Os Desafios Dos Tribunais Comunitarios N
Os Desafios Dos Tribunais Comunitarios N
Os Desafios Dos Tribunais Comunitarios N
JUSTIÇA EM MOÇAMBIQUE.
Por: António Alfazema.
Enquadramento Jurídico-Legal dos Tribunais Comunitários
Em Moçambique coexistem vários sistemas normativos de resolução de conflitos desde que
não violem os princípios fundamentais da Constituição (art.4 da CRM). O Estado reconhece e
valoriza outras formas de resolução de conflitos quer sejam formais ou informais.
Nesta conformidade, funcionam no País dois principais sistemas de justiça, o formal e o
informal.
Siglas e abreviaturas
BR – Boletim da República
CRM – Constituição da República de Moçambique
FRELIMO – Frente de Libertação de Moçambique
GDs – Grupos Dinamizadores
TCs – Tribunais Comunitários
TPs – Tribunais Populares
TJs – Tribunais Judiciais
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Origem e Evolução dos Tribunais Comunitários
A independência do país proclamada em 1975, trouxe mudanças no sector de justiça, onde o
governo orientado por uma ideologia socialista desenhou um projecto socialista
moçambicano que se concretizava pela destruição de todos os vestígios coloniais e pela
construção de uma nova sociedade livre de qualquer forma de dominação colonial. Nesta
sequência, a FRELIMO, “procurou por fim á justiça dualista e as autoridades tradicionais,
vistas como aliadas do poder colonial, e criar um sistema de justiça que se pretendia
indígena, mas não tribal”.
Os Tribunais Comunitários são os que mais estão estabelecidos em Moçambique, e tem
origem nos antigos tribunais populares que, no inicio da década de 1990, foram
reconstituídos ao nível local como Tribunais Comunitários.
Logo após o III Congresso da FRELIMO em 1977, e a criação dos tribunais populares em
1978, as suas tarefas tenham sido reestruturadas e lhes tenha sido retirado o papel de
resolução de conflitos, desempenhando as funções «promover as relações de boa vizinhança
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entre os moradores, e procurar a solução de pequenos conflitos, desde que estes não sejam da
competência do tribunal popular local1.
A Lei Orgânica dos TJs aprovada em 1992 extinguia os TPs de base; isto é de localidade ou
de bairro e estes foram substituídos pelos TCs criados pela lei 4/92 de 6 de Maio. Porém a lei
que criou os TCs não foi até hoje regulamentada, o que leva reflectir que estes tribunais
assumiram a herança dos TPs, ora extintos.
Os TCs, assumiram a herança dos TPs que foram oficialmente declarados extintos, e não são
nem completamente oficiais e nem completamente não oficias, os TCs são um híbrido
jurídico. Estes tribunais assumiram o legado humano e institucional dos TPs, mas não o
legado organizacional formal, pois ao contrário destes, nem estão integrados na organização
judiciária, nem são apoiados técnica e materialmente pelos tribunais distritais e funcionam
com carências humanas e infra-estruturas.
Os tribunais comunitários constituem hoje, na configuração que lhes é dada pela Lei nº 4/92,
de 6 de Maio, uma instância “oficial” (no sentido de ter sido criados por diploma normativo
estatal) de resolução de conflitos, dado que eles representam, até certo ponto, uma
continuidade dos “tribunais populares de base” previstos na anterior organização Judiciária.
Sendo um dos mais importantes mecanismos de composição extra-legal dos conflitos, tanto
pelo seu percurso e papel históricos, como pela função social que exercem, os tribunais
comunitários são as estruturas que, preferencialmente assumem a função de articulação entre
as justiças comunitárias e a justiça judicial. Justifica-se, por isso, que nos ocupemos aqui em
1
Resolução sobre a organização dos grupos dinamizadores e Bairros comunais 1979.
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caracterizá-los, ainda que de forma sumária, procurando contextualizar a sua inserção nos
sistemas de justiça moçambicano.
Na época Colonial o acesso á justiça era selectivo, ou seja nem todos os Moçambicanos
tinham acesso a mesma, excluindo a maior parte da população Moçambicana desse direito.
