Direitos Fundamentais PP

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Índice

Introdução......................................................................................................................2
1. Direitos Fundamentais............................................................................................3
1.1. História................................................................................................................3
1.2. Noção de Direitos Fundamentais........................................................................3
1.1. Contraposição constitucional entre direitos, liberdades e...................................3
1.2. garantias e direitos económicos, sociais e culturais............................................3
1.2.1. Os limites legais previstos pela Constituição: a restrição de direitos
fundamentais..................................................................................................................4
1.2.2. Limitações de direitos fundamentais com a aplicação da medida privativa da
liberdade.........................................................................................................................5
2. Medidas de coação.................................................................................................5
2.1. Considerações Iniciais........................................................................................5
2.1. Competência para aplicação...............................................................................6
2.1. Momento de aplicação........................................................................................6
Prévia audição do arguido..............................................................................................7
2.2. Notificação do despacho.....................................................................................8
3. Prisão Preventiva....................................................................................................8
3.1. Aspetos históricos...............................................................................................8
2.1. Conceito..............................................................................................................9
2.1. Pressupostos necessários à decretação da prisão preventiva............................10
2.1. Prazo de duração...............................................................................................11
3.1.1. Suspensão do decurso dos prazos de duração máxima da prisão preventiva13
2.1.1. Extinção da prisão preventiva e libertação do arguido.................................14
Distinção entre prisão preventiva, detenção e execução da pena de prisão.................15
Modos de impugnação das medidas de coação............................................................16
4. Indemnização por privação da liberdade ilegal ou injustificada..........................20
Conclusão.....................................................................................................................22
Referências bibliográficas............................................................................................23

1
Introdução

O presente trabalho visa aprofundar a figura da prisão preventiva e,


nomeadamente, a constitucionalidade e compatibilidade da prisão preventiva com o
principio da presunção de inocência do arguido até transito em julgado da sentença
condenatória. Determinar em que medida os direitos fundamentais do cidadão
podem vir a ser limitados com a aplicação desta medida de prisão preventiva
decretada pela autoridade competente.
A importância do tema ocorre atentando ao facto de que a prisão preventiva
representa a restrição da liberdade física do cidadão antes mesmo de qualquer
julgamento, em detrimento do princípio da presunção da inocência, razão pelo que
deve ser tratada como medida excepcional que é, e não apenas como forma de
combater o crime, ou para representar a falsa imperatividade do poder judiciário, que
decreta a prisão preventiva de forma rápida mas que depois ultrapassa os prazos
processuais sob o argumento da razoabilidade.
Por vezes assiste-se à decretação da prisão preventiva por juízes e à revogação da
prisão preventiva por Tribunais Superiores, sem que qualquer facto novo tenha
ocorrido no processo.

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1. Direitos Fundamentais

1.1. História
A primeira questão que devemos colocar é a seguinte: Como surgiram os
direitos fundamentais?
Foi numa perspetiva filosófica que começaram por surgir os direitos
fundamentais. Segundo Vieira de Andrade, “antes de serem um instituto no
ordenamento positivo ou na prática das sociedades políticas, foram uma ideia no
pensamento dos homens”2.
Juridicamente, podemos dizer que os direitos fundamentais emanam do
denominado direito natural. Na sua dimensão natural, os direitos fundamentais são
"direitos absolutos, imutáveis e intemporais, inerentes à qualidade de homem dos
seus titulares, e constituem um núcleo restrito que se impõe a qualquer ordem
jurídica”3.
1.1. Noção de Direitos Fundamentais

Os direitos fundamentais são posições jurídicas positivas e individuais face ao


Estado.
Nas palavras de Jorge Miranda “por direitos fundamentais entendemos os
direitos ou as posições jurídicas subjectivas das pessoas enquanto tais, individual
ou institucionalmente consideradas, assentes na Constituição, seja na Constituição
formal, seja na Constituição material – donde, direitos fundamentais em sentido
formal e direitos fundamentais em sentido material”8.
São assim, direitos universais, conferidos a todas as pessoas, e que se traduzem
em posições jurídicas ativas9 de vantagem destas frente ao Estado e demais
concidadãos. E enquanto posições de vantagem juridicamente tuteladas, orientados à
proteção de um bem jurídico, os direitos fundamentais encontram no valor da
dignidade da pessoa humana todo o fundamento de inspiração normativa e desejo de
concretização por meio da constituição.

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1.1. Contraposição constitucional entre direitos, liberdades e
1.2. garantias e direitos económicos, sociais e culturais

O tratamento dos direitos fundamentais na ordem constitucional Moçambicana


assenta numa contraposição entre «direitos, liberdades e garantias» e «direito
económicos, sociais e culturais».

O art.11.º, alíneas e) da Constituição consagra entre as tarefas fundamentais do


Estado, a garantia dos direitos e liberdades fundamentais e a promoção efectiva
dos direitos económicos, sociais e culturais O título III divide-se em três capítulos:
«direitos, liberdades e garantias pessoais»,

«direitos, liberdades e garantias de participação pessoal» e «direitos, liberdades e


garantias dos trabalhadores».
1.1.1. Os limites legais previstos pela Constituição: a restrição de
direitos fundamentais

A restrição aos direitos fundamentais assume uma especial importância no


regime jurídico dos direitos fundamentais.
O legislador constitucional não oferece uma solução conclusiva quanto ao tipo
de intervenção que a Constituição Moçambicana atribui à lei infraconstitucional,
comprimindo o sentido constitucional dos direitos fundamentais consagrados.
Assim, a doutrina tem sido unânime quanto à conceptualização deste fenómeno
como restrição de direitos fundamentais.
Podemos definir restrição como a intervenção do poder legislativo de forma a
garantir o respeito e a efectividade de todos os direitos fundamentais a todas as
pessoas. O legislador constitucional, através da atribuição normativa deste poder
legal de cariz restritivo dos direitos fundamentais, perante alguns dos tipos de
direitos fundamentais, estabeleceu a possibilidade de o legislador ordinário efetuar a
respectiva restrição, estabelecendo alguns momentos de restrição legal. Temos como
exemplo dessa manifestação.

