A Ultima Catastrofe. A Historia - ROUSSO, Henry
A Ultima Catastrofe. A Historia - ROUSSO, Henry
A Ultima Catastrofe. A Historia - ROUSSO, Henry
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catástrofe
a hist ó ria , o presente , o contempor â neo
henry rousso
Tradu çã o de Fernando Coelho e Fabrício Coelho
VFGV EDITORA
Copyright © 2016 Editora FGV
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Direitos desta edição reservados à
EDITORA FGV
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Cet ouvrage, publié dans le cadre du Programme d’Aide à la Publication 2015 Carlos Drummond li
de Andrade, a bé n éficié du soutien de lAmbassade de France au Brésil.
Este livro, publicado no â mbito do Programa de Apoio à Publicação 2015 Carlos Drummond
de Andrade, contou com o apoio da Embaixada da Fran ça no Brasil.
Este livro contou com o apoio financeiro da Fundação de Amparo à Pesquisa e Inova ção do
Estado de Santa Catarina ( Fapesc ).
*:
>
Revisão técnica: Luiz Felipe Falcão e Silvia Maria Fávero Arend
Coordenação editorial e copidesque: Ronald Polito
Revisão: Marco Antonio Corrêa e Sandro Gomes dos Santos
Capa: Andr é Castro e Paula Cruz
Projeto gr áfico de miolo e diagramação: Est údio 513
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SUM Á RIO
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Prefácio à edição brasileira 7
Henry Rousso
Apresentação 9
Luiz Felipe Falcã o e S ílvia Maria Fávero Arend
5;
Um problema antigo ? 31
“ Toda hist ória digna desse nome é contemporâ nea” 39
O tempo presente antigo 43
O eterno presente medieval 48
História contemporâ nea e hist ória mediada 53
Nascimento da história contemporâ nea moderna 64
A recusa paradoxal do fim do século XIX 80
Henry Rousso
24 de abril de 2016
APRESENTAÇÃ O
Consciente de tudo isso, Rousso sublinha que uma história que versa
sobre o presente transita obrigatoriamente no inacabado, no que está
sucedendo ou sucedeu t ão adjacente que seu halo segue ofuscando e seu
hálito ainda pode ser respirado. Exatamente por essa razão, necessita
admitir de maneira sincera que lida com incerteza e instabilidade, sem
que isso represente algum tipo de imperfeição ou inferioridade. Mais:
envolve relações com outras áreas de conhecimento, como a antropolo-
gia, a ciê ncia política ou a teoria liter ária, conforme o objeto de análise e
a abordagem pretendida, buscando intersecções entre a habitual diacro-
—
nia e a menos comum para historiadores sincronia. —
Trata -se, em suma — complementaríamos nós — , de uma história
que está fundada no impreciso, naquele não preciso cunhado por Fer-
nando Pessoa para comparar a arte da vida com a ciê ncia da navegação,
regrada por seu instrumental cient ífico e por seus cálculos matemáticos:
“ navegar é preciso, viver não é preciso”. Em outras palavras, se viver não
é preciso, não há por que a interpretação do vivido humano inserido no
tempo seja, ela mesma, precisa, sem que isso, decerto, seja compreendi-
do como uma desobrigação em face dos regramentos e parâ metros de
validação próprios do conhecimento histórico.
Para concluir, gostar íamos de agradecer a Henry Rousso por acredi-
tar nesse projeto desde o seu in ício e a Marieta de Moraes Ferreira por
possibilitar concretizá -lo, assim como desejamos a todos e a todas uma
boa e instigante leitura.
cerrado, uma história acabada, ele não age senão no tempo dos mortos,
ainda que seja para os ressuscitar no papel. Ele possui sobre aqueles que
o precederam a vantagem absoluta de pretender dizer a última palavra,
graças a uma leitura que se quer objetiva, distante, fria, de fatos tornados
“ históricos” porque seus efeitos teriam deixado de agir no presente. Esse
preconceito possuía ainda uma parcela de validade no fim dos anos 1970,
sobretudo no ensino superior, no qual escolher o caminho da história
contemporânea significava correr o risco de passar ao lado de uma car-
reira prestigiosa, representada sobretudo pela figura do medievalista ou
do modernista. O desenvolvimento ou a criação naquele momento, em
toda a Europa, de instituições encarregadas de trabalhar com o passado
próximo mostrou a evolu ção dos espíritos nesse campo. O segundo pre-
conceito acredita, em um movimento quase contrá rio, que a experiê ncia
prevalece sobre o conhecimento, que a narra ção histórica não poderá
nunca substituir verdadeiramente o testemunho, que a pretensão à ver -
dade dos profissionais do passado é uma ilusão cientificista. Somente
aquele que fez parte pode contribuir, por primeiro, a fazer com sua pró-
pria voz um discurso autêntico sobre o passado próximo antes de abrir
espaço àqueles que não terão dele senão os vest ígios e, precisamente, os
testemunhos. François Bédarida conhece melhor do que ninguém o im -
pacto dessa crença, pois ele está dentro de um universo no qual a tes-
temunha, ex- combatente, ex- resistente, ex-deportado, ocupa um lugar
cada vez maior nos debates e nas controvérsias sobre o passado recente.
Mais exatamente, é a época em que os historiadores começam a com-
í
preender a dimensão da presença e da intervenção dessas testemunhas
no espaço p úblico, figuras morais e atores sociais cuja aparição remonta
aos dias seguintes à Primeira Guerra Mundial. Isso criou muitas vezes
atritos com os historiadores que lhes são, contudo, próximos e também
controvérsias entre os próprios historiadores, entre aqueles que recusam
a priori todo valor probante ao testemunho oral e aqueles, ao contrário,
que sentem pela testemunha, sobretudo se é uma vítima, um fascínio
$
16 A ÚLTIMA CATÁ STROFE
ções por vezes antigas, por vezes recentes, e diferentes escolhas episte-
mológicas, objetos históricos e posturas no espaço público. Igualmen-
te, a noção de contemporaneidade remete a uma polissemia que não
constitui a menor das dificuldades para o historiador, quer ele busque
compreender a dos tempos encerrados, quer a dele próprio. Essa noção
não remete unicamente a uma temporalidade, ela não significa somente
uma proximidade no tempo, e, portanto, uma curiosidade em relação ao
seu próprio tempo. Ela remete també m a outras formas de proximidade,
no espaço, no imaginário. A presença do passado mais distante pode ser
por vezes mais intensa do que eventos próximos, e podemos ter mui-
to poucos pontos em comum com nossos semelhantes biológicos, e ao
contrário uma grande proximidade com ancestrais de outro tempo, e até
de outro lugar, bastando que o descubramos e que lhes demos uma atua -
lidade no presente. Essa constatação aparentemente banal gera in ú meras
questões. É o objetivo desta obra que se situa em um lugar epistemológi-
m?
co relativamente bem identificado, tanto no plano intelectual quanto no
m institucional: o de uma história que se confrontou com o trágico do sé-
culo passado e também com o deste século balbuciante. Esse movimen -
to, ou antes essa prática da história, tentou esboçar empiricamente uma
maneira de fazer, um modo de pensar a história quando esta atinge, ou
mesmo ultrapassa, o limite do compreensível e do aceitável. Ela se acha
em todo lugar em que o passado recente deixou marcas a ferro quente,
nos corpos, nos espíritos, nos territórios, nos objetos.
nova bandeira foi proposta, como se essa parte da disciplina devesse ser
expropriada do seu nome e da sua identidade em prol de um imperialis-
mo epistemológico ou talvez de um ressentimento que não diziam, nem
um nem outro, seu nome. Ora, precisamente, essa prática historiográfica
possui de fato algumas singularidades que não podem ser apagadas por
um traço de caneta. Dos quatro grandes segmentos da historiografia oci-
dental: Antiguidade, Idade Média, Idade Moderna e Idade Contemporâ-
nea, somente a última possui uma periodização constantemente incerta e
discutível. Segundo os locais e as tradições nacionais, o “ contemporâneo”
poderá, com efeito, começar tanto em 1789, em 1917, em 1959, quanto
em 1989. Em relação à sua data final, ela é por definição móvel, outra dife-
rença trivial, mas de monta. Dessas quatro periodizações, a história con-
temporânea é a ú nica que é objeto de desacordos recorrentes não sobre a
—
interpretação dos próprios segmentos temporais existem debates sobre
o fim da Antiguidade ou sobre o fim da Idade Média, assim como existe
—
sobre o in ício da história contemporânea , mas sobre a sua factibilidade,
seu significado, sua denominação, a exemplo precisamente do artigo cita-
do. Ademais, “ O que é ser contemporâneo? ” pertence a uma interrogação
surgida no século XIX que ultrapassa a reflexão puramente histórica. Ela
atravessa tanto a filosofia quanto a antropologia ou a história da arte, ou a
musicologia, que utilizam o adjetivo do seu modo. Há aqui uma quest ão
epistemológica sobre a qual os historiadores devem posicionar-se, e é o
que eu tento fazer ao interrogar ao mesmo tempo a longa evolução de
uma prática que pretende fazer a história do seu próprio tempo, a conjun -
tura específica do século XX, que acabou por lhe dar certa configuração
particular, e finalmente os critérios constantes ou variáveis que permitem
identificar as singularidades relativas dessa maneira de pensar a história
no interior da disciplina em seu conjunto.
do, ainda quando as solu ções trazidas para o enfrentar pertencem, com
efeito, a uma forma de presentismo.
com a última cat ástrofe em data. Certamente, esse termo mascararia o es-
—
sencial. Quase todo povo para nos limitarmos agora à história dos povos
— viveu a mesma última catástrofe, a Segunda Guerra Mundial. Mas não
é o fato mesmo de ser vítima de catástrofes, por mais violentas que sejam,
que marca sozinho a origem do presente, o presente n ão começa em todo
lugar em 1945, mas é com a cat ástrofe que se inicia o presente da estrutura
histórica daqueles que são vítimas.1
1
Heimpel (1957:12 ) . Foi uma conferê ncia de Ulrich Raulff (1997:19 ) que chamou pela
primeira vez a minha atenção para esse texto.
26 A ÚLTIMA CAT Á STROFE
versã o em hebraico — —
Shoah , em consequência do filme epônimo m
de Claude Lanzmann, para designar dessa vez a unicidade e a singula - I
ridade do exterm ínio dos judeus, sem chegar realmente a substituir o I
termo Holocausto, utilizado no mundo anglófono. A palavra “ catástrofe” I
K
consequentemente disseminou -se por mimetismo ou por reação para
<
I
designar a tragédia original e fondante da identidade de certos povos, à I
imagem da Nakba palestina, que remete às expulsões massivas de 1948.
É preciso, portanto, compreender aqui o termo “ cat ástrofe” em seu
!
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|
sentido etimológico, ao mesmo tempo como um “ revolvimento”, como
l
um fim na sua acepção grega, os quais tê m consequências frequente-
mente insuperáveis, mas também como um “ desenlace”, um “ movimen - 1
to teatral” no sentido literá rio e dramat ú rgico do termo, na sua acepção
latina. Ao insistir na cat ástrofe como origem provisória de um tempo
presente cujo caráter fugaz ela aceita, esta concepçã o historiográfica,
cujas premissas remontam a 1917- 18, se insere em uma visã o discreta £
da história, em ruptura com a lógica da modernidade revolucioná ria
i
que repousou antes na ideia de uma continuidade, de uma linearidade, ê
nhado desordenado das ocorrê ncias passadas aparece sob a forma de uma 0
narrativa que pode ser contada porque possui um início e um fim. O que
tal acontecimento revela é um começo, pertencente a um passado, que es-
tava até ent ão escondido; o acontecimento esclarecedor não pode aparecer
ao historiador senão como um acabamento daquele começo que ele acaba
de trazer à luz. Será somente quando sobrevier, na história vindoura, um
acontecimento novo que esse “ fim” se revelará ser um começo aos olhos dos
historiadores futuros. [Arendt, 1990:55]
P
INTRODU ÇÃ O 27
—
fica francesa, alemã ou nos países anglófonos por falta de tempo, de
espaço ou de competê ncia, não pude incluir nela elementos vindos da
historiografia italiana, espanhola ou ainda de alguns países da América
Latina, cuja situação entra em parte na perspectiva desenvolvida aqui. A
história contemporânea obteve nesses lugares um espaço incomparavel-
mente maior do que anteriormente, tanto na esfera universitária quanto
no espaço p úblico. Hoje, ela atrai uma grande porção dos estudantes
de história, do ensino, dos recursos alocados para a disciplina no seu
conjunto em in ú meros países, situaçã o impensável há 30 anos, quando
o tempo presente era objeto quase exclusivamente, na melhor das hipó-
teses, das outras ciências sociais, e, na pior, do jornalismo esclarecido. A
história recente tem, ademais, um número crescente de escritores, de ci-
neastas, de documentaristas, de artistas de todos os horizontes. In ú me-
ros blogs, sites e fóruns lhe foram dedicados, dos mais disparatados aos
mais informados. Essa evolu ção mostra a emergê ncia de novas curiosi-
dades e de uma expectativa de inteligibilidade do passado recente.
Ao mesmo tempo, o lugar da história em geral mudou de natureza.
As noções de memó ria ou de património invadiram o espaço p úblico
e cient ífico. O testemunho tomou o aspecto de um imperativo social e
moral. A justiça temporal se transformou em tribunal da história para
julgar crimes políticos de já há meio século. Os Estados verteram mui-
tos recursos e muita energia para implementar “ políticas p úblicas do
passado”, nacionais e internacionais. No senso comum , no vocabulá rio,
o passado se tornou um problema para resolver. Diz-se de bom grado
hoje que as sociedades, os grupos ou os indivíduos devem “ enfrentá-
-lo”, “ confrontar -se” com ele, como nas expressões inglesas: coping with
the past; ou ainda que se deve “ super á-lo”, “ dominá -lo”, coming to terms
with ou mastering the past, ideia que se encontra na expressão alemã
Vergangenheitsbewãltigung. Estranha metáfora, a pensar bem, que sig-
nifica literalmente que colocamos o passado em um lugar que não é em
princípio o seu, a saber, diante de nós, ou que estamos constantemente
30 A ULTIMA CAT Á STROFE
com as costas viradas para o futuro para poder lidar com ele, ilustra -
ção concreta da visão profética de Walter Benjamin feita ao observar
o Angélus novus de Paul Klee. As sociedades contemporâneas parecem
assim manter com a história, e singularmente com a história recente,
uma relação profundamente marcada pela conflituosidade: conflitos
íntimos ou coletivos nascidos de traumatismos insuperáveis, guerras
de memórias, polê micas p úblicas e controvérsias científicas, frequente-
mente misturadas. A história já não se caracteriza, primeiramente, por
tradições a respeitar, por heranças a transmitir, por conhecimentos a
elaborar ou por mortos a celebrar, mas antes por problemas a “ gerir”, por
um constante “ trabalho” de luto ou de memória a empreender, haja vista
o enraizamento da ideia de que o passado deve ser arrebatado do lim-
bo do esquecimento, e que somente dispositivos públicos ou privados
permitirão exumá-lo. O passado tornou-se assim uma matéria sobre a
§
qual se pode, ou mesmo se deve, constantemente agir para adapt á-lo às
necessidades do presente. Ele é doravante um campo da ação p ública,
í A exigência de verdade pró pria da atividade histó rica transformou -se
Acontemporaneidade no passado
ií
§
Um problema antigo?
terísticas da sua arte ou da sua disciplina, qualquer que tenha sido seu
status através das épocas. E, portanto, não haveria assim, uma vez lem -
brada essa evidê ncia, nenhuma razão para se interrogar sobre as parti-
cularidades dessa história, e boas razões, ao contrá rio, para recolocá-la J
2
Encontram -se, contudo, elementos de reflex ão em Noiriel ( 1998 ) , que aborda o tema
nos séculos XIX e XX, Hartog ( 2003) . Com Christian Delacroix, François Dosse e
Patrick Garcia, exploramos esse tema em um seminá rio interdisciplinar que aconte-
ceu em 2002, no Instituto de História do Tempo Presente: “ L’ histoire du temps présent
à l’épreuve du passé”, com especialistas em Antiguidade ( François Hartog ) , em Idade
Média ( Michel Sot e Patrick Boucheron ), em histó ria moderna ( Jacques Guilhaumou,
Nicolas Leroux, Jean - Louis Fournel e Jean -Claude Zancarini ), em história contem -
porânea ( Robert Franck e Olivier Dumoulin ).
