Zagury Sheila D
Zagury Sheila D
Zagury Sheila D
INSTITUTO DE ARTES
SHEILA ZAGURY
CAMPINAS, 2014
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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS
INSTITUTO DE ARTES
SHEILA ZAGURY
CAMPINAS, 2014
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Para Mauricio Alberto, José
e todos os músicos populares brasileiros.
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Agradecimentos:
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Aqui um agradecimento mais que especial para Dani Spielmann, amiga,
parceirinha e irmã de todas as horas, que me levou para o mundo do choro, dividiu (e
divide) palcos, platéias e as mais variadas gigs, colaborou com depoimentos,
informações, partituras, sugestões, idéias, cafesinhos, pães-de-queijo, risadas, muito som
e ainda abrilhantou meus recitais com suas participações lindas, muito obrigada!
Para minhas queridocas amigas Catherine Bent (thank you so much), Ana Luisa
Videira e Carolina Noury, pelas ajudas com as traduções para o inglês, diagramações e
formatações.
Para minha queridíssima amiga Helena Nussensveig Lopes e seus “rapazes”,
Milton Lopes, Lucas e Felipe, por terem me recebido em sua casa, como mais um
membro da família, durante os três anos iniciais do Doutorado. Muito obrigada pela
super- acolhida, jantares, papos, vinhos, pizzas, caronas, cantorias e aulas de futebol e
heavy metal.
Para meus caros colegas e amigos da Pós-Graduação da Unicamp, por todas as
ajudas, conversas, sugestões, apreciações: Adelcio Machado, Almir Côrtes, Bia Cyrino,
Daniela Vieira dos Santos, Gabriel Rezende, Marcelo Gomes, Leandro Barsalini, Luanda
Piassa, Marcio Giacomin Pinho, Priscila Akemi, Sheyla Diniz, Thaís Nicodemo e um
agradecimento especial para o Almir, Gabriel e Leandro pelo auxílio luxuoso nos recitais,
tocando maravilhosamente como era de se esperar. Também quero agradecer ao Lucas da
Rosa, que partiu cedo demais e foi o primeiro colega que me estendeu a mão e tinha
sempre um sorriso consigo.
Aos meus parceiros de som, obrigada por todo o apoio durante todo esse tempo de
dedicação: José Staneck, Marianna Leporace, Neti Szpilman, Ricardo Santoro e as
meninas da Orquestra Lunar: Aurea Martins, Georgia Câmara, Kátia Preta Nascimento,
Luciana Requião, Manoela Marinho, Monica Avila, Sueli Faria e Vika Barcellos.
E, por fim, para minha família, stricto e lato senso, pela paciência e compreensão
nas minhas ausências e todo o apoio e suporte que todos vocês me deram nessa jornada.
Incluo aqui meus pais, irmã, sobrinhos de sangue e de alma, tios, primos, priminhos e
todos meus amigos queridos, friends et des amis, obrigada por fazerem parte da minha
vida.
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“Eu prefiro ser
Essa metamorfose ambulante
Do que ter aquela velha opinião
Formada sobre tudo” Raul Seixas
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Resumo
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Abstract
This research presents a study of the groups devoted to Brazilian instrumental music that
emerged in Rio de Janeiro in the 1990s and their musical contribution to choro. Those
groups had seeked to innovate musical making that evolves choro, in the form of changes
within the repertoire’s arrangements of this musical genre and also possible interactions
with other genres. In search of an approach to musical creation and performance, we have
made a selection of four among these ensembles. To put this subject in context, we have
made an inventory for the meanings of the expression choro, and also a discussion about
musical genre and style. By observing their history and musical material, it was possible
to perceive their proposed changes to the standard choro repertoire and other
modifications, such as the inclusion of works that are distant from the choro realm. These
procedures were detected in the arrangements as well as in the groups’ choices of
repertoire, which could come from outside the choro universe. The musical analysis, the
investigation of the meaning given to "choro", the musical genre and style’s debates and
the performance of some of the group’s arrangements (as well as other arrangements
written by this author the 1990s) have given rise to some issues. Discussions already
underway by other researchers were brought in to our study, such as the representations
that have evolved regarding choro: the meaning of “choro group” and how national
identity relates to this Brazilian musical world. These considerations have aided in the
search to a more critical point-of-view to this survey. Perceived hybrid procedures with
other musical worlds and how they were developed are the results of this research. We
hope that it will contribute to further analysis and performance studies of Brazilian
popular music.
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Lista de Figuras
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Figura 21: compassos 67 a 71 (13o a 16o da seção B), com o tutti selecionado ..............p. 88
Figura 22: compassos 67 a 71 (13o a 16o da seção B), com o tutti selecionado.....p. 89
Figura 23: compassos 232 a 236 (1o ao 5o da seção A) com as quiálteras acentuando de
quatro em quatro notas e o deslocamentos da harmonia conforme citado anteriormente
.................................................................................................................................p. 90
Figura 24: compassos 263 a 273 do interlúdio descrito anteriormente ..................p. 91
Figura 25: compassos 304 a 313 da seção B com improviso do bandolim e o uso da linha
melódica do interlúdio descrito anteriormente ........................................................p. 92
Figura 26: coda do arranjo, como descrito anteriormente, com uso dos sete últimos
compassos da seção A e os quatro compassos finais, com as duas frases melódicas que
descrevemos acima ..................................................................................................p. 93
Figura 27: interlúdio instrumental de “Veracruz”, com a frase descrita acima demarcada
no exemplo...............................................................................................................p. 94
Figura 28: primeira frase da Seção B, com o membro de frase destacado, de acordo com
a gravação de Milton Nascimento ...........................................................................p. 95
Figura 29: introdução de “Veracruz”, segundo o arranjo do Tira Poeira, com o membro
de frase da Seção B destacado .................................................................................p. 96
Figura 30: primeiro interlúdio de “Veracruz”, segundo o arranjo do Tira Poeira..p. 97
Figura 31: fim da seção B e os quatro compassos de ligação, conforme descritos
anteriormente ...........................................................................................................p. 98
Figura 32: fim da seção B e os quatro compassos de ligação, conforme descritos
anteriormente ...........................................................................................................p. 99
Figura 33: os quatro compassos de ligação entre as seções de improviso .............p. 99
Figura 34: fim da re-exposição da seção B e a coda, de acordo com o arranjo do Tira
Poeira .....................................................................................................................p. 100
Figura 35: quatro primeiros compassos da seção A de “Veracruz” .....................p. 101
Figura 36: seção A de “Veracruz”........................................................................p. 101
Figura 37: primeiro interlúdio instrumental de “Veracruz” .................................p. 101
Figura 38: seção B e segundo interlúdio de “Veracruz” .....................................p. 102
Figura 39: final da Seção B, compasso de ponte e a volta à seção A...................p. 103
Figura 40: primeira frase da Seção B e 3a frase de B’..........................................p. 103
Figura 41: melodia e harmonia da introdução, segundo o arranjo para o Tira Poeirap. 104
Figura 42: seção A, segundo a versão de Milton Nascimento e a do arranjo para o Tira
Poeira .....................................................................................................................p. 104
Figura 43: primeira série de compassos de ligação entre as seções B..................p. 105
xxi
xxii
Figura 44: segunda série de compassos de ligação entre as seções B ..................p. 105
Figura 45: terceiro trecho de compassos de ligação entre as seções B ................p. 106
Figura 46: melodia e harmonia do 1o interlúdio, segundo o arranjo para o Tira Poeira p. 106
Figura 47: melodia e harmonia do final da seção B’ e a coda..............................p. 107
Figura 48: primeiros seis compassos da seção A, segundo o arranjo para o Tira Poeira
...............................................................................................................................p. 107
Figura 49: primeiros cinco compassos do 2o interlúdio, segundo o arranjo para o Tira
Poeira .....................................................................................................................p. 108
Figura 50: três últimos compassos da Introdução e o início da seção A, de acordo com o
arranjo para o Água de Moringa ............................................................................p. 111
Figura 51: segunda série de compassos de ligação entre as seções B dois primeiros compassos
da introdução e o início da seção A da partitura original do “Batuque”......................... p. 112
Figura 52: final de C, com a 6a Napolitana demarcada ........................................p. 114
Figura 53: final de B’ e coda ................................................................................p. 114
Figura 54: os três compassos finais da introdução e os quatro primeiros compassos da
seção A, de acordo com o arranjo do Água de Moringa........................................p. 115
Figura 55: final da seção B, seguida da 1a ponte, com o acorde Dm7(b) marcado...... p. 116
Figura 56: final da 1a ponte, seguida com a volta da seção A’.............................p. 116
Figura 57: coda com o compasso e a nota-pivot marcados ..................................p. 117
Figura 58: introdução e os primeiros quatro compassos da seção A....................p. 117
Figura 59: Seção D ...............................................................................................p. 118
Figura 60: dois últimos compassos da seção A em Mib Maior e os dois primeiros
compassos p/ da mesma seção, agora em Dó Maior.............................................p. 119
Figura 61: dois últimos compassos da seção A e os três primeiros compassos da seção B
...............................................................................................................................p. 120
Figura 62: dois últimos compassos da 2a ponte e os primeiros compassos da seção D .. p. 121
Figura 63: quatro primeiros compassos da seção D, no seu ritornello ...............p. 121
Figura 64: coda do arranjo para o Água de Moringa............................................p. 122
Figura 65: Introdução de “Sensível”, segundo o arranjo de Josimar Carneiro, em redução
para piano...............................................................................................................p. 123
Figura 66: coda de “Sensível”, segundo o arranjo de Josimar Carneiro, em redução para
piano ......................................................................................................................p. 124
Figura 67: oito primeiros compassos de “Sensível”, segundo a gravação do Conjunto
Época de Ouro .......................................................................................................p. 124
xxiii
xxiv
Figura 68: compassos finais da seção A...............................................................p. 125
Figura 69: introdução de “Sensível”, segundo o arranjo do Água de Moringa...........p. 126
Figura 70: 1o ao 5o compasso da seção A de “Sensível”, segundo o arranjo do Água de
Moringa...................................................................................................................p. 126
Figura 71: seções A e B, com a harmonia encontrada na gravação do Época de Ouro e a
rearmonizada por Josimar Caneiro ........................................................................p. 128
Figura 72: compassos 1o ao 6o do ritornello da seção B ......................................p. 129
Figura 73: seção A de “Sensível”, segundo o arranjo do Água de Moringa, a partir de seu
4o compasso ...........................................................................................................p. 130
Figura 74: seção A de “Sensível”, segundo o arranjo para o Água de Moringa, a partir de
seu 7o compasso .....................................................................................................p. 131
Figura 75: seção A de “Sensível”, segundo o arranjo do Água de Moringa, a partir de seu
18o compasso .........................................................................................................p.132
Figura 76: os compassos de ligação e o início da seção B segundo o arranjo do Água de
Moringa..................................................................................................................p. 132
Figura 77: 8o ao 13o compasso da seção B de “Sensível”, segundo o registro do Conjunto
Época de Ouro (aqui também transposto para Ré Menor).....................................p. 133
Figura 78: mesmo trecho da Figura 11, segundo o arranjo do Água de Moringa........ p. 133
Figura 79: linha do clarinete, com a melodia escrita pelo arranjador e a execução na
gravação no CD Saracoteando ..............................................................................p. 133
Figura 80: compassos 15o ao 20o, demarcando os comentários sobre o acompanhamento
...............................................................................................................................p. 134
Figura 81: compassos 7o ao 11o do ritornello da seção B ................................... p. 135
Figura 82: compassos 31o ao 32o do ritornello da seção B e o início da volta da seção A
...............................................................................................................................p. 136
Figura 83: compassos 4o ao 8o da volta da seção A .............................................p. 136
Figura 84: compassos finais e coda da seção A ...................................................p. 138
Figura 85: primeiros oito compassos da Valsa Venezuelana no 3, de acordo com a
partitura original de Antonio Lauro .......................................................................p. 139
Figura 86: segundo período da Valsa Venezuelana no 3, com as modulações passageiras
...............................................................................................................................p. 139
Figura 87: final do segundo período da Valsa Venezuelana no 3.........................p. 140
Figura 88: primeiros quatro compassos da Valsa Venezuelana no 3, com as referências
feitas anteriormente................................................................................................p. 140
xxv
xxvi
Figura 89: primeiros cinco compassos da seção B, com o trato melódico e o
acompanhamento ressaltando mais o compasso ¾................................................p. 141
Figura 90: 14o ao 18o compassos da seção B, com o trato melódico e o acompanhamento
ressaltando mais a oscilação métrica descrita anteriormente ....................................... p. 141
Figura 91: seção B, com as referências na harmonia que citamos anteriormente p. 142
Figura 92: primeiros oito compassos da Valsa Venezuelana, segundo o arranjo do Trio
Madeira Brasil .......................................................................................................p. 143
Figura 93: quatro últimos compassos da seção A e 1o ao 8o compassos da seção B,
segundo o arranjo do Trio Madeira Brasil .............................................................p. 144
Figura 94: 23o ao 31o compassos da seção B, segundo o arranjo do Trio Madeira Brasil
...............................................................................................................................p. 144
Figura 95: final da primeira repetição da Valsa Venezuelana e os primeiros cinco
compassos da segunda repetição com a entrada do bandolim, segundo o arranjo do Trio
Madeira Brasil .......................................................................................................p. 145
Figura 96: seção A, a partir do seu 32o compasso, segundo o arranjo do Trio Madeira
Brasil......................................................................................................................p. 146
Figuras 97 e 98: seção B a partir do seu 23o compasso até o final do arranjo do Trio Madeira
Brasil, com as referidas quiálteras e a linha de acompanhamento do bandolim ........ p. 148
Figura 99: compassos de ligação entre a seção A e B..........................................p. 150
Figura 100: compassos de ligação entre a seção B e A........................................p. 150
Figura 101: Trecho da introdução e primeiros quatro compassos da seção A, de acordo
com o arranjo de Becker para o Trio Madeira Brasil ............................................p. 152
Figura 102: seção A, com a harmonia do compositor e a proposta pelo arranjo para o
Trio Madeira Brasil................................................................................................p. 153
Figura 103: seção A, com o destaque das 4as superpostas apontados anteriormente, no
arranjo do Trio Madeira Brasil.Figura 104: trecho do interlúdio do arranjo do Trio
Madeira Brasil .......................................................................................................p. 154
Figura 104: trecho do interlúdio do arranjo do Trio Madeira Brasil....................p. 154
Figura 105: coda do arranjo do Trio Madeira Brasil............................................p. 155
Figura 106: introdução e os quatro primeiros compassos da seção A, segundo o arranjo
do Trio Madeira Brasil...........................................................................................p. 156
Figura 107: trecho da seção A e início da B.........................................................p. 157
Figura 108: idem, seção B, compassos 59 a 66....................................................p. 158
Figura 109: ib, seção B, compassos 111 a 114.....................................................p. 159
Figura 110: coda do arranjo do Trio Madeira Brasil............................................p. 160
xxvii
xxviii
Figura 111: trecho da seção A, com a harmonização do compositor e a rearmonização do
Rabo de Lagartixa..................................................................................................p. 163
Figura 112: trecho da seção C, com a harmonização do compositor e a rearmonização do
Rabo de Lagartixa..................................................................................................p. 163
Figura 113: trecho da seção A, com a textura sinalizada anteriormente ..............p. 164
Figura 114: linha da seção B como interlúdio, de acordo com o arranjo do Rabo de
Lagartixa ................................................................................................................p. 165
Figura 115: gravação de Waldir Azevedo (quatro últimos compassos)...............p. 166
Figura 116: gravação do Rabo de Lagartixa (quatro últimos compassos) ...........p. 166
Figura 117: a frase da introdução do arranjo do Rabo de Lagartixa para a “Lenda do
Caboclo” ................................................................................................................p. 167
Figura 118: três últimos compassos da introdução e o começo da seção A.........p. 167
Figura 119: primeiros compassos da seção A”, de acordo com o arranjo para o Rabo de
Lagartixa ................................................................................................................p. 168
Figura 120: coda do arranjo para o Rabo de Lagartixa ........................................p. 169
Figura 121: primeiros nove compassos da seção A, segundo a partitura original de Villa-
Lobos (Ed. Arthur Napoleão, 1968) ......................................................................p. 170
Figura 122: a melodia principal da seção A, na clave de Sol do piano................p. 170
Figura 123: transição de acordo com a partitura original de Villa-Lobos (1968) p. 171
Figura 124: melodia da seção A’ com as passagens demarcadas acima ..............p. 172
Figura 125: primeiros quatro compassos da seção A (incluindo a anacruse) e com a
referência do jogo entre a melodia e o acompanhamento citado anteriormente ......... p. 172
Figura 126: primeiros quatro compassos da seção A’ (incluindo a anacruse) com a referência
do jogo entre a melodia e o acompanhamento citado anteriormente........................... p. 173
Figura 127: 5o a 8o compassos da seção A’..........................................................p. 173
Figura 128: 1o (com a anacruse) ao 8o compassos da seção B e o início da seção A” .... p. 174
Figura 129: os quatro compassos da seção A onde aparece a melodia principal,
primeiramente na composição de Villa-Lobos e abaixo, na versão de Daniela Spielmann
para o Rabo de Lagartixa .......................................................................................p. 175
Figura 130: quatro primeiros compassos do arranjo do Rabo de Lagartixa para a “Lenda
do Caboclo”, com a divisão da frase desta Introdução ..........................................p. 176
Figura 131: linha de acompanhamento da Introdução, a partir do seu 5o compasso p. 176
Figura 132: levada de aguerê, de acordo com a tese de Jorge Luiz R. de Vasconcelos.. p. 177
Figura 133: “levada” de aguerê, como é executado no arranjo do Rabo de Lagartixa p. 177
xxix
xxx
Figura 134: seção A, 5o compasso, com a melodia no cavaquinho e a segunda voz no
saxofone .................................................................................................................p. 178
Figura 135: seção A, a partir do seu 8o compasso, com o material da introdução ....... p. 179
Figura 136: a transição, na partitura original de Villa-Lobos ..............................p. 180
Figura 137: primeiros compassos da transição, segundo o arranjo do Rabo de Lagartixa
...............................................................................................................................p. 180
Figura 138: primeiros quatro compassos da seção A’, segundo o original de Villa-Lobos
...............................................................................................................................p. 181
Figura 139: primeiros oito compassos da seção A’, segundo o arranjo do Rabo de
Lagartixa ................................................................................................................p. 181
Figura 140: seção A’, a partir do seu 8o compasso, segundo o arranjo do Rabo de
Lagartixa ................................................................................................................p. 182
Figura 141: final da seção A’ e dois primeiros compassos da seção B, segundo o arranjo
do Rabo de Lagartixa.............................................................................................p. 182
Figura 142: quatro primeiros compassos da introdução (seção A), de acordo com a obra
de Villa-Lobos (1968)............................................................................................p. 183
Figura 143: primeiros oito compassos da seção A”, segundo o arranjo do Rabo de
Lagartixa com os trechos comentados anteriormente assinalados.........................p. 184
Figura 144: os cinco compassos da seção A” com o improviso do cavaquinho, seguido
da aparição da melodia principal e da segunda voz do saxofone, como apontados
anteriormente .........................................................................................................p. 185
Figura 145: o 8o compasso da seção A” – último compasso do primeiro período,
emendando com o trecho em repetição (segundo período de A”).........................p. 186
Figura 146: segunda voz do cavaquinho, a partir do 8o compasso da seção A” ..p. 186
Figura 147: final da seção A”, com três últimos compassos do segundo período e coda
...............................................................................................................................p. 187
Figura 148: Introdução para “Cheguei”, no arranjo das “Mulheres em Pixinguinha”...
...............................................................................................................................p. 190
Figura 149: trecho da linha melódica da seção B, com a modulação para Dó menor e o
início do trecho da fuga de Bach usado como citação...........................................p. 191
Figura 150: trecho da introdução do “Gato e o Canário”, na versão de Benedito Lacerda
e Pixinguinha na gravação citada anteriormente ...................................................p. 191
Figura 151: trecho da introdução do “Gato e o Canário”, na versão do “Mulheres em
Pixinguinha” ..........................................................................................................p. 192
Figura 152: trecho da seção C do “Gato e o Canário”, na versão do “Mulheres em
Pixinguinha” ..........................................................................................................p. 192
xxxi
xxxii
Figura 153: oito primeiros compassos da seção B de Chorei, segundo o arranjo do
“Mulheres em Pixiguinha” ....................................................................................p. 193
Figura 154: trecho da seção A (primeira exposição) do “Um a Zero”, na versão do
“Mulheres em Pixinguinha” ..................................................................................p. 193
Figura 155: mesmo trecho da seção A, no seu ritornello.....................................p. 194
Figura 156: dois primeiros compassos do interlúdio............................................p. 194
Figura 157: início da primeira seção A, na versão do CD Brasileirinhas............p. 195
Figura 158: coda do “Choro prá Dani”, na versão do CD Brasileirinhas............p. 196
Figura 159: quatro primeiros compassos do interlúdio de “No Rastro”, como descrito
anteriormente .........................................................................................................p. 196
Figura 160: coda de “Bole-Bole”, na versão do CD Brasileirinhas.....................p. 197
Figura 161: variação melódica citada acima para “Santa Morena”, na versão do
Brasileirinhas ........................................................................................................p. 199
Figura 162: seção B com a alternância de compasso, como citada acima ...........p. 200
Figura 163: última seção A, exemplo do retardo citado acima ............................p. 200
Figura 164: última seção A, com a melodia principal ao piano e a segunda voz no sax
...............................................................................................................................p. 201
Figura 165: coda do arranjo de “Santa Morena”, na versão do CD Brasileirinhas... p. 201
Figura 166: rearmonização do trecho citado acima do arranjo do “Brasileirinho”, na
versão do Brasileirinhas ........................................................................................p. 202
Figura 167: coda de “Riacho-Seco”, conforme o arranjo para o CD Brasileirinhas ... p. 203
Figura 168: seção A com as harmonia encontrada na gravaçãode Jacob do Bandolim e a
minha rearmonização.............................................................................................p. 206
Figura 169: introdução de “Receita de Samba” segundo o meu arranjo..............p. 207
Figura 170: primeiros dezesseis compassos da seção A de “Receita de Samba”, segundo
o meu arranjo .........................................................................................................p. 208
Figura 171: trecho do interlúdio do arranjo para “Receita de Samba”.................p. 210
Figura 172: trecho do interlúdio do arranjo para “Receita de Samba”. Esse trecho
corresponde (formal e harmonicamente) do 13o ao 22o compassos da seção B ...p. 211
Figura 173: trecho do interlúdio do arranjo para “Receita de Samba”.................p. 225
Figura 174: trecho do interlúdio do arranjo para “Receita de Samba”.................p. 226
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xxxiv
SUMARIO
Introdução 1
1. Contexto: 7
1.1 – Definições de choro; os vários significados para a palavra “choro” 7
1.2 – Discussões sobre gênero e estilo. O choro dentro desta questão 16
1.3 – A História do Choro 24
1
Termo criado pelo jornalista Tárik de Souza, quando elaborou a resenha para o primeiro CD do grupo
Rabo de Lagartixa: “É o neo-choro com levadas e grooves divergentes que sai do gênero fixo e volta a ser
uma maneira de tocar incorporando sons de rua.” (Souza, ca 1998)
xxxv
xxxvi
3.2.2 – Saracoteando 56
3.2.3 – Inéditas de Pixinguinha 58
3.2.4 – A Sedução Carioca do Poeta 60
3.2.5 – Obrigado, Joel 61
3.3 – Trio Madeira Brasil 63
3.3.1 – Trio Madeira Brasil 63
3.3.2 – Trio Madeira Brasil e Convidados 65
3.3.3 – Quando o Canto é Reza 66
3.4 – Rabo de Lagartixa 67
3.4.1 – Rabo de Lagartixa 67
3.4.2 – O Papagaio do Moleque 73
xxxvii
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5. “A Experiência Prática: Aspectos relacionados aos arranjos e co-relação entre
os grupos e a prática da autora perante o universo do choro” 189
5.1 – Análise de “Receita de Samba” 204
8. Bibliografia 231
Anexos 243
xxxix
Introdução
1
Ver em Cazes (1998), Livingston & Isenhour (2005), Vasconcelos (1984), dentre outros.
2
Ver
em Becker (1996), Cabral (1997), Cazes (1998) e Paz (1997).
3
A questão da tradição no choro foi tratada por Gabriel Rezende, em vários artigos. Rezende discute a
relação da tradição no choro e como Jacob do Bandolim foi um agente fundamental para a consolidação
desta tradição. Ver em Rezende (2009 e 2012).
4
Ver em Vasconcelos (1984).
1
No final desta década é criado o conjunto Camerata Carioca que contava com
Gnattali como arranjador e pianista. Eles teriam seis anos de existência, gravando três
álbuns, dentre eles o famoso Vivaldi & Pixinguinha.
Nos anos 1990 no Rio de Janeiro, surgiram vários grupos instrumentais com uma
formação bem diversa. Eles tinham componentes vindo de universos distintos: estudantes
de cursos de graduação em música que em alguns casos se aliavam a músicos já inseridos
no universo do choro; alguns destes teriam passagens por institutos acadêmicos ligados à
música, outros não. Conjuntos como Água de Moringa, Choro na Feira, Rabo de
Lagartixa, Tira a Poeira, Abraçando Jacaré, Trio Madeira Brasil e projetos como
“Mulheres em Pixinguinha” e “Bach e Pixinguinha” aliam os gêneros musicais ligados ao
universo do choro a outros, distantes deste. Nesta dinâmica, esses conjuntos trazem novas
perspectivas para este universo, ao repensar o fazer musical ligado ao choro. Para termos
uma visão mais acurada, escolhemos quatro grupos: Água de Moringa, Rabo de
Lagartixa, Tira a Poeira e Trio Madeira Brasil. Pela sua longevidade (alguns deles
continuam ativos até hoje), discografia, e material criativo que apresentam tanto em
shows quanto em seus CDs, cremos que esses conjuntos se mostraram mais significativos
ao que concerne um dos motes deste trabalho: demonstrar a sua atuação frente ao
chamado “fazer musical” tradicional5 do choro, através de seus arranjos musicais.
Como esta é uma pesquisa voltada para a área de Práticas Interpretativas,
busquei6 uma possível inserção do meu trabalho musical neste período. Em 1996 iniciei
juntamente com Daniela Spielmann e Neti Szpilman7 o espetáculo “Mulheres em
Pixinguinha” e posteriormente eu e Daniela elaboramos um CD, intitulado
Brasileirinhas. Tais projetos se alinham com a prática musical desse grupos e com as
linhas de pensamento criativo e de interpretação que os nortearam. Incluímos então esses
5
Ver em Rezende (2009, 2012, 2012b).
6
Por
causa da linha de pesquisa adotada e como o meu trabalho de intérprete e arranjadora também entrou
na investigação, usarei a primeira pessoa do singular quando estiver me referindo à parte artística neste
texto.
7
Daniela Spielmann é saxofonista e uma das integrantes de um dos grupos que iremos abordar. Neti
Spzilman é cantora e com sua carreira mais voltada para o canto lírico, mas mantendo inserções na música
popular. Em 1996, fizemos juntas o show “Mulheres em Pixinguinha”, dedicado à obra do compositor.
Esse trabalho resultou em um CD, gravado em 1997 e encontra-se ativo até o presente momento.
2
dois projetos nas análises mais detidas, pois eles são pertinentes a este período e à
proposta musical abordada pelos conjuntos que iremos abordar nesta pesquisa. Logo se
faz presente a óbvia dificuldade explicitada por Marcelo Gomes na introdução de sua tese
de doutorado: “Por outro lado, no que se refere especificamente a processos criativos, há
um perigo: o informante e o informado são a mesma pessoa. Ora, como evitar
subjetivismos? Como pode um criador analisar sua criatura?” (GOMES, 2010, p. 28)
Creio que dividimos o mesmo anseio.
Ao investigar os CDs dos grupos selecionados, observamos que eles não somente
interpretaram e modificaram músicas do repertório considerado tradicional do choro. Em
algumas faixas, eles procuraram registrar as obras com arranjos mais fiéis a essa tradição,
enquanto em outras eles buscavam inovações, como rearmonizações, mudanças na
estrutura formal das músicas, experiências com efeitos sonoros em instrumentos, como
pedais de distorção (o bandolinista do Tira Poeira, por exemplo), e ambientação sonora8,
entre outros. Alguns grupos usaram composições de seus integrantes ou de compositores
contemporâneos a eles (Rabo de Lagartixa, Trio Madeira Brasil, Água de Moringa) e até
mesmo obras que fugiriam mais de um repertório mais usual do universo do choro, como
peças de Chico Buarque, Gilberto Gil, Scott Joplin, e obras de música de concerto
(“Danza de la Vida Breve”, e “Valsa Venezuelana no 3”, pelo Trio Madeira Brasil, a
Suíte Nordestina nº 1 de Guerra-Peixe, pelo Água de Moringa e todo o segundo CD do
Rabo de Lagartixa, dedicado às obras de Villa-Lobos). Eles também não se furtaram em
trazer cantores para seus discos, como participações especiais.
Os objetivos principais desta pesquisa são:
a) demonstrar a existência de uma abordagem distinta para o fazer musical do choro,
através as propostas destes novos conjuntos, pensando que esta abordagem começa a se
estruturar a partir dos anos 1970;
b) estabelecer e discutir a inter-relação e as correspondências entre gêneros musicais
diversos, como elas ocorrem e as suas conseqüências no fazer musical.
Percebemos que a questão da abordagem distinta no fazer musical do choro era
bem mais ampla do que se mostrou numa primeira vista. Além das propostas inovadoras
8
Gravação de sons de rua, de mato, etc.
3
dos seus arranjos, os grupos optavam por trabalhar e registrar obras que não fazem parte
do universo do choro. Eles também traziam para seus CDs participações dos cantores e
mantinham algumas obras com arranjos mais fiéis às suas partituras originais. As inter-
relações entre gêneros musicais não se faziam presentes só nos arranjos elaborados pelos
grupos, mas também na escolha do repertório, como vimos anteriormente.
Estas discussões se tornam mais abrangentes, e nos levam a refletir sobre diversas
idéias, como tradição e ruptura, hibridismo, diversidade, representação e por fim
identidade cultural. Alguns pesquisadores abordam estas noções, como Marcos
Napolitano e Hermano Vianna. No seu livro Síncope das Idéias, Napolitano (2007)
discute como a tradição cultural em relação à música popular no Brasil se constituiu e se
consolidou, contribuindo para a criação de uma identidade nacional. O autor aponta uma
possível “linha formativa da nossa tradição popular, sempre questionada de tempos em
tempos, mas que acabou por ser fundamental para a nossa auto-imagem musical e para a
afirmação da música popular brasileira como fenômeno cultural amplo e complexo.”