O texto constitucional tem como finalidade expressa das restrições,


salvaguardar outros direitos fundamentais. O art.295 e 296 da CRM consagra que
devem “…as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos
4
ou interesses constitucionalmente protegidos”.
Apesar desta afirmação, esta não basta para a identificação desses valores em
nome dos quais podem ser invocadas as restrições. É possível legitimar uma
intervenção restritiva invocando a segurança do Estado e a segurança pública, a
protecção do ambiente e do ordenamento do território, motivos atinentes à saúde e à
propriedade privada, bem como à dignidade da pessoa humana.

1.1.2. Limitações de direitos fundamentais com a aplicação da medida


privativa da liberdade
Em relação ao tema, cabe agora falar sobre as limitações de direitos
fundamentais que respeitam às pessoas que se encontrem sujeitas à aplicação de uma
medida privativa de liberdade.
Apesar de constitucionalmente não existir uma separação e no plano
valorativo e processual, se trate de situações diferentes, é de equiparar à situação de
preso com sentença transitada em julgado, o preso preventivamente.
Isto é, são medidas processuais que ao condicionar a liberdade do arguido,
tendem a garantir a contactabilidade do mesmo, a não repetição da actividade
criminosa e a produção de certos efeitos processuais.
No que respeita às medidas de coação, existem princípios que estão estreitamente
conectados com o art.204.º do CPP, nomeadamente, o princípio da legalidade, o
princípio da excecionalidade, o princípio da necessidade, o princípio da adequação, o
princípio da proporcionalidade e o princípio da subsidiariedade 84. Estes princípios
estão intrinsecamente ligados a um dos bens jurídicos mais relevantes do ser
humano, que é a liberdade.

2. Medidas de coação

2.1. Considerações Iniciais

As medidas de coação são “meios processuais limitadores da liberdade pessoal,


de natureza meramente cautelar, aplicáveis a arguidos sobre os quais recaiam
fortes indícios da prática de um crime”83.
Isto é, são medidas processuais que ao condicionar a liberdade do arguido,
tendem a garantir a contactabilidade do mesmo, a não repetição da atividade
criminosa e a produção de certos efeitos processuais.

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No que respeita às medidas de coação, existem princípios que estão estreitamente
conectados com o art.204.º do CPP, nomeadamente, o princípio da legalidade, o
princípio da excecionalidade, o princípio da necessidade, o princípio da adequação, o
princípio da proporcionalidade e o princípio da subsidiariedade 84. Estes princípios
estão intrinsecamente ligados a um dos bens jurídicos mais relevantes do ser
humano, que é a liberdade.
O juiz deve orientar-se por estes princípios uma vez que estão em causa
restrições aos direitos fundamentais do arguido, nomeadamente, a “restrição da
liberdade ambulatória, ou seja, da sua liberdade de movimento”85.
Num Estado de Direito Democrático, baseado na dignidade da pessoa humana, a
liberdade é um dos direitos fundamentais mais importantes 86, sendo apenas
ultrapassado pelo direito à vida, que é um direito inviolável, como consagra o
art.4O.º. n.º1 da Constituição.

2.1. Competência para aplicação


Nos termos do art.194.º, n.º1 do CPP, “à exceção do termo de identidade e residência,
estas medidas são aplicáveis por despacho do juiz, durante o inquérito a requerimento
do Ministério Público e depois do inquérito mesmo oficiosamente, ouvido o Ministério
Público”, visando assegurar as finalidades de natureza meramente cautelar num
concreto processo penal em curso. Ou seja, as medidas de coação, uma vez que limitam
os direitos, liberdades e garantias, são sempre aplicadas por despacho judicial (proferido
por um juiz), com excepção do termo de identidade e residência, o qual pode ser
aplicado pelo MP ou por órgão de polícia criminal87.
Durante a fase de inquérito, a aplicação destas medidas é um ato processual da
competência do juiz de instrução criminal, a requerimento do MP (cfr. os arts.17.º,
268.º, n.º1, al. b), 382.º, n.º3, do CPP, e o art.79.º, da LOSJ).
Sendo o inquérito a fase processual realizada sob a titularidade e direção do MP
(cfr. os arts.53.º, n.º2, al. b), 263.º e 267.º, do CPP), ao qual compete a prática de
atos de investigação e de recolha de provas com vista à sustentação do despacho de
acusação, tendo dessa forma a noção real da situação de facto e da necessidade ou
não, de aplicar uma medida de coação ao arguido. Porém, o art.219.º, n.º3, inserido
no CPP pela Lei n.º48/2007, de 29 de agosto, consagra que a decisão que indeferir a
aplicação das medidas de coação é irrecorrível.

