A Sabedoria Zen
A Sabedoria Zen
A Sabedoria Zen
Giovanni Kakugen
As Quatro Nobres Verdades
3. Fala Correta. Falar de forma calma e amorosa e ouvir com atenção e compaixão.
Não mentir, caluniar, distorcer os fatos ou exagerar. Não ferir nenhum ser através de
nossas palavras. Não falar inutilmente. Não semear a discórdia. Não falar mal dos
outros. Nossas palavras devem sempre estar de acordo com o Caminho, devem sempre
serem benéficas.
4. Ação Correta. Não-violentar; não roubar; não ter má conduta sexual; comer, beber
e consumir apropriadamente.
5. Meio de Vida Correto. Encontrar uma forma de viver que não o obrigue a matar,
fraudar, mentir, vender armas, drogas, bebidas ou escravos; não tirar a sorte
7. Atenção Plena Correta. Atenção plena significa estar em pleno contato com o nosso
corpo, sensações, emoções, pensamentos, formações mentais, e estado de consciência.
É a prática de observar e cuidar de tudo o que aparece em nós, seja positivo ou
negativo
8. Concentração Correta. É a prática da meditação, zazen. É permanecer
profundamente absorto no momento presente, onde sujeito e objeto desaparecem. A
concentração correta é o resultado natural da prática dos outros itens do Caminho.
As três jóias são uma só. Nosso cuidado com um é o cuidado com todos.
Os Quatro Pensamentos Incomensuráveis
1. Amor: é o desejo de que os outros sejam felizes, e a ação nesse sentido. Tem o
sentido de amizade, pois é o amor incondicional, que nada em espera em troca. Sem
compreensão, não há amor.
2. Compaixão: é o desejo de que os outros não sofram e a ação para aliviar a dor
alheia. Quando entramos em contato com o sofrimento do outro, a compaixão brota em
nosso coração. Para isso precisamos de atenção plena.
3. Alegria: se o amor não traz alegria para quem ama e para o ser amado, não é o
verdadeiro amor.
4. Equanimidade: é o desapego aos opostos, olhá-los de forma igual. Equanimidade
significa imparcialidade, não discriminação, equilíbrio mental. É não discriminar “eu ” e
“outros”. É permanecer imóvel ao sofrer palavras e ações injustas, e ao ouvir elogios. É
não permitir que surja a irritação, a amargura, o desânimo. É experimentar todas as
sensações sem deixar surgir desejo ou aversão.
As Cinco Lembranças
Os Cinco Agregados
1. Atenção Plena
2. A investigação dos fenômenos
3. Esforço
4. Serenidade
5. Alegria
6. Concentração
7. Equanimidade
Buddha disse que, praticando a Atenção Plena, os Sete Fatores do Despertar se fazem
presentes.
Outros
A Sabedoria Zen
(Estes textos foram retirados do livro Histórias Zen, compiladas por Paul Reps, da
Editora Teosófica.)
Vinte monges e uma monja, cujo nome era Eshun, estavam praticando meditação com
um certo mestre zen.
Eshun era muito bonita, embora sua cabeça estivesse raspada e sua vestimenta fosse
simples. Vários monges apaixonaram-se secretamente por ela. Um deles escreveu a ela
uma carta de amor, insistindo em um encontro reservado.
Eshun não respondeu. No dia seguinte, o mestre deu uma palestra para o grupo, e
quando a palestra terminou Eshun levantou-se. Dirigindo-se àquele que tinha lhe
escrito, ela disse: “Se você realmente me ama tanto, venha e me abrace agora.”
Ryokan, um mestre zen, vivia o tipo mais simples possível de vida em uma pequena
cabana no sopé de uma montanha. Uma noite, um ladrão visitou a cabana e
surpreendeu-se ao descobrir que não havia nada nela para ser roubado.
Ryokan voltou e o pegou. “Você provavelmente veio de longe para me visitar”, disse
ele ao gatuno, “e você não deve voltar com as mãos vazias. Por favor, tome minhas
roupas como um presente”.
Ryokan sentou-se nu, observando a Lua. “Pobre rapaz”, ele pensou, “eu gostaria de
poder ter dado a ele essa bela Lua.”
Estrada Lamacenta
Tanzan e Ekido estavam uma vez viajando juntos por uma estrada lamacenta. Uma
chuva forte caía persistentemente.
Numa das curvas da estrada, eles encontraram uma moça adorável, vestida com um
quimono de seda e com uma faixa, que não conseguia atravessar o cruzamento.
“Venha cá, menina”, disse Tanzan imediatamente. Levantando-a em seus braços, ele
carregou a moça através da lama.
Ekido não falou mais nada até aquela noite em que eles chegaram a um templo com
pousada. Ele então não pôde mais se conter. “Nós, monges, não nos aproximamos de
mulheres”, disse ele a Tanzan, “sobretudo não das jovens e graciosas. É perigoso. Por
que você fez aquilo?”
“Eu deixei aquela menina lá”, disse Tanzan. “Você ainda a está carregando?”
Sovina no Ensinamento
“Eu não posso lhe dizer o que é”, respondeu o amigo, “mas uma coisa é certa: se você
compreender o zen, você não terá medo de morrer”.
“Está certo”, disse Kusuda. “Eu vou tentar. Onde eu posso encontrar um instrutor?”
Assim, Kusuda foi visitar Nan-in. Ele levou consigo uma adaga de 25 centímetros de
comprimento para determinar se o próprio instrutor tinha ou não medo de morrer.
Quando Nan-in viu Kusuda ele exclamou: “Olá, amigo. Como está você? Nós não nos
vemos há longo tempo!”
Isso deixou Kusuda perplexo, que respondeu: “Nós nunca nos encontramos.”
“Correto”, respondeu Nan-in. “Pensei que você fosse um outro médico que está
recebendo instrução aqui.”
Com um tal começo, Kusuda perdeu sua oportunidade de testar o mestre, e então com
relutância perguntou se poderia receber instrução sobre o zen.
Nan-in disse: “O zen não é uma tarefa difícil. Se você for um médico, trate seus
pacientes com amabilidade. Isso é o zen.”
