4 SISCAR, M. (Poesia e Crise)

Fazer download em pdf ou txt
Fazer download em pdf ou txt
Você está na página 1de 24

Marcos Siscar

POESIA E CRISE
ENSAIOS SOBRE A "CRISE DA POESIA"
COMO TOPOS DA MODERNIDADE

UNIVERSIDADE
o
ESTADUAL DE CAMPINAS

Reito r
FERNANDO FERREIRA COSTA

Coordenador Geral da Universidade


EDGAR SALVADO RI DE DECCA

Conselho Editorial
Presidente
PAUL O FRANCl •ll'.TTI

AI. CIR PllCORA - AllLllY RAMOS Molll'.NII


Jost, A. R. GoNTIJO - Jost, l~Olll!l\'l'(l ZAN
MARCI\U ) KNOIIIU, - MAI\CII AN l'IINIO ZA<,O
S1m1 HrnANO - YA110 llu111AN ,lllNtoll le O I T O R A''* MMW
·M=+a
ll l'IWCl!l>I \NTI\: O TOM DA VOZ EM PAUL VALÉRY .. ..... ............... ... .............. .. . ... . ... 2ll
APRESENTAÇÃO
A l'All'l'I\ l>A l'ICÇÃO: O PROBLEMA DA CONTRADIÇÃO EM

CllARI.l!S IIAUDI!LAIRE ...... ..................................................... .. ... ............. .. ........... 231

AS "PARADOXAIS SUTILEZAS" DE VILLIERS DE L'ISLB·ADAM ................................. 255

A POESIA E SEUS FINS


A POESIA A DOIS PASSOS: SOBRE OS ANAGRAMAS DE

l'llRDINAND DE SAUSSURE ...................................................... .. ............................. 267

A MÁQUINA DE TOÃO CABRAL .......................................................... ..... ...... . ... . ..... 287

ESTRELAS llXTREMAS: SOBRE A POESIA DE HAROLDO DE CAMPOS ....... ..... ....... ..... 305

MICHEL DEGUY: DEFESA E ILUSTRAÇÃO DA POESIA ................. ... ....................... ... 319

O DIVINO RIDÍCULO: TÉCNICA E HUMANISMO NA POESIA DE

MICHEL DEGUY ........................................ . ........................... ...... ... ....................... 335

A trajetória percorrida por este livro coloca em relevo autores e questões im-
BIBLIOGRAFIA.......................................................................................................... 353 portantes para a formulação daquilo que ainda hoje chamamos, de maneira
heterogênea e com sentidos contraditórios, "modernidade''. A noção, como se
sabe, notabilizada por seu uso em Baudelaire, está em jogo de maneira decisi-
va em autores franceses, mas também tem peso nos desdobramentos da poe-
sia brasileira, em especial a do século XX e a contemporânea, ainda que
suas questões sejam reelaboradas hoje - às vezes, com acréscimo de impre-
cisão - por meio da designação alternativ a de «pós-modernidade''.
De Baudelaire ao Concretismo brasileiro e mais além, a poesia experi-
menta uma notável e complexa metamorfose, rica em rupturas e desloca-
mentos, que não deixa de ter relação com as transformações históricas, in-
clusive com as transformações do discurso das ciências humanas. Tal como
o marxismo, a psicanálise ou a crítica filosófica, o discurso poético moder-
no coloca em questão aspectos fundantes de seu sentido, estabelecendo um
ponto de vista sobre os novos desafios da cultura e sobre os limites do pró-
prio humanismo. Considerada por alguns como declinante e crepuscular,
por meio de uma eventual comparação com a popularidade da lírica ro-
mântica, a poesia tem papel ativo na con stituição de nossa relação com a
linguagem e, sem dúvida alguma, de nossa relação com a realidade.
l'OIISIA 1( CIIISI'.

Í A reivindicação de u~a perspectiva singular, traduzid~<:_()moaspiraçã<_>. estabelecer o sentido d11111nldl1,"ilo,


cm Vcrlaine; o misto de violência e me-
à :•~_u!.~~omià' dita estética, nesse sentido, designa muito menos o sintoma lancolia em relação às rui nas, o dispositivo básico da destruiçãovanguardis-
de um escapismo social do poeta, como normalmente é vista, do que uma ta. Ao transitar por essa história de pouco mais de um século e meio, depa-
resultant e discursi va na qual se explicita (ou se dramatiza, isto é, se dá a ramo-nos com numero sos profetas dos escombros e reis sem reino. Hesita-
entender, pelos expedientes da retórica e do phatos) um certo saber sobre o mos entre os lamen tos com força crítica e as estratégias de gerenciamento
real - um _saber _9.~'!_11!.ntemente coloca em prin_;_eiro
pla~lê~ de bens e políticas culturais_ Ou seja, convivemos com variados discursos
de sua exclusão e o sentido de seus fins_Em outras palavras, a autonomia da crise que, dependendo do caso, oscilam entre a política cultural e o mo -
desejada pela poesia não é aquela que a isolaria da realidade intolerável, vimento po-ético (poéthique) do "mudar-se em sua perdà ' (se changeren sa
mas aquela que de fato lhe fornece os recur sos para carregarou suportaros perte), na expressão de Michel Deguy.
paradoxos de sua inscrição na realidade, atribuindo-lhe a condição de dis- Assim, se os episódios são variados, a configuração do discurso da crise
curso histórico que denuncia, inclusive, as ficções paradisíacas da cultura é profundamente ambivalente. A despeito do atalho crítico que pretende
como identidade entre forma e experiência. Nesse sentido, o discurso poé- denunciar como "contradiçãó' o paradoxo formalizado pelo poema , inte-
tico aspira ao gesto dilemático pelo qual seria possível, inclusive, iluminar o ressa-me reconhecer que o topos da crise comporta um modo de entendi-
sentido de outros campos e discursos sociais, reconhecendo neles as estra- mento do real que toma forma historicamente singu lar dentro do discurso
tégias políticas implícitas de manipulação , eufemização ou desdramatiza- poético e que tem um papel, por assim dizer, fundador. Ou seja, quando
l:ão da linguagem . falamos de crise,em poesia, não-fàlamos exatamente de um colapso de or-
É nesse contexto que o leitor, habituado a identificar a trajetória da poe- dem factual, mas mais precisamen te da emergência de um ponto de vista
sia moderna com a (contínua e infindável) história de seu declínio, pode sobre o lugar onde estamos , ;~b; nossas condições de "c~munidade". Pro - ~--
entender um pouco melhor a particularidade do tema e da estrutura da fanadora e "sacrificial",distante do lugar comum nefelibata a que é submeti-
"crise".Reivindicada em tom desiludido ou reciclada como estratégia de en- da por alguns discursos das ciências humanas ~; ~~~si~ no~~i;~ d~-;aj~-;;
tusi asmo renovador, a crise é um dos elemento s fund antes de nossa visão da sem
fugir de suas contradições, ao contrário, fazendo dess~s contradi y-O~S
.
experiência moderna. O discurso ·poéti;;-é aquele que não apenas sente o ;o ~;~~o tempo o elemen'~~o qual se reiliza e no qual ~;ufraga qualquer
impacto dessa crise, não apenas deixa ler em seu corpo as marcas da vio- n~meação. Se há um
heroísmopoético mode;no, este ~ãÕé-~e~~;~tê ~~;:
lência característica da época, mas que, a partir dessas marcas, nomeia a tálgico, ou messiânico, tampouco simplesmente programático, dialético ou
crise - a indica , a dramatiza como sentido do cont~~ p~;â ~eo. experimental.
e
As evidências do mal-estar são corriquei~a~· à-·r;tó~ic~ocalíptica é Considerado em poemas, mas igualmente em textos híbridos, inclusive
.um dos modos mais conhecidos de realizar essa complexa dramatização do críticos, o discurso da crise se reconhece decisivamente na esfera do julga-
presente, que perturba constantemente a estabilidade da remissão à tradi- mento, da decisão, que, como se sabe, também está no radical grego crisis.
ção ou à instância do "futuro': A profecia do fim do mundo, em Baudelaire, Ao contrário de observações rotineiras , assumidas como ponto de partida
por exemplo, é uma maneira irónica de constatar o desastre do presente; a por notáveis historiadores e filósofos da literatura , mesmo em momento s
"crise de verso•: em Mallarmé, um dispositivo que coloca em jogo a tarefa considerados os mais descomprometidos com o transcur so histórico - co-
"antropológica" da poesia; o "ódio" à época contemporân ea, um modo de mo o do "hermetismo", ou da "torre de marfim' ' - , não creio que se possa

,-...,, 11 ~
l'l)l(SIA li CltlSH AIIUNNN1 'Al,!ÃO

dizer que a poesia vira as costaspara a realidade. A irritação ou o sufoca- moderna ou pós-vanguanlista, linnlmcntc desvinculada dos pontos de refe-
mento das idealidades do azur não são consequência de uma suposta abs- rência da tradição, os acontecimentos que reconhecemos no contemporâneo
tenção, como talvez pudesse ser dito da solução que, abusando da simplifi- não deixam de ser-~~ifestação dos i~passes qu e têm caracterizado his-
cação histórica, chamaríamos de "romântica"; ao contrário, tais irritações toricamente os movimentos teutôni cos da poesia. E que a fizeram desdo-
fazem parte do sentido que o poeta atribui à sua situação. A poesia carrega, brar-se, até ~ossos dias, com fÓrmâs, funções e públicos variados.
assim, uma capacidade de formalização do mal-estar, ou seja, uma peculia- Daí o interesse mas também a limitação das verificações históricas ou
ridade crítica. sociológicas da crise, que constituem um gênero antigo, mas brotam com
A filosofia política marxista habituou- se a discutir o conceito de crise grande força nos tempos que correm . Se o discurso apocalípticoaplicado à
vinculando-o às contradições do sistema produtivo. A crise seria inerente poesia pode ter mais de um sentido , parece que a tradição moderna, mes-
ao processo de desenvolvimento do sistema, sinalizando seus impasses e mo em momentos considerados os mais "conservadores" do ponto de vis-
revelando suas estratégias. E, de fato, é preciso lembrar que, se a evidencia- . ta social ( o chamado "esteticismo"), também carrega razões de ambivalên-
ção das crises é um modo de abalar a violência constitutiva de tal sistema, cia, sinalizando para um outro uso da noção de crise, que gostaria de des-
denunciando seu modo de individuação estatístico e concorrencial , tal dis- tacar aqui, no cruzamento entre o sentido da crise e o gesto de crise.Algo
positivo pôde muitas vezes exercer também a função oposta, de ajuste basea- dessa ambivalência, que frequentemente toma a forma angustiada ou eu-
do na destruição e na substituição contínuas de certas camadas da cultura. fórica da tensão ou da contradição performativa, está em jogo na poesia,
Identificar e compreender essa ambivalência nos permite ter maior clareza ------------ -- -,---,:,-----:-- - ··---···----- ·- --
nesse gesto artístico para o qual a herança deve ser, ininterruptamente,
sobre diferentes modos de tratar a crise histórica que atingiria a cultura e a conquistada, reconfigurada.
poesia, decisivamente . Entretanto, essa distinção higiênica não nos oferece - -·se as preocupações políticas da crítica literária do século passado se
todos os elementos para compreender o sentido poéticoda crise, que é tam- sustentam em distinções subjacentes, mas não menos decisivas, em relação
bém uma interpretação da história (uma "filosofia"da história, poderíamos ao modo mais ou menos atento com que a poesia se insere na história, ca-
dizer) , embora não deixe de ser histórica; e que não deixa de constituir um beria hoje, com urgência,entender os diferentes dispositivos pelos quais o
conflito (algo menos, ou algo mais, que um colapso), embora não seja de discurso poético tem compreendido sua capacidade de herdar a crise. Ou
natureza propriamente ou puramente factual, isto é, independente da for- seja, o modo como vem, desde muito cedo, nomeando o real e construindo
mnli7.açãode seu sentido. essa história.
~) ql1~poderíamos chamar de formalização poética da crise não se se-
--l'J, p,m1clune.:~~sidade e da dificuldade
da "herançà'. Justamente pelo fato de Campinas, abril de 2 0 10.
1u:olh"rli contradição como elemento estruturante do discurso, a crise em

/"'"'" nAn1tpcnn11 produz o qualificativo da situação em que vivemos, do


h•ll•rth1111ladocm <tucvivemos, como também , pelos mecanismos que ex-
rlMl•m • vlnltnclndo11 ncontecimentos, nos oferece a experiência material e
~,,11
tnnfllluoq d•t111ll0 •IJnlfkn o ter lugarhistórico. Por essa razão, ao con-
1r,rlodt um1ru,tl• qu, coloc11rlR
011 pés nas nuvens de sua condição pós -

. .". .
1
O DISCURSO DA CRISE E A
DEMOCRACIA POR VIR

ATUA LIDA DE DA CR ISE

Uma das questões mais decisivas dos estudo s literários, frequent emen te
deixada à margem de sua disciplinaridade, é o problema da "perda -de pres-
tígio" de seu objeto - a literatura -, que estaria, nos termos do debate
atual, definitivamente rendida ao mercado ou, conforme a orientação do
critico, em "decadência': isto é, definitivamente incapaz de inserir-se nele.
Essa situação (designad a como crise, exaustão, fracasso, pobreza, desvalori-
zação, perda das ilusões, perda de rumo, de centralidade ) é um toposlarga-
mente explorado pelo jornalismo, mas tamb ém pela universidade , que tem
multiplicado nos últim os anos seus sinais de alerta, quando não suas "des-
pedidas" à literatura 1• Trata-se de uma tese sobre o tempo presente que, se
por um lado pode ser assimilada paradoxalmente ao pr óprio funcionamen-
to das instituiçõe s no que elas têm de mais conservador, por outro lado
ajuda a prop agar um sentimento pelo qual a literatura é colocada em posi-
ção de desconfiança e, em certas situações, poder-se-ia dizer, na posição de
réu de um mal-estar cultural muit o mais abrangente. Apesar do caráter po-
lêmico , a questão é tratada de modo relativamente ligeiro, permanecendo

1. Na França, como argumenta Antoine Compagnon (2007), a cada ano alguém publica
um "adeus à literaturâ'. Ensaios sobre a crise da literatura já se tornaram quase um gênero à
parte, curiosamente integrado de maneira perfeita ao mercado literár io. Um dos sucessos
editoriais da rentrée2005/2006 foi, por exemplo, o livro L'Adieu à la littérature,de William
Marx.

