Memória e Preservação Do Patrimônio Histórico
Memória e Preservação Do Patrimônio Histórico
Memória e Preservação Do Patrimônio Histórico
PRESERVAÇÃO DO
PATRIMÔNIO
SUMÁRIO
Apresentação 4
Autor 5
UNIDADE 1
UNIDADE 2
UNIDADE 3
UNIDADE 4
Memória e Preservação do Patrimônio é uma das disciplinas que compõem o eixo central
de formação do professor de História. A centralidade dessa disciplina se deve ao percurso
formativo proposto e à relação entre a teoria e a prática. A disciplina tem por objetivo
identificar, analisar e elaborar a articulação entre a memória e o patrimônio, no processo e na
formação dos jovens alunos de acordo com os currículos escolares, indicando atividades
que poderão ser realizadas a fim de valorizar e significar o conhecimento. Esse objetivo
será atingido a partir da competência do professor no uso da memória e do patrimônio
cultural como elementos essenciais no processo de formação crítica do aluno a partir
da problematização das múltiplas experiências que compõem a sociedade brasileira em
diferentes momentos e espaços. Assim, o licenciando deverá, ao longo da disciplina,
desenvolver as habilidades de identificação dos elementos que compõem o patrimônio
histórico-cultural brasileiro: memória, patrimônio material e imaterial, a paisagem cultural
e suas matrizes formadoras. Compreender a interação entre os elementos que compõem
o patrimônio histórico-cultural a partir dos processos de marginalidade e oficialidade
estabelecidos pela sociedade e pelo IPHAN. Analisar as disputas narrativas dos espaços
escolares e não escolares na produção e significação da memória, dos patrimônios, da
paisagem cultural e da história pública que constituem os sujeitos históricos. Elaborar
projetos educacionais, a partir da concepção de cidade educativa, compostos de métodos
e técnicas pedagógicas diversificados que dialoguem com outras áreas e linguagens
aplicáveis nos diferentes níveis de ensino. Por que a memória e o patrimônio possuem
essa centralidade? Memória é elemento essencial para formação da identidade dos
indivíduos. Essas memórias individuais e coletivas, costuradas por meio de relatos orais,
fotos, lembranças e, por vezes, documentos oficiais (certidões, por exemplo) permitem
aos indivíduos sua autodefinição e o reconhecimento de diferenças e paridades com
outros indivíduos. Lembrando que existe uma relação dialética da memória com o tempo
presente e seus efeitos sobre a identidade, sobre a própria memória e a sociedade atual.
E o patrimônio? Pensá-lo, entre outras possibilidades, é conectar os alicerces de uma
identidade nacional, compreendendo-o como um discurso constituinte da nação. Dessa
forma, os patrimônios estão sujeitos a disputas de poder resultantes das dinâmicas que
legitimam e silenciam determinadas datas, acontecimentos, personagens e lugares.
Assim, os patrimônios estão sujeitos aos interesses de comunidades, organismos civis e
políticos na construção de uma determinada identidade.
4
AUTOR
C. Lattes
5
UNIDADE 1
Cultura e as matrizes da
sociedade brasileira
INTRODUÇÃO
OBJETIVO
7
A memória e o patrimônio como elementos
culturais
8
As escolas e suas comunidades respiram e discutem cultura numa ação dialética, ora
de enfrentamento, ora de assimilação de cabedais populares e científicos. Legalmente,
as leis e os documentos de orientação escolar trabalham a cultura sob diferentes visões.
Na Constituição da República Federativa do Brasil (1988), a palavra cultura é escrita 144
vezes – em sua ampla maioria, como sinônimo de produção histórica e/ou artística.
Alguns pontos, porém, merecem destaque, pois legitimam o diálogo que pretendemos
estabelecer nesta disciplina, prospectando, ora como conteúdo, ora como competência
e habilidade, o que se pretende desenvolver no licenciando. Assim, o artigo 4º da
Constituição Brasileira apresenta em seu parágrafo único: “A República Federativa do
Brasil buscará a integração econômica, política, social e cultural dos povos da América
Latina, visando à formação de uma comunidade latino-americana de nações” (BRASIL,
1988, p. 11).
A busca por uma comunidade latino-americana por meio da integração cultural é uma
visão que nos remete ao passado histórico e ao futuro de formação de uma cultura
global – no sentido construído pelo antropólogo argentino Néstor García Canclini (1939).
Assim, um produto cultural que antes possuía uma especificidade afetiva no interior
de uma comunidade pode ser redimensionado a partir da globalização, passando a
dialogar, dentro de uma cadeia de consumo, com novos usos, significados e significantes
atribuídos por seu consumidor (CANCLINI, 2003). Nesse novo contexto, o teórico cultural
e sociólogo jamaicano Stuart Hall (1932-2014) vê como alternativa uma forma específica
de relação cultural:
A Constituição segue como fonte importante para nossa reflexão sobre cultura, pois
explicita no artigo 210 que “serão fixados conteúdos mínimos para o Ensino Fundamental,
de maneira a assegurar formação básica comum e respeito aos valores culturais e
artísticos, nacionais e regionais” (BRASIL, 1988, p. 124). Dessa forma, a cultura é um tema
de extrema relevância e o ensino do respeito às suas diferentes formas deve ocorrer
ainda no Ensino Fundamental. Decorre daí a necessidade de sua produção, preservação
e divulgação, conforme apresentado pela Seção II da Carta Magna no artigo 125, seus
9
parágrafos e incisos. Justo nesse ponto da Constituição Federal, o parágrafo 1º versa
sobre o papel do Estado (União) na proteção de direitos a determinadas comunidades
étnicas. “O Estado protegerá as manifestações das culturas populares, indígenas e
afro-brasileiras, e das de outros grupos participantes do processo civilizatório nacional”
(BRASIL, 1988, p. 126).
10
Todas essas considerações de ordem teórica devem considerar
a experiência dos alunos e professores, tendo em vista a
realidade social e o universo da comunidade escolar, bem como
seus referenciais históricos, sociais e culturais. Ao promover a
diversidade de análises e proposições, espera-se que os alunos
construam as próprias interpretações, de forma fundamentada
e rigorosa. Convém destacar as temáticas voltadas para a
diversidade cultural e para as múltiplas configurações identitárias,
destacando-se as abordagens relacionadas à história dos
povos indígenas originários e africanos. Ressalta-se, também,
na formação da sociedade brasileira, a presença de diferentes
povos e culturas, suas contradições sociais e culturais e suas
articulações com outros povos e sociedades. A inclusão dos temas
obrigatórios definidos pela legislação vigente, tais como a história
da África e das culturas afro-brasileira e indígena, deve ultrapassar
a dimensão puramente retórica e permitir que se defenda o
estudo dessas populações como artífices da própria história do
Brasil. A relevância da história desses grupos humanos reside
na possibilidade de os estudantes compreenderem o papel das
alteridades presentes na sociedade brasileira, comprometerem-
se com elas e, ainda, perceberem que existem outros referenciais
de produção, circulação e transmissão de conhecimentos, que
podem se entrecruzar com aqueles considerados consagrados
nos espaços formais de produção de saber (BRASIL, 2017, p. 399).
11
Em O que é história cultural? (2008) Peter Burke refez os passos da história cultural,
percorrendo seu itinerário a partir da divisão em quatro momentos: o primeiro,
denominado fase clássica, quando se buscaram conectar as diferentes artes e sua
produção; o segundo, ligado à história social e como a cultura influenciava outras áreas; o
terceiro, associado à descoberta do povo, sua cultura, produção e transmissão; e, dessas
discussões, o resultado foi a fundação da Nova História Cultural, quarto momento desse
processo. Foi a partir do olhar burkeniano que se tornou possível retomar o conceito de
Edward B. Tylor e realizar a crítica a ele. O conceito de Tylor sobre cultura possuía o mérito
da perspectiva universalista, porém era preciso observar que todo discurso possuía um
contexto de produção e, assim, sua obra principal, Cultura primitiva (1871), dialogava
com o contexto formado pelo evolucionismo, proveniente do impacto do lançamento do
livro A origem das espécies (1859) de Charles Darwin (1809-1882).
A principal crítica ao conceito de Tylor foi formulada por Franz Uri Boas (1858-1942),
antropólogo alemão radicado nos Estados Unidos. Boas foi responsável por romper com
a ideia do evolucionismo cultural pautado na ortogênese — ou seja, o desenvolvimento
genético do indivíduo desde o zigoto até a fase adulta —, pois, segundo Boas, transpor o
princípio biológico para a cultura apagava as diferentes origens, os diversos processos
históricos e adaptativos, bem como suas novas interações. De seus estudos resultou
a Escola Cultural Americana, que afirmava a singularidade de cada cultura a partir de
sua própria história. Essa perspectiva possibilitou o surgimento da ideia de relativismo
cultural, pela qual se busca observar o mundo sem uma perspectiva particular, ou seja, o
observador busca despir-se de seus valores para observar uma outra sociedade e, assim,
evitar uma hierarquização a partir de seu referencial cultural.
12
Mas o que a história diz sobre cultura?
