O Fogo e o Relato (Giorgio Agamben) PDF
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Abaixo, o trecho que dá início ao livro O fogo e o relato: ensaios sobre
criação, escrita, arte e livros, do filósofo italiano Giorgio Agamben. Na
obra, Agamben investiga o “mistério” da literatura. As ideias
trabalham aspectos como a transformação da leitura adaptação dos
textos literários para o cinema, entrelaçando-os com uma reflexão
sobre outro, e mais obscuro, “mistério” da modernidade, agora de
caráter ético e político.
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O FOGO E O RELATO
Quando Baal Schem, fundador do hassidismo, tinha uma tarefa difícil pela
Mesritsch [nota 1] viu-se diante do mesmo problema, foi ao mesmo lugar
uma geração, o Rabi Mosché Leib de Sassov viu-se na mesma situação, foi
de fato foi sufi ciente. Mas, passada outra geração, o Rabi Israel de Rijn,
em sua poltrona dourada, e disse: “Já não sabemos acender o fogo, não
bosque, mas podemos narrar a história de tudo isso”. E, mais uma vez,
enigmático. Deve ser suficiente – mas para quê? Dá para acreditar que
fogo?
Henry James ou com Anna Kariênina; podendo até mostrar uma vida
cada vez mais – ele deixar de lado a memória de sua ambígua relação
salvação eleusina, ele supuser que não precisa da fórmula ou, pior,
dilapidar o mistério num amontoado de fatos pessoais, então a própria
por meio de uma história e, todavia (ou, talvez, caberia dizer de fato),
cabala”; entretanto, logo se dera conta de que não era possível ter
que a circunda. Penetrá-la: foi isso o que tentei. Será que vou ficar
preso na névoa, que irei ao encontro, por assim dizer, de uma “morte
parecer, afinal, uma ilusão, mas uma ilusão sem a qual, na realidade
temporal, não é possível penetrar na essência das coisas. Aquela
direção ao mistério, que lhe permite medir a cada vez a distância até o
são que os modos como a língua chora sua relação perdida com o
fogo. Dessas feridas os escritores não parecem hoje dar-se conta. Eles
contemplar a língua, e quem não vê e não ama sua língua, quem não
sabe soletrar sua tênue elegia nem perceber seu hino flébil, não é
escritor.
lhe pode faltar. Não há, nunca houve mistério, porque ele é
Henry James contou uma vez como nasciam seus romances. No início,
Isto é: personagens.
numa imagem
NOTAS
[nota 1] Ou Rabi Dov Baer ben Avraham, sucessor de Baal Schem.
(trad. G. Russo, Turim, Einaudi, 1993), p. 353 [ed. bras.: As grandes
1972, p. 350].
471 e segs.
149.
77-78.