HC 2938-20 Ofício e Acórdão - ANPP

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REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL

PODER JUDICIÁRIO

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Tipo de documento: Oficio


Código de rastreabilidade: 926202047399
Nome original: HC 2938-20 Ofício e Acórdão.pdf
Data: 29/10/2020 16:22:27
Remetente:
Sheila Cardone
Diretoria Judiciária (Sec/DJ)
TJMSP
Prioridade: Normal.
Motivo de envio: Para conhecimento.
Assunto: Encaminho Ofício nº 1015 20 e cópia de acórdão (Habeas Corpus 2938 20) em que fi
guram como pacientes Nikolai S. Pereira SD PM RE 148153-3 e Tulio B. O Santos SD
PM RE 152857-2.
Tribunal de Justiça Militar do Estado de São Paulo
PJe - Processo Judicial Eletrônico

29/10/2020

Número: 0900218-24.2020.9.26.0000
Classe: HABEAS CORPUS CRIMINAL
Órgão julgador colegiado: 2ª Câmara
Órgão julgador: Silvio Hiroshi Oyama
Última distribuição : 15/09/2020
Valor da causa: R$ 1.000,00
Assuntos: Suspensão, Habeas Corpus - Cabimento, Descumprimento de missão
Objeto do processo: IPM/3BPMI0150618
Segredo de justiça? NÃO
Justiça gratuita? NÃO
Pedido de liminar ou antecipação de tutela? SIM
Partes Procurador/Terceiro vinculado
TULIO BORGES OLIVEIRA (IMPETRANTE) ELIEZER PEREIRA MARTINS (ADVOGADO)
NIKOLAI SOBRANI PEREIRA (IMPETRANTE) ELIEZER PEREIRA MARTINS (ADVOGADO)
o MM. Juiz de Direito da 1ª Auditoria da Justiça Militar do
Estado (IMPETRADO)
Documentos
Id. Data da Documento Tipo
Assinatura
28798 25/10/2020 22:20 Acórdão Acórdão
0
28867 29/10/2020 15:56 Ofício Ofício
2
ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Habeas


Corpus nº 0900218-24.2020.9.26.0000 tendo como impetrante os doutor Eliezer
Pereira Martins – OAB/SP 168.735; pacientes SDs PMs Nikolai Sobrani Pereira;
Túlio Borges Oliveira e autoridade apontada como coatora o MM. Juiz de Direito da
1ª Auditoria da Justiça Militar do Estado de São Paulo,

“ACORDAM os Juízes da Segunda Câmara do E. Tribunal


de Justiça Militar do Estado, à unanimidade de votos, em denegar a ordem, de
conformidade com o relatório e voto do e. relator Silvio Hiroshi Oyama, que ficam
fazendo parte do acórdão”.

O julgamento teve a participação dos Srs. Juízes AVIVALDI


NOGUEIRA JUNIOR (Presidente da Sessão), PAULO PRAZAK e SILVIO HIROSHI OYAMA.

São Paulo, 22 de outubro de 2020.

SILVIO HIROSHI OYAMA


Relator

HABEAS CORPUS Nº 0900218-24.2020.9.26.0000 (2938/20)

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Número do documento: 20102522204955900000000278837
IMPETRANTE: Dr. Eliezer Pereira Martins – OAB/SP 168.735

PACIENTES: SD PM Nikolai Sobrani Pereira; SD PM Túlio Borges Oliveira

IMPETRADO: O MM. Juiz de Direito da 1ª AJME

EMENTA

Policial Militar – Habeas Corpus – indeferimento pelo


juízo de primeiro grau do pleito da Defesa pela
concessão de acordo de não persecução penal - ANPP
- Necessário estudar a verdadeira origem da nova lei,
ou seja, o PL 10.372/2018, este sim, gestacionado em
berço constitucionalmente originário - Transcrição do
ofício do Presidente da Comissão, Ministro Alexandre
de Moraes - Do alcance da nova lei: Excluem-se da
proposta os crimes de competência dos Juizados
Especiais Criminais, os crimes hediondos ou
equiparados, os crimes militares e aqueles que
envolvam violência doméstica ou cometidos por
funcionário público contra a administração pública -
Com vistas a evitar a impunidade, o mesmo
anteprojeto institui nova causa impeditiva do curso da
prescrição, enquanto não for integralmente cumprido
o acordo de não persecução - A importação de
benesses e outros institutos pensados para a
delinquência civil não podem ser simplesmente
introduzidos na legislação castrense, cravadas por
valores e objetividades jurídicas diversas -
Tratando-se de universos dessemelhantes, diversas
também as regras que neles devem incidir, em perfeita
consonância com a isonomia aristotélica sempre
buscada, mas pouco compreendida - Por todos os

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ângulos que se olhe a questão, sempre com o devido
respeito aos que pensam divergente, não vislumbro a
possibilidade de se aplicar na jurisdição penal militar o
novel instituto de acordo de não persecução penal
(ANPP) – Casso a liminar anteriormente concedida e
denego a ordem.

Trata-se de habeas corpus impetrado com pedido de liminar, com


fulcro no art. 5º, inciso LXVIII, da Carta Magna c.c. art. 466 do CPPM, em favor dos
pacientes, Sds PMs Nikolai Sobrani Pereira e Túlio Borges Oliveira, contra ato do MM. juiz
de Direito da 1ª Auditoria Militar, que teria praticado ato manifestamente ilegal ao indeferir
pleito da Defesa pela concessão de acordo de não persecução penal, - ANPP vez que o
requerimento gozava da aquiescência do Ministério Público de Primeira Instância.

Descreve que os pacientes foram denunciados nos autos do


processo-crime nº 0003763-08.2018.9.26.0030 (Controle 85919/18), que tramita perante a 1ª
Auditoria Militar, pela prática in thesi do delito de descumprimento de missão insculpido no
art. 196 do CPM, que desprovido de violência e não podendo transcender em sua modalidade
mais gravosa a pena mínima de 04 (quatro) anos, tem o condão de atrair a concessão do
benefício em tela de acordo com o art. 28-A do Código de Processo Penal, por retratar
alteração recente mais benéfica aos réus, introduzida pelo pacote anticrime, i.e. Lei nº
13.964/19.

Reproduz excerto no qual a douta promotoria de Justiça que


oficia no juízo a quo, anuiu com o pedido, maculando a decisão guerreada de error in

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procedendo ao expressar que “o novo instituto (ANPP) foi direcionado para os crimes comuns
e não aos crimes militares”.

Acena pela impossibilidade de se afastar a aplicação do instituto


pela convicção isolada de órgãos judiciais porque essa prerrogativa é reservada à declaração
de inconstitucionalidade por via de ação, vez que consubstancia direito público subjetivo dos
pacientes em comunhão com a atribuição ministerial, fazendo emergir a coação ilegal sem
justa causa a ser combatida via mandamus ante a ausência de recurso específico, tutela que se
deve, inclusive, prestar ex officio.

Nessa porção, é evidente, na concepção do impetrante, que o art.


3º, alínea “a” permite seja suprida a lacuna, posto que a legislação especial não dispõe sobre o
tema e o silêncio da Lei nº 13.964/19 não pode ser interpretado em desfavor dos réus, vez que
notadamente nas hipóteses que o Legislador quis obstar hipóteses negociais em direito penal,
o fez expressamente como acontece com o art. 90-A da Lei nº 9.099/95, aplicando-se aos
microssistemas com ressalva dos taxativamente excluídos.