Um olhar histórico dos estudos sobre a cultura nos remete a Heródoto (484-424 a.C.),
o historiador grego que, ao analisar os hábitos culturais dos lícios (sociedade situada
na atual região da Turquia), percebeu que esse povo adotava como forma identitária o
nome de suas mães (matrilinear), contrariando o costume da época entre os gregos em
adotar o nome dos pais (patrilinear). Heródoto, ao constatar a existência de outras formas
culturais, percebeu as diversidades existentes. Tal surpresa acompanhou os relatos de
outros que se dedicaram a escrever sobre os hábitos culturais de outras sociedades.
Porém, na grande maioria das vezes, o estudo da cultura teve por objetivo classificar e
hierarquizar as sociedades, sempre com base no etnocentrismo — conceito oriundo do
campo da antropologia que pode ser definido como a observação do mundo a partir de
uma perspectiva particular, pela qual o olhar é sempre de hierarquização e superioridade
daquele que formula a observação.
13
É nesse contexto que devemos pensar a memória e o patrimônio como elementos
constituintes da cultura e sujeitos à sua dinâmica. O historiador francês Jacques
Le Goff (1924-2014) retomou a ideia de memória contida na mitologia grega, na qual
Mnemósine era a deusa mãe das nove musas que inspiravam as artes liberais, entre elas
a história (Clio), a dança (Terpsícore), a poesia lírica (Polímnia), a tragédia (Melpômene)
e a comédia (Talia). Assim, a memória seria mãe da história e de diversos segmentos
que compõem a cultura, ou seja, na construção mítica, a memória seria condição básica
para a existência da história e da cultura. O estudo da historiografia, porém, não nos leva
a crer numa existência harmônica entre memória e história; ao contrário, Mnemósine e
Clio mantiveram ao longo dos séculos uma relação tensa, baseada em apagamentos
e resgates. A memória coletiva que sobrevive, segundo Le Goff, não é resultado do que
resistiu à ação do tempo, mas sim o resultado do processo de escolhas de quem operou
a escrita da história e de quem operou no curso do tempo para preservar as fontes.
14
4) A memória não pode ser interpretada como a mera representação do passado, mas ao
contrário, pois as representações são escolhas seletivas e construídas, portanto a memória
social é um campo muito maior que a sua parte materializada em representações.
15
A memória e a oralidade entre indígenas,
portugueses e africanos
Como visto anteriormente, não há consenso sobre o termo cultura. No entanto podemos
perceber que a memória e o patrimônio são seus elementos constitutivos. Podemos
também afirmar que a memória e o patrimônio são construções sociais que podem
variar na sua preservação de acordo com os interesses de um determinado contexto
social, bem como seu uso pode evidenciar muito mais sobre como o tempo presente
seleciona o passado do que propriamente configurar a representação desse tempo
pretérito cultural.
Uma das formas de hierarquização das sociedades no passado era a observação sobre a
existência ou não da escrita, mas a escrita é uma forma de comunicação e transmissão
cultural dependente da fala, por se originar posteriormente a ela. Nascemos, enquanto
grupamento humano, na oralidade e nas representações rupestres, milênios de anos
atrás. Somente com os sumérios, egípcios, chineses e maias passamos a codificar uma
escrita e, de forma generalista, podemos datar essas ocorrências entre os anos de 3.000
a.C. até 300 a.C. Ou seja, durante a longa duração da história da humanidade vivemos
um período maior sob o domínio da tradição oral do que sob o domínio da tradição
escrita. Ainda assim, sociedades letradas, em diferentes momentos históricos, passaram
a hierarquizar, classificar e julgar como primitivas as sociedades que seguiram fazendo
uso da oralidade como principal forma de comunicação, transmissão cultural e memória.
16
É inegável que a expansão da escrita propiciou uma nova forma de organização social
e mental. Principalmente a partir da Grécia clássica – momento histórico revisitado pelo
presente com certo grau de interferência sobre essa memória selecionada e recriada,
conforme visto no tópico 1. A organização da sociedade fez surgir um sistema cultural
complexo, dotado de mecanismos de registro que permitiram a reflexão crítica sobre sua
produção. Essa visão está presente no trabalho de Godoy e o crítico literário inglês Ian
Watt (1917-1999):
Importante
17
O teatrólogo e romancista alemão Eugen Berthold Friedrich Brecht (1898-1956) foi o
responsável por materializar em arte poética uma das questões centrais sobre a exclusão
de personagens históricos. No poema “Perguntas de um operário letrado”, Brecht busca
indagar qual o lugar de memória desses personagens excluídos.
A partir da indagação proposta por Brecht, podemos nos perguntar: qual é o lugar
reservado para a história, a memória e a oralidade de indígenas e afrodescendentes no
Brasil?
18
É preciso apontar, contudo, que data de 1909 a primeira tentativa de aproximação de
um método para estudo da história indígena. Clark Wissler (1870-1947), antropólogo
americano, buscou aproximar antropologia e história por meio de uma etno-história. Seu
objetivo era criar um método para contar a história dos povos sem escrita. Se na década
de 1950 a etno-história se consolidou nos Estados Unidos, o Brasil precisou primeiro
mudar seu entendimento sobre o índio, seu passado e futuro. No livro História dos índios
no Brasil (1992), a antropóloga luso-brasileira Maria Manuela Ligeti Carneiro da Cunha
(1943-) apontou que na década de 1970, no Brasil, a percepção que predominava na
academia sobre os povos indígenas era de uma ausência de passado e uma tendência
ao desaparecimento no futuro.
E dali avistamos homens que andavam pela praia, uns sete ou oito,
segundo disseram os navios pequenos que chegaram primeiro.
[...] Pardos, nus, sem coisa alguma que lhes cobrisse suas
vergonhas. Traziam arcos nas mãos, e suas setas. Vinham todos
rijamente em direção ao batel. E Nicolau Coelho lhes fez sinal que
pousassem os arcos. E eles os depuseram. Mas não pôde deles
haver fala nem entendimento que aproveitasse, por o mar quebrar
na costa (fragmento da Carta de Pero Vaz de Caminha, 1500).
19
não queria mais combater; e decidira que era tempo de suplicar
a vida ao inimigo. Mas quando chegou o momento de realizar
essa súplica, conheceu que exigia de si mesmo uma coisa sobre-
humana, uma coisa superior às suas forças. Ele, Peri, o guerreiro
invencível, ele, o selvagem livre, o senhor das florestas, o rei dessa
terra virgem, o chefe da mais valente nação dos Guaranis, suplicar
a vida ao inimigo! Era impossível. Três vezes quis ajoelhar, e três
vezes as curvas de suas pernas distendendo-se como duas
molas de aço o obrigaram a erguer-se. Finalmente a lembrança
de Cecília foi mais forte do que a sua vontade. Ajoelhou.
20
A memória de diferentes povos indígenas possuiu diversas formas de transmissão, sendo
a oralidade a mais empregada. Porém, a oralidade indígena precisa ser compreendida em
um duplo movimento. A oralidade está associada à capacidade narrativa e, embora todo
indivíduo possua capacidade de narrar, apenas aqueles que possuem uma boa narrativa
podem contar as histórias sobre as origens. A memória está nas formas de conhecer
a natureza, na relação com a agricultura e sua representação com a cosmologia e a
subsistência.
A memória desses povos está baseada na palavra, sendo complementada pelos ritos,
símbolos, cantos, danças, artesanato, culinária, costumes e hábitos. A palavra na cultura
africana tem poder de vida e ação. Segundo o filósofo malinês Amadou Hampâte Bâ
(1901-1991):
21
A vitalidade da fala nas sociedades africanas e afrodescendentes é tão forte que
indivíduos eram escolhidos e formados para aprender, preservar e transmitir as histórias
de uma sociedade. Denominados como griots, jali ou jeli, esses indivíduos se dividiam em
músicos e contadores de histórias que eram responsáveis por armazenar os saberes e
as tradições de uma determinada sociedade. Embora, segundo a ensaísta Nelly Novaes
Coelho (1922-2017), não tenhamos mais contadores que sejam descendentes diretos
dos narradores primordiais, a força da tradição oral permanece viva nas sociedades.
22
A sociedade brasileira e sua relação com a
memória e o patrimônio
Como já observamos até aqui, a memória está ligada à capacidade dos indivíduos de
reterem e acessarem informações, mas esses dois movimentos, reter e acessar, são ações
que passam por uma série de valores subjetivos. Embora diferentes sociedades tenham
sido fundadas nas memórias orais e permaneçam fazendo uso delas, o surgimento da
escrita mudou a relação do homem com sua história. Atualmente, oralidade, escrita,
documentos, vestígios, cultura, ritos, cantos, danças, artesanatos, folclore, pinturas,
literatura, teatro e tantas outras manifestações culturais são elementos de memória e
guardam histórias das sociedades. Os museus, arquivos, estátuas, praças e uma outra
infinidade de patrimônios ajudam a preservar essas histórias, mas como a sociedade
brasileira se relaciona com sua memória e seus patrimônios?
