Aula 16 - Rousseau

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JEAN-JACQUES ROUSSEAU (1712 – 1778)

PERFIL

Jean-Jacques Rousseau (Genebra, 28 de junho de 1712 — Ermenonville, 2 de


julho de 1778), foi um importante filósofo, teórico político, escritor e compositor
autodidata genebrino. É considerado um dos principais filósofos do iluminismo e um
precursor do romantismo. A sua filosofia política influenciou o Iluminismo por toda a
Europa, assim como também aspectos da Revolução Francesa e o desenvolvimento
moderno da economia, da política e do pensamento educacional.

PRINCIPAL OBRA – O ESSENCIAL

Excertos da obra Do Contrato social (1762) (Coleção Os Pensadores da editora


Nova Cultural; trad. de Lourdes Santos Machado com introdução e notas de Paul
Arbousse-Bastide e Lourival Gomes Machado).

LIVRO I

Indagar-me-ão se sou príncipe ou legislador para escrever sobre política. Res pondo que
não e que é por isso mesmo que escrevo sobre a política. Se eu fosse príncipe ou
legislador, não perderia meu tempo dizendo o que se deve fazer, eu o faria, ou me
calaria.

Capítulo 1 – Objeto deste primeiro livro

O homem nasceu livre e se encontra a ferros por toda parte, aquele se crê senhor
dos outros, e não deixa de ser mais escravo do que eles. Como essa mudança ocorreu?
Eu ignoro. O que pode torná-la legítima? Eu creio poder resolver esta questão. Mas a
ordem social é um direito sagrado que serve de base a todos os outros. No entanto, esse
direito não vem da natureza; ele é, portanto, fundado sobre convenções. Trata-se de
saber quais são essas convenções.

Capítulo 3 – Do direito do mais forte

O mais forte não é nunca forte o suficiente para ser sempre o senhor, se não
transforma sua força em direito, e a obediência em dever. Daí o direto do mais forte,
direito tomado ironicamente na aparência e realmente estabelecido em princípio. Mas
nunca teremos uma explicação dessa palavra? A força é um poder físico; não vejo que
moralidade pode resultar de seus efeitos. Ceder à força é um ato de necessidade, não
de vontade, é no máximo um ato de prudência.

Em que sentido poderá ser um dever? Obedecei às potências. Se isso quer dizer:
cedei à força, o preceito é bom, mas supérfluo; digo que ele nunca será violado. Toda
potência vem de Deus, eu reconheço, mas toda doença também: isto quer dizer que não
se deve chamar o médico? Quando um bandido me surpreende num canto da floresta,
não somente é preciso por força entregar-lhe a bolsa, mas quando pudesse retomá-la
estaria eu, em consciência, obrigado a entregá-la? Pois, enfim, a pistola que carrega
também é uma potência. Convenhamos, portanto, que a força não constitui direito e
que não se é obrigado a obedecer a não ser às potências legítimas. Assim, minha questão
primitiva se mantém.

Capítulo 4 - Da escravidão
Já que nem um homem tem uma autoridade natural sobre seu semelhante e já
que a força não produz direito, restam, portanto, as convenções como base de toda
autoridade legítima entre os homens. Renunciar à sua liberdade é renunciar à sua
qualidade de homem, aos direitos da humanidade e mesmo aos seus deveres. Não há
recompensa possível para quem renuncia a tudo. Tal renúncia é incompatível com a
natureza do homem; e excluir toda a liberdade de sua vontade é excluir toda a
moralidade de seus atos. Enfim, é uma convenção vã e contraditória estipular de uma
parte uma autoridade absoluta e de outra uma obediência sem limites.

Capítulo 6 - Do pacto social

Suponho os homens chegados ao ponto em que os obstáculos prejudiciais à sua


conservação no estado natural os arrastam, por sua resistência, sobre as forças que cada
indivíduo pode empregar para se manter em tal estado. Então esse estado primitivo não
pode mais subsistir e o gênero humano pereceria se não mudasse sua maneira de ser.
Ora, como é impossível aos homens engendrar novas forças, mas apenas unir e dirigir
as existentes, não lhes resta outro meio para se conservarem senão formar, por
agregação, uma soma de forças que possa vencer a resistência, pô-los em movimento
por um único móbil e fazê-los agir em concerto.

