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TCC Oficial Hellen Cris de Almeida Rodrigues

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NARRATIVAS AUTOBIOGRÁFICAS E A CONSTITUIÇÃO DA IDENTIDADE

DOCENTE: a configuração da experiência formadora por meio do Estágio


Supervisionado

1
Hellen Cris de Almeida Rodrigues
2
Prof.ª Dr.ª Gilvete Lima Gabriel
Resumo

Este artigo tem por objetivo apresentar a autorreflexão sobre o processo de formação e construção
da identidade docente, a partir do reconhecimento das vivências como experiências formadoras
adquiridas no estágio supervisionado do Curso de Pedagogia da Universidade Federal de Roraima
que confabulam com a influência dos grupos-referência como fios condutores nas tomadas de
decisões. A escolha pela temática se fundamenta em três momentos importantes em meu processo
de graduação: o primeiro foi o momento em que tomei consciência das narrativas como processo de
autoformação; o segundo ocorreu no estágio supervisionado como experiência formadora da prática
docente com um olhar crítico acerca de um dos estágios obrigatório do curso de pedagogia, e o
terceiro foram os resultados obtidos no trabalho de iniciação cientifica, os quais demonstraram a
repercussão da escrita em si, como ação transformadora das práticas educativas. A partir desta
perspectiva utilizo como principais cunho biográficos: Gabriel (2011); Josso (2004); Nóvoa
(1992;1998); Pineau (1998; 2003; 2004; 2006); Ricoeur (1997) por apresentarem o método
autobiográfico como ferramenta pedagógica para transformação da práxis. Portanto, a presente
pesquisa-ação visa, sobretudo à ressignificação do vivido por intermédio do reconhecimento de si
como sujeito ativo de suas ações incentivando-o a exercer sua ação ontológica de Ser mais.

Palavras-chave: Formação de professores; Identidade Docente; Narrativas Autobiográficas,


Experiência Formadora; Estágio Supervisionado.

INTRODUÇÃO

O presente artigo tem como principal objetivo mostrar de que forma as


narrativas autobiográficas se configuram como instrumento de formação docente por
intermédio de experiências - referência. Procura-se ainda analisar as práticas
pedagógicas do estágio Organização do Trabalho Pedagógico e Diversidade
identificando-as como formadoras para a construção da identidade profissional.
As narrativas autobiográficas tornaram-se um espelho norteador para as
minhas decisões. Em 2010 tive a oportunidade de participar de um dos programas

1
Acadêmica de Pedagogia Cursando 9° semestre e membro do Grupo de Estudos e Pesquisas
Educacionais, Autobiográficas, Interdisciplinares e Interculturais de Roraima – GEPAIIRR. Email:
hellenpedagogia@gmail.com

2
Pedagoga formada pela Universidade Federal da Paraíba – UFPB. Mestre em Educação pela
Universidade Federal do Amazonas – UFAM. Doutora em Educação pela Universidade Federal do
Rio Grande do Norte – UFRN. Professora do Curso de Pedagogia da Universidade Federal de
Roraima – UFRR. Coordena o curso de Licenciatura em Educação no Campo e é líder do Grupo de
Estudos e Pesquisas Educacionais, Autobiográficas, Interdisciplinares e Interculturais de Roraima –
GEPAIIRR. Email: gilvetelima@yahoo.com.br
1
de incentivo à permanência discente, pela Universidade Federal de Roraima,
programa este que se tornou muito significativo para minha formação. Como o
programa era de iniciação científica e envolvia pesquisas, estas foram realizadas a
partir da análise das narrativas autobiográficas dos acadêmicos do Curso de
Pedagogia; Tendo como uma de suas questões norteadoras o motivo que
impulsionara os alunos da turma 2009.2 à escolha pela docência nesta Licenciatura.
As narrativas analisadas da turma, das quais eu fazia parte, pois datam do
segundo semestre de 2009, quando ingressei no desejado Curso superior. Tive
como orientadora a Professora doutora Gilvete de Lima Gabriel. As narrativas
analisadas eram resultados das disciplinas História da Educação I e História da
Educação Brasileira, ministradas ainda pela referida professora. Posso dizer que
durante o curso tive, segundo Josso (2004), momentos charneiras, ou seja,
oportunidades que tomei como referência para minha formação.
A escrita da narrativa autobiográfica nas disciplinas acima citadas me
impulsionaram a perceber meu processo como formativo para minha ação docente.
Inicialmente, eu não entendia de que forma a escrita sobre minha experiências
poderiam se configurar como reflexiva para minha prática. No entanto, hoje
concordo com Bertaux quando diz que

A utilização das narrativas se mostra aqui particularmente eficaz, pois


essa forma de coleta de dados empíricos se ajusta à formação das
trajetórias; ela permite identificar por meio de que mecanismos e
processos os sujeitos chegaram a uma dada situação, como se
esforçam para administrar essa situação e até mesmo para superá-la.
(BERTAUX, 2010, p. 27)

O conhecimento da teoria das narrativas possibilitou-me perceber minhas


vivências como formativas. Cheguei à conclusão de que queria ser uma educadora
comprometida com uma prática libertadora e que a vida é um espaço de saberes. A
partir dessa apreensão, pude perceber que minhas decisões baseiam-se nas
referências que considero significativas. Assim, compreende-se grupos-referência
como
[...] os grupos a que pertencemos a mais tenra idade, como a família,
a escola, a comunidade, a igreja dentre outros. Esses grupos
estruturam nossa forma de pensar e de agir e são referências em
nossas vidas para as múltiplas situações com que deparamos no
contexto social. (GABRIEL, 2011, p. 49)