3
Esta cr ítica é explícita no artigo citado de Antoine Prost. E ela o é ainda mais na obra
de Noiriel (1999), sobretudo na introdução intitulada “ Pour une autre histoire du temps
présent”, um texto polêmico mas embasado que dá uma visão cr ítica da histó ria do tem -
po presente tal como ela se desenvolvia então e ao qual eu respondi na época: Rousso
( 2000:23- 40 ) . Observarei, com um pouco de polê mica da minha parte, que nem An -
toine Prost, nem Gérard Noiriel jamais desenvolveram análises de “ longa duração” em
seus próprios trabalhos, que tratam essencialmente do fim do século XIX e da primeira
metade do século XX, prova de que a objeção deriva de uma simples postura.
34 A ÚLTIMA CAT Á STROFE
%
A noção mesma de regime de historicidade teve o efeito, precisamente,
de desconstruir a ideia de que existiria uma adequação entre o tempo A
biológico, o tempo social e o tempo cultural, contribuindo, de passa -
gem, para enfatizar um pouco mais as ambivalê ncias e as ambiguida - 4
des da palavra “ contemporâ neo” : um mesmo tempo n ão significa um jB
mesmo espa ço; uma mesma “ é poca” n ão cobre um mesmo universo ?
B
cultural; e a uma mesma é poca ladeiam -se estruturas, ideias, práticas
que evolu í ram de maneira diferente relativamente a um passado que
deve ser analisado em uma evolu ção diferenciada.
Nã o obstante, a periodização tradicional se manteve na disciplina
&
histórica. Alé m do hábito profissional, há sem dúvida uma necessidade
I
mais geral que se manifesta aqui, como escreve Michel de Certeau:
4
Croce (1968:13 ss [ 1. ed. em alemão: Tübingen, 1915; esses textos são publicados em
italiano em 1912-13] ).
40 A Ú LTIMA CAT Á STROFE
esta mem ória viva que nos instrui a viver [ magistra vitae ] , esta intérprete
dos tempos antigos” ( Cícero, 1830:258). Essa ideia de uma história “ mes-
tra da vida” criou na tradição uma ligação indissociável entre o passado
e o presente, mas uma ligação que também tem uma história. A fórmula
permite, portanto, sublinhar a que ponto a história como processo de co-
nhecimento e de compreensão do mundo não é uma atividade gratuita, %
?
desinteressada e situada fora do tempo daquele que escreve. Ela dá um
primado ao historiador em relação ao objeto. Benedetto Croce estabelece |- j
.
com efeito uma diferença entre o que ele chama de “ crónica” e a história:
Não se deve considerar a cró nica e a história como formas de história que se
escrevem uma após a outra, ou que seriam subordinadas uma à outra. São
duas atitudes espirituais diferentes. A histó ria é uma histó ria viva e a crónica
uma história morta. Uma é história contemporânea, e a outra história pas-
sada. A história é principalmente um ato de pensamento e a crónica um ato
de vontade. Toda histó ria se torna crónica quando não é mais pensada, mas j
5
Collingwood ( 1966:7 ) . O primeiro ensaio é dedicado ao livro de Croce e foi publicado
em 1921.
ff
A CONTEM PO RANEID ADE NO PASSADO 41
( ,
6
Hartog ( 2005:68). Ver, igualmente, Hartog ( 2001) e o texto de Heródoto 1964
1985: 2 v.).
44 A ULTIMA CAT ÁSTROFE
Ao passo que os mythoi dos poetas s ão sem idade e os logoi dos logógrafos
[ aqueles que relatam por escrito as narrativas da tradição oral ] são de idades
misturadas, a vontade de verdade implica limitar-se ao presente: n ão h á
histó ria “ verdadeira” sen ão no presente. Assim, o (futuro ) historiador da
guerra do Peloponeso se pôs ao trabalho ao mesmo tempo que começavam !
as hostilidades. Dos dois meios do conhecimento histórico, o olho ( opsis )
e o ouvido ( akoê ) , somente o primeiro pode conduzir ( sob a condi ção de
fazer dele bom uso ) a um conhecimento claro e distinto ( sâphos eidenai ):
não somente o que eu vi, o que outros dizem ter visto, mas sob a condição
de que essas visões ( a minha, a dos outros) resistam a uma crítica cerrada.
[ Hartog, 2005:77]
7
Tucídides ( 2000). Ver Darbo - Peschanski ( 1989:653-675).
A CONTEMPORANEIDADE NO PASSADO 45
Pode ser que o público encontre escasso encanto nesta narrativa pouco ro-
manesca. Considerar-me-ei, contudo, satisfeito se ela for julgada útil para
aqueles que quiserem ver claro nos acontecimentos do passado, assim como
naqueles, semelhantes ou similares, que a natureza humana nos reserva no
futuro. Em vez de um trecho composto para o auditório de um momento, é
um capital imperecível que se encontrará aqui. [Tucídides, 2000: 1, 22, p. 48]
riador, uma figura certamente ancestral, mas que pode valer-se hoje dos
I
| mesmos m é todos científicos, frequentar os arquivos, envolver
-se com
não foi expiado, esta maté ria cheia de acasos perigosos, tu pões-lhe a mã o, e
tu andas sobre fogos cobertos de uma cinza enganadora. Que um momento
a Musa da severa tragédia faça falta no teatro: em breve, assim que tiveres
ordenado a narrativa dos acontecimentos públicos, tu retomarás a nobre
tarefa sobre o coturno cecropiano. [ Horácio, 2002:95]
9
Guerreau (1981:282-283), resenha do livro de Bernard Guenée, Histoire et culture his
torique dans VOccident médiéval .
A CONTEMPO RANElDADE NO PASSADO 51
que eles n ão tinham acontecido por acaso, mas tinham sido inspirados pela
-
vontade de divina, e, portanto, possuíam um “ sentido” para os contempo
râneos. [ Goetz, 2000:7].
ca moderna e mesmo para os tempos mais antigos, eles ainda ousam recorrer
às fontes orais. No século XIX, ao contrá rio, os eruditos e os antiquários que
estudavam os tempos passados, por um lado, os jornalistas e os memoriaíistas
que testemunhavam o tempo presente, por outro, estavam muito afastados uns
dos outros, e o oral era, em relação ao escrito, muito desvalorizado; os historia -
dores do século XIX nada tinham, certamente, para apreciar seus longínquos
predecessores. Mas hoje, em que o estudo do presente tende a ser reintroduzi-
í
do no campo da história e em que as tradições orais reencontram sua dignida -
de de fontes fundamentais, difíceis mas fundamentais, talvez estejamos mais
1
®;
10
Guenée ( 1980:84-85). Pode-se citar a título de exemplo o abade Guibert de Nogent e a sua
Histoire de la Première Croisada, escrita por volta de 1114: “ Embora eu não tenha podido ir
em pessoa a Jerusalém, nem conhecer a maior parte dos personagens e todos os lugares de
que se trata aqui, a utilidade geral de meu trabalho não poderia ser diminuída por isso, se é
certo que eu não soube das coisas que eu escrevi ou que ainda escreverei senão por meio de
homens cujo testemunho é perfeitamente conforme à verdade” ( Nogent, 2004).
11
Declaração referida por Nicolas Offenstadt na necrologia que ele lhe consagrou. Le
Monde, 2 out. 2010.
A CONTEM PO RAN E! DADE NO PASSADO 53
!?
•
12
Frédérique Aït-Touati (2011:18). Ver a resenha de Nicolas Correard (disponível em:
< www.fabula.org/ revue/ document6947.php > ).
54 A ÚLTIMA CAT Á STROFE
progresso das artes, das letras e das ciências, professada pelos humanistas l
ou pelos sábios, quer seja a ideia de um retorno às fontes do cristianismo, l
entre os reformadores protestantes, “ chega-se sempre a romper a conti- f
nuidade entre [o presente] e o passado, o que coloca o historiador em uma
situação nova” (Pomian, 1999:150). Uma vez que o presente se acha as-
sim destacado do passado, em todo caso distinto e distanciado, as vias de
acesso ao conhecimento da história mudam de natureza. O testemunho, j
a transmissão oral que pertencem ao “ conhecimento imediato” são subs- I
tituídos pelo interesse pelos vestígios materiais, sobretudo os vestígios í
escritos do passado, e, portanto, um “ conhecimento mediado” ; os textos,
sobretudo os de natureza religiosa, já não são somente “ autoridades”, ele-
mentos da tradição, mas “ fontes” e, portanto, vias de acesso ao passado.
O historiador de um novo gênero poderá lançar um olhar mais crítico
nas narrativas m íticas ou legendá rias, utilizando novas disciplinas como
a epigrafia, a numismática, a geografia histórica ou ainda a diplomática
descrita por Mabillon:
Esta história erudita que domina o século XVII n ão representa nem uma
novidade nem uma ruptura. Não mais que o absolutismo não é dissociável
de uma lenta afirmação do tempo histórico, laicização do religioso, experi-
ência das perturbações civis e religiosas, não se pode pensar a história eru -
dita fora das novas formas da cultura que o século XVI triunfante impõe. A
ruptura cultural do Renascimento deve ser pensada prioritariamente como
uma transformação radical da relação medieval com o tempo. O retorno
filológico aos textos latinos e gregos, ao texto bíblico em si, postula sua ori-
56 A ÚLTIMA CAT Á STROFE
13
Jáckel ( 1989:133- 150, em um capítulo intitulado “ BegrifF und Fonktion der Zeitges-
chichte” ), citado por Schõttler ( 2011).
A CONTEMPORANEIDADE NO PASSADO 57
histó rias. Apenas é preciso ver como isso nasceu. Esses historiadores fabu-
losos não são contemporâ neos das coisas sobre as quais eles escrevem. Ho-
mero faz um romance, que ele d á como tal e que é recebido como tal; pois
I ninguém duvidava que Troia ou Agamêmnon não tinham existido mais do
que o pomo de ouro. Ele nã o pensava tampouco em fazer disso uma his-
tória, mas somente um divertimento; ele é o ú nico que escreve sobre o seu
tempo, a beleza da obra faz durar a coisa: todo mundo a aprende e fala dela
;
é preciso sabê -la, todos a sabem de cor. Quatro anos depois, as testemunhas
das coisas j á n ão est ão vivas; ningu ém sabe mais por seu conhecimento se é
uma fábula ou uma histó ria: a gente a aprendeu apenas dos seus ancestrais,
isto pode passar por verdadeiro.
Toda histó ria que n ã o é contempor â nea é suspeita; assim os livros das sibi
-
las e de Trismegisto, e tantos outros que tiveram crédito no mundo, são fal -
i
sos e se revelam falsos com o passar do tempo. E n ão é diferente em relação
aos autores contempor âneos.
Há muita diferen ça entre um livro que faz um particular, e que ele endereça
a seu povo, e um livro que um povo faz. Não se pode duvidar que o livro não
seja tão antigo quanto o povo.
14
14
Pascal (1963:556). Segundo as diferentes edições, o lugar dessa passagem variou na
classificação geral dos parágrafos. Ela é muito pouco comentada pelos historiadores de
hoje, e quase ignorada dos especialistas em história contemporânea. A interpretação
que lhe dou aqui é evidentemente muito subjetiva.
58 A ÚLTIMA CATÁSTROFE
15
Sobre essa questão, ver Barret - Kriegel ( 1988 ) .
%
A CONTEMPORANEIDADE NO PASSADO 59
“ Historiens du présent
16
Jouhaud (2000:151). A citação começa o capítulo III, intitulado
et pouvoir politique”.
62 A Ú LTIMA CAT Á STROFE
—
historiógrafos oficiais querem acreditar nisso , elas se verificam defini-
tivamente muito dif íceis de conciliar: “ a história é um inevit ável e impor-
tuno desafio para o poder”, escreve ainda Christian Jouhaud ( Jouhaud,
2000:151). Retomando a constatação de Scipion Dupleix, historiógrafo P
de Luís XIII, ele mostra como três exigências pesam sobre esse encargo:
a própria decisão de empreender um estudo historiográfico que depende
não do letrado, mas do poder ; a quest ão da censura e, mais geralmente, tj
I ( Jouhaud, 2000:170). Que grau de louvor, que grau de crítica são acei-
f táveis pelo poder ? É toda uma responsabilidade do historiador que é
ï levantada aqui, e que muda de natureza uma vez que o conhecimento
que ele produz não tem sua fonte apenas na experiê ncia, por definição
&
compartilhada com outros, mas em um conhecimento mediado e, por-
tanto, na frequentação mais ou menos solit ária dos vest ígios de escritos
que não podem fazer sentido senão se o historiador é confiável, ainda
quando ele seja submisso. Um século antes, em sua História de Floren -
P
ça (1521-25) encomenda pelo papa Clemente VII, Maquiavel j á tinha
enunciado os escolhos que a escrita de uma história apresenta, tanto a
contemporânea quanto a mediada:
A Histó ria, sabe -se, é o terreno mais erudito, o mais avisado, o mais des-
perto, o mais atulhado talvez de nossa memória; mas é também o fundo
donde todos os seres vêm à sua existência e à sua cintilação precá ria. Modo
de ser de tudo o que nos é dado na experiência, a História tornou -se assim
o incontornável do nosso pensamento [...]. [Foucault, 1966:230]
\
t A CONTEMPORANEIDADE NO PASSADO 65
17 «
Ü ber den Geschichten ist die Geschichte”, Droysen ( 2002: §73, p. 85) .
66 A ÚLTIMA CAT Á STROFE
Eis a í uma aquisição da filosofia das Luzes por meio da qual a história ( His
torie ) enquanto ciência se separa da retórica e da filosofia moral que se lhe
aproximam, como ela se liberta da teologia e da jurisprudência que lhe são
superiores na hierarquia acadê mica. Que a histó ria { Historie ) , que não tra -
tava até então sen ão do singular, do particular e do acidental, fosse capaz de
“ Filosofia”, não se podiaperceber. Quando os métodos histórico-filológicos
e as ciências auxiliares já se tinham tornado autónomos desde o humanis-
mo, a história ( Historie ) enquanto tal se tornou uma ciê ncia independen -
te somente quando — na “ história em geral” ela ganhou um espaço de
experiência. Desde então, ela pôde também estabelecer o seu “ dom í nio de f
A CONTEMPORANEIDADE NO PASSADO 67
P
B Se o iluminismo participou da erupção de 1789 e configurou assim, por
pim lado, o evento, a Revolução Francesa soa, por outro, como a tradução
1 espetacular no mundo material do nascimento da história “ enquanto tal”
( no mundo das ideias. Pela fratura que ela provoca no seio de uma ordem
I milenar que se acreditava imutável, ela modifica profundamente a relação
I entre o passado, o presente e o futuro, que não oferece mais à consciência
I uma continuidade. Dá nascimento a uma percepção da história em
mar-
[ cha inteiramente fundada na aceleração do tempo presente, percebido daí
j em diante como uma transição instável, incerta entre o que Koselleck cha-
ma de “ espaço de experiência” e “ horizonte de espera”. Esses dois concei-
tos, que tiveram grande fortuna na retórica histórica e são frequentemente
utilizados como simples metáforas decorativas, não designam simples-
mente o passado e o futuro tais como percebidos pelos contemporâneos
*
í èm um dado momento. Eles enfatizam a descontinuidade e a diferença de
natureza entre o passado e o futuro tais como apareceram com a fratura
revolucioná ria e das quais ainda somos amplamente tributários. Marcam
a mudança de perspectiva dos historiadores que deverão agora escrever
a história do tempo presente e reescrever a dos tempos mais recuados à
luz dessa descontinuidade. Não é somente a história que se está fazendo
no momento que muda de alicerce, mas é a história já escrita que deve
mudar, uma vez que uma ordem declarada e pensada como imutável o —
—
Antigo Regime se verificou mortal e desmoronou em poucos anos —
um pouco como o comunismo soviético. Se o fim da história muda, se é
que existe um fim da história, é tudo o que precede que deve ser concebido
de outro modo. Este estado chancela, de fato, a ruptura entre um passado
—
que se proclama encerrado uma noção relativamente desconhecida até
—
então e que não dita mais a sua lei à ação presente, uma vez que se trata
!
precisamente de romper com ele, e um futuro inteiramente aberto, cuja
—
antecipação deve ditar as condutas presentes a invenção de uma nova
—
sociedade exatamente quando a providência divina já não pode servir
de ponto de apoio. Portanto, o problema reside aqui na criação de novas
68 A ÚLTIMA CAT Á STROFE
Essa citação célebre merece nossa aten ção, pois é frequentemente re-
tomada na historiografia recente do tempo presente. Ela constitui, por
exemplo, um momento - chave da vocação de um Pierre Vidal- Naquet,
“ uma razão de viver”, escreve esse historiador da Antiguidade, filho de
18
Esta célebre passagem vem de um artigo publicado no Mercure de France, no dia 7 de
-
julho de 1807 e republicado em suas M émoires doutre tombe, tomo II, p. 102 da edição
de Liège de 1849.