Essa soma de forças só pode nascer do concurso de muitos; mas, sendo a força
e a liberdade de cada homem os primeiros instrumentos de sua conservação, como as
empregará sem se prejudicar, sem negligenciar os cuidados que se deve? Encontrar uma
forma de associação que defenda e proteja com toda a força comum a pessoa e os bens
de cada associado, e pela qual, cada um, unindo-se a todos, obedeça, portanto, apenas
a si mesmo, e permaneça tão livre como anteriormente. Tal é o problema fundamental
cuja solução é dada pelo contrato social. As cláusulas deste contrato são de tal modo
determinadas pela natureza do ato, que a menor modificação as tornaria vãs e de
nenhum efeito; de sorte que, embora jamais tenham sido formalmente enunciadas, são
as mesmas em toda parte, em toda a parte tacitamente admitidas e reconhecidas, até
que, o pacto social sendo violado, cada qual reentra em seus primeiros direitos e retoma
a liberdade natural, perdendo a liberdade convencional pela qual enunciou a outra.
Todas essas cláusulas, bem compreendidas, se reduzem a uma única, a saber, a
alienação total de cada associado com todos os seus direitos a toda a comunidade: pois,
primeiramente, cada qual se entregando por completo e sendo a condição igual para
todos, a ninguém interessa torná-la onerosa para os outros. Além disso, realizando-se a
alienação sem reserva, a união é tão perfeita quanto o pode ser e nenhum associado
tem mais nada a reclamar: pois, se aos particulares restassem alguns direitos, como não
haveria nenhum superior comum que pudesse decidir entre eles e o público, cada qual,
sendo até certo ponto o seu próprio juiz, pretenderia em breve sê-lo em tudo; o estado
natural subsistiria e a associação se tornaria necessariamente tirânica ou inútil. Enfim,
cada qual, dando-se a todos, não se dá a ninguém e, como não existe um associado
sobre quem não se adquira o mesmo direito que lhe foi cedido, ganha-se o equivalente
de tudo o que se perde e maior força para conservar o que se tem.

Portanto, se afastarmos do pacto social o que não é de sua essência,


descobriremos que ele se reduz aos seguintes termos: “Cada um de nós põe em comum
sua pessoa e toda a sua potência sob a suprema direção da vontade geral e recebemos
em conjunto cada membro como parte indivisível do todo.” Imediatamente, ao invés da
pessoa particular de cada contratante, esse ato de associação produz um corpo moral e
coletivo, composto de tantos membros quanto são as vozes da assembleia, o qual
recebe desse mesmo ato sua unidade, seu eu comum, sua vida e sua vontade. Esta
pessoa pública, formada assim pela união de todas as outras, tinha outrora o nome de
cidade e tem hoje o de república ou corpo político, o qual é chamado por seus membros:
Estado quando passivo; soberano quando ativo; potência quando comparado a seus
semelhantes. No que concerne aos associados, adquirem coletivamente o nome de
povo e se chamam particularmente cidadãos, como participantes da autoridade
soberana, e súditos enquanto submetidos às leis do Estado. Mas esses termos
frequentemente se confundem e são tomados um pelo outro.

Capítulo 7 – Do soberano

Vê-se, por esta fórmula, que o ato de associação encerra um compromisso


recíproco do público com os particulares e que cada indivíduo, contratando por assim
dizer consigo mesmo, se acha comprometido sob uma dupla relação, a saber: como
membro do soberano em relação os particulares e como membro do Estado em relação
ao soberano. Tão logo se encontre a multidão reunida num corpo, não se pode ofender
um dos membros sem atacar o corpo, menos ainda ofender o corpo sem que os
membros disso se ressintam. Assim, o dever e o interesse obrigam igualmente as duas
partes contratantes a se auxiliarem mutuamente, e os próprios homens devem procurar
reunir, sob essa dupla relação, todas as vantagens que dela dependem.

Ora, o soberano sendo formado apenas por particulares que o compõem, não há
nem pode haver interesse contrário ao seu; por conseguinte, não necessita a autoridade
soberana de garantia em relação aos súditos, por ser impossível que o corpo queira
prejudicar todos os membros e não lhe é possível que ele prejudique nenhum em
particular. O soberano, somente pelo que é, é sempre tudo o que deve ser. Mas o
mesmo não acontece com os súditos em relação ao soberano, ao qual, apesar do
interesse comum, não responderia por suas obrigações, se ele não encontrasse os meios
de assegurar sua fidelidade. Com efeito, cada indivíduo pode, como homem, ter uma
vontade particular contrária ou distinta da vontade geral que possui como cidadão; seu
interesse particular pode falar-lhe de maneira totalmente diversa da que lhe fala o
interesse comum; e olhando a pessoa moral que constitui o Estado como um ser de
razão, pois não se trata de um homem, ele desfrutará dos direitos do cidadão, sem
querer cumprir os deveres de súdito: injustiça cujo progresso causaria a ruína do corpo
político.

A fim de não constituir, então, um formulário inútil, o pacto social contém


tacitamente este compromisso, o único que poderá dar forças aos outros, que aquele
que se recusar a obedecer à vontade geral, a isto será constrangido por todo o corpo; o
que significa apenas que será forçado a ser livre, pois tal é a condição que, oferecendo
cada cidadão à pátria, protege-o de toda dependência pessoal, condição que faz o
artifício e o jogo da máquina política e que sozinha torna legítimas as obrigações civis,
as quais, sem isso, seriam absurdas, tirânicas e sujeitas aos maiores abusos.

