Artigo - em Andamento História Das Mentalidades

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UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA – UNEB

AUTORIZAÇÃO: DECRETO Nº92937/86, DOU 18.07.86 –


RECONHECIMENTO: PORTARIA Nº909/95, DOU 01.08.95

DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E TECNOLOGIAS

CAMPUS UNIVERSITÁRIO Dr. SALVADOR DA MATTA

IPIAÚ – BAHIA

 Artigo Científico

CRISTIANA ANDRADE, ROBSON RIBEIRO, SAULO FERREIRA

HISTÓRIA DAS MENTALIDADES: UMA BREVE PERSPECTIVA


INTRODUTÓRIA

ESTUDOS SÓCIO ANTROPOLÓGICOS

Prof. Me. Márcio Ronaldo Rodrigues Vieira

IPIAÚ, 2020
HISTÓRIA DAS MENTALIDADES: UMA BREVE PERSPECTIVA
INTRODUTÓRIA

RESUMO

Este artigo tem por base a descrição de maneira breve e introdutória, dos processos mais
relevantes que desenvolveram a história das mentalidades no campo historiográfico.
Esboçando a trajetória no início do movimento dos Annales, das reviravoltas dos
movimentos libertários dos anos sessenta e o diálogo com o marxismo histórico;
pretendendo apontar a história das mentalidades como ferramenta das
interdisciplinaridades utilizadas pelos historiadores, e seus principais fundamentos
demarcados pelos teóricos da Nova História – tendo por finalidade a possibilidade de
penetrar nas mentalidades de outrora, tornando-a seu carro-chefe. Busca também
brevemente; entender de forma introdutória como a história das mentalidades representa
uma tendência; sendo talvez uma ruptura e uma busca ao mesmo tempo.

Palavras-chave: Introdução; Mentalidades; Nova história; Historiografia;


interdisciplinaridade.

1. INTRODUÇÃO

Para se entender um pouco mais sobre esta linha historiográfica que é História
das mentalidades, teremos de buscar suas origens. Porém, buscar as reais origens desta
perspectiva historiográfica é uma questão um tanto difícil, pois ela já era já se realizava
antes mesmo de ter esse nome. Grandes nomes da filosofia e da Ciência do século
XVIII, como Voltaire, Guizot ou Chateaubriand, já esboçava em seus textos algumas de
suas características principais.

O que nos resta fazer é localizar como se começou a produzir História


metodicamente e quando ela recebeu essa designação, ou seja, como e quando ela
começou a ser produzida com métodos próprios, com características marcadas que
delineavam sua personalidade e essência. Estudar essas origens significa estudar os
Annales d´Histoire Economique et Sociale e seus fundadores, Marc Bloch e Lucien
Febvre, que já se preocupavam, e, 1929, em estudar as mentalidades, enfocando a
questão das regularidades mentais que não se subordinavam à realidade econômica.
A revista internacional Annales foi um meio de divulgar todas aquelas ideias que
abririam a história para todas as demais ciências. Esboçando uma História-problema,
saindo assim do positivismo (escola dominante até então). A nova História criada por
eles não tinha um caráter dogmático e cristalizado, monolítico – assim dizendo. Eles
não queriam que as suas teorias e hipóteses fossem consideradas verdades absolutas;
pelo contrário, queriam uma nova atitude e novos métodos que se voltassem para a
prática de uma história questionadora, sem respostas prontas.

Além disso, queriam tirar a história de dentro dos limites disciplinares, levá-la
para fora da escola, retirando-a da rotina, do marasmo, das mesmas perguntas e suas
mesmas respostas, dos prejuízos culturais, raciais e religiosos e dos erros anacrônicos.
Desejavam ir além da história tradicionalista, buscando em todas as direções diálogos e
interdisciplinaridade. Criticavam o viés demasiado polítizante, que lhes pareciam
reducionista e factual. Repudiavam uma história que ficasse apenas na superfície dos
acontecimentos, a história historicizante, feita à base de fatos, passiva e sem problemas
e que por isso não conscientiza ninguém do processo histórico.

