percepção de que ainda que
os espaços de participação tivessem sido ampliados e se generalizado, isso não resol-
via, digamos assim, o problema de uma correlação de forças sociais. No governo Lula,
continuaram convivendo conflituosamente o agronegócio e a agricultura familiar. Essa e
outras áreas eram políticas em disputa. (LAVALLE & SWASKO, 2014, p. 96)
condições reais para que essa dinâmica vigorasse. Como assinalado por inúmeros ana-
listas, tais arranjos não promoviam efetivamente a partilha de poder nem impactavam
as áreas de políticas que realmente importam para a sua promoção (BAIOCCHI et al.,
2012; PIRES & VAZ, 2014; TATAGIBA et al., 2015). As características do governo de
coalizão e o modo de operação do lulismo – mudança dentro da ordem (SINGER,
2012) – também foram fatores invocados para explicar as contradições e tensões de um
projeto participativo incapaz de desafiar as estruturas de poder presentes na sociedade
(DAGNINO & TEIXEIRA, 2014). Nesse diapasão, Teixeira argumenta que os canais
criados no governo Lula mantiveram uma característica mais consultiva, de “escuta”,
com muito debate mas pouca deliberação, resultando em baixo potencial para influir
na alocação dos recursos públicos. Trata-se de uma participação que incluiu novos ato-
res e temas, trazendo novas vozes para a esfera pública, mas em arranjos institucionais
que acabam por produzir públicos com pouca incidência nos ciclos de poder, ou seja,
“públicos fracos” (TEIXEIRA, 2013).
A abertura do sistema político às IPs foi registrada em números por Pires e Vaz
(2014), que mostraram um crescimento tanto na percentagem dos órgãos vincula-
dos aos Poderes Executivo (ministérios, fundações, autarquias, etc.), Legislativo e/ou
Judiciário (60,4% e 89,3% respectivamente) quanto dos programas no interior desses
órgãos (81% e 92,1% respectivamente), que passaram a interagir rotineiramente com
conselhos, conferências, audiências públicas e/ou outras arenas no período (PIRES &
VAZ, 2014, p. 73). O crescimento aludido não ocorreu, entretanto, de forma linear.
Os autores apontam que a área de proteção e promoção social mostrou-se muito mais
permeável às interações do que as áreas de infraestrutura e desenvolvimento econômi-
co (PIRES & VAZ, 2014, p. 77). Tais dados reforçam as preocupações de um conjunto
de estudiosos, aqui e alhures, acerca da baixa eficácia das inovações democráticas nos
ciclos de poder das sociedades contemporâneas. As inovações, argumenta-se, ao não
conseguirem impactar os setores econômicos, tradicionalmente blindados às gestões
participativas, acabam por produzir poucos efeitos na vida das pessoas (COHEN &
ROGERS, 1995; MANSBRIDGE, 1999; PATEMAN, 2012).
A relação entre participação, representação e desigualdade também compôs o
diagnóstico da crise. A questão da desigualdade tem sido explorada, principalmente
mas não exclusivamente, a partir da análise do perfil dos representantes nas IPs, um
tema relativamente frequente na literatura (TATAGIBA, 2002; PERISSINOTTO &
FUKS, 2007; LÜCHMANN, 2011; LÜCHMANN, ALMEIDA, GIMENES, 2016;
ALMEIDA, 2015). Mais recentemente, o investimento em estudos comparados tem
permitido identificar com mais precisão os impactos das estruturas de desigualdade
sobre as dinâmicas participativas e seus resultados. Não raro, os estudos têm concluído
11. Participação social no Brasil: trajetória, crise e perspectivas 291
3 BRASIL. Casa Civil. Decreto n. 8.243: Política Nacional de Participação Social – PNPS e o Sistema Nacional
de Participação Social – SNPS. Brasília: DF, 2014.
4 Por exemplo, o editorial do Estado de São Paulo acusa a presidente Dilma Rousseff de pretender mudar a
ordem constitucional por decreto e provocar uma mudança de regime, defendendo que “a participação social
em uma democracia representativa se dá através dos seus representantes no Congresso, legitimamente eleitos”
(29/06/2004).
292 A CONSTITUIÇÃO DE 88 - TRINTA ANOS DEPOIS
[…] essa geração de ativistas, mais jovem e revigorada, possui pouco compromisso
com o projeto institucional que dominou a esquerda brasileira dos anos 1990. […] Não
está claro se essa nova geração continuará apoiando este projeto [de democracia par-
ticipativa]. Certamente, os grupos organizados envolvidos nos protestos de junho são
muito menos otimistas do que seus predecessores sobre as possibilidades de construir
uma democracia mais radical de dentro do sistema político. (ABERS, 2013 apud TATAGI-
BA, 2014, tradução das autoras)5
Mais de quatro anos depois, e algumas importantes publicações sobre o tema (SIN-
GER, 2013; MENDONÇA & FUKS, 2015; NOBRE, 2013; BRINGEL & PLEYERS,
2015; TATAGIBA, 2014; ALONSO & MISCHE, 2016, 2015), pouco ainda sabemos
5 O texto original é: “This invigorated younger generation of activists has few commitments to the institutional
project that dominated the Brazilian Left of the 1990s. [...] It is unclear whether a new generation will carry that
project [of participatory democracy] forward. Certainly, the organized groups involved in the June protests are much
less optimistic than their predecessors about the possibility of building a more radical democracy from within the
political system”.
11. Participação social no Brasil: trajetória, crise e perspectivas 293
sobre as condições e os motivos específicos que fizeram com que o protesto do Movi-
mento Passe Livre contra o aumento da tarifa dos transportes públicos, nos moldes de
tantos outros que vêm se realizando desde 2003, tivesse a repercussão política que teve
e causasse o abalo que provocou no sistema político brasileiro.
Essa inflexão no repertório de ação dos atores sociais tem sido acompanhada de
perto pelos analistas sociais, refletindo-se, por exemplo, numa maior diversidade de
temas apresentados na nossa AT.
As análises têm destacado a emergência das ruas como palco para expressão de
novos conflitos, a partir de um diversificado repertório de atuação no qual se destaca
o recurso à violência, tanto prática como simbólica, distinguindo esse ciclo de mobili-
zação das campanhas que o precederam como as mobilizações pelas Diretas Já e pelo
impeachment do ex-presidente Fernando Collor de Mello (DOWBOR & SWASKO,
2013; TATAGIBA, 2014; BRINGEL & ECHART, 2008,; ALONSO & MISCHE,
2015; NOBRE, 2013). Outra novidade marcante desse período é a presença de um ati-
vismo de direita, organizado em uma chave antipetista, que assumiu o protagonismo
nos protestos pelo impeachment da presidente Dilma Rousseff (TATAGIBA, TRIN-
DADE, TEIXEIRA, 2015; TATAGIBA, 2018; ALONSO, 2017; AVRITZER, 2017).
Enfim, os protestos de junho de 2013 e a derrota do PNPS são marcos que apon-
tam para mudanças na trajetória da participação social no Brasil, embora a direção des-
sas mudanças esteja ainda pouco clara. A explosão do conflito social nos protestos de
junho, a postura abertamente antiparticipacionista das elites políticas parlamentares, a
promíscua relação entre Estado e mercado ao longo dos governos petistas colocam em
xeque os pressupostos das distintas narrativas acerca do papel da democracia participa-
tiva até aqui construída. Em que pese a suas diferenças, todas elas vinham apostando
ser possível dirigir o Estado brasileiro combatendo por dentro a desigualdade e, assim,
reformar o capitalismo predatório a partir das regras do jogo democrático, impondo a
gramática dos direitos sobre a lógica da violência e dos privilégios.
O esgotamento dessas expectativas parece ruir as conexões historicamente forja-
das entre participação e institucionalização, projetando a crise da participação insti-
tucionalizada a um outro patamar, cuja reversão certamente não se fará como uma
reedição do passado. Embora isso não signifique a extinção dos canais existentes, será
preciso reconstruir o horizonte normativo que historicamente permitiu vinculá-los a
projetos de mudanças associados com o aprofundamento da democracia.
A hegemonia conservadora sob a qual vivemos tornou-se patente um dia depois da
posse de Michel Temer por meio da extinção de secretarias e ministérios voltados à
defesa dos direitos de minorias e à promoção da igualdade social e econômica, como a
Secretaria de Articulação Institucional vinculada à Secretaria-Geral da República, que
294 A CONSTITUIÇÃO DE 88 - TRINTA ANOS DEPOIS
Contudo, ao olharmos para a distribuição dos temas ao longo dos três encontros, per-
cebemos claramente uma tendência em direção à diversificação dos objetos de análise:
em 2012, o estudo das IPs concentrava 50% dos trabalhos; em 2016, esse número cai
11. Participação social no Brasil: trajetória, crise e perspectivas 295
pela metade. Essa mudança no padrão temático dos trabalhos apresentados é refletida
no tema da mesa-redonda promovida pela AT no 10º Encontro, em 2016: “Participação
política em múltiplos espaços: avaliando possibilidades e limites”. Interessava discutir,
nesse momento, como a pluralização da participação institucional – crescimento dos
conselhos de política, das conferências, das audiências públicas – impactava simultane-
amente o tecido social, por meio do reconhecimento de novas vozes, e as estruturas do
Estado brasileiro, pela incorporação de novos conflitos. Os debates giraram em torno das
potencialidades e dos limites que o fenômeno da pluralização, numérica e de tipos, da
participação aportava para a democracia brasileira naquele momento.
A diversificação da agenda de pesquisa na área ocorre, principalmente, a partir da
retomada dos estudos sobre movimentos sociais e protestos, que já em 2012 concentram
18% da produção, atingindo 48% e 34% nos encontros subsequentes. Os impactos de
junho de 2013 são evidentes: trabalhos que analisam os protestos e os ciclos de mobiliza-
ção saltam de 6%, em 2012, para 17% em 2016, quase que triplicando sua presença na
AT. Outro tema que responde pela inovação temática na área diz respeito à relação entre
participação e novas mídias, uma agenda ainda incipiente (com 14% da produção em
2016), mas que mostra potencialidade, dada a importância da ambiência on-line para os
processos de mobilização, organização e publicização desses ciclos de protestos.
Quando olhamos especificamente para 2016, vemos que as IPs continuam sendo um
objeto de estudo vigoroso, congregando 24% do conjunto da produção, mas no interior
de um quadro geral onde há relativo equilíbrio entre os temas. Essa amplitude dos ob-
jetos de análise é essencial para darmos conta das diversas formas pelas quais indivíduos
e coletividades, organizados e não organizados, atuando dentro ou fora das instituições,
encontram para intervir na realidade e promover mudanças. Essa concepção ampliada
de participação, que incorpora mas não se restringe à participação institucional, nos pa-
rece uma direção promissora que será estimulada pela AT de Participação.
Uma análise qualitativa dos trabalhos revela que a literatura da participação institu-
cional e dos movimentos sociais continuam oferecendo as ferramentas centrais mobi-
lizadas nos estudos. Se, no contexto dos anos de 1990 em diante, a literatura dos movi-
mentos sociais acabou subordinada à literatura da participação institucionalizada, vemos
hoje que essa relação se coloca de outra forma, e uma questão importante a ser respondi-
da diz respeito às possibilidades e às formas de diálogos entre essas duas literaturas.
Essa agenda foi estimulada no último encontro da ABCP, em 2016, quando a mesa
de Participação Política teve como tema de debate as possibilidades de convergência
entre os múltiplos espaços e repertórios de ação, somando esforços para resgatar a
agenda prática e teórica que deu ensejo ao marco regulatório na CF/1988 que previa
a participação social na elaboração das políticas públicas e orçamentárias brasileira.
296 A CONSTITUIÇÃO DE 88 - TRINTA ANOS DEPOIS
devem assumir e, por isso, torna-se importante investigar quais são os novos atores em
cena, como lidam com as arenas constituídas, quais caminhos abrem no processo de
construção da nossa jovem democracia.
Notas conclusivas
A Constituição Federal de 1988, por meio de seus art. 1o e 14, assim como aqueles
referentes às políticas sociais, ofereceu a base legal para a formação da infraestrutura
participativa que se consolidou ao longo da última década do século passado no país.
Fruto de um processo disputado, envolvendo representantes dos movimentos so-
ciais e aliados institucionais em torno do sentido da democracia no Brasil, os arranjos
participativos emergentes passaram a ser fonte de diferentes interpretações na medida
em que se consolidaram na cena política e intelectual brasileira.
