Museologia Decolonial

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MARCELE REGINA NOGUEIRA PEREIRA

MUSEOLOGIA DECOLONIAL:
OS PONTOS DE MEMÓRIA E A INSURGÊNCIA DO
FAZER MUSEAL

Orientador: Professor Doutor Mário Caneva Moutinho

Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias


Faculdade de Ciências Sociais, Educação e Administração
Instituto de Educação/3º Ciclo de Museologia

Lisboa
2018
Marcele Regina Nogueira Pereira
Museologia Decolonial:
os Pontos de Memória e a insurgência do fazer museal

MARCELE REGINA NOGUEIRA PEREIRA

MUSEOLOGIA DECOLONIAL:
OS PONTOS DE MEMÓRIA E A INSURGÊNCIA DO
FAZER MUSEAL

Tese aprovada em provas públicas para a obtenção do Grau de Doutor em Museologia na


Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias, no dia 8 de março de 2018, com o
Despacho Reitoral nº72/2018, mediante a seguinte composição de júri:
Presidente
Prof. Doutor Manuel Serafim Fontes Santos Pinto – Universidade
Lusófona de Humanidades e Tecnologias
Arguentes
Prof. Doutor Pedro Jorge de Oliveira Pereira Leite – Investigador
CES/Universidade de Coimbra;
Profª. Doutora Gabriela Perdigão Cavaco - Universidade Lusófona de
Humanidades e Tecnologias / Museu da Presidência da República
Vogais
Profª Doutora Luísa Maria da Costa Janeirinho – Ministério da Educação
e Ciência
Profª Doutora Maria Neves Gonçalves – Universidade Lusófona de
Humanidades e Tecnologias
Prof. Doutor Marcelo Nascimento Bernardo da Cunha – Universidade
Lusófona de Humanidades e Tecnologias / Universidade Federal da
Bahia (por delegação da direção do curso)
Prof. Doutor Manuel de Azevedo Antunes, Universidade Lusófona de
Humanidades e Tecnologias
Orientador
Professor Doutor Mário Caneva Moutinho

Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias


Faculdade de Ciências Sociais, Educação e Administração
Instituto de Educação/ 3º Ciclo Museologia

Lisboa
2018

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os Pontos de Memória e a insurgência do fazer museal

Não é sobre chegar no topo do mundo e saber que


venceu
É sobre escalar e sentir que o caminho te fortaleceu
É sobre ser abrigo e também ter morada em outros
corações
E assim ter amigos contigo em todas as situações

Segura teu filho no colo


Sorria e abraça os teus pais enquanto estão aqui
Que a vida é trem bala, parceiro
E a gente é só passageiro prestes a partir

(Trem Bala, de Ana Vilela)

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Para aquelas que dão sentido à minha vida:


Myllena, Mylla e Ana Vitória!

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AGRADECIMENTOS

As pessoas que tecem esta tese são muitas e certamente não consigo aqui
nominar todas, por ser fruto de uma reflexão coletiva e decolonizadora – não poderia dar
conta da imensidão de agradecimentos que deveria fazer. Mas, para que eu não pareça
injusta ao diluir no todo pessoas fundamentais para esse processo, darei nomes a algumas
delas e espero que possa traduzir um pouco de minha gratidão.
Em Brasília:
Agradeço ao Instituto Brasileiro de Museus (Ibram), pela acolhida e oportunidade de
contribuir com esse Programa, instituição que foi minha segunda casa por quase cinco anos.
Parabenizo aos competentes consultores contratados, especialmente à Cristina Holanda,
em nome de quem eu agradeço todos pela produção de farto material que certamente
contribuirá com o fortalecimento do Programa e da Museologia Social.
Em Rondônia:
Começo por agradecer à minha querida Universidade Federal de Rondônia (UNIR)
e aos amigos que lá deixei para mergulhar nesta jornada d’além mar. Agradeço aos meus
companheiros de Reitoria, na figura do magnífico reitor da instituição, Ari Miguel Teixeira Ott,
pelo apoio e incentivo.
Agradeço à equipe da Pró-reitoria de Cultura, Extensão e Assuntos Estudantis, por
dividir comigo tantos momentos de angústias e por estarem sempre do meu lado com
sorriso e palavras de apoio. Especialmente, em nome de todos, agradeço à Elyzania Torres,
amiga que trago no peito.
Agradeço aos colegas de Departamento de Arqueologia, por me ajudarem
reduzindo a carga de disciplinas em momentos mais difíceis.
Agradeço ao Partido das Divas Empoderadas (PDE), formado por Rossi, Val,
Rosangela, Renata e ao Poeta (Diego) – valeu por todo o carinho!
Agradeço aos amigos dedicados e maravilhosos que andaram a me ouvir, lamentar,
questionar, chatear e, principalmente, negar convites para os encontros de luz e festa:
Elyzeu Braga, Poeta Mado, Adilson Siqueira, Papagaio, Seone, Brena Barros, Raissa
Dourado, Inaê, Thais Passos, Adriana, Edinair...
Aos amados Rubens Vaz Cavalcanti, Cida Louzada e Edson Arcanjo, um
agradecimento muito especial pelos momentos de partilha sobre a construção deste
caminho e de tantos outros caminhos de vida.
Agradeço aos amigos da quarta do peixe, grupo que virou família, me acolhe e
dedica amor. Sou grata demais por vocês existirem, João, Marly, Donizete, Zé, Marleti, Luiz,
Telminha, Ismael, Alcilene, Maurício, Mayara, Robson...
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Agradeço a esta terra que viu nascer esta tese: Porto Velho, Rondônia. Sou já
desse lugar que aprendi a amar. Seu chão de barro vermelho me segurou quando caí, e não
me deixou cair mais.
Agradeço ao Rio Madeira, por me acalmar toda vez que me desesperei e perdi a
esperança. Ele dizia que ia dar tudo certo, e eu sempre acreditei.
No Rio de Janeiro:
Agradeço aos companheiros do Museu de Favela, com os quais pude
exercitar ainda mais a Museologia Social – foi lá, nas subidas e descidas do morro, na
companhia de Rita, Antônia, Sidney e Katia, que eu decidi trabalhar na tese. Por intermédio
deles, agradeço por todos os Pontos de Memória, seus integrantes cheios de perseverança
e que não desistem, seguem acreditando que é possível investir na melhoria dos territórios e
de nossas vidas. Militantes dessa causa e que acreditam, acima de tudo, no poder de
transformação social que a memória tem.
Agradeço aos meus amigos que sentem falta da minha presença, mas que
compreendem a ausência. Fui salva pelos encontros com as minhas queridas Carina,
Elizangela, Kassia, Flávia e Michelle. Nossa amizade é longa: desde os corredores da
Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), vocês fazem parte disso.
Em Lisboa:
Agradeço a oportunidade concedida pela Universidade Lusófona de Humanidades
e Tecnologias (ULHT), em especial ao Curso de Doutoramento em Sociomuseologia, aos
colegas de estudo e aos responsáveis pelo Programa. Com seriedade, competência e
dedicação, seguem fortalecendo o campo da Museologia Social – a ULHT foi uma escolha
da qual me orgulho muito.
Também agradeço às sugestões do júri prévio, que contribuiu de forma significativa
para que o meu trabalho ganhasse contornos proveitosos. Foi um júri sensível e atento que
emocionou e motivou ainda mais a minha crença na generosidade das pessoas, fazendo
com que eu aperfeiçoasse a minha escuta.
Ah, não posso deixar de registrar aqui a presença doce e instigante do meu mais
novo amigo e companheiro de tese, Francisco Moutinho – conviver contigo valeu cada
minuto (até disse que eu merecia folga!). Aprendi muito com esse pequeno rapaz cheio de
energia e encantamento. A seus pais, meus queridos amigos Judite Primo e Mario Moutinho,
sem palavras para agradecer pelo incentivo. Acolheram-me na alma, e isso não tem lugar
para descrição neste plano físico. Gratidão!
Em todos os lugares:

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Adriano Almeida, Paula Nunes Costa, João Bispo, Wellington Silva, Terezinha
Resende, Cláudia Feijó, Cláudia Rose, Viviane Rodrigues, Helena Quadros, agradeço
imensamente o apoio e a ajuda para a construção desta tese. Seja como interlocutores,
incentivadores ou no envio de informações valiosas, as constituições foram fundamentais.
Agradeço a orientação segura e cheia de entusiasmo de Mario Moutinho, sempre
dedicado a me fazer perceber meu potencial e os limites. Só pude concluir este trabalho por
que estavas ao meu lado, como um grande amigo sensível e solidário. Gratidão!
Mario de Souza Chagas, sempre atento e presente, me ajudou a ter dúvidas e a
olhar de maneira diferente para as mesmas coisas. Assim como o Programa Pontos de
Memória teve nossa energia, esta tese também a possui. Estar ao seu lado na construção
do Programa e na realização deste trabalho é como um ciclo que se fecha para abrir outros
tantos. Juntos temos ideias e queremos ganhar o mundo com elas, principalmente porque
também podem mudar o mundo. Gratidão, meu amigo!
In memoriam, dedico à Ilone Seibel, amiga e companheira de vida e de amor à
educação, com quem tive tantas ideias. Você ficaria contente com isso, né? Eu consegui!
Para minhas avós, Mariazinha e Marta, vejam: aquela menina pobre de São
Gonçalo que vocês tanto amaram e agora é DOUTORA! Gratidão!
Agradeço aos meus pais, companheiros carinhosos desta jornada. Quando
embarquei para Lisboa, me lembro dos olhos cheios de ternura e orgulho do meu pai
querido e amado, que me ajudou a chegar até aqui. Mãezinha, ter você perto garante minha
paz. Ao meu amado irmão Marcelo, só digo que chegou ao fim – vou parar de falar em tese.
Gratidão!
Por fim, dedico esta tese para minhas filhotas, porque delas vêm toda a minha
inspiração para a vida. Agradeço pelo carinho e incentivo presentes, sempre
compreendendo minhas ausências e acreditando na mãe. Agradeço pela paciência de
tantos momentos roubados para esta escrita. Dedico todo meu esforço e conquistas a
vocês, suas lindas. Myllena, Mylla e Ana Vitória, ACABOU! Eu consegui.

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RESUMO

Este estudo apresenta a trajetória do Programa Pontos de Memória desde o ano de


lançamento, em 2008, até os dias de hoje. O objetivo desta tese é analisar os documentos
provenientes da Cooperação Técnica realizada entre o Instituto Brasileiro de Museus,
autarquia do Ministério da Cultura, a Organização dos Estados Ibero-americanos e o
Ministério da Justiça, com o intuito de incentivar processos museais em comunidades
populares localizadas em 12 capitais brasileiras consideradas violentas pelo Programa
Nacional de Segurança com Cidadania (Pronasci).
Com vistas a discutir os acúmulos, as dificuldades e a potência desse Programa
para o campo dos museus e da Museologia, propomos analisar aspectos relacionados à
dimensão política, poética e pedagógica dos Pontos de Memória, com destaque para os
pressupostos decoloniais que são fruto dos estudos do grupo Modernidade/Colonialidade.
Tal Programa, com foco no papel dos museus e da Museologia em sociedade,
acumula avanços no que se refere à consolidação da Museologia Social no Brasil, resultado
de uma Política Nacional de Museus que se fortalece em direção a políticas sociais
dedicadas a garantir o Direito à Memória e a dignidade de grupos e comunidades
historicamente excluídos nos âmbitos social e cultural. Compreendemos este Programa
como uma ação insurgente e decolonizadora do pensamento e da prática museal.

Palavras-chave: Pontos de Memória; Museologia; Museologia Social; Estudos Decoloniais;


Museologia Decolonial e Políticas Públicas.

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ABSTRACT

This study presents the trajectory of Points of Memory Program since its launch year
in 2008 to the present day. The purpose of this thesis is to analyze the documents from the
Technical Cooperation between the Brazilian Institute of Museums, a Ministry of Culture’s
autarchy, the Organization of Ibero-American States and the Ministry of Justice, with the
intention of encouraging museum processes in popular communities located in 12 Brazilian
capitals considered violent by the National Program of Security with Citizenship (Pronasci, in
Portuguese abbreviation).
In order to discuss the accumulations, difficulties and potency of this Program for the
museums and Museology field, we propose to analyze aspects related to the political, poetic
and pedagogical dimension of Points of Memory, especially the Decolonial suppositions that
are fruit of the studies from the Modernity/Coloniality group.
This Program, with a focus on the role of museums and Museology in society,
accumulates advances in the consolidation of Social Museology in Brazil, result of a National
Museum Policy that is strengthened towards social policies that are dedicated to guarantee
the Right to Memory and the dignity of historically excluded groups and communities in the
social and cultural spheres. We understand this program as an insurgent and decolonizing
action of museological thought and practice.

Keywords: Points of Memory; Museology; Social Museology; Decolonial Studies; Decolonial


Museology and Public Policies.

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ABREVIATURAS E SIGLAS

ABM Associação Brasileira de Museologia


Abrenc Associação Brasileira de Ecomuseus e Museus Comunitários
Annad Advogados Afro-Descendentes
ATPS Analista Técnica de Políticas Sociais
Bisu Base de Inserção Social
Caic Centro de Atenção Integral à Criança
Capes Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior
CDVHS Centro de Defesa da Vida Herbert de Souza
Cencrem Centro Nacional de Conservación, Restauración y Museologia
Cogepaco Comissão Provisória de Gestão Compartilhada/Participativa do Programa
Pontos de Memória
Comuse Museologia Social e Educação
CSIC Consejo Superior de Investigaciones Científicas
DDFEM Departamento de Difusão, Fomento e Economia dos Museus
Demu Departamento de Museus e Centros Culturais
DPMUS Departamento de Processos Museais
DRP Diagnóstico Rápido Participativo
Fatidam Faculdade de Filosofia Dom Aureliano Matos
FCI Faculdade de Ciência da Informação
FEC Fundo Estadual da Cultura
Ibram Instituto Brasileiro de Museus
Icom Conselho Internacional de Museus
IcomBR Conselho Internacional de Museus no Brasil
Iesb Instituto de Educação Superior de Brasília
Imopec Instituto da Memória do Povo Cearense
INRC Inventário Nacional de Referências Culturais
IFB Instituto Federal de Brasília
IP Inventário Participativo
IPDAE Instituto Popular de Arte e Educação
Iphan Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional
IVS Índice de Vulnerabilidade Social
Lemto Laboratório de Estudos de Movimentos Sociais e Territorialidades
MDS Ministério do Desenvolvimento Social
Mece Movimento de Educação e Cultura da Estrutural
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MinC Ministério da Cultura


Minom Movimento Internacional por uma Nova Museologia
MJ Ministério da Justiça
MPEG Museu Paraense Emílio Goeldi
MS Ministério da Saúde
MUF Museu da Favela
Mupe Museu da Periferia
OEI Organização dos Estados Ibero-americanos
ONG Organização Não Governamental
PA Plano de Ação
PAC Programa de Aceleração do Crescimento
PD Produto de Difusão
PDE Partido das Divas Empoderadas
PMSP Polícia Militar de São Paulo
PMTF Ponto de Memória Terra Firme
PNM Política Nacional de Museus
Prodoc Documento de Projeto
Pronasci Programa Nacional de Segurança com Cidadania
PUC-RJ Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro
PUC-RS Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul
Remus-RJ Rede de Museologia Social do Rio de Janeiro
SAI Secretaria de Articulação Institucional
SCDC Secretaria da Cidadania e da Diversidade Cultural
SEC Secretaria de Estado de Cultura do Rio de Janeiro
Secult-CE Secretaria da Cultura do Estado do Ceará
Secult-ES Secretaria da Cultura do Estado do Espírito Santo
Seduc-CE Secretaria de Educação do Estado do Ceará
Sefic Secretaria de Fomento e Incentivo à Cultura
TOR Termo de Referência
UECE Universidade Estadual do Ceará
UEMG Universidade do Estado de Minas Gerais
UERJ Universidade Estadual do Rio de Janeiro
UFBA Universidade Federal da Bahia
UFC Universidade Federal do Ceará
UFF Universidade Federal Fluminense

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UFG Universidade Federal de Goiás


UFPE Universidade Federal de Pernambuco
UFRA Universidade Rural da Amazônia
UFRGS Universidade Federal do Rio Grande do Sul
UFRJ Universidade Federal do Rio de Janeiro
UHLT Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias
UnB Universidade de Brasília
Uneb Universidade do Estado da Bahia
Unesco Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura
Unimontes Universidade Estadual de Montes Claros
UNIR Universidade Federal de Rondônia
Unirio Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro
UVA Universidade Vale do Acaraú
Zeis Zonas Especiais de Interesse Social

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ÍNDICE GERAL

RESUMO.......................................................................................... 8
ABSTRACT ...................................................................................... 9
ABREVIATURAS E SIGLAS ......................................................... 10
ÍNDICE DE IMAGENS.................................................................... 16
ÍNDICE DE QUADROS .................................................................. 18
ÍNDICE DE TABELAS .................................................................... 19
ÍNDICE DE ESQUEMAS ................................................................ 20
ÍNDICE DE MAPAS ........................................................................ 21
INTRODUÇÃO ............................................................................... 22
Procedimentos metodológicos ............................................................ 31
As fontes................................................................................................. 39
CAPÍTULO 1 – PONTOS DE INFLEXÃO ...................................... 55
1.1 Abordagem conceitual .................................................................... 56
1.1.1 Um olhar feminino sobre o papel social dos museus .......................... 56
1.1.2 Museologia, Nova Museologia e Museologia Social: interfaces e
conjuntura ........................................................................................................ 71
1.1.3 Teoria Decolonial .................................................................................... 80
1.1.4 Decolonização do pensamento museal e museológico ....................... 83
1.1.5 Museologia das ausências e das emergências .................................... 93

CAPÍTULO 2 – PONTOS DE OBSERVAÇÃO ............................. 101


2.1 O “do-in” museológico: o Programa Pontos de Memória em
movimento ............................................................................................ 102
2.1.1 Primavera Cultural: Políticas Públicas de Cultura ............................. 103
2.1.2 Primavera Museal: Política Nacional de Museus ................................ 106
2.1.3 Política pública de Direito à Memória: o Programa Pontos de
Memória.......................................................................................................... 110
2.1.3.1 Os Pontos antes dos Pontos....................................................... 110
2.1.3.2 As parcerias Pronasci e Prodoc .................................................. 113

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2.1.3.3 Os territórios indicados ............................................................... 122


2.1.3.4 A metodologia do Programa ........................................................ 128
2.1.3.5 As Teias da Memória................................................................... 135
2.1.3.6 Os editais, as Redes de Museologia Social e o processo de
institucionalização .................................................................................. 140

CAPÍTULO 3 – OS PONTOS DE MEMÓRIA ............................... 147


3.1 Os Pontos de Memória em movimento ....................................... 148
3.1.1 Museu de Favela: o ponto inaugural ................................................... 148
3.1.2 Ponto de Memória Museu do Beiru ..................................................... 155
3.1.3 Ponto de Memória Museu Cultura Periférica – Jacintinho ................. 160
3.1.4 Ponto de Memória Estrutural ............................................................... 163
3.1.5 Ponto de Memória de Terra Firme ....................................................... 167
3.1.6 Ponto de Memória Museu Mangue do Coque ..................................... 170
3.1.7 Museu Lomba do Pinheiro ................................................................... 173
3.1.8 Ponto de Memória Museu de Periferia – Sítio Cercado ...................... 175
3.1.9 Ponto de Memória Brasilândia ............................................................. 178
3.1.10 Ponto de Memória Museu do Taquaril ............................................... 181
3.1.11 Ponto de Memória Grande São Pedro ............................................... 185
3.1.12 Ponto de Memória Grande Bom Jardim ............................................ 187

CAPÍTULO 4 – PONTOS DE ANÁLISE....................................... 190


4.1 As dimensões política, poética e pedagógica do Programa
Pontos de Memória .............................................................................. 191
4.1.1 Dimensão política ................................................................................. 191
4.1.2 Dimensão pedagógica .......................................................................... 209
4.1.3 Dimensão poética ................................................................................. 226
4.1.3.1 Grande Bom Jardim .................................................................... 244
4.1.3.2 Jacintinho ................................................................................... 246
4.1.3.3 Beiru ........................................................................................... 250
4.1.3.4 Grande São Pedro ...................................................................... 251
4.1.3.5 Taquaril ....................................................................................... 252

PONTOS DE (IN)CONCLUSÃO .................................................. 256


Ponto 1 .................................................................................................. 257
Ponto 2 .................................................................................................. 258

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Ponto 3 .................................................................................................. 258


Ponto 4 .................................................................................................. 259
Ponto 5 .................................................................................................. 261
Ponto 6 .................................................................................................. 262
Ponto 7 .................................................................................................. 263
BIBLIOGRAFIA ........................................................................... 267
Fontes primárias consultadas .................................................................... 279

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ÍNDICE DE IMAGENS

Imagem 1 – Programação da III Teia da Memória no Museu da Maré ............................... 137


Imagem 2 – Exposição “Mulheres Guerreiras”, do Museu de Favela ................................. 148
Imagem 3 – Mãe Clarice Santiago Santos ......................................................................... 155
Imagem 4 – Reunião de moradores para apresentação da proposta do Museu do Beiru .. 158
Imagem 5 – Símbolo do Ponto de Memória do Beiru ......................................................... 159
Imagem 6 – Feirinha do Jacintinho .................................................................................... 160
Imagem 7 – Abadia Teixeira de Jesus ................................................................................ 163
Imagem 8 – Helena Quadros e Francisca Rosa, a Dona Chiquinha, conselheiras do Ponto
de Memória da Terra Firme ................................................................................................ 167
Imagem 9 – Vanessa Francisca da Silva, integrante do Ponto de Memória Museu Mangue do
Coque e Cristiane Carla Santos (Papion), liderança indígena............................................ 170
Imagem 10 – Desenvolvedoras da Teia da Memória em Salvador ..................................... 173
Imagem 11 – Dona Deuzita ................................................................................................ 175
Imagem 12 – Intercâmbio de histórias para os moradores do bairro Sítio Cercado............ 176
Imagem 13 – Pôster da exposição do Ponto de Memória da Brasilândia ........................... 178
Imagem 14 – Élcio Aparecido de Souza Brasilândia (in memoriam) e Viviane Rodrigues
(Ponto de Memória Jacintinho, Museu de Periferia) ........................................................... 180
Imagem 15 – Leila Regina da Silva, integrante e articuladora do Ponto de Memória Museu
do Taquaril ......................................................................................................................... 180
Imagem 16 – Dona Leni Gaudêncio da Silva ..................................................................... 185
Imagem 17 – Maria Iolanda Silva Lima, mais conhecida como Dona Iolanda, conselheira do
Ponto de Memória Grande Bom Jardim ............................................................................. 187
Imagem 18 – Participantes da oficina “Planejamento e Montagem de Exposição para
Museus Comunitários” ....................................................................................................... 231
Imagem 19 – Pipa confeccionada pela comunidade em exposição na Casa dos
Movimentos ....................................................................................................................... 232
Imagem 20 – Oficina prática de montagem da exposição “Movimentos da Estrutural: Luta,
Resistência e Conquistas” ................................................................................................. 233
Imagem 21 – Pipa em processo de higienização ............................................................... 235
Imagem 22 – Oficina de expografia realizada por Marcelo Vieira....................................... 240
Imagem 23 – Objetos apresentados na exposição “Memórias e Sonhos do Sítio Cercado”,
com legenda de Lavínia Cavalcanti ................................................................................... 240
Imagem 24 – Exposição do Museu Comunitário Lomba do Pinheiro ................................. 242

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Imagem 25 – Mapa-catálogo da exposição (frente) ........................................................... 243


Imagem 26 – Mapa-catálogo da exposição (verso) ............................................................ 243
Imagem 27 – Exposição “Jardins das Memórias”............................................................... 246
Imagem 28 – Exposição itinerante “Memórias que o vento não levou” – 1......................... 247
Imagem 29 – Exposição itinerante “Memórias que o vento não levou” – 2......................... 247
Imagem 30 – Exposição itinerante “Memórias que o vento não levou” – 3......................... 248
Imagem 31 – Exposição do Museu Mangue do Coque ...................................................... 249
Imagem 32 – Marcha do Beiru ........................................................................................... 251
Imagem 33 – Lançamento da exposição no Museu do Pescador “Manoel dos Passos
Lyrio”.................................................................................................................................. 251
Imagem 34 – Exposição e exibição de vídeos – bairro Resistência ................................... 252
Imagem 35 – Exposição “Fios de memória: tecendo os primeiros passos” ........................ 254

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ÍNDICE DE QUADROS

Quadro 1 – Cronograma de atuação das consultorias (junho de 2009 a julho de 2013) ...... 53
Quadro 2 – Relatório de localidades do Pronasci – parte 1................................................ 127
Quadro 3 – Relatório de localidades do Pronasci – parte 2................................................ 127
Quadro 4 – Relatório de localidades do Pronasci – parte 3................................................ 127

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ÍNDICE DE TABELAS

Tabela 1 – Fases do Programa Pontos de Memória ............................................................ 54

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ÍNDICE DE ESQUEMAS

Esquema 1 – Estrutura metodológica do Programa Pontos de Memória ........................... 135

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os Pontos de Memória e a insurgência do fazer museal

ÍNDICE DE MAPAS

Mapa 1 – Pontos de Memória (12 experiências) ................................................................ 128

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INTRODUÇÃO

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Em fevereiro de 2008 foi lançado na cidade do Rio de Janeiro, especificamente no


território do Museu de Favela, o Programa Pontos de Memória. Desenvolvido pelo
Departamento de Museus e Centros Culturais do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico
Nacional (Demu/Iphan), é reflexo de uma conjuntura política nacional que estimula a criação
e a participação popular no cenário museal brasileiro.
Realizado como proposta-piloto em 12 comunidades brasileiras, tal iniciativa
acumulou diversas práticas museais que precisam ser conhecidas ou até melhor
sistematizadas. O Programa teve início nos seguintes territórios: Beiru (Salvador, BA),
Brasilândia (São Paulo, SP), Coque (Recife, PE), Estrutural (Brasília, DF), Grande Bom
Jardim (Fortaleza, CE), Jacintinho (Maceió, AL), Lomba do Pinheiro (Porto Alegre, RS),
Cantagalo-Pavão-Pavãozinho (Rio de Janeiro, RJ), Terra Firme (Belém, PA), São Pedro
(Vitória, ES), Sítio Cercado (Curitiba, PR) e comunidade do Taquaril (Belo Horizonte, MG).
O Programa, desde a criação, suscita muitos questionamentos, e sua trajetória
ainda não foi devidamente traçada; logo, muitas realizações ainda precisam ser discutidas.
Avanços e acúmulos podem contribuir com as reflexões em torno da Museologia,
especialmente fortalecendo o campo da Museologia Social ou Sociomuseologia,
compreendidas, neste trabalho, como sinônimas.
Dessa forma, pretendemos responder questões como: Quais são os objetivos,
metas e acúmulos do Programa Pontos de Memória ao longo dos 10 anos de atuação? O
que significa, para o campo dos museus e da Museologia, observar o desenvolvimento
desse Programa? Quais as bases conceituais que dão respaldo a essa ação? Como a
Museologia Social se fortalece a partir de iniciativas como as do Programa Pontos de
Memória? Quais questões metodológicas e conceituais podem ser identificadas durante a
trajetória do Programa e que representam retrocessos, problemas estruturais a partir das
articulações entre poder público e sociedade civil no trato com a memória e os museus?
Como podemos compreender a Museologia Decolonial e quais as contribuições que ela
pode oferecer para o campo da Museologia Social?
Nesse contexto, o Programa Pontos de Memória se articula com outras iniciativas
do Governo Federal, e sua execução faz parte das políticas públicas de cultura que
inauguram uma nova forma de pensar o comunitário, o popular e o participativo no âmbito
dos museus. Essa experimentação reverbera e incentiva inúmeras outras por meio da
Política Pública de Direito à Memória, com ápice nas premiações dos editais Pontos de
Memória – a promoção de articulações com outros museus e demais políticas nacionais
contribui com o campo da Museologia Social. Diante disso, questiona-se: Quais
comunidades populares são incentivadas pelo Programa? Como se dá a aproximação com

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os grupos populares? Como os apoios e as discussões são definidos em âmbito local?


Como a metodologia é desenvolvida e sob quais influências é pensada? Juntamente a
essas questões podemos perceber, por meio da análise das dimensões políticas, poéticas e
pedagógicas, como os Pontos de Memória se relacionam com o campo dos museus e como
é possível, a partir da observação dessa prática, traduzir seus pressupostos e contribuir com
as reflexões sobre o campo da Museologia Social, articulada às ideias teóricas dos
intelectuais decolonizadores.
Os processos museais do Programa Pontos de Memória são desenvolvidos em
comunidades consideradas violentas pela mídia, o que reforça a situação de fragilidade e
abandono com que são tratadas as questões sociais dessas regiões. Sujeitos que vivem nas
comunidades escolhidas para fazer parte do Programa convivem com o descaso e as
questões de subalternização cotidianamente. Excluídos das políticas públicas dedicadas à
melhoria da qualidade de vida dos cidadãos da cidade, precisam exigir, por meio de lutas e
resistências atenção mínima para suas necessidades.
Assim, nesses territórios subalternizados e invisibilizados, são necessários
trabalhos que permitam ampliar o alcance das discussões acerca do empoderamento e o
fomento de discursos críticos, algo bastante reivindicado por grupos que acreditam na
movimentação a partir dos coletivos organizados política e socialmente em território. A partir
desse contexto instaurado em muitas comunidades, o Programa proporciona mais
elementos para que tais grupos desempenhem ações voltadas à cidadania e ao
fortalecimento da cultura e da memória local. No entanto, é importante perceber que as
relações entre as comunidades e o Poder Público não devem descartar a dimensão crítica,
pois sabemos que, historicamente, o controle, o domínio e a subjugação do Estado sobre as
camadas populares são sentidos com frequência pelos coletivos e moradores dos territórios.
Sendo assim, o desafio desta tese também coaduna com o entendimento de que essa
relação é conflituosa, e o papel do Estado como mediador deve apresentar uma
problematização, pois é oportuno perceber que ele propõe e, ao mesmo tempo, regula
questões diversas. É necessário verificar, ainda, se há a intenção de instrumentalizar a
memória em benefício de algum discurso ideológico a ser destacado.
Quando nos propomos a compreender essa experiência, nos aproximamos de uma
construção teórica que pretende refletir sobre as especificidades do que chamaremos de
Museologia Decolonial. Esta, por sua vez, visa instrumentalizar o fazer e o pensar do campo
da Museologia Social por meio da práxis (Gramsci, 1987), para transformar as estruturas
sociais em perspectiva decolonizadora, insurgente e transgressora da prática museal e
museológica hegemônica.

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É evidente que, desde a criação, o Programa tem acumulado inúmeras conquistas,


enfrentado desafios e contribuído com o campo da Museologia no Brasil. Com atuação
dedicada à propositura de uma Política de Direito à Memória, ele exercita os pressupostos
da Museologia Social a partir de um discurso articulado com os movimentos sociais e grupos
socialmente excluídos em territórios considerados violentos. Ao longo de 10 anos,
demonstra inúmeras possibilidades de atuação, considerando o diálogo e a parceria entre o
poder público e a sociedade civil no desenvolvimento de propostas e narrativas que
valorizam as memórias subalternizadas. Para os moradores das comunidades que
aceitaram o desafio de elaborar processos museais e aqueles que já trabalhavam nessa
perspectiva, a oportunidade de recriar vínculos locais por meio da memória das resistências,
lutas e identidades presentes no território foi um estímulo para os movimentos que
vislumbravam ações concretas de melhorias nas condições de vida dos moradores. A
memória e os processos museais passam a ser vistos como ferramentas para o alcance da
transformação social almejada por todos.
Com origem na Política Nacional de Museus (PNM), o Programa representa um
avanço considerável para esse âmbito, sobretudo por experimentar em comunidades
brasileiras novas formas de musealização dos territórios e seus patrimônios. Nesse
entremeio se destaca a prática inovadora de estabelecer vínculos com os movimentos
sociais por intermédio do Demu/Iphan, posteriormente Instituto Brasileiro de Museus
(Ibram), que investe na ampliação do conceito de Museologia Social, sendo um instrumento
essencial para o empoderamento de territórios e sujeitos historicamente expropriados de
seus direitos de narrar, expor e ressignificar suas memórias a partir de novas narrativas e
contextos de luta e resistência em primeira pessoa.
Ao ter forte inspiração nas Políticas Públicas de Cultura implementadas durante os
governos do presidente Luís Inácio Lula da Silva, o Programa ganha projeção por se
conectar em bases ideológicas do Programa Pontos de Cultura. Essas experiências são alvo
de inúmeros trabalhos que observam sua trajetória e relevância para o cenário de cultura
nacional. Diante de inovações, desafios e compromisso com processos participativos e
democráticos, reflexões podem ser feitas com o intuito de contribuir com o campo das
Políticas Públicas no Brasil. Para esta tese, nos debruçamos sobre o impacto gerado pelos
Pontos de Memória para a Museologia nesse país, com destaque para as reflexões acerca
da Museologia Social.
Compreendemos os Pontos de Memória como um projeto de Estado que se propôs
a estabelecer novos vínculos com os movimentos sociais, investindo no fortalecimento das
identidades associadas às comunidades populares, além de incentivar aspectos

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participativos e solidários de gestão. Diante da necessidade de compreender como esse


Programa nasce e se fortalece nos anos iniciais, neste estudo empreendemos a tarefa de
investigar a trajetória do Programa desde sua criação; contextualizar o surgimento e a
implantação em cada uma das 12 comunidades brasileiras escolhidas; identificar os
processos museais realizados por esses grupos; e destacar limites, necessidades, desafios
e avanços acumulados durante as etapas iniciais, especialmente a fase considerada piloto.
Analisar essa trajetória nos permite tecer considerações sobre o cenário da Museologia
Social no Brasil, estreitamente atrelada a Políticas Públicas como principal vetor de
desenvolvimento, assim como verificar como tais experiências podem ser vistas como
práticas decolonizadoras.
Convém salientar os pressupostos teóricos que deram origem a essa prática e os
conceitos que a tangenciam na construção e gestão conjunta de experiências de memória.
Chamamos atenção para os desafios de uma proposta que intente no distanciamento da
ideia de que uma prática vinculada ao Estado é “reguladora”, com a intenção de demonstrar
os conflitos vividos por ambas as partes na constituição dessa experiência.
Segundo os estudos de teóricos decoloniais, é possível investir em aproximações
teóricas com o campo da Museologia, sobretudo no âmbito dessa experiência que pode ser
considerada um fazer museal decolonizador. Com o intuito de provocar reflexões acerca da
democratização da memória em seus aspectos mais sensíveis – como aqueles relacionados
à instrumentalização política da memória, descaracterizando as ações locais conflitivas e
contraditórias –, pretende-se analisar o Programa Pontos de Memória a partir das lógicas
existentes nas pesquisas da Modernidade/Colonialidade, deslocando o pensamento museal
pautado por práticas que reafirmam um processo colonizador para um campo que
experimenta a ação museal conforme práticas insurgentes e provocadoras. Destacamos os
limites do deslocamento e as armadilhas advindas desse contexto de sistematizações e
ordenamentos; todavia, se deve problematizar as novas práticas e formas de compreender
os processos museais, com vistas à formulação de conceitos e metodologias que auxiliem a
formação teórica e prática do campo da Museologia Social.
No desenrolar do Programa, é possível perceber a grande quantidade de novas
informações e processos que surgem da relação estabelecida entre Estado e sociedade, no
que se refere ao trato com a memória e aos usos políticos a partir dela. Diante disso,
pergunta-se: O Estado pode ser visto como “mediador” das relações? Quais os limites do
processo? Em que medida é possível perceber uma neutralidade ideológica dos gestores do
Programa? Há neutralidade ideológica? O Programa se preocupa com essas questões? Em

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que medida os Pontos de Memória, museus (comunitários, sociais etc.) se relacionam com a
intervenção do Estado?
De fato, os acréscimos conceituais e metodológicos a serem observados nessa
experiência impulsionam um cenário mais complexo para o campo dos museus. Surgem
novos problemas para essa área e novas oportunidades de compreensão dos processos
estabelecidos entre atores sociais diferentes e como eles se apropriam de tal campo,
revendo a trajetória deste e as formas de relacionamento entre os museus, o acervo
museológico e o papel do museu na sociedade. Essa experiência nos permite perceber
claramente as amarras chamadas pelos autores decoloniais de colonialidade do poder, do
saber do ser, impostas pela sociedade que funciona conforme uma visão colonizadora e
socialmente discriminatória. Consideramos que os Pontos de Memória, estimulados pela
PNM e os pressupostos da Museologia Social, permitem uma reflexão acerca da
necessidade da de(s)colonização do pensamento museal brasileiro, contribuindo com a
reflexão acerca do surgimento de práticas museais e museológicas insurgentes e
de(s)colonizadoras.
Com o escopo de problematizar tais questões, propomos a divisão deste trabalho
em quatro partes, interligadas por pontos estratégicos que nos auxiliam a percorrer a
narrativa. A primeira parte, vista como o ponto de partida, pretende compreender as fontes
de inspiração conceitual do Programa. Para isso, convidamos quatro autoras que, em
diferentes contextos e pensamentos, contribuíram para a formação do campo da Museologia
Social – Marta Arjona Pérez, Waldisa Rússio Camargo Guarnieri, Maria Célia Teixeira Moura
Santos e Myrian Arroyo – e realizam, em suas trajetórias profissionais, reflexões que
consideramos importantes e que ajudam a compreender a necessidade de uma
aproximação maior com as questões sociais, recolocando as discussões acerca do papel
dos museus diante da sociedade.
Escolhemos as mulheres para demonstrar a riqueza do pensamento delas para o
campo dos museus e da Museologia. Reforçar as contribuições femininas na constituição do
campo da Museologia Social reforça um dos princípios relacionados a essa área de
atuação, pautado pelo fortalecimento da presença feminina no pensamento museal e os
aportes dados à discussão sobre os museus sociais. A partir disso, exercitamos o
pensamento decolonial.
As autoras desenvolvem suas reflexões segundo contextos e tempos distintos, o
que nos permite observar uma sintonia nos trabalhos executados e influência nas formas de
pensamento. Maria Célia Santos tem a oportunidade de transitar e promover intercâmbios
com Waldisa Rússio e Miriam Arroyo, corroborando com a ênfase dada ao diálogo acerca

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das práticas museais comprometidas com as questões sociais. Já Waldisa conhecia o


trabalho de Marta Arjona que, provavelmente, poderia tê-la inspirado.
Veremos, por exemplo, que Marta Arjona Pérez propõe um grande desafio ao
(re)colocar diretamente questões mais urgentes, em se tratando do compromisso dos
museus com os dilemas da sociedade. Seu intuito é sacudir os pré-conceitos em
perspectiva problematizadora ao impelir alguns grupos, responsáveis por pensar os museus,
que saiam da zona de conforto, especialmente aqueles que se referem a estes e à
Museologia de forma retórica como algo “social” por natureza.
Daremos ênfase às ideias de Waldisa Rússio Camargo Guarnieri, que enriquece o
debate ao jogar luz sobre a natureza científica da Museologia. Com ampla discussão sobre
aspectos atinentes ao fato museal e ao objeto do estudo da disciplina, ela reflete sobre a
relação entre homem e objeto em um espaço visto como alvo da atenção acadêmica e
científica da Museologia. Waldisa contribui para ampliar o alcance da percepção que articula
a sociedade como um novo campo de estudos da Museologia, atrelando a isso o papel dos
museus em sociedade, o que diminui a ênfase dada aos estudos centrados nos objetos e
nas instituições.
Maria Célia, em seus textos, chama atenção para as relações estabelecidas a partir
da Museologia em parceria com a educação, o que enriquece ainda mais o debate e as
oportunidades de entendimento sobre o papel e a dimensão social dos museus. Tal conexão
é exercitada em suas práticas museais, o que a torna parte importante desse conjunto de
mulheres que se dedicam ao campo social dos museus – suas considerações trazem a
educação como um elemento fundamental para o arcabouço teórico da Museologia Social.
Concluímos o trajeto dessas autoras indicando as contribuições de Mirian Arroyo,
especialmente sua atuação para constituir a área dos museus comunitários no México como
elemento também aglutinador dos pressupostos que conferem legitimidade ao pensamento
da Museologia Social. Juntas, elas, seus pensamentos e suas práticas reforçam aspectos
relevantes que, ao longo do tempo, inspiram o fortalecimento de processos museais,
ampliando a capacidade de atuação e de reflexão em torno da Museologia Social como
campo de conhecimentos da Museologia.
Ainda no primeiro capítulo da tese, propomos um ponto de inflexão a partir do qual
abordaremos os estudos decoloniais, especialmente os oriundos das reflexões do grupo
Colonialidade/Modernidade, que aborda conceitos que nos ajudam a compreender e a
adotar novas possibilidades teóricas para o campo da Museologia Social. Consideramos que
definições como colonialidade e suas formas de expressão em uma sociedade colonizadora
podem ser enfrentadas com práticas que possibilitem novas abordagens conforme iniciativas

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de(s)colonizadoras; por isso o trabalho de compreensão dos Pontos de Memória e a


atuação do Ibram nessa empreitada. A Museologia Social ganha fôlego ao dialogar com as
teorias decoloniais – neste trabalho, não pretendemos avançar em profundidade nesses
estudos, mas centramos esforços em abrir oportunidades de entendimento a respeito das
aproximações necessárias, por afinidade conceitual e prática. Ao incentivar processos
museais insurgentes, indicamos a ampliação dos debates instaurados pelo campo dos
museus e da Museologia, identificamos outros atores como protagonistas de suas histórias,
observamos as formas com que lidam com as memórias e o território, além de verificarmos
como encaram noções de acervos, patrimônios, processos de musealização e outros
aspectos relacionados com os museus e a Museologia em um contexto museal revisitado.
As oportunidades criadas para enfrentar as dificuldades estruturais causadas pelo processo
colonizador corroboram as ações decolonizadoras do pensamento ocidental,
especificamente o museal – isso se torna imperativo diante de várias experiências de fôlego
que se espalham pelo país. É necessário reconhecê-las e entendê-las, pois fazem parte de
um novo cenário pautado pelos pressupostos do que chamamos de Museologia Decolonial,
por considerar as práticas decolonizadoras um caminho de um novo tipo já bastante
exercitado e que amplia e consolida o universo de possibilidades epistêmicas da Museologia
Social.
No segundo capítulo do trabalho, pretendemos desenvolver pontos de observação
dedicados ao Programa Pontos de Memória, destacando sua trajetória desde a configuração
das políticas públicas de cultura, passando pelo estabelecimento da PNM até a política
pública de Direito à Memória. Há congruências entre essa proposta, a dos Pontos de Cultura
e a inspiração segundo a atuação do Museu da Maré, inaugurado como Ponto de Cultura.
Nesse contexto encontramos elementos que inspiraram esta proposta no âmbito
das instituições públicas dedicadas ao patrimônio cultural material e imaterial e,
posteriormente, a instituição que seria responsável pelos museus. O surgimento do
Programa em âmbito nacional, apoiado e incentivado pelo Estado e por órgãos
controladores voltados a pensar políticas regulatórias, desperta a atenção do campo
museológico que, por sua vez, se posiciona mais criticamente diante disso, o que contribui
para a ampliação dos debates sobre as práticas no âmbito da academia e as iniciativas de
museus e processos museais.
Para percorrer os anos de atuação do Programa, identificamos aspectos relativos à
sua trajetória desde as tratativas iniciais, antes mesmo de o Programa ser executado, os
procedimentos escolhidos para incentivar práticas em comunidades junto a movimentos
sociais em ação, as etapas metodológicas (e como foram definidas), as localidades

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escolhidas, as Teias da Memória, as redes, os editais e, por fim, o processo de


institucionalização. Isso é destacado para compreendermos as diferentes fases do
Programa e os respectivos desafios de realização.
Já no terceiro capítulo da tese detalhamos cada um dos Pontos de Memória, em
que se sobressaem questões sociais locais, enfrentamentos, dificuldades encontradas para
o desenvolvimento das ações, desdobramento da prática para as relações internas em cada
território, diálogo com o Ibram, autonomia das decisões (com destaque para as trajetórias
modificadas por meio das ações), acúmulos e retrocessos, desafios de continuidade e
sustentabilidade, além das articulações desenvolvidas por meio das práticas de cada
iniciativa. Os Pontos de Memória são visitados para verificarmos se as metodologias
planejadas tiveram efeito e os acúmulos para o campo dos museus que podemos extrair
dessas experiências.
Por seu turno, o quarto capítulo da tese propõe reflexões sobre as dimensões
política, poética e pedagógica dos Pontos de Memória e como elas se apresentam e estão
interligadas no fazer diário das experiências, nas tomadas de decisão, nas articulações e
nos posicionamentos críticos adotados pelos Pontos. Pretende-se fornecer subsídios sobre
os Pontos de Memória, para que estes possam ser compreendidos em suas práticas
museais.
A esfera política tem, como um de seus aspectos mais representativos, o
desenvolvimento dos conselhos gestores, as articulações com as instituições, além dos
editais de fomento. Com inspiração nas concepções de Paulo Freire, no que tange à
dimensão política da escola e à educação, podemos pensar a relação entre os processos
museais e o poder público como parte de uma contra-hegemonia que permite articular
temas da educação e da política de forma mais ampla. Aqui se considera que a estratégia
dos conselhos gestores ou instâncias consultivas e deliberativas para garantir autonomia e
referendar as práticas colaborativas no âmbito dos Pontos de Memória contribui para o
fortalecimento da democracia, a partir da dimensão política da Museologia Social.
Nesse ínterim, a dimensão pedagógica presente no Programa Pontos de Memória
considera a prática educacional uma ferramenta que provoca formas de aprendizagens –
como diz Walsh (2014, p. 30), “(...) desaprendizajes y reaprendizajes desprendimientos y
nuevos enganchamientos”. A partir da experimentação de processos museais que tenham
como horizonte iniciativas pedagógicas desafiadoras da lógica normatizadora, capitalista,
patriarcal, racista e homofóbica, atreladas às colonialidades do poder, saber e ser,
contribuímos com a construção de caminhos que nos levam a pensar e sentir a perspectiva
decolonial.

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Enquanto isso, a dimensão poética assume um papel aglutinador que perpassa as


esferas propostas, sendo entendida como aquilo que transcende a produção de significados
que inova e produz criações a partir da comunicação. A dimensão é poética porque é plural:
“Poética porque é uma narrativa que liberta os significados contidos nas formas, através de
sua verbalização e ritualização; e teórica porque ao mesmo tempo em que situa um discurso
num espaço e num tempo contextual a recria através da releitura da experiência social
significativa” (Leite, 2012, p. 17).
Importante ressaltar que trabalhamos a abordagem conceitual das dimensões
políticas, poéticas e pedagógicas, intrinsecamente articuladas aos processos
decolonizadores do pensamento museal, a partir do enfrentamento das colonialidades do
saber, ser e poder produzidas pela sociedade. Desse modo, ampliamos as possibilidades de
análise epistêmica do campo museológico e museal, ressaltando que as práticas
decolonizadoras não devem estar restritas apenas a um desafio de construção ideológica,
como também conectadas a um projeto que pode ser efetivamente debatido e
experimentado, o que indica avanços e esperança contra a produção de subalternidades e
invisibilidades sociais.
A título de (in)conclusão, são destacados sete pontos importantes para identificar as
potências e as convergências do Programa, com vistas a ressaltar as possibilidades geradas
visando ao futuro da experiência a partir dos 10 anos de execução. Há, de fato, avanços e
acúmulos para o fortalecimento do Programa enquanto política pública geradora, em que as
bases firmadas em direção à constituição de redes de compartilhamento de ideias e
propostas, além da institucionalização no âmbito do Ibram, são primordiais para uma análise
mais completa da experiência e que pode ser considerada fonte de inúmeras possibilidades
interpretativas para o campo dos museus e da Museologia Social.

Procedimentos metodológicos

A investigação que aqui se oferece à crítica acadêmica se sustenta, do ponto de


vista metodológico, em propostas e sugestões que afirmam a importância do pesquisador,
de sua habilidade e perspicácia na elaboração de caminhos, trajetos, avanços, recuos, rotas
e linhas de fuga para o bom desenvolvimento do estudo. Nesse sentido, estamos
conscientes de que os instrumentos, procedimentos e técnicas escolhidos para a realização
de um trabalho de investigação são, em boa medida, determinantes.
No caso da investigação científica que ora se submete à análise do júri acadêmico
da Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias (ULHT), é importante registrar

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que, metodologicamente, a pesquisadora se concentrou na análise dos documentos


produzidos pelo Programa Pontos de Memória durante os anos de 2008 e 2016. De modo
especial, foram examinados os produtos elaborados por profissionais contratados pelo Ibram
para a execução do Programa Pontos de Memória, por intermédio da Organização dos
Estados Ibero-americanos (OEI)1, denominados como consultores2 – os resultados de seus
trabalhos são chamados de produtos e são parte fundamental de nossas análises. Vale
ressaltar que a produção bibliográfica envolvendo teses, dissertações, monografias e artigos
acadêmicos, além de depoimentos pessoais e entrevistas, constituiu excelente material de
pesquisa.
A partir de métodos e procedimentos definidos, a presente tese compreende que a
pesquisa no campo das ciências sociais e humanas envolve uma atitude investigativa a
partir de métodos e procedimentos considerados científicos, sendo capaz de gerar saberes,
conhecimentos originais e aprendizagens sobre a realidade. É importante ressaltar que, em
nossa perspectiva, a realidade é dialética, e o pensamento científico, uma das formas de
apreendê-la, também possui essa característica (Chizzotti, 1991, 2003). Além da ciência,
outras formas de apreender, lidar e transcender a realidade passam pela arte, religião e
filosofia, assim como pelas dimensões poética, política e pedagógica de cada um desses
campos.
Inúmeras discussões e textos foram (e continuam sendo) escritos para esclarecer o
método nas ciências sociais e sua relevância no contexto acadêmico. As contribuições de
Menga Lüdke (1986) e Michel Thiollent (1988), com base nas ideias de pesquisa-ação, são
bons exemplos. Uma das abordagens utilizadas para este estudo encontra respaldo nas
relações entre conhecimento e ação na pesquisa em ciências sociais e como estas se
articulam, na medida em que a produção do conhecimento sobre o fenômeno existe em
função de uma demanda social. Como diz Thiollent (1998): “(...) temos que fazer isso ou
aquilo para alterar a situação (...)” (p. 40).
A rigor, as pesquisas procuram conhecer para conservar ou transformar, seja no
âmbito do meio ambiente, das subjetividades ou das coletividades. Conservar e transformar,
no entanto, são ações que podem ser autoritárias, democráticas, participativas, respeitosas
(ou não), em se tratando dos interesses da comunidade onde se desenvolvem. Estudos

1 A OEI é um organismo internacional de caráter governamental que atua na cooperação entre os países no
campo da educação, ciência, tecnologia e cultura, com vistas ao desenvolvimento integral da democracia e da
integração regional (Organização de Estados Ibero-americanos, 2017).
2 Esta expressão é utilizada pela OEI para denominar os profissionais contratados por meio de um Termo de

Referência, equivalente a um edital, para a execução técnica e analítica de seus convênios e cooperações. Com
finalidades distintas e comprovada experiência nos assuntos objetos das contratações, esses profissionais
desenvolvem relatórios chamados de “produtos” após a seleção e a assinatura de contrato, em benefício dos
respectivos programas e projetos. Importante destacar que a propriedade intelectual dos resultados obtidos a
partir dos produtos, segundo os contratos assinados, é da contratante – nesse caso, a OEI e o Ibram.
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sociais realizados no âmbito acadêmico devem, em perspectiva ética, retornar à população


de forma transparente e acessível, particularmente ao grupo social de onde partiram.
Nesse contexto consideramos as representações como resultado de práticas
sociais concretas, ou seja, síntese de múltiplas determinações, além do encadeamento de
relações cotidianas que refletem as produções material e intelectual do grupo social. Alberto
Albuquerque Gomes recupera as ideias de Georges Gurvitch: “(...) as representações
constituem a ‘costura’ do mundo material e do mundo imaginário, que nada mais é do que a
forma pela qual o grupo e o indivíduo interpretam o mundo e dele se apropriam” (Gurvitch,
1979 como citado em Gomes, 2005, p. 278). Assim, construir um quadro geral do real que
comporte as particularidades das organizações sociais investigadas e, ao mesmo tempo,
das implicações sociais, políticas e econômicas do fenômeno pesquisado são possibilidades
e intenção deste estudo.
Nesses termos, a pesquisa-intervenção é um caminho propício e inspirador para a
construção de marcos metodológicos. Nesse sentido, uma de nossas referências é a tese
desenvolvida por Cinthia de Sousa Carvalho, intitulada “A escuta da memória nos labirintos
da favela: reflexões metodológicas sobre uma pesquisa intervenção”. Esse trabalho reúne
elementos que nos auxiliam a pensar o campo de construção da Museologia Social no
Brasil, por meio do Programa Pontos de Memória, ação institucionalizada em uma Política
Pública. A autora se debruça sobre o Museu de Favela (MUF) e propõe a experiência de
percurso por um território musealizado, destacando uma ação dedicada a escutar memórias
de mulheres.
Registra-se que o MUF é um Ponto de Memória e faz parte das análises desta tese,
o que torna essa aproximação ainda mais interessante. A autora, com seu esforço sensível e
extremamente apurado do ponto de vista metodológico, nos permite encontrar consistência
para avançar no movimento da pesquisa-intervenção, considerando os caminhos como o
ponto de chegada mais significativo da trajetória:

Nem mapa ou bússola, nem objetivo geral, muito menos os específicos.


A aposta residia no pressuposto de que as metas são traçadas durante o
caminhar, assim, o pesquisador vai ao campo interessado em algumas
questões, mas desprovido de uma atitude interesseira. Leva consigo
uma ideia aberta, suficiente somente para partir (Carvalho, 2015, p. 84).

Durante o aprofundamento das leituras para ajustar os métodos, encontramos em


Carvalho (2015) indícios que nos levaram ao conceito de pesquisa-intervenção, proposto
por Eduardo Passos e Regina Benevides de Barros no artigo “A cartografia como método de
pesquisa-intervenção”. Nesse texto, os autores apresentam a ideia de que a “(...) diretriz
cartográfica se faz por pistas que orientam o percurso da pesquisa sempre considerando os

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efeitos do processo do pesquisar sobre o objeto da pesquisa, o pesquisador e seus


resultados” (Passos & Barros, 2009, p. 17).
Nesse sentido, não há neutralidade do conhecimento, pois as pesquisas devem, de
algum modo, pressupor uma intervenção sobre a realidade:

No processo de produção de conhecimento, há que se colocar em


análise os atravessamentos que compõem um “campo” de pesquisa.
Estas forças que atravessam foram inicialmente designadas pelo
institucionalismo de transferências e contratransferências institucionais,
sendo em seguida pensadas como implicações. Como disse Loureau em
1973 (Loureau, 2004c, p. 85), “o importante para o investigador não é,
essencialmente, o objeto que ele mesmo se dá (segundo a fórmula do
idealismo matemático), mas sim tudo que lhe é dado por sua posição
nas relações sociais, na rede institucional” (Passos & Barros, 2009, p.
21).

Como processo teórico-metodológico, a cartografia se constitui recentemente como


uma importante via de estudos para diferentes perspectivas e campos do conhecimento. A
apropriação conceitual desse termo tem como base, principalmente, a filosofia de Gilles
Deleuze e Féliz Guattari, como na obra “Mil Platôs” (1995), com a definição de “rizoma”, a
base de um dos princípios fundadores da cartografia.
Pensar a cartografia como método implica dar destaque não somente aos objetos
de pesquisa, mas aos processos nos quais eles se forjam. A esse respeito, Virgínia Kastrup
e Regina Benevides Barros (2009) abordam o conceito de processo, que pode estar
atrelado à ideia de processamento (coleta de dados pura e simplesmente, com posterior
análise das informações baseadas em regras estabelecidas); e de processualidade (forma
de compreender os processos presentes no desenvolvimento da pesquisa, de modo que as
conquistas e os retrocessos possam ser encarados como parte da investigação, como
caminhos percorridos). Sendo assim, a pesquisa se dá em processo, em trânsito, em
constante mutação (Castrup & Barros, 2009).
Em “Micropolítica: cartografias do desejo”, de 1982, Félix Guattari e Suely Rolnik
retratam um Brasil em processo de redemocratização e que, por isso, experimenta o
crescimento de grupos organizados até pouco tempo minoritários em seus direitos. A partir
desse cenário turbulento e bastante rico do ponto de vista das possibilidades de análise,
interpretação e criação de alternativas para designar as práticas sociais divergentes de uma
lógica e padrão sociais mantidos até então, a obra tenciona realizar uma cartografia que
responda a questões que evidenciem as experiências e os confrontos enfrentados por esses
grupos socialmente:

Dirigimo-nos aos inconscientes que protestam. Procuramos aliados.


Precisamos de aliados. E temos a impressão de que estes aliados já

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existem, de que não esperaram por nós, de que há muita gente que está
farta, que pensa, sente e trabalha em direções análogas: nada a ver com
moda, mas com um “ar do tempo” mais profundo, no qual se fazem
investigações convergentes em domínios muito diversos (Guattari &
Rolnik, 2009, p. 14).

Outra dificuldade metodológica que encontra em Carvalho (2015) uma contribuição


para ser dissolvida é a proximidade com o tema da pesquisa. Nesse contexto é importante
destacar minha atuação no recém-criado Ibram3, especialmente na Gestão do Programa
Pontos de Memória4, como uma das idealizadoras da metodologia proposta, fato que me
impôs desafios maiores diante da necessidade de refletir sobre a construção e trajetória
dessa iniciativa. Assim, a autora pretende compreender a situação da seguinte forma: “(...)
numa pesquisa com pessoas próximas, o desafio seria o de construir o estranhamento,
interrogando o conhecido, de modo que a complexidade do que é familiar pudesse emergir”
(Carvalho, 2015, p. 87).

Isso mostra não a feliz coincidência ou a mágica do encontro entre


pesquisador e objeto com que tenha afinidade, mas sim o caráter de
interpretação e a dimensão de subjetividade envolvida nesse tipo de
trabalho. A “realidade” (familiar ou exótica) sempre é filtrada por
determinado ponto de vista do observador, ela é percebida de maneira
diferenciada. Mais uma vez não estou proclamando a falência do rigor
científico no estudo da sociedade, mas a necessidade de percebê-lo
enquanto subjetividade relativa, mais ou menos ideológica e sempre
interpretativa. Esse movimento de relativizar as noções de distância e
objetividade, se de um lado nos torna mais modestos quanto à
construção do nosso conhecimento em geral, por outro lado permite-nos
observar o familiar e estudá-los sem paranoias sobre a impossibilidade
de resultados imparciais neutros (Velho, 1978, p. 129).

Parte da documentação utilizada para as análises aqui apresentadas foi reunida


durante os quatro anos de atuação no Ibram (2009 a 2012). O acúmulo de experiência
pessoal, documentos, alguns e-mails, diálogos e as observações in loco sobre os Pontos de
Memória são fragmentos importantes do arcabouço utilizado no trabalho. Somados a isso,

3 Em 20 de janeiro de 2009, por meio da Lei n. 11.906, o então Presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva
cria o Ibram, cargos efetivos e comissionados e dá outras providências. Este fato contribui de forma significativa
para a consolidação da Política Nacional de Museus (PNM) e, por conseguinte, fortalece um conjunto de práticas
já iniciadas com a atuação do Demu/Iphan, em especial as dedicadas à Museologia social junto às comunidades.
O Ibram iniciou as atividades com a equipe que originalmente esteve à frente do Demu/Iphan na criação e
execução da PNM. Tal instituto agrega os pressupostos da Museologia Social em suas bases, especialmente ao
pensar uma coordenação denominada Museologia Social e Educação (Comuse). Importante destacar que o
Departamento de Processos Museais (DPMUS) também possui avanços em sua constituição, pois permite
compreender os museus em perspectiva ampliada, incluindo os processos museais. É o DPMUS que fará a
gestão do Programa Pontos de Memória, em articulação com os demais departamentos do Ibram, sobretudo
pela equipe do Departamento de Difusão, Fomento e Economia dos Museus (DDFEM) que, à época de
constituição do Programa, era dirigido por Eneida Braga Rocha (Ibram, 2017).
4 Atuei como coordenadora de Museologia Social e Educação do Departamento de Processos Museais ligado ao

recém-criado Ibram, com atribuições voltadas à execução, acompanhamento e desenvolvimento de Políticas


Públicas de Direito à Memória, por meio do Programa Pontos de Memória. A Política Nacional de Educação
Museal também fez parte das ações dessa gestão inicial do Ibram desde sua criação, em 2009, até 2012.
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como fontes prioritárias para o desenvolvimento das análises propostas utilizaremos os


produtos produzidos pelos consultores contratados pelo Ibram e a OEI, com vistas ao
desenvolvimento das iniciativas previstas pelo Documento de Projeto – Prodoc (alguns eles
estão reunidos e compõem o conjunto de fontes primárias). As fontes secundárias, oriundas
dos inúmeros trabalhos produzidos a partir da experiência dos Pontos de Memória, também
contribuem com a narrativa das experiências e nossas considerações.
O Programa Pontos de Memória gerou, ao longo dos anos de sua vigência, uma
série de documentos que traduzem a metodologia e contribuem com a reconstrução de sua
trajetória desde a ideia inicial. Eles incluem relatos, atas de reuniões, depoimentos dos
integrantes do Programa, entrevistas em jornais, divulgação em mídia impressa e eletrônica
das iniciativas, documentos oficiais de construção institucional, entre outros que são levados
em consideração para construir esta narrativa e analisar a atuação do Programa. Cumpre
destacar o acúmulo documental que provém dos produtos dos consultores contratados para
a elaboração das estratégias de desenvolvimento do Programa para pensar em soluções
criativas e metodológicas voltadas à resolução dos desafios enfrentados no período. Cada
consultor tem, como responsabilidade contratual, a entrega de produtos que refletem as
dinâmicas estabelecidas e as respostas por meio de análises e estudos, respondendo a
problemáticas postas pela equipe de gestão do Ibram. Entre eles encontramos farto material
composto por planilhas, gráficos, propostas de intervenção, histórico de processos e
detalhamento das ações vivenciadas pelas 12 iniciativas.
O conjunto de produtos oriundos da cooperação entre OEI e Demu (órgão ligado ao
Iphan, posteriormente Ibram) compõe parte significativa do Programa e demonstra, ao longo
dos quase 10 anos de sua atuação5, as etapas previstas, as inclusões posteriores, as
necessidades de reformulação e os avanços, com destaque para a contribuição e o
fortalecimento da perspectiva teórica e prática da Museologia Social no Brasil.
Para o desenvolvimento do trabalho, utilizaremos as pesquisas bibliográfica e
documental como métodos. Segundo Maria Marly de Oliveira, a primeira se resume a uma
modalidade de estudos e análises de documentos já situados como de domínio público e
científico, como materiais bibliográficos, livros, periódicos, artigos, dissertações e teses. Já o
método de análise documental pode ser caracterizado como a busca de informações em
documentos que ainda não foram objeto de abordagem científica, tais como relatórios (o que
se enquadra no tipo de material mais utilizado para a construção desta tese), reportagens,

5 A execução do Programa Pontos de Memória teve início apenas em 2009, se constituindo como uma das
primeiras ações da Comuse na gestão do Ibram; todavia, sua elaboração, negociação e tramitação começaram
ainda em 2008. Portanto, para as análises desta tese, consideramos o ano de 2008 como o início do Programa.
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cartas, filmes e fotografias. Os materiais acima descritos podem ser identificados também
como fontes secundárias e primárias, respectivamente (Oliveira, 2007).
Os relatórios dos consultores do Programa Pontos de Memória serão detalhados no
próximo capítulo, assim como uma breve apresentação dos profissionais que
desenvolveram tais atividades no âmbito do Ibram. Esses materiais, considerados fontes
primárias, receberam um tratamento cuidadoso, pois não foram ainda objeto de outras
análises e são resultados da gestão de um programa institucional que certamente ainda
será verificado pelos gestores da iniciativa, com vistas ao desenvolvimento, à ampliação e à
consolidação da proposta.
Para a análise documental a partir dos relatórios, com a finalidade de compreender
a trajetória do Programa Pontos de Memória e seus acúmulos para o campo da Museologia
Social em perspectiva decolonial, foi preciso investir na reelaboração de conhecimentos
presentes nos documentos, criando outras formas de compreensão do fenômeno estudado
para a interpretação e a sistematização dos dados. Foram abordados neste estudo os 236
produtos provenientes do trabalho de 34 consultores6 contratados por meio do Prodoc
OEI/BRA 08/007 – do conjunto de fontes foram trabalhados apenas 111 produtos
elaborados por 24 consultores7. Importante destacar que esse recorte considera que os
relatórios contribuem expressivamente para a narrativa acerca dos anos iniciais do
Programa, identificando de forma sistemática aspectos relacionados às dimensões política,
poética e pedagógica dos Pontos de Memória.
Após a seleção e a análise preliminar dos documentos, foi possível proceder à
análise dos dados e identificar, a partir do quadro teórico proposto, o contexto, os interesses

6 Segundo a consultora Cristina Rodrigues Holanda (2015), em seu produto 20: Documento técnico contendo
relatório de avaliação final da execução dos objetivos do Prodoc OEI/BRA 08/007, no período de 2013-2016
(Projeto – OEI/BRA 08/007), com execução nacional pelo Ibram e em parceria com a OEI, os consultores do
Programa Pontos de Memória podem ser identificados a partir de três categorias:
a) 11 consultores locais, ou seja, profissionais que residiam ou mantinham diálogo direto com os “Pontos de
Memória pioneiros”, à exceção da Brasilândia (Adriano Silva, Adriano Almeida, Camila Moura, Deuzani Noleto,
Gustavo Gervásio, Isabela Santos, Lucas Morates, Marcelo Rocha, Rita Pinto, Viviane Rodrigues e Wellington
Pedro). Eles produziram três produtos cada, com exceção de Rita Pinto, com quatro. Total: 34 produtos.
b) 20 consultores especialistas, que ficaram mais diretamente vinculados à gestão do Programa Pontos de
Memória, numa perspectiva mais estrutural. O número de produtos elaborados por profissional, em ordem
decrescente, foi: Sara Couto Schuabb (25); Cristina Holanda (20); Natália Spim (19); Inês Gouveia (15); João
Paulo Vieira (14); Ana Maltez (13); Wélcio Toledo (12); Lavínia Cavalcanti (10); Mônica Freitas (8); Vera
Demoliner (8); Christiana Storino (7), Elmer Oliveira (7); Silvana Bastos (7); Cláudia Castro (6); César Valente
(3); Cyntia Oliveira (3); Beatriz Lana (2); Ana Paula Varanda (1); Daniel Fernandes (1) e Mariângela Ribeiro (1).
Assim, temos 190 produtos. Obs.: Pedro Welligton foi “consultor local” e depois “consultor especialista” com oito
produtos, por isso não está contabilizado entre os 19 do segundo grupo, para não haver duplicidade.
c) Três consultores da Secretaria da Cidadania e da Diversidade Cultural (SCDC) foram assim denominados
porque receberam recursos ao Prodoc OEI/BRA/08/007 vindos da referida secretaria do Ministério da Cultura
(MinC) e voltaram suas atividades tanto para Pontos de Memória, como aos Pontos de Cultura: Maristela Simão
(5), Rodolfo Fonseca (4) e Eliete Pereira (3). Total: 12 produtos. Obs.: João Paulo Vieira, a partir do segundo
semestre de 2014, teve seu contrato pago com o aporte da SCDC, mas, como foi mencionado entre os
consultores especialistas, não está contabilizado aqui, para não haver duplicidade.
7 Informações mais detalhadas acerca dos consultores selecionados podem ser vistas no item “Fontes” desta

tese.
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e os conceitos-chave para proceder à interpretação. Com base nessas informações, a


análise de conteúdo foi utilizada como técnica de investigação que separou os elementos
fundamentais dos relatórios conforme as teorias decoloniais. Salientamos que, conforme as
análises qualitativas, os documentos foram produzidos por profissionais em seus contextos
de atuação – por isso, foi fundamental que as análises empreendidas partissem de uma
leitura segundo símbolos construídos.
O método de codificação escolhido foi baseado em anotações e registros a partir de
tópicos de identificação e informações recolhidas do material coletado. Dessa forma, pode
ser considerado indutivo, o que contribui sobremaneira para a construção de categorias ou
tipologias (Lüdke & André, 1986, p. 42).

O processo de análise documental tem um desenvolvimento


concatenado. Depois de obter um conjunto inicial de categorias, a
próxima fase envolve um enriquecimento do sistema mediante um
processo divergente, incluindo as seguintes estratégias:
aprofundamento, ligação e ampliação. Baseado naquilo que já obteve, o
pesquisador volta a examinar o material no intuito de aumentar o seu
conhecimento, descobrir novos ângulos e aprofundar a sua visão. Pode
também explorar as ligações existentes entre os vários itens, tentando
estabelecer relações e associações e passando então a combiná-los,
separá-los ou reorganizá-los (Sá-Silva, de Almeida, & Guindani, 2009, p.
12).

Outro método importante para a construção do trabalho, como já apontado,


consiste na pesquisa-intervenção. Durante os anos em que atuei junto ao Programa Pontos
de Memória, pude acumular conhecimentos que auxiliaram na escrita desta tese. Assim,
com vistas à construção metodológica, consegui identificar informações resultantes da
convivência com os grupos envolvidos nas atividades, por meio de várias visitas, do
acompanhamento das fases iniciais do Programa e de cada iniciativa aqui analisada. Os
discursos e as narrativas dos articuladores dos Pontos de Memória também fazem parte
desse acúmulo de dados gerados a partir do contato direto com o Programa.

Nunca podemos esquecer que estas construções fazem parte da nossa


experiência, da preparação do investigador, são decorrentes da vida
intelectual e da racionalidade com a qual se procura a verdade na vida
material, mas estas arquitecturas podem ser questionadas, por nós
próprios, desconstruídas e reconstruídas (Pinto, 2016, p. 114).

Encerramos o item “Procedimentos Metodológicos” com as palavras de Manuel


Serafim Pinto que, no livro “Estado da Arte e Teoria do Conhecimento: transversalidade
epistêmica no trabalho científico, construção de teses e dissertações”, chama a atenção
para o fato de nos questionarmos sobre a realidade, (des)construindo conceitos.

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As fontes

Uma das primeiras ações realizadas, com vistas a programar a realização do


8
Prodoc , se refere à contratação de consultores pela OEI. Importante destacar a presença
de Wélcio Silvério de Toledo9, primeiro consultor do Programa Pontos de Memória, cuja
contratação, segundo o Termo de Referência, pretendeu desenvolver o escopo conceitual do
Programa; sistematizar a metodologia que fundamenta a implantação dos Pontos de
Memória; e propor configurações de processos de trabalho que efetivem a implantação do
projeto. A segunda consultoria contratada visou elaborar a sistemática de monitoramento e
avaliação dos projetos de instalação e manutenção dos Pontos de Memória, além de
acompanhar e monitorar as atividades de implantação desses Pontos.
Nesse contexto, 32 consultores integraram o Programa Pontos de Memória
desde a implantação, em 2009, até 2015, como consta no livro “Pontos de Memória10”. Eles
possuem variadas formações, experiências, especificidades técnicas e acadêmicas e são
oriundos de diferentes lugares do país. Cada profissional elaborou, em média, entre cinco e
dez produtos para o Ibram que, por sua vez, os utiliza para aprimorar ações, promover
avaliações, monitorar avanços e produzir conhecimentos e acúmulos ao analisar as práticas,
estimulando a criação e o posterior fortalecimento da política pública de Direito à Memória.
Nos anos iniciais, o Prodoc contratou consultores, com o intuito de garantir as
etapas iniciais do Programa, os quais se dedicaram à gestão e execução com a equipe do
Ibram. Com responsabilidades estruturantes, concentraram-se na produção de subsídios e
estratégias para o início das atividades junto às comunidades onde os Pontos seriam
desenvolvidos. De 2009 a 2011, foram produzidos 53 produtos, voltados a propor soluções e
encaminhamentos que visavam à estruturação do Programa em suas bases iniciais
(Holanda, 2015)11.

8 Documento intitulado “Desenvolvimento institucional e técnico-operacional para ampliação e consolidação de


projetos relacionados à Memória Social no Brasil”, realizado em parceria com a OEI e executado pelo Ibram – ele
será apresentado em detalhes na parte 2 desta tese.
9 Citamos em especial o trabalho desenvolvido por Wélcio Silvério de Toledo, pois sua contribuição na primeira

etapa do Programa Pontos de Memória foi fundamental. Além das elaborações, com o cumprimento dos
produtos demandados, auxiliou com a identificação e os contatos iniciais a partir de seus conhecimentos prévios
em algumas comunidades, indicando nomes e organizações sociais que possuíam experiências de memória em
cada cidade.
10 O livro “Pontos de Memória: metodologia e prática em Museologia social”, editado pelo Ibram e pela OEI em

2016, apresenta uma relação com os nomes dos consultores contratados de 2009 a 2015, período anterior à
publicação da obra. Ele não indica os produtos produzidos por esses profissionais, o que consideramos ser uma
pena, pois poderia ser um registro público importante de tais materiais.
11 Projeto – OEI/BRA 08/007, cuja execução nacional é realizada pelo Ibram, em parceria com a OEI.

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Os trabalhos de reflexão, sistematização, monitoramento e avaliação produzidos


por esses profissionais são considerados de forma autoral12 por nós. No entanto, pertencem
ao Ibram e à OEI, como consta nos contratos assinados entre as partes. As contratantes
(OEI e o Ibram) utilizam os dados obtidos via produtos, com vistas ao desenvolvimento do
Programa em todas as suas dimensões.
Além dos consultores iniciais, foram contratados a partir de 2011 os “consultores
locais”13 para o desenvolvimento da proposta nas localidades indicadas pelo Prodoc, com o
escopo de acompanhar as ações e realizar Planos de Ação (PAs), Inventários Participativos
(IPs) e Produtos de Difusão (PDs), em conformidade com a metodologia do Programa nas
primeiras fases. Esses profissionais, ao contrário dos demais consultores, deveriam
necessariamente ser uma indicação do conselho gestor de cada Ponto de Memória, para
conferir legitimidade às ações realizadas e em diálogo constante e aproximado com a
comunidade.
A primeira etapa do Programa previu a contratação de oito consultores, com
contrato de um ano, para o desenvolvimento dos Pontos de Memória. A partir disso, seria
possível avançar com os demais termos de referência, em busca dos profissionais que
dariam continuidade aos trâmites e propostas já estabelecidos em Prodoc, nas seguintes
áreas: Tecnologia da Informação; Pesquisa Diagnóstica Qualitativa; Comunicação
Comunitária; Memória Social; Sustentabilidade; Relações Comunitárias14; consultor sênior,
para o desenvolvimento do escopo conceitual e metodológico do projeto; e consultoria
júnior, responsável por sistematização e monitoramento do Programa. A seguir
apresentamos os consultores e seus produtos.

12 Reconhecemos, para fins desta tese, a produção individual realizada pelos consultores para a elaboração dos
produtos e o esforço intelectual deles. Dessa forma, para melhor situar o leitor diante das construções desta
narrativa, cada profissional será identificado considerando que representam, nos trabalhos, suas opiniões e
agregam os acúmulos profissionais provenientes das suas variadas áreas de formação. É importante destacar
que, por mais que reflitam um trabalho feito em equipe, com acréscimos consideráveis advindos da vivência e
das dinâmicas presentes no desenvolvimento da proposta provenientes da articulação e reflexões entre os
membros da equipe de funcionários do Ibram e dos Pontos, os produtos configuram impressões pessoais e
esforço individual. Portanto, para que possamos conduzir esta narrativa que busca traçar a trajetória do
Programa, cada produto terá os autores citados adequadamente e relacionados na parte final como fontes. No
entanto, caso exista o interesse de consulta aos produtos originais apresentados para compor esta tese, eles
deverão ser solicitados ao Ibram, que detém os direitos pela divulgação de tais trabalhos. Aproveitamos a
oportunidade para agradecer ao Ibram pela autorização para utilizar produtos, fato que viabilizou a realização
desta tese – esperamos que esta possa contribuir para o enriquecimento das discussões acerca do Programa.
13 Os consultores contratados foram: Adriano Almeida (Bom Jardim – CE), Lucas Morates (Lomba do Pinheiro –

RS), Camila Moura (Terra Firme – PA), Deuzani Noleto (Estrutural – DF), Rita Pinto (Museu de Favela – RJ),
Viviane Rodrigues (Jacintinho – AL), Marcelo Rocha (Sítio Cercado – PR) e Wellington Pedro Silva (Taquaril –
MG). Esses profissionais produziram, em média, três produtos cada, com exceção de Marcelo Rocha (2),
Adriano Almeida, Viviane Rodrigues e Wellington Pedro (1), perfazendo 17 produções (Holanda, 2015).
14 No período de 2009 a 2011, quando começou a ser executado, o Prodoc OEI/BRA 08/007 contratou 10

consultores que ficaram diretamente vinculados à gestão do Programa Pontos de Memória, numa perspectiva
mais estrutural. O número de produtos elaborados, em ordem decrescente, foi: Inês Gouveia e Sara Couto
Schuabb (10); Christiana Storino, Welcio Toledo e Elmer Oliveira (7); Cláudia Castro (6); Beatriz Lana e Lavínia
Santos (2); Ana Paula Varanda e Daniel Fernandes (1). Assim, temos 53 produtos (Holanda, 2015).
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Os desafios para o desenvolvimento dos Pontos de Memória nas comunidades


indicadas eram grandes, e os parâmetros em que a equipe pudesse buscar como base para
o início das atividades eram inexistentes. Dessa forma, os produtos gerados a partir dos
Termos de Referência responsáveis pela contratação da consultoria sênior para a
elaboração do escopo conceitual e metodológico do Programa foram responsáveis por
agregar uma série de atitudes que fariam a diferença para a constituição do projeto. No
entanto, cumpre salientar que os acúmulos metodológicos presentes nos produtos resultam
de inúmeras reuniões, visitas técnicas, conversas com a comunidade e os parceiros no
âmbito da Museologia Social e de iniciativas participativas, promovidas em conjunto com a
equipe de servidores do Ibram que dialogavam diretamente com os consultores nessa etapa
inicial. Essa construção conjunta se reflete nos resultados compilados e apresentados no
desenvolvimento das etapas de sensibilização, momento em que os caminhos
metodológicos ficaram mais claros para toda a equipe.
Esta narrativa se fundamenta na produção técnica e conceitual dos consultores do
Programa Pontos de Memória, que garantem a dinâmica de continuidade dos processos por
meio de seus produtos, fonte de informações e registros necessários para a melhor
compreensão das fases experimentadas pela iniciativa. A seguir apresentaremos os
profissionais contratados para atuar no Programa no período de 2009 a 2011, que
configuram a primeira, a segunda fase do Programa e seus respectivos produtos.
Wélcio Silvério de Toledo15, consultor sênior contratado para, em conformidade com
o TOR 19/2009, desenvolver: 1. Documento preliminar com o conjunto de conceitos que
integram o escopo de trabalho do Projeto Pontos de Memória (agosto de 2009); 2.
Documento preliminar sobre a metodologia para implantação dos Pontos de Memória
(outubro de 2009); 3. Documento preliminar com alternativas de instrumentos a serem
utilizados na implantação do Projeto Ponto de Memória (fevereiro de 2010); 4. Documento
preliminar com resultados parciais das visitas técnicas de sondagem nas 12 localidades
indicadas e avaliação preliminar da situação para implantar os Pontos de Memória (fevereiro
de 2010); 5. Documento final resultado dos trabalhos de elaboração da metodologia e

15 Possui graduação em História pelo Centro Universitário de Brasília (1993) e mestrado em Educação pela
Universidade de Brasília (UnB) (2003). Foi assessor pedagógico da Fundação Oswaldo Cruz – Brasília,
professor da Secretaria de Educação do DF, professor de didática para facilitadores da Escola Nacional de
Administração Pública e coordenador adjunto da Escola de Governo em Saúde da Fundação Oswaldo Cruz –
Brasília. Trabalhou no Ibram como consultor responsável pela implantação do projeto Pontos de Memória, ao
elaborar os marcos teórico e metodológico. Tem experiência na área de Educação, formação para a gestão no
serviço público e didática para servidores da Administração Pública. Trabalha com Memória e Museologia Social
e atua com movimentos sociais e culturais ligados à literatura, identidade e pertencimento. É escritor, poeta, com
três livros publicados e participação em diversas revistas e coletâneas. Faz parte da Caravana Rolidey –
Literatura na Estrada, grupo de escritores de diversas cidades que tem como proposta levar o debate sobre
literatura contemporânea brasileira e apresentar a produção literária dos autores em diversas cidades do país
(texto retirado da plataforma Lattes em 13 agosto, 2017).
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sondagem dos 12 Pontos de Memória; 6. Documento final com uma proposta de estrutura
de processo de trabalho para a capacitação dos agentes da comunidade que irão implantar
o Projeto Pontos de Memória (junho de 2010); 7. Documento final com a consolidação dos
resultados e validação de instrumentos e propostas de metodologia para implantação dos
Pontos de Memória (junho de 2010).
Em conformidade com o TOR16 134, a consultora Inês Cordeiro Gouveia17 percorre
os anos iniciais do Programa apresentando, por meio de entrevistas com os personagens
que executam a proposta, um amplo panorama e contextualização histórica com as bases
para a elaboração e execução metodológica dos anos iniciais de execução do Prodoc
Pontos de Memória. Os resultados desse trabalho auxiliam na compreensão dos processos
e das tomadas de decisão, o que contribui com a narrativa proposta para o surgimento e
desenvolvimento dos Pontos de Memória: 1. Documento preliminar com o Plano de Trabalho
para o registro da memória do processo de implantação e desenvolvimento do Projeto Ponto
de Memória (dezembro de 2010); 2. Registro do processo de concepção do Projeto Ponto
de Memória desde a sua proposição no âmbito do Programa Nacional de Segurança com
Cidadania (Pronasci) (fevereiro de 2010); 3. Relatório das estratégias adotadas para a
identificação e sensibilização de comunidades e dos interlocutores locais envolvidos no
Projeto Pontos de Memória (junho de 2010); 4. Relatório das estratégias adotadas para a
formação das instâncias deliberativas dos Pontos de Memória, como parte do
desenvolvimento do modelo de gestão (setembro de 2010); 5. Relatório analítico das
oficinas realizadas com as comunidades envolvidas nos Pontos de Memória (julho de 2010);
6. Relatório das estratégias adotadas para a consolidação da metodologia do IP a ser
desenvolvido nas localidades dos Pontos de Memória (outubro de 2010); 7. Relatório de
sistematização e registro de estratégias e processos testados no âmbito da implementação
do Projeto Pontos de Memória, contendo plano do registro de memória das próximas ações
(janeiro de 2011); 8. Proposta de organização de conteúdos para produção editorial, de
acordo com reflexões teórico-metodológicas produzidas no âmbito do Projeto Pontos de
Memória (fevereiro de 2011).
Por sua vez, o TOR 19/2009 foi responsável pelas diretrizes para a contratação de
profissional que realizaria o monitoramento e a sistematização das informações referentes
ao Programa, incluindo o acompanhamento da instalação e da manutenção dos Pontos de

16 TOR: Abreviação de Termo de Referência, equivalente a um edital, com indicações sobre requisitos
profissionais, produtos esperados, prazos, valores, indicados pelos contratantes OEI e Ibram.
17 Articuladora da Rede de Museologia Social do Rio de Janeiro. Doutoranda em Museologia e Patrimônio,

mestre em Memória Social, historiadora com experiência de atuação em docência. Pesquisadora dedicada ao
campo da Museologia, a partir dos seguintes temas e áreas: Museologia Social, patrimônio, política cultural,
diversidade cultural (texto retirado da plataforma Lattes em 13 agosto, 2017).
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Memória. Nesse sentido, a consultora Beatriz Lanna Lyra18 desenvolveu dois produtos: 1.
Plano de trabalho contendo cronograma das ações que envolvem a implementação dos
Pontos de Memória (julho de 2009); 2. Documento preliminar de consultores e atividades
para a implementação dos Pontos de Memória (novembro de 2009).
Já Elmer Alexandre de Oliveira19, consultor em Tecnologia da Informação, foi
contratado para, em conformidade com o TOR 98/2009, desempenhar os seguintes
produtos: 1. Autenticação de documentos em mídias digitais com o uso da tecnologia de
Certificação Digital padrão ICPI-Brasil e a sua aplicação nos Pontos de Memória; 2. Padrões
de armazenamento de arquivos digitais em “banco de dados centralizado”, compatíveis com
os padrões de metadados internacionais e a sua aplicação nos Pontos de Memória; 3.
Padrões de armazenamento de arquivos digitais de “imagens fotográficas” em bancos de
dados centralizados, compatíveis com os padrões de metadados internacionais e a sua
aplicação nos Pontos de Memória; 4. Padrões de armazenamento de arquivos digitais de
“áudio” em bancos de dados centralizados, compatíveis com os padrões de metadados
internacionais e a sua aplicação nos Pontos de Memória; 5. Padrões de armazenamento de
arquivos digitais de “vídeo (imagens em movimento e documentos sonoros)” em banco de
dados centralizado, compatíveis com os padrões de metadados internacionais e a sua
aplicação nos Pontos de Memória; 6. Criação de base de dados centralizada que possibilite
a documentação, gestão de acervos museais e mídias eletrônicas, produção e disseminação
da informação, seguindo os padrões internacionais e a sua aplicação nos Pontos de
Memória; 7. Desenvolvimento de portal de internet (web) em linguagem Active Server
Pages, com informações disponíveis em base de dados centralizada, prevendo as áreas de
notícias, políticas, eventos museais, políticas, programas e ações do campo museal, bem
como a disponibilização dos arquivos digitais de textos, sons, imagens e vídeos.
O consultor contratado para o desenvolvimento da Pesquisa Diagnóstica Qualitativa
do Programa foi Daniel Mendes Fernandes20, em conformidade com o TOR 135, em que foi
solicitado este produto: 1. Plano preliminar de implantação de pesquisa diagnóstica e seu
monitoramento (abril de 2010).
Para a empreitada relacionada aos desafios da Sustentabilidade, contratou-se Ana
Paula de Moura Varanda21 pelo TOR 27/2010, tendo sido realizado apenas o primeiro

18 Não encontramos registros na plataforma Lattes. Último acesso em 13 agosto, 2017.


19 Não encontramos registros na plataforma Lattes. Último acesso em 13 agosto, 2017.
20 Mestre em Antropologia Social pela UnB e bacharel em Ciências Sociais pela Universidade Estadual de

Montes Claros (Unimontes). Dedica-se atualmente às pesquisas em etnologia sobre os povos Timbira e demais
sociedades da família linguística Jê e suas relações históricas com o aparato cultural ocidental. Também tem
experiência em etnografia com populações rurais no norte de Minas (texto retirado da plataforma Lattes em 13
agosto, 2017).
21 Possui graduação em Geografia pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), mestrado em

Planejamento Urbano e Regional pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e doutorado em Geografia
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produto: 1. Proposta de assessoria técnica para formulação de modelos de gestão a serem


aplicados em cada um dos Pontos de Memória (julho de 2010).
Já Christiana Storino22 foi consultora em Relações Comunitárias, desenvolvendo os
seguintes produtos: 1. Documento preliminar com a sistematização de contatos e
informações pertinentes aos profissionais envolvidos no Projeto Pontos de Memória, sob a
coordenação do Ibram, nos termos do TOR 136 da OEI (fevereiro de 2010); 2. Documento
sobre a programação de visitas da equipe de consultores e do Ibram às comunidades
beneficiadas, nos termos do TOR 136 da OEI (sem data); 3. Primeiro relatório de
acompanhamento das atividades constantes do Plano de Trabalho do Projeto, incluindo a
sistematização dos gastos e custos do Projeto, nos termos do TOR 136 da OEI (dezembro
de 2010); 4. Plano de Trabalho do Projeto revisado para o ano de 2010, nos termos do TOR
136 da OEI (julho de 2010); 5. Segundo relatório de acompanhamento das atividades
constantes do Plano de Trabalho do Projeto; 6. Plano de Trabalho do Projeto revisado para o
ano de 2011, nos termos do TOR 136 da OEI (janeiro de 2011), incluindo a sistematização
dos gastos e custos do Projeto, nos termos do TOR 136 da OEI; 7. Consolidação dos
documentos e anexos pertinentes ao desenvolvimento das atividades constantes do Plano
de Trabalho do Projeto, nos termos do TOR 136 da OEI (janeiro de 2011).
As ações relacionadas à Comunicação Comunitária foram desenvolvidas por Sara
Couto Schuabb23 em seus dois contratos com o Ibram, no âmbito do TOR 133 e 66/2009,
2011 e 2012. No primeiro contrato foram elaborados os seguintes produtos: 1. Documento
contendo Plano de Comunicação para o Projeto Pontos de Memória, com foco no
fortalecimento da comunicação de caráter comunitário (fevereiro de 2010); 2. Documento

pela Universidade Federal Fluminense (UFF), com período sanduíche no Centro de Estudos Sociais da
Universidade de Coimbra. Desenvolve, há mais de dez anos, atividades de investigação e assessoria a
microempreendimentos produtivos familiares, associativos e comunitários no Brasil. Ao longo de sua trajetória
profissional, coordenou projetos de fomento a essas experiências e pesquisas, com o intuito de avaliar
programas sociais e políticas públicas de apoio ao cooperativismo, à economia solidária e ao desenvolvimento
de tecnologias sociais no país. Mais recentemente, ao participar como pesquisadora do Laboratório Herbert de
Souza: Tecnologia e Cidadania da UFRJ, desenvolveu atividades de assessoria ao Fórum Brasileiro de
Mudanças Climáticas. Essas ações tinham como foco os impactos das mudanças climáticas em populações
vulneráveis, fomentando o debate sobre o conceito de adaptação e a necessidade de se incidir sobre as causas
que provocam as situações de vulnerabilidade, relacionando a garantia de direitos humanos e de acesso a
modelos alternativos de desenvolvimento, como ações estratégicas e estruturantes para uma agenda nacional
de adaptação às alterações no clima. Atualmente é professora na Universidade do Estado de Minas Gerais
(UEMG), onde coordena projetos de pesquisa e extensão por meio do Núcleo de Estudos sobre Diversidades
Socioculturais e Produção do Espaço. É pesquisadora do eixo Outras Economias, vinculado ao Laboratório de
Estudos de Movimentos Sociais e Territorialidades (Lemto) do Programa de Pós-graduação em Geografia da
UFF (texto retirado da plataforma Lattes em 13 agosto, 2017).
22 Não encontramos registros na plataforma currículo Lattes. Último acesso em 13 agosto, 2017.
23 Formada em Comunicação Social – Jornalismo e tem pós-graduação em Comunicação Pública pelo Instituto

de Educação Superior de Brasília (Iesb). Atuou, de 2010 a 2016, no Programa Pontos de Memória, do Ibram,
como consultora em Comunicação Institucional e Comunitária. De 2006 a 2010, trabalhou na Assessoria de
Comunicação do Departamento de Museus e Centros Culturais do Instituto do Patrimônio Histórico Artístico e
Nacional (Demu/Iphan). E, de 2003 e 2006, atuou na Secretaria de Articulação Institucional (SAI) e na Secretaria
de Fomento e Incentivo à Cultura (Sefic) do MinC (texto informado pela autora em 17 fevereiro, 2018).
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contendo Plano de Comunicação para o Projeto Pontos de Memória, com foco no


fortalecimento da comunicação de caráter comunitário (fevereiro de 2010); 3. Documento
contendo os textos de comunicação comunitária sobre as atividades pertinentes ao
processo de constituição dos Pontos de Memória (abril de 2010); 4. Documento com clipping
– matérias publicadas nos meios de comunicação pertinentes ao processo de constituição
dos pontos; 5. Dossiê dos eventos (oficinas, seminários internos, encontros de intercâmbio)
com informações e análise dos resultados do Projeto Pontos de Memória (abril de 2010); 6.
Conteúdo para o portal Pontos de Memória (abril de 2010); 7. Relatório sobre a estratégia de
comunicação comunitária, com planejamento que fortaleça a rede Pontos de Memória
(fevereiro de 2011).
Já no segundo contrato, elaboraram-se estes produtos: 1. Documento com
diagnóstico do potencial de comunicação existente nos 12 Pontos de Memória (junho de
2011); 2. Documento com plano de comunicação comunitária para cada Ponto de Memória,
para o fortalecimento da Rede Pontos de Memória (agosto de 2011); 3. Documento com
proposta de conteúdo para a publicação ilustrada dos Pontos de Memória (outubro de 2011);
4. Documento com matérias sobre os acervos inventariados e os PDs lançados pelos
Pontos de Memória em 2011 (dezembro de 2011).
A consultora contratada para a definição de conteúdos programáticos voltados aos
materiais de consulta dos Pontos de Memória, Cláudia Nunes de Castro24, construiu, no
âmbito do TOR 133/2011, os seguintes produtos: 1. Plano de Trabalho para a definição dos
conteúdos programáticos dos materiais de consulta a serem elaborados e disponibilizados
para os Pontos de Memória (janeiro de 2011); 2. Levantamento bibliográfico de conteúdos
pertinentes ao objeto da contratação (março de 2011); 3. Estudo comparativo sobre o
escopo conceitual e metodológico do Projeto Pontos de Memória e museus comunitários na
Ibero-América (maio de 2011); 4. Proposta preliminar de conteúdo programático do material
de consulta destinado ao desenvolvimento de Pontos de Memória (julho de 2011); 5.
Instrumento de coleta de dados para validação do conteúdo programático do documento

24 É bacharel em Música pela Universidade de Brasília (UnB), Brasil (1995), mestre em Performance Musical
pela New York University, EUA (2000) e mestre em Administração das Artes pela Boston University, EUA (2004).
Em 2014 foi agraciada com a Chevening/Clore Leadership Fellowship para realizar treinamento e
desenvolvimento profissional com líderes culturais na Inglaterra. É professora efetiva da Secretaria de Educação
do Governo de Brasília, lotada na Escola Parque 303/304 norte. Participou de festivais de música e concertos no
Brasil, Argentina, Alemanha, EUA e Inglaterra, tendo atuado como flautista na Orquestra Sinfônica de Ribeirão
Preto em 1996. Foi professora da Escola de Música de Brasília. Como gestora cultural, possui experiência em
âmbito nacional e internacional nas áreas de cooperação técnica internacional, planejamento estratégico e
gestão de programas e projetos institucionais nas áreas de museus, arte/educação e setores criativos (artes de
espetáculo). Atuou em organizações artísticas e culturais como OEI, MinC em Brasília, Brasil, The Nora Theatre
Company, Project STEP, The Boston Conservatory e Herbert Barrett Management, EUA. É fundadora e membro
do conselho diretor da The Aarya Foundation, organização sediada em Londres, Inglaterra, que advoga pelo
ensino da música nas escolas e a prática do canto em comunidades para o bem-estar individual e coletivo (texto
retirado da plataforma Lattes em 13 agosto, 2017).
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“Subsídios para a criação e gestão dos Pontos de Memória” (setembro de 2011); 6.