Resta inequívoco que o Judiciário pode modular a ANPP de


acordo com as condições ministeriais, aos valores da hierarquia e disciplina. Malgrado não
deve prosperar o fundamento do aresto objurgado acerca da “vedação do hibridismo
incompatível das normas”, que se coadunam com a ampla defesa, contraditório e sobretudo
com o princípio da isonomia.

As sobreditas constatações encontram amparo na jurisprudência


da Suprema Corte, pela aplicação do código repressivo comum no âmbito de jurisdição
militar, encontrando abrigo na Justiça Militar de outros Estados da Federação, afastando a “
dialética do punitivismo estéril”.

Socorre-se de precedente oriundo da 15ª Vara Criminal do TJSP,


que menciona tratar-se de discricionariedade do MP, na qual não deve o Poder Judiciário
interferir na obrigatoriedade de sua aplicação.

Essas as razões que dão lastro ao fumus boni iuris diante da


decisão vergasta se revelar ilegal, abusiva e arbitrária e do periculum in mora, haja vista a
proximidade da sessão de julgamento designada para 28 de setembro de 2020, que deve ser
liminarmente suspensa até o julgamento de mérito do writ em que se roga seja anulada a
decisão de piso, convertendo-se em diligência visando a celebração do ANPP pelas partes.

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O presente feito foi distribuído a este magistrado com observação
cartorária da existência de decisão anterior sobre os mesmos fatos, de minha lavra, nos autos
da Correição Parcial nº 0003763-08.2018.9.26.0030 (512/18).

Malgrado fosse perceptível ictu oculi que o magistrado a quo se


filiou a uma das correntes existentes acerca da aplicação do ANPP no âmbito da jurisdição
militar, e a divergência de entendimentos seja o quanto basta para descaracterizar a fumaça do
bom direito, em juízo de delibação, considerando-se tratar de uma das primeiras ações em que
se trata a questão nesta Corte, deferi o pleito cautelar e suspendi a sessão de julgamento
pautada para 28/09/20 p.f., a fim de evitar ulteriores providências em face do posicionamento
eventualmente sufragado por esta Casa de Justiça, por seu órgão fracionário.

Tratando-se de matéria exclusivamente de direito, que prescinde


de informações da autoridade acoimada coatora, foram os autos com vistas à douta
Procuradoria de Justiça aqui oficiante.

Em seu parecer, o Dr. Luiz Antonio Castro de Miranda assevera


que restando assentada a impossibilidade de se aplicar os institutos da “transação penal” e da
“suspensão condicional do processo” aos delitos classificados pela Lei nº 9.099/95 como de
“reduzida potencialidade ofensiva”, com maior razão o “Acordo de não Persecução Penal”
não há de ser admitido para crimes militares mais graves. Nesses termos, frisando que os
benefícios processuais devem ser positivados e a hipótese não foi expressamente contemplada
pelo legislador como o fez ao acrescentar o art. 16-A ao CPM, opina pela denegação da
ordem.

É em essência o relatório.

Preliminarmente insta analisar o cabimento do manuseio do


remédio heroico para veicular a pretensão nele contida.

Busca o impetrante seja franqueado ao paciente negociar com a


Justiça Pública a aplicação do acordo de não persecução penal (ANPP) para os fatos tratados
no processo-crime de origem.

Ao apreciar a possibilidade dessa avença entre as partes, o i.


magistrado de piso, aqui acoimado de autoridade coatora, entendeu que dita benesse não se
aplica nesta sede.

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Inconformado, sob o argumento de que dita negociação é um
direito subjetivo do paciente, ajuizou o presente mandamus lastreado na percepção, segundo
sua ótica, de que tal decisão estaria maculada pela abusividade/ilegalidade.

De se reconhecer haver certa dúvida sobre os recursos cabíveis


em face de decisões proferidas com base na aludida Lei 13.964/2019, se recurso em sentido
estrito e/ou apelação ou ainda a aplicação do art. 28 do CPP.

Ocorre que tal debate tem como pressuposto a incidência da Lei


13.964/2019, questão ainda não dirimida nesta seara especializada.

Portanto, entendo por conhecer o presente habeas corpus, pois


como mencionei quando da apreciação do pedido liminar, a questio ainda não foi enfrentada
por esta Casa de Justiça por sua recentidade, sendo essa uma oportunidade para sinalizarmos o
que pensa, ao menos a 2ª Câmara sobre o assunto.

Dito isso, passo a analisar o presente remédio heroico e a matéria


nele ventilada.

A questão que aqui se coloca é saber se é possível, no universo


da Justiça Militar, se aplicar esse novel instituto negocial.

De plano de se perquirir qual a razão da celeuma ou por que


motivo ela existe?

A resposta é simples: dúvida acerca da intenção do Legislador


fundamentada na crença - comprovada e histórica - de sua desatenção em atualizar a
legislação castrense.

Essa incerteza tem gerado não só um certo ativismo judicial, mas


também um ativismo de outros atores do teatro de operadores do direito.

Explico.

Como não existe vácuo de Poder, em se constatando eventual


inação do Legislativo em modernizar a legislação aplicada ao foro castrense, vozes se
levantam para lhe fazerem as vezes.

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Magistrados, membros do Ministério Público, da Defensoria
Pública e advogados, além de doutrinadores, sob o argumento - por vezes verdadeiro – da
existência da lacuna legal e justificativa geralmente fincada no cânon da isonomia, têm
arrastado para aplicação nesta jurisdição especial, vários institutos que o Legislador idealizou
e formatou para aplicação apenas e tão somente para os civis infratores.

Um exemplo emblemático disso foi a Lei 9.099/95 que trouxe a


luz os institutos da transação penal e da suspensão condicional do processo, cópia malfeita do
plea bargaining do direito norte-americano, pois por estas terras seu gozo prescinde da
necessária confissão de culpa por parte do beneficiado. Com sua entrada em vigor, iniciou-se
discussão sobre sua incidência na Justiça Militar, sendo que seus defensores sustentavam que
o fato de alguém ser um militar não poderia constituir impedimento para que essa pessoa
pudesse usufruir de tais benesses, sob pena de ser considerado um cidadão de segunda classe,
em franca infringência ao princípio da isonomia.

Seduzidos por esses argumentos, muitos magistrados passaram a


adotar o entendimento que era possível efetivamente trazer para dentro da legislação militar
tais institutos despenalizadores ou negociais.

Ocorre que essa não era a intenção do Legislador e isso restou


evidenciado quando tal poder da República, no pleno exercício de sua prerrogativa
constitucional, resolveu editar a Lei 9.839/99, que incluiu o art. 90-A na sobredita lei
9.099/96, com o firme propósito de colocar uma pá de cal na celeuma. Verbis:

As disposições desta Lei não se aplicam no âmbito da Justiça


Militar (g.n.).