Ao contrário do cenário anterior à CF/88, quando representantes do Estado e da
sociedade civil tendiam a ser vistos como polos em oposição, o processo de institu-
cionalização da participação social no Brasil passou paulatinamente a ser analisado
com novas lentes: como arenas de diálogo e negociação sobre a alocação dos recursos
públicos por alguns, como espaço de relação entre atores com recursos materiais e
simbólicos diferenciados por outros, ou, ainda, como arenas dependentes dos projetos
políticos em disputa no cenário macropolítico.
Em que pese às diferenças teóricas e metodológicas contidas nessas interpretações,
este artigo mostrou que havia uma aposta, bastante disseminada nas comunidades aca-
dêmica e política, nas múltiplas inovações ensejadas pela Carta de 1988. Apostava-se
que elas, de uma forma ou de outra, viabilizariam a reversão da desigualdade de acesso
aos direitos de cidadania e, simultaneamente, promoveriam o aprendizado político e
a autonomia pública.
Com o passar do tempo, tanto a prática como as interpretações sobre ela foram
mostrando que, se as promessas constitucionais obtiveram êxito no que concerne a
criação, expansão e pluralização da infraestrutura participativa no Brasil, seus resulta-
dos práticos estavam ainda muito aquém das promessas legais. Mais uma vez, a disputa
prática e interpretativa que fomentou sua criação mostrou-se viva, apontando para a
tensão constitutiva e permanente na relação entre Estado e sociedade civil sob a ordem
capitalista. A novidade analítica do momento consistiu na busca de novas ferramentas
para precisar a qualidade (ou não) da relação entre Estado e sociedade civil que a ex-
pansão das IPs impôs em todo o território nacional.
A AT de Participação Política da ABCP foi criada, também como discutido neste
artigo, exatamente no momento de consolidação e expansão dessa infraestrutura par-
ticipativa. Seu objetivo era explicar os processos e resultados decorrentes desse movi-
298 A CONSTITUIÇÃO DE 88 - TRINTA ANOS DEPOIS
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12.
Política, Direito e Judiciário –
centralidade e ambivalências
do jurídico na ordem
constitucional de 19881
Andrei Koerner (UNICAMP)
Introdução1
Certo dia, no centro da cidade, ouvimos conversa entre dois ambulantes, indigna-
dos com a ação dos fiscais da prefeitura: “Eles só vão parar quando a gente tacar um
mandado de segurança contra eles”. De fato, a linguagem do Direito entrou nas falas
cotidianas dos cidadãos, e a mobilização dos direitos incorporou-se às suas estratégias
para defenderem e promoverem seus interesses e valores. O aumento exponencial
do número de processos indica expectativas otimistas de um sistema judicial aberto e
responsivo às demandas sociais. Os juristas2 demonstram maior protagonismo político
e social, e o mundo do Direito oficial não mais parece desconectado dos conflitos so-
ciais, embora se mantenha custoso, opaco, demorado e indiferente à autocompreensão
normativa dos cidadãos.
No final de outubro de 2017, vê-se o desenlace da mobilização do jurídico para
o combate à corrupção, iniciada em 2005 e intensificada em 2012. É provável que o
1 Agradeço aos colegas que participaram do Colóquio “Questões emergentes e perspectivas para pesquisas sociais
e históricas sobre direito e política no Brasil", realizado na UnB nos dias 24 e 25 de julho de 2017, organizado pela
AT “Política, Direito e Judiciário” da Associação Brasileira de Ciência Política, o Programa de Pós-Graduação em
Direito e a Faculdade de Direito da Universidade de Brasília.
2 O termo refere-se genericamente aos profissionais de direito e não apenas a teóricos e doutrinadores.
304 A CONSTITUIÇÃO DE 88 - TRINTA ANOS DEPOIS
ex-presidente Lula seja afastado da disputa nas eleições de 2018, com a confirmação,
em segunda instância, da sua condenação por corrupção por uma sentença basea-
da em inferências duvidosas sobre frágeis indícios. Por sua vez, o Supremo Tribunal
Federal (STF) recuou de sua tese unânime em favor do efeito imediato de medidas
cautelares contra parlamentares, e o Senado rejeitou o pedido de afastamento do cargo
do senador Aécio Neves, presidente do PSDB. A Câmara dos Deputados rejeitou o
segundo pedido do STF para a abertura de processo contra o vice-presidente em exer-
cício, o peemedebista Michel Temer, acusado de corrupção e outros crimes, com base
em gravações e vídeos de entrega de malas de dinheiro. Juristas e políticos usam os
recursos do Direito como arma política, entrelaçando cotidianamente justiça, punição
e política. O jurídico apresenta-se como enjeu estratégico nas disputas pela direção
política da sociedade e parece que é nele que se joga o destino da República.
O jurídico é elemento central e pleno de ambivalências da nossa experiência sob a
Constituição de 1988. Essa constatação coloca a questão crítica do sentido do jurídico
no governo das condutas nas democracias constitucionais contemporâneas e implica
indagar o que é específico na nossa sociedade. Para discutir a questão, adota-se uma
perspectiva abrangente, que analisa a reconfiguração das relações entre Direito, políti-
ca e sociedade desde a transição, indo além da análise das relações entre ordenamento
jurídico, instituições e comportamentos. Propõe-se, para isso, os seguintes termos.
“Ordem constitucional” designa aquilo – que se dá no plano dos discursos, mas
também das tecnologias de poder e práticas – que liga e enlaça saberes, instituições,
espaços e relações sociais para a direção da multiplicidade de agentes, conferindo-
-lhes uma referência jurídico-normativa objetiva e conformando-os como sujeitos de
direitos. “Regime constitucional” designa a forma que a ordem constitucional assume
numa sociedade em período determinado. “Jurídico” refere-se tanto a um campo ou
esfera social diferenciada como a uma instância de discursos e práticas referidos à pro-
blemática da elaboração de juízos públicos e dotados de objetividade sobre as relações
entre os agentes e destes com a totalidade social, ao tratar de situações particulares e
deliberar sobre as contestações na cidade (EWALD, 1993; FOUCAULT, 2004).
O capítulo apresenta um ensaio que explora as ambivalências do jurídico na ordem
constitucional e o seu papel na crise política. O seu foco é a “política constitucional”,
entendida como as disputas entre políticos e juristas sobre os programas governamen-
tais e modelos constitucionais para a direção da sociedade e os padrões de atuação das
instituições judiciais. Na primeira seção, são apresentados o programa do constitucio-
nalismo democrático e a trajetória constitucional brasileira até a transição. Na segun-
da, são analisadas as relações entre o jurídico e a política em três momentos, referentes
à longa constituinte, à formação de um regime constitucional neoliberal no governo
12. Política, Direito e Judiciário – centralidade e ambivalências do jurídico na ordem constitucional... 305
3 O termo é utilizado para distinguir o programa de matriz austríaca, adotado pelos governos inglês e norte-a-
mericano, do programa europeu do pós-Segunda Guerra, em particular o ordoliberalismo, que dava maior peso à
Constituição, à regulação estatal e aos direitos sociais.
306 A CONSTITUIÇÃO DE 88 - TRINTA ANOS DEPOIS
impasses nas votações, os quais foram contornados com a adoção de acordos pontuais,
resultando em textos ambíguos e indeterminados a serem especificados no futuro.
Enfim, a promulgação da Constituição instaurou, como discurso, uma nova ordem
constitucional objetiva para observar, programar e refletir a direção da multiplicidade
na sociedade brasileira. Mas o processo político constituinte não foi encerrado, porque
as forças políticas de centro e de direita não tomaram o texto constitucional como
referência para a refundação e a organização da República e se rearticularam em tor-
no do programa neoliberal de reformas, apostando na revisão constitucional de 1993
(PILATTI, 2008; ROCHA, 2013).
Esse processo teve consequências diretas para a configuração do jurídico no texto
da Constituição de 1988. O ponto central é que ela combina ampliação das atribui-
ções das instituições judiciais e seu insulamento institucional, o que não fazia parte
de nenhum dos programas constitucionais relevantes. As forças de centro-direita de-
fendiam atribuições limitadas e insulamento institucional do Judiciário, enquanto as
de centro-esquerda propugnavam atribuições amplas e o controle democrático por
meio da participação externa no Judiciário. O resultado foi produzido pela aprovação,
desde os trabalhos das comissões, da ampliação dos direitos e garantias, da autonomia
do Judiciário e das vantagens das carreiras jurídicas4. O projeto do Centrão incorporou
essas regras, mas não as inovações polêmicas, como o Tribunal Constitucional, o con-
trole da magistratura e a participação popular no Judiciário. O projeto foi aprovado em
bloco, enquanto as emendas polêmicas foram rejeitadas quando votadas em separado
(CARVALHO, 2008; KOERNER & FREITAS, 2013).
A instauração da nova ordem constitucional implicava a reformulação de sabe-
res, a promoção de mudanças institucionais, a produção de novas técnicas, de novas
subjetivações dos agentes e destinatários das normas. O regime constitucional e as
formas que o jurídico assumiria seriam conformadas pelas práticas jurídicas no curso
dos embates sobre a direção política da sociedade brasileira. A situação era de relativa
abertura e de impasse, dado o relativo equilíbrio de forças fragmentadas, aglutinadas
em torno de programas com racionalidades governamentais opostas, a social-desen-
volvimentista e a neoliberal.
Os juristas expressam esses confrontos em suas doutrinas e prognósticos. Conser-
vadores, como Ives Gandra, Manoel Gonçalves Ferreira Filho (1989) e Celso Bastos
(1990) desqualificam o processo constituinte e o texto constitucional. Eles denunciam
o irrealismo das inovações da Constituição, a defasagem do seu modelo econômico, os
4 Essas vantagens foram patrocinadas pelas elites jurídicas desde o debate sobre a reforma judiciária de 1974-1977
e incorporadas ao programa da frente democrática.
308 A CONSTITUIÇÃO DE 88 - TRINTA ANOS DEPOIS
riscos para a segurança jurídica. O texto seria um documento utópico, que não prome-
tia longevidade (COTRIM NETO, 1992, p. 282) e deveria ser adaptado à realidade,
ou seja, às normas jurídicas e relações de poder estabelecidas. A aplicação do texto
deveria ser seletiva, segundo o programa neoliberal, até que as “forças organizadas da
nação” recriassem a Constituição real na revisão de 1993.
Progressistas como Paulo Bonavides e José Afonso da Silva põem em circulação
doutrinas da Constituição comunitária ou dirigente. Os ministros do STF Rafael
Mayer e Aldir Passarinho e o procurador-geral da República, Sepúlveda Pertence, as-
sumem uma perspectiva otimista, propugnando que os juízes, em especial o STF,
teriam papel ativo, por uma interpretação sistemática e conforme às perspectivas de
reforma gradual, no quadro dos compromissos da Aliança Democrática.
Por sua vez, juristas de esquerda, como Clémerson Merlin Clève, Antônio Carlos
Wolkmer e Amilton Bueno de Carvalho, veem a nova Constituição como a oportu-
nidade de lutar pela construção de uma democracia igualitária. Com base em teorias
críticas do Direito, privilegiam o papel criativo dos juristas para atuarem nos espaços
institucionais e inovarem a conceituação e os usos dos institutos jurídicos e das pró-
prias comunidades populares, em cujo seio se criaria um Direito alternativo, de caráter
instituinte ou insurgente (ARRUDA JR., 1992).
Assim, os conservadores adotam um conceito abstrato e formal de Constituição
como organização e limitação do poder, que estabelece a moldura normativa para a
economia. Os progressistas postulam um conceito concreto e material de Constitui-
ção, que incorpora valores e objetivos e que os relaciona com a textura da sociedade.
Adotam teorias e conceitos que destacam o caráter situado da solução de problemas
e o papel construtivo dos intérpretes. Valorizam o trabalho da Constituinte e o texto
constitucional por serem resultados de um processo democrático e participativo que
haveria de ser aprofundado no futuro. Os primeiros destacam o papel do Judiciário
para conformar, “aparar as arestas”, o texto constitucional a um programa neoliberal
institucional, enquanto os segundos investem no Judiciário como espaço complemen-
tar à política para realizar o programa constitucional e para a resistência às tendências
de reforma ou de bloqueio à efetividade da Constituição. Em outros termos, não se
propugna que o Judiciário venha a substituir a política na realização da Constituição,
como virá a ocorrer depois de 2003.