O predomínio quase exclusivo de uma justiça profissionalizada, baseada na escrita e numa
linguagem estritamente técnica, favoreceu essa apropriação dos mecanismos de acesso ao
Poder Judicial por parte de uma elite que tinha ao seu serviço toda uma estrutura burocrática
de apoio, (Relatório da FAO – 2002 - Papel dos Tribunais Comunitários na prevenção e
resolução de Conflitos Comunitários de terras e outros).
Foi neste contexto que, após um amplo debate nacional, que se aprovou a primeira Lei da
Organização Judiciária do pós independência, a qual veio instituir um sistema de tribunais
populares, desde a unidade administrativa mais baixa (a localidade) até à mais alta (com
jurisdição em todo o território nacional).
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Ver artigo 38, nº 2, da Lei nº 12/78.
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Contribuindo para o avanço da revolução, os tribunais populares eram considerados “como uma arma
permanente apontada ao inimigo da classe, aos reaccionários e aos traidores, aos sabotadores da economia e
aos exploradores sem escrúpulos, aos criminosos e bandidos marginais em todo o país”. Os Tribunais
Populares eram, assim, o instrumento que permitia ao Povo “resolver os problemas e dificuldades que surgem
na vida da comunidade, da Localidade, na Aldeia Comunal e no Bairro Comunal”. Os tribunais populares eram
ainda considerados o garante da consolidação e Unidade do Povo moçambicano “a grande forja onde o Povo
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Foram vários os mecanismos processuais introduzidos com o propósito de assegurar e tornar
cada vez mais ampla a participação popular na administração da justiça, dentre eles destaca-
se os seguintes:
• A colegialidade de todos os tribunais;
• A participação de juízes leigos nos tribunais populares distritais e de escalão superior, a par
dos juízes profissionais e em plena igualdade com eles, decidindo tanto sobre a matéria de
facto, como sobre a de direito;
A composição dos tribunais populares de base, nos quais intervinham em exclusivo juízes
não profissionais, eleitos directamente pela comunidade;
• A interacção entre os tribunais e a comunidade, através da realização de julgamentos, em
assuntos de natureza criminal ou social, nos locais onde ocorreram os factos controvertidos;
A possibilidade das partes poderem praticar por si todos os actos processuais que lhes
dissessem respeito, sem exigência de constituição de mandatário judicial4
Estas características mostram, em suma, um esforço para o exercício da justiça de
forma integrada no respectivo contexto sociocultural, permitindo uma maior
proximidade entre os tribunais e os cidadãos e, consequentemente, ampliando as
possibilidades de acesso à justiça.
Os antigos tribunais populares de localidade e de bairro, estando fora do sistema
judicial, passaram a ser regulados por lei própria, a já referida Lei n.º 4/92, de 6 de
Maio (Lei dos tribunais comunitários). Todavia, conservaram algumas das
características do sistema anterior, como sejam o facto de serem integrados
exclusivamente por juízes leigos (eleitos), de dirimirem “pequenos conflitos de
natureza civil”, “questões emergentes de relações familiares que resultem de uniões
constituídas segundo os usos e costumes” ou conhecerem dos “delitos de pequena
gravidade, que não sejam passíveis de penas privativa de liberdade”, bem como o
dever de tentarem sempre a reconciliação das partes ou, quando esta não seja possível,
decidirem de acordo com a “equidade, o bom senso e com a justiça”.
cria o direito novo que cada vez mais rechaça o direito velho da sociedade da sociedade colonial capitalista e
feudal” (Preâmbulo da Lei nº12/78).
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Veja-se o artigo 3 do Decreto-Lei nº 4/75, de 16 de Agosto.
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A lei prevê a existência de Tribunais Comunitários ao nível local, em bairros e vilas, com
jurisdição para lidar com conflitos civis e criminais menores, a lei permite que os tribunais
comunitários imponham multas até dez mil mt, e sentenciem no máximo de 30 dias de prisão
e os casos sujeitos a penas mais gravosas deverão ser passadas para os tribunais judiciais,
(Lei nº 4/92 de 6 de Maio).
Os Tribunais Comunitários foram criados pela Lei nº 4/92 de 6 de Maio, que se seguiu à
reforma da organização judiciária, concretizada pela Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais, de
1992 (Lei nº 10/92 de 6 de Maio), emanada no âmbito da Constituição de 1990 que
introduziu o multipartidarismo e reconheceu sem reservas os direitos políticos, estabelecendo
o princípio da estrita legalidade.