6
2.1. Momento de aplicação

A aplicação das medidas de coacção pode ter lugar no ato de primeiro


interrogatório judicial (seguindo as formalidades previstas no art.141.º, do CPP) ou
em qualquer outro momento, até ao trânsito em julgado da sentença condenatória ou
absolutória, quando tal se revelar necessário para acautelar as finalidades processuais
(cfr. art.194.º, n.º4 e art.142.º, n.º2, do CPP).
Apesar disso, podemos afirmar que nas fases de inquérito e de instrução é mais
usual aplicar-se as medidas de coacção.
Importa salientar que o regime jurídico referente ao interrogatório do arguido
sofreu algumas alterações com a Lei n.º48/2007 e com a Lei n.º20/2013,
nomeadamente, quanto à obrigatoriedade de assistência de defensor nos
interrogatórios de arguido detido ou preso e nos interrogatórios feitos por autoridade
judiciária (cfr. art.64.º, n.º1, als. a) e b) do CPP)92.
Para além disso, o art.194.º, n.º6, do CPP, estabelece que durante o
interrogatório judicial, o arguido e o seu defensor podem consultar os elementos do
processo determinantes da aplicação da medida de coação (à exceção do TIR).
Outra alteração da Lei n.º48/2007 diz respeito à hora permitida para a
realização do interrogatório. Antes o interrogatório do arguido não podia, sob pena
de nulidade, ser efetuado entre as 0 e as 6 horas, salvo em ato seguido à detenção.
No atual regime, o interrogatório não pode ser efetuado entre as 0 e as 7 horas, salvo
em ato seguido à detenção: 1) nos casos de terrorismo, criminalidade violenta ou
altamente organizada, quando haja fundados indícios da prática iminente de crime
que ponha em grave risco a vida ou a integridade de qualquer pessoa (cfr. os
arts.103.º, n.º3, al. a) e 174.º, n.º5, al. a), do CPP); 2) quando o próprio arguido o
solicite (cfr. art.103.º, n.º3, al. b), do CPP).
Com a finalidade de não perturbar a capacidade de memória ou de avaliação
por parte do arguido no decorrer do interrogatório, deve este ter a duração máxima
de 4 horas, podendo ser retomado, em cada dia, por uma só vez e idêntico prazo
máximo, após um intervalo mínimo de 60 minutos (cfr. arts.103.º, n.º4 e 126.º, n.º2,
al. b), do CPP).

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Prévia audição do arguido
O regime de audição do arguido em momento anterior à aplicação de uma
medida de coação, também sofreu alterações com a Lei n.º 48/2007 e com a Lei n.º
20/2013, de 21 de fevereiro.
Antes da alteração, a audição do arguido não revestia caráter obrigatório, só
devendo realizar-se sempre que tal fosse possível e conveniente, de acordo com o
prudente arbítrio do juiz; essa conveniência devia ser aferida em razão da finalidade
processual que se pretendia acautelar.
2.2. Notificação do despacho
Segundo o art.112.º, n.º3, al. d), do CPP, a convocação para aplicação de uma
medida de coação reveste a forma de notificação, a qual indica a finalidade da
convocação ou comunicação, por transcrição, cópia ou resumo do despacho ou
mandado que a tiver ordenado.
O despacho referido deve ser notificado pessoalmente ao arguido.

No caso de ser aplicada prisão preventiva, o despacho é notificado de imediato


ao defensor e, sempre que o arguido pretenda, a parente ou a pessoa da sua confiança
(art.64 n° 3,4 art.59.º, n.º2 e art60.º, n.º1, e 62 da CRM.
As notificações ao advogado ou ao defensor nomeado, quando outra forma não
resultar da lei, são feitas nos termos das 1 e 2 da CRM..
Conjuntamente com o despacho que designa dia para a audiência de
julgamento, qualquer despacho relativo a medidas de coação, deve ser comunicado
aos restantes juízes que fazem parte do tribunal (cfr. art.314.º, n.º2, in fine).
Se houver dificuldade em efetuar a notificação, o funcionário de justiça, pode,
se for necessário, recorrer à colaboração da força pública, o qual deverá ser
requisitada para esse efeito (cfr. art.115.º, do CPP).
3. Prisão Preventiva
Após ter feito uma exposição acerca dos direitos fundamentais e sobre as
medidas de coação para melhor perceber onde e como a prisão preventiva vem
inserida, cumpre agora analisar detalhadamente esta medida de coação.

3.1. Aspetos históricos

A pena de prisão surge como uma reação contra as penas corporais, originando
que a prisão assumisse um caráter repressivo, preventivo e corretivo. Foi a partir do

8
movimento iluminista que a pena de prisão evoluiu e chegou aos várias
ordenamentos jurídicos como hoje se configura.

A partir da década de setenta do século XX, a história da prisão como pena


constituiu objeto de estudo para muitos autores, nomeadamente, Rothman em 1971,
Petit em 1984 e Zedner em 1994. Entre nós, tal interesse apenas surgiu na década
seguinte, com Barreiros em 1980, Hespanha em 1984 e Duarte em 1990102.

2.1. Conceito

A prisão preventiva “é uma medida de coação de natureza excecional,


necessariamente provisória ou precária e consiste na privação da liberdade
individual, resultante de decisão judicial interlocutória”107.
Encontra-se prevista no art.202.º do CPP e é a medida de coação mais grave,
sendo a medida mais gravosa prevista na lei, deve constituir a ultima ratio das
medidas de coação, só se podendo aplicar quando se demonstre que todas e cada das
restantes medidas cautelares se revelem inadequadas ou insuficientes a cumprir os
fins a que se destina (Cfr. arts.193.º, n.º2 e 202.º, n.º1 e o art.64 CRM).
Como refere Paula Marques Carvalho, “trata-se de uma medida de coacção
privativa da liberdade que aparece consagrada na Lei Fundamental como uma
exceção ao princípio segundo o qual todos têm direito à liberdade e à segurança e,
por outro lado, ninguém pode ser total ou parcialmente privado da sua liberdade, a
não ser em consequência de sentença judicial condenatória pela prática de ato
punido por lei com pena de prisão ou de aplicação judicial de medida de segurança
(cfr. o art.27.º, n.ºs 1, 2 e 3, al. b), da CRP, o art.5.º da CEDH e o art.9.º, da
DUDH)”108.
A prisão preventiva implica a privação da liberdade do arguido, durante um
determinado período de tempo limitado, existindo assim um prazo máximo para a
sua duração, consoante as circunstâncias que se verifiquem no caso concreto
(art.215.º, do CPP).