A CONTEM PO RAN El DADE NO PASSADO 69
19
Courtois et al. ( 1997 ) . Citação da p. 36 da edição da coleção “ Bouquins”, 1998.
70 A ÚLTIMA CATÁ STROFE
Assim , muito longe de que a histó ria deva ser desdenhada pelo filósofo, é
apenas ao filósofo que ela deve ser verdadeiramente útil. Contudo, h á uma
classe à qual ela é ainda mais proveitosa. É a classe desafortunada dos pr í n -
cipes. Ouso empregar essa expressão sem temer ofendê - los, porque é ditada
pelo interesse que deve inspirar a todos os cidadãos a infelicidade inevitável
à qual eles estão sujeitos, o de n ã o ver nunca os homens senã o sob a m áscara,
esses homens que é, contudo, tão essencial conhecer. A história pelo menos
lhos mostra pintados, e sob a figura humana: e o retrato dos pais lhes grita
para desconfiar dos filhos. É, portanto, ser o benfeitor dos pr í ncipes, e con -
f
f,
20
Ver a versão das Éditions Slatkine de 1996, prefácio de Catherine Volpilhac- Auger.
A CONTEMPORANEiDADE NO PASSADO 73
Mas como um historiador, que não quer nem se aviltar, nem se prejudicar,
evitará ao mesmo tempo o perigo de dizer a verdade quando ela ofende, e a
vergonha de calá - la quando é útil? Talvez a ú nica resposta a essa questão é
que um escritor, ao preço de ser acusado ou pelo menos suspeito de mentir,
nunca deveria dar ao público a histó ria do seu tempo; como um jornalista
nunca deveria falar dos livros do seu país, se ele n ão quer correr o risco de
se desonrar por seus elogios ou por suas sátiras. O homem de letras sábio e
esclarecido, respeitando, como deve, aqueles que seu poder ou seu crédito
coloca ao alcance de fazer muito bem ou muito mal a seus semelhantes, os
julga e os aprecia no silê ncio, sem fel nem lisonja, mantém, por assim dizer,
registro de seus vícios e de suas virtudes, e conserva esse registro para a
posteridade, que deve pronunciar e fazer justiça. Um soberano que, subin -
do ao trono, proibisse, para fechar a boca aos aduladores, que se publicasse
i
sua história enquanto vivo, se cobriria de gló ria por essa proibição; ele n ão
precisaria temer nem o que a verdade ousasse lhe dizer, nem o que ela po
-
21
Alembert ( 1821-1822: t. II, Ia parte, p. 1- 10). Texto reproduzido em Ré flexions sur
f Vhistoire, et sur les différences manières de lecrire. Disponível em: <www.eliohs.unifi.it/
(
, testi/ 700/alemb / reflect.html>. Edição online de Guido Abbatista para Cromohs Cyber
Review of Modem Historiography ), jan. 1977 . O grifo é do autor.
74 A Ú LTIMA CATÁ STROFE
Ver Garcia e Leduc (2003:38-44). Ver também Koselleck (1990:51). Agradeço Sylvie
22
Aprile e Emmanuel Fureix por seus conselhos sobre este per íodo.
76 A Ú LTIMA CAT Á STROFE
ão
I É importante notar aqui que as objeções mais importantes que ser
feitas à ambição de escrever uma história contempor â nea a contar de
—
meados do século XIX a ausência de recuo, a vivacidade das paixões
,
i —
o inacabamento dos processos observados decorrem muito direta
-
, ele
tituições encarregadas de preservar o passado. Fenômeno europeu
é particularmente verificado na França, onde os historiadores se veem
da missão de escrever uma narrativa coerente, que fizesse a
investidos
um Bernard
25
Koselleck ( 1997:83-84). O aforismo não deixa de lembrar a posição de
f
Guenée, citado anteriormente.
ï
l
78 A ÚLTIMA CATÁ STROFE
Por isso, conceber uma histó ria que explica a ruptura revolucioná ria e che-
ga a articular juntas as partes desunidas da história da Fran ça é uma tarefa
primordial. Espera -se da histó ria que ela permita compreender os conflitos
que dividem os franceses como o que os unem. Em face da fragilidade dos
governos e das instituições políticas, da repetição compulsiva do gesto re -
volucion á rio que opõe os herdeiros da Revolução entre si, aos historiadores
é reconhecido um formid ável magisté rio: o de dizer a verdade da França.
Por uma singular reviravolta, o especialista do passado age como profeta.
[Delacroix, Dosse e Garcia, 2007:12]
*
Outro fato notável que encontramos repetidamente: não só a histó- *i
ria em sentido amplo se reveste entã o de uma importâ ncia maior, mas 3
%
a história do tempo presente se desenvolve em todos os seus aspectos, I
apesar da suspeita e da recusa expressa por alguns. A Revolu ção ator-
menta sobremodo os espíritos —
e atormentará por muito tempo —
para desencorajar as penas mais curiosas ou as mais implicadas. Ela
suscitou uma historiografia muito precoce, que surgiu nos primeiros
anos do século, à imagem da Histoire de France depuis la Révolution de
1789, empreendida por Emmanuel de Toulongeon no in ício do Impé-
rio. Este preconiza relatar “ n ão somente o que ele sabe, mas o que ele
pode aprender; não somente o que ele viu do lugar em que estava, mas
o que ele poderia ter visto, se ele tivesse estado ao mesmo tempo em
todos os lugares que os espectadores ocupavam” (Toulongeon, 1803, ci-
tado por Leterrier, 1997:20). Encontra -se aqui uma tradição ancestral
— o historiador testemunha, o historiador que escreve a partir de sua
própria experiência, o historiador contemporâneo que, de Tucídides a
Pascal, deve produzir uma história “ digna desse nome”. Mas encontra-
A C ONTEM PORAN ElDADE NO PASSADO 79
26
Fustel de Coulanges (1988:341 - 342 ), citado por Delacroix, Dosse e Garcia (1999:76).
A CONTEMPORANEIDADE NO PASSADO 81
h toriador tem agora como tarefa não somente fornecer exemplos de boa
conduta para as ações humanas pelo estudo de um passado edificante,
ontologicamente ligado ao presente, mas lançar luz sobre os vest ígios de
! um passado encerrado, que é imperioso conhecer para não se destacar
inteiramente das gera ções precedentes: a disciplina j á não serve a man -
ter a continuidade, mas a atenuar os efeitos das rupturas da história. Seu
papel já não é manter uma tradição que derivava da natureza das coisas,
mas de enraizar o presente e o futuro incerto em uma continuidade com
a qual é preciso reatar, com um passado, aquele que é anterior à Revo -
lução, e que corre o risco de desaparecer da memória coletiva caso não
seja objeto de investigações sistemáticas e aprofundadas por um novo
corpo do of ício. Donde esta ideia de que a tarefa prioritá ria do historia -
¥ dor deve ser “ apresentar o que realmente aconteceu”, restituindo -o com
a maté ria “ mais pura e mais perfeita”.27 Esse credo, que parece reatar
com uma concepçã o ancestral da hist ória como “ narra ção ver ídica dos
! fatos passados”, foi denunciado posteriormente como “ positivista” e pa-
I rece hoje evidentemente ultrapassado. É esquecer sua pertinência me-
[ nos como cânone atemporal e universal do of ício de historiador que —
—
é preciso ent ã o fundar do que como projeto intelectual no contexto
l pós- revolucionário: pretender explicar o que “ realmente” aconteceu nos
\ tempos antigos quando o acontecimento revolucioná rio e as guerras
í napoleônicas assolaram completamente o mundo em que vivem esses
historiadores, e os quadros tradicionais de interpretação se tornaram
obsoletos e numerosos vestígios desapareceram ou parece que desapa-
receram, não era evidente. Atormentados pelo medo de serem cindidos
do passado, criticando a filosofia da história que se desenvolve no mes-
27
HUMBOLDT, Wilhelm von. Über die Aufgabe des Geschichtschreibers ( 1821) .
Reedição: On the historians task. History and Theory, v. 6, n . 1, p. 57- 71, 1967. A citação
foi retomada por Leopold Ranke em 1824. É a primeira frase da conferê ncia proferida
na Academia da Pr ú ssia pelo fundador da Universidade de Berlim (1810), que tem hoje
seu nome.
82 A ÚLTIMA CATÁ STROFE
Carbonell ( 1976).
84 A Ú LTIMA CAT Á STROFE
29
Noiriel (1998:13) . Gérard Noiriel retoma a análise de Louis Halphen ( 1914), que
mostra como a nova geração de historiadores se interessou prioritariamente pelo estudo
da Antiguidade e da Idade Média.
*
A CONTEMPORANEIDADE NO PASSADO 85
F
I 1914, exclu íam a história política inglesa após 1837 e a história geral
í após 1878, uma exclusão temporal que foi acompanhada por uma redu-
ção do espaço estudado, uma vez que, por exemplo, o estudo da índia se
limitava ao dos colonos ingleses e o da China ao do comércio ocidental:
Essa exclusão da história contempor â nea dos estudos universit á rios teve
i
sérias consequê ncias práticas. A classe governante inglesa [...] entrava na
política ou no serviço público ou no of ício sabendo menos sobre o estado
do mundo contemporâ neo do que sabiam sobre a Grécia Antiga ou sobre
Roma. No fim do século XIX ou no in ício do século XX, dez ou doze corres-
| pondentes de imprensa tinham uma melhor compreensão dos perigos que
ameaçavam a paz na Europa do que a maior parte dos membros influentes
dos gabinetes britâ nicos.30
30
Woodward ( 1966:1- 2). Voltarei no próximo capítulo à criação dessa revista.
86 A ÚLTIMA CAT Á STROFE
social tanto quanto uma ciência humana e recusar uma boa parte desses
preconceitos: desde o primeiro n ú mero da revista, em 15 de janeiro de
1929, Marc Bloch e Lucien Febvre denunciam no seu editorial essa divi -
sã o implícita do trabalho que deixa o passado aos historiadores e o estu -
do das sociedades e das economias contemporâneas a outros. Mas essa
divisã o deverá perdurar até o último terço do século XX, e não perderá
força senã o com o surgimento de uma nova história do tempo presente.
A recusa explica-se em seguida pelo surgimento de um novo quadro
intelectual e cognitivo que mostra os limites e as dificuldades próprias de
uma história do tempo presente. Eles não são propriamente novos, mas
assumem uma configuração particular no contexto pós- revolucioná rio.
Os historiadores têm a missão de compreender o passado encerrado, eles
A CONTEMPORANEIDADE NO PASSADO 89
Não há caráter histó rico inerente aos fatos, de histórico há apenas o modo
de conhecê-los. A história n ão é uma ciência, ela é apenas um procedimen -
-
to de conhecimento. [Seignobos, 1909:2 3]
Toda pesquisa empí rica se regra pelos dados para os quais é orientada.
E ela não pode orientar-se senão por dados que, por sua presen ça imediata,
?
A CONTEMPO RANEl DADE NO PASSADO 91
31
Fustel de Coulanges (1893:408) . Ver també m Leterrier (1997:282 ).
92 A ULTIMA CATÁ STROFE
O olhar que lan çamos às coisas presentes é sempre perturbado por algum
interesse pessoal, algum preconceito ou alguma paixão. Ver bem é quase
sempre impossível. Se se trata ao contrá rio do passado, nosso olhar é mais
£
calmo e mais certo. Compreendemos melhor eventos e revoluçõ es [ subli -
íl
nhado por mim] dos quais não temos nada para temer e nada para espe -
rar. Os fatos realizados se apresentam para n ós com outra nitidez que n ão
quando em vias de realiza çã o. Nós vemos seu começo e seu fim, a causa i!
v,
32
Ibid., p. XV. Ver também Leterrier (1997:284).
Ü A CONTEMPOR ANEIDADE NO PASSADO 93
que sentido a filologia poderia ter hoje, senão o de exercer uma influên -
cia intelectual, ou seja, agir contra o tempo, e portanto sobre o tempo, e,
H
esperemo-lo, em benefício de um tempo vindouro.33
IX
Nietzsche denuncia em vão nesse texto o historicismo, pois ele vai
B
ao encontro, com efeito, da crítica formulada, explicitamente ou nao,
por uma grande parte da historiografia da época sobre a ilusão que seria
^
querer compreender o seu próprio tempo, pelo menos com as ferra-
mentas do historiador. Ele o faz com um objetivo totalmente diverso,
o de uma “ história para a vida”, para a ação, e, portanto, voltada para o
IB
futuro, mas tendo como consequê ncia fazer do presente, do atual, um
B
B
momento instável, incerto, volátil diante do movimento da história.
. B
Essa necessidade de apreender uma história “ acabada”, de se interessar
por uma história “ inatual”, de recuar em relação ao mundo contempo-
B
râneo pode explicar-se não somente pelas posturas cientificistas e posi -
B
tivistas, mas também por uma forma de lassidão intelectual. Os debates
B
políticos na Europa nessa época permanecem, com efeito, profundamente
B
marcados e divididos pelo tumulto original de uma revolu ção cujos efeitos
B
parecem intermináveis. Essa ausência de fechamento gera o sentimento
B
B
em muitos historiadores de que uma interpretação objetiva e consensual
B
dos fatos parece impossível para esse evento ainda fresco na memória co-
letiva no momento em que esses princípios parecem indispensáveis para
K
refundar outra maneira de apreender a história. Donde a necessidade de
f
um atraso de reserva para compreender a marcha das sociedades, uma
postura duplamente historicista, uma vez que ela supõe, por um lado, que
o fator tempo permaneça o elemento de explicação primordial, o que é
contestado no mesmo momento pela sociologia, e, por outro lado, que a
distância temporal ofereça a garantia de um maior destacamento e de um
!
olhar mais amplo — uma ideia que se sabe hoje parcialmente errónea,
33
Nietzsche ( 1990:94 ) . Ver Paravicini ( 2002:151 - 191).
A CONTEMPORANEIDADE NO PASSADO 95
34
Sobre esse assunto, ver os trabalhos citados de Gé rard Noiriel e Christian Delacroix,
François Dosse e Patrick Garcia, assim com Pascal Ory (1992).
A CONTEMPORANEIDADE NO PASSADO 97
35
Noiriel ( 1998:14), que retoma as análises de Carbonell (1976) .
98 A ÚLTIMA CATÁ STROFE
-
coisas que aí se discutem ? Certamente n ão, mas com certeza faz se má pol í-
tica. Jogar um homem na cidadela sem lhe ter dito nada da organização das
necessidades do meio dos quais terá de viver e lutar é como se você jogasse na
batalha um caçador a pé com o armamento dos francos arqueiros de Carlos
VII. [ Duruy, 1901:122-125, citada por Leterrier, 1997:239]
36
A Histoire de France, depuis les origines jusqua la Révolution está sendo reeditada pelas
Éditions des Équateurs desde 2009, com um prefácio de Pierre Nora.