(NAPOLITANO, 2007, p. 6)
Para Napolitano, um dos gêneros musicais que teria contribuído para esta “linha
formativa” seria o samba. Vianna (1995) também discute a “invenção” deste gênero, da
sua tradição e de outros conceitos como a miscigenação e a identidade brasileira.
Ao observarmos a trajetória do samba, verificamos que muitos dos personagens
que por ela circulam também pertencem à história do choro, assim como pela sua
situação geográfica (eram moradores do Rio de Janeiro e frequentavam os mesmos
ambientes de festas e trabalho), e também pela relação que se estabeleceu entre esses
gêneros, tanto no que tange à proximidade musical quanto as suas relações sociais. Então,
de maneira análoga com o samba, pensamos ser possível estabelecer uma relação entre o
choro com as reflexões desses autores.
Poder-se-ia pensar que os conjuntos que nos propusemos a estudar não se
caracterizavam como grupos de choro por não se aterem ao repertório que poderia ser
considerado dentro do universo do choro, isto é, maxixes, choros, valsas e em menor
número de peças, sambas e baiões. Contudo, alguns aspectos, incluindo a própria visão
dos componentes dos grupos, nos intriga quanto à questão do grupo de choro enquanto
representação. Quando indagados se consideravam seu conjunto como um grupo de
4
choro, um dos fatores que levaram os seus integrantes à afirmativa foi a formação
instrumental: um ou dois instrumentos melódicos (ou instrumentos de tessitura mais
aguda, como o bandolim) e cordas dedilhadas (violões e cavaquinho). Outro fator
mencionado foi a maneira como as obras eram interpretadas, ou seja, para eles há uma
presença de um estilo de se interpretar este repertório, do “fazer choro”. O capítulo
inicial é uma contextualização para apresentar nosso objeto, contendo um compêndio
com os possíveis significados (ligados à música) do termo “choro”, um histórico
resumido do choro, buscando ênfase na década de 70 do século XX até os anos 90 e sua
relação entre gênero e estilo. Assim, pensamos trazer um panorama da trajetória do choro
e também, um cenário para situarmos nosso objeto de pesquisa.
A seguir, relataremos a história destes grupos em conjunto com meus projetos
artísticos aqui anteriormente citados. Procuraremos investigar seus trabalhos fonográficos
e analisar alguns dos seus arranjos, para assim tentarmos observar e apontar as inovações,
a inclusão de material mais recente ou de cunho autoral e as inter-relações entre diversos
gêneros musicais.
Como resultado de uma pesquisa que liga a performance com a criação,
transportamos para uma outra formação instrumental o mesmo espírito dos grupos que
surgiram neste período: o uso de materiais sonoros distantes do universo tradicional do
choro, incluindo outros repertórios como a música de concerto, obras de autoria de
integrantes desses conjuntos e seus contemporâneos e, por fim também em arranjos que
se mostraram fiéis à tradição do choro, como relatamos em um dos capítulos que se
seguem.
Através da observação dos dados coletados, da investigação acerca do trabalho da
autora e dos grupos (em conjunto com a sua obra discográfica e análise de alguns dos
seus arranjos) e relacionando com as várias reflexões que envolvem este objeto,
pretendemos demonstrar um alcance mais abrangente do fazer musical que envolve o
choro, e também pensar a respeito das interações que ele trava com outros universos
musicais e das reflexões que giram em seu entorno: tradição, ruptura, estilo, gênero,
representações.
5
6
1. Contexto:
7
Considerado "O pai dos chorões", Joaquim Antonio da Silva Callado Júnior
(1848-1880) pertenceu à primeira geração do gênero e formou o "O Choro
Carioca", o primeiro grupo instrumental de que se tem notícia. (ALBIN, 2006)
8
os verdadeiros choros eram compostos de flauta, violões e cavaquinhos (...)” (PINTO,
2009, p.11). Este texto traz vários relatos que podemos coletar como outras definições
para choro. A reunião para se tocar (e também comer e beber) era denominada de
“choro”, diferenciando um pouco de Câmara Cascudo, que relaciona o nome choro para
festas com dança. Observemos o texto do Animal, ao descrever as reuniões de um de seus
anfitriões: “Como eram as festas da casa do Machado Breguedim (...) os choros
organizados em sua residência eram fartos de excelentes iguarias e regados de bebidas
finas.” (PINTO, 2009, p. 94). Nas páginas seguintes, percebemos que o autor também usa
o termo para as obras musicais, como nestas citações a respeito de Antonio Callado e
Chiquinha Gonzaga: “Callado não era só músico para tocar de primeira vista como
também para compor qualquer choro de improviso (PINTO, 2009, p. 12); “Chiquinha
(Gonzaga) era de uma educação finíssima (...). Quando pedia-se para tocar um choro, não
se fazia de rogada...” (PINTO, 2009, p. 42).
Alexandre Gonçalves Pinto escreveu seu texto em 1936; nele vemos as diversas
definições para “choro” sendo utilizadas sem a preocupação de haver qualquer mal-
entendido em relação ao uso do termo.
Alguns autores que se dedicaram a pesquisar a música erudita no Brasil incluíram
trechos ou capítulos sobre música popular brasileira em seus livros. Encontramos em
alguns deles, definições e relatos a respeito do choro e sua trajetória. Luiz Heitor Correa
de Azevedo (1956) faz referência à expressão “lundum chorado”, através de citações de
Lopes Gama, recolhidas por Francisco Augusto Pereira da Costa: “... e do belo lundum
chorado que se dançava às embigadas ao som de cítara e viola” (AZEVEDO, apud
COSTA, apud GAMA, 1956, p. 144). Seguindo, Azevedo relata:
(..) pois a palavra choro servirá para designar a parte mais representativa da
música instrumental do período de nativismo cujo estudo estamos encetando,
chorado e choro, parecendo significar (...) a maneira sentida, dir-se-ia
soluçante, de conceber o desenho melódico e, sobretudo de executá-lo.
(AZEVEDO, 1956, p. 144).
Adiante, ele ainda diz: “Choro é música essencialmente instrumental; repele qualquer
feição melódica vocalizável” (AZEVEDO, 1956, p. 150).
Ary Vasconcelos, em seu Raízes da Música Popular Brasileira (1991), afirma que
o termo choro era inicialmente usado para identificar o conjunto instrumental e “logo um
9
jeito brasileiro de se tocar a música européia da época” (VASCONCELOS, 1991, p. 34).
Em outros trechos deste livro, Vasconcelos se refere também à expressão “chorado”
relacionada com o fado, oriundo de Portugal, e que teve certa fama enquanto gênero
musical no Brasil. Ele cita alguns diálogos de duas obras teatrais de Martins Pena, onde
aparece o uso da expressão citada. Separamos um deles, retirado da comédia O Juiz de
Paz da Roça, escrita provavelmente em 1833: “Sr. Escrivão, ou toque, ou dê a viola a
alguns dos senhores. Um fado bem rasgadinho (...) bem choradinho...”
(VASCONCELOS, apud PENA, 1991, p 31). Pela data das obras, observamos que o uso
do adjetivo “choradinho” referindo-se a uma maneira de se interpretar o fado (o gênero
musical citado) era comumente usado à época. Seria provável que a expressão fosse
usada em relação a outros gêneros musicais? Faz-se necessária uma pesquisa mais
acurada do termo em relatos deste período para que seja comprovada ou não esta questão.
Em uma breve busca em dicionários da língua portuguesa e outros de cunho etimológico
foi encontrada uma estrofe de um poema de Cruz e Souza10, que se refere a violões
plangentes: “Ah! plangentes violões dormentes, mornos/ Soluços ao luar, choros ao vento
(...) Quando lá choram na deserta rua/ As cordas vivas dos violões chorosos.” (CRUZ E
SOUZA, 1900). Nesse caso, entendemos que valeria uma investigação maior dentro da
literatura brasileira do século XIX, para que este ponto seja esclarecido, o que pode ser
importante para a discussão da origem do termo “choro”.
Encontramos no livro Três Vultos Históricos da Música Brasileira: Mesquita –
Callado – Anacleto, de Baptista Siqueira (1969), mais alguns dados para o termo choro e
seus desmembramentos. No capítulo referente a Joaquim Callado, Siqueira conta um caso
que ocorreu em um concerto do violoncelista Casemiro de Souza Pitanga, famoso pelo
seu vibrato. Ao ouvir o músico tocar uma obra com grande virtuosismo, uma Fantasia11,
uma pessoa entusiasmada na platéia gritou: “– Chora, Pitanga!”12 O brado ficou famoso
entre os compositores de polca, que popularizaram a estória como a “polca do grito”.
Podemos observar o uso do termo “chora” provavelmente buscando uma referência à
10
Poeta catarinense que viveu entre 1861 e 1898. O poema citado chama-se “Violões que Choram”, escrito
em Janeiro de 1897 e encontra-se no seu livro Faróis, lançado em 1900.
11
Segundo Siqueira (1969), em nota de fim de texto, a peça executada foi a Fantasia em Adágio, de José
Joaquim dos Reis. Este concerto aconteceu em 14 de Novembro de 1857, no Rio de Janeiro.
12
Siqueira, (1969), p.112.
10
maneira de interpretar do referido violoncelista. Siqueira ainda abre, neste livro, um
capítulo sobre choro. Ele identifica o termo choro inicialmente como conjunto musical
surgido entre o final do século XIX para o início do século XX e que este irá inicialmente
adotar as polcas como repertório. Mais à frente, ele ainda irá se aludir ao surgimento do
termo “choro”, relacionando-o com três possíveis origens: com as expressões “lundu
chorado” (presente também no livro de Luiz Heitor Correa de Azevedo, 1956) e “chora
no pinho”, a um dito acontecimento chamado “Choro no Paraíso” e a possível corruptela
entre as palavras “choro” e “chorus”. Ele aponta que, no catálogo do ano de 1920 da Casa
Edison, aparece o termo “choro” enquanto referência aos músicos chorões e a palavra
“chorus” se referendando a pequenos grupos musicais que gravavam em seus estúdios.
Mario de Andrade apresenta quatro significados para choro no seu Dicionário
Musical Brasileiro (1989). Contudo, o autor não se contenta em apenas elaborar as
definições sobre o termo. Em cada item do seu verbete, ele procura discutir e repensar a
definição para choro, inclusive trazendo mais de um significado por item no verbete. No
primeiro, temos a explicação sobre a expressão “chorar” em música, como uma metáfora
tanto para se referir à interpretação de choros (as obras musicais) como para o “inspirar
do instrumento” e desenvolve uma reflexão logo a seguir:
Mais adiante, ele define o choro como conjunto musical em seus dois seguintes
itens. No segundo parágrafo do item dois, ele baseia este sentido justamente no caráter do
choro enquanto gênero musical: “A concepção de choro como designativo de
agrupamento instrumental ainda se prova pelo caráter decisivamente anticancioneiro e
anticoreográfico de certos choros” (ANDRADE, 1989, p. 136). Ele depois relata um
caminhar da construção deste tipo de conjunto: os primeiros grupos seriam
arregimentados de maneira indiscriminada: seriam compostos com os músicos que
estivessem disponíveis no momento. Pouco a pouco, os conjuntos se formariam com um
ou mais solistas e outros instrumentos que exerceriam o acompanhamento, com função
ritmico-harmônica. Mario propunha haver uma preferência por determinados timbres
11
para os instrumentos solistas, em geral para os sopros, e ele corrobora sua afirmação
através de exemplos de gravações da época. Neste item, ele também discute a postura das
obras musicais: “...certos choros são eminentemente desinteressados, sem função
utilitária nenhuma” (ANDRADE, 1989, p. 136). As peças não serviriam de veículo ou
apoio para outras atividades, como a dança, a religião, etc, adquirindo caráter de deleite
puramente artístico para o público e os instrumentistas que estivessem as interpretando.
Mario apresenta ainda uma crítica para algumas gravações, procurando acentuar este
conceito de choro. Ele observa o caráter rápido e virtuosístico da execução de algumas
obras, como o “Sai Faísca” e “O Urubu e o Gavião”, este último interpretado por
Pixinguinha na flauta. Por fim ele compara o choro ao jazz que se fazia nesta época, para
reforçar mais a característica de música “puramente instrumental”, como diz em seu
verbete.
No item três, Andrade se refere ao choro como formação orquestral, citando as
notas nos encartes de vários fonogramas, como no exemplo dado por ele: “No sentido de
orquestra exclusivamente diz o disco Victor 3371, Malandro: ‘Carmem Miranda,
acompanhamento do choro e coro’, Também o disco 33407, Baianinha (Victor) o
mesmo.” (ANDRADE, 1989, p. 137). No item quatro, ele volta a se referendar através
dos discos, mas agora tomando o choro com o sentido de gênero musical: “Já no disco
Victor Urubatã no 33204, vem a designação ‘Choro Orquestral’ dando a choro o sentido
de forma ou de gênero e não de ‘orquestra típica’ como noutro disco já citado.”
(ANDRADE, 1989, p. 137)
José Maria Neves (1977) corrobora os significados para choro, primeiramente
enquanto conjunto instrumental e a forma como estes grupos interpretavam as obras. Ele
se apóia no depoimento de vários estudiosos, como Baptista Siqueira, Renato de Almeida
e Mozart de Araújo.
José Ramos Tinhorão (1974) dedica um capítulo do seu livro Pequena História da
Música Popular a respeito do choro. Ele diz, em seu primeiro parágrafo que o surgimento
do choro deu-se em torno de 1870, e como maneira que os músicos populares do Rio de
Janeiro interpretavam as polcas, à época. Tinhorão relata um pouco da história do choro,
dos anos 70/80 do século XIX até o momento que ele define como “fim à era sentimental
dos chorões” (TINHORÃO, 1974, p. 101), certamente referindo-se aos anos 20/30 do
12
século XX. Neste período, as jazz-bands norte-americanas têm grande entrada no Brasil.
Para o autor, o choro então já estava cristalizado enquanto gênero musical, “nascido do
estilo chorado de tocar” (TINHORÃO, 1974, p 101). Em seus outros textos Música
Popular: Um Tema em Debate (1966) e, em especial o História Social da Música
Popular Brasileira, (1998) Tinhorão aborda com mais vagar e detalhe a questão
histórico-social que permeia o aparecimento do choro. O autor se baseia bastante no
relato de Alexandre Gonçalves Pinto (2009) como fonte etnográfica. Pinto, no seu livro
aqui já citado, relembra os fatos, as festas e os bailes nas casas de família que incluíam
música executada pelos chorões, cobrindo um período de aproximadamente, sessenta
anos. É através dele que Tinhorão reforça a definição para choro enquanto forma especial
de interpretar as obras musicais: “E assim, por esse precioso livro (...) que se sabe desde
logo que o choro não constituía um gênero, mas uma maneira de tocar” (TINHORÃO,
1998, p. 197). Ele seleciona um trecho do livro do Animal, que conta sobre um flautista
chamado Juca Flauta, que “tocava os choros como fosse: polca, valsa, quadrilha, chotes,
makurcas, etc” (TINHORÃO apud PINTO, p. 197). Percebe-se no trecho citado que
Pinto engloba estes gêneros musicais em uma grande categoria, o choro e que para
Tinhorão esta categoria se definiria como um modo característico de se interpretar um
determinado repertório.
Ao final desse texto, Tinhorão reafirma o que já havia escrito no seu livro
anterior, o Pequena História da Música Popular (1974), em relação à consolidação do
choro enquanto gênero. Contudo, o autor induz o leitor a pensar que, a partir da década de
20/30 do século XX, o choro deixou de ser executado, composto, gravado, o que não
condiz com os fatos. Uma breve pesquisa da obra musical de Pixinguinha e de Jacob do
Bandolim, nos serviu para exemplificar que o choro permaneceu vivo. Sergio Cabral
documentou, em sua biografia sobre Pixinguinha, os registros fonográficos do artista.
Entre as décadas de 20 e 40, Pixinguinha teve 24 choros registrados, entre gravações suas
e de outros músicos. Jacob do Bandolim nasceu em 1918. Nos anos 1930, não há registro
fonográfico do músico. Neste período, Jacob começa a fazer as primeiras apresentações,
sendo contratado em 1934 pela Rádio Guanabara, após conseguir o primeiro lugar em um
concurso desta emissora. No seu primeiro trabalho gravado, ele registra um choro de sua
autoria, “Treme-Treme” e a valsa “Glória”, de Bonfiglio de Oliveira. A partir de então,
13
ele teria uma produção fonográfica intensa: “cinqüenta e dois discos em 78 rpm, 12 LPs,
sendo dois ao vivo, e diversas participações em discos de outros artistas e coletâneas”
(CORTES, 2006, p. 20). Ermelinda Paz, em sua biografia sobre Jacob, contabilizou 57
choros dentre suas composições. Para reforçar estas colocações, observemos a história do
choro através de outros estudiosos sobre este assunto. Segundo Ary Vasconcelos (1984),
o choro teve “fases de ouro”, mesclados com alguns momentos de declínio, durante os
anos 20, com o surgimento das jazz-bands, e entre os anos 50 e 70 (VASCONCELOS,
Carinhoso e Etc, 1984). Portanto, pelo próprio texto do autor e por outros relatos13
observa-se que o gênero manteve-se ativo mesmo nos períodos descritos como não-
proeminentes.
Henrique Cazes no seu livro Choro: do Quintal ao Municipal (1998) concorda
com as definições aqui já apresentadas para “choro”:
Neste trecho do livro, Cazes se refere à estrutura musical do choro, que em geral tem três
seções (podendo apresentar apenas duas), e sendo “necessariamente modulante”
(CAZES, 1998, p. 21), obedecendo à forma rondó, A-B-A-C-A.
O autor coloca também a sua posição acerca da origem do choro enquanto gênero
musical. Ele acredita que ela se dê através da maneira de se tocar a melodia, ao observa
as gravações do começo do século XX. O termo “chorar” (referindo-se à música ou
músicos) já era usado no começo do século XIX, como observamos na literatura de
Martins Pena e outros, o que reforça a hipótese de Cazes.
No seu Choro: a Social History of a Brazilian Popular Music (2005), Tâmara
Elena Livingston-Isenhour e Thomas G. Caracas Garcia concordam com as definições
aqui já expostas. Eles descrevem que
13
Ver em Cazes (1998), Becker (1996), Cabral (1997) Paz (1997), dentre outros.
14
o termo choro foi usado, com graus variados de especificidade, para se referir
não somente a um estilo de se tocar e a um gênero musical, mas também a um
conjunto instrumental (baseado na combinação de violão, cavaquinho e flauta
ou outro instrumento melódico) e a um encontro social onde este tipo de
música era executada. (LIVINGSTON-ISENHOUR & GARCIA, 2005, p. 3
(tradução nossa).14
14
“the
term ‘choro’ has been used, with varying degrees of specificity, to refer not just to a style of playing
and a genre of music, but also to an instrumental ensemble (based on the combination of guitar,
cavaquinho, and flute or other melodic instrument) and a social gathering at which such music is
performed.” (LIVINGSTON-ISENHOUR & GARCIA, 2005, p. 3).
15
“spontaneous
multilayered forms with rhytmic and melodic counterpoint playing against the main
melody.” (LIVINGSTON-ISENHOUR & GARCIA, 2005 p. 3)
16
Esta expressão foi muito usada pelos músicos do final do século XIX e início do século XX, inclusive
nos títulos de algumas obras. Por exemplo: “Caiu! Não Disse!”, de Viriato Figueira da Silva e “Não Caio
N’Outra”, de Ernesto Nazareth.
15
interpretar, como citado acima. Caberá portanto, uma reflexão mais densa a respeito
destes dois conceitos.
Vimos no item referente às definições para choro que este poderia ser percebido
(além de seus outros significados) como um gênero ou como estilo musical. Para
contribuir junto à caracterização do choro em relação a esse primeiro aspecto aqui
colocado, temos a sua estrutura formal em duas ou três partes, a maneira como a
harmonia se conduz e as texturas e até o instrumental usado. Esses referenciais vão ajudar
a construir o que podemos entender como a identidade do choro enquanto gênero
musical. Essa noção foi corroborada por vários autores como vimos anteriormente. Nesse
ponto buscamos travar um diálogo com alguns dos pensadores que lidaram com essa
questão, a noção de gênero musical e também repensar os pólos gênero – estilo.
O Grove Dictionary of Musicians17 (2006) vai separar os dois termos, definindo-
os com significados diversos, o que nos embasa para as discussões neste capítulo e nos
seguintes. O verbete para gênero musical define essa expressão como
17
A versão que aqui utilizamos é a Grove Music Online. Ver em:
http://www.oxfordmusiconline.com.ez29.periodicos.capes.gov.br/subscriber/.
18
“A
class, type or category, sanctioned by convention. Since conventional definitions derive (inductively)
from concrete particulars, such as musical works or musical practices, and are therefore subject to change, a
genre is probably closer to an ‘ideal type’ (in Max Weber's sense) than to a Platonic ‘ideal form’.”
(GROVE, 2007 – 2013).
16
Os dicionários etimológicos nos trazem verbetes sobre esses termos. Gênero vem
do latim generus, “conjunto de espécies com características comuns” (CUNHA, 2010, p.
314). E também “reunião de muitos indivíduos que têm entre si grandes semelhanças pela
identidade dos caracteres essenciais, embora difiram nos acidentais.” (FONTINHA,
1957?, p. 883).
Marcelo Verzoni aborda essas duas palavras também pela ótica etimológica e
filosófica. Ele levanta, através de Nicola Abbagnano, como Aristóteles compreende o
termo, se referindo também a Platão:
Tomemos então a reflexão detida que Franco Fabbri faz em seu artigo A Theory of
Musical Genres: Two Applications. Inicialmente ele define gênero musical como “um
conjunto de eventos musicais (reais ou possíveis) cujo caminho é governado por um
conjunto definido de regras socialmente aceitas” (FABBRI, 1985, p.1, tradução nossa)19.
Assim, para o autor, fica evidenciado a importância dos atores sociais nessa definição de
gênero, na construção deste e das normas que o irão reger.
Fabbri (1985) irá apontar categorias que lhe pareceram pertinentes na abordagem
desse assunto, para “indicar sua complexidade. O que deverá emergir deste panorama é a
necessidade de uma abordagem interdisciplinar, para que todo uso, musical ou não, que
esteja formando um gênero, seja examinado com as ferramentas teóricas mais
apropriadas” (FABBRI, 1985, p. 2, tradução nossa)20. Ele irá elencar os mais variados
aspectos para propor sua reflexão, abordando questões técnicas, semióticas – “todas as
19
“A musical genre is ‘a set of musical events (real or possible) whose course is governed by a definite set of
socially accepted rules’”. (FABBRI, 1985, p. 1)
20
“...but to indicate its complexity. What should emerge from this panorama is the necessity for an
interdisciplinary approach, so that every custom, musical or not, amongst those forming a genre, is
examined with the most appropriate theoretical tools.” (FABBRI, 1985, p. 2)
17
regras de gênero são semióticas, pois elas são códigos que criam uma relação entre a
expressão de um evento musical e seu conteúdo” – (FABBRI, 1985, p. 4, tradução
nossa)21, comportamentais, sociólogicas, econômicas e até jurídicas. Estas regras (como
ele as denomina) são hierarquizadas, dependendo de cada gênero.
Fabbri também coloca que essas regras são interligadas. Para ilustrar esse fator,
observamos a sua discussão acerca das regras “técnicas e formais”; elas estão muito
consolidadas na cultura musical das sociedades. Ele exemplifica demonstrando como dois
trompetistas que atuam em universos distintos vão precisar de diferentes ferramentas
musicais para interagir com os esses diferentes ambientes. Ele ainda aborda as diferenças
que podem ter Andres Segovia e um guitarrista de punk rock a respeito de afinação e
memória, colocando por fim que a “banalidade desses exemplos mostra como bem
enraizadas as regras dos gêneros estão na nossa cultura musical” (FABBRI, 1985, p. 3).
Ele coloca ao final da primeira etapa do seu artigo, uma reflexão sobre a dinâmica da
aparição de novos gêneros musicais, a partir da visão dos atores sociais envolvidos: a
“comunidade musical”. Usando a criação de um novo gênero musical como exemplo, ele
discorre como alguns desses atores poderão se portar e conclui:
Se estendermos esses exemplos para todos os relacionamentos possíveis dentro
de uma comunidade musical, vemos que a vida dos gêneros tem pouco ou nada
em comum com um respeito teutônico por regras e regulamentos, mas
preferivelmente ela é alimentada por relações entre as variadas leis, pelas
transgressões que se oporão a elas e acima de tudo por ambiguidades.
(FABBRI, 1985, p.8, tradução nossa)22
A partir desses parâmetros indicados por Fabbri, podemos selecionar algumas das
colocações a respeito de choro feita pelos autores que buscaram classificar o choro
enquanto gênero musical. Observamos que muitos buscam os aspectos que o autor
denomina como “ regras formais e técnicas”, apontando fatores ligados à forma musical e
harmonia. Eles concordam com a grande estrutura em duas ou três seções quanto à
21
“...all the rules of genre are semiotic, since they are codes which create a relation between the expression
of a musical event and its content.” (FABBRI, 1985, p. 4)
22
“If we extend these examples to all the possible relation- ships within a musical community, we see that
the life of genres has little or nothing in common with a Teutonic respect for rules and regulations, but
rather that it is fuelled by relationships between various laws, by transgressions against them and above all
by ambiguities.” (FABBRI, 1985, p.8)
18
questão da forma e Henrique Cazes foi enfático quando afirma que o choro seria
“necessariamente modulante”. Em alguns trabalhos também percebemos a ênfase dada
em relação ao comportamento melódico, textura característica (melodia principal com
trabalho polifônico proveniente de instrumentos de tessitura grave, em geral o violão de 7
cordas e acompanhamento feito com acordes em bloco ou batidos) e à escolha da
instrumentação, mais fatores de ordem “técnica” que podem ser dados da identidade deste
gênero.
Como dito anteriormente, as regras que Fabbri classificou e analisou se
entrelaçam, influenciando umas às outras e operando em conjunto. No caso do choro, a
questão social se torna imprescindível de ser investigada23, pois a sua construção
enquanto gênero se dá primeiramente no ambiente informal das reuniões entre os séculos
XIX e XX, tomando depois um rumo mais profissionalizante, quando os conjuntos
denominados como regionais assumem uma fatia do trabalho nas rádios. Posteriormente
Jacob do Bandolim vem a consolidar tanto a instrumentação considerada ideal quanto a
postura do músico frente a questões profissionais, trazendo uma exigência quanto à
pontualidade, habilidade, conhecimento do repertório, etc. Gabriel Rezende (2009) traz
essa análise, em seu texto O Choro: Caminhos e Sentido da Tradição, além de outras
reflexões acerca do choro e como este caminha para a construção de sua tradição. Ele traz
como modelos da consolidação do choro enquanto gênero Pixinguinha e Jacob do
Bandolim. O primeiro por trazer em sua bagagem “uma boa formação musical e uma
extraordinária capacidade de sistematização das variadas tendências musicais da época a
qual se soma uma alta dose de criatividade” (REZENDE, 2009, p. 4) e também as suas
boas relações no meio musical, e por consequência para o seu mercado. Entretanto
Rezende ainda nos relata que Pixinguinha trazia uma certa dose de “artesanato” tanto no
âmbito estético quanto profissional. Para o pesquisador, Jacob do Bandolim conseguirá
articular de forma mais eficiente esses dois aspectos.
O surgimento das rádios no Brasil a partir da década de 1920 gerou uma demanda
de mão-de-obra ligada à musica. Algumas rádios tinham no seu staff orquestras e
23
Pensamos
que uma pesquisa de caráter social voltada para o ponto que levantamos deverá ser feita em
estudos subsequentes.
19
cantores, atores, arranjadores e compositores que poderiam atuar também como
apresentadores de programas, como foi o caso de Ari Barroso e Lamartine Babo24.
Juntamente com esse elenco, o conjunto chamado regional25 se mostrou de grande
eficiência para diversos programas, pois não requeria ensaio e poderiam improvisar em
momentos que houvesse alguma falha ou ausência na programação; inclusive se um
cantor precisasse de acompanhamento mesmo se os músicos desconhecessem a obra: “...o
regional era chamado, e muitas vezes o cantor dizia o tom e nós entrávamos tocando sem
conhecer a música, fazendo introdução na hora, harmonizando na hora.” (SILVEIRA,
apud CAZES, 1998, p. 85).
Ermelinda Paz nos relata como Jacob do Bandolim era exigente acerca da música
que atuava (seja consigo mesmo, ou no trato com outros músicos, e outros meios, como
as rádios e as gravadoras)26. Como coloca Rezende, ele “tinha na música um valor
absoluto, que deveria seguir apenas suas próprias leis e não sofrer de exigências
exógenas” (REZENDE, 2009, p. 6).
Para Jacob, a postura informal dos músicos de regional deixava muito a desejar,
tendo mesmo uma rejeição quanto ao termo. Ele agirá no sentido de trazer uma
profissionalização desses músicos que atuavam nas rádios. Ao trazer esse alto padrão de
exigência, ele ajuda a estabelecer o que Rezende coloca como o “‘padrão de escuta’ para
o choro que até hoje é uma referência absoluta” (REZENDE, 2009, p. 6). Para o
pesquisador, Jacob assim firma o regional como conjunto “ideal” para o fazer musical
deste repertório.
Ainda Jacob atuou resgatando obras que estariam “esquecidas”. Ele elaborou e
manteve um grande arquivo de partituras, documentos, discos, etc. Com essas duas
atitudes, Jacob do Bandolim contribuiu para a representação do ideário do choro e para a
construção (invenção) da sua tradição27. Rezende discorre mais sobre essa questão:
24
Ver em Saroldi & Moreira: Radio Nacional; O Brasil em Sintonia, 1984, p. 21
25
De acordo com Cazes, o termo “regional” vem a partir de grupos como Turunas Pernambucanos, Voz do
Sertão e outros. Ver em Cazes (1998, p. 85).
26
Ver em Paz (1997).
27
A noção de tradição inventada utilizada aqui e por Rezende vem através do texto de Hobsbawn &
Ranger (1997). Eles definem tradição inventada como “um conjunto de práticas normalmente reguladas por
20
Por um lado, podemos observar que o processo de construção da tradição do
choro acompanha um processo de supervalorização da música como seu
aspecto fundamental (...) Em termos gerais, esse sentido de continuidade com o
passado, artificial em muitos aspectos, é alcançado através de um processo de
formalização e ritualização da experiência musical. No caso específico do
choro, podemos destacar uma série de elementos que são cristalizados para
comporem a tradição: um núcleo instrumental, uma função própria para cada
instrumento, padrões melódicos e harmônicos, uma sonoridade específica, um
repertório característico, uma situação típica para o evento, etc. Esse processo
de formalização e ritualização incide sobre uma situação musical pertencente a
um passado idealizado e, portanto, desenvolve-se paralelamente uma
necessidade de recuperação e conservação desse passado. (REZENDE, 2009,
p. 8)
regras tácitas ou abertamente aceitas; tais práticas, de natureza ritual ou simbólica, visam inculcar certos
valores e normas de comportamento através da repetição, o que implica, automaticamente, uma
continuidade em relação ao passado” (Hobsbawn & Ranger, 1997, p.9).