Segundo Trindade & Pedroso (2003: 264), a nova Constituição veio “reforçar o monopólio
estatal da produção e aplicação do direito e, consequentemente, da profissionalização da
função judicial”, sendo que toda a legislação subsequente na área da administração da justiça
vem no sentido de minimizar “a participação dos cidadãos e das comunidades em todo o
processo de administração da justiça”, tendo sido extintos os tribunais populares de base do
sistema judiciário.
Todavia, a lei que cria os tribunais comunitários, na sua introdução, reconhece que: “As
experiências recolhidas por uma justiça de tipo comunitário no país apontam para a
necessidade da sua valorização e aprofundamento, tendo em conta a diversidade étnica e
cultural da sociedade moçambicana”. É neste sentido que eles são vistos como:
Prevê-se que estes órgãos funcionem nas sedes de posto administrativo ou de localidade, nos
bairros ou nas aldeias e que se pautem pela reconciliação das partes em conflito e, não sendo
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isso possível, “o tribunal comunitário julgará de acordo com a equidade, o bom senso e com a
justiça”. Não podem aplicar penas que impliquem privação de liberdade, (Relatório da FAO
3003 – O papel dos Tribunais Comunitários na prevenção e resolução de Conflitos
Comunitários de terras e outros).
Um aspecto relevante é que, por lei, as decisões destes tribunais só são vinculativas se ambas
as partes as aceitarem, havendo sempre a possibilidade de recorrer às instâncias judiciais para
resolver um diferendo. Dito por outras palavras, as decisões do tribunal comunitário serão
legítimas, enquanto lhes for reconhecida legitimidade pelas partes em conflito, eles têm por
finalidade “restaurar a relação entre as partes e a comunidade”, sendo que as soluções e
punições são baseadas na restituição, na compensação e no desagravo da parte ofendida ou
em serviços na comunidade, ( Bidaguren & Estrella, 2002:20).
No entanto, uma vez que nunca foi elaborado o respectivo regulamento, pouco ou nada se
fez, sendo que se eles, em princípio, pertencem à organização judiciária, têm sido deixados de
lado, sem acompanhamento, apoio ou formação. Nestas condições, na prática, muitos deles
funcionam como uma extensão dos Tribunais Populares. Os tribunais comunitários são
híbrido jurídicos na medida em que não são nem inteiramente oficiais nem não oficiais.
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No sistema de Administração da Justiça, os tribunais comunitários, articulam-se com os
seguintes órgãos:
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CONCLUSÃO
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Araújo, Sara e José, André (2007), Pluralismo juridico, legitimidade e acesso a justica.
Instancias comunitarias de resolucao de conflitos no Bairro de Inhagoia ≪B≫ ― Maputo,
Oficina do CES, 284, Coimbra:CES.
Arthur, Maria José; MEJIA, Margarita. 2006,no 17.Instâncias locais de resolução de conflitos
e o reforço dos papéis de género. A resolução de casos de violência doméstica. Outras Vozes.
Berruecos, Luis. 2009. “H. Max Gluckman, las teorias antropológicas sobre le conflicto y la
escuela de Manchester” in Red de Revistas Científicas de América Latina 24 (53): 97-113
FAO, ( 2002). Relatório do papel dos Tribunais Comunitários na prevenção e resolução de
Conflitos Comunitários de terras e outros. Maputo.
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José André e Araújo, Sara. 2007. “ Pluralismo Jurídico, Legitimidade e Acesso Á Justiça.
Instancias Comunitárias de Resolução de Conflitos no Bairro de Inhagoia “B” in Oficina do
CES. 284:1-20
Negrão, José. et al. 2002. O papel dos tribunais comunitários na prevenção e resolução de
conflitos de Terra e Outros. Acedido em 14 de Janeiro de 2013. Disponível em http://
www.iid.org.mz/ tribunais comunitários. Pdf.
Ngoenha, Severino, 1997. Programa de Reforma dos Orgãos Locais (PROL): Para uma
reconciliação entre a política e a (s) Cultura (s). Maputo. Ministério da Administração
Estatal (MAE).
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