23
Quando uma roda de samba tradicional se forma, podendo ser na Pedra do Sal (região
central do Rio de Janeiro), sob a sombra da tamarineira do Cacique de Ramos (região da
Leopoldina, no Rio de Janeiro) ou na varanda do Renascença Clube do Andaraí, no Samba
do Trabalhador (região da zona norte do Rio de Janeiro), diversas composições são
entoadas, porém a memória coletiva das pessoas ali envolvidas com a confraternização
quase nunca autoriza o esquecimento de alguns clássicos. Entre eles podemos citar:
“Agoniza, mas não morre”, de Nelson Sargento (1924-); “A batucada dos nossos tantãs”,
cantada pelo grupo de samba Fundo de Quintal, de autoria de Adilson Gavião, Sereno e
Robson Guimarães; “Alguém me avisou”, de Dona Ivone Lara (1922-2018), entre outros.
Essa é uma memória coletiva que é acessada com regularidade e que traz significância
aos indivíduos. Vejamos os versos de “Agoniza, mas não morre”, composição de Nelson
Sargento em 1979:
Samba
Agoniza, mas não morre
Alguém sempre te socorre
Antes do suspiro derradeiro
Samba
Negro, forte, destemido
Foi duramente perseguido
Na esquina, no botequim, no terreiro
Samba
Inocente, pé-no-chão
A fidalguia do salão
Te abraçou, te envolveu
24
Outro exemplo que podemos citar de memória coletiva que se mantém viva e é acessada
por diferentes indivíduos é o Samba de Roda do Recôncavo Baiano. Foi declarado
patrimônio nacional em 2004 e patrimônio oral e imaterial da humanidade em 2005
pela Unesco. Na Casa de Samba de Santo Amaro, no Festival do Samba de Roda do
Município de “Chico do Conde”, ou nas reuniões dos diversos grupos tradicionais que
extrapolaram as fronteiras da Bahia e se espraiam por Pernambuco e Rio de Janeiro, em
todos esses cantos ocorre a celebração da memória viva. Para o IPHAN, o Samba de
Roda do Recôncavo Baiano é uma expressão festiva que reúne música, dança e poesia.
Vejamos os versos do samba de roda “Segura essa água, Santo Amaro”:
A máxima sobre a ausência de memória dos brasileiros pode ser questionada até
mesmo por sua potência intergeracional, que conecta diferentes fatos históricos com
desdobramentos sociais que apresentem significância para os indivíduos. Dois exemplos
são interessantes de serem pensados pelo processo desencadeado e por seus usos
comuns. Em 1950 ocorreu o Maracanazo, a derrota da Seleção Brasileira de Futebol na
final da Copa do Mundo. Episódio ligado diretamente à identidade do povo brasileiro e
às formas como esse povo se vê e é visto. A derrota de 1x2 para a Seleção Uruguaia,
com o gol de Ghiggia (1926-2015) sobre o goleiro brasileiro Barbosa (1921-2000), expôs
uma verdade inconveniente, a “democracia racial” era uma falácia. As críticas ao goleiro
Moacir Barbosa recaíram sobre sua cor de pele e a derrota se tornou símbolo de uma
seleção que seria para sempre vira-lata. Tal condição foi atestada em nova derrota, em
1954, para a Hungria. O jornalista e escritor Nelson Rodrigues construiu uma explicação
que ainda hoje é revisitada.
25
Vejam 50. Quando se fala em 50, ninguém pensa num colapso
geral, numa pane coletiva. Não. O sujeito pensa em Barbosa,
o sujeito descarrega em Barbosa a responsabilidade maciça,
compacta da derrota. O gol de Ghiggia ficou gravado, na memória
nacional, como um frango eterno. O brasileiro já se esqueceu da
febre amarela, da vacina obrigatória, da espanhola, do assassinato
de Pinheiro Machado. Mas o que ele não esquece, nem a tiro, é o
chamado “frango” de Barbosa (RODRIGUES, 2013, p. 72).
A mídia, e não só o jornalismo esportivo, sempre lançam o olhar para o passado quando
a Seleção Brasileira de Futebol vai enfrentar a Seleção Uruguaia. O Maracanazo é uma
memória viva, revisitada e compartilhada até hoje pela sociedade brasileira. Mesmo após
o episódio do Mineiraço — referente à derrota de 1x7 para a Seleção Alemã na copa
realizada no Brasil em 2014, é ainda a derrota de 1950 lembrada, não só pela derrota da
seleção, mas também por expor as mazelas raciais brasileiras.
Por que então ouvimos dizer que “o brasileiro não tem memória”? Se grupamentos de
brasileiros são capazes de lembrar de figuras como Bobô (1962-), Zico (1953-), Viáfara
(1978-) e Roberto Dinamite (1954-), ou, Anita (1993-), Gilberto Gil (1942-), Ivete Sangalo
(1972-) e Zeca Pagodinho (1959-) por que apresentam enormes dificuldades em
reconhecer Aqualtune, Luísa Mahin, Kuêk e Galdino (1952-1997)? A explicação pode ter
início numa questão individual, ou seja, no interesse que um determinado indivíduo
26
possui sobre um determinado assunto. Nossa ontologia, porém, é formada desde a mais
tenra infância, a partir das ofertas de bens culturais que são realizados pela família, pela
escola e, em muitos casos, por uma “instituição” religiosa. Assim, existe um processo de
formação, de educação cultural, que incide diretamente sobre o interesse do indivíduo.
Essa formação, no caso da família e da “instituição religiosa”, determinará o que é aceito
e compartilhado dentro daquele grupamento social. Ou seja, o “gosto ou a preferência”
sobre um determinado bem cultural, seu consumo, sua indiferença, a rejeição ou o ato de
ignorar estão diretamente relacionados às ofertas.
Essa explicação, entretanto, atende a uma parte do problema que dialoga com o indivíduo.
Outra parte compete à sociedade e às suas escolhas, aquilo que ela pretende reconhecer,
se conhecer e ser reconhecida, a partir de uma determinada cultura e representação.
A memória e o patrimônio de um povo diz sobre seu presente, como ele se vê e como
deseja ser visto. Assim operam mecanismos oficiais e não oficiais na construção e no
apagamento de memórias sociais.
Para refletir
Observe como judeus lidam com a memória dos massacres que sofreram e
como a opinião pública se coloca diante dela. Leia sobre a importância dos
locais de preservação de memória, como a Casa de Anne Frank (Países Baixos),
o Museu Estatal de Auschwitz-Birkenau (Polônia), Yad Vashem (Israel), o Museu
do Holocausto de Curitiba (Brasil) e Museu do Holocausto, em Washington
(EUA). Agora reflita sobre esses espaços. Pense no que eles apresentam e
sobre o que desejam significar para seus visitantes. Pense no Brasil. Pense
na história do Brasil, no genocídio cometido contra índios, negros e pobres.
Quais são os espaços de preservação dessa memória? Salvo exceções, como
o Museu do Escravo de Belo Vale (MG), essas memórias não possuem vontade
social e política de serem preservadas.
27
NA PRÁTICA
Vamos realizar uma atividade prática que poderá ser utilizada em sala de aula com
os alunos de Ensino Fundamental ou Médio:
28
Resumo da Unidade 1
Na Unidade 1 você teve contato com termos como cultura, memória e patrimônio. Essa
incursão tem por objetivo iniciar o contato com esse campo de estudo, seus conceitos e
apresentar a importância de sua aplicação nas escolas.
É impossível para qualquer indivíduo se lembrar de tudo o que viveu. Vivemos num cons-
tante processo de seleção em relação às memórias e acessamos essas memórias a par-
tir de mecanismos subjetivos. A seleção e o acesso decorrem de escolhas culturais que
temos em mãos. Assim, compreender o que chamamos de cultura é fundamental para
percebermos nossos etnocentrismos e relativismos. Podemos resumir cultura como o
conjunto de manifestações produzidas pelo homem que contrastam com a natureza. Ter
uma atitude etnocêntrica é colocar em operação um olhar de julgamento e hierarquiza-
ção em relação ao outro ou à cultura do outro a partir de seus valores culturais (sociais,
morais e éticos). Já uma atitude relativista é aquela que busca observar o outro e a cultu-
ra do outro a partir dos valores culturais e históricos daquele que é observado.
29
CONCEITO
30
Referências
BÂ, A. H. A. O menino fula. São Paulo: Palas Athena; Casa das Áfricas, 2003.
BRASIL. Base Nacional Curricular Comum. Brasília: CNE, 2017. Disponível em: <http://
basenacionalcomum.mec.gov.br/wp-content/uploads/2018/02/bncc-20dez-site.pdf>.
Acesso em: 4 jan. 2019.
______. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira. Brasília: Senado Federal, 2016.
Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/seesp/arquivos/pdf/lei9394_ldbn1.pdf>. Acesso
em: 4 jan. 2019.
BURKE, P. História como memória social. In: ______. Variedades de história cultural. Rio
de Janeiro: Civilização Brasileira, 2000, p. 67-89.
CUNHA, M. C. (Org.). História dos índios no Brasil. São Paulo: FAPESP; SMC; Companhia
das Letras, 1992.
______; WATT, I. The consequences of literacy. In: ______. Comparative studies in so-
ciety and history. Estados Unidos: Cambridge University Press, 1963, p. 304-345.
GONDAR, J.; DODEBEI, V. O que é memória social? Rio de Janeiro: Contracapa, 2005.
31
LE GOFF, J. Memória. In: ______. História e memória. Campinas: Unicamp, 1994, p. 423-
483.