Documento final com uma proposta de conteúdo programático para o manual de
implantação do Projeto Pontos de Memória (novembro de 2011).
Lavínia Cavalcanti Martini Teixeira dos Santos25 foi contratada para exercer a
função de consultora em Desenvolvimento de Projetos Socioculturais, em conformidade com
o TOR 117/2011, tendo desenvolvido os seguintes produtos: 1. Plano de Trabalho contendo
a metodologia de acompanhamento das atividades a serem desenvolvidas pelos Pontos de
Memória (PA, PI e PDs), contemplando cronograma, estratégias de monitoramento e
avaliação das ações (agosto, 2011); 2. Relatório descritivo-analítico do acompanhamento
das ações dos IPs dos Pontos de Memória, apresentando avaliações parciais sobre o
processo de implantação dessas atividades, incluindo as estratégias de gestão adotadas
(novembro de 2011).
Além dos profissionais supracitados e seus produtos, outros consultores locais
possuem estratégica atuação para o Programa Pontos de memória. Contratados com a
missão de garantir avanços em termos metodológicos, com presença direta na comunidade,
eles entregam produtos que refletem de alguma maneira a relação próxima com as
iniciativas locais. Voltaremos a esse ponto com mais detalhes no item “Metodologia” desta

25 Minha trajetória é dividida entre dois países: Brasil e Espanha. Nasci e vivi no Rio de Janeiro até terminar a
graduação em História na UFRJ. Em 1987, recém-graduada, obtive uma bolsa do governo espanhol (Instituto de
Cooperação Ibero-americana) para uma pós-graduação na Faculdade de História da Universidade Complutense
de Madri. Depois disso, lá permaneci mais quatro anos, já como bolsista da Coordenação de Aperfeiçoamento
de Pessoal de Nível Superior (Capes), cursando o doutorado. Com uma abordagem interdisciplinar, estudei a
obra do jesuíta José de Anchieta a partir da ótica da História Cultural e da Antropologia Pós-Moderna. Na época,
colaborei também com o grupo de pesquisa do Consejo Superior de Investigaciones Científicas (CSIC/Madri),
dedicado à análise do valor etnográfico de textos dos cronistas europeus sobre o Novo Mundo. Depois de uma
breve temporada de volta ao Brasil, retornei à Espanha em finais de 1993, onde permaneci até 2011. Durante
esse longo período, residi em diferentes lugares, até me estabelecer em Almeria, onde me dediquei à gestão do
Museu Pedro Gilabert, uma instituição pública que pertence à Rede de Museus da Andaluzia e que tem como
missão a conservação e difusão da obra escultórica do artista Naif Pedro Gilabert. Além das salas de exposição
permanente, possui duas amplas salas de exposições itinerantes e um auditório com 200 lugares, o que permite
a criação de uma programação dinâmica e variada, fazendo do museu um lugar de referência da vida cultural
local. Esse trabalho me despertou o interesse por uma formação na área museológica, o que me fez cursar o
Máster em Museologia da Universidade de Alcalá, que concluí em 2009. De volta ao Brasil em 2011, dei
continuidade à minha atuação na área museológica, trabalhando como consultora no Programa Pontos de
Memória, do Ibram, em parceria com a OEI. O trabalho com os Pontos de Memória me permitiu conhecer
diversas iniciativas de memória e Museologia Social, desenvolvidas por comunidades periféricas de diferentes
cidades brasileiras, colaborando para a construção de uma política pública pautada no Direito à Memória.
Sempre em busca de uma formação voltada à minha atuação profissional, em 2012 fiz o curso de especialização
em Gestão Cultural da Fundação Itaú Cultural, em parceria com a Universidade de Girona (Espanha). Desde
2013 sou servidora pública da carreira de Analista Técnica de Políticas Sociais (ATPS). Trabalho no Ministério do
Desenvolvimento Social (MDS) com o Programa Bolsa Família. A ocasião de atuar no maior programa de
transferência de renda do mundo é, sem dúvida, desafiante. Dedico-me especialmente à elaboração de materiais
que alimentam a base de conhecimento do Programa, utilizada para dar resposta aos questionamentos que
chegam pelos diferentes canais de comunicação do Ministério. A carreira dos ATPS foi criada em 2009 e tem
como atribuições legais as atividades especializadas de assistência técnica em projetos e programas nas áreas
de saúde, previdência, emprego e renda, segurança pública, desenvolvimento urbano, segurança alimentar,
assistência social, educação, cultura, cidadania, direitos humanos e proteção à infância, à juventude, ao portador
de necessidades especiais, ao idoso e ao indígena no âmbito do Poder Executivo (texto retirado da plataforma
Lattes em 13 agosto, 2017).
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tese, em que abordaremos a atuação de tais profissionais e sua importância para a dinâmica
do Programa – neste momento apresentaremos quem são e quais produtos desenvolveram
no âmbito do projeto. Importante ressaltar que os produtos encaminhados por eles possuem,
em grande parte, a assinatura dos membros das instâncias deliberativas ou conselhos
gestores locais como símbolo da construção participativa26.
Nesses termos, 12 consultores locais que contribuíram para a viabilização do
Programa Pontos de Memória – Adriano Almeida (Bom Jardim – CE), Lucas Morates
(Lomba do Pinheiro – RS), Camila Moura (Terra Firme – PA), Deuzani Noleto (Estrutural –
DF), Rita de Cássia Santos Pinto (Museu de Favela – RJ), Viviane Rodrigues (Jacintinho –
AL), Marcelo Rocha (Sítio Cercado – PR) e Wellington Pedro Silva (Taquaril – MG) – e
produziram uma média de três produtos cada, com exceção de Marcelo Rocha (2), Adriano
Almeida, Viviane Rodrigues e Wellington Pedro (1), perfazendo 17 produções (Holanda,
2015).
Os consultores locais desempenharam as mesmas funções no âmbito do
Programa. Seus produtos, ao observamos a exata especificidade de cada localidade, eram
iguais: 1. PA do Ponto de Memória, preenchido em conformidade com a solicitação do Ibram
e aprovado pela instância deliberativa do referido Ponto, contendo informações a respeito da
instância deliberativa, das perspectivas museológicas do ponto e a previsão do
desenvolvimento de suas ações no que se refere ao IP e ao PD; 2. Relatório descritivo e
analítico, previamente aprovado pela instância deliberativa do Ponto de Memória,
apresentando resultados parciais relativos à atuação do consultor em conjunto com a
instância deliberativa, visando ao desenvolvimento de 50% do IP, em conformidade com o
PA (setembro de 2012); 3. Relatório descritivo previamente aprovado pela instância
deliberativa do Ponto de Memória, a respeito do desenvolvimento do PD (dezembro de
2012).
Todos os consultores listados até aqui foram contratados de 2009 a 2012,
especificamente durante as fases27 1 e 2 do Programa. No entanto, entre 2013 e 2014, nas
etapas 2 e 3, várias ações ainda precisavam ser consolidadas e, por isso, muitos deles
foram recontratados para continuá-las, especialmente os consultores locais, já que os
Pontos de Memória possuem dinâmicas e tempos diferentes para serem constituídos e
realizados. Além deles, mantiveram-se Sara Schuabb, com trabalhos nas iniciativas de
memória, no que se refere à comunicação; e Lavínia Cavalcanti Martini Teixeira dos Santos,
26 O conselho gestor é eleito pela comunidade e responsável por aprovar os produtos entregues pelo consultor
ao Ibram, para que o pagamento seja efetuado. O PA é parte integrante da metodologia do Programa e será
igualmente abordado em mais detalhes ainda nesta tese. Procuraremos, ao longo do trabalho, apontar a
importância e as articulações realizadas entre esses profissionais e as instâncias participativas durante o
desenvolvimento da proposta, ressaltando aspectos que possam ajudar em seu entendimento.
27 As fases propostas para o Programa serão detalhadas em esquema que pode ser consultado na p. 124.

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com o acompanhamento dos PAs. Outros dois consultores, atuantes na primeira e segunda
fase do Programa, retornam para completar a participação, com destaque para a terceira
etapa – Wélcio Silvério de Toledo e Inês Cordeiro Gouveia –, com a produção de resultados
entre os anos de 2013 e 2014, período em que os Pontos amadurecem a perspectiva da
atuação em rede.
Segundo Holanda (2015, p. ):

Neste período o Programa contratou outros 07 consultores que


estiveram vinculados à gestão ou capacitações em rede e tiveram a
seguinte produção: Natália Bertolai (4 produtos), João Paulo Vieira Neto
(1), Wélcio Toledo (2), Inês Gouveia (2), Cristina Holanda (2), Ana Maltez
(2) e Silvana Bastos (1).

Durante as fases 3 e 4 do Programa, retorna ao processo Wélcio Silvério de Toledo,


que desenvolveu o TOR 113/2013 como consultor de Políticas Públicas Participativas, com
os seguintes produtos: 1. Documento técnico com proposta de concepção da instância de
gestão participativa/compartilhada do Programa Pontos de Memória, apontando seu caráter,
finalidades, atribuições e critérios de composição, de modo a garantir o fortalecimento e a
salvaguarda de seus princípios norteadores, bem como a representatividade do universo de
iniciativas de Museologia Social mapeadas no país (agosto de 2013); 2. Documento técnico
com proposta de sistemática para legitimação da instância de gestão
participativa/compartilhada do Programa Pontos de Memória, a ser apresentada e
trabalhada no encontro em âmbito nacional dos Pontos de Memória (novembro de 2013).
Enquanto isso, o terceiro contrato da consultora em Comunicação Comunitária Sara
Couto Schuabb esteve baseado no TOR 74/2012 com os seguintes produtos: 1. Material de
difusão sobre o Programa Pontos de Memória, no âmbito do Projeto Conexões Ibram, com
base nas diretrizes do Plano Nacional de Cultura (PNC), na PNM e no Plano Nacional
Setorial de Museus (PNSM) (sem data); 2. Mapeamento da rede de relações de interesse
para os Pontos de Memória em âmbito nacional (sem data); 3. Proposta de estratégia de
articulação entre os Pontos de Memória e as instâncias de interesse identificadas (dezembro
de 2012); 4. Proposta de formação e articulação das redes estaduais de Pontos de Memória,
ecomuseus e museus comunitários do Brasil (sem data); 5. Documento descritivo-analítico
sobre as ações desenvolvidas no Programa Pontos de Memória em 2012, na perspectiva do
fortalecimento das articulações institucionais e comunitárias para a ampliação em rede
(fevereiro de 2013); 6. Proposta de conteúdo de apoio sobre a metodologia do Programa
Pontos de Memória para difusão entre os agentes de memória e as comunidades (abril de
2013); 7. Proposta de sistemática contendo estruturação e planejamento da capacitação em
rede voltada para os multiplicadores e agentes de memórias (julho de 2013). 8. Proposta de

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sistemática para a realização de encontros de intercâmbio das redes de Pontos de Memória


e agentes de memória – Teias da Memória, em suas ações sociais e técnico-operacionais
nas comunidades (novembro de 2013).
A consultora em Desenvolvimento de Projetos Socioculturais, Lavínia Cavalcanti
Martini Teixeira dos Santos, na terceira fase do Programa desenvolveu os seguintes
produtos: 3. Relatório descritivo-analítico do acompanhamento das ações de
desenvolvimento dos IPs dos Pontos de Memória, apresentando avaliações parciais sobre o
processo de implantação dessas atividades, incluindo as estratégias de gestão adotadas
(janeiro de 2012); 4. Relatório descritivo-analítico do acompanhamento e avaliação do
processo de desenvolvimento dos PDs dos Pontos de Memória, em conformidade com os
12 PAs (maio de 2012); 5. Documento contendo a formulação de um instrumento
(formulário) que viabilize a sistematização, pelos Pontos de Memória, dos resultados de
seus IPs, permitindo também uma análise comparativa entre as diferentes experiências
(agosto de 2012); 6. Relatório descritivo-analítico do papel assumido pelos Pontos de
Memória como irradiadores da metodologia desenvolvida no novo cenário de ampliação do
Programa (dezembro de 2012); 7. Avaliação qualitativa final das atividades realizadas no
âmbito dos 12 Pontos de Memória (dezembro de 2012); 8. Documento contendo análise
comparativa entre o projeto OEI/BRA/08/007 original e a versão da segunda Revisão
Substantiva deste, com proposta de perfis das consultorias técnicas a serem contratadas na
etapa de ampliação e desenvolvimento em rede do projeto (fevereiro de 2013); 9.
Documento com proposta de instrumento para monitorar as ações museais e os PDs dos
Pontos de Memória e redes estaduais, regionais e temáticas, contendo uma sistematização
de todos os instrumentos e formulários de acompanhamento gerados no âmbito do Prodoc
OEI/BRA/08/007 (maio de 2013); 10. Documento contendo sistematização analítica dos
produtos de consultorias realizadas no âmbito do Prodoc OEI/BRA/08/007, entre 2009 e
2012, com a finalidade de subsidiar as ações de planejamento de instalação e manutenção
de Pontos de Memória (julho de 2013).
Nesse entremeio, a consultora de Normas e Procedimentos Internos, Natália
Spim28, desenvolveu estes produtos: 1. Documento técnico contendo estudo processual do
Projeto Pontos de Memória, a legislação pertinente e proposição de medidas para o melhor
planejamento, organização e controle de suas atividades técnicas e operacionais (Maio de
2013). 2. Documento técnico contendo estudo das melhores práticas na condução de
projetos de CTI (Cooperação Técnica Internacional) assemelhados e proposta de
sistemática para a execução técnica e operacional do Projeto Pontos de Memória (julho de

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2013); 3. Documento técnico contendo proposta de manual, formulários e anexos/checklists


para a condução de reuniões com a metodologia de gestão participativa (setembro de 2013);
4. Documento técnico contendo análise do desenvolvimento e execução do projeto por meio
dos sistemas integrados de gestão pertinentes aos projetos de CTI, propondo melhorias
sistemáticas nos seus preenchimentos (novembro de 2013).
A consultora em Avaliação e Planejamento de Projetos em Rede, Cristina
Rodrigues Holanda29, elaborou dois produtos: 1. Documento técnico com proposta de
planejamento estratégico das ações de mapeamento, qualificação, articulação e
comunicação em rede dos Pontos de Memória, com a sistematização de perfis e atuação
das consultorias no âmbito do projeto (agosto de 2013); 2. Documento técnico com proposta
de instrumento para acompanhar a execução do planejamento estratégico das ações de
mapeamento, qualificação, articulação e comunicação em rede dos Pontos de Memória
(outubro de 2013).
Inês Cordeiro Gouveia, na terceira fase do Programa Pontos de Memória, retorna
ao processo com o TOR 111/2013 para contribuir com dois produtos: 1. Documento técnico
com proposta de conteúdo programático para capacitação em Museu, Memória e Cidadania
na Diversidade Cultural, voltado para agentes de memória e multiplicadores em âmbito
nacional, contendo ementa, metodologia e referencial teórico-conceitual (agosto de 2013); 2.
Documento técnico com proposta de sistemática para execução do plano de capacitação em
rede da oficina Museu, Memória e Cidadania na Diversidade Cultural a partir das tipologias
de iniciativas identificadas pelo Ibram, com cronograma e estratégias de identificação de

29 Iniciou a Licenciatura em História na Faculdade de Filosofia Dom Aureliano Matos (Fafidam), campus da
Universidade Estadual do Ceará (UECE), em 1994. Transferiu-se em 1996 para a Universidade Federal do
Ceará (UFC), onde concluiu a Licenciatura no ano 2000. É mestre em História Social também pela UFC (2004).
Foi professora por 10 anos dos ensinos fundamental e médio em escolas da rede particular de Fortaleza e da
Secretaria de Educação do Estado do Ceará (Seduc-CE) (via concurso público para cargo efetivo em 2002).
Atuou como professora de Cursos de Licenciatura em História no período de 2003 a 2012, bem como em cursos
de Especialização em História entre 2007 e 2012, especialmente nos institutos particulares associados à
Universidade Vale do Acaraú (UVA). Colaborou no Instituto da Memória do Povo Cearense (Imopec) entre 2005
e 2007. Na Secretaria da Cultura do Estado do Ceará (Secult-CE), trabalhou por 11 anos no Museu do Ceará,
equipamento vinculado, exercendo as seguintes funções: pesquisadora do Projeto Museu 70 anos (2002-2003),
professora de História do Núcleo Educativo (2004-2006) e diretora da instituição (2008-2013). Como diretora do
Museu do Ceará, coordenou a Coleção Outras Histórias (dos números 53 a 66), participou como parecerista do
Fundo Estadual da Cultura (FEC), do corpo editorial da Coleção Nossa Cultura e de outros trabalhos. Ainda na
Secult, foi gerente do Sistema Estadual de Museus (2006-2007; 2008-2013), membro do Comitê Gestor do
Sistema Brasileiro de Museus (2012-2013) e diretora do Museu Sacro São José de Ribamar – Aquiraz, ambos
vinculados à administração do Museu do Ceará (2008-2013). Foi aluna do Curso de Estudos Avançados em
Museologia (Extensão, 193 horas/aula), no Rio de Janeiro, em 2008, numa parceria entre a Associação
Brasileira de Museologia (ABM) e a Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias (UHTL – Lisboa),
cujas disciplinas correspondiam às do Doutorado em Museologia. Foi membro da comitiva organizada pelo
Demu/Iphan em visitas de trabalho aos museus americanos de New York, Philadelphia e Washington, como
parte do International Visitor Leadership Program (2009). De 2013 a 2016 foi consultora de Planejamento e
Avaliação do Programa Pontos de Memória, do Ibram. Atualmente é presidente da Fundação Memorial Padre
Cícero. Suas publicações e experiência profissional se concentram nos seguintes âmbitos: História do Ceará,
Ensino de História, Memória, Museus e Educação Patrimonial (texto retirado da plataforma Lattes em 20 janeiro,
2018).
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multiplicadores potenciais da metodologia, que contenha resultados das aplicações piloto


das oficinas (novembro de 2013).
João Paulo Vieira Neto foi contratado para desenvolver as funções de consultor em
IP, a partir do contrato firmado por meio do TOR 112/2013, além de elaborar um produto: 1.
Documento técnico com levantamento analítico de metodologias em IP e proposta de
conteúdo programático para capacitação no tema, voltado para agentes de memória e
multiplicadores em âmbito nacional, contendo ementa, metodologia e referencial teórico-
conceitual (Setembro de 2013)
A consultora de Políticas Públicas Participativas com perfil jurídico, Ana Maltez, foi
responsável por desenvolver estes produtos: 1. Documento técnico contendo análise de
proposta de gestão compartilhada do Programa Pontos de Memória e os seus possíveis
impactos jurídicos, levando em consideração outros conselhos congêneres na área cultural
(novembro de 2013). 2. Documento técnico contendo proposta jurídica para a instituição do
Conselho de Gestão Compartilhada/Participativa do Programa Pontos de Memória
(dezembro de 2013).
Por fim, e não menos importante, pois consolida um instrumento de avaliação com
informações fundamentais sobre o andamento dos Pontos de Memória, a consultora de
Metodologias Participativas de Avaliação, Silvana Bastos elaborou o produto: 1. Relatório de
moderação, contendo o resumo executivo dos resultados do Encontro de Avaliação dos 12
Pontos Pioneiros (dezembro de 2013). Cumpre afirmar que esses dados foram
sistematizados e compõem parte importante do livro do Programa Pontos de Memória que,
como citado anteriormente, foi publicado pelo Ibram em 2016.
Os produtos apresentados trazem reflexões e conceitos em abordagens
diversificadas, com vistas a contribuir com o fortalecimento de um referencial que auxilie no
desenvolvimento da proposta dos Pontos de Memória, em especial nas definições de
participação social como base para a iniciativa que pretende ser elaborada a partir da visão
dos grupos comunitários, e não apenas conforme a concepção pré-definida de um projeto
de governo, proponente do projeto. A apresentação de temas como relação dialógica,
autonomia, competências, tomada de decisão, sustentabilidade e o desenvolvimento
comunitário é ressaltada nos documentos e representa avanços consideráveis para o
Programa. Os diálogos entre a equipe do Ibram, responsável pela gestão do Programa e as
necessidades em decorrência das ações e visitas permitiram a consolidação, pelo consultor
contratado, de etapas previstas para a execução dos Pontos de Memória, entre elas: contato
inicial com as comunidades indicadas pelo Pronasci; intercâmbio entre as comunidades para
conhecimento do Programa Pontos de Memória; Diagnóstico das potencialidades da

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comunidade para a implantação do projeto; oficinas de capacitação para os agentes de


memória e comunidade; e elaboração do IP das comunidades, além do plano de trabalho
para cada ponto como produto das oficinas.
A seguir há o quadro formulado pela consultora Lavínia Cavalcanti, no âmbito do
seu trabalho, que consistiu na sistematização dos produtos dos consultores contratados pelo
Prodoc de 2009 a 2012 (Cavalcanti, 2013)30. Nesse caso, há a relação com os profissionais
contratados, os temas das consultorias e os anos em que se envolveram na elaboração das
etapas do Programa – vale notar que alguns profissionais foram contratados por mais de um
TOR31. Com esse quadro demonstrativo, tem-se a diversidade de temas abordados pelos
consultores como estratégias para o alcance dos objetivos previstos em Prodoc:

Consultor Área temática 2009 2010 2011 2012 2013 2014 Edital
Escopo conceitual e
metodológico dos X X 19/2009
Toledo, W.
Pontos de Memória
S. de
Políticas Públicas
X X 113/2013
Participativas
Processos e técnicas de
Storino, C. relacionamento X 136/2009
comunitário
Configurações de
19/2009
Lyra, B. L. processos de trabalho X
no âmbito do projeto
TI – métodos e técnicas
de tratamento e
Oliveira, E. X X 98/2009
armazenamento de
dados e informações
Diagnósticos de
Fernandes,
iniciativas de Memória X 135/2009
D.
Social
Varanda, A. Sustentabilidade dos
X 27/2010
P. Pontos de Memória
Comunicação X X 133/2009
Schuabb, comunitária X 66/2011
S.
Relações comunitárias e
X X X 74/2012
institucionais
Memória Social: X X 134/2009
sistematização e
registro de estratégias e
Gouveia, I. processos testados X 67/2011

Museu, memória e
cidadania na X X 111/2013
diversidade cultural –

30 Importante destacar que o produto faz referência a 2012 como último ano de análise, mas o quadro e o corpo
do produto incluem a sistematização dos dados, incluindo 2013 e 2014.
31 Para obter mais informações a respeito de cada um dos termos de referência publicados pela OEI, consultar a

base de dados da OEI, no item seleções. Com a palavra-chave memória e indicando o ano de interesse, pode-se
obter a lista completa com os TORs para consulta.
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capacitação em rede

Definição de conteúdos
Castro, C. programáticos para X 9/2011
publicação
Cavalcanti, Desenvolvimento de
X X X 117/2011
L. projetos socioculturais
Pinto, R. de Consultora local – MUF
X X 22/2011
C. (Rio de Janeiro, RJ)
Consultor local – GBJ
Almeida, A. X X 99/2011
(Fortaleza, CE)
Consultor local – Lomba
Morates, L. do Pinheiro (Porto X X 96/2011
Alegre, RS)
Consultora local – Terra
Moura, C. X X 93/2011
Firme (Belém, PA)
Consultor local –
Rocha, M. Mupe/Sítio Cercado X X 97/2011
(Curitiba, PR)
Consultora local –
Rodrigues, Museu Cultura
X X X 98/2011
V. Periférica/Jacintinho
(Maceió, AL)
Consultor local – Museu
Silva, W. Taquaril (Belo Horizonte, X X X 95/2011
MG)
Consultora local –
Noleto, D. Estrutural (Estrutural, X X X 47/2011
DF)
Gervásio, Consultor local – São
X X X 94/2011
G. Pedro (Vitória, ES)
Consultor local – Beiru
Silva, A. F. X X 18/2012
(Salvador, BA)
Consultora local –
Santos, I.
Museu Mangue do X X 136/2012
M. G.
Coque (Recife, PE)
Legislação, normas e
procedimentos de
Spim, N. processos X X 75/2013
governamentais e
sociais
Inventários
Vieira, J. P. Participativos – X X 112/2013
capacitação em rede
Planejamento e
Holanda, C. acompanhamento das X X 117/2013
ações em rede
Quadro 1 – Cronograma de atuação das consultorias (junho de 2009 a julho de 2013).
Fonte: quadro formulado pela consultora Lavínia Cavalcanti.

Com o intuito de avançar em uma periodização dos acontecimentos, situar o leitor


diante das etapas e possibilitar uma compreensão acerca das fases metodológicas das
iniciativas de maneira didática, dividimos os Pontos de Memória em quatro fases contínuas,
complementares e não excludentes. O quadro a seguir apresenta essas etapas que serão
detalhadas no Capítulo 2 desta tese:
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1ª FASE 2ª FASE 3ª FASE 4ª FASE


2009 2010 a 2011 2012 a 2013 2014 a 2017
ETAPAS
1. Prodoc
(contratações 1. Conselhos Gestores 1. Planos de Ação 1. IV Teia da Memória
iniciais)
2. Escolha das 2. A consolidação das
2. Oficinas Formação 2. Oficinas
localidades redes
3. Planos de Ação:
3. Visitas 3.1. Inventário
3. Editais 3. Editais
técnicas 3.2. Ação Museal
3.3. Produto de Difusão
4. Contratação de 4. Plataforma de
4. Sensibilização 4. Carta das Redes
consultores locais formação online
5. Institucionalização do
5. I Teia da 5. Seminário de
5. II e III Teia da Memória Programa Pontos de
Memória consultores locais
Memória
6. Conexões Ibram
Tabela 1 – Fases do Programa Pontos de Memória.
Fonte: Elaborado pela autora.

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CAPÍTULO 1 – PONTOS DE INFLEXÃO

Dos quatro irmãos, sou a que tem o cabelo mais crespo,


e isso sempre foi muito focado pelos meus amigos, uma
vez pela professora. Inclusive na faculdade eu fiz um
trabalho sobre isso, porque eu tinha o cabelo muito
crespo e minha mãe não tinha muito tempo de cuidar da
gente. Então, minha irmã era muito fácil: com cabelo liso,
ela fazia uns cachinhos e ficava o dia inteiro. Já comigo,
ela dava aquele jeito: abaixava, molhava o cabelo e
ficava daquele jeito, né? (que hoje em dia a gente diz
que é bonito). E a professora achava que aquilo era por
desleixo. Então, uma vez, ela me pegou pelo braço e me
levou em todas as salas pra mostrar pros meninos, pros
outros colegas de turma que eu não penteava o cabelo,
e na verdade não era isso. (...) O que me marcou mais
foi o dia seguinte. Uma colega de turma me deu de
presente uma caixinha de grampo e um pentinho preto
do Flamengo, antigo... era um pentinho pequeninho. Isso
me marcou mais! Eu acho que na hora de a professora
me levar de sala em sala, por ser uma criança rebelde,
eu não estava nem aí! “Tá me levando pra todo mundo
ver?” Dava tchauzinho e tudo. No dia seguinte, por eu ter
ganhado de uma coleguinha de turma uma caixinha de
grampo e um pente, aquilo ficou marcado. Como se ela
chegasse em casa, falado pra mãe dela que tinha uma
coleguinha de classe com o cabelo duro, que a
professora mostrava pra todo mundo e que não tinha
grampo. Então, foi isso que me marcou mais. E eu voltei
a falar nisso no trabalho da faculdade porque nós lemos
o livro “O professor inesquecível”, e cada um tinha que
falar do seu professor inesquecível – a minha professora
inesquecível é essa. Hoje em dia, as pessoas estão se
impondo mais, hoje em dia cada um faz o cabelo que
quer, as pessoas estão se impondo mais, as mulheres
estão se impondo mais: “o meu cabelo é assim e você
vai ter que me aceitar” (Rosane Caetano)32.

32Depoimento de Rosane Caetano à Rede de Museologia Social do Rio de Janeiro, Museu Sankofa Memória e
História da Rocinha, & Museu do Horto (2018).
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1.1 Abordagem conceitual

1.1.1 Um olhar feminino sobre o papel social dos museus

Para dialogar com as mulheres que abordam o campo da Museologia, em especial


o aspecto social dos museus, trazemos o discurso de Rosane Caetano para nos ajudar a
costurar esta narrativa e a compreender, por outros olhares, as interfaces e conjunturas
existentes entre Museologia, Nova Museologia e Museologia Social. Decerto, as palavras de
Rosane nos induzem a pensar como as trajetórias de vida das mulheres podem contribuir
para ampliar as formas de pensar e observar o campo dos museus e da Museologia Social.
Por isso, em projeto inovador e cheio de significado, as mulheres da Rocinha e do Horto são
convidadas, a partir de suas experiências de vida, a falar para a Rede de Museologia Social
do Rio de Janeiro (Remus) que, por sua vez, deseja conhecer melhor as narrativas,
possibilitando a apresentação de mulheres que constroem os territórios sob a ótica do
enfrentamento, atrelados à luta diária por respeito e dignidade. Tais territórios e narrativas
femininas frequentemente subalternizadas e invisibilizadas, reconstruídas pela Remus no
projeto de pesquisa, contribuem para a afirmação das histórias, com vistas a provocar
mudanças no território, no que diz respeito à garantia de direitos, além de gerar acúmulos
para o fortalecimento da Museologia Social, campo permeado por um pensamento feminino
que destacaremos a seguir.
Inspirados pelo universo feminino e a potência de pensamento para o campo
museal e museológico, com o intuito de construir uma narrativa de contextualização para o
campo da Nova Museologia e da Museologia Social, destacaremos as contribuições teóricas
e práticas de Marta Arjona Pérez, Waldisa Rússio Camargo Guarnieri, Maria Célia Teixeira
Moura Santos e Miriam Arroyo, mulheres intelectuais que se dedicaram a pensar o campo
dos museus e da Museologia a partir de sua articulação com a sociedade.
Por inspiração de pensamentos que germinaram em lugares e períodos temporais
diferentes, o campo da Museologia e os principais pressupostos da Museologia Social
puderam ser confirmados. Será com base nas ideias e ideais dessas mulheres que
traçaremos um panorama conceitual, com o escopo de abordar as relações que cercam a
Museologia e os museus do compromisso social. Olhar essa área sob tal perspectiva não
desconsidera as contribuições de outros atores ao tema, independentemente da questão de
gênero; no entanto, para esta construção optamos por salientar o papel das mulheres em
perspectiva decolonial, com o intuito de destacar parte do pensamento feminino que
influencia o campo da Museologia Social.

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Iniciamos a jornada destacando uma de nossas fontes de entusiasmo transgressor


para discutir o papel dos museus em sociedade – o trabalho da Cubana Marta Arjona
Pérez33, em especial o texto intitulado “Los museos en la solución de los problemas sociales
y culturales” –, em que descreve, num diálogo com o Conselho Internacional de Museus
(Icom), o papel social e cultural dos museus. Em narrativa comprometida com um novo tipo
de museu, ela parte de exemplos concretos para expressar que tal instituição não pode
estar livre de práticas que definam sua posição ideológica, contribuindo para a tomada de
consciência daqueles que constituem os processos de jugo e submissão pelas classes
dominantes:

Hasta que esto suceda, el fator expressivo de um museo estará


inevitablemente dado por posiciones ideológicas diversas, conforme a
los interesses de la classe dominante, por lo que insistimos en que em
los países socialistas, el museo, como centro de divulgador de historia,
influye de forma directa em los critérios de las grandes mayorias, para la
solución de los problemas sociales y culturales (Pérez, 1977, p. 23).

Marta foi uma mulher latino-americana que militou em um país que deu ao mundo
um exemplo de coragem ao enfrentar os algozes políticos, por acreditar em transformação e
igualdade social. Ao se confrontar com os desafios a que foi submetida junto ao povo
cubano, se interessou pelo aspecto social dos museus, contribuindo para que, até hoje,
Cuba mantivesse os espaços de memória conectados com os interesses sociais de forma
manifesta. Seu texto pode ser considerado um amplo convite à lucidez, pois chama a
atenção para o fato de que os museus possuem responsabilidades que vão além das já
descritas pelo Icom e seus inúmeros artigos, manuais técnicos e cartas.
Por serem espaços que expõem memórias, acervos, arte e patrimônio cultural, os
museus devem dedicar os itinerários aos enfrentamentos políticos, econômicos, sociais e
culturais, comprometidos com uma sociedade que pretende ver suas representações em

33 Marta Arjona Pérez foi escultora e ceramista cubana. Atuou como gestora máxima no resgate aos bens
culturais da nação antes mesmo do triunfo da Revolução Cubana. Foi representante de Cuba na Convenção
sobre a Proteção do Patrimônio Mundial desde 1972. Nascida em La Habana em maio de 1923, em 1954
ingressa como militante nas filas do Partido Socialista Popular e começa a trabalhar na organização da Sociedad
Cultural Nuestro Tiempo, dirigindo a sessão de Artes Plásticas, além de fundar uma galeria permanente onde
expõem grandes mestres do movimento moderno cubano. Com a vitória da Revolução assume cargos no novo
governo, dentre eles diretora de Artes Plásticas da Direción Nacional de Cultura e, posteriormente, se torna
diretora nacional de Museos y Monumentos del Consejo Nacional de Cultura. Em 1977 passa a fazer parte da
Direción de Patrimonio Cultural del Ministerio de Cultura, cargo que ocupou até sua morte em 2006, como
presidente do Consejo Nacional de Patrimonio Cultural. Foi também secretária executiva da Comisión Nacional
de Monumentos, presidente do Icom, membro da comissão e cultura da comissão nacional cubana da
Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), delegada de Cuba frente ao
Comitê Intergovernamental para a Restituição aos Países de Origem e presidente da Comissão Nacional para a
Salvaguarda do Patrimonio Imaterial. Atuou fortemente na execução da Legislação Nacional de Proteção ao
Patrimônio Cultural e Natural em Cuba e contribuiu de forma decisiva para a criação da Cátedra de Licenciatura
de Restauração de Móveis, com colaboração do Instituto Superior de Arte. Um de seus grandes legados foi a
criação, em 1982, do Centro Nacional de Conservación, Restauración y Museologia (Cencrem) (Ecured, 2018).
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transformação com impulso e influência. Nesse caso, destacam-se novas formas de ver e
estar no mundo, com atitude mais colaborativa em suas perspectivas de interação.
Ao propor a discussão sobre a relevância de um museu e seu papel em sociedade,
Marta nos provoca a pensar em situações-limite do ponto de vista social, para que
compreendamos outros sentidos atribuídos ao termo “social” e sua articulação com o campo
museal. A autora indica um grande desafio ao (re)colocar de forma direta uma questão
urgente, em se tratando do compromisso dos museus com os dilemas sociais mais graves,
com a intenção de sacudir os pré-conceitos em uma perspectiva problematizadora,
impelindo alguns dos grupos responsáveis por pensar os museus que saiam da zona de
conforto, especialmente aqueles que se referem a tais instituições de maneira retórica como
absolutamente “sociais” em essência. Vejamos sua provocação:

¿Podríamos admitir que em sociedades donde lagran massa de


lapoblación vive em condiciones infra-humanas, donde los niñospadecen
de raquitismo por falta de alimentos, el individuo sinropa y zapatos, que
deambula inmerso em preocupaciones primarias de subsistência, vá a ir
a um museo, de cualquier tipo que sea, a buscar las soluciones a
suprolema social? ¿Ninõs que no tienenescuela y adultos analfabetos
por laencuria oficial van a ir a los museos a resolver su problema
cultural? Creemos que no y estamos seguros de que hasta el más
desprovido de información coincidirá com nosotros (Pérez, 1977, p. 24).

Responder às perguntas postas por Marta Arjona não é tarefa fácil, principalmente
se levarmos em consideração que ela tem razão. Vistos por alto, poderíamos nos deslocar e
recolocar a questão de forma distante ao não responsabilizarmos os museus pela condição
imposta por conjunturas maiores; logo, a situação em que se encontram as famílias mais
pobres dos países não é de responsabilidade dos museus, e sim dos poderes públicos. Ora,
se essa seria uma alternativa de resposta, outra pergunta surge: Para que servem os
museus nesse caso? A partir da perspectiva social, se não tem a função de contribuir com a
retirada das pessoas dessa situação de calamidade social, serve para quê? Ao imaginar
uma criança pobre ou um adulto descalço que tem fome e sofre por falta de comida e
condições dignas de existência, como podemos exigir que ele tenha interesse pelo universo
dos museus em busca de melhoria de vida e rompimento das amarras sociais que o
mantém nessas condições? Sem titubear, Marta faz com que pensemos em alternativas
para esse tema, fazendo nascer o que consideraremos mais adiante como Museologia
Social. A perspectiva de atuação prática dos museus, por meio da ação museológica no
âmbito museal, deve mudar tais realidades sociais dentro ou fora dessas instituições, em
conformidade ou não com os manuais e as construções teóricas e acadêmicas, buscando
encontrar eco na capacidade deles de gerar mudanças na vida (e para a vida) das pessoas.

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Com o intento de tornar suas propostas claras, a autora complementa: “Y sugiero


también que piensen en las grandes masas desposeidas que aún aguardan a possibilidad
de verse reflejada em uma vitrina como ejemplo de lo que fue y no volverá a ser” (Pérez,
1977, p. 29). Tais ideias ampliam a visão de que os museus podem reinventar suas
possibilidades de existir dentro e fora de seus muros. Ela chama a atenção para o objetivo
do museu e concentra a sua reflexão para além das tipologias, realçando a intenção dos
espaços que aglutinam ideias a serviço dos interesses sempre hegemônicos de uma
sociedade ainda manipulada. Nesse sentido, pode-se pensar em uma atuação em que os
povos necessitam ver refletidos nos museus o que eles são, o que eles podem ser e o que
não voltarão a ser. Sua utopia se refere à realidade cubana: em tempos de revolução e
transformação, os museus são vitrines de um tempo que não pode retornar ou pelo menos
que não se deve esquecer.
Marta reflete o campo dos museus e tece uma crítica à postura adotada por muitas
instituições que, para cumprirem um papel social, agem como se essa missão fosse algo
vago, distante e centrado em um discurso politicamente correto que não sai do papel. É,
porquanto, uma visão de compromisso social exercitada com temas expositivos que
contemplem questões sem aprofundamento, enfrentamento, transformação e percepção
crítica.
O patrimônio cultural e sua relação com a identidade são temas debatidos por
Marta, contribuindo para entender o patrimônio enriquecido por acréscimos provenientes da
coletividade. A autora sugere uma atitude de renovação e reconhecimento acerca dos limites
e das escolhas que cercam a seleção e o reconhecimento dos patrimônios culturais, com
vistas a serem conservados. Esse aspecto é relevante para a discussão acerca do papel
dos museus diante de outras possibilidades conceituais que se relacionem com a
sociedade.
Em texto escrito para uma Conferência Mundial sobre Políticas Públicas Culturais
da Unesco no México, em 1982, em parceria com o arquiteto Enrique Capablanca, Marta
enfatiza a ideia de que:

El patrimônio cultural se enriquece por nuevos acercamientos de la


colectividade a los objetos de su historia, a traves de los actos em los
que generaciones sucessivas se reconocen como herederas y custodias
de algo realizado por sus antepassados. Lo que ayer no parecia
contener um mensaje cultural, hoy es descubierto y valorado com
insistência. Hemos assistido, así, a la reconsideración de utensílios
artesanales, viviendas campesinas y objetos industriales como
expression. De la cultura, tan importantes y significativos, em algunos
casos, como las obras de connotados creadores, y esto se debe a que el
patrimônio y la identidade humana, no son elementos estáticos, sino
entidades sujetas a câmbios, condicionadas por factores externos y
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supeditadas, además a uma continua alimentación mutua (Pérez, 1986,


p. 14).

A autora parte do pressuposto de que os patrimônios socioculturais devem ser


identificados e subordinados aos valores postulados por grupos e comunidades que se
apresentam de modo diverso em cada momento de suas histórias. Para Marta, a cultura
nunca é estática, tampouco o patrimônio cultural e, por isso, combate a ideia de um
universalismo cuja intenção é de transformar os sujeitos parte de uma humanidade
culturalmente homogênea, em que os homens devem se parecer mais a cada dia,
independentemente de sua posição geográfica. Essa dimensão está relacionada com o
neocolonialismo quando este, por meio de alternativas persuasivas, defende a ideia da
cultura universal baseada no conceito veiculado por meios de comunicação de como
devemos ser, qual postura adotar, os costumes, os desejos; logo, a manipulação e a
construção de uma imagem que não condiz com as verdadeiras faces daqueles que
subjugados deixam de ser protagonistas da própria história para se deixarem levar por uma
construção que os disfarça e não os transforma. “No queremos ser pobres, ni
peyorativamente antigos, ni regionalistas, como no sea para defendernos del transplante
que denigra; pero no es tampoco com el señuelo de la sociedad de consumo com lo que
vamos a transformar nuestra conciencia” (Pérez, 1986, p. 18).
O discurso pautado por uma perspectiva crítica já modela o que, posteriormente,
seria denominado como pensamento decolonial34, ao observar que a humanidade se
movimenta mantendo uma interdependência pautada pela visão de mundo unilateral,
invariavelmente afinado com os ideais construídos pela colonização. Marta aponta para a
ampla capacidade e tendência da difusão dos conhecimentos em âmbito universal, no
entanto, essa “universalização” dos saberes e da cultura não pode ser vista como: “La
imposición de uma cultura sobre las demás, sino como la difusión equitativa de los valores
culturales de todos los hombres para todos los hombres” (Pérez, 1986, p. 18).
Sem desconsiderar os avanços tecnológicos e o reconhecimento de que a
comunicação em pleno desenvolvimento será capaz de transformar as relações culturais e a
produção de cultura, ela cita que “esta coexistência de modernidade y tradición no debe
darse de modo tal que una asimile a la otra” (Pérez, 1986, p. 18).
As ideias apresentadas por Marta Arjona Pérez, em fins da década de 1970 e dos
anos 1980, reforçam o viés plural e participativo dado à construção do patrimônio cultural e

34 Pensamento que busca possibilitar a transformação de conteúdos, conhecimentos e práticas, além de


promover alterações na forma de compreender o mundo moderno/colonial e suas formas de expressão e
articulação local. Propicia deslocamentos que favorecem a presença de novas epistemologias baseadas em
sujeitos que pratiquem projetos políticos questionadores dos modelos eurocêntricos unilaterais e segregadores
(Castro-Gómez, & Grosfoguel, 2007; Escobar, 2003). Aprofundaremos a discussão ainda nesta parte da tese.
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suas formas de conservação, apresentação e discussão. A autora salienta o papel dos


grupos comunitários produtores de cultura nas estratégias de salvaguarda de memórias e
indica a necessidade de refletirmos a partir dos indícios de dominação por visões
castradoras do pluralismo cultural e de produção de conhecimentos, provenientes dos povos
colonizadores.

No niego la possibilidad del museo como vehículo de desarrollo cultural y


social del hombre: todo lo contrario. Pero pido a los colegas del Icom que
mediten sobre la radicalización de los conceptos, pues debemos entrar
em uma fase nueva de compromissos visuales y didácticos que superen
critérios que ya se cubren de fino polvo (Pérez, 1986, p. 29).

Com base na provocação descrita acima, encontramos eco que, somado a outras
reflexões anteriores já forjadas no campo da Museologia35, nos auxiliará nas formulações e
concepções cada vez mais arrojadas e radicais que darão origem a pensamentos acerca da
Museologia. Eles impulsionarão construções teóricas alinhadas com a necessidade de
propor outros conceitos que consigam discutir a atuação da Nova Museologia e, em
consequência, da Museologia Social.
Em 2014, na Conferência do Movimento Internacional para uma Nova Museologia
(Minom), Marta Arjona Pérez recebe o reconhecimento de seus pares museólogos, em se
tratando dos aportes no cenário cubano para o fortalecimento das práticas e reflexões
museológicas que hoje denominamos de Museologia Social (Minom, 2004a).
Suas ideias e postura diante dos temas dos museus influenciaram avanços
consideráveis que justificam o prestígio da profissional e seus serviços prestados, entre eles
o impacto social da Lei n. 23/1979, referente à criação dos museus municipais em Cuba. A
carta de La Habana produzida ao fim do encontro homenageia e celebra essa mulher e suas
contribuições ao campo (Minom, 2004b).
Em 1977, ano em que Marta publica o livro “Patrimonio Cultural e Identidad” em
Cuba, Waldisa Rússio Camargo Guarnieri36, no Brasil, termina sua dissertação de mestrado
“Museu: um aspecto das organizações culturais num país em desenvolvimento”, algo
impactante para o campo da Museologia. Suas ideias trazem ânimo teórico novo para os
debates acerca do papel dessa área, e o diálogo com outros autores e teóricos torna as
35 O campo da Museologia, nesse período, é influenciado por discussões e eventos promovidos especialmente
no âmbito do Icom, a exemplo do encontro realizado em Santiago do Chile em 1972, que deu origem ao
documento amplamente comentado, chamado de Carta de Santiago do Chile. Nela, os museus foram
considerados a partir de sua vocação integral em articulação e diálogo com comunidades, influenciando o
surgimento de movimentos como os da Nova Museologia. Esse aspecto retornará em nossas discussões mais à
frente.
36 Pesquisadora e professora do campo dos museus e da Museologia, com grande contribuição teórica e prática,

sua atuação profissional inclui, entre outras ações, a criação do primeiro curso de pós-graduação em Museologia
do país, além de ter se comprometido com a regulamentação da profissão de museólogo e a consequente
criação do Conselho Regional de Museologia de São Paulo. Outras informações a respeito do trabalho da autora
e sua interface com o campo da Museologia, consultar Gouveia (2010).
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reflexões ainda mais importantes, especialmente no âmbito dos fundamentos teóricos, com
perspectiva de que será abertamente influente para o fortalecimento dos museus e seu
papel social. Nessa dissertação e em outros textos produzidos ao longo da carreira como na
obra organizada por Bruno, Araujo e Coutinho (2010), ela indica o profundo interesse pelo
campo dos museus e sua articulação com as demandas sociais de um país, em acordo com
o entendimento da época, que estava em desenvolvimento. Ela e Marta Arjona Pérez são
expoentes femininos de um compromisso social que será amplamente debatido a partir de
suas ideias e acrescidos de novas percepções, contribuindo para a conformação do que
chamaríamos de Museologia Social.
Waldisa Rússio amplia o alcance da percepção que articula a sociedade como um
novo campo de estudos da Museologia, atrelando a isso o papel dos museus nesse
contexto, além de diminuir em suas reflexões a ênfase dada aos estudos centrados nos
objetos e nas instituições. Suas ideias avançam para notar os museus como processos e,
enquanto tais, não podem ser reduzidos a um conjunto de técnicas e teorias com foco
restrito em conservação, restauração e exposição dos objetos pautados por interesses e
dinâmicas institucionais. Os museus, segundo Waldisa, se justificam pela formação do
sujeito voltado para as pessoas.

A relação do homem com o seu meio, seja em termos de mera


apreensão da realidade, seja de ação sobre essa mesma realidade,
implica realização humana em termos de consciência, de consciência
crítica e histórica, de consciência possível. O homem é o ser que se
realiza criticamente, historicamente; ao realizar-se, ele constrói sua
história e faz sua cultura (Guarnieri, 1983/1985/2010, p. 150).

Com papel marcado por uma militância que a permite ousar ela constrói, em
momento delicado de limitação política, um cenário em que o papel do homem livre se volta
à realização do museu em seu contexto. Ao expressar a necessidade de considerar o
homem a partir de sua capacidade crítica, Waldisa oferece um caminho aberto para que
outras construções possam seguir seus indícios; e ao identificar o papel relevante do
homem como produtor sua própria história, a autora permite avançar no entendimento de
que os museus são espaços necessários para experimentar “(...) a leitura não do símbolo,
mas do elemento simbolizado” (Guarnieri, 1974/2010, p. 55).
Contemporânea de outros autores relevantes que contribuíram com a perspectiva
teórica da Museologia, tais como Anna Gregorová37 e Zbynek Stránský38, Waldisa

37 Visa definir a Museologia como disciplina independente e, “(...) ao mesmo tempo, um aspecto da existência
material do mundo e de suas relações e fenômenos” (Gregorová, 1981, p. 34).
38 Dedicado a estruturar em seus escritos uma base teórica para a Museologia, com auxílio de Jan Jelínek

fundou uma Escola de Pensamento Museológico em Brno, onde aprofundou seus estudos para aliar teoria à
prática dos museus.
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incrementa o diálogo que sedimenta ainda mais as concepções sobre o campo teórico da
Museologia. Em trabalho que reúne os pensamentos dos estudiosos supracitados, Anaildo
Baraçal analisa as contribuições teóricas deles, com destaque para a produção da revista
Museological Working Papers (MuWoP), com vistas a compreender as preocupações
teóricas, especialmente no que se refere à Museologia enquanto ciência e ao papel dos
museus como espaço propício para que ocorram as relações entre homem e objeto. No
entanto, é importante ressaltar, conforme Carla Renata Gomes (2015), que:

O aspecto das relações produzidas por atos sociais, os quais são


apresentados como a operação fundamental da existência do museu
enquanto espaço de práticas museológicas que produzem os sujeitos da
ação, ou o entendimento de “museu como processo”, como resultado de
práticas sociais, coloca o encadeamento teórico de Waldisa Rússio em
superioridade aos demais (p. 28).

Nesse ínterim, a interdisciplinaridade na Museologia é uma de suas principais


questões, perspectiva pela qual a autora amadurece o entendimento sobre o escopo
científico da Museologia, considerando-a uma ciência nova em processo ou uma disciplina
independente (Guarnieri, 1989, p. 8). A ideia da interdisciplinaridade abre caminhos para o
diálogo da Museologia com a Sociologia, disciplina que ajudará Waldisa a pensar o campo
dos museus e da Museologia. Os conceitos criados por ela, como a ideia de “fato museal”,
se inspiram nos diálogos com o pensamento do sociólogo Émile Durkheim, mas também são
frutos de sua trajetória e formação em Direito pela Universidade de São Paulo (USP) ao
encontrar, no fato jurídico, algumas definições que contribuem com a sua abordagem
sociológica (Gomes, 2015).
Ao longo de sua trajetória e construções teóricas, podemos verificar mudanças que
empreende nos conceitos de museus e Museologia, ampliando a capacidade de
compreender tais instituições enquanto lócus social reconhecido pela sociedade como
espaço relacional e, assim, como ato cultural. Isso permite concluir que, para Waldisa, o
museu é espaço propício para que as pessoas se transformem em sujeitos da própria
história, encontrando meios para realizar a leitura individual de mundo e, em consequência,
fazer uso das funções museológicas a serviço de sua constituição enquanto cidadãos. Para
a autora: “(...) o que caracteriza um museu é a intenção com que foi criado, e o
reconhecimento público (o mais amplo possível) de que é efetivamente um museu, isto é,
uma autêntica instituição” (Guarnieri, 1974/2010, p. 124).
Essa perspectiva é imprescindível para o campo dos museus, pois inaugura em
nossas práticas, especialmente as de Museologia Social, um elemento aglutinador e um
salto conceitual ao afirmar que os museus devem ser reconhecidos de forma mais ampla
possível – nesse caso, por comunidades e grupos sociais variados. A dimensão dos museus
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realizados “para” a comunidade é radicalmente afetada pela ideia de que eles devem ser
feitos “com” ela, algo essencial para as reflexões acerca da Museologia, na medida em que
é possível reconhecer a mudança de percepção no trabalho teórico de Waldisa, como ponto
fundamental para o trabalho no campo da Museologia Social, sobretudo porque o que
realmente importa para a autora é “(...) o reconhecimento do museu pela comunidade”
(Guarnieri, 1984, p. ).
As ideias de Waldisa Rússio brevemente apontadas nos indicam um terreno fértil
para a problematização das práticas relacionadas ao campo dos museus e sua articulação
com a sociedade. A partir dessas ideias precursoras, outros autores39 tiveram a
oportunidade de se inspirarem para construir uma base teórica capaz de enriquecer as
reflexões acerca das práticas museológicas que seriam possíveis a partir de então.
A museóloga Maria Célia Teixeira Moura Santos40 faz parte desse conjunto de
profissionais que se dedica ao campo social dos museus e traz, para esta construção, a
educação como um elemento que considera fundamental. Seus textos chamam atenção
para as relações estabelecidas a partir da Museologia, em parceria com o campo da
educação, o que enriquece ainda mais o debate e as oportunidades de entendimento do
papel e da dimensão social dos museus. Em constante exercício de pensar os museus e a
Museologia, Maria Célia aponta questões estratégicas que, somadas às ideias
anteriormente apresentadas, sedimentam um caminho acerca da atual Museologia Social.
A partir de suas percepções, encontramos muitos desafios para o campo dos
museus, algum alento e bastante provocação:

A revisão e a superação de determinados paradigmas são essenciais,


considerando-se a necessidade de aplicação de ações museológicas
mais ajustadas à nossa realidade e à criação de novos museus, bem
como à reformulação dos já existentes, tornando-os instituições
relevantes para a cidadania. A Museologia e o museu têm uma
importância central no contexto de reconstrução das nações, na busca
em um mundo livre e equitativo. Para tanto, torna-se necessária à
formulação de novas diretrizes, à luz dos conhecimentos historicamente
acumulados. Ao longo do meu caminhar, tenho feito algumas reflexões

39Chagas, Bruno, Araujo, Scheiner, Santos, M. C. T. M., entre outros em diferentes regiões do país.
40Professora aposentada do Curso de Museologia da Universidade Federal da Bahia (UFBA). Possui graduação
em Museologia (1973), mestrado (1981) e doutorado em Educação (1995), todos pela referida instituição. É
consultora nas áreas de Museologia, Educação e Gestão e Organização de Museus e professora da
Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias (ULHT). Integra o Conselho Consultivo do Patrimônio
Museológico do Ibram/MinC. Faz parte do Conselho Editorial da Revista do Museu Antropológico da
Universidade Federal de Goiás (UFG); do Conselho de Redação do Centro de Sociomuseologia da ULHT; e do
conselho consultivo da Associação Brasileira de Ecomuseus e Museus Comunitários (Abrenc). Foi conselheira
do Conselho Internacional de Museus no Brasil (IcomBR) e coordenadora do eixo 3 da PNM/MinC. Foi diretora
do Instituto do Patrimônio Histórico e Cultural do Estado da Bahia. É membro do Conselho Internacional de
Museus (Icom) e da Associação Brasileira de Museologia. Tem experiência nas áreas de Museologia e
Pedagogia, atuando nos seguintes temas: plano museológico, ação educativa em museus, PNM, museus
comunitários, formação e capacitação em Museologia. Tem vários artigos e livros publicados (texto retirado da
plataforma Lattes em 2 janeiro, 2018).
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sobre o perfil do museólogo a partir da produção do conhecimento, tendo


como referencial a prática social qualificada culturalmente musealizada,
em interação com os diversos segmentos envolvidos (Santos, M. C. T.
M., 2008, p. 24).

Ao propor a criação de novos museus ou a reformulação dos já existentes, com o


intuito de ver práticas relevantes para a cidadania, a autora provoca nossa reflexão acerca
da realidade dessas instituições e de seu papel e inserção em sociedade, em tom de
denúncia aos museus estáticos, em grande medida, quanto ao que considera ser objetivo e
papel deles, além do alcance social. Nesse aspecto, abre caminhos para experimentar
outras possibilidades para os museus e investe no desenvolvimento do Museu Didático e
Comunitário de Itapuã, experiência mapeada em sua tese de doutoramento (Santos, M. C. T.
M., 1995) – essa é certamente, para o campo da Museologia, uma prática revelada que
ainda aguarda outros debates. Tal iniciativa reflete a articulação necessária do novo espaço
de memória problematizador e questionador, atrelado ao universo da escola, duas
instituições convivendo a serviço de uma prática que visa reafirmar seu papel indissociável
da educação para a Museologia e de ambas com a constituição de processos, métodos e
práticas que viabilizem a transformação social e discussão crítica e cidadã dos problemas
sociais enfrentados pela sociedade.
Sobre o projeto de Museu Didático Comunitário de Itapuã, Maria Célia assevera
que:

Optei por realizar uma tese de doutorado que tivesse como objeto de
estudo a implantação de um museu em um colégio público da cidade de
Salvador. Mais uma vez, busquei sair do espaço fechado da
universidade, evitando construir uma tese destinada somente à
academia. Assumindo que há possibilidade de produzir conhecimento
em todos os níveis de escolarização e que esse conhecimento pode ser
construído em uma determinada ação de caráter social, reconhecendo o
papel ativo dos observadores na situação pesquisada e dos membros
representativos dessa situação (Santos, M. C. T. M., 2008, p. 106).

A trajetória de Maria Célia é retratada em alguns de seus textos com aspectos


referentes à sua formação, influências e leituras, em que se destaca a atuação pautada em
práticas coerentes à educação, às ações comunitárias e ao desejo manifesto para que a
Pedagogia e a Museologia sejam ferramentas para a operacionalização do compromisso
social:

(...) compreendia que a minha atuação como professora universitária


deveria se dar por meio de uma prática efetiva na comunidade e
acreditava que essa prática só se concretizaria no momento em que
professor, alunos e grupos comunitários atuassem de forma integrada e
participativa, questionando e avaliando conjuntamente (Santos, M. C. T.
M., 2015, p. 80).

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Nesse ínterim, a postura das práticas participativas de pensar e planejar os museus


e as exposições, dedicadas ao esforço crítico e questionador, se pauta pela influência do
educador brasileiro Paulo Freire, presente em grande parte de suas reflexões. A autora
chama a atenção para a tentativa frustrada do educador em um dos marcos para o campo
da Museologia, a Mesa de Santiago do Chile, realizada na capital desse país em 1972. O
convite feito e a impossibilidade de participação do autor, certamente, não impediram que as
ideias dele circulassem pelo universo da Museologia, sobretudo àqueles interessados nos
museus e em seu papel social. A esse respeito, vale resgatar o fragmento de texto que
inspira Maria Celia em sua trajetória:

Quanto mais me capacito como profissional, quanto mais me utilizo do


patrimônio cultural, que é patrimônio de todos e ao qual todos devem
servir, mais aumenta minha responsabilidade com os homens. Se o
compromisso só é válido quando está carregado de humanismo, este,
por sua vez, só é consequente quando está fundado cientificamente. O
profissional deve ir ampliando seus conhecimentos em torno do homem,
de sua forma de estar no mundo, substituindo por uma visão crítica a
visão ingênua da realidade, deformada pelos especialismos estreitos
(Freire, 1983, p. 20 como citado em Santos, M. C. T. M., 2015, p. 12).

De acordo com a trajetória profissional, a autora destaca o fato de que, mesmo


antes de ter tido contato com as experiências e os movimentos que caracterizam a Nova
Museologia (porta de entrada para o desenvolvimento de práticas nessa direção), seu
trabalho já refletia uma atitude mais combativa e de enfrentamento ao propor novas ações
museológicas fundamentadas no diálogo e na troca de saberes nos museus da cidade de
Salvador. Ela cita que: “(...) o que desejávamos era um museu comprometido com o homem
e com a melhoria da qualidade de vida, sonho da nossa imaginação museal desde a década
de 1970” (Santos, M. C. T. M., 2015, p. 15).
A autora escreve diversificados textos em que analisa o papel da Nova Museologia
– tais aspectos serão retomados ainda no primeiro capítulo da tese. No entanto, é cumpre
ressaltar o esboço de considerações acerca desse movimento:

Considero o movimento da Nova Museologia um dos movimentos mais


significativos da Museologia contemporânea, por seu caráter
contestador, criativo, transformador, enfim, por ser um vetor no sentido
de tornar possível a execução de processos museais mais ajustados às
necessidades dos cidadãos em diferentes contextos, por meio da
participação e visando o desenvolvimento social (Santos, M. C. T. M.,
2008, p. 71).

Sua trajetória no campo dos museus é permeada por constante e compromissado


interesse com a Nova Museologia. Ela contribuiu para que várias gerações de museólogos
formados na Bahia e pelos demais cursos pudessem ter tido contato com uma geração de

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autores, métodos e reflexões dedicados à Museologia e ao seu papel em sociedade. A Nova


Museologia, movimento que inspira a autora em sua jornada profissional, foi por ela
detidamente analisada e contextualizada em diferentes artigos, o que garantiu a abertura de
caminhos para a construção de conhecimentos em torno dessa área, com destaque especial
para a educação museológica. Com as ações realizadas em diversificados museus e a
atuação em seminários, palestras e cursos por todo o Brasil, discute a educação como
campo de conhecimento em articulação com os museus – por meio das práticas educativas,
tais instituições são capazes de exercer suas funções em diálogo com a sociedade, frente a
variados desafios.
Percebemos, ainda conforme a trajetória da Maria Célia, sua interface com a
produção acadêmica de Waldisa Rússio. Ambas compartilharam das mesmas premissas,
quando o assunto era museu e sociedade. Com base em experiências compartilhadas,
Maria Célia aponta os momentos em que esteve junto à Waldisa e ressalta sua capacidade
aglutinadora, profissional e de base científica de atuação, deixando contribuições
significativas para o campo museológico brasileiro, como a ampla defesa da necessidade de
regulamentar a profissão de museólogo e suas inúmeras declarações voltadas à Museologia
e seu caráter social.

(...) A presença de Waldisa era marcada por seus pronunciamentos em


prol de uma Museologia voltada para o social, enfatizando a necessidade
de um intercâmbio mais produtivo entre os cursos de Museologia
existentes no País, salientando sempre a necessidade de revisão de
seus currículos, adequando – os às necessidades regionais e a uma
Museologia que tivesse como enfoque principal o homem, e não
somente o objeto (Santos, M. C. T. M., 2008, p. 26).

Maria Célia aprimora o diálogo com a memória de Waldisa Rússio e enfatiza, a seu
ver, as significativas contribuições da autora para o campo da Museologia: “(...) o museu
construído com a participação do cidadão; a Museologia além do cenário museu; o fato
museal...; Intercâmbio entre os profissionais da América Latina e entre os cursos de
Museologia do país” (Santos, M. C. T. M., 2008, p. 27).
O esforço de Waldisa Rússio em colocar o Brasil no cenário de práticas
museológicas latino-americanas, quando organiza o I Seminário Latino-Americano de
Museologia, em 1990, no Memorial da América Latina, na cidade de São Paulo, evidencia
sua preocupação em fortalecer o diálogo acerca dos museus e seu papel frente aos desafios
enfrentados pela sociedade, especialmente no que diz respeito à cultura e ao patrimônio. Tal
iniciativa permite a ampliação das discussões, a troca de saberes e de experiências que
permeiam a Museologia comprometida com o papel social dos museus, em articulação com
as experiências latinas.
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Em continuidade, há o cenário de produção teórica e ações práticas a respeito do


campo da Museologia, a partir do movimento da Nova Museologia no México, pois
consideramos que tais realizações garantem outros olhares que aproximam esta área da
experimentação da Museologia Social. Com as articulações em benefício das práticas
participativas, a partir da América Latina, a mexicana Miriam Arroyo se dedica a estudar os
museus com atuação voltada para experiências e ações inovadoras na Nova Museologia, o
que nos permite refletir sobre os processos e programas empreendidos com ênfase na
atuação comunitária dessas instituições. Coordenadora do Proyecto Experimental de La
Casa del Museo no Museu Nacional de Antropologia, do Instituto Nacional de Antropologia e
História (Inah) do México, em 1974 foi responsável pela criação do Programa Nacional de
Museus Comunitários, com dedicação a eles, tendo atuado em bairros populares da cidade
do México – ela se dedicou desde o início ao Minom como uma das fundadoras.
Dirigido por Mario Vásquez nos anos 1970, o projeto denominado “La Casa del
Museo” propunha a concretização dos compromissos assumidos pela carta produzida em
Santiago do Chile, por ocasião da mesa-redonda promovida pelo Icom. Tal iniciativa
pretendia integrar os museus à comunidade, e os trabalhos realizados pela Casa del Museo
se baseavam no desejo de promoção e organização social, em atendimento aos interesses
e às necessidades da comunidade. A Casa del Museo visava estar a serviço das populações
e atrelada aos seus anseios, distante de um papel inerte, isolado e afastado das
problemáticas sociais, perspectiva comum dos museus à época. Segundo documento
produzido pelo Minom México:

En la Casa del Museo estuvieran sustentados por una intensa labor de


promoción y organización social, que las temáticas a abordar
respondieran a los intereses y necesidades de la comunidad, sólo de
esta manera el museo dejaría de ser un espacioaislado y ajeno a la
problemática de la población, generando un proceso de concientización y
apropiación de su historia particular y encontrar soluciones colectivas de
dicha problemática (Documentos Básicos da Nova Museologia, 2002).

A experiência da Casa del Museo, ativa por oito anos, foi responsável por incentivar
o surgimento de uma concepção teórico-metodológica que daria origem aos museus
comunitários em diversas regiões do México. Com isso, estimular-se-ia uma abordagem
participativa e dedicada que abarcasse a problematização e a discussão de processos de
conscientização e apropriação das histórias particulares e coletivas, com vistas a superar
conjunturas sociais engessadas e esmagadas pela ordem vigente (Méndez Lugo, 2008).
O projeto influencia as novas gerações de museus que seguiriam se fortalecendo
rumo à autonomia dos povos, no que se refere à tomada de decisão e à imposição de suas
visões de mundo e necessidades sociais marginalizadas, silenciadas e subalternizadas. Os
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museus comunitários, fortemente incentivados no México, são definidos por Arroyo (1983, p.
) como:

(...) El museo comunitário possibilita el reconocimiento cultural entre los


pueblos y la creación de un mundo fraternal. Este tipo de museo difunde
las singulares expresiones y códigos de comunicación de la comunidad,
con el fin de preservar y conservar el área social y territorial; fortalece el
sentimiento de pertenencia a un grupo al integrar y acercar a sus
membros individuales. Impulsa la revalorización de su idioma,
tradiciones, costumbres, condiciones geográficas, formas de producción
y promueve además, una relación mas afortunada entre las
comunidades, favorecendo así el intercambio cultural.

Miriam Arroyo foi coordenadora do Programa para el Desarrollo de la Función


Educativa de los Museos (Prodefem), criado em 1983 e apoiado por uma equipe
interdisciplinar. Segundo Méndez Lugo (2008), foi por meio dessa iniciativa que se ouviu
falar pela primeira vez em museu comunitário no México, em que o Programa de Museus
Escolares dá origem a uma aplicação prática e concepção teórico-metodológica dos museus
comunitários, herdeiros diretos da experiência da Casa del Museu. Tais experiências são
acompanhadas pelo Movimento Internacional para uma Nova Museologia desde 1985, em
Lisboa, Portugal. “Es importante señalar, que el Ecomuseo Quebequense es pionero junto
con los ecomuseos franceses y los museos comunitarios de México, del nascimiento de la
nueva museología internacional” (Méndez Lugo, 2008, p.).
Miriam Arroyo, Mario Vázquez, Cuauhtémoc Camarena e outros autores são
responsáveis pela promoção, no México, de uma Museologia comunitária em nível nacional,
com ênfase para os estudos teóricos e práticos aliados à Museologia. Os acúmulos, a partir
das reflexões acerca do movimento da Nova Museologia e de sua aplicação nos variados
bairros populares da cidade do México, contribuem para a conformação das experiências
voltadas aos saberes populares, com ênfase na garantia da autonomia e na participação
comunitária.
Em 2011, por ocasião do III Encontro Baiano de Museus, organizado por Maria
Célia Moura Santos, Miriam Arroyo confirma, em sintonia com os interesses do evento, o
fato de a população estar apta para atuar na vigilância do cumprimento de seus direitos,
atuando como agentes de transformação social: “(...) o novo conceito das novas
experiências dos museus nas comunidades deve estar orientado no sentido de atuar como
colaborador, ajudando a comunidade, onde está inserido, a ter poder de decisão para
construir suas próprias mudanças e melhorias” (Arroyo, 2011).
Ao analisar a trajetória das autoras e, em especial, as contribuições ao campo da
Museologia e dos museus, em articulação com os processos sociais, visou-se percorrer um
cenário em que é possível perceber as tensões e ideias de cada uma, compondo um
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mosaico de práticas e reflexões a respeito do papel social dos museus em diferentes


contextos, lugares e temporalidades. Sobressai-se a percepção das autoras de que museu é
lugar de enfrentar as questões sociais mais urgentes, provocar mudanças, ter inquietações e
práticas insurgentes. Sem nenhuma perspectiva ou vocação para a inércia ou a
permanência vigilante de objetos inanimados, os museus, para elas, tem papel incisivo na
construção de uma sociedade que almeja ser mais justa.
Nesse desafio, os cruzamentos feitos por brasileiras, cubana e mexicana
demonstram a força e capilaridade do aspecto participativo e libertário dos museus na
constituição de um cenário mais amplo de possibilidades conscientizadoras, educadoras,
problematizadoras e participativas. Essas discussões contribuíram para preparar o terreno
de solo fértil onde germinaria, com inspiração do movimento da Nova Museologia, outras
práticas e reflexões museais. As sementes plantadas por elas seguem em ritmo acelerado
de crescimento e permitem sedimentar outros terrenos metodológicos como os da
Museologia Social, pautados em processos que avançam na perspectiva decolonizadora
dos museus.
A lista de mulheres que contribuem para a consolidação do campo de reflexões
acerca da Museologia Social é enorme. Não poderia citar todas aqui, mas, de algum modo,
quero deixar minha homenagem a algumas delas, em respeito ao trabalho dedicado à área
e com atuações distintas, seja no campo acadêmico, produzindo referenciais teóricos e
exercitando a Museologia Social na prática; exercendo a militância e a gestão dos
processos museais desde as comunidades; ou realizando todas as vertentes de uma só vez,
característica comum da mulher que produz sobre museus e seu papel social. Com isso,
elas contribuem para repensar tais aspectos a partir de uma lógica mais inclusiva: Ilone
Seibel (in memoriam), Magaly Cabral, Luciana Sepúlveda Köptcke, Cristina Oliveira Bruno,
Judite Primo, Paula Assumpção, Marília Xavier Cury, Terezinha Resende, Silmara Kustner,
Deborah Santos, Marijara Queiroz, Vânia Brayner, Graça Teixeira, Odalice Priost (in
memoriam), Claudia Rose, Inês Gouveia, Kátia Loureiro, Rita de Cássia, Antônia Soares,
Aline Portilho, Marlúcia, Cláudia Feijó, Chiquinha, Chicona, Helena Quadros, Camila
Moraes, Viviane Rodrigues, Terezinha (Lomba do Pinheiro), Marcia Vargas, Abadia,
Deuzani, Leila Regina (Taquaril), Moana Soto, Claudia Storino, Sara Schuabb, Lavínia
Cavalcanti, Aida Rechena, Ana Paula Fiuza, Girlene Bulhões, Manuelina Cândido, Camila
Quadros, Camila Moraes Alcântara, Cristina Holanda, Giane Vargas Escobar, Simone
Flores, Mirela Araújo, Aline Bogado, Nazaré Silva, entre outras.
Essa relação de mulheres não termina aqui, pois, certamente, é muito maior. Por
intermédio delas, gostaríamos de deixar nossa homenagem a todas que contribuem, de

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formas distintas, com o fortalecimento das práticas museais e museológicas. Tal lista visa
apenas compreender que esse campo é feito também por mulheres que compartilham
aprendizados, ideias, sonhos e esperança, que lutam pela própria dignidade e a das
comunidades a que pertencem. Consideramos a participação feminina preponderante para
consolidar o campo da Museologia Social, uma vez que fortalecem também a batalha das
mulheres por condições de igualdade e respeito à vida, temas de interesse da Museologia
Social e que ajudam a construir.

No mundo contemporâneo observa-se o recrudescimento e a


multiplicação das formas de violência e fascismo dirigidas contra os
povos originários, comunidades ribeirinhas, tradicionais e periféricas
urbanas, negros, mulheres, comunidades LGBTTT, imigrantes,
refugiados, e todos os que são se enquadram no modelo hegemônico.
(...) Combater as diversas formas de silenciamento, apagamento e
invisibilização da presença e atuação das mulheres em todos os
territórios sociais, políticos e geográficos, afirmando uma perspectiva
emancipatória na práxis museológica (Missiva de Nazaré, Minom,
2016)41.

Diante desse solo fértil provocado pelas discussões e inspirações advindas do


movimento da Nova Museologia, importa discutir o que apresentaremos como perspectiva
emancipadora propagada pela Nova Museologia e como esse cenário oferece espaço para
a ampliação e concretização de propostas museais pautadas pelo pensamento (de)colonial
das práticas museais. Nas próximas linhas tentaremos esboçar um caminho que pode ser
trilhado a esse respeito sem, contudo, esgotar o tema.

1.1.2 Museologia, Nova Museologia e Museologia Social: interfaces e conjuntura

(...) temos que colocar um primeiro dado também da


realidade, do momento que a gente está vivendo dentro
da ciência museológica ou da prática museológica. Há,
na realidade, uma Museologia existente, real, que está aí
fora, e há uma Museologia postulada, sonhada, desejada
(Russio, 1984, p. 65).

O campo dos museus e da Museologia tem se forjado em meio a disputas que nem
sempre são debatidas em profundidade. A esse respeito, é importante perceber, por
exemplo, os conflitos que advêm das adjetivações complementares para a Museologia,

41A Missiva de Nazaré foi escrita durante uma travessia de barco no Rio Madeira. A construção coletiva se deu
no âmbito da XVII Conferência Internacional do Minom, realizada no Distrito de Nazaré, cidade de Porto Velho
em Rondônia, região Norte do Brasil (Amazônia Legal). O evento aconteceu com o apoio do Programa de
Extensão em Defesa do Patrimônio Cultural Ribeirinho: educação, memória e cidadania no Baixo Rio Madeira e
da Pró-reitoria de Cultura, Extensão e Assuntos Estudantis da Universidade Federal de Rondônia (UNIR).
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como Nova Museologia e Sociomuseologia/Museologia Social, categorias que se vinculam


por trajetórias interligadas e pressupostos comuns, muitas vezes consideradas sinônimas ou
inexistentes do ponto de vista de sua legitimação enquanto espaço de produção científica.
No entanto, por meio de uma breve análise da trajetória dos movimentos que as originam,
identificamos que são inteiramente autônomas e refletem questões e desafios de seus
tempos, podendo ser vistas como resultado de reflexão e atuação em sinergia com
alternativas museais de enfrentamento, debates, denúncias e espaço de experimentações a
partir de reflexão teórica interdisciplinar, museografias alternativas, novas formas de
comunicação e estratégias de salvaguarda conectada com ampla participação social. Nesse
contexto, os profissionais dos museus atuam em conjunto com os protagonistas das ações
em diálogo participativo, conforme uma intervenção mútua e dialógica de saberes e fazeres.
Uma reflexão sobre a existência de museologias passíveis de serem analisadas no
campo museal se justifica pelo fato de a Museologia Social ou Sociomuseologia atuar a
partir do interesse explícito centrado na aversão às formas de dominação, em que há a
necessidade de desenvolver modos de crítica a partir de um discurso teórico que sirva como
mediador de ações sociais, com vistas à transformação emancipatória. Este, por sua vez, se
configura como um amplo desafio para a Museologia Social, pois enfrentamos uma longa
tradição de práticas sociais que fortalecem e promovem a falta de conhecimento histórico,
político e conceitual, muitas vezes corroborada por práticas museais colonizadoras.
A Nova Museologia e o seu contexto de surgimento42 podem ser um marco para a
história, uma vez que representa, ao longo da trajetória de consolidação do campo museal,
um momento de destaque para o fortalecimento das ações dedicadas a ampliar a
participação popular na estrutura dos museus, numa dinâmica de reconhecimento com
ênfase aos enfrentamentos por garantia de visibilidade das questões sociais desde o ponto
de vista dos atores até então alijados da constituição dos espaços museais e das escolhas
por temas e discussões propostas por essas instituições. No entanto, a ideia de que existe
uma Museologia dedicada especificamente ao fortalecimento das práticas e reflexões a
partir do campo social, com enfrentamentos emergentes de sociedades estratificadas, nem
sempre foi ponto pacífico no desenvolvimento do campo museal – foi exatamente o descaso
de tais processos que motivou o surgimento de uma atmosfera crível para os movimentos
por mudança. Em análise detalhada sobre os antecedentes que propiciaram o Movimento
da Nova Museologia, Maria Célia Teixeira Moura Santos destaca os fatos históricos desde a

42A respeito da Nova Museologia encontramos diversificados trabalhos dedicados ao tema, sem a intenção de
esgotar as referências, segue alguns autores que tem dedicado tempo a esta discussão: Santos (2002); Araújo &
Bruno (1995); Bruno (1997, 2006, 2009); Varine Bohan (2000, 2013); Duarte (2014); Primo (1999, 2008, 2011);
Moutinho (1993); Chagas (1994, 1996, 1999, 2002, 2007,2017); Brulon (2006, 2008, 2014).
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década de 1960 que, com um profundo estado de inconformismo, tomam fôlego diante das
reivindicações dos estudantes ativistas no famoso maio de 1968 (Santos, M. C. T. M., 2008.
Nesse cenário de contestação e indignação, até mesmo os conceitos de cultura e
patrimônio são revisados, com uma proposta de ampliação das características de gestão e
valorização dos museus em todo o mundo. Conforme os elementos históricos que
circunscrevem as origens de um movimento que pressupõe libertação, entendemos que
surgem ideais que moldariam a presença de uma atmosfera indicativa de uma mudança
estratégica sobre as formas de pensamento museal de então. Nem todas as práticas e
reflexões viam os museus segundo uma perspectiva ampliada da participação social. Assim,
a década de 1970 pode ser considerada um período rico de reflexão, com vazão à
necessidade de rever conceitos e ideias pautados por uma grande onda de imperialismo que
se pretende reafirmar a partir dos velhos mecanismos de dominação ao controlar a
consciência popular (Santos, M. C. T. M., 2008).
Como já apontado anteriormente, encontramos Marta Arjona Pérez em Cuba, no
front de batalha, defendendo o protagonismo e os interesses do patrimônio, com vistas a
proteger a supremacia do povo a partir da escolha de seus patrimônios e o interesse em
fortalecer as escolhas políticas elaboradas por aquele país. Há os projetos desenvolvidos
pelos mexicanos com apoio de Miriam Arroyo, com atenção para os bairros periféricos,
alimentando a esperança por uma sociedade diferente em equilíbrio de oportunidades. E
estimulados por George Henry Riviére e Hugues de Varine, surgem a experiência dos
ecomuseus e a necessidade de criar espaços que reafirmassem a perspectiva de que a
população deveria se tornar parte integrante do museu.
Somada a essas inquietações houve as mesas de discussão propostas pelo Icom,
com o propósito de ampliar o debate acerca das novas ideias e dos desafios de
compreensão das necessidades apontadas pelo momento propício a rupturas e
desconstruções, como em 1958 no Rio de Janeiro. À época, o Seminário Regional da
Unesco sobre a Função Educativa dos Museus43 priorizou a discussão sobre museu e
educação, e, em 1971, em Paris, ocorreu a IX Conferência dedicada ao tema “o museu a
serviço do homem, atualidade e futuro – o papel educativo e cultural”. No entanto, para o
universo museal, a mesa de Santiago do Chile promovida pelo Icom em 1972, pouco antes
do que viria a ser um verdadeiro massacre democrático vivenciado pelo Chile, com a
ascensão do general Augusto Pinochet, foi responsável por lançar as bases do que seria
mais tarde denominado como Movimento da Nova Museologia e, posteriormente,

43Para conhecer melhor os documentos citados, ver: Bruno, M. C. O. (2010). O Icom-Brasil e o pensamento
museológico brasileiro: documentos selecionados. (Vol. 1-2). São Paulo: Pinacoteca do Estado; Secretaria de
Estado da Cultura; Icom.
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Museologia Social. Assim, para Judite Primo, que analisa a produção dos cinco documentos
básicos44 que traduzem o pensar museológico no século XX:

Os documentos acima referidos são o resultado da reflexão conjunta de


profissionais que buscam a evolução de ideias na sua área de actuação,
reconhecendo que para isto ocorrer faz-se necessário sair do casulo das
suas instituições museológicas e tentar discutir com os profissionais das
áreas afins os seus avanços conceituais, sendo importante estarem
capacitados para reutilizarem estes avanços nas suas áreas de
actuação. É o reconhecimento da importância da interdisciplinaridade
para o contexto museológico (Primo, 1999, p. 6).

Diante de um cenário aberto a outras possibilidades, os teóricos refletiram sobre o


campo dos museus e, por isso, propuseram inovações segundo a concepção de museu até
então difundida, em que se dedicava a coleções, públicos, contemplação e espaços de
afirmação de um poder soberano articulado a práticas colonialistas e unilaterais. Tal
instituição teria um poder absoluto que se traveste de democrático a partir de interesses
pautados por grandes lideranças mundiais que exercitam a hegemonia de pensamento,
conhecimentos e verdade.
A mesa de Santiago do Chile é vista como um divisor de águas para a Museologia
nacional e internacional, em virtude da contribuição deixada por seu documento-base, em
que estão, segundo (Santos, M. C. T. M., 2008, p. 76), “(...) as bases conceituais e filosóficas
do que se denominaria posteriormente o movimento da Nova Museologia”. O campo da
Museologia se esforçava para ampliar a capacidade de gerar mudanças no mundo e, por
isso, havia a habilidade de enxergar inovações possíveis de sacudir a realidade enfrentada
no cotidiano desses espaços e de gerar reflexão a partir da prática museológica.
O Movimento da Nova Museologia atravessa o campo museal e museológico e
apresenta, de forma contundente, um vazio, um hiato de compreensão entre o que se
praticava enquanto única forma de pensar e fazer Museologia e o movimento que cria bases
para a adoção de outra postura frente ao campo museal.
Reconhecer que existiu um movimento de ruptura nesse campo que se perpetua
até os dias de hoje e que pretende expandir as bases de atuação ao confirmar múltiplos
campos de saber pode ser um passo a mais para exemplificar a precariedade de
compreensão, com a assertiva de que existe uma única Museologia capaz de exercitar as
possibilidades de entendimento crítico no universo museal. As práticas e reflexões que se

44Os cinco documentos listados e analisados foram “(...) produzidos no Seminário Regional da UNESCO sobre a
Função Educativa dos Museus, ocorrido no Rio de Janeiro no ano de 1958, na Mesa-Redonda de Santiago do
Chile em 1972, no I Atelier Internacional da Nova Museologia na cidade de Quebec no Canadá realizado em
1984, na Reunião de Oaxtepec ocorrida no México em 1984 e na Reunião de Caracas na Venezuela em 1992.
Documentos que foram elaborados no seio do Icom – Conselho Internacional de Museologia” (Primo, 1999, pp.
5-6).
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fortalecem a partir das experiências da Museologia Social podem, por exemplo,


problematizar a existência de uma Museologia que não abarca os desafios postos por uma
sociedade negligenciada em múltiplos aspectos. É nas bases de constituição de uma
Museologia transgressora efetivamente aguerrida de um novo exercício crítico e
engajamento social que nasce um movimento que revoluciona a prática museal desde a
década de 1970 e que nos motiva a seguir transgredindo:

(...) desiludidos com a atitude segregadora do Icom e em particular do


Icofom, claramente manifestada na reunião de Londres, de 1983,
rejeitando liminarmente a própria existência de práticas museológicas
não conformes ao quadro estrito da Museologia instituída, um grupo de
museólogos propôs-se a reunir, de forma autônoma, representantes de
práticas museológicas então em curso, para avaliar, conscientizar e dar
forma a uma organização alternativa para uma Museologia que se
apresentava igualmente como uma Museologia alternativa (Moutinho,
1995, p. 26).