28
“A
term denoting manner of discourse, mode of expression; more particularly the manner in which a
work of art is executed. In the discussion of music, which is orientated towards relationships rather than
meanings, the term raises special difficulties; it may be used to denote music characteristic of an individual
composer, of a period, of a geographical area or centre, or of a society or social function.”
21
Leonard Meyer (1956) também traz uma análise detida a respeito de estilo
musical. De início ele define estilo musical como “sistemas mais ou menos complexos de
relações sonoras compreendidas e usadas em comum por um grupo de indivíduos.”
(MEYER, 1956, p. 45, tradução nossa)29. Ele nos descreve como considera esses sistemas
e seus componentes, trazendo as noções de estímulo sonoro e termo sonoro ou gesto
musical. O termo sonoro seria ou um som ou um conjunto de sons que “indicam,
implicam ou levam o ouvinte a esperar um mais ou menos provável evento consequente”
(MEYER, 1956, p. 45, tradução nossa)30 sempre dentro de um dado sistema. O estímulo
sonoro seria o fato físico em si; por exemplo um som isolado, um acorde ou os materiais
sonoros que a música eletroacústica utiliza. Contudo, o estímulo sonoro é compreendido
pelo sistema do qual ele participa, podendo ser tornar ou não um termo ou gesto musical:
“um estímulo sonoro não se torna em um termo sonoro até que ele seja considerado como
parte de um sistema de relações sonoras e que sua função particular dentro deste sistema
se torne aparente” (MEYER, 1956, p. 46, tradução nossa)31. O autor usa o exemplo do
acorde da dominante32, que para o ouvido ocidental é uma representação implicada de
significados, que em outro sistema cultural certamente não serão os mesmos. Assim, ele
busca relacionar estilo com o que ele denomina de “sistemas de estilo”, o que poderíamos
pensar também na noção da teoria dos conjuntos que Fabbri traz no seu texto sobre
gêneros musicais. Ele tece essa teia de relacionamentos entre estilo e o sistema em que
este estaria inserido, suas possíveis ambiguidades, regras internas, exceções, desvios,
enfim, um processo que o autor identifica como cíclico.
Em relação ao elenco de significados apresentados no item 1.1 deste trabalho,
vimos que alguns autores trazem diversas definições para o choro, sendo uma delas
29
“Musical styles are more or less complex systems of sound relationships understood and used in common
by a group of individuals.” (MEYER, 1956, p. 45)
30
“A sound or group of sounds (...) that indicate, imply, or lead the listener to expect a more or less
predictable consequent event are a musical gesture or ‘sound term’within a particular system style.”
(MEYER, 1956, p. 45)
31
“a sound stimulus does not become a sound term until it becomes realized as a part of a system of sound
relationships and until its particular funtion within that system is made apparent.” (MEYER, 1956, p. 46)
32
O simples fato que o autor se refere a esse acorde (acorde maior com a sétima menor) como “dominante”
já demonstra o sistema em que o próprio está inserido e como compreenderá tal estímulo sonoro.
22
também como um estilo musical. Isto é, uma maneira de tocar, de interpretar, de se
“amolecer” as polcas, como disse Cazes (1998), ao se referir ao modo de tocar dos
músicos chorões.
Ao pensarmos no choro enquanto estilo musical, levantamos alguns parâmetros
como modos de interpretação da melodia, acompanhamento, maneiras de criação de
linhas polifônicas (a baixaria seria o formato de polifonia considerado característico desse
estilo), determinados grupamentos melódicos ou harmônicos, acentuações e articulações
melódicas, maneira de condução da dinâmica e da agógica, etc. Alguns desses eventos
poderiam ser classificados como estímulo ou mesmo como termos sonoros. A baixaria
poderia ser um bom exemplo de termo sonoro, pois é considerada como um modo de ser
fazer polifonia característico do estilo choro. Alguns incisos ou até frases melódicas
poderiam ser vistos como estímulos sonoros. Alexandre Caldi em sua dissertação
de Mestrado (2000), considera como aspectos estilísticos e o improviso no choro os
contracantos elaborados no fazer musical desse repertório. Ele procura analisar o
improviso no choro de várias maneiras, pois admite um conceito amplo33 do termo:
33
Gostaríamos
de ressaltar que a noção mais ampla para “improviso” que Caldi admite para seu trabalho
está apoiada em outros pesquisadores e estudiosos, citados em sua dissertação, como Phillip Bohlman e
Jean Düring.Ver em Caldi (2000).
23
Não é o nosso intento listar e analisar a fundo todos os aspectos que marcariam o
choro enquanto estilo; este seria um assunto para uma investigação mais acurada.
Contudo, ao catalogarmos alguns destes parâmetros “técnicos” (aqui usando a noção de
Fabbri para regras formais e técnicas) buscamos mapear fatores onde se observa a
definição do choro enquanto estilo musical, isto é, quais elementos musicais poderiam
trazer para o choro a condição de estilo musical.
Paulo de Sá também contribui para esta linha de reflexão, em sua tese de
Doutorado, ao levantar alguns dos parâmetros que consideraríamos como “técnicos”,
segundo a denominação de Fabbri. Em seguida, ele ratifica sua linha de pensamento com
vários estudos acadêmicos que também trazem o termo estilo enquanto maneira de se
executar um repertório, ou também, a maneira que um determinado músico trabalha sua
interpretação ou compõe.
Como já analisamos, o choro pode absorver vários significados, onde gênero e
estilo musicais fazem parte desse grupo. Alexandre Gonçalves Pinto (2009) ajuda a
corroborar essa colocação, quando relata a trajetória de Juca Flauta já citada no item
anterior34. Poderíamos então pensar neste depoimento do Animal: o choro atuando aqui
tanto como um gênero que englobaria seus sub-gêneros (no sentido de Fabbri) quanto um
“sistema de estilos” (style systems), como diria Meyer (1956). E que esses dois
significantes se encaixarão com tranquilidade ao longo da trajetória do choro, como
veremos no item que se segue.
34
Ver na página 12 deste trabalho.
24
Muitos deles acabam por ajudar a construir representações35 que geraram fetiches em
relação à trajetória do choro.
A maioria dos autores que se dedicaram ao estudo deste gênero concorda que sua
história se inicia ainda na 2ª metade do século XIX. Henrique Cazes diz, em seu livro
Choro: Do Quintal ao Municipal, que “Se eu tivesse que apontar uma data para o início
da história do Choro, não hesitaria em dar o mês de julho de 1845, quando a polca foi
dançada pela primeira vez no Teatro São Pedro.” (CAZES, 1998, p. 19). Embora outros
autores se refiram também a 184436 (com a apresentação do vaudeville La Polka, como
parte das comemorações do aniversário de D. Pedro II), há uma concordância entre eles
compreender que a polca em especial está muito ligada ao surgimento do choro.
Tinhorão (1998) relata que a emergente classe média, a “camada mais ampla dos
pequenos burgueses passava a cultivar a diversão familiar das reuniões e bailes em salas
de visita, ao som da música (...) dos tocadores de valsas, polcas, schottisches e mazurcas
à base de flauta, cavaquinho e violão”. (TINHORÃO, 1998, p. 105). As reuniões onde
participavam tais grupos musicais eram chamadas de choros, como lembra Alexandre
Gonçalves Pinto. Como já descrito no item 1.1 deste trabalho, este termo pode ter mais
significados, como a designação do gênero musical e dos grupos que se encarregavam de
tocar nas festas descritas anteriormente. Pinto usa esses variados sentidos, assim como
outros autores, músicos e amantes do choro.
Os nomes deste período mais conhecidos são Antonio Callado, Chiquinha
Gonzaga, Ernesto Nazareth e Anacleto de Medeiros37. Outros músicos, como Viriato
Figueira e Patápio Silva, também são lembrados pelos chorões e têm suas obras tocadas
até hoje.
35
Tomamos aqui a noção de representação trazida por Roger Chartier. Para ele, as representações são
construídas a partir de: “esquemas intelectuais incorporados que criam as figuras graças as quais o presente
pode adquirir sentido, o outro tornar-se inteligivel e o espaço ser decifrado.” (CHARTIER, 1990, p. 17).
Esta noção será abordada mais detidamente no Capítulo 6, quando a correlacionaremos com o choro e o
assunto desta pesquisa.
36
Ver Machado (2007) e Sá (1999), dentre outros.
37
São compositores e também músicos intérpretes que viveram entre os sécs. XIX e XX. Callado era
exímio flautista, Gonzaga e Nazareth, pianistas e Medeiros, maestro da Banda do Corpo e Bombeiros do
Rio de Janeiro.
25
No início do século XX apareceria Pixinguinha, considerado pela bibliografia
especializada e pelos agentes envolvidos com o choro (músicos, compositores,
jornalistas) como um dos maiores pilares deste gênero, com uma vida longa e produção
bastante vasta, tanto de composições como de registros fonográficos. Segundo Ary
Vasconcelos, em seu livro Carinhoso e Etc: História e Inventário do Choro, Pixinguinha
seria “o maior nome do choro de todos os tempos” (VASCONCELOS, 1984, p. 24). Para
Cazes, Pixinguinha foi o artista que “aglutinou idéias e deu ao Choro uma forma musical
definida” (CAZES, 1998, p. 57).
Ao observarmos esse texto de Vasconcelos (1984), vemos que ele imprime um
formato peculiar para o mesmo, dividindo-o em seis gerações de músicos. Ele as localiza
cronologicamente: a primeira, entre os anos de 1870-1889; a segunda, entre 1889 até
1919; a terceira entre 1919 a 1930; a quarta, entre 1927 a 1946; a quinta, de 1945 a 1950;
e por fim, a sexta, partindo de 1975 até o ano em que ele terminou de redigir o livro ( em
torno de 1978, quando lançou a primeira edição)38.
As primeiras três gerações foram brevemente citadas nos dois parágrafos
anteriores. Passaremos então às quarta e quinta gerações, que são relevantes para esse
trabalho. Seus expoentes são Luperce Miranda, Luis Americano, Benedito Lacerda,
Garoto, Radamés Gnattali, Abel Ferreira, Waldir Azevedo, Canhoto da Paraíba e Jacob
Pick Bittencourt39. Jacob fica nesta listagem por último, porque considera-se que sua
contribuição para o choro foi de suma importância. Ele foi figura marcante, tanto pelo
exímio instrumentista e compositor que era como também pela maneira como imprimiu
sua personalidade em sua arte. Alguns de seus arranjos e rearmonizações40 de obras de
outros compositores ficaram mais consolidados do que a obra original. Se fizermos uma
análise das gravações de Jacob para o repertório de Ernesto Nazareth, observaremos que
38
É interessante ressaltar que o período entre 1950 e 1975 é demarcado por Vasconcelos como um grande
momento de declínio para o choro, ou como ele colocou: “As vacas permanecerão magras (...)”.
(VASCONCELOS, 1984, p. 38).
39
Como todos são compositores, fazemos aqui também uma lista a partir de seus instrumentos. Miranda era
bandolinista; Luis Americano, saxofonista, Lacerda, flautista; Gnattali, pianista e maestro; Abel Ferreira,
saxofonista; Waldir Azevedo, cavaquinista, Canhoto, violonista e Jacob, bandolinista.
40
Rearmonização (ou reharmonização) é uma definição para a substituição, adição e/ou supressão de
acordes ou grupos de acordes de uma obra musical. Geralmente, este procedimento é de ordem estética, por
isso é considerado bastante subjetivo. Vários autores que lidam com harmonia voltada para a música
popular dedicam parte de seus textos sobre este assunto. Ver em Cúria (1990), Guest (2006), Levine
(1995), Liebman (1991), dentre outros.
26
Jacob não seguiu a partitura do compositor; alterou tonalidades para maior adequação ao
seu instrumento, rearmonizou e até criou seções inteiras. O tango brasileiro “Brejeiro” é
um dos exemplos desta prática de Jacob: o formato que ele deu à peça se firmou como
definitivo e é executado nas rodas de choro até o presente momento41 (CORTES, 2005, p.
64, 70, 74 a 76 e Anexos), muito embora não corresponda à partitura original de
Nazareth42.
Segundo Vasconcelos (1984), o choro teve “fases de ouro”, mesclados com
alguns momentos de declínio; estes se localizariam durante os anos 1920, com o
surgimento das jazz-bands, e entre os anos 1950 e 1970, embora como já apontado
anteriormente43 observa-se que o gênero continuou sendo composto e tocado, mesmo nos
períodos de pouca atividade.
Para levantarmos esta questão, abordaremos sucintamente a trajetória de
Pixinguinha e Jacob do Bandolim nestes períodos. Pela discografia de Pixinguinha44,
observa-se que o número de choros gravados entre os anos 20 e 40 foi bem maior que as
gravações de foxes45 (24 choros e apenas 2 foxes), o que nos dá pistas que a influência da
música norte-americana não teria sido tão contundente. Nos anos 30, não há registro
fonográfico de Jacob do Bandolim como solista. Neste período, ele começou a fazer as
primeiras apresentações. Em 1934, ele conquistou o primeiro lugar no Programa dos
Novos, na Rádio Guanabara e depois seria contratado pela emissora. Nela, montou seu
conjunto Jacob e sua Gente, “iniciantes e músicos profissionais, muitos dos quais já
consagrados na época” (PAZ, 1997, p. 33) e, com ele, acompanhou muitos artistas, dentre
eles “Noel Rosa, Augusto Calheiros, Ataulfo Alves, Carlos Galhardo e Lamartine Babo”
41
Para melhor referência, podemos comparar a partitura original de “Brejeiro” (Ernesto Nazareth) com a
gravação de Jacob desta obra no LP Vibrações e com a transcrição feita por Almir Côrtes, em sua
dissertação de Mestrado (2006).
42
Ver em Cortes (2005).
43
Ver nas páginas 12 e 13 deste trabalho.
44
Ver
em
Cabral, (1997), p. 215 a 244.
45
O fox ou foxtrote foi uma forma de dança americana de grande sucesso no começo do século XX. Um
marco do seu início foi num tour dos dançarinos Irene e Vernon Castle e seu diretor musical, James Reese
Europe. Ele pediu a Castle para criar uma dança para o Memphis Blues. O resultado foi o fox trot, de
sucesso imediato e, segundo o dançarino, seus passos foram inspirados em passos Afro-americanos. O fox
se espalhou pelo mundo todo como dança da moda e teve suas variantes, o charleston e o black bottom. Os
agentes atuantes neste cenário (músicos, dançarinos, gravadoras de discos, etc) ligavam a música com a
dança correspondente à época: “As primeiras gravações de jazz não vinha rotuladas como ‘jazz’, mas
genericamente como ‘música para dançar’, ou especificamente com o nome da dança (...) na maioria dos
casos, seria o fox-trot”. (GROVE, 2014, tradução nossa).
27
(CORTES, 2005, p. 32). Ele teve intensa atuação na rádio brasileira, participando de
diversas emissoras e programas até o fim da sua vida.
O primeiro fonograma de Jacob como solista tem a data de 194746. A partir de
então, ele teria uma produção fonográfica intensa, mesmo nos ditos anos de “vacas
magras”: a sua discografia apresenta 18 fonogramas entre os anos de 54 e 68, entre 78
rpm, compactos simples e duplos e LPs. Em 1961, Jacob formou o conjunto que
posteriormente levaria o nome Época de Ouro, em 196747. Este grupo se consolidaria
como o modelo ideal para a performance do choro. Nesta época Pixinguinha apresenta
uma produção menor que outrora, mas ele é gravado por outros intérpretes; Jacob do
Bandolim, por exemplo, tem vários registros48. Nos final da década de 40, Pixinguinha
começaria sua “parceria49” com Benedito Lacerda, o que irá se transformar em vários
fonogramas, onde estão gravados os famosos contrapontos que Pixinguinha criou e
interpretou ao saxofone tenor.
Podemos supor que os momentos de declínio apontados por Ary Vasconcelos
(1984) seriam proporcionados mais por imposição do mercado de trabalho e,
consequentemente, pela mídia do que pela prática musical. Como as rádios passaram a
utilizar mais músicas gravadas, alguns dos músicos de orquestra e de regional começaram
a ser demitidos. Jacob do Bandolim faleceu em 1969 e após sua morte, o Época de Ouro
se desfez. Os anos 60 se caracterizaram pela aparição e auge da Bossa-Nova e a música
estrangeira “começava a entrar mais ostensivamente no mercado brasileiro” (SOUZA,
2009, p. 25). Souza também coloca que a estética “voz e violão” proposta pela Bossa-
Nova acaba por levar os músicos antigos ao “desemprego e ao esquecimento pela mídia”
(SOUZA, 2009, p. 25) ou então a se dedicar a outros estilos musicais e até outros
instrumentos. No artigo de Margarida Autran Dourado, na coletânea Anos 70 – Ainda sob
a Tempestade (2005), observamos um trecho de uma entrevista com Dino 7 Cordas para
o Jornal de Música: “Eu, quando senti a barra, pensei: vou aderir. Afinal, eu tinha braços
e ouvidos e precisava trabalhar. Comprei uma guitarra e fui tocar em baile” (Dino 7
46
Ver
em
Paz
(1997), p. 41.
47
Paz, (1997), p. 41 e 42.
48
Para referência, ver Cabral, (1997), p. 247 a 271.
49
Justificamos as aspas porque Benedito Lacerda na verdade fez um acordo com Pixinguinha onde este
daria parceria em vários choros (que já tinham sido compostos) a Lacerda. Ver em Cabral, (1997), p. 160 a
161.
28
Cordas apud. DOURADO, 2005, p. 81). Neste período, Abel Ferreira50 também conta
que passou a animar festas de formatura tocando “desde bolero ao rock” (FERREIRA
apud. DOURADO, 2005, p. 81).
Os autores que se dedicaram a contar a trajetória do choro nos relatam que ele irá
experimentar uma revitalização nos anos 1970. Em 1973, Paulinho da Viola traz para seu
show Sarau o grupo Época de Ouro, interpretando algumas obras de choro. Entre este ano
e 1974, a gravadora Marcus Pereira lança quatro51 LPs também de choro, além do LP
Cartola, onde participaram músicos reconhecidamente ligados ao choro, como Dino,
Canhoto, Meira e Copinha, dentre outros52. Dentro deste período, Vasconcelos conta:
50
Abel Ferreira foi compositor e clarinetista. “Chorando Baixinho” é seu choro mais famoso.
51
São eles: Brasil, Flauta, Cavaquinho e Violão (403-5.005); Brasil, Flauta, Bandolim e Violão (403-
5.019); Brasil, Trombone (1974, 403-5.021); A Música de Donga (40,3-5.023).
52
Ver Cazes, Ib. p. 141.
29
obras de choro. Observemos o LP Radamés Gnattali Sexteto de 1975. No seu arranjo
para “1 x 0” de Pixinguinha e Benedito Lacerda, aparecem diversas modificações em
relação a registros anteriores, como por exemplo a gravação dos compositores53, feita em
1946: rearmonizações com uso de modulações não previstas no original; instrumentação
diferenciada do regional, adicionando guitarra, contrabaixo e bateria em seu conjunto,
mudanças inesperadas de andamento, de padrões rítmicos, etc. Em 1977, temos o 1º
Festival Nacional do Choro, em São Paulo, realizado pela Rede Bandeirantes de
Televisão, que teve 1200 músicas inscritas. O evento foi bastante noticiado pela
imprensa. A Revista Veja54 dedicou um artigo a respeito do choro em 1977, citando o
Festival e seus acontecimentos de maior importância. O grupo A Cor do Som, mais
conhecido pelo seu trabalho com rock, que veio defender o choro “Espírito Infantil”
(autoria de Mú Carvalho, tecladista do grupo), tirou o 5º lugar neste mesmo festival. O
grupo chamou a atenção por empregar instrumentos não-usuais para o choro, como baixo
elétrico, guitarra, bandolim elétrico e acústico, piano, órgão, clavinete e bateria; o fato
ocasionou a seguinte reação de Vasconcelos: “‘Espírito Infantil’ tornou-se o primeiro
choro concebido e sob a influência direta do rock. Mas será... realmente um choro?”
(Vasconcelos, 1984, p.43).
Em 1978 surge o Nó em Pingo D’Água, conjunto que adquiriu uma formação já
diferenciada do regional e também pelo trato dos seus arranjos musicais aos choros,
buscando experimentações na estrutura musical. Em sua primeira fase, o Nó teve no
conjunto Mario Sève nos saxofones sopranos, alto, tenor e flauta, Pedro Amorim
(bandolim e violão tenor) e Wanderson Martins (cavaquinho), Rogério Souza (violão de 6
cordas), Jorge Simas (violão de 7 cordas) e Márcio Gomes (percussão). Após gravar seus
dois primeiros CDs, o grupo mudou sua instrumentação, passando a ter baixo elétrico e a
usar guitarra elétrica alternando com o bandolim. Assim, eles começaram a desenvolver
uma sonoridade considerada diferenciada para o choro, aproximando-os da proposta
experimental de Radamés. O seu terceiro CD Receita de Samba é tido como o marco
desta mudança do grupo. Cazes considera este álbum como um dos mais polêmicos da
53
Referência do CD (compilação de diversos registros fonográficos de Benedito Lacerda e Pixinguinha,
feita como homenagem póstuma ao flautista. Sergio Cabral (1997) apresenta também referência quanto a
esta gravação em sua biografia sobre Pixinguinha.
54
Revista Veja, edição 478 (72 de Novembro de 1977), p. 134 a 136.
30
história do choro. Ele nos relata que o CD tem “defensores fervorosos e encontra por
parte dos conservadores uma enorme resistência” (CAZES, 1998, p.189). O Nó em Pingo
D’Água continua ativo até os dias de hoje, com uma discografia de 12 títulos.
Ainda em 1978, Joel Nascimento55 procurou Radamés Gnattali e pediu-lhe para
adaptar a sua “Suite Retratos” para o formato de regional. O grupo, sem nome ainda, se
apresentou em Curitiba, São Paulo e Brasília. Em 1979, o conjunto gravou seu primeiro
LP, Tributo a Jacob do Bandolim, em ocasião do décimo aniversário da morte do
compositor. Hermínio Bello de Carvalho56, alguns meses após a gravação do disco, é
quem dá o nome ao conjunto: Camerata Carioca.
Em 1980, Gnattali e a Camerata Carioca estrearam em Curitiba o show Vivaldi &
Pixinguinha, que seria gravado e lançado em 1982, em um LP homônimo. Em 1983, eles
fazem mais um espetáculo de sucesso que culminaria em outro produto fonográfico, o
show Uma Rosa para Pixinguinha, ao lado de Elizeth Cardoso. Ainda neste ano, a
Camerata lançou mais um LP, Tocar. Com este trabalho o conjunto ganhou o Prêmio
Playboy de melhor disco instrumental do ano. A Camerata se desfez em 1986.
Os anos 1980 também foram um período onde o choro não estava em voga.
Livingston-Isenhour & Garcia (2005) observaram que o choro ganhou impulso na década
anterior graças também à ação do Estado, que incentivou vários projetos como gravações,
concertos e concursos. Para os autores, o Estado tinha esse interesse, pois o gênero
poderia redirecionar o pensamento dos jovens. O choro como gênero primordialmente
instrumental, não trazia problemas com a censura e ainda tinha um componente racial: a
partir dos anos 1960 os grupos eram formados basicamente por homens brancos, que
poderiam ser associados com
a classe média e alta mais do que com a perigosas e expropriadas classes baixas
(i. e., afro-brasileiros, brasileiros com descendência indígena ou imigrantes
nordestinos). Por estas razões, sugerimos que o Estado intencionava usar a
revitalização do choro como uma tentativa explícita de convencer a
55
Famoso bandolinista e compositor carioca, tem uma sólida carreira como solista e discografia extensa,
com dezoito títulos. Ele veio a substituir Jacob do Bandolim no conjunto Época de Ouro, quanto Jacob
faleceu Ver em Cazes (1998) e no Dicionário Cravo Albin de Música Popular Brasileira, disponível em
http://www.dicionariompb.com.br/joel-nascimento (último acesso em 15/03/2013).
56
Renomado compositor, ativista cultural e poeta. Compôs diversas letras para choros famosos, como
“Noites Cariocas” e “Doce de Côco”.
31
conservadora classe média que começava a se ligar com os radicais em suas
reivindicações por democracia. (LIVINGSTON-ISENHOUR & GARCIA,
2005, p. 149, tradução nossa)57
A década de 1990 trouxe uma nova volta para o choro e o samba, a partir de
empreendimentos de grupos pequenos de músicos e surgimentos de casas de shows e
bares em especial na Lapa59 que irão abrigar esses gêneros musicais. Neste período
aparecem grupos que vão também buscar uma estética “diferenciada” de fazer choro,
trazendo eventos musicais pouco usuais ao estilo do começo do séc XX até os anos 1970,
já então com a presença de Gnattali e o Nó em Pingo D’Água. Estes conjuntos buscavam
sair da tradição consolidada pelos chorões como Jacob do Bandolim, e mantiveram a
idéia estética proposta pelos nomes anteriormente citados, mas com personalidades
57
“...
and thus would be associated with the middle and upper classes rather than the possibly dangerous
lower and disenfranchised classes of society (e. g., Afro-Americans Brazilians, Brazilians of Indian
heritage, or immigrants from the northeast). For these reasons, we suggest that the state intended to use the
choro revival as an overt attempt to win over the conservative middle class that was beginning to side with
the radicals in their demans for democracy.” (LIVINGSTON-ISENHOUR & GARCIA, 2005, p. 149)
58
“Choro retreated once again to the margins, surviving as before in rodas in homes and bars, and
professional choro musicians either abandoned choro in favor of other more lucrative styles or left the
country to seek their fortune.” (LIVINGSTON-ISENHOUR & GARCIA, 2005, p. 151)
59
A
Lapa é uma região pertencente ao bairro Centro do Rio de Janeiro. Esta localidade concentra grande
quantidade de bares e casas de shows, muitas dedicadas à música popular, em especial ao samba e choro.
Ver em REQUIÃO (2010, p. 183) e no site Lá na Lapa (http://lanalapa.com.br/).
32
próprias. O jornalista Tarik de Souza cria uma denominação para essa abordagem de se
arranjar e interpretar: o “neo-choro”60.
Alguns desses conjuntos seguem com suas carreiras, até o presente momento.
Outros tiveram uma trajetória mais curta mas, em sua maioria, tiveram a oportunidade de
registrar fonograficamente seus trabalhos. Ao observarmos o repertório que os grupos
selecionaram para os seus CDs, percebemos uma variedade maior de gêneros musicais do
que o encontrado no “fazer musical” do choro. Algumas das questões levantadas
anteriormente começam a se estabelecer: a abordagem diversa da considerada
“tradicional” para o fazer musical do choro, as possíveis inter-relações e/ou
correspondências entre outros gêneros musicais dentro dos arranjos, o que trará outras
investigações que tentarão colaborar na compreensão da prática musical destes conjuntos.
Nesta primeira etapa da pesquisa, procuramos contextualizar o objeto a ser
tratado. Foi elaborado um compêndio das várias definições ligadas à música para a
palavra “choro”. Dentre os significados encontrados, destacamos gênero e estilo
musicais. Propusemos então uma discussão entre estes termos e como o choro travaria
um diálogo como eles. Por fim, apresentamos um breve histórico do choro desde a
passagem do século XIX para o século XX até os anos 1990, procurando dar maior
ênfase à década de 1970. Assim, buscamos construir um cenário em que poderemos
observar com maior acuidade o assunto de nossa investigação.
60
Essa expressão aparece inicialmente na resenha do primeiro CD do grupo Rabo de Lagartixa, em 1998.
Ver a nota de rodapé no 1.
33
34
2. Os grupos de choro e os músicos que despontaram na década de 90 do século XX:
o chamado “neo-choro”61.
2.1 – Breve Histórico (relato com os outros grupos e os espetáculos que surgiram
nessa época no Rio):
No início dos anos 1990 a Lapa não tinha a efervescência que encontramos
atualmente. Em sua tese de Doutorado Luciana Requião (2010) relata que a dita
“revitalização” da Lapa iniciou-se nos primeiros anos dessa década, através do projeto do
governo à época, Quadra da Cultura, que destinou alguns imóveis do Estado para abrigar
algumas instituições de caráter cultural, como o Teatro do Oprimido de Augusto Boal
(REQUIÃO, 2010, p. 189-190). Contudo, neste período havia pouco movimento em
relação à música popular. O Circo Voador era uma das exceções no bairro; ele abrigava
as mais variadas tendências musicais, dentre outras atividades culturais. Os domingos
eram dedicados às orquestras de gafieira, onde se poderia escutar a Orquestra Tabajara,
Paulo Moura dentre outros músicos. O universo do choro estava presente nesses grupos,
embora dentro de um repertório mais diversificado e voltado para dança de salão. Em
1996, o Circo Voador teve suas portas fechadas pelo prefeito da época, alegando
irregularidades.
Neste mesmo ano, foi re-aberto um bar na altura dos Arcos da Lapa, o Arco da
Velha, onde o produtor Lefê Almeida62 trouxe (além de outros artistas) alguns músicos
ligados ao choro para fazer shows. Em 1997, um antiquário na Rua do Lavradio chamado
Emporium 100 também começou a apresentar shows com repertório de choro. A partir de
61
Aqui
julgamos pertinente relatar que grande parte das informações obtidas foi através de entrevistas, com
caráter aberto e com depoimentos tomados informalmente, quando sentimos falta de algum dado
complementar. As entrevistas foram previamente agendadas e embora fossem abertas, partiam de um
roteiro estruturado.
62
Lefê
Almeida é pesquisador envolvido com a música popular brasileira, produtor musical, economista e
participou intensamente do início da chamada “revitalização” da Lapa. Permaneceu à frente de diversas
casas de shows neste período, como o Arco da Velha, o bar Coisa da Antiga e o Carioca da Gema. Ver no
Dicionário Cravo Albin (2014) e em seu depoimento para este trabalho (2013).
35
1997, o bar Semente63 adota o samba e choro em sua programação musical, com noites
comandadas pela cantora Teresa Cristina e o Grupo Semente. Em 2000, inaugura o bar
Carioca da Gema, na Rua Mem de Sá, toda a região começa a se transformar, com a
abertura de vários bares e casas de shows e a Lapa começa a ganhar outro status. Como
relata Requião,
63
Bar localizado na Lapa, famoso por ter sido um dos espaços onde se iniciou a revitalização da Lapa nos
anos 1990, no Rio de Janeiro. Ver no Dicionário Cravo Albin (2014), Goes, (1997), e na entrevista com
Lefê Almeida (2013), dentre outros.