r--, 17 ,-._J
l'IIHSli\ 1! l'.IIISI( 11 IIINl!IIIINII Ili\ C:IIINII

cm larga escala no campo _intuitivo da avaliação dos "ares da cpm:a" ou da 11111ll0 mnis rnmplcxos do lllll' Sl' pensa e não raro contraditórios : venda de
tendência crítica do analista. livros, produçfü> editorial ao longo <lahistória , fluxo de traduções, uso de
Em que consistiria esse mal-estar da literatura, no qual a teoria se apoia hihliolcca s, circulação de livros usados , variedade de suportes do text o (li-
ou que a teoria denuncia? Para entender a questão em toda a sua extensão, vros, revistas especializadas, imprensa escrita), tipos de uso da literatura (na
seria preciso deixar de tratá-la unicamente como pressuposto do discurs o, t•ducação, nas diversas artes), além, é claro, do fenômeno da Internet, essa
como um estado de Jato da cultura ou da literatura. Ou seja, seria preciso ~igantesca biblioteca, que tem sido considerada também como um labora-
negociar com outros tipos de avaliação, outros tipos de evidência muito tório da criação literária 2• Não há como não pensar que as atuais pesquisas
menos disfóricos, que fazem parte do cenário discursivo sobre o contempo- nessa área, pela sua inco mp letude e pelo segredo de polichinelo que afinal
râneo e que reinserem o tema em outro tipo de perspectiva, a da "interpre- acabam "revelando': valendo-se da legitimidade conferida pelos números,
tação''. Isso evitaria o engessamento do discurso intelectual nos limites da apenas inflacionam uma situação di scursiva na qual vários tipos de inte res-
evidência dos fatos, ou o obrigaria a justificar o crédito por vezes ilimitado se permanecem silenciados.
que concede a essa evidência. Por outro lado, é importante lembrar que a Apesar da relativa fragilidade dos argumentos, o espaço dado a eles não
extensão da questão da crise não é apenas da ordem dos acontecimentos deixa de fundamentar publicamente o movimento de mão única em curso
presentes, não é apenas um "estadó ' de coisas, mas inclui também um per- nas relações entre a circulação do livro e a política de publicação das edito-
curso histórico e um sentido cultural a serem levados em consideração. Por ras; entre a vida intelectual e os suplementos de jornais; entre o peso social
fim, a proposição da crise não depende apenas de uma verificação externa da literatura e as transformações sofridas pelas políticas educacionais (cur-
ao campo do discurso literário , que lhe conferiria valor e sentido, mas faz rículos, conteúdo de vestibulares). Como se as instituições que interagem
parte de sua própria constituição moderna, do modo corn9 dialoga com os com a literatura fossem apenas receptoras pa ssivas de um fenô meno supos-
outros discursos. tamente definido e quantitativo que - no fundo - elas mesmas ajudam a
O pathos da crise pode tornar-se uma questão relevante para a teoria criar, a reproduzir ou a aprofundar. Explicitando o que está em jogo nessa
literária? Dificilment e, se acredit amos que sua tarefa não é a de formular . passagem do sentimento de crise para a política das instituições, parece que,
avaliações quanto ao grau de penetração da literatura na cultura. Até por da visão algo paternalista que, no passado, pretendia educar o público igno-
isso, apesar da retórica bombástica do anúncio, tal avaliação tem discreto rante na obediência de valores elitistas, estamos passando hoje diretamente
detalhamento e raramente é evidenciada como tese crítica. Ao contrário, para o cinismo (também chamado "realismo ") da obediência ao gosto do
aparece normalmente em tom de cumplicidade, por meio de uma conjec- "público-alvo': público cuja natureza, abrangência e inte resses, a rigor, são
tura supostamente partilhada, como pano de fundo para outras operações
do discurso. A alternativa de que dispomos para esse tratamento aproxima-
2. A simplificação fica clara em pesqui sas como a do National Endowment for the Arts
tivo da qu estão apresenta-se menos como uma sociologia da cultura do (cf. Silva, 2008) , que limita a experiência de leitura à venda de livros (minimizando, explicita -
que, frequentemente, como uma estatística dos produtos culturais. Refiro- mente, a importância de dados contrad itóri os, corno o aumento do faturamento das livrari as,
me à insistente elaboraç ão de pesquisas baseadas em estatísticas e dirigidas e qu estões importa ntes da no ssa época, como o acesso ao texto p romovido pela Internet),
mais especificamente, à quant idade de dólares gastos em livrarias por famllias americanas.
uo grande público, as quais, frequentemente limitadas por precaução "meto- Pode-se perguntar , nesse caso, a quem intere ssa a confusão explícita entre a relevància social
dológku': a rigor dcixom <lcenfrentar a dificuldade dos dados objetivos, da obra artística e a circulação empresarial do dinheiro.

, • Ili, • ,.__, 19 ,_.,


l'Ol!SJA 1\ C:IUS H

definidos por publicitários e gerentes invisíveis e, nesse sentido , irresponsá- prohahílid,1dc, da cstat[stku, du mall~lll.Hica,de um a certa tecnologia do nú-
veis, do ponto de vista das políticas culturais. llll'ro ) conferiria sentido ao prin dpio de troca que estrutura a vida social e
- . -- -- -- - --- •··•·· . - . . . - -----·- ···•-- · "-----·- ---·-- ·---.
Arriscaria dizer que o consentimento geral da crítica mais séria à relativa rullural moderna, a que a litera tu ra reage e o qual denuncia. Do mesmo
••# · ·• .. . • . .:.. .. .. - --- - -

falta de rigor, nesse campo, dando por perdida a época das "utopias': não ajuda modo, mas com estratég~~-~P.~!entemente _?.Posta , a literatura optaria ~r
a evitar a confusão entre discursos de natureza e valor bastan te heterogêneos. incorporar esses_elerne,nt°.s,_a_
fim ~e refor mular seu modo de inserção cul-
De modo geral, seu interesse pelo sentido do contemporâneo denota uma turnl, ao dar-~_!i
_e outr ~s--~~~ t!_g!~~·Apesar da s diferen ças de tática , em ne-
espécie de urgênciaem definir aquilo que está em jogo no destino da literatu - nhum dos casos as tr ansformaç ões do pr esente são experimen tadas pela
ra. Ou seja, a formulação apressada de panoramas do tempo presente indicia literatura como cômodas ou legíti mas. Por isso, histor icamente , faz parte do
a natureza imediatam ente estratégica, mas também interessada, compulsiva, discurso literário a atribuição a si me smo, como agente cultu ra l, da tarefa de
com que nos relacionamos com a ideia de "crise''.Se, como disse, colocada em denunciar o infortúnio , anunciar a decad ência, ou, ainda, a part ir dessa
termos habituais , a busca em determinar a falência da leitura e da literatura con statação , de redefinir positi vamente as destinações da cultur a.
pode gerar uma discussão estéril, dada sua imprecisão e os diversos tipos de A re.'.3-ç!?.A~
!.liloque se percebe como a ilegitimidade do presen te é ~
interferência que estão em jogo, por outro lado a urgência com a qual esse traç o disc~r ~!v_9
__q~e._c51~-~~_p_elomenos 15 0 anos, se deixar mo s à parte o
sentimento de crise se manifesta é extremamente relevante como indício de viés_do escapisn_i°._~: ..!!P;?_!..<?~ântic~. Em Baudelair e, a decr epitude da
um mod o de relação com o tempo presente e com a possibilidade de dizer experiênci a conte mpor ânea já está em prim eiro plano, e a ela se subor di-
esse present e. Nesse ponto, a questão me interessa especialmente, na medida nam até mesmo os eventuais efeito s art ificiais de paraísos e os frustrados
-~ _ __
_____
.r
em que o sent......imento de crise é, a meu -~-
ver,
- -um
...... ..dos
-----traços
-~ . ... mais relevantes da
- -· - . ·· - - - --

literatur a moderna, em que pesem as alterações materiai s e objetivas pelas


quais têm passado o texto e a leitura nas últimas décad as.
desejos de exílio. Dizendo de outro modo , o discurso da crise é um dos
traços f~~~adores do discurso da mode rnidade , que atest a _u~ mod o par-
tic1:1
_l~_~..<!_:.:.:~ .? P.t~~:1_!~
5:~~-~<>m.: _,P.?.EP~ te da literatur a, -~9-9.ual a estétic_a
Para esclarecer esse ponto de vista, é preciso lembrar rapid amen te que (~~té mesmo o "esteticismo") é entendida como element o, po r assim dizer ,
a capacidade de formulação da crise, que eu chamaria de herança críticada de "resistência ". Não se trata de requi sitar par a a literatura um modo direto
literatura , se apresenta tradicionalmente como reação não apenas ao desen- e eficaz de relação discur siva, "críticâ ' e que stionadora , com o cont emporâ-
volvimento da sociedade industrial de massa e ao fantasma da tran sforma- neo, mas de lembrar que o sentim ento de crise ( e até a acusação dirigida
ção do hum ano em me!ca_'!_°.ria
(problemática que Benjamin averiguou em contra si m esma, que fa~arte dessa~~) não est á for a do modo históric <:.
Baudelaire), mas também, especificamente , à constituiç ão de um _ponto de pelo qual ela formaliza suas estratégias culturais. Até por isso, o anúncio
vista aritmético sobre a realidade _~oc ial. Ainda a pr opó sito de Baudelaire , literário do "fim do mundo-;;-~ã~·d-;~ a autoacusação do ridícu-
Pierre Pachet nota que "as sociedades modernas se tornam 'sociedades de . lo do profetismo, apostando com isso na força cr iativa do paradoxo e do
massa' a partir do momento em que se constitui uma ciência ou um projeto "mal entend idó '.
3•
de ciência dos número s sociais" Assim, a centralidade do "númeró' (da Por isso, não é in significante n em contraditório qu e a afirmação da cri-
- - -- -··--- -----
.
se apareça (continue aparecen do) reiteradam ente sob a plum a dos próprio s
3. Pierre Pachct, Lc Premierve11u.Essai sur la politl11ucbaudelairienne.Paris, Denoel,
1976,p. 27.Os textos cm língua estrangei ra citndox ncHlce nos demais ensaios do livro são escritore s,bem como de outros artistas e intele ctuai s, não raro os mai s b em-
lrnduz!dos !leio nutor, s:ilvo indicação em contr4riu, sucedídos, movidos por uma espécie de heroí smo crítico e reti ficador. Em

~ 2 1 ,,-...,
11 01\SIA H CIUSll

entrevista publicada no dia 13 de agosto de 2007, após o lançamento do pre- DA POESIA COMO ANACRONISMO
miado docwnentário Santiago,o cineasta João Moreira Salles reafirma essa
l(mbora a questão se coloque também de modo enfático em revistas
ligação entre crise da arte e perda de centralidade, deslocada para a tecno-
L'spcdalizadas ou na produção acadêmica das universidades , coloco em pri-
logia e a ciência:
meiro plano um episódio recente, entre tantos , que se multiplicam no uni-
Vl'rso do texto impresso ou eletrônico, e que manifesta, a meu ver claramen-
Não estou dizendo que o Brasilé um país medíocre. [...] Estou dizendo que as k, o desejo de dar sentido ao tempo presente por meio da crise.
nossas ambições se tornaram mais medíocres. Disso não tenho dú vida.[ ...] O cine-
Se não é incomum que considerações sobre arte e cultura venham fun-
ma é importante dentro de determinado caldo cultural. Quando esse caldo desapa-
damentada s por opiniõe s extremamente pessimistas em relação à qualida-
rece, pode haver cineastas extraordinários, e eles existem, mas os filmes não têm
de e à abrangência da experiência da literatura contemporânea, o caso é
mais centralidade. O cinema teve o seu momento, e o momento passou. A centrali-
mais significativo pelo fato de o autor do texto ser um escritor de sucesso,
dade hoje está na tecnologia, na ciência.
muitíssimo requisitado no Brasil e também conhecido no exterior. Trata-se
do escritor Bernardo Carvalho, colunista do jornal Folha de S.Paulo, que
Ao mesmo tempo que confirma a concorrência entre o ponto de vista
publicou, em 14 de agosto de 2007, uma crônica intitulada "Moça num ves-
da arte e o da ciência, a afirmação desloca ligeiramente a nossa percepção tido velho''.Em que pese o caráter"ligeiro" do texto, sua impor tância relativa
da centralidade do número. Se a perspectiva critic!l, dirigida _ao_conteme:>- não deve ser depreciada, uma vez que jornais e revistas (em versão impressa
râneo pela via da desolação, da afirmação do fracasso, faz parte de wna
- - -·----- ---...-~- ----- ·----· -·--..-·•· --- -- - ·-- ou eletrônica) continuam sendo um espaço important e de circulação do
tradição, ela não Pª! ~_c_~_~s!.~!..~.?
-~~!cionada à ~-? pularidade da obra artística discurso intelectual, mesmo para aqueles que se latnentam pelo esvazia-
(o que a rigor distinguiria o cineasta do poeta, em certos casos). Mesmo o mento dos suplementos literários.
gênero ou a obra bem-sucedidos podem fazer da perda de "prestígio" (ou Basicamente, o texto tem como proposta comentar um vídeo sobre a
das "ambições': o que é um pouco diferente ) uma evidência da crise. A afir- Rússia exibido em mostra de fotografia re~da na Pinacoteca ~e São Pau-
mação desloca o problema, porém não desmente a tradição. Assim, uma lo. Para o autor, as imagens , reiterando uma realidade de fachada (a realida-
abordagem do problema da crise que considere de modo rigoroso a histori - de do aumento do consumo, que permitiria dizer que a vida "está melhor"),
cidade de nossas formações discursivas deveria não apenas atribuir conteú- "não veem" aquilo que é "mais terrível''. Esse invisível, a violência oculta,
dos contemporâneo s ao teloshistórico da degradação, mas tamb ém ser ca- seria justamente aquilo que o jornalismo vê e veicula. O articulista retoma
paz de descrever-lhe o percurso, as estrutu ras ou modalidades e, além disso, o exemplo de Politkovskaia, jornalista que, tendo denunciado esquemas de
o próprio sentido de sua urgência ou de sua necessidade. corrupção, de tortura, de assassinatos e de censura à mídia no governo Vla-
Isso provavelmente ajudaria a perceber o modo histórico de constitui- dimir Putin, foi assassinada quase na mesma época de realização do vídeo.
ção da comunidade literária ~orno comunidade críticae, de forma mais sen- Apesar da brutalidade da eliminação de wna jornalista perseguida pelo Es-
sível - do ponto de vista dos interesses do discurso teórico-, a reconhecer tado, como lembra Carvalho, a população não faz questão de enxergar esse
os diversos tipo s de apropriação e de usos que são feitos da ideia de crise, abuso de poder. Isso porque - como denuncia o texto - o consumo é a
diferenças que ajudam a situar o discurso teórico tanto quanto ele, de modo ordem que rege as relações no contemporâneo, um imediatismo que amor-
tão dramático, desejasituar-se. tece o senso de justiça.