Com a reação descrita pelo autor, identificamos um pensamento museológico que


não considerou a forte corrente se iniciava e os rompimentos que geraria, reificado por
textos de autores integrantes, em sua maioria, ao Comitê Internacional de Museologia
(Icofom)45. Este mantém a linha de reflexão pautada pela construção de arcabouços
argumentativos que retroagem as bases sociais da Museologia a marcos mais remotos
desde a criação do Icom, por exemplo.
Para essa corrente teórica, a Museologia sempre foi una, e os espaços para as
discussões sociais sempre existiram em suas proposições teóricas e digressões construídas
a partir de uma visão francesa e anglo-saxã. Não existe a necessidade de transgredir, afinal,
a transgressão já está posta – não há, portanto, novidade em Santiago do Chile, não havia
conflitos que a Museologia daquele momento não pudesse superar. Os ecomuseus, criados
por membros do Icom, não significavam rupturas; para eles, a questão era: Como seria a
vida útil da Museologia de então, se uma nova fosse referendada?
No texto “Museologia Nova ou o nascimento da Nova Museologia”, publicado em
1985 e fruto do relatório apresentado ao Conselho Executivo do Icom para responder à
proposta de legitimação do Minom como organização filiada, argumenta-se que:

45 “(...) fórum internacional para o debate museológico. Em seu sentido mais amplo, a Museologia trata do
enfoque teórico sobre qualquer atividade humana, individual ou coletiva, relacionada à preservação,
interpretação e comunicação de nossa herança cultural e natural, e sobre o contexto social em que ocorre a
relação específica entre o homem e o objeto. Embora o campo do Museologia seja muito mais amplo que o
próprio estudo de museus, seu foco principal permanece nas funções, atividades e o papel dos museus na
sociedade, como depositórios da memória coletiva. Icofom estuda também as várias profissões que atuam no
museu. Um tópico importante é o inter-relacionamento entre a teoria e a prática. Os aspectos práticos do
trabalho do museu são denominados de Museografia ou Expografia. Os trabalhos apresentados nas
conferências anuais são publicados na Icofom Study Series. Um boletim de notícias mantém os membros
informados sobre o que está acontecendo”. Recuperado em 21 fevereiro, 2018, de
http://www.icom.org.br/?page_id=186
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Ao se reconhecer que a Nova Museologia deve ser tratada de modo


particular, o restante da Museologia deve ser enterrado o
desconsiderado demasiadamente velho para suscitar qualquer interesse
– quando, na verdade, há somente uma Museologia que deve abordar
seriamente todos os problemas (Desvallées, 1985/2015, p. 39).

O tema também possui outro desdobramento, e a indicação que faz acerca das
Museologias, no plural, reconhece que é necessário abrir caminhos para outros olhares e
novas percepções sobre as transformações no campo dos museus:

Foi assim que na primeira tentativa de reforma do Icom em 1971, a


noção de desenvolvimento foi introduzida explicitamente nos estatutos
da organização e se fizeram esforços para encorajar novas formas de
Museologia: museus locais, ecomuseus, centros de interpretação,
museus escolares (Varine, 2012, p. 30).

A militância de Hugues Varine, expressão usada pelo próprio autor para explicitar
seu envolvimento com o campo do patrimônio e dos museus, sempre na perspectiva de
valorização do desenvolvimento local como objetivo das práticas patrimoniais e museais, o
torna ainda mais especial para as análises apreendidas. No âmbito de seu relacionamento
com a área museológica, dedicou-se a refletir sobre outras museologias possíveis,
destacando, entre outros aspectos, o caráter inovador de tais práticas, sobretudo a relação
dos profissionais da época com o tema:

Nos anos 1970, com a fronteira entre minhas atividades profissionais e


minha militância “patrimonial” tendo praticamente desaparecido, tive a
oportunidade de participar da fundação, ou deveria dizer da invenção, do
ecomuseu da Comunidade Urbana Le Creusot-Montceau... Esse fato me
permitiu, apesar de minha saída do Icom em 1974, ficar próximo dos
museólogos que estão à procura de novas fórmulas e, por conseguinte,
que se inovam (Varine, 2012, p. 31).

Ainda que observemos nos documentos oriundos do Icom, em suas várias


conferências e encontros, a inclusão de temas como desenvolvimento local, ênfase na
realidade político-social e vínculo com as comunidades, ainda assim não é possível retirar
ou mesmo diminuir a importância e o pioneirismo do documento produzido por Santiago do
Chile e as propostas de intervenção e aglutinação das preocupações sociais que foram
originadas a partir daí. Importante destacar que os contextos que as produziram são
distintos – nesse caso, há uma grande distância entre o que se introduz como referência ao
caráter social dos museus e o que se pratica no âmbito dessas instituições.
A ênfase dada ao discurso geral com o reconhecimento de que os museus devem
estar atentos a uma realidade que se vincula política e socialmente não reflete em uma
mudança de pensamento conforme a abordagem dos temas principais dos museus e a

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atrelá-los a uma concepção politizada e socialmente engajada como papel social deles. Em
contrapartida, essa perspectiva é abandonada quando observamos, a partir desses marcos,
a prática relacionada aos museus – podemos, porquanto, ser mais audaciosos e investir em
uma razão diametralmente oposta.
Para alguns autores, a questão principal que norteia o debate acerca da valorização
dos resultados da mesa de Santiago do Chile e dos acréscimos que advêm desse
documento (somado às propostas teóricas e práticas que surgem a partir dele para o campo
da Museologia e que se dedicam, especialmente, aos aspectos sociais) se resume ao
reconhecimento de pioneirismo ou ineditismo atinente ao aspecto social. Assim, retira-se o
foco do teor emblemático da carta, desconsiderando o que é mais significativo de seus
legados: os desdobramentos de tais práticas para o fortalecimento do campo da Museologia,
no que se refere às inúmeras e novas possibilidades de relacionamento entre os museus, as
comunidades, os movimentos sociais e os territórios, frente às questões sociais, indicando
um marco para a constituição do movimento da Nova Museologia.
Em contrapartida, o documento-alvo de disputas por um campo que se quer manter
hegemônico e unificado permite chances de observar como o fato de que existem outras
museologias possíveis influenciará outras formas de compreender os museus,
problematizando-os em diálogos. Nesse caso se destacam soluções museográficas,
museais e museológicas dedicadas ao ato de denunciar, salvaguardar e contextualizar
zonas de opressão, violência e desigualdades sociais.
Os museus que surgem na década de 1970, a exemplo das proposições
desenvolvidas a partir da atuação de Hugues de Varine e George Henry Riviére com base
comunitária, sinalizam uma abertura de caminhos que inspiram outras práticas e que
permitem aprofundar o debate sobre fundamentos e bases que sustentam as museologias
como possibilidades de narrativas conceituais. Assim podemos identificar em que medida se
diferenciam e se constituem como autônomas – dialogaremos, nesse sentido, com a
constituição do movimento da Nova Museologia e a Museologia Social/Sociomuseologia.
Sobre a Nova Museologia, Maria Célia de Moura Santos aduz que o movimento
estabelece bases para o surgimento de novas práticas e reflexões que conformarão um
campo de conhecimentos denominado como Museologia Social ou Sociomuseologia. Ele
terá um papel metodológico e disciplinar que contribuirá com as reflexões e práticas
dedicadas aos aspectos sociais dos museus, sobretudo as práticas relacionadas aos
movimentos sociais, protagonistas locais e exercícios museais pautados em novos
processos. Assume-se um papel voltado ao ato de transgredir conceitual e
epistemologicamente no campo dos museus e da Museologia experimentado até então.

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O Movimento da Nova Museologia é um dos momentos mais


significativos da Museologia contemporânea, por seu caráter
contestador, criativo, transformador, enfim, por ser um vetor no sentido
de tornar possível a execução de processos museais mais ajustados às
necessidades dos cidadãos, em diferentes contextos, por meio da
participação, visando ao desenvolvimento social (Santos, M. C. T. M.,
2002, p. 94).

Todavia, essa construção não pretende desconsiderar todas as práticas e


processos desenvolvidos. É necessário considerar que o movimento da Nova Museologia
não pode ser visto como um ato isolado ou inédito e desconectado da realidade que permitiu
seu desenvolvimento; logo, ele não tem como ser evolucionista, pois a realidade social é
multidimensional. A prática da Nova Museologia é humana e, consequentemente, não se
pode dissociar de experiências passadas e embrionárias (Santos, M. C. T. M., 2002).
Em 1984 é realizado em Quebec o primeiro seminário internacional, destinado a
discutir ecomuseus e Nova Museologia. Moutinho (1995), ao comentar sobre o evento e o
documento decorrente dele, enfatiza que não há nada de novidade a realçar na declaração,
além do fato de: “(...) ter confrontado a comunidade museal com uma realidade museológica
profundamente alterada desde 1972, por práticas que revelam uma Museologia ativa, aberta
ao diálogo e dotada agora de uma forte estrutura internacional” (p. 28).
O movimento da Nova Museologia e os museus derivados dele podem ser
compreendidos como alternativas para a realidade museal, à medida que propõem a
articulação de saberes e práticas relacionadas ao patrimônio em seu sentido alargado e a
participação plena dos cidadãos nos museus. Nesse sentido, a trajetória do Minom contribui
para a atmosfera de atuação desses processos assentados a partir da mesa de Santiago do
Chile.
Ao fundarem o Minom, os profissionais demonstram algum tipo de manifestação por
espaço ou reconhecimento. De forma articulada, impõem a perspectiva de que é necessário
um espaço destinado a debates e trocas voltados à realidade vivida por museus
comunitários, ecomuseus e demais que tenham afinidade com as propostas da Nova
Museologia.

O que se observa é que, no início dos anos 1980, apesar da existência


de um bom número de ecomuseus, museus comunitários, museus locais
e museus ao ar livre, os profissionais que desenvolviam ações
museológicas comprometidas com o desenvolvimento social e com a
participação encontram resistências no sentido de que seus projetos
fossem reconhecidos no universo museológico (Santos, M. C. T. M.,
2002, p. 103).

Incentivado por essas reflexões em um ambiente propício em que outras


museologias são possíveis, “(...) o conceito de Museologia Social traduz uma parte
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considerável do esforço de adequação das estruturas museológicas aos condicionalismos


da sociedade contemporânea” (Moutinho, 1993, p. 7).
Com o intuito de fortalecer as reflexões em torno da Museologia Social,
observamos a atuação do mestrado e do doutorado em Museologia da ULHT. Um exemplo
disso é Aline dos Santos Portilho, cuja tese de doutoramento versa sobre as políticas
governamentais e as ações do Museu de Favela, em que se detém a compreender como o
campo da Museologia Social está inteiramente associado ao fortalecimento das práticas e
políticas museológicas brasileiras a partir de 2003. Em seu trabalho, além de outros
enfoques, estuda a produção acadêmica dos referidos níveis de ensino da ULHT refletidos a
partir dos artigos publicados nos Cadernos de Sociomuseologia, contribuindo com uma
sistematização que permite observar a crescente produção a respeito do tema:

Um ano após a transferência do mestrado em Museologia Social para a


ULHT, foram lançados os Cadernos de Sociomuseologia – Revista
Lusófona de Museologia, ligada ao Centro de Estudos de
Sociomuseologia. Contava, até 2012, com cerca de 140 autores cujos
textos eram distribuídos em 44 números. Uma parcela de trabalhos
investiu na publicação de textos normativos para o campo, buscando
definir conceitos bem como estipular procedimentos para a Museologia e
para a operação da categoria Museologia Social. Entretanto, a maior
parte dos textos analisa casos e relata experiências aplicando conceitos
e narrativas estabelecidas para a Museologia Social (Portilho, 2016, p.
46).

Atentos aos esforços dedicados ao fortalecimento das discussões conceituais,


alguns autores nos oferecem a problematização de definições já elaboradas para
desenvolver uma nova perspectiva de análise para o campo dos museus. Mario de Souza
Chagas, entre várias contribuições dedicadas ao campo da Museologia Social, discorre
sobre os conceitos de patrimônio e memória e os retira da condição de outrora, para
passarem por uma revisão que os permitam se articular às ideias de esquecimento,
fratrimônio, resistência e poder (Chagas, 1996, 2007, 2013, 2017). Para a discussão dos
assuntos tangenciados neste texto, ao escolher o debate e o confronto entre o poder da
memória e o dos museus, experimentando as transformações possíveis e as discussões
sobre o papel de tais instituições nesse contexto, o autor articula os museus aos
movimentos sociais e aborda a questão específica de poder relacionada a eles, além de
verificar as formas de sobreviver a esses propósitos.

Não se tratava mais, tão-somente, de abrir os museus para todos, mas


de admitir a hipótese e de desenvolver práticas em que o próprio museu,
concebido como um instrumento ou um objeto poderia ser utilizado
inventado e reinventado com liberdade, pelos mais diferentes atores
sociais. Por essa estrada, o próprio museu passou a ser patrimônio

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cultural e o patrimônio cultural uma parte constitutiva da nova


configuração museal (Chagas, 2007, p. 220).

Diante desse cenário, iniciativas dedicadas aos museus comunitários, sociais e aos
Pontos de Memória se configuram como um aspecto importante do campo museológico e
museal, quase se sobrepondo às demais áreas de conhecimento da Museologia. Esse
cenário pode crescer e se dedicar às políticas públicas construídas pelo governo Lula e,
antes disso, por discussões e articulações interpessoais como as do I Encontro Internacional
de Ecomuseus46, que aconteceu na cidade do Rio de Janeiro em 1992 e marcou a troca de
experiências entre professores, pesquisadores e militantes que passariam a construir práxis
voltadas à área da Museologia Social ou Sociomuseologia em âmbito internacional.
A seguir, para que possamos compreender melhor a aproximação teórica acima
esboçada, abordaremos conceitos relacionados ao pensamento decolonial, que nos ajudam
a pensar a Museologia Social e a fortalecer o campo da Museologia a partir da
Decolonização do pensamento museal, ao exercer práticas decolonizadoras. Um exemplo
disso é a experiência do Programa Pontos de Memória, que veremos no Capítulo 2 desta
tese.

1.1.3 Teoria Decolonial

Com o intuito de elaborar uma breve sistematização dos principais autores que
abordam aspectos pós-coloniais e decoloniais em suas pesquisas, partimos do grupo
Modernidade/Colonialidade (M/C), formado a partir da década de 1990 por intelectuais
latino-americanos situados em diferentes universidades. Uma das principais contribuições
da equipe foi revisitar o argumento pós-colonial por meio da noção de “giro decolonial”,
promovendo uma drástica revisão epistemológica e a consequente renovação crítica e
utópica das ciências sociais no século XXI. A defesa do “decolonial”, nas esferas política,
epistêmica e teórica, é posta como estratégia de sobrevivência para estar no mundo cercado
pela permanente colonização em escala global, contribuindo com a renovação da tradição
crítica do pensamento latino-americano.
Nesses termos, a colonialidade é definida como:

(...) um dos elementos constitutivos e específicos do padrão mundial


capitalista. Sustenta-se na imposição de uma classificação racial/étnica
da população do mundo como pedra angular do referido padrão de poder
e opera em casa um dos panos, meios e dimensões, materiais e
subjetivos, da existência social quotidiana e a escala societal (Quijano,
2010a, p. 84).

46 A esse respeito, ver os anais do I Encontro de Ecomuseus realizado nos dias 18 a 23 de maio de 1992 na
cidade do Rio de Janeiro.
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Assim, os estudos e as preocupações pós-coloniais enfrentam questões complexas


sobre como as novas pesquisas e perspectivas epistemológicas podem romper e avançar,
ao considerar que novas abordagens devem surgir, recolocando os pressupostos emanados
pelo movimento pós-modernista e pós-estruturalistas. Esses movimentos produzidos por
teóricos e pensadores de um norte colonizador são relevantes, mas não conseguem explicar
totalmente os fenômenos ocorridos nas regiões colonizadas.
A transformação no campo das ciências sociais, configurada no cerne da base
epistemológica, se deve à busca pela reinvenção do “oriente”, com o escopo de se
desvencilhar da produção de conhecimentos pautados por exercício e dominação do “outro”,
em contraposição ao “ocidente” produtor de subalternidades. A denúncia feita pelos grupos
pós-coloniais é de que as ciências sociais contribuíram para a criação de um imaginário
sobre o mundo social do sujeito subalterno.
Nesse contexto surgem estudos e correntes que propõem questionamentos acerca
dos clássicos da literatura pós-colonial no âmbito das ciências humanas. Citamos autores
precursores do pensamento pós-colonial, como Frantz Fanon, psicanalista, negro e
martinicano, revolucionário do processo de libertação nacional na Argélia; Aimé Césaire,
poeta, também negro e nascido na Martinica; e Albert Memmi, escritor e professor de origem
judaica. Eles, assim como outros pensadores, contribuíram com uma estrada profícua rumo
à transformação das bases epistemológicas das ciências sociais ainda em construção
(Ballestrim, 2013).
Grandes nomes da literatura clássica das ciências sociais, como Foucault, Deleuze,
Derrida e Lyotard, ligados ao pós-estruturalismo e ao desconstrutivismo, eram vistos com
desconfiança por aqueles que acreditam na capacidade inovadora dos estudos pós-coloniais
e em um rompimento radical com a perspectiva teórica eurocêntrica atribuída a eles. Desse
modo, os agentes que se relacionavam com as vertentes teóricas destes movimentos eram
considerados responsáveis pela descaracterização dos estudos subalternos com a
introdução excessiva de reflexões clássicas. Esse ponto principal é destacado pelos estudos
pós-coloniais produzidos por integrantes do M/C, a fim de preservar a emergência de uma
nova concepção epistemológica desde o sul. Spivak, oriunda do Grupo de Estudos
Sulbalternos, formado ainda na década de 1970 e anterior ao M/C, contribuiu com o
acréscimo excessivo de referência aos autores pós-modernos (Ballestrim, 2013). Vale dizer
que o Grupo de Estudos Subalternos, criado em princípio no Sul Asiático, também serviu
para reforçar o pós-colonialismo como movimento epistêmico e acumulou desdobramentos
em outros países, influenciando estudos variados.

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O pensamento acerca da colonialidade do poder, saber e ser apresentada por


Aníbal Quijano em fins da década de 1980 e trabalhada por Wallerstein (1991, 1992, 1995) e
Mignolo (2005), é um dos principais elementos que fortalecem a atuação do Grupo M/C.
Convictos de que as relações de colonialidade não se findaram com o término do
colonialismo, o grupo avança nas definições acerca da ideia de que desastres humanitários
como guerras, genocídios e exploração das Américas fossem expoentes das relações
estabelecidas pela colonialidade do poder, reforçada pela concepção de uma diferença
colonial pautada pela inferiorização de raças, relações de gênero e de trabalho (Quijano,
2010b).
Outra reflexão significativa está atrelada à ideia segundo a qual não existe
modernidade sem colonialidade, em que esta é imprescindível àquela e, por isso, não pode
ser considerada à parte, além de ser indispensável para as análises e revisões
epistemológicas (Quijano, 2000). Boaventura de Souza Santos incrementa essa discussão
ao se defender das críticas postas pelos teóricos do pós-colonialismo e estudos decoloniais,
especialmente quanto à produção de novas epistemologias vindas do norte considerado
opressor. A resposta desse teórico se refere às ideias de Walter Mignolo, que possui voz
mais radical e considera fundamental que a crítica ao ocidentalismo tenha o lócus na
América Latina (Castro-Gómez & Mendieta, 1998, p. 17). Da mesma forma, é necessária
uma ruptura adequada com autores eurocêntricos, a fim de que surjam alternativas ao
pensamento colonizador desde o norte eurocêntrico (Mignolo, 1998).
Boaventura Santos, que é cientista social português, em resposta às críticas e
radicalidades cometidas pela corrente pós-colonialista, no tocante à produção de
alternativas epistemológicas desde o norte, defende sua posição de teórico pós-colonial que
produz o pensamento crítico desde aquela região para construir novas epistemologias
desde o sul; tece considerações acerca das inconsistências dessa postura radical, criando a
expressão “de oposição”, pensada por ele para justificar os limites e os desafios de uma
visão radicalizada sobre as reflexões advindas do Norte; e faz essa discussão como
cientista social oriundo de um país colonizador que contribui com as discussões atinentes ao
pós-colonialismo. Assim:

Desta concepção ampla de pós-colonialismo, que inclui o próprio


colonialismo interno, e a sua articulação com os outros sistemas de
poder e de discriminação que tecem as desigualdades do mundo,
emergem as tarefas da globalização contra-hegemónica, as quais, por
sua vez, põem novos desafios à teoria crítica que se vem construindo do
pós-moderno de oposição ao pós-colonialismo de oposição. Aliás, os
desafios da globalização contra-hegemónica, obrigam a ir mais além do
pós-moderno e do pós-colonial na compreensão transformadora do
mundo. Por um lado, a imensa variedade dos movimentos e acções que

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integram a globalização contra-hegemónica não cabe nas formas de


descentração que tanto o pós-modernismo, em relação com à
modernidade ocidental, como o pós-colonialismo, em relação com o
colonialismo ocidental, têm vindo a propor. Por outro lado, a agregação
de vontades e a criação de subjectividades que protagonizam acções
transformadoras colectivas exigem que o novo pensamento crítico seja
complementado pela formulação de novas alternativas, o que o pós-
moderno se recusa a fazer e o pós-colonial só faz muito parcialmente
(Santos, B. S., 2010, p. 41).

O debate a ser aprofundado estabelece suas bases na agregação de vontades


pautada pela criação de subjetividades ancoradas no desejo de ir além das próprias
definições e concepções, marcando sua construção segundo uma crítica ampliada. Assim,
devemos estar atentos às novas formas de produzir contra a hegemonia em um mundo de
discriminação e desigualdades, onde se desejam elementos que contribuam com a criação
de alternativas a partir do cenário de oportunidades postas pela Museologia, seus processos
museais e sua capacidade de inspirar musealidades transgressoras.
Com o intuito de aprofundar o debate, recuperamos as ideias apontadas por
Mignolo (2010), em relação à necessidade de uma desobediência epistêmica. No entanto, o
autor busca evidenciar que, a despeito das críticas contundentes às ideias pós-modernas e
pós-estruturalistas fundamentadas pelo pensamento europeu, a coexistência do conceito
decolonial não necessita ser tomada como tentativa de “(...) deslegitimar as ideias críticas
europeias ou as ideias pós-coloniais baseadas em Lacan, Foucault e Derrida” (p. 2)
Entretanto, salienta um profundo desconforto ao identificar que os intelectuais da pós-
modernidade tratam como ofensa o fato da não veneração aos seus escritores
emblemáticos, produtores de textos tidos muitas vezes como “sagrados”.

1.1.4 Decolonização do pensamento museal e museológico

Inspirados por percursos decoloniais, em especial pelas ideias de desobediência


epistêmica, busca-se lançar outros olhares acerca das correntes teóricas47 produzidas pelo
campo museal, ainda em construção, com o intuito de dialogar a partir das contribuições de

47 A produção bibliográfica possui referenciais pautados por estudos produzidos, entre outras esferas, no âmbito
do Icofom, com destaque para Vinos Sofka, Klaus Shreinner, Zbynek Z. Stransky, Tomislav Sola, Ana Gregorová,
Peter Van Mench, André Desvallées, Hugues de Varine, Georges Henri Rivière e outros. Tais autores refletem
sobre museus e Museologia, podendo ser encontrados em abundância, por exemplo, nas publicações do Icom e
do Icofom, além de conceitos-chave de Museologia organizados por André Desvallées e François Mairesse,
traduzidos pelos museólogos brasileiros Bruno Brulom e Marilia Xavier Cury, em versão publicada no Brasil, em
2013, dos quais depreendemos questões para compartilhar. Ao analisarmos algumas definições, pretendemos
não destituir de valor os acréscimos conceituais e a sua importância, assim como as contribuições do Icofom e
de seus autores para o cenário nacional e internacional da Museologia. No entanto, é preciso destacar que tais
expressões não se adéquam a mudanças ocorridas no campo museológico, especialmente as acumuladas pelas
práticas e reflexões advindas da Museologia Social. Questões em torno dos temas abordados na publicação
sofrem cotidianamente alterações marcadas por práticas cada mais audaciosas que emergem de comunidades e
grupos sociais que aceitaram o desafio de pensar e fazer museus e, por conseguinte, fazer e pensar Museologia.
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outros instrumentos que contribuem com a fundamentação teórica no campo da Museologia,


sobretudo a Museologia Social. Dessa forma, pretendemos citar a necessidade de outras
definições, tendo como inspiração novos estudos e elementos que auxiliem na identificação,
por exemplo, de possibilidades de compreensão do campo museal segundo pressupostos
da Museologia Social, com vistas a formulações que aprofundem reflexões sobre a prática
social no âmbito da Museologia e dos museus. Consideramos primordial, como ambição
introdutória, discutir os limites e as implicações dos conceitos utilizados de museu,
musealidade, musealização, acervo, conservação, participação, ente outros utilizados em
práticas restritas a espaços museais tradicionais. O interesse está em observar os
movimentos, as especificidades da prática museal social e, por isso, é necessário
dramatizarmos categorias da Museologia, para realizar uma constante revisão e
reformulação, o que ajuda a fortalecer uma teoria para a Museologia Social conectada com
os novos desafios epistêmicos submetidos ao âmbito museal.
A Nova Museologia e a Museologia Social não podem ser sinônimas, por mais que
tenham sido configuradas pela mesma matriz ideológica. A primeira é um movimento cuja
trajetória provém das reflexões iniciadas em Santiago do Chile e do surgimento das
experiências dos ecomuseus e da ecomuseologia atrelada a várias denominações de
museus, como: museus comunitários, museus de vizinhança, museus sociais, museus
inclusivos, ecomuseus, entre outros. Ela está imbricada em ambições progressistas de
museólogos influenciados por um mundo em constante ebulição e transformação.
Nesse sentido, a Nova Museologia é confrontada por limites, como a falta de
categorias e conceitos bem delimitados. Com a necessidade premente de oportunizar o
surgimento de outras vanguardas com mais capacidade de tecer abordagens para os
mesmos problemas, a Museologia se reinventa, e, juntamente à habilidade de abarcar tais
reflexões, avança de modo adequado – afinal, experimentamos “(...) a contingência de
começarmos a viver a nossa própria experiência no reverso da experiência do outro”
(Santos, B. S., 2010). O campo da Museologia sofre (e deve mesmo sofrer) mudanças e
(re)significados, associados aos acúmulos de participações e novos protagonismos nesse
processo de pensamento que identifica e se apropria da Museologia, algo cada vez mais
atrelado aos desafios do século XXI.
Matriz inspiradora, a Nova Museologia é um movimento que cria as condições para
a constituição e o fortalecimento de uma Museologia Social que se (re)faz na práxis,
aprofundando a relação dialética e epistemológica da sociedade nos museus e a destes em
sociedade. Isso ocorre, sobretudo, em direção a uma nova sociedade baseada em ideias

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que desejam subverter a lógica da colonialidade do poder, saber e ser no âmbito dos
processos museais.
Atentos às necessidades de uma sociedade que pretende desobedecer à ordem
imposta pelo exercício da colonialidade do poder, saber e ser, articulados com práticas
museais transgressoras e indisciplinadas, do ponto de vista da não adequação a formatos e
marcos cronológicos, compreendemos que a Museologia Social, de acordo com os
pressupostos decoloniais e o pós-colonialismo de oposição, pretende empreender novas
alternativas para pensar o campo dos museus para além de suas representações e da
ideologia já esboçada e inaugurada, com mais ênfase, em 1972.
Quando o próprio campo percebe que a Nova Museologia pode ter uma herdeira
poderosa chamada Museologia Social, é notável uma complicação nesse contexto, dada a
capacidade aglutinadora do termo. Assim, parte da produção acadêmica e teórica da
Museologia passa a configurar o discurso de que toda Museologia é social, assim como,
anteriormente a essa discussão, na mesma perspectiva, a Nova Museologia indicou uma
área que avança com postura crítica, porém sem nada de novo em seu escopo que pudesse
justificar uma “Nova Museologia”; logo, George Henri Rivière considera ilegítimo o discurso
de ruptura entre uma Museologia ampla e crítica, pregada pelo Icofom, e a “Nova
Museologia”, correntes disseminadas por profissionais que motivam o rompimento a partir
de outras noções epistêmicas. Nessa linha de pensamento, o termo social também é
problematizado como algo “novo”, com a ideia de que esse aspecto social sempre fez parte
das preocupações do campo museal, voltada a uma Museologia que pretende ser crítica.
Mas, afinal, para onde vamos com essa discussão? Como fortalecer as alternativas
epistemológicas para o campo museal e, assim, fazê-lo forte e concreto, ao invés de apenas
girar em torno de questões que não nos permitem avançar?
Além dessa discussão, há inegavelmente questões específicas para serem
abordadas, em que o campo de possibilidades museais avança de maneira considerável. A
Museologia, como disciplina, não pode aglutinar e dissolver tanto acúmulo em seu espectro
de pensamento que se pretende uníssono, sendo necessário reconhecer o espaço
diferenciado, sob o ponto de vista teórico e prático, da construção social na Museologia de
forma específica, com o intuito de compreender seu papel e desdobramentos para o campo.
A desobediência epistêmica proposta por Walter Mignolo (2010) oportuniza o
rompimento com as fronteiras do pensamento museológico e a ampliação do conceito de
museus e Museologia para outras esferas localizadas, quem sabe, para além (e muito além)
das configurações e amarras de museus condicionados à lógica eurocêntrica. Aliás, vale
destacar que, mesmo os museus comunitários e ecomuseus muitas vezes se condicionam

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por lógicas extremamente castradoras e limitadoras, sendo atrelados a constructos sociais


deformadores. Há muito a se pensar sobre isso para enfrentar esses entendimentos numa
realidade em que muitas experiências podem estar disfarçadas como emancipadoras e
libertadoras a partir do discurso museal progressista, além de atender a interesses que se
confundem com a prática reacionária e limitadora da sociedade.
Práticas hoje compreendidas como processos museais são tidas como “não
museus”, por não cumprirem com os “pré-requisitos” oficiais listados para obterem o “direito”
de serem museus e, por conta disso, serem considerados museus e aceitos como tal,
integrando a lista que os oficializam e institucionalizam diante de instâncias como Ibram,
Icom, governos estaduais, municipais e outros organismos reguladores, agenciadores e
legitimadores. A esse respeito, identificamos, por exemplo, uma profunda indiferença posta
em relação ao fato de que os museus sem acervo não são, portanto, museus. Essa
perspectiva acerca da materialidade de tais instituições permanece limitadora, mesmo no
sentido mais amplo da expressão, considerando o termo “virtual” ou como ecomuseus e
museus comunitários. Ora, como podemos romper com as amarras conceituais,
encontrando outros significados para o que significa museu, se até mesmo se exigem dos
museus herdeiros da Nova Museologia uma adequação a padrões mínimos para serem
aceitos na estrutura da Museologia? Esse ponto é estratégico para pensar a Museologia
Social, pois os conjuntos de acervos são eminentemente transgressores dessa ordem de
classificação e projeção ordenadora. Se o acervo for de indignação, resistências e luta? Se
o acervo não tiver representatividade material? E se as pessoas não tiverem corporeidade
construída? Nesse sentido, Aníbal Quijano nos inspira a pensar:

O lugar central da “corporeidade” neste plano leva à necessidade de


pensar, de repensar, vias específicas para sua libertação, ou seja, para a
libertação das pessoas, individualmente e em sociedade, do poder, de
todo o poder. E a experiência histórica até aponta para que há outro
caminho senão a socialização radical do poder para chegar a esse
resultado (Quijano, 2010c, p. 126).

O museu transgressor, indignado propõe rompimentos com a estrutura da


Museologia. A dicotomia museu tradicional e museu comunitário/ecomuseu não é mais
suficiente para incluir uma instituição, um processo, uma prática, uma ação museal
decolonial que expanda ideias e movimentos para além das conceituações, planos
museológicos, acervo, segurança, atividades educativas e dos impositivos de uma prática
museológica minimamente “adequada” e, por isso, aceitável. Não pretendemos criar a
perspectiva do museu anarquista ou antimuseu, “não museu”, mesmo reconhecendo que
tais processos são possíveis. Essas implicações servem para auxiliar a produção de
incômodos e problematizar a ideia da liberdade acerca da apropriação do que significa
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museu e como ele pode estar atrelado a princípios diferentes dos que são postos como
únicos caminhos de entendimento e realização – afinal, a comunidade ou o grupo que
propõe se apropriar desse lugar, muitas vezes (e arrisco a dizer, na maioria das vezes) não
sabe o que isso significa. São estimulados a partir de um discurso de possibilidades, e a
realidade de seu envolvimento com o tema levanta idiossincrasias que devem ser
identificadas e formuladas como questões para a Museologia Social. Tal assunto, cerne de
nossa discussão, será tema aprofundado nos próximos capítulos ao analisarmos o
Programa Pontos de Memória.
A partir de uma análise preliminar da publicação “Conceitos-chave em Museologia”,
visamos identificar como as construções teóricas amarram ou colonizam o entendimento
acerca dos objetos e objetivos da Museologia Social, a partir de termos frequentemente
utilizados pelos museólogos. A esse respeito, os tradutores oportunizam o debate acerca
dos conceitos apresentados numa perspectiva aberta a críticas e reflexões, em que
pretendem promover o diálogo, ampliando as possibilidades do campo e dos estudos.

Convidamos os leitores a uma leitura crítica, refletindo sobre seus


museus e sobre a melhor maneira de participar dos processos museais,
da mesma forma que queremos estimular os estudantes e
pesquisadores a se debruçarem sobre a difícil tarefa, mas extremamente
necessária, de conceituação e definição de termos que ajudem ao
desenvolvimento da Museologia (Brulon & Cury, 2013, pp. 26-27).

Propomos pensar, de forma preambular, outras possibilidades de conceituação,


ampliando demandas de novos processos museais que têm surgido atualmente, a exemplo
dos Pontos de Memória. A publicação desenvolvida no âmbito do Icofom/Icom nos auxilia
sobre as construções teóricas do campo da Museologia que são datadas e, por isso, devem
ser consideradas um instrumento de análise histórica específica. Destacamos pontos de
uma discussão profícua que, certamente, não será esgotada, mas que pode acenar para
alguns caminhos interessantes que poderão ser aprofundados no futuro.
Citada apenas uma vez em todo o livro, em forma de nota de rodapé, a Museologia
Social recebe a seguinte definição:

(...) proveniente de uma tradição museológica distinta da francesa,


estando mais diretamente ligado à “Museologia Social” praticada e
debatida no contexto português e na Mesa Redonda de Santiago do
Chile, em 1972. O termo francês “museus de sociedade”, por sua vez, foi
usado, a partir de meados do século XX, para ressaltar a especificidade
de certos museus que não se caracterizavam como museus de arte e
que não tinham coleções de Belas Artes (Desvallées & Mairesse, 2013,
p. ).

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Também verificamos que a reflexão acerca do papel dos museus em sociedade


aparece em outros verbetes que não os da Museologia ou do museu. O tema é abordado
nos verbetes “sociedade” e “ética”, cuja ênfase ao papel dos museus em sociedade é
destacada de forma complexa e desarticulada da prática, nos permitindo identificar o
deslocamento da expressão “Nova Museologia”, em que caberia o aprofundamento nos
museus seu compromisso social, reduzindo o assunto a uma dicotomia centrada na
diferenciação entre museus tradicionais/clássicos e comunitários/ecomuseus.
Conforme a análise das categorias e dos verbetes criados em Conceitos-chave de
Museologia, percebemos que existem limitações nessas propostas que dificultam o
entendimento acerca do campo da Nova Museologia, até mesmo uma desconsideração
proposital relacionada à capacidade de abordar assuntos sociais no âmbito da Museologia.
Um bom indício dessa constatação diz respeito à inclusão do caráter social dos museus
apenas no verbete que se refere a “museus” e “ética”, sem aparecer, na definição da
Museologia, tal organização do pensamento dos autores – isso demonstra uma limitação
intencional e uma perspectiva reducionista sobre o assunto. Eles delimitam o tema social,
que diz respeito ao campo museológico enquanto reflexão teórica, apenas aos tipos de
museus (em perspectiva dicotômica), sem se relacionar à Museologia enquanto campo que
produz alargamento conceitual, permitindo ampliar o entendimento epistêmico a partir de
diferentes processos museais.
Os autores produzem tal reflexão, e as considerações refletem os acúmulos
conceituais datados nos anos 1990, época em que as práticas relacionadas aos aspectos
sociais dos museus e a Nova Museologia circulavam, especialmente os relacionados aos
museus comunitários e ecomuseus – nesses termos, a publicação apresenta avanços de
forma atenta. No entanto, a reedição em 2013 destaca o pensamento veiculado a partir dos
verbetes que merecem atualização e, quem sabe, revisão crítica.
Coerente com o discurso deste trabalho, que pretende pensar alternativas para a
decolonização do pensamento museal, propomos uma discussão a partir de instrumentos
que projetem conceitos segundo novas dinâmicas museais, ao considerar a produção da
América Latina em essência. Importante perceber os acúmulos gerados por inúmeros
profissionais que dedicam as reflexões desde a perspectiva sul-sul, incluindo novos atores
vindos de movimentos sociais, grupos e coletivos que já concebem, em suas práticas
museais, definições próprias e articuladas com o fazer museal insurgente.
Assim, a dicotomia entre museus de um tipo e os de outro creditou à Nova
Museologia uma atuação restritiva, pois, ao mesmo tempo em que pretendia romper com a
postura engessada e, muitas vezes, retrógrada de refletir sobre os museus tidos como

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clássicos e tradicionais, ela não deixou de considerar em suas práticas a inovação nessas
instituições. A intenção de provocar mudanças de atitude, frente às limitações impostas,
criou uma cisão profunda entre uma Museologia e outra, além de profunda discordância
como explicitado por André Desvallées, a respeito da incongruência de propor outra
Museologia para pensar problemas museais diferentes. O conceito de museu atrelado à sua
capacidade de significação científica é uma longa busca, e isso também ocorre com os
teóricos tradicionais, que precisam lidar com uma ruptura e a descaracterização de uma
Museologia em benefício da outra que se pretendia melhor, nova, inovadora, jovem e
promissora.
Uma Museologia clássica não resistiria aos encantos propagados pela mais jovem,
dado que as ideias progressistas avançariam com rapidez e perderiam terreno conceitual
com uma Museologia tão frágil em sua constituição – esse é quase um pecado imperdoável.
Os teóricos que não aceitavam a “ruptura”, em seus discursos “de inauguração” de uma
Nova Museologia ou “Museologia Nova”, reforçavam que as ideias de inovação surgem no
campo da Museologia tradicional; logo, os “novos” problemas podem (e devem) ser tratados
por ela. A batalha travada nesse contexto origina o Minom, que prossegue à revelia dessa
configuração “oficial” da construção teórica do campo museal.
Não há mais volta: a Nova Museologia aparece desafiadora e militante, em que
arregimenta adeptos, seduz e encoraja aqueles que querem atribuir sentido à Museologia
para além do reforço a acervos, patrimônio artístico e científico e reflexões ajustadas ao
cenário institucionalizado e organizado pelo Icom, conforme seus pressupostos e regras.
Dedicado à prática, o termo “nova” perdeu força e precisava de fôlego. Assim, em
1993 foi criada a expressão Museologia Social48, oxigenando as práticas museais,
juntamente com o curso de especialização em Sociomuseologia e, depois, o mestrado e o
doutorado da ULHT em Lisboa, Portugal. Essa construção tem rendido dissertações e teses
preocupadas em refletir sobre a Museologia Social ou Sociomuseologia que se consolida,
cresce e produz movimentos inovadores a respeito dos museus e da Museologia, obrigando
os teóricos do campo a perceberem a necessidade de aprofundar as categorias e o
entendimento acerca de uma área que possui a mesma base da Nova Museologia, mas que
rompe com alguns pressupostos clássicos para transgredir as possibilidades museais. É
necessário experimentar, vivenciar, abordar desafios e exercitar o estranhamento, as
parcerias, a aproximação com o poder público, gerando oportunidades atreladas aos
movimentos sociais, entre outras maneiras de romper com a dicotomia entre clássico e

48 A ULHT cria em 1993 o Centro de Estudos de Sociomuseologia e a revista Cadernos de Sociomuseologia.


Nesse contexto, Fernando Souza Neves, então reitor da instituição, escreveu uma apresentação para o primeiro
número da revista, em que reiterava a satisfação em receber aquele curso de especialização que se tornaria o
primeiro curso de mestrado da universidade (Neves, 1993).
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comunitário. Compreendemos ser essa uma boa oportunidade de discutir sobre as


necessidades desse movimento na constituição do campo museal.
Pensemos os conceitos de museal, musealização e musealidade no âmbito da
Museologia Social, com vistas a abordar os limites impostos por esses termos e ampliar a
capacidade de compreender novos problemas e desafios apresentados pelo campo museal.
Tais questões nos reportam para o Museu de Favela (MUF) e ao seu “Jeito MUF de
musealizar”, em que o processo ocorre na medida em que ele “(...) prospecta, articula,
pactua e estimula dinâmicas coletivas, exercitando modos intuitivos, criativos e libertários
para redescobrir, sob um novo olhar, o patrimônio cultural, enterrado sob o medo, a
segregação e o preconceito social” (Silva, Pinto, & Loureiro, 2012). De fato, não percebemos
experiências dessa natureza ancoradas pelos conceitos presentes nessa publicação em
análise, em especial no verbete musealização.
Outro exemplo é dado por Marília Xavier Cury (2012) que vê:

(...) o patrimônio e a musealização como conceitos que se constroem


contemporaneamente na esfera coletiva, o que equivale a dizer que as
distâncias semânticas entre os contextos da vida coletiva e museu
devem ser enfrentadas e incorporadas ao processo de discussão sobre
eficácia comunicacional e política de formação de coleções.

Nesse sentido, notamos que as dinâmicas de trabalho que envolvem as


comunidades indígenas – o grupo Kaigang e o Museu Histórico e Pedagógico Índia Vanuíre
– se inserem em uma reflexão que apresenta o processo de musealização como dinâmico e
interativo (Cury, 2012).
Para pensar a questão indígena e a musealização a que são submetidos os povos
em seus processos museais ao exercitarem a Museologia indígena, Alexandre Oliveira
Gomes e Ana Amélia Rodrigues de Oliveira (2010) propõem uma reflexão acerca desse
aspecto relacionado diretamente com os sujeitos que promovem a musealização,
deslocados do “objeto” que será musealizado. Nesse entremeio, o ato de musealizar é
social e processual, com sentidos que transcendem a coisa e se fixam no significado
coletivo.

Independentemente do caráter do espaço museológico, seja estatal e


oficial – como o do Museu do Ceará, seja um museu indígena em
primeira pessoa – como o dos Kanindé, os objetos ganham significações
e sentidos diretamente relacionados com a memória social em
construção pelos sujeitos que protagonizam os processos de
musealização. Consideramos musealização a projeção no tempo, em
perspectiva processual e com visibilidade social, de fenômenos que tem
origem no fato museal: a relação entre homem e objeto em um cenário
(Guarnieri, 1881) (Gomes & Oliveira, 2010, p. 42).

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Diante disso, tencionamos apontar caminhos para o aprofundamento das


discussões acerca da Museologia, com possibilidades de reflexão que deem conta de
questões renovadas cotidianamente a partir do trabalho desenvolvido junto a comunidades e
a movimentos sociais no âmbito da Museologia Social. Não pretendemos definir
musealização conforme as atividades exercidas no referido âmbito, e sim refletir acerca das
mudanças de atitude dos profissionais de museus ante os desafios postos pelos processos
empreendidos em diferentes contextos, como os novos museus, os museus sociais e os
Pontos de Memória.
Tais experiências são categorizadas pelos responsáveis oriundos de uma
comunidade ou movimento social. Nesse sentido, questiona-se: Como se dá o processo de
musealização a partir do envolvimento de grupos? É interessante perceber que pouco se
fala sobre o que grupos e indivíduos veem como práticas museais – a própria ideia de
museu é tida, muitas vezes, como algo inédito no cenário dos desafios diários, o que não
pode ser desconsiderado. Mas, afinal, como pode ser observada, experimentada e/ou
incentivada a musealização que ocorre a partir da percepção dos grupos, com autonomia
dos movimentos? A discussão acerca da colonialidade do poder e do saber leva a caminhos
e construções coletivas que expressam a mútua relação estabelecida entre os objetivos do
museu e as expectativas dos grupos que o manuseiam, lidam com a ideia e buscam
compreender sua relevância.

A Colonialidade do Saber, ao recuperar a simultaneidade dos diferentes


lugares na conformação de nosso mundo: abre espaço para que
múltiplas epistemes dialoguem. Em nuestra América mais que
hibridismos há que se reconhecer que há pensamentos que aprenderam
a viver entre lógicas distintas, a se mover entre diferentes códigos e, por
isso, mais que multiculturalismo sinaliza para interculturalidades (S. R.
Cucicanqui e C. Walsh, entre muitas e muitos), para gnoses liminares
(Mignolo), para diálogo de saberes (Leff, Porto-Gonçalves) (Porto-
Gonçalves, 2005, p. 3).

Ainda influenciados pelo pensamento que exprime o desejo de romper com uma
colonialidade do saber, é preciso discorrer, por exemplo, sobre o papel dos museólogos na
Museologia Social, pois claramente assumem condição e atuação diferenciada. A partir das
reflexões propostas por Porto-Gonçalves (2005), podemos abordar outro tipo de museólogo
que, assim como nos assuntos relativos ao pós-colonialismo e à colonialidade do saber,
compreende as necessidades de pensar outro intelectual.
É preciso, para nossa prática museal social, pensar em outro tipo de museólogo.
Assim:

Entender complexos processos, muitos dos quais postos em marcha por


vários movimentos sociais que tomam a nossa paisagem. Não que
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tenhamos aqui intelectuais dos movimentos. O que temos aqui são


intelectuais que põem em xeque, também, o lugar dos intelectuais e,
assim, são intelectuais em movimento. Abrem-se aqui boas pistas para
que os intelectuais se encontrem com a vida e, quem sabe assim, nos
ajudem a reinventar a polis, ou melhor, a Plaza (Porto-Gonçalves, 2005,
p. 20).

Por mais aproximações que façamos com os conceitos esboçados pelos teóricos
do campo museológico, as questões epistemológicas do campo de experimentações da
Museologia Social se distanciam e muito do arcabouço teórico até aqui citado. Apesar das
tentativas de pensar uma Museologia que consiga explicar tais movimentos, claramente
verificamos que o campo precisa de um anteparo mais arrojado, definido talvez pelas
urgências e necessidades dos dias atuais. Assim como a Nova Museologia já pleiteava
autonomia para seguir construindo um caminho inovador junto ao campo museal, como
herdeira, a Museologia Social avança em sua construção teórica e prática, em movimento,
em diálogo, a partir da articulação epistêmica que leva em consideração novos atores e
protagonistas do campo museal.
Não é necessário justificar o pertencimento epistemológico como algo constante
para rever conceitos e ideias, dado que o distanciamento produz alternativas, novos
caminhos e outras ambições. A esse respeito, há uma forte e contundente crítica em que se
esboçam os limites frente à constituição dos desafios contra-hegemônicos – talvez
estejamos:

(...) na contingência de começarmos por viver a nossa experiência no


reverso da experiência dos outros. Se esta contingência for vivida com
vigilância epistemológica, fundar-se-á nela um novo cosmopolitismo
cordial, que não nasce espontaneamente, como queria Sérgio Buarque
de Holanda, mas que pode ser construído como tarefa iminentemente
política e cultural, trabalhando sobre condições históricas e sociológicas
que, não sendo próprias, lhes são propícias (Santos, B. S., 2010).

Obviamente, o referido autor tinha em mente um universo mais amplo de análise e


pensava a sociedade como um todo e em suas múltiplas relações; todavia, podemos notar
riscos nessa passagem ao limitarmos o entendimento sobre as experiências no campo da
Museologia. Esse cosmopolitismo museal nos impede de romper e de exercer a
desobediência tão necessária para construirmos outras formas de compreender os museus
ou o que poderá surgir a partir deles.
Portanto, consideramos que a Museologia Social não visa romper, mas sim
demonstrar que suas práticas e experiências museais devem ser consideradas em sua
plenitude e movimentação. A Museologia possui vocação e responsabilidade social no
discurso oficial, no entanto, há de se reconhecer que, por si só, não representa atitude e
condições de abarcar a demanda constante por reflexão acerca das necessidades de
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ampliação e desobediência epistêmica aos conceitos “oficiais” formulados. É preciso ampliar


a discussão do campo da Museologia e criar condições adequadas nas estruturas de
pensamento, para que essa especificidade social seja amplamente debatida e absorvida nos
diálogos museológicos – não é mais o fato de ser nova que impacta, mas sim que o campo
social produz problemas novos, complexos e desafiadores.
Dito isso, é necessário aprofundar nos limites conceituais da Museologia Social,
avançando em estudos que nos permitam aferir resultados, caminhos e possibilidades por
meio de análises que auxiliem a pensar a relação estabelecida em diálogo com as
comunidades durante o trajeto de criação/idealização dos processos museais, algo urgente
nessa área. Tal fato não significa criar amarras, manuais ou modelos, e sim compreender o
que essas experiências indicam, quais caminhos levam ao rompimento com a ordem
estabelecida e contribuem com a mudança de percepção de mundo ou a discussão acerca
de outros mundos e sociedades que podem ser criados e livres das colonialidades do poder,
saber e ser como ditadores que tornam nossas trajetórias invisíveis.
Diante desse entendimento, vemos que algumas lógicas começam a ser rompidas,
como prevê Boaventura de Souza Santos (, p. ) ao investir na “(...) criação de subjetividades
que protagonizam ações transformadoras coletivas exigindo novo pensamento crítico (...)”.
De acordo com o autor, para refletir sobre a Museologia Social no contexto de criação,
precisamos pensar sobre novas práticas de Museologia Social, atreladas ao pensamento
descolonizador, com vistas a romper as barreiras impostas pelas colonialidades. Vale dizer
que a análise sobre os Pontos de Memória se concentra nos Capítulos 2, 3 e 4 deste
trabalho.
A partir das categorias indicadas por Boaventura de Souza Santos, para responder
aos desafios postos por sua sociologia das ausências e emergências, propomos traçar um
paralelo com a Museologia que possui as mesmas características, em que se destacam as
emergências como categorias interessantes para a Museologia Social. Com o esforço de
aproximar os campos em suas possibilidades inter (e trans)disciplinares, desejamos
contribuir com o incremento de outros constructos teóricos para a área da Museologia.

1.1.5 Museologia das ausências e das emergências

Vemos a indignação como uma potência geradora de mudanças, em que


impulsiona alternativas para enfrentar realidades que nos assombram, além de ter um
caráter energético. É a revolta contra um estado de coisas particularmente vergonhosa ou
cruel na qual, em nome de uma ética ou política, situações e conjunturas desfavoráveis

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socialmente são impostas e legitimadas. Essas conjunturas causam estratificações e


exclusões sociais que afetam, de modo drástico, o crescimento da sociedade ao tolher a
amplitude de oportunidades justas e igualitárias. Assim, a indignação gera o primeiro passo
para a mudança e um desconforto com o que é dado e imposto como única realidade
possível. De fato, a indignação nos permite rever o horizonte da utopia como alternativa e,
finalmente, nos mostra que merecemos transformar a realidade que incomoda. Essas ideias
encontram respaldo no pensamento do sociólogo e jurista português Boaventura de Sousa
Santos (2012), o que permite crer em possibilidades de que algo diferente aconteça; caso
contrário, será resignação, e não indignação.
Junto à discussão sobre a capacidade e a importância do ato de se indignar, é
preciso compreender os contextos sociais de construção e instauração da resignação como
prática pautada na dormência e na falta de uma sociedade mais crítica e radical, que
assuma os riscos e os resultados de conhecer e refletir sobre a própria realidade. Nesse
sentido, devemos abordar a teoria crítica como um conhecimento que funcione como
princípio de solidariedade, quando esta transita da ação conformista para a rebelde. Seus
pressupostos estão embasados em uma crítica pós-moderna que pretende reconstruir a
ideia e a transformação social emancipatória: “(...) as especificidades das formas de
socialização, de educação e de trabalho que promovem subjetividades rebeldes ou, ao
contrário, subjetividades conformistas é a tarefa primordial da inquirição crítica pós-
moderna” (Santos, B. S., 2001, p. 33).
O debate acerca da construção de subjetividades inconformistas e capazes de
indignação é tido como um processo social contextualizado. Nesse sentido, a teoria crítica
encontra terreno vasto para desenvolver processos dedicados a lutar contra o consenso
instaurado que permite a submissão e o conformismo: “(...) a teoria é a consciência
cartográfica do caminho que vai sendo percorrido pelas lutas políticas sociais e culturais que
ela influencia tanto quanto é influenciada por elas” (Santos, B. S., 2002, p. 37).
Com a elaboração das sociologias das ausências e das emergências, o autor
mostra um ambiente favorável para o diálogo com a Museologia Social e seus pressupostos.
A primeira busca provocar a visibilidade de realidades produzidas como ausentes via
silenciamento e marginalização, além de “(...) revelar a diversidade e multiplicidade das
práticas sociais e credibilizar este conjunto por contraposição à credibilidade exclusivista das
práticas hegemônicas” (Santos, B. S., 2004).
As ausências são produzidas para distanciar tudo que está em desacordo com as
ciências sociais convencionais. A formulação de questões que abarcam sujeitos e situações
tidas como inexistentes já caracteriza uma ruptura com elas. Com o intento de detalhar a

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sociologia das ausências, há cinco formas sociais de produção da não existência, atribuídas
à epistemologia e à racionalidade hegemônica – o ignorante, o residual, o inferior, o local e o
improdutivo –, fruto de reflexões baseadas em monoculturas estabelecidas para
compreender a produção de invisibilidade: 1) a do saber e do rigor do saber; 2) a do tempo
linear; 3) a da naturalização das diferenças; 4) a do universal e do global; e 5) a dos critérios
de produtividade (Santos, B. S., 2004).
Nesse contexto, a monocultura do saber e do rigor do saber é a mais poderosa
forma social de produção da não existência, em que consiste na transformação da ciência
moderna e da alta cultura em critérios únicos de verdade e qualidade estética,
respectivamente. A cumplicidade que une as duas culturas reside no fato de ambas se
arrogarem ser, cada uma no seu campo, cânones exclusivos de produção de conhecimentos
ou de criação artística. Tudo que o cânone não legitima ou não reconhece é declarado
inexistente, e a não existência se torna ignorância ou de incultura (Santos, B. S., 2004).
Na monocultura do tempo linear, a história possui sentido e direção únicos que,
formulados de diversas formas, dão sentido ao que chamamos de progresso, revolução,
modernização, desenvolvimento, crescimento e globalização. A ideia de que o tempo é
linear corrobora com a justificativa dos países sempre à frente de seu tempo, produzindo
conhecimentos válidos e certificados, instituições legitimadas e formas de sociabilidade
determinadas. “Esta forma produz não existência declarando atrasado tudo que, segundo a
norma temporal, é assimétrico em relação ao que é considerado avançado” (Santos, B. S.,
2004, p. 13).
Quanto à monocultura que concerne à naturalização das diferenças, ela “(...)
consiste na distribuição da população em categorias que naturaliza hierarquias. A
classificação racial e sexual são as mais salientes manifestações desta lógica” (Santos,
2004, p. 13). Assim, a não existência resulta da produção de uma inferioridade insuperável
porque é considerada natural, e quem é inferior nunca pode chegar a ser superior.
Já a monocultura universal e global pressupõe uma lógica que consiste em
considerar a escala escolhida para ser a primordial e determinante, em que as outras
escalas possíveis são irrelevantes.

(...) a globalização é a escala que nos últimos vinte anos adquiriu uma
importância sem precedentes nos mais diversos campos sociais. Trata-
se da escala que privilegia entidades ou realidades que alargam o seu
âmbito para todo o globo e que, ao fazê-lo, adquirem a prerrogativa de
designar entidades ou realidades rivais como locais (Santos, B. S., 2004,
p. 13).

A última monocultura descrita se refere aos critérios de produtividade e está


atrelada à fabricação da não existência quando determina a improdutividade, seja para o
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homem preguiçoso, a incapacidade profissional ou a natureza, em que ela está atrelada à


produção da esterilidade.
Assim, de maneira explícita, o autor define que o ignorante, o residual, o inferior, o
local e o improdutivo são frutos dessas monoculturas, ao propor que as ausências são
construídas para que o foco das questões sociais se volte às realidades consideradas
relevantes, sejam elas científicas, avançadas, superiores, globais e/ou produtivas (Santos,
B. S., 2004).
A proposta veiculada pela sociologia das ausências pretende identificar e
transformar as experiências produzidas como algo ausente em possibilidades concretas de
construção social, ou seja, tornando-as presentes. Dessa maneira, elas deixam de ser
apenas ausências produzidas pelo esquecimento proposital e passam a estar presentes,
sendo respeitadas como alternativas para a experimentação social, além de confrontar as
experiências consideradas hegemônicas.
É perceptível que a sociologia das ausências visa criar uma carência e transformar
a falta de uma experiência social em desperdício. Com isso, cria condições para ampliar o
campo das experiências credíveis neste mundo e tempo e, por essa razão, amplia o mundo
e dilata o presente. Nesses termos, o mundo é ampliado não só porque aumenta o campo
das experiências credíveis existentes, como também pelo fato de, com elas, aumentar as
possibilidades de experimentação social no futuro (Santos, B. S., 2004, p. 15). Para o autor,
essa sociologia é necessariamente transgressiva; sendo assim, pretende identificar e
superar concepções de totalidade, questionando cada um dos modos de produção de
ausências acima descritos.
Buscando alternativas para o enfrentamento da produção de não existência, o autor
propõe o exercício das ecologias dos saberes, das temporalidades, dos reconhecimentos,
das trans-escalas e das produtividades. Elas se pautam na ação, com vistas a privilegiar
uma postura que valoriza a multiplicidade de práticas sociais, dando-lhes credibilidade para
serem vistas como alternativas legítimas de produção de conhecimentos e trocas sociais.
A ecologia dos saberes aborda a monocultura do saber e do rigor científico ao
propor que outros saberes produzidos em contextos e práticas sociais declarados não
existentes tenham credibilidade diante dos conhecimentos ditos “legítimos” cientificamente.
Ao citar que os saberes não científicos são alternativos aos científicos, corrobora-se com a
subalternidade dos conhecimentos daqueles. Espera-se, por meio da ecologia do saber,
superar esse raciocínio e “(...) provar que não há ignorância em geral nem saber em geral.
Toda ignorância é ignorante de certo saber e todo saber é a superação de uma ignorância
em particular” (Santos, B. S., 1995, p. 25).

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No domínio da ecologia das temporalidades, a sociologia das ausências visa


libertar as práticas sociais das amarras do tempo linear medido hierarquicamente e
praticante de uma dominação resistente. Pretende-se incentivar as práticas sociais “não
existentes” a retomarem a própria temporalidade e autonomia diante da afirmação de que as
sociedades se constituem de várias temporalidades e que muitas são consideradas não
existentes por extravasarem o cânone temporal da modernidade ocidental capitalista
(Santos, B. S., 2004).
Enquanto isso, a ecologia das trans-escalas é uma tentativa de “desglobalização”
do local, ou seja, uma ampliação das possibilidades de entendimento de um “globalismo”
localizado. A sociologia das ausências exige, nesse domínio, o exercício da imaginação
cartográfica, quer para ver, em cada escala de representação, não só o que ela mostra, mas
também o que ela oculta; quer para lidar com mapas cognitivos que operam de maneira
simultânea com diferentes escalas, nomeadamente para lidar com as articulações
locais/globais (Santos, B. S., 1995, pp. 456-473; Santos, B. S., 2001a).
E a ecologia dos reconhecimentos coaduna com a lógica da classificação social e,
por conseguinte, a produção da desqualificação dos agentes deriva das práticas sociais
(saberes e fazeres). Produzem-se assim, iguais e diferentes, segundo os pressupostos do
poder capitalista moderno e ocidental, garantindo o determinismo de ditar quem é igual ou
diferente. Ela confronta tal ideia procurando uma nova articulação entre os princípios de
igualdade e diferença, abrindo espaço para as diferenças iguais e para o exercício dos
reconhecimentos recíprocos (Santos, B. S., 2004, p. 18).
Assim, a sociologia das ausências busca provocar a visibilidade de realidades
produzidas como ausentes por meio do silenciamento e da marginalização, além de “(...)
revelar a diversidade e multiplicidade das práticas sociais e credibilizar este conjunto por
contraposição à credibilidade exclusivista das práticas hegemônicas” (Santos, B. S., 2004).
Embasado na tese de que vivemos um período de transição paradigmática
profunda, que atinge o mundo de maneira geral e que se apresenta a todos como uma crise
do entendimento e da efetivação do projeto moderno, o autor desenvolve a emancipação
como instrumento necessário e viável para o enfrentamento da produção científica que
exclui e marginaliza a produção de conhecimentos que estão fora da produção
convencional. Logo, o reconhecimento de diferentes saberes, práticas e atores sociais é
cerceado (Santos, B. S., 2004).
Discutir emancipação e contrapô-la ao universo coercitivo ao qual se submetem as
narrativas e a produção cultural dos grupos marginalizados é uma das saídas para elaborar
um novo senso comum. Nele, as ideias de solidariedade e participação contribuem para

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uma nova conjuntura social pautada na renovação da teoria crítica, assim como para a
reinvenção da chamada emancipação social (Santos, B. S., 1999, 2002).
Diante das possibilidades que consideram a Museologia um campo de
conhecimentos favorável para a prática da autonomia de grupos sociais diante de seus
patrimônios, narrativas e identidades culturais, afere-se que o terreno para crescimento e
experimentações da Museologia Social brasileira é vasto e promissor e se configura pelo
interesse no debate em torno das discussões em defesa da ampla garantia por direitos e na
criação de contextos interativos de comunicação pautados por reivindicações de grupos
vulneráveis. Os grupos e movimentos sociais, nesse caso, podem utilizar a potência
geradora dos museus a serviço de seus ideais e projetos de poder contra-hegemônicos com
discussões libertárias e dialógicas (Chagas, 2007).
A partir da perspectiva de que os museus podem (e devem) ser (re)inventados por
diferentes grupos sociais, consideramos que a sociologia das ausências visa “(...) revelar a
diversidade e a multiplicidade das práticas sociais e credibilizar este conjunto por
contraposição à credibilidade exclusivista das práticas hegemônicas” (Santos, B. S., 2004, p.
253) – igualmente, a Museologia Social pretende retirar do esquecimento e da produção
forçada de não existência as práticas sociais silenciadas e marginalizadas. Por meio da
musealização, criam-se estratégias que permitem a visibilidade das memórias produzidas,
assegurando o diálogo e o enfrentamento de ideias. Essa é uma estratégia educacional que
garante espaço para reconhecer identidades e culturas provenientes de variados grupos
humanos.
Os museus se tornam aliados da sociologia das ausências, quando atuam como
espaços construtores de narrativas apresentadas desde o ponto de vista dos esquecidos e
ausentes da produção social dita legítima. As possibilidades de enfrentamento social são
encaradas pelos grupos sociais ao se apropriarem da ferramenta “museu” como fonte de
experimentações voltadas às ecologias sugeridas. Nesse caso, as ecologias propostas
podem se tornar linguagem, inspiração e arcabouço teórico para a Museologia Social na
batalha contra as linhas abissais impostas cotidianamente ao universo dos museus.
A Museologia inspirada pelo desejo de promover espaços de diálogo imbricados em
ideias de participação e solidariedade dialoga com a sociologia das ausências, quando se
articula a movimentos populares para provocar discussões acerca das conquistas de direitos
já estabelecidos, propondo novos debates e garantias de direitos – esses grupos encontram
nos museus um território propício para a manifestação de suas lutas e o enfrentamento de
injustiças sociais. Por meio de narrativas de objetos/acervos escolhidos, as lideranças
comunitárias realizam processos museais que se destacam por características autônomas

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comprometidas com as realidades locais, ganhando vida e espaços para ecoarem suas
vozes. Dessa maneira, discursos, histórias e memórias são musealizados, levando à
reinvenção e à experimentação das práticas sociais, a diálogos e à produção de presenças.
A luta pela garantia do direito à memória de grupos negligenciados passa a ser
prioridade para os movimentos, na medida em que a valorização e identificação das
memórias que retratam as dificuldades, lutas, resistências e conquistas inauguram o
reconhecimento, a visibilidade e a transformação em que resultados podem ser vistos,
contemplados e postos para serem conhecidos por um maior número de pessoas. Os
movimentos sociais se fortalecem quando reivindicações e trajetória são reconhecidas e
debatidas em sociedade com maior profundidade. Como instrumento didático e de
veiculação midiática, os museus se tornam aliados poderosos na perpetuação das
memórias e do poder. Não se trata de uma supervalorização da memória dos oprimidos,
tampouco a crença de uma autenticidade pretérita (Sarlo, 2007), pois as práticas de
Museologia Social empreendidas pelos movimentos sociais devem considerar a linha tênue
que separa as narrativas múltiplas e polifônicas das narrativas unificadas que identificam um
passado escolhido como testemunho da legitimidade da memória (Abreu, Chagas, & Santos,
2007).
À medida que o campo da memória e patrimônio é amplamente discutido,
especialmente no que se refere aos patrimônios locais, o debate sobre a proteção e
preservação do patrimônio no século XXI está relacionado ao medo do desaparecimento e
ao fortalecimento das culturas provenientes de populações tradicionais. A esse respeito,
devemos considerar a “patrimonialização das diferenças”, num movimento que pretende
atentar para a riqueza do diferente presente nas populações tradicionais expressas em suas
culturas, modos de fazer, ser e saber (Abreu, 2010). A patrimonialização citada pela autora
possui tom de alerta, pois desperta discussões de direitos sobre a produção de
conhecimentos e a garantia de autonomia diante da produção de tecnologias tradicionais. As
lutas das minorias e dos grupos vulneráveis socialmente também podem ser igualmente
importantes e necessárias, pautadas por questões contemporâneas de garantia de direitos
negados, discriminação e intolerância para as diferenças de religião, cor, condição sexual,
entre outras.
Diante do termo proposto pela autora, propomos pensar em uma “musealização
das diferenças” estreitamente relacionada com a ecologia do reconhecimento citada por
Santos (1999, 2002, 2004). Importa perceber que a musealização pode ser propagada por
variados processos museais que exercitam a salvaguarda do direito a ser diferente, à

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tolerância e, principalmente, a outros espaços de narrativa, objetos de estudos e de


interesse da Museologia Social.
Com a possibilidade de investir na “patrimonialização das diferenças”, os museus
têm a expectativa de serem encarados como espaços de luta, trincheiras a defender
batalhas travadas a partir de toda forma de opressão que não preveja a ampla discussão, o
debate e a promoção do respeito às várias maneiras de pensar e agir em sociedade. Os
museus rompem com uma tradição que valoriza discursos unilaterais que visam promover
uma regulação social e que insistem em projetar uma razão indolente única e castradora,
para encarar fazer valer a concepção de museu que valoriza a “emancipação” do sujeito
produtor da própria história por meio da participação e do exercício da indignação.
De fato, os museus indignados permitem a discussão ampla a respeito das
necessidades de desatar os nós do silêncio, da opressão, da selvageria contra as minorias,
para que seus potenciais possam atuar pela emancipação de grupos socialmente
menosprezados.

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CAPÍTULO 2 – PONTOS DE OBSERVAÇÃO

O Ministério não pode, portanto, ser apenas uma caixa


de repasse de verbas para uma clientela preferencial.
Tenho, então, de fazer a ressalva: não cabe ao Estado
fazer cultura, a não ser num sentido muito específico e
inevitável. No sentido de que formular políticas públicas
para a cultura é, também, produzir cultura. No sentido de
que toda política cultural faz parte da cultura política de
uma sociedade e de um povo, num determinado
momento de sua existência. No sentido de que toda
política cultural não pode deixar nunca de expressar
aspectos essenciais da cultura desse mesmo povo. Mas,
também, no sentido de que é preciso intervir. Não
segundo a cartilha do velho modelo estatizante, mas
para clarear caminhos, abrir clareiras, estimular, abrigar.
Para fazer uma espécie de “do-in” antropológico,
massageando pontos vitais, mas momentaneamente
desprezados ou adormecidos, do corpo cultural do país.
Enfim, para avivar o velho e atiçar o novo. Porque a
cultura brasileira não pode ser pensada fora desse jogo,
dessa dialética permanente entre a tradição e a
invenção, numa encruzilhada de matrizes milenares e
informações e tecnologias de ponta (Discurso de posse
do ministro da Cultura, Gilberto Gil).

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2.1 O “do-in” museológico: o Programa Pontos de Memória em


movimento

Iniciaremos esta jornada para compreender o objeto de análise da presente tese a


partir dos referenciais teóricos já apresentados. Pretendemos descrever o Programa Pontos
de Memória, com destaque para sua trajetória e papel diante da construção e do
fortalecimento da Museologia Social no Brasil. Com trajetória de quase 10 anos a ser
completada em 2019, essa iniciativa governamental demonstra, no âmbito da PNM, a
necessidade de empreender iniciativas que valorizem o protagonismo de grupos e
comunidades como gestores dos próprios espaços de memória como expressão de suas
lutas e resistências sociais e culturais, estimulando uma participação crítica e
decolonizadora da memória de territórios, povos e movimentos sociais (no caso específico
das práticas museais realizadas no Programa Pontos de Memória), em que provoque
mudanças sociais. Nesse sentido, ao desenvolver políticas públicas de cultura com viés
voltado para a participação e o exercício democrático, é possível perceber o surgimento de
um cenário favorável para a experimentação de propostas mais audaciosas do ponto de
vista da valorização de práticas populares de cultura e memória, a partir da PNM e seus
desdobramentos para o campo dos museus e da Museologia. Tal política cultural indutora
ofereceu condições ideais para o exercício de aproximação entre Estado e sociedade civil,
em que enseja uma cooperação em favor da garantia do direito à memória.
O Programa Pontos de Memória é, para o campo dos museus e da Museologia,
uma experiência inovadora que suscita inúmeros questionamentos e contribuições. Diante
disso, visamos identificar aspectos dessa iniciativa que possam contribuir com o
fortalecimento da Museologia Social, com uma análise que pretende aproximar as ações
empreendidas por organismo governamental e executadas pela sociedade civil. Destaca-se
a ampliação do debate acerca dos papéis desempenhados por diferentes atores sociais,
como representantes do poder público, organizações de cooperação internacional,
museólogos, historiadores, artistas, militantes, estudantes, moradores das localidades,
movimentos sociais, entre outros.
A experiência desse projeto será abordada a partir das 12 iniciativas contempladas
pelo Ibram, conforme as indicações do Pronasci, com apoio da OEI. Enfatizaremos o
desenvolvimento dos Pontos de Memória situados em 12 capitais federais, em localidades
discriminadas em virtude do alto índice de violência e pobreza, ao identificarmos as
dimensões políticas, poéticas e pedagógicas que configuram as ações realizadas nessas e
nas demais experiências de Museologia Social.

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Museologia Decolonial:
os Pontos de Memória e a insurgência do fazer museal

Compreender as dinâmicas dos Pontos por meio de suas especificidades políticas,


poéticas e pedagógicas amplia o alcance das práticas para o campo dos museus e da
Museologia. Elas são práticas que contribuem para a descolonização a partir do rompimento
com as três formas de manutenção da colonialidade (do poder, ser e saber), conforme
Mignolo (2005, 2007, 2014, 2017). Após isso será possível traçar, no Capítulo 4 desta tese,
alguns caminhos de potência trilhados por uma experiência insurgente e decolonizadora.

2.1.1 Primavera Cultural: Políticas Públicas de Cultura

Em grande parte, os trabalhos dedicados a analisar a trajetória das políticas


públicas de cultura no Brasil remontam à década de 1930, com ênfase para a passagem de
Mario de Andrade pelo Departamento de Cultura da Prefeitura de São Paulo (1935-1938) e a
atuação do Gustavo Capanema à frente do recém-criado Ministério da Educação e Saúde,
em 1932. Com o propósito de analisar a expansão das Políticas de Cultura no Brasil,
Antônio Albino Canela Rubim indica a existência de três tristes tradições nomeadas como
ausências, autoritarismos e instabilidades. Ao ter forte atuação nas práticas realizadas no
campo da cultura, elas se tornam persistentes e engendradas no trato com as inovações e
possibilidades, em que lidar com essas tradições representa um desafio para as políticas
públicas atuais. Nesse contexto, o autor considera a gestão de Gilberto Gil como uma “(...)
fronteira entre estes dois instantes” (Rubim, 2015, p. 11).
Para definir ausência, uma das tristes tradições, o autor descreve o período de
1500 a 1930 com poucas iniciativas culturais empreendidas e que não podem ser
caracterizadas como políticas. Para uma análise mais atual dessa tradição, destaca a
atuação do Governo FHC e o estímulo ao fortalecimento do mercado, especificamente em
articulação com o campo da cultura: “(...) abdica de desenvolver políticas culturais próprias,
favorecendo uma ‘regulação’ da cultura pelo mercado, como ocorre nos anos da presidência
de Fernando Henrique Cardoso (FHC)” (Rubim, 2015, p. 12). Já o termo autoritarismo “(...)
designa tanto regimes ditatoriais – como o Estado Novo e a ditadura civil-militar – quanto
relações sociais autoritárias presentes na vida brasileira mesmo em momentos chamados
democráticos” (Rubim, 2015, p. 13).
Quanto às três tradições, a última nos impacta necessariamente pela facilidade em
ser comprovada: ao se associar às outras duas tradições, a instabilidade atua em grande
parte sobre as políticas públicas culturais implementadas. Ademais, muitas entidades
culturais que foram criadas “(...) têm forte instabilidade institucional derivada de um conjunto

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de fatores: fragilidade; ausência de políticas mais permanentes; descontinuidades


administrativas; desleixo; agressões de situações autoritárias etc.” (Rubim, 2015, p. 14).
Com base em tais análises, o governo iniciado em 2003 possui iniciativas que se
voltam para o rompimento de tradições. De posse dos referenciais que precisam ser
ultrapassados, as gestões de Gilberto Gil e, em continuidade, de Juca Ferreira têm o desafio
de produzir alternativas que venham superar alguns dos problemas destacados até aqui na
trajetória das políticas públicas de cultura.
Em ampla conexão com a sociedade, as políticas implementadas pretenderam
ampliar a capilaridade e a participação cidadã em sua formulação. Tais aspectos são
detalhados no discurso de posse do ministro da Cultura do governo Lula:

É também nesse horizonte que entendo o desejo do presidente Lula de


que eu assuma o Ministério da Cultura. Escolha prática, mas também
simbólica, de um homem do povo como ele. De um homem que se
engajou num sonho geracional de transformação do país, de um negro
mestiço empenhado nas movimentações de sua gente, de um artista que
nasceu dos solos mais generosos de nossa cultura popular – e que,
como o seu povo, jamais abriu mão da aventura, do fascínio e do desafio
do novo. E é por isso mesmo que assumo, como uma das minhas
tarefas centrais, aqui, tirar o Ministério da Cultura da distância em que
ele se encontra, hoje, do dia a dia dos brasileiros. Quero o Ministério
presente em todos os cantos e recantos de nosso País. Quero que esta
aqui seja a casa de todos os que pensam e fazem o Brasil. Que seja,
realmente, a casa da cultura brasileira (Gil, 2003, p. ).

A posse de Gilberto Gil como ministro da Cultura representa uma mudança


profunda na atitude frente à condução de uma política pública voltada a essa área no país.
Como indicado em seu discurso, ressalta o fato de ser um homem nordestino, negro e
popularmente conhecido por suas canções que exaltam a cultura popular. Esta atitude
emblemática recoloca o campo da produção cultural e artística em destaque a partir de uma
dimensão que valoriza o protagonismo de parcelas mais ampliadas da sociedade. Ainda
segundo o discurso de Gil (2003): “E o papel da cultura, nesse processo, não é apenas
tático ou estratégico – é central: o papel de contribuir objetivamente para a superação dos
desníveis sociais, mas apostando sempre na realização plena do humano”.
Com vistas a desenvolver uma política pública de cultura que pudesse promover as
mudanças empreendidas em âmbito nacional pela gestão do governo Lula, o MinC propõe
ações que visavam alargar o conceito de cultura e a inclusão do direito a ela, em articulação
com a ideia e aplicabilidade da noção de cidadania, além de mudar o público-alvo das ações
governamentais, com destaque para a população, e não somente aos artistas. Havia a
intenção de que o Estado retomasse o papel e agente executor das políticas, com ênfase
para a participação da sociedade na construção de demandas e prioridades

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governamentais, deslocando o protagonismo para as coletividades e os produtores culturais


no planejamento e na gestão das políticas, interligadas com as organizações sociais e as
diferentes instâncias governamentais. Vale ressaltar que essas diretrizes foram apontadas
no programa da campanha de Lula à presidência, em 2002, no documento “A imaginação a
serviço do Brasil”, mas postas em prática pelo MinC a partir de 2003.
Em análise sobre as políticas públicas de cultura e museológicas, tem-se que:

A indicação de Gilberto Gil para o Ministério da Cultura provocou impacto


político e midiático, e esta nomeação não significou a recusa ou adesão
ao projeto de cultura proposto por militantes e simpatizantes do PT. O
projeto de política de museus, do grupo reunido no Demu, encontrou
espaços de apoios no MinC, o discurso poético e permanentemente
comprometido com relações e atitudes inovadoras de Gil encampou e
produziu as condições para a sua implantação (Moraes, 2009, p. 60).

De fato, a elaboração do PNC e a proposta de reconstrução do Sistema Nacional


de Cultura são ações prioritárias das gestões de Gilberto Gil e Juca Ferreira enquanto
estiveram à frente da pasta da cultura. Com ênfase na mobilização de diferentes setores
culturais em várias partes do país, a consolidação de um planejamento que pudesse refletir
a participação de todos, gerando fundamentos para a tomada de decisão, significa grande
avanço para o campo que se esforça para ampliar a capacidade de promoção, difusão e
fortalecimento da cultura no Brasil.
As práticas culturais no Brasil, durante o governo Lula, apontam um vasto cenário
para o desenvolvimento de pesquisas sobre políticas culturais, como as reflexões
organizadas pelo Centro de Estudos Multidisciplinares da Cultura (Cult) da UFBA, que
tecem as primeiras análises conjunturais sobre o período, com ênfase no trabalho dos
pesquisadores Antônio Albino Canela Rubim e Lia Calabre, que organizam coletâneas de
textos sobre as políticas públicas de cultura no governo Lula, com destaque para as ações
implementadas e as que ainda estão em curso. Eles empreendem análises cuidadosas
sobre a trajetória das políticas públicas em perspectiva crítica, com vistas à problematização
de um campo ainda em construção e cotidianamente desafiado por inúmeras limitações,
incongruências e possibilidades. Os relatórios do MinC completam as informações
numéricas a respeito das ações ministeriais, especialmente no que se referem aos
encontros nacionais, regionais e locais para a discussão do PNC.
Diante dos desafios enfrentados pelo MinC para divulgar e debater o PNC, com
vistas à execução de uma política efetivamente pública, encontramos a crescente
articulação do campo museal que faz os mesmos caminhos trilhados pelo plano ao construir
a PNM. A gestão de Gilberto Gil orienta a todos os segmentos do campo cultural a se
esforçarem em um planejamento setorial que comporia o Plano Nacional. Assim, o Iphan,
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por intermédio do recém-criado Departamento de Museus e Centros Culturais, inicia uma


ampla articulação com o campo museal, com o objetivo de criar condições para que os
museus e a Museologia aumentem a capacidade de realização e fortalecimento diante dos
demais segmentos culturais. A jornada via sistematização dessa política contou com o
reforço contundente de museólogos e profissionais da área espalhados por todo o Brasil,
que contribuíram com a ideia de ajustar as demandas e necessidades em um debate voltado
à consolidação da política.
Atrelado ao PNC, o PNSM reflete a PNM, ferramentas que auxiliam o campo da
memória e dos museus a se firmarem como agentes fundamentais para a consolidação da
cultura no país. A PNM e o PNSM têm sua expressão máxima de sucesso com a criação,
em 2009, do Ibram, autarquia do governo federal responsável por executar e planejar a
gestão da PNM (Monteiro, 2015; Tolentino, 2016).
A seguir abordaremos o desafio de estabelecer, juntamente com os interesses
nacionais, no que se refere ao campo da cultura, a PNM em um cenário de falta de apoio
específico e investimento nos museus e espaços de memória até então em funcionamento
no país. O campo dos museus se via desarticulado exatamente pela falta de incentivo e
recursos para incrementar suas práticas. Nesse caso, o Demu assegurou o fôlego
necessário para o campo museal, o que culminou com um trabalho de grandes avanços
governamentais, como a legislação responsável pelo estímulo à consolidação do campo49.
Segundo uma análise preliminar da PNM, é possível compreender as bases e
articulações necessárias para a criação de um programa que investiria em relações
aprofundadas entre poder público, processos museais, museus e sociedade, em
consonância com os pressupostos de um governo comprometido com a participação popular
e cidadã em suas bases organizacionais, articulados com a Museologia Social: os Pontos de
Memória.

2.1.2 Primavera Museal: Política Nacional de Museus

Lançada no Museu Histórico Nacional no Rio de Janeiro, em 16 de maio de 2003,


PNM começa a ser desenhada antes mesmo de o governo Lula alicerçar a equipe
ministerial. A partir da atuação da equipe técnica do recém-criado Demu/Iphan e da
participação de museólogos e profissionais dos museus de diferentes regiões do Brasil, as
ações da PNM se voltam a princípios que garantem sua articulação com os movimentos
sociais. Entre tais princípios encontramos forte intenção de estar junto à comunidade

49Para mais informações relacionadas a leis sobre museus, acessar: www.sistemademuseus.rs.gov.br/wp-


content/midia//legislacao-sobre-Museus.pdf
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museológica: ao constituir a política, buscava-se ressaltar as ações dedicadas ao patrimônio


museológico e suas interfaces com o patrimônio cultural objeto de interesse precípuo do
Iphan, numa demonstração de que o campo museal possuía interesses alargados quanto à
sua desvinculação do patrimônio cultural e ensaiava propostas de reestruturação, ampliação
e consolidação em termos legislativos:

Os museus não são apêndices do campo patrimonial; eles constituem


práticas sociais específicas, com trajetórias próprias, com mitos
fundadores peculiares. Sem dúvida, é possível pensar que estão
inseridos no campo patrimonial, mas, ainda assim, é forçoso reconhecer
que têm contribuído frequentemente, de dentro para fora e de fora para
dentro, para forçar as portas e dilatar o domínio patrimonial. Ao contribuir
para a constituição e a dilatação do domínio patrimonial, o campo museal
se vê igualmente forçado a dilatar e reorganizar os seus próprios limites,
especialmente a partir das suas práticas de mediação (Política Nacional
de Museus, 2007, p. 19).

O princípio de valorização do patrimônio cultural sobre a guarda dos museus


evidencia a preocupação com o patrimônio museológico e sua necessária atenção frente
aos desafios acumulados. As ações educacionais tomam vulto junto à PNM e indicam a
observação de outras metodologias e incentivos para os museus ao experimentar, além das
práticas já estabelecidas, o interesse para as ações metodológicas aplicadas à área dos
museus e do patrimônio museológico especificamente. Reforçar a indicação e valorização
da diversidade cultural do povo brasileiro por intermédio dos museus e sua política leva à
necessidade de aprofundar relações educacionais para além da metodologia da educação
patrimonial amplamente difundida até então pelo Iphan. Isso pode ser justificado pela ênfase
da PNM ao papel da educação em museus, com apoio dado à atuação da Rede de
Educadores em Museus50, criada no mesmo ano da PNM, e as oficinas de educação em
museus amplamente difundidas pelo país desde então.
Um aspecto importante da PNM e que interessa a este estudo é a iniciativa de, por
meio de uma política nacional, criar mecanismos para assegurar os direitos de participação
das comunidades às etapas de registro e definir o que é patrimônio, especialmente aquele
que se quer musealizar – nesse caso, as iniciativas experimentadas depois estão
amplamente articuladas com esse princípio. As bases para o desenvolvimento do Programa
Pontos de Memória estão claramente postas, e a intenção de movimentar o cenário
participativo e comunitário de salvaguarda e difusão do patrimônio museológico deve ser
garantida a grupos, movimentos sociais e comunidades.

50A Rede de Educadores em Museus, criada em 2003, é fonte de inspiração para outros movimentos em rede
nesse contexto. Com espírito ancorado nas trocas de informações, contribuiu para o enriquecimento da
expressão “educação museal”, hoje amplamente divulgada entre os educadores museais. Para mais detalhes,
acessar: www.remrj.blogspot.com.br
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Nesses termos, a ampliação do conceito de museu e o reconhecimento de que


existem (e que podem existir) museus de vários tipos dizem respeito ao que seria chamado,
posteriormente, de processos museais. A conformação da ideia de que os museus são
processos e, como tal, estão em constante transformação, permite que a PNM reconheça e
valorize as experiências que ainda não se configuram como museus, contudo, têm potencial
para se transformarem. Isso se aplica até mesmo àquelas que não têm pretensão de se
tornarem museus, mas que atuam com as bases conceituais da PNM, especialmente com
os pressupostos da Museologia Social pautadas por projetos de valorização da memória,
identidade e dignidade humana.
A PNM não se descuidou do aspecto relacionado à sustentabilidade do patrimônio
cultural submetido aos processos de musealização. Essa percepção da importância do
fomento para as práticas de salvaguarda e conservação atribuía à política anda mais
respaldo junto aos setores museais, tendo em vista a lacuna de investimentos alocados para
o financiamento de programas, projetos e ações dessa natureza.
O diferencial da PNM reside também na ênfase dada à valorização, ao respeito e
ao estímulo à preservação das práticas culturais atinentes à memória de povos e
comunidades tradicionais – indígenas, quilombolas e ribeirinhos –, em conformidade com as
suas especificidades. Ao incentivar as memórias desses grupos, vemos acontecer no país
um aumento considerável de museus comunitários dedicados a fortalecê-los, atrelados às
iniciativas governamentais desenvolvidas por outras instâncias ministeriais.

Em maio de 2003, o Ministério da Cultura anunciava que o museu


ocuparia um lugar central em suas ações. Não havia ingenuidade do
MinC, estava em andamento uma posição diferente daquela que
perdurou por uma década. O MinC não produziu apenas um discurso,
transformou o museu em prioridade e formulou políticas, liderou um
processo de mudanças. Deste ponto de vista, o museu deveria produzir
um novo lugar social, simbólico e institucional. O lugar de onde ele iria
negociar e pautar suas ações e estratégias. Desde 2003, existe um
processo em curso, que pretende intervir e dirigir ações e políticas para o
setor museológico concentrado no Iphan (Moraes, 2009, p. 61).