2
Gabriel (2011) destaca que no encontro de dificuldades, o sujeito aciona um
dos grupos e potencializa suas tomadas de decisões. A busca por uma atuação
emancipatória é resultado da minha interação com o grupo acadêmico. Nesse
sentido, o grupo acadêmico é um grupo– referência3em minha vida pessoal e
profissional, porque contribui em meu projeto de vida.
Segundo Josso
“Três níveis de análise em profundidade permitem caracterizar as
grandes etapas do trabalho biográfico ao longo do processo:
evidencia do processo de formação, evidência do processo de
conhecimento e evidência dos processos de aprendizagem.” (p.61,
2004)

Durante a graduação pude concretizar esse três momentos em minha


formação. Vivenciei ainda um momento que considero um divisor de águas a partir
dos estágios obrigatórios. A narrativa autobiográfica me fez refletir e me enxergar
como sujeito ativo do meu próprio processo. Diante disso, a escolha pela temática
não poderia ser outra, uma vez que se tornou instrumento formador me possibilitando
ressignificar o vivido.
É importante falar sobre formação, uma vez que o professor será o mediador
no processo ensino-aprendizagem. Já as experiências formadoras comprovam a
efetividade do estágio como espaço importante de construção de práticas
significativas, porque a contribuição do ato biográfico influencia na compreensão dos
espaços-tempo na identidade docente.
Este artigo assume características de pesquisa-ação, já que tem por objetivo
investigar e participar do processo, no qual pesquisadores e participantes estão
envolvidos com ação ou resolução de uma situação-problema (THIOLLENT, 2009) e
ainda de pesquisa-formação, pois possibilita a reflexão, análise e interpretação das
experiências referência para perceber as experiências formadoras. Assim, por
entender que a pesquisa-ação depende da participação do pesquisador, depreendo
que a formação acompanha o saber. Assim, Gabriel (2011) esclarece que existem
dois tipos de formação: a formativa e a performativa. A primeira se configura na
instrução adquirida e comprovada por certificação, por exemplo, escola, a

3
Esse grupo é representado pelos professores, alunos e técnicos-administrativo dos cursos de licenciatura. O
grupo acadêmico, precisamente – os professores e os colegas de curso presentes no processo de
profissionalização de cada aluno contribui para o compartilhamento das teorias e metodologias de ensino para
a construção e socialização de conhecimentos. (GABRIEL, 2011, p. 115)
3
graduação; a segunda ocorre de maneiras variadas e são potencializadas pelos
grupos-referência, adquiridos por experiências vivenciadas ao longo da vida.
Optei por discorrer sobre termos que são presentes no cotidiano educacional
e, sobretudo, porque a formação de professores repercute diretamente em meu
próprio processo. O artigo divide-se em três momentos. Inicialmente houve a
preocupação em conceituar de forma geral terminologias como formação e
identidade perpassando para um enfoque mais específico. Logo depois, há um
breve histórico sobre o surgimento das Autobiografias do contexto internacional ao
nacional, até a sua consolidação como instrumento pedagógico a partir de um
enfoque sobre formação docente; e, por fim, explicito um dos estágios
supervisionados como experiência formadora e seus desdobramentos para minha
construção identitária pessoal e profissional.

1. O PROCESSO DE FORMAÇÃO E IDENTIDADE DOCENTE

O homem sempre buscou Ser mais. Freire (2005) enfatiza sobre a vocação
ontológica do homem. A humanidade sempre buscou ultrapassar seus limites
através de metas pré-estabelecidas. Uma das características humanas é que o
homem é capaz de ser sujeito das próprias ações. Ele projeta, articula com o outro,
planeja o futuro e vislumbra novos caminhos a serem descobertos. Na descoberta
de novas possibilidades, o homem constrói sua identidade e forma seus significados.
Nos dias atuais muito se tem discutido a respeito de formação e identidade
docente. Os cursos de licenciatura têm buscado repensar as práticas e metodologias
formativas utilizadas no âmbito acadêmico, a fim de garantir uma formação
significativa ao futuro professor. Nesse contexto, a reflexividade se constitui como
ferramenta pedagógica. É através do reconhecimento do seu percurso e suas
experiências que o sujeito modifica, transforma e inicia uma nova fase do ser
docente.
Baseado na busca por formação e identidade é necessário levar em
consideração fatores externos, bem como, o tempo. A história de qualquer povo
acontece em determinados momentos que se tornam fios condutores na forma de
interação da população com seu entorno. Concordo com Ribas (2005), quando diz
que as expectativas do futuro, interesses sociais e por que não dizer sonhos são

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reflexos de um tempo-passado, não como forma de alienação, mas como ato
reflexivo de transformação.
Optei por tomar como referência autores que investigam os processos de
formação e identidade,a fim de compreender de forma geral e específica o processo
reflexivo e formador. Cito aqui alguns exemplos: Pimenta, 2008; Nóvoa, 1992;
Gabriel, 2011 e outros mais. Com a reflexão da prática pedagógica e dos conceitos
que a regem por intermédio de saberes que constituem a docência, pode-se iniciar a
busca por melhorias através de mudanças paradigmáticas.
Ao ressignificar o processo formativo, faz-se necessário conceituar formação
e identidade. Inicialmente abordar-se-á a formação, sendo este um dos eixos
norteadores da presente pesquisa. Gadamer (1997) afirma que existem estudos que
comprovam que a busca pelo significado de formação é antigo como uma forma
humana natural, resultado de fatores externos, ou seja, é um ato libertário que
qualquer pessoa recebe da sua natureza.
Para Moita (1995), através da apreensão de significados, o homem constrói
sua singularidade, por meio de trocas de experiências, relações sociais,
aprendizagens, interações constantes com o meio em que se insere. A autora ainda
discorre sobre as influências formadoras que muitas vezes parecem nada interferir
na tomada de decisões dos sujeitos, no entanto, as interfaces do processo formativo
repercutem não só no modo singular de agir, mas também na escolha profissional.
Diante disso, pode pensar formação como um