Quanto ao STF, as mudanças em suas atribuições contrastam com as continuida-
des de sua organização, pessoal e procedimentos. Dos ministros nomeados por Sarney
e Collor, somente Sepúlveda Pertence e Paulo Brossard participaram do movimento
de democratização. A maioria dos ministros orienta-se pela rarefação do exercício da
jurisdição, colocando em primeiro plano o valor da segurança jurídica, alcançado pela
12. Política, Direito e Judiciário – centralidade e ambivalências do jurídico na ordem constitucional... 309
& SCHILLING, 2015). Elas esfriaram as relações do governo com os movimentos so-
ciais e de juristas. As relações com o campo político se redefiniram, pois a oposição pa-
trocinou a causa do combate à corrupção, tentou impedir o presidente Lula por meio
da narrativa do mensalão e investiu no tema como questão crítica nas eleições de 2006.
Os juristas concentraram suas demandas reformistas em temas de moralidade pú-
blica, colocando como bem supremo a restauração das virtudes republicanas. Ele-
mentos do neoconstitucionalismo, como a interpretação construtiva das normas e a
aplicação direta de princípios constitucionais pelos juízes, passaram a ser utilizados
para relativizar direitos individuais e justificar intervenções judiciais na política. O
combate à corrupção justifica a livre atuação das autoridades policiais e judiciais, cujo
campo de atuação passa do controle da administração pública às eleições e práticas po-
líticas, incidindo sobre prerrogativas parlamentares, sobre as atribuições do Congresso
e a autoridade da Presidência.
A mobilização pela Lei da Ficha Limpa, o julgamento da AP n. 470 e a Operação
Lava Jato estão em continuidade. Eles abrem caminho ao golpe parlamentar de 2016,
realizado pelo impeachment da presidenta Dilma Rousseff.
A mobilização pela ética na política existe desde os anos 1990, mas foi a partir das
eleições de 2006 que juízes e tribunais eleitorais impugnam os registros de candidatos
com condenações judiciais. Eles aplicam diretamente o dispositivo constitucional que,
no entanto, prevê lei complementar para tal (art. 14, § 9° da Constituição), mas suas
decisões são bloqueadas pelo TSE (KOERNER, 2013b). Em 2008, a Associação dos
Magistrados do Brasil (AMB) propõe a ADPF n. 144, na qual demanda ao STF a de-
claração da inelegibilidade dos condenados por crime grave ou desabonador, mas ela
é rejeitada por nove votos a dois (vencidos Ayres Britto e Joaquim Barbosa). Uma frente
de agrupamentos cívicos, liderada por juristas e incentivada por autoridades judiciais,
inclusive do STF, promove uma campanha pela edição da lei, conhecida como Ficha
Limpa, aprovada em 2010.
A constitucionalidade da lei é questionada porque feriria o princípio da presunção de
inocência, ao tornar inelegíveis condenados em segunda instância e não poderia ser apli-
cada nas eleições de 2010 por ter alterado as regras a menos de um ano do pleito. Mas o
STF não é capaz de decidir a questão antes das eleições, porque o julgamento termina
empatado e o seu presidente se recusa a dar o voto de Minerva. Em março de 2011, com
o voto do ministro recém-empossado, Luis Fux, o STF decide que a lei valeria apenas
para as eleições de 2012, permitindo a posse dos candidatos impugnados. No caso, cinco
ministros, engajados no movimento de moralização da política, deram prioridade ao
princípio da moralidade sobre o da anualidade, um dos pontos fundamentais do pacto
para a eliminação de casuísmos eleitorais desde a Revolução de 1930. Eles se distancia-
318 A CONSTITUIÇÃO DE 88 - TRINTA ANOS DEPOIS
Não será surpreendente que as relações entre o jurídico e a política sejam redefi-
nidas num futuro próximo, conformando-se um novo regime constitucional. Ou, em
vez de investir no Direito, nos direitos e nos juristas, a direção política da sociedade e
o governo da multiplicidade assumam outro registro discursivo. Essa mudança signifi-
caria a superação da ordem constitucional de 1988.
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326 A CONSTITUIÇÃO DE 88 - TRINTA ANOS DEPOIS
13.
Democracia, Estado e patriarcado:
disputas em torno dos direitos e das
políticas de gênero
Introdução
Há boas razões para que a ausência das mulheres na política mereça atenção da
Ciência Política brasileira, que tem se voltado, ainda que tardiamente em relação a
outras partes do mundo, para a temática da sub-representação feminina. O Brasil está
entre os países do mundo com os piores índices de representação feminina no Con-
gresso, ocupando, em 2017, a 154a posição, com 10,7% de mulheres na Câmara dos
Deputados e 14,8% no Senado Federal (IPU, 2017). No contexto das Américas, a
média atual das duas casas é de 28,3% e 27,5%, respectivamente. Embora a legisla-
ção brasileira defina um percentual mínimo de 30% de candidaturas femininas desde
1997, o número de eleitas para a Câmara dos Deputados tem sido, pleito após plei-
to, inferior a 10%. A situação não é diferente nos legislativos estaduais e municipais.
Apesar de termos tido uma mulher eleita para a Presidência em 2010 e 2014, Dilma
Rousseff, apenas um Estado entre 27 elegeu uma mulher como governadora no ano
de sua reeleição e somente 11,5% dos municípios elegeram mulheres como prefeitas
nas eleições de 2016.
Uma mulher assumiu um ministério no Brasil, pela primeira vez, em 1982, nos es-
tertores da ditadura militar iniciada em 1964. De lá para cá, outras mulheres estiveram
à frente de ministérios, nas Finanças/Economia, na Casa Civil, no Planejamento e nas
328 A CONSTITUIÇÃO DE 88 - TRINTA ANOS DEPOIS
Minas e Energia, para citar algumas pastas. Sua presença, no entanto, nunca chegou
perto da ocupação de 1/3 dos ministérios, anunciada como meta por Dilma Rousseff,
quando eleita em 2010. O resultado, que teria sido “calibrado” pela recusa dos partidos
da base aliada a indicar mulheres, foi bem mais tímido, levando-as a nove dos 37 minis-
térios existentes então. Com a deposição de Rousseff em 2016, em um golpe marcado
pela misoginia (BIROLI, 2016a; MATOS, 2016; BISCAIA, 2016), o governo interino
nomeou um ministério inteiramente masculino e branco, configurando como exce-
ção a presença de mulheres na Presidência e no primeiro escalão do governo. Esse
exemplo remete à reprodução do domínio masculino e branco nos partidos e, a partir
deles, na composição dos governos e no Legislativo, algo que as literaturas interna-
cional e nacional indicam como um dos gargalos relevantes na participação política
feminina (ARAÚJO, 2005; KROOK & MACKAY, 2015; SCHWINDT-BAYER, 2014).
As mulheres atuam politicamente, apesar dessas barreiras. A despeito do desequi-
líbrio de poder que a sub-representação implica, essa atuação tem produzido efeitos
no ambiente político, na legislação e nas políticas públicas. Podemos identificar no
Brasil a presença de robustos movimentos feministas e de mulheres (PINTO, 2003;
ALVAREZ, 2014; BLAY & AVELAR, 2017; TELLES, 2017), e também de movimen-
tos LBGT*1 (GREEN, 2000; FACCHINI, 2005, 2009; MISKOLCI, 2012) que trou-
xeram, de modo importante, suas demandas para a esfera pública brasileira, inclusive
a estatal. A ação desses movimentos despontou de forma organizada no Brasil a partir
dos anos 1970, na oposição à ditadura. Nos anos 1980, o processo de transição apre-
sentava novas oportunidades, mas também dilemas relacionados à atuação junto a
partidos políticos e no âmbito do Estado. A possibilidade de participar da criação de
novos espaços institucionais e de políticas públicas focadas nas temáticas históricas
dos movimentos, como o combate à violência e os direitos reprodutivos, esbarrava nos
limites da política partidária, hegemonicamente masculina e delimitada pelo controle
que militares e civis integrantes do regime de 1964 foram capazes de impor ao pro-
1 * A sigla LGBT significa: L= Lésbicas; G= gays; B= bissexuais; T= travestis e transexuais. O uso do asterisco (*)
ao final da sigla indica que reconheço a existência de múltiplas formas de se designar esse segmento da população
- TLBG, BTGL, GLTB e muitas outras. Entendemos que os grupos organizados de travestis, transexuais, lésbi-
cas, gays e bissexuais no Brasil passam por etapa de afirmação de suas demandas (inclusive identitárias) na arena
política, ao mesmo tempo em que são aliados em permanente disputa de poder, a despeito de se apresentarem e
de serem socialmente vistos como um movimento social unificado (o que, de uma forma geral, não corresponde
fielmente à realidade). Mais do que privilegiar alguma ordem fixa das letras na sigla, o que poderia gerar o entendi-
mento de que certas demandas de uns grupos são mais importantes ou prioritárias que de outros, utilizo o (*) com
o intuito de reafirmar a diversidade dos marcadores identitários desse coletivo de grupos sociossexuais, ainda em
constituição no Brasil (alguns deles) sem que se estabeleçam hierarquias entre eles.
13. Democracia, Estado e patriarcado: disputas em torno dos direitos e das políticas de gênero 329
tes na legislação. Apesar disso, a atuação dos movimentos feministas a partir de outras
esferas tem produzido efeitos, o que nos permite também apontar para as estratégias
utilizadas diante das barreiras para o acesso a cargos eletivos.
2 Esta seção retoma discussões feitas mais amplamente nos capítulos 3 e 5 de Biroli (2018, no prelo).
3 Segundo Jaqueline Pitanguy (s/d), a articulação nacional em defesa dos direitos das mulheres na Constituinte
contou com os Conselhos Estaduais e Municipais criados a partir de 1982, com organizações de trabalhadoras
rurais, empregadas domésticas, trabalhadoras das centrais sindicais (CGT e CUT), associações profissionais, grupos
feministas e movimentos sociais de todo o país. No final de 1986, o “Encontro Nacional Mulher e Constituinte”
reuniu centenas de mulheres de diferentes regiões do país em Brasília, na Câmara dos Deputados. Nele, foi apro-
vada a “Carta das Mulheres aos Constituintes”, que seria entregue em março de 1987 ao deputado Ulysses Guima-
rães, mas também às Assembleias Legislativas nos Estados.
13. Democracia, Estado e patriarcado: disputas em torno dos direitos e das políticas de gênero 331
4 O debate naquele período tinha como pano de fundo as políticas promovidas por organizações estadunidenses
ou alinhadas ao governo dos Estados Unidos para o controle da natalidade dos países periféricos, por meio da este-
rilização em massa de mulheres e do uso de anticoncepcionais sem acompanhamento médico adequado. Em 1965,
já sob a ditadura instaurada com o golpe de 1964, a International Planned Parenthood Federation passou a atuar
no país, alinhada às políticas dos Estados Unidos para redução da população no chamado Terceiro Mundo. Assim
surgiria no Brasil a Sociedade de Bem-Estar Familiar, a BEMFAM, que se disseminou principalmente nas Regiões
Nordeste e Centro-Oeste do país. A partir de então, clínicas privadas levaram a esterilização às mulheres brasileiras,
no vácuo de políticas públicas alternativas e com a conivência, e em alguns casos a visão racista e eugênica expressa,
de governantes nos níveis nacional e estadual (GELEDÉS, 1991; PEDRO, 2003).
5 Entre elas, o número de emendas analisadas foi de 83, uma vez que as demais não cumpriam os requisitos
regimentais.
332 A CONSTITUIÇÃO DE 88 - TRINTA ANOS DEPOIS
São Paulo e do Grupo Nós Mulheres do Rio de Janeiro, gerou reações contrárias
entre parlamentares constituintes nos discursos de mulheres e homens em plenário.