Conjuntamente, de forma a reduzir os danos individuais provocados pela prisão


preventiva, o art.193.º, n.º3, do CPP, consagra que “quando couber ao caso medida
de coação privativa da liberdade nos termos do número anterior, deve ser dada
preferência à obrigação de permanência na habitação sempre que ela se revele

9
suficiente para satisfazer as exigências cautelares”. Ou seja, o legislador entende
que, embora privativa da liberdade, deve ser dada primazia à medida que mantenha o
arguido no seu ambiente, de forma a que se limitem o menos possível os direitos
fundamentais daquele a quem são aplicadas, nunca esquecendo o princípio
constitucional da presunção da inocência que impõe que as medidas de coação
sejam, o máximo possível, compatíveis com o estatuto processual da inocência
inerente à fase em que se encontram os arguidos a quem são aplicadas estas medidas
e por isso que, ainda que legitimadas pelo fim, devam ser aplicadas as menos
gravosas, desde que adequadas109. O texto deste artigo foi introduzido pela Lei
n.º48/2007, de 29 de agosto, pretendendo-se assim, acentuar o carater excecional,
subsidiário e não obrigatório da prisão preventiva. A excecionalidade e
subsidiariedade da prisão preventiva são uma exigência que decorre da Constituição,
nomeadamente nos seus arts.27.º e 28.º, n.º2, na medida em que impõe o direito à
liberdade como regra, consagrando que a prisão preventiva não deve ser decretada
nem mantida sempre que possa ser aplicada caução ou outra medida mais favorável
prevista na lei.
A prisão preventiva é necessariamente provisória ou precária, uma vez que pode ser
revogada, alterada, suspensa ou extinta (arts.212.º a 217.º do CPP). A sua aplicação
resulta de decisão judicial interlocutória, uma vez que tem sempre lugar antes do
trânsito em julgado da decisão judicial condenatória ou absolutória.

2.1. Pressupostos necessários à decretação da prisão preventiva

Para que uma medida de prisão preventiva, que afecta o indivíduo na sua
liberdade seja decretada é necessário que determinados requisitos na lei estejam
verificados.
Há interesses da ordem pública que devem ser acautelados, por esta razão há que
evitar a fuga do arguido, a perturbação do inquérito ou da instrução do processo, a
perturbação da ordem e da tranquilidade públicas ou da continuação da actividade
criminosa.
Para além dos requisitos gerais, para a aplicação em concreto da prisão
preventiva é necessário que obedeça aos princípios da adequação e da
proporcionalidade, consagrados no art.193.º do CPP. Segundo estes requisitos, a
medida de coacção a aplicar tem que ser adequada para acautelar o caso a que se
reporta e tem que ser proporcional à gravidade do crime e às sanções que possam vir

10
a ser aplicadas.
Por fim, é necessário que estejam verificados determinados requisitos específicos
da prisão preventiva previstos no art.202.º do CPP.
Assim, a primeira condição prevista é a de que nenhuma das outras medidas de
coação sejam, para o caso concreto, adequadas ou suficientes; está aqui presente a
natureza excecional e subsidiária da prisão preventiva que resulta dos arts.27.º e 28.º
da CRP.
A segunda condição encontra-se prevista nas várias alíneas do n.º1 do art.202.º do CPP.
Pela ordem prevista no nosso Código de Processo Penal podemos enunciar os seguintes
requisitos: “haja fortes indícios de prática de crime doloso punível com pena de prisão
de máximo superior a cinco anos112 (alínea a); haja fortes indícios de prática de crime
doloso que corresponda a criminalidade violenta113 (alínea b); haja fortes indícios de
prática de crime doloso de terrorismo ou que corresponda a criminalidade altamente
organizada punível com pena de prisão de máximo superior a três anos114

(alínea c); haja fortes indícios de prática de crime doloso de ofensa à integridade
física qualificada, furto qualificado, dano qualificado, burla informática e nas
comunicações, recetação, falsificação ou contrafação de documento, atentado à
segurança de transporte rodoviário, puníveis com pena de prisão de máximo
superior a três anos115 (alínea d); haja fortes indícios de prática de crime doloso de
detenção de arma proibida, detenção de armas e outros dispositivos, produtos ou
substâncias em locais proibidos ou crime cometido com arma, nos termos do regime
jurídico das armas e suas munições, puníveis com pena de prisão de máximo
superior a três anos116 (alínea e); que se trate de pessoa que tiver penetrado ou
permaneça irregularmente em território nacional, ou contra a qual estiver em curso
processo de extradição ou expulsão (alínea f)”.
2.1. Prazo de duração
Como refere Paula Marques Carvalho, “as normas processuais penais referentes
à privação da liberdade, que fixam os prazos e elevam os prazos de duração
máxima da prisão preventiva, traduzem a ponderação entre dois direitos
fundamentais: o direito à liberdade e à segurança (cfr. art.27.º, n.º1, da CRP)”133.
A nossa Constituição, no seu art.28.º, n.º4, sujeita a prisão preventiva aos prazos
estabelecidos na lei. Trata-se de uma regra que exprime “a exigência, derivada da
natureza excepcional da prisão preventiva, de que ela seja temporalmente

11
delimitada (…), o que tem como consequência que não pode haver hiatos temporais
subtraídos à contagem desses prazos, sob pena de estes serem subvertidos…”134.
Deste modo, o instituto da prisão preventiva em respeito ao princípio da
presunção da inocência, exige determinados limites temporais, por isso o arguido
deve ser julgado no mais curto prazo compatível com as garantias de defesa (cfr.
arts.27.º, n.º3 e 32.º, n.º2, da CRP) . Segundo o entendimento de Gomes
Canotilho/Vital Moreira in “Constituição da República…”, Vol. I, p.490, os prazos
de prisão preventiva “ao tocarem com o direito de liberdade, são prazos
materialmente processuais, justificando-se a aplicação retroactiva da lei processual
mais favorável, nos mesmos termos da lei criminal material”. Cfr. o n.º4, do
art.29.º, da CRP” 135.
O art.215.º do CPP estabelece os prazos de duração máxima da prisão preventiva.