[...] processo de devir, em que o contorno da imagem, que persegue o


modelo se realiza. Mas é mais que isso. Esse processo, porém, não
se efetua de modo a atender a uma finalidade técnica a ela externa,
mas brota do processo interno de constituição e de formação,
permanecendo em constante evolução e aperfeiçoamentos.
(BICUDO, 2003, p. 28)

A formação é um processo que perpassa da ação natural a um ato libertário


do sujeito. Pode-se notar a dinamicidade desse processo em relação aos grupos-
referência, situações formais e informais que o cercam. As influências recebidas ao
longo da vida repercutem no ser pessoal e profissional produzindo o caráter
identitário da pessoa. Nesse sentido, estou de acordo com Nóvoa (1988) que
preconiza o processo formativo, inicialmente, como um processo de mudanças

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institucionais, ou seja, são processos individuais de compreensão das ações e a
tomada de consciência de suas experiências como elos formadores.
Com relação à formação do professor, a investigação de práticas
pedagógicas e o ser docente só é possível devido à reflexão de sua atuação sobre
suas próprias ações. A reflexividade possibilita a modificação não somente da
realidade atual, como também das intervenções no processo ensino- aprendizagem.
O ser professor é uma construção que ocorre no decorrer do percurso profissional,
por isso não se devem estabelecer formas de análises isoladas da construção
identitária, mas, sobretudo, o olhar crítico acerca de todo o processo. Vale ressaltar
que a formação e a identidade são termos que se encontram imbricados no contexto
pessoal e profissional.
Não se pode considerar a mudança de práticas no contexto educacional de
forma fragmentada. Assim como a formação objetiva mudança, é necessário avaliar
todo o contexto cultural. Saberes docentes devem servir de objetos de investigação
para melhorias da mesma forma que o seu próprio percurso de reconhecimento.
Concordo com Carbonell (p. 20, 2002), quando salienta que não há mudança “[...] do
professorado se não houver modificação em seu pensamento, seus hábitos e suas
atitudes”. No que diz respeito à reflexão do docente sobre sua prática Gabriel (2011)
é enfática quando diz que

a reflexão sobre a reflexão-na-ação reconstrói crítica e


sistematicamente o conhecimento do professor, em nível conceitual,
analítico e epistemológico, exigindo seu distanciamento para que ele
melhor compreenda as relações que pôde estabelecer com o
processo ensino-aprendizagem no espaço escolar, as características
de sua ação e os processos vividos(GABRIEL, 2011,p.73).

Gabriel (2011) afirma ainda que essa reflexividade sobre a ação educativa só
é possível devido a dois momentos denominados: reflexão-na-ação e reflexão-
sobre-a-ação. A primeira se configura na elaboração de estratégias e condutas a
partir do que o professor vive e estuda. Esse tipo de postura é construído baseado
em vivências e não se encontram registrados em “manual pedagógico” algum. O
segundo se consolida na sensibilidade que o professor tem em refletir sobre sua
atuação e assim adequá-las para que seja emancipatória a realidade do alunado.

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Devido à urgência no contexto atual por uma educação de qualidade, existe
uma intensa busca por mudança acompanhada de melhorias de práticas educativas.
A formação está ligada ainda diretamente à temporalidade, pois pensamentos,
metodologias e outras formas de ensino são modificadas ao longo do tempo. Bicudo
enfatiza bem essa questão quando destaca que

A formação pode assimilar os modos e os meios da instrução e os


meios da instrução e tudo que assimila, nela brota e preserva-se. É,
portanto, um conceito histórico, por preservar a tradição, tão
importante para as ciências do espírito. É, também, um conceito que
engloba mudança, pois carrega consigo a força imperante que
avança do devir para o ser. (BICUDO, p. 29, 2003)

Em todo processo formativo há construção de saberes, troca de valores e


hábitos. A vida é um espaço amplo de momentos formadores. O sujeito carrega
consigo bagagens que são consideradas significativas, que rompem com à
reprodução de valores sociais, ideais de vida ou mesmo o método com que foi
ensinado durante seu processo de escolarização.
É na trajetória de formação profissional que a identidade docente se constitui
ou se transforma. O processo identitário, é resultado da história da vida dos sujeitos.
Ela se efetiva desde a “escolha da profissão, perpassando a formação e os diversos
espaços institucionais em que se desenvolve a profissão” (p.182). Analisado por
esse prisma, o pensamento da autora confirma o que Pimenta (2008) defende sobre
identidade docente. Sendo este um “processo de construção do sujeito
historicamente situado.” p, 18.
Há muitas discussões a respeito da identidade nas mais variadas profissões.
Vale lembrar que toda profissão surge, transforma-se ou desaparece para suprir a
demanda de uma sociedade. Essas profissões consolidam-se mediante as
transformações sociais. Assim, nota-se que profissão se encontra em um momento
de transformações significativas, pois se consolidam como prática social necessária,
em uma sociedade dinâmica, bem como a exigência dos sistemas de ensino.
A dinamicidade e mudanças que ocorrem frequentemente na sociedade,
contribuem para a construção identitária profissional. A identidade docente por sua
vez se configura como um dado mutável, devido ao seu caráter dinâmico. É
construída ao longo da vida do sujeito. Concordo com Fagundes (2005) quando