A fiel obediência a lei que, em outras palavras, significa fiel


observância ao positivado pelo Legislador, encerrou em grande parte a discussão, restando
somente a Justiça Militar Mineira, por alguns de seus juízes de primeira instância, aplicado os
aludidos institutos, agora, sob o argumento de que dito artigo seria inconstitucional por violar
o cânone da isonomia, apesar do Suprema Corte ter afirmado o contrário, conforme julgado
abaixo transcrito, que foi precedido por vários outros:

A fiel obediência a lei que, em outras palavras, significa fiel


observância ao positivado pelo Legislador, encerrou em grande parte a discussão, tendo
somente o Justiça Militar Mineira, por alguns de seus juízes de primeira instância, aplicado os

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aludidos institutos, agora, sob o argumento de que dito artigo seria inconstitucional por violar
o cânone da isonomia, apesar do Suprema Corte ter afirmado o contrário, conforme julgado
abaixo, que foi precedido por vários outros:

O Plenário do Supremo Tribunal Federal, na sessão de


06.10.2011, no julgamento do HC 99.743, relator para o acórdão o Ministro Luiz
Fux, declarou a constitucionalidade do artigo 90-A, da Lei nº 9.099/95, Lei dos
Juizados Especiais Cíveis e Criminais, com redação dada pela Lei nº 9.839/99.
Nesse mesmo sentido, confiram-se o HC 117.335, Rel. Min. Gilmar Mendes
(Segunda Turma) e o HC 112.932, de minha relatoria. (RHC 137941/RF – Rel.
Min. Barroso – j. 03.11.2016) (g.n.)

Esse desalinhamento de pensar se avoluma quando verificamos


que nas demais unidades federativas acatou-se o disse o legislador através da expressa
inclusão de citado artigo na Lei 9.099/95.

Ao que parece, o TJMMG busca encerrar tal discrepância


julgando um incidente de demandas repetitivas sobre o tema.

Ocorre que mesmo diante dessa vedação expressa, como um


cadáver insepulcro, operadores buscam revivê-la para aplicá-la nesta seara. Recentemente nos
debruçamos sobre recurso manejado pelo nobre Corregedor-Geral desta Especializada,
inconformado com o arquivamento de inquérito policial militar que investigou crime de lesão
corporal culposa oriunda de acidente com viatura policial sob o fundamento da ocorrência de
decadência em face da não representação da vítima militar. O Pleno desta Casa de Justiça, à
unanimidade, deu provimento ao recurso, afastando a vontade do intérprete – chamada por
alguns de atividade criativa do juiz - para a prevalência, como de rigor, do pensado pelo
legislador (mens legislatoris) e da força e alcance da lei (mens legis), cujo texto não poderia
ser mais claro.

Esse capítulo é apenas uma amostra de que mesmo o Legislador


“legislando” – desculpem o pleonasmo – ainda assim, alguns se levantarão para, a pretexto de
interpretar a lei visando a consecução da Justiça (segundo seu olhar), encontrar opacidade
onde o que existe é a limpidez.

Não obstante, talvez seja o caso de se reconhecer uma mea-culpa


, pois como dito alhures, esse proceder de “esquecimento” do Legislador em relação à
legislação castrense, tem fomentado de certa forma uma liberdade dos atores que dela se

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utilizam para, por motivos variados e por vezes antagônicos, dar-lhe o entendimento que
melhor se amolde aos seus interesses ou pretensões.

Vemos assim advogados e defensores públicos buscando


benesses para seus clientes, membros do Ministério Público perseguindo o aumento de suas
atribuições e consequentemente de seu poder e magistrados almejando agilizar a solução dos
seus processos.

Data venia, embora legítimas tais aspirações, isso não os autoriza


a substituir aquele que, na divisão dos poderes republicanos, foi incumbido da prerrogativa de
editar as leis.

Cícero, na antiga Roma, já dizia que “para que possamos ser


livres, somos escravos da lei”.

Essa concepção, que por séculos pautou a conduta dos juízes,


hodiernamente tem merecido críticas a ponto de ouvirmos que um juiz não pode julgar de
costas para a sociedade, concebendo-se uma nova figura de magistrado que alguns
denominaram de “juiz social”.

Em interessante ensaio sobre esse novo olhar acerca do exercício


da função judicante, Maria Coeli Nobre da Silva[1] concluiu:

O juiz, como aplicador do direito que é, tem seu espaço de


discricionariedade no trabalho interpretativo. Portanto, sem qualquer
afrontamento de atuação contra legem, dispõe de flexibilidade para escolher a
solução que melhor se ajuste à situação fática sob sua égide decisória,
consequentemente, a criatividade lhe é inerente nesse ato. Nada mais vetusto à
operação interpretativa do que a perquirição do “espírito da lei” e da “vontade do
Legislador” (g.n.).

Marcelo Semer, no artigo intitulado de “Três modelos de juízes e


o futuro que olha para trás”[2] , discorreu:

O Juiz Social reconhece o dogmatismo em sua tradição


iluminista (ou seja, como formalização de controle, portanto de limitação do poder
punitivo), mas não ignora a seletividade e, com ela, as violências inerentes ao
sistema penal. Busca atenuá-las, reduzindo danos, com a aplicação dos princípios

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que percebe superiores e ainda vetores das regras (culpabilidade,
proporcionalidade, lesividade, igualdade). Para além da legalidade, exige a
violação do bem jurídico como limite do punível – e afasta deste âmbito as
insignificâncias e adequações sociais.

Admite a jurisdição como uma função política e o contato com o


meio social indispensável, sendo agente da preservação de sua própria cidadania.

É um juiz acima de tudo constitucional. Para fazer valer a


Constituição, ancora seu ativismo na garantia de direitos fundamentais, suprindo
a omissão de governos e Legisladores em regulamentá-las – reage, de outra parte
, à legislação draconiana e populista que transborda, com inusitada frequência, os
limites do Estado Democrático.

Compreende a dimensão de sua missão contramajoritária e a


perniciosa compressão punitiva da mídia. Reconhece a independência judicial,
mas não a limita à relação com os demais poderes. Valoriza, sobretudo, a
independência interna com a qual busca, quase sempre sem êxito, combater a
perversão do controle ideológico que se impõe a partir das cúpulas, ínsito nas
nomeações, promoções, remoções, designações e punições.

Desenvolve, desta forma, um papel crítico do Poder e do


sistema penal, e por isso não raro é tratado como disfuncional dentro deles. Serve,
enfim, de modelo da “impunidade”, para as propagandas do endurecimento penal.

Nesse contexto de aparente evolução da nobre função de julgar,


não podemos fechar os olhos para as muitas críticas sobre o chamado ativismo judicial e o
apelo para o retorno da magistratura à sua concepção tradicional de aplicar a lei posta ao caso
concreto.

Esse desejo, ao que parece, é compartilhado pelo novo presidente


da Corte Suprema, Min. Luiz Fux, que em videoconferência, cujos trechos foram
reproduzidos no site Conjur[3] , assim externou seu pensar, in verbis:

Depois, classificou como objetivo que o Judiciário "retorne


àquela figura respeitável de cortes locais e uma Corte Suprema que goze da

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respeitabilidade do público pelos seus exemplos". E, ao comentar de forma mais
exemplificativa os planos de gestão para o próximo biênio, deixou uma mensagem
aos magistrados.

"Entendemos que há hoje um protagonismo deletério do


Supremo Tribunal Federal absorvendo matérias que pertencem às esferas de
outros poderes. Não temos um governo de juízes. Não temos que assumir essa
pecha da judicialização, do ativismo judicial, quando na verdade sabemos que a
jurisdição só se movimenta quando provocada"

O tempo dirá se o anseio de sua Excia. será realizado.