64
O grupo Choro na Feira surgiu a partir da proposta sem maiores pretensões dos músicos de se
encontrarem na feira da Rua General Glicério, em Laranjeiras aos sábados pela manhã, para tocar peças do
repertório do choro. Ver no verbete do Dicionário Cravo Albin (2011).
36
... a gente queria fazer uma coisa que tivesse ... que fosse choro, mas que
tivesse um pouco da bagagem de cada um (...). O Samuel tinha... tido a
vivência de tocar choro, mas de tocar jazz também (...). Eu tinha também
estudado um pouco de jazz. (...) E aí o Fábio, que tinha a coisa do flamenco
(...) Então, a gente começou a fazer um som que misturava tudo, entendeu, a
gente não tinha preconceito nenhum, era tudo meio misturado e desorganizado,
de certa forma. (Caio Marcio, 2010, em entrevista à autora).
Os componentes do grupo relatam que eles faziam ensaios também, mas que
muitas das suas idéias musicais surgiam nessas rodas que promoviam. Fabio Nin nos
conta que este foi o momento de maior experimentação do grupo:
37
65Paulo Sergio Santos é clarinetista, com vasta carreira como solista e integrantes de conjuntos como o
Quinteto Villa-Lobos. Sua formação é eclética, passando pelos universos da música erudita e popular. Foi
membro d’O Trio, citado em nossa pesquisa como um dos conjuntos que buscaram a estética para o choro
que estamos aqui investigando. Atuou também como professor na Universidade do Rio de Janeiro (UNI-
RIO) durante 5 anos. Ver no Dicionário Cravo Albin (2014).
66
Casa de shows famosa por abrigar vários espetáculos de música popular, de gêneros diversos: samba,
rock, etc. O estabelecimento foi fechado em 2005.
67
“Trenzinho do Caipira” faz parte apenas do DVD de Maria Bethânia e não dos dois registros.
38
Como dinâmica de elaboração de seus arranjos, o grupo teve duas fases: a do
primeiro CD, onde usaram os experimentos que haviam adquirido na época das rodas
dos bares da Lapa. Tanto no ambiente das rodas quanto nos ensaios, um membro do
grupo trazia uma proposta de trecho, ou inciso musical, e este era aplicado em uma ou
mais obras musicais. Fabio Nin relata que essas propostas eram mais usadas nas seções A
das peças. O conjunto manteve esta linha de trabalho para outros projetos, como a
temporada no Ballroom. Durante este período, eles faziam ensaios diários para poder
cumprir com todos os arranjos que tiveram que realizar, por conta dos diversos músicos
com quem estavam atuando.
No seu segundo CD, o grupo optou por uma prática diversa. Os arranjos foram
estruturados individualmente e trabalhados em ensaios menos intensivos. Após este
preparo, o conjunto entrou em estúdio e gravou o CD Feijoada Completa. Eles lançaram
este trabalho no Rio de Janeiro e em São Paulo, contudo não cumpriram uma agenda tão
extensa de shows como fez na ocasião do primeiro CD. Caio Marcio nos contou que em
2010, o Tira Poeira teve poucos eventos. Ele pensa que parte da questão está ligada ao
fato do cenário de shows no Rio de Janeiro ter decaído um pouco.
39
formação, adicionaram-se a viola68 e piano. Neste conjunto estava o núcleo do Água de
Moringa, Josimar Carneiro, Marcílio Lopes, Jayme Vignoli e Rui Alvim.
Antes da estruturação deste grupo ligado à universidade, Josimar nos conta que
conheceu Jayme Vignoli em oficinas de choro ministradas também na UNI-RIO. Eles
logo travaram amizade, e se encontravam para tocar em rodas informais de choro e de
samba.
Após cumprirem os dois anos da disciplina, o grupo diminuiu de tamanho,
mantendo a estrutura do regional, ficando sem o piano e a viola. Eles sentiram a
necessidade de dar continuidade a este trabalho. Jayme deu a sugestão do nome para o
grupo, a partir da música de Wilson das Neves e Nei Lopes. O Água de Moringa surge
como grupo em 1989 e começaram a tocar em shows, eventos e projetos como o Palco
Sobre Rodas, no Rio de Janeiro.
Sua primeira formação contou com os seguintes músicos: Rui Alvim, no clarinete,
Marcílio Lopes no bandolim, Jayme Vignoli no cavaquinho, Alexandre de la Pena e
Josimar Carneiro nos violões de 6 e 7 cordas (respectivamente) e Beto Cazes, no
pandeiro. Posteriormente, Beto Cazes e Alexandre de la Pena saíram do conjunto,
entrando nos seus lugares, André Boxexa e Luis Flávio Alcofra.
Em 1994, eles gravam seu primeiro CD, de nome homônimo ao grupo. Este
trabalho foi muito bem recebido pelo público e crítica, sendo indicado ao Premio Sharp
de Música deste ano. A partir de então, fizeram vários shows e lançaram o CD na França,
pelo selo Bhuda Musique. Em 1996, o grupo esteve lá para uma série de shows e no ano
seguinte em Portugal. Nesta época, ampliaram seu leque de trabalho, fazendo shows com
compositores e cantores de samba, como Wilson Moreira, Dona Ivone Lara, Walter
Alfaiate e Delcio Carvalho.
Divergindo das práticas dos outros conjuntos aqui investigados, o Água de
Moringa não faz muitos arranjos coletivos. Em sua maioria, eles são elaborados
individualmente, e trabalhados nos ensaios, podendo haver então modificações,
68
Como nota de esclarecimento, devemos dizer que a viola em questão era o instrumento sinfônico e não a
viola caipira, como poderíamos ser levados a deduzir, pelo tipo de proposta musical e instrumentação.
40
sugestões, etc. A rotina do grupo é ter um ensaio fixo uma vez por semana, sendo
intensificada em períodos de gravação ou preparo para shows.
Não são todos do grupo que escrevem os arranjos. Esta função fica a cargo de
Jayme Vignoli, Josimar Carneiro, Luis Flávio Alcofra e Marcílio Lopes. No primeiro CD
Luis Flávio não colaborou com nenhum arranjo, pois havia entrado no grupo
recentemente e eles já tinham o material que seria gravado.
Em 1998, gravaram e lançaram seu segundo CD, Saracoteando, que ganhou dois
Premios Sharp, de Melhor Grupo e Melhor Arranjador, para Josimar Carneiro.
Eles seguiram carreira, fazendo shows tanto no Brasil quanto no exterior69 e
participando de projetos. A editora Sony foi responsável por um deles, que culminaria na
gravação do terceiro CD do Água de Moringa, o Inéditas de Pixinguinha. A empresa
comprou um lote de partituras dos herdeiros de Pixinguinha e convidou Jayme Vignoli e
Luis Flavio Alcofra para analisarem as partituras, conferirem sua veracidade e fazer um
CD a partir deste material. Esse trabalho foi feito e a partir dele, o Água de Moringa
selecionou treze músicas e trabalhou nos arranjos, conforme sua rotina costumeira. O
grupo lançou o CD em 2002.
O grupo sempre teve uma ligação forte com Joel Nascimento. Resolveram então
fazer um CD, em homenagem a ele, usando suas composições. Começaram a elaborar os
arranjos, contudo o processo foi bem mais lento do que com os seus outros, demorando
entre dois anos a dois anos e meio para que o projeto fosse finalizado. Eles lançaram este
trabalho em 2010, no Teatro Carlos Gomes, no Rio de Janeiro.
69
A carreira internacional do grupo contém apresentações em Portugal (representando o Brasil no concerto
Canto Atlântico – 1997), na Colômbia (Biblioteca Luís Angél Arango, em Bogotá, e Centro Cultural do
Banco de la República, em Cucúta - 2002). Em 2005, o grupo participou do Ano do Brasil na França
fazendo shows no Carreau du Temple em Paris. Este show deveria ter culminado no registro de um DVD,
contudo a gravação apresentou problemas de captação de som, portanto não podendo ser comercializada.
Informações colhidas através do site do Jornal Cultura Viva e com André Boxexa, em depoimento
informal, em 17 de Novembro de 2013.
41
70
A data foi pesquisada através do site Clique Music e corroborada por Ronaldo do Bandolim e Marcello
Gonçalves em seus depoimentos.
71 Sergio Abreu é renomado violonista, professor e luthier. Participou de um duo com seu irmão que
permaneceu em atividade até 1972. Sergio continuou com uma carreira de solista até 1981, dedicando-se
posteriormente á construção de violões e a eventuais bancas de concursos e aulas. Os violões fabricados por
Abreu tornaram-se famosos pela excelência em sua manufatura. Ver em Morais (2007).
42
Nazareth. Também atuaram como arranjadores e intérpretes dos CDs dos seguintes
cantores: Zé Renato, Guilherme de Britto e o mais recente, com Roberta Sá. O grupo
produziu e participou do documentário Brasileirinho, em 2007. Ele trata da história do
choro e seus expoentes contemporâneos, como Yamandú Costa, Paulo Moura, Zé da
Velha e Silvério Pontes, dentre outros.
O Trio Madeira Brasil seguiu sua carreira, mantendo-se bastante ativo até o
momento, com muitos shows no Brasil e no exterior, se fazendo presentes em festivais
importantes como o extinto Free Jazz Festival, no Rio de Janeiro. Na Europa estiveram
no Vignola Jazz (Itália), Festival Rio-Loco (França), Visions du Réel (Suiça), Festival de
Guitarra de Santo Tirso (Portugal), Rock in Rio-Lisboa e Berlin Jazz-Fest, dentre outros
eventos e shows.
Eles também mantêm seu contato com cantores. No ano de 2010, gravaram e
lançaram um CD com Roberta Sá, dedicado a composições de Roque Ferreira72.
72
Compositor e cantor baiano, dedicou-se mais ao samba, tendo em sua obra mais de 400 canções gravadas
por artistas brasileiros de renome, como Alcione, Beth Carvalho, Clara Nunes, Maria Bethania e Zeca
Pagodinho. Ele também tem músicas em parceria com Martinho da Vila, Dudu Nobre e Paulo Cesar
Pinheiro dentre outros.
73
Daniela Spielmann, Marcello Gonçalves e Alexandre Brasil em entrevistas concedidas à autora.
43
universidade, eles tomaram conhecimento de um concurso do Museu Villa-Lobos; os
escolhidos participariam do projeto de concertos didáticos que o Museu estava
promovendo. Daniela, Alessandro e Alexandre resolveram então montar um conjunto,
(mas ainda sem um violão) para tentar a prova do concurso. Marcello Gonçalves também
foi um dos selecionados, mas como concertista de violão solo. Já dentro do projeto,
Marcello foi chamado pelos outros para então completar o grupo, que viria a se chamar
Rabo de Lagartixa.
Eles continuaram dentro do projeto didático, fazendo concertos, mas já com a
formação que seria a quase definitiva do conjunto. Além do trabalho no Museu, eles
tocavam em várias rodas de choro, mas não necessariamente com todos os integrantes do
grupo, como nos contam Alexandre Brasil e Daniela Spielmann:
O Rabo tocava muito em roda (de choro) (...) ás vezes não era exatamente o
Rabo, mas eram as pessoas do Rabo (...) eu o Alessandro por exemplo, o
Alexandre, a gente sempre tocou em roda, sempre, sempre, sempre, sempre.
(Daniela Spielmann, 2009, entrevista concedida à autora.)
44
músicas que refletiam seu trabalho de caráter didático no Museu Villa-Lobos. Tarik de
Souza faz resenha do primeiro CD do Rabo de Lagartixa. Ele então apresenta a expressão
“neo-choro”:
A partir da gravação deste primeiro disco, surgiram mais convites para shows.
Alexandre Brasil, em sua entrevista, ressaltou a temporada que o grupo fez com a cantora
Aurea Martins entre 2001 a 2003 (aproximadamente), numa casa de música ao vivo
chamada Carioca da Gema e também outros shows e eventos:
uma coisa importante que a gente começou a fazer foi tocar na Lapa, ali no
Carioca da Gema, isso foi uma coisa bem importante (...).Tinha sempre um
momento que a gente estava junto, fosse no Carioca da Gema, (...), aí quando
tinha esses shows, esses festivais, algumas viagens, sempre tinha alguma coisa
acontecendo. (Alexandre Brasil, 2009, entrevista concedida à autora).
45
shows no Paço Imperial em 2000, Centro Cultural Ibeu76 em 2003 e Projeto Pixinguinha,
com Delcio Carvalho e Marcelo Loureiro77, em 2006.
O primeiro CD foi uma produção independente78, e sua divulgação se deu em
shows de lançamento, como o na extinta casa de espetáculos Ballroom, no Rio de Janeiro,
no ano de 1999.
Neste segundo CD, o grupo foi convidado pela gravadora Biscoito Fino para
gravar um trabalho usando a obra de Villa-Lobos, mas com arranjos que trouxessem a
sonoridade que o grupo apresentava como sua marca. Daniela nos conta em seu
depoimento, que o pensamento para esses arranjos seria de transcrições, mas “não são
transcrições exatas, são transcrições criativas”, ou seja, arranjos que trouxessem
fidelidade à partitura original, mas “com o nosso jeito” (Spielmann, 2009, Id.).
Os entrevistados nos relataram também como se dava a dinâmica dos ensaios, da
feitura dos arranjos e na abordagem destes para cada CD. No início do grupo, os ensaios
eram regulares, entre dois a três por semana, aonde os arranjos eram feitos, em geral a
partir de uma partitura ou de um esboço de arranjo trazido por um dos membros. Então, a
partitura ou o esboço eram trabalhados nos ensaios, onde os membros do grupo poderiam
experimentar diversas estruturas e maneiras de executar a obra, como rearmonizações,
trocas de padrões rítmicos, sugestões de interpretação, a questão da linguagem de cada
instrumento, como ressaltou Daniela Spielmann em seu relato:
tem muitas coisas que a gente faz num esquema assim: uma pessoa se
responsabiliza por aquele arranjo, então ela traz o esboço daquele arranjo e o
arranjo é retrabalhado com o grupo. Por exemplo, às vezes você tem uma coisa
que é idiomática, do violão, uma maneira que o violão vai tocar, você vai
sugerir a ele tocar de um jeito, mas ele certamente, as soluções que ele vai
conseguir são mais interessantes das que eu vou propor, então ele consegue
retransformar enfim, é bem democrático nesse ponto.” (Daniela Spielmann,
2009, entrevista concedida à autora.)
76
O Paço Imperial e o Centro Cultural IBEU são casas que abrigam shows tanto de música erudita quanto e
música popular. Elas se localizam no Rio de Janeiro, RJ.
77
Delcio Carvalho é sambista carioca e parceiro freqüente de Da. Ivone Lara, também famosa sambista do
Rio de Janeiro. Marcelo Loureiro é violonista e compositor carioca, mas criado no interior de Mato Grosso.
Seu repertório de composições tem influência da música sertaneja e a dos países vizinhos à região Centro-
Oeste brasileira.
78
O termo “produção independente” refere-se ao fonograma gravado sem a estrutura e/ou patrocínio de
uma gravadora ou selo. Na década de 70, o pianista Antonio Adolfo foi um pioneiro ao lançar seu LP
dentro deste formato, Feito em Casa, em 1977.
46
Esta estrutura foi mantida para os ensaios de arranjos e para o primeiro CD. Já
para o CD dedicado à obra de Villa-Lobos, os integrantes do grupo se dividiram e
elaboraram arranjos individualmente, mais ainda mantendo um espaço (embora mais
limitado) para a experimentação e sugestões, como era o formato anterior de trabalho do
grupo.
Em 2009 e 2010, o Rabo de Lagartixa fez vários shows de lançamento deste
último CD em casas de espetáculos e teatros no Rio de Janeiro e outras cidades do Brasil.
Neste capítulo, procuramos situar de maneira mais detalhada o panorama da
década de 1990 e a Lapa como um dos cenários dos shows e sua relevância para o
surgimento dos conjuntos que estamos investigando. A partir desta etapa, foi traçado um
histórico e perfil descritivo de cada um dos conjuntos aqui abordados juntamente com a
sua dinâmica de ensaios e elaboração dos seus arranjos. Consideramos que estes relatos
contribuirão para os capítulos que se seguem, onde apresentaremos as análises musicais e
apreciações dos trabalhos fonográficos (CDs) dos grupos pesquisados.
47
48
3 – Apreciação dos Trabalhos Fonográficos (CDs)79
Traçamos então apreciações musicais sucintas dos CDs dos conjuntos que
estamos pesquisando. Procuramos observar e identificar os parâmetros musicais onde
foram observadas as mudanças sobre as quais nos referimos nos capítulos anteriores,
como os aspectos formais, rítmicos, harmônicos, de textura e inclusão nos discos de
outras músicas não pertencentes ao universo do choro.
49
Gostas”, citada anteriormente. Após um improviso de pandeiro, dentro da forma da seção
A, ele apresenta este longo interlúdio, de aproximadamente cem compassos.
Ao analisarmos os eventos ligados ao ritmo e à métrica, foi verificada alternância
de compasso binário simples para binário composto em “Murmurando” e “Receita de
Samba”. Em “Caminhando” teremos alternância de compasso binário e ternário, em
algumas das seções A. “Santa Morena” apresenta mudança de compasso ternário para
binário em uma de suas seções A. Outros eventos de ordem rítmica são os ostinatos
rítmico-melódicos ou “levadas”80 feitos pelo acompanhamento, que se remetem a outros
gêneros musicais. Algumas obras trazem essas mudanças nas “levadas”, entre seções ou
em parte de seções: “Segura Ele” apresenta na introdução e nos 7 primeiros compassos da
seção A, características de jazz, ou melhor, de bebop. Neste caso, na introdução o
saxofone também traz essa referência, apresentando um trecho improvisado, com
sequências rápidas de notas bem ao sabor dos solos deste gênero (ou sub-gênero). Em
“Santa Morena”, temos uma introdução que usa os instrumentos de cordas dedilhadas
como percussão, e com o efeito de rasgueado, típico do flamenco81.
Em termos de rearmonização, percebemos o recurso da nota pedal sendo usado
em várias obras, como “Murmurando”, “Caminhando”, (nota pedal na tônica) “Santa
Morena” (nota pedal na nota da dominante); acordes de 5, 6 e 7 sons, que remetem a uma
harmonização mais aproximada do jazz dos anos 40 em diante, como os do tipo X7(b9),
X7(#11) e acordes substitutos, como o dominante substituto (no caso, o acorde bII7). Em
“Carioquinha”, temos a primeira seção A em Dó# menor, contudo criando o seguinte
jogo melódico-harmônico em seus primeiros seis compassos: o primeiro compasso
apresenta a melodia em Dó # menor e o segundo em Ré menor e assim por diante. Nesse
trecho, temos uso de movimento contrário entre as vozes, causando um efeito cromático e
dissonante:
80
Termo coloquial muito usado pelos músicos populares urbanos. Ver em Pereira, (2007) e Sá (2002).
81
Gênero musical espanhol (mais especificamente da Andalusia), o flamenco pode ser ligado tanto ao
cantar (cante flamenco), à dança (balle) quanto à maneira de se tocar ao violão (toque). Suas origens são
muito discutidas. Petrell crê que o cante flamenco aportou na Espanha através dos imigrantes flamengos,
outros pesquisadores acreditam que ele viria de canções árabes do norte da África ou através dos ciganos
flamengos. Os subgêneros ligados a ele são modais (as canções usam três escalas modais), oferecem grande
métrica, como por exemplo a combinações de compassos binários e ternários e uma maneira de cantar que
envolve a fala. Ver em Grove (2014).
50
51
Observamos a tendência nos arranjos em distribuir a melodia principal das obras por
vários instrumentos, inclusive, dentro das seções, por vezes dividindo as frases, ou com
dobramentos, como em “Caminhando”, onde temos a melodia sendo dobrada pelo
saxofone, bandolim e violão de 6 cordas.
O conjunto traz citações musicais em alguns dos seus arranjos. Como exemplo,
apontamos duas linhas de “baixaria” uma do violonista Dino Sete Cordas, na faixa “Três
Apitos”, a outra de Raphael Rabello, em “Caminhando”.
Por fim, o grupo utiliza efeitos, como ambientação sonora: em “Vê se Gostas”,
registro de sons de rua. O bandolim faz uso de pedal de efeitos em “Carioquinha”, na
primeira seção A. Também observamos interjeições (gritos, murmúrios), pontuando um
trecho de uma seção (“Santa Morena” e “Peguei a Reta”), na coda de “Vê se Gostas” e no
final do arranjo de “Segura Ele”.
Neste CD, apesar de a maioria dos arranjos ter sido elaborada individualmente,
percebe-se que o espírito da inovação e experimentação do grupo permaneceu intacto.
Eles buscaram mais uma vez, o caminho da singularidade; contrariando o que seria o
previsível, não há nenhum choro neste trabalho; as obras são em sua maioria canções,
algumas bastante conhecidas.
O registro de “Senhorinha” (de Guinga e Paulo Cesar Pinheiro) em três faixas
distintas foi uma proposta muito peculiar. Na primeira e na segunda, foi interpretada a
primeira parte da canção. Só na terceira faixa, ouvimos o restante. Nestas gravações, o
grupo se divide: na primeira, temos o saxofone alto, com Sérgio Krakowski tocando
tamborello. Na segunda, o bandolim faz um solo. E para terminar, os dois violões
interpretam a terceira faixa, que também encerra o CD. Poderíamos analisar estas
gravações como estruturas fragmentadas, onde cada fonograma tem seu trecho e seu
instrumento determinado, e eles se complementarão na audição total do CD, finalizado
pela última versão desta peça.
Neste trabalho a inclusão de trechos de interlúdios, a rearmonização e o uso de
efeitos sonoros se mantiveram. As variantes rítmicas (como a alternância de compassos
52
simples para composto) aparecem com menos frequencia. Em “Valsa de Eurídice”, temos
a alternância de 3/4 para 4/4, entre as seções A e B da peça. O arranjo de “Lamento
Sertanejo” se inicia em 6/8 na primeira apresentação da melodia principal, passando
depois para 2/4, no primeiro chorus de improviso.
Um aspecto de textura foi bastante utilizado neste trabalho: o uso de linhas
melódicas como segundas vozes, em uníssono (“Trenzinho do Caipira”) e dobramento de
3as (“Eleanor Rigby”) e 8as. Um outro recurso explorado foi a rarefação ao final das
seções, ou dos arranjos propriamente ditos: a melodia foi deixada sem acompanhamento
ou apenas com uma segunda voz. Esse efeito foi observado mais em “Trenzinho do
Caipira”, “Gente Humilde”, “Atrás da Porta” e “Lamento Sertanejo”, onde a frase final é
distribuída entre o saxofone soprano, o bandolim e os violões:
82
O musical é The Sound of Music, encenado inicialmente na Broadway (Nova York), em 1969, para
depois ter a sua versão em filme.
83
Termo usado para identificar obras que se consolidaram como clássicos deste gênero. Essa definição
também pode ser usada por outros gêneros que se relacionam com o jazz, como a bossa-nova e gêneros da
América Latina.
53
bandolim) como instrumentos de percussão; na Introdução esse recurso é usado para
simular o ruído de um trem.
Como no primeiro CD, o Tira Poeira trouxe cantores como participações
especiais. Neste trabalho, Maria Bethania, Olivia Hime e Lenine emprestaram suas vozes
em “Gente Humilde”, “Valsa de Eurídice” e “Atrás da Porta”, respectivamente. Também
e por fim, o grupo convida o DJ Sany Pitbull para a última faixa deste CD, e assim,
trazem mais uma interação com outro gênero musical distante do choro, no caso o
chamado funk carioca84, no arranjo para “O Morro não Tem Vez”.
84
O funk carioca diverge do gênero musical que é seu homônimo, o funk que surgiu nos Estados Unidos na
década de 60 (século XX). O funk carioca sofreu influência de um outro gênero norte-americano, o Miami
Bass. Atualmente, o funk carioca é composto e executado por DJs, que podem atuar com carrapetas de vinil
ou para CDs, computadores, baterias eletrônicas, etc. Ver em Vianna, (1988), Anaz (2009), Medeiros
(2006).
54
tônica):
Figura 4: coda de “Turbilhão de Beijos”, de acordo com o arranjo para o Água de Moringa.
Figura 5: compassos 8o ao 11o da seção A, de acordo com o arranjo para o Água de Moringa.
Em termos do uso de texturas, vemos que as melodias principais das obras são
executadas por todos, com exceção da percussão. Os solos divididos pelas seções das
obras, de maneira geral, mas podem ser seccionados por frases, como poderemos ver no
arranjo de “Batuque”. Em “Pecado Original”, temos um trecho de divisão da melodia
85
Acréscimo de notas em acordes, transformando-os em acordes de 5, 6, 7 sons; alguns autores divergem
da denominação. Ver em: Curia, (1990), Guest (2006, Vol I), dentre outros.
55
principal quando ela é apresentada pela segunda vez.
O grupo trouxe um convidado para participar do CD, o gaitista Rildo Hora, que
interpreta uma composição de sua lavra, “Ano Novo”.
3.2.2 – Saracoteando:
56
no oitavo compasso da seção C, o acorde V7 é substituído pelo bII7. A polca
“Saracoteando” apresenta o uso de nota pedal na tônica, usada da volta da seção A. O
baixo pedal faz-se presente também nos compassos 9o ao 12o desta mesma seção, estando
aqui o pedal no V grau.
O arranjo para “Sensível” é certamente o que tem maior trabalho de
rearmonização, com uso de acordes do tipo sus4 e subV (bII7), harmonização usando 4as
superpostas, dentre outros recursos86.
Em relação às texturas, observamos alguns aspectos já presentes no Cd anterior e
alguns diversos deste, como dito aqui anteriormente. No tango “Fon-fon” o grupo se vale
de diversos solistas para a melodia principal, e usa dobramentos na seção C do violão e
clarinete e utilizando pizzicato nos instrumentos de corda dedilhada. Em “Modulando”,
aparece um trabalho de polifonia bastante elaborado87 na seção A, com revezamento da
melodia principal entre os instrumentos, e trechos a duas, três e quatro vozes. Na seção B,
na primeira vez, a textura homofônica é retomada, mas no seu ritornello, voltamos a ter o
trabalho de polifonia nos seus oito primeiros compassos. Em “Sensível”, a introdução é
feita com uma melodia em 4as paralelas, executada pelo clarinete e pelo bandolim e
também pelos violões, uma 9a abaixo. Na coda essa textura irá se repetir88. Em “Choro
pro Zé”, de Guinga temos o dobramento em 4as paralelas da melodia na sua primeira
frase, similar ao recurso usado em “Sensível”.
“Bolacha Queimada” é um choro de Radamés Gnattali. Aqui o grupo explora a
divisão da melodia principal por todos os instrumentos com altura definida e também
dobramentos desta. Este arranjo também procurou manter a fidelidade com a versão
original de Radamés.
Como última obra do disco, o grupo traz uma adaptação da “Suíte Nordestina”, de
Guerra-Peixe, originalmente composta para piano solo. Nste CD temos duas
86
Esse arranjo será analisado detidamente no Capítulo 4 deste trabalho. Ver entre as páginas 113 a 136.
87
Pensamos em demarcar este procedimento, pois se diferencia da prática mais usual da polifonia presente
nos arranjos do repertório de choro ditos tradicionais, onde é mais frequente o uso da “baixaria” ou uma
segunda voz, em contracanto (por exemplo, os contrapontos de Pixinguinha) com a melodia principal,
como recursos polifônicos.
88
Ver nas páginas 135 (Figura 98) e 136 (Figura 99).
57
participações especiais: Carlos Malta em “Intocável”, na flauta, flautim e saxofone
soprano e Cristóvão Bastas ao acordeon em “Retalhos”.
58
A “Valsa Triste” já inclui alguns trechos com rearmonização. No primeiro
compasso dela, o arranjador se vale do acorde de Ab7, que serve como acorde-pivot90, e
faz uma modulação passageira para Réb Maior. No terceiro e quarto compassos da
transição, temos Gm7 seguido de C7, indicando nova modulação para Fá Maior, a
tonalidade da seção C. É interessante notar que, nesta obra, não aparece a costumeira
volta para a seção A, após a seção B. Neste arranjo, a marimba é utilizada, o que trará
mais linhas melódicas, sendo o rítmo mais determinado pelos violões e cavaquinho.
No caso da introdução de “Espere um Pouco”, a frase da seção A aqui já citada
aparece duas vezes, usando marcha harmônica e com uma harmonização de acordes
diminutos. No interlúdio, temos uma harmonização que sugere o modo de tons inteiros.
“Os que sofrem” é uma valsa lenta que apresenta algumas substituições de
acordes como recurso de rearmonização na seção A. Na seção B, temos aceleração do
andamento, e o retorno ao andamento inicial no final deste trecho. Este arranjo começa
com solo de violão, interpretando a seção A.
A introdução da “Valsa teu Nome” é harmonizada com acordes alterados e
depois usando o modo dos tons inteiros. O arranjo apresenta rearmonização com
substituições de acordes e uso de nota-pedal nos dois primeiros compassos da seção B e
na última aparição de A.
Em relação às texturas, percebemos uma manutenção da estrutura que o regional
tradicional apresenta, em algumas das faixas. Os arranjadores se valeram do uso da
marimba com maior frequencia nas obras e também de uma percussão mais densa, com
atabaques, bongô, tantã e surdo, para acompanhar os sambas. Esses fatores
proporcionaram mais mudanças em relação ao instrumental usado pelo conjunto, em
relação aos seus CDs anteriores. No arranjo para “Valsa Triste” temos uso de
metalofone91 dobrando tanto a segunda voz quanto a melodia principal (seção A). O
arranjo de “Eu te Quero” tem muita variedade em relação à divisão da melodia principal,
que irá passear entre todos os instrumentos do grupo, excetuando a percussão.
90
Uma das maneiras de modulação se dá pelo uso de um acorde que é comum às duas tonalidades: a inicial
da obra e à seguinte, para a qual se deseja modular. Este acorde é denominado como acorde-pivot ou
common chord. Ver em Piston (1969), Ottman (1961), Freitas (2005).
91
No CD, o instrumento está nomeado como bells.
59
Alguns dos arranjos trouxeram participações especiais. “No Terreiro de Alibibi” o
grupo apresenta seus primeiros convidados. Nei Lopes à voz, os percussionistas Zero e
Gordinho e, como coro, as vozes de Cristina Buarque, Luciane Menezes, Ronaldo
Barcellos e Ary Bispo. A música adquiriu a “levada” de samba de roda. Outras obras
tiveram sambistas como participação especial: “Kalu” traz Martinho da Vila e “Maria
Conga” tem a presença de Monarco. Essas duas faixas também têm a contribuição do
coro descrito acima. “Vamos Lá” traz Cristóvão Bastos ao piano e “Espere um Pouco”
tem a participação de Eduardo Neves ao saxofone tenor.
92
Informações colhidas através de depoimento informal de Luiz Flávio Alcofra para a autora, no dia 17 de
Maio de 2012.