Kusuda visitou Nan-in três vezes. A cada vez Nan-in lhe dizia a mesma coisa. “Um
médico não deveria perder o seu tempo aqui. Vá para casa e tome conta de seus
pacientes.”
Não estava claro para Kusuda como um tal ensinamento poderia remover o medo da
morte. Assim, em sua quarta visita ele reclamou: “Meu amigo me disse que, quando se
aprende zen, se perde o medo da morte. Cada vez que venho aqui tudo o que você me
diz é para que eu tome conta de meus pacientes. Isso eu já sei. Se isso é o seu dito
zen, eu não vou mais visitar você.”
Nan-in sorriu e deu um tapinha nas costas do médico. “Tenho sido muito rigoroso com
você. Deixe-me lhe dar um koan.” Ele deu a Kusuda o Um de Joshu para ele refletir, o
qual é o primeiro problema para a iluminação da mente, contido no livro O Portal Sem
Portões.
Kusuda refletiu sobre esse problema de Um (“a não-coisa”) por dois anos. No fim desse
período ele pensou ter alcançado a certeza mental. Mas seu instrutor comentou: “Você
ainda não a alcançou.”
Kusuda continuou em concentração por mais um ano e meio. Sua mente tornou-se
plácida. Os problemas se dissolveram. A Não-Coisa tornou-se a verdade. Ele servia
seus pacientes bem e, sem sequer saber, estava livre da preocupação sobre a vida e a
morte.
Receba o convidado com a mesma atitude que você tem quando está sozinho. Quando
sozinho, mantenha a mesma atitude que você tem ao receber convidados.
Observe o que você diz, e o que quer que você diga, pratique-o.
Quando uma oportunidade surgir, não a deixe passar, contudo sempre pense duas
vezes antes de agir.
Shichiri lhe disse: “Não me incomode. Você pode encontrar o dinheiro naquela gaveta.”
Ele então continuou sua recitação.
Pouco depois ele parou e disse: “Não leve tudo. Preciso de algum dinheiro para pagar
impostos amanhã.”
Poucos dias depois o homem foi preso e confessou, entre outras coisas, o crime contra
Shichiri. Quando Shichiri foi chamado para testemunhar ele disse: “Esse homem não é
um ladrão, pelo menos no que me diz respeito. Eu dei a ele o dinheiro e ele me
agradeceu.”
Após ter terminado seu período na prisão, o homem foi até Shichiri e tornou-se seu
discípulo.
Certo ou Errado
Mais tarde o estudante foi pego em um ato semelhante, e mais uma vez Bankei
desconsiderou a questão. Isso irritou os outros estudantes, que redigiram uma petição
pedindo o afastamento do ladrão, afirmando que, caso contrário, eles iriam embora em
grupo.
Quando Bankei leu a petição, ele convocou todos para comparecerem à sua presença.
“Vocês são irmãos sábios”, ele lhes disse. “Vocês sabem o que é certo e o que não é
certo. Vocês podem ir para algum outro lugar para estudar se quiserem, mas esse
pobre irmão não sabe nem mesmo distinguir o certo do errado. Quem lhe ensinará se
eu não o fizer? Vou mantê-lo aqui mesmo que todos vocês partam.”
Uma torrente de lágrimas limpou o rosto do irmão que tinha roubado. Todo o desejo de
roubar havia desaparecido.
A Sujeição de um Fantasma
Uma jovem esposa adoeceu e estava para morrer. “Eu o amo tanto”, disse ela a seu
esposo, “não quero deixá-lo. Não me troque por nenhuma outra mulher. Se fizer isso,
voltarei como fantasma e lhe causarei infinitos problemas”.
Logo depois a esposa faleceu. O marido respeitou o seu último desejo por três meses,
mas depois encontrou uma outra mulher e se apaixonou por ela. Eles ficaram noivos e
iam se casar.
“Sua antiga esposa tornou-se um fantasma e sabe tudo o que você faz”, comentou o
mestre. “O que quer que você faça ou diga, o que quer que você dê à sua amada, ela
sabe. Ela deve ser um fantasma muito sábio. Você, na verdade, deveria admirar um tal
fantasma. Na próxima vez que ela aparecer, barganhe com ela. Diga-lhe que ela
conhece tanto que você não pode esconder nada dela, e que, se ela responder-lhe uma
pergunta, você promete que desmanchará o noivado e permanecerá solteiro.”
“Isso mesmo”, respondeu o fantasma, “e sei que você foi ver um mestre zen hoje”.
“E já que você sabe tanto”, perguntou o homem, “diga-me quantos grãos eu tenho
nesta mão!”
Hora de Morrer
Ikkyu, o mestre zen, era muito inteligente até mesmo quando era apenas um menino.
O seu instrutor possuía uma preciosa xícara de chá, uma peça antiga rara. Ikkyu
acabou quebrando essa xícara e ficou completamente perplexo. Ouvindo os passos de
seu instrutor, ele segurou os pedaços da xícara atrás de si. Quando o mestre apareceu,
Ikkyu perguntou: “Por que as pessoas têm que morrer?”
“Isso é natural”, explicou o homem mais velho. “Tudo tem que morrer e tem um tempo
determinado para viver.”
Certa vez, folheando os anais dos monges Zen da dinastia T'ang, ao ler o provérbio
"Ajudar burros a atravessar, ajudar cavalos a atravessar", fiquei muito surpresa pela
semelhança do provérbio com meu trabalho. Devo ser como uma ponte, possibilitando
a todos atravessar. No grupo que dirijo, existem pessoas em diferentes estágios de
prática e, mesmo monges, são pessoas comuns, com momentos de delusão. Estas
palavras surgiram quando ainda tinha muitas dificuldades na função, e elas passaram a
ser um preceito para mim.
Anos mais tarde, quando soube que o Imperador Showa escolhera a palavra "ponte"
para o tema de poesias de Ano Novo, na festa do Palácio Imperial, lembrei-me do
provérbio. Não fui convidada para a festa, mas escrevi um poema sobre o tema,
incorporando o provérbio.