Tais questionamentos são aqui trazidos à colação para explicitar


que não bastasse o perfil de cada magistrado a dificultar a formação de entendimento único
sobre determinada questão legal, nesta seara de jurisdição especial, tal divergência se agiganta
em face da existência de dois sistemas legais penais que deveriam ser atualizados de forma
integrada e harmônica, mas por “esquecimento” do Legislador isso não é feito.

Daí a existência de várias correntes interpretativas, as quais, na


maioria das vezes, buscam através da interpretação justificar sua visão sobre o tema,
independentemente do que pensou o Legislador ou o sentido e alcance da lei por ele
formatada.

Fiat justitia, pereat mundus.

Não é necessária muita imaginação para se antever o caos que


seria se os mais de dezessete mil magistrados julgassem conforme a sobredita máxima.

Aliás, em interessante artigo publicado no jornal “O Estado de


São Paulo” no dia 07.08.2018, o professor José Eduardo Faria (USP e FGV) ao analisar o
controle da constitucionalidade produziu trecho que bem se adequa ao acima asseverado, in
verbis:

[...]

É por causa desse hibridismo que o ativismo se espraiou nas


instâncias inferiores do Judiciário e permitiu que o STF ampliasse seus campos de
atuação, atritando-se com os demais poderes.

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[...]

“Todos podem deixar de aplicar leis aos casos sub judice com
base na sua percepção de justiça, convicções doutrinárias e visão de mundo, o que
multiplica os riscos de decisões discrepantes sobre o mesmo tema”.

Não se desconhece o que disse Ulpiano de que “embora


claríssimo o edito do pretor, contudo não se deve descurar de sua interpretação”,mas
também do jurista romano a citação de que “dura lex, sede lex”.

Isso me leva a revisitar a sempre atual obra de Calamandrei -


“Eles os juízes, vistos por um advogado”[4] - onde, no alto de seus 52 (cinquenta e dois)
anos de advocacia à época do escrito, afirmou: “O juiz é o direito feito homem. Só desse
homem posso esperar, na vida prática, aquela tutela que em abstrato a lei me promete”.

Assim, na árdua missão de aplicar a lei, não pode o magistrado se


filiar, de forma intransigente, à determinada escola hermenêutica, visto que na verdade, todas
possuem limitações, devendo por amor ao ofício buscar aquela que, no momento do exercício
do seu múnus, melhor esclareça o conteúdo e o alcance da norma.

De se reconhecer como sedutor a possibilidade de se dar à lei


configuração que por vezes ela não tem, mas assim poder agir para justificar eventual
posicionamento sobre alguma questão posta à análise com o pretexto de se estar buscando a
almejada Justiça.

É preciso resistir, sob pena de franca infringência ao já citado


princípio republicano da separação dos poderes.

Nesse cenário, desprezar a mens legislatoris na interpretação de


lei que sequer completou seu primeiro ano de existência, me parece inadequado.

Assim, frente a essa atualidade, entendo que os ensinamentos da


Escola Dogmática são mais que suficientes para a resolução da questão aqui posta.

Fixado esse norte, de se verificar que embora compreensível a


existência de vários pensares sobre o novel instituto, in casu, a pecha de desidioso não pode
ser imputado ao Legislador e, consequentemente, a maioria dos entendimentos pela integração
da lei não se sustentam.

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Não há lacuna ou cochilo a ser preenchido pelo intérprete.

Para confirmar tal assertiva é necessário primeiramente – e isso


não vi em nenhuma das correntes opinativas – tomar conhecimento dos motivos, da
justificação do Legislador em propor a aprovação da lei.

Nesse sentido, convém uma breve retrospectiva histórica do


chamado midiaticamente de “Pacote Anticrime” que, apesar de ganhar destaque pelas mãos
do Executivo, principalmente por seu ex-Ministro Sérgio Moro, em verdade foi o resultado da
junção do PL 10.372/2018 (originário da Câmara dos Deputados) e do PL 882/2019
(originário do Executivo).

Note-se que o projeto que tramitou no âmbito do Poder


Legislativo - nascedouro ordinário das leis - resultou do trabalho de uma Comissão de
Notáveis presidida pelo Min. Alexandre de Moraes, instituída pela Câmara dos Deputados aos
10.10.2017 e encerrada em 08.05.2018 com a entrega do PL 10.372/18 aos então presidentes
da Câmara dos Deputados e do Senado, Rodrigo Maia e Eunício Oliveira, respectivamente.
No capítulo dedicado ao instituto de negociação penal (ANPP) se verifica que a comissão
sofreu notória influência das Resoluções nº 181/2017 (07.08.2017) e 183/2018 (24.01.2018)
do Conselho Nacional do Ministério Público, as quais, no que nos interessa para a
presente análise, expressamente excluíam a possibilidade do acordo nos crimes militares
que afetassem a hierarquia e disciplina.

Por outro lado, o Poder Executivo, alardeando como uma de suas


metas a aprovação de um projeto de lei anticrime, firmou documento denominado “Metas
Nacionais Prioritárias – Agenda de 100 Dias de Governo”, de onde se extrai, a ação 15, in
verbis:

PL Anticrime Propor projeto de lei para aumentar eficácia no


combate ao crime organizado, ao crime violento e à corrupção. Pretende reduzir
pontos de estrangulamento do sistema de justiça criminal[5] .

Buscando cumprir tal compromisso, encaminhou ao Congresso o


PL 882/2019, cuja coincidência textual com o PL 10.372/2018 concebido pelo Parlamento
levou o então Presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia a afirmar:

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“O projeto é importante, aliás, ele está copiando o projeto direto
do ministro Alexandre de Moraes. É um copia e cola. Não tem nenhuma novidade,
poucas novidades."[6] (g.n.)

Por ser uma das prioridades do Governo Federal, a aprovação do


“Pacote Anticrime” gerou mal-estar entre os poderes republicanos, a ponto da dissonância se
tornar pública, conforme excerto retirado de reportagem do periódico “Folha de São Paulo” e
de outros meios jornalísticos:

“Incomodou Maia o fato de Moro ter dito na manhã desta quarta


que seu projeto poderia tramitar ao mesmo tempo que a Previdência na Câmara.
"O desejo do governo é que isso desde logo fosse encaminhado às comissões para
os debates”, disse Moro.
O ministro disse ainda que está conversando com o presidente
da Câmara sobre o tema e que "decisões relativas ao Congresso Nacional
dependem" dos parlamentares.
Maia ficou irritado após o ministro ter entrado em contato
diretamente com ele nesta quarta com o desejo de interferir na definição da pauta
legislativa”.[7]

"Moro está desrespeitando acordo meu com o governo. Nosso


acordo é priorizar a reforma da Previdência. Espero que ele entenda que hoje ele é
ministro de Estado. Ele está abaixo do presidente. Eu já disse a ele que esse
projeto vai ser posterior à Previdência" afirmou Maia nesta quarta-feira (20)[8].

Não obstante, ao que parece, esse tempo de gestação


prognosticado pelo presidente da Câmara dos Deputados sofreu encurtamento por obra
atribuída ao Poder Executivo, conforme amplamente divulgado pelos órgãos de notícias,
conforme manchetes abaixo:

Governo manobra para aprovar na Câmara pacote de Moro[9]

Governo usa ato para pressionar por pacote de Moro e reforma da Previdência[10]

Governo Bolsonaro pressiona para aprovar na Câmara pacote 'anticrime' de Moro[11]

Maia critica Moro por pressão sobre ‘pacote anticrime’: ‘Conhece pouco a política’[12]

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Nesse clima foi aprovada a Lei 13.964/2019, sendo esse o seu
ocassio legis.