Tal perspectiva ia de encontro à história produzida na época – uma história


automática, centrada na Europa, elitizada – pois durante a Segunda Guerra mundial
haviam sofrido pressões; a necessidade de mudar o nome da revista Annales por várias
vezes e o assassinato de Marc Bloch: um dos expoentes do movimento da Nova
História, o que pode se caracterizar como exemplo. O que se pode observar a partir das
propostas dos Annales é que este foi, sem dúvida, a precursora dos campos de interesse
da história no que se refere a História das Mentalidades.

Porém, os Annales teve seus continuadores depois de Bloch e Febvre em


Ferdand Braudel, E. Le Roy Ladurie, Jacques Le Goff, entre inúmeros outros que que
prosseguem ainda hoje no combate de uma História de manuais e se esforçam para
renovar os métodos históricos, visando dar continuidade à História das mentalidades um
estudo cientifico. Paralelo a escola francesa, merece ser citada a escola inglesa das
décadas de 1950, 60 e 70.

Distantes entre si, estas duas escolas possuem em comum alguns pontos. Alguns
historiadores ingleses como Hill, Hobsbawn, Thompson e Rudé, filiados ao partido
comunista inglês criaram um grupo de estudos, o Communist Party Historians´s Group,
através do qual enfrentavam o conservadorismo dos outros historiadores ingleses,
criticando o imperialismo e abordando temas como a cultura popular e a História do
movimento operário. O resultado historiográfico e metodológico destes acontecimentos
foi um “sopro renovador na teoria”, não propriamente um rompimento com o
marxismo, mas uma revisão do marxismo atual.

Assim, a História Nova começa a andar de mãos dadas com a psicologia, a


antropologias, a sexologia, a literatura etc. Para citar um exemplo, podemos lembrar a
psico-história, onde muitas vezes se usam métodos psicanalíticos para o estudo de
épocas e fenômenos históricos. Assim, a História Nova é um exemplo típico de
interdisciplinaridade, de diversas áreas do saber. Há um encontro entre duas ou mais
disciplinas e o que fica é uma nova visão e experiencia.

De todas essas características, surge então, a História das mentalidades, no qual


os esforços dos historiadores que trabalham com a História são mais concentrados. E
com o estudo das mentalidades surgem novas diversas abordagens metodológicas, como
a demografia histórica, a antropologia histórica, a etno-psiquiatria, a História da cultura
material, a história imediata, evidenciando que por trás da “grande história”, ou da
história geral, existe muito mais, existe uma história maior ainda; atrás dos “grandes”
acontecimentos, existe todo um processo histórico que independente de reis, ideologias
dominantes, ciências oficiais e que se sustentam por verdadeiros acontecimentos e suas
realidades subjacentes.

Como exemplo temos a questão alimentar: o estudo das preferencias alimentares


de uma determinada população em uma época, o que pode denotar identidade cultural e
os fatores econômicos que regem esta população. O abuso, segregação e abstenção de
certos alimentos podem demonstrar, respectivamente, dominação, preconceito, e
dependência social entre classes. Todos esses detalhes unidos nos possibilita uma
percepção mais aproximada de uma sociedade em sua época, que, muitas vezes, se
apresenta à parte da história geral que nos é transmitida.

A História das Mentalidades, desta forma, assinala-se na questão de: ser


profunda sem ser chata; tem teoria, sem ser dogmática; possui datas, nomes e
acontecimentos, mas é produzida de maneira que envolve e fascina, sem cair no vulgar.
Representa em aspecto introdutório uma tendência no tempo, uma necessidade; talvez
uma ruptura e uma busca no que tange a interdisciplinaridade

2. ORIGENS HISTÓRICAS

2.1 As origens Históricas do estudo da História das mentalidades

A história das mentalidades foi marcadamente influenciada em sua gênese pelos


acontecimentos históricos. Ela insere-se, principalmente, no contexto conturbado da
década de 1960, que prometia muitas mudanças nos rumos políticos e culturais de todo
mundo. Especialmente o ano de 196, fértil em novas tendências de pensamento. Muitos
fatos ocorreram e produziram um forte efeito sobre as instituições, sobre o modo de ver
a vida, e principalmente sobre o modo de vivê-la.