60
uma pequena coda, usando material melódico-harmônico do interlúdio.
Em “Poema Obsceno”, temos uso de nota-pedal na introdução e na segunda
repetição da seção a.
Em “Elegia Ínutil”, a harmonia não sofre grandes mudanças, permanecendo mais
fiel à versão primeira do compositor. Mas a intenção de condução do andamento é
alterada. Na versão de Luz, é admitida uma levada mais lenta e em rubato. Ele usa
acordes articulados ao violão em toda a obra, e um segundo violão faz trechos melódicos
à guisa de segunda voz. No arranjo do Água de Moringa, o rubato aparece em alguns
trechos, como na primeira seção A. A partir da seção B da obra, o grupo firma a levada
de choro-canção93. Nesta obra temos o uso de marimba.
Alguns recursos de textura já trabalhados pelo grupo foram mantidos nesse CD,
como polifonia, adensamento e rarefação da textura. Além deles, o grupo trouxe alguns
arranjos com uso de movimentos contrários entre 2as vozes (introdução de “Noite
Carioca”), maior uso de arpejos nos violões para conduzir acompanhamentos (“Elegia
Inútil” e “As Cantadas”) e algumas citações como o standart de jazz “Invitation”
(Bronslau Kaper) em “Elegia Inútil” e “Águas de Março” (Tom Jobim) na introdução de
“Olha que Coisa Mais Linda”.
61
alguns membros do grupo, além de várias passagens da vida deste músico notável.
O Água de Moringa mantém suas características já relatadas nos trabalhos
fonográficos anteriores, sendo o recurso mais utilizado nos arranjos para este trabalho as
mudanças nas formas. Observamos a inclusão de trechos como introduções, codas ou
acréscimo de compassos dentro de seções e como compassos de ligação, como em
“Sorriso de Cristina”, que vem com um compasso de ligação adicionado entre as seções
C e A. Em “Reminiscências”, percebemos que alguns de seus trechos usam acréscimo de
compassos. A introdução tem cinco compassos adicionados, mas aproveitando o seu
próprio material melódico. A obra é dividida em três partes, como três movimentos
curtos. Na primeira parte, além da introdução com compassos acrescentados temos alguns
trechos que se repetem, como o compasso final da primeira frase do primeiro período. No
segundo período os dois últimos compassos são repetidos também. A segunda parte é
quase toda repetida, à exceção dos seus três últimos compassos, onde teremos a segunda
metade do último compasso repetida. Na terceira parte, os três últimos compassos se
repetem, com a anacruse gerada pela linha melódica:
Figura 6: três últimos compassos da terceira parte de “Reminiscências”, de acordo com o arranjo
do Água de Moringa.
62
e ainda traz uma modulação que a citada seção não contém).
Um recurso pouco usado pelos arranjadores do grupo é a supressão de trechos,
que neste CD aparece em duas obras. Em “Saudades do Mano”, a seção B vem sem o
ritornello usual95. Na “Congada do Sino” a introdução da partitura original é suprimida.
O arranjo para “Ecos” apresenta uma introdução bastante ambígua em relação à
tonalidade e em rubatto. As duas seções vêm rearmonizadas, a seção A de forma mais
intensa, com bastante acordes adicionados, substituídos e acréscimo de notas de tensão
(ou complementares). A seção B apresenta rearmonização, mas de maneira menos intensa
que a A. “Não Sei Porque” também vem com uma introdução mais elaborada, nesta obra
usando polifonia. Outros arranjos também apresentam rearmonização, contudo para este
CD observamos que este recurso é usado com mais parcimônia pelos arranjadores, talvez
para manter a harmonia das obras mais intacta. Em algumas peças, podemos ver que Joel
faz uso de harmonizações mais cromáticas, gerando uma sonoridade pouco usual ao
universo do choro tradicional como em “Reminiscência”, “Congada do Sino” e “O Bufo
(Vamos Dar o Fora)”.
O arranjo que apresenta mais rearmonização é o de “Saudades do Mano”, com
uso de trocas e adições de acordes e notas de tensão ou complementares. Nos primeiros
compassos da seção A, temos nota pedal na tônica.
63
João dos Santos. Nela, observa-se o acréscimo de uma coda (no final do arranjo), com
uso do primeiro inciso da peça, que tem um trecho transposto um semitom acima e depois
um tom; logo a seguir, o bandolim desenha uma frase em arpejos descendentes
anunciando o término da obra. A partir da quinta faixa, “Celestial” (também de
Nazareth), temos uma pequena mudança na estrutura formal da peça: a supressão de um
compasso na coda, e uma mudança harmônica, nos dois últimos compassos, com
supressão de dois acordes. A sexta e sétima faixas são dois baiões de compositores mais
atuais, Egberto Gismonti e Edu Lobo. Na obra de Gismonti, “Loro”, o grupo adiciona um
interlúdio, com uma melodia que difere bastante do material melódico da obra. Voltando
a Nazareth em “Labirinto”, o grupo adiciona na sua versão uma introdução, interlúdio e
coda à peça. Para finalizar este CD, o conjunto apresenta “Um a Zero”, obra consagrada
de Pixinguinha. Eles adicionam em seu arranjo uma introdução citando “O Que é que a
Bahiana Tem?” de Dorival Caymmi.
Em termos de harmonia, o grupo manteve-se mais fiel às propostas originais das
obras, sem apresentar muitas mudanças neste setor. Nas últimas duas faixas (“Paulista” e
“Um a Zero”), o grupo modifica mais as peças, em relação ao aspecto harmônico, mas de
maneira parcimoniosa. Em “Paulista”, observamos uma rearmonização na volta da seção
A: o uso de nota pedal nos seus primeiros 8 compassos. A coda inclusa apresenta
elementos da seção A, como o seu primeiro inciso, que será transportado uma vez,
ascendentemente e depois virá uma frase conclusiva, encerrando o arranjo. No ritornello
da seção C de “Um a Zero”, eles usam mais uma vez a nota pedal no 5o grau e em sua
última seção A, o grupo retira um dos incisos da melodia e o transporta ascendente e
cromaticamente, em dobramentos de 3as menores entre si.
O Trio Madeira Brasil procura dar aos seus arranjos e adaptações um tratamento
diverso dos grupos ditos tradicionais de choro, onde a melodia principal fica a cargo do
instrumento considerado como solista, em geral, os instrumentos melódicos, como a
flauta e o clarinete ou os instrumentos mais agudos de cordas, como o bandolim e o
cavaquinho. No caso do Trio Madeira, o violão de 6 cordas irá exercer também esta
função, como observamos em “Guerreiro”, “Celestial”, “Loro”, “Corrupião” e “Um a
Zero”. Na “Valsa Venezuelana no 3” o violão de 6 cordas aparece como único solista, e o
bandolim ficará com o papel de instrumento acompanhador, juntamente com o violão de
64
7 cordas. O papel do acompanhamento é enriquecido pelas várias linhas de baixaria do
violão de 7 cordas, e outras vozes, ampliando o trato polifônico em vários arranjos. O
arranjo para “Loro” apresenta duas participações especiais, o cantor Zé Renato na voz e
Zero na percussão. A voz nesse caso, não exerce papel de solista da obra, entrando
somente no interlúdio, dobrando a melodia com a viola caipira.
O conjunto, além de selecionar obras da música de concerto, escolhe também uma
peça de Scott Joplin, o ragtime96 “The Easy Winners”. Aqui, eles incluem entre as seções
finais, uma sonorização que nos remete certamente aos filmes de western.
65
por Zé Renato, em dobramento com a viola) é feito inicialmente pelo violão de 7 cordas e
depois pela viola. A percussão fica mais densa com a entrada da bateria.
Este trabalho tem a participação de diversos instrumentistas renomados. Esses
músicos também trazem neste CD algumas de suas composições, assim como José Paulo
Becker, com “Choro da Bisa” e “Choro pro Tio”. Na primeira peça aqui citada de Becker
o Trio Madeira apresenta seu primeiro convidado, Nailor Proveta, ao clarinete. “Serenata
ao Joá”, um choro lento de Radamés Gnattali, tem a presença de Toninho Ferragutti ao
acordeon, juntamente com Proveta e o Trio Madeira. Em “Chapéu Palheta”, de Toninho
Ferragutti, Laércio de Freitas vem ao piano completar o time de convidados. As três
faixas seguintes são composições de Laércio e nelas o Trio não está tocando, só os
convidados com baixo, bateria e percussão. “Pedrinho no Coreto” é a única obra de
Nailor Proveta gravada neste CD; neste momento do show o Trio Madeira volta ao palco.
O CD termina com “Noites Cariocas”, com uma versão aparentemente sem arranjo
prévio.
66
também apresentam material da introdução: em alguns arranjos, temos o seu grupamento
de acordes; a melodia da introdução também poderá ser aproveitada nos finais. Dentro
deste universo, a primeira faixa se destaca das demais pela sua proposta de arranjo, em
especial na introdução. Ela traz a “levada” denominada como “afro”, em compasso
binário composto99, executada pela percussão. Junto a ela, as cordas traçam um
contraponto a três vozes. Na coda, a introdução se repete, e a voz de Roberta se junta ao
contraponto, ficando esse trecho então com um desenho polifônico a quatro vozes. O
arranjo termina só com a percussão. Outras faixas trarão algumas diferenciações, como
“Água Doce”, que termina com a voz, a capella, no seu inciso final. Em “Marejada” e
“Festejo” a percussão não é usada, só a voz de Roberta e o Trio Madeira. “Cocada”
apresenta no seu interlúdio instrumental trabalho responsorial entre bandolim e viola
caipira. Outro recurso que apareceu foi o dobramento da linha melódica dos interlúdios
entre o bandolim e um dos violões. Como trabalho de rearmonização, observamos apenas
três momentos de provável modificação do material harmônico: na segunda faixa, “Chita
Fina” o uso de nota-pedal no 5o grau no retorno da sua seção A; em “Zambiapungo” a
aparição de um acorde do IIIm7, com o uso de 9a maior; e por fim, em “Agua Doce”, um
acorde do tipo sub-V, (um acorde dominante, do tipo V do IV, rearmonizado: Db7 –
C7M, tonalidade de Sol Maior), também no retorno da seção B da canção. Este CD conta
com a participação dos percussionistas Paulino Dias e Zero, e da voz de Moisés Marques
na faixa “Tô Fora”.
99
Vasconcelos (2010) traz uma discussão pertinente a respeito da mensuragem deste toque, que pode ser
abordado tanto como um 12/8 como um 6/4. Ver páginas 155 a 157.
67
também um universo de gêneros musicais diversificados. O choro se mostra presente a
partir da segunda faixa, “Paranoá”. Foi com esta obra que o Rabo de Lagartixa obteve
uma premiação no festival de choro do Museu da Imagem e do Som (1996), no Rio de
Janeiro, que citamos anteriormente.
Como nos demais conjuntos que analisamos, o Rabo de Lagartixa usa a
alternância e troca de gêneros ou sub-gêneros100 musicais ao longo das peças, assim como
a inserção de introduções, codas e/ou interlúdios. Outro recurso bastante usado por eles
em seus arranjos é a divisão das melodias principais dos seus arranjos entre seus
componentes, e linhas melódicas em dobramentos, ou em polifonia.
Na primeira faixa, “Quebra-Queixo”, um samba composto por Caio Cezar, temos
mudanças de levada. Na seção A e na primeira parte da seção B, o grupo assume a
“levada” de partido-alto. Na seção B ela perdura por oito compassos, voltando depois ao
samba. Na sua versão de “Melodia Sentimental”, o grupo apresenta a peça uma primeira
vez de acordo com o original de Villla-Lobos. Ao terminar esse trecho, temos o
acréscimo de um interlúdio em 7/4, e a volta ao tema, agora em 6/8, e usando uma
“levada” de guarânia101.
“Brincadeiras de Quintal” é uma composição de Bilinho Teixeira, violonista do
Choro na Feira, outro grupo contemporâneo aos desta pesquisa. Esta peça apresenta
várias “levadas” diferentes aos longo de suas seções. A seção A é interpretada como
baião. Na seção C, a “levada” muda duas vezes. Inicialmente, está em samba e a partir de
seu 9o compasso, passa para choro.
“Arrasta-Pé” é a obra cujo arranjo apresenta o maior número de interferências do
grupo em relação à gravação do compositor Waldir Azevedo102. Em seus depoimentos,
Daniela Spielmann e Alexandre Brasil relataram que este arranjo teria um cunho
instrutivo, pedagógico. Ele foi concebido quando o grupo se encontrava envolvido com o
projeto de concertos didáticos do Museu Villa-Lobos. Por causa dessa questão, o arranjo
100
A definição de gênero que usaremos foi trabalhada no Cápitulo 1.2 desta pesquisa. Ver em Fabbri
(1985).
101
A guarânia é um gênero musical típico do Paraguai, com compasso ternário e andamento lento. Ela foi
introduzida no Brasil por Raul Torres, Ariovaldo Pires, Mário Zan e Nhô Pai. A partir da década de 1940,
tornou-se muito utilizada pelos compositores de música sertaneja no país. Ver em Dicionário Cravo Albin
de MPB e Szarán (2009).
102
A gravação que usamos para esta comparação foi do LP Waldir Azevedo, de 1967 pela EMI.
68
troca de “levada” várias vezes, passando por tango, baião, maxixe, e por fim, frevo.
“Choro Miúdo” de Bozó apresenta algumas trocas de andamento. Ela começa
com uma pequena introdução de dois compassos, passando então para a seção A, em
andamento lento. O solo está com o cavaquinho, sendo ele acompanhado somente do
violão de 7 cordas. No 12o compasso deste trecho, acontece um rallentando e uma
fermata nas últimas notas dos dois instrumentos. A seguir, no 13o compasso, o violão traz
uma frase para anunciar o novo andamento, allegro, e assim termina esta seção A, agora
com todo o conjunto. No ritornello da seção A, o saxofone soprano assume a melodia
principal. O cavaquinho tem umas intervenções, fazendo a segunda voz e mais adiante,
dobrando com o saxofone em uníssono nos quatro últimos compassos deste trecho. Na
seção B, o saxofone continua com a melodia, com alguns compassos em dobramento com
o cavaquinho. Na última seção A, saxofone e cavaquinho dividem a melodia principal, e
ao final fazem um dobramento em terças. O arranjo apresenta uma coda, voltando ao
andamento lento apresentado na primeira seção A.
O Rabo de Lagartixa trouxe algumas rearmonizações para “Brincadeiras de
Quintal”, começando com uma nota pedal no 5o grau, na introdução e seguindo na seção
A, durante seus seis primeiros compassos. A seção B apresenta mais modificações em
relação à harmonia, com substituições e acréscimos de acordes. Na seção C, temos
novamente o recurso da nota pedal no 5o grau, nos seus sete primeiros compassos. Em
“Melodia Sentimental” aparece um compasso com rearmonização ao final da exposição
do tema, um acorde SubV7. “Alegre Menina” de Dori Caymmi103 inicia com uma
introdução onde o violão se remete ao modo lídio.
Em “Quebra-Queixo” temos trechos com dobramentos entre o saxofone soprano e
o violão de 7 cordas e de divisão do tema principal entre o saxofone e o cavaquinho na
seção A da peça.
Voltando à “Paranoá”, temos também um jogo de dobramentos na melodia
principal, com violão e cavaquinho fazendo dobramentos em 6as na seção A. Depois em
alguns trechos das seções B e C, teremos saxofone e cavaquinho em 3as.
Compositor, violonista e arranjador carioca, com carreira vasta, tanto no Brasil como no exterior. A obra
103
em questão foi composta em parceria com Jorge Amado para integrar a trilha da novela “Gabriela, Cravo e
Canela”. Ver em http://www.doricaymmi.com/tv.php.
69
Em “Formosa”, temos a primeira participação especial, Elza Soares. Na primeira
vez que a peça é executada, a melodia principal fica a cargo do violão de 7 cordas,
acompanhado pela percussão. Antes do tema, o violão e o cavaquinho executam uma
introdução, também com acompanhamento da percussão. O solo do violão está na
tonalidade de Lá M, e ao terminá-lo, ele faz uma passagem modulante, aproveitando o
final do tema. Ele modula em marcha harmônica para a tonalidade de Fá Maior, entrando
então a cantora. Ela faz a obra toda, duas vezes. Depois, o saxofone faz um improviso na
seção A da música, e Elza volta na seção B. A peça termina com uma coda, onde o
saxofone e a voz fazem melodias independentes. Neste trecho Elza usa de scat singing104,
e termina usando efeitos sem altura definida.
Na “Melodia Sentimental”, o solo da primeira aparição do tema fica a cargo do
cavaquinho, acompanhado pelo violão, com algumas intervenções da percussão. O
contrabaixo executa uma segunda voz que não pertence à partitura original. O interlúdio é
executado pelo violão de 7 cordas acompanhado do saxofone soprano, que desenha uma
segunda voz. Na volta ao tema, o solo passa para o saxofone soprano e todo o grupo faz o
acompanhamento.
Em “Brincadeiras de Quintal” a melodia principal fica quase toda a cargo do
saxofone soprano, com algumas intervenções do cavaquinho, em solo ou dobrando com o
violão de sete cordas. Nesta faixa, é usada a viola caipira, em participação especial de
João Lyra105.
“Pagode’s Jazz Sardinha Club”, de Eduardo Neves e Rodrigo Lessa, apresenta um
introdução com percussão e violão de 7 cordas. A melodia principal é executada pelo
saxofone alto em toda a peça. Na seção A, o grupo apresenta um acompanhamento de
ordem monofônica. Na seção B, o violão de 7 cordas traz uma segunda voz na região
grave. Na volta à seção A, o saxofone improvisa e depois retorna à melodia principal. O
104
Scat singing é um recurso bastante usado por cantores de jazz, que improvisam utilizando-se de
onomatopéias, sem formar palavras distintas. Ver em Grove Online e Oxford Music Online (2014), dentre
outros.
105
Violonista e compositor alagoano. Lyra mora no Rio de Janeiro onde desenvolve sua carreira artística.
Tocou com grande nomes como Elizeth Cardoso, Nana Caymmi, e Sivuca, dentre outros. É professor da
Escola Portátil de Música. É parceiro de músicos como Mauricio Carrilho e Paulo Cesar Pinheiro.
Disponível em http://www.escolaportatil.com.br/SiteBiography.asp?PageNo=2.
Último acesso em 08/08/2013.
70
conjunto repete as seções B e A, e para terminar, eles utilizam um trecho de A como
coda.
“Joãosinho na Gafieira” (composição de Luiz Filipe de Lima) traz várias
participações especiais nos sopros, incluindo o arranjo, que é de Edson Soliva106. Aqui
teremos o trabalho dos sopros enfatizado. Na introdução e primeira seção A, temos
dobramentos de uníssonos e oitavas, até o oitavo compasso. A partir do nono, teremos
uma saxofone alto com a melodia principal, os demais sopros se ocupam com acordes
fazendo acompanhamento. A primeira frase de A retorna no compasso 17o, seguindo a
mesma estrutura dos oito primeiros compassos desta seção. A partir do compasso 25,
volta o solista anterior. Na seção B, o saxofone soprano assume a melodia principal, com
intervenções dos demais sopros e de linhas de baixaria, no violão de 7 cordas. No
ritornello da seção B, teremos uma variante melódica, com os sopros nos oito primeiros
compassos e a partir do nono, a melodia original retorna. Essa estrutura irá se repetir a
partir do compasso 17o deste trecho. Teremos então a volta ao A e coda, que irá repetir a
melodia da introdução.
“Que Graça!” é uma obra de um dos componentes do Rabo de Lagartixa,
Alessandro Valente. A primeira seção A apresenta-se com o violão de 7 cordas e o
contrabaixo, com algumas intervenções de bateria, pontuando alguns incisos. O conjunto
entra no ritornello desta, com solo do saxofone soprano. Na seção B, um saxofone tenor
faz agora a melodia principal. O grupo traz mais uma participação para este instrumento,
o saxofonista e compositor Eduardo Neves, que está presente também com uma música
neste CD. O músico faz um improviso na forma da seção A. No seu ritornello, o
saxofone soprano faz agora o improviso. Os dois saxes se juntam para faze a seção B,
dirigindo-se para a coda. Ela apresenta no fim, a primeira frase da seção A, mas com uma
pequena mudança nas suas notas finais.
Ao longo das seções do “Arrasta-Pé”, os músicos se dividirão nas funções de
solista e acompanhamento. De início, temos um solo de contrabaixo, em andamento
Edson Soliva é pianista, compositor e arranjador, e já trabalhou com diversos cantores, conjuntos e
106
músicos de renome, como Grande Otelo, Nora Ney, Rosinha de Valença, Jamelão, Carmem Costa e as
orquestras Juarez Araújo e Maestro Cipó. Como compositor, ele mantém parceria com Thereza Tinoco e
Delcio Carvalho. Informações obtidas com o próprio, através de depoimento informal, em 03/05/2013.
71
lento, sem apresentar relações motívicas com a peça em questão e sugerindo a tonalidade
de Ré menor, através da nota ré sendo usada como pedal. Ele é acompanhado pela
percussão, que vem criando efeitos sem admitir uma “levada” por ora. Também temos o
uso de gravação de ambiência de mata, floresta, como fundo sonoro. O solo do
contrabaixo tem caráter improvisatório e percebemos o uso dos modos eólio, frígio e
também o uso da escala menor harmônica. A grande variedade em termos de textura
causará a impressão de desaceleração do andamento, em alguns trechos.
Em “Alegre Menina”, a melodia inicial fica com o cavaquinho, o saxofone faz
uma segunda voz, com notas longas, assumindo depois a melodia, a partir do 26o
compasso da peça. A canção irá se repetir na íntegra, agora com o saxofone como
solista; o cavaquinho faz uma segunda voz em terças. O contrabaixo também traz um
desenho polifônico. Este arranjo tem como tonalidade principal Dó Maior e é um ijexá,
na gravação mais conhecida desta obra, feita por Djavan. A seguir, teremos uma
modulação sem preparo, para um tom afastado, Lá Maior, com andamento mais lento e
caráter de interlúdio. O contrabaixo assume o papel de solista, fazendo uma variante da
melodia principal, por 19 compassos. No 20o compasso deste trecho, o cavaquinho
assume a melodia principal, e depois irá dividi-la com o saxofone. Por fim, a peça retoma
seu tema principal, com o cavaquinho novamente atuando como solista. Nos últimos
compassos, o saxofone executa o refrão, que irá repetir-se e o arranjo acaba com um
Fade-Out 107.
“Carrapato” traz como participação o conjunto Pedro Luis e A Parede. Esta obra é
um baião de autoria de João Lyra e Paulo Cesar Pinheiro. A peça começa com Pedro Luis
recitando a letra da canção e o grupo acompanhando, com introdução. A harmonia
permanece com o acorde da tônica, em todo esse trecho. Na seção A, o saxofone soprano
assume a melodia principal, e o grupo permanece com a harmonia na tônica, como na
introdução. Na repetição de A, o grupo movimenta mais a harmonia, mantendo a nota
pedal dos acordes na tônica da tonalidade principal. Na seção B, o saxofone segue com a
melodia principal. Na volta da seção A, o cavaquinho fica com a melodia principal,
Termo técnico para indicar que haverá queda na dinâmica da peça, mas através dos recursos da mesa de
107
72
acompanhado somente pela percussão. A seguir, vem um interlúdio, com polifonia
travada entre contrabaixo e saxofone, mantendo o acompanhamento da percussão, sem
harmonia. Depois essa estrutura passa para o cavaquinho e o violão. O saxofone volta na
seção B, agora com acompanhamento harmônico. Para finalizar, na seção A, o saxofone
toca a melodia principal e Pedro Luis volta com a letra, em uma segunda voz, usando o 5o
grau como nota-pedal. O arranjo termina com uma coda. O saxofone mantém a melodia,
que usa a primeira frase da seção A. A percussão está presente em todo o arranjo, com
muitas intervenções rítmicas, executadas por Beto Cazes, em conjunto com A Parede.
Do repertório mais conhecido do choro, o grupo manteve o formato original no
seu registro do “Diabinho Maluco”, criando apenas uma alteração em relação à gravação
de Jacob do Bandolim no LP Isso é Nosso, de 1968 (a primeira gravação da obra que
temos conhecimento, até o momento108). Como introdução, temos o cavaquinho, no
acorde de tônica, apresentando a “levada”, em andamento rápido. O saxofone entra na
seção A e os dois instrumentos a interpretam, nos seus primeiros oito compassos. O
restante do conjunto entra a partir do 9o compasso. No ritornello da seção B, o saxofone
suprime trechos da melodia principal e trava um diálogo melódico com o violão de 7
cordas, a partir do 9o compasso deste trecho. Na última exposição da seção A da obra,
entre os compassos 8º a 11º, há um acréscimo de um compasso em 3/4, gerando alteração
tanto na métrica quanto na quadratura da seção (ela deveria ter 16 compassos e ficou com
17). Como coda, o grupo usa os últimos quatro compassos da seção A, dando a impressão
que vão seguir o Fade-Out da gravação de Jacob. Contudo, o saxofone altera as alturas da
melodia, faz um arpejo ascendente e o arranjo termina com o acorde da tônica, em nota
longa.
108
O LP em questão é uma reedição de várias gravações de Jacob do Bandolim. A gravação original é de
1956, em 78 rpm, pela RCA.
73
Lobos, e foi encomendado justamente em comemoração ao cinquentenário de morte do
compositor. O disco traz 12 peças, dentre elas algumas partes de obras maiores, como a
primeira faixa que é o 1o movimento das Bachianas Brasileiras no 1, “Embolada” e o
Quarteto de Cordas no 1, que vem com seus 2o, 3o, e 4o movimentos.
Para este trabalho, o grupo acordou em elaborar os arranjos individualmente.
Contudo, eles foram trabalhados também durante os ensaios, onde surgiram várias
propostas pelos demais integrantes do conjunto. Este fator pode ter gerado uma unidade
de pensamento nos trabalhos dos arranjadores.
Em relação à harmonia, os músicos procuraram se manter dentro do que Villa-
Lobos trouxe para cada obra, isto é, não quase observamos trabalho de rearmonização nos
arranjos. Como exceção a essa prática, temos a última faixa do CD, “Ondulando”. Nela
destaca-se a modificação na harmonia no final da peça. Nos seus quatro compassos finais
o arranjo do grupo permanece no tom menor, quando o original de Villa-Lobos anuncia
uma modulação para a tonalidade homônima maior do tom original. Também no arranjo
para “Papagaio do Moleque”, o tema inicial se apresenta modificado. Ele tem uma
sugestão de acompanhamento em arpejo por 4as justas, e depois sua relação intervalar é
alterada, sugerindo inicialmente o modo dórico:
74
alterados padrões de acompanhamento, podendo ficar mais rarefeitos em relação ao
original, (“Ondulando”) e mais densos, como no caso de “Realejo”. Percebemos que, em
vários arranjos, foram adicionadas melodias a guisa de segundas vozes, tanto em região
grave quanto aguda. Algumas obras apresentaram momentos com improviso, como
“Papagaio do Moleque” e “Canção do Cisne Negro”.
Algumas tonalidades das obras foram modificadas em relação às partituras
originais. De acordo com os depoimentos de Alexandre Brasil e Daniela Spielmann, as
mudanças nos tons originais se deram por razões de extensão e maior conforto dos
instrumentos usados no grupo.
Neste capítulo elaboramos apreciações dos trabalhos fonográficos (CDs) dos
grupos pesquisados. A partir delas, percebemos as várias propostas de modificações em
termos de arranjo para o repertório do choro como utilização de rearmonizações, inclusão
e/ou supressão de trechos curtos e longos, como seções, mudança de métrica ou pulso,
texturas polifônicas de uso pouco comum ao repertório do choro, diversos formatos de
dobramentos, melodias principais interpretadas por instrumentos que teriam papel de
acompanhadores, sonorização de ambiência, etc. Além dos procedimentos que citamos,
observamos que o repertório transitou por outros gêneros musicais que o universo do
choro pouco aborda, como a música erudita, o jazz e o rock. Os grupos não se fecharam
em si quanto à questão da interpretação de seus arranjos, chamando vários outros músicos
para participar de seus CDs. Para trazer uma observação mais acurada destes processos
musicais, optamos por desenvolver análises mais detidas de dois arranjos de cada um dos
grupos que aqui estamos pesquisando.
75
76
4. As Análises Musicais:
4.1.1 – “Caminhando”:
Choro composto por Nelson Cavaquinho e Nourival Bahia, tendo sido registrado
pela primeira vez por Nelson em seu LP Nelson Cavaquinho de 1973. Esta peça tem duas
grandes seções com 32 compassos cada no formato A –B – A. No registro de Nelson,
temos a seguinte forma:
109
Aqui
gostaríamos de ressaltar que os músicos contribuíram de forma intensa para a elaboração dessas
transcrições, cedendo partituras, esboços, rascunhos, grades e auxiliando de forma interessada e atenta com
revisões. Também queremos relembrar que a dinâmica da construção dos arranjos modificou-se em relação
a cada CD. Nos trabalhos iniciais, os grupos (à exceção do Água de Moringa) elaboravam seus arranjos em
grupo. Nos seus trabalhos posteriores, um dos músicos assumia a tarefa contudo os arranjos sofriam
mudanças ao longo dos ensaios, por sugestão dos integrantes dos conjuntos. Portanto, nas obras em que o
arranjador não é citado, o arranjo era concebido pelo conjunto e assim os denominamos nesta pesquisa.
77
Introdução A B A Coda
2 compassos 32 compassos 32 compassos 32 compassos 2 compassos
Cada seção pode ser dividida em quatro frases de oito compassos cada. A primeira seção
A está em Fá Maior e tem um início acéfalo. A introdução é interpretada pelo violão de 7
cordas em solo, e ela usa o primeiro membro da primeira frase da seção A. A primeira
frase a começa com o encadeamento II – V – I, a partir do seu segundo compasso. Ela
fica no tom principal da seção A. A segunda frase apresenta duas digressões110; a
primeira para o tom relativo, Ré Menor e a segunda Lá Maior que se encontra na região
da mediante de Fá Maior111:
110
O
termo digressão é usado por alguns autores, como Koch, Richter, Schoenberg e Tiné, embora não seja
uma unanimidade. Zamacois se refere a esse evento como modulação passageira, e alguns autores não
fazem distinção entre modulação e digressão, como Ottman e Piston. Contudo, julgamos pertinente neste
trabalho trazer essa classificação.
111
Em sua tese de Doutorado, Sergio Freitas dentre muitas outras discussões levanta a questão dos tons
vizinhos e sua expansão. Ele compila as reflexões de diversos teóricos que trazem a ampliação deste
conceito, abrangendo então tonalidades ditas afastadas, como no caso da mediante. Portanto, estas já seriam
compreendidas pelo ouvido contemporâneo não mais como "longínquos desvios" (SCHOENBERG, Apud
FREITAS, p. 7) e estariam situadas como tonalidades afins, perdendo o status de tonalidades remotas.