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discorre que esse reconhecimento deve ser analisado como processo de devir em
estar sendo, e não como elementos isolados que caracterizam a profissão docente.
Pereira (2001) nos instiga a refletir sobre questões pertinentes como a
professoralidade em seu devir enquanto atua. Para ele, a questão a ser discutida
não é “quem sou eu ou o que é ser professor, mas de outro modo, como me tornei o
que estou sendo e como é ser professor” (p.34). As indagações do autor me
parecem sugestivas quando se busca conhecer os processos de formação e a
identidade docente. Perguntas parecidas foram feitas a mim em 2009, ano em que
logrei aprovação na UFRR, mais precisamente no Curso de Pedagogia. Essas
reflexões me impulsionaram a realizar uma atualização de mim mesma sobre todo o
meu processo e possibilitaram identificar elementos que me influenciaram na
escolha pela docência.
Na obra Vidas de professores, Nóvoa (1992) enfatiza a identidade não como
um dado adquirido, pois,
[...] não é uma propriedade, não é um produto. A identidade é um
lugar de lutas e conflitos, é um espaço de construção de maneiras de
ser e estar na profissão. Por isso, é mais adequado falar em processo
identitário, realçando a mescla dinâmica que caracteriza a maneira
como cada um sente e se diz professor. (NÓVOA, 1992, p. 16)

Para o autor a construção da identidade dá-se no processo em que o sujeito


está inserido e na apropriação dos significados de sua trajetória tanto pessoal como
profissional. Para que este reconhecimento ocorra, evidencia a temporalidade dos
espaços-tempo da história do ser, através da rememoração de relatos significativos
da vida do professor.
No sentido de refletir sobre sua trajetória de vida a utilização das
metodologias das histórias de vida se apresentam como ferramenta pedagógica
indispensável para o reconhecimento identitário a partir das reflexões das próprias
ações do ser. Na concepção de Passeggi et. al (2006) o processo biográfico ancora
espaços-tempo do escritor e mostra explicações e justificativas para as tomadas de
decisões. Já na concepção de Josso (2004, p.9), a narrativa “permite explicitar a
singularidade, e com ela, vislumbrar o universal, perceber o caráter processual da
formação e da vida”.

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2. CONCEITUAÇÃO DAS HISTÓRIAS DE VIDA ÀS HISTÓRIAS DE
FORMAÇÃO

Em estudos do campo educacional nos últimos tempos, muito se tem


debatido sobre o método biográfico. É notório no âmbito escolar, que toda pesquisa
tem como princípio norteador os relatos da sala de aula ou situações vividas pelos
participantes da escola. Através desse processo de investigação de variadas
experiências é possível identificar e modelar práticas para cada instituição de ensino
e ainda compreender a dinâmica do tempo, costumes do sistema de educação em
contextos e épocas diferentes. Diante disso, depreendi que os povos não
aguardaram o surgimento de termos para pôr em prática a construção de
significados e o ato narrativo sempre esteve presente no âmbito escolar.
Na obra As Histórias de vida Gaston, Pineau (2012) explicita de forma
minuciosa em um capítulo inteiro o aparecimento das histórias de vida “das bios
socráticas à autobiografia do século XIX” (p.41). No estudo, é possível identificar o
surgimento dessa abordagem das histórias de vida e a consolidação em um
contexto moderno. Na cultura Grega, a temática surge no século V a.C com a
denominação de bios. Dez séculos depois d.C, encontra-se o termo “biografia” e
“autobiografia” vinte e quatro anos depois, em meados do ano de 1800, na
Alemanha e Inglaterra. Pineau (2006) reagrupa ainda em três subconjuntos as
diferentes correntes que procuram

[...] construir sentido a partir das experiências pessoalmente vividas


[...]. A entrada pelo pessoal constitui o que é chamado de literatura
íntima [...] diários íntimos, cartas, correspondências [...].
A entrada temporal é também rica de denominações: genealogia,
memória, lembranças, diários de viagem [...].
Enfim, a entrada pela própria vida, com ou sem sua raiz grega, bios.
Na língua francesa, as denominações desse último subconjunto são
as últimas a aparecer: no século XVII, para as biografias; nos séculos
XVIII e XIX, para as auto e hagiografias; na última metade do século
XX, para os relatos e as histórias de vida. (PINEAU, 2006, p.338)

O movimento biográfico surge como forma de “redefinição da identidade. [...]