Alguns sistemas dogmáticos começaram a ser revistos, muitas tendências


políticas democráticas foram reavivadas, alguns movimentos armados e muitas boas
ideias fizeram parte do panorama sócio-político de todo mundo. É relevante citar alguns
desses fatos para que se possa entender a sua importância no crescimento e divulgação
da História das mentalidades.

A primavera de Praga teve grande influência neste processo, que marcou a


intenção da União soviética em manter o controle sobre o socialismo europeu e
tornaram evidentes a necessidade de ruptura que se efetivou em 1989, através de
manifestações sinceras de democracia pela população tcheca. Na França os movimentos
estudantis bradavam o lema: “É proibido proibir” - na luta para romper com as velhas e
obsoletas estruturas da vida social, política e cultural da França de De Gaulle.

Além da França, o movimento estudantil esteve presente em todo mundo,


contribuindo para mudanças essenciais. Na Espanha contra a ditadura franquista, no
Japão contra o imperialismo norte-americano; na Polônia contra o stalinismo e a
burocracia de um marxismo dogmático, e no Brasil no período militar. Paralelamente a
tudo isso, os movimentos feministas, hippies e de luta pelos direitos civis da população
afro americana movimentaram os Estados Unidos.

Em suma, tais acontecimentos não reproduz os mesmos padrões, mas contesta-


os, desfaz mitos (não positivistas) e ressalta a descontinuidade histórica; e começa a
demonstrar interesses por temas que nunca foram considerados história – a mulher, a
cozinha, o cotidiano etc. Dentro de uma breve síntese, estes acontecimentos
arremataram historicamente a possibilidade, até então contida, de se fazer história aberta
e consciente. Ao mesmo tempo reflexo de seu tempo e projeto de futuro, esta é a
História das mentalidades.

3. O Diálogo entre Marxismo Histórico e História das Mentalidades

Sobre a história das mentalidades: “Se um perigo a ameaça é o de se perder


nesses aventureirismos, na maioria das vezes bastante afortunado” (Le Goff, 1989, p.
50). Assim, como a História Nova, o Marxismo tornou-se, no decorrer desse século
uma forte linha de interpretação historiográfica e econômica, que iam além das opções
políticas e ideológicas daqueles que trabalhavam com ele, tendo em vista que as
mentalidades “se apresentam/desenvolvem na história de maneira independente ou
autônoma em relação às demais regiões ou instâncias do real” (FALCON, 1998, p. 92)

O motivo pelo qual o marxismo aparece na perspectiva em que nos colocamos é


devido à querela e o diálogo surgida entre ele e a História das mentalidades. Quem
determina o quê? É a mentalidade que prevalece sobre a relação social e material? Ou é
o modo de produção que determina a mentalidade? Quando a religião, por exemplo, se
destaca na evolução de uma sociedade, questiona-se: o modo a colocou na posição de
domínio ou ela funcionaria como o próprio modo de produção? O que se pode dizer em
favor da História das mentalidades é que elas não são apenas um “reflexo” das
estruturas socioeconômicas, elas têm mostrado que se situam em níveis mais profundos.

Não se entrará, aqui e agora, em detalhes dessas contradições, pois essas


questões se inserem em um panorama demasiado extenso e longes de serem resolvidas;
o que se propõem é estabelecer os pontos em comum derivados do diálogo entre o
marxismo e as mentalidades e suas interpretações: tanto a história das mentalidades
quanto o marxismo acreditam que as leis econômicas servem e são validas somente no
contexto da época e do sistema para que foram formuladas.