Interessante notar que as modulações para tons com três ou quatro acidentes aparecem com certa
frequencia no universo do choro. Podemos observá-las em várias obras de Pixinguinha (“Ingênuo”,
“Lamentos”), Jacob do Bandolim ("Noites Cariocas"), e K-Ximbinho (“Sonoroso”) dentre outros.
78
Figura 8: primeiro e segundo períodos da seção A, segundo a gravação de Nelson Cavaquinho aqui já
citada.
A terceira frase praticamente repete o primeiro, a exceção dos seus dois últimos
compassos, que traz uma preparação para uma possível modulação ou digressão para o
tom relativo, mas não é o que ocorre no quarto período, que apresenta acorde da
subdominante do tom original dentro da seguinte sequência de acordes: IV – IV#o – I (5o
no baixo) – VI – II – V7 – I, fechando a seção A.
A seção B começa em Ré menor, relativo de Lá Maior e começando com uma
linha melódica bastante similar a usada na 4a frase da seção A:
A primeira frase seção B (assim como a segunda da seção A) vem com uma
digressão, aqui para tom afastado por empréstimo, Lá Maior. O retorno ao tom original
ocorre ainda neste trecho, a partir do seu 16o compasso.
A terceira frase é bastante similar à primeira, à exceção do seu ultimo compasso,
direcionando este trecho para o tom de Sol menor, iniciando então neste tom o quarto
período. Ele tem caráter conclusivo, com encadeamento IVm – IIm7 (b5) – Im – II7 (V
do V) – V7 – I, terminando a seção B. No seu último compasso temos o retorno ao tom
de Fá Maior e o primeiro membro de frase de A, trazendo então a volta desta seção sendo
esta repetida na íntegra.
79
Para finalizar a obra temos uma coda, segundo a gravação de Nelson
Cavaquinho:
Figura 10: coda de “Caminhando”.
O arranjo do Tira Poeira terá um acréscimo no número das seções, sem que se
alterem os números de compassos destas. A adição de compassos será feita somente na
introdução e na coda como vemos na tabela abaixo:
Introdução A B A B A B
A’ A” B’ B’ A” Coda
Melodia Melodia Interlúdio Interlúdio Melodia 9 compassos
principal principal com principal
com com improviso com
alteração da alteração da do alteração da
figura figura Bandolim figura
rítmica rítmica e rítmica e
acentuação acentuação
Na tabela anterior apresentamos os eventos principais que ocorrem neste arranjo.
Conforme acima, a versão para “Caminhando” do Tira Poeira principia com uma
introdução anacrústica de seis compassos, e a exposição das seções A e B. A seguir temos
dois trechos de improvisos em cima das duas seções A e B. Os instrumentos que ficam a
cargo de improvisar aqui são o saxofone soprano e em seguida o violão de seis cordas.
Após os improvisos temos o retorno da seção A, agora interpretada em quiálteras,
o que vai gerar um efeito de alternância de métrica, passando de 2/4 para 6/8. Vejamos as
duas maneiras que teremos no arranjo e a possível leitura da melodia no compasso
composto:
80
Figura 11: primeiros seis compassos da melodia principal da seção A de “Caminhando”, na versão do Tira
Poeira em dois de seus momentos, e a possibilidade da escrita em 6/8.
Figura 12: primeiros cinco compassos da seção A de “Caminhando”, na versão do Tira Poeira.
81
No compasso 215 (o 16o compasso da seção A), temos um retorno às figuras das
semicolcheias ocasionando o efeito de retorno ao compasso binário, que vai se desfazer
em seguida no compasso 216:
Figura 13: compassos 223 a 227 (14o ao 18o da seção A) com o tutti em semicolcheias e a volta da melodia
em quiálteras, conforme o arranjo do Tira Poeira.
82
Figura 14: compassos 232 a 236 (1o ao 5o da seção A) com as quiálteras acentuando de quatro em quatro
notas e o deslocamentos da harmonia conforme citado anteriormente.
83
84
Figura 16: compassos 304 a 313 da seção B com improviso do bandolim e o uso da linha melódica do
interlúdio descrito anteriormente.
b) Aspectos harmônicos:
85
previstos na obra de Nelson e Nourival. Em alguns compassos temos troca de acordes
como no 3o compasso da seção A, que vem com o I (na versão de Nelson o acorde é III)
e a supressão de um acorde no compasso. Contudo são mudanças bastante sutis. Vejamos
um trecho da seção A, com as propostas harmônicas: a do compositor em sua gravação e
do Tira Poeira:
c) Texturas:
86
O arranjo vem com bastante jogo de texturas homofônicas, polifônicas e trechos
com dobramentos e tuttis. A sua introdução é interpretada apenas pelo bandolim. Em
seguida, temos a primeira frase da seção A sendo interpretada pelo saxofone e violões,
em dobramento de 8as (violões em uníssono) sem acompanhamento rítmico-harmônico. A
partir do seu 4º compasso, o saxofone assume a melodia principal até o final desta seção.
Os demais instrumentos ficam com o acompanhamento:
87
Destaco também dois tutti curtos, de um compasso de duração cada. Eles serão
repetidos ao longo de algumas seções, tornando-se uma marca deste arranjo. O primeiro
se localiza no 16º compasso da seção A e o segundo no 32º compasso da seção B:
Figura 21: compassos 67 a 71 (13o a 16o da seção B), com o tutti selecionado.
Após a exposição das duas seções, temos um trecho longo de improviso, usando
as seções A e B, onde os improvisadores são o saxofone soprano e depois o violão de 6
cordas. Cada instrumento fica com as duas seções para seus solos. O acompanhamento
88
permanece usando a textura característica dos grupos de choro que apontamos
anteriormente.
Nas seções A’ e A” temos o dobramento da melodia feita pelo saxofone soprano e
bandolim. Em A’, o violão de 6 cordas vem com um acompanhamento de acordes
batidos, acentuando os tempos e o violão de 7 cordas traz um ostinato em quiálteras. O
pandeiro dobra as quiálteras da melodia. Esses eventos juntamente com a alteração
rítmica da melodia principal ocasionam o efeito da alternância de pulso e métrica que já
nos referimos nesta análise. Esse formato de rítmica e de textura perdura pelo primeiro
período da seção A e na primeira frase do segundo (os seus primeiros 24 compassos).
Vejamos no exemplo a seguir:
Figura 22: compassos 67 a 71 (13o a 16o da seção B), com o tutti selecionado.
Em A”, temos também o trecho com a ambigüidade rítmica, contudo agora com a
acentuação nas quiálteras de 4 em 4 notas. O acompanhamento também colabora para
este efeito, com uma mudança no rítmo harmônico, deslocando a troca de acordes para a
terceira parte do tempo, a cada compasso:
89
Figura 23: compassos 232 a 236 (1o ao 5o da seção A) com as quiálteras acentuando de quatro em quatro
notas e o deslocamentos da harmonia conforme citado anteriormente.
90
Essa seção se repetirá, agora com improviso do bandolim. A partir do seu 11º
(corresponde ao compasso 307), os violões e o pandeiro retomam a linha melódica
apresentada no interlúdio, usando-a então como polifonia em relação ao improviso do
bandolim, como mostra a figura a seguir:
91
Figura 25: compassos 304 a 313 da seção B com improviso do bandolim e o uso da
linha melódica do interlúdio descrito anteriormente.
Após a repetição de A”, o arranjo termina com uma coda que usa os últimos sete
compassos da seção A mais três compassos com textura polifônica em duas vozes
(dobramentos entre sax soprano e bandolim numa das vozes e dos dois violões na outra).
Elas vêm em movimento contrário, nota contra nota. Observamos também acentuações
diversas entre si, como vemos no exemplo final abaixo:
92
Figura 26: coda do arranjo, como descrito anteriormente, com uso dos sete últimos compassos da seção A e
os quatro compassos finais, com as duas frases melódicas que descrevemos acima.
4.1.2 – Veracruz:
Esta canção foi composta por Milton Nascimento e recebeu letra de Marcio
Borges. Para esta análise, consideramos a versão que Milton registrou no LP Courage, de
1968, pois é a primeira gravação desta obra até onde temos notícia.
93
a) Aspectos formais e rítmicos:
Esta peça apresenta uma forma pouco usual para canções que em geral tendem a
ter uma estrutura regular com seções com número de compassos iguais. A seção A
apresenta oito compassos e tem andamento lento e em rubatto, o que traz um caráter de
recitativo112. O oitavo compasso desta seção se mescla a um interlúdio instrumental de
oito compassos, já com andamento mais acelerado e em compasso binário. Este trecho
tem uma frase que irá se repetir no segundo interlúdio instrumental:
Figura 27: interlúdio instrumental de “Veracruz”, com a frase descrita acima demarcada no exemplo.
A seção B vem com andamento rápido, usando “levada” de baião. Esta seção,
como a seção A, tem um período, mas com 25 compassos. A melodia se mantém com
figuras de maior valor (semínimas e mínimas), com poucas variações. A seção A e o
primeiro interlúdio se repetem. A seguir, temos a seção B’ aqui modificada em relação à
seção B. B’ apresenta mais 16 compassos. Os seus primeiros oito compassos são a
repetição dos respectivos primeiros oito de B. Após estes, temos mais oito compassos de
acréscimo, seguidos da reprodução de B e a coda, que vem a ser a repetição do segundo
interlúdio, agora repetido três vezes nessa gravação113.
Temos então a seguinte tabela da forma de Veracruz:
112
Pelos fatores descritos acima, como andamento lento, compassos alternados, caráter de recitativo e sua
duração menor que a segunda seção, a seção A pode ser vista como uma introdução. Contudo, ela irá se
repetir entre as duas seções B e B’, o que me fez optar por vê-la como uma seção e não como introdução.
Mas este ponto é passível de discussão. Paulo Tiné, ao analisar a obra para a sua tese de Doutorado,
apresentou um seccionamento diferente do utilizado nesta pesquisa. Ver em Tiné (2008, p. 139 a 141).
113
Observamos em outras gravações que esse repetição pode variar; este interlúdio foi usado como base
para improviso também; como exemplo, no registro do Nosso Trio, em:
http://www.youtube.com/watch?v=JghPU9WPX70.
94
A 1o Interlúdio B 2o Interlúdio
8 compassos 8 compassos 25 compassos 8 compassos
A B’ Coda
8 compassos 41 compassos 8 compassos
O arranjo do Tira Poeira ficou com a seguinte forma:
95
de acordo com a gravação de Milton Nascimento.
Seguindo temos a seção A vindo bastante rearmonizada, fator que será analisado
mais detidamente posteriormente. A seguir, vem o primeiro interlúdio, que será
totalmente diverso do apresentado na gravação do compositor da obra. O compasso muda
para binário composto, e o pandeiro apresenta uma “levada” com acentuação na segunda
parte do segundo tempo, o que traz uma sensação de compasso ternário simples. O
saxofone soprano executa uma melodia inédita à obra, e a harmonia deste trecho gira em
torno do acorde da tônica, variando a 5a, entre justa e diminuta:
96
A seção B que se segue mantém o compasso binário composto, com o tema sendo
interpretado na primeira vez pelo bandolim e no ritornello, pelo saxofone soprano. Ao
final da execuções de B, temos quatro compassos de ligação entre as seções (na gravação
de Milton Nascimento, aqui viria o 2o interlúdio de 8 compassos). Na primeira vez o
compasso se alterna para binário simples e bandolim, violões e pandeiro vêm com uma
linha melódica bastante movimentada, contrastando com a exposição da melodia
principal, em mínimas e semicolcheias pontuadas. Entre os seus 17o e 21o compassos
(corresponde ao trecho entre os compassos 41o a 45o do arranjo), a melodia fica ainda
mais rarefeita, mantendo-se com a nota si4, em mínimas pontuadas:
97
Figura 31: fim da seção B e os quatro compassos de ligação, conforme descritos anteriormente.
No ritornello da seção B, o saxofone soprano fica com a melodia principal. No trecho dos
compassos de ligação, teremos o compasso binário pelos três primeiros compassos e no
quarto, a alternância para binário simples:
98
Figura 32: os quatro compassos de ligação depois do ritornello de B e o início das seções de improviso.
Ao final da terceira seção de improviso, teremos um interlúdio, que liga este último
trecho a uma próxima seção A’. Esta seção se apresenta em compasso binário, diferindo
da sua primeira exposição (A) neste arranjo e em outras versões da obra, e também com
movimentação melódica em semínimas, o tornando-a mais lenta e rarefeita. Ao final de
A’, temos mais um interlúdio, agora de oito compassos onde bandolim e saxofone
99
soprano improvisam. Seguindo temos a re-exposição de B, na tonalidade de Mi menor,
com o saxofone e o bandolim dobrando a melodia principal em quase todo o trecho. Aqui
a melodia aparece sem a rarefação proposta na sua primeira exposição. Para finalizar o
arranjo, uma coda de três compassos, remetendo aos compassos de ligação apresentados
na primeira exposição da seção B:
Figura 34: fim da re-exposição da seção B e a coda, de acordo com o arranjo do Tira Poeira.
b) Aspectos harmônicos:
100
Figura 35: quatro primeiros compassos da seção A de “Veracruz”.
O 1o interlúdio afirma a tônica como Sol menor, como vemos abaixo no exemplo.
O acorde do I aparece nos 6 primeiros compassos, mudando para o V apenas no 7o:
101
empréstimo modal, seguido de V do VI e VI nos quatro compassos seguintes, retornando
então para a tonalidade inicial. O 23o compasso apresenta o Vm novamente, e a resolução
no 25o compasso, já também onde se inicia o segundo interlúdio. O caráter modal do
trecho é evidenciado pelo uso do acorde de Vm e da linha melódica, que não apresenta
sensível. O modo eólio se mantém em quase a totalidade do trecho, com a exceção do uso
da sétima maior no acorde do I no 4o compasso, do acorde de empréstimo, Bm7 no 17o e
ainda na sequência do interlúdio que se segue, com o acorde do IV maior. Vejamos aqui
o 2o interlúdio (que trabalha também como coda nesta versão) também reforçando a
tônica da obra, assim como o 1o:
102
103
Dominante e baixo na tônica. Os próximos três compassos apresentam uma progressão
harmônica descendente, de semitom em semitom, usando acordes do tipo Xm7(b5), ou os
chamados meio-diminutos e com a 9a menor.
Figura 41: melodia e harmonia da introdução, segundo o arranjo para o Tira Poeira.
104
de ligação entre cada aparição desta seção. Estes trechos vão variar entre si. O primeiro
reafirma a tonalidade de Mi menor, embora se inicie com um cluster, tendo o acorde da
tônica aparecendo no seu 4o compasso:
Na segunda seção B teremos mais quatro compassos de ligação que conduzirão então
para as últimas exposições de B, modulando para Dó menor. Estas seções servirão como
base para improvisos:
105
Como foi analisado anteriormente no arranjo de Fábio Nin, os interlúdios diferirão entre
si, o que não acontece com os da versão de Milton. Em relação à harmonia, tanto os
interlúdios do compositor quanto os de Fábio Nin vêm reforçar a tônica. Contudo os de
Milton vão ter sempre a mesma estrutura como podemos ver nas figuras 37 e 38. Os
interlúdios elaborados por Nin trazem propostas diferentes, em cada aparição. O 1o vem
afirmando a tônica com o acorde do Im, VI e Im:
Figura 46: melodia e harmonia do 1o interlúdio, segundo o arranjo para o Tira Poeira.
106
c) Texturas:
Figura 48: primeiros seis compassos da seção A, segundo o arranjo para o Tira Poeira.
116
Ver exemplos nas Figuras 32 e 34.
107
apresentada no primeiro trecho de ligação entre as seções B (assinalados na figura 38
como o aglomerado de 2as maiores), contudo aqui ela se adensa, causado pelo uso de
fusas:
108
4.2.1 – “Batuque”:
Essa peça de Ernesto Nazareth foi concebida para piano solo, como a maior parte
de suas obras. O compositor a classificou como Tango Característico. Considerei para a
sua análise seções com extensão de 16 e 32 compassos, pois esta peça não apresenta uma
estrutura formal usual, como a maior parte das obras que estão sendo aqui analisadas.
Elas observam as formas ternárias A – B – A ou formas rondó.
A presente análise separa a peça nas seguintes seções: Introdução – A – B – A’ –
C – D – C – A – B’, com trechos de pontes e coda de quatro compassos117. Temos então a
seguinte tabela para a composição de Nazareth:
Introdução A – Lá Maior B – Lá Maior Ponte 1
16 compassos 16 compassos 16 compassos 8 compassos
(8 com repetição)
117
Cacá Machado em seu O Enigma do Homem Célebre apresenta uma análise desta peça com o mesmo
seccionamento. Ver em Machado, 2007, p. 120 a 127.
109
O arranjo do “Batuque” do Água de Moringa foi elaborado por Marcílio Lopes e
vem com acréscimos e supressão de compassos em alguns de seus trechos, se
compararmos com a obra de Nazareth. Vejamos na tabela abaixo:
C’ Ponte 3 A B’ Coda
8 compassos 8 compassos 16 compassos 16 compassos 4 compassos
Os acréscimos de compasso assim como a sua localização (no final dos trechos)
operam trazendo maior sensação de suspensão, o que será determinado também pela
harmonia, dinâmica e agógica, como pode ser observado na introdução, no final da
primeira seção B e da 1a ponte. Vejamos o trecho da introdução:
110
Figura 50: três últimos compassos da Introdução e o início da seção A, de acordo com
o arranjo para o Água de Moringa.
111
Figura 51: segunda série de compassos de ligação entre as seções B dois primeiros compassos da
Introdução e o início da seção A da partitura original do “Batuque”.
A primeira seção A repete-se três vezes, as duas primeiras no tom de Mib Maior e
na terceira em Dó Maior, tonalidade que vai prevalecer na maior parte do arranjo de
Maurício Lopes. Assim como temos os acréscimos, temos supressões de compassos, nas
seções A’ e C’; estes dois trechos tiveram as suas primeiras frases suprimidas, i.e., os
seus oito primeiros compassos.
b) Aspectos harmônicos:
A peça está em Lá Maior e usa sua tonalidade principal em quase toda a obra, à
exceção da seção C, que se encontra em Ré Maior. A introdução apresenta o uso de nota-
pedal no 1o na região grave do piano e usando encadeamento harmônico de dominante-
tônica de dois em dois compassos até o 6o compasso (2o tempo), onde traz uma digressão
para o tom da dominante. Esta mudança permanece até o 8o compasso, com o retorno ao
tom original, e o uso de cadência suspensiva. Os próximos 8 compassos serão quase uma
repetição dos 8 anteriores, à exceção dos compassos finais deste trecho. Vemos maior
movimentação na harmonia, agora com o VI, acorde diminuto (VII do V?), o 15o
compasso com nota-pedal no 5o grau e o acorde da dominante.
112
A seção A usa o pedal apresentado da Introdução. Nos 5o e 6o compassos dela
temos uma modulação passageira para o VI, retornando ao tom original nos 7o e 8o
compassos, junto com uma escada descendente, mudando o curso da melodia, a partir do
2o tempo do 7o compasso. No seu 15o compasso, temos uma nova mudança na estrutura
melódica, novamente uma escala, mas agora, em movimento ascendente. A harmonia está
no II, que podemos também vê-lo como o IV do tom de Fá# menor. O compasso 16o
apresenta o acorde do V do VI, em cadência suspensiva, ficando este final da seção A no
tom relativo da obra.
A seção B busca o retorno ao tom original da peça. Para tal, o compositor usa uma
marcha harmônica com o acorde de diminuta VII do II, resolvendo no II. No compasso
seguinte aparece o VII (aqui também como acorde diminuto) e I, invertido e adiante o VII
do V, atrasando um pouco a sua resolução com o uso do II e depois o V, no 3o compasso
e a resolução no I no 4o compasso desta seção. Os 7o e 8o compassos vêm com mais uma
cadência suspensiva, na dominante da tonalidade original da peça. O trecho que
compreende entre o 9o ao 15o compassos (seu 1o tempo) é uma repetição dos seis
primeiros compassos de B. A partir do 2o tempo do compasso 15, temos mais um
movimento de suspensão. Pelo desenho melódico não se pode afirmar que seja uma
cadência, posta que não há cesura no movimento, mas o encadeamento harmônico, a
regularidade dos desenhos formais que a peça apresenta até o momento e a indicação de
rallentando na dinâmica traz uma sugestão de cesura, por conseguinte, de cadência no
final do compasso 16. A primeira ponte que se segue permanece em caráter suspensivo,
terminando com cadência à Dominante.
A seguir, temos o retorno da seção A, mas agora como A’, pois seu final é
levemente modificado nos seus três últimos compassos em relação ao A inicial. A partir
do 6o compasso de A’, inicia-se um desenho melódico com escala ascendente e com
encadeamento harmônico de cadência conclusiva.
Começa agora a seção C, que se encontra em Ré Maior. Aqui o desenho melódico
é mais baseado em graus conjuntos e se localiza numa região mais aguda do piano,
diferentemente das seções A e B. O acompanhamento também muda, trazendo baixo e
acordes batidos na mão esquerda. A seção termina com uso de 6a Napolitana, V7 e I, em
Ré Maior:
113
114
O arranjo para o Água de Moringa encontra-se em Dó Maior, e apresenta trechos
com modulações não previstas nesta obra de Nazareth, assim como tem acréscimo de
trechos. A introdução está em Dó Maior e é fiel à partitura original de Nazareth. No final
dela temos o acréscimo de 3 compassos com o acorde de F#(add9,#11) do qual tratamos
anteriormente. A seção A vem com nova tonalidade, sem preparação de modulação, em
Mib Maior. A melodia principal fica aqui a cargo do violão de 6 cordas:
Figura 54: os três compassos finais da introdução e os quatro primeiros compassos da seção A, de acordo
com o arranjo do Água de Moringa.
115
uma possível mudança na tonalidade. Na 2a ponte esta modulação ocorre, agora para Lá
Maior. Podemos pensar em Dm7(b5) como um pivot, pois pode ser visto como uma
Subdominante dirigindo-se para Dó menor e também como IVm de Lá Maior.
Interessante notar que a tonalidade agora escolhida pelo arranjador é Lá Maior, tom
original da obra de Nazareth:
Figura 55: final da seção B, seguida da 1a ponte, com o acorde Dm7(b) marcado.
116
Db7(9) e C6(9). O arranjo termina em Dó Maior, no seu último compasso, modulando
através da nota sol, que funciona aqui como pivot:
117
118
Figura 60: dois últimos compassos da seção A em Mib Maior e os dois primeiros compassos
da mesma seção, agora em Dó Maior.
119
Figura 61: dois últimos compassos da seção A e os três primeiros compassos da seção B.
120
121
4.2.2 – “Sensível”:
122
temos notícia é a do Conjunto Época de Ouro, para o LP Conjunto Época de Ouro
interpreta Pixinguinha e Benedito Lacerda, de 1977.
a) Aspectos formais:
Esta é uma obra em tom menor com duas seções, cada uma com 32 compassos no
formato A – B – A. A primeira seção A está em Sol menor e pode ser dividida em dois
períodos, a e a’, cada um com 16 compassos; cada período por sua vez pode ser divido
em duas frases com oito compassos cada. A seção B está em Sib Maior (tom relativo de
Sol menor) e obedece à mesma estrutura de A. Na gravação do conjunto Época de Ouro
não há introdução e temos, ao final da re-exposição de A, uma coda118 de dois
compassos.
O arranjo de Josimar Carneiro para o Água de Moringa obedece à essa estrutura A
– B – A, acrescentando a ela um introdução de quatro compassos, uma repetição da seção
B (B’) e uma coda um pouco mais extensa que à proposta pelo Época de Ouro.
A introdução de Josimar vem com um desenho melódico em graus conjuntos e
saltos, sem ligação aparente com algum trecho da melodia da obra. Esse desenho se
apresenta por 4as superpostas, o que será analisado de maneira mais detida a seguir.
Observemos o exemplo abaixo:
118
Esta coda está tanto na partitura quanto na gravação do Época de Ouro. Contudo achei o
encaminhamento harmônico dela pouco usual em relação ao que Pixinguinha costumava fazer em suas
obras, o que me leva a pensar que ela não teria sido composta por Pixinguinha, mas sim faria parte do
arranjo do grupo.
123
B’ (em relação à seção B) se altera na harmonia, na troca dos instrumentos que
fazem a melodia principal e em algumas das linhas de segunda voz, mas não em sua
estrutura formal.
A coda para o arranjo do Água de Moringa vem com cinco compassos de
extensão, apresenta material melódico da primeira frase de A e traz uma estrutura similar
de 4as superpostas vista na Introdução:
Figura 66: coda de “Sensível”, segundo o arranjo de Josimar Carneiro, em redução para piano.
b) Aspectos Harmônicos:
Figura 67: oito primeiros compassos de “Sensível”, segundo a gravação do Conjunto Época de Ouro.
Esta modulação se mantém durante a segunda frase deste período, retornando ao tom
original apenas no 16o compasso deste trecho. Em a’, novamente teremos a modulação
para Sib Maior, entretanto, no compasso 25o deste trecho aparece o acorde de Ab,
124
funcionando como acorde Napolitano119 e seguindo com o seguinte encadeamento
harmônico: I – VI – V7 – I, entre os compassos 27 a 31. Teremos então dois compassos
de ligação entre as seções A e B, que terão função modulatória:
119
Freitas (2010) traz em sua Tese algumas considerações sobre o acorde de 6a Napolitana, ou acorde
Napolitano dentre outras nomenclaturas. Ele crê que esse acorde seria uma alternativa que se consagrou,
dado a questão que o acorde menor com a 6a Maior geraria, por causa do trítono presente dentro da sua
estrutura. Apesar de o acorde Napolitano possuir uma nota não-pertencente à escala diatônica de uma dada
tonalidade (ex: a 6a Napolitana usada nas tonalidades de Dó Maior ou menor possui a nota ré b), essa
estrutura perderia o trítono, e funcionaria como uma subdominante ou substituta da Dominante (o SubV7
ou bII7). Pixinguinha a utiliza como subdominante em “Sensível”. Ver em Freitas (2010).
125
O arranjo do Água de Moringa tem a introdução com quatro linhas melódicas em
texturas em 4as paralelas, entre as vozes agudas e as graves. As duas mais agudas estão
entre o dobramento em uníssono do clarinete com o bandolim e o cavaquinho; a segunda,
mais grave, entre os dois violões:
126
As duas seções A e B vêm com as rearmonizações as quais já nos referendamos120, com
acréscimo de notas de tensão (ou complementares), como 9as e 11as aumentadas, uso de
nota-pedal e adição e substituição de acordes:
120
Para uma compreensão mais rápida do exemplo, transportamos o trecho citado acima para a tonalidade
usada no arranjo do Água de Moringa, Ré menor.
127
128
No arranjo de Josimar, a repetição da seção B aparece rearmonizada de forma
diversa ao que vemos acima, na primeira seção B. Aqui temos maior aparição de
cromatismos e acréscimo de acordes, bem como a utilização de apojiatura, como
marcamos a seguir:
c) Texturas:
129
Figura 73: seção A de “Sensível”, segundo o arranjo do Água de Moringa, a partir de seu 4o compasso.
130
Como podemos ver no último compasso da figura acima (17o compasso da seção
A), o violão de 6 cordas vai então assumir a melodia principal, até o compasso 21. No 22o
compasso a melodia vai passar para o cavaquinho, até o final da seção A, ficando então
as outras vozes por conta do bandolim e do violão de 6 cordas. O clarinete não é utilizado
neste trecho.
Durante a seção A, o violão de sete cordas tem uma textura de acompanhamento,
com acordes batidos em quase toda a sua extensão. Ele também vai apresentar trabalho
mais melódico a partir do segundo período deste trecho, com dobramentos em conjunto
131
com a melodia principal e as outras vozes do bandolim e do violão de 6 cordas. Vejamos
no exemplo abaixo:
Figura 76: os compassos de ligação e o início da seção B segundo o arranjo do Água de Moringa.
132
Nesta parte do arranjo percebemos duas mudanças dignas de maior atenção na
melodia principal. Entre os 9o a 12o compassos, a melodia sofre uma rarefação, ficando
apenas com uma nota longa, entre os 9o a 11o compassos. Vejamos a versão do Época de
Ouro:
Figura 78: mesmo trecho da Figura 11, segundo o arranjo do Água de Moringa.
133
134
Este trecho tem o bandolim interpretando a melodia principal até o seu final, onde
em seus 31o e 32o compassos os violões executam uma melodia em terças paralelas, um
procedimento usual para o repertório do choro:
135
136
No 17o compasso desta parte, o clarinete toma a melodia, diferenciando da
primeira seção A, que o violão de 6 cordas assume o papel de solista. Seguindo, o
bandolim retoma a melodia principal no 22o compasso, seguindo com ela até o seu final, o
que traz mais uma diferença em relação à primeira seção A; neste trecho quem faz a
melodia é o cavaquinho. A volta da seção A segue de maneira bastante similar à sua
primeira exposição, com algumas alterações como a troca de solistas, que já citamos,
acréscimos de linhas melódicas no acompanhamento e acordes que sofreram
rearmonização, como o último acorde da seção A, no 31o compasso. Também é digno de
nota a fusão da coda com o fim deste trecho: ele não vai ter o compasso 32, entrando
direto na coda, que tem 5 compassos. Ela vai aproveitar o primeiro membro de frase da
seção A, com dobramentos em todos os instrumentos. O clarinete e o violão de 7 cordas
mantêm o trecho na sua altura original, ficando então o bandolim, o cavaquinho e o violão
de 6 cordas com as transposições. Teremos então um paralelismo de 4as entre bandolim e
cavaquinho, e de 6as entre os violões, aproximando a sonoridade da proposta pela
introdução do arranjo, mas aqui com o uso de trecho da melodia principal, para terminar o
arranjo:
137
A Valsa Venezuelana no 3 foi composta por Antonio Lauro entre 1938 e 1940 e
faz parte da sua série Valsas Venezuelanas. O arranjo do Trio Madeira Brasil respeita a
forma e a harmonia da obra de Lauro. A interferência do arranjo na partitura original se
dá mais em relação à textura. Por causa deste fator e para uma melhor compreensão da
obra em si, faremos a seguir uma breve análise dela.
138
139
I – V – I (alguns dos acordes encontram-se invertidos). A linha melódica alcança seu
ponto mais agudo no 11o compasso:
121
Segundo Gabriel M. de Andrade Nogueira, essa alternância de métrica característica da valsa
venezuelana também é encontrada em diversos gêneros da música latino-americana, como nas argentinas
chacarera e zamba e nos pasillo e bambuco colombianos. Ver em Nogueira, 2013.
140
Figura 89: primeiros cinco compassos da seção B, com o trato melódico e o acompanhamento ressaltando
mais o compasso 3/4.