Capítulo 8 - Do estado civil


A passagem do estado natural ao estado civil produz no homem uma mudança
notável, substituindo em sua conduta o instinto pela justiça e conferindo às suas ações
a moralidade que anteriormente lhes faltava. É somente então que a voz do dever
sucedendo ao impulso físico e o direito ao apetite, o homem, que até esse momento só
tinha olhado para si mesmo, se visse forçado a agir por outros princípios e consultar a
razão antes de ouvir seus pendores. Apesar de se privar, nesse estado, de diversas
vantagens recebidas da natureza, ganha outras tão grandes, suas faculdades se
exercitam e se desenvolvem, suas ideias se ampliam, seus sentimentos se enobrecem,
sua alma como um todo se eleva a tal ponto que, se os abusos dessa nova condição não
o degradassem com frequência a uma condição inferior àquela de que saiu, deveria
abençoar incessantemente o ditoso momento em que foi dali tirado para sempre e que
transformou um animal estúpido e limitado em um ser inteligente e num homem.

Reduzamos todo este balanço a termos fáceis de comparar; o que o homem


perde pelo contrato social é a liberdade natural e um direito ilimitado a tudo que o tenta
e pode alcançar; o que ganha é a liberdade civil e a propriedade de tudo o que possui.
Para não se enganar nessas compensações é necessário distinguir a liberdade natural,
limitada apenas pelas forças do indivíduo, da liberdade civil, que é limitada pela vontade
geral, e a posse, que não é senão o efeito da força ou do direito do primeiro ocupante,
da propriedade, que só pode ser fundada num título positivo. Poder-se-ia, sobre o que
precede, acrescentar à aquisição do estado civil a liberdade moral, a única que torna o
homem verdadeiramente senhor de si mesmo, pois o impulso do apetite é escravidão,
e a obediência à lei que se prescreve a si mesmo é liberdade.

Concluindo, no estado de natureza influi o mito quinhentista do bom selvagem,


o homem que é originariamente íntegro, biologicamente sadio e moralmente reto; mau
e injusto apenas depois, por um desiquilíbrio de ordem social; é um estado aquém do
bem e do mal: a natureza humana, deixada a seu livre desenvolvimento, leva ao triunfo
dos instintos, dos sentimentos e da autoconservação e não da reflexão, da razão e da
aniquilação. “Vagando pela floresta, sem trabalho, sem palavra, sem domicílio, sem
guerra e sem laços, o selvagem nada mais tinha que os sentimentos e os conhecimentos
próprios daquele estado, só experimentava as necessidades verdadeiras. Se, por acaso,
fazia alguma descoberta, nem podia transmiti-la, visto que sequer reconhecia seus
filhos.

Não havia educação nem progresso”. O contrato é um pacto alternativo que,


diferentemente do acordo firmado para assegurar a propriedade, terá por finalidade
“tomar os homens tais como eles são e as leis tais como podem ser”. “O homem nasceu
livre e, todavia, em todo lugar encontra-se em cadeias”. O objetivo do novo contrato
social delineado por Rousseau é o de libertar o homem das cadeias e restituí-lo à
liberdade. O princípio que legitima o poder e garante a transformação social é a vontade
geral, amante do bem comum, que é fruto de um pacto de união que, instituído entre
iguais, dá lugar a um corpo moral e coletivo: a vontade geral não é, portanto, a soma
das vontades de todos os componentes, mas uma realidade que brota da renúncia de
cada um aos próprios interesses em favor da coletividade.

Essa é, portanto, uma socialização radical do homem, de sua total coletivização,


voltada a impedir a emergência e afirmação de interesses privados: a vontade geral,
encarnada no e pelo Estado, é tudo. “O vínculo social decorrer daquilo que há de comum
nesses interesses diferentes; se não houvesse algum ponto no qual concordam todos os
interesses, a sociedade não poderia existir. Ora, é unicamente a base desse interesse
comum que a sociedade deve ser governada. Estamos diante de uma socialização radical
do homem, de sua total coletivização. Ninguém deve obedecer ao outro e sim a lei,
sagrada para todos porque fruto e expressão da vontade geral”. O único caminho para
remediar a decadência humana e a relativa falta de liberdade é a estipulação de um
novo contrato social, em vista de um renovado estado civil: “cada um de nós põe em
comum sua pessoa e todo seu poder sob a direção suprema da vontade geral. Trata-se
de uma alienação total de cada associado com todos os seus direitos por meio da qual
se produz imediatamente um corpo moral e coletivo unitário, cujos associados tomam
coletivamente o nome de povo e singularmente se chamam cidadãos, enquanto
participantes da autoridade soberana e súditos enquanto submissos às leis do Estado”.

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