, _ , 22 , ·- ,
l'Ol\SI,\ H C IIISH O 111111'.llll~Cl Ili\ CICINII

O artigo pr opõe, assim, uma acusação enfática da centralidade do con- t n111sli1rnrn111


subslanci almc11lt' a ani\lisc do probl ema, envo lvendo questões
sumo e da lógica do lucro. Uma foto de Toni Pires, retratando fileiras de qm· nilo silo ape nas (ou não diretamente) sociais.
garrafas de soda, publicada juntam ente com o artigo sugere a uniformiza- ( )ut ra distinção a ser feita diz respeito aexistência política do escritor e
ção e a banalização da mercadoria. A esse fenômeno associa-se a cumplici- dt '. sua obra. Esta ganha tragicidade, como é compreensível, nas épocas e
dade do capital financeiro com o poder de censura (inclusive sobre os meios wupos socia is em que os fenômenos de censura são mais representati vos,
de comunicação) e com a violência impune. No caso específico da Rússia, rnmo é o caso atual de alguns pa íses islâmicos, da China, entre outros. Afir-
sob a nova ordem econômica permaneceria intacta a truculência política mar, como faz o texto , que os escritores já não sofrem persegu ição política é
soviética. Mas a situação não deixaria de ter relações com a realidade brasi- rnnliar numa versão extremamente otimista da democracia liberal globali-
leira, embora aqui a falta de peso do Estado tenha como consequência a zada. Ao que se sabe, muito s desses escritores, tanto poetas como romancis-
entrega de sua função reguladora às empresas e ao capital, mas ainda "em tas, continuam a ser perseguidos e mortos por regimes políticos autoritá-
detrimento da ju stiça e da verdade''. rios, a po nto de se criarem organizações internacionais de apoio (como foi
Nas suas posições mais abrangentes, o texto reitera o diagnóstico da gra- 0 caso, por exemplo , do Parlamen to Internacional dos Escritores 5). Seria
vidade da uniformização e da violência características das forças qu e regem o importante , por outro lado , se perguntar por que as mortes (ou ameaça s de
"mercado ".Porém, o que se destaca no texto é, antes de mais nada, a designa- morte) de escritores, hoje, por razões semel hantes de perseguição política,
ção do jornali smo como posição discursiva que, modernamente, assumiria a têm espaço tão redu zido na mídia, enquanto pequenas agressões sofridas
4
condição de defensora da justiça e da verdade • Aquilo que a arte (como no por jornalistas são imediatamente veiculadas n os jornais, inclusive televisi -
caso do vídeo comentado) por vezes oculta o jornalismo revelaria, ao preço vos, de maior audiência. Embora a crônica comente o caso específico da
da morte física e brutal dos profissionais que o praticam. situação da Rússia, suas avaliações são claramente estendidas a um estado
Naturalmente, o mérito social do exercíci o honest o do jornalismo é no- contemporâneo generalizado, o que , aliás, permite ao autor a cartada final
tório e raramente questionado. Jáa expectat iva do mesmo tipo de função do artigo.
pública para a atividade literária envolve problemas. Se a sequênc ia do arti- Dito isso, a proposta do texto não é exatamente a de atr ibuir uma exi-
go destaca o fato de que os poetas não morrem mais por causas políticas, é gência_política à literatura conte~po rânea. P~~a Bernardo Carvalho, ela já
preciso lembrar que a associação entre texto literário e denúncia política
é apenas um dos diversos modos de entender a natureza do literário. Mesmo 5. O Parlamento, criado no s anos 1990, propunha-se a apoiar escritores perse guido s em
o mimeti smo mais grosseiramente realista, em liter atu ra, opera pelo deslo- seus palses por motivos religiosos, étnic os, econô micos ou por razões de Estado. Assassinatos
na Argélia (Tahar Djaout), no Egito (Naguib Mafho uz), ou ainda a Fatwa lan çada contra
camento da ficção, da imaginação, do afeto, por estratégias de mediação que Salman Rushdie foram apenas as razões imedi atas da criação do Parlame nto, que concebe u o
conceito de "cidade-refúgio" e passou a oferecer condiçõe s de exílio a escritores como Wole
4. Ê preciso lembrar que Bernardo Carvalho é, igualmente, jornalista e trabalhou duran- Soyinka (Nigéria), Latif Pédram (Afeganistão), Bei Dao (China), Rogelio Sanders Chile
k mull'os anos como edito r e repórter do jornal Folha de S.Paulo,tendo, a partir de meados (Cuba), Bashkim Shedu e Agim Salihu (Albânia), Syl Cheney-Coker (Sierra Leone), entre
1111dfrudn de 1990, começado a publicar textos literários, assumindo de modo mais direto a outros. Os jornalistas não estavam excluídos do projeto , pelo contrário: muitas vezes, o escri-
1 ~rrrlt11111
• rHcrltor, notadamente como romancista . Sobre a tese principal do artigo, pode-se tor é, também, jo rnali sta, o que complica ainda m ais a questão e coloca em xeque a própria
l•111,11l~r
11111• 11 nulor n~o leve adiante a ligação proposta entr e lógica do lucro e censura, divisão e a hierarquia dos "riscos''. Entretanto, a domesticaç ão da imaginação literária pela
tttn••n1l11
11,ill l hlNi
vr, 1111con texto do próprio jornalismo, que, como se sabe, não é feito ape- mídi a e pelos imperat ivos de orde m econômica (do tipo sem "pop ularidade': não se publi ca)
Mt 11,11111tiul111111I• fumh11ncntalmente de emp resas.
, IIIIIN foi mais dire tamente denu nciada nas propostas de criação do Parlamento.

r---,J 25 ,-.._,
li 11111:IIIOIOIIA 1:111~1
1

não está, como no passado, à altura de tal exigência. O que 111.iischama a lista e a poeta gera ruido 111111proxi11rni,:ilo.
Mas provavelmente a aproxima-
atenção e constitui sua tentativa de aprofundar o caráter polêmico do texto \fü> se quer apenas rctórirn e scrVl! para destacar, a partir do fato pitoresco,
é a aparição repentina, com valor de exemplo, da literatura no artigo, desig- u ordem cronológica dessas mortes , o que levariao _lei_tor _a_con~J.~i!.9.U..~
..CJ
nada especificamente pela via do gênero "poesia''. Distante, até ali, do debate jornalismo sucede à poesia em centralidad~ e _importânda _c~1!!.~ .A~8.~~rso
sobre o jornalismo e sobre o consumismo contemporâneo, sua situação sobre a cultura, considerado o frescor do
.. .. . .. ·-.. ~angue
. . . .......
de seus
. .. ... ..
, ,
heróis.
···-- -
acaba ocupando praticamente a terça parte do artigo, e a ela se refere a ex- Qualquer que seja o sentido textual da associação, é espantoso o modo
pressão destacada como título ("Moça num vestido velho"), formulaç ão abrupto e aparentemen te gratuito pelo qual a poesia é alçada à condição de
usada pela poeta russa Tsvetáieva, em correspondência pessoal, para desig - coadjuvante de uma demonstração sobre a importância do jornalismo hoje. A
nar-se a si mesma. .~ituaçãoda poesia constituiri~?_para Carvalh_CJ
_,_
_?ffi~ evidência da _mudança de
Na expectativa dos desdobramentos de um discurso tão enfático sobre priorídad~s no .Ill~~o - contem.e2râneo ("Uma mudança significativa desse
a situação da política mundial , o leitor se espanta com a entrada em ce.na de modo de pensar [segundo o qual "absoluto, só o lucro"] é que a poesia já não o
um ator inesperado e sem relação direta com o assunto. A surpresa é des- ameaçâ').A arbitrariedade do poder coincide com~ época em3,Ue a gratui-
feita apenas no final, quando compreendemos a lógica subjacente com que dade poética _fica em segunyo y)ano,em que a poesia não é mais (e acrescento:
o autor associa poesia, intriga s políticas e a lógica do consumo: o fato de a se é que foi algum dia) uma ameaça ou uma alternativa geral à centralidade dó
jornalista Politkovskaia ter escrito um trabalho de final de curso sobre Tsve- poder financeiro, à centralidade ou ao poder de seu discurso 6•
táieva, poeta hostil ao utilitarismo político em poesia. A postura do artigo de Carvalho em relação à poesia é ambígua, como
Assim termina o artigo de Carvalho (2007): ocorre em geral com os discurso s que se valem da constataçãoda crise: por
um lado, podemos imaginar a melancolia do ar ticuli sta pela perda de int e-
r É curioso que Anna Politkovskaia tenha escrito sua dissertação de final de curso resse da poesia (o que, a rigor, faria dela uma espécie de antepassado ilustre
de jornalismo sobre Marina Tsvetáieva, a poeta que não acreditava na poe sia com do jornalismo)7 e, por outro lado, uma tentativa de atualização da sensibili-
função utilitária, a serviço da política ou das causas cívicas. Numa carta da correspon- dade contemporâ~ea de modo mais afinado com seu s novos valores - nes-
dênci a que manteve com Boris Pasternak , autor de "Doutor Jivago'; Tsvetáieva se pro - se caso, com o heroí smo sacrificial do jornali smo -, dentro dos quais a
clama "moça num vestido velhd'. l:.uma imagem enfática da poesia hoje, num mundo
~oe~i~~ -ª-r~~'=--~~ .~~:~s-~ -~•.!s~º·-~' ~·º -~? .rn_iJ_?_ ~u!!llf~1~ _s_~!je pu :.~~o,
cada vez mais utilitário e consumista, esvaziado de tran scendência , onde ela já não eventualmente denunciado.
L precisa ser silenciada, pois não tem mais lugar nem importância .
6. Vista por wn outro ângulo, a associação frequente entre políti ca e poesia no mundo
contemporâneo é inclusive criticada , em texto publicado no mesmo jornal, por Nelson As-
O próprio nó da aproximação não deixa de enfatizar um certo estra - cher. No artigo de 23 de ju lho de 2007 ("A poes ia do século passado" ), o articulista lamenta
nhamento. Afinal, justamente por ter escrito um trabalho sobre uma poeta essa associação, uma vez que é justament e a unan imidade polític a que prejudica a poes ia e sua
avessa à política, o que se destaca na relação de Politkovskaia com Tsvetáie- escassa "biodiversidade" futura.
7. A associação da morte de poe tas do início do século XX com motivaçõe s políticas é
VII 6 Ht'll cnri\terinusitado, "curioso''. Embora ambas sejam figuras da intelli- um fato histó rico, mas a ligação genérica ent re suicídio e denúncia política é uma oper ação
1'"'''" cuju morte, em épocas distintas, tem relação direta com o
r111u111 extremamente pr oblemá tica. O caso de Maiakovski é parad igmático da complexida de do as-
Hft'tl~ln "livl11l~11d11t:Hlulnl,n diferença de postura política entre a jorna- sunto, tendo suscitado surpresa e interr ogações mesmo da parte dos amigos mais próximos,
como Roman Jakobson (2007).
l'lll!SI,\ 1\ C:IIISI\ O IIINt:lltl~II IIA CltlHII

Na associação inusitada em que comparece, a poesia atua como uma es- Formulundo de outro 111ml11
: o fato de a jornali sta ter escrito um traba-
pécie de figurante em um texto sobre o jornalismo, mas um figurante contra- lho universitúrio sobre a poeta expressaria um distanciamento algo excên -
ditoriamente essencial, uma vez que o próprio título a designa diretamente, trico -- irônico ou generoso - em relação a um anacronismo (lembrand o
faz dela o centro das atenções. Como se, ao revelar alguma coisa relativa às lllle 'l'svctáieva morreu em 1941, ou seja, mais de meio século antes)? Reme-
questões mais cruciais do nosso mundo, justamente por estar fora, incapaz de leria a um interesse pela força de um outro discurso, em relação de contras-
interagir com ele, ~oe sfa fosse tamb ém um fundo negativo eara a delinli!~- te com o seu? Ou, ainda, a uma fascinação da jornalista pelo heroísmo invo-
ção das positividades da cultura contemeorânea. A ausência da poesia no luntár io, ou eventualmente suicida? O leitor da crônica não tem condi ções
presente, sua central idade oca, está destacada em vários níveis, tanto no da de ir além das especulações. Mas nenhuma das pergunta s é absurda. S_e um
experiência que Politkovskaia tem da poesia como no da retórica do texto. dos antigos professores de Politkovskaia considera que, depois de termina-
O último parágrafo do artigo, citado acima, acumula vários deslizes de do seu curso, ela tenha trocado a "obsessão" da poesia pela obsessão do jor-
sentido, mas a associação entre Politkovskaia e Tsvetáieva é central para a 11alismo 8, poderíamos ter um início de resposta, um a das respostas possíveis