visando à construção da identidade nacional frente aos persas” (PINEAU, 2012, p.
43). Os estudos sobre o método na área da educação ressurgem no cenário
internacional por volta da década de 70, após serem relegados durante uma década;
e, no contexto nacional, por volta dos anos 80, quando ganham destaque devido à
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valorização de trabalhos estrangeiros. Demartini (2008) ressalta em seus estudos
que no cenário brasileiro o método biográfico se consolida como alternativa ao
combate à ditadura. O autor aponta que essas fontes poderiam trazer “[...] à tona o
que o poder até então instituído tentava ocultar [...]” (p.40). Nesse período, retorna
ao Brasil Paulo Freire, considerado fonte de inspiração à construção de uma
pedagogia libertária. Os relatos de experiências e memórias ganham força para o
vislumbre de novos caminhos.
Dentre as pesquisas estrangeiras importantes ao ato biográfico, destaca-se o
livro O método (auto) biográfico e a formação, organizado em parceria por Nóvoa e
Finger. Na obra é possível identificar os desdobramentos do método em teorias e
experiências em uma utilização da pesquisa-formação e, ainda, o reconhecimento
do valor heurístico para compreensão da trajetória formativa em três momentos
destacados por Pineau (1988), aqui citados: autoformação, heteroformação e
ecoformação.
Na Europa e no Canadá Gaston Pineau torna-se um dos pioneiros no
movimento das histórias de vida e formação com foco na dimensão autoformativa,
ou seja, formação continuada. Josso (1988) apresenta em sua obra Biografia
educativa, os passos investigativos do trabalho narrativo. A autora destaca três
momentos: autonominação e conformização; responsabilização e dependência; e
por fim, interioridade e exterioridade. O objetivo de Josso é possibilitar ao sujeito a
tomada de consciência de sua formação sobre seu próprio ponto de vista. Gabriel
(2011)esclarece que esse processo só é possível quando há reflexão em “como o
sujeito se forma e como aprende” (41).
As pesquisas do ato biográfico são intensificadas precisamente na década de
80, anos esses que, segundo Passeggi et. al (2006), são considerados favoráveis
para a transformação e ocupação de espaços-tempo antes não ocupados por atores
sociais. Para a autora, a ocupação desses espaços por agentes formadores é
imprescindível numa análise de si para compreensão da situação atual e para galgar
novos ideais. Nesse sentido, as histórias de vidas e a narratividade oportunizam aos
sujeitos situados a articulação dos tempos vividos.
Os estudos do ato biográfico têm como uma de suas características a busca
identitária profissional do sujeito, cujo enfoque centra-se em sua história de vida.
Este processo configura-se então como uma ferramenta social, pois parte de um

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aspecto reflexivo individual que influencia as práxis a serem desenvolvidas para o
coletivo. Ricoeur (1997, p. 177) explicita que “[...] a função narrativa, tomada em
toda a sua amplitude [...] define-se a título último por sua ambição de refigurar a
condição histórica e de assim elevá-la ao nível de consciência histórica [...]”. O autor
nos convida a refletir sobre o resgate da história de vida e articulação dos tempos
por meio das narrativas autobiográficas, como forma de interpretação, construção de
saberes e de sobrevivência.
Com o objetivo de ampliar a “comunicação intergeracional” (PINEAU, 2006, p.
334) em 1990-1991 é criado a Assocoation Internacionale de Histoires de Vieen
Formation – ASIHVIF, fortalecendo as discussões e pesquisas da abordagem (auto)
biográfica. Os estudos da rede francófona são referências nessa abordagem e
repercutem em trabalhos teórico-metodológicos nas diversas áreas do
conhecimento. A partir disso, pesquisas que expressam a transdiciplinaridade são
cada vez mais intensificadas, bem como a possibilidade de compreensão do adulto
por meio do ato biográfico, temporalidades e formação, identidade profissional e
outros assuntos do aspecto docente.
Passeggi et al. (2006), ao discorrer sobre o método biográfico, enfatiza que
esse processo está intimamente ligado à formação de adultos e procura responder
questões não somente externa ao sujeito, mas ainda ao reconhecimento dos
saberes subjetivos, populares, experiências da vida nos mais variados contextos
sociais. A autora destaca que a incorporação desse método no processo formador
do escritor de si possibilita a compreensão de aspectos significativos para e sua
trajetória docente.
Nesse sentido, a abordagem biográfica se constitui fator determinante na
construção e autoformação do docente tanto atuante no contexto educacional como
os que ainda frequentam cursos de formação de professores. Assim, o ato narrativo
docente é conceituado por Ramos e Gonçalves como,

[...] o texto, o escrito em que o professor faz um relato da sua própria


vida, procurando apresentar-nos uma narração seguida de
acontecimentos a que confere o estatuto mais importantes, ou
interessantes, no âmbito da sua existência enquanto profissional da
educação. (RAMOS E GONÇALVES, 1996, p. 127)

É por intermédio do ato reflexivo ser possível evidenciar atores que


interferem na tomada de decisões do professor. Narrativas autobiográficas não se
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constituem somente como a escrita de acontecimentos pessoais, “se constituem
uma ação social por meio da qual o indivíduo retotaliza sua trajetória de vida e sua
interação com o social.” (Passeggi;et al. p. 260, 2006). Concordo com Nóvoa (1988)
em relação à tomada de consciência dos professores sobre seu percurso formativo e
acontecimentos que marcaram essa trajetória partir do contexto social em que o
sujeito está imerso.
A memória por sua vez torna-se um fio condutor para a retomada de
momentos vividos pelo sujeito que sustentarão as lembranças como categorias
significativas ou não. De acordo com a concepção de Assman (ASSMAN, 1996, p.
30) quando diz que a memória é “um conjunto de habilidades para construir
significados e possibilidades de ações.”
Diante disso, faz-se necessário diferenciar alguns termos semelhantes, mas
com significados diferentes. Pineau (2006) apresenta diferenças de nomenclatura
possibilitando uma melhor compreensão desse método e abordagem:

Biografia – escrita da vida de outrem;


Autobiografia – escrita da vida do autor por ele mesmo;
Relato de vida – aponta para a importância da expressão do
vivido pelo ‘desdobrar narrativo’, quer essa enunciação seja
oral quer seja escrita.
História de vida – o objetivo perseguido é o de construção de
sentido temporal, sem prejuízo dos meios. (PINEAU, 2006, p.
339-341)

As narrativas autobiográficas têm como características a análise das


situações e experiências vividas. O grupo de pessoas que cercam uma pessoa pode
ser referencial para as escolhas do sujeito. Retomo aqui o conceito de grupos-
referência de Gabriel (2011), quando diz que esses grupos se constituem como os
responsáveis em grande parte pela tomada de decisões do “eu-escritor”, pois
influenciam de forma direta ou indireta nas escolhas do sujeito. Os desvios e
modificações das vivências produzem efeitos norteadores para tais escolhas futuras.
Para Bertaux (2010) o ato de se narrar revela os percursos e desdobramentos
vividos pelo ser através de acontecimentos que pode ser chamados de
temporalidade. Há uma reflexão sobre situações vividas e de pessoas que fizeram
parte desse momento, tendo o outro também como objeto de estudo.