Nesse sentido, a Emenda “Direitos da Mulher”, de n. 20/1987, era mais palatável,
embora também tratasse dos direitos sexuais e reprodutivos e trouxesse pautas que co-
locavam em xeque não apenas as hierarquias de gênero, mas também as desigualdades
no acesso à propriedade e nas garantias de direitos para mulheres e homens. De autoria
da Rede Mulher-SP, Serviço de Informação da Mulher-MS e SOS Corpo-PE, exigia a
eliminação de qualquer discriminação da carta constitucional, com a proibição de dife-
renças salariais “por motivo de sexo, cor ou estado civil”, e a garantia de direitos em diver-
sas frentes: licença-maternidade e licença-paternidade, saúde pública com atendimento
integral à mulher em qualquer fase da sua vida, igualdade na família e reconhecimento,
pelo Estado, da função social da maternidade e da paternidade, liberdade e acesso a
informações para o planejamento familiar, garantia de reforma agrária com direito de
mulheres e homens à titularidade da terra. As demais emendas dispunham sobre o acesso
das mulheres à aposentadoria, tratando do direito das donas de casa à aposentadoria, jus-
tificado como “medida reparadora” para mulheres que tiveram “suas atividades profissio-
nais suprimidas por causa dos serviços desenvolvidos no recesso do lar” (19/1987) e pro-
pondo a aposentadoria integral para a mulher após 25 anos de contribuição (23/1987).
Alguns dos pontos destacados nas emendas das parlamentares e nas emendas popu-
lares foram incluídos na Constituição de 1988, que equiparava mulheres e homens em
direitos e obrigações (art. 5o, I), definindo um novo patamar constitucional – o que é re-
levante, como veremos, por estabelecer limites a investidas posteriores contra os direitos
das mulheres. A avaliação corrente é de que o resultado foi bastante positivo, fazendo da
carta brasileira “uma das mais avançadas no mundo” justamente pela sua incorporação
ampla das demandas dos movimentos feministas e de mulheres (CFEMEA, 2006). Me-
recem destaque, além da equiparação ampla de direitos e deveres, a proibição de dife-
renças salariais por razão de sexo, idade, cor ou estado civil, a previsão e licença-materni-
dade e licença-paternidade sem prejuízo salarial ou de emprego, o direito das mulheres
presidiárias a manter seus filhos junto de si no período de amamentação e a titularidade
de domínio e concessão de propriedade para mulheres e homens independentemente
do estado civil. Além disso, a igualdade no casamento e o direito ao planejamento fami-
liar como “livre decisão do casal” foram previstos no art. 226 da Constituição.
A temática do aborto ficou de fora, não tendo sido de fato discutida, inclusive por
um recuo do próprio CNDM. Foi mantida apenas na Emenda Popular n. 65/1987
que, por falta de consenso, não obteve apoio da bancada feminina e foi rejeitada pelos
parlamentares. Além disso, os debates para a garantia da licença-maternidade e li-
cença-paternidade esbarraram nos limites impostos pelos interesses dos empregadores,
13. Democracia, Estado e patriarcado: disputas em torno dos direitos e das políticas de gênero 333
pelos gastos estatais necessários para a garantia desses direitos e pela visão sexista do
cuidado que predominava na casa, prolongada na lentidão posterior para a regulamen-
tação de dispositivos da licença de 120 dias para as mulheres e da licença-paternidade
de cinco dias. Além disso, um dos pontos de pauta dos movimentos, a equiparação dos
direitos e benefícios das trabalhadoras domésticas aos de outras categorias de traba-
lhadoras e trabalhadores, foi apenas parcialmente incorporado, passando-se quase três
décadas até que se transformasse em lei com a regulamentação, em 2015, da chamada
PEC das Domésticas (72/2013).
Considerando-se a posição das mulheres, que são ainda as principais responsáveis
pelo trabalho doméstico e pelo cuidado das pessoas mais vulneráveis, e em especial a das
mulheres negras, que estão à frente das unidades domésticas de menor renda e são maio-
ria entre a camada mais empobrecida da população, a incorporação do entendimento
de que o trabalho é um direito social e as provisões para a seguridade na Constituição
são de especial importância (BIROLI, 2016b). As conquistas na legislação relacionada às
pessoas com deficiência, às pessoas idosas e às crianças e adolescentes, como o Programa
de Complementação ao Atendimento Educacional às Pessoas Portadoras de Deficiência
(Lei n. 10.845/2004), o Estatuto do Idoso (Lei n. 10.741/2003) e o Estatuto da Criança
e do Adolescente (Lei n. 8.069/90), abertas pelas garantias constitucionais, definiram
caminhos para se reduzir o ônus do cuidado e a vulnerabilidade de quem assume a res-
ponsabilidade de cuidar, no que pode ser visto como um pacto solidário.
No momento em que este capítulo está sendo escrito, o pacto solidário se esgarça.
Limites orçamentários aprovados em 2016 com validade de 20 anos (Emenda Consti-
tucional n. 95) reduzem os recursos para as áreas de educação e saúde e para políticas
de proteção social. A proposta de reforma da Previdência (PEC n. 2987/2016), em
tramitação, propõe a eliminação das diferenças nas regras para mulheres e homens. Os
principais argumentos para a equalização são a longevidade maior das mulheres e as
regras existentes em países nos quais o contexto social das relações de gênero é diverso
do brasileiro. As desigualdades persistentes são apresentadas, por outro lado, como jus-
tificativas para que as regras continuem a ser diferenciadas; diante delas, regras iguais
ampliariam a vulnerabilidade das mulheres. A renda média delas é cerca de 25% me-
nor que a dos homens nas mesmas ocupações e elas são maioria entre as pessoas que
exercem trabalho precarizado (as mulheres negras são o segmento da população com
menor acesso ao trabalho formal), o que explica por que contribuem menos do que
os homens para o sistema de previdência. Apesar disso, o número semanal de horas
trabalhadas é maior entre elas, justamente pelo acúmulo de trabalho doméstico não
remunerado e trabalho remunerado (BIROLI, 2017; MOSTAFA et al., 2017).
Outro aspecto fundamental para a pauta dos movimentos e para a análise das trans-
334 A CONSTITUIÇÃO DE 88 - TRINTA ANOS DEPOIS
6 Para uma crítica ao modo como os organismos internacionais promoveram essa agenda e “convocaram” os
movimentos feministas e de mulheres de diferentes países latino-americanos, cf. o cap. 3 de Falquet (2011).
7 A versão completa desse levantamento será publicada pela Duke University Press, em 2018, no capítulo escrito
por Matos no livro: Contesting the Transformation: Gender, Sexuality, and the Latin American Left, organizado por
Elisabeth Jay Friedman.
13. Democracia, Estado e patriarcado: disputas em torno dos direitos e das políticas de gênero 335
incluir os dois mandatos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, bem como os dois
mandatos (um deles interrompido em 2016) de Dilma Rousseff8.
Foi realizada coleta e sistematização preliminar de um conjunto de propostas le-
gislativas e também de políticas públicas9. Entre as propostas legislativas estão leis
aprovadas, projetos de leis (aprovados, arquivados e ainda em tramitação), propostas de
emendas constitucionais (PECs), entre outros instrumentos que são prerrogativas de o
Poder Legislativo construir; entre as políticas públicas no âmbito do Executivo, foram
incluídos programas, novos organismos executivos de políticas, decretos-lei, a criação
de conselhos, estatutos temáticos, planos de ação, resoluções normativas, a convo-
cação de conferências de políticas públicas, campanhas, revogações de leis, criação
de prêmios, entre outros. Também foram incluídas iniciativas produzidas a partir da
“provocação” do Poder Judiciário brasileiro, exclusivamente do STF neste caso, dentre
elas Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADI), Habeas Corpus (HC) e Ações De-
claratórias de Constitucionalidade (ADC).
Para os dois períodos analisados, foram identificadas 797 iniciativas que marcam
inclusão/exclusão de demandas de mulheres e dos segmentos LGBTI, primordialmen-
te demandas por democratização nas relações de gênero/sexualidade, mas, também,
pautas retroativas desses avanços no Brasil. Para o primeiro período, foram identifica-
das 315 iniciativas e, para o segundo, 482. Ou seja: o período referente aos governos
petistas concentrou 60,5% dessas iniciativas. Elas perfazem uma média geral anual de
28,5 propostas/iniciativas por ano ao longo dos 28 anos de redemocratização brasileira
aqui analisada. Como é possível perceber, as iniciativas quase duplicaram na passagem
do primeiro para o segundo período aqui analisado: foram identificadas, em média,
22,5 iniciativas por ano no primeiro período (1988 a 2002) e 37 iniciativas por ano no
segundo período (2003 a 2016).
As iniciativas foram classificadas como tendo caráter de “avanço” ou de “retroces-
so”. Classificamos aqui como “avanços” iniciativas públicas que visaram à expansão e
8 Para análises sobre neoliberalismo e modelos alternativos de desenvolvimento no Brasil no período, cf. Bin
(2015), Bresser-Pereira e Theuer (2012), Sallum Junior e Goulart (2016) e Singer (2016).
9 Os dados aqui apresentados foram coletados e inicialmente tratados em pesquisa realizada no Núcleo de Estu-
dos e Pesquisas sobre a Mulher (NEPEM), da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal
de Minas Gerais (UFMG), sob a coordenação de Marlise Matos. A coleta foi realizada em dois tempos: entre os
meses de maio/julho de 2015 (especialmente vinculados às iniciativas de políticas públicas do Poder Executivo) e,
através do método de Web Scraping, em 26 de junho de 2016, no endereço eletrônico e página oficiais do Congres-
so Nacional e do STF. Fica registrado o agradecimento a Fernando Meireles. Podemos compreender Web Scraping
como um conjunto de técnicas para extrair dados da web, ou melhor, formas de raspar dados de páginas da internet
(HADDAWAY, 2015; KUMAR, 2015; VARGIU & URRU, 2012). A linguagem adotada para leitura dos conteúdos
foi o R, por ser uma linguagem estatística que é multiplataforma, além de ser livre e colaborativa.
13. Democracia, Estado e patriarcado: disputas em torno dos direitos e das políticas de gênero 337
60
40
20
0
1988
1989
1990
1991
1992
1993
1994
1995
1996
1997
1998
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2006
2007
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2009
2010
2011
2012
2013
2014
2015
2016
sociedade civil, atentas à ação dos movimentos feministas (ABERS & BÜLOW, 2011;
ABERS, SERAFIM, TATAGIBA, 2014; BRITO, 2010; COSTA, 2009; LÜCHMANN
& ALMEIDA, 2010).
A distribuição das iniciativas pelos poderes estatais brasileiros para os períodos pes-
quisados pode ser conferida na tabela abaixo.
Períodos da redemocratização
brasileira
ORIGEM DA INICIATIVA 1988 a 2002 2003 a 2016 Total
OIs (agentes externos e 5 6 11
ação direta movimentos)*
45,5% 54,5% 100,0%
Poder Executivo 45 120 165
27,3% 72,7% 100,0%
Poder Legislativo
261 349 610
42,8% 57,2% 100,0%
Poder Judiciário
4 7 11
36,4% 63,6% 100,0%
Total 315 482 797
39,5% 60,5% 100,0%
Fonte: Elaboração própria. (*) Incluídas propostas oriundas de Iniciativas Populares e ratificação pelo Brasil dos Tratados
Internacionais de Direitos Humanos
gresso Nacional, como as iniciativas para legalizar a união homoafetiva (ADI 4277-DF
e ADPF 132-RJ), que resultaram em decisão favorável do STF em 2011, respaldada
por nova decisão da corte em 2013 e, no mesmo ano, pela Resolução do Conselho
Nacional de Justiça (CNJ) que a tornaria vinculatória no território nacional, obrigando
cartórios de todo o país a aderir à nova norma.
Outro tema controverso, o do aborto, contou também com decisão favorável do
STF, que ampliou os permissivos legais para a interrupção da gestação pelas mulhe-
res brasileiras. Por 8 votos a 2, o STF ratificou, em 2012, a ADPF 54, apresentada
pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde em 2004, despenalizando o
aborto em caso de anencefalia. Menos controverso, o julgamento em 2011 de Habeas
Corpus sobre a constitucionalidade do art. 41 da Lei Maria da Penha, assim como
o da Ação Direta de Inconstitucionalidade 4.424/2010, aprovada em maio de 2012,
mostrou também a incorporação, pela corte de justiça, de concepções de família e da
autonomia das mulheres referenciadas pela igualdade de gênero.
No que se refere ao escopo das iniciativas de políticas públicas, destacam-se
as vinculadas a gênero (56,5%), sendo que as focadas diretamente na sexualida-
de tiveram percentual menor (de 20%) e foram superadas pelas iniciativas aqui
classificadas como de foco interseccional/ambos (23,6%). Isso dá saliência ao lon-
go processo já instalado no Brasil de institucionalização estatal das demandas das
mulheres pela democratização nas relações de gênero, perseguido também pelos
segmentos LGBTI.