Podemos fazer uma distinção entre os prazos simples e os prazos elevados. Os


prazos simples encontram-se previstos nas várias alíneas do nº1 do art.215.º do
mesmo código, enquanto os prazos elevados encontram-se previstos nas várias
alíneas do nº2 do mencionado artigo.
Deste modo, temos os seguintes prazos simples: a) “Quatro meses sem que
tenha sido deduzida acusação; b) Oito meses sem que, havendo lugar a instrução,
tenha sido proferida decisão instrutória; c) Um ano e dois meses sem que tenha
havido condenação em primeira instância; d) Um ano e seis meses sem tenha
havido condenação com trânsito em julgado”.
Estes prazos são elevados para 6 meses, 10 meses, 1 ano e 6 meses e 2 anos,
respetivamente.

Nos termos do disposto nas várias alíneas do n.º2 do art.215.º do CPP, tais
prazos elevados aplicam-se nos seguintes casos: 1) Terrorismo136; 2) Criminalidade
violenta137 ou altamente organizada138; 3) Crime punível com pena de prisão de
máximo superior a oito anos; 4) Associação criminosa (art.299.º do CP); 5) Meios de
prova de interesse nacional (art.318.º, n.º1 do Código Penal).; 6) Infidelidade
diplomática (art.319.º do CP); 7) Incitamento à guerra civil ou à alteração violenta
do Estado de Direito (art.326.º do CP); 8) Ligações com o estrangeiro (art.331.º do
CP); 9) Coação contra órgãos constitucionais (art.333.º, n.º1 do CP); 10)
Inteligências com o estrangeiro para constranger o Estado Português (art.30.º do
Código de Justiça Militar); 11) Dano em bens militares ou de interesse militar

12
(art.79.º do Código de Justiça Militar); 12) Furto de veículos ou falsificação de
documentos a eles respeitantes ou de elementos identificadores de veículos; 13)
Falsificação de moeda, títulos de crédito, valores selados, selos e equiparados ou a
respetiva passagem; 14) Burla, insolvência dolosa, administração danosa do setor
público ou cooperativo, falsificação, corrupção, peculato ou participação económica
em negócio; 15) Branqueamento de vantagens de proveniência ilícita; 16) Fraude na
obtenção ou desvio de subsídio, subvenção ou crédito; 17) Abrangido na convenção
sobre segurança da navegação aérea ou marítima.
No caso do procedimento criminal por um destes crimes “se revelar de
excecional complexidade, devido, nomeadamente, ao número de arguidos ou de
ofendidos ou ao caráter altamente organizado do crime”, os prazos de quatro meses,
oito meses, um ano e dois meses e um ano e seis, a que se refere o n.º1 do art.215.º
são ainda elevados para um ano, um ano e quatro meses, dois anos e seis meses e
três anos e quatro meses, respetivamente (art.215.º, n.º3 do CPP).
O art.215.º, n.º4 do CPP diz-nos que a “excecional complexidade referida
apenas pode ser declarada durante a 1ª instância, por despacho fundamentado,
oficiosamente ou a requerimento do Ministério Público, ouvidos o arguido e o
assistente”.

3.1.1. Suspensão do decurso dos prazos de duração máxima da prisão


preventiva

Nos termos do art.216.º do CPP, “suspende-se o decurso dos prazos de duração


máxima da prisão preventiva, em caso de doença do arguido que imponha
internamento hospital, se a sua presença for indispensável à continuação das
investigações”150.

Antes da Reforma da Lei n.º48/2007, o decurso dos prazos de duração máxima


da prisão preventiva suspendia-se, ainda, quando tivesse sido ordenada perícia, cujo
resultado pudesse ser determinante para a decisão de acusação, de pronúncia ou
final, desde o momento da ordem de efetivação da perícia até ao da apresentação do
relatório. Com a referida lei, os n.ºs 1, al. a) e 2, do art.216.º foram eliminados do
texto legal.
Como refere Maia Gonçalves, “a suspensão é decretada pelo juiz, após ouvir o

13
Ministério Público, por despacho de que cabe recurso, nos termos do art.219.º e nos
gerais. Terminada a suspensão, o decurso do prazo da prisão preventiva volta de
novo a correr a partir do dia em que cessar a causa da suspensão, acrescendo ao já
decorrido até à suspensão”151.
O regime jurídico relativo à suspensão do decurso dos prazos de duração
máxima da prisão preventiva estende-se às medidas de proibição e imposição de
condutas e de obrigação de permanência na habitação (cfr. arts.200.º e 201.º), por
remissão do art.218.º, n.ºs 2 e 3.

2.1.1. Extinção da prisão preventiva e libertação do arguido

O arguido sujeito a prisão preventiva é posto em liberdade logo que a medida se


extinguir, nos termos dos arts.214.º e 215.º do CPP, salvo se a prisão dever manter-
se por outro processo (art.217.º, n.º1 do CPP).
No caso de se ter esgotado o prazo de duração máxima da prisão preventiva, o
disposto no art.215.º, n.º7 do mesmo diploma, nos termos do qual a prisão
preventiva se poderá manter ao abrigo de outro processo se o mesmo respeitar a
crime praticado após o decretamento da anterior prisão preventiva.
Segundo o n.º2 do art.217.º, “se a libertação tiver lugar por se terem esgotado
os prazos de duração máxima da prisão preventiva, o juiz pode sujeitar o arguido a
alguma ou algumas das medidas previstas nos arts.197.º a 200.º, inclusive”.
Portanto, excetua-se a obrigação de permanência na habitação prevista no art.201.º
devido à sua semelhança com a prisão preventiva.