articulação da crônica. O fato de uma jornalista comprometida com a de- para um a questão falsament e simples. As razões que aproximam Politkovs-
núncia política ter escolhido como assunto de investigação uma poeta des- kaia do jornalismo poderiam n ão ser realmente diferent es das razões que a
comprometida literariamente com a política, mas afetada diretamente por aproxima m da poesia, o que complicaria, se não a distinção entre esses dis-
ela em nível pessoal, tem exatamente que motivação, ou que sentido? Algu- cursos, pelo menos a coerência intelectual da interessada. Aliás, não seria
mas hipóteses: 1) Significa que a jornalista se distancia, por um gesto de difícil imaginar que, p_~~aela, o jo_~nalismo e_apoesia têm. 11,~_i_ri!~!~s~~
3~-
excentricidade, de um tipo de vivência da cultura que já não encontra ecos 111u~:baseado quando não no exercício da {>?.lí~i
~~•.P..~
-~~--~~-º~~~ -P!_~t~~a
em sua época? 2) Significa, ao contrário, uma atração afetiva por um outro de um he~oísmo relacionado com a experiênciado mundo político, u~ h e- -.1/--
tipo de vivência do real, diferentemente relevante? 3) Sugere uma atração roísmo ~ventualment~ ;uicida que conc;b~~!~la~ -~ _co~ _o C.~~t~~<:>!.:~ .e_o
afetiva ou intelectual por uma figura pública que, a despeito de seu distan- pela via .de ~; ce-;t~~th~;, Qu~seja, e~~t;rnente _aquilo _que car~~~eriza-~.!!1
ciamento do poder, teria sido martirizada por ele, na esfera pessoal-familiar, grande .E~i~ -~!aietpri~.5!~ P.<?~~~~~ ~?...~é~~o._)C!:'(
e~ -~-~á. _
a ponto de se suicidar? Mas restrinjo-me aqui à retórica do texto de Carvalho e, especificamen-
O texto não se manifesta sobre isso, embora se trate de um ponto nevrál- te, ao termo "curioso: que aponta para um nó de sentido não nomeado: o
gico do raciocínio sobre as relações entre o heroísmo poéti co e o jornalístico. inter esse de Politkovskaia pela poesia é curioso,ou seja, sua compreens ão
Afinal, por que Politkovskaia se interessaria tanto por uma poeta descompro- não parece evidente, autom ática.
metida politicamente ? Bernardo Carvalho limita-se a considerar o fato como
"curioso''. Mas por que o fato é "curioso': por que exatamente merece atenção,
s."Anna Politkovskaia foi aluna de Zassou rski [Yassen Zassourski foi diretor da faculda-
destaque, focalização do discurso? Poderíamos, se quiséssemos, explicar a
de de jornalismo da Universidade Estatal de Moscovo]. 'Conheci -a desde muito cedo [diz
presença do adjetivo como um modo retórico de o texto fechar as pontas de Zassourski]. Até conhecia os pais dela. Era ótima estudante e interessava -se por literatur a. A
um raciocínio que faz a ligação entre coisas desconexas. Mas podemos tam- sua tese de admissão na faculdade foi sobre poetas ru ssas - Akhmatova , Tsvetáieva ... Mas a
vida dá as suas voltas e ela foi para a Chechênia. Essa tomou -se a sua nova obsessão:" Kathleen
bém atender ao movimento da atenção que o texto convoca (é um fato "curio-
Gomes, Perigosaobsessão,ser jornalista na Rússia, disponível em <comunicamos.wordpr ess.
t' lcntnr levar adiante o esclarecimento de suas razões implícitas.
1111") corn/2007 /12/16/e -perigoso-ser -jornalista >, consultad o em 15,fev., 2008.
l'lll!SII\ H ClllSI! 11 IIINt:llltNII Ili\ t:111111!

Esse elemento coesivo , que não chega a ser um argumento, quase que <:rdo qllc não estamos muilo longe disso , e que o tratamento da poesia

restrito a um movimento da atenção, ~_explicitação d!_l:'!l~)n!enc _i?D:ªlj~~- ~oh II li11,ura


do anacronismo~ uma forma comum, tradicio nal, desse proce-
~e" do _~i~~':1:~
~S?. g~_~t~~~ -~!!1---2.~E"
-.que se.1,_1~_!!1f:!ia),
coincide significativa- ill11wnlode apagamento que, além de servir como trampolim de promoç ão
mente com aquilo que o artigo não justifica: a necessidade de se referir à pum variados tipos de discursos culturais, ~e~~~--':.~,:l~
_a,pr~X.i~aperig?~ -~-
poesia, em particular, para demonstrar o interesse ou a centralidade cultu- 11w111l' ainformaçãoj?rnalí~tica _~~q11ilo g~e p9d _e _s_er int~~.:~~~~o -~-~~_:>
ral do jornalismo. No fundo , o texto respon de na sua macroestrutura retó- 11111tipo de censuracultu_ra.l.Que tipo de intere sse (e de concepção de poe -

rica àquilo que a insinuação final ape na s sugere, resume ou silencia, e cuja 11ia)está cm jogo quando se insiste publicamente no anacronismo da poesia
análise cuidadosa complicaria uma situação que é colocada em termos qua- 1111 de determinada ~isã;;de ~~ tur a?9 Que tipo de política de gêneros está
se categóricos. Se, no mundo utilitá rio e consumista, a poesia "não precisa l'lll jogo quando o autor do,_teitÕ -éum romancista bem-sucedido? Que tipo
ser silenciada, pois não tem mais lugar nem importânciâ: qual seria especi- til-visão de literatura (e de jornalismo) está em jogo - ainda que sub-rep-
ficamente o interesse de referir-se a ela, de escrever sobre ela trabalhos de tlda - quando , na mesma página de jornal em que se assinala a senilidade
1
fim de curso, ou artigos em jornais de grande circulação? da poesia, a grande estrela literária do dia é Bruna Surfistinha? º
O que é curioso para Carvalho não deixa de sê-lo para seu leitor: por Naturalmente, esse flerte entre informação e censura não diz respeito
que, afinal , recorrer a uma longa digressão sobre poesia para alicerçar con- l'Katamente, ou especialmente, à posição intelectual do autor que escreve o
siderações sobre o lugar e a importân cia do jornalismo? Por que um cronis- artigo. Bernardo Carvalho , aliás, tem optado por publicar romances razoa-
ta, a propósito de uma exposição e da situação atual do capitalismo russo e velmente eruditos e não por desenvolver a carreira de repórter, à qual seu
mundial, considera necessário abordar o anacronismo da poesia? Se a poe- artigo expressa um certo reconhecimento.
sia perdeu sua distinção, qual é a razão que a levaria com tant a frequência à Entretanto,justarnente pelo fato de ser também um homem de liter atu -
tribuna dos debates culturais? A quem se dirige , de fato, o discurso sobre ra, a relação crítica com o discurso lhe diz respeito e tem, a meu ver, impacto
uma arte sem prestígio, sem poder? Com que finalidade? _Alçando à co~~!- dir eto e decisivo em seu artigo (salvo se o interpre tarmos conio uma opera-
ção de tí_tulo a ,c<>ntradição_vivj,~a por Tsv~táieva (de sentir-se moça num ção de distinção entre romance e poesia, hipótese que não deve ser descart a-
vestido velho; frase, aliás, cheia de possíveis interferências psicológicas, es- da, mas que não altera substancialmente a divisão entre dois tipos de espaço
téticas e histórica s não mencionadas), es!~n.:d,idaa_<;>
_g~nero lfri_c:9
! 9_~!ig~ -~~
envolve _numa esp}cie de contradição _performativa, revelador a_de um dese- 9. Uma hipótese cabível seria a de que a insistência sobre a perda de prestígio de uma
atividade artística tradicional funcione como uma maneira indireta de a indústria de cultura
j? ou -~e recal_q ~~: .?~e spe1_1~~~r.
. ~quilo _q~e_E!~_p,!~.ft~~
-~~-:i:_sile_11~
-~~~º-Co~o angariar um pou co do prestígio que ela pretende , explicitamente, sepultar, aquele prestígi o
se, no altar do título, a poesia fosse levad a a participar de um ritual no qual que ela justamente não poderia justificar por si só, dado o fato de que aceita de modo cabal
o estabelecimento de novas formas de prestígio se daria pela transformação sua condição de mercadoria. Se o interesse da mercadoria é fugaz, arbitrário, substituível, uma
das ambiguidades mais curiosa s da indústria cultu ral é sua obsessão regular e fascinada pela
l'm pnssndismo de outros tipos de dis curs o - a não ser que cheguemos à
crítica aos "velhos" valores, aqueles que reivindicam justamente um outro tipo de lugar dentro
rnnduNllode que a p_oesi~-~~o está prop~}-~~-~!~ s~~E~-~~2,_IE,_~S,g,_1:1;~
-~~~ da cultura. Um paralelo interessante com o que discuto aqui é, em termos mais amplos, o da
••r•t·lrn
i:onthmn rondando as exig~!,l_c:~asi~!~lectuais da ~?.~-!~_p_9~ític:a, relação da mldia ame"ricanacom a cultura francesa (cf. Morrison , 2 0 07).
10. Certamente, uma escritora entre outros(as) a fazer uma palestra na cidade de São
tumu •• 1u11 l'Vornçllo fosse necessária em determinados co ntextos para
Paulo naquele dia; mas, curicsamente, aquela que o jorna l destaca (e, destacando , designa)
lllltftttr
hl1tnrlnU11l't1lr
n 111ribuição de -~e~it_~ida<l.: .e _d~_r.-~estfgio. · como merecedora do interesse dos leitores .

.--,.J 31 r--.J
1'1ll<SII\ H CIIISI!

1
discursivo: o anacrônico e o contemporâneo). O escritor não é apenas vítima d11poesia e sua potênd11 11111\s
lirilhuntc l' dcdsiv~. Essa potência não se
do suposto envelhecimento da literatura. Não é aí que o paradoxo se apre- rl·uliza plena mente pelo si111plcsmovimento de oposição à tecnologia so-
senta de modo mais interessante. O que me parece relevante é o fato de que, dal dos números , mas pela amb ivalênc ia do discmso da crise, ou seja, por
exprimindo sua posição do modo como o faz, o escritor está no fundo se 11111certo modo de explicit~r o paradox~. â."e
'~~fundar um outro tipo de uso
negando a colocar-se na lata de lixo da história, cultivando a condição ativa da palavra, de experimentar a dupla condição (de artífice e vitima) do temj
de herdeiro de uma exigência de verdade incon4icional ~e ~~~a lite~~tura: po present e.
o--- Tal ambivalência é muito mais ampla do que sua manifestação no dis-
-.~"-~---
direito -~--•-
de ,--·-....
dizer ,,___...
tudo, .........
,____ ___
inclusive ~--
o-~~---····-· •·- p~
fim do mundo,- -- -- --- o fim
e especialmente do
•p____
t:urso da literatu ra. Entretanto, é possível que o modo pelo qual ela é drama-
próprio m~ a própria morte da lite~ é e~sa a exigência que a poesia
incessantemente conquista ou requisita como fundamento de seu discurso. tizada (ou seja, coloca da na forma de convocação à alteridade da leitura)
---- ------ ~ ·------ pc~~it~
determinar algum traço caract~ri~t~da literatura , uma espécie de
Estamos aqui diante de uma exigência de verdade distinta da do jornalismo,
e a qual efetivamente ele não almeja: a verdade do jornalismo é a verdade do ,;literariedade", se é 9..uepode~?, -~_pensar a palavra 1:ão como característica
"fato", a supressão das contradições em nome da clareza do acontecimento, origi~~~iamente intrínseca, mas como construção hi stórica _~cada à dis-
ainda que visto de perspectivas múltiplas. O que é oportuno lembrar é que posição de nossa experiência de mundo. Mas o que importa enfatizar, aqui ,
esse discurso não deixa de passar pela experiência contínua da contradição, é o mod.Ôcomo essa ambivalência ajuda a ente nder o jornalismo, a modali-
em sua necessi.dade de eleger e de excluir, a fim de poder constatar. dade do mecanismo sacrificial como aparece no jornali smo, dentro do qual
A meu ver, o sentimento de crise deve ser reconhec ido ~orno um traço a afirmação da crise (da poesia) não deixa de ser, ao mesmo tempo, uma
característico, de natur~~ ética, da constituição do discurso literário m o- informação e umperforma tivo 11

~- A po~~ia está em crise; de certo mo~!?!_E:n_!inua


em crise. Paraque
poesia , afinal, "em tempos de pobreza "? Creio que a pergunta não é uma
O CR IME DA PO ESIA E A DEMOCRA CIA POR VIR
questão entre outras, m as um dos fundamentos do discurso poético, desde
o século XIX pelo menos, incluindo aí até mesmo as eufóricas vangua rdas Se a crise de poesia é um topos antigo, talvez o acirramento dos meca -
do século XX, que precisaram antes de mais nada estabelecer um clima de nismos indiretos de (de)limitação de seu espaço seja um prob lema socioló-
ruína na cultura para poder justificar a nec essidade da transformação. gico mais recent e ("singu lar") a ser considerado- A inculpação por anacro-
De sse mal-estar ou dessa crise derivam alguns de seus mai s altos momen- nismo, como disse, na medida em que não considera a construção histórica
to s, dos mai s admiráveis de toda a história do gênero; não se trata, portan- do discurso poético, na medida em qu e minimiza a complexidade das rela-
to, de uma mera circunstância, porém de algo que envolve a própria iden - ções materiai s e culturais que a literatura mantém com as políticas jornalís-
!ida_~~ do discur~oé½_~~- A vitimização do poeta como tom dominante ticas, educacionais e com a indústria de entr eten imento, age como uma for-
~e_!_n
s~ryid? _,~9Jongo Q~!~~p_~,
-~ão exatame~ _e_~~~~ssentar o fato socio-
lógico d_e s!1a c<>n
_~~çã_o~~JJ~_i11!1!3-.1as
J~.:.9~1:_Il!emente,e indir eta mente, 11. O fato de discutir -se hoje a crise do próprio jornalismo, ao menos do jornali sm o im-