______; NORA, P. (Dir.). História: novos problemas. Trad. Theo Santiago. Rio de Janeiro:
Livraria Francisco Alves Editora, 1976.
_____. À sombra das chuteiras imortais. São Paulo: Cia. das Letras, 1993.
32
UNIDADE 2
Conceitos de memória e
patrimônio sob perspectiva do
IPHAN
INTRODUÇÃO
Nesta unidade aprofundaremos nosso olhar para a relação do patrimônio com a sociedade,
mediada pelo poder público. O ano de 1937 marca a criação da primeira instituição
governamental federal com a atribuição de proteção do patrimônio cultural brasileiro, o
Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional - SPHAN (Lei nº 378/1937, art. 46).
Ao longo dos anos, com a alternância de governos e de entendimento sobre o papel dessa
instituição, a relação do patrimônio com a sociedade e o poder público sofreu alterações.
Em 1970, por meio do Decreto no 66.967/1970, chegou-se ao nome que permanece até os
dias de hoje: Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – IPHAN. Muito mais
do que a alternância de nomes, a história do IPHAN representa uma parte importante da
história da memória do País. Você conhece o IPHAN? Conhece a relação entre História,
memória e patrimônio, sob o viés da principal instituição governamental de preservação
da cultural? Esse será nosso desafio. Vamos lá!
OBJETIVO
34
IPHAN: história, procedimentos e ação
Nesse sentido, qual o papel do IPHAN? Não é raro ouvirmos em algumas áreas de
preservação críticas severas à atuação do Instituto, mas, essas críticas procedem? Ou
refletem equívocos no entendimento de suas ações? Existe diálogo e educação nas
ações realizadas pelo IPHAN?
35
A primeira questão está ligada a definição do que compreendemos como patrimônio e
patrimônio cultural. No site do IPHAN, na janela Patrimônio Cultural, podemos encontrar
o seguinte entendimento:
36
patrimônios e sua materialidade. O efeito da ampliação do imaginário cristão por meio
desses rituais e a incorporação do povo à celebração de comungar valores, pão e o
vinho (ainda que apenas no mundo espiritual, uma vez que a população vivia em sua
grande maioria na miséria), despertou a contraofensiva dos nobres. Era necessário criar
marcas distintivas entre ricos e pobres nesse novo modelo de celebração da cultura.
Dessa forma, os patrimônios já existentes e aqueles que viriam a ser edificados deveriam
expressar a cultura dos nobres senhores garantindo a manutenção de sua superioridade.
Nesse contexto surgem as catedrais, expressão máxima do poder e da cultura dos
nobres, frente à fragilidade e à insignificância dos servos camponeses e suas tradições.
Atingida a estabilidade no mundo medieval a partir do século X, teve início a Baixa Idade
Média e com ela o crescimento demográfico, a necessidade de ampliação das áreas
produtivas, desejo de expandir a fé cristã, excedente de produção e a troca desses
excedentes entre as unidades produtoras, as cruzadas e as trocas comerciais e culturais
entre ocidente e oriente, consequentemente a decadência do mundo medieval e o
surgimento de uma nova classe que buscava o poder político e cultural, a burguesia.
37
Porém, a formação desses Estados não ocorreu seguindo uma uniformidade; duas
tradições se posicionaram, no tocante a patrimônio, em oposição: a tradição latina e a
tradição anglo-saxã.
Durante a Revolução Francesa, nos momentos mais agudos de conflito social, esses
patrimônios estiveram sob ameaça. Já no ano de 1789 iniciam-se os debates sobre a
preservação do patrimônio, uma ação que visava cessar o “vandalismo” sobre os bens e
assim a Superintendência é transferida para o Ministério do Interior. Em 1830 é criado o
Serviço de Monumentos Históricos com recursos específicos. Assim podemos concluir
que a legislação sobre o patrimônio nasceu na França com a preocupação de deter a
destruição dos edifícios e obras de arte, posteriormente migrando seu propósito para
a construção de um sentimento nacional por meio da valorização de uma cultura que
formasse uma identidade coletiva francesa. A proteção ao patrimônio é assegurada na
lei de 1887 e complementada em 1906, tendo como principal característica a limitação
dos direitos privados frente ao interesse público.
38
Seguindo a tradição do direito consuetudinário, a limitação à vontade e o interesse público
ocorre frente à propriedade privada. Ou seja, a legislação estabelecida nos Estados
Unidos que versa sobre o patrimônio, datada de 1906, estabeleceu a proteção aos bens
de interesse público que estavam sob o domínio do Estado, deixando assim fora da
legislação os bens culturais sob o domínio do poder privado que seguiriam exercendo
seus direitos de uso de acordo com sua vontade.
39
O Império, com a transferência da Família Real em 1808 para o Brasil, foi o responsável
por construir um País. Suas ações no sentido de “criar nos trópicos, a capital de um
Império europeu”, produziu inúmeros patrimônios. Mas a ação crucial desse constructo
foi a edificação do Instituto Histórico Geográfico Brasileiro e sua Revista, pois por
intermédio dela foi realizado um concurso que objetivava escrever a História do Brasil
(antiga e moderna). O concurso foi vencido em 1847 por Carl F. P. von Martius (1794-
1868) com o trabalho intitulado “Como se deve escrever a história do Brasil”. Em 1889
o Império deu lugar à República. E a República recém-criada atribuiu a si a missão de
construir uma nação. Nesse processo a ideia de fabricar e preservar uma história,
40
A ação realizada ainda nos idos do Brasil colonial permaneceu como pária até o ano de
1937. Nesse ano, sob a lógica do governo Getúlio Vargas (1882-1954), foi criado o SPHAN.
No ano de 1938, sob a idealização de Mário de Andrade (1893-1945), como diretor do
Departamento de Cultura de São Paulo, foi organizada a Missão de Pesquisa Folclórica
com objetivo de coletar e registrar objetos materiais e imateriais. A essa ação somou-se
a expedição dos fotógrafos Pierre Verger (1902-1996) e Marcel Gautherot (1910-1996)
mapeando construções coloniais e modernas, bem como as populações existentes
e assim a composição de imagens permitiu a construção de um mapa paisagístico e
humano da realidade brasileira. O Decreto-lei nº 25, de 30 de novembro de 1937, que criou
o SPHAN, trazia em sua redação a definição de patrimônio cultural e seus procedimentos.
MIDIATECA
Para saber mais sobre a criação do SPHAN, a definição de sua competência e seus
procedimentos, leia o conteúdo complementar indicado na midiateca da Unidade 2.
Por ser uma legislação recém-criada atuando sobre o direito privado em nome do interesse
público, tal qual a tradição latina, para além da força do Estado ditatorial varguista nos
primeiros anos, as ações do SPHAN contaram com a assinatura dos modernistas e de
equipes técnicas multiprofissionais sob a liderança de Rodrigo Melo F. de Andrade (1898-
1969), tendo, como diretor da Divisão de Estudos e Tombamentos, Lúcio Costa (1902-
1998). Outro aspecto importante foi o papel desenvolvido por Gustavo Capanema (1900-
1985) à frente do Ministério da Educação e Saúde (MES). Cecília Londres apud Thalyta
G. Ferraz:
41
administração à frente do MES, sua dedicação na preparação da
estrutura jurídica para implantação do SPHAN resultou no esboço
da estrutura básica da “[o]rganização institucional da cultura no
Estado brasileiro” e na implantação do “[e]mbrião do que, em
1981, veio a se constituir na Secretaria de Cultura do MEC e, em
1985, no Ministério da Cultura” (FERRAZ, 2015, 30).
Lia Calabre (2009) aponta que a preservação dos patrimônios, até 1970, foi alterada por
três fatores, dos quais concordamos com dois:
42
Sob o governo do então presidente Costa e Silva (1897-1967) o SPHAN buscou auxílio
técnico da Unesco para mudanças nas ações de preservação e uso dos patrimônios
nacionais. Dessa missão da Unesco deriva o Decreto nº 66.967, de 27 de julho de 1970.
Nele o SPHAN passa à categoria de Instituto, e assim torna-se IPHAN, com maior dotação
de recursos financeiros e pessoais, além do indicativo de aprimoramento de gestão do
patrimônio. O Instituto descentralizou ações a partir da criação, nas esferas estaduais e
municipais, de legislações e órgãos que deveriam trabalhar de forma colaborativa, além
de aproximar o IPHAN de outros órgãos federais possibilitando parcerias, principalmente
com a Empresa Brasileira de Turismo – Embratur. Um dos resultados importantes dessa
aproximação entre órgãos federais, e o diálogo com Estado e Município, foi a criação do
Programa de Cidades Históricas (PCH), tendo como projeto-piloto as ações voltadas para
as cidades históricas de Minas Gerais e Pernambuco, que incluíram inclusive a criação de
cursos específicos para formação de mão de obra especializada.
As décadas de 1960 e 1970 foram marcadas por movimentos de engajamento social sob
diferentes matizes. Iniciou-se com as tensões do mundo bipolar e o equilíbrio de forças
nucleares (1949), passando pela dramática e bela corrida espacial da década de 1950
(Sputnik – 1957 e Explorer – 1958). O aumento das tensões entre americanos e soviéticos
43
levou a sociedade mundial, principalmente os jovens, a ditar o tom das respostas.