I
CAP Í TULO II
O horizonte da catástrofe
— —
de uma história repentinamente e mais uma vez fora de si. Con -
tudo, se ela acabou com o sonho de um progresso cont í nuo, de um
tempo histó rico que pode ser dominado pela razã o e pelo conheci -
mento, a Primeira Guerra Mundial inaugurou novos prosseguimentos
revolucion á rios com tra ços escatológicos. A Revolu çã o Bolchevique,
por um lado, o fascismo e o nazismo, por outro, ainda que opostos e
inimigos mortais, t ê m em comum, entre outras coisas, carregar uma
visão da história marcada tanto por uma revisão radical do passado
quanto pela expressã o de novos milenarismos que pretendem acelerar
o advento de um homem novo pela violê ncia extrema e pelo poder ab -
soluto sobre os corpos, os espa ços e o tempo. Contudo, a maior parte
desses sistemas era consciente da sua própria precariedade hist órica,
o que nã o faz senã o acusar a intensidade da violê ncia exercida contra
seus inimigos ou ainda contra seus próprios povos: quando a realiza -
ção escatológica de um Reich milenar se verificou uma utopia sob as
bombas dos aliados, o regime preferiu seguir o caminho do caos e da
autodestruição, em lugar de renunciar a dominar o curso da história.
A GUERRA E O TEMPO POSTERIOR 101
y
1-
| 37
Ver Novick ( 1988:112 e ss ) e Olivier ( 1992:327 - 398 ).
38
Durkheim (1915:42 ) , Bergson ( 1914), Babelon (1917-1918), La Blache ( 1919:249
ï
267). Para uma análise geral, ver Beaupré (2012).
1
1
I
102 A ÚLTIMA CAT Á STROFE
B
^^ B
B
outros, e mesmo um pouco mais que os outros, pois uma boa parte das
finalidades de guerra repousa em leituras antagonistas do passado.
^jV^
B
Por isso, é o tempo presente que comanda, tanto por causa das urgên -
cias da hora quanto porque a simultaneidade da experiência da guerra à
39
Ver Bourlet ( 2003:4-12 ) . Ver também Chablat - Beylot e Corail ( 2009:132-134 ) .
A GUERRA E O TEMPO POSTERIOR 105
I
obra publicada desde 1915 ( Prost e Winter, 2004:16-17). No campo uni-
versitário, a suspeita parece ter sido parcialmente levantada, conquanto
a história contemporânea ainda não adquira um direito de cidade equi-
?; valente aos outros períodos historiográfkos. Como quer que seja, é toda
a disciplina histórica que é objeto de uma suspeita, como revelará mais
tarde o historiador francês, antigo soldado de infantaria, Jules Isaac:
?
E conhece-se o célebre pronunciamento de Lucien Febvre, na oca-
sião de sua aula inaugural na universidade de Estrasburgo novamente
francesa, para a qual ele acaba de ser nomeado, que mostra, ele també m,
o quadro de uma disciplina moralmente em ruínas:
40
Citado em Isaac ( 2004:302). A citação provém de um projeto não publicado de se -
gundo volume de suas Memórias ( Expériences de ma vie), publicadas em 1959.
106 A ÚLTIMA CATÁ STROFE
41
Ver Becker ( 2008:108-110). Sobre Harry Elmer Barnes, ver Novick (1988:178-180).
Para um ponto de vista geralr Wilson ( 1996). Ver também Prost e Winter ( 2004:16 -29).
108 A ÚLTIMA CAT Á STROFE
42
Sobre Pierre Renouvin, ver os artigos que lhe dedicaram seus herdeiros: Jean - Baptiste
Duroselle, na Encyclopaedia universalis, e Ren é Girault (1998:7-9). Ver também Dela-
croix, Dosse e Garcia ( 2007:358 e ss) e Noiriel ( 1998:56 e ss).
43
Existe sobre esse tema uma literatura considerável. Ver prioritariamente Fussel ( 1975),
Mosse ( 1999 ), Winter (1995).
44
Os Cadres sociaux de la mémoire foram publicados pela primeira vez em 1925. Ver a
recente edição, assim como reedição da M émoire collective chez Albin Michel ( 1994 e
1997) por G érard Namer. Ver também a biografia de Becker ( 2003) .
A GUERRA E O TEMPO POSTERIOR 111
versidade, por sua amplitude e por seu impacto faz surgir novas figuras
sociais chamadas a durar, ou que pelo menos reaparecerão regularmen -
te ao longo de todo o século. É o caso, por exemplo, da “ testemunha
moral”, o sobrevivente que fala em nome de seus camaradas mortos, e
mantém uma forma de relação com o passado, marcada pela obrigação
da lembrança, e fala em primeira pessoa, com a ideia de que aqueles que
não viveram a experiê ncia do combate não podem compreender o sen -
tido da guerra que acaba de terminar, mas ele é também um “ nós” que
fala em nome de um coletivo, o qual engloba os mortos e os vivos, ou
antes os sobreviventes. Em alguns casos, esta testemunha privilegiada
se tornará um rival do historiador — pelo menos do historiador “ que
não esteve lá”, que não viveu diretamente, aqui o trauma das trincheiras,
mais tarde o da deportaçã o. Essa testemunha de um novo gê nero afirma
com veemê ncia a autenticidade do primado da experiê ncia vivida. O
exemplo mais conhecido, o mais discutido e o mais emblemático é o de
Jean Norton Cru. Alistado voluntariamente em agosto de 1914, tendo
conhecido o fronte durante dois anos, sobretudo em Verdun , ele publi-
ca em 1929 uma obra de sucesso intitulada Témoins, na qual recenseia
e critica os testemunhos publicados sobre a guerra na década anterior,
visando especialmente grandes nomes, como Henri Barbusse ou Ro -
land Dorgelès. Em busca dos erros materiais, das inverossimilhanças,
das fanfarronices, atormentado pela revelação de uma verdade histórica
una e indivisível, ele se erige como verdadeiro juiz da boa maneira de
testemunhar a guerra, não sem algum excesso cientificista e certo po-
—
pulismo anti-intelectual ainda que ele próprio ensine literatura em
um college de Massachusetts. Sua obra constitui um momento impor -
tante no surgimento de uma verdadeira ideologia do testemunho, na
qual o autor defende uma posição fadada a perdurar: a primeira escrita
no calor de uma cat ástrofe como a Primeira Guerra Mundial pertence
quase exclusivamente aos testemunhos que viveram os fatos entre lama
e cadáveres; somente essa experiência direta, carnal, pode dar conta dos
112 A Ú LTIMA CAT Á STROFE
45
Cru (1929, 1931:26), citado por Rousseau (2003:68). A obra, bem documentada,
adota, contudo, uma posição marcada paradoxalmente por devoção em relação a um
personagem considerado um dos inventores da “ hipercr ítica”, e uma manifestação da
ideologia do testemunho sempre vivaz na historiografia contemporânea.
;
A GUERRA E O TEMPO POSTERIOR 113
Em uma discussão sobre o livro publicado no Bulletin de VUnion pour la Vérité, fev./
46
47
É a atual Biblioteca de Documentação Internacional Contemporânea ( BDIC ), situa -
da no campus da universidade Paris-Ouest Nanterre-La Défense, ligada ao Museu de
História Contemporânea, situado nos Invalides. Ver Becker ( 2010:5-6).
A GUERRA E O TEMPO POSTERIOR 11ò
despertar os mortos e ajuntar o que foi quebrado. Mas do paraíso sopra uma
tempestade que se apoderou das suas asas, t ão forte que o anjo n ão pode
mais fech á - las. Esta tempestade o arrasta irreversivelmente para o futuro
ao qual ele volta as costas, enquanto até o cé u diante dele se acumulam as
ru í nas. Esta tempestade é o que n ós chamamos de progresso.48
Essa citação é uma das mais conhecidas e das mais comentadas das
Teses sobre história, redigidas em 1940 ( e que não eram destinadas à
publica ção ) quando a cat ástrofe seguinte efetivamente aconteceu. Cer-
tamente, para Benjamin, a sobredita catástrofe n ã o é a guerra, mas certa
concepção do Progresso, produzida sobretudo por uma socialdemocra-
cia para a qual ele n ão tem palavras suficientemente duras. Mas nessas
frases, se se fizer delas uma leitura outra que não política, Benjamin
exprime em algumas palavras de uma densidade profé tica essa mudan -
ça de historicidade das últimas d écadas transcorridas: a história como
olhar sobre a cat ástrofe, como d ívida para com os mortos, as vítimas,
os vencidos, a história como aprendizagem de uma alteridade radical
que deve, contudo, tecer de novo os la ços entre o tempo que corre e o
tempo das ru í nas, sem perder de vista nessa acelera ção a necessidade de
compreender, ainda que tal nã o seja a preocupaçã o principal de Benja -
min. “ Permanece, para o historiador de ofício, aquém deste horizonte
de fuga, a inquié tante estranheza da história, a interminável competi-
ção entre o desejo de fidelidade da mem ória e a busca da verdade em
histó ria”, escreverá mais tarde Paul Ricoeur acerca desse texto ( Ricoeur,
2000:649-650 ).
e
.
nós; que o historiador deve colocar seus fatos em relação com um mode -
lo, um esquema conceituai de que ele pode lançar mão unicamente se se
verifica útil; que ele constitui, do mesmo modo que o esquema conceituai
utilizado pelo físico para o elétron, um meio prático para dar conta de fatos
conhecidos e conduzir à descoberta de fatos até ent ão desconhecidos. O
historiador pode livrar-se do demónio absolutista que a fórmula “ tal como
realmente aconteceu” implica e aceitar todas as vantagens de uma posição
francamente relativista.49
O declínio — —
relativo e provisório do paradigma da objetividade
entre os historiadores de ofício e o liame crescente —
mas que perma-
nece marcado por uma desconfian ça recíproca —
com as outras ciên -
cias sociais implicam uma maior atenção ao contemporâ neo e incitam a
vislumbrar de maneira mais dialética a relação entre o passado e o pre-
sente. Na ocasião de uma célebre conferência proferida na Universida-
de de Londres, no dia 13 de dezembro de 1928, o historiador brit ânico
Robert William Seton - Watson, que participou da Conferê ncia da Paz,
pronuncia uma vibrante “ apologia do estudo da história contemporânea”
(Seton - Watson , 1929:1- 18 ). Trata -se de um texto essencial para compre-
ender como essa forma de história sai do seu purgatório após a Primeira
Guerra. Frequentemente citado na historiografia anglófona, ele é quase
desconhecido da historiografia francesa, talvez porque, na época, esta
—
última não retivesse senão o alvorecer dos Annales cujo primeiro n ú -
mero é publicado em janeiro de 1929 — que acabou por eclipsar todas
as outras inovações ou antecipações similares nascidas fora da França.
Seton - Watson denuncia neste artigo a incongruência de um campo
abandonado no momento em que a disciplina, em seu conjunto, teve um
desenvolvimento sem precedentes nas últimas três décadas:
49
Brinton ( 1939:153), citado por Novick ( 1988:141) . Brinton é um historiador ameri -
cano conhecido por seus trabalhos sobre a Revolução Francesa.
A GUERRA E O TEMPO POSTERIOR 119
50
Seton -Watson ( 1929:9). A citação de Joseph de Maistre vem de uma correspondência
endereçada ao barão Vignet des Étoles, em dezembro de 1793.
A GUERRA E O TEMPO POSTERIOR 121
I pação com o presente se traduz també m por uma maior atenção à his -
I tória contemporânea e à atualidade. Entre 1929 e 1945, a revista dedica
I 16,4% do n ú mero total das suas páginas à história do século XIX e do
I século XX, e 21,7% a temas que entram na atualidade ou no passado
próximo, ou seja, mais de um terço do total para a história dita “ con -
I temporânea” no sentido institucional do termo, que inclui in ú meros
i artigos vindos de outras disciplinas como a sociologia ou a economia.
I No mesmo per íodo, a Revue Historique e a Revue d’ Histoire Moderne
I et Contemporaine, lugar de uma maior ortodoxia disciplinar, dedicam
I respectivamente 23,7% e 57,9% do seu volume aos séculos XIX e XX
I — o que é já not ável e mostra que a história contemporâ nea saiu do
I, —
purgatório , mas quase nada à histó ria muito recente ou à atualidade
! ( Wesseling, 1979). Contudo, essa evolução deve tanto ao clima científico
S dos Annales e ao desenvolvimento do contexto geral da época quanto à
I personalidade dos seus fundadores, Lucien Febvre e Marc Bloch. Este
ï último, aliás, foi apresentado frequentemente como um “ historiador do
t tempo presente”.51 Não somente o medievalista que ele é assumiu o risco
'
de escrever muitas vezes sobre o seu próprio tempo, mas també m for-
malizou sob a Ocupação a ideia que ele tem das relações que um histo-
riador da sua época deve ter com o passado e o presente. A maior parte
í dos textos de Marc Bloch sobre a história próxima, seja científicos, polí-
| ticos ou autobiográficos, versa em suma sobre as duas guerras mundiais,
seja sobre os rumores, sobre a fotografia ou suas próprias Lembranças
durante a Primeira Guerra, seja ainda seu texto mais célebre, A estranha
derrotay escrito após a derrota de 1940, antes de se engajar na Resistên -
cia, na qual perderá a vida. A experiência da guerra foi, portanto, uma
experiê ncia decisiva na sua maneira de pensar o ofício de historiador.52
51
Raulff (1997). Ver também a biografia que ele lhe dedicou: Raulíf ( 2005).
52
Ver os pontos de vista convergentes de Schõttler ( 2010) , Becker ( 2006:XIII ) e Bur-
guière ( 2006:41).
124 A ÚLTIMA CATÁ STROFE
53
Trata -se dos t ítulos respectivos dos parágrafos VI e VII do primeiro capítulo da Apolo -
gie pour l’ histoire ou M étier d’ historien, manuscrito inacabado escrito essencialmente
em 1942, publicado postumamente uma primeira vez em 1949, depois reeditado vá rias
vezes, especialmente em um Cahier des Annales, 3, Paris, Librairie Armand Colin, 1952,
e, muito recentemente, pela Gallimard: Bloch ( 2006) . As expressões: “ compreender o
presente pelo passado” e “ compreender o passado pelo presente” são dos subtítulos
acrescentados por Lucien Febvre, que resumem bem a tese do autor. Por conselhos de I
Peter Schõttler, um dos melhores conhecedores da obra de Marc Bloch , utilizei aqui a I
ï
versão publicada em 1997, por Armand Colin, anotada por Etienne Bloch e prefaciada ?
?
por Le Goff, mais próxima, parece, das notas manuscritas originais. î
&
?
*í
A GUERRA E O TEMPO POSTERIOR 12b
B
^^B
B
Marc Bloch critica aqui uma concepçã o puramente “ biológica” da
contemporaneidade que dependeria de um simples grau de proximida-
^^ B
B
de temporal entre os indivíduos e as gerações. É a consequência da sua
recusa da objetividade: por um lado, o tempo de hoje não é, em grande
Alguns, estimando que os fatos mais vizinhos de nós são, por isso mes-
mo, rebeldes a todo estudo verdadeiramente sereno, desejam simplesmente
poupar a casta Clio de contatos demasiadamente ardentes. Assim pensava,
imagino, o meu velho mestre. É, seguramente, atribuir- nos um fraco dom í-
nio de nossos nervos. É també m esquecer que, desde que as resson âncias
sentimentais entram em jogo, o limite entre o atual e o inatual está longe
de se regular necessariamente pela medida matem ática de um intervalo de
I tempo. [ Bloch, 1997]
I
ï
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&
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*í
126 A Ú LTIMA CAT Á STROFE
esta solidariedade das épocas teve tanta força, que entre eles os laços de
inteligibilidade têm verdadeiramente dois sentidos. A incompreensão do
A GUERRA E O TEMPO POSTERIOR 127
I
Desse modo, essas reflexões contribu íram para instalar de forma
permanente a história contemporânea no campo dos estudos historio-
gráficos, e é preciso considerar Marc Bloch, aqui também , como um
precursor? Nada é menos certo, ainda que Bloch, Febvre e esta primei-
I ' ra corrente dos Annales sem dúvida tenham contribuído para solapar
uma forma de ortodoxia na maté ria. A Apologia defende certa ética da
história em geral, inclusive a história próxima, mas sem erigir progra-
ma particular nem explicar como a disciplina deveria integrar a história
contemporâ nea, n ã o como procedimento heur ístico, mas como campo
de estudo específico. Não é simplesmente a tese do autor. Ora, uma coisa
é convidar um medievalista a estar atento ao seu tempo para compre-
ender o feudalismo, outra é pretender escrever com um mesmo grau de
rigor e de credibilidade uma história no calor do nazismo. Certamente,
pode-se ver em A estranha derrota um livro emblemá tico de história do
tempo presente, tanto mais que o autor mostra uma grande lucidez que
agrada aos historiadores, uma vez que ele parece ver o que eles mesmos
ver ão post facto na derrota de 1940. Isso significa, contudo, esquecer
que se trata aqui inicialmente e antes de tudo de um testemunho sobre
o seu tempo — Bloch introduz sua tese como “ uma deposição da tes-
—
temunha” , e não como um trabalho de historiador. Aliás, é interes-
sante notar que essa visão que faz de um testemunho contemporâ neo,
assumido explicitamente como tal por seu autor, um livro de hist ória do
tempo presente, se disseminou sobretudo nos 20 últimos anos, no con-
texto precisamente de uma fronteira cada vez mais incerta entre a tes-
temunha e o historiador. Ora, como lembra Gé rard Noiriel, Marc Bloch
nunca confundiu os dois: “ o julgamento severo que ele faz sobre a so-
ciedade francesa em A estranha derrota nã o é senão o ponto de vista de
128 A Ú LTIMA CAT Á STROFE
Depois do nazismo
Arendt ( 1972 ) . A primeira edição desses ensaios foi publicada em 1961 com o título
55
56
Ibid., p. 15 e 16. A citação de René Char foi retirada dos Feuillets d’ Hypnos, §62 (1946).