Essa retrospectiva nos importa visto ser necessário estudar a


verdadeira origem da nova lei, ou seja, o PL 10.372/2018, este sim, gestacionado em berço
constitucionalmente originário.

Seu autor, o Exmo. Deputado Federal José Rocha (PR/BA), na


sua justificação, assim discorreu:

Por Ato da Presidência desta Casa Legislativa, publicado no


Diário da Câmara dos Deputados de 10 de outubro de 2017, foi instituída
Comissão de Juristas com a atribuição de elaborar proposta legislativa de
“combate à criminalidade organizada, em especial relacionada ao combate ao
tráfico de drogas e armas. ”

Tal Comissão de notáveis foi presidida pelo Exmo. Sr. Ministro


do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes. Ao trazer a esta Casa o
resultado dos trabalhos propostos, encaminhou Ofício o Nobre Jurista, que se
reproduz a seguir, com os devidos agradecimentos e homenagens. Constitui, pois,
essa apresentação feita por seus renomados autores a Justificação desta matéria
(g.n.).

Na sequência, sua Excia. transcreve o ofício do presidente da


aludida comissão, Ministro Alexandre de Moraes, de onde se destaca, por pertinente ao tema
aqui debatido, os seguintes capítulos:

Dos motivos da nova lei:

[...]

O combate ao crime organizado exige racionalidade


instrumental e priorização de recursos financeiros e humanos direcionados
diretamente para a persecução da macro criminalidade.

As organizações criminosas ligadas aos tráficos de drogas e


armas têm ligações interestaduais e transnacionais e são responsáveis direta ou
indiretamente pela grande maioria dos crimes graves, praticados com violência e

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grave ameaça à pessoa, como o homicídio, latrocínio, roubos qualificados, entre
outros; com ostensivo aumento da violência urbana.

Esse quadro tornou imprescindível uma clara e expressa opção


de combate a macro criminalidade, pois seu crescimento é atentatório à vida de
dezenas de milhares de brasileiros e ao próprio desenvolvimento socioeconômico
do Brasil.

Dos objetivos da nova lei:

A presente proposta pretende racionalizar de maneira diversa,


porém proporcional, de um lado o combate ao crime organizado e a criminalidade
violenta que mantém forte ligação com as penitenciárias e, de outro lado, a
criminalidade individual, praticada sem violência ou grave ameaça; inclusive no
tocante ao sistema penitenciário

Hoje, há uma divisão em 3 partes muito próximas nos


aproximadamente 720 mil presos no Brasil: 1/3 crimes praticados com violência
ou grave ameaça, 1/3 crimes sem violência ou grave ameaça e 1/3 relacionados ao
tráfico de drogas.

Em que pese quase 40% serem presos provisórios, há


necessidade de reservar as sanções privativas de liberdade para a criminalidade
grave, violenta e organizada; aplicando-se, quando possível, as sanções
restritivas de direitos e de serviços a comunidade para as infrações penais não
violentas.

Para tanto, indica-se a adoção de “acordos de não persecução


penal”, criando nas hipóteses de crimes cometidos sem violência ou grave ameaça
a figura do acordo de não persecução penal, por iniciativa do órgão do Ministério
Público e com participação da defesa, submetida a proposta à homologação
judicial.

[...]

Trata-se de inovação que objetiva alcançar a punição célere e


eficaz em grande número de práticas delituosas, oferecendo alternativas ao
encarceramento e buscando desafogar a Justiça Criminal, de modo a permitir a

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concentração de forças no efetivo combate ao crime organizado e às infrações
penais mais graves.

São previstas condições que assegurem efetiva reparação do


dano causado e a imposição de sanção penal adequada e suficiente, oferecendo
alternativas ao encarceramento.

Do alcance da nova lei:

Excluem-se da proposta os crimes de competência dos Juizados


Especiais Criminais, os crimes hediondos ou equiparados, os crimes militares e
aqueles que envolvam violência doméstica ou cometidos por funcionário público
contra a administração pública. Com vistas a evitar a impunidade, o mesmo
anteprojeto institui nova causa impeditiva do curso da prescrição, enquanto não
for integralmente cumprido o acordo de não persecução (g.n.).

Essas foram as razões que legitimaram a criação da nova lei e,


por sua simples leitura, sem qualquer dificuldade, vê-se que no assunto aqui em discussão,
não cabe a premissa por muitos utilizada de que a Legislador se esqueceu de também atualizar
a legislação castrense quando das mudanças promovidas pela Lei 13.964/2019.

Ao contrário, sabedor das peculiaridades da jurisdição militar –


principalmente o presidente da mencionada comissão que, como sabido, foi Secretário da
Segurança Pública neste Estado, além de festejado constitucionalista – fez questão de
EXCLUIR DE SUA INCIDÊNCIA OS CRIMES MILITARES, conforme constou da
justificação acima transcrita.

Aqui, portanto, não estamos nem diante de silêncio eloquente,


lacuna ou omissão do Legislador, institutos sinteticamente - mas com o costumeiro didatismo
- definidos pelo Min. Luís Roberto Barroso[13], in verbis:

Se o Congresso legislasse, o problema estaria resolvido. Porém,


é preciso distinguir omissão de lacuna e de silêncio eloquente. Silêncio eloquente é
quando você, ao não dizer, está se manifestando. Lacuna é quando você não
cuidou de uma matéria. E omissão é quando você não cuidou tendo o dever de
cuidar.

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Pela gênese da precitada Lei 13.964/2019 podemos afirmar, sem
qualquer medo de errar, que o Legislador não quis e não pretendeu que o aludido acordo
negocial penal fosse aplicado aos crimes militares.

Não se trata de admitir como verdadeiro o mito do que o “


Legislador é sábio” - até porque como disse Wach, “a lei é mais sábia que o legislador” -
mas sim de dar fiel obediência ao modelo formatado por Montesquieu para um governo que se
pretende republicano, cânon de tal grandeza que praticamente inaugura a nossa Carta Política
[14].

Assim, da mesma forma que não se admite que o Legislativo


julgue como função ordinária, não se deve admitir que o Judiciário ordinariamente legisle.

Da mesma forma e pelos mesmos motivos se mostra inadmissível


que isso ocorra de maneira indireta, encapotada sob a forma de buscar o verdadeiro sentido da
lei, visto que isso somente nos é permitido, como magistrados, se ela se apresentar imprecisa,
lacunosa ou contraditória, máculas que não vislumbro no texto legal em comento.

Nunca se deve esquecer que hermenêutica se liga a Hermes,


Deus grego que era invocado para tornar inteligível tudo que a mente humana não
compreendia da fala divina, sendo, por outro lado, dispensável quando isso não ocorria.

À evidência, essencialmente tudo demanda certo grau de


interpretação, mas não é dessa cognição que estamos falando, e sim daquela em que o
intérprete se traveste de legislador para dar coloração ao texto legal de acordo com sua
convicção.

Nessa senda, não vejo como ser possível admitir o que o


Legislador não admitiu.

Portanto, delimitado o alcance de cada poder nessa difícil obra


que é a República, in casu, não vislumbro espaço para interpretações abrangentes como
aquelas que entendem pela aplicação do instituto do acordo de não prossecução penal (ANPP)
na seara penal Castrense.