Figura 90: 14o ao 18o compassos da seção B, com o trato melódico e o acompanhamento
ressaltando mais a oscilação métrica descrita anteriormente.
141
b) Texturas:
142
Como vimos anteriormente, a obra de Lauro se apresenta com uma textura
bastante homogênea em toda sua extensão: sua linha melódica bastante angulosa, com
muitos arpejos, uma presença de uma segunda voz que se funde eventualmente com a
linha melódica principal e um baixo construído com notas longas (mínimas e semínimas
pontuadas) que vem também contribuir para a ambiguidade métrica já citada.
No arranjo do Trio Madeira Brasil, a obra é executada por duas vezes, seguindo
sua forma original. A primeira vez fica a cargo dos violões, sendo o violão de 6 cordas o
solista, quase como na partitura original. O violão de 7 cordas apresenta em quase toda a
extensão deste arranjo uma segunda voz, e em alguns poucos compassos,
acompanhamento de acordes batidos e arpejos. Ele também acentua a ambiguidade
métrica entre os compassos 3/4 e 6/8, ao manter alguns trechos com o baixo usando
semínimas pontuadas e seguindo com mínima e semínima, como abaixo:
Figura 92: primeiros oito compassos da Valsa Venezuelana, segundo o arranjo do Trio Madeira Brasil.
143
Figura 94: 23o ao 31o compassos da seção B, segundo o arranjo do Trio Madeira Brasil.
144
O bandolim entra ao final da seção B e a obra irá se repetir na sua íntegra. Ele virá
tecendo uma segunda voz em toda a seção A e boa parte da seção B, só operando como
acompanhamento ao final desta última seção. A segunda voz que ele traça é praticamente
composta por colcheias, com alguns momentos em semicolcheias. Ele também busca
acentuações na melodia que valorizam a métrica do compasso ternário, o que gera maior
sensação de ambiguidade métrica, entre ele e a melodia principal:
Figura 95: final da primeira repetição da Valsa Venezuelana e os primeiros cinco compassos da segunda
repetição com a entrada do bandolim, segundo o arranjo do Trio Madeira Brasil.
145
Figura 96: seção A, a partir do seu 32o compasso, segundo o arranjo do Trio Madeira Brasil.
146
147
Figuras 97 e 98: seção B a partir do seu 23o compasso até o final do arranjo do Trio Madeira Brasil, com as
referidas quiálteras e a linha de acompanhamento do bandolim.
148
4.3.2 – “Assanhado”:
a) Aspectos formais:
Esta peça foi composta por Jacob do Bandolim e é estruturada em três seções A –
B – A’. Na gravação de Jacob122, temos uma introdução de 8 compassos e as seções A e
B vão se repetir, fazendo então A – B – A – B – A’; o A’ funcionará como coda, e a
gravação termina em Fade-Out.
No arranjo de José Paulo Becker para o Trio Madeira Brasil essa estrutura será
ampliada, com a seção B sendo usada para improvisos, um interlúdio e uma coda serão
acrescentados à grande forma como veremos na tabela a seguir:
122
A gravação que nos referimos está no LP Chorinhos e Chorões (1961, pela gravadora RCA).
149
compassos vêm com uma linha melódica do violão de 7 cordas, e no segundo com um
intervenção do pandeiro:
b) Aspectos harmônicos:
150
Na obra de Jacob do Bandolim, vemos que na seção A a harmonia tem pouca
movimentação. Ela inicia com o acorde da tônica, que permanece entre os compassos 9 a
24. Nos compassos 25 e 26, temos a subdominante e a seguir, volta a tônica. O acorde da
dominante só aparece a partir do compasso 33, ficando até o compasso 39, e o acorde de
tônica volta no compasso 40. Um ponto interessante desta harmonização está na estrutura
dos acordes; alguns se apresentam como tétrades tipo X7, mas não necessariamente
cumprindo funções de dominante. A estrutura harmônica usada na obra (I – IV7 – I – V7
– I) não é usual no repertório de choro, mas é similar à uma das estruturas bastante
comuns ao blues e ao jazz, I7 – IV7 – I7 – V7 – I7 123.
A seção B apresenta um movimento harmônico mais intenso e modulante,
propiciado pelo uso de uma série longa de dominantes sucessivas a cada par de
compassos: do 48 (2o tempo) ao 50, teremos A7, do 51 ao 52, D7, 53 ao 54, G7, 55 ao 56,
C7, 57 ao 58, F7, 59 ao 60, Bb7, e do 61 ao 62, E7, que, no compasso 63, resolve no
acorde da tonalidade original da peça.
Na volta ao A’, apenas a primeira frase da seção irá se repetir, fazendo na coda o
efeito de Fade-Out.
No arranjo de José Paulo Becker, percebemos que as mudanças se deram de início
nas estruturas verticais. A harmonia da obra e seu encaminhamento permanecem de
acordo com o arranjo de Jacob, contudo a cor dos acordes é bastante modificada. Eles
(formados pelos violões de 6 e 7 cordas) irão trazer uma sabor politonal na introdução e
na seção A do arranjo. A politonalidade irá nos remeter certamente às obras da música de
concerto do fim do século XIX e início do século XX, com compositores como
Stravinsky, Debussy e Milhaud:
123
Esta colocação está bem documentada em diversos livros que tratam da harmonia usada no repertório do
jazz. Ver em Dankworth (1979), Levine (1995), Schuller (1991), dentre outros.
151
Figura 101: Trecho da introdução e primeiros quatro compassos da seção A, de acordo com o
arranjo de Becker para o Trio Madeira Brasil.
152
153
Figura 103: seção A, com o destaque das 4as superpostas apontados anteriormente,
no arranjo do Trio Madeira Brasil.
154
A seção A’ segue a mesma estrutura harmônica das outras seções A. A coda
apresenta uma harmonia que remete à Introdução, com os acordes B – F nos dois violões,
que fazem acompanhamento para o improviso do bandolim, reforçando mais uma vez a
sensação da politonalidade presente na introdução e seção A. O arranjo vai terminar com
o acorde da tônica, em tríade, trazendo mais uma surpresa depois deste trabalho de
rearmonização que temos na seção A e na coda.
b) Texturas:
155
Nos compassos 32º ao 38º, o violão de 6 cordas apresenta células provavelmente oriundas
de clichês musicais do jazz:
156
157
A seção B da peça vem com a textura usada pelos regionais, a linha melódica no
instrumento agudo (no caso o bandolim), o violão de 6 cordas fazendo acompanhamento
de acordes batidos, o violão de 7 cordas na baixaria124, e o pandeiro na condução rítmica.
No trecho os compassos 59º ao 66º o arranjo vai apresentar uma linha de baixaria
buscando uma irregularidade na sua rítmica e na acentuação. Seguindo, teremos a
repetição por quatro vezes da seção B, mas agora com improvisos por parte de todos os
instrumentistas, mantendo essa mesma textura.
124
Termo usado pelos músicos de choro, referente às linhas melódicas elaboradas no violão de 7 cordas e
que é uma das características da polifonia deste gênero. Ver em Cazes (1998), Braga (2002), Becker
(1996), dentre outros.
158
Como já foi observado na Figura 104, o interlúdio tem o material harmônico e
estrutural da seção B, mas com linhas melódicas entre os dois violões e o bandolim, com
caráter responsorial. Poderíamos pensar em mais uma correspondência aqui com o jazz,
pois é bastante comum nos arranjos deste gênero, interlúdios com material melódico
diferente ao tema principal, onde os instrumentos fazem a sua execução em tutti, como os
dois violões aqui neste caso. O interlúdio em forma de responsório, como no caso, já não
é tão usual nos arranjos de jazz, que preferem usar o tutti ou soli125, tanto para banda
quanto para orquestra (mais comumente, jazz-orchestras).
A estrutura melódica apresentada no interlúdio também reforça essa referência ao
jazz. Observemos as frases que destacamos abaixo:
Tanto a seção A’ quanto a coda vão manter a textura apresentada nas seções A.
Outro evento digno de atenção por ser pouco comum ao repertório de choro tradicional é
o uso de compassos alternados neste último trecho. Essa estrutura é formada através da
linha melódica do violão de 7 cordas, como podemos ver na figura que segue abaixo:
125
O termo tutti pode ser usado como contraste para soli, que em seu significado primeiros, é relativo a
solo. Essas expressões eram usadas no período barroco justamente para identificar trocas de texturas. De
maneira geral, tutti significa os trechos em que a orquestra toca inteira. No jazz, o soli pode significar uma
passagem feita para um grupo de instrumentos do mesmo naipe (seção de saxes, por exemplo) que
executam o trecho em texturas de acordes em bloco. Ver em Grove (2014).
159
160
4.4. O Rabo de Lagartixa:
4.4.1 – “Arrasta-Pé”:
161
b) Aspectos harmônicos:
162
A primeira seção A, tem acréscimo de acordes nos compassos 13º ao 16º, criando
uma leve rearmonização, mas bem próximo do que sugere a melodia e a gravação de
Waldir:
163
c) Texturas:
164
principal, também variando a melodia a partir do 8º compasso desta parte. O saxofone
retorna com a melodia principal agora na seção C.
Na volta à seção A, o grupo volta ao clima da introdução: a percussão se ausenta
neste momento do arranjo, diminuindo novamente a densidade e gerando a sensação de
andamento mais lento e em ad libitum, como na introdução. O saxofone permanece com
a melodia principal, mas buscando rarefação ao suprimir algumas notas da melodia a
partir no 8º compasso de A. O violão e cavaquinho executam outras vozes, dando um
caráter mais polifônico neste trecho do arranjo. O contrabaixo está presente, mas de
maneira discreta, pontuando os tempos fortes e a linha do violão.
Na volta da seção B o contrabaixo assume a melodia principal, iniciando bem
lentamente, e os outros instrumentos vão entrando em momentos diversos. O saxofone
cria uma linha melódica paralela à melodia principal, em terças, e o cavaquinho faz uma
linha cromática ascendente. Neste momento, a seção B adquire um caráter de interlúdio,
que vem com a aceleração do andamento e também pela estrutura melódica da própria
obra, com acordes articulados traçando uma melodia gerada na sua parte aguda, como
mostra a figura a seguir:
Figura 114: linha da seção B como interlúdio, de acordo com o arranjo do Rabo de Lagartixa.
Todos terminam juntos no compasso 16º desta seção, com o acorde de Sol maior,
anunciando a volta da seção C.
Nesta seção, o cavaquinho assume a melodia principal e ocorrerá outra troca de
gênero musical, agora o frevo, o que vai acelerar mais o andamento ainda. Também nesta
seção, haverá espaço para variações na melodia, com caráter de improviso, e o arranjo
termina da mesma maneira que o arranjo de Waldir Azevedo, com os quatro compassos
de coda, usando o acorde de tônica e a mesma célula rítmica, mudando somente no
último compasso (ver Figuras 116 e 117, abaixo):
165
a) Aspectos formais:
Obra composta por Heitor Villa-Lobos em 1920 para piano solo e dedicada a
Iberê Lemos. Optamos por seccionar sua grande forma da seguinte maneira:
A Transição A’ B A”
26 compassos 6 compassos 17 compassos 8 compassos 30 compassos
166
O arranjo de Daniela Spielmann para o Rabo de Lagartixa terá acréscimo de uma
introdução e adição e supressão de alguns trechos e compassos, como veremos na tabela
abaixo:
O arranjo do Rabo de Lagartixa começa com uma introdução que não pertence a
nenhum trecho da “Lenda do Caboclo”, tendo doze compassos e apresentando a frase
abaixo:
Figura 117: a frase da introdução do arranjo do Rabo de Lagartixa para a “Lenda do Caboclo”.
Essa frase será trabalhada na introdução e será usada também como material de
acompanhamento nas seções A.
A primeira seção A virá sem os primeiros 14 compassos (com caráter de
introdução), entrando direto no tema principal:
167
anteriormente. O trecho aqui citado vai operar quase como um interlúdio, pois ainda não
tinha aparecido dentro do arranjo do grupo. Ele aparece no formato que apresenta na
seção A da obra original, e também apresenta um improviso feito pelo cavaquinho:
Figura 119: primeiros compassos da seção A”, de acordo com o arranjo para o Rabo de Lagartixa.
168
A coda vai trazer o material da introdução do arranjo, como vemos abaixo no
exemplo:
b) Aspectos harmônicos:
169
Fig
ura 121: primeiros nove compassos da seção A, segundo a partitura original de
Villa-Lobos (Ed. Arthur Napoleão, 1968).
170
171
frase para uma 5a acima e depois, uma transposição do seu segundo inciso, uma 2a maior
abaixo:
Este trecho se repete entre o 9o ao 16o compassos de A’. A harmonia irá diferir da
apresentada na seção A, onde temos o encadeamento V – I, considerando a tonalidade de
Si Maior. Ele se repete a cada dois compassos e a ambiguidade tonal a qual já nos
referimos se apresente entre o jogo melodia-acompanhamento:
Figura 125: primeiros quatro compassos da seção A (incluindo a anacruse) e com a referência do jogo entre
a melodia e o acompanhamento citado anteriormente.
172
Figura 126: primeiros quatro compassos da seção A’ (incluindo a anacruse) com a referência do jogo entre
a melodia e o acompanhamento citado anteriormente.
173
174
precisa ter uma resposta definitiva, pois me parece que Villa-Lobos pretendia deixar essa
dúvida à tona ou talvez não se preocupasse muito com ela.
O arranjo para o Rabo de Lagartixa vai manter a proposta harmônica da obra de
Villa-Lobos em quase toda a sua extensão. Um momento de modificação está nas seções
A, onde a nota-pedal fica no 1º grau (no original do compositor a nota-pedal está no 5º):
Figura 129: os quatro compassos da seção A onde aparece a melodia principal, primeiramente na
composição de Villa-Lobos e abaixo, na versão de Daniela Spielmann para o Rabo de Lagartixa.
c) Texturas:
175
176
A percussão também entra neste trecho trazendo uma levada de aguerê126.
Segundo o percussionista Beto Cazes, ela foi um pouco adaptada para o arranjo do
conjunto:
Figura 132: levada de aguerê, de acordo com a tese de Jorge Luiz R. de Vasconcelos.
126
Aguerê ou agueré é um toque de candomblé para Oxóssi, mas pode também estar ligado à Iansã,
segundo Jorge Luiz R de Vasconcelos (2010). Em sua tese, ele aponta vários pesquisadores que
investigaram a respeito deste toque, atribuindo-o a mais de uma divindade. Ver em Vasconcelos (2010) e
Cardoso (2006).
177
Figura 134: seção A, 5o compasso, com a melodia no cavaquinho e a segunda voz no saxofone.
178
179
180
Como podemos ver na Figura 130 a relação intervalar entre o saxofone e o
cavaquinho é de 3as, mas não há alteração na harmonia como um todo.
O violão de 7 cordas apresenta a seção A’ em solo. O resto do grupo volta na
repetição do período musical desta seção. O violão apresenta uma 2a voz junto à melodia
principal. Aqui temos também a supressão da linha do baixo, tanto no primeiro período
quanto no segundo:
Figura 138: primeiros quatro compassos da seção A’, segundo o original de Villa-Lobos.
Figura 139: primeiros oito compassos da seção A’, segundo o arranjo do Rabo de Lagartixa.
181
Figura 140: seção A’, a partir do seu 8o compasso, segundo o arranjo do Rabo de Lagartixa
182
Figura 141: final da seção A’ e dois primeiros compassos da seção B,
segundo o arranjo do Rabo de Lagartixa.
A seção A” aparece com os seus primeiros oito compassos quase na íntegra, tendo
o violão de 7 cordas com o ostinato da mão direita do piano, o contrabaixo desenhando
uma linha de baixo não prevista no original e o cavaquinho com a região mais aguda:
183
de acordo com a obra de Villa-Lobos (1968).
Figura 143: primeiros oito compassos da seção A”, segundo o arranjo do Rabo de Lagartixa
com os trechos comentados anteriormente assinalados.
184
Figura 144: os cinco compassos da seção A” com o improviso do cavaquinho, seguido da aparição da
melodia principal e da segunda voz do saxofone, como apontados anteriormente.
185
Figura 145: o 8o compasso da seção A” – último compasso do primeiro período, emendando com o trecho
em repetição (segundo período de A”).
127
Gênero musical e cortejo popular que relembra a coroação dos Reis do Congo, segundo vários autores.
Sua manifestação mais característica se dá no Estado de Pernambuco e tem dois sub-gêneros: maracatu de
baque-virado (chamado de maracatu-nação) e o maracatu de baque-solto (rural). A linha rítmica em questão
pode ser feita tanto pelo gonguê quanto pelo agogô, dependendo do sub-gênero que está sendo executado.
Ver em Frugillo (2003) e Rocca (1986) dentre outros.
186
O saxofone permanece com a melodia principal enquanto isso, e o acompanhamento
também não se altera, apenas a dinâmica muda nesse trecho, com crescendo e
accelerando em direção ao final do arranjo. Quando o saxofone termina a repetição do
segundo período da seção A”, ele se integra ao movimento melódico do cavaquinho, com
as frases da introdução que já citamos e parte para a coda, que tem a duração de quatro
compassos. O arranjo termina com todos os instrumentos juntos:
Figura 147: final da seção A”, com três últimos compassos do segundo período e coda.
187
Nesses dois últimos capítulos, pudemos observar as mudanças que os grupos
propuseram em seus arranjos para algumas obras ligadas ao universo do choro. Também
verificamos que eles não se ativeram a esse repertório e perpassaram por outros gêneros
musicais, tanto em seus arranjos quanto em relação à escolha de obras não pertencentes
ao choro e seus entornos. A autora da presente pesquisa constatou semelhanças ao
trabalho destes conjuntos em relação a um determinado segmento de sua carreira como
intérprete e arranjadora, que procuraremos tratar no capítulo a seguir.
188
5. A Experiência Prática: Aspectos relacionados aos arranjos e co-relação entre os
grupos e a prática da autora perante o universo do choro:
Como parte de minhas atividades junto ao curso do Doutorado, fiz dois recitais
mostrando repertório que fosse relacionado ao meu objeto de pesquisa. Na minha
carreira, desenvolvi dois projetos com Daniela Spielmann no qual abordamos o universo
do choro: o espetáculo “Mulheres em Pixinguinha” (junto à cantora Neti Szpilman) e o
CD Brasileirinhas. Esses dois projetos atendem bem à investigação feita: o espetáculo
“Mulheres em Pixinguinha” teve início nos anos 90 e culminou também em registro
fonográfico. No CD procuramos trazer parte do repertório que já tocávamos em shows e
casas noturnas, onde o universo do choro sempre fez parte atuante. A abordagem dos
arranjos desses dois projetos se conecta à proposta que observamos nos grupos
pesquisados. Como Daniela Spielmann é parte fundamental nesta empresa, convidei-a
para participar dos dois recitais. No primeiro, procuramos trazer parte do repertório
desses dois trabalhos e mais um arranjo feito pelo Rabo de Lagartixa, um dos grupos
analisados nesta pesquisa e que Daniela integra.
Em relação a estrutura dos arranjos, alguns foram elaborados segundo a dita
“tradição” no choro, outros tiveram propostas mais ousadas. A tônica destas modificações
se centrou em trocas de gênero musical em pequenos e/ou grandes trechos,
rearmonizações, construções de linhas polifônicas, citação e/ou inclusão de trechos de
obras de música de concerto. Faremos aqui uma apreciação breve das obras executadas
nos recitais.
O primeiro recital pode ser pensado em duas etapas, que explanarei a seguir. A
primeira parte foi composta por arranjos feitos para o espetáculo “Mulheres em
Pixinguinha”: “Naquele Tempo”, “Cheguei”, “O Gato e o Canário”, “Chorei” e “Um a
Zero”.
Em “Naquele Tempo” o arranjo respeita a grande forma original da obra, A – B –
A – C – A. Ele se inicia com uma introdução solo de saxofone soprano, de andamento
lento e remetendo-se à melodia da seção A da obra. Na primeira seção A, a melodia
principal é dividida entre saxofone e piano. Nos primeiros 16 compassos, a melodia
principal da obra fica a cargo do saxofone e o piano entra com um segunda voz na região
189
grave, fazendo uma baixaria, mas sem acompanhamento de acordes. A partir do 17o
compasso, o piano assume a melodia principal. Na seção B, o piano continua com a
melodia principal, e apresenta algumas mudanças na estrutura vertical dos acordes, como
por exemplo no oitavo compasso deste trecho: C7sus4 C7. Na volta à seção A, o
saxofone faz um improviso, e neste momento, a levada de choro se estabelece. Na seção
C, novamente os dois instrumentos dividem a melodia principal. Neste trecho temos o
uso de rearmonização, com acréscimo de notas de tensão, adição e substituição de
acordes.
“Cheguei” talvez seja o arranjo mais elaborado do projeto “Mulheres em
Pixinguinha” e o que sintetiza melhor a visão do lidar com o universo do choro desta
geração que estamos estudando. Ele se inicia com uma breve introdução ao piano, usando
parcialmente a sequência harmônica dos quatro primeiros compassos da seção A proposta
por Pixinguinha128:
Após estes quatro primeiros compassos, o saxofone soprano faz sua entrada com uma
linha melódica que usa improviso e algumas citações de composições de outros autores.
A seção A se desenvolve procurando se manter fiel à partitura e às gravações
feitas por Pixinguinha, propondo uma modificação em apenas um acorde do primeiro
compasso. A mudança citada se repete nos 3o, 9 o e 11 o compassos deste trecho.
A seção B, ao ser repetida, está acrescida de um trecho significativo de uma das
fugas do Cravo Bem Temperado129, de J. S. Bach. A passagem se dá através da melodia,
que tem um desenho arpejado, o que propiciou o movimento de modulação para a
tonalidade desta fuga, Dó menor:
128
Segundo a gravação de Benedito Lacerda e Pixinguinha, de 1946.
129
A fuga em questão é a correspondente ao Prelúdio e Fuga no 2, do primeiro caderno do Cravo Bem
Temperado.
Ver em J. S. Bach: Das Wohltemperierte Klavier (Urtext), Teil I. Ed. Verlag, 1960.
190
Figura 149: trecho da linha melódica da seção B, com a modulação para Dó menor e o início do trecho da
fuga de Bach usado como citação.
130
Em relato informal, Daniela Spielmann contou que este contraponto foi retirado de um manuscrito feito
por Juarez Araújo, renomado saxofonista carioca. É provável que ele tenha feito as alterações melódicas em
relação ao contraponto elaborado por Pixinguinha na gravação já citada.
131
Encontramos esta faixa remasterizada no CD Benedito Lacerda e Pixinguinha, uma coletânea de vários
registros dos dois músicos, entre as décadas de 1940 e 1950.
191
As seções A e B não irão quase diferir da versão citada de Lacerda e Pixinguinha, com
exceções de algumas linhas polifônicas criadas à guisa de segundas vozes. No arranjo de
Daniela e da autora deste texto, há uma tendência uso de dobramentos em relação à
melodia principal; as intervenções de pergunta e resposta dos compassos 2o/3o, 13o e 14o
da seção A foram mantidas de acordo com a gravação de Pixinguinha de 1949, que
cremos ter sido seu primeiro registro fonográfico. No rittornello da seção C, teremos a
melodia na região aguda do piano, com baixo-pedal no 5o grau, nos seus oito primeiros
compassos.
192
A seção C apresenta uma mudança na levada e de andamento, que será com caráter de
ragtime. Neste arranjo, as seções A foram elaboradas também de maneira mais fiel às
gravações e partituras de Pixinguinha.
O arranjo de “Um a Zero” vem com uma grande introdução, começando com uma
frase musical na tonalidade de Dó Maior. Esta frase vai ascendendo por semitons, até
chegar em Dó menor, com G7 (acorde da Dominante). Ao alcançar esta tonalidade, o
piano vai citar “Ingênuo” em Mib Maior, para depois apresentar uma passagem
modulante para Fá menor e uma frase que termina com uma cadência à Dominante, para
a entrada da seção A de “Um a Zero”, de volta à tonalidade de Dó M. No ritornello da
seção A, há uma redução de compassos no trecho entre os 8o ao 11o compassos da seção
A:
193
Neste arranjo, as mudanças irão ocorrer na seção A. Entre o final da seção B e a volta à
seção A, teremos o acréscimo de um interlúdio de oito compassos, com o piano e a
percussão fazendo uma levada de partido-alto. Esse trecho será reprisado mais duas
vezes: entre o final da seção C e a última repetição da seção, agora atuando como vamp
para o improviso do saxofone soprano e por fim, como coda, finalizando o arranjo.
Como uma ponte entre a primeira e a segunda parte do recital, incluímos o arranjo
do Rabo de Lagartixa para “Melodia Sentimental132” de Villa-Lobos, que adaptamos para
o duo.
A segunda parte do recital se dedicou à apresentação de alguns dos arranjos e
composições para o CD do duo, Brasileirinhas (2006), com “Choro pro Zé” (Guinga),
“Choro pra Dani” (João Lyra), “No Rastro” (Daniela Spielmann e Delcio Carvalho),
“Bole-bole” e “Santa Morena”, ambas compostas por Jacob do Bandolim.
O arranjo para “Choro pro Zé” não apresenta introdução, começando o piano
direto na seção A, com a melodia principal e em rubatto. Nessa parte, o saxofone aparece
fazendo uma segunda voz. No ritornello da seção A, o saxofone assume então a melodia
principal e o piano faz um acompanhamento trazendo a levada do choro mais presente.
Este arranjo vai obedecer à estrutura da obra original, isto é, ABA. Ele terá trechos de
132
Esse arranjo foi já discutido anteriormente neste trabalho. Ver nas página 62 a 64.
194
improviso usando como base o trecho de retorno à seção A, tanto o piano quanto o sax.
Na última volta à seção A, o sax e o piano irão dividir a melodia principal, frase a frase,
entre o 1o e o 24o compassos deste trecho.
“Choro prá Dani” é uma composição de João Lyra, dedicada à Daniela Spielmann
e este foi seu primeiro registro fonográfico. O arranjo feito desta obra para o duo se
manteve dentro da proposta da partitura original de Lyra, mantendo a harmonia e
estruturas originais. Como trabalho de arranjo, podemos citar a elaboração de segundas
vozes, trazendo trabalho de polifonia a todas as seções, como por exemplo, na primeira
seção A, solo de piano:
Na coda deste arranjo, temos mais uma citação, agora da introdução de “Curumim”, na
gravação de Cesar Camargo Mariano e Hélio Delmiro, para o CD Samambaia:
195
133
Conjunto musical do qual a autora deste texto faz parte, é composto por mulheres e se dedica
primeiramente ao repertório de samba e músicas para dançar, como as orquestras de gafieira que surgiram
no Rio de Janeiro entre os anos 40/50 do século XX. Aurea Martins, cantora carioca com carreira que
remonta os anos 60 do século passado, foi agraciada com o Premio de Música Brasileira 2009 (antigo
Premio Tim), como Melhor Cantora de MPB. Ela nos dá a honra e o privilégio de ser uma de nossas
cantoras.
196
“Bole-Bole” é um samba-choro de Jacob do Bandolim, com forma A – B – A – C
– A e coda. Na seção A do arranjo, temos uma rearmonização com o uso de nota-pedal no
5o grau entre o 7o e o 8o compassos deste trecho. A seção B tem a melodia principal
dividida entre o saxofone tenor e o piano. No retorno à seção A, o saxofone traz um
improviso. Na seção C, a levada cessa e o arranjo se torna mais rarefeito, com apenas a
linha melódica e uma segunda voz. Na primeira apresentação do trecho, a melodia fica a
cargo do saxofone e o piano elabora sua segunda voz, usando o registro aguda. No
primeiro ritornello, o piano fica com a melodia e o saxofone com a segunda voz, no seu
registro médio para o grave. Temos então um segundo ritornello à seção C, agora com
mais um improviso do saxofone.
O arranjo termina com a volta à seção A e coda, como no arranjo de Jacob do
Bandolim, contudo com uma mudança na harmonia e na melodia da terceira repetição da
frase final:
197
“Santa Morena” começa com uma introdução de saxofone solo. Aqui, o saxofone
busca um caráter modal, usando uma escala maior com 2as aumentadas. O solo de sax que
Daniela elabora procura se remeter também ao shofar no seu timbre e seus “toques” 134.
A seguir, entra o piano, já com a levada em 3/4135 e o saxofone continua
improvisando, para depois trazer a melodia da introdução, como no arranjo do Jacob do
Bandolim136. O saxofone apresenta a melodia principal na primeira seção A e o
acompanhamento se apresenta com estrutura homofônica. No ritornello desta, o piano
dobra com o saxofone em terças e sextas paralelas.
Na seção B, volta ao saxofone com a melodia principal e o piano acompanhando.
No ritornello deste trecho, o piano apresenta um solo, com variação da melodia principal.
A seção A volta, e o saxofone mantém a idéia de variação melódica. A partir do 9o
compasso deste trecho, os dois instrumentos interpretam a variação em terças paralelas
até o compasso 24o deste trecho:
134
Instrumento utilizado em cerimônias judaicas, é geralmente feito de chifre de carneiro, ou outro animal
que seja kasher (limpo, segundo os preceitos desta religião). Os “toques” são os incisos melódicos e efeitos
sonoros que este instrumento emite em situações do culto religioso judaico.
135
Fandango espanhol, segundo Fábio Nin, violonista e estudioso da música espanhola e do flamenco. O
fandango é uma dança em compasso ternário e de andamento rápido. O Dicionário Grove Online (2014)
corrobora o depoimento de Nin. Os estudiosos dão variadas origens para o gênero, ligando também ao
flamenco. Ele foi largamente usado na música erudita dos séculos XVIII e XIX. No Brasil, há evidências de
sua aparição na região Sul. Ver em Grove (2014).
136
Aqui a referência é a gravação no LP Chorinhos e Chorões, de 1961.
198
Figura 161: variação melódica citada acima para “Santa Morena”, na versão do Brasileirinhas.
199
Figura 163: última seção A, exemplo do retardo citado acima.
200
Figura 164: última seção A, com a melodia principal ao piano e a segunda voz no sax.
Após este trecho, o saxofone volta com a melodia principal, e inicia a coda, que segue a
proposta de Jacob do Bandolim. O piano vai trazer uma melodia em movimento contrário
e cromática:
201
O segundo recital trouxe algumas das obras arranjadas pelos grupos que estamos
estudando. De início, Daniela Spielmann e eu apresentamos em duo mais três obras que
incorporam o CD Brasileirinhas (2006): “Brasileirinho” (Waldir Azevedo), “Song for
My Father” (Clarice Assad) e “Riacho Seco” (João Lyra & Maurício Carrilho). Depois
formamos um quinteto com Almir Côrtes ao bandolim, Gabriel Rezende ao baixo elétrico
e Leandro Barsalini137 na bateria, para a interpretação de quatro dos arranjos dos grupos
investigados: “Lenda do Caboclo” (Villa – Lobos), com arranjo de Daniela Spielmann
para o Rabo de Lagartixa; “Sensível” (Pixinguinha), arranjo de Josimar Carneiro para o
Água de Moringa; “Assanhado” (Jacob do Bandolim), arranjo de José P. Becker para o
Trio Madeira Brasil; “Caminhando” (Nelson Cavaquinho e Nourival Bahia), arranjo do
Tira Poeira.