Tanto as mentalidades quanto o marxismo se interessam mais pelas estruturas


que pelo acontecimento, pelo coletivo, que pelo individual, e esboçam a possibilidade
de cria-se uma história total que explique as articulações entre seus níveis, fazendo da
sociedade humana uma totalidade. Ambas aceitam usar métodos quantitativos e são
interdisciplinares, ou seja, aceitam, a colaboração de outras ciências.

Assim, tanto os historiadores marxistas como o historiador das mentalidades


tentam compreender o passado sem se fechar na possibilidade do anacronismo de seu
próprio tempo, buscando ser contemporâneos mediante o passado que pesquisam. É de
muita importância para o estudo historiográfico atual perceber e analisar estes pontos
em comum, pois além de das crises que o marxismo na metodologia da História Nova.

Existe uma possibilidade de confluência entre as duas, segundo alguns


especialistas deste assunto, que já dizem ser esta a confluência “o grande acontecimento
historiográfico desse século”. Fica claro que este encontro está se tornando, a cada dia
que passa, uma necessidade, embora cheia de obstáculos. Seria útil, portanto, se ele
começasse pelos pontos de contato que existem entre as duas perspectivas.

3.1 História das Mentalidades na perspectiva atual

3.2 Uma História em construção

Definida, pelos principais historiadores que trabalham com ela, como uma
história em construção ou uma história ambígua (talvez devido a sua
interdisciplinaridade): “Assim, o que parece desprovido de raízes, nascido na
improvisação e do reflexo, gestos maquinais, palavras irrefletidas, vem de longe e
testemunha em favor da extensa repercussão dos sistemas de pensamento.” (Le Gof,
1989, p. 73). A história das mentalidades possui fontes e métodos que ainda tornam
mais complexa sua produção.

E isso se deve, em grande parte, aos seus objetos de pesquisa – o popular, os


silêncios, o literário, os sentimentos. A história das mentalidades interessa-se
particularmente pelo cotidiano, e pode se dizer que o cotidiano está contido nela.
Interessa-se por aquilo que escapa inconsciente dos indivíduos, tenta entender o que está
subentendido, escondido, “por trás dos bastidores” e que muitas vezes o próprio
protagonista: o homem - desconhece: “A história das mentalidades, em busca de
explicação, arrisca-se do outro lado do espelho” (Le Goff, 1989, p. 52).

Fazer uma história sobre o medo, por exemplo, é levantar a poeira de um


inconsciente que a maioria dos homens não percebe. Para o historiador das
mentalidades, tudo se torna fonte: desde objetos de adorno até a leitura de documentos
literários e artísticos. Não se pode aqui confundir História das Mentalidades com
História das ideias. Não foram as ideias dos “grandes homens” que influenciaram e
conduziram os pequenos e comuns, mas os seus reflexos; a repercussão, muitas vezes
“empobrecida” de suas doutrinas.

Essa história deseja saber o que foi captado pelo povo em geral a respeito das
teorias e hábitos das elites, como foi adaptada para a vida comum a ideia da cultura
dominante. Por isso, ela não pode ser desligada da história dos sistemas culturais, sob
sistemas de valores culturais, dos sistemas de valores e de crenças; pois para cada
sociedade em sua época histórica, existe uma mentalidade e várias mentalidades, ou
seja, mentalidades arcaicas, modernas, cientificas, tradicionais:

O objeto de pesquisa dessa História é a questão por trás dos fatos


históricos, quando a mentalidade se sobrepõe às doutrinas, à política;
quando a crença comum prevalece sobre as ideologias dominantes. De
forma que o historiador se aproximaria muito ou deixaria vir à tona a
sua capacidade de psicólogo social, e de etnólogo, quando recorre ao
estudo das crenças para chegar ao sistema de valores. (Le Goff, 1989,
p. 55)

Assim, o historiador, dentro da perspectiva das mentalidades assume uma


postura de literato; quando assume e artísticos para aperceber do cotidiano e da
mentalidade de um determinado prisma de tempo e sociedade. Além de literato, assume
também de sociólogo quando busca questões sociais, de filosofo dentro da leitura
ontológica. Tudo isso obriga o historiador a se inteirar um pouco de outras ciências,
para que dentro da interdisciplinaridade erros e repetições de viés anacrônicos.