Diante disso, a PNM apresentou sete eixos visando ao desenvolvimento das ações
museológicas a partir das diretrizes apontadas: 1) gestão e configuração do campo
museológico, com destaque para a implementação do Sistema Brasileiro de Museus, o
incentivo à criação de sistemas estaduais e municipais de museus e outras instituições de
memória, e a criação do Cadastro Nacional de Museus; 2) democratização e acesso aos
bens culturais; 3) formação e capacitação de recursos humanos, com a criação de um
programa de formação e capacitação de recursos humanos em museus e Museologia; 4)
informatização de museus; 5) modernização de infraestruturas museológicas, com obras de

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manutenção e adaptação de imóveis que guardam acervos museológicos, além de projetos


de modernização das reservas técnicas e de laboratórios de restauração e conservação; 6)
financiamento e fomento para museus; e 7) aquisição e gerenciamento de acervos culturais
(Política Nacional de Museus, 2003).
A partir dos interesses expressados pelo governo Lula de garantir participação
social nas ações empreendidas, seus Ministérios buscaram mudanças setoriais e, no MINC,
por meio do Demu/Iphan, inicia-se uma jornada de aprofundamento nas relações
estabelecidas junto aos movimentos sociais. Este aspecto interessa em nossa análise, por
expressar elementos importantes para a compreensão do Programa Pontos de Memória.
Segundo Moraes (2009), o grupo que esteve à frente do Demu influenciava de
maneira significativa na gestão do governo Lula, tendo ampliado a capilaridade e o alcance
das políticas públicas do campo museal: “A eleição de Lula permitiu uma aliança em que
estes militantes puderam ocupar lugar central na burocracia pública federal. Este grupo era
à base do Demu” (p. 61). Ademais:

O grupo que, com a posse de Lula em 2003, assumiu o Demu não


escondia os seus propósitos, possuía alianças e apoios junto ao MinC, o
que conferia força política e capacidade de articulação no MinC e na
sociedade civil. O Demu era um grupo dirigente dotado de aparente
homogeneidade política, administrativa, discursiva. Apresentava
publicamente uma identidade e não camuflava propósitos, confrontos,
objetivos, estratégias e cronogramas. Um leitor de formação gramsciana
encontraria todos os elementos de uma “guerra de posições” na
construção de uma nova hegemonia social. Uma agenda política,
administrativa e técnica estavam em curso (Moraes, 2009, p. 62).

De fato, a PNM ampliou a ideia de museu que tem como base (e foco de suas
ações) as pessoas e os processos que valorizam questões sociais. Em franco alinhamento
com os pressupostos da Museologia Social, investem-se esforços em um discurso que
potencializa a natureza social dos museus e do patrimônio museológico, rumo a uma
consolidação ideológica atrelada às concepções do governo que visaram à participação
popular na formulação de uma política pública com forte inspiração social.

A musealização, como prática social específica, derramou-se para fora


dos museus institucionalizados. Tudo passou a ser museável (ou
passível de musealização), ainda que nem tudo pudesse, em termos
práticos, ser musealizado. A imaginação museal e seus desdobramentos
(museológicos e museográficos) passaram a poder ser lidos em qualquer
parte onde estivesse em questão um jogo de representações de
memórias corporificadas. Casas, fazendas, escolas, fábricas, estradas
de ferro, músicas, minas de carvão, cemitérios, gestos, campos de
concentração, sítios arqueológicos, notícias, planetários, jardins
botânicos, festas populares, reservas biológicas – tudo isso poderia

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receber o impacto de um olhar museológico (Política Nacional de


Museus, 2007, p. 20)51.

Para aprofundar o debate acerca da PNM e seus desdobramentos a partir do


estímulo aos processos museais articulados aos movimentos sociais, apresentaremos a
ideia de uma política pública de Direito à Memória que pode ser traduzida por meio do
Programa Pontos de Memória.

2.1.3 Política pública de Direito à Memória: o Programa Pontos de Memória

2.1.3.1 Os Pontos antes dos Pontos

Com a constituição da PNM e até mesmo antes, de forma mais tímida, a equipe do
Iphan/Demu buscou apoio a novas experiências de museus e memória, relacionadas a
comunidades e a movimentos sociais, com o intuito de acompanhar e fortalecer tais
iniciativas. Esse é o caso, por exemplo, do Museu da Maré, com um trabalho iniciado em
1997, a partir da criação do Centro de Estudos e Ações Solidárias da Maré (Ceasm) que,
com ações dedicadas à memória local, fortaleceu práticas inovadoras para valorizar a
memória local e, em consequência, do museu.

Na época o Ceasm, a partir de uma parceria com o Museu da Vida,


estava desenvolvendo o Curso de Formação de Monitores de Museus e
numa mesa da qual participaram a diretora do Ceasm Cláudia Rose
Ribeiro e o Prof. Mário Chagas é que se deu o encontro que abriria a
possibilidade de constituição de um Museu que agregasse todas essas
iniciativas de memória e contasse por meio de textos, documentos e
objetos a história das comunidades da Maré (Museu da Maré, 2016).

A partir das ações de memória já realizadas na Maré e a constatação da qualidade


dos debates acerca da memória local que promoviam, evidenciou-se à equipe do Demu a
vocação para museu que se apresentava, em que se somaram forças por meio de uma rede
de diálogo e de parceria. O Demu atuou no sentido de incentivar a proposta, contribuindo
com um discurso de potência que daria suporte e consolidaria a iniciativa dos que se
dedicaram a isso.
Inegavelmente, o trabalho desempenhado pela equipe do Museu da Maré faz dele
um marco para a história da Museologia Social no Brasil, servindo de fonte de inspiração
para as gerações posteriores. Segundo a Folha de São Paulo:

51Esta citação foi retirada do texto da PNM. No entanto, o mesmo fragmento, na íntegra, faz parte da tese de
doutoramento de Chagas (2003).
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Rua Guilherme Maxwell, 26, atrás do SESI. Essa é a localização do mais


novo museu do Brasil. Não é um endereço qualquer. Fica no meio do
maior complexo de favelas do Rio, a Maré, e segundo o Ministro da
Cultura, será o primeiro museu do país a funcionar dentro de uma favela.

Em 2006, com a inauguração do Museu da Maré pelo ministro da Cultura Gilberto


Gil, o campo museal ficou agitado. A presença e a participação dos integrantes do
Demu/Iphan agregam valor político e institucional ao museu e fazem dele um abre-alas para
o que poderia vir a ser, em termos de inovação, a PNM, sobretudo no que se refere à
Museologia Social em nível nacional. Foi possível compreender, com o surgimento do
museu, que o surgimento de outras experiências museais era viável a partir da colaboração
entre o poder público e os movimentos sociais, voltada para o estímulo e a valorização de
trajetórias e cotidianos de cultura e memória de grupos minoritários e excluídos socialmente.
Nesse caso, destacam-se as lutas e resistências em narrativas colaborativas e
representativas, conforme os novos lugares de fala.
A seriedade e a continuidade com que o trabalho de memória do Ceasm foi
realizado durante os anos anteriores ao museu permitiram bases mais concretas para a
construção da narrativa do Museu da Maré, pautada por um discurso socialmente
referendado, crítico e politizado que desafia e propõe a ampliação do entendimento sobre a
comunidade e sua história. O Museu da Maré pode ser percorrido por 12 tempos que,
atrelados à percepção de seus moradores, ilustram as facetas de uma vida de sonhos,
esperanças e medos:

Um museu concebido em 12 tempos: tempo da água, tempo da casa,


tempo da imigração, tempo da resistência, tempo do trabalho, tempo da
festa, tempo da feira, tempo da fé, tempo do cotidiano, tempo da criança,
tempo do medo e tempo do futuro. Um museu que concebe o tempo,
simultaneamente, de modo diacrônico e sincrônico. Um museu que
dialoga com relógios, calendários, cronômetros e diferentes ritmos
naturais e sociais (Chagas, 2007, p. 140).

O Museu da Maré, ao contrário do que reforçou a mídia, não é importante apenas


por ser uma instituição na favela, como também por ser um espaço que valoriza a memória
local por meio de testemunhos e participação dos seus moradores. Isso garante a
representatividade e a interlocução com os interesses de uma comunidade que pode entrar
em contato com suas vivências e lembranças.
Tal espaço se constitui como uma das experiências museais mais emblemáticas
para o campo dos museus, em especial para o fortalecimento da PNM. Com a oferta de
oficinas, reuniões de trabalho, estudo e visitas a outras instituições, além de intercâmbios, o
Demu projetava os primeiros passos que seriam seguidos novamente, de forma mais

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detalhada no Programa Pontos de Memória, inspirado no Ponto de Cultura Museu da


Maré52.
Além do Museu da Maré, o Museu de Favela53 (MUF) foi outra experiência museal
acompanhada de perto pelo Demu/Iphan em sua jornada rumo à abertura para o público. Na
cerimônia de inauguração, em 2008, lançou-se o Programa Pontos de Memória como
reconhecimento do trabalho desenvolvido e fonte de inspiração para demais práticas que
seriam estimuladas ao longo do projeto. Com estrutura bastante diferenciada do Museu da
Maré, mas com a mesma vocação e responsabilidade, o MUF inicia sua trajetória com a
atuação de um grupo de moradores interessados em experimentar a memória como fonte e
recursos, com vistas à garantia de melhorias das condições de vida, segurança, educação e
cultura.
Outra experiência importante para essa conjuntura que antecede o Programa
Pontos de Memória foi a atuação da Rede de Museus, Memória e Movimentos Sociais,
nascida em 2007 e que contribuiu para a construção de bases mais sólidas para o processo
que cresceria anos mais tarde. Já conectada com os pressupostos de uma atuação em rede
articulou, em torno do tema, museus e Museologia Social, agentes de memória e militantes
sociais que mobilizavam o campo dos museus, com perspectivas dedicadas a uma memória
insurgente.
A proposta de reunir pessoas para discutir o envolvimento dos museus com os
movimentos sociais fortaleceu uma rede de realizadores militantes de diferentes projetos,
localidades e instituições, o que favoreceu, em grande medida, o protagonismo do Rio de
Janeiro no cenário de práticas da Museologia Social. Segundo José do Nascimento Júnior
(2007), então diretor do Demu/Iphan e durante a primeira reunião da rede, como consta na
ata de criação54: “O objetivo deste encontro é reunir pessoas que trabalham com
movimentos sociais, visando o desenvolvimento de ações concretas no campo da memória,
do patrimônio e dos museus e a criação de uma rede temática de grande capilaridade”. Para
Mário de Souza Chagas (2007), coordenador técnico do Demu à época: “(...) nós
imaginamos a reunião de hoje da seguinte forma: cada uma das pessoas presentes se
apresenta e fala um pouco do seu trabalho, da sua instituição, e depois passamos para a

52 O Museu da Maré é contemplado pelo edital Pontos de Cultura do MinC, desenvolvido no âmbito do Programa
Cultura Viva de 2005.
53 Para mais informações sobre a atuação do Museu de Favela, acessar: www.museudefavela.org
54 A respeito da Rede de Museus, Memória e Movimentos Sociais, acessar o blog que reúne informações

importantes sobre este período inicial de atuação da rede, como atas e documentos de referência para o campo
da Museologia Social. Ressaltamos o apoio de Sara Schuabb no desenvolvimento e na alimentação dessa
ferramenta que hoje é um dos principais meios de acesso à memória de um processo importante para a trajetória
da Museologia no Brasil:
http://redemuseusmemoriaemovimentossociais.blogspot.com.br/2010/08/memoria-da-reuniao-da-rede-
museus.html
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construção de uma agenda onde poderemos pensar em ações que promovam o intercâmbio
com o coletivo”.
Ambos organizaram a movimentação em torno da rede, com o intuito de ampliar o
escopo de atuação do Demu para os movimentos sociais, atribuindo o tom necessário para
o enraizamento dessas práticas nos ambientes museais. Para esclarecer a finalidade da
reunião e expor a forma com que os museus são pensados no âmbito da rede ali
configurada, Chagas (2007) compara os museus a lápis. Consideramos essa passagem
esclarecedora para os caminhos seguidos pela rede, com mais dois encontros e que,
depois, toma rumos práticos a partir do fortalecimento do Programa Pontos de Memória e a
criação do Ibram.

O museu é uma ferramenta, é um lápis ou um computador, não é um fim


em si. Algumas pessoas ainda associam museus a grupos de elite, mas
hoje existem museus com outros perfis, que se assumem como práticas
sociais. Em nosso entendimento o museu pode contribuir para o
desenvolvimento das comunidades populares e os movimentos sociais.
Para isso a ferramenta museu precisa ser democratizada. Só assim, ela
contribuirá para o enfrentamento das questões sociais contemporâneas,
e para preservação da memória dos movimentos sociais (Chagas, 2007).

Experiências como o Museu Vivo de São Bento, em Duque de Caxias, na cidade do


Rio de Janeiro, o Ecomuseu da Amazônia, em Belém do Pará e outras iniciativas
espalhadas pelo país agregam conhecimentos para as práticas de sistematização e apoio a
serem empreendidas pelo poder público – nesse caso, pelo Iphan – para desenvolver a
proposta do Programa Pontos de Memória. No entanto, para que mais iniciativas pudessem
ser mapeadas, apoiadas e fortalecidas, era necessário criar condições políticas e
econômicas. Com a ampliação da capacidade de atuação da equipe, algumas estratégias
de parceria foram pensadas, a partir do investimento em articulações interministeriais com
organismos de cooperação internacional.

2.1.3.2 As parcerias Pronasci e Prodoc

O Demu/Iphan se interessava na continuidade das parcerias interministeriais, o que


ampliava significativamente a capacidade técnica, operacional e orçamentária de sua gestão
junto aos museus. Com a perspectiva de atrelar as demais políticas públicas desenvolvidas
pelo governo federal, fortalecendo as ações governamentais que possuíam objetivos
comuns, por meio de atuações conjuntas e colaborativas, o Demu/Iphan identificou no
Pronasci, do MJ uma possibilidade de atuar frente aos desafios comuns de ambos os
projetos. A respeito do início do Programa Pontos de Memória, em essência uma prática

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integradora, Eneida Braga Rocha, em entrevista às consultoras Inês Gouveia e Sara


Schuabb, relembra as bases dessa construção. É importante ressaltar que Eneida,
integrante da equipe do Demu desde o surgimento da proposta, foi protagonista no cenário
institucional, buscando mecanismos para articular politicamente:

O Nascimento, ele idealizou. Na verdade, a gente tinha essa


possibilidade, estava nascendo ali a questão do Mais Cultura, estava
nascendo a questão do Pronasci... E nessa busca toda nossa de fazer
parcerias e de procurar não só limitar a área de museu à área da cultura
stricto sensu, mas fazer ações no Ministério da Previdência, Ministério do
Turismo... Então surgiu a questão do Pronasci e, dentro da questão do
Pronasci, a possibilidade de se trabalhar, como já estava se trabalhando,
os Pontos de Cultura, dentro do Ministério da Cultura, de trabalhar uma
ideia dos Pontos de Memória. (...) A ideia foi lançada pelo Nascimento,
de fazer um trabalho de memória, mas foi desenvolvida, ali, junto com o
Ministério da Cultura, junto com o Mário Chagas, junto com o Pronasci,
pelo Vinícius (Adalberto de Souza Barcelos). O Vinícius, nosso querido
Vinícius, que pegou essa proposta e foi desenvolvendo. (...) A gente teve
o projeto pronto, o Vinícius idealizou, depois a gente sentou junto,
porque tudo a gente fazia muito junto... Sentamos Átila (Bezerra
Tolentino) e eu, e a gente deu uma reformulada na ideia inicial dele;
depois passou pelo Nascimento (Eneida Braga Rocha)55.

Desenvolvido pelo MJ no âmbito do governo Lula, o Pronasci nasce de uma


tentativa de enfrentamento à criminalidade no país, em articulação com políticas de
segurança atreladas a ações sociais e, com o intuito de eliminar as causas que levam à
violência, busca atrelar ordenamento social e segurança pública. A segurança só pode ser
garantida, segundo os princípios do Pronasci, se alternativas para o equilíbrio social também
forem experimentadas. A partir de eixos distintos e complementares, como valorização
profissional dos que atuam com segurança pública, reestruturação do sistema penitenciário,
combate à corrupção policial e envolvimento da comunidade na prevenção da violência, o
Programa pretende atingir, além dos profissionais, pessoas de 15 a 29 anos que estejam
sob o risco de praticar crimes ou em conflito com a lei. Esses jovens, especialmente os
reservistas, são passíveis de serem aliciados pelo crime organizado, exatamente por terem
conhecimentos relacionados a armamentos e manejo, em função do aprendizado no serviço
militar. Nesse sentido, selecionaram-se 12 cidades brasileiras localizadas em regiões
metropolitanas que, segundo o Pronasci, são consideradas mais violentas, conforme
pesquisa elaborada pelo MJ e pelo Ministério da Saúde (MS), em que foram indicadas para
receberem as ações do Pronasci: Belém, Belo Horizonte, Brasília (entorno), Curitiba,
Maceió, Porto Alegre, Recife, Rio de Janeiro, Salvador, São Paulo e Vitória e Fortaleza
(Ministério da Justiça, 2007).

55Entrevista concedida a Inês Gouveia, em razão do Programa Pontos de Memória, realizada em Brasília, no dia
14 setembro 2010.
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Para executar as ações prioritárias nos municípios, as mobilizações policiais e


comunitárias permitem uma articulação maior entre os representantes da sociedade civil e
as forças de segurança por meio de convênios, contratos e outros instrumentos de
cooperação com estados, municípios, Organizações Não Governamentais (ONGs) e
organismos internacionais. O Pronasci previu 94 ações que envolvem a União, os estados,
municípios e a própria comunidade, dentre as quais se destacam:

Ministérios e Secretarias Parceiras – Algumas ações previstas no


Pronasci são fruto de parcerias com ministérios e secretarias. O Pronasci
agirá em conjunto com o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC)
nas regiões em que houver obras de urbanização para recuperação de
espaços urbanos e melhoria da infraestrutura nas comunidades. Outro
exemplo é a parceria firmada com a Secretaria Nacional Anti-Drogas, da
Presidência da República, que ampliará, com o Pronasci, o atendimento
do Viva Voz, projeto já existente que visa orientar jovens e famílias em
relação às drogas (Ministério da Justiça, 2018).

Dessa forma, o MinC, por meio do Programa Mais Cultura56 e, nesse caso, com o
Documento de Projeto (Prodoc) celebrado com a OEI, referente ao desenvolvimento
institucional e técnico operacional para a ampliação e consolidação de projetos relacionados
à memória social no Brasil, se tornou mais uma ação social que contribuiria com a
diminuição da violência local a partir de ações dedicadas às memórias realizadas junto à
população, em especial com a atuação voltada para os jovens em situação de risco, no
âmbito do Pronasci.
Conforme o relato de Eneida, ela destaca as parcerias desenvolvidas para a
viabilização do Programa, é possível compreender a ênfase dada à articulação com o
Pronasci, alguns desafios enfrentados pela equipe para a condução compartilhada da
experiência e o papel do coordenador Celso Paz:

O Pronasci em si... A princípio, eles queriam que a gente chegasse com


uma ação junto com eles. A gente disse: “Não! Não pode ser assim,
porque estamos entrando na comunidade, a gente não pode linkar as
pessoas que estão ali trabalhando com a memória da comunidade, com
uma ação específica de segurança...”. Então, isso foi o primeiro ponto. Aí
eles entenderam... “A gente vai estar inserido, nós vamos ser Pronasci,
está tudo lá com o nome Pronasci, vai ser uma ação efetiva, mas vamos
ter algum cuidado”. Outra coisa que eles queriam era que os agentes de
memória previstos no Programa fossem todas pessoas já com passagem
por uma casa de detenção, por uma coisa assim. E a gente, com muita
delicadeza: “A coisa não pode ser cartesiana assim. Nós vamos entrar
na comunidade e vamos ver... Pode ser até que tenha agentes que
estejam dentro desse processo, mas não é uma coisa assim, que você
vai de primeira assim: Só vou aceitar se for dessa forma”. Então foi com

56 Lançado em outubro de 2007, o Programa Mais Cultura, criado pelo Governo Federal, representa o
reconhecimento da cultura como necessidade básica, direito de todos os brasileiros, tanto quanto a alimentação,
a saúde, a moradia, a educação e o voto. Para mais informações, acessar: http://www.cultura.gov.br/mais-cultura
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muita delicadeza... O Celso Paes, que é a pessoa que estava à frente do


Pronasci nessa época, ele foi muito sensível, entendeu? Tanto que
aprovou o projeto inteiro e deu muita força pra gente. Foi uma pessoa de
grande importância para esse projeto sair dentro do Ministério da Justiça.
Ele teve o entendimento e a delicadeza do projeto dentro de um
Programa desse57.

As cidades que receberiam a proposta do Programa Pontos de Memória foram


indicadas pelo Pronasci a partir dos territórios visados pela política do MJ, focada em
territórios populares mais violentos do país. Como dito anteriormente, os critérios para a
escolha foram adotados pelo MJ, em parceria com o MS.

Importante frisar que uma das propostas presentes neste Projeto é a de


construir uma experiência-piloto que deverá abranger localidades
caracterizadas pelo alto índice de violência, em doze regiões
metropolitanas distribuídas nas cinco regiões do país, que foram
selecionadas pelo Programa Nacional de Segurança Pública com
Cidadania – Pronasci, desenvolvido pelo Ministério da Justiça com o qual
o Ministério tem parceria por meio do Programa Mais Cultura. Pretende-
se, com essa experiência piloto, contemplar no Ponto de Memória as
especificidades ocorridas nas experiências de cada uma das
comunidades que fazem parte do escopo de atuação do Projeto, e,
assim, obter uma visão mais representativa do fenômeno relativo aos
processos museológicos comunitários no país (Prodoc, 2008, p. 18).

A indução das cidades pelo Pronasci ao Programa Pontos de Memória alterou


consideravelmente os rumos da iniciativa nos primeiros momentos. Era evidente que o
Demu possuía articulações em várias regiões do país e precisava de estrutura para
continuar apoiando as experiências em formação, com a finalidade de desenvolvê-las.
Porém, com a exigência do Pronasci a partir das cidades-alvo e pensando nos recursos
financeiros58 que seriam alocados no Programa, a equipe de gestão optou por adotar as
indicações feitas e assumiu o desafio de iniciar novos processos, levando em consideração
as dificuldades inerentes. Tal decisão significou alguns desgastes para a equipe, pois a
expectativa era de que os Pontos de Memória seriam em outras regiões e cidades, a partir
de práticas já mapeadas e com potencial para avançar. Como alternativa, o Demu (e
posteriormente) o Ibram seguiu articulando e mantendo apoio às demais práticas, ao criar
uma rede de apoio significativo. Exemplo disso é a participação, na primeira Teia da
Memória, de outras iniciativas e locais além dos indicados pelo Pronasci. Tal atitude agregou
e fortaleceu o entendimento acerca dos limites de execução existentes no Programa, além
de ter aumentado a rede de apoio do Ibram.

57 Entrevista concedida a Inês Gouveia, em razão do Programa Pontos de Memória, realizada em Brasília, no dia
14 setembro 2010.
58 Importa destacar que não levaremos em consideração, nas análises aqui propostas, os valores orçamentários

utilizados pelo Programa para ser desenvolvido. Consideramos que esse esforço ainda precisa ser feito e
certamente irá aprofundar o entendimento acerca dessa prática em âmbito governamental.
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Com relação à parceria estabelecida entre Programa Pontos de Memória e


Pronasci, Toledo (2014) salienta que:

O que foi passado é que seria mais uma, dentre várias ferramentas, que
ajudaria na redução da violência, ou seja, por meio do trabalho com a
Museologia, trabalhando identidade, pertencimento, sentimento de
cultura, de comunidade (...). Só que estas questões, a meu ver, foram
colocadas de maneira muito simplista, nós não fizemos trabalhos,
discussões, debates com o Pronasci sobre isso.

Retornaremos a essa discussão em nossas considerações finais, mas


consideramos importante destacar as implicações da articulação. Com objetivos audaciosos,
ambos os programas não conseguiriam dialogar, a ponto de cruzar os interesses específicos
de cada segmento, possibilitando o compartilhamento de resultados nas ações. É notório
perceber as nuances dessa relação e o afastamento produzido, com destaque para as
lacunas que foram determinadas, inclusive, a partir da segunda e terceira fase do Programa
Pontos de Memória.
No trabalho cooperado com a OEI, viável para a concretização do projeto pelos
dirigentes do Demu/Iphan, o Prodoc foi a alternativa encontrada para o desenvolvimento do
convênio que daria início a uma ação que, por quase 10 anos, foi responsável por mobilizar
o campo dos museus e da Museologia Social, fortalecendo as bases para a conformação de
movimentos em rede, com autonomia e expressão nacional a partir das reivindicações de
variados movimentos sociais. Para Ena Colnago, integrante da equipe técnica que participou
dos primeiros momentos de desenvolvimento do Programa:

A gente tinha que estruturar o Programa para atender as demandas do


Ministério da Justiça. O Ministério da Justiça ia aportar recursos para
uma série de ações do Programa Mais Cultura, entre elas, o Pontos de
Memória (...) A gente tinha uma estrutura do que queria, uma proposta
de trabalho, mas não sabia exatamente como a gente ia fazer; se ia
fazer convênio, se esses convênios iam ser trazidos pelo Ministério da
Cultura, se iam ser executados por nós. (...) Então houve um longo
período, no primeiro semestre de 2008, que era: Qual vai ser a
engenharia institucional adotada para poder fazer o repasse do recurso
para implantar esse projeto? (...) Foi a partir do segundo semestre de
2008 que a coisa começou a se desenvolver (Ena Elvira Colnago)59.

O Prodoc (2008) firmado entre a OEI e o MinC possui estrutura baseada no formato
padrão de projeto contendo apresentação, objetivos, justificativa, orçamento, metas, ações e
cronograma. As ações programadas visam atualizar e aperfeiçoar instrumentos gerenciais e
técnico-operacionais destinados “(...) à ampliação e consolidação de estruturas de apoio
cognitivo e metodológico às comunidades que atuam com memória social no Brasil”. Para

59Entrevista concedida a Inês Gouveia, em razão do Programa Pontos de Memória, realizada em Brasília, no dia
14 setembro 2010.
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cumprir essa meta, o projeto propõe atividades pautadas na definição conceitual e


metodológica sobre memória social, com ênfase nas relações comunitárias em auxílio ao
desenvolvimento da proposta do Ponto de Memória, com as respectivas gestão e
manutenção. Tal iniciativa prevê a capacitação para agentes de memória e membros da
comunidade, a produção de material a partir dos acúmulos gerados para consulta e
formação de novos processos e a sistematização da metodologia de trabalho junto aos
pontos, com a geração de instrumentos que possam auxiliar as futuras formulações, com
planejamento, avaliação e apoio aos Pontos de Memória.
Esse documento é basilar no Programa Pontos de Memória. Norteador dos
objetivos a serem alcançados, ao longo de sua vigência de 2008 a 2015, produziu
consideráveis avanços para o campo dos museus e da memória, especialmente no que se
refere às políticas públicas em museus no Brasil, com ênfase na participação e nos
protagonismos de grupos e movimentos sociais.
O projeto traça a trajetória do Programa, sua constituição, avanços e desafios. A
partir desse instrumento, conectado com os pressupostos e desafios da PNM, dos
fundamentos da Museologia Social experimentados sobre forte inspiração do Museu da
Maré e do MUF, 12 novos processos museais são criados em todo o país. A esse respeito:

Essa experiência foi fundamental para que o Iphan/Demu definisse e


consolidasse seu papel na formulação e implantação desses processos
museológicos em comunidades. Foi possível constatar que esse
movimento de comunidades, que promovem ações de memória, não era
uma ocorrência isolada da favela da Maré; existiam outras
manifestações em diversas localidades na cidade do Rio de Janeiro,
bem como em outras unidades da federação (Prodoc, 2008, p. 16).

Com o intuito de executar os princípios da PNM e com a missão de estimular novos


processos museais com base comunitária, a equipe Demu/Iphan disponibiliza apoio técnico
por meio de oficinas e orientações a grupos e comunidades que se interessam em trabalhar
memórias em diferentes localidades. A ideia é contribuir com o fortalecimento de tais
práticas a partir de uma discussão acerca dos temas referentes a museus, memória e
patrimônio cultural, além de técnicas e procedimentos relacionados a modelos de criação e
gestão de museus, com vistas a oferecer condições necessárias para o incremento e o
fortalecimento da criação de museus em comunidades que atuam com a identidade cultural
e territorial. Vale dizer que, depois de firmadas as parcerias, foi preciso ampliar a diversidade
e a capilaridade museal e garantir a forte inserção dos museus nas comunidades locais,
atuação prevista pelo Iphan/Demu e incluída como meta no Prodoc.
Em se tratando das capacidades geradoras do Programa que estava sendo
desenhado por meio do Prodoc, José do Nascimento Júnior descreve as bases em que tal
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instrumento é firmado, destaca o apoio do Demu à Museologia Social e enfatiza que os


Pontos de Memória não refletem apenas a realidade das favelas e os altos índices de
violência, como também se articulam com as demais formas de violência simbólica, a
exemplo das lutas indígenas, quilombolas, comunidades tradicionais e movimentos sociais:

(...) É muito cara a ideia da Museologia Social e muito cara a ideia da


ruptura com uma Museologia tradicional; uma visão de museu, uma
visão com a ação da memória dos museus tradicionais. Esses processos
museológicos que a gente vem estimulando, não só por conta do
Pronasci, mas amplamente em várias comunidades... Indígenas,
quilombolas, várias comunidades rurais, quer dizer, não só sobre
aqueles que estão em região que tem índices de violência altos, mas
aqueles que têm o desejo de memória. Estamos reunindo... Todos
aqueles que têm desejo de memória. E este desejo de memória, por
parte do Estado, aí o Ibram, está fazendo com que, com a parceria entre
o Ibram e as comunidades, nós possamos mudar a cara da Museologia
brasileira, a partir desta rede, a partir desta condição, que é mostrar que,
via memória, via identidade, nós podemos mudar uma série de outros
processos sociais dentro das comunidades (José do Nascimento
Júnior)60.

Por meio do Prodoc, a equipe do Demu potencializa a atuação junto às


comunidades que desenvolvem ações de memória, com vistas a incrementar apoios
necessários para as demais experiências que surgem pelo país. Uma equipe reduzida para
pensar, promover, gerir e planejar o campo museal, em suas diferentes esferas, certamente
não poderia suprir uma ampliação da capacidade de gerar novas experiências dedicadas
aos processos museais. Tais iniciativas merecem tempo e dedicação para serem analisadas,
apoiadas em especificidades a partir dos acúmulos ocasionados por práticas anteriores.
Para a equipe do Demu (posteriormente do Ibram), a demanda dos movimentos sociais e
grupos comunitários representava uma oportunidade única de contribuir com o âmbito
museal segundo uma metodologia que pudesse ser aplicada a variadas experiências.

A proposta, contudo, é ampliar a capacidade institucional do Iphan/Demu


para atuar de forma mais consistente nessa área. O problema é que
perduram carências quanto à existência de um desenho de processo de
trabalho específico para atender, em escala, esse conjunto de
comunidades que promovem ações de memória social no Brasil. Além
disso, os instrumentos de apoio utilizados até o momento, para apoiar o
trabalho dessas comunidades, necessitam de ajustes, bem como devem
ser incorporados a eles novos instrumentos (Prodoc, 2008, p. 17).

Nesse ínterim, o Prodoc foi pensado conforme quatro metas (um geral e três
específicos) definidas pela experiência de apoio aos museus que contribuíram para a
consolidação da ideia do Programa Pontos de Memória. O Prodoc (2008) se baseia num
objetivo geral que, inclusive, dá nome a ele: “(...) atualizar e aperfeiçoar instrumentos

60 Entrevista concedida a Inês Gouveia, realizada em Brasília, no dia 14 setembro 2010.


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gerenciais e técnico-operacionais para ampliar e consolidar as estruturas de apoio cognitivo


e metodológico relativo ao campo museal para as comunidades que atuam com memória
social no Brasil” (p. 21). Já os objetivos específicos são:

1. Definir bases conceituais e metodológicas relativas ao campo museal,


em particular sobre memória social e sobre relações comunitárias para a
implantação e manutenção de Pontos de Memória; 2. Capacitar agentes
de memória e membros da comunidade em desenvolvimento e gestão
de projetos nas áreas museológicas e museográficas para o
aperfeiçoamento da implantação e da manutenção de Pontos de
Memória; 3. Aplicar, de forma experimental, os processos e instrumentos
de planejamento, avaliação e apoio à instalação e manutenção de
Pontos de Memória, bem como difundir experiências em memória social
no Brasil (Prodoc, 2008, p. 21).

Os objetivos estabelecidos partem da necessidade de estabelecer bases


conceituais e metodológicas, pois há, de acordo com as práticas já realizadas junto aos
museus e comunidades, uma lacuna que precisa ser superada. A relação com os processos
museais ainda é novidade para o campo museal, e as iniciativas empreendidas pelos grupos
e movimentos ainda precisam de indicadores conceituais e ferramentas metodológicas.
Outra necessidade é a formação dos agentes locais, dado que muitos atores que se
relacionam com as experiências de memória compreendem os cenários de lutas e
resistências, forjados na batalha a partir das demandas sociais, são militantes e
interessados em contribuir com a melhoria das condições de vida das pessoas, sejam elas
moradoras ou integrantes de movimentos que buscam direitos. As vivências no cotidiano da
comunidade ou nos movimentos sociais são relevantes, o que permite compreender a
memória dessas lutas como ferramenta extra para suas reivindicações e indicações de
mudança.
No entanto, falta para lideranças e moradores integrantes dos movimentos
experiência e conhecimentos específicos sobre o campo da memória, do patrimônio cultural
e dos museus, assuntos até então diferentes dos que estavam acostumados a tratar no
cotidiano. Na medida em que se apropriam do desejo de memória, são levados, por meio do
interesse em aprofundar nos processos de salvaguarda e de exposições, a compreender
melhor os conceitos que abarcam o novo desafio. Dessa forma, o objetivo que trata da
formação desses agentes se consolida como uma etapa fundamental para o sucesso do
Programa, uma vez que deposita nessas pessoas a total responsabilidade por suas ações,
além de interagir como formação, discussão e elementos que agregam possibilidades de
reflexão e de enfrentamento; contudo, no que tange à execução, planejamento, narrativas,
discurso, definições de prioridades e escolhas dos caminhos a percorrer, tais aspectos se
relacionam exclusivamente à tomada de decisão do grupo. Logo, é importante refletir sobre

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os papéis desempenhados por moradores, militantes locais e técnicos do Demu/Ibram61 no


desenvolvimento e acompanhamento das propostas.
A primeira versão do Prodoc produzida em 2008 pela equipe do Demu/Iphan
vigorou até 2012, quando foi feita a primeira revisão substantiva pela OEI para orientar
sobre reformulações, adequações e inclusões. O Prodoc elaborado em 2008 previa o
período de novembro de 2008 a dezembro de 2011 para ser realizado, totalizando 38
meses. Todavia, com a aproximação do prazo final, a equipe do Ibram responsável pela
condução do processo junto à OEI decidiu ampliá-lo e ajustar a proposta original. A revisão
substantiva imprime um novo caráter ao Prodoc inicial, pois adiciona um objetivo importante
em sua constituição, que representa os avanços acumulados pela trajetória do Programa
Pontos de Memória: a conformação de redes com a expansão do Programa expressado por
sua vocação para atuar desse modo, a exemplo dos rumos também tomados pelo Programa
Cultura Viva, em especial os Pontos de Cultura. Assim sendo, o quarto objetivo do Prodoc
(2012, p. 6) seria “(...) promover por meio da articulação em rede, a difusão de bases
metodológicas dos Pontos de Memória e a capacitação de multiplicadores para atuar em
ambientes articulados e integrados nas áreas de memória e Museologia”.
Convém ressaltar que os acúmulos desse processo gerados a partir da experiência
de trabalho junto ao desenvolvimento dos Pontos de Memória contribuem para o campo
museal, em especial aos interessados em conhecer melhor os pressupostos da Museologia
Social. Analisar a trajetória da proposta colabora para o entendimento do que significa a
relação entre Estado e sociedade civil, no que se refere aos museus e processos museais.
Uma das ações prioritárias para iniciar o Programa diz respeito às visitas de
reconhecimento das localidades indicadas para receber os Pontos de Memória. Como já foi
dito, a seleção das 12 cidades foi determinada pelo Pronasci com base em pesquisas
relacionadas a bairros com alto índice de violência e marginalidade. Para respeitar essa
escolha foi preciso, portanto, conhecer cada lugar para a identificação do potencial de
memória local e as práticas que já eram realizadas nesse sentido.
Durante o primeiro ano de tratativas sobre o Programa, iniciativas foram realizadas
no sentido de solicitar que o MJ, por meio do Pronasci, reconsiderasse algumas decisões,
como a exigência de 12 cidades pré-estabelecidas. No entanto, tal proposta não foi
considerada, dado que o planejamento do Pronasci não previa alterações dessa natureza.
Para o projeto Pontos de Memória, esse era um problema – em alguns estados, era possível
conhecer práticas e processos museais mais consolidados do que nos municípios indicados

61 O Programa Pontos de Memória teve início ainda na fase de planejamento, escrita e formalização de parcerias
em 2007 e 2008, com atuação direta do Demu/Iphan. Em 2009, o Programa foi lançado sob a responsabilidade
do recém-criado Ibram, que passou a se responsabilizar pela gestão. Com vistas a esclarecer a utilização dos
termos a partir das ações realizadas em 2009, apenas iremos nos referir à equipe do Ibram.
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previamente. Restava à equipe do Programa encontrar ações de memória ou despertar nas


comunidades o desejo de atuar sobre a perspectiva da memória, o que acabou sendo um
aspecto recorrente na maioria das cidades selecionadas.
Em conformidade com a Lei n. 11.707, de 19 de junho de 2008, que altera a Lei n.
11.530, de 24 de outubro de 2007, que institui o Programa Nacional de Segurança Pública
com Cidadania, o Pronasci deve atuar em cidades segundo estes focos:

II. foco social: jovens e adolescentes egressos do sistema prisional ou


em situação de moradores de rua, famílias expostas à violência urbana,
vítimas da criminalidade e mulheres em situação de violência; III. foco
territorial: regiões metropolitanas e aglomerados urbanos que
apresentem altos índices de homicídios e de crimes violentos; e IV. foco
repressivo: combate ao crime organizado (Lei n. 11.530, 2007).

2.1.3.3 Os territórios indicados

As localidades escolhidas possuem um perfil que as une, já que pesquisas feitas


pelo MS e as informações da polícia as caracterizam como violentas e com alto índice de
homicídios e crimes hediondos. Possuem elementos que agregam possibilidades de
enfrentamento acerca da segurança pública para públicos específicos, como os jovens e as
mulheres. Diante das exigências estabelecidas nas cidades mapeadas e indicadas, era
necessário que o Programa Pontos de Memória percorresse o país para identificar as
experiências e convidá-las para a primeira Teia da Memória em Salvador, realizada em
2010.
Em análise do consultor Wélcio Toledo foram traçadas a trajetória e a situação de
cada comunidade contatada pela equipe do Programa, verificando a situação em que cada
uma estava no momento em que a proposta foi enviada a elas – vale ressaltar que para,
algumas comunidades, o trabalho com a memória já era uma realidade e, para outras, soou
como grande novidade. Mesmo assim, as lideranças reunidas para as reuniões com o Ibram
se mostraram interessadas em fazer parte do projeto, para saber como ele poderia contribuir
para a consolidação do trabalho social em curso nas comunidades por intermédio de
movimentos diversificados.
Destacaremos as comunidades visitadas na primeira etapa do Programa a partir
das reuniões e a identificação das experiências de memória. Os encontros foram agendados
conforme o diálogo estabelecido entre a equipe do Ibram e a rede de contatos nos estados e
nas cidades indicadas, além do esforço pessoal dos consultores contratados. A partir dessa
aproximação inicial, identificaram-se lideranças e projetos iriam conhecer a proposta. As
primeiras visitas de aproximação e sensibilização foram realizadas em 2009, sendo que

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os Pontos de Memória e a insurgência do fazer museal

algumas localidades receberam de duas a quatro visitas, definidas segundo o


amadurecimento das propostas desenvolvidas, a articulação e as demandas locais (Toledo,
2009).
Na cidade do Rio de Janeiro, a comunidade escolhida foi o Morro do Cantagalo-
Pavão-Pavãozinho, por ser um lugar de resistência trilhado desde 2008 por moradores, em
que a ONG comunitária pretendia reunir acervo com o registro do modo de vida dessas
pessoas. Para os moradores e responsáveis pela condução dos trabalhos junto ao MUF,
esse é o primeiro museu territorial e vivo sobre memórias e patrimônio cultural de favela,
cujas ações iniciais também foram desenvolvidas em parceria com a equipe do Demu/Iphan,
que pôde acompanhar e auxiliar na condução dos trabalhos. Assim como o Museu da Maré,
essa experiência contribuiu para construir a metodologia de trabalho desenvolvida junto aos
Pontos de Memória, e sua escolha para compor as ações do Programa reflete a
preocupação na continuidade das práticas que necessitavam naquele momento de apoio,
para haver consolidação e subsistência técnica e financeira.
Outra localidade escolhida foi Brasilândia, situada na Zona Norte, região
metropolitana de São Paulo. Segundo Toledo (2009), o bairro estava desmobilizado, fato
que repercutiu com a participação de apenas dois moradores locais, em reunião com o
Ibram em novembro de 2009. A extensão do bairro e as diferentes ações empreendidas por
ONGs e iniciativas governamentais expressam divergências políticas e de visão de mundo já
identificadas desde os primeiros contatos. A dificuldade de gerar consensos em benefício da
proposta, para que as práticas de memória fossem realizadas e continuadas, levou à
descontinuidade das iniciativas desse Ponto de Memória, que não conseguiu desenvolvê-las
para além do primeiro PD62.
Em Belo Horizonte, capital de Minas Gerais, especificamente no Taquaril, surge a
experiência que posteriormente deu nome ao Museu do Taquaril. À época, a localidade
apresentava profunda mobilização social, com a presença de ativistas, artistas e lideranças
comunitárias que receberam o Programa como uma oportunidade de aprofundar as ações
dedicadas à memória e ao fortalecimento do bairro. Com o apoio governamental de
políticos, deu-se início à mobilização por direito à memória que traria bases para o
desenvolvimento de atores locais e da experiência museal. O Ponto de Memória já surge
com nome de museu, um investimento realizado pela comunidade de forma muito clara que
compreendeu os potenciais da discussão acerca da memória para ampliar o alcance social
das bandeiras e lutas empreendidas até então.

62 De acordo com a metodologia proposta, o PD é a última etapa do Programa Pontos de Memória e consiste em
dar retorno à comunidade sobre as ações de formação e IP. Voltaremos a esse assunto com mais detalhes na
terceira parte desta tese.
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A história do bairro vem sendo registrada como narrativa por meio do


Programa Pontos de Memória Museu do Taquaril, através de um grupo
de moradores locais, do qual fazemos parte, que se lançam ao desafio
de delimitar e dar visibilidade ao patrimônio construído ao longo de 23
anos de existência do bairro (Silva & Silva, 2013).

Houve facilidade nos contatos iniciais com o bairro de São Pedro, na cidade de
Vitória, Espírito Santo por conta das ações já empreendidas pelo Pronasci. A partir daí, eles
foram aprofundados por meio das ações desenvolvidas na escola como eixo temático
central, ampliando a capacidade de articulação e ativismo daqueles preocupados em
garantir a discussão acerca da memória do lugar, com vistas a prosseguir com as práticas
de cidadania e dignidade dos moradores. O Ponto de Memória da Grande São Pedro reúne
lideranças culturais, comunitárias e educacionais, além de artistas e representantes de
escolas de samba, dançarinos, “(...) jovens e idosos engajados na reflexão sobre a
importância da (re)construção da memória local para o fortalecimento das identidades que
perpassam as lutas e conquistas da região, conhecida pela forte atuação de movimentos
sociais” (Ibram, 2016, p. 18).
Em Brasília, na cidade da Estrutural, já existiam grupos e lideranças, a exemplo das
demais localidades, que viram, na proposta apresentada pela equipe do Programa, uma
oportunidade de agregar os movimentos existentes para potencializá-los e, assim, contribuir
com a difusão das conquistas atribuídas as histórias de luta da comunidade e dos
moradores. “A iniciativa também funciona como um ponto agregador de movimentos que
desenvolvem projetos socioculturais e de educação popular da cidade, sempre pautados em
ações criativas, solidárias e voltados à melhoria de qualidade vida da população local”
(Ibram, 2016, p. 61). Com capacidade aglutinadora, os diferentes grupos, moradores,
coletivos e instituições parceiras iniciaram o processo que levou ao desenvolvimento do
Ponto de Memória que, posteriormente, viria a ser considerado pelos moradores como um:

(...) museu popular, autogestionário, que reúne lideranças comunitárias e


representantes de diversos grupos, coletivos e movimentos da cidade,
para pensar e desenvolver ações voltadas à valorização das histórias e
memórias locais, como meio de transformação e melhoria de qualidade
de vida no território (Ibram, 2016, p. 61).

Na região Sul foram contatadas lideranças atuantes nos bairros do Sítio Cercado,
em Curitiba, e Lomba do Pinheiro, em Porto Alegre. Na primeira localidade, os grupos que
participaram das reuniões iniciais encontraram, desde muito cedo, afinidade com a proposta
adotada pelo MUF; por isso, ao longo do trabalho desempenhado junto ao Programa,
construíram a ideia do Museu de Periferia. O bairro já realizava atividades relacionadas às
diferentes lutas dos movimentos sociais, especialmente por direito à moradia, o que garantiu
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o aspecto primordial da exposição que daria vida à iniciativa do Sítio Cercado. Já na


comunidade da Lomba do Pinheiro, o museu comunitário que leva o nome do bairro teve a
iniciativa do Programa Pontos de Memória em constante diálogo e interface com a
universidade. Assim como o Museu de Favela, o Museu Lomba do Pinheiro já existia, o que
reafirma a importância dessas iniciativas para o cenário nacional. Os desafios enfrentados
por essas práticas nos permitem perceber limites, aprendizados e incentivos entre os
espaços já constituídos como museus e os processos ainda em desenvolvimento inicial.
Vale dizer que a articulação e os diálogos permitem avançar na configuração do Programa
enquanto ação nacional de fortalecimento da Museologia Social.
Inspirador e criativo em suas ações de cultura e memória, o Nordeste contribui com
a construção do Programa nas comunidades de Jacintinho em Maceió – AL, Coque em
Recife – PE, Beiru em Salvador – BA e Grande Bom Jardim em Fortaleza – CE. Por meio de
uma perspectiva crítica, a comunidade de Jacintinho, ao ser contatada, demonstrava
insatisfação com os programas de governo que empreendiam ações conforme
determinações unilaterais, sem ponderar as reais necessidades dos moradores. Com a
universidade, a reclamação era feita por conta da capacidade limitada de produzir respostas,
contribuindo com os desafios reais da comunidade. Tal dificuldade fica caracterizada por
serem levados os conhecimentos dos moradores para diferentes áreas do saber na
academia, mas sem haver reciprocidade, já que as universidades não devolvem em larga
medida os saberes gerados. Essa troca de conhecimentos acaba sendo pensada nas ações
desenvolvidas pelo Ponto de Memória.
O Coque, posteriormente Museu do Mangue do Coque, possuía, à época em que
foram feitos os contatos iniciais, uma vocação para o desenvolvimento de práticas e
processos museais, sobretudo pelo olhar atento do Departamento de Antropologia e do
Curso de Museologia da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE)63.
Já em Salvador, a localidade escolhida foi o bairro Beiru. A história de resistência
dos militantes do campo da arte, da música e da educação que defendiam o direito a uma
nova dignidade humana desempenhou ações que, por escolha das lideranças locais,
valorizaram a memória do líder negro Gbeiru (Beiru, em Yorubá), que hoje dá nome ao
bairro Beiru, originalmente um quilombo na região. A demanda pelo fortalecimento da
identidade local por meio do reconhecimento da memória do negro Beiru resulta da
elaboração do livro do Beiru pela comunidade, sendo publicado pela Fundação Pedro
Calmon, de Salvador, com apoio das Secretarias de Cultura e de Promoção da Igualdade. A
obra foi lançada em 2007 e contribuiu para a constituição da experiência do Ponto de

63Havia um apoio desses setores por intermédio do professor Antônio Motta, visto que o Ibram promoveu uma
reunião no local em outubro de 2009.
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Memória que aprofundou as relações com a comunidade, desenvolvendo ações de prestígio


da cultura e identidade negra. Uma das questões mais marcantes da constituição do Beiru
foi a luta empreendida por moradores para que o bairro não mudasse de nome para
Tancredo Neves. Segundo Roberto dos Santos Freitas, morador há 32 anos do lugar e
militante que daria prosseguimento às ações do Ponto de Memória: “É preciso resgatar a
memória de nossa história afro-brasileira. Não podemos deixar que o nome de um dos
primeiros donos das terras seja trocado por Tancredo Neves” (Instituto Brasileiro de Museus,
2010).
A região Norte do Brasil foi representada pelo bairro Terra Firme, e os principais
interlocutores dessa experiência foram o Ecomuseu da Amazônia e o Museu Emílio Goeldi.
Com uma parceria de longa data com a comunidade de Terra Firme o Museu Goeldi, que já
desenvolvia ações e projetos na localidade, investiu-se em articulação, promoveram-se
encontros e se mobilizaram moradores, em especial Chiquinha e Chicona, que representam
o tamanho da luta pelo direito à terra e à moradia. As ações de memória foram provocadas
pela proposta do Programa e realizadas a partir daí pelos moradores, com apoio do Museu
Goeldi (Alcântara & Godoy, 2017).
Importa esclarecer o motivo de o Ecomuseu da Amazônia não ter sido contemplado
para a realização e ampliação das ações na região Norte, uma vez que o Pronasci exige
comunidades com alto índice de violência, como visto anteriormente. O Ecomuseu,
localizado em outras regiões de Belém, não fazia parte dos territórios prioritários do
Programa, mas sempre esteve presente e era parceiro, contribuindo com o fortalecimento da
PNM no que se refere aos museus comunitários e à Museologia Social. Sua experiência já
foi analisada por autores como Pereira (2015) e Martins (2017), e segue construindo outras
realidades museais a partir da Amazônia.
As 12 localidades indicadas pelo Pronasci e contatadas pela equipe do Programa
Pontos de Memória ao longo de 2009 aceitaram em participar do projeto e passaram a
integrar a experiência-piloto que se iniciou de maneira concreta a partir da I Teia da
Memória. Com vistas ao desenvolvimento da proposta, após a etapa de sensibilização das
comunidades, era preciso aproximar as iniciativas ao campo da Museologia, dos museus, da
memória e do patrimônio. Assim, as oficinas e atividades de formação foram determinantes
para ampliar a discussão acerca dos processos museais.
A seguir apresentamos uma relação com as localidades sugeridas pelo Pronasci
para a atuação do Programa Pontos de Memória. Ressaltamos a indicação de duas ou três
comunidades, em que a escolha deveria ser orientada por essas recomendações:

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Quadro 2 – Relatório de localidades do Pronasci – parte 1.


Fonte: Pronasci (2007).

Quadro 3 – Relatório de localidades do Pronasci – parte 2.


Fonte: Pronasci (2007).

Quadro 4 – Relatório de localidades do Pronasci – parte 3.


Fonte: Pronasci (2007).

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Mapa 1 – Pontos de Memória (12 experiências).


Fonte: Pronasci (2007).

2.1.3.4 A metodologia do Programa

Para o cumprimento das fases previstas em Prodoc e as respectivas metas, a etapa


inicial relacionada ao objetivo 1, que orienta a contratação dos primeiros consultores e
produtos, inicia o fortalecimento e desenvolvimento das práticas nas localidades. A
metodologia do Programa Pontos de Memória foi elaborada à medida que a equipe
avançava em direção às comunidades. As reuniões, as visitas técnicas às localidades
escolhidas e os diálogos de reconhecimento do território e de suas questões contribuíram
para dar contorno ao Programa.
Em princípio, a falta de método permitiu que o grupo avançasse, pois o
reconhecimento dos potenciais de cada lugar, dos grupos e coletivos que já eram agentes
de memória com iniciativa política e social se tornou grande descoberta e aprendizado. No
entanto, era preciso seguir alguma diretriz que ajudasse no cumprimento das metas; assim,
a partir das considerações realizadas pelos consultores como resultado das visitas técnicas,
algumas etapas se consolidaram:

1) A sondagem e contatos com as comunidades de “risco social”


indicadas pelo Pronasci (no período de 3 meses, de setembro a
novembro de 2009); 2) Intercâmbio entre as comunidades para que elas
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conheçam o Programa Pontos de Memória e troquem experiências (em


dezembro de 2009); 3) Diagnóstico das potencialidades presentes nas
comunidades para a implantação de Pontos de Memória (de janeiro a
março de 2010); 4) Oficinas de capacitação para os agentes de memória
da comunidade, com 10 temas diferenciados, atendendo turmas de 15
pessoas (março a maio de 2010); 5) Elaboração do inventário patrimonial
das comunidades (janeiro a junho de 2010); 6) Elaboração de um plano
de trabalho para cada Ponto de Memória, como produto final das oficinas
(Toledo, 2009).

As propostas apresentadas pela consultoria se destacaram conforme as visitas


realizadas às localidades, o que acarretou forte impacto sobre os desdobramentos
necessários para a execução da proposta. A etapa da sensibilização pode ser considerada a
primeira fase do Programa, em que foi possível conhecer as práticas e estabelecer os
primeiros contatos para a apresentação do projeto. A esse respeito, Luciana Figueiredo
Avelar (2015) assevera que:

O consultor Wélcio, como representante do Ibram, assumiu a


responsabilidade de abordar as comunidades e apresentar a proposta da
Ação-Piloto, trabalho que segundo ele não foi fácil: “Este trabalho, que
começou de maneira bem exploratória mesmo, era eu – aí eu posso usar
até a primeira pessoa mesmo – entrando nas comunidades (...) foi uma
coisa muito revolucionária, quase que suicida, eles me questionavam
muito, me colocavam contra a parede” (Toledo, 2014). Ele destaca como
fatores dificultadores a falta de mediação de instância estadual ou
municipal e também resistências das comunidades em relação a
programas sociais de governo e, em particular, ao Pronasci (p. 65).

Realizada na cidade de Salvador, Bahia, em dezembro de 2009, a I Teia da


Memória64 coroou a primeira fase do Programa e, com a participação de representantes de
cada Ponto de Memória, uma rede se consolidava. Essa ação contribuiu para ajustar e
ampliar a compreensão dos participantes sobre o Programa e dar início à realização
propriamente dita. Em ação recorde, durante o ano de 2009, todas as localidades foram
identificadas, além de realizar contatos e mobilizações. Para demonstrar a importância da I
Teia como estratégia metodológica, trazemos parte do discurso de Mário de Souza Chagas,
então diretor do Departamento de Processos Museais e responsável pela execução do
Programa no âmbito do Ibram:

Há uma demanda social no que se refere à memória, se há essa


demanda social, então é responsabilidade do poder público buscar de
algum modo atendê-la. Não é uma invenção do poder público o Ponto de
Memória, pode parecer para alguns que é uma invenção. Não! É, na
verdade, um atendimento de uma demanda muito específica. (...) O
poder público precisa aprender a pescar, e quem ensina é a sociedade.
(...) Se existem pessoas que tem tecnologia de sobrevivência, são
aquelas que vivem nas comunidades tradicionais e nas comunidades

64 As Teias da Memória serão abordadas em tópico específico nesta tese.


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populares. (...) Uma comunidade que tem o acervo, que valoriza, que
quer... porque compreendeu que aquele acervo é importante; não somos
nós que vamos dizer que é importante, mas a comunidade compreendeu
que é importante, quer preservar... Muitas vezes, [daremos] um apoio,
para dizer: “Não faça isso, esse não é o bom caminho da preservação.
Existe uma outra tecnologia, uma outra forma”. Esse é o saber que nós
temos acumulado, é um saber desenvolvido, no que se refere à técnica
de conservação preventiva, técnicas de pesquisa, técnicas de
conservação... e quando esse saber não estiver no Ibram, nós
saberemos onde buscá-lo65.

O espírito do trabalho coletivo (co)responsabilizado e ciente do papel de destaque e


protagonismo dos grupos comunitários pode ser expresso por Chagas (2009 citado por
Gouveia, 2011), quando diz que “(...) o poder público precisa aprender a pescar, e quem
ensina é a sociedade”. Em constante mutação, durante a criação e o desenvolvimento da
proposta, foi possível observar as dificuldades enfrentadas pela equipe de gestão e pelos
integrantes dos Pontos, bem como as alternativas para solucioná-las.
A primeira etapa do Programa, composta por contatos prévios, contratação de
consultores, visitas técnicas, reconhecimento das ações realizadas pelas comunidades
visitadas, definição das localidades e realização da I Teia da Memória, diz respeito a
estratégias metodológicas que fazem parte da sensibilização. Por sua vez, a segunda etapa
possui, como forte elemento metodológico, o desenvolvimento dos conselhos gestores, a
elaboração e execução dos PAs, além da realização das oficinas e encontros com os
consultores. Ela começou em 2010, logo após a I Teia da Memória.
Nesses termos, o Programa Pontos de Memória visa à participação de grupos,
coletivos e movimentos sociais nas práticas de memória em favor das reivindicações sociais
por saúde, moradia, educação, cultura e, sobretudo, do direito à memória. Com a
consolidação de plenárias, reuniões, assembleias, seminários e outras iniciativas realizadas
para a discussão e identificação dos representantes locais, foi possível avançar no
planejamento das ações e fortalecer a dinâmica de representatividade, algo importante
como concepção original do projeto.
O estímulo à criação das Instâncias Deliberativas pela equipe do Ibram foi um
aliado para o acompanhamento da tomada de decisão sobre os encaminhamentos relativos
aos assuntos dos Pontos. Com o grupo formalizado, diminuiriam as chances de uma
atuação mais vulnerável à vontade e deliberações de um só movimento que poderia não
representar um conjunto maior de pessoas. No entanto, essa estratégia não tornava o
processo livre dos conflitos internos por poder e protagonismo, seja político ou pessoal. A
esse respeito, os Pontos de Memória Mangue do Coque, do Beiru e do Taquaril têm

65Mário Chagas, diretor do Departamento de Processos Museais do Ibram, no encerramento da I Teia da


Memória em 17 de dezembro de 2009, Salvador, Bahia (Gouveia, 2011).
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exemplos importantes a serem considerados nessa análise. No que tange à configuração da


Instância Deliberativa do Taquaril, Leila Regina da Silva pondera que:

(...) fazer parte do conselho é assumir o trabalho de fazer o projeto


acontecer na nossa comunidade. “Olha, eu vou estar no conselho, mas
eu tenho que fazer reuniões periodicamente, fazer as atividades que o
projeto propõe, mobilizar a comunidade...” (...). A gente precisa da
comunidade, de vocês, para dizer se a proposta para conduzir esse
projeto na comunidade é essa mesmo que a gente está apresentando,
ou seja, de ter um conselho que é composto por pessoas que fazem
parte das entidades que existem em nosso bairro, das várias entidades.
Não há restrição a participação de ninguém no conselho! (...)66.

Assim, foi necessário contribuir para as localidades elegerem os representantes, a


fim de que as iniciativas e a tomada de decisão respaldassem a opinião e participação de
mais moradores e integrantes da comunidade. Esse aspecto deve ser ressaltado como um
dos grandes avanços do Programa, ao identificar a necessidade de promover condições
para as lideranças se articularem e institucionalizarem a experiência participativa,
identificando os nomes daqueles que integram a gestão do Ponto de Memória. Tal etapa é
descrita conforme a dinâmica de cada localidade, pois as experiências podem ser
observadas por aspectos diferentes que se relacionam de maneira direta com a dinâmica do
ponto, seu contexto e os conflitos67. Em se tratando do acompanhamento dessa fase:

Ao longo de todo o segundo semestre, nas diversas oportunidades de


contato que se deram entre a equipe técnica e os Pontos de Memória,
estimulou-se o fortalecimento dessas instâncias, sobretudo com ênfase
no seguinte: o contato com o Ibram para tratar de assunto relativo a cada
um dos Pontos de Memória deve ser feito por meio dos membros das
instâncias deliberativas do respectivo Ponto. Ou seja, quem não integra
o grupo não deve falar em nome do Ponto de Memória; o seguimento da
metodologia depende da consolidação do grupo. Ou seja, problemas
internos que inviabilizem o acordo entre os membros tendem a paralisar
o desenvolvimento do Ponto de Memória (Gouveia, 2010, p. 6).

Na medida em que os Pontos de Memória organizavam suas ações, cada qual a


seu modo, as instâncias deliberativas ou conselhos gestores se tornaram cada vez mais
autônomos para desenvolver processos. Isso significava, inclusive, angariar apoio financeiro
para a realização das atividades a partir das deliberações dos gestores.
Atrelado ao desenvolvimento das oficinas de formação (parte integrante da
estratégia metodológica de fortalecimento dos Pontos pelo Ibram), pensou-se um PA que
deveria ser feito por iniciativa, a partir de um modelo comum de preenchimento, com formato
padrão para a inclusão de cronogramas, projeto e intenções de realização dos pontos. Com

66 Fala de Leila Regina da Silva, integrante do Ponto de Memória do Taquaril, em 13 de novembro de 2010, Belo
Horizonte, Minas Gerais, citada por Gouveia (2011).
67 A esse respeito, consultar: Toledo (2010, Produto 2, 1º contrato); Varanda (2010, produto 1); Gouveia,

produtos 4 e 7, 1º contrato); Schuabb, 2013, produto 5, 3º contrato).


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tal instrumento, o recurso financeiro poderia chegar diretamente a cada iniciativa, já que não
era possível, por meio da execução via Prodoc, outra forma de repassar diretamente os
investimentos para os pontos. O modelo de cooperação com a OEI tem caráter focado na
formação e colaboração para ferramentas metodológicas de gestão, e não no
desenvolvimento de práticas atinentes ao fomento e financiamento das experiências.
Dessa forma, adotou-se uma estratégia para solucionar a falta de recursos nos
Pontos, conforme os padrões legais exigidos pela Cooperação Técnica. Nesse momento
surge a figura do consultor local contratado para estabelecer vínculo e relacionamento direto
com os gestores do Ponto, em que uma das exigências do TOR sobre esse profissional se
refere a residir ou ter vínculos próximos com a comunidade atendida; assim, os produtos
viabilizariam ações locais, e o grupo estabeleceria com ele a melhor forma de realização das
atividades. Essa foi a única vez em todo o desenvolvimento do Prodoc, com exceção do
Prêmio Pontos de Memória, que os Pontos receberam diretamente algum tipo de recurso
para viabilizar as ações.
Para cada localidade, um TOR específico foi elaborado, e nele constavam aspectos
semelhantes, a exemplo do documento adotado na Estrutural:

Formação Acadêmica
A.1 Formação acadêmica (Coordenador Local para implantação do
Ponto de Memória da Estrutural) Nível superior, com experiência de
atuação em projetos de base comunitária.
B. Exigências Específicas do Contratado
B.1 Exigências específicas (Coordenador Local para implantação do
Ponto de Memória da Estrutural) Ser, preferencialmente, residente da
comunidade da Estrutural, no Distrito Federal, e ter experiência com
processos de construção coletiva de memória (Organização dos Estados
Ibero-americanos, 2011, p. 2).

Os consultores tinham responsabilidade técnica e prática junto ao desenvolvimento


das ações propostas pelo conselho gestor e indicadas no PA. Pretendia-se:

Contratar consultor local para assessorar na implementação do Ponto de


Memória da Estrutural-DF Finalidade: assessorar, junto à instância
deliberativa do Ponto de Memória da Estrutural, no Distrito Federal – DF,
as atividades de elaboração do Plano de Ação, de desenvolvimento do
Inventário Participativo e de elaboração e desenvolvimento do Produto
de Difusão do Ponto de Memória (Organização dos Estados Ibero-
Americanos, 2011, p. 2).

Uma das funções específicas do consultor local se referia ao acompanhamento e à


execução do PA. Esse instrumento, produzido pela equipe gestora do Programa Pontos de
Memória, visava contribuir com o desenvolvimento dos processos museais, em
conformidade com uma estrutura que permitisse o acompanhamento da metodologia e
servisse como orientador para a elaboração dos produtos provenientes da metodologia do
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Programa.
O PA foi encaminhado como o primeiro produto dos consultores locais, e todos
contaram com aprovação do conselho gestor dos Pontos de Memória. O plano possui
campos para preenchimento obrigatório dos Pontos, o que nos auxilia a compreender a
estrutura de cada iniciativa e compará-las, observando como se desenvolvem na primeira e
na segunda fase do Programa. Tal documento é composto pelos seguintes campos para
preenchimento: Identificação, Instância Deliberativa, Perfil da Localidade, Memória Social
Representada, Tipologia de Museu, Acervo, PD, Possibilidades de Desenvolvimento, Plano
de Aplicação, Cronograma de Execução e Cronograma de Desembolso. Essas questões
são respondidas pelo consultor local contratado, que levanta os dados e os sistematiza a
partir do trabalho desenvolvido por diretores, coordenadores, lideranças dos Pontos. O PA
deve ter a aprovação dos membros que integram o conselho gestor, de forma a respaldar o
Ibram de que as ações são desempenhadas a partir de uma visão mais ampla, respeitando
o coletivo e refletindo uma realidade compartilhada de tomada de decisão. Vale ressaltar
que os produtos seguintes também deveriam ser encaminhados ao Ibram contendo a
assinatura dos membros do conselho para indicar concordância com as ações ali descritas.
Além do acompanhamento e o diálogo intermediado pelos consultores locais
contratados, o Ibram passa a desenvolver, junto aos Pontos de Memória, oficinas de
qualificação para formar integrantes, como as de IP e a de Museu, Memória e Cidadania,
uma das primeiras ofertadas, exatamente pelo caráter introdutório. Outras atividades
também foram realizadas nas etapas subsequentes:

Deste modo, o ritmo e a profundidade dos conteúdos abordados nas


qualificações foram dosados de acordo com o estágio de
desenvolvimento dos conselhos gestores. A partir da análise da equipe
técnica sempre se observou o quanto os conselhos demonstravam estar
preparados para a discussão dos temas da Museologia. Não por acaso,
os temas da qualificação foram elencados e ministrados, como se
observa por este relatório, a partir da necessidade mais premente de
execução de determinada etapa da metodologia (Gouveia, 2011).

Como estratégia para proporcionar mais qualificação nos Pontos de Memória, de 30


de agosto a 2 de setembro de , houve o I Encontro dos Consultores Locais dos Pontos de
Memória68 em Brasília. Como eles deveriam se portar como multiplicadores em suas
localidades, profissionais do Ibram e colaboradores ofereceram as seguintes oficinas: IP,
com o historiador João Paulo Vieira Neto e a museóloga Mirela Leite; proposta expográfica
no Museu da Maré, com o artista plástico Marcelo Vieira; e expografia, com a arquiteta

68 A esse respeito, ver Gouveia (2011).


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Simone Kimura. Além dessas atividades, os consultores puderam conhecer o Ponto de


Memória da Estrutural e o Museu do Candango, ambos em Brasília.
Ademais, outras oficinas foram realizadas nos Pontos de Memória com a equipe do
Ibram composta por servidores, consultores, colaboradores, além dos intercâmbios
promovidos pelo instituto e pelos próprios Pontos, com recursos de suas bases. No entanto,
é importante notar que, mesmo com os esforços empreendidos pelo Ibram, muitos Pontos
identificaram grande ausência de oficinas, o que foi atribuído ao atraso no desenvolvimento
das experiências.

Wélcio destaca que houve muita reclamação por parte dos Pontos
pioneiros (da Ação-Piloto), uma vez que várias oficinas prometidas não
foram realizadas, não sendo cumprido o plano de formação. Haveria
intenção de capacitar agentes envolvidos tanto na área de gestão como
de Museologia/expografia. Teriam sido previstas oficinas de captação de
recursos, prestação de contas e elaboração de projetos, não realizadas,
além das duas oficinas basilares do Programa: Museu, Memória e
Cidadania e Inventário Participativo (Avelar, 2015, p. 66).

A partir das oficinas de formação e do preenchimento do PA, os Pontos de Memória


iniciaram a elaboração dos IPs, parte importante da metodologia do Programa. Após isso, os
Pontos deveriam difundir as conquistas relacionadas ao acúmulo de informações sobre o
território, suas memórias e identidades, finalizando o ciclo de criação. Os PDs representam
as escolhas poéticas para o reconhecimento do território por meio de ações concentradas
em obter depoimentos e acervos para um banco de informações sobre a região. Por meio de
iniciativas de memória, entrevistas, encontros, chás, rodas de conversas e feiras, os grupos
obtiveram dados a partir das histórias de cada localidade, além das manifestações possíveis
de serem recolhidas desde as experiências da comunidade. À medida que esse trabalho se
concretizava, era preciso divulgá-lo para alcançar outros moradores e parceiros, noticiando
a experiência vivida e ampliando a capacidade de atrair interessados em manter vivas as
memórias e as histórias, o que fortalece o Ponto e os processos museais.
Na sequência apresentamos um esquema com elementos centrais à constituição
dos Pontos de Memória. Excluímos a etapa inicial de sensibilização, pois ressaltamos a
iniciativa para o início das atividades propostas. Com formato circular, cada etapa é
complementar, e nenhuma pode ser considerada sem a outra – todas influenciam de forma
direta o desenvolvimento do Programa e revelam um caráter dinâmico, integrado e cíclico:

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Esquema 1 – Estrutura metodológica do Programa Pontos de Memória.


Fonte: Elaborado pela autora.

2.1.3.5 As Teias da Memória

A primeira Teia da Memória aconteceu em dezembro de 200969 e reuniu integrantes


dos Pontos de Memória e outros representantes da Museologia Social que se fortalecia
naquele período com o apoio do Ibram. Esse encontro, inspirado pelas Teias de Cultura, no
âmbito do Programa Cultura Viva, do MinC, trilhava passos por caminhos diferentes. A Teia
se constituía como principal canal de articulação entre as localidades indicadas para receber
a proposta do Programa Pontos de Memória, além de receber outras experiências museais,
como o Museu Magüta, em Benjamim Constant, Amazonas; o Museu da Maré, no Rio de
Janeiro; e o Ecomuseu da Amazônia, em Belém do Pará, para compartilhar as experiências
e contribuir com a consolidação da iniciativa em âmbito nacional.
Simone, professora do Centro de Atenção Integral à Criança (Caic) do bairro Novo
em Sítio Cercado, articuladora do Programa Pontos de Memória, em seu discurso, por
ocasião da I Teia da Memória, indica que:

A luta hoje no bairro já não é mais por paredes, por água, por esgoto.
Essa estrutura mínima para se levar uma vida digna já existe. Hoje o que
está faltando é a cultura. As pessoas do bairro têm muito pouco acesso à
cultura. Isso porque a prefeitura do bairro não valoriza o Sítio Cercado
como merecedor desse tipo de atenção. (...) Pensam que o Sítio
Cercado é uma favela. (...) Temos bolsão de pobreza, mas a maioria da
população tem casa própria e carros. O que acontece, por não ter
nenhuma atenção, a maioria dos jovens fica desocupada, e então
buscam outras “experiências”. Então, precisamos mesmo de trabalhar
com cultura (Professora Simone)70.

69 Para mais detalhes sobre a I Teia da Memória, ver Fernandes (2010).


70 Depoimento citado por Fernandes (2010, p. 23),
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A II Teia da Memória71, conforme a Programação da Teia Brasil, demostrou a


aproximação necessária e inevitável com o Programa Pontos de Cultura, do MinC. Em 2010,
no segundo ano de desenvolvimento do Programa Pontos de Memória ocorreu a Teia Brasil
Tambores Digitais em Fortaleza, organizada pela Secretaria de Cultura e Cidadania do
MinC, já na quarta edição. No evento foi possível iniciar o diálogo acerca das parcerias entre
as ações e os respectivos resultados, e os Pontos de Memória entraram em contato com
diversificada produção cultural e vários militantes culturais do Brasil, o que levou a
oportunidades de formação para as lideranças que compunham os Pontos de Memória.
Cada momento compartilhado significava novas chances de crescimento e fortalecimento:
algumas iniciativas em nível mais avançado de maturidade política conseguiram aproveitar
as relações e compreender melhor o processo vivenciado, ao passo que outros demorariam
mais para compreender o momento político daquela ocasião.

O objetivo da Teia Brasil era fomentar discussões e apresentações sobre


o que está acontecendo no país no campo da cultura, especialmente as
ações dos Pontos de Cultura espalhados em vários municípios do Brasil.
O objetivo do Ibram ao participar com os Pontos de Memória da Teia das
Ações era reunir novamente os Pontos para troca de experiências sobre
o trabalho com memória e afinar a metodologia de trabalho para o ano
de 2010 (Toledo, 2010).

Já a III Teia da Memória realizada no Museu da Maré, em 2011, levou


conhecimento sobre uma das iniciativas mais emblemáticas de Museologia Social no Rio de
Janeiro e grande fonte de entusiasmo acerca do desenvolvimento do Programa Pontos de
Memória. A experiência de formação, trocas e perspectivas caracteriza um momento de forte
aglutinação e fortalecimento de ações que, a cada encontro, se tornam mais comprometidas
com o tema, assumindo um discurso em favor das práticas museológicas e dos processos
museais em comunidades que fazem a própria gestão e as escolhas que darão vida à
reflexão sobre a importância da memória para as questões do território.

Um dos principais objetivos da III Teia foi o fortalecimento da rede dos


Pontos de Memória. E por isso, eles mesmos, enquanto parceiros e
protagonistas do Programa foram responsáveis pelas apresentações que
ocuparam a maior parte da Programação. Mas, além disso, a
Programação evidencia que este também foi um espaço favorável à
troca de opiniões, elucidação de dúvidas e construção de conhecimento
a respeito de temas da Museologia, como é o caso do Inventário
Participativo e plano museológico. Outro aspecto de grande relevância
foi a oportunidade criada para que a equipe técnica ligada ao Programa
conversasse com todos os Pontos reunidos, ressaltando aspectos da
metodologia, como o Plano de Ação, o desenvolvimento do Inventário
Participativo e o lançamento do Edital Pontos de Memória (Gouveia,
2011, p. 24).

71 Para mais detalhes a respeito da II Teia da Memória, ver Toledo (2010).


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A programação da III Teia da Memória exemplifica a crescente complexidade das


ações dos Pontos conforme os encontros e demonstra como eles se fortaleceram com as
reflexões apresentadas durante o evento. Discursos com mais propriedade e objetividade a
partir de realizações, avanços e dificuldades, com o intuito de fortalecer a troca e as
possibilidades de resolução de conflitos, além da formação por meio da dinâmica proposta.
As visitas a duas experiências de Museologia Social já em estágio avançado de
desenvolvimento no Rio de Janeiro (Museu da Maré, sede do evento, e Museu de Favela)
contribuíram para ampliar o alcance dos objetivos almejados pela equipe do Ibram, servindo
de estimulo e inspiração para as práticas em desenvolvimento, especialmente os PDs e as
ações museais.
Outro ponto importante para refletirmos é a presença da museóloga Vera Tostes,
então diretora do Museu Histórico Nacional, que, com sua experiência, colaborou para a
aproximação de realidades museológicas bastante distintas. O aceite para sua participação
indica novas possibilidades e outras parcerias.

Imagem 1 – Programação da III Teia da Memória no Museu da Maré.


Fonte: Pronasci (2011).

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A realização das Teias da Memória é, de fato, um momento oportuno para fortalecer


as ações em rede e aprofundar as reflexões que auxiliam no acúmulo de experiências
necessárias para o desenvolvimento da Museologia Social no Brasil. Importante destacar
que tais encontros estabelecem parâmetros para as solicitações ao Ibram principal
articulador e fomentador das redes em surgimento naquele período. Com o propósito inicial
de reunir as iniciativas para compreender um cenário de franco crescimento, o Ibram
também se alimentava das questões e solicitações a que era constantemente submetido
pelas experiências. As possibilidades de articulação entre governo e sociedade civil que
consideram as disputas por autonomia e, ao mesmo tempo, um desejo de “tutela”, levam os
Pontos de Memória e as demais iniciativas a reverem seus propósitos.
Os Pontos de Cultura, ao se estabelecerem para além do Programa Cultura Viva,
com o fortalecimento das ações e a aprovação da Lei Cultura Viva, demonstram o potencial
das articulações populares frente aos desejos por autonomia em relação ao Estado:

Por diversas razões, entretanto, com o avançar da execução do


Programa, os Pontos de Cultura vão se tornando autônomos em relação
ao público que a princípio representavam. Eles mesmos vão se
produzindo como a população objeto da política de governo. A percepção
desta autonomização como possibilidade de disputa política alimenta a
formação de instâncias como o Fórum Nacional dos Pontos de Cultura e
o Conselho Nacional dos Pontos de Cultura (Portilho, 2016, p. 66).

Destacamos essa passagem como um indicativo de que a situação vivenciada


pelos Pontos de Memória a partir da IV Teia simboliza exatamente a produção de novas
instâncias articuladoras a partir das disputas mobilizadas pelos movimentos em rede. Para
os Pontos de Memória e a constituição da Comissão Provisória de Gestão
Compartilhada/Participativa do Programa Pontos de Memória (Cogepaco)72, tais processos
são similares e compreensíveis, o que demonstra que a estratégia adotada pelo Ibram de
fortalecer as iniciativas em rede foi adequada e, ainda, mais impulsionada pelos movimentos
do Programa Pontos de Cultura.
A IV Teia da Memória, parte integrante do Fórum Nacional de Museus, pode ser
considerada um marco para a estrutura do Programa Pontos de Memória. Com composição
totalmente diferente dos eventos anteriores, ela assumiu um contorno extremamente político
e reivindicatório, com momentos de desentendimento e cisão entre as perspectivas dos
Pontos de Memória trabalhados na primeira e segunda fase do Programa e os Pontos de
Memória premiados por meio dos editais. Segundo Cristina Holanda (2015), consultora
responsável por realizar a memória, a sistematização das informações, a avaliação dos
desdobramentos e a análise dos aspectos positivos e negativos da IV Teia:

72 Comissão criada em 2012, por ocasião do V Fórum Nacional de Museus, em Petrópolis-RJ.


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(...) É importante para o planejamento do Programa, porque mesmo com


a finalização do Prodoc OEI/BRA 08/007 em janeiro de 2016, a Teia da
Memória é vista como uma ação estruturante tanto pela
Comuse/Dpmus/Ibram, como pelos pontos e redes parceiros, na medida
em que consegue agregar um grande número de representantes dessas
entidades, especialmente quando é vinculada ao Fórum Nacional de
Museus, como foi em 2014, e nas suas próximas edições. Também
promovido pelo Ibram, autarquia do Ministério da Cultura, o Fórum é um
dos maiores eventos do setor museológico brasileiro, de periodicidade
bienal (como se espera que sejam as próximas Teias), que tem como
característica marcante o seu aspecto político, na medida em que
sempre é organizado para ter momentos de debate e aprovação
democrática, por meio de votações, das diretrizes que norteiam as
políticas públicas do setor (p. 35).

Caracterizada por inúmeros conflitos de natureza política, a IV Teia quase não


discutiu aspectos conceituais ou mesmo metodológicos. O foco esteve centrado na
representatividade e na legitimidade geradas por uma falta de entendimento sobre os
princípios norteadores do Programa e os acúmulos pretendidos em sociedade, com uma
disputa de protagonismo diante das demandas políticas de Estado. Em carta encaminhada
pela Rede São Paulo de Memória e Museologia Social há indícios de como a condução dos
trabalhos durante a IV Teia comprometeu, para parte dos participantes, a continuidade das
propostas articuladas em rede:

Também neste item, apontamos que, a plenária, apesar de cumprido o


objetivo acerca dos documentos normativos (previamente debatidos nos
encontros regionais), contou com alguns desencontros de
condução/mediação das mesas. Concluímos que tais desencontros
oportunizaram manifestações reativas da plenária, desencadeando
dificuldade nos diálogos, iniciados de modo produtivo, mas, caminhando
para conturbações agudas em determinados pontos dissonantes dos
debates (Carta da Rede São Paulo de Memória e Museologia Social, 6
fevereiro, 2015 citada por Holanda, 2015).

Ainda segundo a Rede São Paulo de Memória e Museologia Social, a IV Teia não
considerou a integração entre as iniciativas, gerando profundo desgaste ao longo do
processo. O que deveria servir para aglutinar ideias e provocar debates acerca de outras
oportunidades para fortalecer as iniciativas, unindo saberes e fazeres, configurou um grande
espetáculo de disputas entre elas, sem a capacidade gerencial do Ibram, que pretendia
promover a integração a acumular avanços. Percebemos que a Carta da Rede dos Pontos
de Memória e Iniciativas Comunitárias em Memória e Museologia Social – firmada ainda em
2012 com elementos indicativos de avanços já considerados à época e em perspectiva
amplamente agregadora das experiências que viriam a somar à estrutura nacional do
Programa – foi solenemente ignorada na configuração e nas propostas indicadas no V

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Fórum de Museus (retornaremos a esse ponto na quarta parte desta tese, item 4.1 Rumo à
autonomia: Carta de Princípio das Redes).
Vejamos a posição da Rede São Paulo a respeito da IV Teia e da carta de
princípios:

Embora, nos intervalos e momentos de descontração, tenha ocorrido a


aproximação e inter-relação dos representantes dos Pontos de Memória,
sentimos a ausência de uma proposta estruturada para a acolhida,
socialização e integração dos mesmos, sobretudo, antes dos
debates/plenárias. Devido ao distanciamento geográfico, ausência de
fomento para intercâmbios e desconhecimento da maioria das iniciativas
presentes, em relação aos trabalhos desenvolvidos pelas próprias
iniciativas do PPM, vimos refletido de forma intensa e negativa estas
ausências, em diversos momentos da plenária. Concluímos que, em
alguma medida, a dinâmica (ou ausência dela) comprometeu o que
consideramos princípios de cooperação e potencialidades das próprias
iniciativas, inclusive documentados de forma simbólica, afetiva e
objetivamente política, na Carta da Rede dos Pontos de Memória e
Iniciativas Comunitárias em Memória e Museologia Social (Carta da
Rede São Paulo de Memória e Museologia Social, 6 fevereiro, 2015
citada por Holanda, 2015).

2.1.3.6 Os editais, as Redes de Museologia Social e o processo de institucionalização

O Programa Pontos de Memória atua em três eixos articulados, segundo


informações do Ibram (2018) – 1. Mapeamento das iniciativas; 2. Intercâmbio e capacitação
em rede; e 3. Fomento. Estes, por sua vez, se responsabilizam por:

1. intercâmbio de experiências e estímulo à articulação de redes


temáticas e territoriais, constitutivas de uma malha que integre propostas
de sustentabilidade geradoras e constitutivas de uma economia criativa;
2. ações educativas que proporcionem a valorização das memórias das
comunidades, incentivando a realização de Inventários Participativos das
referências culturais para a identificação, pesquisa e promoção do
patrimônio material e local;
3. capacitação/seminários para discutir e disseminar o conhecimento
gerado pelas ações das iniciativas de memória e Museologia Social,
como o Inventário Participativo e as experiências de gestão comunitária
da memória social;
4. incentivo à constituição de parcerias com museus comunitários e
museus tradicionais;
5. fomento por meio Edital Prêmio Pontos de Memória, que busca
reconhecer iniciativas de práticas e processos museais dedicados à
memória social que se identifiquem com a perspectiva da Museologia
Social, da diversidade sociocultural e da sustentabilidade (Ibram, 2018).

Nesse contexto, o item “fomento” é desenvolvido por meio dos editais Pontos de
Memória elaborados pelo Ibram desde 2012, data da primeira edição, cujo foco se refere à
premiação de práticas museais e à memória social, com destaque para os pressupostos da
Museologia Social, diversidade sociocultural e sustentabilidade. “É voltado para grupos

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étnico-culturais tais como indígenas, afro-descendentes, ciganos, ribeirinhos, quilombolas,


rurais, urbanos, de periferia, cultura litorânea, comunidades brasileiras no exterior, entres
outros” (Ibram, 2018).
O edital lançado em 2012 teve outras duas edições em 2013 e 2014 e acumula 140
iniciativas premiadas no Brasil. Esse número foi ampliado consideravelmente a partir do
mapeamento que inclui Pontos de Memória autodeclarados – 362 ao todo, segundo dados
do Painel de Indicadores Gerenciais (2017). Essa publicação do Ibram possui informações
acerca dos museus que gerencia e dos Programas que atualmente estão sob sua
responsabilidade institucional.
Essa mesma publicação menciona os Pontos de Memória do exterior, que
contemplam práticas e processos dedicados à memória em outros países. Até o momento,
práticas foram premiadas em Portugal (Lisboa e Serpa), nos Estados Unidos da América
(Boston e Nova Iorque), na Espanha (Zamora, Madri e Barcelona), no Uruguai (Montevidéu),
na Bélgica (Bruxelas), na Áustria (Viena), na Alemanha (Bremen) e na República Tcheca.
Ao todo, o Ibram possui 12 Pontos de Memória premiados fora do país (Ibram, 2017).
O edital n. 9, de 13 de outubro de 2011 e intitulado “Prêmio Pontos de Memória”73
define, para efeitos da concorrência, o Ponto de Memória como:

3.1.1. Categoria 1 – Ponto de Memória no Brasil: pessoa jurídica de


direito privado, sem fins lucrativos, de natureza cultural e que desenvolva
ação de memória social com base em 2 atividades museais junto à
localidade ou à comunidade a que esteja diretamente relacionada, com
atuação comprovada de no mínimo 3 (três) anos; e 3.1.2. Categoria 2 –
Ponto de Memória no Exterior: projeto, de pessoa física, brasileiro(a)
nato(a) ou naturalizado(a), maior de 18 anos, para desenvolver iniciativa
de memória social que se caracterize pelo envolvimento e participação
de comunidade de brasileiros no exterior em ações de registro e
representação da sua memória, com vistas à realização de atividades
museais junto à comunidade a que esteja diretamente relacionada (Edital
2011, Pontos de Memória, Instituto Brasileiro de Museus).

As categorias voltadas ao desenvolvimento e à ampliação do Programa suscitam


questões sobre como isso ocorreria de fato, a relação que se estabeleceria a partir daí com
as iniciativas-piloto do Programa, além de categorias e critérios para a premiação das
experiências que, em alguns casos, poderia estar desconectada dos pressupostos da
Museologia Social. No entanto, para esta tese apenas indicamos caminhos que podem ser
percorridos, sem aprofundar na discussão.

73O edital citado pode ser acessado em: http://www.museus.gov.br/wpcontent/uploads/2011/11/Edital-Pontos-


Memoria-Final.pdf
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Para ampliar o entendimento acerca da política pública, é importante registrar como


o Ibram define as categorias fundamentais (atividades museais e grupos, povos e
comunidades) em âmbito nacional, propostas pelo edital e que podem ser premiadas:

3.3. Para efeito deste Edital, entende-se por: 3.3.1. atividades museais –
aquelas relacionadas à memória social e à valorização, pesquisa,
preservação, conservação, comunicação e sustentabilidade dos bens
culturais de natureza material e imaterial de comunidades e localidades;
que tenham como consequência: o respeito à diversidade cultural, a
promoção da dignidade humana, o protagonismo cidadão, o direito à
cultura, à memória e ao desenvolvimento social; e 3.3.2. grupos, povos e
comunidades em âmbito nacional – os grupos, povos e comunidades
tradicionais que se diferenciam culturalmente e se reconhecem enquanto
tais; que possuam formas próprias de organização social; que utilizem os
territórios e seus recursos para sua manutenção, articulando suas
práticas, conhecimentos e inovações, a exemplo de ribeirinhos,
indígenas, quilombolas, ciganos, afrodescendentes, litorâneos,
periféricos, rurais, urbanos, entre outros.

Os editais são uma oportunidade de ampliar as iniciativas mapeadas no Brasil.


Essa estratégia lança o Programa rumo a uma política pública, ao permitir avanços em
direção a outras regiões e cidades brasileiras. Todavia, os Pontos de Memória que fazem
parte da iniciativa geradora (piloto ou pioneiros) continuam sendo assistidos pelo Ibram por
meio do Prodoc que, de alguma forma, contribuía para o crescimento do projeto em âmbito
nacional. Os recursos alocados nesse documento serviram para incentivar não só os 12
iniciais, mas também toda a rede de Pontos que iria surgir.
Em conformidade com a ampliação do Programa e as mudanças de gestão a partir
de 2012, foi realizado na sede do Ibram, em Brasília, nos dias 4, 5 e 6 de junho, o Encontro
de Articulação de Redes de Pontos de Memória e Museus Comunitários, com a participação
de 32 representantes do campo da Museologia Social das cinco regiões do país e da equipe
técnica do Ibram. Esse poderia ter sido mais um dos eventos realizados pela equipe com as
lideranças das iniciativas, se não fosse pela construção conjunta de um dos instrumentos
mais significativos das fases iniciais do projeto. Julgamos sua produção como um marco,
pois o Ibram propõe aos integrantes do Programa, juntamente às iniciativas de memória
contempladas em editais e iniciativas parceiras, a organização em redes para ter amplitude
nas ações. É importante destacar que até, esse momento, poucas articulações em rede
tinham surgido no país, e as que tinham essa característica estavam presentes no encontro,
contribuindo sobremaneira com as discussões. Como resultado, elaborou-se a Carta da
Rede dos Pontos de Memória e Iniciativas Comunitárias em Memória e Museologia Social
(2012), com o intuito de incluir diversificadas experiências em torno do Programa e para
além dele.