Sexualidade 11 28 39 (5%)
28,2% 71,8% 100,0%
Gênero 269 390 659 (82,6%)
40,8% 59,2% 100,0%
Ambos 35 64 99 (12,4%)
35,4% 64,6% 100,0%
Total 315 482 797
Fonte: Elaboração própria
340 A CONSTITUIÇÃO DE 88 - TRINTA ANOS DEPOIS
60
50
40
Taxa de Iniciativas
30
20
10
0
1988
1989
1990
1991
1992
1993
1994
1995
1996
1997
1998
1999
2000
2001
2002
2003
2004
2005
2006
2007
2008
2009
2010
2011
2012
2013
2014
2015
2016
Avanço Retrocesso
Quanto à posição de avanço ou retrocesso, das 797 iniciativas analisadas, 712 (ou
89%) significaram alguma forma de ampliação de direitos diretamente relacionados
aos marcadores de gênero e sexualidade e seus mandatários. Houve, indubitavelmen-
te, avanço nessa agenda ao longo da redemocratização brasileira, mas esse dinamismo
acionou reações voltadas para bloquear avanços e retroceder em direitos e políticas
inclusivas. Os dados coletados esclarecem essa dinâmica.
Retrocesso 26 59 85
30,6% 69,4% 100,0%
Avanço 289 423 712
40,6% 59,4% 100,0%
Total 315 (39,5%) 482 (60,5%) 797
Fonte: Elaboração própria
Foi possível identificar alguns anos em que as iniciativas com o objetivo de retroce-
der em direitos e políticas inclusivas tiveram maior incidência. Os picos de retrocessos,
que se deram nos anos de 1991, 2007, 2011 e 2015, remetem às temáticas da saúde
reprodutiva e da saúde sexual, especialmente às disputas em torno do tema do aborto
no Brasil, mas se articulam a outras agendas importantes, que afetam diretamente as
mulheres, como aquelas relativas à regulação do trabalho. Por essa razão, optamos por
considerar conjuntamente retrocessos específicos nas temáticas de gênero e sexualida-
de e outros que envolvem direitos sociais, em especial trabalho, afetando diretamente
as mulheres. Revela-se, aqui, o padrão acentuado de investidas para retroceder nas
questões de gênero e nos direitos sociais a partir dos governos da Era PT, especialmente
durante os mandatos de Dilma Rousseff. Os quadros a seguir apresentam iniciativas
representativas dos picos de iniciativas identificadas como “retrocessos”.
342 A CONSTITUIÇÃO DE 88 - TRINTA ANOS DEPOIS
Temática de
ANO 1991/Tipo
Descrição Iniciativa Políticas
Iniciativa
Públicas
Autoria dep. Matheus Iensen (PTB-PR). Dá
nova redação aos artigos 124, 125, 126 e 127
PL 1107/1991 do Código Penal, referentes ao crime de SAÚDE
aborto. Agrava as penas para quem
pratica aborto.
Autoria dep. Nilson Gibson (PMDB-PE).
Tipifica como crime a cessão de útero para
PL 1645/1991 fins de inseminação artificial. Explicação: SAÚDE
impetrando a pena de reclusão de dois a
cinco anos no caso de barriga de aluguel10.
Autoria dep. Osmanio Pereira (PSDB-MG).
Dispõe sobre informações genéticas, doação
de órgãos humanos e dá outras providencias.
Explicação: exigindo autorização do doador
PL 1737/1991 SAÚDE
para transplante de órgão, proibindo a
barriga de aluguel, a exploração ideológi-
ca ou comercial do genoma humano, bem
como a patente das fórmulas de genoma.
Autoria dep. Maurici Mariano (PRN-SP).
Dispõe sobre a proibição do implante de
embrião em mulher que não seja a própria
geradora e dá outras providências. Explica-
PL 809/1991 SAÚDE
ção: proibindo a inseminação artificial
ou natural em mulher que não seja a própria
geradora genética do embrião, proibindo
a barriga de aluguel.
Autoria dep. João Fagundes (PMDB-RR). Dá
nova redação ao art. 217 do Decreto-lei n.
2848, de 7 de dezembro de 1940, do Código
PL 2047/1991 DIREITOS
Penal. Reduz o limite de idade da mulher
para 16 anos no chamado crime de sedução
de menores.
10 O tema da “barriga de aluguel” é controverso. É possível considerar, no entanto, que principais beneficiários
da legalização seriam casais heterossexuais com problemas de fertilidade e casais formados por parcerias homoafe-
tivas. Há oposição entre grupos feministas que criticam a prática, vista como uma forma de submeter às mulheres
pela apropriação e mercantilização de seu corpo
13. Democracia, Estado e patriarcado: disputas em torno dos direitos e das políticas de gênero 343
das setoriais de políticas públicas: saúde, educação, trabalho, segurança, etc. É o caso
dos retrocessos nas relações do trabalho, que incidem de maneira específica sobre as
mulheres negras, que são maioria entre as que exercem trabalho precarizado, entre
as pessoas em busca de emprego e na chefia de lares de menor renda (IBGE, 2014).
CONTINUAÇÃO QUADRO 3
CONTINUAÇÃO QUADRO 4
garantir o atendimento nos casos já permitidos pela lei, por meio de Normas Técnicas do
Ministério da Saúde, e uma recomendação expressa e polêmica, na primeira versão do
Plano Nacional de Direitos Humanos-3, publicado em 2009, de que o Estado brasileiro
avançasse na descriminalização e nas garantias às mulheres. Em 2015, o debate público
sobre aborto se ampliou quando mulheres foram às ruas em cidades de diferentes Esta-
dos e regiões contra o PL 5069/2013, que tem como objetivo restringir o atendimento
em caso de estupro. A chamada “primavera feminista” brasileira expôs novos padrões de
luta e a presença de um feminismo difuso e capilarizado. Sinalizando novos avanços a
partir do Judiciário, em novembro de 2016, a Primeira Turma do STF, movida pela aná-
lise de um processo contra funcionários de uma clínica que realizava abortos em Duque
de Caxias, no Rio de Janeiro, corroborou o entendimento de que aborto não é crime
quando realizado até as doze primeiras semanas da gestação. O parecer firma o entendi-
mento de que a criminalização do aborto estabelece uma desigualdade de direitos que
está em desacordo com a Constituição, compromete a integridade física e psíquica das
mulheres e pune, sobretudo, as mulheres mais pobres, que têm menores chances de
interromper a gravidez com segurança. Trata-se de uma clara demonstração da incorpo-
ração do debate feminista sobre o aborto em decisão da mais alta corte do país.
Em linguagem cada vez mais imersa em discursos científicos e jurídicos, o direito
ao aborto, mesmo nos casos previstos em lei, vem sendo objeto de contestação por
parte de grupos religiosos conservadores no Congresso. Embora setores conservadores
da Igreja Católica permaneçam à frente de muitas das investidas contra esse direito,
o aumento do número de parlamentares evangélicos, pentecostais e neopentecostais
de diferentes denominações tem permitido uma atuação direta dentro do Congresso
não apenas para barrar iniciativas pela descriminalização, mas também para bloquear
o acesso ao aborto legal e para retroceder nos permissivos existentes (BIROLI & MI-
GUEL, 2016; MACHADO, M., 2017).
Nas últimas eleições para a Câmara dos Deputados, em 2010 e 2014, a bancada
evangélica tem correspondido a cerca de 70 parlamentares11. A Frente Parlamentar
Evangélica contou, por sua vez, com aproximadamente 190 parlamentares nas duas
legislaturas, segundo os registros da própria Câmara, um fator ao se considerar as in-
formações apresentadas acima, sobretudo o número de iniciativas contrárias ao direi-
to ao aborto a partir do ano de 2003. As alianças motivadas pela oposição ao direito
ao aborto, especificamente, têm sido organizadas em frentes parlamentares ao menos
desde 2005, quando foi criada a “Frente Parlamentar em Defesa da Vida”. Um mo-
11 A análise feita neste e nos próximos parágrafos retoma discussão feita em Biroli (2016c).
13. Democracia, Estado e patriarcado: disputas em torno dos direitos e das políticas de gênero 349
12 Levantamento específico sobre a temática do aborto, feito por meio das palavras-chave aborto, abortamento,
interrupção da gestação e interrupção da gravidez apresentou como resultado um número superior de proposições.
Entre 1991 e 2014, foram propostos na Câmara dos Deputados 63 projetos focados na questão do aborto – na legis-
lação, nas condições de acesso ao aborto legal, na punição ao aborto, na ampliação das informações sobre gravidez
e sobre aborto clandestino com o objetivo de punir abortos ilegais. Do total de 63 proposições, dez tiveram como
autoras mulheres (sete em coautoria com homens). Entre esses dez, a ampla maioria – oito projetos – propõe a
ampliação do aborto legal no Brasil. Entre as 53 proposições (PLs, PECs e PLP) apresentadas apenas por homens,
diferentemente, a maioria implicava restrições ou medidas punitivas (36 proposições) e apenas 17 objetivam a am-
pliação do aborto legal (MARIANO & BIROLI, 2017, no prelo). Há, assim, uma correlação não desprezível entre
a atuação de mulheres parlamentares e a proposição de projetos favoráveis à descriminalização.
13. Democracia, Estado e patriarcado: disputas em torno dos direitos e das políticas de gênero 351
ao aborto nos casos previstos em lei foi regulamentado pela Norma Técnica do Minis-
tério da Saúde “Prevenção e Tratamento dos Agravos Resultantes de Violência Sexu-
al Contra as Mulheres e Adolescentes”, de 1998. Ainda que combatida pelas forças
conservadoras, essa norma foi reeditada em 2005, passando a excluir a necessidade de
Boletim de Ocorrência (BO) para atendimento e profilaxia da gravidez em caso de es-
tupro. Entretanto, em virtude de pressões contra a exclusão dessa exigência, o governo
recuou, publicando a Portaria n. 1.508/2005, que burocratiza o acesso ao abortamento
legal, instituindo a obrigatoriedade de um Procedimento de Justificação e Autorização
da Interrupção da Gravidez, que inclui um “Termo de relato circunstanciado” assina-
do pela mulher que sofreu violência e por dois profissionais de saúde do serviço, além
de termos de responsabilidade e de consentimento livre e esclarecido.
Um ano antes, em 2004, com protagonismo da SPM, ocorreu a I Conferência Na-
cional de Políticas para as Mulheres e uma das demandas aprovadas foi a de revisão da
legislação punitiva do aborto. Uma Comissão Tripartite, composta por representantes
do Executivo, do Legislativo e da sociedade civil, elaborou a correspondente proposta
de anteprojeto de lei a ser entregue à Câmara Federal. Contudo, no momento em que
o trabalho foi concluído, o Governo recuou dessa intenção diante de incisivas pressões
por parte da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, a CNBB (MACHADO, L.,
2016). Após negociação comandada pela SPM, a proposta foi entregue pela então mi-
nistra Nilcéa Freire, não ao presidente da Câmara, como deveria ser, mas à Comissão
de Seguridade Social e Família da casa. O anteprojeto da Comissão Tripartite, que foi
incorporado na forma de substitutivo ao PL 1.135/1991 – de autoria de Eduardo Jorge
(PT-SP) e Sandra Starling (PT-MG), então sob a relatoria da deputada federal Jandira
Feghali (PCdoB-RJ) –, instituía o direito à interrupção da gravidez até a 12ª semana,
e até a 20ª nos casos de estupro, obrigando o SUS e os planos de saúde a realizarem
o procedimento. Após 17 anos de complexa tramitação, o PL 1135/1991 foi rejeitado,
em 2008, tanto na Comissão de Seguridade Social e Família quanto na Comissão de
Constituição e Justiça e de Cidadania. Esse episódio foi um marco de inflexão impor-
tante, revelando o contexto de maior retração do debate sobre o direito ao aborto, tanto
no Congresso quanto no âmbito do Executivo.