O arranjo de “Brasileinho” vem com sua levada modificada para um dos
subgêneros do jazz, o swing138; para este arranjo procuramos inspiração em Duke
Ellington e Glenn Miller, em sua “In The Mood”. Os primeiros quatro compassos da
introdução procuram lembrar a concepção de uma introdução curta ao piano de Elington
para seu “Take the A-Train”. A seguir, o saxofone soprano apresenta o tema
acompanhado do piano, que usa walking-bass. A seção A apresenta substituição e
acréscimo de acordes, remetendo às harmonizações do jazz deste período que citamos,
como por exemplo:
137
Esses músicos também fazem parte do programa de pós-graduação da Unicamp; Côrtes como pós-
doutorando, Rezende e Barsalini como doutorandos, sendo que o último também é professor desta
instituição.
138
Subgênero do jazz, surgido na década de 1930, teve como grandes expoentes Benny Goodman, Duke
Ellington, Count Basie, dentre outros. Ver em Schuller (1991).
202
O saxofone varia bastante a melodia principal e o piano conduz o acompanhamento,
mantendo o walking-bass durante as seções A e B.
Na seção B, temos pequenas mudanças na harmonia, com o acréscimo de notas de
tensão ou complementares e adição e substituição de acordes. No ritornello desta seção, o
piano improvisa durante oito compassos. No 9o, o saxofone retoma a melodia principal,
terminando então a seção B, com rallentando e nota longa. A seguir, o saxofone e o piano
voltam à seção A, mudando a levada para samba e acelerando o andamento. O arranjo
termina com o desfecho que Waldir propõe no seu arranjo.
“Song for My Father” é uma obra de Clarice Assad para saxofone soprano e
orquestra. A compositora se encarregou de fazer a adaptação para o duo. A única
interferência neste arranjo foi a supressão de um trecho melódico que repetiria o tema
principal. Em substituição a ele, o saxofone apresentou um improviso, sendo a estrutura
do acompanhamento mantida.
“Riacho Seco” é mais uma composição de João Lyra. Em relação à partitura
original do compositor, teremos poucas mudanças. Uma delas é em um trecho da
introdução que está rearmonizado: observamos a presença de nota-pedal ao piano, e o
acréscimo de notas de tensão (4as aumentadas) em alguns dos seus acordes finais,
sugerindo o modo lídio para estes. A coda terá o acréscimo de oito compassos, com o
piano usando uma levada de maracatú e o saxofone trará uma citação de um trecho de
“Asa Branca”, obra de Luiz Gonzaga:
203
A partir desta etapa do recital, Almir Côrtes, Gabriel Rezende e Leandro Barsalini
se juntaram ao duo. Com a estrutura do quinteto, pensamos em trazer mais das texturas
usadas pelos conjuntos que estamos investigando e fazendo adaptações mais fiéis às
propostas dos arranjos por eles concebidos139. Por fim, foi elaborado mais um arranjo,
para “Receita de Samba” de Jacob do Bandolim, interpretado pelo quinteto. Nele,
procurei incorporar elementos musicais que não costumo utilizar no meus trabalhos de
arranjo. Neste ponto realizaremos uma análise mais acurada deste.
Esta obra é classificada como samba de acordo com Ermelinda Paz. Ela tem duas
seções, sendo seu formato A-B-A. Na gravação de Jacob do Bandolim no LP Vibrações
(1967) temos a seguinte grande forma:
Introdução A B A’ Coda
8 compassos 32 compassos 32 compassos 29 compassos 12 compassos
(sem (repetição da
ritornello) seção para
improvisos)
No arranjo que propus para o recital, veremos que a grande forma recebe adições de
compassos e de trechos grandes, como um interlúdio:
Introdução A B Interlúdio Coda
16 compassos 32 compassos 32 compassos 33 compassos 12 compassos
(repetição da (dois
seção para compassos
improvisos) finais são de
ligação)
139
As peças citadas foram analisadas detidamente no Capítulo 5 do presente trabalho. Ver nas páginas 70 a
99, 99 a 127, 128 a 147 e 148 a 173.
204
Essa introdução apresenta variação da levada, começando com partido-alto, que ser
manterá até o compasso 20o da primeira seção A. A partir do 21o, a levada muda para
choro, que será mantida no ritornello desta seção.
As seções B do nosso arranjo respeitam o formato que Jacob deu em sua
gravação: ele apresenta a melodia principal e depois improvisa em cima da forma e
harmonia desta seção. Após essas seções de improviso, aparece o interlúdio que é
elaborado usando a forma e o encadeamento harmônico da seção B.
A seção A se repete e ao seu final permanece no acorde da Dominante, sem
resolução. Este evento prepara a entrada da coda, que se inicia novamente com a levada
de partido-alto, inicialmente com o contrabaixo e depois com os demais instrumentos.
Esse trecho termina em Fade.Out.
Em termos de rearmonização, temos apenas um aspecto utilizado, a nota-pedal no
5o grau na Introdução e nos primeiros compassos da seção A:
205
A coda irá usar o mesmo recurso, posto que ela é uma repetição quase literal da
introdução.
O aspecto mais trabalhado neste arranjo foi a textura. A introdução vem com o
contrabaixo elétrico e a bateria nos seus primeiros quatro compassos, entrando o piano a
partir do 5o. No 9o compasso, o saxofone soprano desenha uma melodia que será dobrada
em 3as pelo bandolim, a partir do 13o compasso:
206
A primeira seção A tem, nos seus primeiros oito compassos, o piano como solista e o
saxofone e o bandolim fazendo linhas melódicas como segundas vozes. A partir do 9o
compasso, o saxofone e o bandolim vão alternar a melodia principal, de dois em dois
compassos, até o compasso 13o, onde piano, saxofone e bandolim vão dobrar a melodia
principal:
207
Figura 170: primeiros dezesseis compassos da seção A de “Receita de Samba”, segundo o meu arranjo.
A partir do 17o compasso novamente o solo passa para o piano, e depois teremos a
alternância da melodia principal entre saxofone e bandolim e depois o dobramento entre
esses três instrumentos.
208
O ritornello da seção A e a seção B seguinte têm mais o formato que encontramos
nos arranjos mais tradicionais do universo do choro, onde temos um instrumento agudo
dando conta da melodia principal e os outros fazendo o acompanhamento. No nosso caso,
o piano ficou encarregado da função do violão de seis cordas, o bandolim fazendo as
vezes do cavaquinho (quando não estava solando) o contrabaixo elétrico se encarregou
das baixarias nesses trechos, com alguns momentos de dobramento de terças paralelas
entre ele e a região grave do piano. Na seção A (ritornello), a melodia principal ficou
com o bandolim e a primeira seção B, com o saxofone soprano. Essa tessitura foi mantida
para os improvisos nas seções B. O interlúdio apresenta as melodias dobradas e divididas
em frases como vemos abaixo, com caráter responsório, sendo os quatro primeiros
compassos são executados pelos instrumentos de tessitura aguda (saxofone e bandolim) e
os próximos quatro pelos de tessitura grave, piano e contrabaixo:
209
210
Figura 172: trecho do interlúdio do arranjo para “Receita de Samba”. Esse trecho corresponde (formal e
harmonicamente) do 13o ao 22o compassos da seção B.
211
essa dobra no compasso 37o (anacruse para o 38o). Os compassos de ligação que se
seguem são interpretados somente pela bateria, e logo a seguir entra o contrabaixo,
iniciando então a coda. Este trecho traz o material melódico, harmônico e rítmico da
introdução, sendo quase uma repetição desta. No Fade-Out os bandolim e o saxofone
ficaram livres para improvisar.
Ao analisar os arranjos dos grupos estudados e compará-los com os meus, me dei
conta de algumas semelhanças e diferenças de abordagem entre esses trabalhos. Como
uso de elementos afins, constatamos o emprego de rearmonização, compassos alternados,
citações de trechos ou obras conhecidas, uso de gêneros musicais norte-americanos (jazz-
waltz, swing, bebop), dobramentos em uníssono, 8as e 3as paralelas, acréscimo de
interlúdios, escolha de peças de gêneros musicais não-pertencentes ao universo do choro,
como obras do universo da música de concerto, ou norte-americanas como o ragtime, etc.
Alguns aspectos musicais distintos entre os arranjos dos conjuntos e os meus observados
nesta pesquisa seriam o uso de compassos ímpares como 7/4 ou 7/8, deslocamento de
acentuação trazendo ambiguidade na métrica, linhas melódicas em movimentos
contrários e cromáticas, utilização de efeitos e ambiência sonora, harmonização por 4as
justas e aumentadas, inserção de gêneros musicais ligados à tradição oral brasileira, como
toques de orixás, caboclinhos, dentre outros. Tentei portanto trazer para o arranjo de
“Receita de Samba” alguns recursos que os outros conjuntos usavam, como a adição de
trechos grandes, como a introdução e o interlúdio com as linhas melódicas responsoriais.
Elaboramos então uma tabela apontando esses procedimentos:
Rearmonização Rearmonização
Dobramentos em uníssono ou 8as (AM, Dobramentos em uníssono ou 8as.
TP, TMB).
Compassos alternados
Compassos alternados
Citação de musicas ou trechos musicais
Citação de musicas ou trechos musicais consagrados.
consagrados (TMB e AM).
212
213
214
uso de texturas pouco comuns ao universo do choro, percebeu-se uma aproximação com
o tratamento observado nas obras de música de câmera, assim como com algumas
texturas usadas no jazz, como os solis e a construção de linhas melódicas e de
acompanhamento que remetem a alguns subgêneros do jazz, como o ragtime, bebop e o
swing, assim como citações de trechos de obras do repertório da música erudita. Ainda
em relação ao aspecto textural, observamos a adoção de efeitos como o uso de pedal de
delay pelo bandolinista do Tira Poeira, o uso de ambiência sonora, como gravações de
sons de mata, tiroteios como nos filmes de faroeste e o recurso do Fade-Out. Essas
apropriações, contudo, trouxeram outras questões, como a própria identificação de tais
conjuntos como grupos de choro, o que abordaremos no capítulo seguinte.
215
216
6. Definições e discussões musicais e extra-musicais a respeito de “grupo de choro”.
217
O questionamento que levantamos no primeiro parágrafo nos pareceu então
pertinente, posto que os ditos conjuntos aqui investigados fugiam a algumas das práticas
que se estabeleceram ao longo da história do choro. O que estabeleceria defini-los como
grupo de choro? Formação instrumental, repertório, maneira de se fazer música, isto é,
estilo?
Percebemos também através de conversas informais (além da indagação
apresentada no primeiro parágrafo) que existe uma discordância de como denominá-los.
O mercado dos festivais de choro e música instrumental, assim como as gravadoras e
selos143 identificam tais conjuntos deste modo.
Nesse ponto não podermos nos furtar de refletir sobre a dita noção “grupo de
choro”, e como a percebemos. Procuramos então nos apoiar mais uma vez no estudo de
Roger Chartier (1990) sobre a história cultural e o conceito de representação que ele irá
nos trazer. Chartier, ao discutir a questão e os rumos da história cultural na França,
observa que, ao serem acrescentados ao seu estudo novos conteúdos como a sociologia, a
linguística e a psicologia, este foi colocado em cheque. A partir deste impasse e depois de
outros embates promovidos pelos historiadores, ele buscou
Chartier traz então a noção de história cultural e o seu propósito, o que trará junto
a definição de representação. Para o autor,
143
Como
exemplificação desta afirmação podemos citar alguns espetáculos: o Tira Poeira participou de
shows no Clube do Choro, na Caravana do Projeto Pixinguinha com Paulo Sergio Santos, e em 2013 no
Projeto do Sesc São Paulo “Chorando pelos Cantos”. O Rabo de Lagartixa participou do Projeto Samba e
Choro no Paço Imperial e da Festa da Música de BH; tanto o Trio Madeira Brasil quanto o Água de
Moringa participaram do Festival Chorando Alto em São Paulo. Ver nos sites Agenda do Samba e Choro,
Dicionário Cravo Albin e Vale News. Alguns dos CDs destes grupos foram gravados e distribuídos pela
Biscoito Fino, Sony Music, Kuarup e Rob Digital. A Acari Records também registrou outros projetos deste
período, como o Arranca-Toco, do grupo homônimo
218
“A historia cultural, tal como a entendemos, tem por principal objeto
identificar o modo como em diferentes lugares e momentos uma determinada
realidade social é construída, pensada, dada a ler. Uma tarefa deste tipo supõe
vários caminhos. O primeiro diz respeito às classificações, divisões e
delimitações que organizam a apreensão do mundo social como categorias
fundamentais de percepção e de apreciação do real. Variáveis consoante as
classes sociais ou os meios intelectuais, são produzidas pelas disposições
estáveis e partilhadas, próprias do grupo. São estes esquemas intelectuais
incorporados que criam as figuras graças as quais o presente pode adquirir
sentido, o outro tornar-se inteligível e o espaço ser decifrado. (CHARTIER,
1990, p. 17)
Sendo assim,
As representações do mundo social assim construídas, embora aspirem a
universalidade de um diagnóstico fundado na razão, são sempre determinadas
pelos interesses de grupo que as forjam. Dai, para cada caso, o necessário
relacionamento dos discursos proferidos com a posição de quem os utiliza.
(CHARTIER, 1990, p. 17)
219
Para tal, ela busca apoio em Chartier, usando as três categorias que o autor descreve em
relação às representações, interligando-as ao samba e ao choro:
220
que as culturas nacionais se compõem “não apenas de instituições culturais, mas também
de símbolos e representações.” (HALL, 2011, p. 51).
No período que estamos investigando a identidade nacional já estava bastante
consolidada. Vários pesquisadores trataram dessa questão, como Napolitano, Vianna,
Renato Ortiz (1985), dentre outros. Em seu livro Cultura Brasileira e Identidade
Nacional, Ortiz traça um grande panorama a respeito de como essa identidade vem sendo
forjada e inventada ao longo dos séculos XIX e XX, através dos intelectuais
(historiadores, escritores, musicólogos, etc.) e por vezes tendo o Estado vigente por trás.
Para ele a questão da cultura popular é fundamental na construção desta identidade: “... a
identidade nacional está profundamente ligada a uma reinterpretação do popular pelos
grupos sociais e à própria construção do Estado brasileiro.” (ORTIZ, 1985, p. 8).
Algumas manifestações culturais vão tomar rumos interessantes, em relação à
questão da identidade nacional. Ortiz levanta um exemplo em relação ao samba que, para
ele, torna-se uma representação deste mito da identidade nacional, e perde sua
característica de “música negra”, ou seja, a identidade “brasileira” do samba se torna mais
patente do que a relação deste com a identidade negra. Como diz o autor em relação aos
movimentos negros e sua opção por outros gêneros musicais e não o samba para exprimir
a questão racial no Brasil: “Ao se promover o samba ao título de
nacional, o que ele efetivamente é hoje, esvazia-se sua especificidade de origem, que era
para ser uma música negra.” (ORTIZ, 1985, p. 44) Nesse trecho de seu livro, Ortiz se
aproxima do samba no sentido deste se posicionar como um exemplo de objeto que se
presta para a discussão da identidade nacional.
Para Ortiz, a cultura popular se prestou bem ao papel de trazer uma ligação com a
identidade nacional. Em variados períodos da história do Brasil, o autor mostra como a
cultura popular foi relacionada com a tradição.
Outros autores vão concordar com essa postura de Ortiz e transportar essa
reflexão para seus objetos de investigação musicais, como Hermano Vianna e Marcos
Napolitano, que abordaram a temática da identidade nacional em relação ao samba em
seus textos. Para Napolitano, o samba vem a significar “a própria idéia de brasilidade”
(NAPOLITANO, 2007, P. 23), a partir dos anos 1930. Vianna aponta para a possível
“transformação do samba em ritmo nacional brasileiro, em elemento central para a
221
definição da identidade nacional, da ‘brasilidade’” (VIANNA, 1995, p. 28). Através deste
texto, começamos a verificar o mito (ou representação) do samba+Brasil. Ela vem
carregada de outras simbologias, como a questão da miscigenação, a sua ligação com a
cultura popular e a apropriação que foi feita dela pelos intelectuais e pelo Estado.
Hershmann e Trotta, em concordância com os demais autores, reafirmam a
questão do samba e do choro na construção da identidade nacional. No seu artigo,
Memória e Legitimação do Samba & Choro no Imaginário Social, eles buscam analisar
as estratégias que os agentes sociais (músicos, artistas, jornalistas, acadêmicos e público)
ligados a esses gêneros travam para legitimá-los como “expressões culturais
emblemáticas ou canônicas da cultura nacional” (HERSHMANN & TROTTA, 2007).
Eles também procuram localizar o choro ao lado do samba como seu parceiro no ideário
desta representação. Para os autores os dois gêneros caminham de maneira análoga,
participado do mesmo “ambiente sócio-cultural” (HERSHMANN & TROTTA, 2007, p
4), e partilham de
Assim como o samba, o choro também se recicla numa ligação direta com o
passado, com sua base e tradição. Os signos culturais se re-configuram e as
identidades e memórias grupais se reafirmam. É um processo de ir e vir do
passado, da “raiz”. (GÓES, 2007, p. 52).
222
223
algumas texturas também poderiam ser vistas como um escape a essa dita representação
de grupo de choro e da expectativa de formato de arranjo.
A pergunta inicial deste capítulo permanece. Esses conjuntos estariam escapando
do que temos como representação de grupo de choro e como já colocado, parte dos atores
não os vêem como tal, não somente pela questão da sua formação instrumental, mas
possivelmente também pelo repertório que eles abordam. Entretanto, outros agentes os
percebem como participantes do universo do choro e como grupos de choro, como o
mercado de shows, clubes e festivais de choro, as gravadores (ou selos) que trabalham
com esse nicho, os pesquisadores que trataram da história do choro144 e os músicos que
participam dos conjuntos que estudamos. Talvez uma das respostas para essa dialética
esteja nos primórdios do choro, em um de seus referenciais: a maneira de tocar, ou seja,
estilo.
Uma das marcas do “estilo choro” está na maneira de se interpretar este
repertório. Essa maneira é sempre citada e foi estudada por vários autores. Várias
dissertações e teses foram e estão sendo elaboradas em geral abordando o estilo de um ou
outro músico de choro, tanto no que tange o tocar quanto o compor e/ou arranjar. Aqui
vamos procurar refletir um pouco acerca da prática interpretativa do choro, que nos leva a
questão desse estilo.
Para vários músicos e pesquisadores o choro se faz valer de maneiras de
interpretar que caracterizariam o choro como a ornamentação, a utilização de
determinados padrões rítmico-melódicos e as antecipações que trazem descolamentos
rítmicos (SALEK, 1999), outras alterações de divisões rítmicas (SÈVE, 1999), maneiras
de articulação dos instrumentos de sopro (SALEK, 1999; SÈVE, 1999, SPIELMANN,
2008), o pensamento melódico tomado pelas improvisações (CALDI, 2000; Sá, 2000), os
modos de condução dos baixos (CALDI, 2000; CARNEIRO, 2001) e até a presença
constante de acordes invertidos nas harmonias das obras (SPIELMANN, 2008).
Nos arranjos analisados percebemos a presença das baixarias e a manutenção de
alguns arranjos em seus formatos “originais” nos remete mais às representações que
temos consolidadas do que deve ser e como soa um grupo de choro. Algumas estruturas
144
Ver em Cazes (1998), Diniz (2008) e Livingston-Isenhour & Garcia (1991), dentre outros.
224
de improvisos, como o uso da seção B para ser a base destes também pode ter esse viés.
Também podemos observar as acentuações, articulações e ornamentações
presentes nas interpretações dos integrantes dos grupos. Mario Sève (1999) apresenta
um compêndio com variados formatos de articulação, acentuação e possibilidades de
variações rítmico-melódicas, como no exemplo abaixo:
145
Ver em Sève (1999), p. 11.
225
Figura 174: introdução e os quatro primeiros compassos de “Caminhando”, no arranjo do Tira Poeira.
226
7. Considerações Finais:
227
uma análise mais detida de seus trabalhos. Também foi feita uma apreciação dos recitais
apresentados como requisito para o curso de Doutorado, onde escolhi a etapa da minha
carreira enquanto musicista que fosse análoga ao assunto trabalhado nesta pesquisa.
Ao se cumprir esta etapa da investigação, percebemos que estes conjuntos não se
ativeram ao que se considera o repertório “característico” do universo do choro, que
permeia mais comumente o choro (gênero musical), o maxixe, a valsa e mais
parcimoniosamente o samba e o baião. Eles o ampliaram, passando pelo ragtime, jazz,
rock e pela música de concerto, tanto dentro dos arranjos das obras do repertório de
choro, quanto com inclusões de peças destes gêneros musicais dentro dos seus
repertórios. Em relação ao meu trabalho como arranjadora, encontramos vários pontos de
ligação com a prática dos conjuntos.
Segundo as apreciações dos trabalhos fonográficos e das análises musicais que
foram elaboradas, vemos que em alguns trechos ou mesmo arranjos completos, os
elementos musicais considerados característicos foram mantidos, e em outros apareceram
uma série de outros recursos que seriam estranhos a esse repertório. Aspectos como
rearmonização, adição de trechos de peças de música de concerto nos arranjos, uso de
outros gêneros musicais nos arranjos das obras do repertório do choro, construção de
solis, dentre outros fatores. Permeou então uma questão que já tinha se apresentado ao
longo deste período de pesquisa: poderíamos considerar estes conjuntos como grupos de
choro?
Para colaborar com questionamento, trouxemos alguns autores que se
preocuparam com a representação que é construída para o que compreendemos como
“grupo de choro”. Como coloca Claudia Góes (2007), uma série de práticas sociais, como
as rodas de choro e/ou samba e os locais de preservação de memória vão contribuir para a
formação e consolidação dessas representações ligadas a esses gêneros. Outro dado
importante é a relação que essas representações travam com a questão da identidade
nacional. Vianna vem relatar como se deu a apropriação do samba pelos intelectuais e
pelo Estado, no decurso do século XX. Napolitano corrobora esta reflexão e Hershmann e
Trotta (2007) aproximam o choro destas considerações, quando demonstram a ligação
deste com o samba.
Enquanto representação, os conjuntos analisados fogem à perspectiva do que se
228
entende por grupo de choro. Contudo, como alguns elementos do choro são mantidos (por
exemplo, a presença do violão de 7 cordas em todos os quatro grupos que analisamos), a
dúvida permanece. O que nos traz novamente às primeiras considerações a respeito do
significado de choro, que atualmente abrange grupo, festa, gênero e estilo.
Os grupos que aqui pesquisamos são identificados como grupos de choro, pelos
seus membros e por alguns atores que transitam neste universo. Constatamos que parte
desta representação se dá pela sua maneira de tocar, ou seja, pelo seu estilo “choroso” de
interpretar e arranjar obras musicais. O choro então aqui toma o significado de estilo,
conforme discutido por vários autores, como já descrito nesta pesquisa.
Os processos de hibridação que aparecem nos arranjos desses grupos foram
levantados, como o formato de rearmonização e a estruturação de vários arranjos com
texturas que se aproximam da observada em obras de música de câmera, o que já foi
relatado nos capítulos anteriores deste trabalho. Como coloca Canclini (2008), esses
processos podem ocorrer de forma espontânea ou a partir de um indivíduo ou grupo. No
caso, pensamos que os dois processos se deram, em graus diversos. Vários dos
componentes destes conjuntos vêm de um histórico acadêmico ligado ao estudo da
música erudita, que se contrapõe com as práticas informais relacionadas com a música
popular que todos também tiveram contato, em rodas de samba e choro. Em um trecho de
seu depoimento, Ronaldo do Bandolim nos conta de seu interesse em se ligar ao estudo
da música erudita, propondo então aos outros dois integrantes do Trio Madeira Brasil a
feitura do grupo, com a busca desta vertente.
Podemos considerar que esses conjuntos buscaram outros mundos musicais além
do universo dado, trazendo processos de hibridação com outros gêneros no âmbito de
seus arranjos, instrumentação e indo além nas interações, ao optar por enveredar em
outros repertórios, fugindo da expectativa que se tem de um grupo de choro. Contudo,
esses processos não são novos e aparecem sempre de maneira mais dinâmica, embora
lenta e gradativa do que as representações mais consolidadas nos fazem ver. Ao final,
pensamos que o “estilo choro” prevalece, não só amolecendo as polcas, mas os outros
mundos e olhares.
229
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Entrevistas:
ALCOFRA, Luiz Flávio. Rio de Janeiro, Brasil, 03 de Março, 2011. Tempo de gravação
em mídia MP-3 (Ipod) – sessão única: 1:12:28. Entrevista concedida a Sheila Zagury.
BECKER, José Paulo T. Rio de Janeiro, Brasil, 06 de Agosto, 2010. Tempo de gravação
em mídia MP-3 (Ipod). 1ª sessão: 07:59; 2ª sessão: 1:08:58; 3a sessão: 07:49. Entrevista
concedida a Sheila Zagury.
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BRASIL, Alexandre: Rio de Janeiro, Brasil, 20 de Agosto de 2009 e 11 de Fevereiro de
2010. Tempo de gravação em mídia MP-3 (Ipod) – 1ª sessão: 31:54; 2ª sessão: 1:24:33.
Entrevista concedida a Sheila Zagury.
MARCIO, Caio [Caio Marcio Santos]: Rio de Janeiro, Brasil, 22 de Outubro de 2010.
Tempo de gravação em mídia MP-3 (Ipod) em sessão única: 1:25:48. Entrevista
concedida a Sheila Zagury.
NIN, Fábio: Rio de Janeiro, Brasil, 17 de Julho e 04 de Novembro de 2009. Tempo de
gravação em mídia MP-3 (Ipod) – 1ª sessão: 2:10 2ª sessão: 36:25; 3ª sessão: 13:57; 4ª
sessão: 19:53. Entrevista concedida a Sheila Zagury.
237
Site All Music. Disponível em: http://www.allmusic.com/album/construo-
r100006/credits. Último acesso em: 30/03/2012.
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A COR DO SOM: A Cor do Som. Warner, 1977 (remasterizado por WEA, 2001,
388425339-2.
239
HENRIQUE CAZES: Beatles n' Choro. Com Carlos Malta, Hamilton de Holanda,
Henrique Cazes, Marcello Gonçalves, Paulo Sérgio Santos, Rildo Hora. Deck Disk
Brasil, 2000. 11026
– EletroPixinguinha XXI. Com Fernando Moura e Beto Cazes.
Kuarup, 2000. RD 056.
240
TRIO MADEIRA BRASIL: Trio Madeira Brasil. Produção independente, 1998, TMB –
98.
Partituras:
BACH, J. S.: Das Wohltemperierte Klavier (Urtext), Teil I (BWV 846-869). Ed Verlag,
München, 1960 (circa).
BECKER, José Paulo: Assanhado. Manuscrito do arranjo gentilmente cedido pelo autor.
Rio de Janeiro, s.d.
CARNEIRO, Josimar: Sensível. Manuscrito do arranjo gentilmente cedido pelo autor. Rio
de Janeiro, s.d.
241
VILLA-LOBOS, Heitor: Lenda do Caboclo. Ed. Arthur Napoleão, Rio de Janeiro, 1968.
Imagem em Movimento:
242
Anexos
243
244
a) Tira Poeira:
b) Feijoada Completa:
245
Canto de Yansã – Baden Powell
Vera Cruz – Milton Nascimento e Marcio Borges
Atrás da Porta – Francis Hime e Chico Buarque (Participação especial: Lenine)
Consolação – Baden Powell e Vinicius de Moraes
O Morro Não Tem Vez – Tom Jobim e Vinicius de Moraes (Participação especial: Sany
Pitbull) / Senhorinha 3 – Guinga e Paulo César Pinheiro
a) Água de Moringa:
b) Saracoteando
246
Modulando – Rubens Leal Brito
Sensível – Pixinguinha
Saracoteando – Jacob do Bandolim
Arabiando – Esmeraldino Sales
Bolacha Queimada – Radamés Gnattali
Retalhos – Cristóvão Bastos e Alberto Araújo
Intocável – Hermeto Pascoal
Choro pro Zé – Guinga e Aldir Blanc
Com Mais de Mil – Canhoto da Paraíba
Suite Nordestina – Guerra-Peixe
I. Violeiro
II. Cabocolinhos
III. Pedinte
IV. Polca
V. Frevo
247
c) A Sedução Carioca do Poeta Brasileiro (todas as composições são de Moacyr Luz)
Ecos
Não Sei Porque
Peneirando
Meu Sonho
Reminiscência
Somente Saudade
Saudades do Mano
Congadao do Sino
Sorriso de Cristina
Primavera
O Bufo (Vamos Dar o Fora)
O Pássaro
248
3) Grupo Trio Madeira Brasil
249
Camundongo – Laércio de Freitas
Aquelas Horas no Sumaré – Laércio de Freitas
Pedrinho no Coreto – Naylor “Proveta” Azevedo
Noites Cariocas – Jacob do Bandolim
Mandingo
Chita Fina
Zambiapungo
Cocada
Água da Minha Sede
Orixá de Frente
Água Doce
Menino
Tô Fora
Xirê
Marejada
A Mão do Amor
Festejo
a) Rabo de Lagartixa:
250
Choro Miúdo – Bozó
Pagode Jazz Sardinha´s Club – Eduardo Neves e Rodrigo Lessa–
Joãozinho na Gafieira – Luis Felipe de Lima
Que Graça! – Alessandro Valente
Arrasta Pé – Waldir Azevedo
Alegre Menina – Dori Caymmi
Carrapato – João Lyra e Paulo Cesar Pinheiro
Diabinho Maluco – Jacob do Bandolim
251
Lamentos – Pixinguinha e Vinícius de Moraes
De Mal a Pior – Pixinguinha e Hermínio Bello de Carvalho
O Gato e o Canário – Pixinguinha e Benedito Lacerda
Ingênuo – Pixinguinha, Benedito Lacerda e Paulo César Pinheiro
Ainda Me Recordo – Pixinguinha e Benedito Lacerda
Mundo Melhor – Pixinguinha e Vinícius de Moraes
Páginas de Dor – Pixinguinha e Índio (Cândido das Neves)
Chorei – Pixinguinha e Benedito Lacerda
Rosa – Pixinguinha e Otávio de Souza
Um a Zero – Pixinguinha e Benedito Lacerda
Carinhoso – Pixinguinha e João de Barro
b) Brasileirinhas
252
NOTA:
253