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O documento produzido por todos os participantes e finalizado pela equipe do


Ibram sintetizava as discussões realizadas durante o evento, com propostas voltadas:

(...) para o fomento, o financiamento e a sustentabilidade, a qualificação,


o Inventário Participativo e a articulação em rede. Em plenária, os
participantes decidiram que o documento ainda deverá ser debatido em
suas comunidades e estados, para ser referendado na IV Teia da
Memória (Carta da Rede dos Pontos de Memória e Iniciativas
Comunitárias em Memória e Museologia Social, 2012).

Tais propostas se baseiam em princípios que merecem ser debatidos no âmbito


dessa política pública. Nota-se que a reunião acontece em Brasília, na sede de uma
autarquia do MinC, com a presença de lideranças representativas das regiões brasileiras
para construir um documento que valorize e priorize processos museais comunitários e
participativos nas ações do Ibram, garantindo autonomia e estratégias de sustentabilidade.
Os princípios acordados entre as partes (poder público e sociedade civil) são:

PRINCÍPIOS PAUTADOS NA AUTONOMIA, DESCENTRALIZAÇÃO,


DIVERSIDADE E COOPERAÇÃO EM REDE
1. Garantir o direito à memória às comunidades, grupos e sujeitos locais
historicamente excluídos. 2. Salvaguardar que os Pontos de Memória e
demais iniciativas comunitárias em memória e Museologia Social sejam
geridas por instâncias participativas, organizadas para esta finalidade, no
seio de suas próprias populações. 3. Garantir a autonomia e a
descentralização das iniciativas comunitárias de memória, fomentando a
cooperação entre as redes estaduais de memória e Museologia Social.
4. Reconhecer, respeitar e valorizar as diversidades, especificidades e
potencialidades das comunidades, priorizando o desenvolvimento local e
visando à sustentabilidade. 5. Adotar metodologias de conhecimento
sistêmico do território como garantia da relação entre memória social e
sustentabilidade. 6. Instituir a formação em rede como parte do processo
de articulação das redes estaduais, garantindo uma formação continuada
que atenda às reais necessidades de desenvolvimento e
sustentabilidade dos Pontos de Memória e demais iniciativas
comunitárias em memória e Museologia Social (Carta da Rede dos
Pontos de Memória e Iniciativas Comunitárias em Memória e Museologia
Social, 2012).

Além dos princípios propostos pela Carta e que definem, de forma clara e direta, os
compromissos assumidos pelo Ibram com o Programa, é possível identificar algumas
propostas para a criação, o funcionamento, o conteúdo e a sustentabilidade das redes
estaduais, em que há 14 sugestões voltadas ao fortalecimento das redes. Na primeira delas,
pretende-se: “1. Criar plataforma virtual colaborativa com mapa da rede74, autogerida,
preferencialmente em software livre, com a finalidade de armazenar e difundir amplamente
informações sobre a rede, suas ações e formas de participação, com o financiamento do

74Esse item nunca foi posto em prática, mesmo a consultora Sara Schuabb tendo entregado um produto com
projeto de elaboração de um site, com possibilidade para o avanço de sistema de mapeamento dos pontos.
Schuabb (2010, Produto 5).
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Ibram e parceiros” (Carta da Rede dos Pontos de Memória e Iniciativas Comunitárias em


Memória e Museologia Social, 2012).
Outros três aspectos foram ressaltados no documento e nos auxiliam a pensar os
desdobramentos e ações realizadas no âmbito do Ibram a partir desse momento –
encontros presenciais, formação e parcerias.

Formação 7. Definir mecanismos de contrapartida que garantam que os


agentes formados em rede atuem como multiplicadores. 8. Garantir, com
bolsas de estudo, a capacitação de agentes comunitários de memória no
desenvolvimento do Inventário Participativo por meio de seminários,
palestras, intercâmbios, cursos de extensão, e outros – presenciais e /ou
à distância – a partir de parcerias com instituições de ensino superior,
grupos de pesquisas e outras instituições parceiras nas áreas de
antropologia, Museologia, história, ciência da informação,
biblioteconomia, arqueologia, curso de gestão cultural e afins (Carta da
Rede dos Pontos de Memória e Iniciativas Comunitárias em Memória e
Museologia Social, 2012).

Para aprofundarmos as questões relacionadas à ampliação das redes de Pontos de


Memória e Museologia Social, é importante considerar a pertinência do referido documento
e sua riqueza de possibilidades frente à consolidação e ao crescimento das experiências por
meio das redes que, incentivadas pelo Ibram, já em junho de 2012 consideravam esse o
caminho e futuro do Programa Pontos de Memória, com integração e participação de vários
atores sociais.
Além da existência das redes nacionais, é importante registrar a experiência latino-
americana bastante produtiva, especialmente num contexto de influência em razão do
impacto de ideias e iniciativas geradas, como a União dos Museus Comunitários, a União
Nacional de Museus Comunitários e Ecomuseus e a Rede de Museus Comunitários da
América75. No Brasil, a Associação Brasileira de Ecomuseus e Museus Comunitários
(Abrenc)76 também merece destaque, com atuação e interesse em aglutinar as experiências
de ecomuseus e museus comunitários.
Este trabalho se volta, sobretudo, à difusão das redes de Museologia Social,
especialmente a uma das primeiras experiências, a Rede Cearense de Museus
Comunitários, criada em 2011; em 2012 surgiram outras duas iniciativas – uma no Rio
Grande do Sul (Rede dos Pontos de Memória e Iniciativas Comunitárias em Memória e
Museus Comunitários) e outra no Rio Grande do Norte (Rede dos Pontos de Memória e
Museus Comunitários); já em 2013 apareceram a Rede de Museologia Social do Rio de
Janeiro e a Rede LGBT de Museologia Social; a Rede São Paulo de Memória e Museologia

75 Foi formada em 2000 por representantes de bases comunitárias de países como Bolívia, Venezuela, Panamá,
Costa Rica, Nicaragua, El Salvador, Guatemala e México. Para mais informações, acessar:
http://museoscomunitarios.org/redamerica
76 Para mais informações sobre a Abrenc, acessar: https://www.facebook.com/abremc/

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Social foi fundada em 2014; a Rede Indígena de Memória Social no Brasil começou suas
atividades em 2015; e a Rede de Memória e Museologia Social Capixaba foi criada em
2017. O Norte do país também se organiza em rede e promove ações integradas, como no
Ecomuseu da Amazônia, no Ponto de Memória Terra Firme, no Museu Goeldi, entre outras
experiências.
Segundo a articulação em rede, os movimentos se fortalecem pelas trocas que são
promovidas, pelos auxílios mútuos e pela difusão de ideias e projetos que fomentam as
ações, com vistas ao comprometimento dos órgãos públicos (manutenção, fomento e
formação técnica). Com as redes e a criação da Cogepaco, compreendemos que essa
instância já aparece como reivindicação na Carta da Rede dos Pontos de Memória e
Iniciativas Comunitárias em Memória e Museologia Social (2012):

9. Estimular processos de institucionalização para os Pontos de Memória


e demais iniciativas comunitárias em memória e Museologia Social, que
garantam autonomia dos processos de gestão, tais como implementação
de um estatuto e constituição de personalidade jurídica (identidade
legal).

Tal aspecto mobiliza o Ibram a pensar formas de concretizar a institucionalização do


Programa no âmbito de suas responsabilidades institucionais. Após debates, atrasos por
parte do Instituto e inúmeras reuniões para discutir o assunto entre os integrantes da
Cogepaco e os técnicos do Ibram – algo sistematizado também nos produtos da consultora
Ana Maltez (2013) –, institucionalizou-se o Programa Pontos de Memória. Segundo o site da
Instituição: “Grande expectativa do campo da Museologia Social brasileira, a normativa
oficializa o Programa como política pública perene no âmbito de atuação do Ibram”.

Art. 1º Instituir o Programa Pontos de Memória no âmbito do Ibram,


visando à formulação de políticas públicas aplicáveis às ações de
Museologia Social. Parágrafo único. O Programa Pontos de Memória
reúne um conjunto de ações e iniciativas de reconhecimento e
valorização da memória social, de modo que os processos museais
protagonizados e desenvolvidos por povos, comunidades, grupos e
movimentos sociais, em seus diversos formatos e tipologias, sejam
reconhecidos e valorizados como parte integrante e indispensável da
memória social brasileira (Portaria n. 315, 2017).

Sobre esse dispositivo legislativo, importante observar o art. 6º, que prevê a
formação do comité consultivo do Programa Pontos de Memória: além dos integrantes do
Ibram, chama atenção a presença dos Pontos de Memória Pioneiros, assim denominado na
portaria. Isso é algo emblemático e bastante significativo, fruto de muita negociação na
estrutura do Programa para que pudessem ser respeitados não só como Pontos de
Memória, mas como pioneiros, em razão da especificidade e do compromisso institucional
anteriormente firmado.
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Art. 6º O Comitê Consultivo do Programa Pontos de Memória será


presidido pelo Presidente do Ibram, que o integra como membro nato, e
composto pelos seguintes membros: 1. um representante do
Departamento de Processos Museais – DPMUS; 2. um representante do
Departamento de Difusão, Fomento e Economia dos Museus – DDFEM;
3. um representante de ponto de memória da região Norte; 4. um
representante de ponto de memória da região Nordeste; 5. um
representante de ponto de memória da região Centro-Oeste; 6. um
representante de ponto de memória da região Sudeste; 7. um
representante de ponto de memória da região Sul; 8. um representante
dos Pontos de Memória pioneiros; 9. dois representantes de redes
temáticas de Pontos de Memória; 10. dois representantes de redes
territoriais de Pontos de Memória. § 1º São considerados pontos
pioneiros os Pontos de Memória da Terra Firme (PA), Grande Bom
Jardim (CE), do Coque (PE), Jacintinho (AL), Beiru (BA), Taquaril (MG),
Estrutural (DF), Museu de Favela – MUF (RJ), Grande São Pedro (ES),
Museu de Periferia – Mupe (PR), Lomba do Pinheiro (RS) (Portaria n.
315, 2017).

Outro aspecto relevante é a garantia de dois representantes das redes temáticas de


Pontos de Memória, com ampliação do processo de participação e amadurecimento quanto
ao fato de redes e coletivos ter maior representatividade junto ao poder público (MinC por
intermédio do Ibram). Constata-se o caráter mais uma vez pioneiro do Ibram, quando aceita
dar corpo e vida a um desejo expressado por coletivos e movimentos sociais que foram
estimulados pelo próprio Instituto dez anos antes.
A gestão do Ibram responsável por essa realização demonstrou coragem e plena
sintonia com os desejos e anseios do Programa, algo já expressado em suas bases iniciais.
Vale reafirmar que a conquista é resultado de uma atuação responsável, dedicada e
compromissada com os pressupostos da Museologia Social, realizada de forma cooperada
entre Estado e a sociedade civil organizada. Resta-nos agora acompanhar os
desdobramentos e as possibilidades de ampliação do Programa e das experiências.

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CAPÍTULO 3 – OS PONTOS DE MEMÓRIA

Nosso compromisso é com nossos museus, com nossas


escolas de Museologia, com nossos Pontos de Memória,
com nossas organizações. Todos eles não fazem parte
desse Brasil triste da Lava-Jato. Eles não são apenas os
guardiões de parcela substantiva do patrimônio cultural
brasileiro. Nossos museus, nossas escolas de
Museologia, nossos pontos de cultura, nossas
organizações se constituem em um verdadeiro
patrimônio, parcela integrante e essencial da cultura
brasileira…
Nossos museus são territórios de afetos, espaços de
conexão, locais de construção de memórias. Temos
objetivos únicos: incomodar, debater, refletir, propor,
incorporar, questionar, provocar, dialogar e buscar
contribuir para a construção das trilhas e caminhos que
forem necessários para uma sociedade brasileira e
mundial solidária e igualitária.
(Marcelo Mattos Araujo, presidente do Ibram/MinC no
discurso de abertura do 7º Fórum Nacional de Museus
realizado em 30 de maio de 2017 – Centro de
Convenções da Pontifícia Universidade Católica do Rio
Grande do Sul – PUC-RS).

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3.1 Os Pontos de Memória em movimento

3.1.1 Museu de Favela: o ponto inaugural

Imagem 2 – Exposição “Mulheres Guerreiras”, do Museu de Favela.


Fonte: Museu de Favela ().

A fala da mulher guerreira da Comunidade do Cantagalo-Pavão-Pavãozinho,


território do Museu de Favela, nos inspira a conhecer melhor essa iniciativa que, entre várias
ações, destaca as mulheres e as reconhece pelas lutas e batalhas na região. Suas vidas
são alvo de uma campanha em prol das memórias das batalhadoras que lutam por dias
melhores e mais dignidade para elas mesmas, seus filhos e parentes. Donas das casas e
dos seus destinos, fortalecem a todos com a coragem de quem acorda todos os dias para
lutar por uma vida mais justa e cheia de afeto. Assim como as mulheres guerreiras, os
jovens também têm vez no MUF:

Museu de favela é virtude de atitude sincera


museu de favela é galeria à céu aberto no beco e na viela
museu de favela é virtude de atitude sincera
pra agregar e acabar com todas as panela
Inovador com originalidade aqui morador vê que tem propriedade,
expressando-se no seu terreno,
Cultivando a vida se torna pleno
Correspondente com o meio ambiente
Arte e cultura, essa é a corrente
Troca experiência, estima as diferenças com a mão na consciência
(Acme & Afro Lady, 2017).

Este é o “Rap do MUF”, considerado um hino que alimenta a alma dos seus
idealizadores. Ele é importante devido à força de seu chamado e indignação, e, por meio
desse tipo de música tão presente em morros e favelas brasileiras, sobretudo nas
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comunidades cariocas e paulistas, que jovens moradores expressam bandeiras de luta e de


reivindicação por melhores condições de vida, respeito e garantia de direitos, além de se
divertirem. Ao chamar atenção para o fato de que as comunidades do Cantagalo-Pavão-
Pavãozinho, localizadas na cidade (e no estado) do Rio de Janeiro, precisam atrair os
olhares das autoridades para seus problemas, também se identifica que memórias e história
de vida são imprescindíveis. Há a necessidade de impor respeito à produção cultural do
morro, com valorização das vidas, dos sonhos e dos acúmulos que o território agrega para a
história do Rio de Janeiro e do país.
Foi assim que, ao receberem o convite do recém-criado Ibram para a cerimônia de
posse da primeira diretoria do órgão, na presença do então Presidente da República, Luiz
Ignácio Lula da Silva, no salão nobre do Itamaraty, eles não hesitaram e aproveitaram a
oportunidade para declamarem na capital do país, em solenidade que inaugurava uma nova
forma de pensar política pública para os museus – a favela estava presente. Composta em
2008, ano de fundação da ONG Museu de Favela, por Carlos Esquivel (Acme) e Aline Silva
(Afrolady), a canção-protesto, além de estar conectada com as questões sociais mais
urgentes enfrentadas pelo Cantagalo-Pavão-Pavãozinho e por outras comunidades
espalhadas pelo país em regiões de pobreza, violência e abandono, estava também ligada
com o mundo dos museus.
Pela primeira vez no Brasil, os museus de favela, periféricos, contra-hegemônicos e
de natureza comunitária puderam expressar sua força em âmbito nacional. O Museu da
Maré foi inaugurado na presença de Gilberto Gil anos antes, em ação que contribuiu para
sedimentar o terreno para as demais iniciativas – agora, o MUF brilhava na capital da
política nacional durante a criação do Instituto responsável por executar a PNM.

Ao convidar o MUF para a performance de abertura da solenidade, o


recém-empossado Presidente do Ibram – José do Nascimento Júnior e
sua diretoria demonstravam a vontade política de apoiar o desejo de
memória e de museus em comunidades e favelas. Assumiam,
publicamente, a vontade de fortalecer a Museologia Social brasileira. O
MUF já estava lá… “trazendo à tona p que estava omisso” (Pinto, Carlos,
& Loureiro, 2012, p. 20).

Poderia ter sido escolhida outra atração ou canção – uma de Gilberto Gil ou de
qualquer outro tropicalista que acredita num país mais justo socialmente – mas não foi.
Naquele dia, o palco pertenceu a dois jovens negros, nascidos numa comunidade
caracterizada e considerada por autoridades e pela mídia violenta de origem pobre e
marginalizada, produtores de uma arte que nasce nos guetos, nas vielas, nos becos e nas
quebradas do morro, agora território do museu. Somada às lutas e resistências, essa arte dá
vida e forma ao museu de favela, numa combinação estreita e afinada entre memória e
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indignação, temas centrais nesse contexto. O amadurecimento das atitudes propostas por
militantes, artistas e ativistas culturais por meio da capoeira, do grafite, dos cuidados com a
beleza, da dança, música, do artesanato e da culinária invade o campo dos museus,
provocando, desarrumando, desafiando e sugerindo novos jeitos de musealizar e de pensar
tais instituições. Numa clara apropriação do termo, garantem a ele outra definição, a partir
dos interesses e das vivências de quem sobe o morro.
O jeito MUF de musealizar é marca registrada dos fundadores como grande
descoberta acerca das possibilidades desse espaço e contribuição para o cenário da
Museologia nacional. Para Rita de Cássia, moradora da comunidade e diretora do Museu, o
jeito MUF de musealizar pode ser assim descrito:

Museu de Favela é um museu de novo conceito, uma nova forma de se


musealizar, uma organização pensada por pessoas que não são da área
de Museologia. (...) Criamos o museu sem saber que estávamos
fazendo, um bando de loucos, né? Que foi muito atacado por isso,
porque achavam que em meio a tantos problemas na comunidade, a
gente vinha falar de cultura, quando não existiam questões de
saneamento básico, falta disso, falta daquilo, falta de escolas, de
creches, falta de postos de saúde e a gente veio falar de cultura e veio
falar de museu. Pros moradores no início foi surreal, hoje eles percebem
que a gente veio para ficar. E viemos para contar a história deles e não a
nossa (Rita de Cássia Santos)77.

Ainda no tocante à perspectiva do jeito MUF de pensar os museus, salienta-se que


respeitar as falas e vozes de protagonistas indignados, moradores e ativistas garante o
entendimento das sutilezas e especificidades desse lugar que se constrói por meio de
estratégias de governança pautadas por empoderamento local, tomada de decisões
compartilhadas e iniciativas de arte e memória voltadas à melhoria de vida do coletivo. No
primeiro livro do MUF, intitulado “Circuitos das Casas Telas: caminhos de vida no Museu de
Favela”, os autores destacam fragmentos de registros de memórias das reuniões de
trabalho do colegiado de diretores do Museu, em que se sobressaem a poesia de momentos
de profundo aprendizado e o compartilhamento de ideias, sonhos, conflitos, disputas e
realizações. Por lá se ouvia que:

Quem pensa que na intenção de trabalhar uma cultura local vai chegar e
que vai ser igual a jogar comida pra passarinho, tá enganado. Tem que
ter uma sabedoria filha da mãe, enfrentar segregação dentro e fora do
morro; vamos fazer com capricho, nada de bate-entope, onde é o
fundamento do MUF? O fundamento é olho no olho, a memória, a cultura
da gente, papo reto (Pinto, Carlos, & Loureiro, 2012, p. 25).

77 Entrevista concedida a Rodrigues (2015, p. 84).


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A palavra de ordem do MUF desde a criação, em 2008, sempre foi governança. A


ideia de instalar esse museu territorial como principal desafio da ONG Museu de Favela
permanece como orientação em todas as suas ações. O museu de território, como é
reconhecido, está localizado nas favelas Cantagalo-Pavão-Pavãozinho, na cidade do Rio de
Janeiro. Ele iniciou as atividades em fevereiro de 2008, no contexto do Programa de
Aceleração do Crescimento (PAC) do governo federal78, com apoio da Base de Inserção
Social (Bisu), primeiro espaço de apoio ao Museu.
No escopo do PAC havia uma porcentagem destinada a projetos sociais em
favelas. Assim, no Cantagalo-Pavão-Pavãozinho, o PAC Social teve como principal objetivo
a criação do Museu de Favela e o desenvolvimento turístico das comunidades. Com isso,
em novembro de 2008 o museu adquiriu status legal como uma associação privada de
interesse comunitário. Formada por 16 sócios, sendo que destes 30 fundadores, atraindo
com sua proposta um Conselho Comunitário de 35 entidades atuantes nesse território
(Moraes, 2011). Dos 16 sócios-fundadores, 13 são moradores da comunidade, dois, de
Ipanema e um, advogado, morador da Barra da Tijuca.
Importante destacar que, segundo Rodrigues (2015), a proposta de um museu de
território partiu de Kátia Afonso Loureiro, uma das sócias-fundadoras do MUF:

Kátia Loureiro relatou que, na época, estava a serviço da KAL


(construtora responsável pelas obras de urbanização da favela) e
coordenava a equipe que fazia o trabalho de desenvolvimento social.
Esta equipe tinha um olhar mais estratégico, diferente da assistência
social tradicional; era composta em sua maioria por urbanistas com forte
pendor social. Começaram então a modelar os cursos de qualificação de
mão de obra ao refletirem juntamente com as pessoas da comunidade
sobre qual seria a vocação do local. Cultura e memória foram alguns dos
pontos indicados, porém não havia um formato do que e como poderia
ser feito. Kátia então, em pesquisa na internet, descobriu os princípios da
Museologia Social, os estudou e viu que era o que os moradores
queriam e, a partir disso, apresentou essa ideia para eles. Sugeriu que
fizessem um museu de território (p. 82).

Esse relato apresenta as motivações que deram origem ao MUF, o que permitiu que
os moradores e integrantes do conselho comunitário pudessem interagir conforme a
construção de um museu de território, base para as experimentações relacionadas ao
campo da Museologia e do Programa Pontos de Memória. O lançamento do MUF serviu de
mote para a primeira apresentação dos Pontos de Memória, uma excelente vitrine para
ilustrar o potencial do Programa e suas premissas; por conseguinte, o museu passa a fazer
parte do conjunto de iniciativas que pretendem contribuir para as discussões e o
78 Dilma Rousseff, ministra da Casa Civil, descreve que o Programa visa promover o crescimento de maneira
mais célere e sustentada, com distribuição de renda tanto no âmbito social como no regional. O PAC incentiva os
recursos privados a partir de iniciativas e projetos de investimento público e outras formas de parcerias
(Ministério do Planejamento).
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fortalecimento da Museologia Social no país. Em fevereiro de 2008, o MinC lança, no âmbito


do projeto +Cultura, o Programa Pontos de Memória na inauguração do Museu de Favela,
primeiro Ponto a ser disponibilizado no Programa nacional.
A proposta do Museu de Território é apropriada por lideranças locais que
desenvolvem a ideia, a partir das vivências locais, do que consideram prioridade e como
veem a arte e a cultura, ferramentas de transformação para uma comunidade acostumada a
estar sozinha frente aos desafios estruturais de seu território. Assim, Carlos Esquivel,
conhecido como Acme, primeiro presidente da ONG Museu de Favela, apresenta suas
memórias a partir da experiência de surgimento do MUF:

(...) tipo assim, o Sidney, capoeirista, a Rita, radialista, eu sou grafiteiro e


desenhista... então eu comecei a pensar como essas coisas poderiam se
conectar. A Afrolady era rapper, eu cantava rap com ela... Então eu
imaginei, Afrolady pode dar aula de música, pode ensinar os caras a
cantarem rap, e esses caras que vão fazer a oficina de rap, eles vão ser
os nossos guias porque eles vão cantar a história do morro, e os
grafiteiros vão fazer oficina, e esses grafiteiros vão ser os ilustradores da
história do morro. O pessoal que faz jornalismo vai ser o pessoal que vai
catalisar a história para dar conteúdo pro rap e pro graffiti. Então eu
imaginei que tudo isso poderia se conectar e funcionar junto, apresentei
pra galera e a Kátia pegou esse bolo de papel, levou pra casa e
transformou isso num plano estratégico (Acme)79.

Ainda sobre a temática do “jeito MUF de musealizar”, Dona Antônia, diretora do


MUF, completa:

Uma coisa que eu até costumo chamar a atenção das pessoas é assim,
se você passa num lugar, quer dizer, passou numa ruela dessas aí da
comunidade, do território, aí tá limpinho, não tem nada no caminho,
naquele momento aquilo é o museu. Aí você vai lá na rua e volta, quando
você volta, o carregador de material fez uma pilha de saco de material, aí
você vai dizer: “Ué, mas quando eu passei aqui não tinha isso. Por que
que agora tem?” O museu mudou, né? Eu inclusive costumo dizer que o
Museu de Favela, ele se renova a cada instante. Ele é como uma vida,
né? Nunca o agora é exatamente o que era há pouco tempo, né? E a
gente não sabe como será daqui a pouco. O Museu de Favela está
sempre nessa modificação (Antônia Ferreira Soares)80.

Como observamos, o MUF surge antes da configuração do Programa Pontos de


Memória. Um de seus princípios motivadores é o desejo de memória, de trabalhar a
integração do território segundo ações que valorizem a memória local por meio do turismo
como uma das ferramentas que agregam e atraem valor para o fortalecimento cultural do
morro, além de incentivo à geração de renda, formação dos jovens e movimentação das
dinâmicas sociais na comunidade.

79 Entrevista concedida a Rodrigues (2015, p. 83).


80 Entrevista concedida a Rodrigues (2015, p. 83).
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Quando convidado a integrar as ações dos Pontos de Memória, o MUF saiu em


vantagem, pois já havia avançado nos passos iniciais propostos pelo Programa para as
demais iniciativas. Assim, durante a I Teia da Memória, os integrantes do MUF que estavam
presentes ressaltaram a capacidade aglutinadora dessa realização e o que ela representa
para as demais iniciativas que se organizavam nas demais localidades. Os trabalhos dos
personagens do MUF constituem sua criação: são eles, moradores e fundadores, que
traduzem, em palavras certeiras, o espírito da construção coletiva, para onde caminham e
aonde pretendem chegar.
Rodrigues (2015) aborda as características de cada um desses personagens
protagonistas. Nesse contexto se destaca o depoimento de Rita de Cassia a respeito do
MUF, com uma concepção ampliada do que significa museu e como ele se relaciona com a
comunidade interna e externa:

O Museu de Favela, ele existe, mas o Acme, o talento do Acme veio


antes, o talento dos artistas do morro existia antes do museu. O Museu
de Favela veio porque existiam os talentos. Porque existia muita gente
bacana, porque existia uma história e uma memória muito bonita. O
Museu de Favela só existe porque existia uma história anterior a ele.
Esses talentos... E a gente quer só dar visibilidade e promover esses
talentos, promover esses excluídos que, para nós, são os que fazem a
história do mundo. Porque só os bonitos, só os considerados que fazem
parte da história do mundo; esses, todo mundo já conhece. Mas ninguém
quer conhecer o outro lado, caramba! Existe o outro lado, e o outro lado
tem que ser mostrado, e as favelas estão aí para mostrar a cara, e eu
acho que a gente está na moda (Rita de Cássia Santos Pinto)81.

Na proposta inicial, o Programa Pontos de Memória previa, por conta da


necessidade de estabelecer uma metodologia, etapas que não foram realizadas pelo MUF
no contexto do projeto, pois já havia conquistado avanços consideráveis com a prática
empírica dos fundadores. O MUF já era uma instituição com personalidade jurídica e
finalidade não lucrativa, com vistas ao desenvolvimento do território, como podemos
constatar no “Relatório das estratégias adotadas para a formação das instâncias
deliberativas dos Pontos de Memória”, como parte do desenvolvimento do modelo de gestão
no âmbito do projeto:

O Museu de Favela, conforme mencionado nos relatórios anteriores,


dentre as 12 iniciativas que integram o projeto, foi o primeiro a assumir a
responsabilidade pelo desenvolvimento das ações de memória. Por esta
razão, diferentemente do que se passou com os demais, o MUF já
vivenciou o estágio de institucionalização, já tendo, inclusive se
constituído enquanto pessoa jurídica. Não há, por este motivo, algo a se
destacar do ponto de vista da formação de instância deliberativa como
se pretende neste relatório. Cabe, entretanto, dizer que a maior parte

81 Entrevista concedida a Rodrigues (2015, p. 59).


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das pessoas que integram o grupo responsável pelo Museu pertence à


comunidade, lideranças já envolvidas com outras ações, pessoas de
alguma notoriedade dentre os demais habitantes locais (Gouveia, 2010).

As ações de difusão já estavam em uma ampla dinâmica. O Projeto Casas-Tela foi


contemplado com recursos públicos federais em 2009, quando o Museu ainda dava os
primeiros passos firmes e que sabiam aonde queriam chegar. O MUF nasce com plano
estratégico e museológico, o que garantiu segurança para a escolha da experiência, mesmo
em um ambiente ainda hostil para iniciativas como as do MUF. Com apoio da Associação
Brasileira de Museologia (ABM), o MUF conseguiu as credenciais necessárias para disputar
a aprovação no edital lançado por MinC e Iphan em 2009. “Dentre centenas de projetos
enviados de todo o país, aquele de Apoio à Estruturação do Museu de Favela foi um dos 19
vencedores: uma decisão corajosa de membros da comissão julgadora, em defesa da
Museologia Social brasileira” (Silva, Santos, & Loureiro, 2012, p. 49).
Para a trajetória da Museologia Social brasileira, esse feito do MUF, em parceria
com a ABM, representa um avanço considerável e uma vitória importante para o movimento
que se fortalecia. Por ser um Ponto de Memória já inserido na metodologia inicial do
Programa, o MUF contribui para consolidar uma nova visão e postura acerca das
experiências, abrindo caminho para reconhecer os processos museais em âmbito local,
regional e nacional.

No processo burocrático que se seguiu até a formalização do convênio, o


Museu de Favela ainda haveria de enfrentar desafios imensos de defesa
do prêmio, prestando diversos esclarecimentos de seu formato
institucional, de seus modos de gestão e de seu projeto de musealizar
memórias em modo territorial: a céu aberto, no coração de 3 favelas
cariocas então ainda sob jugo do tráfico armado, num museu sem
“sede”, auto-gestado por gente da favela, com recursos do Ministério da
Cultura. Por que não? Essa pergunta-bandeira encorajou persistência e
muitas articulações do MUF e da ABM na favela, no extinto
Departamento de Museus do Iphan, no novo Instituto Brasileiro de
Museus e no Ministério da Cultura (Silva, Santos, & Loureiro, 2012, p.
49).

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3.1.2 Ponto de Memória Museu do Beiru

Imagem 3 – Mãe Clarice Santiago Santos82.


Fonte: Ponto de Memória Beiru.

A história desse bairro chamado Beiru, localizado em Salvador, Bahia, confunde-se


com a trajetória de resistência e militância acerca do movimento negro e surge com a
doação das terras a um escravo que a transforma em quilombo. Posteriormente, possui
terreiros que se dedicam a consolidar a tradição da nação Amburaxó, fundada por Miguel
Arcanjo que, por sua vez, adquire as terras depois da morte de Beiru.
Com traços característicos de um bairro pobre, sem a presença do Estado para
oferecer as condições mínimas de sobrevivência aos moradores, o Beiru sobrevive por meio
de resistências cotidianas que insistem em transformar as relações estabelecidas.
Destacam-se as atividades culturais, tema encontrado por um grupo de moradores que
defendem a trajetória do bairro e as raízes fincadas nas heranças ancestrais.
Uma das resistências que mais chama atenção (e que foi mote de discussões a
partir da experiência de memória que seria realizada em Beiru) diz respeito à mudança de
nome do bairro de Beiru para Tancredo Neves. Essa é uma clara intenção de apagar a
memória ancestral, relacionada à escravidão e às religiões de matriz africana que ocuparam
por décadas as ruas do Beiru, atraindo os primeiros moradores adeptos da religião praticada
nos terreiros de candomblé.
Considerada uma violência por parte das lideranças comunitárias que defendem a
cultura local, a decisão de retirada do nome Beiru, elemento simbólico de identidade do

82Conhecida como Minha Gal, ela é Yalorixá do Ilê Axé Gezubum, fundado em 1940 por mãe Rosalina Santiago
dos Santos.
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bairro, é retratada no texto de Ana Paula Fiuza (2014), a partir de informações do Jornal A
Tarde, de 20 de abril de 1987:

(...) O fato de algumas pessoas perceberem o nome Beiru, como uma


conotação negativa, por estar ligado a alguém que escorraçava o povo,
Dionísio Juvenal tomou a iniciativa de promover um plebiscito entre os
moradores do bairro, realizado no dia 2 de junho de 1985, com o objetivo
de trocar a nomenclatura para Tancredo Neves. Foram 5.500 votantes,
sendo que 5.000 optaram pela mudança e 500 preferiam o antigo nome.
Por outro lado, segundo o Jornal A Tarde 20/04/1987, os líderes
contrários à troca de nome alegaram desrespeito à mudança de um
nome de 162 anos de uma hora para outra, à qual declararam ser de
interesse eleitoreiro. Esses moradores fizeram frente ao movimento
promovido por Dionísio Juvenal através de ações de resistência como a
edição do jornal Beiru hoje, entre outras (p. 18).

Segundo as lideranças comunitárias locais, os discursos que visavam à


manutenção do nome do bairro refletem a denúncia de que as disputas pelo território do
Beiru, com interesses, especulações imobiliárias, comercialização e legalização, por parte
do poder público, com fins eleitoreiros, justificaram a ampliação das narrativas que tornavam
tal expressão algo que não poderia dar nome a um bairro. As tentativas de apagamento da
identidade de Beiru visam forjar a situação, em que era necessário um nome mais
representativo para um território que, em breve, se tornaria democratizado para que as
pessoas pudessem morar dignamente com apoio do poder público:

Ao longo do tempo, além da real história foram criadas diversas lendas a


respeito do Negro Beiru e semeada pela comunidade. Para alguns, Beiru
era um feitor encarregado de zelar pelas terras de uma fazenda e
impedia que aqueles mais pobres fizessem suas rocinhas ou casinha.
Dizem também que é nome feito em nagô. Com isso, o tempo apagou da
memória da comunidade o porquê de ter o nome de Beiru (Silva, 2012,
p. 9).

Ainda de acordo com as lideranças comunitárias, essa estratégia teria sido uma
manobra política, o que também é comentado por Fiuza (2014). Afinal, a disputa por nomes
se deu no período da abertura democrática do país, que via o nome de Tancredo Neves um
elemento simbólico mais condizente com uma elite política que dominava a região.
Como elemento histórico importante, o depoimento do pesquisador, procurador e
pai pequeno do Terreiro de São Roque, Eldon Araújo Lage, apelidado de Gígio, corrobora
com a visão de Beiru escravo que deu origem a um pequeno quilombo:

O bairro era responsável por uma grande escala de produção de abricó


(fruta de massa amarela bastante consumida na época), sendo que esta
safra era administrada por Gbeiru. Com o alastre da fama do ex-
escravizado, o local passou a atrair muitos caboclos, mestiços, negros
excluídos e alforriados, o que fez como que a região se tornasse um
quilombo. Este foi um quilombo diferenciado, por não fazer uso de armas
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ou violência, tendo em vista que havia uma relação de amizade entre


Gbeiru e a família Silva Garcia (Fiuza, 2014, p. 20).

Esse contexto nos ajuda a compreender a trajetória de conflito e resistência


enfrentada pelos moradores e as violências simbólicas a que são submetidos via interesses
que não se refletem em condições de bem-estar desses sujeitos. Em meio às disputas antes
do episódio de troca de nome da comunidade, ainda em 1979, o então governador da Bahia,
Antônio Carlos Magalhães, “(...) resolveu desapropriar os herdeiros das terras do Beiru,
tirando a posse das terras em nome da instalação de um projeto de urbanização da área,
com a distribuição de 600 títulos de doação de terreno” (Silva, 2012, p. 8).
Em meio a um território que sofre com o descaso das autoridades públicas em
relação às condições mínimas de dignidade social, muitos projetos culturais emergem na
localidade, especialmente aqueles que refletem uma cultura pautada nas celebrações do
carnaval, por exemplo. Assim, em 2009, durante as visitas técnicas realizadas pela equipe
do Ibram, chegou-se às lideranças do Beiru que aceitaram fazer parte da proposta de Ponto
de Memória, plenamente justificada pela trajetória dos movimentos e líderes comunitários. A
primeira visita técnica ao Beiru, relatada pelo consultor que a acompanhou, aconteceu em:

03 de novembro de 2009, com o objetivo de apresentar o Projeto Pontos


de Memória à comunidade, sondar sobre as atividades e a “vontade de
memória” da população e identificar pessoas que possam atuar como
possíveis agentes de memória. Na ocasião nos reunimos na escola
pública do Bairro e estiveram presentes representantes de associações
de moradores, do movimento negro e dos esportes e cultura do bairro. A
comunidade já tem um trabalho com a história do local e do seu líder
Beiru, possuindo inclusive um livro sobre o mesmo. O grupo se mostrou
bastante interessado no projeto e espera novas reuniões para definirmos
o andamento dos trabalhos (Toledo, 2010, p. 20).

Durante a I Teia da Memória foi apresentado, ao diretor do Departamento de


Processos Museais, um ofício para o Ibram fazer com que o bairro tivesse um Centro
Cultural. Esse documento é essencial, a exemplo do que Daniel Mendes Fernandes (2010),
consultor que registrou o documento, transcreveu para seu produto, pois reflete em grande
parte a atuação do Ponto de Memória Beiru. Nesse sentido, a solicitação:

(...) referente ao Memorial Cultural do Beiru, solicitando uma agenda


político-cultural para quilombos urbanos, envolvendo a luta e
reconhecimento das conquistas de suas terras, visando a melhoria das
condições de vida de seus membros através do resgate da memória
ancestral das manifestações culturais; solicitação para implantação de
um estátua do negro Beiru no local em frente ao 6º Centro de Saúde
Rodrigo Argolo para conhecimento dos jovens adolescentes; e ainda
solicitando dar mais sustentação ao terreiro de candomblé para combater
a intolerância religiosa; a aplicação nas escolas municipais e estaduais
da lei 10.639, para a elaboração de materiais didáticos que contemple a
diversidade cultural, e grande necessidade para a abordagem na escola
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de questões raciais e de gênero (...); comprar uma casa ou alugar em


local centralizado para criar o Memorial Cultural do Beiru; desde de 1985
lutamos para mudar o nome do bairro, conseguimos depois de vinte
anos mudar a bandeira do ônibus para Beiru/T. Neves; depois demos
identidade ao bairro com o lançamento do livro com o nome Beiru, que
distribuímos com moradores, escolas e organizações; dia da consciência
negra, com a 5ª Marcha do Beiru, que é um instrumento para reivindicar
o resgate do nome, contra intolerância religiosa, preconceito racial e
violência contra as mulheres, etc.; e por fim, é o único bairro de Salvador
que tem o nome de um africano (p. 18).

Nos produtos de Sara Schuabb há detalhes acerca das ações realizadas pelos
Pontos que iniciaram o diálogo com as comunidades, a fim de apresentar a proposta do
Ibram e sensibilizar a localidade para se interessarem em colaborar e fazer parte das ações.
Assim, em reunião do dia 27 de abril de 2010, os moradores discutiram a relevância do
museu na localidade e criaram o conselho gestor que daria a eles legitimidade para o
desenvolvimento das atividades.
Nesse encontro, alguns depoimentos nos ajudam a esclarecer as expectativas
desses moradores, ao replicar a intenção do Ibram em realizar um processo museal no
bairro Beiru:

É preciso resgatar a memória de nossa história afro-brasileira. Não


podemos deixar que o nome de um dos primeiros donos das terras seja
trocado por Tancredo Neves. Em nossa comunidade há pessoas de
outros estados da Bahia, há poucos nativos. E o povo chega e fala que
mora em Tancredo Neves porque acha o nome bonito (Roberto dos
Santos Freitas83)84.

Imagem 4 – Reunião de moradores para apresentação da proposta do Museu do Beiru.


Fonte: Schuabb (2010).

83 Morador do bairro há 32 anos, pesquisador da cultura afro-brasileira e presidente da Associação Cultural


Comunitária e Carnavalesca Mundo Negro e da Associação dos Blocos Afros da Bahia.
84 Entrevista concedida a Schuabb (2010, p. 23).

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Relato importante é feito pela professora e militante Norma Ribeiro que se indigna
pelo fato de o bairro ter sido nomeado como Tancredo Neves:

Beiru não pode ficar à sombra em um momento político nacional de


mudança da história. Não podemos deixar que adversários se apropriem
de nossa memória, do museu. Não podemos nos esquecer do massacre
cometido pela Igreja Católica contra o nosso povo negro, igrejas que
foram construídas em cima dos terreiros de Candomblé, sangues que
foram derramados. É preciso ter um discurso único neste momento a
favor do Beiru (Norma Ribeiro)85.

Ao longo do Programa Pontos de Memória, a interlocução entre o Ibram e o Beiru


demonstrou alguns desdobramentos importantes no que tange, especialmente, à atuação do
conselho gestor. Conflitos relacionados à constituição inicial, disputas acerca da autonomia
e protagonismo frente à condução do projeto também puderam ser observados, segundo
consta nos diálogos entre os membros da proposta inicial do Ponto e as narrativas com
integrantes como Norma Ribeiro, articuladora inicial que se desvinculou posteriormente do
conselho gestor e das ações do Ponto por divergências internas. Vale ressaltar que a
articulação local, após a saída dela, ficou a cargo de Roberto dos Santos Freitas.

Imagem 5 – Símbolo do Ponto de Memória do Beiru.


Fonte: Acervo do Ponto de Memória do Beiru ().

85 Schuabb (2010, p. 23).


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3.1.3 Ponto de Memória Museu Cultura Periférica – Jacintinho

Imagem 6 – Feirinha do Jacintinho.


Fonte: Jorge Schutze (2011 citado por Rodrigues, 2013).

A identidade do bairro e ligada à feirinha... Não tem para


onde correr... Ela é o coração do Jaça, bate a semana
inteira... De domingo a domingo... Pessoas do bairro
consomem no próprio bairro... A feirinha é um espaço
que a gente encontra de tudo... É nossa referência... O
ganha-pão de muita gente... (Viviane Rodrigues) 86.

Com o intento de contextualizar o leitor acerca do Ponto de Memória Jacintinho


encontramos, por meio dos relatos dos moradores, falas que traduzem a riqueza cultural
desse território localizado em Maceió, capital do estado de Alagoas. Embaladas por uma
profusão de movimentos culturais, iniciativas viabilizam, com a participação de jovens,
outras leituras de um território tão ameaçado por violência e descaso das autoridades.
Ao encontrarmos no Blog Museu Cultura Periférica o depoimento de Dona Gerusa,
compreendemos o alcance escolhido por este Ponto de Memória, que não se resume a
apenas um bairro. Como museu de território que amplia o alcance ao observar os bairros
que circundam o Jacintinho, a instituição nasce de uma construção que se refere, na
íntegra, a todas as manifestações e movimentos que priorizam o fazer cultural a partir das
manifestações populares características da região:

Eu vou dizer uma coisa, não sei se foi porque nasci aqui, mas acho que
o Pontal é abençoado. Aqui tem corrida de canoa é muito lindo. Vem de
diversos lugares e se junta com as daqui. É aquela enxurrada de velas
amarelas, verde, azul, vermelha. É uma maravilha! É lindo! Na festa do

86 Depoimento de Viviane Rodrigues para Moraes (2017, p. 48).


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padroeiro, São Sebastião, vem gente de tanto lugar. Na festa tem


Chegança, Pastoril, Baiana e o fandango também se apresenta. Quando
as baianas passam é capaz de a gente não reconhecer. O Fandango usa
uns trajes tão bonitos. São Sebastião sai lindo na charola por terram São
Pedro também sai. O Pontal é pobre, mas é um bairro animado (Dona
Gerusa)87.

Em sua dissertação de mestrado, Leila Samira Portela de Moraes (2017) aborda o


papel e a importância do Museu Cultura Periférica. Por meio das entrevistas realizadas no
âmbito do Museu, o trabalho dela pôde ter outros coloridos, ampliando o alcance das
iniciativas que compuseram o Ponto de Memória do Jacintinho, hoje Museu Cultura
Periférica.
Com o objetivo de investigar a influência da arte na trajetória dos moradores jovens,
especialmente os das grotas situadas em Jacintinho, a autora chama a atenção para os
discursos que marcam o bairro, sobretudo “(...) o da mídia, que retrata o bairro como
violento e perigoso, e o discurso dos moradores, que reivindicam a periferia como lugar de
arte e cultura” (Moraes, 2017). Essa construção nos interessa, pois é exatamente por
entender que o território cultural que a proposta do Museu foi bem recebida pela
comunidade, tendo feito adaptações necessárias para ela ser exercida, garantindo a
autonomia nesse contexto.

O Ponto de Memória do Jacintinho apresenta uma organização que não


é, ao contrário dos outros Pontos, motivada pela questão territorial. Isso
significa que desde o início o grupo responsável define que a memória a
ser representada irá transcender o Jacintinho, abrangendo a cultura de
periferia na qual o Ponto está inserido. A formação da instância
deliberativa seguiu a mesma lógica inicial, ou seja, há atores de várias
localidades de periferia de Maceió, pessoas que já se relacionavam com
o grupo do Jacintinho e, mais especificamente, ao Quilombo, uma das
organizações que promove o Mirante Cultural (Gouveia, 2010).

Para o Museu de Cultura Periférica importa a produção cultural que circula a


periferia e molda a rotina das pessoas. Isso influencia sobremaneira na formação dos
jovens, estimulando-os a pensar sobre quem são e quais oportunidades podem ser
agregadas pela periferia a eles. No mais populoso de Maceió, com cerca de 200 mil
habitantes, que grupos culturais, por meio do Projeto Quilombo88, desenvolvem ações

87 Depoimento encontrado no Blog do Museu Cultura Periférica (s/d). Recuperado em 6 abril, 2017, de
www.museuculturaperiferica.blogspot.com.br/p/d-gerusa-e-o-pontal.html
88 “O Mirante Cultural nasceu com a intenção de trazer para o bairro do Jacintinho uma discussão política e

cultural. O Jacintinho pode ser considerado um quilombo urbano, por possuir diversas manifestações culturais de
raízes africanas – Grupos de Capoeira, Coco de Roda, Dança Afro, escolas de samba, Bandas Afro e Bumba-
Meu-Boi –, além de vários terreiros de matrizes africanas. Esse projeto poderia dinamizar os grupos culturais do
bairro, trazer a cultura para perto de seu povo. Ele abriu espaço para que grupos de outros bairros e até de
outros municípios também se apresentassem, mostrassem sua arte, trocassem experiências. A comunidade
realmente “abraçou” o projeto e o consolidou. Recuperado em 1º dezembro, 2017, de
www.culturadebairro.blogspot.com.br/p/o-cepa-quilombo.html
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ligadas à história, à promoção da cultura e ao fortalecimento da identidade da comunidade.


O maior evento é o Mirante Cultural, que reúne apresentações artísticas e manifestações
culturais variadas.
Viviane Rodrigues, consultora local do Ponto de Memória e hoje articuladora do
Museu de Cultura Periférica, apresenta a experiência dessa instituição que surge do
Programa Pontos de Memória. Nesse caso, acompanhar a narrativa de dessa representante
permite perceber como os processos foram desenvolvidos e as formas de amadurecimento
da iniciativa atualmente articulada conforme os pressupostos da Museologia Social,
contribuindo com a consolidação das análises a partir do território:

Segundo Viviane Rodrigues, consultora do Museu Cultura periférica, ele


surgiu a partir das ações do CEPA – Quilombo, um grupo de estudos
formado por jovens do Jacintinho que promoviam ações e oficinas
voltadas para o bairro e sua população afrodescendente. Segundo ela,
em 2009, o Ibram (Instituto Brasileiro de Museus) junto ao Programa
Nacional de Segurança pública com Cidadania (Pronasci) Lançou
proposta de desenvolvimento de ações em Museologia Social nos 12
bairros mais violentos do Brasil e o Jacintinho fazia parte dessa
estatística. A proposta era um projeto experimental que iria trabalhar a
memória local e como o Cepa – Quilombo já tinha um trabalho
relacionado a isso essa proposta foi lançada ao grupo. Viviane conta que
essa possibilidade abriu uma rede de contatos entre esse grupo e outros
situados em todo o Brasil. Após 3 anos o projeto se consolidou e virou
política pública “hoje existem os editais, uma vez por ano o Ibram abre
um edital para premiação dos museus comunitários no país inteiro... Hoje
premiados acho que o Ibram já tem mais de 200 museus comunitários,
mas mapeados, ou seja, identificados tem mais de 500 museus
comunitários no brasil inteiro... o nosso não tem sede, mas existem os
que tem sede, existem museus de percurso, os museus virtuais, a
comunidade é que decide o formato... uma sede é cara e não temos
recursos para isso, então decidimos que a maior característica do museu
seria a mobilidade, então a gente faz ações e essas ações elas são
móveis (Moraes, 2017, p. 43).

Ainda no trajeto oferecido por Moraes (2017) acerca de Jacintinho, encontramos o


fragmento da entrevista de Viviane Rodrigues sobre a importância da feira para a
comunidade do bairro, onde houve a primeira exposição do Museu Cultura Periférica. Essa
é, de fato, uma iniciativa imprescindível para o enraizamento e a discussão sobre os
territórios e os processos museais – Por que não um museu na feira?

Ela é tão coração da gente que definimos enquanto Museu Cultura


Periférica que as exposições não seriam em locais fechados... Se eu tô
falando da memória daquelas pessoas quero que elas vejam... A primeira
exposição foi dentro da feirinha numa estrutura de barraca de feira e não
de museu, pra não agredir o olhar daquela pessoa com algo que não faz
parte da paisagem... Com isso conseguimos atingir um grande público
que não tem o hábito de ir a ambientes de museus... De sair do seu dia a
dia para ir para um ambiente de museu... Por que sabemos que é muito
difícil para quem trabalha o dia inteiro (Moraes, 2017, p. 48).
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Esse fragmento certamente nos oferece uma oportunidade para discutir a


Museologia Social e entender a função desempenhada por essas experiências que se
forjam, na medida em que compreendem a capacidade da memória de gerar transformação,
poesia e política segundo as narrativas e trajetórias de vida e do lugar. Aprofundaremos a
discussão sobre a exposição do Jacintinho no item dedicado à dimensão poética dos Pontos
de Memória.

3.1.4 Ponto de Memória Estrutural

A nossa cidade foi criada à beira de um aterro, pelas


pessoas que moravam na beira desse aterro, que
trabalhavam nesse aterro, os catadores. É uma
ocupação de uma área muito nobre, pelo fato de estar
muito próximo da capital e do centro do poder. (...) A
especulação imobiliária está tomando conta e estamos
perdendo nossa identidade, e os irmãos que inicialmente
ocuparam o espaço garantiram a construção dessa
cidade (Abadia, 2009).

Imagem 7 – Abadia Teixeira de Jesus.


Fonte: Ponto de Memória da Estrutural.

O discurso de Maria Abadia Teixeira de Jesus, moradora da Estrutural e uma das


principais militantes do Ponto de Memória dessa região durante a I Teia da Memória89, é
forte, contundente e bastante significativo ao nos permitir que constatemos a dimensão de
luta e resistência que o Ponto teria para desenvolver ao longo dos anos. Sua fala aponta a

89 Depoimento presente no trabalho de Fernandes (2010).


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necessidade de reconhecer que a cidade da Estrutural passa por um longo processo de


invisibilização e de disputas a serem enfrentadas pelo Ponto de Memória.
O Ponto de Memória da Estrutural está localizado em Brasília, no Distrito Federal,
coração do país. Faz parte dessa comunidade um amplo conjunto de movimentos sociais
que desenvolvem ações de educação e cidadania, com vistas a contribuir para a melhoria
das condições de vida no local. Por exemplo, podemos citar a história do Movimento de
Educação e Cultura da Estrutural (Mece), fundado em 2003 com o intuito de trabalhar a
alfabetização de adultos a partir de Paulo Freire, e a Escola Livre com jovens. Tal
movimento é apresentado pela consultora Deuzani Candido Noleto90 como uma das ações
presentes na Estrutural, e seus integrantes, mais à frente, se confundirão com as ações e a
trajetória do Ponto de Memória. Nesse momento não havia ainda um espaço físico para
acontecerem as reuniões do Mece; assim, por ocasião da Marcha Mundial de Mulheres e da
Teia do Conhecimento, os encontros puderam ser realizados em uma casa de parentes de
uma integrante do movimento: “A casa só tinha as paredes sem reboco, dentro e fora com
chão de terra batida. Aos poucos o espaço foi sendo reformado e adaptado aos sonhos que
ainda hoje continuam muitos” (Noleto, 2013, p. 5).
Nesse entremeio, a Casa dos Movimentos, como seria chamada, abriga os
processos museais desenvolvidos pela Estrutural, sobretudo exposições, oficinas, reuniões
e encontros dos movimentos sociais que atuam na localidade. Nesse Ponto de Memória há
a presença das mulheres, com ênfase aos assuntos relacionados à educação, às bandeiras
de lutas dessas guerreiras e a proximidade com o lixão da Estrutural – tais aspectos
permitem compreender as ações desenvolvidas e as pautas escolhidas pelo grupo de
militantes que se dedicam às práticas. As práticas realizadas pelo Ponto, ao longo dos anos
iniciais (fases 1 e 2 do Programa), se concentram, assim como nos demais Pontos, na
formação dos integrantes e moradores, para a execução das etapas previstas em PA.

Hoje, passados dois anos, o Ponto de Memória caminha para cumprir


sua meta. Realizou um Seminário, um Café com Memória, a exposição
Luta, Resistência e Conquista, a exposição A Mulher e a Cidade, que
contam parte da história dos moradores e moradoras da Estrutural – DF,
duas Oficinas de Grafite, ministradas por artista e grafiteiro da Estrutural,
uma Oficina de Teatro de Bonecos, um Sarau Poético, a criação da
Editora Abadia Catadora, a elaboração de um vídeo, o projeto de
extensão do Curso de Museologia da FCI/UnB e muitas ideias e mais
sonhos para serem concretizados (Noleto, 2013, p. 5).

Em se tratando das mulheres, a Estrutural desenvolveu uma exposição, em 2012,


com o tema “Movimentos da Estrutural: A Mulher e a Cidade”:

90 Noleto (2013).
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O Ponto de Memória da Estrutural apresenta a Exposição – Movimentos


da Estrutural – A Mulher e a Cidade, homenageando todas as mulheres
que têm na Cidade Estrutural o seu lar, o seu lugar no mundo. Por meio
das imagens de vinte uma mulheres moradoras, a exposição retrata as
Rosas, as Abadias, as Marias, as Nilzas, a Vanderlinas, as Jaciras, as
Solanges, as Marias do Socorro, as Regianes, as Eulinas, as Candaces,
as Fátimas, as Luzilenes, as Kellys, as Baianas, as Anas, as Ritas, as
Lourdes, as Katias, que constroem esta cidade, que trabalham para
sustentar a família. São as catadoras, as recicladoras, as costureiras, as
estudantes, as donas de casa, as professoras, as artesãs, as feirantes,
as chefes de família. Estas mulheres que lutaram para fixar a Estrutural...
sem elas, esta cidade talvez não existisse. Mulheres guerreiras que ao
comporem a sua história pessoal fazem a história coletiva da cidade. O
Ponto de Memória da Estrutural enriquece o seu acervo com as
imagens, objetos e histórias destas mulheres representativas do universo
feminino desta cidade. Completando a exposição dez mulheres cujas
histórias inspiraram a luta das mulheres em todo o mundo, por direitos
humanos, por uma vida com mais poesia, mais música, com mais
participação política, enfim a luta pela vida91.

A exposição é fruto de uma parceria realizada entre o Ponto de Memória e a


professora Bernardete Braziliense. O Grupo Captura fotografou 22 mulheres de Estrutural, e
as melhores fotos foram selecionadas para a composição da mostra e incorporadas ao
acervo do Ponto. Essa iniciativa ampliou a discussão e as homenagens, incorporando outras
mulheres expoentes do cenário nacional e internacional, no que concerne a lutas e
conquistas do movimento feminista.

Cabe ressaltar que foi um momento de grande aprendizado tanto para a


coordenação do Ponto de Memória, quanto para a população presente. A
Exposição já foi exibida na cidade de São Sebastião – DF e está
agendada para fazer parte da Programação de 2013 da Câmara
Legislativa do DF (Noleto, 2013, p. 18).

Além das exposições, o Ponto de Memória da Estrutural desenvolveu, nos anos


iniciais, uma série de atividades voltadas para crianças e jovens, como a oficina de grafite,
orientada pelo artista Tiago Morais, morador da Estrutural. A ação envolveu jovens, adultos
e crianças no trabalho artístico com papéis e em intervenções, pela cidade, em muros e
paredes das escolas e demais instituições.
Por fim, com o escopo de abarcar propostas apresentadas pelo Ponto de Memória
da Estrutural, destacamos o trabalho desenvolvido pela Editora Abadia Catadora que, a
partir da oficina de edição de livros oferecida pela editora argentina Eloisa Cartonera, em
2011, decidiu montar a própria editora no local. Com inspiração no movimento da argentina,
também decidiram homenagear uma mulher, escolhendo a Abadia nessa cidade: “(...) como
sua congênere argentina, homenageava uma corajosa militante social da comunidade, que

91Texto de abertura da exposição “Movimentos da Estrutural: a mulher e a cidade”, inaugurada em 12 de


novembro de 2012 citado por Noleto (2013).
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já trabalhara na reciclagem de lixo” (Noleto, 2013, p. ). O que atraiu a comunidade para a


proposta argentina foi o caráter artesanal dos livros e a oportunidade de reciclar, habilidade
da comunidade que lidava diretamente com o lixo produzido e descartado. Com vistas a
promover o interesse pela leitura, a Cartonera da Estrutural desenvolve a cooperativa aos
moldes da inspiração da argentina:

Estruturada nos moldes de uma cooperativa, funcionando de forma


participativa a Editora Abadia Catadora pretende ser um canal para
textos que estimulem a reflexão e a discussão política. Iniciou seus
trabalhos, com a publicação de “Mãos abertas e punhos fechados”,
poesias de Carlos Rodrigues Brandão, “As cinco dificuldades de
escrever sobre a verdade”, artigo de Bertolt Brecht. A Menina e o Rio do
jovem escritor morador da Estrutural Almir Gomes, cada um com tiragem
limitada de cinquenta exemplares. A Editora pretende ainda apoiar o
processo de construção e preservação da memória social e coletiva, por
meio do lançamento de escritores locais. Atualmente acontece a Oficina
de Escrita Criativa com a professora Madalena Rodrigues que está
estimulando mulheres da Estrutural escrever contos. A Editora pretende
lançar os contos destas mulheres. Também está em andamento a oficina
de encadernação conduzida pela professora Silmara Küster da Extensão
da UnB (Noleto, 2013, p. 25).

Além das ações estabelecidas pelo Ponto de Memória da Estrutural, percebemos


formas de articulação com os movimentos sociais, coletivos, universidades e parceiros
institucionais em benefício das ações relacionadas com o campo da memória, do patrimônio,
da educação e cidadania. Desde o início das ações, o Ponto se envolveu, sem dificuldades,
com as iniciativas propostas pelo Ibram: devido à capacidade de trabalho em equipe e
coletivos, percebeu uma nova chance de ampliar as possibilidades junto aos demais
movimentos e pautas, além da provocação sobre a memória.
A primeira exposição da Estrutural, já inserida no Programa Pontos de Memória, foi
“Movimentos da Estrutural – Luta, Resistência e Conquistas”92, que utilizou o lixo como
suporte expográfico, compondo uma narrativa de inclusão do lixão como elemento de
denúncia de descaso e de situação de profundo respeito com o fazer de famílias que vivem
dele. A dimensão política dos Pontos de Memória pode ser observada, pois demonstra o
alcance de atitudes como essas ao denunciar em Brasília, capital do país, como tais
territórios vivem, de certo modo, em conflito com a realidade social, os meios de vida e a
subsistência nas favelas e comunidades.

92 “(...) inaugurada em 21 de maio de 2011, retratou a história de luta do povo da Estrutural – DF, uma área nobre
do Distrito Federal, ao lado do Parque Nacional de Brasília e a poucos quilômetros do Palácio do Planalto. A
mostra fez um recorte da imensa labuta que foi conquistar a Estrutural, marcado por lutas que custaram vidas e
saúde de muita gente, mas que também geraram muitas conquistas, que fazem hoje da Estrutural um lugar vivo.
Há muitas outras imagens, muitas outras lutas que ainda não foram representadas, mas a exposição marcou o
início e o incentivo para que a o povo da Estrutural, tão guerreiro, continue a contar sua história” (Noleto, 2013, p.
10).
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3.1.5 Ponto de Memória de Terra Firme

Imagem 8 – Helena Quadros e Francisca Rosa, a Dona Chiquinha, conselheiras do Ponto de


Memória da Terra Firme.
Fonte: Miriane Peregrino ().

O bairro da Terra Firme em Belém, para a mídia, é


considerado um bairro de violência. Mas para nós que
moramos no bairro ele é a nossa história. É um bairro
formado por ocupações de terras que principalmente
eram terras federais. (...) O bairro hoje é muito grande,
crescido desordenadamente, por isso uma onda de
violência. Só existe violência no bairro ou na periferia
quando o poder público não se instala, daí o poder
paralelo vem e cria raízes (Dona Nerci)93.

Uma das questões mais importantes discutidas durante o início do Programa


Pontos de Memória diz respeito à atribuição dos territórios escolhidos pelo Pronasci como
violentos. A expressão “territórios e comunidades violentas” sempre gerou incômodo na
equipe que considerava não ser possível pactuar com tal visão. Tais lugares, submetidos a
uma lógica de produção de invisibilidade e produção de subalternidade, passam
necessariamente pela produção de violências e estigmas. O lugar não é violento, e isso fica
claro nas palavras de Nerci, moradora do bairro Terra Firme, em Belém, no Pará, e militante
do Ponto de Memória – isso nos ajuda a perceber o processo de colonialidade a que são
submetidos os moradores de Terra Firme e todos os demais.

93Depoimento concedido a Fernandes (2010). No documento produzido por esse consultor, não encontramos o
sobrenome da moradora, apenas a indicação ao seu nome como Nerci.
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Ao desconsiderar a localidade e não enfrentar os reais problemas cotidianos, o


poder público, em contato com uma mídia parcial, cunha uma identidade para esses lugares
marcados como espaços de medo, pavor, morte, assassinato e abandono – por
conseguinte, sem vida, beleza, cultura e dignidade. Contudo, acreditamos que o Programa
Pontos de Memória pode servir nesta e nas demais experiências como um elemento que
chama a atenção positivamente para a realidade de tais cidades. A memória que ressalta as
características naturais do lugar pode devolver a chance de conhecerem melhor o território,
contribuindo para o rompimento dessa produção de subalternidade.
As ações desenvolvidas por Terra Firme traduzem uma parceria de anos com o
Museu Goeldi, e isso fica claro nos documentos produzidos pelo Ponto e nos relatos de
seus integrantes. Durante a I Teia da Memória Neci, seguiu-se enfatizando a importância do
Museu para a iniciativa de Ponto de Memória que iria ser realizada, em que se sobressai o
fato de que uma comunidade, quando tem assegurada os direitos, apoios fundamentais e
questões estruturais, não se torna território abandonado e não produz exclusão e violências.

O Museu Goeldi é o maior parceiro do bairro. (...) Temos um projeto de


vinte e quatro anos com o Museu com muitos trabalhos e muitas
parcerias. Tudo que o bairro tem, correios, escolas [todos os
equipamentos de infraestrutura urbana e cultural], foi conseguido com
muita luta, pois não havia boa vontade do governo. (...) Nós temos todos
os órgãos federais no bairro, então não tem porque haver violência.
Antigamente não havia violência, quando os órgãos realmente faziam um
trabalho social de abrir as portas, de andar pelo bairro e de conversar
com a gente (Dona Nerci)94.

A parceria firmada entre o Museu Goeldi e os militantes do bairro Terra Firme já era
sinônimo de sucesso e de realizações quando a proposta do Ponto de Memória chegou aos
moradores por intermédio do Museu. A essa altura, as articulações desenvolvidas
aumentaram as possibilidades de atuação do Ponto de Memória Terra Firme (PMTF), e as
iniciativas previam a participação do Museu em todas as etapas – isso garante ao Ponto
mais condições de trabalho e ampliam as chances de amadurecimento das discussões
dentro da comunidade. O projeto “Museu Goeldi leva Educação em Ciências à
Comunidade”, realizado desde 1985 pela funcionária Helena Quadros, trabalha na
perspectiva socioambiental, buscando interface com a sociedade por intermédio do museu.
Helena contribui com o Programa Pontos de Memória como conselheira, tendo sido
escolhida pelos moradores. O Museu oferece apoio ao PMTF para desenvolver as ações
desejadas, algo fundamental para que a prática se estabelecesse, sendo também
importante avaliar os limites dessa articulação embrionária.

94 Depoimento citado por Fernandes (2010).


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Para conhecer melhor o PMTF, vale consultar a dissertação de mestrado de Camila


Moraes Alcântara, defendida no Programa de Pós-graduação em Antropologia, em que
analisa a trajetória da experiência e detalha aspectos importantes que nos ajudam a
compreender a complexidade dessa prática. Vale ressaltar que Camila Moraes foi consultora
local do Ponto de Memória e pôde observar o desenvolvimento da prática, a ponto de
concluir uma dissertação que explorou a temática, buscando contribuir com o tema da
Museologia Social.
Alcântara, juntamente com Renata Godoy, produziu um artigo que analisa a
experiência do Ponto de Memória e apresenta elementos relevantes para compreender o
que essa prática significa para Belém e o Pará. Tal iniciativa é a única na região Norte e,
certamente, uma oportunidade para abordar carências e conquistas da comunidade,
revelando o potencial cultural, socioambiental e artístico de Terra Firme. Segundo as
autoras:

A partir da atuação dos pontos pioneiros, em sua maioria, os Pontos de


Memória percebem o museu como um fenômeno catalisador das
transformações sociais, como ferramenta útil para as comunidades ao
trabalharem na concretização do museu integral e suas atribuições que
beneficiam as construções da autonomia dos povos. O Ponto de
Memória da Terra Firme pode ser compreendido como uma experiência
de Museologia Social exitosa em Belém, Pará, pois se trata de uma
organização que trabalha junto aos pressupostos da Museologia e, é
mantida e gerida por agentes sociais pertencentes à comunidade a qual
representa. É um Museu Comunitário no bairro da Terra Firme, que atua
com e para os moradores do bairro (Alcântara & Godoy, 2017, p. 79).

Terra Firme é um ponto feito e ancorado por mulheres fortes e batalhadoras. Como
símbolo suas presenças, produzem enfrentamentos que se armam de afeto, aproximação e
perseverança. Esse fato se evidencia ao analisarmos os relatórios produzidos por Alcântara,
a partir da participação dos membros do conselho gestor, em se tratando das narrativas das
ações, garantindo aos leitores o entendimento sobre a força dessa comunidade e a atuação
central das mulheres nas tomadas de decisão e escolhas do Ponto. Importante destacar
também a presença dos conselheiros João Batista Costa dos Anjos e José Maria Vale de
Souza, integrantes que contribuem com a força das mulheres do PMTF, ao criarem
condições para o avanço das atividades.
As ações foram desenvolvidas diretamente com as ruas, feiras e escolas do bairro
de Terra Firme, o que mobilizou os moradores a perceberem as belezas e as riquezas de
viver em um bairro marginalizado onde a violência é posta em primeiro lugar como
descrição, resumindo a vastidão de possibilidades do lugar ao aspecto mais negativo, além
de levar o restante da cidade a compreender o território apenas por um estigma proposital.

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Não desconsideramos os episódios em que Terra Firme é vítima de violência


urbana, tampouco relegamos ao território a culpa única e exclusiva dessa realidade. Assim,
insistimos como Nerci e valorizamos Terra Firme para além de um bairro violento e perigoso;
há muito a ser visto e conhecido em suas ruas, e os sorrisos de mulheres guerreiras
expressam a fé na humanidade e no bem que podemos fazer uns aos outros.

3.1.6 Ponto de Memória Museu Mangue do Coque

Imagem 9 – Vanessa Francisca da Silva, integrante do Ponto de Memória Museu Mangue do


Coque e Cristiane Carla Santos (Papion), liderança indígena.
Fonte: Página do Facebook de Vanessa Francisca da Silva ().

A comunidade é heterogênea. Temos aqui


representantes de várias tendências, há várias
entidades. Mas nessa hora, com esse ideal, com esse
objetivo de lançar nossa memória, a gente se une, dar as
mãos. (...) Nisso, somos bem diferentes de alguns
grupos que estão aqui, que já têm um museu, que já têm
um projeto. Ainda não estamos organizados, vamos nos
organizar e pegar um pouco das experiências que estão
aqui para fazer isso. Vamos, juntos, ser agente e sujeito
de nossa história. Nós que queremos contar nossa
história. Os idosos e jovens irão participar (...). É aquele
detalhe, você está aí e eu estou aqui, cada um vê um
pedacinho da história (...). A nossa talvez será uma das
maiores, porque tem muita gente para participar, para
contar a história no nosso museu (Rildo Fernandes)95.

95 Depoimento para o vídeo Teia da Memória e citado por Fernandes (2010).


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No Coque, os guerreiros se desdobraram para trabalhar a memória do lugar junto


ao Ponto de Memória, em que suas vozes ecoaram em momentos de integração e de
rompimentos, mas sempre proporcionaram ação e dinamismo às propostas de valorização
da memória do local. Em meio a discordâncias e afastamentos desde o início da atividade,
uma voz ecoava dissonante: era Vanessa Francisca da Silva, que a todos contagiava com
seu sorriso e alegria. Com muita batalha e perseverança, as ações do Museu Mangue do
Coque se originam do contato com o Ibram em 2009.
A comunidade do Coque está localizada no bairro São José, em Recife, estado de
Pernambuco, e tem origem semelhante aos demais Pontos. A segregação social é
produzida de maneira desigual, onde surgem assentamentos precários, com baixas
condições de habitabilidade, às vezes isolados do restante da cidade. No caso específico de
Recife foram criadas, nos anos 1980, as Zonas Especiais de Interesse Social (Zeis) por Lei
municipal, num contexto de profundas desigualdades sociais. Esse projeto político visou
manter as áreas isoladas, conforme a tese de doutorado de Cynthia Colette Christiane
Lucienne (2015), em que analisa os desafios de inserção socioespacial da Zeis do Coque.
Com trajetórias pautadas por dificuldades estruturais como falta de água, luz e
saneamento, o Coque e suas comunidades vivenciam há anos o aumento desgovernado da
quantidade de moradores vindos de regiões mais afastadas e pobres em busca de melhores
condições e oportunidades, a falta de investimentos e a precariedade de atendimentos
básicos. Segundo a consultora do Ponto de Memória, Isabela Michelly Gomes dos Santos, o
Coque é uma comunidade:

(...) abandonada, deixada à mercê da maré da cidade do Recife. Toda


ilha Joana Bezerra é o coque, uma parte do Bairro de São José, entre a
Praça de Sergio Loreto e a Casa da Cultura até o limite de Afogados,
Cabanga, Caranguejo, Ilha do Leite, São José e Coelhos. Existem hoje
no Coque, aproximadamente 2,666 famílias e 16 mil habitantes. A
localidade está classificada como zona urbana, terreno plano, mas de
muito aterro. A comunidade do Coque, atualmente, passa por três
bairros do Recife: Joana Bezerra, Cabanga e São José. Ao Norte, é
limitada pelo Rio Capibaribe; ao Sul, pela rua Imperial, ao Leste, pela
estação Central do Metrô do Recife e, ao Oeste, pelo braço norte do Rio
Capibaribe (Santos, I. M. G., 2013).

A trajetória do Ponto de Memória Mangue do Coque pode ser traduzida pelas ações
museais desenvolvidas por seus integrantes, com vistas a defender a memória local. Assim
se valorizam seus saberes e fazeres, além de estimular a participação dos moradores por
meio de exposições, rodas de memória, oficinas e produtos de comunicação, como blog e
fanzine.
De fato, a trajetória do Ponto e as etapas provenientes da metodologia proposta
pelo Ibram devem ser consideradas, uma vez que conflitos tangenciaram os anos iniciais
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dessa prática. Conforme os consultores, isso demonstra a situação-limite e o rompimento


entre integrantes da comunidade:

Após a constatação de que o conselho precisava ser reformulado,


Cláudia Rose Ribeiro da Silva, realizou reunião no Coque, no dia 09 de
julho, na qual se decidiu pela continuidade das ações com o restante do
grupo e se definiram estratégias para que a instância deliberativa se
legitimasse junto à comunidade, estimulando, inclusive, a entrada de
novos membros. Uma dessas estratégias, tal qual Guerreiro ressaltou, é
voltar a utilizar a escola Novo Mangue, uma das mais antigas do Coque,
para a realização de reuniões (Gouveia, 2010).

Ressaltamos essa tensão entre as instâncias deliberativas na condução do Ponto


de Memória, pois, a partir disso, houve uma dissidência, surgindo uma nova experiência na
comunidade do Coque: o Museu da Beira da Linha do Coque. Tal fato demonstra a riqueza
das práticas de memória do local e as fragilidades do processo comunitário, além de permitir
a análise da sobreposição de lideranças que não conseguem dialogar por motivos diversos.
No entanto, tais ações só enriquecem o território, tornando-as mais interessantes do ponto
de vista dos resultados para a comunidade, o que fortalece a prática museal insurgente e
desafiadora da lógica colonizadora e segregadora que recai sobre esses lugares. O site do
Museu da Beira da Linha do Coque possui um conjunto variado de práticas que se
assemelham à proposta do museu, denominadas como “vizinhos do museu”96, com
informações direcionadas aos respectivos sites e blogs, tornando a busca acessível para os
visitantes. Tal iniciativa indica uma riqueza de experiências que podem e devem estimular
novos estudos sobre as ações culturais e museais da região do Coque e de Recife.
O depoimento de Hiltom da Silva, mais conhecido como Guerreiro, nos ajuda a
perceber que, mesmo existindo uma cisão no grupo, o desejo de continuar com as ações
por meio das memórias seria preservado, e o Ponto de Memória Mangue do Coque resistiria
e seguiria com as atividades de difusão, pautado pelo desejo de tornar diferente o lugar.
Assim, em entrevista aos consultores do Programa, o articulador do Museu Mangue do
Coque esclarece que:

Foi aí que eu descobri que através do Ponto de Memória, a gente


poderia resgatar nossa história, resgatar nossa imagem e aí naquelas
reuniões surgiu a ideia de nós sermos independentes, de nós sermos
autossuficientes, porque ia ser bom para nossa comunidade e não
estaremos refém de ninguém; queríamos agir por conta própria, mas a
princípio, sempre com o apoio do Ibram, pois somos um projeto embrião,
um projeto-piloto (...). Desenvolveu o interesse de mergulhar e trazer e
resgatar a imagem da nossa comunidade (Hilton da Silva Guerreiro)97.

96 Recuperado em 20 abril, 2017 de http://museudabeiradalinhadocoque.org/vizinhos-do-museu. Entre as


práticas destacamos o Terreiro Santa Bárbara Nação Xambá e o projeto “Esto no és un Museo”.
97 Entrevista concedida a Inês Gouveia e Kiki Storino para o Programa Pontos de Memória, realizada em Brasília,

no dia 14 julho 2010.


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3.1.7 Museu Lomba do Pinheiro

Imagem 10 – Desenvolvedoras da Teia da Memória em Salvador.


Da esquerda para a direita: Cláudia Feijó, Marcia Vargas, Teresinha Medeiros e Isolina.
Fonte: Acervo Ponto de Memória Lomba do Pinheiro.

A gente percebeu que há muitos atores que ainda não


estão integrados. E esse projeto dos Pontos de Memória
nos sensibilizou a procurar quem está fora. Porque este
projeto pode ser a motivação para a formação de um
novo bloco hegemônico (...) para reorganizar a memória
da mudança (Fátima Flores)98.

O depoimento de Fátima Flores durante a I Teia da Memória em Salvador, em


2009, e a imagem das quatro mulheres indicam a força feminina dessa construção. Com
dedicação e coragem, construíram pontes para ultrapassar os limites impostos e avançar
com o Programa. Teresinha Resende segue até hoje esse caminho, estando à frente da
iniciativa do Ponto de Memória na Lomba do Pinheiro.
O museu está situado em Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Alegre, no Lomba do
Pinheiro99 que, a partir da experiência comunitária, desenvolvia ações em torno da memória
local. Assim, quando passa a integrar a metodologia do Programa, investe na reformulação
das bases participativas, buscando se consolidar junto às demais iniciativas de Museologia
Social do país. Com uma equipe formada basicamente por mulheres, nos primeiros anos dá
corpo e forma a iniciativas importantes como o IP que, até hoje, é considerado um trabalho
de destaque das experiências, servindo de inspiração para outras práticas. O museu
comunitário já estava constituído desde março de 2006, com amplas redes de parcerias

98 Depoimento concedido no vídeo da I Teia da Memória e para o trabalho de Fernandes (2010).


99 Situado a 18 km ao leste de Porto Alegre, possui 63.970 habitantes oficiais (estima-se que cheguem a 120 mil
atualmente). Concentra 33 vilas populares e possuía características rurais até meados dos anos 1950. Apesar do
alto Índice de Vulnerabilidade Social (IVS), é reconhecido pela articulação política comunitária.
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firmadas com escolas, a Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e grupos
terceira idade. Além da exposição permanente existem realizam Rodas de Memórias com
grupos focais, em parceria com a Universidade de Mapeamentos Culturais do bairro.
Por meio da parceria com o Programa Pontos de Memória, o conselho gestor foi
formado basicamente por mulheres, à exceção de Eduíno de Mattos e Lucas Morates.
Cláudia Feijó, Márcia Vargas, Teresinha Medeiros, Teresa Dutra e Izolina Anhaia, que
compõem o conselho gestor no início das ações, garantindo a maioria de mulheres para
essa experiência de gestão compartilhada.
Essa instituição e o MUF são duas experiências consolidadas ao se assumirem
como museus e compreenderem as práticas como sendo museais, anteriores ao início do
Programa. Como as comunidades onde eles se situavam foram indicadas pelo Pronasci
como locais possíveis, não era interessante ignorar a existência de tais iniciativas; ao
contrário, era mais vantajoso permitir, de alguma forma, ações que contribuíssem com o
enraizamento, tendo maior alcance das iniciativas. Assim, as ações desenvolvidas por
Lomba do Pinheiro foram citadas, pela consultora Lavínia Cavalcante, como uma
experiência de impacto; afinal, nota-se que o grupo já sabia o que poderia ser feito com os
recursos, com vistas a potencializar ainda mais as práticas e reflexões:

A partir do acompanhamento realizado nos Pontos de Memória do Sítio


Cercado e Lomba do Pinheiro, consideramos que a execução dos
Produtos de Difusão se deu de maneira satisfatória, alcançando um
notável nível de qualidade. Os desdobramentos destas experiências
(impacto das exposições na comunidade e fora dela; contribuição ao
fortalecimento do Ponto de Memória, etc.) poderá ser apreciado com o
passar do tempo. Nesse sentido, será importante considerar as
informações que serão ainda enviadas pelos consultores locais em seus
relatórios (Cavalcanti, 2012).

Na perspectiva de Ana Maria Dalla Zen, Cláudia Feijó da Silva e David Kura
Minuzzo (2009), o Museu Lomba do Pinheiro:

Pretende se constituir num lugar de preservação da cultura imaterial da


comunidade, ao reunir as narrativas orais dos sujeitos, em torno dos
fazeres, história, casos, festas e outras formas de representação da
cultura e imaginário local. E, como consequência da preservação dos
valores da cultura material e imaterial da comunidade, o Museu objetiva
atuar, de forma permanente e parceira, com o desenvolvimento e
mudança social do bairro, considerado um dos mais pobres da cidade de
Porto Alegre (p. ).

Aliado aos desejos institucionais e às etapas propostas pelo Programa, o Museu


amplia a capacidade de organização comunitária ao criar o conselho gestor e investir no PA
com as ações de difusão e, principalmente, o IP, elaborado conforme a interação com a
comunidade. Por meio das parcerias estratégicas, potencializa o alcance dos processos e
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passa a compor um cenário nacional de práticas da Museologia Social, o que fica evidente a
com a publicação “Práticas comunitárias e educativas em memória e Museologia Social”,
organizada por Jean Batista e Cláudia Feijó, uma das principais articuladoras do Programa e
integrante do Ponto de Memória Lomba do Pinheiro. Na apresentação do livro, os autores se
referem às análises realizadas a partir da experiência dos Pontos de Memória na região Sul
e demonstram o alcance da PNM, bem como os avanços representados pelo Programa às
comunidades. Segundo os pressupostos da Museologia Social, os autores, em especial os
articuladores dos Pontos de Memória, “(...) convidam os leitores e leitoras a pensar em
como podemos construir alternativas dignas para as comunidades a que pertencemos a
partir de articulação entre memórias, educação e ações afirmativas” (Batista & Feijó, ano, p.
).
Essas realizações mostram que o Programa Pontos de Memória estimulou (e ainda
estimula) a produção de iniciativas museais, além de criar condições para o avanço das
reflexões em torno de temas relacionados aos museus comunitários e às práticas de
memória e Museologia Social. Seus integrantes fortaleceram laços acadêmicos e
institucionais já existentes, além de contribuírem com o campo museal. Voltaremos a
abordar aspectos referentes ao Museu Lomba do Pinheiro em outros momentos nesta tese.

3.1.8 Ponto de Memória Museu de Periferia – Sítio Cercado

Imagem 11 – Dona Deuzita.


Fonte:

A história que está sendo feita é pelas pessoas de carne


e osso, não pelos vencedores ou pelos vencidos. Mas
por quem vive hoje, o momento (Simone, professora do
Caic do Bairro Novo em Sítio Cercado) 100.

100 Depoimento concedido durante a I Teia da Memória, citado por Fernandes (2010).
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O Museu de Periferia situado na comunidade de Sítio Cercado em Curitiba, no


estado do Paraná, tem origem em uma forte articulação realizada por apoio político, com
vistas a potencializar ações e interesses locais de preservação da memória local, em
especial a memória das ocupações, em que a atuação da comunidade de Sítio Cercado foi
protagonista. Dona Deuzita, homenageada por nós, é herdeira da fazenda Cercado (que dá
vida atualmente ao Sítio Cercado) e filha do proprietário acompanhou o processo de
loteamento e a posterior ocupação de toda a região a partir de 1988, com a entrada
organizada, pelos movimentos por moradia, das associações de bairro do Xaxim,
Pinheirinho e Alto Biqueirão, posteriormente denominadas como Xapinhal101.
Em meio aos preparativos para o desenvolvimento do Programa, em 2009, numa
sexta-feira de abril, moradores do Sítio Cercado se reuniram para ouvir as ideias e histórias
de duas mulheres militantes de experiências já em curso no Rio de Janeiro, em se tratando
de museus com características semelhantes ao que a comunidade de Curitiba queria
desenvolver. Assim, os moradores puderam ouvir histórias das comunidades da Maré e dos
morros do Cantagalo-Pavão-Pavãozinho, do Rio de Janeiro, por meio dos relatos da
contadora de histórias Marilene Nunes e da cantora e compositora Afrolady. Eles
conheceram mais sobre os caminhos percorridos e os procedimentos que possibilitaram a
criação do Museu da Maré e do MUF, instituições pioneiras no Brasil na preservação de
memória das comunidades102.

Imagem 12 – Intercâmbio de histórias para os moradores do bairro Sítio Cercado.


Fonte: Blog do Mupe ().

101 Rocha, M. Relatório acerca do desenvolvimento da exposição “Memórias e Sonhos do Sítio Cercado”, como
produto de difusão do Ponto de Memória Mupe – Sítio Cercado, realizado em dezembro de 2011.
102 Informações que constam do blog: https://mupe.wordpress.com/

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Em dezembro do mesmo ano, durante a I Teia da Memória, as discussões


propostas na experiência anterior de intercâmbio já apontavam os caminhos que seriam
adotados pelo Museu de Periferia (Mupe):

Mupe [Museu de Periferia] foi o nome que o pessoal encontrou para


definir o processo de sensibilização da perspectiva de um ponto de
memória. Víamos nos reunindo na comunidade desde abril deste ano
[2009]. O processo de sensibilização iniciou com um intercâmbio com o
MUF e o Museu da Maré. Com a presença de algumas pessoas fizemos
uma contação de histórias. (...) A partir disso começamos a nos reunir
com uma periodicidade tentando trazer alguns conceitos do ponto de
memória. (...) O que se desenvolveu, em consenso, é que antes de
instalar uma prática especificamente museológica nós deveríamos ouvir
as pessoas e perceber o que havia de presente na identidade local. Daí
surgiu a ideia de realizarmos um trabalho com alunos das escolas de
representação do bairro, com desenhos e redações. (...) Então o que se
configurou até agora é que o Mupe traria o aspecto da identificação, da
catalogação dessa produção dos alunos e da disponibilização desse
material na internet. (...) A partir desse trabalho feito com os alunos que
buscamos sensibilizar a população em geral (Otávio, interlocutor com a
população do Sítio Cercado)103.

A estrutura inicial do Museu parte das lutas por moradia e direito ao lugar. Em uma
grande movimentação popular, os desabrigados e aqueles que reivindicavam pelo direito à
terra permaneceram em uma mobilização que rende muitas histórias e memórias. Segundo
Zuca (): “A ocupação do Sítio Cercado é muito recente. Começou no início dos anos setenta
e nos últimos anos acelerou (...). Em 1987 havia vinte e quatro mil habitantes, hoje se coloca
aproximadamente duzentos mil habitantes”.
Em diálogo com as possibilidades de realização apontadas pelo Programa Pontos
de Memória, a educadora Simone relata, de maneira lúcida, as necessidades atuais do
bairro. Isso oportuniza mais clareza a respeito das ações que poderiam ser desenvolvidas
pelos articuladores para tornar o projeto viável na comunidade, ampliando o alcance das
melhorias e transformações necessárias, especialmente para crianças e jovens que habitam
a região. A cultura, a memória e a arte são elementos decolonizadores, e:

A luta hoje no bairro já não é mais por paredes, por água, por esgoto.
Essa estrutura mínima para se levar uma vida digna já existe. Hoje o que
está faltando é a cultura. As pessoas do bairro têm muito pouco acesso à
cultura. Isso porque a prefeitura do bairro não valoriza o Sítio Cercado
como merecedor desse tipo de atenção. (...) Pensam que o Sítio
Cercado é uma favela. (...) Temos bolsão de pobreza, mas a maioria da
população tem casa própria e carros. O que acontece, por não ter
nenhuma atenção, a maioria dos jovens fica desocupada, e então
buscam outras ‘experiências’. Então precisamos mesmo de trabalhar
com cultura (Professora Simone, interlocutora com a população do Sítio
Cercado)104.

103 Depoimento citado por Fernandes (2010).


104 Depoimento citado por Fernandes (2010).
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3.1.9 Ponto de Memória Brasilândia

Imagem 13 – Pôster da exposição do Ponto de Memória da Brasilândia.


Fonte: Cavalcanti (2012, produto 7).

Brasilândia está situada na cidade de São Paulo, maior metrópole do país, com
10.400.000 habitantes e 455 anos. Seus habitantes estão inseridos no distrito Freguesia do
Ó-Brasilândia – a primeira possui 451 anos, e a segunda, 62 anos e 276 mil moradores.
Esses dados são retirados do depoimento de Fábio, que explica que Brasilândia tem
movimentos sociais extremamente fortes e atendem mais de 20 mil pessoas. Para esse
militante, o Ponto de Memória será mais uma das várias iniciativas realizadas em território e,
somado às ações já desenvolvidas, deve se destacar junto aos grupos que se dedicam às
atividades eclesiais de base, aos conselhos comunitários que atuam na infraestrutura
urbana e às realizações dedicadas aos equipamentos culturais e educacionais.
Um aspecto importante ressaltado pelos integrantes da Brasilândia, desde muito
cedo, se refere ao grupo responsável por desenvolver as ações do Ponto. Eles não
representavam a Brasilândia porque sabiam que, em número de moradores, isso seria
quase impossível de ser alcançado. Nas palavras de Fábio, durante a I Teia da Memória:

Nós estamos aqui como moradores da Brasilândia, como


representatividades. Porém, a Brasilândia é extremamente
representativa, tem muitas lideranças, muitas entidades altamente
articuladas, temos três jornais (...) e já existem trabalhos de resgate da
história da Brasilândia.