O n.º3 do mesmo artigo estabelece que “quando considerar que a libertação do


arguido pode criar perigo para o ofendido, o tribunal informa-o, oficiosamente ou a
requerimento do Ministério Público, da data em que a libertação terá lugar”.
A prisão preventiva deve extinguir-se de imediato quando: 1) Se verificar
alguma das circunstâncias previstas nas alíneas a) a e), do n.º1, do art.214.º,
nomeadamente, o arquivamento do inquérito, prolação do despacho de não
pronúncia, prolação do despacho que rejeitar a acusação (nos termos da alínea a), do
n.º2, do art.311.º), sentença absolutória (mesmo que dela tenha sido interposto
recurso) ou trânsito em julgado da sentença condenatória; 2) Tiver lugar sentença
condenatória, ainda que dela tenha sido interposto recurso, no caso da pena aplicada
não for superior à prisão já cumprida152 (art.214.º, n.º2); 3) For revogada ou

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substituída nos termos dos arts.212.º e 213.º, do CPP; 4) Tiverem decorrido os
prazos de duração máxima previstos no art.215.º, do CPP (neste caso, o juiz pode
sujeitar o arguido a uma outra medida de coação, nos termos do art.217.º, n.º2, do
CPP).

Distinção entre prisão preventiva, detenção e execução da pena de prisão

Antes de mais, importa distinguir alguns institutos próximos: a detenção, a


prisão preventiva e a execução da pena, para melhor compreender o instituto a que
se refere o trabalho.
A prisão preventiva é uma medida de coação, enquanto a detenção é uma
medida cautelar. E a pena de prisão é uma sanção de privação da liberdade pessoal
imposta ao condenado pelo Tribunal.
O regime de detenção no sistema processual penal mocambivano é um regime
eminentemente cautelar, isto é, prende-se com razões de ordem preventiva e não
com razões de ordem punitiva.
A detenção encontra-se prevista no art.254.º do CPP, constitui uma medida
cautelar de privação da liberdade pessoal, que não está dependente de mandado
judicial no caso de se tratar de caso em que seja admissível a prisão preventiva,
existirem elementos que tornem fundados o receito de fuga ou de continuação da
atividade criminosa e não for possível, dada a situação de urgência e de perigo na
demora, esperar pela intervenção da autoridade judiciária (art.257.º, n.º 2, do CPP).
A detenção constitui uma restrição temporária da liberdade e que apenas se
pode verificar sob determinados pressupostos de facto e de direito conforme está
consagrado no art.27.º, n.º3 da Constituição. Neste artigo estão enunciadas os casos
em que podemos estar perante uma situação de privação da liberdade: 1) “detenção
em flagrante delito” (alínea a); 2) “detenção ou prisão preventiva por fortes
indícios de prática de crime doloso a que corresponda pena de prisão cujo limite
máximo seja superior a 3 anos” (alínea b); 3) “prisão, detenção ou outra medida
coativa sujeita a controlo judicial, de pessoa que tenha penetrado ou permaneça
irregularmente no território nacional ou contra a qual esteja em curso processo de
extradição ou de expulsão” (alínea c); 4) “detenção por decisão judicial em virtude
de desobediência a decisão tomada por um tribunal ou para assegurar a
comparência perante autoridade judiciária competente” (alínea f); 5) detenção
para identificação (alínea g); 6) e detenção (privação da liberdade) para

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internamento (compulsivo) de pessoas que sofram de “anomalia psíquica em
estabelecimento terapêutico adequado (alínea h).
Podemos distinguir estes institutos quanto à sua natureza, finalidade, duração,
competência de procedimento e à qualidade processual das pessoas a quem podem
ser impostas.

Modos de impugnação das medidas de coação


O Capítulo IV, do Título II – “Das medidas de coação” – regula os modos de
impugnação do despacho de aplicação das medidas de coação, assim como o habeas
corpus em caso de detenção ilegal e de prisão ilegal.
A primeira forma de impugnação das medidas de coação é o recurso. Segundo o
art.219.º do CPP, “da decisão que aplicar, substituir ou mantiver medidas previstas
no presente título, cabe recurso a interpor pelo arguido ou pelo Ministério Público,
a julgar no prazo máximo de 30 dias a contar do momento em que os autos forem
recebidos”153.

2.1. Habeas Corpus158

O habeas corpus traduz-se num mecanismo constitucionalmente consagrado que


tem como finalidade a cessação de uma situação de prisão ou de detenção ilegal.
Constitui uma garantia do direito à liberdade com assento na Lei Fundamental
que nos rege, encontrando-se inserido no capítulo I, respeitante aos direitos,
liberdades e garantias pessoais, do título II (direitos, liberdades e garantias), da parte
I (direitos e deveres fundamentais). Dispõe o n.º1 do art.31.º da Constituição, que
“haverá habeas corpus contra o abuso de poder, por virtude de prisão ou detenção
ilegal, a requerer perante o tribunal competente”159.
Os n.ºs 2 e 3 do referido artigo introduzem características essenciais quanto à
legitimidade e ao prazo decisório deste mecanismo. Segundo o n.º2, “a providência
de habeas corpus pode ser requerida pelo próprio ou por qualquer cidadão no gozo
dos seus direitos políticos”160. O n.º3 consagra que “o juiz decidirá no prazo de oito
dias o pedido de habeas corpus em audiência contraditória”.