A GUERRA E O TEMPO POSTERIOR 131
57
Ver o texto póstumo: Ringelblum (1959 ). Ver também o estudo mais recente sobre o
tema: Kassow ( 2011 ).
58
Sobre as origens do CDJC, ver Poznanski (1999:51-64).
A GUERRA E O TEMPO POSTERIOR 133
59
Evoco, claramente, as teses de Yerushalmi (1984 ) .
60
Sobre esta história, ver Lagrou (1999- 2000:191- 215). Ver também seu estudo compa
rado da França, dos Países Baixos e da Bélgica: Lagrou (2003).
134 A ÚLTIMA CATÁ STROFE
A histó ria não se escreve somente a partir dos atos oficiais e dos documen -
tos dos arquivos. Se quisermos que a posteridade tenha noção das provas
que o nosso povo atravessou e superou durante esses anos de guerra, preci -
—
saremos justamente de testemunhos mais modestos um diá rio, as cartas
de um trabalhador do STO na Alemanha, uma série de prédicas de um pas-
tor ou de um padre. Somente o ac ú mulo de uma grande quantidade desse
material simples e cotidiano permitirá pincelar com toda sua profundidade
e brilho o quadro da nossa luta pela liberdade.61
Esse apelo mostra até que ponto a vontade de constituir uma história
e uma memória desse conflito fora do normal constituiu um elemento
essencial da própria cultura de guerra. É preciso insistir nessa extraor -
dinária situação em que um representante de um governo em exílio,
a alguns meses da abertura de um novo fronte chamado a libertar a
Europa ocidental, se preocupa com a maneira pela qual a história dessa
Citado Stroom (1989:75-76) . Trata -se da edição científica das ( três) diferentes versões
61
I guerra será escrita? Esse apelo foi entendido por Anne Frank, que o cita
t em seu Diário:
Cara Kitty,
Ontem à noite, o ministro Bolkestein disse na Rádio Orange que no fim da
guerra se faria uma coleção de diá rios e de cartas sobre esta guerra. Eviden -
temente, eles se lan çaram ao meu diá rio. Pense como seria interessante se
eu publicasse um romance sobre o Anexo, só pelo título as pessoas iriam
imaginar que se trata de um romance policial. Não, mas com seriedade,
cerca de dez anos após a guerra, certamente já terá um efeito estranho nas
pessoas contar a elas como nós, judeus, vivemos, nos alimentamos e con -
versamos aqui. Ainda que eu fale muito de nós, tu sabes muito pouco das
coisas da nossa vida.62
62
Ibid., p. 616. O Anexo menciona o sótão em que se escondia a fam ília de Frank. Re-
produzi aqui o texto da primeira redação do Diário.
63
Para um breve resumo dessa história, ver o site do herdeiro do Netherlands Institute
for War, Holocaust, and Genocide studies ( Niod ): < www.niod.knaw.nl > . Ver também
Stoop ( 1986:455-465) e, sobretudo, Hirschfeld ( 2005:141-157). Ver também Lagrou
( 2003:77- 78).
136 A ÚLTIMA CATÁ STROFE
64
Chabord (1982:5- 19). Ver também Douzou ( 2005). O autor mostra que alguns resis-
tentes franceses também visaram, durante a guerra , uma escrita da sua história. Con -
tudo, a obra não alude ao contexto europeu da criação do CHGM, nem ao papel deci-
sivo que este último desempenhou na internacionalização dessa historiografia nos anos-
1960. Encontra -se o mesmo viés de uma história centrada na França em Douzou ( 2008 ) .
A GUERRA E O TEMPO POSTERIOR 137
se para a histó ria recente se fez uma exceção, é porque as circunstâ ncias
eram percebidas como excepcionais: a urgê ncia da coleta de documentos e
138 A ÚLTIMA CATÁSTROFE
Dessa vez, já não estamos unicamente na urgê ncia cívica de uma his -
tória no calor da cat ástrofe e de uma resposta a uma legítima demanda
—
social — que ele, apesar de tudo, lembra , mas no enunciado de um
fundamento epistemológico que diz respeito à história do tempo pre-
sente enquanto tal. Sim , essa hist ória se insere no âmbito do provisório,
do inacabado, mas, diz- nos Lucien Febvre, isso é próprio de toda disci-
plina, pois toda escrita histórica pertence ao provisório, pelo menos não
pode pretender enunciar postulado ou verdades que não sejam revisá -
veis com o tempo. A demasiada precocidade do evento nã o pode assim
em nada constituir uma objeçã o válida. Ele chega a ir mais longe ao afir -
mar que negligenciar essa forma de história seria para a disciplina uma
— —
forma de “ suicídio”, pois a tese est á implícita se não são historia -
dores profissionais que respondem à demanda, outros e com intenções
sem d úvida menos louváveis ocuparão o terreno, e aliás já o ocupam.
É verdade, contudo, que boa parte do trabalho deste Comité con -
siste de início na coleta das fontes primárias, “ uma documentação para
os historiadores da próxima geração”, como diz Henri Michel em 1949,
A GUERRA E O TEMPO POSTERIOR 141
* objetivos prioritá rios. Para ser mais preciso, há uma espécie de divisão
65
Rémond (1967:43) . Ver a citação no capítulo seguinte. Neste artigo, o autor faz, por
outro lado, o elogio do CHGM.
142 A Ú LTIMA CATÁ STROFE
do Comité são em sua maioria homens que a última guerra marcou no mais
profundo do seu ser com uma marca indelével.66
66
Poliakov (1956:19-22). Léon Poliakov publicou, seis anos após o fim da guerra, uma
das primeiras sínteses em escala internacional sobre a história do genocídio a partir dos
arquivos do processo de Nuremberg: Poliakov (1951).
144 A Ú LTIMA CAT Á STROFE
Outra diferença entre as duas guerras merece ser lembrada, pois ela
desempenhou um papel essencial para se levar em consideração uma nova
forma de contemporaneidade. A necessidade de se confrontar com a am -
plitude dos crimes cometidos pelos nazistas, fascistas e seus colaboradores
constituiu uma questão essencial desde a época do conflito, uma vez que a
punição dos criminosos de guerra foi um dos objetivos de guerra declara -
dos pelos Aliados. Essa particularidade resultou nos primeiros grandes tri-
bunais internacionais da história, os de Nuremberg e de Tóquio, momen -
67
Ver os primeiros n ú meros do Bulletin du Comité International d’ Histoire de la Deuxiè me
Guerre Mondiale, inicialmente redigidos apenas em francês, depois em inglês e em
francês, editado sob a égide do CHGM até 1978, depois do IHTP, que foram as suas
sedes sucessivas, ficando a cargo dos franceses até 2010 a secretaria -geral ( Henri Michel:
1967-80, François Bédarida: 1980 - 90, Henry Rousso; 1990- 2000, Pieter Lagrou 2000 -
10 ). Desde 2010, a função é assumida por Chantal Kesteloot, do Centro de Estudos e
de Documentação Guerra e Sociedades Contemporâneas (Ceges/Soma ) de Bruxelas, *
sucessor do Centro belga (CPEHSGM ), criado em 1967.
?
I
A GUERRA E O TEMPO POSTERIOR 145
não somente entre potências rivais, mas entre sistemas ideológicos cuja Î]
P
de papel na legitimação do regime: a amplitude desse apoio ideológico
continua a ser um objeto de disputas à medida que participa das con -
trovérsias recorrentes sobre a interpretação do passado nazista. De uma
l maneira geral, o grande desenvolvimento da história contemporâ nea na
í Alemanha Federal após 1945 foi a consequê ncia quase evidente do peso
fv
considerável das sequelas do nazismo.
r-
t- No fim dos anos quarenta e dos anos cinquenta, os estudos eruditos sobre
o tempo presente eram inicialmente percebidos como uma consequê ncia
da experiência alemã do nazismo. No campo da pesquisa histó rica, assim
J **
como em outros campos acadê micos, o Terceiro Reich tinha interrompido
uma continuidade. Entre os historiadores, um consenso se formou sobre o
I fato de que eles deviam apoiar todas as tentativas de investigar e interpretar
o reino do nacional -socialismo. [ Frei, 1988:123]
Foi uma inven çã o, com efeito, à medida que a maior parte dos historiadores
percebia a institucionalização da história contemporâ nea como o ponto de
partida puro e simples de uma prática habitual em direção de algo decidi -
damente novo. Martin Broszat, por exemplo, que se tornará posteriormente
um dos mais eminentes historiadores da República Federal, sublinhou a í -
novidade desta subdisciplina: “ o termo história contemporâ nea e a prática
da pesquisa e do ensino em história contemporâ nea foram estabelecidos, na
Alemanha, unicamente após 1945”.69
69
Conrad ( 2010:125). A citação de Martin Broszat , que foi o diretor nos anos 1980 do
Institut f ü r Zeitgeschichte e um dos fundadores da escola dita “ funcionalista”, é retirada
de: Broszat (1957:529-550).
A GUERRA E O TEMPO POSTERIOR 149
70
Citação retirada do histórico do IfZ em seu site: < www.ifz- muenchen.de/geschichte.
html? &L= 2 > . Acesso em: dez. 2011. Sobre a história dessa prestigiosa instituição, ver
Mõller e Wengst (1999).
150 A ÚLTIMA CATÁ STROFE
71
Bulletin du Comité International d’ Histoire de la Deuxème Guerre Mondiale, n. 1, p. 3,
fev. 1968.
72
Nú mero citado por Le Moigne ( 2004:186-192 ) .
A GUERRA E O TEMPO POSTERIOR 151
I
dos especiais que era preciso elaborar — , podia também ser compreendida
como uma maneira de separar o nacional-socialismo do contínuo da his-
tória alem ã. Ademais, o apelo a institutos de pesquisa particulares que im-
plicavam que o nacional - socialismo não podia ser apreendido com base em
um conhecimento da história alemã e das suas tradições, mas unicamente
como um fen ômeno sui generis. [ Conrad, 2010:124-125]
—
dada assim como o nazismo que lhe era a causa principal como —
um fenômeno efetivamente sui generis. Pode-se enfim acrescentar que
essa maneira de conceber o evento como excepcional não faz senã o
acusar a si própria com o tempo, e sobre pressupostos morais e políti-
cos inversos ao que Sebastian Conrad sugere para o pós-guerra imedia -
to. No momento em que a historiografia do Holocausto teve um desen -
volvimento exponencial nos anos 1980 - 90, in ú meros são aqueles que
defenderam que o assunto fosse, também nesse per íodo, tratado em
lugares específicos, com métodos singulares e objetivos particulares,
dessa vez em nome da singularidade radical do evento, assumindo-se o
risco muitas vezes denunciado de isolar o genocídio dos judeus de toda J
visã o histórica de conjunto.
A hipótese de Sebastian Conrad tem , entretanto, o mérito de mostrar
até que ponto a singularidade proclamada da Zeitgeschichte, por repou -
sar em grande parte sobre elementos cient íficos tangíveis, não resulta,
por isso, menos de um contexto político e cultural muito particular,
como mostra a definiçã o, tornada clássica, que lhe d á Hans Rothfel, o
primeiro diretor do instituto de Munique:
dos anos 1917 -1918 uma nova época da histó ria universal começou a se
formar. As suas raí zes chegam às tendências pesadas da política imperialista
e da sociedade industrial cujo tratamento não deve ser exclu ído [...] pela
escolha de um limite cronológico mecâ nico. Contudo, mesmo da Primeira
Guerra Mundial, por mais revolucionária que tenha sido a sua irrupção e
por mais forte que tenha sido o choque para a seguran ça, poder-se-ia dizer
legitimamente que ela n ão foi sen ão um conflito de Estados- Nações au-
mentado em escala mundial. É apenas com o duplo acontecimento singu -
larmente combinado da entrada em guerra dos Estados Unidos e da defla -
gração da Revolução Russa que a constelação se tornou realmente universal
e que um conflito de povos e de Estados se torna ao mesmo tempo um con -
A GUERRA E O TEMPO POSTERIOR 153
73
Hü rter e Woller ( 2005). Ver também Wirsching ( 2011) .
74
Ver especialmente Berg ( 2003), que suscitou uma acirrada controvérsia pelas acusa -
ções que faz. Ver também Sch õttler (1997), um dos primeiros a ter levantado a dif ícil
questão; Solchany (1997), Husson ( 2000).
154 A ÚLTIMA CATÁ STROFE
I 1950 - 60 a rela ção dos alemães com a sua história, e que acabou por
—
difundir-se com variantes como o “ dever de memória” —em quase
156 A ÚLTIMA CAT Á STROFE
75
Ver a obra de referência do historiador Norbert Frei (1997), que começou a sua car-
reira no I f Z , nos anos 1980, sob a direção de Martin Broszat , e se voltou muito cedo para
uma história da memória. Ver também Gaudard (1997). Para uma perspectiva mais
ampla sobre o passado e a memória alemã, ver François e Schulze ( 2007).
76
Orwell, Tribune, 4 fev. 1944, citado por Novick ( 1988:290).
A GUERRA E O TEMPO POSTERIOR 157
77
Sobre o papel de Franz Neumann no OSS, ver Salter ( 2007 ) .
158 A ÚLTIMA CATÁSTROFE
78
Krugler ( 2009:59-75), um artigo original sobre um tema desconhecido. Sobre um
tema próximo, ver Frankland (1998 ), memó rias de um antigo piloto da Royal Air Force,
que se tornou diretor da Imperial War Museum de 1960 a 1982.
79
O estudo mais conhecido do gênero, talvez o primeiro, é o de Terkel (1984) .
80
Sobre a história da história oral, ver, em francês: Joutard (1992:13-32) e Descamps
( 2001).
A GUERRA E O TEMPO POSTERIOR 159
81
Novick (1988:310 ) . Ver também Werth ( 2001:878-896) .
160 A Ú LTIMA CATÁ STROFE
O tempo dessincronizado
82
Ver Jarausch ( 1991) . Ver também Berger (1995:187 - 222 ) .