,orno modo de inst~tuir um lug<!-Eq_ !~ttQ!.9 ~ra a _Eoesia: um Iuaar crítico, presso, em face do crescimento da inform ação quase anôn ima veiculada em meio eletrônico
não altera substancia lment e o problema. Pelo contrár io, apenas toma 1nais significativo o
de pnrndoxnl resist~ncia.Não é difícil perceber que existe uma convivência
deslocamento da crise para outras esferas e ma is ur gente a análise das estratégias que o "gêne-
tl!lkll e prohlrmólku cnlrc a~1~1ilo
q~e se aponta como decadência cultural ro" jornalístico tem usado para enfrentar a concorrên cia.
li 11111:llkllll IIA t: IIIHI\
l•tll (NIA li ClllNH

ma sutil, indireta (mas não menos eficaz, isto é, performutiva) de censura, trnumátka), colaborou puni ull'lhuir dislinçi\o ao poeta me smo no caso dos
países socialistas, ela lhe 1cm valido c.:a<luvez mais razões de desconfianç a
~~ _n<i~~.!
~~-ª-~Q~
_<iiçãode fenôme.~C?J.eg!ttJP:
'?..~3:. f:~i~E-~!~coJJ.t~fEp<:>r!-
~~..P
nea, afinado com um tipo de sensibilidade e de__int~Hgênci<~q_ue
nã~i- dentro do campo de legitimidade que , na sociedade liberal contemporânea,
de com a grática de lazer ou com uma forma de conhecimento. É o crime da é conferido ao número, à força legisladora (e, portanto, à força de exclusão)
_., ..- ••--• • --_,.,,., , ,.,-•••..•••~•- ---, - •- ••,..,.._ .•.-•,-••• ••• ••••• •••~••- • , - •- ,,..,. •••••-••••• • •-- - •-r ,.,.,..,..,• .,,_,,
12
falta de "pop ularidade" ou, ainda, de relevância econômica. do gosto da maioria,ou melhor, da maioria do s consumidores • Não espanta
Bem considerada a necessidade de problematizar esse discurso ruidoso que a des confiança em relação à poesia ganhe o primeiro plano no momen-
(e sem negar a importância crítica de formular avaliações pontuais ou ge- to em que essa força regulador a atinge seu au ge e procura ocupar a hetero-
rais sobre épocas, poetas e poemas), poderíamos nos perguntar que espécie geneidade de espaços legados pela tradição. Uma das respostas ao "elitismo"
de demanda se dirige à poesia quando ela é colocada. como nicho artístico• poético já não estaria sendo empreendida concretamente na diminuição de
e cultural, na condição de omi ssa e, indiretamente, de ré. A cena se renova, seu espaço nos currículos, nos suplementos dos jornais, na abertura de car-
diga-se de passagem , a cada entrevista em que se pede que o poeta dê sua gos institucionais?
13
, • . , • 1.
própria explicação sobre a suposta perda de encanto da poe sia, nos dias de Tendo em vista que a quest ão e enunciada muita s vezes pelos propnos 'y
hoje, paradoxalmente a propósito de situaç ões em que seu encanto e sua poe tas (prontos a admitir que a poesia - ou seja, a instituiç ão literár ia -
necessidade mais se desta cam. É nes se ponto , em que o discurso da infor - "não int eressá ', que ela é "inadmissível "), pode-se perc eber que não é casual
mação coincide com o desejode constituir-se como exp ressão do número, 0
fato de tantos projetos literários do século XX, sobretudo aqueles ligado s
como porta-vo z da maioria, no fundo com a pretensão de falar em nome do às vanguardas, terem se sentido seduzidos, ou interpelados, a realizar tenta-
outro, que ocorre o curto-circuito _performativo da informação. Uma espé- tivas de "popularização" da poe sia, a tra zer a poe sia para o espaço totalizan-
cie de incriminação se insinua, pela qual a poesia frequentemente aparece te do "povo", para a tentação estatística da visibilidade do outdoor ou, ainda,
não apenas como acusada, mas igualmente, no mesmo gesto, na condição para O
espaço daquilo que, por oposição, às vezes se nomeia "a vida". A poe-
de vítima substitutiva. sia se tornaria, então, parte integrant e da experiência "comum". Entretanto,
Dada a natureza do proces so, pod e-se ima ginar que o crime pelo qual a para assimilar inteiramente esse racio cínio , seria preciso supor que a repre-
P.?~.s~~~~~-E~.S. !.do,_°._:~~:s c~so~, éjustament~a.que _le,que li;e-d~11_p_{t:~!!S.i?, sentação poética significa necessariamente um afastamento do cotid iano ,
isto é, o de uma visão
-- -- --- . .. . . . . ,..- - ~---~ sacr alizada
----· --~-.. ..e.--mitificada
·- - .
.,
da experiência
. .
artística,
. .. ....___
que
. ··-
uma renú ncia a participar do mund o, oposição baseada numa distinção
sep_:i:~a
decisivamente o poeta do "comum dos mortais': Sabe-se que os paí -
. Os partici pantes daquilo que se conhece corno "maioria" são, geralmente, aqu~le_s que
12
ses soviéticos tiveram seus poetas "oficiais",ou seja, transformaram a poesia têm algum tipo de pa rticipa ção na circulação de bens mater iais o~ culturais. Outr~ dis~~çã ~.
em um dos ofícios possíveis da atividade de produção social, acompanhan- importante a esse respeito é aquela que os profissionais da mídia fazem ent~e. aud1enc1a
do aí a solução burguesa para o romance, embora, de modo distinto, com (interesse do consumidor) e "faturam ento" (intere sse do patrocinador). Essas d1stmções, bas-
tante operantes, relativizam a prioridade do número no sentido republicano, e destacam a
uma concepção bastante fechada de representação artística; mas essa "pro -
interfer ência decisiva dos circuitos do capital.
fissionalização" do escritor não impediu que se transformassem em "heróis" 1
3- A alegação de que a poesia ocupa o espaço de outros objetos culturais digno s do conh~-
da poesia justamente aqueles que se inseriram aí de modo contraditório e cimento crítico é ocasionalmente motivada por uma aspiração "desmistificadora" e "democrát1-
cà', mas se confund e muito facilmente, dependendo do lado pelo qual se olha, com a reiteração
dramático. Se a visão mitificadora da poesia, paradigma aliás bem antigo
de um mecanismo de censura. No melhor dos casos, configura um tipo de reação reflexa à qual
(mnnclrn tnlvcz romfintica de responder a uma transformação cultu ral não resta, como alternativa cultural, senão a legitimidade das pesquisas de gosto ...

' .. :14. - '


11 01\S IA H C:I\ISI\

problemática entre vida (prática) e arte; e que essa experiência, por vezes St· assim for, po<lcrlnmos dcdu1.irqrn:,sem ajustes no modo de l~!tura,qu~-
arr edia, não contenha um p ensament o sobre a comunidade, o que é falso seja a competência comunicativa do poeta '.~ão há passageIIl ~?_'.'
qm·r t111c g~
em muitos dos casos considerados com o os mais paradigmático s, mais dis- til· público" daqui!~ qu~; na história re~:~1:.. da_~tura,<l.1amamos_poes~.
tantes da vida social. Uma espécie de moral da representaçãoestá inseri~a 'l'nmslcrências e traduções se efetuam, como é frequente acontecer, entre dife-
~esse raciocínio, e _precisaria ser analisada mais de perto 14• 1·t•ntcsextratos culturais, em mais de um sentid o, mas a tentati va de compreen-
5:mbora o de~~jo-~ -~- ~~i -~~o de ~<2.1!1.P~!_Ê
lh~Ç J~ _p_~rt ~ do~~o d~ los dentro de uma única ordem da exper iência sinaliza para uma preocu-
poético (a "beleza" pode ser entendida como aquilo que se deseja compar ti - pante incompr eensão do que está em jogo. Por motivo semelhante, a setoriza-
lhar), a tent ativa de popularizara poesia pela manipulação de seus meios,ou ~·i\o ou a circularidade da destinaç ão da poesia não chega a equacionar o pro -
16
seja, pela simplificação retórica e tem ática ou pelo uso da tecnologia da in- hlcma, que Antonio Cícero discute em crônica publi cada na Folha •
formação, desconsidera um traço artístico bastante peculiar que contraria, Assim entendida, a popularização da poesia não é e não poder ia ser
ju stamente, não digo a comunicaç ão em si, mas a ideia de comunicação npcnas uma questão de logística, nem de concessão estratégica aos interes -
como via de mão única e disp onível à intencionalidade do artista~produtor. ses da maioria. A grande que stão seria, talvez: por que fazê-lo? Por que a
\Teorias sobre a poesia e sobre a arte já destacaram o fato de que ~<:>~ª
se "transformação da vidà ', tão apregoada pela vanguarda hi stórica , pressupõe
comunica com seu público menos pela t~~..S.!E!~~ãode conteú4g_~_ÍJ!!Q.L.m~- rnmo neces sár ia a ideia de um destino coletivo comum? Por que esse desti-
cionais do que pela capacidade que tem de devolver a esse público a ima- no, se existisse, deveria prescindir da experiência artística? Se a "representa-
--- ·- .,.- ~~ .. r•- •---"-,.••• • •••• ••••••-- ••-•• --- -

gem daquilo que é (ou poderia ser) sua própria ex.e_eriência(vivida ou ima- i ividade" de um gênero está muito ligada à aceitação do tipo de leitura e de
-1>- ginada) do s des~qu ilíbri; do mundo . São as marcas do d~o e.da violê~ - tradição aos quais está associada, como negar a evidência de que nem tudo
cia, características da relação com o outro, estampadas como figura s legíveis pode ser generalizado, e de que nem todo s os modos de generalizar fazem

sões que constituem


. - -------------. ..
no poema , que permitem a·; l~itor a compreensão dos recalques e das exclu-
- ~··_,,...... ...... ..
---.. ··-
sua própria experiência. Naturalm ente, esse processo
·······-·-·-- - - ·---· .,
justiça à lógica propriamente "dem ocr áticà'? Quando o "grande número " é
constituído como único crit ério, a ideia de tot alidade coerente solapa não
conhece ~dições favoráveis nos casos em que o arti sta tem plena posse
das técnicas artísticas e de seu sentido na tr adiçã o, ma s a significação da 15.Para dar um exemplo, apenas: do poema concreto a detenninada peça de publicidade vi -
obra não se resumiri a a uma concretização do esquema clássico da comu - sual, o passo é pequeno , em termos objetivos de formalização. A grande diferença - quando
nicação autor-obra-público, no qual a técni ~;~;p;~ida~rte;~; ·J ···~u existe - está no modo de leitura, isto é, no modo de interação entre a obra e o leitor. Entre o con-
sumidor de produtos, embalado pela publicidade, e o leitor do livro ou da exposição de artes
meio de ampliar a recepção) funcionaria como exterioridade mediadora ou
plásticas, wn abismo se abre, justamente pela pressuposição de diferentes tradições de "leitura~
~plificadora de -~~ -conteúdo ou de uma estr ~t ura preco ncebida. · ···
L ...- ..·--~ - --~· · -------- ····· - -- ----- ------ 16. Cícero (2007) comenta as queixas quanto ao "atual estado da poes ià ', segundo as
quais esta não tem mais "o prestígio cultura l de que desfrutou um dia".Analisando os argu ·
mentos usados , o autor conclui que o que está em jogo é a "dificuldade desses autores [cr iII •
14. O equivoco é notório se analisarmos a moral e a ética de obras poéticas do final do cos) de lidar com a exigência extrema e singular que a poesia escrita impõe não somente ao
-P século XIX, historicamente as mais suspeitas de renunciar à vida. Mallarmé é um desses casos, poet a, mas ao leitor ''. Embora a conclusão seja coerente, parece-me que uma tal exigênc_ia_de
e·talvez o mai s paradigmático, que só recentemente tem sido relido à luz de seus textos sobre leitura não pode esgotar-se na simultaneidade do consumo /produ ção (corno caracten stlca
questões históricas e de cultura . O problema envolve o tipo de compreensão que se tem da própria da experiê ncia) do poema, nem na circularidade de sua destinação, segundo a qual o
recusa da representação (realista), questão destacada por vários histori adore s e teóricos poeta visaria seus iguais,aqueles que reconh ecem a experiência poética como algo relevante.
da modernidade. A experiên cia da alteridade faz parte dessa experiência , mas a transborda ao mesmo te~ f.?.:

,.._, 37 ,.._,
l'OHSIA H C:lllSH O lllN!:111011 IIA 1:tllXl!

exatamente o direito à diver sidade (o que ele supostamente defende ), mas, 111l111rnl
e, por isso, não prcsdndu da formação de profissio_naise de ~straté-
o que é igualmente importante , o direito à contrariedade. Desse modo, no ,-ilusde div ulgação (que hoje chamamos "publicid ade",mas que incl~i i~~.al~
gesto homogen eizador que o cara cter iza, ele tende a excluir a possibilidade 111l·nlc a chamada "crítica liter ária"), é preciso não perder de vista o que ela
da experiência do outro. h-111dl· hctero gê~eo a essa lógica, não por estar fora dela, mas pelo f~t; ·de
Haveria esp aço, hoje, para um tip o de experiência que cont radiz a frui- ilrnmatiz ar as s~as ~~ntradi ções. Atérp~;~;~-~la ~~-b~;~ficia d~cÍ;i~;~;;; ~
ção consumist a, hed onista e destruid ora? Em outra s palavra s, haveria um dn ltu·mação -críÜcã de seus expÍi;;d7;~~-~. da.pr ~;~~ç~-~-~~stant e de umme-
lugar para a contrariedade da exp eriência artística? Será possível ensinar (e 1ndiswrso qu e seja ~p~ ele levar adia
nte;~ªpráti~de p;~~~~t~
~--.
dar lugar, nã-história contemporânea, para) aquilo que não tem espaço nos Se o discurso da "literariedade", entendido como delimitação sistemá-
padrões de veiculação ou de3~~Jbui ção de.P.~~~~~i
~~;u ltural ? P~ra o ceticis- 1irn de elementos "intrínse cos': já servi u para garantir para a literatura (m as