Sendo o habeas corpus um direito fundamental, consequentemente, está sujeito

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ao regime jurídico do art.18.º, n.º1 da Constituição da República. Diz-nos este artigo
que “os preceitos constitucionais respeitantes aos direitos, liberdades e garantias
são diretamente aplicáveis e vinculam as entidades públicas e privadas”.
No habeus corpus, tal como é constitucionalmente delimitado “está em causa a
tutela da liberdade física ou locomoção e não qualquer outro direito
fundamental”161.
A providência do habeus corpus é, como refere Germano Marques da Silva, “um
direito subjetivo (direito-garantia) reconhecido para tutela de um outro direito
fundamental, dos mais importantes, o direito à liberdade pessoal” 162. Ou seja, a
providência em causa é uma garantia fundamental privilegiada.
Trata-se de um “modo de impugnação de detenções ou de prisões ilegais que
funciona quando por virtude do afastamento de qualquer autoridade da ordem
jurídica os meios legais ordinários deixam de poder garantir eficazmente a
liberdade dos cidadãos”163.
Não é um recurso mas antes “uma providência extraordinária com a natureza de
acção autónoma com fim cautelar, destinada a pôr termo em muito curto espaço de
tempo a uma situação de ilegal privação de liberdade”164.
Por conseguinte, a providência de habeas corpus tem a natureza de remédio
excecional para proteger a liberdade individual, revestindo caráter extraordinário e
urgente «medida expedita», não sendo um recurso. A sua natureza de ação autónoma
com fim cautelar, destina-se a pôr termo num curto espaço de tempo, a uma situação
de ilegal privação da liberdade. Tratando-se de uma providência de caráter
extraordinário, só é possível aplicar-se quando, “por virtude do afastamento da
autoridade da ordem jurídica, o jogo normal dos meios legais ordinários deixa de
poder garantir eficazmente a liberdade dos cidadãos”165.
2.1.1. Habeas corpus em virtude de detenção ilegal

Nos termos do art.220.º, n.º1 do CPP, “os detidos à ordem de qualquer


autoridade podem requerer ao juiz de instrução da área onde se encontrarem que
ordene a sua imediata apresentação judicial, com algum dos seguintes
fundamentos: a) estar excedido o prazo para entrega ao poder judicial; b) manter-
se a detenção fora dos locais permitidos; c) ter sido a detenção efetuada ou
ordenada por entidade incompetente; e d) ser a detenção motivada por facto pelo

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qual a lei não permite”.
O requerimento pode ser subscrito pelo detido ou por qualquer cidadão no gozo
dos seus direitos políticos (art.220.º, n.º2, do CPP).
É punível com pena prevista no art.382.º do Código Penal, “os atos de qualquer
autoridade com a finalidade de levantar ilegítimo obstáculo à apresentação do
requerimento de habeas corpus ou à sua remessa ao juiz competente” (art.220.º,
n.º3, do CPP).
Quanto ao procedimento, o art.221.º, n.ºs 1 e 2, do CPP consagra que “após
receber o requerimento de habeas corpus, o juiz deverá ordenar: 1) a apresentação
imediata do detido, sob pena de desobediência qualificada; 2) a notificação da
entidade que tiver o detido à sua guarda, ou quem puder representá-la, para se
apresentar no mesmo ato munida das informações e esclarecimentos necessários à
decisão sobre o requerimento”.
As referidas comunicações podem ser feitas por via telefónica, no caso de ser
necessário.
Se o juiz considerar que o requerimento é manifestamente infundado, recusa-o e
condenada o requerente ao pagamento de uma soma entre 6 UC e 20 UC (n.º4, do
art.222.º, do CPP).
Antes de proferir a decisão sobre o requerimento, o juiz ouve o Ministério
Público e o defensor constituído ou nomeado para o efeito (art.222.º, n.º3, do CPP).

2.1.1. Habeas Corpus em virtude de prisão ilegal

Nos termos do disposto no art.222.º, n.º1 do CPP 170, “a qualquer pessoa que se
encontrar ilegalmente presa o Supremo Tribunal de Justiça concede, sob petição, a
providência de habeas corpus”.
Em consonância com o art.31.º, n.º2 da Constituição, o n.º2 deste artigo
estabelece que “a petição é formulada pelo preso ou por qualquer cidadão no gozo
dos seus direitos políticos, é dirigida, em duplicado, ao Presidente do Supremo
Tribunal de Justiça, apresentada à autoridade à ordem da qual aquele se mantenha
preso e deve fundar-se em ilegalidade da prisão proveniente de: a) Ter sido
efetuada ou ordenada por entidade competente; b) Ser motivada por facto pelo qual
a lei a não permite; ou c) Manter-se para além dos prazos fixados pela lei ou por
decisão judicial”.

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Sendo a prisão efetiva e atual o pressuposto de facto desta providência e o seu
fundamento jurídico a ilegalidade da prisão ou de internamento ilegal, no âmbito das
medidas de segurança (arts.91.º e ss, do CP), esta providência extraordinária com a
natureza de ação autónoma com fim cautelar171, há-de fundar-se, como decorre do
art.222.º, n.º2, do CPP, em ilegalidade da prisão proveniente de uma das três
hipóteses de causas da ilegalidade da prisão nele previstas.
Quanto ao primeiro pressuposto, consagrado na alínea a) do n.º2 do art.222.º, do
CPP, importa referir que a prisão, quer efetiva, quer preventiva, só pode ser efetuada
ou ordenada pelo juiz.
Como refere Germano Marques da Silva “a prisão ordenada pelo juiz, deve ser
efetuada pelos órgãos de polícia criminal, precedendo mandado”172.
No caso de a prisão ser ordenada por entidade diferente do juiz, ou efetuada por
entidade incompetente ou sem precedência de mandado judicial estamos perante
uma situação de ilegalidade, podendo ser impugnada pela via da providência do
habeas corpus, sem prejuízo do exercício, por parte do lesado, do direito de
resistência, consagrado no art.21.º da Constituição.