A GUERRA E O TEMPO POSTERIOR 161
—
verdadeira a ção retroativa sobre o passado processos tardios, indeni-
zações, desculpas nacionais, novos monumentos, novas comemorações
— que diz respeito exclusivamente ou quase às vítimas inocentes pre-
sumidamente esquecidas do pós-guerra, inicialmente os judeus vítimas
do Holocausto e, posteriormente, por quest ão de igualdade, os rons,
os trabalhadores forçados, os homossexuais, os prisioneiros de guerra
etc. Entre a memória do evento tal como se desenvolve no pós- guerra e
meio século após, não há somente uma diferença de conte údos, há uma
Vários trabalhos recentes põem em questão essa ideia: sobre o caso americano, ver
83
tem, que sintam ainda uma parte do impacto emocional, que carreguem
a responsabilidade moral por ela e que assumam uma parte do seu custo *
material. Em 1945, procurou-se abolir o espaço das experiê ncias dife-
renciadas da guerra; nos anos recentes, tentou -se abolir seu horizonte
de espera, uma vez que as nossas gerações já não representam o futuro
das gerações da guerra, a esperança de um mundo melhor para os seus
filhos, mas permanecem mergulhadas, em parte, em um traumatismo u
transmitido e mantido de uma catástrofe que elas não viveram. h
II
â;
k
ir
t
F
II pela história dessa guerra em particular, e pela hist ória do passado pró -
ximo em geral tanto no mundo acadêmico quanto no espaço público.
;
Nos últimos 30 anos, o “ presente” se tornou o regime de historicidade
dominante: falar de hist ória na literatura, no cinema, nas manifestações
culturais ou patrimoniais, e sobretudo nos debates políticos, é falar com
frequê ncia prioritariamente, se não exclusivamente, do passado próxi-
mo para se afastar dele, para julgá -lo, para repará-lo. As imagens das
catástrofes que se sucederam desde 1914 passam repetidamente em
nossas telas e formam um elemento determinante do imaginário con -
temporâ neo, ao passo que as imagens mais distantes parecem desbotar,
ou pelo menos perder seu caráter presente a sua força estruturante de
166 A ÚLTIMA CAT Á STROFE
—
uma identidade coletiva. Pior ainda, se é lícito dizer, este “ presente”
—
que cobre em verdade a duração do último século adquiriu de fato o
status de medida para apreender outros períodos da história aos quais
se aplicam categorias contemporâneas, como quando uma lei francesa
de 2001 qualifica retroativamente a escravidão e o comércio escrava -
gista ocidental como “ crimes contra a humanidade”. Nesse contexto,
assistiu -se a uma mutação profunda do equilíbrio da disciplina, uma
vez que a história do tempo presente, qualquer que seja a sua denomi-
nação, ocupa agora em n ú mero de estudantes, em temas de tese, em
superfície institucional, editorial ou midiática uma posição claramente
maior, se comparada à história moderna, medieval ou antiga. Quais são
as ligações entre as duas coisas? Como explicar essa mudança, variável
segundo os lugares e as modalidades? Neste capítulo, o caso francês foi
um pouco mais privilegiado que os outros. Se a Zeitgeschichte alemã, a
despeito das ambiguidades, desempenhou um papel essencial no surgi-
mento de uma história contemporâ nea após 1945, a história do tempo
presente francesa, sem ser um modelo do mesmo gênero, ilustra, con -
tudo, muito bem o fim das últimas reticê ncias epistemológicas em vista i
ele que foi após 1918 uma figura emblemática de uma nova abordagem
da contemporaneidade. Contudo, após a Segunda Guerra Mundial, ele
adotou posições bem mais conservadoras, a dar crédito a René Girault,
um dos jovens historiadores da época que seguiu seus ensinamentos.
m
frontar com a história do partido comunista” ( Blum e Vaccaro, 2007:73). 1
F
r existência se justifica por questões de urgência moral e ética, e a Univer-
sidade em sentido amplo que tem como tarefa desenvolver os cânones da
P
disciplina, os quais pouco se preocupam com uma história mais recente.
I
P Quando, antes da guerra, a darmos crédito ao estudo citado de Henk Wes-
1 '
seling, a revista Annales deu a esta última uma grande atenção e se dedicou
â encontrar uma nova dinâmica entre passado e presente, ela parece, após
1945, abandonar esse campo: até 1977, a história dos séculos XIX e XX
i ocupa de maneira estável cerca de 16% do n ú mero de páginas, ao passo
, que a história dita então “ imediata”, que ocupava cerca de 22% do volume
antes da guerra, diminui regularmente até não ocupar senão 6%.84 A esse
I respeito, o historiador neerlandês não concede vantagem a nenhum dos
« protagonistas, alegando que, não conseguindo a historiografia do contem -
porâneo dissociar-se da mais tradicional história política e manifestando
J um desinteresse pelos avanços da escola dos Annales, esta abandonou o
| campo. O argumento convence apenas em parte, pois isso não explica por
I que nesse grupo e quando a historiografia francesa conhece um período
f de grande influência, não se desenvolve um programa capaz de permitir a
!: escrita de uma outra história próxima que não fosse política ou de aconte-
M- cimentos. Os primeiros cientistas de crédito que advogaram em favor de
1 uma história contemporânea apareceram, contudo, no fim dos anos 1930,
m
1 como vimos no capítulo precedente, no mesmo momento da criação dos
Annales, em 1929. Ora, é definitivamente meio século mais tarde, nos anos
1970, que essa preocupação encontrará um lugar na École des Hautes Étu-
des en Sciences Sociales ( EHESS), herdeira da Sexta Seção da École Prati-
que des Hautes Études ( Ephe), criada e dirigida por Lucien Febvre, depois
por Fernand Braudel, em um contexto em que toda a disciplina está se in-
teressando pela questão. Nos anos 1950-60, há realmente um abismo entre
—
uma historiografia medieval e moderna inclusa a Revolução Francesa
— reconhecida, e criando novos paradigmas ( a longa duração, a história
84
Wesseling ( 1978:185 - 194) . Ver também Dosse ( 1987:46- 47 ) .
170 A ÚLTIMA CATÁ STROFE
A boa política, a atitude viril é reagir contra eles, suportá - los pacientemente
desde o começo, e sobretudo julgá -los pelo seu valor, por vezes tão irrisório,
pois os grandes acontecimentos apagam-se com rapidez, sem deixar nunca
após si as importantes consequências anunciadas. Basta pensar no destino
de tantas vitórias brilhantes ou de tantos grandes discursos políticos! Que
A CONTEMPORAN ElDADE NO CERNE DA HISTORICIDADE 171
resta deles dois ou três meses depois? E o que reterá a história em cinquenta
anos, em bloco, do nosso tempo tão inquieto, monstruosamente preocupa -
do consigo próprio?85
Quanto a mim, lutei muito, no curso do meu cativeiro assaz sombrio, para
escapar à cró nica dos anos difíceis ( 1940-1945). Recusar os acontecimentos
e o tempo dos acontecimentos, era colocar-se à margem, ao abrigo, para 1
olhá -los um pouco de longe, julgá -los melhor e não acreditar demais. Do 1
tempo curto, passar ao tempo menos curto e ao tempo muito longo (se exis -
te, este último n ã o pode ser sen ão o tempo dos sábios ); e depois, chegado a
esse termo, parar, considerar tudo de novo e reconstruir, e até mesmo girar
tudo em torno de si: a operação que deve tentar um historiador. [ Braudel,
1958, retomado em Braudel, 1997:223]
O que é de fato um grande acontecimento? Não aquele que tem mais reper-
cussão no momento [...] , mas o que leva às mais numerosas e mais impor-
tantes consequências. As consequê ncias não se produzem imediatamente,
elas são filhas do tempo. Daí as múltiplas vantagens que há em observar
uma época com um grande recuo. É igualmente uma vantagem apreender
alinhamentos de fatos, n ão como pontos, mas como linhas de luz. É impor-
tante, ao estudar um drama, conhecer a sua última palavra.87
88
Ibid.
174 A ÚLTIMA CAT Á STROFE
com fraco ritmo de evolu çã o, nem em que esse mé todo pode ser apli-
cado para compreender um século, o seu, marcado precisamente pela
acelera ção de um tempo particularmente móvel. Em realidade, se o
conceito de longa dura ção permite compreender a temporalidade pró -
pria do Ocidente medieval ou moderno até as prim ícias da Revoluçã o
Francesa, ele mostra pouca pertinência para analisar as sociedades de
massa contemporâ neas, marcadas pela velocidade e pela sucessã o de
acontecimentos constru ídos e percebidos como outras tantas rupturas
em uma continuidade histórica que perdeu a sua legibilidade. Da í a
escassez dos trabalhos fundados no conceito de longa duração que te-
nham permitido uma inteligibilidade melhor do século XX, ainda que
o termo às vezes seja agitado como um chocalho. Este pertence menos
a um conceito heur ístico do que à interpreta çã o de uma conjuntura,
ainda que milenar, que n ã o é nem eterna, nem universal.
Pode-se, aliás, duvidar de que Fernand Braudel, para alé m das postu -
ras de distinção e de combate, não o tenha compreendido intimamente.
Em janeiro de 1957, a Revue d’ Histoire de la Deuxiè me Guerre Mondiale
dedica um primeiro n ú mero especial ao cativeiro no qual Braudel aceita
fazer uma introdu ção baseada nas recorda ções da sua própria experiê n - I
cia. É uma nova passarela entre os historiadores do CHGM, um lugar
dedicado à abordagem dos acontecimentos, se de fato o foi, e à aristo -
cracia da disciplina. Rendendo homenagem à equipe de Henri Michel,
Fernand Braudel escreve:
Como Lucien Febvre disse frequentemente e como repetirei, agora que ele
j á n ão está aqui: a história é o estudo do passado, certamente, mas também
uma explicação do presente em que vivemos. Os advogados que preconi-
zam a necessidade do recuo para o historiador se enganam, em parte, sobre
a própria essência do nosso ofício: em todo caso, eles deixam deteriorar-se a
maior parte da matéria - prima da história, de um tempo do qual emergimos
e que continua, com efeito, a pesar sobre nós. [Braudel, 1957:3-5]
>
K
$ A CONTEM PO RAN El DADE NO CERNE DA HISTORICIDADE 175
Ele gostava de dizer, por brincadeira, que não era especialista em histó ria
contemporâ nea; mas nenhum campo de pesquisa lhe permaneceu estranho
por muito tempo, e sua perspectiva aguçada, sua ampla experiência dos
homens e da coisas, lhe permitiam descobrir rapidamente, e ampliar, os
caminhos nos quais convinha investir. Que os contemporâneos devam por
primeiro, tão logo extintas as suas paixões, dar a sua versão dos aconteci -
mentos dos quais eles foram os autores, ou simplesmente testemunhas, lhe
parecia por demais evidente, para o maior proveito das gerações vindouras,
para que o passado mais próximo delas pelo tempo n ão fosse também o que
elas conhecessem menos e n ão lhes ficasse estranho. Se, nesta Revue, os te-
mas mais ardentes do segundo conflito mundial foram por vezes abordados,
se as paisagens humanas mais atormentadas da nossa época se seguem por
I
vezes aí, clarificadas pelo historiador, é a Lucien Febvre que o devemos.89
89
Lucien Febvre (1878-1956). Revue d’ Histoire de la Deuxième Guerre Mondiale, n. 25, p.
2, jan. 1957. Esse texto foi escrito sem d úvida nenhuma por Henri Michel.
176 A ÚLTIMA CAT Á STROFE
90
Fernand Braudel (1997:196-197). Sobre esse debate, ver o livro fundamental de Fran -
çois Dosse ( 2010) , que recorta várias das problem áticas abordadas aqui, que discutimos
juntos há muito tempo.
A CONTEMPORANEIDADE NO CERNE DA HISTORICIDADE 177
Mas o que não daria o viajante da atualidade para ter este recuo (ou este
avanço no tempo), que desmascarasse e simplificasse a vida presente, con -
fusa, pouco legível porque cheia demais de gestos e de sinais menores?
Claude Lévi-Strauss pretende que uma hora de conversa com um contem -
porâneo de Platão o informaria, mais do que nossos discursos clássicos,
sobre a coerência ou a incoerência da Grécia antiga. Estou plenamente de
acordo. Mas é que ele ouviu, durante anos, cem vozes gregas salvas do silê n -
1
cio. O historiador preparou a viagem. Uma hora na Grécia de hoje n ão lhe
ensinaria nada, sobre as coerê ncias ou as incoerências atuais.
91
Ibid., p. 207. As palavras são sublinhadas pelo autor. A citação de Lévi-Strauss é do seu
artigo “ Diogène couché”, v. 7, n. 2, p. 253, 1957.
178 A ÚLTIMA CAT Á STROFE
i
amplamente, aliás, para isso: “ o artigo teve alguma repercussão e as re-
*t ações n ão foram todas positivas: defender, em 1957, que os historiado-
r
I
estrangeiro, sobretudo nos Estados Unidos ou na Alemanha, onde essa
I -
história já está bem estabelecida, nem leva em conta o fato de que uma
l
das correntes dominantes da historiografia da época não vê nela nenhu-
i
ma temeridade intelectual, mas a manifestação de uma história política
I dos acontecimentos caída em descrédito. De fato, a apologia de René
i
Rémond não dissocia história contemporâ nea e história política. Ele
confirma assim involuntariamente o laço consubstanciai que existiria
entre as duas e parece defender de maneira simétrica muito exatamente
o que Braudel e a corrente dos Annales continuam a estigmatizar.
No fundo, René Ré mond censura às revistas científicas e aos manu -
:
92
Rémond (1*972:41). Agradeço a Olivier B ü ttner por ter chamado a minha atenção para
esse artigo.
A CONTEMPORANEIDADE NO CERNE DA HISTORICIDADE 1
1 '
93
Remeto, sobre esse ponto, ao meu estudo: Rousso (1992:549-620).
188 A ÚLTIMA CAT ÁSTROFE
Na Grã- Bretanha, a situa ção evolui nos anos 1960, após o declí nio
do Impé rio Colonial, em um contexto em que domina a quest ã o do
lugar dos europeus em um mundo percebido cada vez mais como
“ globalizado”. Como alhures, ela se realiza inicialmente fora ou nas
margens do establishment. Em 1964, o historiador Geoffrey Barra -
clough publica uma Introduction à Vhistoire contemporaine , que se
tornar á nos anos seguintes a referê ncia sobre o tema no mundo an -
A CONTEMPORANEIDADE NO CERNE DA HISTORICIDADE 189
94
Barraclough (1964). Refiro - me aqui à edição de bolso de 1967 e a uma tradução pes -
I soal. Agradeço a Martin Conway por ter chamado a minha aten ção para essa obra,
quase nunca citada na historiografia francesa mesmo tendo sido traduzida em 1967
pela editora Stock.
190 A Ú LTIMA CAT Á STROFE
Esses exemplos são suficientes para mostrar que a histó ria contemporâ nea
—
n ão significa como os historiadores fizeram por vezes entender com des-
prezo — nada diferente de arranhar a superfície dos acontecimentos recen -
:! tes e interpretar mal o passado à luz das ideologias do momento. Mas eles
mostram també m — o que é fundamentalmente mais importante — por
que n ão podemos dizer que a história contemporâ nea “ começa” em 1945
ou 1939, ou 1917, ou 1898, ou em uma outra data qualquer que podemos
escolher. [...] [Certamente] , os anos imediatamente anteriores e posteriores
a 1890 constituí ram uma virada importante; mas far íamos melhor tendo
cautela com datas precisas. A história contemporânea começa quando os pro -
biemas que pertencem à atualidade no mundo de hoje tomaram pela primei -
ra vez uma forma visí vel; ela começa com as mudan ças que permitem , ou
antes que nos forçam a dizer que entramos em uma nova era o tipo de
mudan ças [...] que os historiadores colocam em evid ê ncia quando traçam
um risco que separa a Idade Média e os tempos “ modernos” na virada dos
séculos quinze e dezesseis. Assim como as raí zes das mutações do Renas-
cimento podem remeter à It ália de Frederico II , també m minhas raí zes do
presente podem se situar t ão longe como no século dezoito. [ Barraclough,
1964:20, passagens sublinhadas pelo autor ]
—
estrutural como na sua particularidade conjuntural ainda que ele in-
sista mais neste segundo aspecto, pertencendo o contemporâ neo, afinal
I de contas, a uma nova periodização, quaisquer que sejam seus argu -
mentos para se afastar dessa herança positivista.