Todo esse arrazoado já seria suficiente para a formação da minha


convicção sobre o tema, contudo, para lhe dar mais densidade, reputo pertinente me debruçar
sobre o outro argumento levantado em abono à tese contrária ao meu pensar.

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Com efeito, todas essas correntes, sem discrepar, argumentam
que excluir os agentes de crimes militares da possibilidade de usufruir da nova benesse
ofende o princípio da isonomia ou igualdade.

Sempre com a devida vênia dos que assim acreditam, minha


reflexão sobre a fiel observância ao aludido cânone é completamente diversa, visto que
somente é possível igualar situações absolutamente iguais e modular essa equidade de acordo
com as desigualdades apresentadas.

O chamado princípio da isonomia teve magistral definição nas


palavras de Ruy Barbosa. No discurso conhecido como “Oração ao Moços”, proferido na
qualidade de paraninfo da Turma de 1920 da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco,
disse o jurista baiano: “A regra da igualdade não consiste senão em aquinhoar desigualmente
aos desiguais, na medida em que se desigualam”[15].

Calcado nesse conceito é que o constituinte originário, em


exemplo emblemático, tratou de instituir o serviço militar obrigatório somente para os
homens, isentando as mulheres e os eclesiásticos (art. 143 e seu § 2º).

Com essa orientação, difícil até para os que divergem, sustentar


que todas as circunstâncias que envolvem a ocorrência de um crime militar sejam as mesmas
daquelas presentes num crime comum.

Primeiramente a diferenciação começa pela autoria e neste


capítulo nos restringiremos à JME, nossa jurisdição. Aqui, somente os policiais militares,
ativos ou inativos, podem ser autores das condutas tipificadas como crimes militares.

Não cabe nesse momento um estudo mais aprofundado sobre as


diferenças existentes entre militares e civis, sendo suficiente a distinção ofertada por Jorge
Calvario dos Santos, da Escola Superior de Guerra, em seu estudo “O Relacionamento
Civil-Militar”[16], in verbis:

O militar e o civil pertencem a diferentes segmentos da


sociedade e têm distinta visão de mundo. Sendo assim, não devem ser confundidos,
embora sejam igualmente solidários e cooperativos quanto aos interesses
nacionais.

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Pelo fato de o Estado atribuir ao militar o exercício do
“monopólio da violência legítima” – expressão cunhada por Max Weber – para o
restabelecimento e/ou manutenção da ordem pública, tratou de impingir-lhes várias restrições
como a impossibilidade de participar de movimento paredista, sindicalizar-se ou até usufruir
de direitos trabalhistas reconhecidos à toda sociedade civil, como recebimento de horas extras,
FGTS, aposentadoria etc., tudo com o fito de garantir que a tropa esteja sempre pronta para
emprego imediato e por tempo que a necessidade exigir.

Não bastasse isso, possuem a carreira estruturada sobre os pilares


da hierarquia e disciplina, bases que não admitem qualquer afrouxamento ou abalo, pois
estamos diante de grupamento de pessoas a quem o Estado atribui poder de polícia, o qual,
sem um rígido controle, efetivamente poderá se transformar em um bando armado, como
advertiu o coronel Bonifácio Gonçalves, da Polícia Militar de São Paulo[17].

Ao ingressarem na carreira o militar presta o chamado “tributo de


sangue” ou “tributus sanguinis”, i.e., o sacrifício da própria vida para o cumprimento de sua
missão constitucional para com a sociedade e aqui não estamos diante de uma expressão
retórica de efeito, mas sim de um dever de arrostar o perigo e de sucumbir caso seja
necessário.

Até o decantado Pacto de San José da Costa Rica, tido por muitos
como um dos maiores avanços em matéria de proteção aos Direito Humanos, mantém a
distinção entre o militar e o civil.

Nos seus artigos 24 e 16 preceitua, respectivamente:

Todas as pessoas são iguais perante a lei. Por conseguinte, têm


direitos, sem discriminação alguma, à igual proteção da lei

Todas as pessoas têm o direito de associar-se livremente com


fins ideológicos, religiosos, políticos, econômicos, trabalhistas, sociais, culturais,
desportivos ou de qualquer outra natureza

Para, na sequência, excluir os militares do grupo que nominou de


“todas as pessoas”. Verbis:

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O disposto neste artigo não impede a imposição de restrições
legais, e mesmo a privação do exercício do direito de associação, aos membros
das forças armadas e da polícia.

A leitura desatenta ou apressada pode levar à conclusão da


ocorrência de odiosa discriminação, justamente em documento oriundo da convenção ocorrida
para firmar acordo entre nações para a proteção dos Direitos Humanos.

Ocorre que isso não é verdadeiro.

A diferenciação acima citada deu-se em fiel aplicação do


princípio da igualdade, concebido, como já vimos, para tratar desigualmente os desiguais na
medida de suas desigualdades.

Por força dessa dessemelhança é que Georges Clemenceau, no


século XIX, cunhou frase que varou o tempo e, apesar de enfrentar crítica quando de sua
leitura literal, bem sintetiza a diferenciação entre os segmentos civil e o militar. Declarou o
estadista francês, in verbis:

"Assim como há uma sociedade civil fundada sobre a


liberdade, há uma sociedade militar fundada sobre a obediência, o juiz da
liberdade não pode ser o da obediência." (g.n.)

À evidência, no trecho não grifado, não se referia o nobre


estadista à necessidade de diferenciação no exercício da judicatura, mas um plus que deve a
ele se agregar em face das peculiaridades da vida militar e da vida do militar.

Para melhor compreensão do seu alcance, devemos nos socorrer


do que disse o Min. Moreira Alves, in verbis:

“Sempre haverá uma Justiça Militar, pois o juiz singular, por


mais competente que seja, não pode conhecer das idiossincrasias da carreira das
armas, não estando, pois, em condições de ponderar a influência de
determinados ilícitos na hierarquia e disciplina das Forças Armadas".

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Dormir em serviço para o civil pode gerar apenas uma
advertência do seu empregador, enquanto para o militar acarretará uma punição penal, visto
que essa conduta é tipificada como crime, além de sanções de ordem disciplinar que poderá,
inclusive, levar à sua exclusão da tropa.

Essa conduta, que para muitos que não militam neste foro
especializado pode ser considerada como de pouca ou nenhuma relevância penal a autorizar a
concessão de benefícios para desafogar a máquina judiciária visando sua utilização para casos
mais complexos como a criminalidade organizada. Ocorre que quando se está a se tratar de
segurança pública ela adquire outra coloração, muito mais grave.

Um despachador que dorme e não atende a uma chamada


noticiando a ocorrência de um incêndio, coloca em risco a vida de pessoas, como ocorreu em
fatídico evento onde se verificou diversas mortes em cidade vizinha à Capital.

Essas diferenças, particularidades da carreira militar é que


afastam qualquer possibilidade de mitigação que não seja efetiva e especificamente formatada
para aplicação neste foro.

Nessa quadra, a recomendação dada pelo Legislador aos


membros do Ministério Público que aqui exercem seu honorável múnus é perfeitamente
estendível a todos os agentes que atuam nesta Especializada - magistrados, defensores
públicos e advogados. Verbis:

Art. 55 do CPPM. Cabe ao Ministério Público fiscalizar o


cumprimento da lei penal militar, tendo em atenção especial o resguardo das
normas de hierarquia e disciplina, como bases da organização das Forças
Armadas (g.n.).