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Na rememorização da vida passada, o sujeito filtra as experiências por
intermédio da memória identificando-as como experiências-referência. Josso (2004,
p.40) define essa experiência como “[...] acontecimento existencial único e decisivo
na simbólica orientadora de uma vida [...]”. A intenção do uso das Narrativas
autobiográficas nos Cursos de formação de professores é justamente estabelecer a
“situacionalidade” (Freire, 2005) docente a partir articulação entre a temporalidade e
narrativa. Dessa forma, Ricouer (1994, p. 85) apresenta como fator determinante
para “condição da existência temporal” a Tríplice Mimese, baseada na interpretação
Poética de Aristóteles. Nesse espaço

[...] É construindo a relação entre os três modos miméticos que


constituo a mediação entre tempo e narrativa. É essa própria
mediação que passa pelas três fases da mimese. [...] para resolver o
problema da relação entre tempo e narrativa, devo estabelecer o
papel mediador da tessitura da intriga entre um estágio da
experiência prática que a precede e um estágio que a sucede. [...]
Proponho-me a desimplicá-los do ato da configuração textual e de
mostrar o papel mediador desse tempo da tessitura da intriga entre os
aspectos temporais prefigurados no campo prático e a refiguração da
nossa experiência temporal por esse tempo construído. Seguimos,
pois, o destinode um tempo prefigurado em um tempo refigurado,
pela mediação de um tempo configurado (Id., ibid., p. 87).

Os três momentos miméticos citados dos Ricoeur (1994) puderam ser


identificados na escrita da minha narrativa nas disciplinas História da Educação I e
História da Educação Brasileira. Na mimese I é a prefiguração da ação narrativa, ou
seja, a pré-compreensão das ações humanas. Em mimese II há a medição de
leituras,a narrativa em um tempo Configurado. Esse momento repercute na
atualização da escrita por meio do ato de se “re-narrar”, processo em que me situo,
pois re-narro minhas experiências criticamente e me atualizo em minhas leituras. Por
fim,em mimese III, a narrativa se consolida como momento Refigurado, no qual ao
agir humano são atribuídos novos olhares. Gabriel (2011, p.62), conclui que a
mimese II é a “intersecção, pois da formação configurada pela narrativa do eu
pessoal e profissional” dá-se a atualização de si. Para Ricoeur, na conclusão do
percurso da mimese adquire-se a “identidade narrativa” e a construção do perfil
profissional.
Bertaux (2010) em sua obra Narrativas de vida: a pesquisa e seus métodos
aborda que narrativa com cunho etnossociológica possui por finalidade a filtragens
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de experiências formadoras (Josso, 2004) que foram marcantes em suas tomadas
de decisões. Diante disso, experiência-formadora é,

[...] a formação experiencial designa a atividade consciente de um


sujeito que efetua uma aprendizagem imprevista ou voluntaria em
termos de competências existenciais, instrumentais ou pragmáticas,
explicativas ou compreensivas na ocasião de um acontecimento, de
uma situação, de uma atividade que coloca o aprendente em
interações consigo mesmo, com os outros, com o meio natural ou
com as coisas, num ou em vários registros. (JOSSO, 2004, p.55)

Ao escrever sobre fragmentos da sua vida, o professor é capaz de modificar


além de sua atuação, como também sua prática pedagógica. A narrativa
autobiográfica possibilita a tomada de consciência de grupos que influenciam nas
escolhas do sujeito e a identificação da subjetividade das situações vividas.
Em um de seus textos, Chené (1988) esclarece sobre as narrativas
autobiográficas como objeto de formação a partir do contexto pessoal e profissional
do sujeito. Para a autora a abordagem biográfica permite discorrer sobre o percurso
formativo e suas implicações, ou seja, a possibilidade de re-narrar a sua história de
vida. Nesse sentido, configura-se a narrativa de formação a partir da escrita das
experiências de formação. Para Pineau (1988), esse método é intensificado na área
educacional como uma forma de análise da identidade do adulto com base em uma
teoria de formação.
Dominicé (2006) enfatiza que as histórias de vida explicitam a formação de
cada um, por isso esse processo não deve ser analisado de forma isolada. O autor
concorda com Nóvoa e Finger, ao destacarem que “o método biográfico constitui
uma abordagem que possibilita ir mais longe na investigação dos processos de
formação [...]”.(1988, p.338). Queiroz (1988) define o método como a forma de
reconstrução do vivido e transmissão de experiências.
Deste modo, a escrita de si configura-se como ferramenta pedagógica
indispensável na busca por uma identidade narrativa. O docente articula situações e
atualiza-se mediante a reflexividade de suas ações, identificando a necessidade de
uma postura significativa na vida dos participantes da escola. Narrar-se torna-se
assim um fio condutor de transformação de práticas pedagógicas e identidade.