Geoffrey Barraclough foi considerado um iconoclasta. Comentando
os seus escritos, A. J. R Taylor, uma das figuras tutelares da historiografia
inglesa, nota “ que é uma coisa dizer que o passado muda à luz do pre-
sente, outra é dizer que o próprio passado muda”, uma boa ilustração da
persistência do paradigma objetivista que é precisamente denunciado
por Barraclough (Taylor, 1956, citado por Dewar, 1994:457). Este desen -
volve um ponto de vista muito pessoal sobre a história contemporâ nea
—
que surge retrospectivamente e para seguir o seu próprio método —
como um delineamento do que vai desenvolver-se nos anos 1970. Ele
chegou a incr íveis antecipações: mais de uma década antes das teses de
Jean -François Lyotard, ele desejaria qualificar a sua época como “ pós-
- moderna” para distingui -la do per íodo “ moderno”, que teve seu fim,
segundo ele, nos anos 1940, do mesmo modo em que esta última foi
forjada para se distinguir da Idade Média ( Barraclough, 1964:23). Ele
vê aí um momento “ climaté rico”, no sentido de per íodo crítico, desen -
volvendo uma espécie de presentismo radical: “ ninguém tem um dever
para com os mortos mas sim com os vivos”, um modo de lembrar que o
mundo posterior a 1945 é um mundo de sobreviventes.95
95
Barraclough (1955), citado por Dewar (1994:457). No que tange à pequena história,
Geoffrey Barraclough participa, em 1978, da redação do relatório da Unesco sobre o es-
tado das ciências sociais. Ele ficou encarregado da história e é ladeado por Paul Ricoeur,
que redige a parte sobre a filosofia e... Jean - François Lyotard encarregou -se da parte
sobre a psicanálise: Havet (1978 ).
192 A Ú LTIMA CATÁ STROFE
e em outros lugares, não pode evitar que os segredos de Estado, pelo me-
nos nas democracias, sejam espalhados ao fim de alguns anos. Quanto à
ausência de recuo, não há pertinê ncia, uma vez que se abandona o credo
objetivista. Esses dois contra-argumentos serão constantemente retoma-
dos nos anos seguintes em todo lugar em que se desenvolve uma historio-
grafia do tempo presente. Mais original, não somente a nova revista não
nega o risco de uma escrita envolta nas paixões do tempo, mas assume
plenamente, e mesmo o reivindica como um postulado ético:
da ardentes, que fizessem referê ncia a uma contrové rsia atual” ( Historical
Review ) . O Journal of Contemporary History, ao contrário dos seus prede-
cessores mais distintos, mesmo nã o buscando de maneira ativa a contrové r -
sia, certamente n ã o a evitará. Não fugirá diante das questões sempre pen -
dentes que tocam o passado recente. “ Acadêmico” n ão é e n ão deve ser sob
nenhum pretexto sin ó nimo de “ neutralidade”, “ n ão controverso” ou “ n ão
pertinente ao olhar do mundo de hoje” 96
-
1
í-
96
EDITORIAL note. Journal of Contemporary History, v. 1, n. 1, p. iii-vi, jan. 1966.
194 A ÚLTIMA CAT Á STROFE
97
Woodward ( 1966:13). No ano seguinte, sob a direção de Walter Laqueur e George
Mosse, a revista dedica um n ú mero inteiro ao estado da histó ria contemporâ nea no
mundo: “ History today in USA, Britain, France, Italy, Germany, Poland, India, Czecho-
slovakia, Spain, Holland, Sweden”, v. 2, n. 1, jan. 1967.
í
A CONTEMPOR ANEIDADE NO CERNE DA HISTORICIDADE 195
B são cujos indícios são bem conhecidos e deram lugar a uma literatura
B abundante: emergência da memória como nova categoria intelectual,
social e cultural, multiplica ção das comemorações, patrimonialização
B diversificada, sucesso da literatura ou do cinema com componente
B histórico, onipresen ça da história nos canais de televisão e, há uma
B década, explosão dos sites online ou dos fóruns de discussão dedi -
1 cados à história. Contudo, essa paixão de novas caracter ísticas pela
—
B história ou pela memória dois termos que vão confundir-se pouco
—
B a pouco no senso comum vai concentrar-se progressivamente no
B passado recente, e dirá respeito de maneira privilegiada às grandes
B catástrofes do século XX e do século XXI, objetos quase exclusivos das
grandes polêmicas e das “ políticas do passado” h á duas décadas. Esse
interesse cresce consideravelmente após 1989 em uma escala mundial:
8 nos países da Europa central e oriental que tiveram uma transição de-
8 mocrática, nos países da América Latina liberados das ditaduras, em
uma África do Sul liberada do apartheid , ou ainda em muitos países
continuamente marcados por heranças coloniais, assim como na Ar-
gélia ou na Coreia do Sul. Mas esse fenômeno começou muito antes
e constitui uma evolu çã o mais profunda do que apenas os efeitos da
queda do Muro de Berlim.
196 A Ú LTIMA CATÁ STROFE
uma outra visão da Idade Média, muito afastadas das formas habituais
das obras históricas de grande difusão. Esses autores se beneficiam do
contexto geral de apetite pela cultura sob todas as suas formas, que carac-
teriza o período posterior aos acontecimentos de 1968. Busca-se na leitu-
ra da história uma forma relativa de mudar de ares, ainda que comece a
despontar a dimensão de identidade e, portanto, uma preocupação anco-
rada no presente. São testemunhas disso o Montaillou de Emmanuel Le
Roy Ladurie, publicado em 1975 por Pierre Nora pela Gallimard e subti-
tulado chamativamente de “ vila occitana”, em plena tendê ncia regionalis-
ta, ou ainda, uma década mais tarde, a evolu ção de um Fernand Braudel,
que publica, em 1986, a sua última grande obra dedicada à L’ identité de la
France. No mesmo ano, um dos principais historiadores dessa corrente,
Georges Duby, é nomeado presidente da Sociedade Europeia de Progra -
mas de Televisão (Sept ), primeiro canal de televisão quase inteiramente
dedicado a programas culturais e ancestral do canal franco-alemão Arte.
É um sinal indubitável da import â ncia que a História e os historiadores
tomaram como vetores de uma nova cultura contemporâ nea de massa,
uma História vivida aqui como referente positivo, uma ancoragem em
um mundo em que as balizas temporais est ão se movendo.
proclamados, da história próxima. Forma -se assim nos anos 1970 uma
interrogação que nã o vai cessar de crescer sobre a dimensã o mort ífera
do século, muito diferente a meu ver do atrativo da história medieval
ou moderna, ou ainda da herança da Revolu ção Francesa, que ocupará
os franceses na ocasiã o do Bicenten á rio de 1989. Ela nã o pertence ao
registro da positividade, a de tradições reatualizadas e reivindicadas, a
de uma hist ó ria exemplar da negatividade, a de um passado que tomou
a forma de um fardo que se deverá medir para o enfrentar ou tentar li -
vrar-se dele. Contrariamente a certa doxa formulada na sequ ê ncia das
reflexões de Pierre Nora no fim dos Lieux de mé moire sobre a “ era da
comemoração”, ou de François Hartog sobre a quest ão do presentismo,
penso que não se pode compreender o regime de historicidade dessas
três ú ltimas décadas se nã o se leva em considera çã o a forte tensão,
variável segundo os lugares e os momentos, entre esses dois polos. A
presença obsessiva do passado na qual vivemos não constitui somente
uma pê rda da tradição, uma ruptura desconsiderada do passado, uma
inconsciê ncia quase prometeica que encerraria as sociedades pós- mo-
dernas, e talvez até “ pós- pós- modernas”, em um presente perpétuo, e
nos faria assim consumir a história como se consome alta tecnologia.
Ela constitui també m, talvez até mais, a necessidade imperiosa de se
i A CONTEMPORANEIDADE NO CERNE DA HISTORICIDADE 199
f
B libertar do peso dos mortos, das dezenas de milhões de mortos, das
I destruições sem precedentes ocasionadas pela loucura humana e nao
I por uma fatalidade qualquer. Daí esta outra tensão entre exigência da
I lembrança e necessidade do esquecimento que caracteriza os debates
I recentes em torno das últimas catástrofes do século.
I É nesse contexto que a história contemporânea terá uma forma
| de apogeu. Em um primeiro momento, por não dispor de uma ofer-
| ta científica desenvolvida, o público se volta para jornalistas, escrito-
I
res, historiadores “ amadores”, a maior parte do tempo sem contato real
I com o meio acadêmico, o qual abandou em parte esses temas. Henri
í Amouroux, que começou em um jornal pró- Pétain, La Petite Gironde,
'
98
Courrière (1968- 1971); o primeiro volume foi prefaciado por Joseph Kessel.
99
Ver o testemunho de Lacouture ( 1989), citado por Pervillé ( 2006 - 2007:6- 7).
200 A Ú LTIMA CAT Á STROFE
i
Raymond Lasierra com Les fascismes français, 1923- 1963 (1963) , sem
d úvida a primeira obra sobre o tema, ou ainda Saul Friedlànder e seu
!
Pie XII et le Hie Reich (1964). A coleçã o se enriquece nos anos seguintes
com obras de etnologia ( Germaine Tillion ) , de ciência política ( Maurice
Duverger ) , documentos de atualidade, como a sé rie de entrevistas com
os principais líderes do movimento de 1968: Jacques Sauvageot , Alain
Geismar, Daniel Cohn - Bendit, em La révolte étudiante: les animateurs
parlent ( 1968 ), ou ainda de sociologia, com a célebre obra de Edgar Mo-
rin: La rumeur d'Orl éans (1969 ).
Em um primeiro momento, a expressã o “ histó ria imediata” cons-
titui um procedimento editorial e n ã o um conceito epistemológico. É
apenas 15 anos mais tarde, em razã o do sucesso da coleçã o, e em um
contexto em que a história contemporâ nea começa a surgir, que Jean
Lacouture tenta formalizá -la em um artigo que consta de uma obra
dedicada à “ Nova Hist ó ria” e lhe dá um começo de legitimidade cien -
t ífica. Nesse contexto, Jean Lacouture se pergunta sobre a pertinê ncia
da fórmula: “ Imediata , de fato ? Ou seja, instant â nea na sua apreensã o,
simult â nea na sua produ çã o, virgem de todo mediador ? Imagin á-la é
praticamente negá -la — ou reservá -la a alguns casos limites” ( Lacou -
ture, 1978:270 ) . Contudo, segue - se uma brilhante demonstração dos
desafios de uma hist ória contempor â nea que d á mostras de uma bela
capacidade de antecipa çã o. Que ela seja escrita no calor do aconteci-
mento por atores ou testemunhas, por jornalistas, por historiadores
que buscam compreender as raízes de um acontecimento ou de um
processo em andamento, essa hist ória pertence menos à “ imediatida -
de” do que à observação de uma mudança que opera sob os olhos do
observador, uma ideia simples mas central, pois mostra que a contem -
poraneidade não define um momento fixo do tempo, mas um movi-
mento em curso:
A CONTEM POR ANEI DADE NO CERNE DA HISTORICIDADE 201
Ora, agora que esta revoluçã o pôs amplamente em quest ão a prá tica da His-
tó ria como ciê ncia do passado, é lógico que a interrogaçã o dos historiadores
ampliasse naturalmente seu horizonte no tempo presente: um presente cuja
espessura própria e transparente opacidade põem, contudo, ao estudo pro-
blemas metodológicos muito particulares. São os caracteres originais desta
nova consciência histórica que, por falta de meios, se teria a ambição de
100
Le GofFe Nora (1974). O artigo de Pierre Nora se intitula “ Le retour de levénement”
( tomo I, p. 210 - 228 ), o de Marc Ferro “ Le film, une contra -analyse de la société? ” ( tomo
III, p. 236 - 255).
P
[• Contudo, Pierre Nora, como a maior parte dos outros autores france-
ses então mobilizados em campo, não leva em conta os textos fundadores
dos historiadores alemães ou ingleses que marcaram a disciplina fora da
Programa de orientação citado por François Dosse ( 2011:282- 283). Ver também
101
Nora (1978).
206 A Ú LTIMA CATÁ STROFE
t
de durante vá rias décadas. Fato muito raro, o CHGM teve apenas um
f diretor, Henri Michel, inamovível secretário-geral de 1951 a 1978. De
I fato, ele escapou assim das modalidades habituais de nomeação e ava -
1 liação em vigor no meio cient ífico, um tra ço que ele compartilha com
4 outros historiadores europeus vistos então como historiadores e peritos
oficiais que detinham uma posição de monopólio, como seu homólogo
Louis de Jong, que foi por muito tempo diretor do Riod, o instituto ne-
erlandês de história da guerra, e autor de uma monumental história dos
r
Países Baixos em 29 volumes ( Hirschfeld, 2005; Lagrou, 2003). É verda-
de que o balanço do comité francês fala por si mesmo com a realização
de numerosos estudos sobre a Resistência, as primeiras pesquisas sobre
Sobre a modernidade histórica de Valéry Giscard d’Estaing, ver Garcia ( a ser publi-
102
cado em 2013).
208 A ULTIMA CAT Á STROFE
103
NOTE sur la création d’un Institut du Monde Contemporain, si: s.d. Esse texto de !
I
sete páginas foi regidido provavelmente por François Bédarida , o futuro diretor, com a
ajuda do economista Edmond Lisle, então diretor científico do departamento das ciê n -
cias humanas e sociais do CNRS, durante o ano de 1977. Ele serviu de base a duas
reuniões feitas no mesmo ano no Hôtel Marignon . Descobri a existência de uma cópia
no momento da segunda transferência dos arquivos do IHTP aos Arquivos Nacionais,
em 2010, realizada por Anne-Marie Pathé, responsável pela documentação, e por mim
mesmo. A primeira foi feita em 1998 por François Bédarida e Marianne Ranson, então
secretária - geral, que participou estreitamente da fundação do IHTP e desempenhou
nele um papel central até o fim dos anos 1990 ( AN — Fontainebleau, Ministè re de la Re-
cherche, CNRS, IHTP, cote 20110096). O original se encontra sem dúvida nos arquivos
da secretaria -geral do governo. Ver também Lisle ( 2002 ) .
A CONTEMPORANEIDADE NO CERNE DA HISTORICIDADE 209
das razões de ser da época. O papel deste último é tanto mais neces -
sário quanto os obstáculos práticos subsistem, sobretudo a dificuldade
de ter acesso aos arquivos públicos, ou, inversamente, a da presença de
uma “ massa enorme de fontes agora dispon íveis”, necessitando meios
e métodos específicos, em especial a condução de grandes pesquisas
coletivas. Mais surpreendente, a nota invoca também uma espécie de
patriotismo cient ífico:
Acrescentemos ainda que, em razão das carências por muito tempo evi -
dentes nesta á rea, o campo, abandonado pelos franceses, se viu, por assim
dizer, “ colonizado” pelos pesquisadores estrangeiros, em primeiro lugar pe-
los pesquisadores americanos. Não é paradoxal que uma proporção consi-
derável dos estudos mais pertinentes sobre a França do século XX seja obra
de historiadores anglo-saxões ? Se devemos nos alegrar ao ver aumentar o
n ú mero de historiadores estrangeiros que dedicam sua atividade à histó-
ria francesa, podemos, contudo, desejar que no futuro a pesquisa francesa
chegue a cobrir melhor um campo t ão essencial para o conhecimento e a
inteligência de nosso próprio porvir. U>4
104
NOTE sur la création d un Institut du Monde Contemporain, p. 2.
210 A ÚLTIMA CATÁ STROFE
\ 105
Ibid. , p. 5.
212 A Ú LTIMA CATÁ STROFE
106
Recebendo René Rémond na Academia Francesa, no dia 4 de novembro de 1999,
Hélène Carrère dTncausse evocará este aspecto da carreira do receptor ao declarar:
“ Você esteve na origem da criação do Instituto de história do tempo presente, o qual
você presidiu desde a sua criação, em 1979, a 1990”. Rémond ( 2000:47) . A informação
A CONTEMPORAN ElDADE NO CERNE DA HISTORICIDADE 213
^
B em 1926, François Bédarida é um especialista da história contempo-
B rânea da Grã - Bretanha, onde fez parte de sua carreira. Está familiari-
B zado com a historiografia anglófona, o que lhe dá um perfil at ípico no
B meio acadêmico francês. Professor do Instituto de Estudos Políticos
B de Paris, foi encarregado de estabelecer uma edição crítica dos proces-
i I sos do Conselho Supremo Interaliado, o órgão de coordena ção militar
franco - brit ânico em 1939 - 40, selecionados por Pierre Renouvin junto
dos arquivos de Eduardo Daladier entregues à FNSP em 1972 ( Béda-
rida, 1979 ). Muito próximo de René Rémond, mais velho que ele e seu
amigo, compartilha com ele uma fé católica que o levou, em 1944, a
participar com sua mulher Renée da aventura do Té moignage chrétien,
o jornal clandestino da resistência espiritual. Ele tem, portanto, o perfil
adequado. Ora, neste meio próximo do personalismo, a noção de tem -
po presente se reveste de uma acepção mais profunda do que a simples
107
Bédarida ( 2003) . Podemos nos referir também ao seminá rio que ele conduziu de
1980 a 1986 sobre “ Historiographie passée et temps présent”, na École normale supéri -
eure e na Ehess ( gravações e transcrições disponíveis na biblioteca do IHPT, SEM 001-
0038). Ver também Delacroix ( 2006:271- 282 ) .
