Fichamento - Erguer A Voz - Yuri Brito
Fichamento - Erguer A Voz - Yuri Brito
Fichamento - Erguer A Voz - Yuri Brito
No fundo, essa dicotomia - entre vivência e teoria - vai se desmanchando ao longo do texto, na
justa medida em que o frequente ir-e-vir entre uma coisa e outra acaba produzindo ideias-
síntese que contribuem no debate do feminismo negro. Se no início do texto a sensação é de
estar numa montanha-russa, onde a pessoa que lê se vê entre a emoção e a gana de assistir
os argumentos se desenvolverem, conforme os capítulos se desenrolam a sensação é de estar
num trem-bala: uma viagem suave, mas ao mesmo tempo se dirigindo ao seu destino com uma
velocidade espantosa.
O texto se inicia fazendo uma reflexão análoga a essa sensação, tratando da convergência
entre o público e o privado na construção teórica do feminismo negro, num tom confessional: a
autora fala sobre, em última instância, uma luta da memória, contra o esquecimento. E ressalta
como é importante que certas coisas, circundadas de um medo de compartilhar experiências,
sejam compartilhadas. Com isso, ela posiciona o livro e antecipa esse método argumentativo,
que resgata a experiência como legítima produtora de conhecimento.
À seguir, bell hooks define o título do livro - “Erguer a Voz” - como o ato que remete à memória
infantil sobre um comportamento altamente reprovável em seu contexto social: o de falar como
igual frente a uma figura de autoridade - no caso, os mais velhos. Porém, destaca ela, o desafio
não é só ter uma voz, usá-la, como na transgressão da autoridade paterna; mas saber qual voz
ter. Nesse processo, ela rememora o início de sua relação com a escrita, as dores de ter ela
revelada contra sua vontade, e a conclusão de que, para o oprimido, encontrar e erguer a voz é
um ato de cura e libertação.
Essa voz, também, é uma ameaça; a todas as figuras de autoridade que esperam reprimi-la,
sobretudo. Talvez por isso ela argumente em favor do entendimento da dominação sobre as
crianças como o modelo constitutivo de todas as demais dominações - em detrimento da
concepção, atribuída às feministas brancas, de que o patriarcado seria a forma ancestral de
dominação que gera todas as outras.
A proposição que bell hooks formula, após esse passeio de montanha-russa e trem-bala, é um
projeto que combine a alfabetização com a legitimação de outras formas de produzir e distribuir
conhecimento, como a conversa em pequenos grupos; um projeto que combine a produção
teórica com a experiência vivida, que reverta a teoria feminista de um gueto de elitismo
acadêmico branco para uma produção cotidiana de todas as mulheres; que, por fim, seja capaz
de construir relações horizontais e interseccionais entre os sujeitos que experimentam as
estruturas de dominação nas mais diversas posições, na construção de uma aliança pela
libertação que, necessariamente, contribua para que toda encontrem e ergam suas vozes.