Aula 16 - Rousseau
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PERFIL
LIVRO I
Indagar-me-ão se sou príncipe ou legislador para escrever sobre política. Res pondo que
não e que é por isso mesmo que escrevo sobre a política. Se eu fosse príncipe ou
legislador, não perderia meu tempo dizendo o que se deve fazer, eu o faria, ou me
calaria.
O homem nasceu livre e se encontra a ferros por toda parte, aquele se crê senhor
dos outros, e não deixa de ser mais escravo do que eles. Como essa mudança ocorreu?
Eu ignoro. O que pode torná-la legítima? Eu creio poder resolver esta questão. Mas a
ordem social é um direito sagrado que serve de base a todos os outros. No entanto, esse
direito não vem da natureza; ele é, portanto, fundado sobre convenções. Trata-se de
saber quais são essas convenções.
O mais forte não é nunca forte o suficiente para ser sempre o senhor, se não
transforma sua força em direito, e a obediência em dever. Daí o direto do mais forte,
direito tomado ironicamente na aparência e realmente estabelecido em princípio. Mas
nunca teremos uma explicação dessa palavra? A força é um poder físico; não vejo que
moralidade pode resultar de seus efeitos. Ceder à força é um ato de necessidade, não
de vontade, é no máximo um ato de prudência.
Em que sentido poderá ser um dever? Obedecei às potências. Se isso quer dizer:
cedei à força, o preceito é bom, mas supérfluo; digo que ele nunca será violado. Toda
potência vem de Deus, eu reconheço, mas toda doença também: isto quer dizer que não
se deve chamar o médico? Quando um bandido me surpreende num canto da floresta,
não somente é preciso por força entregar-lhe a bolsa, mas quando pudesse retomá-la
estaria eu, em consciência, obrigado a entregá-la? Pois, enfim, a pistola que carrega
também é uma potência. Convenhamos, portanto, que a força não constitui direito e
que não se é obrigado a obedecer a não ser às potências legítimas. Assim, minha questão
primitiva se mantém.
Capítulo 4 - Da escravidão
Já que nem um homem tem uma autoridade natural sobre seu semelhante e já
que a força não produz direito, restam, portanto, as convenções como base de toda
autoridade legítima entre os homens. Renunciar à sua liberdade é renunciar à sua
qualidade de homem, aos direitos da humanidade e mesmo aos seus deveres. Não há
recompensa possível para quem renuncia a tudo. Tal renúncia é incompatível com a
natureza do homem; e excluir toda a liberdade de sua vontade é excluir toda a
moralidade de seus atos. Enfim, é uma convenção vã e contraditória estipular de uma
parte uma autoridade absoluta e de outra uma obediência sem limites.
Essa soma de forças só pode nascer do concurso de muitos; mas, sendo a força
e a liberdade de cada homem os primeiros instrumentos de sua conservação, como as
empregará sem se prejudicar, sem negligenciar os cuidados que se deve? Encontrar uma
forma de associação que defenda e proteja com toda a força comum a pessoa e os bens
de cada associado, e pela qual, cada um, unindo-se a todos, obedeça, portanto, apenas
a si mesmo, e permaneça tão livre como anteriormente. Tal é o problema fundamental
cuja solução é dada pelo contrato social. As cláusulas deste contrato são de tal modo
determinadas pela natureza do ato, que a menor modificação as tornaria vãs e de
nenhum efeito; de sorte que, embora jamais tenham sido formalmente enunciadas, são
as mesmas em toda parte, em toda a parte tacitamente admitidas e reconhecidas, até
que, o pacto social sendo violado, cada qual reentra em seus primeiros direitos e retoma
a liberdade natural, perdendo a liberdade convencional pela qual enunciou a outra.
Todas essas cláusulas, bem compreendidas, se reduzem a uma única, a saber, a
alienação total de cada associado com todos os seus direitos a toda a comunidade: pois,
primeiramente, cada qual se entregando por completo e sendo a condição igual para
todos, a ninguém interessa torná-la onerosa para os outros. Além disso, realizando-se a
alienação sem reserva, a união é tão perfeita quanto o pode ser e nenhum associado
tem mais nada a reclamar: pois, se aos particulares restassem alguns direitos, como não
haveria nenhum superior comum que pudesse decidir entre eles e o público, cada qual,
sendo até certo ponto o seu próprio juiz, pretenderia em breve sê-lo em tudo; o estado
natural subsistiria e a associação se tornaria necessariamente tirânica ou inútil. Enfim,
cada qual, dando-se a todos, não se dá a ninguém e, como não existe um associado
sobre quem não se adquira o mesmo direito que lhe foi cedido, ganha-se o equivalente
de tudo o que se perde e maior força para conservar o que se tem.
Capítulo 7 – Do soberano
Ora, o soberano sendo formado apenas por particulares que o compõem, não há
nem pode haver interesse contrário ao seu; por conseguinte, não necessita a autoridade
soberana de garantia em relação aos súditos, por ser impossível que o corpo queira
prejudicar todos os membros e não lhe é possível que ele prejudique nenhum em
particular. O soberano, somente pelo que é, é sempre tudo o que deve ser. Mas o
mesmo não acontece com os súditos em relação ao soberano, ao qual, apesar do
interesse comum, não responderia por suas obrigações, se ele não encontrasse os meios
de assegurar sua fidelidade. Com efeito, cada indivíduo pode, como homem, ter uma
vontade particular contrária ou distinta da vontade geral que possui como cidadão; seu
interesse particular pode falar-lhe de maneira totalmente diversa da que lhe fala o
interesse comum; e olhando a pessoa moral que constitui o Estado como um ser de
razão, pois não se trata de um homem, ele desfrutará dos direitos do cidadão, sem
querer cumprir os deveres de súdito: injustiça cujo progresso causaria a ruína do corpo
político.