Em 2013, os avanços conquistados por meio de Normas Técnicas seriam incorpora-
dos à Lei n. 12.845/2013, que define violência sexual como “qualquer forma de atividade
sexual não consentida”, tornando obrigatório o atendimento integral imediato no SUS de
mulheres que sofreram violência, incluindo a realização de profilaxia da gravidez. Por isso
a lei é chamada pelos opositores do direito ao aborto de “Lei Cavalo de Troia”: em nome
do atendimento às mulheres violentadas, ela teria ampliado o acesso ao aborto. Duas
observações são importantes aqui. A lei apenas torna mais efetiva a legislação vigente,
352 A CONSTITUIÇÃO DE 88 - TRINTA ANOS DEPOIS
ampliando as garantias para o acesso ao aborto legal; nesse caso, também houve atuação
do Executivo, através do Ministério da Saúde, que priorizou a tramitação no Congresso
do PL 60/1999 – PLC 3/2013 (que resultaram na Lei n. 12.845/2013) e teve sucesso na
sua aprovação – numa forma de atuação junto ao Legislativo que não se repetiria nos
anos posteriores. A esses avanços via Executivo somam-se os avanços dados via Judiciário,
já mencionados, os quais compõem o quadro em que as reações atuais se estabelecem.
As controvérsias do aborto nas décadas recentes, aqui resumidamente apresenta-
das, expõem ao mesmo tempo a atuação sistemática dos movimentos feministas e de
mulheres e as condições adversas para avançar nas suas pautas nos espaços de represen-
tação formal. Assim, embora a ação política pelos direitos das mulheres tenha se dado
em condições mais favoráveis com a transição, a Constituição de 1988 e a chegada ao
governo federal, em 2003, de um partido que conta historicamente com os movimen-
tos sociais entre suas bases, o “gargalo” da sub-representação política das mulheres se
mantém significativo e tem os efeitos que procuramos mostrar aqui.
Conclusão
Neste capítulo, discutimos alguns dos aspectos da participação política das mu-
lheres desde o processo Constituinte. Com a transição para um regime democrático,
diversificaram-se os atores e as pautas presentes no debate público. Modificaram-se,
assim, as fronteiras dos temas e problemas percebidos como políticos e os limites das
controvérsias. A estrutura de oportunidades que se abriu foi favorável à atuação orga-
nizada dos movimentos feministas que atuaram pelo alargamento dessas fronteiras.
O sucesso relativo da atuação política das mulheres é aqui mostrado na ampliação
e diversificação nas pautas de direitos e de novas iniciativas que os reconfiguram e
procuram avançar nas garantias para o exercício da autonomia individual e, mais am-
plamente, na proteção contra as formas de violência e de exploração que as atingem
diretamente. É relativo, acentuamos, porque a maior visibilidade das mulheres como
parte do debate público e da política institucional, associada aos avanços conquistados,
gerou reações, hoje capitaneadas por grupos católicos, evangélicos e outros que se uti-
lizam de recursos de que os movimentos em defesa dos direitos das mulheres e LGBT
não dispõem, do púlpito ao peso e presença nos partidos e no Congresso Nacional.
O capítulo demonstrou, também, que o período que se abriu com a Constituição
de 1988 não foi homogêneo no que diz respeito a essas disputas. Houve uma acentua-
ção de conquistas e igualmente das reações nos anos 2000, com a chegada do Partido
dos Trabalhadores ao governo federal, o que atribuímos à maior presença e diálogo na
construção de políticas de Estado com os próprios movimentos e ao cenário interna-
cional que os anos 1990 nos legaram. A centralidade da agenda de gênero nos espaços
13. Democracia, Estado e patriarcado: disputas em torno dos direitos e das políticas de gênero 353
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356 A CONSTITUIÇÃO DE 88 - TRINTA ANOS DEPOIS
14.
Sociologia Política dos políticos do
Brasil: um estudo da competição
eleitoral sob o regime
da Constituição de 1988
Bruno Bolognesi (LAPeS – Universidade Federal do Paraná)
Adriano Codato (NUSP – Universidade Federal do Paraná)
Introdução
Este capítulo trata da competição política sob o regime da Constituição de 1988. O
sistema político brasileiro pós-ditatorial está caracterizado por multipartidarismo, liber-
dades democráticas, oposição pública, pluralismo político e social e alto grau de parti-
cipação, características inéditas na história brasileira garantidas pela Carta elaborada no
processo de transição do regime militar para o civil em fins do século XX. Formalmente,
esse sistema político prevê todos aqueles requisitos listados por Dahl para uma “poliar-
quia”. Dos oito itens da escala teórica dahlsiana de garantias para ordenar, o grau de
democratização dos diferentes arranjos políticos diz respeito às condições legais/institu-
cionais para a própria competição pelo poder (7 e 8), outra parte refere-se aos direitos dos
cidadãos (1, 2, 3 e 6) e uma terceira às prerrogativas da classe política: os cargos públicos
devem ser ocupáveis mediante eleições (item 4), e os líderes políticos devem ter o direito
a disputar apoios na sociedade e votos dos eleitores (item 5) (DAHL, 1971).
Sistemas políticos nacionais variam segundo a existência ou não dessas prerroga-
tivas institucionais e conforme o grau em que elas estão mais ou menos presentes.
Este capítulo pretende estimar empiricamente o perfil social das lideranças políticas
brasileiras e como esse perfil foi mediado pelo sistema de partidos no quadro legal da
Constituição de 1988. Em teoria, competição política mais intensa e mais aberta, de
358 A CONSTITUIÇÃO DE 88 - TRINTA ANOS DEPOIS
Assim, deve haver uma regularidade estatística entre o partido ao qual determinado
político é filiado, a orientação ideológica dessa organização e o meio social de origem
dos seus candidatos e de seus representantes (LIPSET, 1960, p. 289). Assumindo que as
divisões tradicionais do universo político – centro, direita e esquerda – também “cons-
tituem uma expressão simbólica das oposições sociais” (GAXIE, 1980, 1983), elas bem
poderiam, em universos políticos estruturados, funcionar como um meio para compre-
ender as diferenças de classe entre os próprios grupos políticos numa dada sociedade, tal
como indicadas, por exemplo, pelas profissões de origem dos legisladores.
Vários autores sublinharam que variáveis sociais afetam diretamente o recrutamen-
to político, seja barrando minorias, seja criando incentivos seletivos para determinadas
classes, camadas sociais, grupos étnicos, gêneros. Sabe-se que estudos sobre o perfil
sociográfico de políticos eleitos conseguem ressaltar a distribuição desigual da influên-
cia de diferentes tipos de grupos (sociais, políticos, econômicos), assim como indicar
princípios, valores e recursos socialmente escassos e/ou mais prestigiados numa comu-
nidade1. Outros pesquisadores evidenciaram o papel da origem social dos membros
das organizações partidárias, tanto a elite como os rank and files, e a distribuição de
poder decisório no interior das legendas políticas2.
A fim de verificar a robustez dessa ideia para o Brasil, testamos a ideia segundo a
qual os perfis sociais dos postulantes ao Parlamento nacional são, de fato, diferentes
entre si, como, em que direção isso tem mudado ao longo do tempo e se há alguma
lógica social reconhecível embutida nessa diferença.
Nosso objetivo mais específico é diagnosticar duas ordens de diferenças: i) de um
lado, na composição social dos candidatos entre partidos de centro/esquerda e partidos
de direita; ii) de outro, entre os próprios partidos de direita nacional. A ideia principal
é que há, desde inícios do século XXI, uma mudança no perfil das lideranças políticas
e que para compreender as diferenças dentro de cada branch ideológico é preciso com-
binar critérios sociais, políticos e econômicos para repensar as relações entre partidos
e seus territórios de atuação na sociedade. A classificação que mobilizamos aqui tenta
mostrar que a análise da direita em si mesma pode render maiores ganhos empíricos
1 Ver, dentre outros: Araújo & Alves (2007); Bolognesi, Perissinotto e Codato (2016); Bourdieu (1981); Campos
(2017); Czudnowski (1972); Gaxie (1983); Matthews (1962); Moreira & Barberia (2015); Perissinotto & Bolognesi
(2010); Putnam (1976); Seligman (1964, 1971).
2 Ver, em especial: Adams & Merrill (2006); Duverger (1968, 1980); Hanley (2003); Lupu (2013); Samuels
(2004). Panebianco (2005) possui uma compreensão dúbia sobre essa relação. Em seu modelo teórico, chega a
afirmar que não há conexão entre a composição social e a conformação da organização partidária e que estabelecer
tal relação incidiria em preconceito sociológico. Contudo, ao final do livro, o autor considera que a origem social
possui um papel de attachment à estrutura partidária. Ou seja, há uma relação entre as duas dimensões.
360 A CONSTITUIÇÃO DE 88 - TRINTA ANOS DEPOIS
3 Ver Codato, Bolognesi e Roeder (2015), Dantas & Praça (2010), Mainwaring (1991), Tarouco & Madeira
(2013a, 2013b), Zucco Jr. (2011).
4 Ver Amaral (2011), Bolognesi (2013), Braga (2008), Ferreira (2002), Kerbauy & Assumpção (2009), Ribeiro
(2003), Roma (2006), Samuels (1997).
5 A fragmentação do sistema partidário brasileiro é acentuada e maior a cada disputa. Enquanto em 1998 contá-
vamos com 8,14 partidos efetivos no nível eleitoral, em 2014 esse número subiu para 14,06. Para que se tenha uma
ideia do significado dos valores brasileiros, em 2013 a Argentina tinha praticamente a metade de partidos efetivos do
Brasil, 7,52. A França, em 2012, teve apenas 5,27 partidos efetivos disputando uma das 577 cadeiras da Assembleia
Nacional (GALLAGHER, 2015).
14. Sociologia Política dos políticos do Brasil: um estudo da competição eleitoral sob o regime... 361
ii) partidos personalistas: são os “partidos que baseiam seu apelo no carisma, auto-
ridade ou poder de seu líder em vez de em quaisquer princípios ou plataformas, que
são demasiado vagas ou inconsistentes para permitir uma classificação plausível” (CO-
362 A CONSTITUIÇÃO DE 88 - TRINTA ANOS DEPOIS
PPEDGE, 1997a, p. 9). Não são, assim, organizações ideológicas, no sentido estrito
do termo, mas existem apenas em função das conveniências pessoais e/ou políticas
dos seus dirigentes. No Brasil, utiliza-se o termo “fisiológico” (como oposição a “ide-
ológico”) para esses partidos eleitoralmente oportunistas, invertebrados, amorfos, que
podem se ligar indiferentemente à esquerda ou à direita. Nesta categoria está compor-
tada a maioria dos partidos brasileiros.
iii) partidos seculares de centro: partidos centristas são partidos com um programa
muito vago que enfatizam princípios políticos liberais – “ampla participação política,
virtude cívica, Estado de Direito, direitos humanos ou democracia –, mas que não
possuem uma agenda social ou econômica evidente” (COPPEDGE, 1997a, p. 8).
Uma vez no governo, adotam políticas que contemplam ora agendas de direita, ora
de esquerda. O Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB) é o melhor
candidato para essa definição, e o Partido da Social Democracia Brasileiro (PSDB),
apesar de caminhar para a direita, ainda poderia ser classificado nessa categoria. Par-
tido Popular Socialista (PPS) e Partido Verde (PV) são regularmente incluídos pelos
analistas no centro ou na centro-direita.
6 Talvez a maioria deles ficassem melhor acomodados na classe “outro bloco”, que são aqueles partidos “que
representam uma ideologia, um programa, um princípio, uma região, um interesse ou um grupo social específi-
co, mas que não podem ser classificados em termos de esquerda-direita ou confessional-secular” (COPPEDGE,
1997a).
7 Coppedge inclui nessa classe, além do PMN, o Partido Trabalhista Nacional (PTN), que nós classificamos aqui
como personalista. Ver Coppedge (1997b).
8 Conforme a classificação de Braga & Pimentel Jr. (2011), Mainwaring (1991), Tarouco & Madeira (2013a),
Zucco Jr. (2011).
364 A CONSTITUIÇÃO DE 88 - TRINTA ANOS DEPOIS
Secular
PCB PCO PPL PSOL PSTU
de esquerda
Secular de
PC do B PDT PSB PT
centro-esquerda
Secular
PMDB PPS PSDB PV
de centro
Secular
DEM PFL PGT PL PP PPB
de direita
Confessional
PEN PR PRB PSC PSDC
de direita
Fonte: Elaboração própria
9 Agradecemos ao estudante Marcio Carlomagno o empréstimo do seu banco de dados compilado a partir das
informações do TSE.