mo crítico ou para o cinismo mercadol ógico - ponto que não raro têm em também pa ra a teoria da liter atura) um lugar ao sol, entendido como fun ção
comum - o destin o está traçado: é o valor absolutizado do capital urdindo do mercado,o procedimento se repete, hoje, como ajuste aos mecanismo s
su as ramificaçõ es em nível mundial 17
• de troc a, pela transformação da literatu ra em "nicho de mercado': Garant ir
De fato, com as exceçõ es conhecidas , que não se redu zem ao "utilitaris- um "nicho" significa , literalment e, contentar -se em ser dissolvido dentro da
mo " político tradicional, mas se estendem também ao lazer ou ao "entrete- ideia de concorrê ncia, abdicando da busca de um a posição diferencial que
nimento': ~ -~-i~c-~_r.s_!>
_li!e~~r!o (não falo do uso das obra s, nem da postura permitiri a, também, compreendê-la. ~rei o que nã? há c~mo respo_~~er à
dos escritores) ~ã~ se _aCOill()<!~f~!~?:e~t~~~()nc:lJçã_<?
d~ .t~iy~9acies~~QI.c.!i
- injun ção que nos é dirig ida pela literatura sem levar em conta, como diss~
?..~~~-~--1?~!5.~_d!-~~ s,!.:?.!._V:~~.'l
~e se cons_!itl;liC?i:11'?
u~ 111ociod~ cpm- aquilo q~e -~~i~ hád~~et ~r..ºS.~!1-eo
à.set?!i:Z:~5!?~.~q~#.~..'L~~
-dramati za o
~~~~-J?Sâo
abrangente_9:e,~~~
-I'l_l
~SIE_aJóg
ica. A reflexãosobre a totalidade da ..;~t~;
LonfÍÍt~ -~~;
-~~p-;;;ificidade .e seu sentido geral, entre seu "lugar no
experiência (a "verdade") na literatur a não é apenas uma extensão das tro- mercado" e -~ -di;~~e tri a das t~~cas, entre a m ora l da eq uivalên cia geral
cas, mas é tamb ém, por definiç ão, um pensamento sobreas trocas, sobre o entre os indi víduos e a po ssibilida de de dizer tudo ( de dizer o impossível, de
desequilíbri o da s tr ocas , tanto naquilo que esse desequilíbri o tem de violên- adm itir o inadmissível). Respon der à injunção da literatura significa, por
cia e aniquilaç ão, quanto no que ele mob iliza como produç ão de desejo e isso, não exatamente contrapor -se ao "mercado", à interação e à troca , mas
criatividade (econômica, simbólica, cultural). De modo que a literatura inserir -se nessas trocas de modo a denunciar seus efeitos de censura, man -
abrange a lógica de mercado, ao interpr etá-la , tanto qu anto pode ser por ela - tendo no horizonte uma idei a de democracia por vir.
compreendid a. Em outras palavras, embo ra a literatura faça parte do mer- Se algo como um valor democrático está em jogo na literatura não é
cado (antes mesmo da concorrência capitalista), de uma certa concorrência pela supo sta necessidade de chegar ao grand e público, mas pelo fato de
mostrar que a sob_~rania do inter_esse dito comum ~ -~á sempre _a ser elabo -
17.Compreende•se que um discurso minoritário, como o do marxismo, a fim de justificar_ . rada ?.~~!
.~..semp re a ser c~J1gt1_~~t~-~~' e que terá lugar apena~_na medida em
sua necessidad e e sua relevância para a compr eensão do mundo contemp orâneo, seja levado a ·.
que for capaz de levar em consideração as exclusõesque o _disc~_r__so inevita -
exaltar seu "opon ente~ precise enfatizar sua extensão e relevânci a, generalizando ou absolutizan-
do a lógica do capital. Afinal, é "a barb árie capitalista [que] afirma a atualidade do marxism o'; ".'el~~~t~--~P!.~~: ~~próp~i ; ··g~~t9_9..u~
_pro~ura J~i~~stit~~-~-1 u.:~tiç~o-
rnmo confirmn Indir etamente um discurso empenhado (Abrantes, 2008). Trata-se, entretanto , cial': Outro modo de dizer que a tensão entre a ~~lidão do sujeito e_~ç_!Ee-
ill' um )0110pcrl110Hn,sobretudo quando aplicado à análise de objetos culturais como a poesia ,
;iê n~ia numéri ca da m ultid ão, esse conflito J.~..!/'..P.icO
1111" rnmlnhPm cm r11h1K a u1i1da~ mas não coincidentes, com a lógica econ ómica . ---
- ----- - - ~-· ~··---···
·-· -- - da l!~~~~_E_2_ética
11 Cll(SIA I'. C IHSll

moderna, p_:_rmane~eco!!lg u_rp.~__c:gnd_~i~~e_un.,i_~esafio para o pcnsa11.1~ .~o "RESPONDA, CADÁVER": AS PALAVRAS


que aspira -·--à·~,-···
.., __
...- .•-...
comunidade.
- ·-··-- Para este, a democracia mais justa é aquela que
~--- DE FOGO DA POESIA MODERNA
conseguirá ser pensada a partir do seu ponto de saturação e de contradição,
da capacidade que tem de acolheraquilo que a coloca em jogo.
Jáse sabe o fim do filme: / antes do cadáver /
Nesse sentido, designar a literatura como lugar de interesse, ou seja, já se conhecia o dedo . / Só não se sabe como
reivindicar para ela uma nova forma de especificidade, de literariedade, não ocultá -lo./
deveria coincidir com o gesto de setorização do conhecimento, ainda que O único mistério é? / Por que fazê-lo.
esse conhecimento se dê sob a ótica da interdisciplinaridade, isto é, como (Sebastião Ucho a Leite)
aporte de outras disciplinas ao estudo literário. Designar a literatura como
lugar, usá-la inclusive como designaç ão de um determinado inter esse sobre
as relações de troca, nos levaria a constituir um lugar de enunciação - que No final de seu poema mais entusiasta (estrofe 145, de Os lusíadas),Camões
eu chamar ia entredisciplinar- a partir do qual fosse possível compreender se lamenta de ter a voz descompassada e rouca, não por causa da extensão
inclusive a lógica dos outros discursos (sociais, científicos, religiosos) com da epopeia, mas por dirigir -se a "gente surda e endurecidà '. É por estar to-
o auxílio dos instrumentos que a convenção ou a tradição literária traz em mado pelo "gosto da cobiça e da rudezâ' que o público já não ouve o poeta
sua esteira (análise de linguagem, ênfase nas aporias, estratégias de formu- e não aplaude o talento . A desproporção entre o mérito do poeta e a atenção
lação do conhecimento). de que desfrut_a é notória, desoladora e se relaciona diretamente com 2,J~:
~~-a..!arefada literat~~~-~-a~itir o inadmissível (ou seja, admitir-se), a pos do divórcio entre poesia e sociedade.
resposta ao conhecimento seria antes de tudo a respo sta a uma injunção, · Três séculos mais tarde , a histór ia desse desconcerto se repete , mas ad-
a uma solicitação provinda de um lugar exógeno (irredutí vel à gramática, à quire sentido mais trágico e, por assim dizer, poeticamente estrutural de-
consciência, à lógica do capital) . Responder a essa solicitação, dar testemu - pois de esgotada a ambiciosa ilusão romântica do poeta como guia dos po -
nho sobre ela, ao mesmo tempo que nos leva a mobilizar uma responsabili- vos _ aliás, um guia parado xalmente, segundo ele próprio, incompreendido.
dade histórica e intelectual (a necessidade exegética de descrever a consti- Se, em Camões, o protesto tem algo de retórico , antecedendo um pedido de
tuição e as determinaçõe s de um di scurso), ajuda a configurar um modo benefício aos heróis da pátria, em Baudelaire é possível dizer que conside-
particular de negociar com a lógica do desejo e a da violência. Nesse senti - rações da mesma ordem, além de frequentes, se tornam bem mais do que
do, o discurso literário da crise (objeto), em crise (condição), ou simples- uma justificativa moral dos interesses do poeta ou daqueles a quem empres-
mente o discurso crítico (destinação ), diferente ao mesmo tempo da crença ta sua voz. O d<:_~!}J~~!.~!:1.
tE~-~!~E!.3:Il'~ª ~tri?_uí~a. ~?~~e~ ---~~t~ _~ate~~a.!..
nostálgica da origem e da teleologia utópica, continua sendo uma das in - e O . int~r~s8.~
..F.~1.ll
_~ªP.~cidade P°.~!i~a.~e .dizer a verdade é sentido como
junções mais significativas que a literatura dirige ao no sso contemporâneo humilhante pelo poeta : "Se um poeta solicitasse ao Estado o direito de ter
e à qual, de fato, não temos sido indiferentes. u~ b~rg~ês -~~ ·;;;; ·;~á bulo, causaria enorme espanto, ao passo que soaria
»J
muito natural se um burguê s encomendasse um poeta assa do .
Este texto é inédito.
1. Charles Baudelai re, CEuvrescompletes,vol. 1. Paris, Gallimard, 1975,p. 660 .
l'lll'.Sli\ H CltlHII

Dando por perdida a suposta harmonia de sua rcla1rilomm o espaço ttnhnm cm comum um vulor fundamental, segundo Verlaine, no prefácio a
social, mostrando-se marginalizada culturalmente, lamentando a subordi- l.t .~ l'oclcs muudits (1972): o "ódio " por uma época sentida como hostil aos
nação do mistério poético à tecnocracia e à acumulação (ou "materialismo': pol'las e à poesia.
como prefere Baudelaire), à predominância de uma outra visão de lingua- Tomando como ponto de partida alguns textos de Baudelaire (1975), de
gem (a "universal reportagem': como dirá Mallarmé, 1945), articulando com l\s //oresdo mal e de Meu coraçãoa nu, poderíamos dizer que o discurso da
isso um 4isf.!!:
r~ ~ª Sf ise, a poesia dá forma a um certo modo de estar no nisc se realiza, na poesia _moderna,g!aças não apenas a um tema, mas a um
mundo, expresso geração após geração , independentemente da verdade so - dispositivo centr~, _noITle~~~'-~-~~a_<!_o _ e~~rimentado como sacrifici~l
.
ciológica dessa crise. Não se trata de questionar a dramaticidade dos trau- l :onsiste em entregar a própr ia cabeça , em reconhecer-se
- ._...~--
_. .. -- .-.. .... . .... __., ·-~ -
·-"- ·'- ----- •--... .,.,.,
como vfüma, trans-
mas e rupturas históricos que tiveram lugar desde Baudelaire. Pelo contrá-
.
/imnar-seem vítima
' ,. ... . .
e, assim , em termos de constituiç!o textual e discursi-
···· ··---- ....-·-
. . ..... ··-··· -~ .. ····~·---··
, -·-----
-.

rio, seria preciso compreender o sentido específico desses acontecimentos, va, cm fazer-se vítima. O "heroísmo" baudelairiano tem natureza social, co-
porém, simultaneamente, à luz de um traço forte do discurso poético que é 1110 assinala Pierre Pachet (1974) a propósito do sacrifício. Poderíamos dizer
o tema da crise. A energia de afirmação do heroísmo moderno está direta- (jllC, na sua força de negação, o dispositivo sacrificial é um dos traços que
mente ligada à ~a~~_<:~ dade _que a poe sia ~-~m __de _recon~!_C~~essa cri~~•ou
- - --- -~-·-
rnmpõem a chamada "épica" da modernidade,a
.... --- ·-
. .....
trajetória de sua inserção e

---------- -·--~- - -
seja, de reconhec er-se em crise, de reconhecer seu espaço como lugar esva-
-- --- - ---
~ -- -·-- -•- -~-
-··....... _ ., -• - -· -------- -- --- de sua interação com a história do último século e meio. Sem que a poesia
~"m~rginal': "maldito': eE.!D!Í!!ê;S,
A força dita utópica , profética, trans- abra mão de si mesma (como se abre mão da vida, pelo suicídio, que Ed-
formadora do poeta não está na confiança romântica em uma antecipação mund Wilson [2004) censurava em Villiers), a violência autossacrificial é
. . .-,.~-.··---~>
• !~"-"-~
futurologista, em sua condição de "antena da raça'' (Ezra Pound), mas na mais especificamente, a meu ver, a ~~P!~.s,.~o de um d~!:L?
de constituir
capacidade de revelar, em perspectiva histórica, eventualmente designada c.:omunidade,"d~ estabelecer um es~~~?. discursivo _p_róprio. É o tempo do o
como "fenômeno futuro': a crise, o f ~~~~au.fr.á~~ ~-~~~en~ Jim da p Ô~i; q~~~meça, se quisermos reformular uma conhecida expres- ....(J_
(J_
L eJCP~!i
~?.~~~! ~~ !~: são baudelairiana. Constatar o fim dos temposda poesia é um modo de esta '2
()
~--~ema do n.!-:1:
_~star, do presente como época de desolação, da falta de realizar a modernidade poética. <::i
condições de poesia, da falta de poesia ou da poesia que falta, em suma, é O sacrifício poético, tal como aparece em Baudelaire, não é uma imita - U)
mais (ou menos) do que uma informação ou uma constatação sociocultu- ção de Cristo, ou seja, não se baseia no modelo cristão do martírio como
ral: ela JJarece con~t!~ii:_~_J:E-?d~
~~lo ~~!!.~.F~e~ia ~~e~~~!~_modernat?~n- conquista da redenção; tamb ém não é uma tática classista e aristocrática
~e ~e~ "pr? _g~~~a,",_seu senfo:lo _d~~.!!<?
do c211j11.!1to
_de _':'.
OZes sociais. Dos visando à restauração da ordem da honra (como em Joseph de Maistre ); e
"palhaços trágico s" de Spleen de Paris,representantes, segundo Starobinski talvez não seja nem mesmo uma estratégia de res&ate por meio _da perda
(1967), da própria situação decaída do poeta, ao martirológio profano de As ("instituir (a) destituição" ["saisir(le) dessaisissement")),realizada
por amor tr, .
flores do mal; do suplício autoderrisório de Tristan Corbiere ao suicídio ou em defesa da poesia (como sugere Batail!e, 1~?2)-
Parece-me que está ~~íC11U-t
com fundo ético dos personagens de Villiers de l'Isle-Adam, o paradigma ~~is próximo de ~ gesto d~~ contraditório ou oximórico, pelo qual se
da crise prospera. Não por acaso, a geração que sucede à de Baudelaire foi constitui a subjetividade ou a consciência _poética moderna . Isso fica claro
. ·-·•·--- ·--
batizada com a etiqueta dos "malditos ': formulação que aproximava autores no modo como o próprio Baudelaire descreve a honra do condenado à
bastante distintos (de Rimbaud a Villiers, de Corbiere a Mallarmé), mas que morte. Se, por um lado, ele _deve entregar-se ao martírio _de modo incondi -
cional, por outro, para que este se efetive, ele deve poder assistir consciente- dl· 11111a
cerimónia interpret.llla como sacrificia! , na qual a vítiII1:~
_!!_Q_~oz
mente à sua própria _~~rté. Não basta p~ra a sa-~Í:ifi~açãodo culpad~- ,·sll\o cm relação de lealdad~ e gratidão ~ il_
t_?as. O me smo acontece em re-
trega voluntária da sua vida; é preci so que, de modo paradoxal, ele constate ·i\o ao sujeito lírico, uma vez que a ret órica do poema ganha uma inflexão
111\
e assista à sua anulação. Como assistir à própria mort e? Parece-me que o uli :I iva corre spondente ao tom tenebroso da cena que se acaba de descrever ,
heroí smo moderno está baseado nessa contradição ou nesse oxímoro da rn1gi11do à pre sença incontornável do cadáver, a quem o sujeito pede que
morte vivida.Se, por um lado, a poesia desdobra sua escrita sobre a sintaxe n ·sponda. A sintaxe dos versos que seguem pare ce identificar poeta e car-
da perda e da crise, por outro aspira ao lugar paradisíaco da autoafecção ou rnsco, como se fossem cúmplices exaltados diante da consumação do ritual ,
da autoconsciência cultural. A poesia não é apenas a vítima sintomática, kvantando a cabeça sem vida pelos cabel os, num gesto perturbado: "Res-
mas pretende ser também a responsável pela definição do sentido de sua ponda, cadáver impuro! E pelas tr anças enrijecidas / Erguendo-a com um
situação.~ em seu espelho que a vida moderna tem a oportunidade de ad- braço febril,/ Diga-me, cabeça horrenda [...]"4.A ambiguidade que os apro-
mirar-se como vítima e como carrasco, simultaneamente. xima se interrompe logo em seguida.m as estabelece o fato de que o gesto de
Em As flores do mal, o martírio assume diver sas formas, sobretudo na dirigir -se ao cadáver, de lhe atribuir beleza e dignidade , é o gesto típico de
proximidade com a questão do mal e da danaç ão. Na curta seção cujo título um amante; responda, cadáver: "sobr e seus dentes frios / Ele aplicou as ar-
dá nome ao livro, o demônio toma pr eferencialmente a forma da mais sedu- dentes despedidas?" 5
tora das mulheres (no poema "A destruição ") e, incorporando o paradigma A poes ia se apresenta, assim , como uma fonte de sangue (cf. "La Fontai-
feminino e artí stico do Belo, relança alegoricamente o gesto do martírio ne de sang "), cuja agonia inunda o espaç o da cidade. Baudelaire, retomando
poético . No poema "Uma mártir " - apre sentado como obra artística anô- um termo teológico adotado por Joseph de Maistre , a "rever sibilidade" (ver-
nima: "Desenho de um mestre desconhecido" - , descreve -se aquilo que são ari stocrática, digamos , da "respon sabilidade " republicana), estabelece
restou de uma cena de assassinato e decapitação, na qual a monstruosidade uma relação de cumplicidade entre o m érito individual e o coletivo, aproxi-
das feridas abertas, as marcas do "aparelho sangrento " da destruição, se avi- mando, em determinadas situações , as po sições do inocente e do culpado.
zinha da beleza mais aguda. A chave final do poema amplia o campo sim- "O justo, ao sofrer voluntariam ente, não en contra satisfação apenas para si,
bólico do martírio, referindo-se à relação entre vítima e assassino. Nel}_hui:n mas para o culpado pela via da reversibilidade. Essa é uma das maiores e
6
ajuste de _contas, vingança ou_be11efício:apenas o lugar do_ato consumado, mais importantes verdades da ordem espiritual" • O guerreiro, o padre e o
~-~s~_'.'~1!._mulo
mist~rios~(~-º~!9- O crime extrapola , aqui , a lógica da justiça poeta, como le~ :.,_rnMeu coraçãoa nu, são ..os_únicos "merecedores de
dos magistrados, o interesse do senso comum ou a simples satisfação dos honra , 110 J.::1
.~~,?.:..E~ !t ~ .! q;ui~~ p~la ~~~~ip.~
.~ ~~?- ~~ ~?.:s -~-?E~~
instintos. "Seu amado percorre o mundo e sua form a imortal / Faz vigília ao sacrifíci()__
e_~~~~rsibilidade. A forma imor tal e histórica (imortal porque
lado dele enquanto dorme ;/ Tanto quanto você sem dúvida ele lhe mostra - hi stórica , e vice-versa, segundo a conhecida associação de "O pintor da vida
rá fidelidade/ E constância até a morte" 3
• !, "forma imortal "_<;i~qual fala o
poeta,
·- lugar do con!ra~te
·- ~Il!!~_y_ - _____
__
i_o1~5!9.. e ~d ~ idade, é o resultado.... estético
. .
4. lbidern .
5. Ibidem .
6. Joseph de Maistre, Les Soiréesde Saint-Pétersbourg, ou Entretienssur le gouvernement
2. Idem , op. cit., p. 683. temporel de la pravidence;suivis d'un Traité sur les sacrifices(1821), disponí vel em <www.gal
3. Idem, op. cit., p.113. lica .bnf.fr >, consultado em 16 abr., 2007, p. 123.
11 ll l( HI,\ 1( CIUNI'.

moderna"), cm termos culturais, seria o resultado da dcc.:a


piln~i\o ou da ago- ,11•ki da destruição': segundo I k Mais! rl·"). A !'unção do sacrifício, cntretan-
nia da poesia no altar da "crença no progresso''. Assumindo a posição de 11,, ni\o é a ciegerar um benc!k io moral, de retificar o erro e, de certo modo,