No que tange ao desejo de memória, os integrantes evidenciam que a história e a


memória já são consideradas estratégicas por ações anteriores, no que concerne às ações

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de Brasilândia. A vontade de comunicar os potenciais do território, destacando os aspectos


culturais e artísticos, com ênfase para a formação cidadã, é também abordada pelos
integrantes que participaram da primeira reunião da I Teia.

Pontuando a questão da memória, nós temos muitos registros, mas


corremos o risco de ter o registro morto. Muitas coisas estão sendo
perdidas, pois estão muito espalhadas. Nós almejamos ter um espaço
aonde tenham todos esses registros disponibilizados. Mas, mais do que
isso, que seja um espaço de fomentação da sua história e do seu futuro.
Esse é o nosso grande desafio, da Brasilândia, o que acreditamos que
não é muito diferente da maioria dos outros locais (Fábio)105.

As etapas de criação do conselho gestor e a exposição foram as únicas ações


realizadas por Brasilândia no âmbito do Programa Pontos de Memória. No entanto, é
importante destacar que tais iniciativas apresentam inúmeras possibilidades de reflexão, e
compreendê-las em profundidade pode contribuir com o entendimento de outras ações que,
assim como esta, não se consolidaram a respeito da articulação desenvolvida para compor
essa instância deliberativa.
Leandro Batista expõe aspectos importantes em entrevista para as consultoras Inês
Gouveia e Sara Schuabb: o território possui vasta experiência de militância. Por isso, esse
processo é rico em construções democráticas, servindo de exemplo e inspiração para outras
iniciativas de memória comunitária.

Mas, a partir da 1ª Teia da Memória, ano passado, em dezembro,


começamos lá uma série de visitações com as lideranças, marcadas
pelo seu trabalho, conquistas, lutas, sendo também a própria memória do
bairro, do universo deste museu, e começamos a fazer este processo de
sedução... Já em março deste ano, recebemos a segunda visita do
Ibram, que foi conhecer essas pessoas com as quais já tínhamos
conversado. E ali já havia ocorrido algumas conversas individuais e em
grupo com essas associações, com essas lideranças. Começamos a ter,
a partir daí, reuniões mensais com esses grupos. Na primeira reunião
tivemos mais de 50 pessoas; a equipe do Ibram estava no CEU, Centro
de Educação Unificados do Jardim Paulistano, pode presenciar o tanto
que essa proposta mexeu com a comunidade a ponto de um único dia de
visitação mobilizar mais de 50 pessoas. Mas daquelas 50 pessoas, 20
continuaram, porque as outras já têm trabalhos sociais, movimentos...
Fomos conversando com as diferentes correntes políticas, religiosos,
movimentos culturais, movimento negro, a umbanda, o candomblé,
correlacionado com o movimento negro. Tanto que o grupo, nós não
falávamos nem em conselho gestor, mas o grupo de articuladores, assim
classificamos todos, pudesse ter representatividade e, com essa
representatividade poder formar o conselho gestor, que iniciou a sua
formação há duas semanas (Leandro Batista)106.

105Depoimento citado por Fernandes (2010).


106Entrevista concedida a Inês Gouveia e Sara Schuabb para o Programa Pontos de Memória, realizada em
Brasília, no dia 13 julho 2010.
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Cumpre salientar que, de todos os Pontos de Memória que tiveram início em 2009,
apenas este não seguiu as atividades. Infelizmente, vários fatores possibilitaram essa
desistência, desde a incompatibilidade entre as lideranças locais, a insegurança com
relação ao diálogo estabelecido junto ao Poder Público, até a falta de condições para
lidarem com recursos, o que motivou a desarticulação em território.
No entanto, de acordo com Lavínia Cavalcanti (2012, produto 7), é possível
perceber a força das lideranças locais no incentivo inicial. As iniciativas realizadas no
começo são frágeis do ponto de vista do enraizamento local, havendo a necessidade de
mais tempo até serem compreendidas por mais pessoas e para distribuir as tarefas e
responsabilidades – no caso de Brasilândia, alguns pontos podem ter contribuído para a
desaceleração das ações, antes mesmo de elas estarem construídas.

Uma primeira reflexão sobre o caso da Brasilândia nos remete, sem


dúvida, ao falecimento de Élcio Aparecido de Sousa, liderança local que
exercia um papel fundamental na articulação e desenvolvimento do
projeto. Sua perda pode ser apontada como um dos fatores centrais da
desarticulação do Ponto de Memória, o que nos leva a uma questão que
tem aparecido com frequência nos debates sobre o Programa: o
“personalismo” como elemento que, por um lado, é característico dos
movimentos sociais que se apoiam nas figuras de suas lideranças
(portanto, como um elemento construtivo e de impulso para os projetos);
por outro, o “personalismo” como elemento que fragiliza os processos,
criando uma dependência direta com determinadas pessoas que, por
motivos diversos podem, a qualquer momento, não estar mais atuantes
(Cavalcanti, 2012, produto 7).

A perda do Élcio foi sentida pelos integrantes dos Pontos de Memória e pela equipe
de gestão do Programa que atuava à época. Figura doce e militante, sabia bem reconhecer
uma boa luta, se dedicava com afinco ao desenvolvimento da proposta em Brasilândia e
representava os desejos da comunidade de forma participativa. Esse trabalho também é
voltado a ele, que acreditava ser possível mudar uma sociedade injusta por meio das ações
museais baseadas na construção de novos processos de cidadania e democracia.

Imagem 14 – Élcio Aparecido de Souza Brasilândia (in memoriam) e Viviane Rodrigues (Ponto
de Memória Jacintinho, Museu de Periferia).
Fonte: Viviane Rodrigues ().
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3.1.10 Ponto de Memória Museu do Taquaril

Imagem 15 – Leila Regina da Silva, integrante e articuladora do Ponto de Memória Museu do


Taquaril.
Fonte: Página do Facebook de Leila Regina da Silva ().

No caso do Taquaril, a proposta do ponto de memória


ainda é embrionária. (...) Ainda estamos conversando
com a comunidade para que ela se desperte para a
importância de relatar a sua história, de ressignificar a
sua memória, de se apropriar do seu espaço e de suas
conquistas, suas lutas. Então, como é uma proposta
embrionária, a gente não traz aqui elementos de como
este ponto de memória está instituído, quais são suas
propostas, conquistas e desafios. Viemos falar da gente
mesmo. (...) Para que vocês possam conhecer porque o
Taquaril merece ser um ponto de memória e porque a
nossa história, a história da nossa comunidade, ela é tão
forte do ponto de vista de representar a história de um
povo, de uma cidade, de um estado – porque a nossa
história dar conta de fazer isso. Como vocês sabem,
Minas Gerais é o estado da revolução, é o estado da
conquista, da resistência. Essa é a história da nossa
comunidade, com certeza. Então, para que a gente
possa localizar e acompanhar essa história de
resistência, a gente apresenta o conjunto Taquaril que já
tem na sua marca resistências, lutas e conquistas em
Belo Horizonte (Leila Regina)107.

107 Depoimento de Leila Regina da Silva citado por Fernandes (2010).


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O depoimento de Leila Regina, militante e articuladora do Ponto de Memória Museu


do Taquaril, desde o surgimento demonstra a força atribuída à memória local e a importância
dessa iniciativa para os moradores do Taquaril como espaço de resistências, lutas e
conquistas dos habitantes. O discurso sintetiza a capacidade de aglutinar e provocar de tal
experiência nos moradores do bairro, estimulando a discussão e o debate ao apresentar a
proposta – direito à memória e conquista de espaço para expor questões, realizar debates e
garantir, por meio de reivindicações, melhores e mais dignas condições de vida. Segundo
Wellington Pedro da Silva e Leila Regina da Silva (2013, p. ), o:

Bairro Taquaril está localizado na Regional Leste do Município de Belo


Horizonte – Minas Gerais. Mais especificamente, entre os bairros: Alto
Vera Cruz, Granja de Freitas e Castanheiras que faz divisa com o
Município de Sabará. Tem origem marcada pela luta social por moradia
numa metrópole que extrapolava os contornos projetados pela
arquitetura e, historicamente colocou à margem pessoas e lugares.

O Ponto de Memória do Taquaril, ao desenvolver as etapas previstas pelo


Programa, investiu em processos democráticos e participativos, assim como os demais
Pontos. Como objetivo esperavam, por meio do desenvolvimento do IP:

(...) contribuir para elaboração e criação de produtos difusores para que


possam se constituir em instrumentos comprometidos com o ideal de
uma Museologia Social. Assim, o Ponto de Memória Museu do Taquaril
busca, na execução de suas iniciativas, fortalecer sua relação com a
comunidade atuando em espaços democráticos de construção (Silva,
2012, p. 8).

Ao surgirem em 1981, por meio das ocupações que deram origem ao Conjunto
Taquaril, as lutas por moradia e infraestrutura passaram a fazer parte das pessoas que
habitavam a região. Com características semelhantes às demais localidades dos Pontos de
Memória, as lutas por garantias de direitos foram constantes. Lideranças comunitárias
relatam os momentos de tensão sofridos e pressões por parte da política e do poder público,
para que desistissem de ocupar o lugar. Não houve resultados efetivos, pois os moradores
enfrentaram problemas e dificuldades para manter o sonho de ter uma casa e viver com
dignidade (Silva, 2012).
Com crescimento desordenado e sem projetos de urbanização, os lotes invadiram
áreas de risco, e as casas foram construídas sem atenção às necessidades estratégicas
para facilitar a sobrevivência coletiva. Mesmo diante dessas dificuldades, o bairro cresceu
consideravelmente e, abandonado pelo poder público, até hoje precisa lutar para garantir
direitos.

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Atrelado à necessidade por infraestrutura, o desejo de ver melhorias em relação às


condições de vida e acesso à educação e cultura foi identificado pelas lideranças locais.
Essa perspectiva anima os interlocutores e gestores do Ponto de Memória Taquaril para
seguirem acreditando na essência da memória como aglutinadora de pessoas e importante
incentivador das práticas colaborativas e comunitárias. Dessa forma buscaram, por meio do
Ponto de Memória, desenvolver iniciativas como: Varal de Memórias; História Oral de Vida;
Uma Foto, Uma História; Taquaril na Praça; Arte no Morro; Semana de Arte da Escola
Estadual Coração Eucarístico; Exposição Antiarte; Ciranda de Memórias na 16ª Semana
Paulo Freire; Festival de Música Taquaril (En)Cantado, entre outras.
Importante destacar que, atrelados ao desejo de provocar mudanças e ampliar o
alcance das discussões acerca da memória em suas comunidades, alguns integrantes dos
Pontos de Memória, moradores ou militantes dos movimentos sociais, têm como missão
difundir conhecimentos para além de suas práticas. O crescimento profissional de alguns
integrantes das iniciativas aqui estudadas resulta do impacto tanto para as experiências,
como para o campo da Museologia Social.
Na dissertação de mestrado de Suzy da Silva Santos, recentemente defendida na
USP, além de apresentar profunda análise sobre as experiências de museus comunitários
no Brasil, contribui para nossa discussão ao abordar o trabalho realizado por Wellington
Silva, integrante do Ponto de Memória do Taquaril, consultor local contratado e atuante
desde a criação do Ponto. Nesse caso, ela resume a participação desse profissional como
ministrante da oficina “Memória e Cidadania na Diversidade Cultural”, durante o V Encontro
Internacional de Ecomuseus e Museus Comunitários em 2015:

Wellington Silva enfatizou a importância da Museologia Social enquanto


transformação social de práticas e conceitos no campo da Museologia
(que também é permeado por disputas e poderes), permitindo o
florescimento de novas identidades. Portanto, memórias são silenciadas
o tempo inteiro nas escolhas dos discursos e ações museológicas, e isso
independe da tipologia de museu ao qual possamos nos referir (Santos,
2017, p. 117).

Essa citação demonstra a ampla capilaridade dos integrantes dos Pontos como
articuladores e difusores da Museologia Social nos encontros promovidos pela Museologia.
Tais experiências, como os Pontos de Memória, estão ancoradas nos pressupostos da
Museologia Social e garantem, aos movimentos sociais integrantes, conforto teórico e
prático para a construção de caminhos, com maior alcance das ações e possibilidades de
avanços relacionados à sobrevivência da experiência. A articulação em rede das iniciativas
também corrobora com essa estratégia de sobrevivência.

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Atualmente, Wellington Pedro da Silva108 coordena o projeto de extensão “Museu,


memória e cidadania na diversidade cultural – Rodas de Memória”, no âmbito do Instituto
Federal de Brasília (IFB). Tal ação visa:

Identificar os processos de representação dos atores sociais de


comunidades periféricas do território brasileiro tendo como eixo
norteador a percepção da memória como uma vontade política e seu
papel na (re)significação da memória social e do território como espaço
de memória (Silva, 2018, p. ).

Esse profissional pretende revisitar os Pontos de Memória nas primeiras fases do


Programa do Ibram, com vistas a:

(...) traçar um perfil dos Pontos de Memória, o qual nos parece ancorado
em um recorte social que legitima que todo Ponto de Memória deva
comungar com os princípios da Museologia Social no processo de
institucionalização de uma política pública participativa voltada para a
memória (Silva, 2018, p. ).

A trajetória de retorno ao tema do Programa Pontos de Memória, com vistas a


compreender as iniciativas das quais faz parte, como o Museu do Taquaril, refletem o desejo
por estudar as práticas, fortalecendo um campo que o forjou enquanto profissional e
militante. Essas referências nos permitem constatar que uma das principais contribuições do
Programa para a sociedade se refere à formação de militantes para os enfrentamentos e a
multiplicação da ideia de transformação social por meio da memória e dos museus.

A escolha de cinco Pontos de Memória, cada um em uma região


diferente e que fazem parte da fase inicial do Programa, justifica-se por
considerarmos necessário um recorte, uma vez da impossibilidade de
analisar detalhadamente um número maior de iniciativas e por
considerarmos também um número representativo, uma vez que
possibilitará, por meio da memória coletiva dessas comunidades, traçar
um perfil das ações de memória e Museologia Social voltadas para a
proposição de políticas públicas participativas na área da memória, no
território brasileiro. Assim, selecionamos o Ponto de Memória da
Estrutural, no Distrito Federal – Região Centro-Oeste; Ponto de Memória
Museu do Taquaril, em Belo Horizonte – Região Sudeste; Ponto de
Memória Lomba do Pinheiro, em Porto Alegre – Região Sul, Ponto de
Memória Museu Cultura Periférica, em Maceió – Região Nordeste e
Ponto de Memória da Terra Firme, em Belém do Pará – Região Norte
(Silva, 2018).

108Informações encaminhadas por Wéllington Pedro da Silva via e-mail, com os dados sobre as pesquisas
desenvolvidas atualmente, inclusive um doutorado em andamento, cujo título provisório é: “Memória e poder nas
configurações territoriais de comunidades periféricas: o despertar da consciência do direito à memória como
vontade política de espaços constituídos com Pontos de Memória”.
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3.1.11 Ponto de Memória Grande São Pedro

Imagem 16 – Dona Leni Gaudêncio da Silva.


Fonte: Bruna Chagas Rosa, do Acervo da Polícia Militar de São Paulo (PMSP) ().

Dificuldade naquele tempo era pouco, no dia da invasão


havia muita gente e eu que não era acostumada com
invasão, fiquei bastante assustada, porque estava todo
mundo correndo com tabuas na cabeça, com telhas, e eu
sozinha. Virava-me de um lado e de outro e só via gente
vindo de todo o canto e polícia toda hora passando,
dizendo que se não fizessem os barracos eles tomariam
o terreno. Como iria conseguir levantar um barraco,
sozinha, em menos de um dia? Mas me virei com minha
mãe, irmã, amigo e arrumei umas tábuas e um amigo
fincou os quatro cantos do barraco. As tábuas foram as
paredes, mas como iria conseguir as telhas para cobrir o
barraco sem dinheiro? Minha sorte naquele dia foi ter
passado um “prestanista” e eu comprei um lençol grande
e joguei em cima do barraco. O que tivesse pra
demarcar o lote estava bom, até mesmo linhas de nylon.
Depois tudo foi ficando melhor, conseguimos comprar
umas telhas e depois levantamos a casa de alvenaria,
que estamos aqui até hoje. Tudo que consegui foi com
muita dificuldade e luta, mas fico feliz porque consegui
construir aqui minha vida e de minha família. Olhando
para esse São Pedro de hoje não tem nem comparação
com o que foi (...). Viver em São Pedro hoje é muito bom
(Leni Gaudêncio da Silva)109.

109 Depoimento transcrito por Rosa (2012) e citado por Gervásio (2012).
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Leni Gaudêncio da Silva é dona de casa, tem 77 anos de idade e mora em São
Pedro há 33 anos. Seu relato demonstra os desafios enfrentados pelos moradores que
acompanharam o processo de ocupação do bairro Grande São Pedro, localizado em Vitória,
no Espírito Santo. Para João Bispo, historiador, professor e militante, em relato para
Fernandes (2010): “A ocupação do São Pedro se iniciou com a chegada da siderúrgica CST.
Muitos imigrantes vieram, (...) mas nem todos conseguiram emprego. O resultado disso é
que restou para eles ocupar o mangue”.
A trajetória de Grande São Pedro é marcada pelas lutas por moradia contra a
produção e a promoção da miséria em que viviam muitas pessoas que chegaram para
ocupar o território. Invisibilizados por uma sociedade segregadora, o lixão presente nas
redondezas do bairro também foi motivo para a produção dos estereótipos de bairro pobre,
e o processo de favelização cresceu indiscriminadamente. Nas palavras de João Bispo, um
dos principais articuladores do Ponto de Memória Grande São Pedro:

Nossa região é um laboratório de testes para projetos (...). É uma região


com cinquenta mil moradores, vinte mil eleitores e temos todos os tipos
de projetos (...). A gente está brigando é para que as pessoas de São
Pedro – que não entraram para a criminalidade, e não é um número
pequeno – que estas pessoas tenham condições de disputar em
igualdade, que estes projetos não cheguem com pessoas trazidas de
fora, mas que o morador de São Pedro, que tem curso universitário,
possa trabalhar no projeto. A gente não tem só grupo de risco (...),
queremos que se valorize a mão de obra qualificada do bairro (João
Bispo)110.

Essas palavras demonstram o tom das ações do Ponto de Memória, com ênfase na
geração de oportunidades que contribuam para os jovens se relacionarem com o território
de forma diferente e, ao mesmo tempo, para que tal território fosse visto de formas
diferenciadas, modificando a imagem de bairro pobre e favelado para um que produz arte,
conhece sua história e memória, valoriza sua identidade e, por isso, merece respeito e
garantia de direitos e dignidade de seus moradores.
Assim, o Ponto de Memória investiu, além das exposições e do IP propostos pelo
PA do Ibram, em ações nas escolas como o projeto “Memória na Escola”, desenvolvido em
parceria com a Escola Elza Lemos Andreatta, com a finalidade, segundo o consultor
Gustavo Gervásio (2012), de:

(...) manter viva a história de luta e resistência do povo local, envolvendo


os alunos nas pesquisas, entrevistas e a produção de material
audiovisual sobre o local onde residem e estudam. Essa escola foi
escolhida por ser a única de ensino médio da localidade. Todo o trabalho

110 Depoimento citado por Fernandes (2010).


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foi coordenado pelo Prof. João Bispo, docente da Instituição e gestor do


PMGSP. A partir desse intercâmbio com a instituição escolar surgiu o
Projeto Valorizando a Grande São Pedro (p. 5).

O Ponto de Memória da Grande São Pedro desempenha papel importante no


cenário de políticas públicas para memória no país. Com inspiração no Programa Pontos de
Memória, o governo estadual do Espírito Santo, por intermédio da Secretaria de Cultura,
iniciou em 2015 o próprio “Programa de investimento e estímulo de Pontos de Memória”.
De acordo com o Relatório da Secretaria de Estado de Cultura do Espírito Santo
(Seduc-ES)111, a Rede Estadual de Pontos de Memória é formada por 18 Pontos, incluindo a
iniciativa pioneira de Grande São Pedro, incentivada desde 2009 pelo Ibram – as outras 17
possuem investimentos do Fundo Estadual de Cultura:

O nascimento de um Ponto de Memória parte do encontro de anseios e histórias, dos


saberes e da necessidade de preservação. É o ponto de convergência entre
fortalecimento de identidades e empoderamento social. É a identificação do que nos
rodeia e do que nos define como nossas referências culturais, é o reconhecimento do
que é nosso patrimônio. Sua capacidade de mobilização comunitária transforma o
sonho de alguns no sonho de todos, encanta quem é de fora e valoriza quem é de
dentro (Costa, 2018, p. ).

3.1.12 Ponto de Memória Grande Bom Jardim

Imagem 17 – Maria Iolanda Silva Lima, mais conhecida como Dona Iolanda, conselheira do
Ponto de Memória Grande Bom Jardim.
Fonte: Ponto de Memória Grande Bom Jardim ().

Eu comecei a ir pra igreja. Fui me confessar, o padre


Fernando me deu uma penitência que até hoje é que me
faz estar nessa luta. Essa penitência foi dada pelo padre
Fernando. Ele me deu uma penitência deu participar das
reunião [sic] da comunidade. Quando eu me engajei na
reunião da comunidade, e aí entrei na luta, tomei gosto,

111Referente aos Pontos de Memória e à II Teia da Memória do Espírito Santo, foi elaborado pela museóloga
Paula Nunes Costa, integrante da equipe da Secult-ES e cedido via e-mail para as análises propostas por esta
pesquisa. Aproveito para agradecer pela prontidão e generosidade no envio das informações.
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e até hoje eu estou nessa luta. Quando eu me


encontrava com ele, eu dizia: pense numa penitência!
Porque a penitência é pra ser de Pai-Nosso, essas
coisas pro povo rezar e parar, né! A minha não parou
nunca mais, até hoje, isso foi em 1989, e não consigo
sair dessa penitência (risos). Pois é, foi o que me trouxe
a essa vida foi uma penitência do padre Fernando, que
era padre lá da Granja Lisboa, comboniano, que é uma
pessoa maravilhosa e que eu adoro (Iolanda Lima,
moradora, líder comunitária do bairro Canindezinho e
conselheira gestora do Ponto de Memória GBJ) 112.

O relato de Dona Iolanda apresenta um pouco da dinâmica que alguns moradores


encontram ao tomar gosto pela luta, em um bairro situado na cidade de Fortaleza, no Ceará.
O Ponto de Memória Grande Bom Jardim possui como principal articulador em território a
ONG Centro de Defesa da Vida Herbert de Souza (CDVHS). Com trabalho dedicado à
integração entre bairro e cidade, promove discussões acerca do direito à cidade e à
moradia. Tal ação é importante para o grupo que aceita fazer parte da iniciativa do Programa
e trabalhar integrado à ONG, compreendendo que a emergência do direito à memória
também se refere ao direito à cidade, constituída pela produção sociopolítica do lugar.
Grande Bom Jardim segue o mesmo percurso de ocupação da maioria dos Pontos
de Memória. Sem planejamento urbano, seguiu as exigências do mercado imobiliário, e o
crescimento desordenado como consequência da expansão urbana e industrial tomou o
espaço da paisagem rural com a produção agrícola dos anos 1970 (Almeida, 2018).
Em relato sobre os processos de realização do IP, o consultor Adriano, do Ponto de
Memória e articulador local, indica que:

O próprio processo de elaboração do conceito de memória pelo agente


social em questão constitui-se uma estratégia discursiva, na medida em
que ele é a sistematização dos variados conceitos definidos por cada um
dos moradores envolvidos. A estratégia foi produzir um texto que fosse

112 “(...) nasceu na chapada do Apodi, região do vale do Jaguaribe, Ceará, na localidade de Santa Maria,
município de Limoeiro do Norte, Ceará. Deu trabalho para vir ao mundo, nos trabalhos de parto. Foram três dias
de sofrimento de sua mãe. Foi muito bem recebida pela família. Seus pais, à época, moravam com os seus avôs
paternos. E por esta razão passou a ter mais afinidade com estes. Foi uma criança calma, mas nos momentos
de traquinagem era sempre protegida pela avó paterna. Ainda hoje ela é sua referência in memoriam. Já a avó
materna incentivava o castigo e o tolhimento paterno. Lembra que brincava muito. Uma lembrança marcante é
um pé de flamboyant no quintal. Passava o dia nesta árvore e só levava para lá as pessoas que gostava. E
mesmo que essas não estivessem de corpo presente, estavam em intenção. Ela os imaginava. Brincava e
interagia com as crianças amigas, mesmo em intenção, até cansar e depois dormia lá mesmo. Cansou de ser
acordada pelos gritos da mãe com medo de que caísse da árvore, que era muito alta. Na época, na Granja
Lisboa, um seminarista de nome Sales, hoje já ordenado padre, passou a frequentar a casa de sua família. E por
influência deste seminarista missionário, dona Iolanda engajou no movimento da igreja. Aí ela conta a raiz de seu
envolvimento no movimento social”. Depoimento cedido por Adriano Almeida (2018).
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uma marca institucional do grupo, que expressasse o entendimento de


cada um dos moradores envolvidos sobre o referente „memória‟, que
revelasse o entendimento a que chegou cada um dos moradores
participantes no processo. Então, um texto que não fosse uma simples
citação de um teórico da academia, mas fosse uma espécie de retrato do
coletivo e imprimisse suas posições ideológicas e políticas, onde cada
morador fosse o seu autor (Almeida, 2018, p. 11).

Tal iniciativa, incentivada pelo Ibram em consonância com a metodologia do


Programa, nos permite constatar que a tomada de decisão, por seguir um caminho de
participação não só na obtenção das informações e entrevistas, mas também na construção
dos conceitos a partir das visões locais e das contribuições dos moradores, torna a iniciativa
ainda mais rica e cheia de significados e reflexões. Assim, o conceito de memória construído
pelo grupo demonstra a capacidade dos Pontos de Memória e das demais experiências e
processos museais em ressignificar, a partir de seus entendimentos, os conceitos veiculados
pela academia ou por órgãos do poder público – isso é pensamento decolonial, em que o
processo de decolonizar o pensamento museal e museológico permeia esse contexto.
Nesse ínterim, memória é:

A possibilidade de recordar histórias que narram a trajetória de um povo


e marcam a sua identidade de modo que revela quem somos a partir do
que relembramos e do que esquecemos, além de ser instrumento de luta
para transformar a realidade (Almeida, 2018, p. 11).

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CAPÍTULO 4 – PONTOS DE ANÁLISE

Cuando digo modo otro me refiero a maneras distintas


de ser, pensar, sentir, conocer, percibir, hacer y vivir en
relación, que desafían la hegemonía y universalidad del
capitalismo, la modernidad eurocéntrica y la lógica
civilizatoria occidental, incluyendo su antropocentrismo y
cimientos binarios. Como he llegado a reconocerlo y
comprenderlo, el modo otro es aquello que existe en las
fronteras, bordes, fisuras y grietas del orden moderno
colonial. Es aquello que continúa siendo (re) modelado,
(re)constituido, (re)moldeado, tanto en contra como a
pesar de la colonialidad.

Walsh, C. (). Pedagogía decolonial, caminando y


preguntando. Notas a Paulo Freire.

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4.1 As dimensões política, poética e pedagógica do Programa Pontos de


Memória

4.1.1 Dimensão política

Estávamos convencidos com Mannheim, de que “à


medida que os processos de democratização se fazem
gerais, se faz também cada vez mais difícil deixar que as
massas permaneçam em seu estado de ignorância”.
Referindo-se a este estado de ignorância, não se cingiria
Mannheim, apenas ao analfabetismo, mas à
inexperiência de participação e ingerência delas, a serem
substituídas pela participação crítica, uma forma de
sabedoria. Participação em termos críticos, somente
como poderia ser possível a sua transformação em povo,
capaz de optar e decidir (Freire, 1991, p. 102).

Com vistas a discutir a dimensão política conforme a constituição dos conselhos


gestores ou instâncias deliberativas do Programa Pontos de Memória, convém destacar as
ideias de Paulo Freire e suas reflexões acerca da dimensão política da educação. Esse
autor modifica sua postura quando amplia a capacidade de análise para além da relação
estabelecida entre educador e educando, indicando vínculos mais sólidos ao perceber os
processos de educação na sociedade, o que pode ser explicado pela proximidade com as
ideias de Antônio Gramsci, que o provoca a refletir essa relação como parte de um processo
contra-hegemônico. Assim, passa a se relacionar com o tema educação e política de forma
mais ampla, talvez inspirado pelas reflexões desse autor (Freire, 2005).

O sonho pela humanização, cuja concretização é sempre processo, e


sempre devir, passa pela ruptura das amarras reais, concretas, de ordem
econômica, política, social, ideológica etc., que nos estão condenando à
desumanização. O sonho é assim uma exigência ou uma condição que
se vem fazendo permanente na história que nos faz e re-faz (Freire,
2005, p. 99).

Tal entendimento nos auxilia a pensar nos desafios do campo da Museologia Social
ao optar por desenvolver aspectos que se pautam na humanização, investindo nos
processos museais por meio da memória nas comunidades consideradas violentas e que
são submetidas à favelização no país. Com o intuito de assegurar amplitude e
reconhecimento das práticas desenvolvidas pelas comunidades, a criação de instâncias
deliberativas com a participação de representantes contribuiu para aumentar as condições
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democráticas e condizentes com o desejo de garantir a emancipação, ao propor as


condições transformadoras das ações museais inspiradas pelas concepções educacionais
de Paulo Freire.
O autor salienta a importância de observarmos “(...) o papel do educador
progressista que não pode e nem deve se omitir, ao propor sua ‘leitura de mundo’ é salientar
que há outras ‘leituras de mundo’, diferentes da sua e às vezes antagônicas a ela (...)”
(Freire, 2005, p. 112). Com a intenção de aproximar os ideais de Paulo Freire, no que se
refere ao campo da educação, com o campo dos museus e, em especial, como estratégia
de compreensão de processos e estratégias metodológicas dos Pontos de Memória, quanto
ao âmbito educacional e da escola, tem-se que:

(...) não há outra posição para o educador ou educadora progressista em


face da questão dos conteúdos senão empenhar-se na luta incessante
em favor da democratização da sociedade, que implica a
democratização da escola (...) mas sublinhe-se, não temos que esperar
que a sociedade se democratize se transforme, para começarmos a
democratização da escolha e do ensino dos conteúdos (Freire, 2005, p.
113).

Inspirados por suas concepções, no que diz respeito à escola e à educação, é


possível considerar que a estratégia dos conselhos gestores ou instâncias consultivas e
deliberativas para garantir autonomia e referendar as práticas colaborativas no âmbito dos
Pontos de Memória fortalece os processos democráticos segundo a dimensão política da
Museologia Social. O percurso do autor aponta aspectos relevantes para consolidar a
dimensão política da educação, com destaque para uma leitura de mundo que valoriza a
visão das condições sociais impostas aos sujeitos em situação de subalternização. Assim,
optamos por percorrer um arcabouço teórico e prático que nos permita observar o potencial
político da Museologia, apontando as relações entre as diferentes práticas sociais como
parte de um processo que pretende discutir a construção de alternativas para a sociedade,
em que memória e museus podem fazer parte de novas formas de sociabilidade humana.
No desenvolvimento do Programa, a constituição do conselho gestor participativo é
etapa fundamental para as ações dos Pontos. Tal conselho representa um respaldo para a
gestão do projeto junto à comunidade, a fim de que as práticas planejadas sejam legítimas
para garantir um processo mais democrático e representativo dos interesses da comunidade
por intermédio de seus conselhos e representantes.
A partir das trajetórias, com destaque para especificidades, necessidades, conflitos
e desafios que configuram cada uma das práticas, é possível estabelecer parâmetros para
entender os processos de constituição dos conselhos gestores ou instâncias deliberativas.
Logo, para sistematizar e registrar a memória da formação desses grupos, as consultoras
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Inês Gouveia e Sara Schuabb113 entrevistaram os representantes dos Pontos de Memória


durante o 4º Fórum Nacional de Museus, em Brasília. Importante salientar que a formação
dos conselhos gestores surge com a experiência do Ponto de Memória de Taquaril e foi
estabelecida como estratégia metodológica para os Pontos durante a Teia Brasil 2010 em
Fortaleza (Toledo, 2010):

(...) utilizando o exemplo de Taquaril, foi sugerido aos agentes dos


Pontos de Memória que constituíssem uma instância deliberativa em
cada Ponto, sendo essa responsável pela representação do projeto na
localidade, assim como pela execução e/ou coordenação das próximas
ações propostas pelo Ibram (...) (Gouveia, 2010).

No entanto, logo após o seminário e a indicação do conselho gestor do Taquaril,


houve cisão que dividiu o grupo em dois, segundo relato de W2’, presente no trabalho de
Avelar (2015):

Eu fui o que puxou este tumulto todo (...) porque um grupo já estava
abraçando o projeto, a ONG Cem por Cento, por ter ligações com um
vereador de presença grande na comunidade. (...) Saí com a proposta
de chegar [em Fortaleza, na Teia da Memória] e passar isso a limpo.
Sentei com as pessoas que coordenavam o projeto [Pontos de Memória]
e eles disseram que não havia ofício nenhum, assinado por entidade
nenhuma que vai assumir o projeto. (...) Voltei com as informações e
coloquei tudo isso no grupo, eles não sabiam, aí rachou, rachou mesmo
(p. ).

As definições acerca das etapas do Programa foram sendo tomadas à medida que
as práticas se estabeleciam. Dúvidas e lacunas referentes ao desenvolvimento das
iniciativas eram frequentes e se tornavam replicáveis aos demais Pontos, na medida em que
funcionavam para determinadas experiências. Essa estratégia de manter o diálogo a partir
das práticas bem-sucedidas configura claramente a ideia de um projeto-piloto, ainda sem
definições claras, mas bastante atento às premissas do Prodoc, instrumento que auxiliaria
na construção de uma metodologia para os Pontos de Memória.
De fato, a intenção de propor espaço de participação e integração política para o
fortalecimento da comunidade como uma instância que toma parte e promove as ações a
partir dos próprios desejos e necessidades foi também atravessada pela necessidade, tão
legítima quanto, de evitar que a rotatividade de responsáveis pelos Pontos pudesse
comprometer o andamento dos trabalhos. Nas iniciativas, o envolvimento dos líderes
comunitários e representantes oscilava, na medida em que os papéis não ficavam
estreitamente estabelecidos – as responsabilidades, nesse caso, são bastante definidas.

113Inês Gouveia e Sara Schuabb foram responsáveis por obter os depoimentos em entrevista concedida para o
Programa Pontos de Memória, realizada em Brasília, no dia 13 julho 2010.
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No que tange ao tempo de dedicação às iniciativas, a vulnerabilidade dos


moradores pode ser vista como um entrave ao pleno exercício das práticas. Todos os
trabalhadores dispunham de pouco tempo para se dedicarem; assim, a instância deliberativa
poderia se reunir esporadicamente, mediante organização e demandas de cada localidade,
e eleger representantes para os contatos mais diretos com a gestão do Programa, o que
auxilia na escolha do consultor local:

A estratégia utilizada pelo Ibram teve, naquele momento, dois objetivos


bastante claros: estimular a formalização do grupo que já vinha atuando
à frente de cada um dos Pontos de Memória, evitando um revezamento
excessivo dos atores; procurar, mais uma vez, assegurar a legitimidade
do grupo. A questão da legitimidade, vital na metodologia do Ponto de
Memória, seria reforçada por meio da formação da instância deliberativa,
criada durante a realização de um seminário em que o grupo seria eleito,
ou escolhido, tendo, preferencialmente, a presença do Ibram para
acompanhamento das atividades (Gouveia, 2010, produto 4).

Cada iniciativa percorreu um caminho diferente para formalizar o grupo gestor, o


que nos permite notar que as dinâmicas de luta e compromisso com o coletivo são
estabelecidas por meio de assembleias, votações e discussões conforme os conflitos de
interesse, algo estratégico para a sobrevivência, com base em negociações democráticas e
participativas. Isso justifica o fato de que alguns Pontos, por estarem à frente numa
construção participativa local, consideraram a instalação das instâncias antes mesmo da
sugestão metodológica do Ibram. A esse respeito, salientamos a fala do representante do
Ponto de Memória Sitio Cercado, que reconhece as dificuldades em manter as demandas e
prioridades da iniciativa, apesar das funções e atribuições de cada integrante, diante dos
demais compromissos da vida profissional e pessoal.
O trabalho junto ao Ponto é voluntário e articulado com as intenções de luta e
militância social:

Nós começamos no início de 2009 e nós viemos trabalhando essa ideia,


tivemos assim algumas atividades que era “Conhecendo o seu bairro”,
aonde a gente teve trabalhos nas escolas. As crianças faziam desenhos,
relatos de como elas viam a localidade em que elas moravam, onde ela
mora. (...) A partir desse relato e dessas coisas que aconteceram, nós
achamos interessante ter essa formalização, ter um conselho; pessoas
que tivessem responsabilidade com o Mupe, porque inicialmente nós
pensamos que seria uma questão... De deixar uma questão mais
informal. Mas a gente sentiu que aí a gente não encaminhava algumas
coisas, porque a gente não responsabilizava algumas pessoas por
algumas tarefas (Gouveia, 2010, produto 4).

A instância deliberativa garante a ampla participação de grupos, movimentos


sociais e políticos, moradores divididos territorialmente por áreas, zonas e loteamentos que
integram a localidade. A constituição dessa instância, nas palavras de Hiltom da Silva,
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chamado de Guerreiro, atual membro da instância deliberativa representante do Museu


Mangue do Coque, ilustra as dificuldades encontradas pela comunidade, em constante
divergência política. Mesmo sem capacidade, no momento, de atuar de maneira coletiva:

A preocupação da gente, de imediato, era como é que a gente ia formar


aquele conselho gestor, aonde existia diversas militâncias, diferentes
ideias e como é que a gente ia formar um conselho gestor se, na
realidade a comunidade do Coque ela é desorganizada, em termos de
projeto?...Existiram algumas divergências por cargo, “Ah, eu quero ser
isso, eu vou tomar conta disso...” Então aquele conselho que ia formar,
ele foi desintegrado porque algumas pessoas quiseram criar, dentro do
conselho gestor, outro grupo, um grupo que falasse sobre o movimento
da comunidade. E sempre a gente tocava no assunto: “Gente, o
conselho gestor do museu é pra falar do assunto do museu, porque se
não, como é que a gente vai fechar nossas reuniões?” Então, isso
causou divergências. (...) Algumas pessoas saíram do conselho (Hiltom
da Silva)114.

Em seu relatório, Gouveia (2010) destaca aspectos relevantes das localidades que
ainda se organizam para se tornarem Pontos de Memória. Ao destacar os fluxos adotados
pelos lugares, criam-se similitudes entre as localidades e os organizam para abarcar uma
narrativa que valoriza a constituição das instâncias, ao destacar a descontinuidade e os
desentendimentos entre os grupos locais. Vale ressaltar os processos conflituosos, em que
a comunidade expressa incertezas, dificuldades e falta de conhecimentos sobre a proposta
que poderia ser desenvolvida. Nota-se que as localidades ainda não sabem como realizar
tais atividades, responsabilizando a equipe do Ibram sobre a continuidade das ações. Mas,
o que chama atenção é o desejo de fazer parte.
A instância local que faria a gestão do processo tinha que estar conectada com a
realidade do lugar, o que criaria condições para assegurar o desenvolvimento da iniciativa.
Sobre a dinâmica entre a proposta e a atuação do conselho gestor:

O Ibram fez o contato com uma das lideranças da comunidade pedindo


para que essa liderança convocasse os outros grupos na comunidade. É
importante ressaltar que, pela própria história da comunidade já existem
muitos grupos organizados na comunidade, né? Tem o pessoal que está
muito voltado para a questão da moradia, da qualidade da moradia... tem
o pessoal do movimento cultural... o pessoal ligado à saúde, aos grupos
de religião (...) Muitos grupos. Nessa primeira reunião a gente foi,
recebeu esse convite mais geral, para saber o que era a proposta, né, de
conversar com o Ibram. Foi o Wélcio que fazia parte, até então, da
equipe do Ibram, expor pra gente qual que era a proposta (...). A gente
conversava naquela reunião, assim, que é bacana, mas a gente queria
se apropriar dessa proposta, primeiro assim, saber conhecer, e aí a
comunidade definir se queria ou não ser um Ponto de Memória. Porque a
gente entendia que é um projeto que estava sendo apresentado para a
comunidade, a comunidade tinha essa autonomia de assumir ou não

114Entrevista concedida por Guerreiro, atual membro da instância deliberativa e representante do Museu Mangue
do Coque, citada por Gouveia (2010, produto 4).
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esse projeto (Leila Regina da Silva)115.

As etapas metodológicas propostas pela equipe do Ibram, no que diz respeito ao


PA, nem sempre eram seguidas pelas instâncias colegiadas das iniciativas – muitas vezes,
as dinâmicas de cada localidade davam o tom das decisões. Conforme as práticas já
estabelecidas e sedimentadas por meio de ações e projetos realizados nas comunidades a
partir de instituições e grupos atuantes, identificamos que as sugestões de articulação do
Ibram, por intermédio de um conselho gestor, poderiam desagregar, ao invés de agregar em
alguns casos, a exemplo de Jacintinho, algo bem característico dessa situação.
O conflito observado – deixar a organização local para criar outra forma de
organização – poderia causar mais transtornos do que benefícios. Desse modo, era preciso
respeitar as dinâmicas locais, aprender com elas e fortalecê-las para ampliar a capacidade
de atuação dos projetos antes desenvolvidos. Em seu produto, Gouveia (2010) apresenta
uma reflexão que nos permite trilhar esse caminho:

Não se pode falar, nesse momento, de um conselho, porque agora que a


gente está discutindo um conselho realmente, depois desse contato com
o Ponto de Memória e tudo mais. (...) Agora, com esse contato, do Ibram,
dos Pontos de Memória, então isso está sendo formalizado. Já houve um
encontro com representações, tanto locais, do Jacintinho, mas de outros
bairros mesmo, de uma coisa bem ampla mesmo. No momento a gentes
está com, com 7 instituições junto com o Quilombo e já discutindo
estatuto. É uma coisa que está sendo encaminhada, né? Sendo
formalizada, discutida. Porque realmente o Quilombo foi tomando esse
caráter mais amplo, a gente fala: Cultura de Periferia... Já tinha essa
representatividade e vai se oficializando (José Ricardo)116.

A localidade de Terra Firme está em processo de implantação do conselho gestor,


com forte influência das instituições que a apoiam e incentivam a constituição do Ponto de
Memória. O Museu Paraense Emílio Goeldi e a universidade são exemplos de instituições
que, desde os primeiros momentos, atuam em benefício da institucionalização do Ponto. A
respeito das reuniões de sensibilização:

A gente começou com várias reuniões, trazendo a comunidade, às vezes


tinha muitas pessoas, às vezes... a gente sempre fazendo aquela
campanha: “Traga mais um, traga mais um, divulgue e tal.” E nesse
processo, a gente, mais ou menos um mês, um mês e meio por aí, a
gente discutindo o que era o Ponto, discutindo quais os objetivos, né,
tiveram algumas pessoas que tiveram uma frequência bem grande, ou
seja, participando de todas as reuniões. A culminância foi justamente na
Semana dos Museus, quando a gente realizou um Seminário e esse
Seminário foi uma apresentação falando sobre memória e sobre o que
era o Ponto... Tinham pessoas da Universidade Federal, pessoas do

115Depoimento citado por Gouveia (2010, produto 4).


116Entrevista concedida a Inês Gouveia, Patrícia Albernaz e Sara Schuabb para o Programa Pontos de Memória,
realizada em Brasília, no dia 13 julho 2010.
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bairro como um todo e as pessoas que estavam ali, inclusive,


participando dessas reuniões (Ana Cláudia Silva)117.

O relato de Ana Cláudia aborda um aspecto importante acerca das relações entre
as instituições parceiras, em se tratando dos principais museus do estado do Pará, em
diálogo com a localidade de Terra Firme para a realização da proposta. O trecho acima nos
permite perceber o envolvimento do museu com a iniciativa de memória, com vistas a
entender os limites da autonomia do museu frente à comunidade, especialmente a partir das
escolhas adotadas e das estratégias que poderiam ter sido adotadas por moradores e
integrantes dos movimentos locais.
O trabalho do Museu Goeldi se confunde desde o início com a trajetória do Ponto
de Memória de Terra Firme. A entrevista abaixo nos ajuda a compreender o papel do Museu
ao ser inserido no conselho gestor que, por sua vez, reconhece o poder do Museu,
institucional e sua participação:

Aí nós fizemos uma votação e nessa votação, por unanimidade as


pessoas que estavam decidiram que aquelas pessoas que já vinham
desde o início acompanhando, principalmente a Chiquinha, a Chicona, a
Neci, que elas deveriam permanecer e aí foi aberto para mais pessoas
participarem e também eles decidiram que o Museu Goeldi deveria fazer
parte, tendo em vista que estava acompanhando aquele processo né, e
tinha condições de auxiliar nesse processo de construção do museu
comunitário, de pensar as ações museológicas e tudo mais. E foi
acatado isso, né, aí se decidiu que o conselho a princípio seria composto
por 16 membros. A parte dessas pessoas, que foi acatado por
unanimidade, foi aberta a inscrição para outras pessoas quem
quisessem participar. Os que estavam presentes se inscreveram,
completou os 16 e foi eleito quem seria o presidente e o vice-presidente,
a Chiquinha e a Neci (...). São 16 membros que participam, mas assim,
não ficou fechada à participação de outras pessoas (Ana Cláudia
Silva)118.

Outro exemplo diz respeito ao Museu Comunitário Lomba do Pinheiro, que


apresenta características distintas e apoiou a criação do Ponto de Memória, optando pela
gestão em sua estrutura. Existem conflitos nessa relação que certamente contribuem para
refletirmos acerca das conexões que possibilitam, em larga medida, avanços consideráveis,
especialmente os relacionados aos aspectos técnicos e museológicos, mas também
representam dificuldades em impor limites, talvez porque os envolvidos não saibam os
limites a serem impostos.
A sustentabilidade e a tutela devem ser observadas atentamente para
compreendermos os avanços e situações de desconforto e retrocessos vividos por estas

117.Entrevista concedida a Inês Gouveia e Sara Schuabb, para o Programa Pontos de Memória, realizada em
Brasília, no dia 15 julho 2010.
118 Entrevista concedida a Inês Gouveia e Sara Schuabb, para o Programa Pontos de Memória, realizada em

Brasília, no dia 15 julho 2010.


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instituições. Para citar alguns exemplos dos anos iniciais de cada Ponto, observamos que o
Museu de Favela também desenvolveu, ao longo de sua constituição, parcerias com outros
museus, dentre eles o Museu da República, no compartilhamento da exposição itinerante
Mulheres Guerreiras119. Já o Ponto de Memória do Jacintinho, para a exposição “Memórias
que o vento não levou...”, contou com o apoio voluntário do museólogo responsável pela
instituição, Théo Brandão e de Júlio César Chaves, que participou das reuniões atinentes às
definições técnicas e conceituais da exposição (Rodrigues, 2013).
Outro aspecto considerável segundo a formação as instâncias deliberativas, que
dizem respeito às parcerias voltas à viabilização dos Pontos, é a atuação das universidades.
De modo mais direto, envolvem a prática extensionista como ponto de encontro entre os
saberes e fazeres do campo da Museologia nos cursos de Museologia, História,
Especialização em Patrimônio, Arte e outras áreas afins.

Neste item destacam-se as parcerias com diversas instituições, que na


maioria dos casos colaboram disponibilizando o uso do espaço físico de
suas instalações. No caso da Lomba do Pinheiro e da Estrutural, as
parcerias com as Universidades proporcionam apoio técnico no
desenvolvimento de suas atividades (Cavalcanti, 2011).

Tais articulações são importantes, pois dizem respeito diretamente à dimensão


política dos Pontos de Memória. Elas representam correlação de forças, domínio de
conhecimentos, metodologias próprias, aspectos que impactam necessariamente na
autonomia dos grupos e nos movimentos acerca dos processos que pretendem desenvolver.

O Museu Goeldi está na Terra Firme há 25 anos, é parceiro há 25 anos


dentro do projeto que a Helena coordena e a Ana Claudia faz parte. Por
isso que nós escolhemos que a Ana Claudia e a Helena fizessem parte
do conselho. A Professora Edvânia, professora de História da UFPA, que
tem trabalhos dentro da Terra Firme. Nós temos a UFRA, que é a
Universidade Rural da Amazônia, e o Pró-Reitor de extensão, que é o
professor Nelson Santos, disse que também quer que tenha um
representante da UFRA dentro do Ponto, porque a UFRA também tem
cento e poucos anos dentro do bairro, né? (...) Eu acho que a gente está
conseguindo reunir também todos os órgãos junto ao Ponto de Memória
e o campo do Museu (Goeldi) é a nossa base de referência. (...) Eu já
tive uma conversa com a Secretaria de Cultura, que lá pra gente é
Secult, e a Secult quer entrar no Ponto de Memória porque ela tem um
setor que é de Referências Comunitárias e aí ela tem rádio para fazer
divulgação, tem informativo, tem telões para colocar no bairro, para
divulgar o que está sendo feito nos Pontos de Memória (Eliete de
Carvalho, “Neci”)120.

119A exposição itinerante Mulheres Guerreiras é uma extensão do prêmio Mulheres Guerreiras, lançado por
ocasião da V Primavera de Museus, do Ibram em 2011, tendo como tema “Mulheres, Museus e Memórias”. A
exposição circulou por instituições museais do Rio de Janeiro, entre elas o Museu Palácio Rio Negro/Ibram, em
Petrópolis – RJ, o Museu da República, no Rio de Janeiro – RJ e o Museu do Ingá em Niterói – RJ.
120 Entrevista concedida a Inês Gouveia e Sara Schuabb para o Programa Pontos de Memória, realizada em

Brasília, no dia 15 julho 2010.


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O papel das instituições junto ao Ponto de Memória Terra Firme, indicado por Eliete,
aponta para uma profunda articulação política local, com destaque para o discernimento no
avanço atinente a um conselho gestor forte institucionalmente, com a presença de atores
provenientes de instituições parceiras. Ao reforçar os parceiros externos, é importante
observar as dinâmicas locais que enfatizem o enraizamento local, com a tomada de
decisões e protagonismos de integrantes da comunidade, responsáveis pela construção e
permanência na condução do processo.
Identificamos que a força e o reconhecimento de mulheres com trajetória de luta
pelo território de Terra Firme, além da presença delas na condução das práticas (falamos
aqui da Chicona e da Chiquinha121), garantem para os moradores segurança e legitimidade
para confiar no processo. No entanto, tal presença não minimiza a relação conflituosa que,
por vezes, é identificada em razão das discordâncias no próprio grupo, configurando
conflitos naturais do local, mas mantém, em certa medida, a aproximação necessária entre
interesses identificados pelos moradores, aqueles que vivenciam as dinâmicas e os
contextos do território.
Segundo a consultora, o trabalho de Terra Firme é dedicado ao reconhecimento dos
moradores, e a participação pode ser observada na dinâmica do grupo e nas relações
estabelecidas:

O que se evidencia pelas falas das integrantes da instância deliberativa


do Ponto de Memória de Terra Firme é que a estratégia adotada
favorece a realização do processo, por múltiplos aspectos: há diversas
parcerias já estabelecidas, dentre elas, com o Museu Paraense Emílio
Goeldi, por meio de Ana Cláudia Silva e Helena Quadros que integram o
grupo; além disso, a essência do grupo é formada por lideranças que já
atuam juntas na comunidade há mais de 20 anos; outro aspecto a se
ressaltar é a diversidade de aptidões e a formação plural dos membros;
outrossim, há pessoas ligadas à universidade, parceira que também
deverá favorecer o desenvolvimento do processo (Gouveia, 2010).

Ao analisarmos a atuação das instituições junto ao Ponto de Memória Terra Firme,


encontramos indícios de que a “superproteção” do Museu Goeldi representa um fator
relevante para o avanço das iniciativas do Ponto, com atuação, desde os primeiros
momentos, voltada à garantia de desenvolvimento da ideia – em alguns casos existe uma
inibição dos avanços locais. No produto que investe no entendimento analítico dos Pontos a
partir dos PAs, com vistas a viabilizar os PDs, como veremos em detalhes mais a frente,
identificamos, por meio do relato da consultora, um indício que explica a falta de incentivo
local para a constituição de uma sede para as atividades do Ponto de Memória:

121 Ver mais sobre a atuação dessas mulheres no item 2.10 desta tese.
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Por último, o Ponto de Memória de Terra Firme se limitou a definir sua


tipologia de museu com a expressão “museu comunitário”, não
manifestando maiores preocupações com relação ao espaço, o que pode
justificar-se pelo fato de contar com o apoio das diferentes instituições
que se encontram no próprio bairro, com destaque para o Museu Goeldi
(Cavalcanti, 2011).

Em artigo recém-lançado, Camila Moura Alcântara e Renata de Godoy refletem a


respeito da experiência do Ponto de Memória Terra Firme, dos museus que nascem das
periferias e das relações e perspectivas desses lugares para o turismo cultural. A discussão
propõe avançar no entendimento sobre a Amazônia urbana do Brasil, em que se destaca o
envolvimento do Ponto de Memória com o Museu Goeldi, enfatizando uma relação de
complementariedade:

A caminhada iniciou no Campus de Pesquisa do MPEG, instituição


parceira devido à importância da instituição para trajetória do Ponto de
Memória da Terra Firme. Helena, como funcionária do Museu Goeldi,
coordena o projeto “Museu Goeldi leva Educação em Ciência à
Comunidade” que desenvolve ações socioambientais estreitando
relações do museu com a sociedade, atuando no bairro da Terra Firme
desde o ano de 1985. Como conselheira do PMTF media o diálogo entre
o estado e a sociedade civil ao viabilizar parceria entre o Ibram e o
Museu Goeldi para disponibilização de mão de obra e espaço para as
reuniões, encontros, oficinas e/ou qualquer outra atividade que o Ponto
de Memória necessite de espaço físico (Alcântara & Godoy, 2017, p. 83).

As autoras indicam que o papel atribuído ao Museu Goeldi pela comunidade de


Terra Firme reforça um “acordo”, em que o Museu contribui para que o Ponto de Memória
tenha o próprio museu e conte com sua memória.

Sendo o Museu Goeldi uma referência para esse grupo como uma
instituição que atua para e com a comunidade, tendo em vista que
provoca o interesse desses de possuírem seu próprio museu. É nesse
sentido que foi feita a escolha pela sede do Goeldi no bairro como ponto
de partida (Alcântara & Godoy, 2017, p. 83).

As universidades e o papel delas, a partir da discussão sobre a dimensão política


dos Pontos de Memória, em articulação com as etapas metodológicas escolhidas para a
viabilização da primeira e da segunda fase do Programa, devem ser considerados de forma
específica, pois a parceria e as articulações com as iniciativas presentes nas dimensões
política e pedagógica, como veremos, representam oportunidades de crescimento conceitual
e técnico para os Pontos, quando as ações são realizadas com o intuito de preservar a
autonomia das iniciativas.
Destacam-se as novas formas de construção de conhecimentos pautadas pela
abertura para a ampliação de técnicas e formas de pensar e fazer museus, a partir do
arcabouço conceitual dos grupos que experimentam a tarefa de pensar essas instituições.
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Ou seja, essas experiências têm, muitas vezes, mais a ensinar do que a aprender,
perspectiva que precisa ser levada em consideração, especialmente se observarmos as
questões postas pela monocultura e pelo rigor do saber, como vimos em Santos (2004).
Em se tratando da troca simbólica de saberes, o MUF conta com uma seção na
página da web que lista trabalhos acadêmicos cujo tema é o museu. Nesse site há
monografias, artigos, dissertações e teses que acumulam conhecimentos a partir da prática
museal em comunidade favelada.
Nesse aspecto, cumpre observar a experiência de Aline Portilho (2015). Ao se
aproximar do museu, foi surpreendida com uma proposta bastante peculiar para o universo
de relações entre os pesquisadores e os “objetos” de estudo e observação científicas:

Como contrapartida pela possibilidade de fazer a pesquisa, os gestores


do MUF solicitaram que eu atuasse na elaboração de projetos culturais a
partir das metas estabelecidas no Projeto Político Pedagógico do museu
e os enquadrasse em formulários que possibilitassem a inscrição de
propostas em editais públicos para captação de recursos. Esta
experiência foi extremamente enriquecedora tanto do ponto de vista da
pesquisa quanto de minha atuação profissional. A partir dela pude refletir
sobre as propostas e ações do MUF tanto quanto sobre as questões das
chamadas políticas públicas de cultura desenvolvidas no país (Portilho,
2015, p. 26).

Dois trabalhos realizados pelo MUF em parceria que uniu a produção acadêmica a
prática do museu em uma articulação que beneficiou ambas as instituições podem ser
citados como exemplos desta discussão. Uma delas é a intensa relação do Museu com os
cursos de Turismo da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio)122 e as
ações empreendidas junto às graduações da Pontifícia Universidade Católica do Rio de
Janeiro (PUC-RJ), sobretudo ao Bacharelado em Psicologia e ao projeto “Escutadoras de
Memórias”123, ambos com objetivos diferentes, mas que fortalecem as experiências a partir
das interações e aprendizagens junto à comunidade e à produção de novos sentidos sobre
o território e as pessoas que por lá circulam, sejam moradores ou não.

122 Implantação do projeto “Turismo no Museu de Favela – Comunidades do Cantagalo-Pavão-Pavãozinho”, em


que surge após a fundação do Museu, que pretendia promover visitas ao território. Assim foi estabelecido, ainda
no âmbito do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), um convênio com a Universidade Federal do
Estado do Rio de Janeiro (UERJ), com o objetivo de ofertar um curso de extensão em Turismologia para a
capacitação da comunidade. Esse convênio teve outros desdobramentos, e o interesse no campo do turismo
continua sendo relevante para a sustentabilidade do museu. Mais informações podem ser obtidas nos trabalhos
de Moraes (2010, 2011) e Rodrigues (2015, 2014, 2013).
123 O trabalho realizado pelo MUF, em parceria com a PUC-RJ, resultou na tese de doutorado defendida por

Cintia de Sousa Carvalho, intitulada “A escuta de memórias nos labirintos da favela: reflexões metodológicas
sobre uma pesquisa-intervenção”. Como consequência da experiência, foi lançado pela editora da PUC-Rio, em
formato de e-book, a obra “Museu de Favela: Histórias de Vida e Memória Social”, numa parceira entre a referida
autora, Rita de Cássia Santos Pinto e Solange Jobim e Souza. Nesse livro são detalhados o percurso do projeto
“Mulheres Guerreiras” e a proposta das “Escutadoras de Memória”. Ele pode ser acessado em:
www.editora.vrc.puc-rio.br/media/ebook_historias_de_vida_e_memoria_social/indez.html
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Nessas iniciativas, as relações de poder e dominação conceitual são introduzidas


de forma flexível e perceptível. O empoderamento dos grupos sociais marginalizados e a
oportunidade de crescimento entre os atores da academia e a comunidade propiciam
alternativas visíveis sobre os controles sociais e a produção de sentidos e códigos.

Através da Formação das Escutadoras de Memória tínhamos a intenção


de capacitar as moradoras para a realização de entrevistas e ampliar a
consolidação do museu, mas não só. O anseio maior era o de avivarmos
o desejo de memória da comunidade, sensibilizá-la para o
reconhecimento de sua própria história. Quando estimuladas a pensarem
sobre essa questão, as participantes sinalizaram a importância do
(re)avivamento da escuta, do fortalecimento dos laços e da troca de
experiências (Carvalho, 2015, p. 109).

Os Pontos de Memória localizados nas 12 comunidades escolhidas na primeira e


na segunda fase do Programa possuem características que os assemelham bastante. Além
de estar localizada em comunidades pobres e com alto índice de violência, a maioria batalha
pelo reconhecimento do território, a exemplo da formação dos bairros, história, nome da
comunidade, desafios enfrentados para a permanência no local, descaso das autoridades
públicas com relação aos serviços básicos e marginalização de suas moradias.
Nesse ínterim, os movimentos de resistência política, as manifestações culturais
que nascem junto às formas de apropriação do território e as discussões em torno dos
conceitos de invasão e ocupação estão presentes nos Pontos de Memória de norte e sul do
país. Diante da dimensão política, a defesa dos territórios e a ampliação da noção de
pertencimento influenciam sobremaneira as práticas realizadas nas localidades e a garantia
de direitos, ao destacar as lutas e resistências dos moradores a partir de temas que
incomodam e provocam indignação.
Em produto dedicado a analisar os PAs de cada Ponto, segundo a metodologia
proposta, Lavínia Cavalcanti sistematiza o item do formulário “memória social representada”
e lista as prioridades de seis Pontos de Memória, desde o direito à moradia até o
fortalecimento das produções culturais a partir dos movimentos de abertura política do país
na década de 1980. São abordados aspectos particulares dos Pontos de Memória e que nos
interessam nesta análise:

Lomba do Pinheiro: organização territorial em 33 “vilas”; presença de 2


aldeias indígenas; sítio arqueológico; Sítio Cercado: migração europeia
recente; “Vila Tecnológica”, com soluções arquitetônicas experimentais;
Museu de Favela: narrativas históricas a partir das culturas
afrodescendentes, nordestina e indígena, num contexto de privilegiado
potencial turístico; Estrutural: o “lixão”, que “ao mesmo tempo é a riqueza
e a desgraça da Estrutural”; Jacintinho: culturas tradicionais (pescadores,
bumba-meu-boi), contrastando com o movimento hip-hop na periferia de
Maceió e Terra Firme: presença de importantes instituições de pesquisa

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no bairro; marcado passado indígena (Cavalcanti, 2011, p.).

As parcerias junto às secretarias de cultura representam, para as experiências de


memória em comunidade, fontes consideráveis de estímulo, uma vez que oportunizam o
crescimento, a manutenção via editais de fomento e, por conseguinte, os recursos
financeiros. Conforme os produtos desenvolvidos, especialmente a consultoria contratada
em 2010 para propor metodologias e formação em sustentabilidade, é possível enfatizar o
estabelecimento de estratégias de autossuficiência para as práticas. Esse sempre foi um
ponto bastante demandado pelas experiências, pois significa a principal fragilidade do
Programa. Uma vez criado e atuante, questionava-se: Como os Pontos de Memória poderão
se manter? De que forma darão continuidade às práticas?
Sobre isso, a consultora de sustentabilidade Ana Paula Varanda, no primeiro
produto, aproxima os Pontos de Memória da concepção de tecnologias sociais e entre a
proposta em construção e as políticas de governo voltadas ao fortalecimento das economias
solidárias: “Os Pontos de Memória, enquanto uma tecnologia social, podem encontrar nos
vínculos com o movimento de economia solidária um importante canal de diálogo e fomento
às demandas de geração de trabalho e renda das populações nas periferias urbanas”
(Varanda, 2010, p. 6).
A percepção que atrela os Pontos a uma esfera de produtores de tecnologias
sociais é importante, pois caracteriza possibilidades a respeito de circunstâncias e caminhos
que deveriam ser percorridos pelos Pontos para obter sustentabilidade econômica, técnica e
conceitual. São apresentadas demandas que não chegaram a ser postas em prática – os
produtos subsequentes não foram elaborados. Consideramos esse fato um retrocesso, uma
vez que as reflexões acerca de conceitos como tecnologia social, economia solidária,
autogestão, circuitos produtivos e experiência para o desenvolvimento de oficinas dedicadas
ao planejamento e à captação de recursos, como foram previstos na proposta metodológica
do primeiro produto, teriam um acréscimo considerável em termos de fortalecimento das
experiências, em se tratando do desenvolvimento da metodologia do projeto.
Desse modo, o primeiro e o último produto sobre sustentabilidade, contratado
durante a primeira e a segunda fase do Programa, em sua estrutura inicial, propõem
contextualização e definições preliminares a respeito do Programa Pontos de Memória
(Tecnologia Social e Autogestão; Economia Solidária e Espaço Urbano; Economia Solidária
e Circuitos Produtivos) e, numa segunda parte, a inclusão de uma Proposta de Assessoria
Técnica em Gestão e Sustentabilidade, conforme três etapas: 1) Diagnóstico Participativo de
Sustentabilidade e Viabilidade de Gestão; 2) Oficina de Planejamento Estratégico/PA e 3)
Oficinas/Formações em Gestão e Sustentabilidade com os seguintes tópicos: Associativismo

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e Gestão; Elaboração de Projetos; Tecnologia Social e Economia Solidária e


Desenvolvimento Local e Sustentável (Varanda, 2010).

A economia popular abrange uma diversidade de iniciativas,


organizações produtivas e comunitárias empreendidas pelas classes
populares que perpassam diferentes estágios de desenvolvimento do
capitalismo (Icaza e Tiriba, 2003). Caracterizadas por relações de
informalidade, vizinhança, reciprocidade, entre outras, a economia
popular tem na dimensão espacial, especialmente nos centros urbanos,
um forte vínculo para o desenvolvimento de suas estratégias (Varanda,
2010, p. 6).

O Programa Pontos de Memória não se esforçou nessa direção, por mais que uma
de suas idealizadoras, Eneida Braga Rocha, tenha se dedicado ao assunto por considerar
que os pontos deveriam ter, conforme, a formação e o crescimento, indicadores e
planejamentos que levassem essa dimensão para o cerne de suas preocupações. A esse
respeito, em entrevista a Gouveia (2010), Ena Colnago, integrante da equipe de gestão do
Programa, aborda as metas que a equipe queria ter alcançado:

No fim de três anos, a gente espera que a comunidade, de fato tenha se


organizado; não só se organizando em termos de mobilização, mas que
ela tenha se organizado institucionalmente, para tocar um projeto como
esse. Se organizando institucionalmente significa que ela tem que ter
conhecimento sobre o projeto que ela está implantando, que ela já tenha
a mobilização... de que ela tenha gestão disso daí, dessa organização.
Então... a gente espera que ao final, a comunidade tenha uma
organização formalmente constituída para dar conta de dar
sustentabilidade para o Ponto de Memória... A gente não quer que
simplesmente exista um Ponto de Memória com alguém ali, na
cadeirinha esperando alguém entrar, ou que ele diga que ali tem um
trajeto, uma coisa chamada Ponto de Memória. A gente quer que aquilo
dali se divulgue, que tenha a capacidade de falar por si e pra muita
gente... Que consiga ter outros parceiros, captar recursos, se reinventar,
ter a sua própria forma de comunicação, que seja autônoma (Ena Elvira
Colnago, coordenadora de Difusão e Desenvolvimento de Parcerias do
DDFEM)124.

Os Pontos de Memória Terra Firme, MUF e Grande São Pedro, durante a


constituição de suas experiências, acumularam resultados positivos quanto ao fomento de
editais de diferentes órgãos em nível federal, estadual e municipal, o que demonstra a
maturidade para o desenvolvimento de projetos e propostas interligadas com o campo da
memória, buscando sobreviver a partir das ações.
Como exemplo, citamos o Ponto de Memória do Bairro da Terra Firme,
contemplado pelo Programa Mais Cultura no edital Microprojetos – Território de Paz, com
aprovação de três iniciativas: Jornal O Tucunduba, Vídeo-Documentário e IP. Ao atrelarem

124 Entrevista concedida a Inês Gouveia, em razão do Programa Pontos de Memória, realizada em Brasília, no
dia 14 setembro 2010.
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as propostas em desenvolvimento, por ocasião do Programa, as novas oportunidades


controlaram o movimento acerca das políticas públicas e avançaram em estratégias de
sustentabilidade, com o intuito de garantir uma sobrevida, além de estabelecer movimentos
que os fortalecem no território, muitas vezes pelo reconhecimento e pagamento por serviços
prestados de membros do Ponto de Memória que vivem na comunidade ou também por
adquirirem materiais eletrônicos, equipamentos que potencializam o alcance e as atividades
do grupo. Tais experiências bem-sucedidas dos editais públicos possibilitam a criação de
vínculos para fora da comunidade, pois apresentam ao cenário cultural local, regional ou
nacional as potencialidades do trabalho e o reconhecimento da experiência.
Também citamos o Museu de Favela e a sua classificação entre outras
experiências museológicas na Seleção Pública de Apoio ao Desenvolvimento de Museus e
Instituições Museológicas125. Com proposta inovadora, intitulada “Plano Estratégico e de
Desenvolvimento Institucional do Museu de Favela” e voltada para o fortalecimento da
estrutura de governança do Museu, foi contemplada com recursos para a execução das
metas. O MUF, que nasceu antes da proposta dos Pontos de Memória, obteve avanços nos
primeiros anos de atividades, mas, de forma concreta, aproveitou ao máximo a oportunidade
criada pela Superintendência de Museus, que inovava ao criar um edital que levaria à
estruturação de processos museológicos, entre eles duas experiências de museus
comunitários com os Pontos de Memória ou, para usar uma categoria utilizada por
Boaventura de Souza Santos, museus contra-hegemônicos126: o Ecomuseu Rural de Barra
Alegre, que foi contemplado por esse edital; e o Ponto de Memória premiado pelo edital
promovido pelo Ibram.
Outro aspecto político do Programa foi o investimento nos editais publicados pelo
Instituto Brasileiro de Museus, em suas duas edições em 2012 e 2014. Tais inciativas
premiadas criam condições novas de avanço, ao mesmo tempo em que não promoveram o
diálogo entre as experiências piloto do Programa, os editais ampliam o alcance da proposta
e as iniciativas de Museologia Social se multiplicam consideravelmente, retornaremos a este
ponto nas considerações finais desta tese.
Inspirados pelo Programa Pontos de Memória e por editais lançados pelo Ibram, o
estado do Espírito Santo, por ocasião do Encontro Conexões Ibram, firma o Acordo de
Cooperação Técnica n. 4, publicado no Diário Oficial da União em 8 de agosto de 2012, com
o instituto, por intermédio da Secretaria de Estado da Cultura, com vistas à “integração de

125 O Edital 015/2012 fez parte do Programa de Editais da Superintendência de Museus da Secretaria de Estado
de Cultura do Rio de Janeiro (SEC-RJ). Para mais informações, acessar:
http://www.cultura.rj.gov.br/editais/doceditais/CP0152012_RESULTADOSSELECAO.pdf
126 Termo utilizado pelo sociólogo português Boaventura de Souza Santos no discurso realizado durante a

palestra e visita ao Museu da Maré, no Rio de Janeiro, em 2017.


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competências e de recursos institucionais para o desenvolvimento de ações conjuntas e


coordenadas, que contribuam para o reconhecimento, o fortalecimento, a difusão, o fomento
e o incentivo do setor museal no estado”. A partir daí, aproximam-se as ações que culminam
com o lançamento, em 2015, do primeiro edital Ponto de Memória do Espírito Santo127.

No ano de 2015, o Espírito Santo escolheu fomentar a preservação da


memória dos coletivos e das comunidades por meio do Programa Pontos
de Memória. Foi o primeiro estado a abrir um edital exclusivamente com
recursos do Fundo Estadual de Cultura para criar e premiar iniciativas de
pontos. O prêmio, no valor de 20 mil reais, contemplou 09 projetos,
sendo 04 de povos e comunidades tradicionais, 01 de artesanato, 01 de
território urbano e 03 de cultura popular (Costa, 2018).

Esse edital inaugura uma nova fase do Programa ao incentivar o desenvolvimento


de práticas em âmbito regional e com o apoio do estado, garantindo autonomia para as
realizações a partir dos pressupostos da Museologia Social. Vale ressaltar a atuação da
museóloga Paula Nunes Costa128 na elaboração do edital, com a experiência do Ponto de
Memória Grande São Pedro, localizado em Vitória. A expressividade com que o processo se
constitui ao longo da atuação no estado demonstra a capacidade de articulação em rede e a
força da iniciativa, o que resulta da Política Pública de Direito à Memória empreendida pelo
Ibram e é fruto do Programa Pontos de Memória. Em 2017, o estado do Espírito Santo
disponibilizou o segundo edital para a premiação de Pontos de Memória, criando condições
para o fortalecimento das iniciativas em Museologia Social na região.
Um aspecto inovador do edital dos Pontos de Memória do Espírito Santo diz
respeito à contratação de tutores que auxiliam no desenvolvimento das propostas. Esses
profissionais com experiência no desenvolvimento de projetos culturais e integrantes de
Pontos de Memória e museus com afinidades conceituais de outros estados brasileiros
reconhecem as dificuldades enfrentadas pelas iniciativas populares e visam potencializá-las
para realizarem as ações e serem contempladas com o edital que requer procedimentos
institucionalizados.
De 10 a 12 de aconteceu a II Teia da Memória do Espírito Santo, que contou com a
presença da Remus-RJ e contribui para que as políticas públicas estaduais se fortaleçam e
se constituam como aliados do governo federal nessa empreitada. A reunião de iniciativas

127 Link para o edital dos Pontos de Memória Espírito Santo (2016) elaborado pela Secretaria de Cultura do
Estado (SEC-ES): www.file:///C:/Users/UNIR/Douwnloads/edital.pdf
128 Graduada em Museologia pela Unirio e especialista em Gestão Cultural: Cultura, Desenvolvimento e Mercado

pelo Centro Universitário Senac-SP. Possui formação complementar nas áreas de Museologia Comunitária,
Arqueologia, montagem de exposições, elaboração de projetos e Plano Museológico. É museóloga da SEC-RJ
desde 2011, prestando assessoria técnica a museus públicos e privados e a assuntos relacionados ao patrimônio
cultural. Nesse período desenvolveu ações que envolvem a participação da comunidade do entorno e a criação
de conselhos consultivos. Atua na gestão do Edital de Concessão de Prêmios para criação e manutenção de
Pontos de Memória, acompanhando os projetos contemplados e colaborando com a Rede de Pontos de
Memória do Espírito Santo, recentemente transformada em Rede de Memória e Museologia Social Capixaba.
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articuladas se volta a objetivos comuns: integrar os Pontos de Memória do Estado e


compartilhar experiências e aspectos afetivos, o que reforça o indicativo de que a ampliação
dessa política pode ser uma realidade em todo o país.
Além dessa iniciativa voltada para o fomento aos Pontos de Memória em âmbito
estadual, devemos citar a experiência inovadora do estado do Rio de Janeiro, em se
tratando do edital voltado para o fortalecimento das redes de Museologia Social, com o
apoio de emendas parlamentares. Tal ação inaugura um momento especial para o
Programa, pois expressa que a autonomia de Pontos, museus e demais iniciativas de
memória e Museologia Social ganha lastro e resistência para avançar na constituição de um
movimento que objetiva desenvolver a iniciativa.
Nesses termos, o edital:

(...) visa selecionar e premiar 6 (seis) ações desenvolvidas por iniciativas


de memória e Museologia Social no estado do Rio de Janeiro. Os
recursos necessários para o desenvolvimento desta ação oriundos da
Emenda Parlamentar 27770010/2016, que destina recursos para apoiar
ações da Rede de Museologia Social no estado do Rio de janeiro,
conforme disponibilidade orçamentária do exercício de 2016, com aporte
financeiro de R$ 180.000 (cento e oitenta mil reais), incluídas as
despesas administrativas (Ibram)129.

Tais resultados são comemorados como avanços estratégicos para o campo da


Museologia Social no Brasil e possuem acúmulos consideráveis, em se tratando de
experiências que ainda se constituem enquanto processos museais. A Remus130, herdeira
da Rede Museus, Memória e Movimentos Sociais criada em 2007, se fortalece com o desejo
dos grupos e das práticas em se fortalecerem e se dinamizarem, inclusive para promover
ações conjuntas e arrecadar recursos.
Retomada em 2013, a Remus-RJ, pretende ser um canal de:

(...) troca de experiências entre comunidades populares, movimentos


sociais e instituições que atuam no campo da memória, patrimônio e
cultura. Surge com o intuito de potencializar a memória como fator de
inclusão e transformação social, integrando e dando voz às diversas
iniciativas e narrativas históricas que compõem o Rio de Janeiro
(Remus-RJ).

Intentamos, a partir da tessitura da dimensão política do Programa Pontos de


Memória, das trajetórias de constituição das instâncias deliberativas, das articulações por
meio das parcerias com instituições como universidades e museus, da identificação dos
temas sociais mais presentes e dos avanços relacionados aos editais de fomento por

129 Para mais informações a respeito do edital Prêmio Rede de Museologia Social do Rio de Janeiro, acessar:
www.museus.gov.br/fomento/editais-2016
130 Para mais informações a respeito da Remus, acessar: www.rededemuseologiasocialdorj.blogspot.com.br

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intermédio dos órgãos públicos evidenciar as possibilidades do Programa em termos de


apoio à consolidação nacional da Política de Direito à Memória. Os processos museais
vivenciados pelos integrantes dos Pontos e a equipe de gestão contribuem para o acúmulo
de informações e experiências, com vistas ao fortalecimento das práticas que se pautam nos
pressupostos da Museologia Social.
A dimensão política dos Pontos de Memória fornece para refletir conforme os eixos
que sustentam as relações de poder contemporâneas, especialmente na América e em
diálogo com o poder hegemônico de origem europeia. As ideias de Aníbal Quijano são
essenciais para entender os fenômenos da colonialidade tão presentes nas relações entre
os Pontos de Memória e a estrutura que os cerca cotidianamente. Em consonância com as
ideias de colonialidade global, estruturada de forma a proporcionar melhor entendimento das
interfaces do poder, saber e ser, a colonialidade é vista como a continuidade de um padrão
de poder que apresenta um elemento material de exploração, mas também uma formatação
de ideal e identitária.

Não obstante, a estrutura de poder foi e ainda segue estando organizada


sobre e ao redor do eixo colonial. A construção da nação e, sobretudo do
Estado-nação foram conceitualizadas e trabalhadas contra a maioria da
população, neste caso representada pelos índios, negros e mestiços. A
colonialidade do poder ainda exerce seu domínio, na maior parte da
América Latina, contra a democracia, a cidadania, a nação e o Estado-
nação moderno (Quijano, 2015, p. 135).

Com o reconhecimento da influência colonial em nossas práticas e na evidente


articulação do Estado-nação – nas palavras de Quijano (2015), algo possível de ser
identificado nas relações estabelecidas em comunidades favelizadas do Brasil –, notamos
que os Pontos de Memória abarcam memórias subalternizadas, contribuindo para a
retomada dos lugares de fala silenciados, narrativas esquecidas e memórias negligenciadas.
Os Pontos de Memória são ferramentas de resistência que, articulados no contexto de suas
localidades, indicam rompimento, denúncia e estratégias de enfrentamento, com o objetivo
de construir novos sentidos e (re)apropriações das memórias de povos e comunidades
vilipendiados por descasos e construções, fruto do projeto capitalista e eurocêntrico, o que é
próprio à manutenção da sustentação da colonialidade do poder, do saber e do ser.
Ao apontar avanços em relação a mudar uma realidade em que o fazer, o pensar e
o sentir das populações marginalizadas e alijadas da constituição de suas formas de
relacionamento, com a produção de conhecimentos e sentidos, são redimensionados e
valorizados, o autor afirma, in verbis:

O que pudemos avançar e conquistar em termos de direitos políticos e


civis, numa necessária redistribuição do poder, da qual a descolonização
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da sociedade é a pressuposição e ponto de partida, está agora sendo


arrasado no processo de reconcentração do controle do poder no
capitalismo mundial e com a gestão dos mesmos responsáveis pela
colonialidade do poder. Consequentemente é tempo de aprendermos a
nos libertar do espelho eurocêntrico onde nossa imagem é sempre,
necessariamente, distorcida. É tempo, enfim, de deixar de ser o que não
somos (Quijano, 2005, p. 138).

4.1.2 Dimensão pedagógica

Nuestra auténtica identidade colectiva nace del passado


y se nutre de él – huellas sobre las que caminam
nuestros pies, passos que presienten nuestros andares
de ahora – pero no se cristaliza em la nostalgia. No
vamos a encontrar, por certo, nuestro escondido rostro
em la perturbación artificial de trajes, constumbres y
objetos típicos que los turistas exigen a los pueblos
vencidos. Somos lo que hacemos, y sobre todo lo que
hacemos para cambiar lo que somos: nuestra identidade
reside em la accíon y em la lucha. Por eso la revelación
de lo que somos implica la denuncia de lo que nos
impede ser lo que podemos ser. Nos definimos a partir
del desafio y por oposición al obstáculo (Galeano, 1991,
p. 10).

A última frase da citação de Quijano, que aponta para a necessidade de deixarmos


“de ser o que não somos”, está em plena conexão com o que propõe Eduardo Galeano
(1991, p. 10): “Somos lo que hacemos, y sobre todo lo que hacemos para cambiar lo que
somos: nuestra identidade reside em la accíon y em la lucha”. Conforme as bases da
Museologia Social, existe uma preocupação com os processos educacionais realizados
pelos Pontos de Memória, com vistas a ampliar as possibilidades de atuação, em busca de
melhorias das condições de vida e garantia da dignidade das comunidades.
Com a participação crítica e cidadã, além da articulação social em território,
justifica-se a importância das discussões a partir de uma visão e construção de processos
decoloniais da Museologia. Por exemplo, é preciso observar as condições em que as
violências são construídas, compreendendo, a quem interessa, a veiculação e o reforço da
ideia de territórios violentos e marginalizados. Esse discurso simbólico, que atribui a
determinadas regiões do Brasil a alcunha de “violentas”, representa uma tentativa de
invisibilização, subalternização e abandono das comunidades, práticas reificadas por lógicas

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colonialistas que submetem os sujeitos que vivem nessas regiões à prisão da


reprodutibilidade da pobreza.
Para Boaventura de Souza Santos, a colonialidade do saber pode ser representada
na geopolítica do conhecimento, em contraponto com as demais formas de produção do
saber que não fazem parte de uma razão e verdade estabelecida pelas metrópoles. Nesse
caso cabem aos demais sujeitos, fruto desse alijamento, apenas o status de objetos,
classificados como populares, leigos, naturais, ignorantes e sem lei (Santos, 2007, p. 72).
Nesse sentido, vale apontar para caminhos que aproximem a proposta do
Programa Pontos de Memória das possibilidades abertas pelas concepções pautadas por
uma crítica epistêmica, que afirma ser a perspectiva decolonial um paradigma que não
deseja somente problematizar a colonialidade do saber, presente em formações e métodos
acadêmicos eurocentrados por narrativas modernistas, mas que ousa contribuir com a
criação de outros mundos, desde intervenções decoloniais que compreendam as diversas
dimensões da existência (Restrepo & Rojas, 2010, p. 21).
À medida que avançamos na construção de um Programa que pretende discutir as
próprias memórias, acervos e histórias, podendo compreender aspectos mais profundos e
relacionados à constituição dos grupos e à produção das condições de vida e desigualdade,
tais aspectos podem ser percebidos, e ações com perspectivas decolonizadoras,
empreendidas. O empoderamento por parte dos grupos subalternizados de suas memórias
pode ser visto como um campo razoável de experimentação para um projeto decolonial que
tenciona romper com as amarras de uma colonialidade do poder – isso reforça a
necessidade de enfrentamentos que demonstrem, com mais realce, a dimensão epistêmica
do poder, considerada uma colonialidade do saber (Quijano, 2002; Restrepo & Rojas, 2010;
Mignolo, 2001; Walsh, 2005).

(...) se puede afirmar que con la noción de colonialidad del saber se


pretende resaltar la dimensión epistémica de la colonialidad del poder; se
refiere al efecto de subalternización, folclorización o invisibilización de
una multiplicidad de conocimientos que no responden a las modalidades
de producción de ‘conocimiento occidental’ asociadas a la ciencia
convencional y al discurso experto (Restrepo & Rojas, 2010, p. 136).

Os IPs, etapa metodológica do Programa Pontos de Memória, pretendem construir


uma relação de conhecimentos e mapeamento das trajetórias sociais e culturais, além de
apresentar panoramas acerca da identidade coletiva dos grupos. Assim, elas podem ser
utilizadas a serviço de lutas e resistências, visando, a partir de suas necessidades, romper
as barreiras nostálgicas e estabelecer novas formas de relacionamento com a memória.
Esse é um grande desafio que nos permite perceber a ênfase do Programa ao processo

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educacional gerado pela construção de instrumentos que contribuem com o reconhecimento


dos saberes e fazeres locais acumulados.
Como estratégia de enfrentamento às políticas silenciadoras que versam sobre as
estratégias de perpetuação de um poder submetido aos povos, é possível compreender, a
partir da observação das experiências e de como elas lidam com o desenvolvimento do IP,
etapa metodológica do Programa Pontos de Memória, os processos que reavivam as
memórias, as escolhas dos patrimônios e das narrativas eleitas para compor a experiência
museal das comunidades. O desenvolvimento do inventário das comunidades reflete, de
forma significativa, a dimensão pedagógica do Programa e como esta implica na formação
das lideranças locais, o que fortalece o grupo com a ampliação dos conhecimentos acerca
do bairro, histórias, contexto e expressões culturais. Nesse ínterim, Palloma Valle Menezes
(2008) reflete sobre os processos de uma favela que se torna museu, além da
patrimonialização e construção de uma favela que passa a ser um destino turístico,
ressaltando a necessidade de que tais ações, ancoradas pelos pressupostos da Nova
Museologia, partam da comunidade.
Um dos horizontes conceituais destacados pela equipe do Ibram, ao abordar o
tema do IP, diz respeito às ideias contidas no livro “Ofício de Cartógrafo”, de Jésus Martín-
Barbero. Consideramos que as bases dessa publicação orientam, em larga medida, os
alicerces iniciais em que se apoiam o Programa Pontos de Memória e a Museologia Social.
Ao abordar a comunicação e a cultura, o autor propõe outras leituras conforme os estudos
em comunicação na América Latina, com o escopo decartografar experiências por meio das
articulações entre Geografia e História, com destaque para a imaginação a partir das
identidades culturais em uma sociedade mediada.
Ao valorizar os espaços entre o saber e o existir na construção de novos
conhecimentos e em busca de uma superação da experiência contemporânea, o texto do
referido autor rompe com visões que valorizam uma centralização do ponto de vista do
pesquisador, em que sugere uma construção baseada na reconstrução de discursos a partir
de narrativas desde os marginalizados, recolocando o diálogo e a produção de
conhecimentos voltados para a produção latino-americana, com ênfase nas construções
periféricas; e uma cartografia que se baseie em mediações comunicativas da cultura.
Propõe o olhar junto, o olhar conforme o descentramento, convidando a observar as
populações subalternizadas. Sua intenção é provocar mudanças conceituais nos estudos de
comunicação latino-americanos (Martín-Barbero, 2002).
Propomos discutir o IP em conformidade com acúmulos e provocações de Jesús
Martín-Barbero, por considerar sua atitude frente à produção de conhecimentos e a

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investigação atreladas à importância de repensar o papel da educação e das políticas


culturais e comunicação. Sua perspectiva inclui o exercício da democracia, com vistas a
emergir o local como território, frente à internacionalização numa medida reativa que estima
a mediação cultural como construtora de possibilidades que rompam com as perspectivas
hegemônicas de comunicação do mercado, contribuindo para a valorização de outros
modos de linguagens e sensibilidades que se constituem como saberes desterritorializados
(Martín-Barbero, 2002).
Com vistas a iniciar a sistematização da metodologia, no que se refere à construção
dos IPs, a equipe do Ibram realizou a primeira reunião em 26 de outubro de 2010131. Os
técnicos do Ibram estavam preocupados em inventariar os acervos das comunidades e, para
isso, investiram no estudo e na ampliação de conhecimentos do grupo formado, à época,
por museólogos e historiadores com experiência no assunto. Diante do desenvolvimento na
reunião, notamos que existe uma lacuna a respeito de como o processo seria indicado aos
Pontos. Há variáveis não previstas, e uma delas é a necessidade de formar os grupos a
partir de elementos básicos que permitam um desenvolvimento adequado da tarefa.
Levando em consideração as metodologias e teorias que versam sobre o IP e as
experiências postas em prática, o Ibram assume o compromisso de desenvolver um método
adequado à realidade dos Pontos. Então, membros do instituto agendaram uma segunda
reunião para definir as estratégias que seriam adotadas para a execução dessa etapa
importante para o processo (Gouveia, 2010).
Em conformidade com a proposta metodológica que surgia e se fortalecia, à medida
que o processo se consolidava, após as etapas de sensibilização, participação na I Teia da
Memória e formação das instâncias deliberativas, além das oficinas de Museu, Memória e
Cidadania, tornava-se cada vez mais imperativo o início das oficinas de IP, como previa o
PA já firmado pelos Pontos de Memória. Esse seria o resultado da realização do IP que
permitiria a execução do PDs.
Durante a reunião surgiram dúvidas e considerações importantes que podem ser
analisadas conforme o relato feito pela consultoria. No primeiro momento da reunião,
podemos identificar que a equipe possui plena certeza do que significa a discussão acerca
dos inventários para o Programa e a consolidação da Museologia Social no país. Esse tema
inovador alia as práticas já desenvolvidas pelo Iphan, que possui um papel preponderante
junto às estratégias de salvaguarda, registro e tombamento.