Eclodiram no seio dos dois países manifestações expondo a fragilidade interna que a
propaganda da Guerra Fria (1945-1989) buscava encobrir. No lado americano, a luta
por direitos civis por parte das mulheres, dos negros e dos homossexuais; a eclosão do
movimento contrário à Guerra do Vietnã (1955-1975) e consequentemente o movimento
hippie que contestava os valores da sociedade de consumo e a guerra. O lado soviético
não era diferente, pois apresentava o mesmo grau de contestação aos valores impostos
pelo Estado à sociedade — o massacre húngaro, a Primavera de Praga, a Doutrina Brejnev
(Leonid Brejnev, 1906-1982), e a Guerra no Afeganistão.
Ficava claro que o povo, e principalmente os jovens, desejava liberdade. Liberdade inclusive
para escrever sua história, buscar suas origens e contestar a memória do passado.
Nesse sentido, a quem caberia a definição de memória, patrimônio e cultura? Como se
dariam os enfrentamentos em relação à “homogenização cultural”, à perda da identidade
cultural e nacional e o enfrentamento dos fluxos internacionais e tecnológicos? Porém,
precisamos atentar que junto a esse sentimento, principalmente referindo-se ao Brasil, a
defesa da economia e da indústria nacional era um fator preponderante, considerando-se
os efeitos da Crise do Petróleo (1973). Como tentativa de resposta às questões foi criado
o Centro Nacional de Referência Cultural – CNRC (1975).
44
As demandas da sociedade cresceram durante a década de 1970 e 1980, concomitantes
ao processo de redemocratização. Esse período trouxe novas demandas de parcelas
da sociedade que não eram contempladas pelas políticas públicas. Criada em 1978, a
Secretaria de Assuntos Culturais - Seac buscou criar condições políticas para a realização
de atividades que atendessem essa demanda, bem como alinhar-se aos protocolos
internacionais pautados pela Unesco. As demandas da sociedade cristalizaram-se na
Constituição Federal de 1988, em seus artigos 215 e 216. Como vemos nos caputs:
45
Memória e História Oral
46
Inglaterra, meados da década de
1950 (surgimento da Nova História
Social)
47
França (final da década de 1970 e
durante a década de 1980)
A partir da década de 1970, sob o governo militar de Emílio Garrastazu Médici (1905-
1985), os movimentos sociais voltaram a se organizar. As manifestações operárias e
as lutas ligadas ao campo e à Igreja Católica foram alguns desses movimentos. Em
meados da mesma década teve início o processo de abertura política que promoveu a
chegada de novas vozes no cenário político. Esse processo ainda guardou momentos
de retrocesso com ações da chamada “linha dura” — segmento militar que desejava
permanecer no poder com aumento da repressão e do cerceamento de direitos. Essas
vozes que chegavam à cena social desejavam contar a sua história e assim promover
novas versões para a realidade vivida.
48
Importante
Esse retorno ao passado por meio das memórias familiares individuais e coletivas
buscavam reparações e reconhecimento. Consequentemente, História e memória se
aproximaram, daí a preocupação nas palavras de Pierre Nora:
49
MIDIATECA
50
Saiba mais
MIDIATECA
Acesse a midiateca da Unidade 2 e faça uma visita ao site do Columbia Center for
Oral History Research, indicado como material complementar pelo professor.
51
sustente. Outra percepção possível, e diametralmente oposta, busca conferir à História
Oral um caráter disciplinar. Afirmando que suas técnicas, seus métodos e conceitos
permitiram a criação de um novo campo do saber dentro da ciência histórica.
Importante
Porém, foi como metodologia de pesquisa que a História Oral se fez mais
robusta. Nessa percepção é compreendida a ligação entre a teoria e a prática, e
nesse sentido ela permitiria ao historiador aproximar-se de fontes que poderiam
confirmar ou contradizer uma determinada versão dos fatos.
Como metodologia, a História Oral inaugura uma nova forma de se fazer história. Assim,
foram criadas três categorias para essas fontes orais, segundo Marieta Ferreira e Janaina
Amado (1998):
Depoimento oral
História de vida
52
Relato de vida
O uso da História Oral como metodologia requer o domínio de diferentes técnicas. Cada
centro ou instituto de pesquisa, cada historiador ou equipe de historiadores, busca entre
as diferentes técnicas aquela que se enquadra melhor ao objeto pesquisado. Porém,
dentre todas as técnicas postas em ação duas possuem maior destaque:
53
Quantitativa Retrato
54
Quantitativa Retrato Quantitativa Retrato
55
Patrimônio, paisagem cultural e História
Pública
56
III Congresso degli Ingegneri e Architetti iIaliano (1883)
57
Carta de Atenas (1931)
Organizada na cidade de Nova Delhi (IN) pela Unesco, teve como ponto principal
o estabelecimento de princípios internacionais para pesquisas e a preservação
arqueológica. Além de proteger esses patrimônios, versava sobre programas
educativos e a criação de acervos e órgãos governamentais com essa finalidade.
Organizada pela Unesco na cidade de Paris (FR), teve pela primeira vez a fala voltada
para Paisagens e Sítios, ampliando o conceito de patrimônio cultural.
58
Carta de Veneza (1964)
59
O IPHAN busca apresentar a evolução do conceito de patrimônio cultural abordando a
ampliação do entendimento sobre o patrimônio a partir da Constituição de 1988 em relação
à legislação de 1937 (Decreto-lei nº 25, de 30 de novembro de 1937). A ampliação não
deve ser compreendida como mera alteração de nomenclatura, passando de patrimônio
histórico e artístico para patrimônio cultural. Essa alteração foi uma conquista das lutas
populares durante as comissões que foram compostas para elaboração da Constituição,
pois desta forma o entendimento sobre cultura passava a contemplar as manifestações
realizadas pelas camadas mais populares, principalmente seu aspecto imaterial.
60
MIDIATECA
61
O patrimônio material está subdividido em duas categorias: os patrimônios materiais
imóveis e os patrimônios materiais móveis. A garantia de proteção desses bens culturais
está ligada aos seguintes instrumentos legais:
Figura 2: Frevo.
62
MIDIATECA
63
Figura 4: Missões Jesuíticas dos Guaranis: Igreja, Ruínas de São Miguel das Missões, Rio Grande do Sul,
Brasil.
MIDIATECA
A chancela da Paisagem Cultural Brasileira foi estabelecia pela Portaria nº 127 de 2009 e
assim entrou em consonância com o discurso da Unesco que, desde 1992, contemplou
a relação entre o homem e o meio ambiente. Assim, Paisagens Culturais são definidas
como porções do território nacional onde as interações entre o homem e o meio natural
ocorreram atribuindo valores e marcas por meio de vivências e experiências.
O termo paisagem surgiu no século XV, porém a paisagem enquanto objeto de estudo
data do século XIX, a partir dos diários de viagem de Alexander Von Humboldt (1769-
1859). O conceito de paisagem só foi possível a partir da afirmação da Geografia como
campo de estudo. Nesse aspecto, o trabalho do geógrafo Carl O. Sauer (1889-1975),
A morfologia da paisagem (1925), foi basilar, pois considerou a paisagem elemento
integrador ao analisar diferentes aspectos geográficos. Posteriormente, o geógrafo Milton
Santos (1926-2001) retomou o pensamento de Sauer no sentido de aproximar a História
e a Geografia, afirmando que a paisagem exprime a relação entre homem e natureza se
consubstanciando em documento passível de análise.
64
Sendo a Paisagem Cultural uma composição de bens culturais e naturais, materiais e
imateriais, o ICOMOS estabeleceu que elas podem ser divididas em três categorias:
Nesse cenário, a História Pública pode avançar apesar das resistências existentes. Seu
surgimento também tem gerando polêmica, pois, para alguns historiadores, a História
Pública teve início na Inglaterra. As motivações inglesas estavam atreladas ao uso da
História Pública com fins político-ideológicos objetivando a realização da justiça social.
Outro grupo de historiadores situa seu surgimento nos Estados Unidos e suas motivações
teriam relação com os interesses de classe, principalmente ligados à empregabilidade
dos historiadores recém-formados.
Esse leque de possibilidades levou o historiador Ricardo Santhiago a criar uma divisão
para compreensão:
História produzida pela sociedade – Caracteriza-se por ser uma história que pode ser
produzida por qualquer indivíduo, que muitas vezes desconhece alguns procedimentos
da pesquisa histórica, porém, domina ferramentas que por outro lado, em sua grande
parte, foram negadas pelo historiador.
65
História produzida para a sociedade – Tem por objetivo dialogar com o público que
não é acadêmico ou não é iniciado na Ciência Histórica, ampliando assim o público que
consome História por meio das mídias tradicionais e novas.
História e Sociedade – Segmento que realizaria a crítica dos demais e refletiria sobre
essa nova forma de relacionar o conhecimento histórico, historiadores e sociedade.