Durante a dinastia T'ang, na China, o grande mestre Zen Joshu Jushiro Zenji era abade
do templo Kannon-in. Para chegar ao seu templo era necessário cruzar uma ponte, que
foi chamada de Ponte de Joshu. Certa vez um monge noviço perguntou: "A Ponte
Joshu, o que é?" Ele não estava mencionando a ponte para se chegar ao templo, mas
sobre a prática budista de Joshu. Joshu respondeu: "Passa burro, passa cavalo."
Há pessoas das quais gostamos e pessoas das quais não gostamos, amigos e inimigos.
Pela ponte passam pessoas boas como Budas, como também ladrões, assassinos,
gente perversa e louca. A todos permite atravessar, sem pedir nada em troca, sem
selecionar. Há quem reclame "que ponte ruim, que ponte mal feita, difícil de passar",
vão reclamando, batendo os pés, dando chutes, e pode haver até aqueles que urinem
na ponte. Poucos atravessam com gratidão dizendo "Obrigada" ou "Graças a você pude
atravessar". Seja qual for a maneira que atravessem, a todos a ponte permite passar
sem fazer discriminação. Joshu em sua prática de grande bodisatva‚ o símbolo dessa
ponte, a imagem dessa ponte.
E eu? Cavalo atravessa... Burro não... Pessoa que gosto sim, pessoa que não gosto
não. Fico escolhendo, selecionando de acordo com minhas conveniências. Quero que
me elogiem "Que ponte bonita!", "Obrigada", "Graças a você". Fico mal humorada e
não quero deixar atravessar aqueles que me xingam ou urinam na ponte.
Talvez sejam muitos os que não saibam que há uma Outra Margem. É preciso
despertar neles o desejo de alcançá-la: se querem fama, dar-lhes fama; se querem
pão, dar-lhes pão; se querem dinheiro, dar-lhes dinheiro; se querem relacionamento,
dar-lhes relacionamento, até perceberem que este é um universo maravilhoso. Para
isso é preciso ter o coração de avós bondosos, ser capaz de despir o hábito monástico,
sujar as mãos com excrementos, estar entre todos, chorar, ficar deludido, rir juntos,
até fazê-los perceber o Verdadeiro Caminho e puxá-los para cá.
Esse é o meu voto simbolizado pelas trinta e três faces e cem corpos de Kanon. Está
escrito no Sutra de Kanon: "Nas terras do universo não há local onde não se
manifeste." Sempre e em toda parte, a atividade de Kannon se revela. Abrindo o olho
do coração-mente, vejo que a pessoa da qual penso não gostar existe para que eu
perceba meu próprio ego - é Kanon se revelando. Doente, fracassada ou separada de
quem amo devo abandonar minhas auto-indulgências e perceber que a verdade da vida
é atividade de Buda.
Vendo tudo pela perspectiva de Buda fiquei envergonhada da minha própria arrogância
e pude perceber que ao invés de ser uma ponte, estou sendo ajudada a atravessar.
Este texto se refere aos Sutra lido ao bater as 108 badaladas do sino na passagem de
ano e também se refere as 108 contas do juzo, espécie de terço budista. Diz respeito
aos obstáculos que precisamos vencer para chegar a Iluminação.
"Quando Bodisatva Hu-ming (2) estava para descender entrou e vasculhou a casa onde
iria nascer. Assim tendo feito, instruiu todos os seres celestiais de Tsusita para que se
reunissem no imenso palácio Kao-ch'uang de sessenta iojanas quadradas, a fim de
expor o Dharma para eles como fizera muitas vezes no passado.
"Seres Celestiais! Estou para descender ao mundo humano; antes de fazê-lo quero
expor as várias entradas do Dharma Maravilhoso, os métodos provisionais de alcançar
o estado de todas as coisas. Aqui os reuni para dar este meu último ensinamento. Se
vocês o seguirem certamente serão felizes."
Quando o Bodistava Hu-ming completou estas palavras iniciais todos os seres celestiais
do Céu de Tsusita, incluindo as virgens celestiais e suas atendentes, se reuniram. Em
bora o Bodisatva desejasse iniciar os ensinamentos, vendo a multidão decidiu usar seus
poderes miraculosos para construir outro palácio celestial em cima do atual. A altura e
largura desse novo palácio eram tão imensas, cobrindo todo o universo com
indescritíveis linhas bem proporcionadas, beleza exótica, fonte de alegria para os que o
viam. Decorado com muitas jóias, era de majestade incomparável a qualquer outro
palácio celestial no mundo do desejo. Se os seres celestiais do mundo da forma vissem
esse castelo, miraculosamente criado, perceberiam que seus próprios castelos
comparados a este não eram nada mais do que sepulcros.
Hu-ming era um Bodisatva que possuía tanto fortuna quanto mérito, resultante de seu
bom passado e de suas ações honradas. Instalou-se no assento do leão (3), decorado
com inumeráveis jóias de todas as espécies. Vários panos celestiais foram estendidos
no assento e várias flores de fragrância rara colocadas no chão à sua volta. O doce
cheiro de incenso especial, num incensário enorme e magnífico pendurado no ar, se
espalhava e o castelo estava cheio de luz, reflexo das inumeráveis jóias de sua
decoração.
O exterior do castelo estava coberto por uma rede magnífica com muitos sinos de ouro
amarrados, todos ressoando em tons doces. O palácio emitia uma infinita variedade de
luzes com centenas de milhares de bandeiras coloridas, canópias e borlas presas em
seus cantos, guardado pelos Reis dos Quatro Quartos do Universo e vários Budas e
Bodisatvas. Era também respeitosamente venerado pelos Reis S'akrendra e Brahma.
Tendo terminado esta explicação o Bodisatva Hu-ming conclui sua palestra a todos os
seres celestiais ali reunidos dizendo:
"Seres Celestiais! Vocês devem perceber que eu, agora, os presentei com os Cento e
Oito Portais da Lei Maravilhosa. Lembrem-se deles continuamente pois não podem ser
esquecidos. Estes são então os cento e oito portais da Lei Maravilhosa."
O Bodisatva Hu-ming era o nome dado a Xaquiamuni Buda quando vivia no Céu de
Tsusita como um Bodisatva do mais alto nível de Iluminação.