vitima e d e carrasco (segundo a fórmula do poema ''I:Héautontimorou ménos•: d1· redimir a culpa (como sugere parte da crítica do poeta ). Em Baudel aire,
o carrasco de si mesmo), o poeta está ao mesmo tempo no papel do ino- o sacriflcio é sem redenção.Trata-se, antes, de uma dr amatização -=-~º
cente e do culpado. Como se, aos olho s de todos, para que a poesia faça 1•xalamcnte afi~ma
'
-çã~ -o; ~ínto~a
. .
- da
•··
;;~ lência
. ...... ......
--
s~bólica pela qual se
-- -- --, ·-···--·- ·•··---- ·-· ······-- ...
sentido, o poeta devesse apresentar sua própria cabeça, testemunhar sua instituem os laços culturai s q~e dão sentid~ ~ poes ia. ~ -e.s.~r!J.~~r.a,
_4ig_'!~<?,S,
morte pública. nrquissacr ificial excede a temática ou a mística do sacrifício. Em "Um a via-
As flores do mal são, também, flores mart irizadas. A poesia de Baude- ~1:111a Citerà: ~ al;go ri~ d~ p~r~í~~~;~;;;~ term~a p~; -identificar-se à do
laire _coloca em jogo uma _e!>
pécie _de "profan~ão" (no sentido que dá a essa i11fcrno, quando o navegan te se depara com um enforcado comido pelos
palavra Michel Deguy [2007] de "inversão da metamorfose': anástrofe do p.lssaros; o coração do po eta, refletindo as marcas do sacrifício, devolvendo
sua imagem como "um sud ário espesso",mos tra -se como que "amortalhado
uma oper a~~º e_~ vista do sagr_aclo,
-·-
procedimento da arte e da religião tradicionais) na qual o sacrifício não é
.
_~~ _uma maneira de torn ar manifesto nesta alegorià ' 9• Partici par da culpa do outro significa, também, abalar a
o caráter hum~~~ de~_se ge~t?, A religião que intere ssa, aqui , é aquela que ind enidade - a soberania e a absolvição - do corpo próprio: ''.Ah,Senhor!
"emana do homem" 7• A estr utura sacrificial não é, portanto, uma estratégia l)ai-me a força e a coragem/ De cont emplar meu coração e m eu corpo sem
de restauração, de regener ação. Embora esteja em questão, para Baudelaire, náuseas"10•
uma "diminuição das marcas do pecado original" (talvez análo ga à "remu- No po ema "A Beatriz'', inscrito na tradi ciona l linh agem dantesca da re-
neraç ão do defeito das língua s" em Mallarmé) , contrapos ta diretamente à velação, da visão da máquina do mu ndo , enquanto o po eta caminha sobre
civilização técnica e à 16gica interess ada da boa consciência do humanismo terrenos calcinado s, em pleno meio -dia , desce sobre sua cabeça uma nuvem
burguê s, a ideia de diminuição não se coloca na perspectiva da anulação do escura, "grávida de tempe stad e". Nela, um bando de demônios nanico s e
mal. Pelo contr ário, necessita antes da aceitação de sua inevitabilid ade e, de crué is o acusa do ridícu lo de seu papel públi co, pálida imitação da indeci-
certo modo, do reconh ecimento de sua presença nas "marcas•: ou seja, na são de Haml et. O poeta se diz que po deria desviar a cabeça. "Eu teria sido
extensão diminuída do s fatos do real. capaz (meu orgulho alto como montanhas / Eleva-se acima da nuvem e do
1
Esse processo se dá, portanto, no contexto de uma generalização do mal grito dos demônios) / De virar simplesmente min ha cabeça soberana [...]" 1.
ou do "inferno': e inclu sive de uma denún cia da tent ativa de aboliçãodesse Mas, ao contrário de Drumm on d, o poeta não dá de ombros à tenebro sa
inferno , ou seja, daquilo que excede a vontade ou a soberan ia do sujeito. A revelação. Ele teria sido capaz disso, se não tivessevislumbrado a cumplici -
rejeição materialista do sacrificial contido na rejeição da pena de morte , por dade depravad a ent re os demônios e a "rainha de seu coração", Beatriz, a de
exemplo, coincidiria com uma ideia de sujeito enquan to instância que se nome iluminado. A soberan ia do dar de ombros cede ao peso da visão de
vor 11unpró11ri11
limito 111rnl cnbcça, fazendo o sacriflcio do outro, sem saber um mal aparentemente radical, no qual está em jogo a situação do gênero
um Hncrlfldo ago que é da ordem da guerra e da "gran-
(ou Ncj1\,t'Xt'rnl11ndo
8. Joseph de Maístre , Les Soiréesde Saint-Pétersbourg..., p. 35.
9. Charles Baudelaire, CEuvres completes..., p. 119.
10. Ibidem .
u. Idem, op. cit., p. u 7.
11 1111111AI! t:lllllll li 11u1:11tu11 IIA CUINII

poético como expressão do belo e do sagrado. O contlito do poeta se apre- Uma tal proposiçilo e umu lnl sinlaxc carregam cm si não ape nas a an-
senta mais trágico que o de Hamlet , após a visão do espectro, uma vez que 811stiada contradição , mas tamb ~m a força da impo stura. Talvez seja esse
envolve a própria posição do discurso poético que o sustenta . Se, como afir- 11111dos traços de sentido que qualificam a singularidade da obra de Baud e-
12
ma Derrida , a "paixão" está associ ada ao compromisso assumido no sofri- la irc, no âmbito de uma mimesissacrificial moderna, profanadora e revela-
mento, ligado ao martírio sacrificial, a paixão da literatura em seu "sentido tlora. Não seria essa a persp ectiva exp licitada pelos escritos pessoais conhe-
moderno" entende-se como articulação sui generis entre o desafio de dizer ridos como Escritosíntimos?
tudo e o direito de não dizer nada, de não responder.Ou seja, ainda que a As nota s de Meu coraçãoa nu, por exemplo - reunidas posteriormen-
indiferença drummondiana possa ser interpretada como profanação da te, em conjunto com as anotações de Projéteis (Fusées) e Higiene- , eram
resposta ou da responsabilidade, o pes o do acontecimento, para Baudelaire, dassificadas ironi cam ente pelo autor como suas "confissões': O projeto, se-
é o peso de não poder desviar o olhar, do dever de dizer tudo o que diz res- gundo afirma em correspondência, deveria "empalidecer" nada menos do
peito ao crime, em suma , de explicitar o conteúdo do conflito que se estabe- que as Confissõesde Jean-Jacque s Rousseau. Ao que tudo indica, com esse
lece a partir daí.A revelação seria, aqui, "Semelhante às visões pálidas gera- título, Baudelaire pretende traduzir My heart lead bare (meu coração a nu,
das pela sombra/ E que nos acorrentam os olhos,/ a cabeça [...]" 13, como ou desnudado) , título emprestado de Edgar Allan Poe, ele próprio, aliás, uma
lemos em "Uma mártir ': deixando o poeta na contradição não entre dois figura do mártir. Segundo uma de sua s correspondências (a Nad ar, 16 maio,
tipos de relação com a história (entre a ação e o destino , como em Hamlet), 1959), Baudelaire cultivava o projeto de fazer um retr ato de Poe "cercado de
mas entre duas visões da soberania preliminar a qualquer reflexão sobre o figuras alegóricas representando suas principais concepções - mai s ou
papel do homem dentro da história. O poeta não aspira à "extin ção do mal, menos como a cabeça de Jesus Cristo no centro do s instrumentos da pai-
até a morte da morte" (programa estabelecido por De Maistre 14), mas faz do xão"15.Para o mártir Poe,Meu coraçãoa nu é o título fantasioso do livro mais
poema _? altar ~qual ayoesia, vítima profan ada, se torna cúmplice do ri- ambicioso jamais escrito, embora muito simples , um pequeno livro que abri-
tualde sua próe~!~ profanação . -- - ---- - ria o caminho para o "renome imortal" 16
• Dar esse nome a suas notas pes-
,..~ Em outras palavras, o sacrifício não aspira à reconquista de uma supos- soais revela , naturalmente, da parte de Baudelaire , não apenas uma ambição ,
ta idade de ouro, de um paraíso da poesia, mas dramatiza a violência da mas uma vontade de provocação que não é negligen ciável.
exclusão, generalizando o inferno que, hi storicamente, ganha o senti do de Em suas Marginalia,Poe descreve Meu coraçãoa nu, o livro da sinceri-
razão de ser do gênero poético. A poesia vai acabar,parec e profetizar Bau- dade absoluta e insuportável, como um livro cuja força destruidora nem a
delai~r eferindo -se ironicamente ao presente. É o tempo do fim da poesia morte amenizaria. Se a sede de notoriedade de boa parte da humanidade
que começa,se qu isermos parafrasear de uma certa maneira a expressão de costuma justificar as piores confissões, sem qualquer tipo de censura, Meu
Paul Valéry ("o tempo do mundo finito começa"). Constatar o fim dos tem- coração a nu coloca um desafio infinitamente maior. :Écerto que ninguém
pos da poesia é um modo de a poesia realizar o espírito moderno. É a gene- teria moti vos para deixar de publicar tal livro, uma vez escrito, já que a mor-
Lralização da poesia como seu inferno da po esia. te esvaziaria qualquer consequ ência para seu autor. "Mas escrevê-lô: desta -

ll. Jacques Derrida, Passions.Paris, Galilée, 1993, ,5. Citado po r Peter Michael Wetherill, CharlesBaudelaireet la poésie d'EdgarAllan Poe.
13. Charles Baudelaire, CEuvrescompletes..., p. 112. Paris, Nizer, 1962, p. 23.
14. Joseph de Maistre, LesSoiréesde Saint-Pétersbourg
..., p. 35. 16. Citado em Charles Baudelaire, CEuvrescompletes..., p. 1490.
l'OHSIA H Cl(ISJ 1• 11 IIINl :lll l ijll IIA CIIISH

ca Poe, "eis a dificuldade. Nenhum homem poderia escrevt-lo, mesmo que ,ll-inkio (temática e estrulurulnu.•nlc), como um problema: "Posso começar
ousasse. O papel se encarquilharia e se consumiria ao menor contato com Mc•umraç<loa nu em qualquer ponto, de qualquer maneira, e continuá-lo
sua pena inflamada:• 17 11os poucos, de acordo com a inspiração da hora e da circunstância, desde
O que seria o fogo dessa escrita, mais forte que o providencial amorte- l[lll' a inspiração seja intensà ' 18. Diante dessa posiç~o problem.:a.tizadaqg_~ -
cimento da extinção, mais inexor ável que a natural passagem biológica do jt•ito,o discurso e~r.~!.imenta º-~
va._ria4~~ _modos da _'
'.irr,tP?~~i:'',
por meio
vivo para o morto? Se levarmos em consideração as primeiras notas do li- dl· raciocínios que, num primeiro momento, se oferecem como sofismas
vro, uma hip ótese provável seria a de que essa inevitável desagregação está nrl ill<:iosose violentos.
ligada à aceitação da cumplicidade paradoxal e intratável entre "vapori za- Imposturas de política literária, como as dirigid as contra a religiosidade
ção" e "centralização" do eu, que McGinnis (1994) mobiliza a propósito do sl'm inferno de Georges Sand, ou contra o ódio pelo mistério de Voltaire.
paradigm a da "prostituição sagrada''."Tudo está aí",diz Baudelaire. Escrever Imposturas filosóficas, como aquelas relativas à natu reza como entidade
~~<i~ .s~ -º-P.?!.q~~a escrita press~pi>_e ~esolvida a questão da sob;;~i;~ vingativa. Imposturas políticas, que identificam traços comuns entre teo-
~~:~~~-; ~la se nutre dos falsos paraísos da s~ce~i~i~i~~ -d-~ ;;co~vicção''. O nacia e comunismo, por exemplo. Imposturas estéticas, como no delicioso
f<>~<?
.d~-~S~?,ta. _q11:eimao papel n a-~ -«:dida em que esc;eve~, ~~cr~;;;::-;;·é~ "Minhas opiniões sobre o teatrô: que declara: "Aquilo que sempre me pare-
t~bf~! . :'l?__
fun~~!-~t:ixar-se consumir por ~ - ;~~ro; é reconhecer- ~~ c.:cumais belo em um teatro( ..] é o lustre"19,ou seja, a preciosidade que se
~i~erença_C~f!~ ig~ !.1.1~~1E?;_nãoexata~~nt~ ~p~ga_r-set_dilµir-.$~-n<>__
outro , d,\, em oposição à visão realista da arte, através das lentes do binóculo , por
?1-ªster reY,~laAg
_pc:>r_esseoutrn sua própria contrariedade. O fogo da escri- aumento ou diminuição - poderíamos dizer figurativos - do natural.~
ta envolve urna situação dupla, que é a de ser o ~arr~s~~do outro, por ser Haudelaire, a impostura - tanto no que ela envolve de engano quanto de
quem se é; mas também vítima do outro, ao reconhecê-lo na origem de sua afront a - é um mod~~ da postura. A retórica da verdade, reforçada pelos
própria constituição. A escrita se apresenta como palavra de fogo, que se traços afori~máticos, incide -~~b;; -~rmaçõe s de caráter altamente artificio_-
consome nas chamas do paradoxo, desintegrando-se à força de afirmar-se, so, e ganha, assim, um caráter de provocação, uma maneira de potenciali zar
e afirmando-se à força de consumir -se. A liberdade de dizer tudo e a impos- aquilo que Baudelaire chama de "mal-entendidô :
l sibilidade de responder se aproximam, num oxímoro fulminante. Tanto a conhecida "misoginià' baudelairiana quanto o desdém pelo
.,.... Isso é reforçado pelo caráter circunstancial e fragmentário, em forma progresso técnico ou pela ausência de mistério são articulados, de mod o
de aforismos, ou seja, por uma organização estilística que destaca imediata - contundente, como recusa da indiferença do pensamento convicto ou da
mente sua relação com a verdade, com aquilo que se dá como tal. Esse tipo natureza dominadora . Se "o amor é o gosto da prostituição",é na medida em
de escolha é essencial, pois evidencia uma preocupação em deslocar qual - que, pela paixão, a escrita se consome, ao entrar em contato com a alterida-
quer estraté gia sentimental implícita na narração romanesca da própria vi- de heteronômica do "baile" ou da "multidão': E a prostituição propriamente
da. Diferentem ente de Rousseau, que, na apresentação de suas Confissões,se "sagradâ' é, para Baudelaire, uma "contrarreligião", ou seja, uma espécie de
propõe a dizer toda a verdade sobre si, reparando o erro e a mentira das profanação. Contra o caráter "natural" das troca s (do "comércio"), que con-
versões alheias, Baudelaire retoma a relação entre o sujeito e sua verdade, já
18. Idem, op. cit., p. 676.
17. Citado em ibid em. 19.Ibidem.

,.._, 50 .-..,
l'OHSIA 1! CIUSH O IIIN!: IIMMCIIIA CIUHI!

siste em vencer o outro, a falsa moeda do "mal-entendido" é o motor do À paixão ou ao sofrimento de ssa alilude, as vanguardas do século XX
acontecimento e da relação problemática com o "semelhante" (aliás, "hipó- (frl'qucntemente em oposição à "tradição "), como se sabe, vão contrapor
crita': como bem sabe o leitor de Asflores do mal). O tratamento dado por 11ma postura considerada mais viril e propositiva, rea lizan do um gesto de
Baudelaire à que stão da violência, se está frequentemente ligad o a situações "ressurreição", segun do palavra usada no manifesto futurista. Mas, ainda ali,
marcadas do ponto de vista da organização econômica (valor monetário, a constatação da crise da poesia continua centra l, necessária, e se dá no
pobr eza, mendicância etc.), não desmente a explicitação da "dessemelhan- rnntexto de uma atitude destrutiva da tradição, ou seja , pela via de um sa-
ça''. Digamos que, se Baudelaire não está passi vame nte absorvido pela pre- aifício cego. "Mud ar a vida'', na tradi ção que vai de Rimbaud ao Futurismo
destinação e pela fatalidade do mal (no estilo de uma leitura jansenista), e ao Surrealismo, essa frase que atribuímos à energia transformadora da
tampouco faz uma denúncia da alienação em nome do nivelamento entre poesia, quantas vezes não significou lançar-se na direção da vida , da vid a
os homens (no estilo de sua leitura marxista). pura , por opo sição ao artifício ou ao erro da poesia, fazer o sacr ifício da poe -
A julgar por esses traços que aparecem no discurso poé tico baudelai- sia? Em outr as palavra s, "mudar a vidá ' muita s vezes significou opor vida e
riano , podemos imaginar que a poesia moderna não se estabelece baseada poesia, lançar -se na vida sem poesia, ou seja, sem seu "in ferno~ sem seu
em íntervenções capazes de produzir convicção e semelhança. O sentido uinadmi ssível': Co ntra a paixão do sacrifício, e denunciando a crise da po e-
ético da impostura , se é que existe, só pode ser inferido a posteriori, como sia, a vanguarda propõe a f esta da ressurreição, frequentemente destruidora .
dramati zação (ou impressão em um "sudário") da violência contida nos Em ambo s os casos, o discurso assume proto colos retór icos de cerimonial e
pro cessos sociais e culturais de exclusão . Se Baudel aire ironiza o desdém de tem como centro a consideração do qu e poderíamos chamar de o corpo
Théophile Gautier pela tradição da língua expressa em sua ortografia ("Co- morto de Deus.A cabeça do mártir não está distante das "cúpulas de cobre
locarei até mesmo a ortografia ao alcance do carrasco" 2º), ele não deixa de esburacadas" de Marinetti, das ruína s ou do deserto sobre os quais a poesia
imprim ir, no mesmo ato, de modo indireto , a imagem de um elemento sa- se instala fazendo ressoa r em seu corpo os movim entos tectônicos do t em -
crificial contido na post ura de uma época em relação à língu a. A frase de po compassado pela técnica.
Gautier torna-se o sudá rio de sua época. De certo modo, a poesia moderna nu nca deixou de estar em crise. Quer
O mal-entendido (presente, aliás, nos próprios comentários da edição esse discurso, ou essa política, da crise tenha uma função transformadora
Pléiade, que interpreta a frase de Gautier como expressão de um a preocu- (ou revoluci on ária , se qui ser mos), quer ele tenha um a função de conserva -
paç ão normativa) não serve para estabelecer posições, mas par a atribuir ção ou de "atualização", convém de stacar de início que a crise po ética tem
sentido dramático a determinadas questões. Creio qu e esta é uma definição uma ligação estreita com a focalização de um corpo morto. Entre os contí -
mais exata para aquilo que a prim eir a poesia moderna faz com o procedi- nuos lamento s pelo seu passamento e os atestados periódicos de boa saúde,
mento sacrificial e com a própria palavra "crise''. O 9ue _é _a impo stura para o que disputamos de fato é o cadáver daquilo que chamamos poesia . "Res-
~audelaire será a precio _~~~~~~ -o luxo pa~a Mallarmé, ou seja, maneira s ponda, cadáver impuro!" é, muitas vezes, a interpelação contradi tória da
r ~ ~~!ap_~9
~~~-~xatamente de co~~~atq c~!!!J_r.:al
_da_poesia, mas _de col~ a crítica, mas também do coluni smo jornalístico que, ao me smo tempo que
:~~~-~~_a P.~ét~~~-~.?IE~-~I?~riênda_e~~n,ipl<!_t_:Q2~ola)?SO. constata a morte do gênero, continua se dirigindo a ele, exercendo um a
demand a, expressando uma falta e, portanto, um desejo. A poesia talvez
20. Idem, op. cit., p. 700. seja um nome historicam en te relevante desse desejo ou dessa forma, "im or-
l'lll \ SIA 1( CIHSI!