14. Sociologia Política dos políticos do Brasil: um estudo da competição eleitoral sob o regime... 365
2002 2.181 51,9 621 14,8 1.206 28,7 198 4,7 4.206 100,0
2006 2.658 53,7 919 18,6 1.025 20,7 349 7,0 4.951 100,0
2010 2.461 50,2 934 19,0 945 19,3 563 11,5 4.903 100,0
2014 2.623 44,6 1.277 21,7 1.042 17,7 941 16,0 5.883 100,0
Total 9.923 49,8 3.751 18,8 4.218 21,2 2.051 10,3 19.943 100,0
10 Para os estudos sobre os partidos grandes, ver, entre outros: Bolognesi (2015); Braga, Ribeiro e Amaral (2016);
Cervi (2017); Limongi & Guarnieri (2014); Mainwaring, Meneguello e Power (2000); Perissinotto & Veiga (2014);
Ribeiro (2013).
366 A CONSTITUIÇÃO DE 88 - TRINTA ANOS DEPOIS
reita secular permitirá mostrar que esse bloco não é homogêneo nem ideológica nem
socialmente, o mais importante para o nosso argumento.
11 Por exemplo, Marenco dos Santos (2000), Pereira & Rennó (2001), Rodrigues (2002, 2006, 2014), Santos
(2000).
14. Sociologia Política dos políticos do Brasil: um estudo da competição eleitoral sob o regime... 367
conferem uma série de recursos simbólicos (como status), habilidades políticas (ca-
pacidade técnica de lidar com o trabalho parlamentar), habilidades sociais (dons de
retórica, redes de influência) e condições materiais (tempo livre, independência finan-
ceira) aos interessados em seguir carreira na política. Daí a presença, nos parlamentos
europeus no século XX, de titulares das talking professions: juristas, jornalistas, profes-
sores universitários e também funcionários públicos (BEST & COTTA, 2000).
Nessa linha de argumentação, Norris e Lovenduski (1997) sugeriram compreender
as profissões dos candidatos ao Parlamento britânico em termos de “atributos sociais”
que afetariam as chances políticas dos competidores. A variável “ocupação prévia” à
política, se pensada sociologicamente, pode identificar, de um lado, alguns handicaps
fundamentais produzidos antes mesmo do processo eleitoral e, de outro, estimar as
oportunidades sociais que métiers profissionais diferentes possibilitam.
Sistematizando o conjunto de atributos encontrados por Norris e Lovenduski
(1997), Codato, Costa e Massimo (2014) estabeleceram três critérios ligados à ocu-
pação do aspirante a um cargo eletivo que permitiriam medir o impacto do sistema
de relações sociais em que o candidato está inserido para estimar o seu potencial de
sucesso político: a) o tipo de carreira profissional do aspirante; b) o status social dessa
ocupação; c) a afinidade dessa ocupação com a atividade política institucional. Esse
modelo determina o grau, maior ou menor, de “disposição para a política” propiciado
pelas ocupações que os candidatos exercem no mercado.
O primeiro critério, tipo de carreira profissional, estima o quanto determinado can-
didato, em função da sua ocupação de origem, consegue controlar o tempo disponível
para dedicar-se à militância política e se ele possui independência financeira. Em
resumo, se ele tem ou não uma carreira profissional flexível o suficiente que permita
lançar-se na política sem comprometer sua fonte de subsistência. O segundo critério,
status social da profissão de origem, estima a posição de determinada ocupação frente
a outras de acordo com o reconhecimento e o prestígio socialmente atribuído a ela
por uma dada comunidade. O terceiro critério, afinidade com a atividade política,
presume o quanto uma determinada ocupação propicia mais ou menos determinados
dons: familiaridade com a administração pública, conhecimento legislativo, desenvol-
vimento pessoal e possibilidade de estabelecer uma rede de contatos importantes no
meio político.
Esses três critérios combinados permitem avaliar, para cada ocupação declarada na
ficha de inscrição dos candidatos nos Tribunais Regionais Eleitorais, se ela produz ou
não disposição para a política e em que grau. O Quadro 2 resume o modelo analítico.
368 A CONSTITUIÇÃO DE 88 - TRINTA ANOS DEPOIS
carreira
status social ocupação com pontuação
profissional
elevado afinidade política mínima
flexível
alta disposição 1 1 1 3
média disposição 0 ou 1 0 ou 1 0 ou 1 2
baixa disposição 0 ou 1 0 ou 1 0 ou 1 1
nenhuma
0 0 0 0
disposição
Fonte: Elaboração própria
Haveria então profissões com alta disposição para a atividade política (presença
dos três critérios: carreira profissional flexível, status social elevado, ocupação com
afinidade política), com média disposição para a atividade política (presença de dois
critérios), com baixa ou com nenhuma disposição para a atividade política (presença
de um ou ausência completa de algum dos critérios).
Ser dona de casa, por exemplo, é uma ocupação com baixa disposição para a po-
lítica. Não se trata de uma ocupação com nenhuma disposição na medida em que
profissionais do lar possuem carreira flexível, não possuem contrato formal de trabalho
e podem negociar seu tempo para diferentes atividades. Por sua vez, um trabalhador
manual possui nenhuma disposição. Isso porque sua carreira não é flexível, não des-
fruta de status social elevado e tampouco seu ofício lhe fornece habilidades que sejam
úteis para as atividades típicas dos políticos profissionais. Advogados liberais são, em
geral, o oposto de tudo isso.
Conforme nossos critérios, profissionais com diploma de curso superior deveriam,
em princípio, serem classificados como possuindo alto status social. Num país onde o
acesso ao ensino superior ainda é bastante restrito (12% da população adulta), possuir
um diploma universitário encaixa o indivíduo em um grupo muito restrito. Mas isso
não é suficiente para que alguém deixe de ter disposição política baixa e passe a ter
média. Profissionais liberais como médicos, arquitetos e engenheiros são classificados
como tendo disposição média por também possuírem flexibilidade de carreira e/ou
horário de trabalho flexível. Esses profissionais, mesmo quando não proprietários de
escritório, têm a possibilidade de executar suas tarefas de forma autônoma, mas nada
ou quase nada em suas profissões implica no desenvolvimento de habilidades políti-
cas. Já aqueles profissionais com disposição alta para a política acumulam essas duas
14. Sociologia Política dos políticos do Brasil: um estudo da competição eleitoral sob o regime... 369
Frequência Porcentual
baixa12 9.855 49,4
Disposição política média 5.442 27,3
alta 4.646 23,3
Total 19.943 100,0
Fonte: Laboratório de Partidos Políticos e Sistemas Partidários (LAPeS), UFPR
12 Para fins de análise dos dados, agregamos as ocupações de nenhuma disposição para política, grupo minoritá-
rio, com as de baixa disposição.
13 Ver Bolognesi & Cervi (2011), Cervi (2010), Cervi et al. (2015), Lemos, Marcelino e Pederiva (2010), Speck
& Mancuso (2014).
370 A CONSTITUIÇÃO DE 88 - TRINTA ANOS DEPOIS
“pequena”, dada sua magnitude frente aos gastos de um candidato em São Paulo –
onde a competição e os dispêndios de campanha são muito maiores em termos abso-
lutos –, utilizamos um indicador que mostra o quanto cada candidato se desviou da
média de gastos de seu próprio Estado14. Feito isso, a partir dos desvios-padrão desse
indicador, agregamos a receita em torno da média. A fatia mais baixa de receita de
campanha declarada compreendeu um desvio-padrão abaixo da média, agregando
todos os candidatos com receitas inferiores em uma única categoria: receita baixa (-1
DP). Já no estrato superior foram utilizados um desvio-padrão acima da média para
receita média (1 + DP) e dois desvios-padrão ou mais acima da média para receita
alta (+2 DP ou >). Isso dividiu aqueles candidatos que receberam recursos finan-
ceiros acima da média de seus concorrentes em duas categorias, separando o grupo
de forma mais consistente. A Tabela 3 registra como as receitas financeiras estão
distribuídas em nossa população.
Frequência Porcentual
baixa (-1 DP) 12.043 60,4
média (+1 DP) 1.880 9,4
alta (+ 2DP ou >) 1.415 7,1
Subtotal 15.338 76,9
sem informação 4.605 23,1
Total 19.943 100,0
Fonte: Laboratório de Partidos Políticos e Sistemas Partidários (LAPeS), UFPR
14 Utilizamos o índice de sucesso de receitas (ISR) proposto por Sacchet & Speck (2012) para solucionar os
problemas de comparabilidade entre Estados no Brasil. O ISR é obtido multiplicando-se as receitas do candidato
pelo número de candidatos no pleito (no Estado) dividido pelo total da receita de todos os candidatos naquele pleito
naquele Estado. Calcula-se para todos os Estados separadamente e para cada uma das eleições. Agradecemos ao
colega Marcio Carlomagno este trabalho e a cessão do seu banco de dados.
14. Sociologia Política dos políticos do Brasil: um estudo da competição eleitoral sob o regime... 371
– e que são, também, os mais ignorados pela literatura15. Para estabelecer um contraste
com a direita tradicional, incluímos nas hipóteses os partidos seculares de direita.
Hipóteses:
H1: candidatos que concorrem pelos partidos seculares de direita tendem a apre-
sentar alta disposição para a política e alta capacidade de financiamento eleitoral (ou
um perfil mais “elitista”);
H3: candidatos que concorrem por partidos personalistas tendem a apresentar bai-
xa disposição para a política e baixa capacidade de financiamento eleitoral (ou um
perfil mais “popular”).
15 Não há entre os partidos confessionais legendas alinhadas à esquerda. Essas análises são recorrentes quando fala-
mos dos partidos de centro e de esquerda. No centro concentram-se os grandes partidos brasileiros (PSDB, PMDB). O
mesmo ocorre com a esquerda, onde estão PT, PDT, PSB. Ver Bolognesi (2013), Costa & Bolognesi (2014), Marenco
dos Santos (2000), Marenco dos Santos & Serna (2007), Power (2007), Rodrigues (1990), Santos (2010).
16 DEM, PFL, PGT, PL, PP, PPB, PRTB, PSD, PSL, PTB.
372 A CONSTITUIÇÃO DE 88 - TRINTA ANOS DEPOIS
17 Diferente de outros países, não observamos no Brasil partidos confessionais que não estejam assentados na
doutrina cristã. O que, é óbvio, depende da presença da religião em cada país (ELFF, 2013; JANDA, 1982).
18 Outro aspecto a considerar seria o seguinte: num contexto de alta desconfiança das instituições políticas,
partidos que dão espaço para as características pessoais e investem não em programas e sim na reputação individual
de seus candidatos parecem uma boa alternativa para competir eleitoralmente.
19 Para uma classificação sobre o tamanho dos partidos no Brasil, ver Berlatto, Codato e Bolognesi (2016).
14. Sociologia Política dos políticos do Brasil: um estudo da competição eleitoral sob o regime... 373
o lugar nas listas seja ocupado por candidatos aventureiros que não possuem disposição
para a política e que têm pouca ou nenhuma capacidade de atrair dinheiro para as
campanhas eleitorais.
Para testar essas três hipóteses apresentamos a seguir alguns dados descritivos do
desempenho e do perfil dos partidos brasileiros e realizamos um teste de associação
para as quatro eleições analisadas através de Análise de Correspondência Múltipla.
5. Resultados empíricos
Os partidos de centro (como PMDB e PSDB) e de esquerda (como PT e PDT), em
companhia dos partidos seculares de direita (como PP e DEM), passam, especialmente
a partir de 2010, a ter seu espaço no universo de oportunidades eleitorais reduzido face
à crescente ascensão dos partidos personalistas e dos partidos confessionais de direita.
A Tabela 4 mostra que os grandes partidos de centro e de esquerda atingem seu
pico de representação em 2006 quando elegem 66,3% da Câmara dos Deputados.
Permanecem na casa dos 60% em quase todas as eleições, exceto quanto reduzem
o percentual de cadeiras para 53,4% em 2014. Já os partidos seculares de direita
seguem numa queda constante durante as primeiras eleições do período seguida de
uma leve recuperação da representação nas eleições de 2014. Porém, comparando
os extremos, tais partidos saem de 36,8% de cadeiras ocupadas em 2002 para 23,8%
nas últimas eleições.