Estes cento e oito portais estão enumerados no T`ien-shêng Kuang - Têng- Lu,
compilado por Li Fu- ma (10). Entretanto, apenas poucos os que treinam em budismo
sabem de sua existência, enquanto os que não sabem são tão numerosos como plantas
de arroz, cânhamo, bambu e grama. È por esta razão que agora os compilei nesta
seção. Aqueles iniciados em budismo que esperam algum dia alcançar o estado de
Buda e se tronar mestres de seres humanos e celestiais, devem cuidadosamente os
estudar. Aqueles que nunca viveram no Céu de Tsusita como Bodisatva do mais alto
nível de Iluminação, não podem ser considerados Budas. Estudantes budistas, logo,
não devem se orgulhar de seus feitos. Bodisatvas que uma vez viveram no Céu de
Tsusita, se tornaram Budas sem passar pelo mundo intermediário.
Notas:
1. o nome deste sutra é desconhecido embora seja provavelmento o chinês T`ien-
chêng Kuang - Têng-lu e não um sutra.
2. Não se sabe mais nada sobre este Bodisatva, a pronûncia chinesa é usada pois o
sânscrito se perdeu.
3. Uma plataforma elevada, a vontade de um Bodisatva, é análoga à de um leão.
4. As quatros espécies de esforço correto são: prevenir erros antes que ocorram,
abandonar faltas quando ocorrem, produzir méritos, aumentar mérito produzido.
5. As quatro bases de poder sobrenatural são: vontade, esforço, pensamentos e
investigação.
6. Uma é a visão extremista da existência, que errôneamente mantém, que todo
fenômeno é real; a outra é a visão extremista da não existência que mantém, que todo
o fenômeno é não exitente e vazio.
7. Paramita se refere a cruzar desta margem de nascimento e morte para a margem de
Nirvana, também significa compleição. Aqui o termo é usado para designar uma das
práticas que levam a este objetivo.
8. As quatro maneiras de guiar seres a iluminação: ofertas espirituais e materiais,
palavras amáveis, benevolência, identificação.
9. Os dez poderes de um Bodisatva: devoção aos ensinamentos de Buda e não apego a
nada, aumentar sua própria devoção, habilidade expediente de instruir pessoas e
alterar sua conduta, compreender o que as pessoas pensam, satisfazer pessoas com o
que querem, não cessar de exercer, incluir todos os veículos sem abandonar o
Mahayana, poder misterioso de mostrar as aparências dos Budas em cada mundo e em
cada poro de seu corpo, fazer com que virem em direção aos ensimanentos de Buda e
os liderar a perfeição, satisfazer todas as espécies de pessoas mesmo com uma só
frase.
10. Nada mais se sabe sobre ele.
O Caminho está completamente presente onde você está, então qual a necessidade de
prática e de iluminação? Contudo, se no início houver a menor diferença entre você e o
Caminho, o resultado será uma separação maior do que aquela entre o céu e a terra.
Se surgir o menor pensamento dualista, você perderá sua mente-Buda. Por exemplo,
algumas pessoas se orgulham de sua compreensão, e acreditam que estão ricamente
dotadas com a sabedoria de Buda. Crêem que já alcançaram o Caminho, iluminaram
suas mentes e conquistaram o poder de tocar os céus. Imaginam que estão andando
no reino da iluminação. Mas o fato é que quase perderam o Caminho absoluto, que está
além da própria iluminação.
Ainda se vêem as marcas daquele que por seis anos sentou-se erecto e se ouvem os
ecos do Monte Shaolim onde por nove anos sentou-se de face para a parede aquele
que transmitiu o selo da mente. Já que estes antigos sábios eram tão diligentes, como
podem os praticantes dos dias atuais deixar de praticar zazen? Devemos parar de
correr atrás de palavras e de letras e aprendermos a nos retirar e refletir sobre nós
mesmos. Quando assim fazemos, nosso corpo e mente são naturalmente
transcendidos, e nossa natureza-Buda original se manifesta. Se almejarmos realizar a
sabedoria de Buda, devemos começar a praticar imediatamente.
Para fazer zazen, é desejável um local tranqüilo. Devemos ser moderados no comer e
no beber, abandonando todo relacionamento deludido. Deixando tudo de lado, não
pensemos nem no bem, nem no mal, nem no certo, nem no errado. Assim, tendo
cessado a agitação da mente, abandonamos até mesmo a idéia de nos tornar Buda.
Isto é verdadeiro não só para o zazen, mas para todas as nossas ações cotidianas, sem
apego ao sentar ou ao deitar.
Os Budas e Ancestrais do Darma, tanto neste país, quanto na Índia e na China, todos
preservaram cuidadosamente a mente-Buda e incentivaram assiduamente o
treinamento Zen. Devemos, pois, nos dedicar exclusivamente, e sermos
completamente absorvidos pela prática do zazen. Apesar da divulgação de inúmeras
maneiras de se compreender o Budismo, devemos praticar somente o zazen. Não há
motivo para abandonarmos nosso assento de meditação e fazermos viagens inúteis a
outros países. Se nosso primeiro passo for errado, inevitavelmente tropeçaremos.
Já tivemos a boa fortuna de nascer com um corpo precioso, então, não devemos
desperdiçar nosso tempo à toa. Agora que sabemos qual é a coisa mais importante no
Budismo, como podemos ficar satisfeitos com o mundo transitório? Nossos corpos são
como o orvalho sobre a relva, e nossas vidas como o clarão de um raio, que
desaparece num instante.
Sinceros praticantes Zen, não se espantem com o Verdadeiro Dragão, nem gastem
muito tempo inutilmente apalpando apenas uma pequena parte do elefante. Dediquem
seus esforços ao caminho que leva diretamente à natureza-Buda. Respeitem aqueles
que alcançaram o conhecimento completo, que estão sem intenção de intenção.
Quando Xaquiamuni Buda girou pela primeira vez a Roda do Dharma, Ajnata-kaundinya
despertou e, em seu último discurso do Dharma, foi Subhadra quem se iluminou. Todos
que deveriam ser despertos assim o foram. Entre duas árvores sala, Buda estava quase
entrando Parinirvana. Era o meio de uma noite calma, sem sons. Para o bem de todos
os seus discípulos, Xaquiamuni Buda fez uma breve explanação dos fundamentos do
Dharma:
Controlem seus corpos, comam nas horas certas, se conduzam em pureza. Não se
envolvam nos afazeres mundanos, nem ajam como mensageiros. Não façam mágicas,
misturem poções e nem se tornem íntimos com pessoas eminentes. Tudo isso não deve
ser feito. Com a mente clara e correta atenção, vocês devem procurar o despertar.