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3. A EXPERIÊNCIA FORMADORA DO ESTÁGIO NA ESCOLA PÚBLICA

O Curso de Licenciatura em Pedagogia proporcionou-se muitas


oportunidades de crescimento profissional e pessoal. Em toda caminhada
acadêmica, pude constantemente atribuir novos significados às minhas vivências
que hoje as compreendo como experiências formadoras. Apesar disso, houve
momentos em que mesmo sabendo da minha vocação e os motivos que me
impulsionaram à escolha pela docência, senti-me perdida e não sabia se realmente
queria ser professora. As incertezas do sistema educativo deixaram-me em crise.
Por muitas vezes, pude presenciar o rótulo da atividade docente no aspecto de
transmissão de saberes. Silva (1995, p. 27) afirma em seus estudos que o ato de
ensinar “[...] são enfraquecidos, negados ou escamoteados pelos próprios
professores”.
O Curso de pedagogia estava próximo do fim e eu não sabia se estava pronta
para o exercício docente. Estava insegura devido à dinamicidade do sistema
educacional e os novos desafios impostos pela sociedade às práticas pedagógicas
(Ribas, 2005). Mesmo assim, eu sabia que deveria terminar a tão sonhada
graduação, pois este não era um sonho só meu, mas uma oportunidade de alcançar
patamares maiores e então retribuir de alguma forma minha família pela ajuda
financeira. Concordo com Nadal (2004) quando explicita que

[...] é grande o desafio dos professores na atualidade, pois possuem


de um lado uma cultura profissional de referência ainda em moldes
conservadores e se confrontam, ao mesmo tempo, com uma
sociedade e um grupo de discentes cujas características põem em
cheque esta cultura, gerando nos professores insegurança e medo,
ou ainda, apatia e continuidade de processos de isolamento. (NADAL,
2004, p. 12)

Apesar do medo e insegurança, compreendo que o espaço universitário é um


lugar de continuidade da construção identitário profissional e pessoal. Compartilho
com Gabriel (2011), quando diz que foi na Universidade que achou respostas para
suas indagações não só pessoais como também profissionais. Identifico-me com
seus questionamentos, quando diz que não sabia como seria atuar como
supervisora educacional sem ter experiência. Concordo com Pimenta (2012) em que
os acadêmicos de cursos de formação de professores sofrem um impacto ao ver as

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contradições existentes nas instituições de ensino entre o escrito e o vivido, pois era
justamente como eu me sentia.
Entretanto, uma das atribuições dos Cursos de licenciatura é o Estágio
Supervisionado. Este é um momento da graduação muito importante na construção
de saberes. Está em contato direto com a escola possibilita uma visão mais crítica
do processo educacional. Foi no estágio Obrigatório da Disciplina em Organização
do Trabalho Pedagógico e Diversidade, que vivi uma experiência a qual considero
um divisor de águas em minha formação.
O Curso de Pedagogia, assim como seus professores, enfatizam bem o
estágio como um campo de reflexão da prática docente. A tomada de consciência do
estágio citado anteriormente no que diz respeito à pessoalidade só foi possível
devido reconhecimento desse processo como formador. Acredito que foi por
intermédio do processo biográfico que passei a analisar as experiências de uma
forma mais questionadora. Souza destaca que

A narrativa (auto)biográfica, ou, mais especificamente, a narrativa de


formação oferece um terreno de implicação e compreensão dos
modos como se concebe o passado, o presente e, de forma singular,
as dimensões experenciais da memória de escolarização. Entender
as afinidades entre narrativas (auto)biográficas, o processo de
formação e autoformação no contexto da formação inicial e do estágio
supervisionado, a partir das trajetórias de escolarização, é
fundamental para relacioná-las com os processos constituintes da
aprendizagem docente. (SOUZA, 2006, p.101)

Ricoeur (2006) fala sobre a importância de “narrar-se”, “aprender a narrar-se


é também aprender a narrar a si mesmo de outro modo” (p.115). O estágio deveria
ser realizado em uma escola pública da rede de ensino, com o objetivo de analisar
as metodologias de ensinos aplicadas à Diversidade, e de que forma eram
aplicadas. Resolvi escolher a escola onde estudei durante todo o ensino
fundamental. Tenho muitas lembranças agradáveis dos tempos em que ali estudei.
A escolha foi intencional, eu queria reviver de alguma maneira o passado e atribuir
novos olhares ao vivido. Está naquela escola novamente era uma oportunidade de
me atualizar.
Pimenta (2012) salienta no livro Estágio e Docência acerca desse momento
tão importante para futuros professores. A autora nos convida a refletir sobre o

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estágio como possibilidade de emancipação dos participantes da escola, a partir da
reflexão de práxis da atividade docente. Foi por intermédio desse estágio que puder
reafirmar minhas escolhas, pois - como já citei- eu me encontrava em uma crise de
incertezas referentes à profissão.
Ao chegar à escola fui apresentada ao gestor e fui muito bem recebida. Notei
que se encontravam ainda muitas pessoas da época em que ali estudei. De certa
forma percebi que eles sentiam orgulho de mim, pois a maioria do alunado daquela
instituição havia optado por outras escolhas. Ao ser encaminhada para a sala, fui
informada de que iria auxiliar nas atividades de um deficiente mental em todas as
suas tarefas. Durante todo o estágio, planejei as aulas de acordo com o conteúdo
que a turma estava estudando e puder ver o progresso do aluno. Senti-me feliz,
pois, notei que o aluno só precisava de alguém disposto a ensiná-lo.
Apesar disso, o que mais me chamou atenção foi observar uma professora
que havia lecionado para mim há tempos atrás com a mesma dedicação e cuidado.
Percebi que educar é também aprender. Lembrei-me de Freire (2005) ao discorrer
sobre a educação bancária, na qual o professor é o detentor do conhecimento e o
aluno um ser passivo. Aquela educadora rompia com esse conceito de educação,
notei que ela levava a sério uma atuação significativa. Naquele instante refletia
sobre todas as minhas escolhas que impulsionaram a docência, eu me encontrava
no