Toda essa diferenciação se mantém quando tratamos de


delinquente militar e delinquente civil.

Uma amostra dessa afirmação é o critério utilizado pelo


Legislador para classificar uma conduta como de baixa potencialidade ofensiva. Na já citada
Lei 9.099/95, como na lei em comento, adotou-se como parâmetro a quantidade da pena,
partindo-se da premissa de que quanto menor a reprimenda, menor sua relevância penal.

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Ocorre que isso não pode ser transportado para a seara repressiva
castrense, onde esse critério quantitativo é insuficiente para a proteção das objetividades
jurídicas aqui tuteladas.

Nesse sentido, embora uma conduta possa ser apenada com


reprimenda não exacerbada, em observância ao princípio da proporcionalidade e
razoabilidade, sua prática ofende com tal gravidade os alicerces da corporação militar que se
torna inconcebível a concessão de qualquer benesse.

Um exemplo que bem ilustra essa diferença de pensar do


Legislador é a suspensão condicional da pena.

No Código Penal comum, esse benefício, com raras exceções, é


concedido indiscriminadamente para qualquer delito, desde que satisfeitos o critério
quantitativo da pena e outras condições elencadas no art. 77 e incisos.

Diversamente, no Código Penal Militar o sursis não é um direito


subjetivo do condenado por qualquer crime, ainda que satisfeitas as condições relativas à
quantidade da reprimenda e outras citadas no art. 84 e incisos. Para alguns delinquentes
militares o Legislador proibiu a concessão da benesse, conforme art. 88, incisos I e II, in
verbis:

Art. 88. A suspensão condicional da pena não se aplica:


I - ao condenado por crime cometido em tempo de guerra;
II - em tempo de paz:
a) por crime contra a segurança nacional, de aliciação e
incitamento, de violência contra superior, oficial de dia, de serviço ou de quarto,
sentinela, vigia ou plantão, de desrespeito a superior, de insubordinação, ou de
deserção;
b) pelos crimes previstos nos arts. 160, 161, 162, 235, 291 e
seu parágrafo único, ns. I a IV.

Os delitos elencados na sobredita alínea “b” nos dão uma perfeita


visão de que no âmbito repressivo militar não se visa apenas a satisfação do binômio
prevenção/repressão, mas também os impactos que a conduta pode produzir nos alicerces da
corporação militar.

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O desrespeito a superior, comportamento capitulado no art. 160
do CPM, possui pena que varia de três meses a um ano de detenção, muito abaixo daquela
exigida para a concessão do sursis e mesmo assim o condenado por esse crime não pode ter
sua pena suspensa.

Pelo mesmo fundamento utilizado por aqueles que perfilham a


introdução da benesse da ANPP nesta Especializada, não seria inconstitucional tal artigo de
lei, por infringência ao princípio da igualdade?

Com a devida vênia, até hoje e pelas diferenças acima apontadas,


tal vedação não foi defenestrada do ordenamento jurídico, a comprovar que a importação de
benesses e outros institutos pensados para a delinquência civil não podem ser simplesmente
introduzidos na legislação castrense, cravadas por valores e objetividades jurídicas diversas.

Outro exemplo, que pode servir como farol a guiar os que


divergem, encontramos nos já comentados benefícios da transação penal e sursis processual,
trazidos à luz pela Lei 9.099/95 que, pelas mesmas razões agora revisitadas, foram
inicialmente aplicados na Justiça Militar e, pelos mesmos motivos ora alinhavados, foram
vedados pelo Legislador.

Portanto, tratando-se de universos dessemelhantes, diversas


também as regras que neles devem incidir, em perfeita consonância com a isonomia
aristotélica sempre buscada, mas pouco compreendida.

Por fim, ainda que despiciendo, no meu entender, visto que a


questão se resolve conforme o já expendido, mas como reforço argumentativo a afastar de vez
a possibilidade de introdução do ANPP no âmbito desta Especializada, insta nos debruçarmos
sobre o chamado silêncio eloquente do legislador quanto à questão.

Com coerência que faz merecer encômios, o Legislador na


justificação da lei expressamente excluiu os crimes militares da incidência dessa nova forma
de transação penal e na sua redação, como não poderia deixar de ser, silenciou-se a esse
respeito.

Não se confunde silêncio com omissão.

Isso fica mais evidente quando verificamos que a aludida Lei


13.964/19 promoveu diversas alterações na legislação processual penal, tanto comum como
militar, no entanto, somente na primeira introduziu essa nova figura de acordo penal,
silenciando-se quanto à sua aplicação na esfera penal militar.

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Número do documento: 20102522204955900000000278837
Tivesse a intenção de ofertar tal benesse aos autores de crimes
militares, teria feito de forma expressa, alterando o Código de Processo Penal Militar como o
fez com o comum.

Ao contrário, na atualização do processo penal castrense apenas e


tão somente entendeu como necessário a inserção de novo artigo de lei para garantir ao militar
acusado de crime resultante de força letal a assistência de advogado já na fase inquisitorial
(art. 16-A).

Portanto, não se olvidou o legislador a permitir o reconhecimento


de lacuna a justificar o exercício do poder criativo do juiz.

Desse pensar não diverge a doutrina abalizada de Fernando


Capez que, em recentíssima palestra proferida através de videoconferência sobre o tema
“Acordo de Não Persecução Penal”[18], desenvolveu capítulo especial sobre a dito benefício
e os crimes militares onde concluiu que “... neste caso estou com Rogério Sanches e também
com o Superior Tribunal Militar. Não cabe acordo de não persecução penal para crimes
militares”.

Assim entendeu por duas razões:

A um, a comentada lei operou modificações nas legislações


comum e militar e quando o fez, foi de maneira expressa, de forma que ao se manter silente
em relação ao acordo de não persecução penal no âmbito militar, evidenciou que a vontade da
lei era da sua não incidência, pois caso contrário, teria assim explicitado.

A dois, a Justiça Militar possui características próprias e toda a


estrutura militar está alicerçada na hierarquia e disciplina e a aplicação do ANPP poderia levar
a uma violação a tais princípios. Deve-se aplicar as mesmas razões jurídicas às pessoas em
iguais situações fáticas, pelo cânon da isonomia, o que não se verifica no caso, visto que há
evidente desigualdade entre os militares e aqueles sujeitos à jurisdição comum.

A jurisprudência especializada também faz coro com esse pensar.


O Superior Tribunal Militar já foi acionado para decidir tal questão e por voto condutor da
lavra do Min. José Coelho Ferreira entendeu pela não incidência da ANPP, conforme ementa
a seguir transcrita:

EMENTA: HABEAS CORPUS. CRIME CAPITULADO NO ART.