Vocês não devem esconder seus erros, exprimir pontos de vista errôneos, nem liderar
pessoas erradamente. Ao receber as quatro espécies de ofertas, saibam a quantia
correta e fiquem satisfeitos. Não acumulem ofertas.
Agora vou falar, brevemente, em como proteger os Preceitos.
Oh, Monges! Vocês que mantém os Preceitos devem controlar os cinco sentidos.
Não deixem os sentidos desprotegidos, permitindo que os cinco desejos penetrem. È
como o vaqueiro que brande sua vara para evitar que ogado invada a plantação de
outra pessoa. Se há indulgência nos cinco sentidos os cinco desejos ficarão à solta e
vocês serão incapazes de controlá-los. Novamente repito, é como um cavalo bravo que
não pode ser controlado pelo chicote e cai numa vala levando seu cavaleiro com ele. Da
mesma forma, o sofrimento de ser ferido por um ladrão, dura apenas uma vida;
enquanto que o mal causado pelos cinco sentidos, se estende através de muitas vidas
criando grande dor. Não negligenciem a atenção. É por esta razão que a pessoa sábia
controla seus sentidos, não os segue, mantendo-os guardados, não permitindo que
vagueiem ao léu e mesmo quando os libertam, logo se extinguem.
A mestra dos cinco sentidos é a mente. Por esta razão vocês devem controlar suas
mentes. A mente deve ser mais temida que as cobras venenosas, bestas selvagens ou
assaltantes vingadores, mesmo grandes incêndios e destrutivas enchentes não podem
a ela serem comparadas. É como uma pessoa que, correndo celeremente com uma
jarra de mel nas mãos, olhe apenas para o mel e não veja um grande buraco. Repito, é
como um elefante enlouquecido sem uma corrente ou um macaco pulando nas árvores,
ambos são muito difíceis de se controlar. Dominem a mente, imediatamente, e não a
deixem desembestar. Se cederem, perderão a boa sorte de terem nascido humanos. Se
mantiverem a mente focalizada, não haverá algo que não possam obter. Por esta
razão, Monges, vocês devem se esforçar com muita diligência, para manter a mente
sobre controle.
Oh, Monges! Quando receberem comida e bebida, vocês devem considerá-las como
remédio.
Não peguem mais daquilo que gostam e menos daquilo que desgostam. Apenas
aceitem o suficiente para manter suas vidas e evitar a fome e a sede. Assim como a
abelha apanha apenas a doçura das flores sem lhes manchar a cor ou tirar sua
fragância, assim vocês devem fazer. Aceitem apenas o suficiente das ofertas para
evitar tristezas. Não peçam muito para não destruir boas intenções. Isto pode ser
comparado com a pessoa sábia que conhece a força de seu touro e não o sobrecarrega.
Oh, Monges! Se alguém vier desmenbrá-los, articulação por articulação, vocês devem
controlar a mente e não permitir que a raiva surja.
Da mesma forma vocês devem proteger suas bocas, caso contrário, palavras más
sairão delas. Se vocês permitirem pensamentos de raiva, vocês estarão obstruindo
seus próprios caminhos e perdendo o benefício de seus méritos. A paciência é uma
virtude que nem mesmo mantendo os Preceitos, nem as práticas ascéticas podem
igualar. As pessoas que praticam a paciência, podem verdadeiramente serem
chamadas de poderosas, de seres superiores. Aquelas pessoas que não podem aceitar
o veneno do abuso com paciência e alegria, como se estivessem bebendo o néctar
celestial, não podem ser chamadas de pessoas que adentraram o Caminho. Por que?
Porque os efeitos maléficos da raiva quebram todos os bons ensinamentos e destroem
o bom nome, de forma que, tanto no presente como no futuro, as pessoas não sentirão
prazer ao vê-los. Vocês devem saber que a raiva é mais poderosa que um fogo
ardente. Sempre se protejam e não permitam que a raiva penetre. Nenhum ladrão
rouba mais méritos do que a raiva. Leigos, cheios de desejos, sem praticar o Caminho,
não conhecem os ensinamentos para se poderem se controlar, mesmo a raiva não é
desculpável neles. Aqueles que deixaram o lar e praticam o Caminho do não desejo
nunca devem permitir que a raiva surja, assim como o trovão e o raio não ocorrem
num céu suave e claro.
Oh, Monges! Vocês devem saber que uma pessoa de muitos desejos, procurando
grandiosidade apenas para si mesmo, também sofre muito.
A pessoa de poucos desejos, nem procurando e nem desejando nada, não tem este
pesar, esta é a simples razão pela qual vocês devem praticar o mínimo de desejos.
Mais do que isso: devem praticar poucos desejos porque é a fonte de todos os bons
méritos. Uma pessoa de poucos desejos não manipula a mente dos outros através da
desonestidade, nem é levado pelos seis órgãos dos sentidos. A mente daqueles que
praticam poucos desejos é tranquila e não tem preocupações. Seja o que tiver é
suficiente, nunca há insuficiência. Para aqueles que tem poucos desejos, o Nirvana
existe. Esta é a prática de poucos desejos.
Oh, Monges! Se vocês querem se libertar de todo o sofrimento, vocês devem conhecer
o contentamento.
O estado de contentamento é a condição de prosperidade e bem estar. Aquele que está
contente fica feliz mesmo quando tem apenas a terra para se deitar sobre ela. Aquele
que não fica contente, está insatisfeito mesmo em palácios celestiais. Quem não
conhece o contentamento é pobre, apesar de todas as riquezas que possa ter. Alguém
que é contente é rico, não importando quão pobre possa ser. Quem não conhece o
contentamento é sempre arrastado por desejos provocados pelos seis sentidos e deve
ser apiedado por quem é contente. Esta é a prática do contentamento.
Oh, Monges! Se vocês diligentemente praticarem o esforço correto, nada será difícil.