tal" como diz Baudelaire, que nos acompanha e à qual somos fiéis, como 0
amante do poema. Talvez por isso a alimentação reciproca entre revelação e O GRANDE DESERTO DE HOMENS
profanação, a qual se refere Michel Deguy, é um dispositivo daquilo que já
Assim ele vai, corre, procura. O que pro cura? Certamente,
vem acontecendo ou que terá acontecido.
esse homem, tal como o descrevi, esse solitário dotado de
O "futuro" seria o de dar forma a esse acontecimento e de test ar a capa- uma ima ginação ativa , sempr e viajando através do grande
cidade que temos de compreender (de "julgar" ou de "discernir ': como que- _deserto de homens , tem uma finalidade mais elevada que a
rem alg~s) a atitud e mais ou menos crítica- mais ou menos consequente de um simples flâne ur, uma finalida de mais geral, distinta
com a crise-, a postura que diante dessa crise tiveram ou têm as diferentes do prazer fugitivo da circunstância. Ele procura esse algo
que nos permitirem os chamar a modernidade.
obras poéticas, ainda que em discordância com suas própria s propo stas ex-
plícitas. Como no texto "O fenômeno futuro'; de Mallarmé, a beleza predita (Charles Baudelaire, Le peintre de la vie moderne)
é a beleza pa ssada que será finalmente descober ta em um tempo que "se
acab a em de crepitud e'; em que os poetas têm "olhos apagados~ Estes, por
um momento, se reconhecerão na glória confusa da experiência dessa bele-
O INFERNO DA SOLIDÃO
za, "no esquecimento de existir em uma época que sobrevive à belezà'2•. Em
outras palavras, a beleza prom etida não é simplesmente a vinda daquilo que Em seu primeiro livro de poemas, tendo como epígrafe a famosa frase de
será, mas a descoberta do pre sente como esquecimento e sobrevivên cia, em Holderlin "... e para que poetas em tempo de pobreza?':Augusto de Cam-
suma , como sentimento de crise. pos (1986) cristaliza uma ideia presente em praticamente toda a sua traje-
tória, destacando a solidão do poeta, situado em um deserto, sem reino,
Este textofoi aprese_
ntado em_evento de comemoraçãoaos iso anos de publicaçãode Les mas ainda assim chamado de "rei''."O rei meno s o reino." A formulação do
Fleurs du Mal, no Rio de Janeiro,em 2007, epublicadona revistaAlea: Estudos Neo latinos
(n"9, 2007), da UFRJ. reinado no des erto não serve apenas para designar uma situação especí-
fica do início do s anos 1950, quando o livro foi publicado. Trata-se de uma
maneira característica com qu e a poesia dita "moderna" designa sua situa-
ção . Mallarmé, po r exemplo, usava imagem semelhante para evidenciar a
marginalidade da obra de Villier s de l'Isle-Adam, a quem, diante da po-
1
breza dos tempos , restav a apenas reinar como "grande escritor" • Por isso,
quem fala do desert o na liter atura fala, também, do _des ert o_da liter~ a,
.~meado ee[gJ~~
ali~s, 1.1: -~!:~~Eª·
Do Romanti smo, conhecem os o motiv o da viagem, do exílio, da busca
do "lugar ameno" ou, mais precisamente , do lugar isolado, m arcado pela
vertigem da int erio ridade: aquilo que está fora da cidade, no interior , na

21. Stéphane Mallarmé, CBuv


rescompletes.Paris, Gallimard, 1945, pp. 26 . 70 .
9 1. Stéphane Mallarmé, CBuvres
completes.Paris, Gallimard, 1945, p. 489.

,..._, 54 ~

Você também pode gostar