NA PRÁTICA
Vamos realizar uma atividade prática que poderá ser utilizada em sala de aula com
os alunos de ensino fundamental ou médio:
Sem a ajuda de nenhum recurso midiático (livro, rádio, TV, internet, celular e outros)
observe um mapa político do Brasil com suas cinco regiões (norte, nordeste, centro-
oeste, sudeste e sul). Escolha um Estado de cada região. Pense e escreva para cada
Estado escolhido um patrimônio material imóvel, móvel e imaterial. Quais foram
seus Estados e patrimônios escolhidos?
Agora, com auxílio de uma das mídias, investigue se existem nesses Estados
escolhidos por você um patrimônio arqueológico e um patrimônio mundial. Anote o
que encontrou!
66
Resumo da Unidade 2
Outro ponto abordado são as Cartas Patrimoniais que desde o Congresso de Roma em
1883 até a atual Carta de Juiz de Fora de 2010 definem conceitos, diretrizes e especificações
técnicas. A partir das Cartas, o IPHAN definiu quatro grupos de patrimônios: material
(móvel e imóvel); patrimônio imaterial; patrimônio arqueológico; e o patrimônio mundial.
Esses patrimônios podem compor paisagens, denominadas Paisagens Culturais, pois
congregam a interação do homem com a natureza constituindo valores e marcas da
vivência e experiências. Ao final da unidade é apresentado o conceito de História Pública,
que consiste no estabelecimento de uma nova relação entre historiadores e sociedade a
partir das novas possibilidades de análise e de recrudescimento da economia.
CONCEITO
Tópico 1: IPHAN é uma autarquia federal vinculada ao Governo do Brasil, que tem
como função a preservação do patrimônio cultural brasileiro. Como órgão público,
atua mediando os interesses do Estado e da Sociedade; nesse sentido, ocorreu a
ampliação do Patrimônio. Historicamente o patrimônio foi definido como Histórico e
Artístico, mas, depois da Constituição de 1988 e das demandas sociais, o patrimônio
foi ampliado para Patrimônio Cultura.
67
Tópico 2: O processo histórico de reconhecimento da memória como fonte histórica
a partir das demandas da sociedade e de uma mudança historiográfica ocorrida na
Inglaterra, na Itália e na França demandaram novas metodologias e, nesse contexto,
surgiu a História Oral. O emprego da metodologia da História Oral requer uso de
diferentes técnicas associadas, como os questionários e as entrevistas, e impõe a
necessidade do registro dessa coleta de informações.
68
Referências
ALMEIDA, J. R.; ROVAI, M. G. O. (Orgs.). Introdução à História Pública. São Paulo: Letra
e Voz, 2011.
CALABRE, L. Políticas Culturais no Brasil: dos anos 1930 ao século XXI. Rio de Janeiro:
FGV, 2009.
FERREIRA, M. de M.; AMADO, J. (Orgs.). Usos e abusos da história oral. Rio de Janeiro:
Fundação Getúlio Vargas, 1998.
69
MAUAD, A. M.; ALMEIDA, J. R. de; SANTHIAGO, R. (Orgs.). História Pública no Brasil:
Sentidos e Itinerários. São Paulo: Letra e Voz, 2016.
NORA, P. Entre memória e história. A problemática dos lugares. In.: Projeto História. São
Paulo: PUC, n-10, 1993 (7-28).
70
UNIDADE 3
OBJETIVO
72
Memória e patrimônio articulados ao ensino
fundamental II
Importante
73
Seu resultado incide diretamente sobre a formação e a práxis docente, sobre a trajetória
dos currículos escolares e a (de)formação humana. Questão urgente que necessita
ser refletida e dialogada para além de questões associadas à “pequena política” — dita
partidária, mas essencial para o tipo de sociedade que se quer construir, logo, tema
essencial da Política, homo politicus de Maquiavel.
Porém, uma das questões centrais nesse debate é a visão da sociedade sobre a carreira
docente e sobre o próprio docente. Todos os setores apontam a relevância da questão
quando se pretende discutir melhorias qualitativas na educação.
Para refletir
MIDIATECA
74
Para além das inúmeras variáveis possíveis de investigação e interpretação, nos é relevante
neste momento perceber que os debates curriculares que impactam a formação dos
futuros docentes e dos discentes da educação básica, cada vez menos são realizados
por ou entre o coletivo docente. Ou seja, por impossibilidade material (fruto da relação
remuneração versus tempo versus custo de vida), por desinteresse individual e coletivo
(negligência), por anomia político-social ou por incapacidade formativa, os docentes,
principalmente das redes públicas, vêm se afastando de um de seus campos de ação
como intelectuais orgânicos.
MIDIATECA
75
Saiba mais
Como estamos numa modalidade de ensino a distância, podemos ter alunos de diferentes
estados da federação, logo, a forma mais didática para promovermos uma reflexão
conjunta é seguirmos a BNCC.
ENSINO FUNDAMENTAL
HISTÓRIA
ANOS INICIAIS
ALFABETIZAÇÃO
1ºao 5º ano
1º e 3º ano
o EU, o OUTRO e o NÓS
ANOS FINAIS
6º ao 9º ano
IDENTIFICAÇÃO, COMPARAÇÃO,
CONTEXTUALIZAÇÃO, INTERPRETAÇÃO e ANÁLISE
76
A formação do licenciado em História tem como campo de ação os anos finais do Ensino
Fundamental e o Ensino Médio. Isso significa os primeiros passos na construção da leitura
crítica da sociedade que passa obrigatoriamente pelo reconhecimento da compreensão
de mundo que o aluno carrega consigo e do contato com o letramento da cultura escolar.
O processo de ensino-aprendizagem em História passa obrigatoriamente pelo domínio
de alguns conceitos e pela reflexão das seguintes relações: tempo/espaço, trajetória
individual e as histórias comunitárias e sociais.
Também passa pela relação da História com outras Ciências Humanas, pois, segundo a
BNCC, a “área de Ciências Humanas deve propiciar aos alunos a capacidade de interpretar
o mundo, de compreender processos e fenômenos sociais, políticos e culturais e de
atuar de forma ética, responsável e autônoma diante de fenômenos sociais e naturais”
(BRASIL-BNCC, 2017, p. 354).
Esse conhecimento prévio é de extrema importância para a História como ciência, pois, o
desafio de colocar saberes em contato sempre esteve presente nos ambientes escolares.
Podemos pensar no sentido temporal de Fernand Braudel (1902-1985), a partir de um
passado de longa duração, que ainda se faz presente; nele o conhecimento prévio da
criança era construído a partir da oralidade familiar e, muitas vezes, também de uma
oralidade religiosa e comunitária; no intercurso entre o passado/presente e o tempo
contemporâneo surgiram outras formas de diálogo entre a criança e as mídias modernas
— rádio e televisão aberta; hoje, no instante contemporâneo, se sobrepõem nesse diálogo
que permite a construção de uma noção de mundo prévia à escola: à família, à religião, à
comunidade, rádio e a televisão aberta, e a internet e a televisão fechada.
77
Importante
Os alunos ao chegarem no 6º ano são surpreendidos por uma novidade radical. A sala
de aula, antes ambiente de domínio quase que exclusivo de um único docente, passa a
ser dividida por vários professores, cada qual com sua disciplina. Novos valores e grupos
em sala de aula, gerenciamento de emoções e autonomia na organização do material
são alguns dos fatores que impactam nesse processo. Nem sempre é possível dialogar
com professores e coordenadores dos anos iniciais, pois em muitos casos os alunos
acabam mudando de escola. Assim, conhecer a BNCC dos anos iniciais pode ajudar
nessa adaptação e em alguns casos pode inclusive colaborar no diagnóstico de lacunas
de aprendizagem.
O quarto ano do fundamental tem como temáticas centrais as trajetórias dos grupos
humanos, a circulação de pessoas e cultura e a migração de grupos populacionais,
com maior relevância sobre os deslocamentos africanos associados ao surgimento da
espécie humana e da escravidão no século XVIII e XIX, aos deslocamentos indígenas dos
povos nômades e após o contato com os homens brancos; o deslocamento de europeus
para o Brasil no final do século XIX e as migrações internas que deslocaram a população
brasileira do campo para a cidade.
O 5º ano segue do processo de migração para situar os alunos seu lugar no mundo e
qual lugar de seu grupo social, a partir do registro de histórias, línguas e culturas. É a
partir desta base importantíssima que trabalharemos com o 6º ano.
78
Figura 1: Griots (guardiões das tradições orais) atuando junto à comunidade
em Kokemnoure (Burkina Faso).
O 6º ano segue pautado pela relação tempo e espaço, mas desloca a perspectiva
individual/comunitária para uma perspectiva individual/societária. Essa nova perspectiva
cronologia é o primeiro conceito que deve ser trabalhado a partir da ideia de tempo
histórico e como a memória está relacionada a esse tempo histórico. Nesse momento
podemos desenvolver uma experiência que valorize o conhecimento do quarto e quinto
anos dos alunos, a memória oral de suas identidades e comunidade, articulando com o
tempo histórico numa narrativa de identificação de períodos e valorização da tradição.
O objetivo é levar o aluno à reflexão de que a cronologia, uma sistematização do tempo
compartilhada por todos, permite situar suas memórias no tempo histórico e assim
refletir sobre as trocas entre a experiência singular do EU e a experiência coletiva do NÓS.