Quando se trata dos eleitos, é fácil perceber pelos dados que, mesmo longe da
maioria, a direita cresce em termos de assentos conquistados, principalmente a direita
confessional, que salta de 0,4% mandatos em 2002 (2 cadeiras) para 14% (72 cadeiras)
em 2014. Os partidos personalistas também crescem e quadruplicam a quantidade de
deputados federais eleitos no decorrer do período, partindo de 1,9% (10 deputados)
para 8,8% (45 deputados). A comparação destes últimos com seus pares da direita se-
cular ou do grupo de centro+esquerda aponta que, ao menos entre os candidatos que
chegam lá, é possível dizer que há uma renovação desde a eleição de 2002 no sentido
de fornecer mais espaço para partidos confessionais e para aqueles partidos preocupa-
dos apenas em promover os interesses eleitorais de seus candidatos, os personalistas. O
dado em si já chama atenção, já que parte da literatura (RODRIGUES, 2006) via no
sucesso eleitoral do PT um dos motores de renovação parlamentar.
374 A CONSTITUIÇÃO DE 88 - TRINTA ANOS DEPOIS
não personalista 611 16,5 907 20,4 922 21,0 1.232 22,9
eleito secular de direita 1.017 27,5 874 19,7 833 19,0 920 17,1
confessional direita 196 5,3 339 7,6 497 11,3 869 16,2
total 3.693 100,0 4.438 100,0 4.390 100,0 5.370 100,0
X2 de Pearson 398,886 df 3 p-value ,000
Fonte: Laboratório de Partidos Políticos e Sistemas Partidários (LAPeS), UFPR
Quando olhamos para o perfil apenas dos candidatos (Tabela 4), apesar dos valores
absolutos mostrarem a força dos partidos confessionais de direita (saltam de 196 candidatos
para 869) e dos partidos personalistas (de 611 para 1.232), a magnitude do crescimento foi
na mesma ordem do que entre os eleitos. O mesmo ocorre para os partidos de centro+es-
querda e para os seculares de direita. O comportamento dos candidatos é bastante similar
ao dos eleitos. Na medida em que aumenta a quantidade de candidatos competindo pelos
confessionais e pelos personalistas, aumenta também a quantidade de eleitos por essas
siglas. O que demonstra que esses partidos estão conseguindo ler o sistema eleitoral e
aproveitando-se das oportunidades oferecidas através de coligações, negociação do fundo
partidário e tempo de HGPE (LIMONGI & VASSELAI, 2016).
Mas o crescimento desses partidos deve ser qualificado. Para tanto, analisamos como os
tipos de ocupações, associadas aos partidos políticos se distribuíram ao longo das eleições.
3 em função da sua maior ou menor disposição para a política, somando um ponto por
critério (ver Quadro 2). A agregação dessas ocupações deve ser entendida em sua relação
com cada tipo de legenda política.
Os valores dos gráficos estão em resíduos padronizados ajustados. Resíduos padroni-
zados (isto é, as diferenças entre os valores esperados e observados numa tabela de dupla
entrada expressos em unidades de desvios-padrão), mostram como se dá a concentração
entre o esperado probabilisticamente e o quanto esses partidos evoluíram efetivamente.
Valores acima do limite crítico de 1,96 ou abaixo de -1,96 apontam para comportamentos
pouco usuais ou valores atípicos, dado um intervalo de confiança de 95% (PEREIRA,
1999, p. 98). Isso revela que, naquela categoria específica, existem mais casos do que a
expectativa estatística. Assim, quanto maiores os resíduos padronizados, maior será a asso-
ciação entre as variáveis (PESTANA & GAGEIRO, 2008).
O Gráfico 1 tende a reforçar a hipótese 3. Ele evidencia que ocupações com baixa
disposição para a política estão nos partidos personalistas. Mesmo que, ao longo das elei-
ções, essa categoria tenha se tornado menos relevante para esses partidos (de 5 para 2,8), a
média dos resíduos no período foi de 4,5 positivos, indicando que esse perfil de candidato
se concentra muito mais nesse tipo de partido do que nos demais20. O segundo ponto é
que a tendência de queda desse tipo de ocupação em partidos da direita confessional passa
a se reverter nas eleições de 2010 e 2014, mas como o valor está dentro do limite crítico
(-0,3) não há o que relatar aqui.
-2
-3
-4
2002 2006 2010 2014
20 Michels (1911) apostava na força dos grandes partidos como ferramenta de promoção dos trabalhadores. O
que encontramos aqui é justamente o contrário.
376 A CONSTITUIÇÃO DE 88 - TRINTA ANOS DEPOIS
2
1.8
1.5
1 1.1
0.7
0.5
0 0 0.1
-0.1
-0.5 -0.6
-1
-1.5 -1.4
-2
2002 2006 2010 2014
21 Aqui o efeito do sistema eleitoral também joga um papel importante, ainda que não o único. Os candidatos
sabem que disputar posições em partidos estabelecidos, dotados de uma elite cristalizada ou legendas que possuem
forte coloração ideológica, não permite que seus projetos individuais encontrem lastro eleitoral. Além disso, é
sempre uma boa oportunidade contar com a transferência de votos permitida pelas coligações eleitorais proporcio-
nais. Desse modo, mesmo não cumprindo o quociente eleitoral, as chances para candidatos menos competitivos
são maiores em partidos confessionais ou personalistas, normalmente partidos pequenos que orbitam as grandes
agremiações em busca de espólio eleitoral.
14. Sociologia Política dos políticos do Brasil: um estudo da competição eleitoral sob o regime... 377
0
0.7
-2
-1.2 -1.5
-4 -2.5
-6 -4.5
-5.8
-8 -6.5
-7.7
-10
2002 2006 2010 2014
xa) parecem começar a tomar forma com a evolução das eleições, mas, exceto para o
caso dos partidos personalistas, não encontramos as associações imaginadas.
6. Discussão e conclusão
Em 2002 e em 2006 não é possível encontrar quase nenhum padrão de associação
entre variáveis de tipo social (disposição política), política (ideologia do partido) e eco-
nômica (recursos de campanha). Já a partir de 2010 podemos observar que os pontos
de alta, baixas e médias disposições passam a atrair as demais categorias, associando
esses perfis com os outros. As análises de correspondência apresentam uma variân-
cia total elevada, sempre acima dos 80% de inércia total (soma das duas dimensões).
Mesmo que os indicadores de consistência (Alpha de Cronbach) apresentem valores
que apontam que o modelo precisaria ser melhorado, podemos reter, no momento,
as variações mais concentradas e desprezar aquelas onde os padrões não revelaram
comportamentos específicos.
A primeira hipótese referia-se à relação entre partidos seculares de direita e a pre-
sença de alta disposição para política com alta capacidade de financiamento eleitoral.
Apenas em 2010 e em 2014 é que essa associação toma forma. Os dados mostram que
seria impossível concluir para 2002 e 2006 qualquer coisa nesse sentido. Contudo, nas
duas últimas eleições ocupações com alta disposição para a política são aquelas que
atraem maior investimento eleitoral. Não podemos dizer que há uma associação entre
os partidos seculares de direita e esse perfil, já que a categoria de partidos de centro+es-
querda sempre esteve próxima, mostrando que essas duas categorias partilham um
perfil mais ou menos comum. Assim, a H1 é confirmada parcialmente: nesses partidos
é mais provável encontrar indivíduos com alta disposição para a política e que contam
com aporte financeiro mais alto do que os seus competidores.
A H2 previa que nos partidos confessionais de direita encontraríamos candidatos
com alta/média disposição política com baixa capacidade de financiamento eleitoral.
A hipótese não é confirmada, e esses candidatos aparecem sempre isolados em algum
quadrante. Apenas em 2014 existe uma associação moderada entre ocupação de média
disposição e partidos confessionais. Isso se deve, principalmente, porque são poucos
os casos nessa categoria, o que faz com que os seus candidatos fiquem isolados dos
outros grupos. Apenas quando esse grupo atinge alguma robustez (apresentam quase
1 mil candidatos) é que encontramos algum padrão. Quanto ao financiamento, não
podemos tecer nenhuma relação entre esse tipo de partido e o padrão de receita de
campanha, de modo que essa questão permanece em aberto.
Por fim, o grupo que mais chama atenção, os partidos personalistas. Segundo a
H3, esses grupamentos políticos tenderiam a estar associados com ocupações de baixa
380 A CONSTITUIÇÃO DE 88 - TRINTA ANOS DEPOIS
2002
confessional direita
3
Dimensão 2 (inércia 0,438)
média disposição
baixa disposição secular de direita $ médio
0
$ alto
$ baixo alta disposição
centro/esquerda
-1
personalista
-2
-4 -3 -2 -1 0 1 2 3 4
disposição política
ideologia do partido político
recursos de financiamento eleitoral
2006
5
4 confessional direita
3
Dimensão 2 (inércia 0,401)
média disposição
$ baixo centro/esquerda
0 alta disposição
baixa disposição
secular de direita
$ médio $ alto
-1
personalista
-2
-3
-3 -2 -1 0 1 2 3 4 5
disposição política
ideologia do partido político
recursos de financiamento eleitoral
2010
3
confessional direita
2
Dimensão 2 (inércia ,375)
média disposição
1 $ médio
$ baixo
0
centro/esquerda personalista
alta disposição
baixa disposição
secular de direita
-1
$ alto
-2
-3 -2 -1 0 1 2
disposição política
ideologia do partido político
recursos de financiamento eleitoral
2014
3
2,0
confessional direita
1,5
Dimensão 2 (inércia ,372)
1,0
média disposição
0,5
0,0 $ médio
$ baixo centro/esquerda
secular de direita
$ alto
-0,5 baixa disposição alta disposição
-1,0
personalista
disposição política
ideologia do partido político
recursos de financiamento eleitoral
disposição para a política e não contar ou contar com pouca estrutura financeira para
sustentar a campanha dos seus candidatos. Esse é o território perfeito para a manifes-
tação do personalismo eleitoral e da estratégia eleitoreira de partidos oportunistas. Os
partidos personalistas vão confirmando nossa hipótese ano a ano. A cada eleição, o
grupo formado por candidatos personalistas de baixa disposição para a política e com
pouca capacidade na atração de recursos fica mais unido e mais destacado dos demais.
Esse comportamento revela que, de fato, é nesse nicho que se encontram as candidatu-
ras que mais diferem das dos grandes partidos e das ocupações tradicionais da política.
É nas franjas do sistema partidário que a renovação da representação vai ocorrendo. A
possibilidade de coligações entre partidos nas eleições proporcionais incentiva o lan-
çamento de candidatos de si mesmos, onde apenas a vontade de participar das eleições
sugere ser condição suficiente para ser votado.
Este é um retrato da evolução, até aqui, da competição política no Brasil sob a
Carta de 1988.
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389
Sobre os
autores
390 A CONSTITUIÇÃO DE 88 - TRINTA ANOS DEPOIS
Adriano Codato - Doutor em Ciência Política pela Unicamp, professor de Ciência Po-
lítica na Universidade Federal do Paraná, editor da Revista de Sociologia e Política
e pesquisador do CNPq.
Andréa Freitas - Doutora em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Profes-
sora no Departamento de Ciência Política da UNICAMP. Coordena o Núcleo de
Instituições Políticas e Eleições do Cebrap (Centro Brasileiro de Análise e Planeja-
mento), ainda é pesquisadora do Núcleo de Estudos Comparados e Internacionais
(NECI) e do Centro de Estudos de Opinião Pública (CESOP). Sua tese de dou-
torado foi premiada com menção honrosa no Prêmio Capes de Teses e no Prêmio
Guillermo O’Donnell de melhor tese em ciência política da América Latina da
ALACIP (AsociaciónLatinoamericana de Ciencia Política).
Christian Edward Cyril Lynch - Bacharel em Direito pela UFRJ, mestre em Direito
pela PUC-Rio e doutor em Ciência Política (Ciência Política e Sociologia) pelo
Sobre os autores 391
Gabriel Avila Casalecchi - Mestre e doutor em Ciência Política pela UFMG, com
doutorado sanduíche no Latin American Public Opinion Project (LAPOP), na
Vanderbilt University, e pós-doutorado na UFSC. Recebeu o prêmio de melhor
tese de Ciência Política de 2016 pela Associação Brasileira de Ciência Política
(ABCP). É professor adjunto da UFSCar e atua nas áreas de comportamento polí-
tico, opinião pública e legitimidade democrática.
Livia Liria Avelhan - Mestre em Ciência Política pelo Instituto de Estudos Sociais e
Políticos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (IESP-UERJ). Atualmente,
é pesquisadora do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) e membro
do grupo de pesquisa NEAAPE (Núcleo de Estudos Atores e Agendas de Política
Externa).