Por isso vocês devem diligentemente praticar o esforço correto, assim como o
constante gotejar da água fura uma rocha. Se a mente do praticante for inclinada à
indolência, será como alguém que esfrega a madeira para iniciar o fogo e descansa
antes da madeira ficar quente. Mesmo que esta pessoa queira o fogo, a faisca não
acontece. Tal é a prática do esforço correto.
Oh, Monges! Não percam a atenção quando procurarem por um mestre ou por um
amigo.
Se vocês não perderem a atenção, as paixões não poderão entrar. Por isso, Monges,
sempre mantenham a atenção. Se perderem a atenção, perderão todo o mérito. Se o
poder de sua atenção for forte, você não poderá ser ferido pelos desejos provocados
pelos sentidos, mesmo que surjam. Da mesma maneira que, se entrar numa batalha
usando uma armadura, não terá o que temer. Esta é a prática de não perder a atenção.
Oh, Monges! Se tiverem qualquer dúvida sobre as Quatro Nobres Verdades, perguntem
imediatamente. Não guardem as dúvidas sem procurarem resolvê-las.
Por três vezes, o mais Honrado, enxortou os Monges dessa forma. Mas ninguém na
assembléia falou, pois ninguém tinha dúvidas.
Nesse momento Aniruddha, percebendo a mente dos que estavam ali reunidos, disse a
Buda:
- Honrado do Mundo! Todos estes Monges tem certeza e não tem dúvidas em relação
as Quatro Nobres Verdades. Se, nesta assembléia, houver alguém que ainda não
completou sua tarefa ao ver a passagem de Buda, eles se lamentarão. Mesmo aqueles
que apenas agora penetraram o Ensinamento, obterão o despertar ao ouvir as palavras
de Buda. Assim como na escuridão da noite, um raio ilumina a estrada. Se houver
aqueles que já tenham cumprido suas tarefas e cruzado o mar de sofrimento, eles
terão apenas este pensamento: Quão rápida é a passagem do Mais Honrado do Mundo!
Oh, Monges! Não se lamentem. Mesmo que Eu vivesse no mundo, tanto quanto um
kalpa, nosso estar juntos um dia acabaria. Não exite encontro sem despedida.
O Ensinamento que beneficia tanto a si próprio como aos outros, se completou. Mesmo
que eu vivesse mais, não haveria nada a adicionar ao Ensinamento. Aqueles que não
foram despertados possuem condições para obter o despertar. Se todos os Meus
discípulos, de geração em geração, a partir de agora, praticarem o Ensinamento, o
Corpo do Dharma do Tathagata existirá para sempre e nunca será destruído. Logo,
saibam que tudo no mundo é impermanente: o que se junta inevitavelmente se separa.
Não se preocupem, pois esta é a natureza da vida. Diligentemente, pratiquem com
esforço correto e procurem a libertação imediatamente. Com a luz da sabedoria,
destruam a escuridão da ignorância. Nada é seguro. Tudo nessa vida é precário.
Agora obtenho Parinirvana. É como se livrar de uma doença maléfica. Esta coisa que
descartamos e que chamamos de corpo, está afogado no mar do nascimento, velhice,
doença e morte. Como poderia haver alguma pessoa sábia que não se alegrasse em se
desfazer disso?
Tradução do inglês para o português de Monja Coen - São Paulo, Brasil, fevereiro de
2002.
Tradução do japonês para o inglês de Kazuaki Tanashi e Jonathan Condit - São
Francisco, EUA, Maio de 1980.
Sandokai
Viva o Presente
Uma vez um jovem que havia mudado de emprego muitas vezes veio me visitar, e me
contou seus sonhos. Ele queria ser isto e ele queria aquilo. É bom ter sonhos sobre o
futuro. Você pode ir além dos seus limites e conseguir mais. Mas não é sábio esquecer
que, embora uma visão do futuro seja necessária para colocar você no caminho agora,
se você mantiver seus olhos focados no horizonte muito adiante, você não verá o
buraco aos seus pés. E você cairá de costas sem ter para onde ir. Se os seus sonhos
vão ser apenas sonhos ou se os sonhos se tornarão realidade, depende de como você
está vivendo agora.
Mestre Dôgen (1200-1253) expressou iluminação com esta frase: "O desabrochar da
ameixeira é a primavera". Mais tarde essas pétalas caem no chão. Se a maneira na
qual vivemos nos dá a alegria da primavera também pode levar embora a alegria da
primavera e trazer a dureza do inverno. Mesmo que o grande caminho da vida se abra
à nossa frente, a nossa maneira de viver pode não usar as oportunidades. Por outro
lado, um grande portão de aço, sem nenhum sinal de abertura, pode abrir-se de par
em par devido a algum esforço que hoje fazemos. As pessoas cujas vidas têm sido
infelizes ou cheias de atos vergonhosos geralmente ficam esmagadas pelo grande peso
do seu passado e é difícil para elas recomeçarem. Mas não são os erros que arruínam
uma pessoa, é o constante pensar sobre eles. Seja quão maravilhosa tenha sido sua
vida no passado, quando o presente não é bom, simplesmente não é bom. E também é
verdadeiro que seja quão infeliz ou vergonhosa sua vida tenha sido no passado, se
você está bem agora, você está bem. Se você se desanima por causa dos enganos
passados, isto, na verdade, depende de sua atitude atual em relação a eles. Você tem
que aceitar que o seu passado fez o que você é, mas não determina como viver o
presente. Assim não existe realmente uma má experiência. É importante ser capaz de
aceitar essas experiências como valiosas, digeri-las para que se tornem alimento do
presente. Se pessoas de muita idade ou doentes com pouca esperança no futuro
compararem sua fragilidade presente com o vigor de sua juventude, apenas se
tornariam mais frágeis, tristes. Não é sábio comparar.