290 DO CPM. PRELIMINAR DE NÃO CONHECIMENTO. PGJM. REJEIÇÃO.

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Número do documento: 20102522204955900000000278837
UNANIMIDADE. MÉRITO. ART. 28-A DO CPP. INSTITUTO DA NÃO
PERSECUÇÃO PENAL. NEGATIVA DE APLICAÇÃO. CONSTRANGIMENTO
ILEGAL. INOCORRÊNCIA. INAPLICABILIDADE. DENEGAÇÃO DA ORDEM
DE HABEAS CORPUS. UNANIMIDADE. I - Rejeita-se a preliminar de não
conhecimento do Habeas Corpus, suscitada pela PGJM, considerando que a
questão relativa à transação penal comporta arguição por meio do mencionado
remédio constitucional. Decisão unânime. II - O instituto do acordo de não
persecução penal, previsto no art. 28-A do CPP, não se aplica aos crimes militares
previstos na legislação penal militar, tendo em vista sua evidente
incompatibilidade com a Lei Adjetiva castrense, opção que foi adotada pelo
legislador ordinário, ao editar a Lei nº 13.964, de 2019, e propor a sua incidência
tão somente em relação ao Código de Processo Penal comum. III - Inexiste
violação dos preceitos constitucionais, insculpidos no art. 5º, caput, e incisos LIV e
LXVIII, da Constituição Federal de 1988, e art. 467, "b" e "c", do CPPM, uma vez
que a negativa dos Órgãos judicantes da JMU, afastando a incidência do acordo
de não persecução penal em relação aos delitos previstos na legislação penal
militar, por óbvio, não pode ser considerada violação de formalidade legal e
tampouco se configura constrangimento ilegal em relação ao acusado. IV - Ordem
de Habeas Corpus denegada. Decisão unânime. (HC 7000374-06.2020.7.00,0000,
STM, Pleno, votação unânime, julgado aos 26/08/20, publicado aos 14/09/20, Rel.
Min. José Coêlho Ferreira).

Portanto, por todos os ângulos que se olhe a questão, sempre com


o devido respeito aos que pensam divergente, não vislumbro a possibilidade de se aplicar na
jurisdição penal militar o novel instituto de acordo de não persecução penal (ANPP), razão
pela qual, casso a liminar anteriormente concedida e DENEGO A ORDEM de habeas corpus
, devendo-se oficiar incontinenti à origem para que retome a marcha do processo-crime nº
0003763-08.2018.9.26.0030 (Controle 85919/18).

É o meu voto.

São Paulo, 22 de outubro de 2020.

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Número do documento: 20102522204955900000000278837
SILVIO HIROSHI OYAMA

Relator

[ 1 ]
https://www.google.com/search?biw=864&bih=1346&ei=0BJlX4mvL8Sw5OUP0NG9gAs&q=%22juiz+social%22&oq=%22juiz+social%22&gs_lcp=CgZw

[2] http://www.justificando.com/2016/01/09/tres-modelos-de-juizes-e-o-futuro-que-olha-para-tras/

[3] https://www.conjur.com.br/2020-set-29/nao-temos-assumir-pecha-ativismo-judicial-avisa-fux

[4] Editora Martins Fontes – 2015 – pág. 8

[5] https://www.justica.gov.br/news/collective-nitf-content-1548355549.74

[6] https://veja.abril.com.br/politica/maia-diz-que-moro-confundiu-as-bolas-e-fez-projeto-copia-e-cola/

[ 7 ]
https://www1.folha.uol.com.br/poder/2019/03/maia-diz-que-projeto-de-moro-e-copia-e-cola-e-que-ministro-confunde-as-bolas.shtml

[8] https://noticias.r7.com/brasil/maia-ataca-moro-funcionario-de-bolsonaro-e-copia-e-cola-de-projeto-20032019

[9] https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2019/09/governo-manobra-para-aprovar-na-camara-pacote-de-moro.shtml

[ 1 0 ]
https://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2019/05/26/governo-usa-ato-para-pressionar-por-pacote-de-moro-e-reforma-da-previdencia.htm

[11] https://www.brasil247.com/brasil/governo-bolsonaro-pressiona-para-aprovar-na-camara-pacote-anticrime-de-moro

[ 1 2 ]
https://www.redebrasilatual.com.br/politica/2019/03/maia-critica-moro-por-pressao-sobre-pacote-anticrime-conhece-pouco-a-politica/

[13] http://www.osconstitucionalistas.com.br/conversas-academicas-luis-roberto-barroso-i

[14] Art. 2º São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.

[15] http://www.casaruibarbosa.gov.br/dados/DOC/artigos/rui_barbosa/FCRB_RuiBarbosa_Oracao_aos_mocos.pdf

[16] https://www.esg.br/estudos-estrategicos/labsdef/ORelacionamentocivilmilitar.pdf

[17] https://diariodopoder.com.br/opiniao/bando-armado

Assinado eletronicamente por: SILVIO HIROSHI OYAMA - 25/10/2020 22:20:49 Num. 287980 - Pág. 27
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Número do documento: 20102522204955900000000278837
[18] https://www.youtube.com/watch?v=52xuyP5C_TM

Assinado eletronicamente por: SILVIO HIROSHI OYAMA - 25/10/2020 22:20:49 Num. 287980 - Pág. 28
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Número do documento: 20102522204955900000000278837
PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA MILITAR DO ESTADO DE SÃO PAULO

Diretoria Judiciária

Rua Dr. Vila Nova, 285, Vila Buarque, São Paulo/SP – CEP 01222-020

Fone: (11) 3218-3261/3263 – Fax: (11) 3218-3219

e-mail: crtjud@tjmsp.jus.br – www.tjmsp.jus.br

Processo Judicial Eletrônico nº: 0900218-24.2020.9.26.0000

Classe: HABEAS CORPUS CRIMINAL (307)

Assunto: [Suspensão, Habeas Corpus - Cabimento, Descumprimento de missão]

IMPETRANTE: TULIO BORGES OLIVEIRA, NIKOLAI SOBRANI PEREIRA

Advogado(s) do reclamante: ELIEZER PEREIRA MARTINS

IMPETRADO: O MM. JUIZ DE DIREITO DA 1ª AUDITORIA DA JUSTIÇA MILITAR DO ESTADO

Ofício nº 1015/20- DJ-jrg


(Via Malote Digital)

São Paulo, 29 de outubro de 2020.

Ref. PROCESSO JUDICIAL ELETRÔNICO - HABEAS CORPUS Nº 0900218-24.2020.9.26.0000


(Nº 2938/20)
Processo nº 85919/18 - 3ª Auditoria

Senhor Juiz,

Assinado eletronicamente por: SHEILA YUMI SUGITANI - 29/10/2020 15:56:25 Num. 288672 - Pág. 1
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Número do documento: 20102915562566200000000279450
Comunico que em Sessão Judiciária realizada em 22/10/2020, no julgamento do Habeas
Corpus acima referenciado, em que figuram como pacientes o SD 1.C PM RE 148153-3 NIKOLAI
SOBRANI PEREIRA e o SD 1.C PM RE 152857-2 TULIO BORGES OLIVEIRA SANTOS, a E.
Segunda Câmara deste Tribunal, à unanimidade de votos, denegou a ordem, para que retorne a marcha do
processo-crime nº 0003763-08.2018.9.26.0030 (Controle 85919/18), conforme cópia anexa do v.
Acórdão.

Aproveito a oportunidade para renovar a Vossa Excelência o protesto de minha alta estima
e distinta consideração.

Sheila Yumi Sugitani


Diretora

A Sua Excelência, o Senhor

ENIO LUIZ ROSSETTO

Juiz de Direito da 3ª AME

Justiça Militar do Estado de São Paulo

Assinado eletronicamente por: SHEILA YUMI SUGITANI - 29/10/2020 15:56:25 Num. 288672 - Pág. 2
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Número do documento: 20102915562566200000000279450

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