131 Para mais informações relacionadas a essa reunião, ver: Documento com o Relatório das estratégias adotas
para a consolidação da metodologia do Inventário Participativo a ser desenvolvido nas localidades dos Pontos de
Memória, em atendimento à solicitação designada por Produto 6, expresso no TOR 134, sob coordenação do
Ibram e em parceria com o MJ, no âmbito do Pronasci, e a OEI.
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Ainda no contexto das reflexões teóricas, mas tendo em conta também


as experiências, todos os presentes manifestaram acordo sobre a
necessidade de se estudar a fundo a metodologia adotada pelo Instituto
do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). É indispensável,
nesse sentido, que se estude o Inventário Nacional de Referências
Culturais (INRC)132 (Gouveia, 2010).

Conforme a constituição museológica dos Pontos de Memória, essa seria a primeira


vez que tal processo estaria sendo experimentado como uma ação-piloto em escala
nacional, com condições de realizar estudos e comparações científicas, o que amplia o
conhecimento acerca dos processos museais comunitários, identificando aspectos
importantes que contribuam com a consolidação das práticas.
A reunião de equipe que definiu as bases para o trabalho com o IP considerou as
experiências relacionadas ao campo da Museologia, em que as perspectivas participativas
seriam destacadas no trabalho com as coleções e os acervos. Sugeriram-se: o Museu do
Trabalho Michel Giacometti133 e o Ecomuseu Municipal de Seixal (Portugal)134, referenciando
um de seus mentores, Antonio Nabais; a experiência do Ecomuseu da Amazônia135, que
desenvolveu o Diagnóstico Rápido Participativo (DRP); e o Museu de Arqueologia de
Itaipu136, unidade do Ibram que desenvolvia um inventário de recursos naturais, com a
participação da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) (Gouveia, 2010).
Visando dar continuidade ao desenvolvimento da proposta metodológica, a equipe

132 Inventário Nacional de Referências Culturais: Manual de Aplicação. (2000). Brasília: MinC; Iphan.
133 Realiza atividades sistemáticas desde 2007, com vistas a registrar experiências e histórias que marcaram a
vida social e laboral de Setúbal, por meio de atividades que aproximam museu e comunidade. Seus eixos de
atuação se relacionam ao registro a partir de ações participativas das histórias de vida referentes a temas e
acervos do museu, como indústria conserveira, pesca e celebrações religiosas, além da obtenção de
depoimentos junto à comunidade. “A inscrição do museu na vida da comunidade, preenchendo-se ele próprio
com vidas que lá se vão cabendo dentro, nas rotinas dos grupos, no reconhecimento do seu uso enquanto
recurso, enquanto contribuidor para o aumento do índice de felicidade da comunidade, é a grande mais – valia
deste, e de tantos outros projectos participativos que povoam os museus contemporâneos”. (Cardoso, 2016, p.
101).
134 Segundo Filipe (2007), é um sistema museológico territorialmente descentralizado em núcleos e extensões,

com a finalidade de preservar, interpretar e divulgar os patrimônios como recursos para o desenvolvimento
segundo ações multidisciplinares, como prestações de serviço ao público, promovendo a participação da
comunidade interessada em divulgar o patrimônio cultural e natural. Seu sistema de documentação considera o
inventário móvel e documental, o inventário imóvel e o inventário de recolhimento oral. A experiência do
Ecomuseu com a aplicação de instrumentos de planejamento e gestão do território, assim como suas estratégias
para inventariar os patrimônios, são fontes de inspiração e estudos importantes para o trabalho com IPs.
135 Atua na identificação patrimonial a partir do protagonismo dos comunitários para fins de inventário, com vistas

a sugerir propostas de gestão de coleções para a Ilha de Cotijuba, localizada no estado do Pará. Com a intenção
de criar estratégias que possibilitem o acesso à informação para a melhoria de vida de seus habitantes locais a
partir da valorização, uso e apropriação responsável dos recursos patrimoniais proporcionando o
desenvolvimento das comunidades. O Ecomuseu desenvolve pesquisas descritivas, bibliográficas e documentais
do acervo do Programa Ecomuseu da Amazônia, reunindo os dados referentes à região estudada,
complementada pela realização de visitas técnicas, palestras e oficinas. O recolhimento das informações se deu
com a aplicação dos DRPs e dos biomapas (Resende, 2017).
136 Em seu plano museológico, destaca a construção de um banco de dados sobre o recurso pesqueiro da região

a partir de um inventário da biodiversidade e dos recursos naturais explorados pela comunidade local, em etapas
nas quais os alunos de instituições de ensino e a comunidade local observam e estudam os ecossistemas em
questão e sua biodiversidade, além de poderem conhecer a história da comunidade local (Plano Museológico,
2011-2014, p. 35).
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do Ibram esboçou um instrumento denominado “Pré-pesquisa para o IP”, contendo uma


breve discussão acerca de conceitos basilares para as oficinas e formações subsequentes:
inventário, inventário nos museus, participativo, IP e metodologias participativas (história oral
e pesquisa-ação); lista contendo inventários e experiências referentes aos IPs e às pessoas
a eles relacionadas; proposta de metodologia de inventário, chamada de “clássico”, com
detalhes sobre as categorias de identificação, fichamento, arquivamento e disponibilização;
e relação de aspectos a serem analisados durante o inventário dos acervos dos Pontos de
Memória (desafios pré-identificados na realização do IP), conforme a discussão de conceitos
(identidade, memória, cultura, comunidade, alteridade, participação, cidadania, etc.), a
barreira acadêmica e da linguagem, o desligamento partidário/religioso, a autonomia da
comunidade na produção, a identificação do acervo a ser inventariado e dos valores em
comum, a valorização em detrimento da desqualificação do bem cultural, a delimitação dos
profissionais (Qual o limite de atuação? Não há neutralidade na aproximação), a indicação
de uma propriedade intelectual (criação de selo?), o inventário de: preservação e
identificação (recenseamento cultural?), e os instrumentos de proteção (?) (Gouveia, 2010).
A etapa de execução dos IPs faz parte do PA que deve ser realizado por todos os
Pontos de Memória incluídos na primeira e na segunda fase do Programa. Sendo assim,
Cavalcanti (2011) apresenta um panorama descritivo e situacional indicando que os seis
Pontos de Memória, com PAs concluídos até a entrega do produto, propõem em planos o
desenvolvimento de inventários. Como vimos, o PA possui um modelo que contribui para
que as informações repassadas pelos Pontos sejam sistematizadas e a equipe obtenha
informações que propiciem o acompanhamento das ações. Assim, por meio de quadros
comparativos-descritivos dos PAs e análises das informações constantes nos PAs dos
Pontos de Memória Lomba do Pinheiro, Sítio Cercado, Estrutural, MUF, Jacintinho e Terra
Firme, tentaremos compreender como o IP foi desenvolvido, identificando os maiores
desafios. Importante ressaltar que as análises levam em consideração os dados levantados
pela consultoria local e pelas consultorias contratadas pelo Ibram. Buscaremos também citar
elementos atinentes ao campo da Museologia Social e os desafios com a execução do
Programa.
Os itens que compõem o PA, como já vimos, contemplam aspectos relacionados ao
desenvolvimento da metodologia proposta: identificação, instância deliberativa, perfil da
localidade, memória social representada, tipologia de museu, acervo, PDs, possibilidades de
desenvolvimento e cronogramas de aplicação, execução e desembolso. As informações
sobre os Pontos contribuem para o mapeamento das experiências e, em particular, para o
entendimento das etapas cumpridas nos inventários. Importante ressaltar que na

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sistematização dos dados do produto em questão, enfatiza-se ênfase o IP apenas nos


campos relacionados aos cronogramas de execução, aplicação e desembolso – neles, os
Pontos identificam a ação, destinam recursos a ela e definem os prazos de entrega e
conclusão (Cavalcanti, 2011). Com isso, os Pontos entenderam a metodologia e
reconhecem a importância dessa fase no desenvolvimento dos Pontos; no entanto, cada
experiência realiza as tarefas de inventariado à sua maneira, como veremos a seguir.
A partir de análises mais elaboradas dos produtos encaminhados por consultores
locais, Cavalcanti (2012) verifica profundamente o desenvolvimento dos IPs no Produto 3:

MUF (Rio de Janeiro), Lomba do Pinheiro (Porto Alegre), Sítio


Cercado/Mupe (Curitiba) e Estrutural (Brasília). Devido às
especificidades e ritmo de desenvolvimento diferenciado de cada projeto,
os demais 8 Pontos de Memória incluídos neste Programa ainda não
realizaram seus inventários; sua análise, portanto, será incorporada ao
último relatório desta consultoria, com data prevista de entrega em
agosto de 2012, no qual se fará uma avaliação final dos trabalhos
desenvolvidos no âmbito dos 12 Pontos de Memória.

Desde o início, o Programa Pontos de Memória optou por não tornar o processo
demasiadamente “engessado”; logo, primou por garantir que as etapas do desenvolvimento
metodológico fossem realizadas pelos grupos com bastante liberdade e autonomia. Em
algum momento era necessário, até mesmo como medida pedagógica, encaminhar
diretrizes e modelos para serem analisados pelos Pontos, com posterior aplicação, a
exemplo do PA, única ferramenta obrigatória a ser seguida por eles. No que se refere ao
desenvolvimento dos IPs não houve, em princípio, nenhuma orientação em formato de
modelo a ser seguido pelos Pontos, o que caracteriza uma riqueza de possibilidades
metodológicas, além da falta de conhecimentos, fator que dificulta a sistematização das
informações, como aponta Cavalcanti (2012).
Não por acaso, as duas experiências museológicas consolidadas como museus no
âmbito do Programa Pontos de Memória (MUF e Museu Comunitário Lomba do Pinheiro)
desenvolvem o inventário dos acervos num primeiro momento. Com trajetórias distintas,
mas com um nível de maturidade institucional avançado, tais instituições apresentam
iniciativas interessantes e contribuem para que o Programa estabeleça alguns resultados e
experiências acumuladas. Importante perceber que ambos já sabiam o que executar
conforme os recursos advindos do Programa Pontos de Memória – as práticas demonstram
experiências acumuladas que contribuíram com as escolhas das ações e dos caminhos a
serem percorridos.
Antes de apresentar as ideias provenientes dos processos criados pelos museus,
ressaltamos a percepção de que não importava ao Programa Pontos de Memória, nos

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momentos iniciais, a elaboração de inventários que abarcassem um processo amplo e


complexo para sistematizar, catalogar e identificar as manifestações culturais, os
documentos e monumentos presentes nas localidades. Para o Programa importavam o
processo, a discussão e a aproximação de tais comunidades em relação ao tema “memória
e museu”, o que se justifica exatamente pela flexibilidade com que as práticas foram
realizadas. Os acompanhamentos levaram em consideração a capacidade de realização, os
limites e as dificuldades enfrentadas pelas lideranças locais em comunidade, as reuniões, os
debates, as decisões colegiadas, o envolvimento de jovens e crianças, a identificação de
parcerias institucionais, os conflitos internos e o não saber fazer. Mas, no que se refere ao
IP, consideramos que o “Despertar de Almas e de Sonhos”137 vivenciados pelas
comunidades foi o aspecto mais importante.
O MUF, desde a sua criação, compreendeu de forma muito articulada e politizada a
missão de despertar as almas e os sonhos dos moradores para novas realidades, outras
oportunidade de gerar mudanças, agregando dignidade. Por acreditar na capacidade para
tal feito, investe consideravelmente em processos colaborativos a partir do território, com
ações voltadas aos moradores, em especial às mulheres. No entanto, para a realização do
IP, implementou uma estratégia para agregar um grande potencial de atração exercido pelos
integrantes da diretoria: todos os moradores da localidade (com exceção de Kátia Loureiro),
que conheciam como ninguém as necessidades do território, se dispuseram a trabalhar
unindo pessoas e esperanças das três localidades abrangidas pelo museu. “Para o Museu
de Favela, os inventários não são um fim, mas um meio para o alcance de novas e mais
promissoras visões de futuro das condições de vida na favela” (Pinto, 2011, p. 3).
Rita de Cássia Santos Pinto (2011), consultora local do Programa Pontos de
Memória e uma das diretoras do museu, no relatório acerca do andamento do PA do MUF,
compreende e transmite o que considera ser inventário para a comunidade e seus
realizadores:

O MUF faz inventários de memórias e cultura comunitária em várias


linguagens. A meta do MUF é partilhar os conteúdos inventariados, tão
imediatamente quanto possível, em obras de arte instaladas em céu
aberto, em performances culturais ao vivo, em geração de trabalho e
renda. Expressar o que for inventariado é mais importante que o próprio
inventário, pois é quando revela ou comercializa os conteúdos de
memórias e saberes que o MUF atrai o interesse da comunidade e
fortalece a coletividade por ela representada (p. 3).

137 Esta exposição itinerante realizada pelo MUF objetiva valorizar a saga individual de moradores da favela,
cujos depoimentos sobre o passado contribuem para a compreensão do presente. Com histórias de luta e
resistência cultural, é o título do prefácio elaborado pelo professor Mário de Souza Chagas para o livro “Circuitos
das Casas-Telas: caminhos de vida no Museu de Favela e MUF – um museu se faz com o despertar de almas e
sonhos”.
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Nesse entremeio, ações foram escolhidas pelo MUF para serem empreendidas,
com vistas a sistematizar o acervo por meio do inventário: temas levantados no Inventário
de Memórias da Cultura Local; como será o Livro-Guia do Circuito das Casas-Telas do
Museu de Favela; estimativa de preços para publicação do livro; nova programação de
oficinas do Ponto de Memória Museu de Favela; conversas giratórias com as Mulheres
Guerreiras; Bazar Permanente de Memórias; planejamento da exposição do PD: lançamento
de um livro (Pinto, 2011, Produto 2). Tal escolha permite aferir que as ações desenvolvidas
pelo museu foram uma estratégia para a obtenção dos depoimentos de memória,
respeitando as dinâmicas estabelecidas pelo cotidiano do morro. A decisão pelo livro como
PD norteou as fases de constituição das narrativas, o bazar de memórias e as ações de
conversas giratórias, além das oficinas que possuem uma junção muito perspicaz entre o
que é possível fazer diante dos desafios enfrentados por museus e seus integrantes e a
limitação de condições para o desenvolvimento das ações.
A exposição das Mulheres Guerreiras se tornara uma realidade possível, pois já
existiam e faziam parte do processo. Por sua vez, o bazar de memória objetivava ampliar a
dinâmica de ver o Museu como polo que pudesse irradiar a capacidade de gerar renda de
seus moradores, gerando benefícios para eles. Os inventários dos acervos do MUF têm
muito a dizer sobre a forma de compreender o território e de avançar em acúmulos que
permitam uma dinâmica rica de vida:

Em cada itinerância foram recolhidos depoimentos de visitantes e o MUF


os traz de volta para exposições no território museal, para os moradores
conhecerem o impacto e o interesse que suas memórias provocam fora
da favela. Parte desse acervo compõe uma exposição permanente na
Base 1 do Museu de Favela, em Cantagalo. (...) O morador, ao ler os
banners com memórias da favela e impressões do público de fora, fica
estimulado a narrar sua própria história (Pinto, 2011, p. 11).

As ações definidas pelo MUF, em se tratando das etapas do inventariado dos


acervos, são apresentadas por meio de um Quadro Esquemático do PA para Inventários do
MUF em 2011 – Modos de Inventários, Formas de Revelação de Inventários (Difusão) e
Canais de Inclusão Produtiva de Acervos – este último demonstra como o museu
compreende a dinâmica de desenvolvimento dos inventários (e para que servem) em uma
rotina museal preocupada com a conexão do espaço e seus componentes, no que concerne
às necessidades locais. Diante desse aspecto, é possível entender as potencialidades das
práticas, o que indica um caminho a ser explorado por outras experiências como elemento
importante de aproximação da comunidade das ações museais empreendidas em territórios.
O MUF demonstra uma alternativa para a produção de sentidos e os acervos identificados,
ressaltando como, por meio dele, pode gerar e agregar benefícios para o coletivo, além de
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produzir um ciclo que movimenta uma engenharia que, ao mesmo tempo em que alimenta o
desejo de conhecer as memórias, criando outras maneiras de se relacionar com ela e
despertando para outra forma de se ver, contribui para estratégias que permitam aos
moradores fazerem o que estão acostumados no morro: sobreviverem do próprio trabalho.
Em modos de inventário há atividades voltadas para entrevistas orais no território
museal, pesquisas documentais e de campo, oficinas Culturais, ciclo de conversas giratórias
do MUF e feiras de trocas (produtos x memórias). Já em formas de revelação de inventário,
observa com bastante perspicácia a intenção do Programa Pontos de Memória – talvez, por
ser uma experiência com um nível de conhecimento maior sobre si mesma, com trajetória
mais definida, reconhece que os conteúdos devem ser devolvidos à comunidade como
ação, para que sejam reconhecidos e postos em movimento, gerando mais conteúdo. Ao
promover essas ações, o museu se relaciona com o público e proporciona um aprendizado
que pode contribuir com a ressignificação de sentidos ao olhar para o território a partir de
outras práticas e experiências. Assim, o MUF decide devolver as informações com obras de
arte e performances culturais no Circuito das Casas-Telas138 (roteiro-piloto de visitação),
além de atividades nas bases operacionais do MUF, em especial as oficinas culturais e
exposições itinerantes. Mais uma vez, o Museu se apresenta de forma a contemplar as
ações, potencializando ainda mais a sua capacidade e o seu alcance.
Tais atividades refletem a rotina dinâmica adquirida pelo MUF desde o primeiro ano
de atuação, em 2009, com o desafio de cumprir etapas em editais de premiação e enfrentar
as dificuldades para a proposta acontecer de fato. O MUF seguiu confiante em prosseguir
com as relações e dinâmicas no território, em benefício da memória dos moradores e num
momento que contribuía de forma significativa para a consolidação da Museologia Social no
Brasil.
Os Canais de Inclusão Produtiva de Acervos permitem ao MUF ampliar sua
capacidade para dentro e fora do território, com estratégias de geração de renda para se
manter, contribuindo também para os moradores se relacionarem e observarem os
potenciais de crescimento oferecidos pelo Museu. Uma ampla rede de negócios pode surgir
com a visão estratégica de que os acervos merecem ser ressignificados, gerando
oportunidades em diferentes sentidos para o território. As ações empreendidas nesse
sentido são: plano de negócios da REDemuF (exportar para lojas de museus no mundo),
lojinhas do MUF nas bases locais, e participação em feiras, eventos e visitações dentro e
fora do território (Pinto, 2011, p. 3).

O MUF lançou em maio uma campanha de troca de confecções de

138 Sobre esse aspecto, ver o item “Museu de Favela” neste trabalho.
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roupas infantis e juvenis por relatos ou objetos de memória dos


moradores. Gravou depoimentos e recebeu fotografias. Na Lojinha do
Museu o Bazar de Memórias passa a ser permanente. Qualquer morador
pode ir até lá, escolher a roupa que deseja, fazer sua troca e contribuir
para os inventários de memórias do Museu de Favela. Essa ação de
inventário é desenvolvida pela REDemuF, um dos núcleos do Museu de
Favela que tem como proposta a integração em rede dos moradores
desse território museal, que façam algum trabalho de arte, artesanato,
culinária ou mesmo estabelecidos comercialmente. Como incentivo e
apoio a esses moradores está sendo montada a loja da REDemuF na
Base 1 do Museu de Favela (Pinto, 2011, p. 7).

Ao constituir o IP, o MUF contribui com o Programa a partir da criação de uma lista
de “(...) temas levantados no Inventário de memórias da cultura local, como primeira
indicação de um thesaurus específico para os Pontos de Memória, que pode ser ampliado e
aperfeiçoado na medida em que se desenvolvam os demais projetos” (Pinto, 2011, p. 4
como citado em Cavalcanti, 2012).
Os temas elencados pelo MUF auxiliam no entendimento das dinâmicas de
localidades indicadas para o Programa e, como afirma a consultora local, podem sugerir
proximidades entre todos os Pontos, especialmente nos aspectos mais gerais,
reconhecendo que a maioria deles possui contextos semelhantes de formação. Vale dizer
que, com as devidas adaptações, esse pode ser um conjunto adequado de indicadores de
acervos para as experiências dos Pontos de Memória. Os temas elencados pelo MUF foram:
capoeira, samba de roda, candomblé, Nordeste e migrantes, cultura nordestina, cultura
negra, arte-artesanato, raizeiras e plantas de comer, espirituais e medicinais, festas
religiosas (folia de reis, novenas, São Jorge, São João, procissão de ramos), líderes
políticos e religiosos (Leonel Brizola, Tião, Frei Nereu), plano inclinado, sinistros, literatura
de cordel, hip-hop, saberes de quituteiras, brincadeiras das crianças da favela e romance na
favela (Pinto, 2011, p. 4 como citado em Cavalcanti, 2012).
A experiência do Museu Comunitário Lomba do Pinheiro está atrelada à sua
trajetória e reflete um território, assim como os demais, ameaçado por inúmeras ausências
governamentais e em situação de violência e descaso. Criada em 2006, como citado
anteriormente, essa instituição agrega o Programa Pontos de Memória e, a partir dele,
potencializa as experiências e práticas de memória social. O IP do Ponto de Memória
Lomba do Pinheiro propõe, em termos metodológicos, três etapas, com início no
reconhecimento dos acervos do museu. A metodologia prevê a análise do acervo já
consolidado e inventariado do Museu para então selecionar os materiais que seriam
utilizados na “pesquisa” (Morates, 2011). Tal instituição possui um acervo importante que
contribuiu para que, no trabalho proposto pela equipe do Ponto, houvesse uma ação mais
integrada e apropriada conforme as fontes arquivadas.

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Tais acervos correspondem à vocação comunitária do Museu Lomba, como pode


ser notado nas edições de 1997 a 2001 do jornal Rota do Trabalhador, editadas por
moradores com a finalidade de noticiar os acontecimentos à época no bairro Lomba do
Pinheiro e Restinga. Outro material relevante para a constituição do Museu e o
desenvolvimento do inventário do Ponto de Memória resulta do mapeamento cultural
realizado em 2007 pelas professoras Kaja Królikiewicz e Caiuá Cardoso Al-Alam, com a
colaboração de várias pessoas “da Lomba do Pinheiro”139. Esse material, na percepção do
consultor, já é um IP, apesar de não ter sido nomeado dessa forma – a equipe o “reviu” com
o intuito de estabelecer as devidas atualizações e ser incorporado ao conjunto de
informações que dariam origem às fichas. A partir da identificação das fontes, o grupo inicia
a segunda etapa do processo relacionada à elaboração das fichas de inventário em todas as
comunidades do bairro: “(...) o objetivo da ficha é ser preenchido em reuniões, de forma
participativa e democrática” (Morates, 2011, p. 5).
O IP da Lomba do Pinheiro foi desenvolvido de maneira sistemática e estruturado
em três etapas (pesquisa, elaboração e aplicação das fichas nas 33 vilas do bairro),
contratando e qualificando pesquisadores (ver Cavalcanti, 2012). Nesse contexto, “(...) o
inventário é uma das formas da população entender o patrimônio; no entanto, diferente do
inventário tradicional, o Inventário Participativo se aproxima mais da população e torna-se
mais complexo sendo, assim, um trabalho extenso e sistemático” (Morates, 2011, p. 3).
Na segunda etapa, referente ao desenvolvimento da ficha de inventário, houve
reuniões entre os membros do conselho gestor do Museu, com vistas a definir as estratégias
de aplicação das fichas. O conselho contribuiu com a ampliação do alcance do Museu aos
outros bairros do Lomba: constituído de pessoas engajadas e militantes em diferentes
frentes na comunidade, os conselheiros também se responsabilizaram em difundir e
contribuir para outros indivíduos participarem das ações (Morates, 2011).
Por sua vez, a terceira etapa do inventário se refere à aplicação das fichas de
inventário. Nesse contexto era primordial a participação de moradores, lideranças
comunitárias e instituições locais, pois, sem ela, não justificaria o termo participativo do
inventário e contrariaria toda a proposta. Para a equipe do Museu, esse ponto foi um
desafio, na medida em que a participação dos integrantes não era uma condição fácil de ser
alcançada.
Podemos atribuir essa dificuldade também aos demais Pontos que identificam ser a
participação comunitária uma condição difícil de garantir nos processos empreendidos.
Métodos mais atraentes são utilizados: o Ponto de Memória Terra Firme, por exemplo,

139O projeto “Mapa da Cultura da Região da Lomba do Pinheiro” resulta de um curso de Jornalismo promovido
no Instituto Popular de Arte e Educação (IPDAE).
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parece não ter enfrentado tal situação; pelo menos é o que indica a narrativa feita a partir
das visitas técnicas de acompanhamento dos Pontos de Memória, visto que, por meio de
ações agregadoras, conseguiram manter uma boa participação da comunidade. O IP de
Terra Firme propôs diferentes iniciativas, como rodas de memória e encontros temáticos,
além de ações de difusão do projeto, a exemplo do Cortejo Cultural: “É notável a capacidade
de mobilização do grupo, criando eventos que causam impacto na comunidade” (Cavalcanti,
2012, p. ).
O Ponto de Memória do Taquaril também optou por atividades diversificadas para
atrair a comunidade. Foram realizados, por exemplo, o evento “Varal de Memórias”, as
entrevistas, as pesquisas em arquivos e um festival de música para selecionar e premiar a
melhor canção sobre o bairro, em que “Meu Brasil Taquaril” ficou em primeiro lugar
(Cavalcanti, 2012).
As fichas são elementos comuns na constituição dos inventários e possibilitam o
agrupamento de informações importantes para a consolidação dos acervos e a respectiva
organização. Vários são os instrumentos oriundos de metodologias diferenciadas que
propõem o uso delas: o documento “Educação Patrimonial: Inventários Participativos”140,
produzido pelo Iphan por intermédio da Coordenadora-Geral de Difusão e Projetos, no
âmbito da Coordenadora de Educação Patrimonial, possui várias informações acessíveis,
com base no Inventário Nacional de Referências Culturais (INRC), contribuindo para o
desenvolvimento de práticas variadas que lidam com o patrimônio cultural e suas variáveis.
Esse documento aponta cinco fichas que compõem um inventário, a saber: ficha do
projeto, ficha do território, fichas das categorias (lugares, objetos, celebrações, forma de
expressão e saberes), ficha das fontes pesquisadas, ficha do relatório de imagem e ficha do
roteiro de entrevista. Tais instrumentos auxiliam na compreensão do método e garantem
liberdade e autonomia para a construção do processo participativo. Além da descrição
pormenorizada com a indicação de reflexões e exercícios, esse documento apresenta os
modelos de fichas como auxílio para cada atividade.

Com base em metodologias de ferramentas já existentes no Iphan,


principalmente o Inventário Nacional de Referências Culturais – INRC, foi
desenvolvido e disponibilizado, em 2012 o Inventário Pedagógico, fruto
da participação do Iphan na atividade de Educação Patrimonial do
Programa Mais Educação, da Secretaria de Educação Básica do MEC.
Decidiu-se, à época, que em função da diversidade de contextos
culturais disso, a partir do trabalho inicial de reconhecimento proposto
pelo material, esperava-se incentivar a criatividade e inventividade em
cada escola para desenvolver seus próprios produtos e ações e faixas
etárias atendidas pelo Programa, seria necessário pensar uma atividade

140 O documento pode ser acessado no endereço eletrônico:


http://portal.iphan.gov.br/uploads/publicação/inventariodopatrimonio_15x21web.pdf.
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que abarcasse tais diferenças culturais, geracionais e territoriais, criando


uma aproximação inicial com o tema patrimônio cultural. Além disso, a
partir do trabalho inicial de reconhecimento proposto pelo material,
esperava-se incentivar a criatividade e inventividade em cada escola
para desenvolver seus próprios produtos e ações (Iphan, 2015, p. 6).

Importante salientar a dimensão dada pelo Iphan para o caráter participativo desse
inventário. Sua proposição se assemelha, em grande medida, com as expectativas e os
desejos da equipe que concebe e executa o Programa Pontos de Memória no âmbito do
Ibram:

Nessa perspectiva, considera a comunidade como protagonista para


inventariar, descrever, classificar e definir o que lhe discerne e lhe afeta
como patrimônio, numa construção dialógica do conhecimento acerca de
seu patrimônio cultural. Alinha, ainda, o tema da preservação do
patrimônio cultural ao entendimento de elementos como território,
convívio e cidade como possibilidades de constante aprendizado e
formação, associando valores como cidadania, participação social e
melhoria de qualidade de vida (Iphan, 2015, p. 5).

Nem todos os Pontos de Memória escolheram os caminhos tradicionais para o


desenvolvimento dos PAs, o que demonstra a flexibilidade do Programa quanto à condução
das ações metodológicas – também consideramos essa iniciativa respeitosa com as
diferentes fases em que se encontravam as iniciativas. Algumas adquiriram ao longo dos
anos primeiros anos de desenvolvimento do Programa (primeira e segunda etapas),
contados aqui de 2009 a 2012, e outros avançaram, mas com dificuldades e limitações.
Como uma ampla proposta-piloto percebe tais ênfases a partir de cada iniciativa, permite-se
um acúmulo de informações imprescindíveis para as próximas fases do Programa e as
demais ações de Museologia Social no país. Nesse caso, é possível esboçar uma primeira
constatação: não existe uma metodologia única, capaz de abarcar a diversidade de
experiências geradas pelas comunidades.
Como exemplo, citamos o Ponto de Memória da Estrutural que, diante da
oportunidade de se aproximar da universidade, acolheu a ajuda das professoras do curso de
Museologia, que atuaram de forma próxima para que o Ponto alcançasse seus objetivos.
Importante destacar os acúmulos gerados com a experiência para esse ambiente acadêmico
e seu projeto de extensão, numa oportunidade que permite a construção conjunta de
conhecimentos segundo a vivência dos alunos em formação e os moradores interessados
em conhecer conceitos, métodos e técnicas que ampliem a capacidade de criação e
atuação em território.
Para desenvolverem o IP, alguns pontos conseguiram realizar a oficina de
inventário e avançaram em suas construções. No entanto, dos 11 Pontos de Memória que

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permaneceram na iniciativa, apenas sete puderam concluir os inventários até dezembro de


2012: Estrutural, Terra Firme, Museu de Favela, Museu Lomba do Pinheiro, Grande Bom
Jardim, Museu do Taquaril e MUF. Os demais Pontos (Coque, Beiru, Grande São Pedro e
Jacintinho) não haviam terminado esse processo.
Como estratégia para alcançar os objetivos, a Estrutural investiu em parcerias. No
diálogo com o Curso de Museologia da Universidade de Brasília (UnB), com vistas ao
desenvolvimento do IP, a professora Deborah Silva Santos ministrou uma oficina de
capacitação de 16 horas no total, divididas em quatro sessões nos meses de novembro e
dezembro de 2011. Sobre a parceria, a consultora local Deuzani Noleto explica que o projeto
de extensão do Curso de Museologia da Faculdade de Ciência da Informação (FCI) da UnB
participa do Projeto Ponto de Memória desde o início, com qualificações da coordenação do
Ponto de Memória voltadas ao desenvolvimento de um trabalho mais técnico.
Os alunos do Curso de Museologia envolvidos nas práticas extensionistas
contribuem para a realização das metas estabelecidas pelo Ponto. As atividades de
conservação e de inventário do acervo das exposições “Luta, Resistência e Conquistas” e “A
Mulher e a Cidade” são objetos da cooperação entre universidade e Ponto de Memória que
abrange higienização, registro fotográfico, organização da informação, oficinas,
reestruturação da biblioteca comunitária, oficina de encadernação, mediação em visitas em
museus etc. (Noleto, 2013). Ademais:

(...) tem sido de fundamental importância à parceria realizada com o


Departamento de Museologia, nas figuras das professoras Silmara
Küster, Débora Santos e Ana Lúcia de Abreu, com o apoio de seus
alunos e alunas extensionistas, que têm dado o suporte, principalmente
técnico, mas não só, tanto no sentido de organizar, conservar e
inventariar o acervo que já temos, como no sentido de planejar e
executar os novos projetos de pesquisa da memória local, além do
treinamento e formação da equipe envolvida no Ponto de Memória da
Estrutural (Noleto, 2013, p. 4).

Como estratégia para o desenvolvimento do IP, a Estrutural pensou em três fases:


inventariar o acervo e ampliar a participação; produzir e inventariar o novo acervo do Ponto
de Memória; e dar continuidade ao projeto Ponto de Memória, viabilizando o Museu
Comunitário da Estrutural, com o aumento, a manutenção e o funcionamento do acervo. Em
seu relatório, Noleto (2013) aponta as etapas cumpridas, destacando que foram
implementadas 10 histórias orais com moradores até a data de entrega do relatório, em julho
de 2013; que as entrevistas com 150 moradores estão em andamento; e que, das cinco
rodas de memória planejadas, uma foi feita com os primeiros moradores da Estrutural, antes
do lixão, que viviam à beira do córrego Cabeceira do Valo – as demais se encontram em
andamento. Em cumprimento à segunda etapa, realizaram-se pesquisas em jornais da
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administração regional e se sistematizou o material obtido por meio das entrevistas.


As oficinas feitas pela equipe do Ibram configuraram uma tentativa de discutir
aspectos fundamentais para os grupos com os quais eles pretendem se fortalecer para
seguir com as ações no território. Observou-se o que os Pontos necessitavam e, por isso,
era cobrada da gestão do Programa a realização de mais oficinas de formação, assim como
as orientações dos consultores nesse sentido – entendemos que o Programa, além de um
inspirador de apropriação e empoderamento das comunidades, é uma oportunidade ímpar
de formações: política, com o incentivo à gestão compartilhada; cidadã, ao proporcionar o
diálogo acerca de temas de interesse da comunidade, em detrimento das questões
individuais; e social, pois permite que os integrantes percebam as condições de
precariedade a que são submetidos em virtude do descaso das autoridades, as quais
mascaram as localidades sobre a alcunha de violentas, como se isso justificasse a falta de
iniciativas que retirassem tais sujeitos da condição de abandono total.
Catherine Walsh, ao abordar a pedagogia e a decolonialidade no texto “Lo
pedagógico y lo decolonial: entretejiendo caminos”, publicado em 2014 de forma
independente e conforme o apoio de coletivos, oferece as condições necessárias para
compreender a dimensão pedagógica na constituição do Programa Pontos de Memória por
meio da experiência dos IPs. O livro a que fazemos referência tem como principal interesse:

(...) abrir consideración, atención y reflexión hacia los caminos y


condiciones radicalmente “otros” de pensamiento, re- e in-surgimiento,
levantamiento y edificación, hacia prácticas entendidas
pedagógicamente – prácticas como pedagogías – que a la vez, hacen
cuestionar y desafiar la razón única de la modernidad occidental y el
poder colonial aún presente, desenganchándose de ella. Pedagogías
que animan el pensar desde y con genealogías, racionalidades,
conocimientos, prácticas y sistemas civilizatorios y de vivir distintos.
Pedagogías que incitan posibilidades de estar, ser, sentir, existir, hacer,
pensar, mirar, escuchar y saber de otro modo, pedagogías enrumbadas
hacia y ancladas en procesos y proyectos de carácter, horizonte e intento
decolonial (Walsh, 2014, p. 13).

Nesse sentido, as experiências conformadas a partir da atuação dos Pontos de


Memória e dos museus que surgem a partir deles auxiliam na recriação das dinâmicas
estabelecidas em território e fortalece as dimensões políticas, poéticas e as pedagógicas em
articulação com a colonialidade do saber, compreendida como um fator epistêmico da
colonialidade do poder. No que se referem às análises do Programa Pontos de Memória:

Obviamente, la pedagogía y lo pedagógico aquí no están pensados en el


sentido instrumentalista de la enseñanza y transmisión del saber,
tampoco están limitadas al campo de la educación o los espacios
escolarizados. Más bien, y como dijo una vez Paulo Freire, la pedagogía
se entiende como metodología imprescindible dentro de y para las
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luchas sociales, políticas, ontológicas y epistémicas de liberación (Walsh,


2014, p.13).

A discussão sobre a pedagogia e o decolonial ganha relevo considerável, por


considerar necessário investir em pequenas vitórias travadas por meio de experimentações
em territórios subalternos. Diante disso, retomamos Paulo Freire, pois sua prática e
experiência se articulam nas dimensões propostas nesta tese (política, pedagógica e
poética). As contribuições desse estudioso são contundentes para o campo da Museologia,
especialmente no que se refere à educação, algo indissociável das práticas museológicas
sociais. Assim, o autor também é citado por Walsh, que salienta a importância de estarmos
atentos para a potência da educação, frente aos desafios enfrentados por nossas
sociedades ao respirarem a atmosfera da colonização.
Os desafios são grandes porque somos obrigados a aceitar as lógicas
estabelecidas por meio de uma cosmovisão limitadora e castradora. No entanto, para os
referidos autores, a educação representa uma bandeira de luta em prol de novas formas de
relacionamento com o mundo, permitindo outras alternativas de sociabilidade a partir do
compromisso com o outro ().
Dessa forma, os Pontos de Memória contribuem para que as comunidades
enfrentem os desafios, mesmo sem ter elementos para perceberem os avanços
estabelecidos na criação de estratégias de ressurgimento, rumo a construções que
provoquem e inspirem novas reflexões, considerações pedagógicas e, talvez, novas leituras
da problemática acerca da (des)colonização (Walsh, 2014). A interação pedagógica em
território marginalizado está presente no interesse com que os grupos constroem seus
processos de formação por intermédio dos indivíduos que investem, como vimos, em ações
que possibilitem o relacionamento com o território e as condições a que são submetidos.
Os IPs e as práticas desenvolvidas por meio dos PAs – exposições, livros, blogs,
cartilhas e mapas –, com a intenção de difundir os acervos reunidos em ações participativas,
podem exercitar a dimensão pedagógica do Programa Pontos de Memória, em direção a
práticas museais insurgentes e decolonizadoras. Em conformidade com tais ideias, convém
salientar que:

Pedagogías entendidas de manera múltiple: como algo dado y revelado;


[que hace] abrir paso, traspasar, interrumpir, desplazar e invertir
prácticas y conceptos heredados, estas metodologías síquicas, analíticas
y organizacionales que usamos para saber lo que creemos que sabemos
para hacer posible conversaciones y solidaridades diferentes; como
proyecto tanto epistémico como ontológico ligado a nuestro ser […].
Pedagogías [que] convocan conocimientos subordinados producidos en
el contexto de prácticas de marginalización, para poder desestabilizar las
prácticas existentes de saber y así cruzar los límites ficticios de exclusión
y marginalización (Alexander, 2005 como citado em Walsh, 2014, p. 14).
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Ao refletirmos sobre os ganhos agregados ao campo da Museologia pela


experiência do Programa Pontos de Memória, em especial as práticas conectadas com os
pressupostos da Museologia Social e as ações ancoradas em processos educacionais e
pedagógicos, encontramos aproximações importantes com trabalhos voltados ao
fortalecimento das memórias coletivas:

(...) entre las comunidades del afro-Pacífico ecuatoriano impactadas por


el extractivismo, la cultivación de la palma, y la situación de violencia
traída por la regionalización del conflicto colombiano y las complicidades
entre narcotraficante, intereses capitalistas y extractivistas, y el supuesto
olvido estatal. Recuperar, reconstruir y hacer re-vivir la memoria colectiva
sobre territorio y derecho ancestral, haciendo esta recuperación,
reconstrucción y revivencia parte de procesos pedagógicos colectivos,
ha permitido consolidar comprensiones sobre la resistencia-existencia
ante el largo horizonte colonial y relacionarlas al momento actual.
También ha contribuido a reestablecer y fortalecer relaciones de
aprendizaje intergeneracionales y, a su vez, emprender reflexiones sobre
los caminos pedagógico- accionales por construir y recorrer (Walsh,
2014, p. 66).

Por fim, a dimensão pedagógica presente no Programa Pontos de Memória


considera a prática educacional uma ferramenta que provoca formas de aprendizagens e,
como diz Walsh (2014), “(...) desaprendizajes y reaprendizajes desprendimientos y nuevos
enganchamientos” (p. ). Com a experimentação de processos museais que tenham como
horizonte as iniciativas pedagógicas desafiadoras da lógica normatizadora, capitalista,
patriarcal, racista e homofóbica, atreladas à perspectiva das colonialidades do poder, saber
e ser, construímos caminhos que nos levam a pensar e sentir a perspectiva decolonial.
Concordamos com Catherine Walsh, ao afirmar que a colonialidade não é uma teoria para
seguir, e sim um projeto para assumir; logo, esse desafio se torna mais proveitoso se nos
apoiarmos em ações voltadas à reflexão e à prática pedagógica e segundo práticas museais
decoloniais, principalmente.

4.1.3 Dimensão poética

O objeto pode sucessivamente mudar de sentido e de


aspecto conforme a chama poética que o atinge, o
consome ou o poupa (Bachelard, 1990, p. 9).

Com o escopo de abordar a dimensão poética dos Pontos de Memória, é


importante refletir sobre a capacidade que dessas experiências em desenvolver novos
objetos pautados por afetos, indignações, subjetividades que, muitas vezes, impulsionam os
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integrantes e participantes a se disporem em produzir discursos políticos, poéticos e


pedagógicos, visando à melhoria das condições de vida dos grupos e coletivos
subalternizados.
A poesia e a poética da memória se inserem em diferentes práticas que voltadas a
exercitar os museus como espaço de experimentações, priorizando o sentir e a reflexão por
meio de exposições, com propostas desafiadoras para o campo dos museus e da
Museologia. Nas relações desses espaços, os temas se referem à capacidade de refletir
sobre a realidade, com vistas a transformá-la ou até mesmo reconhecê-la.
Nesse caso, a poesia presente nos Pontos de Memória está associada à
capacidade de organização dos grupos, com vistas a exercitar novas práticas conforme o
cotidiano de resistências. As articulações, parcerias, etapas já trabalhadas anteriormente e
as dimensões política e pedagógica dos pontos são capazes de transformar por meio das
histórias e memórias carregadas de sentimentos, sejam eles de dor e sofrimento, mas
também de alegrias, conquistas e amores.
Os sonhos estão presentes em todas as etapas. Um exemplo disso são os
moradores que sonham com uma vida melhor, escolas, hospitais, saneamento básico,
retirada de lixo, empregos mais estáveis, salários dignos e espaços de lazer e cultura –
querem mais do que possuem e não querem mais do que merecem e precisam. Lutas
cotidianas obrigam o fortalecimento de armaduras que os impedem de reconhecer quem
são, especialmente, enquanto sujeitos históricos capazes de produzir as próprias memórias
e narrativas. Fragilizados pelos descasos promovidos por uma sociedade colonizadora,
veem chances únicas no estabelecimento de novos vínculos e por meio da memória, e não
as desperdiçam, como podemos perceber neste depoimento:

Resgatar a história de região, trazê-la para o presente para que todos a


conheçam é muito emocionante. Quando a gente se vê nas fotos, no
documentário, dá vontade de chorar. O museu vai permitir tanto que os
jovens conheçam a construção do bairro e reconheçam seus
antepassados na luta pelo território, assim como convidará os mais
velhos a lembrar com orgulho daquela época difícil (João Bispo,
historiador e presidente do Movimento Comunitário da Grande São
Pedro)141.

Ao acreditarem na proposta do Programa, as comunidades desconsideram a


insegurança e a desconfiança e investem na ideia de que é possível recriar memórias e
promover integração e debate de ideias por meio das memórias locais. As lideranças
comunitárias se comportam de forma desconfiada em relação às intenções do governo

141 Entrevista concedida a Schuabb (2010, Produto 2).


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federal. Esse sentimento, confirmado nos produtos analisados142, reflete uma das principais
conquistas desse processo: a relação política, pedagógica e poética compartilhada em
iniciativas de caráter dialógico. Mesmo diante da incerteza, o Programa, por intermédio dos
gestores, optou por estimular os protagonistas das ações museais locais, para que
acreditassem na capacidade de seguir costurando as criações e realizações com o tema da
memória como articulador central.

Essa ação do Ministério da Cultura é, na verdade, um desafio e uma


ousadia do governo, do estado em fazer essa provocação do museu
contemporâneo, da forma como está sendo pensado. Realmente nós
não nos enganamos, pois se depender somente do governo não sairá
porque haverá muitas forças poderosas e tradicionais que têm clareza de
que esse movimento é um movimento de desafio, desafio da sociedade
desafio do governo em falar que existem outras culturas, existem outras
formas de pensar a memória e não a que a sociedade pensou a
centenas de anos atrás (Fábio)143.

O Programa conseguiu perceber a importância das ações autônomas e garantiu


liberdade para cada experiência buscar suas realizações, sem indicar modelos ou
preferências conceituais e metodológicas. Por mais que a ideia central girasse em torno das
exposições e que o principal gerenciador do Programa fosse um organismo que pensasse
os museus, muitos Pontos decidiram por pensar em PDs conforme práticas que os
tornassem mais seguros no processo, decisão que contribuiu para aumentar o nível de
confiança entre Ibram, organismo público e comunidades. Outro aspecto relevante para a
análise da dimensão poética dos Pontos se refere à autonomia para escolher métodos,
aplicar os recursos e o cronograma de realização, além da construção condizente com os
limites de cada realidade, fazendo com que os processos respeitassem as dificuldades e
investissem na capacidade criadora a partir dos potenciais de cada comunidade.
Como as escolhas foram feitas pelos grupos, a motivação e a circulação de
informações junto à comunidade também aconteceram de forma mais livre. O
acompanhamento realizado pelos gestores do Programa respeitou os tempos de cada
coletivo, indicando que não era necessário avançar sem que as etapas fossem acordadas
em comunidade ou, pelo menos, com o conselho gestor – este era o principal elo entre os
responsáveis pela iniciativa e o Ibram.
As narrativas sobre os PDs, de acordo com a metodologia proposta pelo Programa,
serão objeto de nossa análise. Para isso consideramos a perspectiva da colonialidade do
ser, elemento central para a discussão que pretende compreender, conforme narrativas

142 A esse respeito, ver Produtos 4 e 7 de Cavalcanti (2012) e Produto 4 de Schuabb (2010), referente ao
segundo contrato, constantes nas referências desta tese.
143 Depoimento obtido durante a I Teia da Memória em Salvador, citado por Fernandes (2010). Nesse documento

não consta o sobrenome do depoente.


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individuais e coletivas, como as ações de memória podem agregar coletivos em busca de


oportunidades para o exercício do enfrentamento, do empoderamento e da transformação
social dos sujeitos que têm negada a capacidade de expressão e argumentação.
Silenciados, resta apenas o inconformismo como ferramenta para uma transformação, que,
aliado ao desejo de produzir mudanças, alimenta os sonhos de processos museais
indignados que produzem arte, cultura e leveza para lidar com tamanha opressão.
Pedro Pereira Leite (2012), inspirado pelas ideias de Pierre Mayrand e Hobsbawm
(1988), lembra que, naturalmente, qualquer narrativa é hegemônica e qualquer tradição,
inventada. No entanto, a relevância da “(...) narrativa pela intersubjetividade não deriva do
valor da materialidade do discurso e dos objetos, mas da experiência vivida. Da troca de
ideias para a produção de narrativas em que os diversos sujeitos estejam implicados” (Leite,
2012, p. ).
A construção das narrativas escolhidas pelos Pontos de Memória dialoga com a
perspectiva apresentada por Leite (2012), quando o autor afirma que, na intersubjetividade,
a narrativa museológica é construída pelo outro:

Daí a importância da sua palavra e da sua ação na construção do


processo museológico. Não é a construção duma ideia criada no seio de
uma comunidade hegemônica que prevalece, mas sim o processo de
construção dessa hegemonia como ação que se constitui como narrativa
(Leite, 2012, p. ).

Na dimensão poética, é interessante observar que ela assume um papel aglutinador


das demais, pois perpassa as dimensões ora propostas. Em relação à poética, aqui
entendida como aquilo que transcende a produção de significados, que inova e produz
criações a partir da comunicação, tem essas características porque é plural:

Poética porque é uma narrativa que liberta os significados contidos nas


formas, através de sua verbalização e ritualização; e teórica porque ao
mesmo temo em que situa um discurso num espaço e num tempo
contextual a recria através da releitura da experiência social significativa
(Leite, 2012, p.).

De fato, as iniciativas empreendidas pelos Pontos de Memória são amplas, com


detalhes e procedimentos bastante complexos, frutos das articulações nos territórios de
origem – um pouco dessa riqueza já foi abordado na parte referente aos Pontos de Memória
deste trabalho. Aqui, nesta etapa, concentramos esforços em propor alternativas de
entendimento sobre a dimensão poética do Programa, em que chamamos a atenção para
aspectos essenciais, por abordarem diretamente os desafios poéticos das experiências e o
que elas significam para a constituição do campo da Museologia Social no Brasil.

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Por exemplo, Terra Firme escolheu os PDs cartilha e exposição, com vistas a
ampliar a divulgação da prática na comunidade, chamar a atenção dos moradores que não
sabem da existência do museu (e tampouco para que serve) – esse é um desafio enfrentado
pelos Pontos de Memória. O desconhecimento acerca dos museus e dos sentidos variados
da memória para cada um é enfrentado por todas as experiências museais analisadas no
âmbito do Programa e, por isso, as alternativas mais procuradas pelos Pontos foi o exercício
da visibilidade, com apresentação dos objetivos de cada iniciativa por meio de instrumentos
como publicações, blogs e exposições. “O Ponto de Memória da Terra Firme teve a
necessidade de elaborar a exposição ‘Terra Firme: de tudo um pouco’ com o intuito de
registro, preservação e divulgação da história e memória do Bairro da Terra Firme” (Moura,
2012, p. 11).
Para Marília Xavier Cury (2006), as exposições não têm importância por si só, e sim
na interação do público com espaço museal. Tal afirmação é preciosa para os grupos que
experimentam a importância da exposição, exatamente por ela ser um elo entre o público
(moradores, em especial) e os temas que dizem respeito invariavelmente aos aspectos
vivenciados pelos sujeitos no território. No caso de Terra Firme, a exposição visou refletir
sobre as singularidades do bairro, divulgar o Ponto de Memória, oportunizar o envolvimento
dos moradores em debates e maior conhecimento acerca dos temas relacionados à
memória coletiva e individual, com vistas a fortalecer o Ponto como instrumento de
afirmação da identidade do lugar. Assim, o conselho gestor esperava contribuir com a
desvinculação da imagem negativa de bairro violento e marginalizado junto ao restante da
cidade de Belém (Moraes, 2012, p. 11).
Para realizar a exposição, o Ponto contou com a ajuda de profissionais do Museu
Goeldi144, o que demonstra compromisso dessa instituição com as práticas museais
comunitárias e responsabilidade social, ao enfrentar conjuntamente os desafios para o
fortalecimento de memória dos bairros que circundam o Museu. Essa prática reforça a ideia
de que há inúmeras possibilidades de parceria entre os museus tradicionais, comunitários
ou de qualquer outra tipologia, corroborando com a ideia de que a tipologia do museu não é
limitadora, e sim suas práticas.
O vínculo do Museu Goeldi com o Ponto de Memória Terra Firme se deve
especialmente à parceria anterior do Museu com a comunidade – o Programa contribuiu
para que a lógica das parcerias modificasse as relações estabelecidas. Chamamos atenção

144Uma das principais articuladoras da parceria entre o Museu Paraense Emílio Goeldi e a comunidade de Terra
Firme é “(...) Helena do Socorro Alves Quadros, coordenadora do Núcleo de Visitas Orientadas ao Parque do
Museu Goeldi. Desde 1985, a pedagoga, desenvolve o projeto “Museu Goeldi leva Educação e Ciência a
Comunidade” no Bairro da Terra Firme. A partir desse projeto diversas ações são desenvolvidas pelo e para
bairro em parceria com o Museu Goeldi” (Moraes, 2012, p. 174).
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para o fato de que essas relações ainda precisam ser estudadas, indicando limites e
possibilidades, mas, no momento, elas não afetam a dimensão poética das realizações, e
sim potencializam as dinâmicas, o que enriquece ambas as instituições, agora
compreendendo o Ponto de Memória como instância independente do Museu Goeldi.

O Ponto de Memória da Terra Firme tem a parceria do Museu Paraense


Emílio Goeldi – MPEG para elaboração da “Exposição Terra Firme: de
tudo um pouco”, representada pela conselheira Helena Quadros Msc. em
Educação em Museus que viabilizou a colaboração de Cartola Brito,
arquiteta do Museu Goeldi responsável pela a criação de diversas
exposições do MPEG. Desta maneira, a colaboradora ofertou duas
oficinas a fim de contribuir para o planejamento e confecção da
exposição do Ponto de Memória. As oficinas foram ofertadas para a
comunidade da Terra Firme com o intuito de formar o corpo técnico da
exposição (Moraes, 2012, p. 11).

Imagem 18 – Participantes da oficina Planejamento e Montagem de Exposição para Museus


Comunitários.
Fonte: Moura (2012).

O PD do Ponto de Memória da Estrutural também aponta elementos interessantes


para discutir e apresentar como evidências da articulação entre as dimensões políticas,
poéticas e pedagógicas. O grupo que compõe a Estrutural e realiza o Ponto de Memória,
como abordado anteriormente, se articula por vários movimentos sociais bastante
autônomos nos territórios; nesse contexto, a exposição contribuiu para agregar as
demandas e fortalecer as bases da militância social.
As práticas de diálogo apontadas pelos resultados da composição dos conselhos
gestores e dos IPs são sistematizadas com a exposição – para os demais Pontos, era uma
atitude prevista pela proposta metodológica. Afinal, é importante que os resultados sejam
expostos e comunicados de alguma forma, configurando uma grande iniciativa motivacional
e de formação cidadã, em que a experiência em exposições contribui para o processo

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vivenciado pelos Pontos por cerca de dois anos ter um momento de reflexão e
sistematização, abrindo espaço para novas construções. Importante destacar que a ação
também pode identificar os limites das comunidades, em se tratando da falta de elementos
decisivos como interesse na participação, mobilização, recursos financeiros e apoios
institucionais para a continuidade dos processos.

A Exposição Movimentos da Estrutural – Luta, Resistência e Conquistas


– inaugurada em 21 de maio de 2011, retratou a história de luta do povo
da Estrutural – DF, uma área nobre do Distrito Federal, ao lado do
Parque Nacional de Brasília e a poucos quilômetros do Palácio do
Planalto. A mostra fez um recorte da imensa labuta que foi conquistar a
Estrutural, marcado por lutas que custaram vidas e saúde de muita
gente, mas que também geraram muitas conquistas, que fazem hoje da
Estrutural um lugar vivo. Há muitas outras imagens, muitas outras lutas
que ainda não foram representadas, mas a exposição marcou o início e
o incentivo para que a o povo da Estrutural, tão guerreiro, continue a
contar sua história (Noleto, 2013, p. 10).

Imagem 19 – Pipa confeccionada pela comunidade em exposição na Casa dos Movimentos.


Fonte: Acervo Ponto de Memória da Estrutural ().

A partir da narrativa de Deuzani Noleto e da imagem acima, compreendemos o que


foi de fato o desenvolvimento dos PDs para a comunidade da Estrutural. Por meio de relatos
dos participantes e integrantes, saber como ocorreram a concepção, a montagem e as
ações a partir da exposição ilustra a capacidade de tais iniciativas em gerar novas
oportunidades e criações, fortalecendo as dinâmicas locais e agregando valor aos
processos de luta já empreendidos.

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Pipa, cafifa ou raia, brinquedo muito popular no Brasil, foi o grande objeto gerador
da exposição da Estrutural. Ele define, em linhas bem concretas, a transformação
empreendida no grupo e que deu origem ao Ponto de Memória, em que teceu uma a uma a
rabiola da raia. O espírito de coletividade presente na comunidade e a imagem transmitem
os elementos que nortearam o fazer da exposição: com a integração entre museólogos e
moradores, integrantes do Ponto de Memória, o evento cumpriu as etapas previstas nas
montagens de exposições, mas num contexto completamente diferente. Todos estavam
integrados numa exposição que pretendia relatar três eixos bastante emblemáticos para a
comunidade, como relata Noleto (2013) no fragmento anterior.
Ressaltar a luta, a resistência e a conquista dos moradores da Estrutural não era
tarefa fácil, diante de tantas histórias e memórias. Foram necessárias ajuda mútua e
responsabilidade compartilhada, entre os membros do Ibram e o Ponto de Memória, para a
resolução das questões acerca das escolhas museográficas – é possível dizer que nenhum
outro Ponto experimentou tamanho envolvimento. Por conta da proximidade da sede do
Ibram ao local, em virtude da exposição, a equipe do Departamento de Processos Museais
esteve envolvida com a montagem do evento. Com as oficinas práticas, a equipe contribuiu
para que a montagem fosse um momento de aprendizado e reflexão acerca da constituição
do evento na comunidade, inaugurando uma nova prática em que museólogos, arquitetos,
historiadores e outros profissionais do Ibram puderam deixar tarefas administrativas de
gestão de acervos e políticas públicas realizadas em gabinete, na segurança de prédios e
ar-condicionados, para colocar literalmente a mão na massa, legitimando um processo
ancorado nos pressupostos da Museologia Social. Nesse ponto, compreendemos o quão
militante e comprometido pode ser o trabalho à frente de uma política pública.

Imagem 20 – Oficina prática de montagem da exposição “Movimentos da Estrutural: Luta,


Resistência e Conquistas”.
Fonte: Ponto de Memória da Estrutural (2011).
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Os processos de aprendizagem que surgem dessa experiência podem ser sentidos


no desenvolvimento e amadurecimento do Ponto:

Pouco mais de um ano mais tarde, dia 10 de novembro de 2012, o Ponto


de Memória da Estrutural inaugurava sua segunda exposição, “A mulher
e a cidade”, na sede do Ponto. Os resultados dessa segunda experiência
demonstram a maturidade e seriedade do trabalho desenvolvido,
tratando um tema também recorrente entre os demais Pontos de
Memória: a importância do papel das mulheres na comunidade
(Cavalcanti, 2012, p. 10).

A partir dessa integração, um aspecto bastante importante para a montagem da


exposição diz respeito a optar pelo lixão como fonte de recursos para os suportes que
serviriam nessa etapa. De fato, o lixão é o problema (e a solução) para a maioria dos
moradores da Estrutural. O problema pode ser identificado mais facilmente; afinal, um lixão
não é exatamente o lugar que gostaríamos de ter como lar ou até mesmo como vizinho. No
entanto, é dele que muitos tiram seu sustento, como prova do abandono desse local que fica
no coração da capital do país, próximo à Praça dos Três Poderes, no Plano-Piloto de
Brasília. Tal escolha movimenta pontos importantes, a exemplo da capacidade criativa dos
moradores em perceber que essa decisão representa uma atitude política, um
enfrentamento. O lixo gera incômodo, desprezo e desconforto: já reutilizado, desperta
sentimentos de retomada, esperança, acúmulos de possibilidades que ressignificam a
história de resistência dos moradores.
As articulações decorrentes da inauguração da exposição “Luta, Resistência e
Conquistas” e da repercussão do processo para os integrantes e a comunidade fortaleceram
laços com instituições interessadas em promover o diálogo e a curiosidade acadêmica com
a proposta, a exemplo do curso de Museologia da UnB. Entre outras parcerias
desenvolvidas pelo Ponto, esta pode ter sido a que mais ampliou a percepção museal do
território, tanto para os integrantes do Ponto quanto para os alunos e professores do curso.
Uma das imagens que mais simbolizam o enraizamento da proposta para o campo
da Museologia é a ação descrita pelos integrantes do Ponto como “pipa em processo de
higienização” e que faz parte do acervo da UnB:

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Imagem 21 – Pipa em processo de higienização.


Fonte: Curso de Museologia da UnB ().

Abordamos o processo museológico de preservação de um bem, uma pipa de


papel confeccionada pelos moradores e que é parte integrante da exposição com materiais
reciclados vindos de um lixão, num museu localizado numa comunidade favelada de Brasília
e que conta suas histórias e memórias de luta, resistências e conquistas. O empenho e a
dedicação dos alunos ao tratarem desse patrimônio denunciam uma relação dialógica e a
prática decolonizadora importante para a história da Museologia Social brasileira. Não
dialogamos a partir dos cânones que designam o que é patrimônio e dão valor a eles com
base em referenciais colonizadores; trata-se, pois, de preservar a dimensão poética da
relação oriunda das práticas da Museologia Social e conferir a ela outros sentidos e
pertencimentos que ampliem a capacidade de gerar transformações, construções em
benefício de uma prática museal decolonizadora que avança no discurso e se materializa no
processo de ensino e aprendizagem, em se tratando de trocas e ressignificados.
Em um esforço de provocar o fazer poético do Programa Pontos de Memória e
considerando a capacidade imbricada de cada dimensão aqui apresentada, outra
experiência vista como um ícone das relações entre as exposições dos Pontos de Memória,
que demonstram a capacidade de deslocar o pensamento do campo museal quando o
assunto é acervo, conservação e preservação, se refere à restauração das Casas-Tela no
MUF – de forma também participativa, o processo de ensino e aprendizagem para preservar
a dimensão poética do acervo gerou inúmeros benefícios, transformando a concepção
museológica e os valores atribuídos a tais práticas.

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Fernanda Figueiras Rodrigues (2015) detalha, em sua dissertação de mestrado, a


restauração do acervo do MUF e nos motiva a tecer comparações, pois permite também
compreender o papel dessas experiências para novas abordagens e concepções. Na
Estrutural, a parceria foi realizada com a Escola de Museologia, ao passo que, no MUF, o
processo foi pensado a partir dos referenciais da comunidade e de seus diretores, com
apoio de especialistas, mas a tomada de decisão circulou no território, o que torna a
experiência ainda mais emblemática e estimulante para o campo da Museologia Social.

Diante da importância da memória das Casas-Tela, os diretores do MUF


optaram pela restauração das obras de arte. A ideia de manter as
pinturas decorre do entendimento de que as memórias contidas nos
graffiti seriam um patrimônio das comunidades. Antônia disse que o MUF
entende as Casas-Tela como obras de arte e que como qualquer outra
obra de arte, elas vão passar por um restauro. É importante frisar que,
segundo Rita de Cássia e Sidney, a restauração é uma decisão do
museu, uma demanda do colegiado, mas muitos moradores querem a
mesma, alguns até gostariam que o desenho fosse modificado. Rita
inclusive, contrapondo a opinião de outros diretores, gostaria de ver
novas propostas de pinturas. Acredita que se são um museu em
constante mudança, por que teriam que permanecer as mesmas artes?
Afirmou que são muitas as histórias a serem contadas. Porém, acredita
que isso poderia causar uma certa tensão em moradores que não
tiveram suas casas pintadas. Poderiam achar que o MUF está pintando
uma nova pintura em uma casa que já havia sido contemplada. O ideal
mesmo seria expandir o circuito, mas para isso, é necessária verba
(Rodrigues, 2015, p. 161).

A escolha da restauração das Casas-Tela pelos diretores do Museu em consulta


aos moradores e artistas que realizaram as pinturas, demonstra, como ressalta Rodrigues
(2015), um claro posicionamento do MUF frente aos desafios cotidianos, pautado por
conflitos territoriais e possibilidades de enfrentamento. A discussão proposta tem relação
direta com o fato de que os moradores vivem num território onde aprendem a cada dia,
ajudados pelas ações do Museu, a compreender e valorizar suas memórias.
A noção de que, na porta de suas casas, existe um trabalho de arte que retrata a
vivência da favela garante um “ar” de inovação pedagógica em ritmo acelerado. A poesia
nos olhares dos moradores ao contemplarem a arte produzida (e até então marginalizada)
representa uma intenção alcançada. Nesse contexto, a amplitude de possibilidades e de
sentidos confere ao processo uma realidade e um rompimento com a visão sacralizada da
arte e da cultura para os moradores da comunidade que, muitas vezes, ficam sem saber
muito bem o que significa tal prática para o universo museológico e patrimonial – eles
apenas consideram que o território ganha outros contornos ao propor essa iniciativa,
reconhecem e valorizam suas origens por intermédio do MUF, além de verem certa
vantagem em ter paredes, portas e janelas coloridas “com a cara do morro”. Ademais,

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opinam com relação à imagem que querem ver retratada nas fachadas, num exercício pleno
de autodecolonização de visões de mundo amplamente colonizadas e, por conseguinte,
subalternizadas.

Todo o processo foi muito interessante, moradores, em especial


crianças, paravam para olhar a confecção das pinturas. Alguns
elogiavam, pediam para Acme pintar suas casas e até mesmo para tirar
uma fotografia com eles. Foram comuns frases como “Tinha que fazer
em todas as casas”, “Está ficando bolado, Acme”, “Acme é o cara, o
melhor da comunidade”, “Acme colore a comunidade”. As crianças
sempre pediam tinta e perguntavam se podiam pintar escrever seus
nomes. Percebe-se aqui a necessidade delas de se representarem
também. Talvez se o MUF realmente propusesse um curso de graffiti,
teria bastante demanda. Foi comum também a passagem de turistas,
alguns deles hospedados na comunidade, durante a restauração. Eles
fotografaram o processo, muitas vezes com câmeras profissionais
(Rodrigues, 2015, p. 175).

O MUF e a Estrutural são experiências de Pontos de Memória que apresentam


elementos para observar uma dimensão poética das relações estabelecidas em território e
que podem, a exemplo da definição de colonialidade do ser, significar rupturas. Isso amplia
a capacidade de valorizar a condição humana, retirando o véu de descaso e de inferioridade
que paira sobre esses grupos.

(...) la colonialidad del ser refiere a la dimensión ontológica de la


colonialidad del poder, esto es, la experiencia vivida del sistema mundo
moderno/colonial en el que se inferioriza deshumanizando total o
parcialmente a determinadas poblaciones, apareciendo otras como la
expresión misma de la humanidade (Restrepo & Rojas, 2010, p. 156).

No tocante à colonialidade do ser e sobre como ela estar expressa nas dinâmicas
vivenciadas pelos grupos em constante diálogo e transformação, destacamos uma
passagem de Rodrigues (2015). A sensibilidade da autora ao se colocar no território durante
a realização da pesquisa aberta às influências territoriais vividas pelos moradores demonstra
a sutileza dos momentos compartilhados, reforçando a dimensão poética das práticas a
partir de aprendizados que contribuem com os processos decolonizadores do pensamento
museal.

Há outra situação que merece ser narrada, que não é ligada às pinturas,
mas sim à minha presença no território museal. Em meio às
restaurações, estávamos eu e uma fotógrafa voluntária. Esta era
estrangeira, mas estava vivendo na comunidade. Crianças estavam
conversando sobre Acme e uma delas disse que estudava com o filho
dele e em que parte do morro ele morava. As crianças então
perguntaram para a fotógrafa onde ela morava, ela olhou meio
desconfiada, mas disse que morava na “Igrejinha” (subunidade do
Cantagalo). Se voltaram então para mim e perguntaram onde eu morava.
Eu disse que não morava na comunidade e então a pergunta foi certeira:
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“Ah, não tia? Então de que morro você é?”. Ressalto este momento
como uma situação de não pertencimento e de estranhamento. Muitas
vezes ouvi histórias de pessoas no “asfalto” terem vergonha de dizer que
moram no “morro”. Naquele momento, diante daquelas crianças, a
situação foi inversa. Eu não vivia no morro, não fazia parte de sua
realidade. O interessante também era notar que para elas se eu não
morava em PPG, eu deveria ser de outra comunidade. Respondi sua
pergunta, mas elas pareceram não conhecer meu bairro, o Flamengo.
Apenas uma menina disse “Não é Botafogo não, né tia?” A realidade é
que eu estava ali enquanto pesquisadora de um universo ao qual não
pertenço. Estava o tempo todo “afetando” e meu “olhar externo” sendo
“afetado” pelo campo de pesquisa. Neste caso específico, fui “afetada”
pela “geografia imaginária de criança”, onde só existiam as favelas
(Rodrigues, 2015, p. 176).

A compreensão do imaginário de uma criança acerca de sua realidade social nos


permite também perceber o alcance a ser dado a práticas e experiências, como as
empreendidas pelo MUF. Para Mignolo (2007), a descolonização do conhecimento e do ser
não pode ser pensada a partir de outra perspectiva senão a dos subalternos, ao propor
ações que, a partir do reconhecimento de anos de injustiças, desigualdades, exploração e,
por conseguinte, humilhações propostas pelo sistema do mundo moderno/colonial, indique
outra perspectiva na qual a criatividade e o interesse pelos seres humanos e a celebração
da vida estejam acima do êxito individual, da meritocracia, da acumulação e do capital.
Já o Ponto de Memória Mupe, localizado na comunidade do Sítio Cercado em
Curitiba, Paraná, desenvolveu o PD por meio da exposição “Memórias e Sonhos do Sítio
Cercado”. A exemplo das demais exposições planejadas pelos Pontos, esta se volta para a
comunidade e sua história de luta e resistência e, assim como o Ponto de Memória da
Estrutural, esta iniciativa visou retratar os momentos que culminaram com o fortalecimento
do bairro. A articulação entre os moradores, especialmente aqueles que participavam do
conselho gestor, é expressa da seguinte forma:

No mês de junho de 2011, o conselho gestor se reuniu colocando em


pauta a procura de um local que abrigasse a exposição inaugural. O
auditório da Associação Nossa Senhora da Luta foi a melhor opção,
tanto pelo significado histórico por ser a primeira associação do
Xapinhal, quanto pelas condições estruturais do imóvel. O auditório
possuía área compatível para a exposição sendo necessária apenas a
pintura, porém o problema maior era o pátio que estava totalmente sem
condições de receber eventos (Rocha, 2012, p. 13).

Em uma ação estratégica para o fortalecimento da memória social do bairro,


tencionou-se lembrar e homenagear aqueles que participaram da ocupação considerada o
maior conflito de terra urbano da década de 1980 e um marco importante nas ocupações
promovidas pelos movimentos por moradia (Rocha, 2012). O IP desenvolvido pelo Mupe
realizou diferentes atividades, com vistas a formar parte do acervo que daria vida à

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exposição e a organizar as informações sobre o episódio histórico. Nesse sentido, houve


uma roda de memória com 15 participantes para conversar sobre o tema da ocupação: “(...)
algumas senhoras de idade mais avançada contaram sobre como resistiram às dificuldades
para cozinhar, dormir, cuidar dos filhos, e ainda atuar na linha de frente numa barreira
humana que protegia o acampamento da intervenção policial” (Rocha, 2012, p. 6)
O grupo realizou ações de escuta da comunidade, recolhimento e ressignificação
dos acervos documentais no IP. Essas iniciativas dão sentido à exposição, uma vez que esta
se propõe a apresentar as narrativas de enfrentamento ao descaso e à violência contra os
moradores que ocupavam o terreno. Importante ressaltar o papel das mulheres no processo:
como parte do inventário, o Ponto organizou uma roda de mulheres intitulada “Um olhar
feminino sobre a memória” que, segundo Rocha (2012), aconteceu na Associação Educativa
Rainha da Paz na Vila Rio Negro para comemorar a 5ª Primavera de Museus e contou com
mulheres de todas as regiões do bairro que discutiram temas variados, desde família e
moradia até violência e atualidades:

O Sítio Cercado, palco de inúmeros conflitos sociais, território de


experiências marcantes no desenvolvimento social, econômico e cultural
de seus habitantes, dá início ao registro da memória a partir dos arquivos
e acervos pesquisados pelos agentes de memória em cada região do
bairro. O modelo colaborativo e participativo de pesquisa apresenta
resultados consistentes. É fruto do esforço coletivo dos participantes e
representa um ganho para o Programa Pontos de Memória, pelo fato de
comprovar que o desejo de memória é uma realidade presente em cada
indivíduo, em todos os grupos sociais de todas as comunidades (p. 8).

Ao comparar as experiências do Mupe e do Museu Lomba do Pinheiro, nota-se que


o primeiro não possuía condições técnicas de empreender tal realização sem auxílio, uma
vez que “[...] não contavam com nenhuma experiência prévia, pessoal qualificado ou
parceria que garantisse a realização de uma exposição com parâmetros mínimos de
qualidade” (Cavalcanti, 2012, p. 5). Assim, conforme as dificuldades e os limites enfrentados
pelo Mupe, foi viabilizada pelo Ibram a participação, em formato de oficina, do cenógrafo
carioca responsável pela museografia do Museu da Maré, Marcelo Vieira. A participação
desse profissional contribuiu para que a formação do Ponto de Memória em temas como
montagem e concepção de exposições agregasse valores ao processo, resultando numa
exposição que refletiu as necessidades do bairro por meio de uma narrativa que se propôs
decolonizadora do pensamento museal e articulada com a vida dos moradores. A
participação do Marcelo proporcionou ao grupo o diálogo com outras iniciativas que
passaram por processos semelhantes, como o Museu da Maré, e o cenógrafo pôde ampliar
a capacidade de criação a partir de contextos semelhantes.

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Os objetos cenográficos despertam a capacidade poética que envolve o


reconhecimento da luta por moradia, ao serem escolhidos por meio da sensibilidade de seus
idealizadores e com base nas narrativas dos moradores. A partir da sutileza dos
rompimentos propostos com a ordem estatal que oprime e abandona os moradores das
ocupações, estes resistem e comprovam a capacidade de luta e ressurgimento ao elegerem
fragmentos nos quais se pontua que os sonhos não podem morrer – para a Museologia
Social, eles são o combustível que, aliado à reflexão das situações de subalternidades
produzidas, encontra ânimo para insurgir. Vale ressaltar que a dimensão poética dessa
exposição reflete as demais práticas da Museologia Social e dos Pontos de Memória
listados aqui.

Imagem 22 – Oficina de expografia realizada por Marcelo Vieira.


Fonte: Cavalcanti ().

Imagem 23 – Objetos apresentados na exposição “Memórias e sonhos do Sítio Cercado”, com


legenda de Lavínia Cavalcanti.
Fonte: Cavalcanti ().
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Ao finalizar o produto destinado ao Ibram, com os resultados obtidos a partir da


realização do PD e em cumprimento as exigências metodológicas, o consultor local Marcelo
Rocha (2012) aborda o processo vivenciado até aquele momento pelo conselho gestor do
Ponto de Memória do Sitio Cercado, descoberto como Mupe:

Durante o desenvolvimento do projeto de difusão do Museu de Periferia,


pudemos verificar que a Museologia Social transcende o direito de
memória. Inúmeras questões da vida humana puderam ser vislumbradas
com a pesquisa da ocupação da periferia de Curitiba: os hábitos, os
costumes, a tradição, enfim, a cultural local em suas múltiplas facetas.
Consideramos que, com essa pequena amostra territorial, nesse curto
espaço de tempo, o resultado final foi expressivo para as comunidades
que tiveram suas memórias mostradas na exposição “Memórias e
Sonhos do Sítio cercado”. Meses após o lançamento do Mupe, sabemos
que a manutenção do Ponto de Memória é um desejo de muitos, porém,
levado a sério por poucos. Mesmo assim, comemoramos e
compartilhamos o sucesso desta primeira etapa com os consultores do
Ibram e com todos que acreditaram nesta empreitada (p. 22).

Dentre as experiências que deram vida aos Pontos de Memória, duas delas (MUF e
Museu Comunitário Lomba do Pinheiro) se destacam por já possuírem trajetória no campo
museal antes de integrarem o Programa. Elas avançaram com mais segurança em
diferentes aspectos e contribuíram para a consolidação das demais iniciativas, seja com os
relatos de ações e soluções de conflitos enfrentados nos encontros e nas teias do Programa
ou mesmo com apoio contínuo via troca de mensagens e articulação que ocorriam durante o
desenvolvimento das atividades.
Em conformidade com o PA do Museu Comunitário Lomba do Pinheiro,
propuseram-se diferentes PDs, como a realização de uma exposição, a reforma da
exposição de longa duração e a confecção de um multimídia. Tal reforma visou avançar as
propostas anteriormente formuladas nessa instituição que recebia o Ponto de Memória. A
UFRGS é parceira da iniciativa do Museu, com a presença de estagiários e a colaboração
de professores por meio de projetos de pesquisa e extensão universitária.

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Imagem 24 – Exposição do Museu Comunitário Lomba do Pinheiro.


Fonte: Cavalcanti ().

Tanto para o MUF quanto para o Museu do Lomba, os recursos, as metodologias e


a possibilidade de integração e articulação em âmbito nacional por meio do Ibram tornaram
a experiência do Programa bastante oportuna. Na escolha pelas localidades, esse aspecto
foi levado em consideração pela equipe, ou seja, a existência de iniciativas no território
potencializaria as ações dos Pontos de Memória, ampliando o alcance delas – cremos que o
intercâmbio da experiência com a metodologia do programa poderia ter sido mais
intensificado. Além dessas experiências, Terra Firme e Estrutural se beneficiaram das
parcerias realizadas com a universidade e outros museus, o que permitiu avanços concretos
e a permanência de ações mais regulares.
A reforma da exposição de longa duração do Museu Comunitário Lomba do
Pinheiro consistiu na aquisição de expositores e iluminação. Segundo Cavalcanti (2012), a
exposição “Lomba do Pinheiro: patrimônio inventariado e itinerários culturais” envolveu 33
vilas que compõem o bairro, além do apoio de diversos colaboradores e profissionais nas
etapas do IP, como dito anteriormente, responsável pelo conteúdo explorado na narrativa
expositiva.
O esforço na construção do mapa que reflete o bairro do Lomba do Pinheiro e suas
múltiplas instituições é uma das ferramentas mais importantes do Museu, pois serviu (e
serve até hoje) como inspiração de novas práticas. Esse mapa possui dupla função: ilustra a
comunidade, identificando os marcos obtidos pelo IP e informações existentes no acervo do
museu comunitário; e funciona como um catálogo da exposição – no verso há dados
correspondentes aos totens desenvolvidos para o circuito expositivo.

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Imagem 25 – Mapa-catálogo da exposição (frente).


Fonte: Lavínia Cavalcanti ().

Imagem 26 – Mapa-catálogo da exposição (verso).


Fonte: Lavínia Cavalcanti ().

O texto que compõe a exposição demonstra claramente a importância do IP para a


realização do PD – nesse caso, a exposição. Por meio de encontros e ações desenvolvidas
para obter dados sobre a comunidade, os integrantes do Ponto de Memória fortalecem a
relação com ela, ao estarem presentes com frequência em instituições, espaços de
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convivência e casas de moradores. O museu se insere no cotidiano das pessoas e


proporciona um momento de reflexão a partir das potencialidades desses lugares em
produzir memórias e movimentos sociais e culturais:

Os inventários são resultados do trabalho da comunidade na


reconstrução das memórias coletivas. O processo vem ocorrendo há
dois anos e se intensificou nos últimos dois meses. Cada liderança
trabalhou junto para suas comunidades para inventariar as principais
referências culturais dos moradores, registrando os equipamentos
urbanos, a paisagem natural, os lugares e circunstâncias de identidade
dos diversos grupos fundadores e habitantes do bairro. A partir da
pesquisa, o Museu elaborou um mapa com 60 pontos estratégicos da
identidade cultural (12 escolas, 24 vilas, 4 comunidades indígenas,
vinícola, cemitério, pedreira, grupo musical, 2 sítios arqueológicos,
escolas de música, museu) indicados pelos moradores. O mapa é guia e
catálogo da exposição (Texto de apresentação da exposição, Museu
Comunitário da Lomba do Pinheiro, como citado em Cavalcanti, 2012).

4.1.3.1 Grande Bom Jardim

Assim como as demais experiências, Grande Bom Jardim também escolheu a


exposição como um de seus PDs. Houve diversas oficinas e formações, objetivando reunir o
maior número possível de informações para subsidiar o processo de criação – nesse caso,
da exposição e dos instrumentos digitais também incluídos como desejo de difusão.
Durante meses, a comunidade esteve reunida para trabalhar a sistematização dos
dados obtidos. O processo agregou, segundo o consultor local, uma série de desafios e
aprendizados para todo o grupo:

Embora muitos se não todos os fatores possam corroborar para


embarreiramento de processo da execução do Plano de Ação, a
consecução de resultados é delineada ou fomentada. A execução do
presente projeto reflete as limitações políticas e técnicas – vícios práticas
da política comunitária – o que não poderia deixar de fazer existir, uma
vez que nasceu e se exerce no seio do movimento popular de bairro de
uma região periférica da cidade de Fortaleza (Almeida, 2012).

Refletir sobre as relações entre os representantes das comunidades, protagonistas


das práticas realizadas, e as tomadas de decisões nos ajuda a perceber como o Programa
Pontos de Memória pode contribuir como processo de aprendizagem e comunicação,
oferecendo condições para ampliar a compreensão da sociedade frente aos desafios de
adaptação elencados pelas mudanças que se relacionam com o entendimento acerca da
memória e da participação em comunidade. Portanto, o conceito de participação inclui a
ideia de cidadania, ao sublinhar a reivindicação política, a democratização e a socialização
do saber, das decisões e das metas indicadas, com vistas a compreender outras filosofias
que permitam a autonomia crítica dos sujeitos. Em consonância com as ideias da

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“pedagogia da liberdade”, “(...) o aprendizado já é um modo de tomar consciência do real e


como tal só pode dar-se dentro dessa tomada de consciência” (Freire, 1977, p. 8).
Em exposições, jogos, multimídias, jornais, livros, rodas de memórias e novas
formas escolhidas pelos Pontos para difundirem suas práticas, consideramos importante
destacar as alternativas utilizadas pelas comunidades como estratégias para manter o
diálogo e o estreitamento de laços para a realização das ações. Desse modo, pensar um
pouco sobre os processos criativos que originam as iniciativas nos ajuda a compreender que
elas mobilizam setores como economia, cultura, desenvolvimento e sustentabilidade –
nesses termos, a visão da cultura como investimento e oportunidade de gerar renda,
entretenimento e aprendizado reforça a capacidade aglutinadora dessa experiência e os
benefícios provocados. Assim, a ampliação da criatividade local, da inovação e de
mudanças nas estratégias de circulação da arte e cultura local só será possível quando a
administração pública (nesse aspecto, entendem-se programas e políticas públicas) produzir
de maneira imaginativa, atraindo soluções e inovações sociais ao compreender que a
criatividade deve ser considerada em todas as áreas, não só na cultural, como também nas
áreas da educação, saúde, política e governança (Landry, 2011).
A exposição “Jardins das Memórias” foi aberta ao público por ocasião do
lançamento do Ponto de Memória Grande Bom Jardim e é resultado de uma metodologia de
trabalho que considerou a atuação de moradores na coleta de informações, gerando
conteúdos que pudessem refletir as histórias de luta e celebrações dos moradores:

A exposição é resultado direto da pesquisa Inventário Participativo dos


Bens Culturais do Grande Bom Jardim, pesquisa realizada por 10
moradores locais, representantes dos 05 bairros oficiais da Região
Grande Bom Jardim, que foram selecionados por editais nos meses de
janeiro e fevereiro de 2012 e capacitados em 03 módulos: Metodologias
Qualitativas em Pesquisa em História; Fotografia Básica e Cartografia
Comunitária Temática; executando os procedimentos de coleta entre os
meses março agosto de 2012, a partir de 06 categorias referenciais e
instrumentais de coleta de dados. A exposição foca seu argumento nas
memórias das lutas e das celebrações do povo em seu processo de
construção do território e de afirmação de suas identidades (Almeida,
2012, p. 4).

Promovida pelos moradores a partir dos resultados acumulados, a mostra valoriza a


memória local com a atuação de jovens moradores e lideranças comunitárias. A coleta
reuniu materiais referentes ao imaginário e a práticas cotidianas da região numa exposição
pautada por lutas, resistências e celebrações locais. Um dos pontos em destaque da
exposição foi a influência religiosa dos grupos pastorais na formação do território e as
culturas religiosas de matrizes africanas e ameríndias.

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Imagem 27 – Exposição “Jardins das Memórias”.


Fonte: Cavalcanti (2012).

“Tudo se deu com luta e muita negociação com os poderes públicos. É


um processo cheio de memórias, que mostra que a vida neste lugar da
cidade não se deu em vão, sem movimento”, enfatiza o consultor local
do Ponto de Memória, Adriano de Almeida (Schuabb, 2013, p. 30).

4.1.3.2 Jacintinho

O Ponto de Memória Jacintinho lançou a exposição itinerante “Memórias que o


vento não levou” na feira realizada no local, um dos espaços considerados mais simbólicos
da comunidade. O lugar escolhido para o evento está diretamente relacionado com a forma
com o Ponto de Memória se inseriu no território.
Sua expressividade diz respeito ao fato de que, para essa experiência, o Ponto de
Memória se relaciona com toda a cidade de Maceió, com ações diferenciadas que
promovem a arte a cultura e a memória: “O Ponto de Memória do Jacintinho/MCP apresenta
uma característica diferenciadora com relação aos demais projetos, na medida em que
pretende atuarem diferentes bairros de Maceió, e não apenas em uma comunidade
específica” (Cavalcanti, 2012, p. 27).

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Imagem 28 – Exposição itinerante “Memórias que o vento não levou” – 1.


Fonte: Cavalcanti (2012).

Parte do acervo exposto durante a exposição tem origem nos “(...) fragmentos dos
relatos recolhidos na pesquisa de história oral do Inventário Participativo foram transcritos
sobre tecidos, e pendurados no varal da exposição montada na feira de Jacintinho”
(Cavalcanti, 2012, p. 27), como podemos observar na imagem acima.

Imagem 29 – Exposição itinerante “Memórias que o vento não levou” – 2.


Fonte: Cavalcanti (2012).

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Imagem 30 – Exposição itinerante “Memórias que o vento não levou” – 3.


Fonte: Cavalcanti (2012).

Ao optar pela exposição na “Feirinha do Jacintinho”, o Ponto de Memória visou


aprofundar as relações com os moradores, expondo as memórias coletivamente
construídas. Por ser um espaço aberto de presença e visibilidade local, os temas de
interesse do museu seriam mais facilmente atraídos. As imagens 28, 29 e 30 demonstram
que, com criatividade e entusiasmo, os resultados são ampliados e fazem diferença para o
diálogo acerca do museu e das memórias individual e coletiva que, somadas, constituem o
território museal.
Naquele momento, a equipe do Museu da Cultura Periférica passava a ser
“Feirantes da Memória”. Importante ressaltar que a exposição foi lançada seguida por mais
duas grandes atividades que contribuíram para mobilizar o bairro e diversificar e ampliar o
alcance de outros públicos, como os jovens e as crianças. Além da feira, foi utilizado o
espaço da Escola Estadual Simplício para uma palestra com a professora Elizabeth
Salgado. O projeto “Mirante Cultural: um quilombo chamado Jacintinho”, em sua trigésima
edição, comemorou o mês da Consciência Negra, em uma noite de festa que teve como
principal objetivo celebrar e discutir a memória do Jacintinho.

Nós, do Museu Cultura Periférica, acreditamos que a memória está em


movimento e que vai além da recuperação do passado, pois é um
instrumento de luta do povo. Ela está integrada ao dia a dia da
comunidade. A Museologia Social dá ao povo seu lugar de direito, ou
seja, o centro da narrativa (Ibram, 2015, p. 33).

O Ponto de Memória do Coque, já denominado como Museu do Mangue do Coque,


realizou várias ações museais que fazem parte da estratégia metodológica incentivada pelo

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Ibram. Tais iniciativas incluíram um blog145 como investimento em atividades didático-


pedagógicas, visando à produção de mídias:

Enquanto estratégia didático-pedagógica, a produção colaborativa de


mídias visa desenvolver as competências comunicativas, e a autonomia,
com relação a criatividade no sentido de estimular a construção de
conhecimento significativo na comunidade. O blog foi desenvolvido a
partir da realização de uma oficina com essa finalidade e, que objetivou
trabalhar as possibilidades pedagógicas de uso do blog no museu com a
implementação e incorporação de linguagens audiovisuais e midiáticas,
a interação entre os integrantes da comunidade e a construção de uma
rede de conhecimento (Santos, 2014, p. 10).