Imagine uma criança dormindo ao lado de seus pais e sonhando que está sendo batida
ou sofrendo uma doença. Os pais não podem ajudar a criança, não importa o quanto
sofra pois não há quem possa entrar na mente de alguém que sonha. Se a criança
pudesse acordar-se, conseguiria libertar-se
do seus sofrimentos, automaticamente. Da mesma forma, alguém que compreende que
sua mente Buddha, liberta-se instantaneamente dos sofrimentos que surgem da
[ignorância da lei da] mudança incessante do nascimento e da morte. Se um buddha
pudesse evitar, você pensa que ele permitiria que um único ser sensível caísse no
inferno?. Sem a auto percepção não se pode compreender coisas como estas.
Que espécie de mestre é este, que agora mesmo vê cores com os olhos e escuta vozes
com os ouvidos, que agora levanta as mãos e move os pés? Sabemos que estas são
funções de nossa própria mente, mas ninguém sabe precisamente como são efetuadas.
Pode-se assegurar que por detrás destas ações não existe entidade, entretanto é óbvio
que estão sendo realizadas espontaneamente. Pelo contrário, poder-se-á assegurar que
estes são os atos de alguma entidade; contudo, esta entidade está invisível. Se alguém
encara este problema como incompreensível, todas as tentativas de raciocinar [para
encontrar uma resposta] cessarão e ele ficara perdido sem saber o que fazer. Neste
estado favorável, aprofunda-se sempre mais o anseio incansavelmente, até o extremo.
Quando o profundo questionamento penetrar até o fundo, e o fundo for arrombado,
não permanecerá nem a menor das dúvidas de que sua mente é o próprio buddha, o
universo-vazio. Então não haverá mais ansiedade sobre a vida e a morte, nem verdade
alguma a buscar.
Num sonho você poderá perder-se e não saber mais o caminho para casa. Você pede a
uma pessoa que lhe indique como voltar ou você reza a Deus ou a Buddha que o ajude,
mas mesmo assim não consegue voltar para casa. Logo que sai do estado de sonho,
porém, descobre que está na sua própria cama e compreende que o único meio que
teria para voltar a casa, seria o de acordar-se. Esta [espécie de despertar espiritual] é
chamada "volta à origem" ou "renascimento no paraíso". É a forma de percepção
interior que se pode conseguir com algum treinamento. Virtualmente todos os que
gostam do zazen e se esforçam na sua prática, sejam leigos ou monges,
compreenderão até este grau. Mas mesmo esse despertar [parcial] não pode ser
conseguido, exceto pela prática do zazen. Você estaria porém cometendo um grave
erro, se achasse que isto foi uma verdadeira iluminação na qual não há dúvida alguma
sobre a natureza da realidade. Seria como um homem que, tendo encontrado cobre,
abandonasse o desejo de procurar ouro.
Com essa percepção você conquista a verdadeira emancipação. Mas, mesmo agora,
abandone sempre de novo o que foi compreendido, voltando-se para aquilo que
compreende, isto é, para a raiz mais profunda, e resolutamente vá avante. Sua
natureza do "eu" então ficara mais brilhante e mais transparente a medida que seus
sentimentos ilusórios se desfazem como uma pedra preciosa que adquire brilho sob
repetidos polimentos, até que finalmente ilumina o universo inteiro. Não duvide disto!
Se seu desejo for excessivamente fraco para conduzi-lo a este estado na vida presente,
você indubitavelmente chegará com facilidade à compreensão do "eu" na próxima,
contando que ainda esteja engajada neste questionamento na ocasião da morte, assim
como o trabalho de ontem feito pela metade, é terminado hoje facilmente.
Enquanto você estiver fazendo o zazen, nem despreze nem acaricie os pensamentos
que surgem; apenas busque sua mente, a própria fonte destes pensamentos. Deve
compreender que tudo o que aparece na sua consciência, ou é visto por seus olhos, d
uma ilusão, de uma realidade que não dura. Por isso não deve nem amedrontar-se nem
fascinar-se por tais fenômenos. Se conservar sua mente tão vazia quanto um espaço,
sem manchar-se com assuntos estranhos, nenhum mau espírito poderá perturbá-lo,
mesmo no seu leito de morte. Enquanto se empenhar no zazen, porem, não conserve
nenhum
Kannon Bodhisattva é assim chamado porque atingiu a iluminação pela percepção [isto
é agarrando a fonte] dos sons à sua volta.
Se você não chegar à compreensão nesta vida presente, quando chegará? Tendo
morrido não será capaz de evitar um longo período de sofrimento nos três caminhos do
mal. O que está obstruindo a realização? Nada além de seu pusilânime desejo de
verdade. Pense nisto e esforce-se ao máximo.
(Tokusho, Bassui. O Sermão. In: Kapleau, Philip. Os Três Pilares do Zen. Coleção Corpo
e Alma.
Belo Horizonte: Editora Itatiaia, 1978. Pág. 170-173. Clique aqui para adquirir o livro.)
Ryûgin
O Rugido do Dragão
Um dia o Grande Mestre Jisai do Monte Tosu, em Joshu, recebeu uma pergunta de um
monge praticante: "Gostaria de saber se uma velha árvore ressequida pode rugir como
um dragão. Pode ou não pode?" O mestre replicou: "No meu Caminho do Buddha até
uma caveira tem capacidade de falar sobre o grande Dharma." Quem está por fora do
ensinamento buddhista gosta de dizer que uma árvore ressequida é apenas uma árvore
ressequida, e que cinzas não podem ser brasas. Mas as opiniões destas pessoas não
contam muito quando comparadas ao que dizem os buddhas e ancestrais. Este conceito
de "árvore ressequida" só pode ser discutido por quem está por dentro do Caminho do
Buddha. Pessoas que não estão dentro do Caminho do Buddha ficariam mais
assustados ainda com o rugido do dragão. Pessoas comuns acham que uma árvore
seca está morta e que na próxima primavera não terá novos brotos.
O Mestre Zen Sekito uma vez disse o seguinte: "Porque a raiz existe, aparecem as
folhas." Este dito se refere aos buddhas e ancestrais. A raiz e as folhas são uma só
coisa na realidade. Devemos estudar isto.
Nesta "árvore seca" comprido é comprido e curto é curto. Se a árvore não for
ressequida este rugido de dragão não pode ocorrer, mesmo que a árvore esteja além
do rugido. "Muitas estações se sucedem mas a natureza da árvore ressequida não
muda jamais". Além disto, devemos saber que o rugido do dragão está além de notas
musicais, mas em si o rugido tem todos estes sons.