um facto apenas punível com pena de multa ou que não é criminalmente punível ou
ainda, por um crime punível com pena de prisão até três anos ou com pena superior,
mas cometido a título negligente. Estes são exemplos em que a prisão é ilegal, uma
vez que foi motivada por facto pelo qual a lei a não permite.
Quanto à última alínea do art.222.º, do CPP173, importa esclarecer que os prazos
fixados pela lei são os prazos máximos da prisão preventiva, previstos nos arts.215.º
e 216.º do CPP; os prazos fixados por decisão judicial são os relativos à duração da
pena de prisão aplicada através de sentença condenatória.
Tal significa que a manutenção da prisão para além dos prazos referidos é
ilegal174, assim como a situação de manutenção da prisão, cuja execução, por força
da extinção da responsabilidade criminal, devia ter cessado e não cessou.
Para além da ilegalidade da prisão, também temos como fundamento jurídico
para aplicação da providência do habeas corpus, o internamento ilegal no âmbito das
medidas de segurança (arts.91.ºss do Código Penal). Esta aplicação analógica
justiça-se na medida em que ambas se tratam de situações de privação da liberdade.
Dispõe o art.222.º, n.º2, do CPP, que tem legitimidade para requerer a
providência do habeas corpus, em virtude de prisão ilegal, o preso ou qualquer

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cidadão no gozo dos seus direitos políticos175.
Quanto ao procedimento desta providência, o n.º1 do art.223.º do CPP,
consagra que “a petição é enviada imediatamente ao Presidente do Supremo
Tribunal de Justiça, com informação sobre as condições em que foi efetuada ou se
mantém a prisão”.

Esta petição, formulada em duplicado (pelo preso ou por qualquer cidadão no


gozo dos seus direitos políticos), apesar de ser dirigida ao Presidente do Supremo
Tribunal de Justiça, deve no entanto, ser apresentada à autoridade à ordem da qual o
preso se mantém e deve indicar o fundamento(s) da ilegalidade da prisão (art.222.º,
n.º2, do CPP).
4. Indemnização por privação da liberdade ilegal ou injustificada
Apesar do direito à liberdade e à segurança, ser um direito constitucionalmente
consagrado, previsto no art.27.º, n.º1, não se trata de um direito absoluto, admitindo
exceções nos n.ºs 2 e 3, als. a) a h) do mesmo artigo.
Para os casos em que alguém é ilegalmente privado da sua liberdade, prevê-se
um dever de indemnização que impende sobre o Estado (cfr. o art.27.º da CRP e o
art.5.º, n.º5, da CEDH.
Para dar cumprimento ao art.27.º, n.º5, da CRP, o legislador consagrou nos
art.225.º, n.ºs 1 e 2, do CPP que quem tiver sofrido detenção (cfr. arts.254.º e ss.),
prisão preventiva ou obrigação de permanência na habitação pode requerer, perante
o tribunal competente, indemnização pelos danos sofridos.
Para tal, é necessário que se verifique uma das circunstâncias previstas nas
alíneas do n.º1 do art.225.º: a) “A privação da liberdade for ilegal, nos termos do
n.º1, do art.220.º ou do n.º2, do art.222.º (v.g., promoção dolosa de um juiz; prisão
preventiva por crime inferior a 3 anos; prisão preventiva para além dos prazos de
duração máxima, cfr. os arts.202.º. n.º1, als. a) e b) e 215.º) ”176; b) A privação da
liberdade se tiver devido a erro grosseiro 177 na apreciação dos pressupostos de fato
de que dependia; ou c) Se comprovar que o arguido não foi agente do crime ou atuou
justificadamente.

Nos casos das alíneas b) e c), o dever de indemnizar cessa se o arguido tiver
concorrido, por dolo ou negligência, para a privação da sua liberdade (cfr. art.225.º,
n.º2, do CPP).

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Conclusão

Após a exposição do tema da prisão preventiva, mais precisamente, de que forma


os direitos fundamentais do cidadão podem ser limitados com a aplicação desta
medida, importa agora apresentar algumas conclusões que podemos retirar desta
mesma exposição:
- O tema que nos propus analisar tem como ponto fulcral a privação de
determinados direitos fundamentais, nomeadamente, o direito à liberdade. Enquanto
direito fundamental, este direito assenta na defesa dos cidadãos e da sua dignidade
perante os poderes do Estado, estando assim largamente influenciado por um
conjunto de princípios constitucionais que o fundamentam e suportam.
- Num Estado de Direito Democrático, baseado na dignidade da pessoa humana,
- O direito à liberdade não é um direito absoluto, por isso comporta restrições.
Ou seja, embora a lei confira a todos os indivíduos o referido direito, também
estabelece restrições ao mesmo, nomeadamente, nos casos em que se verifique a
necessidade de salvaguardar outros interesses igualmente estabelecidos na lei
constitucional. Quando seja praticado um facto lesivo de alguns bens jurídico
protegidos pela lei penal, quando o acto seja punível com pena de prisão, ou nos
casos em que se imponha a aplicação de uma medida de segurança privativa da
liberdade.

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Referências bibliográficas

- BARRETO, Ireneu Cabral – A Convenção Europeia dos Direitos do Homem


Anotada, 4.ª Edição. Coimbra: Coimbra Editora, 2010.
- GOUVEIA, Jorge Bacelar – Manual de Direito Constitucional, Volume II. 5.ª
Edição. Coimbra: Almedina, 2013;
- BELEZA, Tereza Pizarro – Apontamentos de Direito Processual Penal, Volume
II. Lisboa: AAFDL, 1993.
- CANOTILHO, José Joaquim Gomes – Direito Constitucional e Teoria da
Constituição. 7.ª Edição, Coimbra: Almedina, 1997.
- CANOTILHO, J.J./MOREIRA, Vital – Constituição da República . 8.ª Edição.
Coimbra: Coimbra Editora, 2009.
- CARVALHO, Paula Marques – As Medidas de Coação e de Garantia
Patrimonial, Uma análise prática à luz do regime introduzido pela Lei nº48/2007,
de 29 de agosto. 2.ª Edição. Coimbra: Almedina.

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