Além disso, a História das mentalidades pede ao historiador o estudo de alguns


temas que são importantes para própria produção: as perdas, as rupturas, a tradição e,
principalmente, as defasagens entre os indivíduos e as mudanças sociais que ocorrem
muito rapidamente.

Pode-se dizer que a História das mentalidades é o estudo da parte mais


lenta da história, e que se refere mais ao espírito que à matéria, visto
que a última se transforma mais rapidamente mais rapidamente que o
primeiro. Ela é a história das inércias, das atitudes dos
comportamentos, do inconsciente coletivo. (Marotta, 1991, p. 24)

Esse conceito de “longa duração” foi um importante neologismo criado para


satisfazer esta questão – pois diz respeito às fases longas da história -, ampla que
abrange vários séculos. Aquela que enfoca a resistência e a permanência, que repensa o
ritmo da história social. Não se pode esquecer, porém, que, mesmo estando em
defasagem, mesmo sendo resistentes a mudanças, as mentalidades mantêm relações
profundas com as estruturas sociais e mentais.

A História das Mentalidades interessa-se pela convergência dos “dois lados da


moeda”, interessa-se tanto pelo individual como pelo coletivo, tanto pelo geral como
pelo marginal, tanto pela história da cultura material como por uma história do
espiritual. E busca integrar os dois lados como forma de ampliar a realidade e não a
reduzir numa visão unilateral.

Assim, ele toma como objeto de pesquisa não só o “grandioso”, os “heróis”


oficiais, as figuras celebres, os grandes fatos e datas, mas também o menor, o oprimido,
o marginalizado, o cotidiano:

A figura célebre passa a ser, então, o pequeno, aquele ou aquilo que


não se considerava. A mulher, dona de casa e operária, e não somente
as grandes damas dos grandes homens; o herege e não mais apenas
seu inquisidor; a criança que trabalha desde cedo e não somente o
pequeno príncipe; a sexualidade escondida e não mais somente os
escândalos que abalam o mundo. (Marotta, 1991, p. 26)

O estudo das mentalidades na História, através da análise do cotidiano, dos


marginais democratiza a história, pois os elementos antes desconsiderados por esta, que
na ânsia da “megalomania” dos grandes fatos e figuras, passam a ter direito a ela. Antes,
as periferias eram puro silêncio, a história dos povos dissolvia-se na história dos reis; a
história religiosa, na história das igrejas. A velha História imaginava uma história
providencialista, na qual um Deus parcial escolhe o destino dos homens.

A história positivista via a face da história situada no acontecimento ou no


acaso. Já a História das Mentalidades quer captar a praxe de uma época, e para isso ela
vai até seu cotidiano. No estudo das mentalidades na história, abre-se a possibilidade de
ver a religião que se vive, aquela que está dentro do homem, as suas superstições e seus
medos, fazendo uma interdisciplinaridade com a antropologia, a psicologia e a filosofia.
Ode se possa privilegiar também o folclore e as crenças.
Tudo isso é de fato, muito importante, pois através destes estudos pode-se
verificar as mudanças socioeconômicas e os valores e as rejeições de uma sociedade.
Elaborar uma história da cultura material, ou desenvolver uma arqueologia e
antropologia históricas capazes de fornecer dados sobre a parte silenciosa ou silenciada
da história é um desafio que aos poucos percebe-se a possibilidade de estarem sendo
transpostos.