A exposição foi outro PD planejado pelo Museu Mangue do Coque, cujo objetivo foi
apresentar o debate acumulado por ocasião do processo de IP na comunidade e promover o
diálogo cultural, estimulando a discussão sobre temas variados de interesse local a partir
dos interesses do museu. Segundo Santos, I. M. G. (2014): “Trata-se de uma exposição
descontraída e dinâmica, aberta para o público em geral, em que convidados e parceiros da
comunidade e a própria comunidade conversam sobre suas temáticas” (p. 15).

Imagem 31 – Exposição do Museu Mangue do Coque.


Fonte: Santos, I. M. G. (2014).

Considerando que o Ponto de Memória Museu Mangue do Coque tem


um importante papel social a cumprir, entende-se que suas ações
pedagógicas devam incluir as estratégias e recursos da comunicação
social para fundamento de gestão do conhecimento. Nesse contexto, o
domínio das linguagens midiáticas pode proporcionar a ampliação do
acesso à informação e um melhor tratamento da mesma na construção
dos referidos conhecimentos (Santos, I. M. G., 2014, p. 10).

145 As informações podem ser acessadas em: http://www.museumanguedocoque.blogspot.com.br


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4.1.3.3 Beiru

Por meio de diversas atividades, muitas delas desenvolvidas antes mesmo do


Ponto de Memória do Beiru e motivadas pela parceria com a Associação Mundo Negro, o
Ponto continuou o realizar ações importantes, visando à garantia do direito à memória dos
moradores. Houve a reedição do livro biográfico do escravo Beiru e o desenvolvimento de
ações junto às escolas, além de iniciativas como CineBeiru, Oficinas, Baú de Histórias e a
Marcha do Beiru (Silva, 2012).
No que se refere ao Baú de Histórias, o Ponto de Memória Beiru enfatiza a
participação de crianças na constituição de processos comprometidos com a reflexão a
partir de temas relacionados à memória e a histórias de vida, contribuindo para crianças e
jovens reflitam acerca de novas oportunidades para a escrita de futuros ao reconhecer lutas,
dificuldades e resistência por que passaram (e passam) enquanto moradores de um bairro
com problemas sociais, políticos, econômicos e culturais:

A criança ao frequentar o Ponto de Memória do Beiru torna-se membro


de um mundo social diferente da sua família. A autoimagem, a
autoestima e a autossuficiência da criança são construídas em todos os
meios em que vive e através das relações com as pessoas que convive.
O Baú de História vem colaborar nesta construção e aprendizagem de si
mesmo, como também, na valorização e respeito das particularidades de
casa um promovendo o conhecimento da sua própria história e o
reconhecimento das diferenças em relação à história de outro
favorecendo a construção de uma identidade coletiva (Silva, 2012, p.
15).

Já a Marcha para Beiru possui caráter mais político e reivindicatório pelo fim da
discriminação racial e em busca de melhores condições para a população negra. A marcha
acontece em homenagem ao Dia da Consciência Negra e conta com a participação e
parceria de instituições como UFBA, Advogados Afro-Descendentes (Annad), Universidade
do Estado da Bahia (Uneb) e esferas governamentais em âmbito municipal, estadual e
federal (Silva, 2012, p. 15).

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Imagem 32 – Marcha do Beiru.


Fonte: Silva (2012, p. 15).

4.1.3.4 Grande São Pedro

A exposição “Sob os olhares da Ilha, São Pedro se constrói” é resultado do PD do


Ponto de Memória Grande São Pedro. A exposição foi montada no Museu do Pescador, uma
instituição municipal localizada na Ilha das Caieiras. A iniciativa visou difundir a ideia do
Programa e da experiência para mais pessoas, ampliando o alcance da atividade na cidade
– mais de 500 pessoas assinaram o livro de visitantes.

Imagem 33 – Lançamento da exposição no Museu do Pescador “Manoel dos Passos Lyrio”.


Fonte: Gervásio (2013).

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Imagem 34 – Exposição e exibição de vídeos – bairro Resistência.


Fonte: Gervásio (2013).

O vídeo produzido pelo Ponto de Memória tem como título “Ponto de Memória da
Grande São Pedro – Inventário Participativo”, resultado das ações do IP realizado na
comunidade. Segundo o consultor local:

Foram 50 horas de filmagem, incluindo entrevistas e imagens, que após


a edição se transformaram em 21 minutos que contam a trajetória da
região, sob o ponto de vista dos seus moradores. A seleção dos
depoentes aconteceu durante o Inventário Participativo (produto 2),
quando os Agentes de Memória, devidamente capacitados, foram a
campo, escolhendo entre os antigos moradores e lideranças
comunitárias da Grande São Pedro, aqueles que seriam entrevistados.
Durante as pesquisas, os Agentes de Memória trouxeram várias
informações de pessoas que possuíam um volume interessante de boas
histórias para contar. Assim foram agendadas as várias entrevistas que
hoje fazem parte do vídeo. A experiência vivida foi importante não
apenas para os depoentes, que se sentiram muito valorizados, como
também para os entrevistadores, que enriqueceram o seu repertório de
informações sobre o lugar onde residem (Gervásio, 2013, p. 6).

4.1.3.5 Taquaril

Ilustramos o PD do Ponto de Memória Museu do Taquaril com a letra da música


“Meu Brasil Taquaril”146. Vencedora do concurso, a canção foi criada por Anderson Santo,
que buscou abordar a luta dos moradores na construção do bairro. Ela é resultado do
Festival de Música Taquaril (En)cantado, que incentivou a produção de canções inéditas
sobre a história do Taquaril (Avelar, 2015):

146Para acessar essa letra e mais informações sobre o concurso que escolheu a música vencedora, consultar
Avelar (2015, p. 85), conforme as referências desta tese.
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De longe eu vejo você, constantemente vou lhe visitar,


pouco importa se é no B ou no A,
eu vou a pé ou até de circular.
Só quem mora sabe o que é lutar, sobe as ladeiras sem reclamar,
olha pro céu e agradece a Deus
pelo lugar que Ele te deu.
Ah, quem disse que o Taquaril,
é o buraco do Brasil;
desconhece a história de um povo que o construiu,
abraçado pela Serra do Curral,
cartão postal de BH;
é tão lindo ver o sol nascer,
em cada novo amanhecer
Taquaril, oh, Pátrias mil;
Taquaril, é meu Brasil,
Taquaril (p. 85).

A exposição “Fios de memória: tecendo os primeiros passos” pode ser considerada


a “(...) materialização de todo um processo que correu ao longo de um ano” (Museu do
Taquaril, 2012d, p. 16, como citado em Avelar, 2015, p. 87), e, assim como os demais
Pontos, desenvolve a exposição como resultado dos processos desenvolvidos no âmbito do
IP. Com o objetivo de contar a história do Taquaril, recria condições lúdicas e participativas
para que os visitantes (moradores, em sua maioria) desfrutem de momentos em contato
com uma realidade tão próxima e, ao mesmo tempo, muito distante.
É curioso perceber como somos capazes de tecer considerações, acumular
conhecimentos de realidades distantes (mas que nos interessam) e estar desconectados em
relação à realidade que nos cerca. Talvez este seja o principal desafio dos Pontos de
Memória: despertar o interesse por um território castigado e anulado, especialmente dos
jovens, o que conecta novamente possibilidades de recomeços e engajamento acerca das
rotinas de luta do bairro, da comunidade, dos trabalhadores, dos povos.
A exposição teve curadoria de Wellington Silva e foi pensada “(...) visando coletar
doações e constituir acervo, tendo sido elaborados carta-convite e cronograma com
expectativa de sua circulação pelo bairro ao longo de 2013” (Museu do Taquaril, 2012d,
como citado em Avelar, 2015, p. 87). Ademais:

Uma colcha de retalhos retrata muito mais do que a simples junção de


pedaços de retalhos. As colchas de memória retratam um resgate do
universo de práticas históricas que foram passadas de geração a
geração. A costura dos retalhos compõe a soma das partes tecidas e
conectadas para formar o todo. Convidamos você para criar uma grande
colcha de memória e assim, contarmos as histórias do Taquaril com os
fios da memória e tecer os primeiros passos. Doe um quadrado de
retalho e nos conte uma história. Vamos juntos nessa grande costura
(Museu do Taquaril, 2012d, p. 30, como citado em Avelar, 2015, p. 87).

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Imagem 35 – Exposição “Fios de memória: tecendo os primeiros passos”.


À esquerda, visitantes observam uma instalação da exposição. À direita, painel com a letra da
canção.
Fonte: Cavalcanti (2012, p. 21).

Diante das experiências que representam parte (e não o todo) das iniciativas, não
seria possível listar todas as ações propostas, pois cada uma desenvolve grande quantidade
de práticas diversificadas. Importa neste trabalho chamar atenção para a criatividade, o
compromisso com o território e as memórias, com base nas questões sociais levantadas. A
dimensão poética se articula de forma sensível com as demais dimensões, muitas vezes
sem permitir separá-las – de modo contundente, podemos vê-las imbricadas e
complementares.
Vale considerar que as dimensões nos permitem propor um debate acerca das
colonialidades do poder, saber e ser, problematizando discursos e práticas mais tradicionais
que levem em conta perspectivas habituais que consideram o tema da interculturalidade147,
a partir de elementos que reforçam as ideias do Estado unicamente como algo opressor e
colonialista. Além disso, tais práticas são travestidas de investimento em interculturalidades
efetivas que indica uma oportunidade de transformação, contribuindo assim com a
construção e o fortalecimento da ideia de diferença colonial que “(...) consiste en classificar
grupos de gentes o poblaciones e identificarlos en sus faltas o excessos, lo cual marca la
diferencia y la inferioridad con respecto a quien clasifica” (Mignolo, 2003, p. 39).

147 Sobre o conceito de interculturalidade proposto por Catherine Walsh: “Este aspecto, el de la potencialidad
transformadora de los ‘conocimientos otros’ en la construcción de proyectos otros de sociedad, es central en la
conceptualización de la interculturalidad entendida como proyecto político y epistémico. En estos términos la
interculturalidad, más que una noción para nombrar las relaciones ‘entre culturas’, o entre las culturas
subalternas y la cultura hegemónica, pone en el centro de la discusión la existencia de múltiples epistemesy las
geopolíticas del conocimiento que las invisibilizan y localizan en lugares desiguales en las escalas de valoración,
al igual que a los sujetos que las producen. Al mismo tiempo, llama la atención sobre la dimensión y
potencialidad política de dicha pluralidad y los diálogos a su interior” (Restrepo & Rojas, 2010, p. 174).
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Dessa maneira, a perspectiva da interculturalidade nos interessa pelo fato de ser


experimentada como um projeto que se origina nos interesses dos sujeitos subalternizados
que desafiam as colonialidades do poder, saber e ser. Ao conquistarem os próprios lugares
de fala, determinam as circunstâncias das negociações e ponderam a partir de vontades
relegadas, desafiando a hegemonia do conhecimento universalista. Nesse sentido, a
interculturalidade não é outro conceito abstrato e universal, e sim um projeto político, um
princípio ideológico que tem guiado o pensamento e as ações em âmbito social e político,
além de termos epistemológicos (Walsh, 2005, p. 25).
Para Eduardo Restrepo e Axel Rojas (2010), o porte central de Catherine Walsh
seria o de reificar a necessidade de projetos políticos e epistêmicos de transformação das
relações entre saber e poder, isso porque ela considera que não é apenas restringir,
segregar as relações entre os setores hegemônicos e subalternos que o principal desafio
será superado. Nas palavras de Walsh (2005), é fundamental construir novos diálogos entre
os setores historicamente subalternizados. Esse novo posicionamento presente na proposta
de Walsh, de conhecimento como campo de conflito, se evidencia em novas formas de luta
das organizações sociais (Restrepo & Rojas, 2010).
A perspectiva posta e que nos interessa, em articulação com o Programa Pontos de
Memória e sua dimensão poética, é a abertura para mais espaços que permitam germinar
pensamentos de luta, intervenção e inovação. Isso contribui sobremaneira com o
fortalecimento de iniciativas que corroborem com as ideias de um projeto de
interculturalidade que não seja apenas político, como também que esteja dedicado ao
campo cognitivo, como demonstra o pensamento da intelectual decolonial Catherine Walsh.

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PONTOS DE (IN)CONCLUSÃO

...Terra diferente e igual ao mesmo tempo no tardar do


reencontro de cada um com os seus, com a memória e
com o dia de amanhã.
Mas, também, terra diferente e igual na luta e na vontade
de contrariar o abandono, e que obriga cada um ao seu
jeito e no seu saber a tomar, a gritar e a provocar a
mudança.
Uma espécie de rosnar que amedronta os donos do
mundo...
(Mario Caneva Moutinho, Saint-Hilaire de Dorset, 24 de
setembro de 1992. Depoimento de abertura do I
Encontro Internacional de Ecomuseus. Rio de Janeiro,
1992)

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Nesta tese, visamos chamar a atenção para a necessidade de empreender análises


práticas e aprofundamento teórico sobre a Museologia Social. Após verificar os materiais
elaborados pelo Ibram, por meio dos produtos realizados por profissionais contratados para
a execução do Programa e dos conhecimentos adquiridos em contato direto com a
experiência, foi possível narrar, em linhas gerais, o contexto de criação e a trajetória dos
Pontos de Memória.
Com ênfase nas fases iniciais compreendidas de 2009 a 2012, especialmente,
apontamos o desenvolvimento das 12 iniciativas que deram vida ao Programa. Foi possível
identificar indícios e acúmulos importantes que podem contribuir com iniciativas
semelhantes aos Pontos de Memória, museus comunitários e processos museais, além das
reflexões teóricas do campo da Museologia Social.
A partir das dimensões políticas, poéticas e pedagógicas dos Pontos de Memória e
a trajetória do Programa iniciada por um desejo de política pública, identificamos alguns
pontos para o debate e reflexões futuras que podem ser consideradas as (in)conclusões a
que chegamos com este trabalho.

Ponto 1

Conforme as análises empreendidas, compreendemos que os Pontos de Memória


podem ser vistos como processos museais pautados por práticas de memória e cidadania
junto aos sujeitos e territórios subalternizados e invisibilizados por meio de ações
decolonizadoras e insurgentes. Isso desafia o status quo da prática museal, exercendo uma
desobediência epistêmica em consonância com os pressupostos da Museologia Social.
Tal iniciativa pode ser considerada uma ação estratégica do ponto de vista das
práticas e dos processos museais que contribuem com o enfrentamento da colonialidade,
compreendida neste trabalho e definida por autores decoloniais como a classificação das
pessoas a partir de uma estrutura atinente a objetivos e padrões reprodutora de
classificações em que apenas uma matriz pode ser considerada aceitável e criadora de
conhecimentos, comportamentos e objetivos. Pretende-se, assim, manter um poder que,
mesmo com o fim do colonialismo, possui uma colonialidade que institui a segregação e a
diferença como algo operacional, a serviço de um capitalismo que estimula o racismo e
alimenta o mercado enquanto autoridade regulatória.
A experiência do Programa Pontos de Memória dialoga, a partir de
experimentações que confrontam a colonialidade do ser, saber e poder, com intelectuais
decoloniais, como o teórico cultural argentino/norte-americano Walter Mignolo, o filósofo

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argentino Enrique Dussel, o sociólogo peruano Aníbal Quijano, o sociólogo porto-riquenho


Ramón Grosfoguel, o filósofo porto-riquenho Nelson Maldonado-Torres, o antropólogo
colombiano Arturo Escobar e, por último, e não menos importante, Catherine Walsh, mulher
norte-americana que vive no Equador. Tais autores contribuem com o pensamento museal,
quando investem no surgimento de práticas e iniciativas voltadas para a ruptura da lógica da
colonialidade, buscando experimentar construções epistêmicas insurgentes.

Ponto 2

Os museus comunitários, sociais, inclusivos, integrais, entre outras denominações,


já existem há algum tempo e têm produzido acúmulos conceituais e metodológicos. Alguns
deles, especialmente os articulados ao campo da educação, puderam ser percebidos por
meio das análises realizadas e colaboram com a compreensão de que as práticas museais
decolonizadoras são necessariamente pedagógicas. Por isso, não se investe em processos
museais decolonizadores sem estar articulado com o campo da educação e, nesse caso,
uma educação decolonial que se junta a Museologia com vistas a desafiar os
conhecimentos e as práticas normatizadoras presentes nas colonialidades do ser, saber e
poder.
De acordo com Catherine Walsh, na pedagogia referente à prática decolonial,
compreendemos que a Museologia Decolonial deve investir em processos que permitam
outras formas de ver, sentir, existir, fazer, pensar e escutar articuladas por projetos que
visem ao rompimento da invisibilidade e da subalternidade a que são submetidos os sujeitos
historicamente excluídos. Portanto, assim como a educação decolonial, com as devidas
proporções, a Museologia Decolonial, atrelada aos pressupostos da Museologia Social,
reivindica refletir a partir da produção de invisibilidade pelos processos de colonialidade,
incluindo as diferenças com que são subjugadas as lógicas museológicas hegemônicas.

Ponto 3

Aliados aos pressupostos da Museologia Social, compreendemos que a formação


junto às comunidades (suas lideranças e articuladores) é fundamental para um melhor
desenvolvimento da iniciativa. É notório que, ao entrar em contato com as localidades,
muitos não sabiam como lidar com conceitos, práticas e discussões atinentes ao campo
museológico, em que demonstravam interesse em conhecer melhor outros termos
interligados a eles, como dimensão cidadã e crítica participativa – isso é notado no interesse

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dos grupos pelas oficinas. Vale dizer que as ações de formação promovidas pelo Ibram se
tornaram significativas pelo caráter multiplicador e dinamizador dos processos nos Pontos
de Memória.
Os produtos desenvolvidos pelo Ibram, destinados a elaborar cursos em
formadores de ensino a distância, contribuem com o entendimento de que a equipe se
atenta a essa demanda, considerando-a necessária para o andamento e o fortalecimento
das experiências. No entanto, é importante esclarecer que a ênfase dada à formação não
pretende promovê-la como condição a priori para os processos empreendidos na
Museologia Social, ou seja, não compreendemos a formação como (pré-)requisito, e sim
demonstramos a necessidade de se atentar a esse aspecto que possibilita a integração,
problematização e ampliação do alcance das ações, transformando o território e as relações
ora estabelecidas.
As reuniões de trabalho entre a comunidade e a equipe do Ibram, as trocas e
reflexões conjuntas, os intercâmbios, a participação em teias e encontros e o ativismo de
base comunitária são ações em favor de objetivos comuns. São compreendidas como
iniciativas de formação que fortalecem as práticas em Museologia Social.

Ponto 4

Importante ressaltar o papel prioritário dado pelo Ibram ao Programa Pontos de


Memória. Como vimos, essa iniciativa é articulada com a PNM, que experimenta direta e
estrategicamente ações dedicadas ao desenvolvimento de processos museais em
comunidades cujo tratamento aos sujeitos que vivem de forma subalternizada e invisibilizada
visa melhorar a qualidade de vida, ao devolver a dignidade roubada e oferecer espaços de
fala para a garantia dos direitos negados.
Tal iniciativa pode ser considerada inovadora no Brasil e em outros países, pois
representa o Estado, por intermédio do MinC, apoiando o desenvolvimento de práticas
autônomas e autogestionadas. Isso faz com que as lideranças locais invistam em
criatividade e ações de cidadania participativa, além de alterar a realidade de subjugo dos
povos e das comunidades tradicionais, urbanas e de minorias, para ter chances de
enfrentamento.
Assim, há inovações na gestão de uma política pública que incentiva a autogestão
das práticas museais em território e as articula em rede. Sem romantismo, sabemos das
dificuldades desse processo, mas percebemos que a equipe que contribuiu com a
consolidação dessa iniciativa que permanece até hoje como âncora nos pressupostos da

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Museologia Social. De fato, ela não se distanciou da responsabilidade e expectativa gerada


junto a comunidades e grupos, em que acompanha e destina recursos técnicos e financeiros
para o melhor desenvolvimento dessa experiência.
Um Estado acostumado a controlar, monitorar, induzir e taxar as experiências
culturais produzidas em virtude da oportunidade criada pelo governo a partir de 2003,
visando ao enfrentamento das tristes tradições nomeadas como ausências, autoritarismos e
instabilidades por Albino Rubim, apresenta, por meio da PNM, o desenvolvimento de ações
conectadas com uma Museologia transgressora que vê os museus como espaços de
insurgência e de transformação social. O Ibram e sua equipe, aliados a comunidades e
movimentos sociais, desenvolve uma experiência que contribui com a consolidação do
campo da Museologia Social no Brasil, provando que é possível investir em práticas, mesmo
em âmbito governamental, que estimulem a emancipação e a participação crítica e cidadã
dos sujeitos. Respeita-se e valoriza-se, porquanto, o protagonismo social, com vistas à
equidade na distribuição de oportunidades justas, visando a condições adequadas para uma
sociedade decolonizada.
O Programa Pontos de Memória evidencia que se pode experimentar uma ação
decolonizadora que nasce da estrutura rígida de um Estado, desde que as ações
empreendidas por ele sejam coerentes com o propósito que norteia seus princípios. Durante
o desenvolvimento da pesquisa, notamos que o diálogo e a produção conjunta entre o poder
público (representado pelo Ibram) e a sociedade civil é possível a partir dos processos
museais denominados como Pontos de Memória.
Com base em uma ideia que pressupunha autonomia e criação a partir de
comunidades e grupos subalternizados, com foco na memória e na capacidade de gerar
mudanças em território, o Ibram se envolveu numa jornada em que só o ímpeto de
construção coletiva seria garantido.
A trajetória de desenvolvimento do projeto-piloto não poderia ter como resultado as
múltiplas ações elaboradas. Nessa parceria forjada durante a realização das atividades, as
etapas metodológicas, as demandas, as cobranças e os desafios enfrentados pelo instituto
caracterizam o que hoje culmina com a institucionalização do Programa Pontos de Memória,
considerado um avanço no sentido de garantir minimamente a permanência das iniciativas.
Assim, em meio à proliferação das redes, dos editais elaborados pelos estados e do decreto
que institui o Programa, as melhorias podem ser acumuladas, gerando possibilidades de
entendimento e reflexão.

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Ponto 5

As análises empreendidas nos permitem constatar que existe, entre as experiências


desenvolvidas nos Pontos de Memória, uma grande dificuldade para compreender temas,
conceitos e expressões que nascem do universo de atuação dos museus, mas também do
patrimônio e da memória, além dos temas democráticos em favor do discurso progressista e
decolonizador. Assim, é importante reconhecer a necessidade de elaborar conceitos que
potencializem a atuação das lideranças comunitárias e os movimentos sociais, além de
garantir maior autonomia e compreensão dos processos museais decolonizadores. Dessa
forma, convém discutir o que é Museologia Social, museus sociais, museus comunitários,
musealização, participação, Nova Museologia, processo museal, Pontos de Memória,
Museologia, cidadania, participação, empoderamento, alienação, poder, feminismo,
questões de gênero, racismo, movimentos afirmativos, colonialidade etc.
Sugerimos ferramentas que auxiliem na disseminação de conceitos, para os grupos
envolvidos com a prática e a reflexão museal terem argumentos que facilitem o percurso
rumo à construção de narrativas plurais e decolonizadoras. Importante destacar que o
mesmo vale para os profissionais que “supostamente” detêm os conhecimentos sobre tais
termos – é necessário incluir, porquanto, as definições a partir de grupos, comunidades e
coletivos envolvidos na elaboração da experiência museal. Essa perspectiva rompe com as
amarras colonizadoras e castradoras e possibilita enfrentar as colonialidades, sobretudo a
do saber. Como vimos, o MUF faz isso ao demonstrar, aos museólogos e demais
profissionais da área, o “jeito MUF de musealizar” e os processos de restauração dos
acervos. Eles criam formas pelas quais pretendem se relacionar com a Museologia, e cabe
aos interlocutores absorver, propor diálogo e refletir de maneira decolonizadora sobre eles.
As novas experiências museais que surgem a partir da autonomia e da
desobediência epistêmica permitem aumentar a capacidade de gerar conceitos adequados
às novas formas de produção do saber, respeitando as especificidades de cada movimento,
grupo, povo ou coletividade. Por isso, a elaboração de terminologias a partir de cada
experiência pode enriquecer e muito os saberes e fazeres da Museologia Social, alargando
o campo epistemológico de maneira insurgente e transgressora. Recomendamos que os
conceitos sejam construídos coletivamente e expressem a realidade em que desenvolvem e
aplicam cada um deles.

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Ponto 6

Os Pontos de Memória considerados por eles próprios como pioneiros não


conseguiram se aproximar e se integrar com as demais iniciativas premiadas pelos editais
do Ibram. Os fatores que podem ter gerado essa situação são diversificados; no entanto, a
dificuldade por parte da equipe de gestão em estabelecer a interface e a articulação
necessárias com a ampliação do Programa se torna evidente. Com equipe reduzida e
demanda crescente, houve entraves que tolheram a compreensão da natureza diferenciada
das práticas, o que ficou claro nas disputas de representatividade durante a IV Teia da
Memória, na cidade de Belém, descritas por Cristina Holanda e presentes na dissertação de
mestrado de Camila Alcântara. Esse evento demonstra o distanciamento em relação ao
significado das práticas, ao que representam e aos seus lugares no processo,
caracterizando posturas desarticuladoras e conflituosas entre as experiências com
trajetórias diferenciadas no mesmo Programa.
Os conflitos são naturais, fazem parte dos arranjos sociais de uma sociedade
atuante e surgem com vistas a disputas por espaço, protagonismo e melhoria de condições
a partir de determinados pontos de vista. Contudo, é importante chamar atenção para o
crescimento observado em desentendimentos e disputas por representatividade no
Programa: ao buscarem valorização e espaços de voz, os pontos-piloto ou pioneiros indicam
uma responsabilidade com as realizações, por parte do Ibram. São ativos na exigência de
direitos e militantes que atuam para a institucionalização do Programa e a respectiva
permanência.
Tal atitude reflete a responsabilidade da política pública quanto ao apoio financeiro
e técnico para as iniciativas avançarem. Existem discursos que as classificam como ações
que ainda dependem de uma tutela do Ibram para existirem, em tom que deslegitima os
processos nas reivindicações ou mesmo os discursos que indicam que as experiências
devem ser independentes do instituto, provocando situações em que deixam de se vincular
à gestão.
Cumpre destacar que o Ibram permanece, mesmo com as dificuldades gerenciais e
de infraestrutura enfrentadas (e não são poucas), em consonância com as práticas ora
estimuladas, fomentando e produzindo elementos que fortaleçam as redes e os espaços de
representatividade. Tutelados ou não, continuam se relacionando com o Ibram à medida que
avançam em propostas, projetos e acúmulos consideráveis para o setor museológico
brasileiro.

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Ponto 7

Aspecto importante a ser ressaltado diz respeito a lideranças e militantes que


desenvolvem as práticas nos territórios, se dedicam a promover as ações e assumiram a
responsabilidade pelo diálogo com as comunidades e os moradores, buscando legitimidade
e condução participativa para o processo. Os diálogos com os profissionais do campo dos
museus, do patrimônio e de outras áreas afins, o poder público municipal, estadual e federal
e os movimentos sociais ofereceriam certamente muitos elementos para novas
investigações. Mesmo de forma ainda introdutória, compreendemos os desafios enfrentados
pelas comunidades, no que tange à ideia de participação comunitária.
A configuração dos conselhos gestores e a atuação dessas instâncias articuladas
com o fazer do Ponto guardam dificuldades presentes na falta de condições da maioria dos
atores envolvidos e interessados pelas práticas de formação estimuladas pelo processo
museal. Muitas vezes, isso ocorre por não garantir um retorno imediato, especialmente no
tocante a territórios que enfrentam inúmeras batalhas sociais, desde infraestrutura e saúde,
passando por precariedade de moradias, trabalho e emprego. As urgências são muitas, e os
projetos culturais e educacionais, também prioritários, frequentemente perdem para elas.
Nesse entremeio há a falta de confiança em projetos e programas governamentais,
por parte das comunidades e dos grupos subalternizados, por conta de inúmeras ações que
não geraram resultados, e sim enganações e descrédito em moradores e militantes. Com a
intenção, muitas vezes mascarada, de trazer melhorias para as condições de vida e retornos
rápidos, alguns projetos de governo e pesquisas acadêmicas prestam um desserviço para
essas populações – isso é constatado em diversas localidades, grupos e coletivos. Mesmo
sendo massacradas por uma ordem colonizadora que ainda as vê como massa de manobra
política e fantoches de uma disputa promovida por políticos, empresários e acadêmicos
egocêntricos, muitas lideranças puderam rever atuações e passaram a se colocar diante
dessas ameaças ao território, impondo condições para acontecerem tais iniciativas. Esse
processo resulta do fortalecimento da participação popular durante anos nas políticas
públicas no Brasil, especialmente no governo Lula.
No caso das políticas públicas de cultura, percebemos avanços consideráveis não
só por parte dos grupos que passaram a receber as propostas de projetos e programas, mas
também na mudança de postura daqueles que reivindicam iniciativas produzidas pelas
próprias comunidades, invertendo os papéis. Foi possível, por meio de uma política pública
que pretendeu ser inclusiva, participativa e democrática, incentivar lideranças e ativistas de

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diferentes movimentos a trocarem ideias, informações e ações decolonizadoras, a exemplo


do Programa Pontos de Memória.
Os protagonismos se atrelam aos processos que visam a uma desobediência
epistêmica e com ações decolonizadoras. No que tange aos lugares de fala, os atores que
até pouco tempo não tinham direito à voz passam a ser considerados a partir dos próprios
lugares, e suas opiniões são integradas a novas lógicas de enfrentamento à subalternização
e à invisibilidade. No campo museológico, a operação pode ser constatada conforme as
mudanças estabelecidas por meio das práticas experimentadas no âmbito da Museologia
Social. Os moradores e militantes que constituem o público das ações dos museus
comunitários, sendo gestores do território e das coleções e dos acervos, se tornam (e
devem mesmo se tornar) pensadores dessa área museológica, em que elaboram conceitos,
pensam estratégias para ter um melhor aproveitamento das ações pelos públicos e definem
se é ou não necessária a figura de um “profissional” nessas atividades. Esse comportamento
crítico e consciente reivindica nova postura de museólogos e profissionais afins no trato e
diálogo com as experiências.
A Museologia Social tem apontado caminhos nesse sentido, em que a autonomia
dos processos e a reinvenção das práticas museais levam os grupos a decidirem conceitos,
conteúdos, métodos e metodologias que serão utilizados por eles, chegando (o que
consideramos fantástico) a elaborar as próprias metodologias e conceitos adequados à sua
prática e realização. Com uma breve análise a partir dos Pontos de Memória e das ações
que surgem em várias regiões do Brasil e do mundo, fica fácil constatar as práticas de
empoderamento. Um exemplo forte e que não está ligado diretamente ao Programa Pontos
de Memória, mas guarda relação direta, diz respeito à inspiração coletiva com a Rede de
Museologia Indígena e à forma com que esse movimento tem tratado os assuntos da área.
Esse é o papel da Museologia Social e é onde ela mais se difere das demais museologias
construídas ao longo dos anos, em especial a que se pretende una e hegemônica, para
provocar outras formas de propor e se relacionar com o campo dos museus em perspectiva
decolonial. Com postura decolonizadora e insurgente, é possível dar sentido ao formato
inovador e transgressor com que os processos museais têm atuado.
No âmbito da Museologia Decolonial, além do Programa Pontos de Memória, outras
práticas caminham em perspectivas decoloniais e insurgentes. Um indicativo futuro é o uso
das cartas do Minom, como elemento que integra os pressupostos da Museologia Social aos
ideais decoloniais expressos, sobretudo, pelo grupo M/C.
Consideramos que os próximos passos da Política de Direito à Memória,
experimentada por meio do Programa Pontos de Memória no âmbito do Ibram, devem

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utilizar os acúmulos conceituais e as diretrizes das cartas do Minom vistos nesta tese como
documentos decoloniais para o fortalecimento dos processos museais desenvolvidos no
Brasil, além de criar condições para as redes serem cada vez mais autônomas e
colaborativas, com o intuito de garantir que os movimentos sociais alcancem êxito para além
das projeto de Estado.
O caminho está na insurgência do fazer museal. Isso ocorre não só nas práticas
produzidas por comunidades, povos e grupos tradicionais subalternizados, mas também na
ação realizada pelo poder público por meio das políticas e, especialmente, pelas práticas
acadêmicas, com as universidades a partir do repensar das formas de produção e
reconhecimento dos saberes museais e museológicos.
É importante destacar o caráter colaborativo e participativo desta tese. Pautados
pela construção de uma narrativa conjunta, tivemos a oportunidade de olhar para o campo
da Museologia Social conforme as narrativas de profissionais que, por anos, tiveram suas
vidas cruzadas pela experiência de pensar e contribuir para a execução dos Pontos de
Memória. Os consultores que atuaram desde Brasília a partir da gestão do programa até os
consultores locais, contratados para medir a relação com o território e as ações
desenvolvidas, construíram, dia a dia, mês a mês, oportunidades para ampliar os
conhecimentos acerca da Museologia Social, dando contornos para o campo (e o que
consideramos ainda mais importante) e as ações que transformam as pessoas e os
contextos de luta, resistência e conquistas em territórios marginalizados, subalternizados
que sofrem com o preconceito e a invisibilidade por meio da violência e do racismo.
Essa atuação, aliada à alta capacidade de execução e reflexão militante dos
moradores, integrantes e parceiros dos Pontos que fortalecem essa prática, pode corroborar
com a ideia de uma construção participativa. Percorremos o trajeto da escrita colaborativa
que visou exercitar também a perspectiva decolonizadora da feitura de um trabalho
acadêmico, em que a presença das opiniões expressas nos “produtos” não ficou silenciada
e restrita aos cuidados da gestão institucional. Buscamos garantir espaço para a construção
colaborativa for somada às ideias individuais que, reunidas, permitissem respostas para um
conjunto de questões. Desejamos que novas abordagens, perspectivas e considerações
sejam tecidas a partir dos Pontos de Memória. Antes ideias, hoje são realidades e estimulam
o pensamento decolonizador da Museologia.
Os Pontos de Memória traduzem vozes, desejos e oportunidades; suas práticas se
desdobram em inúmeras narrativas, e esta é, sem dúvida, a principal contribuição. A
dinâmica da Museologia Social, como diz Mario Chagas (), consiste na compreensão de que
“(...) a Museologia que não serve para a vida, não serve para nada”. Poderíamos

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interromper a tese com esta constatação, mas cremos ser importante também destacar, a
título de (in)conclusão, uma frase adaptada de Mario Moutinho (), que diz: “Os museus que
só sabem de si, nem de si sabem” ().
Destarte, nos aspectos relevantes para entender a Museologia Social, é
fundamental perceber seu caráter solidário e integrado à vida sob um viés transgressor. A
produção de invisibilidade social, retirada de direitos e dignidade dos povos, grupos e
comunidades deve ser enfrentada. Não é possível mais cruzar, e sim erguer os braços e
enfrentar os perigos de uma sociedade pautada pela produção indiscriminada de
colonialidade. Para isso, nossa ferramenta de luta é a Museologia Social, ancorada em uma
perspectiva decolonial e cada vez mais insurgente.

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programático do documento “Subsídios para a criação e gestão dos Pontos de
Memória” (Setembro de 2011). Expresso no TOR, sob coordenação do Instituto
Brasileiro de Museus – Ibram em parceria com o Ministério da Justiça, no âmbito do
Programa Nacional de Segurança com Cidadania – Pronasci e a Organização dos
Estados Ibero-americanos – OEI.

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Castro, C. (2011). Produto 6. Documento final com uma proposta de conteúdo programático
para o manual de implantação do projeto Pontos de Memória (Novembro de 2011).
Expresso no TOR, sob coordenação do Instituto Brasileiro de Museus – Ibram em
parceria com o Ministério da Justiça, no âmbito do Programa Nacional de Segurança
com Cidadania – Pronasci e a Organização dos Estados Ibero-americanos – OEI.

Cavalcanti, L. (2011). Produto 1. Plano de Trabalho contendo a metodologia de


acompanhamento das atividades a serem desenvolvidas pelos Pontos de Memória
(Plano de Ação; Inventário Participativo e Produtos de Difusão), contemplando
cronograma, estratégias de monitoramento e avaliação das ações (Agosto, 2011).
Expresso no TOR, sob coordenação do Instituto Brasileiro de Museus – Ibram em
parceria com o Ministério da Justiça, no âmbito do Programa Nacional de Segurança
com Cidadania – Pronasci e a Organização dos Estados Ibero-americanos – OEI.

Cavalcanti, L. (2011). Produto 2. Relatório descritivo-analítico do acompanhamento das


ações de desenvolvimento dos Inventários Participativos dos Pontos de Memória,
apresentando avaliações parciais sobre o processo de implantação dessas atividades,
incluindo as estratégias de gestão adotadas (Novembro de 2011). Expresso no TOR,
sob coordenação do Instituto Brasileiro de Museus – Ibram em parceria com o Ministério
da Justiça, no âmbito do Programa Nacional de Segurança com Cidadania – Pronasci e
a Organização dos Estados Ibero-americanos – OEI.

Cavalcanti, L. (2013). Produto 10. Documento contendo sistematização analítica dos


produtos de consultorias realizadas no âmbito do Prodoc OEI/BRA/08/007, entre 2009 e
2012, com a finalidade de subsidiar as ações de planejamento de instalação e
manutenção de Pontos de Memória. Expresso no TOR, sob coordenação do Instituto
Brasileiro de Museus – Ibram em parceria com o Ministério da Justiça, no âmbito do
Programa Nacional de Segurança com Cidadania – Pronasci e a Organização dos
Estados Ibero-americanos – OEI.

Cavalcanti, L. (2013). Produto 3. Relatório descritivo-analítico do acompanhamento das


ações de desenvolvimento dos Inventários Participativos dos Pontos de Memória,
apresentando avaliações parciais sobre o processo de implantação dessas atividades,
incluindo as estratégias de gestão adotadas (Janeiro de 2012). Expresso no TOR, sob
coordenação do Instituto Brasileiro de Museus – Ibram em parceria com o Ministério da
Justiça, no âmbito do Programa Nacional de Segurança com Cidadania – Pronasci e a
Organização dos Estados Ibero-americanos – OEI.

Cavalcanti, L. (2013). Produto 5. Documento contendo a formulação de um instrumento


(formulário) que viabilize a sistematização, pelos Pontos de Memória, dos resultados de
seus Inventários Participativos, permitindo também uma análise comparativa entre as
diferentes experiências (Agosto de 2012) Expresso no TOR, sob coordenação do
Instituto Brasileiro de Museus – Ibram em parceria com o Ministério da Justiça, no
âmbito do Programa Nacional de Segurança com Cidadania – Pronasci e a
Organização dos Estados Ibero-americanos – OEI.

Cavalcanti, L. (2013). Produto 7. Avaliação qualitativa final das atividades realizadas no


âmbito dos 12 Pontos de Memória (Dezembro de 2012). Expresso no TOR, sob
coordenação do Instituto Brasileiro de Museus – Ibram em parceria com o Ministério da
Justiça, no âmbito do Programa Nacional de Segurança com Cidadania – Pronasci e a
Organização dos Estados Ibero-americanos – OEI.

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Cavalcanti, L. (2013). Produto 8. Documento contendo análise comparativa entre o projeto


OEI/BRA/08/007 original e a versão da 2ª Revisão Substantiva do mesmo, com
proposta de perfis das consultorias técnicas a serem contratadas na etapa de ampliação
e desenvolvimento em rede do Projeto (Fevereiro de 2013). Expresso no TOR, sob
coordenação do Instituto Brasileiro de Museus – Ibram em parceria com o Ministério da
Justiça, no âmbito do Programa Nacional de Segurança com Cidadania – Pronasci e a
Organização dos Estados Ibero-americanos – OEI.

Cavalcanti, L. (2013). Produto 9. Documento com proposta de instrumento para


monitoramento das ações museais e Produtos de Difusão dos Pontos de Memória e
Redes estaduais, regionais e temáticas, contendo ademais uma sistematização de
todos os instrumentos e formulários de acompanhamento gerados no âmbito do Prodoc
OEI/BRA/08/007 (Maio de 2013) Expresso no TOR, sob coordenação do Instituto
Brasileiro de Museus – Ibram em parceria com o Ministério da Justiça, no âmbito do
Programa Nacional de Segurança com Cidadania – Pronasci e a Organização dos
Estados Ibero-americanos – OEI.

Documentos técnicos com proposta de sistematização contratados pelo Programa Pontos


de Memória. Projeto – OEI/BRA 08/007, cuja execução nacional é realizada pelo
Instituto Brasileiro de Museus, em parceria com a Organização dos Estados Ibero-
americanos para a Educação, a Ciência e a Cultura – OEI.

Fernandes, D. (2010). Produto 1. Plano preliminar de implantação de pesquisa diagnóstica e


seu monitoramento (Abril de 2010). Expresso no TOR, sob coordenação do Instituto
Brasileiro de Museus – Ibram em parceria com o Ministério da Justiça, no âmbito do
Programa Nacional de Segurança com Cidadania – Pronasci e a Organização dos
Estados Ibero-americanos – OEI.

Freitas, A. S. (2012). Produto 1. Plano de Ação do Ponto de Memória do Beiru, preenchido


em conformidade com a solicitação do Ibram e aprovado pela instância deliberativa do
referido Ponto, contendo informações a respeito da instância deliberativa, das
perspectivas museológicas do Ponto e a previsão do desenvolvimento de suas ações
no que se refere ao Inventário Participativo e ao Produto de Difusão (Sem data).
Expresso no TOR, sob coordenação do Instituto Brasileiro de Museus – Ibram em
parceria com o Ministério da Justiça, no âmbito do Programa Nacional de Segurança
com Cidadania – Pronasci e a Organização dos Estados Ibero-americanos – OEI.

Freitas, A. S. (2012). Produto 2. Relatório descritivo e analítico, previamente aprovado pela


instância deliberativa do Ponto de Memória do Beiru, apresentando resultados parciais,
relativos à atuação do consultor em conjunto com a instância deliberativa, visando o
desenvolvimento de 50% do Inventário Participativo, em conformidade com o Plano de
Ação (Novembro de 2012) Expresso no TOR, sob coordenação do Instituto Brasileiro de
Museus – Ibram em parceria com o Ministério da Justiça, no âmbito do Programa
Nacional de Segurança com Cidadania – Pronasci e a Organização dos Estados Ibero-
americanos – OEI.

Freitas, A. S. (2012). Produto 3. Relatório descritivo, previamente aprovado pela instância


deliberativa do Ponto de Memória do Beiru, a respeito do desenvolvimento do Produto
de Difusão (Julho de 2013) Expresso no TOR, sob coordenação do Instituto Brasileiro
de Museus – Ibram em parceria com o Ministério da Justiça, no âmbito do Programa
Nacional de Segurança com Cidadania – Pronasci e a Organização dos Estados Ibero-
americanos – OEI.

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Gervásio, G. (2012). Produto 1. Plano de Ação do Ponto de Memória de São Pedro,


preenchido em conformidade com a solicitação do Ibram e aprovado pela instância
deliberativa do referido Ponto, contendo informações a respeito da instância
deliberativa, das perspectivas museológicas do Ponto e a previsão do desenvolvimento
de suas ações no que se refere ao Inventário Participativo e ao Produto de Difusão.
Expresso no TOR, sob coordenação do Instituto Brasileiro de Museus – Ibram em
parceria com o Ministério da Justiça, no âmbito do Programa Nacional de Segurança
com Cidadania – Pronasci e a Organização dos Estados Ibero-americanos – OEI.

Gervásio, G. (2012). Produto 2. Relatório descritivo e analítico, previamente aprovado pela


instância deliberativa do Ponto de Memória de São Pedro, apresentando resultados
parciais, relativos à atuação do consultor em conjunto com a instância deliberativa,
visando o desenvolvimento de 50% do Inventário Participativo, em conformidade com o
Plano de Ação (Julho de 2013) Expresso no TOR, sob coordenação do Instituto
Brasileiro de Museus – Ibram em parceria com o Ministério da Justiça, no âmbito do
Programa Nacional de Segurança com Cidadania – Pronasci e a Organização dos
Estados Ibero-americanos – OEI.

Gervásio, G. (2012). Produto 2. Relatório descritivo-analítico sobre os Produtos de Difusão a


serem desenvolvidos pelo Ponto de Memória, apontado as possibilidades existentes
para o desenvolvimento dos mesmos, com plano de aplicação (orçamento físico-
financeiro) e cronograma de execução, aprovado pela instância deliberativa do referido
Ponto (Março de 2013). Expresso no TOR, sob coordenação do Instituto Brasileiro de
Museus – Ibram em parceria com o Ministério da Justiça, no âmbito do Programa
Nacional de Segurança com Cidadania – Pronasci e a Organização dos Estados Ibero-
americanos – OEI.

Gervásio, G. (2012). Produto 3. Relatório descritivo-analítico sobre o desenvolvimento,


execução e repercussão das ações do Ponto de Memória na Comunidade do Coque
(Junho de 2013). Expresso no TOR, sob coordenação do Instituto Brasileiro de Museus
– Ibram em parceria com o Ministério da Justiça, no âmbito do Programa Nacional de
Segurança com Cidadania – Pronasci e a Organização dos Estados Ibero-americanos –
OEI.

Gouveia, I. C. (2010/2011). Produto 1. Documento preliminar com o Plano de Trabalho para


o registro da memória do processo de implantação e desenvolvimento do projeto Ponto
de Memória (Dezembro de 2010) Expresso no TOR, sob coordenação do Instituto
Brasileiro de Museus – Ibram em parceria com o Ministério da Justiça, no âmbito do
Programa Nacional de Segurança com Cidadania – Pronasci e a Organização dos
Estados Ibero-americanos – OEI.

Gouveia, I. C. (2010/2011). Produto 2. Registro do processo de concepção do Projeto Ponto


de Memória desde a sua proposição no âmbito do PRONASCI-MJ (Fevereiro de 2010)
Expresso no TOR, sob coordenação do Instituto Brasileiro de Museus – Ibram em
parceria com o Ministério da Justiça, no âmbito do Programa Nacional de Segurança
com Cidadania – Pronasci e a Organização dos Estados Ibero-americanos – OEI.

Gouveia, I. C. (2010/2011). Produto 3. Relatório das estratégias adotadas para a


identificação e sensibilização das comunidades e dos interlocutores locais envolvidas no
Projeto Pontos de Memória (Junho de 2010). Expresso no TOR, sob coordenação do
Instituto Brasileiro de Museus – Ibram em parceria com o Ministério da Justiça, no
âmbito do Programa Nacional de Segurança com Cidadania – Pronasci e a
Organização dos Estados Ibero-americanos – OEI.
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Gouveia, I. C. (2010/2011). Produto 4. Relatório das estratégias adotadas para a formação


das instâncias deliberativas dos Pontos de Memória, como parte do desenvolvimento do
modelo de gestão (Setembro de 2010). Expresso no TOR, sob coordenação do Instituto
Brasileiro de Museus – Ibram em parceria com o Ministério da Justiça, no âmbito do
Programa Nacional de Segurança com Cidadania – Pronasci e a Organização dos
Estados Ibero-americanos – OEI.

Gouveia, I. C. (2010/2011). Produto 5. Relatório analítico das oficinas realizadas com as


comunidades envolvidas nos Pontos de Memória (Julho de 2010). Expresso no TOR,
sob coordenação do Instituto Brasileiro de Museus – Ibram em parceria com o Ministério
da Justiça, no âmbito do Programa Nacional de Segurança com Cidadania – Pronasci e
a Organização dos Estados Ibero-americanos – OEI.

Gouveia, I. C. (2010/2011). Produto 6. Relatório das estratégias adotadas para a


consolidação da metodologia do Inventário Participativo a ser desenvolvido nas
localidades dos Pontos de Memória (Outubro de 2010) Expresso no TOR, sob
coordenação do Instituto Brasileiro de Museus – Ibram em parceria com o Ministério da
Justiça, no âmbito do Programa Nacional de Segurança com Cidadania – Pronasci e a
Organização dos Estados Ibero-americanos – OEI.

Gouveia, I. C. (2010/2011). Produto 7. Relatório da sistematização e registro das estratégias


e processos testados no âmbito da implementação do projeto Pontos de Memória,
contendo plano do registro de memória das próximas ações (Janeiro de 2011).
Expresso no TOR, sob coordenação do Instituto Brasileiro de Museus – Ibram em
parceria com o Ministério da Justiça, no âmbito do Programa Nacional de Segurança
com Cidadania – Pronasci e a Organização dos Estados Ibero-americanos – OEI.

Gouveia, I. C. (2010/2011). Produto 8. Proposta de organização de conteúdos para


produção editorial, de acordo com reflexões teórico-metodológicas produzidas no
âmbito do Projeto Pontos de Memória (Fevereiro de 2011). Expresso no TOR, sob
coordenação do Instituto Brasileiro de Museus – Ibram em parceria com o Ministério da
Justiça, no âmbito do Programa Nacional de Segurança com Cidadania – Pronasci e a
Organização dos Estados Ibero-americanos – OEI.

Gouveia, I. C. (2013). Produto 1. Documento técnico com proposta de conteúdo


programático para capacitação em Museu, Memória e Cidadania na Diversidade
Cultural, voltado para agentes de memória e multiplicadores em âmbito nacional,
contendo ementa, metodologia e referencial teórico-conceitual (Agosto de 2013).
Expresso no TOR, sob coordenação do Instituto Brasileiro de Museus – Ibram em
parceria com o Ministério da Justiça, no âmbito do Programa Nacional de Segurança
com Cidadania – Pronasci e a Organização dos Estados Ibero-americanos – OEI.

Gouveia, I. C. (2013). Produto 1. Relatório sobre as estratégias de construção dos Planos de


Ação dos Pontos de Memória (Junho de 2011) Expresso no TOR, sob coordenação do
Instituto Brasileiro de Museus – Ibram em parceria com o Ministério da Justiça, no
âmbito do Programa Nacional de Segurança com Cidadania – Pronasci e a
Organização dos Estados Ibero-americanos – OEI.

Gouveia, I. C. (2013). Produto 2. Documento técnico com proposta de sistemática para


execução do plano de capacitação em rede da oficina Museu, Memória e Cidadania na
Diversidade Cultural a partir das tipologias de iniciativas identificadas pelo Ibram, com
cronograma e estratégias de identificação de multiplicadores potenciais da metodologia,
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que contenha resultados das aplicações piloto das oficinas (Novembro de 2013)
Expresso no TOR, sob coordenação do Instituto Brasileiro de Museus – Ibram em
parceria com o Ministério da Justiça, no âmbito do Programa Nacional de Segurança
com Cidadania – Pronasci e a Organização dos Estados Ibero-americanos – OEI.

Gouveia, I. C. (2013). Produto 2. Relatório de registro e análise das estratégias utilizadas


para a qualificação dos Pontos de Memória (Agosto de 2011) Expresso no TOR, sob
coordenação do Instituto Brasileiro de Museus – Ibram em parceria com o Ministério da
Justiça, no âmbito do Programa Nacional de Segurança com Cidadania – Pronasci e a
Organização dos Estados Ibero-americanos – OEI.

Holanda, C. R. (2013). Produto 1. Documento técnico com proposta de planejamento


estratégico das ações de mapeamento, qualificação, articulação e comunicação em
rede dos Pontos de Memória, com a sistematização de perfis e atuação das
consultorias no âmbito do projeto (Agosto de 2013) Expresso no TOR, sob coordenação
do Instituto Brasileiro de Museus – Ibram em parceria com o Ministério da Justiça, no
âmbito do Programa Nacional de Segurança com Cidadania – Pronasci e a
Organização dos Estados Ibero-americanos – OEI.

Holanda, C. R. (2013). Produto 2. Documento técnico com proposta de instrumento para


acompanhamento da execução do planejamento estratégico das ações de
mapeamento, qualificação, articulação e comunicação em rede dos Pontos de Memória
(Outubro de 2013) Expresso no TOR, sob coordenação do Instituto Brasileiro de
Museus – Ibram em parceria com o Ministério da Justiça, no âmbito do Programa
Nacional de Segurança com Cidadania – Pronasci e a Organização dos Estados Ibero-
americanos – OEI.

Lyra, B. L. (2009). Documento preliminar de consultores e atividades para a implementação


dos Pontos de Memória no âmbito do projeto do Ponto de Memória em atendimento à
solicitação designada por Produto 2, expresso no TOR, sob coordenação do Instituto
Brasileiro de Museus – Ibram em parceria com o Ministério da Justiça, no âmbito do
Programa Nacional de Segurança com Cidadania – Pronasci e a Organização dos
Estados Ibero-americanos – OEI.

Lyra, B. L. (2009). Plano de trabalho contendo cronograma das ações que envolvem a
implementação dos Pontos de Memória. No âmbito do projeto do Ponto de Memória em
atendimento à solicitação designada por Produto 1, expresso no TOR, sob coordenação
do Instituto Brasileiro de Museus – Ibram em parceria com o Ministério da Justiça, no
âmbito do Programa Nacional de Segurança com Cidadania – Pronasci e a
Organização dos Estados Ibero-americanos – OEI.

Maltez, A. (2013). Produto 1. Relatório de moderação, contendo o resumo executivo dos


resultados do Encontro de Avaliação dos 12 Pontos Pioneiros (Dezembro de 2013).
Expresso no TOR, sob coordenação do Instituto Brasileiro de Museus – Ibram em
parceria com o Ministério da Justiça, no âmbito do Programa Nacional de Segurança
com Cidadania – Pronasci e a Organização dos Estados Ibero-americanos – OEI.

Morates, L. (2011). Produto 1. Plano de Ação do Ponto de Memória da Lomba do Pinheiro,


preenchido em conformidade com a solicitação do Ibram e aprovado pela instância
deliberativa do referido Ponto, contendo informações a respeito da instância
deliberativa, das perspectivas museológicas do ponto e a previsão do desenvolvimento
de suas ações no que se refere ao Inventário Participativo e ao Produto de Difusão
(Setembro de 2011). Expresso no TOR, sob coordenação do Instituto Brasileiro de
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Museus – Ibram em parceria com o Ministério da Justiça, no âmbito do Programa


Nacional de Segurança com Cidadania – Pronasci e a Organização dos Estados Ibero-
americanos – OEI.

Morates, L. (2011). Produto 2. Relatório descritivo e analítico, previamente aprovado pela


instância deliberativa do Ponto de Memória da Lomba do Pinheiro, apresentando
resultados parciais, relativos à atuação do consultor em conjunto com a instância
deliberativa, visando o desenvolvimento de 50% do Inventário Participativo, em
conformidade com o Plano de Ação (Novembro de 2011). Expresso no TOR, sob
coordenação do Instituto Brasileiro de Museus – Ibram em parceria com o Ministério da
Justiça, no âmbito do Programa Nacional de Segurança com Cidadania – Pronasci e a
Organização dos Estados Ibero-americanos – OEI.

Morates, L. (2012). Produto 3. Relatório descritivo, previamente aprovado pela instância


deliberativa do Ponto de Memória da Lomba do Pinheiro, a respeito do desenvolvimento
do Produto de Difusão (Janeiro de 2012) Expresso no TOR, sob coordenação do
Instituto Brasileiro de Museus – Ibram em parceria com o Ministério da Justiça, no
âmbito do Programa Nacional de Segurança com Cidadania – Pronasci e a
Organização dos Estados Ibero-americanos – OEI.

Moura, M. (2011). Produto 1. Plano de Ação do Ponto de Memória da Terra Firme,


preenchido em conformidade com a solicitação do Ibram e aprovado pela instância
deliberativa do referido Ponto, contendo informações a respeito da instância
deliberativa, das perspectivas museológicas do ponto e a previsão do desenvolvimento
de suas ações no que se refere ao Inventário Participativo e ao Produto de Difusão
(Novembro de 2011). Expresso no TOR, sob coordenação do Instituto Brasileiro de
Museus – Ibram em parceria com o Ministério da Justiça, no âmbito do Programa
Nacional de Segurança com Cidadania – Pronasci e a Organização dos Estados Ibero-
americanos – OEI.

Moura, M. (2011). Produto 2. Relatório descritivo e analítico, previamente aprovado pela


instância deliberativa do Ponto de Memória da Terra Firme, apresentando resultados
parciais, relativos à atuação do consultor em conjunto com a instância deliberativa,
visando o desenvolvimento de 50% do Inventário Participativo, em conformidade com o
Plano de Ação (Setembro de 2012). Expresso no TOR, sob coordenação do Instituto
Brasileiro de Museus – Ibram em parceria com o Ministério da Justiça, no âmbito do
Programa Nacional de Segurança com Cidadania – Pronasci e a Organização dos
Estados Ibero-americanos – OEI.

Moura, M. (2011). Produto 3. Relatório descritivo, previamente aprovado pela instância


deliberativa do Ponto de Memória da Terra Firme, a respeito do desenvolvimento do
Produto de Difusão (Dezembro de 2012). Expresso no TOR, sob coordenação do
Instituto Brasileiro de Museus – Ibram em parceria com o Ministério da Justiça, no
âmbito do Programa Nacional de Segurança com Cidadania – Pronasci e a
Organização dos Estados Ibero-americanos – OEI.

Noleto, D. (2011). Produto 1. Plano de Ação do Ponto de Memória da Estrutural, preenchido


em conformidade com a solicitação do Ibram e aprovado pela instância deliberativa do
referido Ponto, contendo informações a respeito da instância deliberativa, das
perspectivas museológicas do ponto e a previsão do desenvolvimento de suas ações no
que se refere ao Inventário Participativo e ao Produto de Difusão (sem data). Expresso
no TOR, sob coordenação do Instituto Brasileiro de Museus – Ibram em parceria com o

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Ministério da Justiça, no âmbito do Programa Nacional de Segurança com Cidadania –


Pronasci e a Organização dos Estados Ibero-americanos – OEI.

Noleto, D. (2011). Produto 2. Relatório descritivo e analítico, previamente aprovado pela


instância deliberativa do Ponto de Memória da Estrutural, apresentando resultados
parciais, relativos à atuação do consultor em conjunto com a instância deliberativa,
visando o desenvolvimento de 50% do Inventário Participativo, em conformidade com o
Plano de Ação (sem data). Expresso no TOR, sob coordenação do Instituto Brasileiro de
Museus – Ibram em parceria com o Ministério da Justiça, no âmbito do Programa
Nacional de Segurança com Cidadania – Pronasci e a Organização dos Estados Ibero-
americanos – OEI.

Noleto, D. (2013). Consultora local do Ponto de Memória da Estrutural – DF (Desde 2011).


Produto 3. Relatório descritivo, previamente aprovado pela instância deliberativa do
Ponto de Memória da Estrutural, a respeito do desenvolvimento do Produto de Difusão
(Julho de 2013) Expresso no TOR, sob coordenação do Instituto Brasileiro de Museus –
Ibram em parceria com o Ministério da Justiça, no âmbito do Programa Nacional de
Segurança com Cidadania – Pronasci e a Organização dos Estados Ibero-americanos –
OEI.

Oliveira, E. (2009). Produto 1. Autenticação de documentos em mídias digitais com o uso da


tecnologia de Certificação Digital padrão ICPI-Brasil e a sua aplicação nos Pontos de
Memória. Expresso no TOR, sob coordenação do Instituto Brasileiro de Museus – Ibram
em parceria com o Ministério da Justiça, no âmbito do Programa Nacional de Segurança
com Cidadania – Pronasci e a Organização dos Estados Ibero-americanos – OEI.

Oliveira, E. (2009). Produto 2. Padrões de armazenamento de arquivos digitais em “banco


de dados centralizado” compatíveis com os padrões de metadados internacionais e a
sua aplicação nos Pontos de Memória. Expresso no TOR, sob coordenação do Instituto
Brasileiro de Museus – Ibram em parceria com o Ministério da Justiça, no âmbito do
Programa Nacional de Segurança com Cidadania – Pronasci e a Organização dos
Estados Ibero-americanos – OEI.

Oliveira, E. (2009). Produto 3. Padrões de armazenamento de arquivos digitais de “imagens


fotográficas” em bancos de dados centralizados, compatíveis com os padrões de
metadados internacionais e a sua aplicação nos Pontos de Memória. Expresso no TOR,
sob coordenação do Instituto Brasileiro de Museus – Ibram em parceria com o Ministério
da Justiça, no âmbito do Programa Nacional de Segurança com Cidadania – Pronasci e
a Organização dos Estados Ibero-americanos – OEI.

Oliveira, E. (2009). Produto 4. Padrões de armazenamento de arquivos digitais de “áudio”


em bancos de dados centralizados, compatíveis com os padrões de metadados
internacionais e a sua aplicação nos Pontos de Memória. Expresso no TOR, sob
coordenação do Instituto Brasileiro de Museus – Ibram em parceria com o Ministério da
Justiça, no âmbito do Programa Nacional de Segurança com Cidadania – Pronasci e a
Organização dos Estados Ibero-americanos – OEI.

Oliveira, E. (2009). Produto 5. Padrões de armazenamento de arquivos digitais de “vídeo


(imagens em movimento e documentos sonoros)” em banco de dados centralizado,
compatíveis com os padrões de metadados internacionais e a sua aplicação nos Pontos
de Memória. Expresso no TOR, sob coordenação do Instituto Brasileiro de Museus –
Ibram em parceria com o Ministério da Justiça, no âmbito do Programa Nacional de

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Segurança com Cidadania – Pronasci e a Organização dos Estados Ibero-americanos –


OEI.

Oliveira, E. (2009). Produto 6. Criação de base de dados centralizada que possibilite a


documentação, gestão de acervos museais e mídias eletrônicas, produção e
disseminação da informação, seguindo os padrões internacionais e a sua aplicação nos
Pontos de Memória. Expresso no TOR, sob coordenação do Instituto Brasileiro de
Museus – Ibram em parceria com o Ministério da Justiça, no âmbito do Programa
Nacional de Segurança com Cidadania – Pronasci e a Organização dos Estados Ibero-
americanos – OEI.

Oliveira, E. (2009). Produto 7. Desenvolvimento de portal de internet (WEB) em linguagem


Active Server Pages, com informações disponíveis em Base de Dados Centralizada,
prevendo as áreas de notícias, políticas, eventos museais, políticas, Programas e ações
do campo museal, bem como a disponibilização dos arquivos digitais de textos, sons,
imagens e vídeos. Expresso no TOR, sob coordenação do Instituto Brasileiro de
Museus – Ibram em parceria com o Ministério da Justiça, no âmbito do Programa
Nacional de Segurança com Cidadania – Pronasci e a Organização dos Estados Ibero-
americanos – OEI.

Pinto, R. C. (2011). Produto 1. Plano de Ação do Museu de Favela (MUF), preenchido em


conformidade com a solicitação do Ibram e aprovado pela instância deliberativa do
referido Ponto, contendo informações a respeito da instância deliberativa, das
perspectivas museológicas do Ponto e a previsão do desenvolvimento de suas ações
no que se refere ao Inventário Participativo e ao Produto de Difusão (Maio de 2011).
Expresso no TOR, sob coordenação do Instituto Brasileiro de Museus – Ibram em
parceria com o Ministério da Justiça, no âmbito do Programa Nacional de Segurança
com Cidadania – Pronasci e a Organização dos Estados Ibero-americanos – OEI.

Pinto, R. C. (2011). Produto 2. Relatório descritivo e analítico, previamente aprovado pela


instância deliberativa do Museu de Favela (MUF), apresentando resultados parciais,
relativos à atuação do consultor em conjunto com a instância deliberativa, visando o
desenvolvimento de 50% do Inventário Participativo, em conformidade com o Plano de
Ação (Agosto de 2011) Expresso no TOR, sob coordenação do Instituto Brasileiro de
Museus – Ibram em parceria com o Ministério da Justiça, no âmbito do Programa
Nacional de Segurança com Cidadania – Pronasci e a Organização dos Estados Ibero-
americanos – OEI.

Pinto, R. C. (2011). Produto 3. Relatório descritivo, previamente aprovado pela instância


deliberativa do Museu de Favela (MUF), a respeito do desenvolvimento do Produto de
Difusão (Novembro de 2011). Expresso no TOR, sob coordenação do Instituto Brasileiro
de Museus – Ibram em parceria com o Ministério da Justiça, no âmbito do Programa
Nacional de Segurança com Cidadania – Pronasci e a Organização dos Estados Ibero-
americanos – OEI.

Pinto, R. C. (2012). Produto 4. Documento com proposta de difusão da experiência de


Inventário Participativo do MUF para compor a estratégia à atuação em rede dos Pontos
de Memória (Junho de 2012). Expresso no TOR, sob coordenação do Instituto Brasileiro
de Museus – Ibram em parceria com o Ministério da Justiça, no âmbito do Programa
Nacional de Segurança com Cidadania – Pronasci e a Organização dos Estados Ibero-
americanos – OEI.

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Rocha, M. (2011). Produto 1. Plano de Ação do Ponto de Memória Museu de Periferia,


preenchido em conformidade com a solicitação do Ibram e aprovado pela instância
deliberativa do referido Ponto, contendo informações a respeito da instância
deliberativa, das perspectivas museológicas do ponto e a previsão do desenvolvimento
de suas ações no que se refere ao Inventário Participativo e ao Produto de Difusão.
Expresso no TOR, sob coordenação do Instituto Brasileiro de Museus – Ibram em
parceria com o Ministério da Justiça, no âmbito do Programa Nacional de Segurança
com Cidadania – Pronasci e a Organização dos Estados Ibero-americanos – OEI.

Rocha, M. (2012). Produto 2. Relatório descritivo e analítico, previamente aprovado pela


instância deliberativa do Ponto de Memória Sítio Cercado, apresentando resultados
parciais, relativas à atuação do consultor em conjunto com a instância deliberativa,
visando ao desenvolvimento de 50% do Inventário Participativo, em conformidade com
o Plano de Ação (Janeiro de 2012). Expresso no TOR, sob coordenação do Instituto
Brasileiro de Museus – Ibram em parceria com o Ministério da Justiça, no âmbito do
Programa Nacional de Segurança com Cidadania – Pronasci e a Organização dos
Estados Ibero-americanos – OEI.

Rocha, M. (2012). Produto 3. Relatório descritivo, previamente aprovado pela instância


deliberativa do Ponto de Memória Sítio Cercado, a respeito do desenvolvimento do
Produto de Difusão (Junho de 2012) Expresso no TOR, sob coordenação do Instituto
Brasileiro de Museus – Ibram em parceria com o Ministério da Justiça, no âmbito do
Programa Nacional de Segurança com Cidadania – Pronasci e a Organização dos
Estados Ibero-americanos – OEI.

Rodrigues, V. (2011). Produto 1. Plano de Ação do Ponto Museu Cultura Periférica


preenchido em conformidade com a solicitação do Ibram e aprovado pela instância
deliberativa do referido Ponto, contendo informações a respeito da instância
deliberativa, das perspectivas museológicas do ponto e a previsão do desenvolvimento
de suas ações no que se refere ao Inventário Participativo e ao Produto de Difusão
(Agosto de 2011). Expresso no TOR, sob coordenação do Instituto Brasileiro de Museus
– Ibram em parceria com o Ministério da Justiça, no âmbito do Programa Nacional de
Segurança com Cidadania – Pronasci e a Organização dos Estados Ibero-americanos –
OEI.

Rodrigues, V. (2012). Produto 2. Relatório descritivo e analítico, previamente aprovado pela


instância deliberativa do Ponto de Memória de Jacintinho, apresentando resultados
parciais, relativas à atuação do consultor em conjunto com a instância deliberativa,
visando ao desenvolvimento de 50% do Inventário Participativo, em conformidade com
o Plano de Ação (Junho de 2013). Expresso no TOR, sob coordenação do Instituto
Brasileiro de Museus – Ibram em parceria com o Ministério da Justiça, no âmbito do
Programa Nacional de Segurança com Cidadania – Pronasci e a Organização dos
Estados Ibero-americanos – OEI.

Rodrigues, V. (2012). Produto 3. Relatório descritivo, previamente aprovado pela instância


deliberativa do Ponto de Memória de Jacintinho, a respeito do desenvolvimento do
Produto de Difusão (Julho de 2013). Expresso no TOR, sob coordenação do Instituto
Brasileiro de Museus – Ibram em parceria com o Ministério da Justiça, no âmbito do
Programa Nacional de Segurança com Cidadania – Pronasci e a Organização dos
Estados Ibero-americanos – OEI.

Schuabb, S. C. (2010). Produto 1. Documento contendo Plano de Comunicação para o


Projeto Pontos de Memória com o foco no fortalecimento da comunicação de caráter
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comunitário (Fevereiro de 2010) Expresso no TOR, sob coordenação do Instituto


Brasileiro de Museus – Ibram em parceria com o Ministério da Justiça, no âmbito do
Programa Nacional de Segurança com Cidadania – Pronasci e a Organização dos
Estados Ibero-americanos – OEI.

Schuabb, S. C. (2010). Produto 2. Documento contendo os textos de comunicação


comunitária sobre as atividades pertinentes ao processo de constituição dos Pontos de
Memória (Abril de 2010) Expresso no TOR, sob coordenação do Instituto Brasileiro de
Museus – Ibram em parceria com o Ministério da Justiça, no âmbito do Programa
Nacional de Segurança com Cidadania – Pronasci e a Organização dos Estados Ibero-
americanos – OEI.

Schuabb, S. C. (2010). Produto 3. Documento com clipping – matérias publicadas nos meios
de comunicação pertinentes ao processo de constituição dos Pontos de Memória e
avaliação da estratégia de comunicação comunitária (Abril de 2010) Expresso no TOR,
sob coordenação do Instituto Brasileiro de Museus – Ibram em parceria com o Ministério
da Justiça, no âmbito do Programa Nacional de Segurança com Cidadania – Pronasci e
a Organização dos Estados Ibero-americanos – OEI.

Schuabb, S. C. (2010). Produto 4. Dossiê dos eventos (oficinas, seminários internos,


encontros de intercâmbio) com informações e análise dos resultados do Projeto Pontos
de Memória (Abril de 2010). Expresso no TOR, sob coordenação do Instituto Brasileiro
de Museus – Ibram em parceria com o Ministério da Justiça, no âmbito do Programa
Nacional de Segurança com Cidadania – Pronasci e a Organização dos Estados Ibero-
americanos – OEI.

Schuabb, S. C. (2010). Produto 5. Conteúdo para o Portal Pontos de Memória (Abril de


2010). Expresso no TOR, sob coordenação do Instituto Brasileiro de Museus – Ibram
em parceria com o Ministério da Justiça, no âmbito do Programa Nacional de Segurança
com Cidadania – Pronasci e a Organização dos Estados Ibero-americanos – OEI.

Schuabb, S. C. (2010). Produto 6. Relatório sobre a estratégia de comunicação comunitária,


com planejamento que fortaleça a Rede Pontos de Memória (Fevereiro de 2011)
Expresso no TOR, sob coordenação do Instituto Brasileiro de Museus – Ibram em
parceria com o Ministério da Justiça, no âmbito do Programa Nacional de Segurança
com Cidadania – Pronasci e a Organização dos Estados Ibero-americanos – OEI.

Schuabb, S. C. (2011) Produto 1. Documento com diagnóstico do potencial de comunicação


existente nos 12 Pontos de Memória (Junho de 2011) Expresso no TOR, sob
coordenação do Instituto Brasileiro de Museus – Ibram em parceria com o Ministério da
Justiça, no âmbito do Programa Nacional de Segurança com Cidadania – Pronasci e a
Organização dos Estados Ibero-americanos – OEI.

Schuabb, S. C. (2011). Produto 2. Documento com plano de comunicação comunitária para


cada Ponto de Memória, para o fortalecimento da Rede Pontos de Memória (Agosto de
2011) Expresso no TOR, sob coordenação do Instituto Brasileiro de Museus – Ibram em
parceria com o Ministério da Justiça, no âmbito do Programa Nacional de Segurança
com Cidadania – Pronasci e a Organização dos Estados Ibero-americanos – OEI.

Schuabb, S. C. (2011). Produto 3. Documento com proposta de conteúdo para a publicação


ilustrada dos Pontos de Memória (Outubro de 2011). Expresso no TOR, sob
coordenação do Instituto Brasileiro de Museus – Ibram em parceria com o Ministério da

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Justiça, no âmbito do Programa Nacional de Segurança com Cidadania – Pronasci e a


Organização dos Estados Ibero-americanos – OEI.

Schuabb, S. C. (2011). Produto 4. Documento com matérias sobre os acervos inventariados


e os Produtos de Difusão lançados pelos Pontos de Memória em 2011 (Dezembro de
2011) Expresso no TOR, sob coordenação do Instituto Brasileiro de Museus – Ibram em
parceria com o Ministério da Justiça, no âmbito do Programa Nacional de Segurança
com Cidadania – Pronasci e a Organização dos Estados Ibero-americanos – OEI.

Schuabb, S. C. (2013). Produto 1. Material de difusão sobre o Programa Pontos de


Memória, no âmbito do Projeto Conexões Ibram, com base nas diretrizes do Plano
Nacional de Cultura, na Política Nacional de Museus e no Plano Nacional Setorial de
Museus (Sem data). Expresso no TOR, sob coordenação do Instituto Brasileiro de
Museus – Ibram em parceria com o Ministério da Justiça, no âmbito do Programa
Nacional de Segurança com Cidadania – Pronasci e a Organização dos Estados Ibero-
americanos – OEI.

Schuabb, S. C. (2013). Produto 2. Mapeamento da rede de relações de interesse para os


Pontos de Memória, em âmbito nacional (Sem data). Expresso no TOR, sob
coordenação do Instituto Brasileiro de Museus – Ibram em parceria com o Ministério da
Justiça, no âmbito do Programa Nacional de Segurança com Cidadania – Pronasci e a
Organização dos Estados Ibero-americanos – OEI.

Schuabb, S. C. (2013). Produto 3. Proposta de estratégia de articulação entre os Pontos de


Memória e as instâncias de interesse identificadas (Dezembro de 2012) Expresso no
TOR, sob coordenação do Instituto Brasileiro de Museus – Ibram em parceria com o
Ministério da Justiça, no âmbito do Programa Nacional de Segurança com Cidadania –
Pronasci e a Organização dos Estados Ibero-americanos – OEI.

Schuabb, S. C. (2013). Produto 4. Proposta de formação e articulação das redes estaduais


de Pontos de Memória, ecomuseus e museus comunitários do Brasil (Sem data).
Expresso no TOR, sob coordenação do Instituto Brasileiro de Museus – Ibram em
parceria com o Ministério da Justiça, no âmbito do Programa Nacional de Segurança
com Cidadania – Pronasci e a Organização dos Estados Ibero-americanos – OEI.

Schuabb, S. C. (2013). Produto 5. Documento descritivo-analítico sobre as ações


desenvolvidas no Programa Pontos de Memória em 2012, na perspectiva do
fortalecimento das articulações institucionais e comunitárias para a ampliação em rede
do Programa (Fevereiro de 2013). Expresso no TOR, sob coordenação do Instituto
Brasileiro de Museus – Ibram em parceria com o Ministério da Justiça, no âmbito do
Programa Nacional de Segurança com Cidadania – Pronasci e a Organização dos
Estados Ibero-americanos – OEI.

Schuabb, S. C. (2013). Produto 6. Proposta de conteúdo de apoio sobre a metodologia do


Programa Pontos de Memória para difusão entre os agentes de memória e
comunidades (Abril de 2013). Expresso no TOR, sob coordenação do Instituto Brasileiro
de Museus – Ibram em parceria com o Ministério da Justiça, no âmbito do Programa
Nacional de Segurança com Cidadania – Pronasci e a Organização dos Estados Ibero-
americanos – OEI.

Schuabb, S. C. (2013). Produto 7. Proposta de sistemática contendo estruturação e


planejamento da capacitação em rede voltada para os multiplicadores e agentes de
memórias (Julho de 2013). Expresso no TOR, sob coordenação do Instituto Brasileiro
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de Museus – Ibram em parceria com o Ministério da Justiça, no âmbito do Programa


Nacional de Segurança com Cidadania – Pronasci e a Organização dos Estados Ibero-
americanos – OEI.

Schuabb, S. C. (2013). Produto 8. Proposta de sistemática para a realização de encontros


de intercâmbio das redes de Pontos de Memória e agentes de memória – Teias da
Memória, em suas ações sociais e técnico-operacionais nas comunidades (Novembro
de 2013). Expresso no TOR, sob coordenação do Instituto Brasileiro de Museus – Ibram
em parceria com o Ministério da Justiça, no âmbito do Programa Nacional de Segurança
com Cidadania – Pronasci e a Organização dos Estados Ibero-americanos – OEI.

Silva, W. (2011). Produto 1. Plano de Ação do Ponto de Memória de Taquaril, preenchido em


conformidade com a solicitação do Ibram e aprovado pela instância deliberativa do
referido Ponto, contendo informações a respeito da instância deliberativa, das
perspectivas museológicas do Ponto e a previsão do desenvolvimento de suas ações
no que se refere ao Inventário Participativo e ao Produto de Difusão (Novembro de
2011). Expresso no TOR, sob coordenação do Instituto Brasileiro de Museus – Ibram
em parceria com o Ministério da Justiça, no âmbito do Programa Nacional de Segurança
com Cidadania – Pronasci e a Organização dos Estados Ibero-americanos – OEI.

Silva, W. (2012). Produto 2. Relatório descritivo e analítico, previamente aprovado pela


instância deliberativa do Ponto de Memória de Taquaril, apresentando resultados
parciais, relativos à atuação do consultor em conjunto com a instância deliberativa,
visando o desenvolvimento de 50% do Inventário Participativo, em conformidade com o
Plano de Ação (Novembro de 2012) Expresso no TOR, sob coordenação do Instituto
Brasileiro de Museus – Ibram em parceria com o Ministério da Justiça, no âmbito do
Programa Nacional de Segurança com Cidadania – Pronasci e a Organização dos
Estados Ibero-americanos – OEI.

Silva, W. (2012). Produto 3. Relatório descritivo, previamente aprovado pela instância


deliberativa do Ponto de Memória de Taquaril, a respeito do desenvolvimento do
Produto de Difusão (Novembro de 2012). Expresso no TOR, sob coordenação do
Instituto Brasileiro de Museus – Ibram em parceria com o Ministério da Justiça, no
âmbito do Programa Nacional de Segurança com Cidadania – Pronasci e a
Organização dos Estados Ibero-americanos – OEI.

Spin, N. (2013). Produto 1. Documento técnico contendo estudo processual do Projeto


Pontos de Memória, a legislação pertinente e proposição de medidas para o melhor
planejamento, organização e controle de suas atividades técnicas e operacionais (Maio
de 2013). Expresso no TOR, sob coordenação do Instituto Brasileiro de Museus – Ibram
em parceria com o Ministério da Justiça, no âmbito do Programa Nacional de Segurança
com Cidadania – Pronasci e a Organização dos Estados Ibero-americanos – OEI.

Spin, N. (2013). Produto 2. Documento técnico contendo estudo das melhores práticas na
condução de projetos de CTI (Cooperação Técnica Internacional) assemelhados e
proposta de sistemática para a execução técnica e operacional do Projeto Pontos de
Memória (Julho de 2013) Expresso no TOR, sob coordenação do Instituto Brasileiro de
Museus – Ibram em parceria com o Ministério da Justiça, no âmbito do Programa
Nacional de Segurança com Cidadania – Pronasci e a Organização dos Estados Ibero-
americanos – OEI.

Spin, N. (2013). Produto 3. Documento técnico contendo proposta de manual, formulários e


anexos/checklists para a condução de reuniões com a metodologia de gestão
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participativa (Setembro de 2013) Expresso no TOR, sob coordenação do Instituto


Brasileiro de Museus – Ibram em parceria com o Ministério da Justiça, no âmbito do
Programa Nacional de Segurança com Cidadania – Pronasci e a Organização dos
Estados Ibero-americanos – OEI.

Spin, N. (2013). Produto 4. Documento técnico contendo análise do desenvolvimento e


execução do projeto por meio dos sistemas integrados de gestão pertinentes aos
projetos de CTI, propondo melhorias sistemáticas nos seus preenchimentos (Novembro
de 2013). Expresso no TOR, sob coordenação do Instituto Brasileiro de Museus – Ibram
em parceria com o Ministério da Justiça, no âmbito do Programa Nacional de Segurança
com Cidadania – Pronasci e a Organização dos Estados Ibero-americanos – OEI.

Storino, C. (2010). Produto 1. Documento preliminar com a sistematização dos contatos e


informações pertinentes aos profissionais envolvidos no Projeto Pontos de Memória,
sob a coordenação do Ibram, nos termos do TOR 136 da OEI. Expresso no TOR, sob
coordenação do Instituto Brasileiro de Museus – Ibram em parceria com o Ministério da
Justiça, no âmbito do Programa Nacional de Segurança com Cidadania – Pronasci e a
Organização dos Estados Ibero-americanos – OEI.

Storino, C. (2010/2011). Produto 2. Documento sobre a Programação de visitas da equipe de


consultores e do Ibram às comunidades beneficiadas, nos termos do TOR 136 da OEI
(sem data). Expresso no TOR, sob coordenação do Instituto Brasileiro de Museus –
Ibram em parceria com o Ministério da Justiça, no âmbito do Programa Nacional de
Segurança com Cidadania – Pronasci e a Organização dos Estados Ibero-americanos –
OEI.

Storino, C. (2010/2011). Produto 3. 1º Relatório de acompanhamento das atividades


constantes do Plano de Trabalho do Projeto, incluindo a sistematização dos gastos e
custos do Projeto, nos termos do TOR 136 da OEI (Dezembro, 2010) Expresso no TOR,
sob coordenação do Instituto Brasileiro de Museus – Ibram em parceria com o Ministério
da Justiça, no âmbito do Programa Nacional de Segurança com Cidadania – Pronasci e
a Organização dos Estados Ibero-americanos – OEI.

Storino, C. (2010/2011). Produto 4. Plano de Trabalho do Projeto revisado para o ano de


2010, nos termos do TOR 136 da OEI (Julho de 2010) Expresso no TOR, sob
coordenação do Instituto Brasileiro de Museus – Ibram em parceria com o Ministério da
Justiça, no âmbito do Programa Nacional de Segurança com Cidadania – Pronasci e a
Organização dos Estados Ibero-americanos – OEI.

Storino, C. (2010/2011). Produto 5. 2º Relatório de acompanhamento das atividades


constantes do Plano de Trabalho do Projeto, incluindo a sistematização dos gastos e
custos do Projeto, nos termos do TOR 136 da OEI. Expresso no TOR, sob coordenação
do Instituto Brasileiro de Museus – Ibram em parceria com o Ministério da Justiça, no
âmbito do Programa Nacional de Segurança com Cidadania – Pronasci e a
Organização dos Estados Ibero-americanos – OEI.

Storino, C. (2010/2011). Produto 6. Plano de Trabalho do Projeto revisado para o ano de


2011, nos termos do TOR 136 da OEI (Janeiro de 2011) Expresso no TOR, sob
coordenação do Instituto Brasileiro de Museus – Ibram em parceria com o Ministério da
Justiça, no âmbito do Programa Nacional de Segurança com Cidadania – Pronasci e a
Organização dos Estados Ibero-americanos – OEI.

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Storino, C. (2010/2011). Produto 7. Consolidação dos documentos e anexos pertinentes ao


desenvolvimento das atividades constantes do Plano de Trabalho do Projeto, nos
termos do TOR 136 da OEI (Janeiro de 2011). Expresso no TOR, sob coordenação do
Instituto Brasileiro de Museus – Ibram em parceria com o Ministério da Justiça, no
âmbito do Programa Nacional de Segurança com Cidadania – Pronasci e a
Organização dos Estados Ibero-americanos – OEI.

Toledo, W. S. (2003). Produto 1. Documento técnico com proposta de concepção da


instância de gestão participativa/ compartilhada do Programa Pontos de Memória,
apontando seu caráter, finalidades, atribuições e critérios de composição, de modo a
garantir o fortalecimento e a salvaguarda de seus princípios norteadores, bem como a
representatividade do universo de iniciativas de Museologia Social mapeadas no país
(Agosto de 2013). Expresso no TOR, sob coordenação do Instituto Brasileiro de Museus
– Ibram em parceria com o Ministério da Justiça, no âmbito do Programa Nacional de
Segurança com Cidadania – Pronasci e a Organização dos Estados Ibero-americanos –
OEI.

Toledo, W. S. (2003). Produto 2. Documento técnico com proposta de sistemática para


legitimação da instância de gestão participativa/ compartilhada do Programa Pontos de
Memória, a ser apresentada e trabalhada no encontro em âmbito nacional dos Pontos
de Memória (Novembro de 2013). Expresso no TOR, sob coordenação do Instituto
Brasileiro de Museus – Ibram em parceria com o Ministério da Justiça, no âmbito do
Programa Nacional de Segurança com Cidadania – Pronasci e a Organização dos
Estados Ibero-americanos – OEI.

Toledo, W. S. (2009). Produto 2. Documento preliminar sobre metodologia para implantação


dos Pontos de Memória (Outubro de 2009). Expresso no TOR, sob coordenação do
Instituto Brasileiro de Museus – Ibram em parceria com o Ministério da Justiça, no
âmbito do Programa Nacional de Segurança com Cidadania – Pronasci e a
Organização dos Estados Ibero-americanos – OEI.

Toledo, W. S. (2009). Produto 3. Documento preliminar com alternativas de instrumentos a


serem utilizados na implantação do Projeto Ponto de Memória (Fevereiro de 2010)
Expresso no TOR, sob coordenação do Instituto Brasileiro de Museus – Ibram em
parceria com o Ministério da Justiça, no âmbito do Programa Nacional de Segurança
com Cidadania – Pronasci e a Organização dos Estados Ibero-americanos – OEI.

Toledo, W. S. (2009). Produto 4. Documento preliminar com resultados parciais das visitas
técnicas de sondagem nas 12 localidades indicadas e avaliação preliminar da situação
para a implantação dos Pontos de Memória (Fevereiro de 2010) Expresso no TOR, sob
coordenação do Instituto Brasileiro de Museus – Ibram em parceria com o Ministério da
Justiça, no âmbito do Programa Nacional de Segurança com Cidadania – Pronasci e a
Organização dos Estados Ibero-americanos – OEI.

Toledo, W. S. (2009/2010). Produto 1. Documento preliminar com o conjunto de conceitos


que integram o escopo de trabalho do Projeto Ponto de Memória. (Agosto de 2009).
Expresso no TOR, sob coordenação do Instituto Brasileiro de Museus – Ibram em
parceria com o Ministério da Justiça, no âmbito do Programa Nacional de Segurança
com Cidadania – Pronasci e a Organização dos Estados Ibero-americanos – OEI.

Toledo, W. S. (2010). Produto 5. Documento final com resultados dos trabalhos de


elaboração da metodologia e sondagem dos 12 Pontos de Memória (sem data)
Expresso no TOR, sob coordenação do Instituto Brasileiro de Museus – Ibram em
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parceria com o Ministério da Justiça, no âmbito do Programa Nacional de Segurança


com Cidadania – Pronasci e a Organização dos Estados Ibero-americanos – OEI.

Toledo, W. S. (2010). Produto 6. Documento final com uma proposta de estruturas de


processo de trabalho para a capacitação dos agentes da comunidade que irão trabalhar
para a implantação do Projeto Pontos de Memória. Expresso no TOR, sob coordenação
do Instituto Brasileiro de Museus – Ibram em parceria com o Ministério da Justiça, no
âmbito do Programa Nacional de Segurança com Cidadania – Pronasci e a
Organização dos Estados Ibero-americanos – OEI.

Toledo, W. S. (2010). Produto 7. Documento final com a consolidação dos resultados e


validação dos instrumentos e propostas de metodologia para implantação dos Pontos
de Memória Expresso no TOR, sob coordenação do Instituto Brasileiro de Museus –
Ibram em parceria com o Ministério da Justiça, no âmbito do Programa Nacional de
Segurança com Cidadania – Pronasci e a Organização dos Estados Ibero-americanos –
OEI.

Varanda, A, P. M. (2010). Produto I. Proposta de assessoria técnica para formulação de


modelos de gestão a serem aplicados em cada um dos Pontos de Memória (Julho de
2010). Expresso no TOR, sob coordenação do Instituto Brasileiro de Museus – Ibram
em parceria com o Ministério da Justiça, no âmbito do Programa Nacional de Segurança
com Cidadania – Pronasci e a Organização dos Estados Ibero-americanos – OEI.

Vieira, J. P. N. (2013). Produto 1. Documento técnico com levantamento analítico de


metodologias em Inventário Participativo e proposta de conteúdo programático para
capacitação no tema, voltado para agentes de memória e multiplicadores em âmbito
nacional, contendo ementa, metodologia e referencial teórico-conceitual (Setembro de
2013) Expresso no TOR, sob coordenação do Instituto Brasileiro de Museus – Ibram em
parceria com o Ministério da Justiça, no âmbito do Programa Nacional de Segurança
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