Outro tema importante no diálogo aqui proposto relaciona-se com a noção de patrimônio,
o que estes patrimônios nos permitem compreender sobre o passado, bem como a
problematização de posse e guarda desses patrimônios materiais móveis por países
que os adquiriram contra vontade dos países de origem. Perceber esses patrimônios
como registro da cultura do mundo antigo: africano, europeu, asiático e americano como
referenciais legítimos do início das grandes civilizações.
79
Figura 2: Galeria de esculturas do Museu do Louvre (França).
MIDIATECA
80
Como retomar dos conteúdos ligados à memória e aprofundamento do patrimônio no 8º
e 9º anos do Ensino Fundamental?
Figura 5: Castelo Garcia D’Ávila ou Castelo da Torre, fortificação construída no estilo medieval —
a única em toda a América situada no município Mata de São João (BA).
81
Figura 6: Baianas nas ruas do Pelourinho, situado em Salvador (BA).
82
Figura 8: Biblioteca Nacional, situada na cidade do Rio de Janeiro (RJ).
MIDIATECA
83
Memória e patrimônio articulados ao Ensino
Médio
Para refletir
84
Essa interpretação equivocada ou intencionalmente deturpada geralmente ocorre,
pois, o foco dessa análise está sobre a temática a ser abordada. Porém, conteúdos,
competências e habilidades do Ensino Médio estão diretamente associadas à finalidade
prescrita na BNCC:
Aprender a ser
competências para postura crítica
os educandos para o
Século XXI
Aprender a
metodologia
conviver
diversificada
Aprender a fazer
85
Agora, vamos estudar detalhadamente cada competência:
Aprender a conhecer – Esse pilar mantém relação direta com a capacidade de tornar o
ensino/aprendizagem um momento prazeroso, ou seja, um momento de significação do
conhecimento. Uma ação que consiste numa interação entre o aluno e o professor.
• Abertura para o novo: apesar de tratada como uma novidade por institutos de educação,
refere-se a uma atitude que a grande maioria dos professores já realiza diariamente
no chão da escola, pois cada novo dia em sala de aula representa a necessidade de
ressignificar sua práxis por meio de uma atitude dialética com o aluno. Ainda assim é
preciso pontuar que essa abertura para o novo consiste num deslocamento de olhar,
uma postura atitudinal para perceber a realidade social escolar a partir da perspectiva
do aluno. E assim, buscar criticamente um posicionamento entre as diversas visões
da comunidade escolar — o aluno, o professor, o gestor, a sociedade e o Estado.
86
• Metodologia diversificada: nesse sentido, e adequando a realidade de nossa
disciplina, que tem como ponto focal a memória e o patrimônio cultural, ao falarmos
em metodologias diversificadas devemos valorizar a adoção das novas tecnologias
associadas a técnicas tradicionais, bem como implementar atividades que exijam
o trabalho colaborativo entre os alunos. Essas metodologias e ferramentas
diversificadas buscam propiciar o desenvolvimento da comunicação, da colaboração,
da responsabilidade, entre outras competências socioemocionais.
Aprender a conviver – Pilar que surge como resultado dos anteriores, pois se executados
com zelo produziram consequentemente a interação entre os alunos para a realização
das atividades. Nesse conjunto devem estar compreendidos o respeito ao próximo, o
respeito à diferença, a empatia, o trabalho em conjunto (equipe), a interdependência, o
reconhecimento do eu e do outro e suas limitações. Nesse momento o professor tem a
chance de apresentar o patrimônio cultural da sociedade brasileira como somatório do
conjunto das matrizes étnicas que formam o País.
87
Nesse contexto, percebemos que a memória e o patrimônio cultural estão diluídos
por todo BNCC do Ensino Médio, porém em algumas competências e habilidades eles
aparecem textualmente citados, são eles:
88
Memória e patrimônio articulados ao Ensino
de Jovens e Adultos – EJA
Curiosidade
No campo ideal, o EJA foi pensado objetivando uma retomada dos potenciais desses
alunos, valorizando habilidades e competências adquiridas fora do ambiente escolar,
tendo como foco prioritário o mercado de trabalho. Outra característica marcante do
EJA é a diversidade entre os alunos, tendo quase sempre como ponto aglutinador um
histórico de rejeição da sociedade. Essa rejeição muitas vezes se converte em vergonha
e inibição, o que contribui decisivamente para o abandono escolar.
89
Ao observarmos os currículos do EJA nas secretarias de educação dos estados brasileiros,
podemos estabelecer quatro linhas de trabalho específicas que permitem trabalhar com
abordagens de memória e patrimônio diferentes:
Figura 10: Pelourinho é um bairro histórico no oeste de Salvador, Bahia, Brasil. Foi o centro da cidade
durante o período colonial português.
Figura 11: Cais do Valongo, responsável por receber os escravos na Capital do Império no século XIX,
situado na região da Gamboa – Rio de Janeiro (RJ).
90
Dica
Essa linha busca apresentar aos alunos valores da modernidade. O foco principal reside
na valorização do antropocentrismo, racionalismo, iluminismo e na Revolução Francesa.
Este conteúdo dista da realidade vivida pelo aluno, logo, requer uma prática que valorize
o que já existe de conhecimento adquirido pelo aluno. É possível trabalhar a partir da
compreensão de patrimônio por meio da arte como objeto de reflexão.
Figura 12: Leonardo da Vinci (1452-1519) Mona Lisa, La Gioconda. Reprodução da Enciclopédia Ilustrada
“Tesouros da Arte”, Parceria “Prosvesheniye”, São Petersburgo, Rússia, 1906.
91
Figura 13: Ferdinand Delacroix (1798-1863) Liberdade nas Barricadas (1830). Reprodução do álbum
ilustrado “Delacroix”, publicado em Budapeste, Hungria, 1963.
Essa linha possui contato direto com a vivência do aluno em virtude das marcas sobre
a cidade por meio dos patrimônios materiais móveis e imóveis, bem como paisagens
culturais, e suas experiências históricas socioemocionais com os patrimônios imateriais.
Tal relação permite uma significação mais concreta para o aluno, que poderá estabelecer
uma relação cronológica da História do Brasil com a sua própria história. Assim
poderíamos propor diferentes pontos de partida a partir de uma dessas lembranças.
Década de 1930 – É possível propor aos alunos que a partir do monumento a Getúlio
Vargas rememorem suas lembranças da época e assim, utilizando esta experiência,
reconstruam o período histórico.
Figura 14: Monumento em homenagem a Getúlio Vargas situado em São Paulo, BR.
92
Década de 1940 - A partir da representação cultural estabelecida no patrimônio material
imóvel se faz possível apresentar a História, interpretar as leituras dos monumentos
e a relação que a sociedade estabelece com eles. A significação estabelecida pela
comunidade e a reapropriação de seus usos. Correlacionar o fato que originou o
monumento, a participação brasileira na Segunda Guerra Mundial, e seus usos durante o
governo militar, período de inauguração do Monumento aos Pracinhas no Rio de Janeiro.
Década de 1950 – Essa memória pode acionar a História Pública, História do Brasil,
e a História regional por meio de referências pouco tradicionais, porém de extrema
significação para o aluno, como a criação do Trio Elétrico por Dodô e Osmar.
93
Década de 1960 – É possível trabalhar a construção de paisagens culturais, associando
ao sentimento de pertencimento e de interiorização da capital federal do país. Também
é possível compreender as motivações econômicas envolvidas no deslocamento da
capital federal do país.
Essa linha é mais distante no que se refere à formação de uma memória e a significação
de patrimônios, porém é possível consultar os alunos extraindo deles uma ponte que
permita estabelecer relação entre a História e a história de cada um deles.
94
NA PRÁTICA
95
Resumo da Unidade 3
CONCEITO
96
Referências
GRAMSCI, A. Quaderni del carcere. Turim: Einaudi, 1975. 4 v. (Edição Crítica de Gerratana.)
97
UNIDADE 4
Olá! Chegamos à última unidade desta disciplina. Nesta unidade colocaremos em prática
todas as unidades anteriores, ou seja, esta última unidade tem por objetivo extrapolar os
muros da escola, permitindo assim que o futuro professor (você) e seus alunos possam
realizar atividades significativas no entorno escolar ou na cidade, valorizando a memória e
o patrimônio existente. Nosso foco aqui será a diferenciação entre visita técnica e roteiro
turístico e as etapas que ambos envolvem: planejamento, execução e avaliação.
OBJETIVO
99
Planejamento de visitas técnicas ou de ro-
teiros turísticos
O ponto de partida neste primeiro tópico é compreender a natureza de uma visita técnica e
de um roteiro turístico. Para as pessoas leigas, eles podem parecer sinônimos, ou podem
ser associados a outras atividades, mas visita técnica e roteiro turístico são atividades
formativas que possuem características específicas. Os objetivos e procedimentos
envolvidos são distintos, mas, muitas vezes, no desenvolvimento dessas duas atividades
algumas práticas podem ser compartilhadas.
100
passeio poderá deixar de ser realizado, pois o impacto de sua realização fora da data
prevista seria mais prejudicial aos alunos do que a alteração do calendário escolar. Tal
prática acaba caracterizando a atividade como secundária no processo educativo dos
alunos.