Quando o monge fez sua pergunta, pela primeira vez mostrou este seu desejo de saber
a verdade. A resposta que ouviu de Tosu, "Mesmo uma caveira proclama a Grande Lei",
resume tudo sobre o Caminho do Buddha e confirma a pergunta que lhe foi feita. A
atitude de Tosu é a verdadeira atitude buddhista: aquela que coloca o bem-estar dos
outros acima do nosso mesmo: mas isto é o rugido do dragão, bem como a caveira.
Uma vez um monge perguntou ao Grande Mestre Ryuto de Kyogengi: "Em que consiste
o Caminho do Buddha?" O mestre retorquiu: "O rugido de um dragão numa árvore
seca." O monge comentou então: "Não consigo compreender". O mestre encerrou:
"São os olhos refulgentes de uma caveira".
De outra feita, um certo monge perguntou ao Grande Mestre Sekiso: "Por favor, diga-
me o que vem a ser o rugido do dragão numa árvore seca?"
"Eis que reténs uma mente que busca o prazer", assim lhe respondeu o Grande Mestre.
O monge perguntou novamente: "O que então são os olhos refulgentes de uma
caveira?". O mestre respondeu: "Eis que ainda reténs aquela consciência distorcida".
De outra feita, um monge perguntou ao Grande Mestre Sozan Honjaku4 : "O que vem
a ser o rugido de um dragão numa árvore ressequida?" Ao que Sozan disse: "A energia
vital nunca parou de fluir". "E quanto aos olhos refulgentes de uma caveira?", indagou
novamente o monge. "Uma árvore ressequida nunca estanca a seiva, nunca fica seca".
Mas o monge foi persistente: "Não consigo compreender. Existe alguém que o possa
compreender?" "Todos, no mundo inteiro, o podem compreender", lhe respondeu
Sozan. O monge perguntou: "Ainda não cheguei a uma compreensão. Poderá talvez
haver alguma palavra que possa adequadamente descrever o que é o rugido de um
dragão?" O mestre replicou: "Nem eu mesmo compreendo o significado das palavras".
O monge não pescou o significado, e não passou pelo teste.
Todos estes diálogos usam uma forma que é tão diferente do discurso comum quanto o
rugido de um dragão é de uma voz humana. "Na árvore ressequida" ou "Na caveira"
não significam dentro ou fora, si mesmo ou outros; este discurso compreende o
presente bem como o passado. Quando Sekiso disse ao monge que ele retinha uma
mente que buscava o prazer, ele estava somente tentando mostrar uma forma mais
completa do rugido do dragão, e a segunda resposta, a saber, "Eis que ainda reténs
aquela mente," tentava dar-lhe um gosto da liberação.
"A energia vital nunca estanca" de Sozan tenta expressar o que é inefável, que não
pode ser expresso através de palavras. "Nunca estanca" é a mesma coisa que "o fundo
do oceano não pode ser visto". Estanca infindavelmente. Quando o monge indagou se
havia alguém que o pudesse compreender, Sozan lhe disse que absolutamente todos
no mundo o podiam compreender. Isto é, todos são capazes de ouvir o rugido do
dragão; ele existe por toda parte. Vamos um pouco mais além nisto. Deixando de lado
por ora se alguém nunca tenha ouvido o rugido do dragão, consideremos onde está o
rugido do dragão quando todos absolutamente o ouvem.
O rugido do dragão é um som feito como a respiração nasal. Sozan quis dizer que
apesar de não poder expressar o rugido do dragão com palavras, na verdade sua
própria voz era o rugido do dragão. O monge não conseguiu alcançar isto, e
conseqüentemente perdeu-se. Isto é deveras lastimável.
Estes diálogos trocados entre Kyogen, Sekiso, e Sozan no que diz respeito ao rugido do
dragão nos mostram suas forças. Falando ou não, com olhos refulgentes ou com a
caveira, todos estes são diferentes formas da voz do dragão, o sangue vital dos
buddhas e ancestrais. Este grande fluxo sempre está se transmitindo para outros, e
nunca cessa. Uma pilastra redonda fica grávida, e uma lanterna de pedra se encontra
com outra.
No instante de um pensamento,
Minha mente turbulenta chegou a um descanso.
O interior e o exterior,
Os sentidos e seus objetos,
São completamente lúcidos.
— Han-shan
"Ah sim, mas hoje tem muita gente, quando tiver mais ninguém, vou te ensinar", disse
o mestre.
No dia seguinte, o monge chegou de novo, "Mestre, tem mais ninguém, me ensine
agora."
Conto Zen
"Mestre, aprendi que confiar nas palavras é ilusório; e diante das palavras, o
verdadeiro sentido surge através do silêncio. Mas vejo que os sutras e as recitações são
feitas de palavras; que o ensinamento é transmitido pela voz. Se o Dharma está além
dos termos, porque os termos são usados para defini-lo?"
O velho sábio respondeu: "As palavras são como um dedo apontando para a Lua; cuida
de saber olhar para a Lua, não se preocupe com o dedo que a aponta."
O monge replicou: "Mas eu não poderia olhar a Lua, sem precisar que algum dedo
alheio a indique?"
"Poderia," confirmou o mestre, "e assim tu o farás, pois ninguém mais pode olhar a lua
por ti. As palavras são como bolhas de sabão: frágeis e inconsistentes, desaparecem
quando em contato prolongado com o ar. A Lua está e sempre esteve à vista. O
Dharma é eterno e completamente revelado. As palavras não podem revelar o que já
está revelado desde o Primeiro Princípio."
"Então," o monge perguntou, "por que os homens precisam que lhes seja revelado o
que já é de seu conhecimento?"
"Porque," completou o sábio, "da mesma forma que ver a Lua todas as noites faz com
que os homens se esqueçam dela pelo simples costume de aceitar sua existência como
fato consumado, assim também os homens não confiam na verdade já revelada pelo
simples fato dela se manifestar em todas as coisas, sem distinção. Desta forma, as
palavras são um subterfúgio, um adorno para embelezar e atrair nossa atenção. E
como qualquer adorno, pode ser valorizado mais do que é necessário."