O documento escrito (geralmente o oficial) vai perdendo seu relevo a partir do


momento em que se leva em conta a arqueologia, a iconografia, a hagiografia, a arte. A
história oficial não nos deixou dados suficientes para levantar a história não-oficial,
mas, de uma forma ou de outra, preparar uma história da alimentação, do corpo, da casa,
da mobília e coloca-la na perspectiva das mentalidades no prima da história é construir
uma sociedade mais próxima de suas próprias verdades (a verossimilhança):

Ver como funciona a vida cotidiana e as mentalidades é ver as


implicações de uma sociedade, é saber como e por que se davam as
rupturas e as permanências, é ser contemporâneo da época que se está
estudando, é “entrar numa máquina do tempo imaginaria” e
aproximar-se um pouco mais da realidade histórica (Marotta, 1991, p.
28)

Mas claro que uma história do cotidiano não pode ser feita por dados dispersos
ou anedotas; ela deve ser uma história problematizada e não uma história puramente
descritiva, incapaz de ser cientifica. A história das mentalidades nos proporciona, em
última análise, a visão de nós mesmos, uma avaliação de nossas percepções já
estabelecidas. Ela diz respeito também à história inconsciente, àquela à qual Marx se
referia quando dizia que os homens faziam história sem saber o que faziam.

Mentalidades evidenciam as descontinuidades do processo histórico, eliminando


a noção de superioridade de cultura, de civilização, examinando outros povos, retirando-
lhes o nome pejorativo de bárbaros. Analisam os sentimentos, o id e o ego, a realidade
psíquica e a memória coletiva, a noção de Deus, de amor e de morte e de como tudo isso
move as estruturas materiais e é igualmente movido por elas.

4. Considerações finais

Este artigo pretende realizar um esboço de forma breve e introdutória de uma


teoria histórica; hoje já surgiram muitas contradições, como, por exemplo, a questão das
fontes. Sempre que a história renova os seus objetos, reaparece a pergunta: existem
documentos capazes de responder às necessidades de novas pesquisas?

Todas as contradições são, sem dúvida, bem-vindas, pois contribuem para


enriquecimento da História das Mentalidades; mas o que quero dizer,
independentemente da teoria ou das contradições, é que se veja a importância da
contribuição filosóficas destas abordagens. Como se viu, a História das mentalidades
situada dentro da História Nova é uma linha historiográfica que, rompendo com uma
estrutura positivista e mecanicista, busca novas abordagens, participando, desta
maneira, do movimento de renovação cientifica, que se verifica desde o início deste
século até nossos dias.

Esta renovação não tem caráter estritamente científico, procura a renovação de


próprio homem, sua superação interior. Propondo novas visões da realidade, faz com
que o homem também renove a sua visão. Ficando claro que estas propostas tomarão
tempo para serem relativamente praticadas entre os homens, devido mesmo ao seu
caráter renovador.

E, também, devido às mentalidades resistentes que se enquadrarão na longa


duração. De qualquer forma, pertencentes ao presente ou ao futuro, estas abordagens
podem e devem ser incentivadas tanto pelas instituições como pela ciência. A história
enquanto simples observadora e relatora dos fatos e datas nada poderá fazer, apenas
esperar.

Mas a História como disciplina pode contribuir, colocando-se à disposição de


uma maior abertura e da vanguarda e da vanguarda cientifica que já contribui com a
História das Mentalidades. A produção Histórica em qualquer tempo, mesmo muitas
vezes, sob o jugo de ditaduras ou de doutrinas menos dignas, soube colocar para o
homem a filosofia de pensar em si próprio de vários prismas possíveis.

Não se distancia desta proposta a História das Mentalidades que, em suas


abordagens epistemológicas, saberá garantir ao homem do futuro a segurança de pensar
sobre o passado. Aberta a outras ciências, sempre a serviço do homem e construindo um
método científico e objetivo e transcendente em si mesmo.

A História das mentalidades, talvez seja a via holística da história, participando


deste movimento que atingiu a todas as ciências. Pretende-se assim deixar a sensação de
que a História das Mentalidades vai além de simples abordagens historiográficas, tendo
ciência de que na perspectiva de História Nova, a História das mentalidades não
depende de nenhuma ortodoxia ideológica. Ao contrário, ela afirma a fecundidade das
muitas contribuições, da interdisciplinaridade. Ela pretende ser uma história escrita por
homens livres ou em busca de liberdade, a serviço dos homens em sociedade.
REFERÊNCIAS

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