Saiba mais
101
A visita técnica é outra modalidade de ação na mediação do processo de ensino e
aprendizagem. A visita técnica é uma ação in loco na qual o aluno tem contato direto com
o patrimônio material e imaterial, tendo como mediação a condução do professor. Cabe
ao professor encaminhar questões que venham a produzir reflexões críticas no aluno
entre a teoria exposta na sala de aula e a prática observada por meio da visita. Assim,
as visitas técnicas são ferramentas pedagógicas que visam identificar, resgatar e formar
uma consciência que alie teoria e prática.
Nosso foco aqui está na primeira função: a visita técnica como ferramenta pedagógica
com objetivo ou objetivos específicos a serem aferidos:
102
MIDIATECA
Assim, a clareza sobre o que se deseja abordar numa visita técnica deve compor o
ambiente da pré-visita técnica, ou seja, o aluno que participará da visita técnica precisa
ter clareza de quais elementos deverão ser observados e quais comandos (taxonomia de
Bloom) ele deverá compreender e decodificar. A aula de preparação para a visita técnica
envolve uma série de procedimentos a serem adotados:
O planejamento da visita técnica envolve três passos, que são: o planejamento pedagógico,
o planejamento da visita e os materiais de consumo.
103
Importante
104
I.III Materiais de consumo – Para a realização da visita técnica
serão necessários:
105
c) Organizados ou espontâneos.
d) Comercializados ou não.
b) City tour são roteiros que não incluem pernoite. “São chamados
de visita à cidade ou sightseeing, […] passeio de reconhecimento
com explicação contextualizada sobre os aspectos sociais,
econômicos e culturais” (TAVARES, 2002, p. 33).
106
Execução da visita técnica ou roteiro turís-
tico
Este tópico da unidade trata da execução da visita técnica e do roteiro turístico. Nesse
sentido, o tópico anterior foi essencial, servindo como base para todos os procedimentos
que serão realizados nesta etapa. Numa condição ideal de planejamento e execução
haveria uma etapa entre esses dois elementos que seria a testagem das ferramentas
pedagógicas, ou seja, na semana de planejamento escolar (período que antecede o
início das aulas) o professor responsável poderia conduzir seus colegas e os demais
funcionários a realizarem a visita técnica ou o roteiro turístico. Essa testagem seria o
momento propício para ensaiar todos os pontos do planejamento.
Em quase 99% das visitas técnicas e dos roteiros turísticos realizados pelas escolas
essas ferramentas são colocadas em prática sem a testagem. Os pontos de fragilidade
serão vivenciados no ineditismo junto aos alunos. Assim, é necessário que as visitas
técnicas (ficha técnica do professor e formulário de visita técnica) e os roteiros turísticos
(estrutura do roteiro turístico) sejam bem construídos.
Visita técnica: esse é o momento de elaborar a segunda etapa da visita técnica, ligada à
execução. Porém, antes de entrarmos nesse ponto, e por conhecer a realidade escolar,
com a impossibilidade da testagem da visita técnica, propomos alguns pontos que
podem orientar o professor nessa elaboração:
1º – Ação do professor
107
Metodologia – De forma simplificada, a metodologia pode
ser única para todas as disciplinas envolvidas, mas é preciso
clareza em sua exposição, pois é a metodologia que garante a
possibilidade de êxito da visita técnica, ou seja, a compreensão
da relação entre teoria e prática.
Assim, é possível propor um modelo para a elaboração desse momento de ajuste entre
as disciplinas.
Exemplo
ARTICULAÇÃO DE SABERES
História
Ex.: Português
Ex.: Sociologia
Ex.: Filosofia
Ex.:
Matemática
108
OBJETIVO PEDAGÓGICO:
Ex.: Um objetivo geral (por disciplina, com base na relação teoria/prática)
Objetivos específicos (por disciplina, com base nos materiais que serão observados)
METODOLOGIA
Ex.: Deverá ser adequada à forma como a visita técnica será realizada, podendo ser:
Sala de aula invertida – com base na teoria da sala de aula.
Construtivista, no sentido de gerar interesse e questionamentos.
MIDIATECA
2º – Ação do aluno
109
Identificação e interpretação dos materiais expostos – Quais
materiais (patrimônios materiais e imateriais) podem ser
observados? O que representam? Qual história eles permitem
reconstruir? Quais seus usos no passado e no presente?
Assim, é possível propor um modelo para elaboração desse momento de interação entre
o conteúdo da sala de aula e da visita técnica.
Exemplo
110
IDENTIFICAÇÃO E INTERPRETAÇÃO SOBRE A EDIFICAÇÃO (construção,
história e uso)
111
QUAIS SUAS SUGESTÕES PARA TORNAR A VISITA MAIS PRODUTIVA?
Observação
112
Observar e instruir os alunos no itinerário quando houver
relevância.
Exemplo
Macrodescrição
1.País:
Local da
2.Estado:
visitação
3.Cidade:
4.Bairro:
113
Microdescrição
(ruas, avenidas e alamedas)
1.
2.
3.
Descrição do percurso
4.
Início e fim (tempo
5.
estimado)
6.
7.
8.
9.
10. (...)
Público-alvo
(idade média)
114
1.
Tempo
2.
(específico de cada
3.
patrimônio)
4.
5. (...)
1. Deficiência visual
2. Dificuldade visual
3. Deficiência auditiva
Acessibilidade 4. Dificuldade auditiva
(grau de acessibilidade 5. Deficiência motora completa
para cada 6. Deficiência motora parcial
necessidade)) 7. Deficiência cognitiva (fala)
8. Deficiência cognitiva (escrita)
9. Deficiência cognitiva (leitura)
10. Outros___________________
1.
Serviços 2.
(WC, alimentação e 3.
hidratação) 4.
5. (...)
Segurança
(recomendações,
vestuário e
equipamentos)
1.
Imagem patrimônio 2.
(características) – 3.
Anexo II 4.
5. (...)
115
Avaliação da visita técnica ou roteiro turís-
tico
Neste último tópico nos debruçamos sobre a avaliação da visita técnica ou do roteiro
turístico, porém, antes de iniciarmos especificamente esse tipo de avaliação, se faz
necessário pensar algumas linhas sobre a avaliação – vocábulo oriundo do latim a partir
da composição a-valere, que significa valorizar algo, dar valor a alguma coisa. O ato de
avaliar não se restringe a um aspecto específico, mas sim a múltiplos aspectos. Segundo
San’Anna, avaliar é:
Avaliação somativa – está associada à forma de avaliação tradicional, na qual sua função
precípua seria classificar a partir de provas, porém a avaliação somativa não precisa
ficar circunscrita a essa possibilidade, pois pode ser associada à avaliação diagnóstica e
formativa. Segundo Gil:
117
MIDIATECA
Refere-se à avaliação
Primeira etapa do professor em
relação ao aluno.
Etapas de avaliação
Refere-se à avaliação
Segunda etapa
de todo o processo de
aprendizagem.
118
A segunda etapa consiste na avaliação de todo o processo de
ensino e aprendizagem. Esse momento pertence a todos que
vivenciaram a visita técnica ou o roteiro, em seus diferentes graus
de contato (diretor da escola, funcionários da escola, alunos,
responsáveis e funcionários do local visitado). Em relação a essa
segunda etapa avaliativa, sugerimos um modelo.
Exemplo
Nome (opcional)
Responda as variáveis abaixo, tendo uma escala de 0-4 (0 – não se aplica/ não
observou; 1 – ruim; 2 – regular; 3 – bom; e 4 – ótimo)
Fator avaliado Nota 0 1 2 3 4
119
11. Conhecimento adquirido na visita técnica
6.
8.
9.
10.
Acertos
Fragilidades
Sugestões
NA PRÁTICA
Esta atividade tem início na leitura da transcrição parcial do vídeo “Passeio da escola
(quase chegamos no museu)”, um relato de Sebastian Chelminski (youtuber). De
forma anedótica e performática, Sebastian narra sua experiência frustrada de passeio
escolar. Nela ele com constrangimento a fase pré-passeio, em que apresenta como
o valor do passeio foi informado aos responsáveis – por meio do aluno; e o segundo
constrangimento teve relação com a documentação de autorização. Posteriormente
a essa fase, Sebastian passa a relatar a visita ao museu. Segundo ele, os problemas
iniciaram ao entrar no ônibus fretado, que se encontrava sujo e sem os cintos de
segurança. Após os primeiros trinta minutos de deslocamento o ônibus foi parado
120
por um policial, que, ao entrar no veículo, informou que a viagem não prosseguiria
por falta de equipamentos de segurança. Alguns minutos depois, nova “surpresa”,
pois o condutor foi preso por dirigir sem habilitação. O ônibus ficou parado, sem
ar condicionado e sem abrir as janelas, por quase uma hora e 30 minutos, até um
novo condutor comparecer ao local com novo ônibus. Esse novo veículo chegou
e a professora anunciou que a visita estava mantida (programada para quatro
horas e, a partir daquele momento, 40 minutos), mas o veículo estava com cheiro
desagradável e, logo em seguida, dois pneus estouraram, o que decretou o fim do
passeio, causando frustração em todos os alunos.
121
Resumo da Unidade 4
CONCEITO
122
Referências
123