[...] processo auto – reflexivo, que obriga a um olhar retrospectivo e


prospectivo, tem de ser compreendido como uma atividade de auto –
interpretação crítica e de tomada de consciência da relatividade
social, histórica e cultural das referências interiorizados pelo sujeito e,
por isso mesmo, constitutivos da dimensão cognitiva da sua
objetividade. (JOSSO, 2004, p. 60)

A autora esclarece que esse processo só é possível quando o sujeito se


reconhece em seu próprio contexto. Eu já sabia o que havia me motivado a escolha
pela docência, a influência dos grupos-referência para as minhas tomadas de
decisões e já havia identificado em minha trajetória de vida situações formadoras
que muito contribuíram para a construção identitária da qual eu era a personagem
principal.

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No entanto, a experiência de retorno a antiga escola me oportunizou analisar
o âmbito escola de duas formas: a primeira realizada enquanto discente e segunda
como docente. Josso (2004) afirma que é indispensável reconstituir a “rede de
acontecimentos” que marcam a reflexividade da existência do sujeito. Todo esse
processo contribuiu para a formação da minha identidade narrativa, pois, ao
escrever minhas vivências no relatório final do Estágio Supervisionado, pude
reafirmar meus anseios se “trans-formar” a educação.
Diante disso, de acordo com Chené (1988) o resgate a identidade, autora é
enfática ao afirmar que essa busca somente é possível ao identificar e reconhecer
os saberes da docência em diferentes atividades bem como o seu caráter formativo
em diversas situações. Assim, ressignificar torna-se um processo realizado nas
várias etapas da vida, seja pessoal ou profissional. Dessa forma, concordo com a
autora ao salientar que o formador ao organizar um discurso sobre sua própria
formação, reafirma e dá sentido a todo seu processo.
A narratividade sobre o diálogo, as dificuldade, as incertezas serviram como
prova de fogo na conformação do estágio ser um lugar de afirmação na construção
da identidade docente. Esse espaço será o lócus profissional de atuação, tão logo
se conscientize sobre essa formação.
Portanto, entender o processo formativo me fez compreender que minha
formação docente está intrínseca às minhas vivências. O ato biográfico permitiu-me
ressignificar minhas potencialidades por meio do reconhecimento da minha própria
trajetória de vida. Nesse sentido, o estágio supervisionado consolidou-se como um
elo de fortalecimento da minha identidade profissional, possibilitando-me tecer
fundamentos precisos que irão ser fundamental para minha atuação docente.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

No decorrer do artigo optei por discorrer sobre três eixos que estão
imbricados e repercutem de forma direta em minha formação docente. No primeiro
eixo denominado “O Processo de Formação e Identidade Docente” busquei explicitar
de forma completa a importância do reconhecimento dos processos formativos para
a consolidação da identidade pessoal e profissional. O objetivo desta análise é

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compreender que a dinamicidade da vida interfere nas tomadas de decisões e se
configuram como característica tanto da formação como da identidade.
No segundo eixo denominado “Das Histórias de Vida às Histórias de
Formação” busquei fazer um breve histórico sobre as narrativas autobiográficas
desde o contexto internacional até os dias atuais. Minha intenção nesse eixo foi de
situar o leitor a esta teoria e ainda mostrar o ato da escrita de si como instrumento
pedagógico de autoformação e reflexão. Destaco ainda esse momento como uma
oportunidade do sujeito ir mais longe e a compreensão das suas potencialidades por
meio da rememorização das suas próprias vivências e dos grupos-referências como
co-responsáves nas escolhas do sujeito.
Por fim, no terceiro eixo descrevo a consolidação de uma vivência do estágio
supervisionado como experiência formadora para minha formação docente. Baseado
na teoria das narrativas autobiográficas identifico meu processo identitário dinâmico
e o desabrochar da minha vocação das percepções docente sendo consolidada
através da atribuição de novos olhares ao vivido.
Assim, as narrativas autobiográficas tornaram-se um fio condutor para a
formação da minha identidade narrativa. Entender o processo em que me constituiu
docente me fez reafirmar minhas escolhas pessoais e profissionais na busca por
uma prática libertadora e de transformação que transcenda o contexto escolar.
Durante o tempo de minha formação superior ressignifiquei vivências e construí
novos saberes tendo como base minha própria história de vida.
Em suma, a minha permanência na Universidade Federal de Roraima ao
longo de cinco anos me fez compreender que é possível sim uma educação de
qualidade. Todas as experiências vivenciadas na graduação repercutiram de forma
significativa não só para formação da minha postura profissional, mas, sobretudo,
para minha autoafirmação. Estou certa que das escolhas que tenho tomado em
minha vida, a escolha pela docência é uma das minhas maiores conquistas, pois,
acredito que posso contribuir de maneira significativa como agente de transformação
social.
Sou grata a Deus por tudo, pois até aqui me ajudou o Senhor. Ele me inspira,
me impulsiona e me faz Ser mais. A conclusão dessa etapa da minha vida não é
uma vitória só minha, mas também de toda minha família, em especial a minha mãe
que nunca mediu esforços para me ajudar tanto emocionalmente como

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financeiramente. Sei também que meu pai estaria muito feliz em ver essa conquista.
Saudades eternas. Estou pronta para galgar novos caminhos na certeza de fazer a
diferença desde que esteja compromissada com a educação transformadora.

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