108
Foi no sentido do debate que me opôs a Gérard Noiriel em 1999- 2000, na sequência
da publicação de seu livro Les Origines ré publicaines de Vichy (1999): L’HISTOIRE du
temps présent, hier et aujourd’ hui ( 2000:23-40). É a mesma oposição que sustenta as
divergências entre a associação Liberté pour l’ Histoire, presidida por René Rémond e
depois por Pierre Nora, a que me juntei algum tempo depois de sua criação, em 2005, e
o Comité de Vigilance face aux Usages Publics de l’Histoire (CVUH ) sobre o tema das
leis ditas “ memoriais”.
A CONTEMPORANEIDADE NO CERNE DA HISTORICIDADE 215
I uma vez que outras opções poderiam ter-se imposto. A criação do IHTP
I e, portanto, de um campo “ história do tempo presente” na historiografia
I francesa não resultaram de um trabalho teórico prévio que teria acaba-
I do na institucionalização de um conceito mais ou menos bem definido
| F
e já posto à prova. Foi antes o inverso que aconteceu. Em função de
[ uma necessidade ainda difusa, criou -se uma instituição ad hoc; e uma
; •
vez que essa instituição desenvolveu uma prática singular da história
sob o estandarte da história do tempo presente, essa noção acabou por
ganhar sentido e se enraizar no linguajar historiográfico. Há, portanto,
p
nesse conceito uma dimensão pragmática que eu assumo plenamente,
embora eu tenha tentado mostrar desde o in ício deste livro que se podia
identificar na longa duração uma reflexão mais ou menos comparável
J sobre o lugar do presente no tempo histórico, quaisquer que sejam os
termos utilizados segundo os lugares e as épocas. É uma maneira de
dizer: falar de história do tempo presente não constitui unicamente uma
— —
conjuntura explicar o século XX , mas coloca questões muito mais
universais sobre o lugar do historiador, sobre a escrita da história, sobre
o que est á em jogo nas relações entre observadores e atores. Nada disso
r
tudo era explicado claramente em 1978, mas quase todas essas questões
I serão levantadas nos anos seguintes.
I Na decisão que criou o IHTP, o CNRS precisa que esse organismo
A sucessão não ocorreu bem: Henri Michel saiu com estrondo e le-
vou consigo, ao Ministé rio da Defesa, a Revue d’ Histoire de la Deuxiè -
me Guerre Mondiale. Será, com efeito, uma oportunidade para o IHTP,
que participará ativamente a contar de 1983-84 da criação da revista
Vingtiè me Siècley primeira revista científica francesa de história contem -
porâ nea, uma questão que eu abordo no próximo capítulo. Contudo,
o pessoal, a biblioteca ( privada da sua fototeca ), os arquivos coletados
( que serã o doados posteriormente aos Arquivos Nacionais ), as pesqui-
sas em curso, assim como a Secretaria- Geral do Comité Internacional
de História da Segunda Guerra Mundial, vão para o IHTP. Eu expliquei
em um outro livro como essa instituição — à qual me juntei em 1981
— , criada para desenvolver sobretudo uma história do pós-1945, tinha
encontrado na sua frente a anamnese dessa guerra na Europa dos anos
1980-90, daí um investimento considerável ao mesmo tempo na histó -
ria das páginas mal cobertas da guerra e da ocupaçã o: a colaboração,
o antissemitismo, o regime de Vichy e sobretudo a história de sua me-
mória, tendo sido o primeiro projeto do IHTP, por exemplo, o estudo
sobre a dura ção da comemora ção do 8 de maio ( Rousso, 2001:32 - 33).
Desde a origem, e por razões diferentes das desenvolvidas por Pierre
Nora e pela EHESS, o IHTP se engajará, entre outros, no campo de uma
história da memória coletiva e da história oral com Jean - Pierre Rioux,
Danièle Voldman, Denis Peschanski e alguns outros. Do mesmo modo,
ele impulsiona desde a origem pesquisas sobre a descolonização e sobre
a Guerra da Argélia, graças a Charles- Robert Ageron, que encontra no ï
novo instituto um lugar e meios propícios que a universidade em que ele
ensinava não lhe oferecia então, e que permitirá publicar alguns livros
importantes sobre esses temas antes da renova ção historiográfica dos
anos 1990. Enfim, o IHTP acolhe tanto historiadores quanto sociólogos
ou economistas.
Nos anos 1980, o panorama historiográfico mudou consideravel-
mente nesse campo. Existem agora na Fran ça vá rios lugares desenvol-
A CONTEMPOR AN EIDADE NO CERNE DA HISTORICIDADE 217
: taxa de crescimento nos anos precedentes. E nos anos 1990, a parte dos
| especialistas do século XX junto dos contemporaneístas se torna majo -
\ ritária, uma tendência que se estabilizou nos anos seguintes ( Rémond,
1995:247 - 251; Poirrier, 2010:73- 91). Mesmo não se considerando ime-
diatamente sua dimensão, isso constituiu uma verdadeira mudança na
K 110 Podem -se mencionar, em Nanterre, nos anos 1980, os nomes de Jean - Jacques Beck -
1 er, que em seguida fundará uma verdadeira escola que renovou a histó ria da Primeira
B Guerra Mundial, e Annie Kriegel, sua irm ã, historiadora do comunismo, que també m
formará uma gera ção de sociólogos, politólogos, historiadores ( Stéphane Courtois,
I Marc Lazar, Marie - Claire Lavabre, Annette Wieviorka e outros ) . Na Fundação Nacional
I das Ciê ncias Pol í ticas e no Instituto de mesmo nome, em que Pierre Nora e Fran çois
I Bédarida fizeram uma parte de sua carreira, pode-se citar: Jean - Pierre Azé ma, Serge
I Berstein, Raoul Girardet , Jean - Noël Jeanneney, Pierre Milza , Michel Winock. Pode-se
Ï acrescentar a essa lista n ão exaustiva dos historiadores economistas em torno de Jean
I Bouvier ( Paris I ), de Fran çois Caron ( Paris IV ) e de Maurice Lévy- Leboyer ( Paris X
I Nanterre ), historiadores de relações internacionais herdeiros de Pierre Renouvin em
I Paris I como Jean - Baptiste Duroselle, Ren é Girault , Robert Frank (que sucederá a Fran -
I çois Bédarida na direção do IHTP em 1990). Podem -se também mencionar os herdeiros
I intelectuais de Jean Maitron no Centro de Histó ria do Sindicalismo, criado na Sorbonne
í em meados dos anos 1960, em torno da revista Le Mouvement Social, sobretudo Antoine
Prost, ou ainda o meio dos germanistas franceses na Universidade de Estrasburgo e em
Paris IV ( Jacques Bariéty, François- George Dreyfus, Jean - Marie Valentin ) .
218 A ÚLTIMA CATÁ STROFE
ï
j.
[í
Pi CAP Í TULO IV
0 nosso tempo
&
I
!
liurgem os discursos de desculpas ou de arrependimento ( flly Brandt
^
|em 1970, Jacques Chirac em 1995), que essa história é objeto de um
I Investimento considerável no ensino primário e secundário e, sobretu-
Ido, que é lançada, não sem grandes dificuldades e resistências, o que
I chamei de uma “ segunda onda de expurgo”, sobretudo com os processos
I franceses por crimes contra a humanidade que conturbam o tempo ju -
í diciário tradicional e, portanto, mudam profundamente nossa relação
; com a história. O regime do imprescritível aplicado de maneira efetiva
f
I a crimes de natureza política nã o pertence somente a uma categoria que
í sempre existiu em certos sistemas jur ídicos ( como para os crimes de
Sangue nos Estados Unidos ) , mas també m de um regime de historici-
í dade singular. Ele abole a distâ ncia entre o passado e o presente, ele nos
{ torna, no tempo do processo, artificialmente contempor âneos dos so -
frimentos infligidos não a alguns, mas a toda uma coletividade. Ele nos
obriga também a apreender de novo o passado pelo ângulo de normas e
de categorias morais como nos momentos seguintes ao acontecimento.
Ele participa de uma temporalidade em que não é tanto o presente que
Irt
domina - ainda que se trate de aplicar qualificações forjadas após a
I catástrofe -, mas da persistência do passado, ou mais exatamente a de
I um acontecimento insuper ável, sem precedente e, portanto, matricial.
| A anamnese mais ou menos tardia do Holocausto teve, ademais, ou -
f tro desenvolvimento ainda mais significativo para minha tese. Percebida
Î como um efeito da singularidade do pró prio genocídio, acontecimento
* ?
sem precedente, essa anamnese se tornou um precedente, quase um mo-
delo a imitar, por vezes invejado, em uma outra conjuntura, a da queda
I do Muro de Berlim e do fim da Guerra Fria, que implicou não somente
o fim das ditaduras comunistas na Europa central e oriental, mas, indi-
retamente, o fim de outros sistemas autoritá rios, como na África do Sul
ou na América Latina. Se faltam estudos para estabelecer com certeza a
existência de um vínculo direto entre os dois fenômenos, pode-se pelo
menos observar uma concomit ância histórica notável: é no exato mo-
222 A ÚLTIMA CATÁ STROFE
constituiu uma evidência e mesmo uma prática social efetiva que teria
|sido impossível de refrear em nome de uma necessidade inversa, a de
I esperar que essa história fosse escrita apenas por pesquisadores de ge-
L >
I
( Noiriel, 2005:167). Contudo, esse debate envolveu toda a disciplina, e
participou da epistemologia nascente de uma história do tempo presente
incidentalmente. Por um lado, a “ virada linguística” participa das muta-
ções das ciências sociais e da história em particular nos anos 1980, que
H criaram um contexto favorável ao questionamento dos paradigmas do-
—
H minantes entre aos quais a história social determinista e a longa dura-
—
(H ção e, portanto, favoreceram o surgimento de novas maneiras de fazer
Wm história, incluindo -se a história contemporânea renovada. Por outro lado,
wK a reavaliação da narrativa no trabalho do historiador encorajou incontes-
|B tavelmente a elaboração de uma história do acontecimento, da memória,
Mf das representações, da opinião, que constituíram aproximações ou obje-
:
1 I tos que contribuirão para dar à história do tempo presente uma configu-
ração mais problemática do que o simples “ retorno”, um tempo carica-
turado, à história política tradicional. Esses objetos novos ou renovados,
que deram uma credibilidade à nova história do tempo presente, devem
i
tanto ao contexto político e cultural quanto a um contexto propriamente
científico, o qual evolui também segundo ritmos que lhe são próprios.
I ceu tão importante e tão atrativo. Enfim, seria arriscado transpor a situ -
| ação da historiografia americana, alemã ou francesa a outros países sem
f outra forma de análise: a história nacional tem belos dias à sua frente em
j Estados que procuram, desde o fim da Guerra Fria, forjar-se ou recon -
[ solidar uma identidade própria, como os países saídos da influê ncia da
ex- União Soviética ( Países Bálticos, Ucrâ nia, Bielorr ússia ). Os usos na -
i cionais e identit á rios da história recente estão, portanto, longe de terem
|desaparecido, ainda que se estendam em um contexto em que domina a
I necessidade de enfrentar as “ páginas negras” do passado.
future (Tocqueville, 1840: t. II, cap. VIII, citado em Arendt, 1972:15). '
1
!
1 públicos, é possível. Mas se, como escreve François Hartog em uma pas-
'•
j sagem citada na introdução deste livro, o presente, destacado ao mesmo
F
tempo do futuro e do passado, privilegia o imediato, ent ão a história do
tempo presente constitui um antídoto e não um sintoma.
l 111
Desenvolvi algumas dessas questões em Rousso (1997) .
232 A ÚLTIMA CAT Á STROFE
115
Ver o notável trabalho de síntese de Pérotin - Dumon ( 2007) . Para o caso espanhol, ver
entre outros Cuesta (1993) e Aróstegui Sánchez ( 2004) .
116
É o caso sobretudo de Pierre Laborie, que utiliza essa expressão em Les Français des
années troubles ( 2001:8 ).
117
Ver sobretudo os seus artigos nos Cahiers d’ Histoire Immédiate, e Soulet (1994), ou
ainda Soulet ( 2009).
O NOSSO TEMPO 235
sente e história imediata, a evolu ção das práticas reais mostra, com efei-
to, uma grande proximidade entre as duas tendências. Nenhuma trata
de temas mais “ recentes” que a outra, e ambas foram alvo da mesma
suspeita acadêmica, e depois do mesmo atrativo. Ambas se confrontam
com os mesmos obstá culos e conhecem as mesmas interrogações epis-
temológicas, ainda que as respostas tenham sido diferentes segundo as
sensibilidades ou os centros de interesse. Guy Pervillé, sucessor de Jean -
-François Soulet, escreveu, aliás, que as duas expressões eram sinôni-
: mas, uma vez que designam a mesma sequência historiográfica, “ aquela
para a qual existem ainda testemunhas”.118 O debate est á por essa razão
acabado ? Sim, no fundo, pela ausência de diferenças concretas entre as
abordagens. Não, sobre o significado do termo “ imediato”.
Se as palavras tê m um sentido, nem a história contemporâ nea, nem
a história do tempo presente, nem nenhuma espécie de história pode
’ pretender situar-se no imediato, pela boa razão de que, desde a época
do Renascimento e do surgimento de um conhecimento... mediado, fa -
zer história é precisamente criar uma mediação, estabelecer uma ponte
entre um passado frequentemente ininteligível para as gerações poste-
riores e um presente que precisa de um enraizamento temporal, de uma
f
118
Pervillé ( 2006- 2007:6). Sobre a discussão em torno das diversas denominações da
história contemporâ nea, ver a mesa - redonda organizada pelo IHTP no dia 2 de abril
de 2009, com Philippe Bourdin, Guy Pervillé, Henry Rousso e Jean - François Sirinelli,
apresentada por Patrick Garcia: < www.ihtp.cnrs.fr / spip.php% Farticle791.html > .
Fil!
Definir o contemporâ neo parece uma tarefa mais essencial do que esco -
! lher uma boa denomina ção, ainda que a quest ão pertença a um dom í -
119
Agamben ( 2008:9-10), comentando a Seconde consid ération inactuelle de Nietzsche.
240 A ULTIMA CATÁ STROFE
I 120
Citação da p. 11 da edição Champs/ Flammarion (1997) . Ver também Althabe, Fabre
e Lanclud ( 1992 ) e os trabalhos de Marc Abelès.
242 A ÚLTIMA CAT Á STROFE
121Bachelier ( [ 1998] ). Uma parte deste relatório ( sem os anexos), pelo qual fiquei respon -
J
7
sável, está dispon ível no site da Association pour l’Histoire des Chemins de Fer en France:
< www.ahicf.com / une-entreprise- publique- dans-la -guerre-la -snfc-1939-1945,52>.
244 A ÚLTIMA CAT Á STROFE
anos 1990. Solicitado pela SNCF para realizar uma perícia apenas sobre
a questão dos trens de deportação ( em torno de uma centena ), o IHTP
tinha proposto aumentar a quest ã o e conduzir uma pesquisa sobre a
estratégia global do empreendimento, assim como sobre suas ligações
com a tutela governamental e a das autoridades alemãs da ocupa ção a
fim de medir sua eventual margem de autonomia. A situação no início
da pesquisa, em 1992, era a de uma possível culpabilização do empre-
endimento por crimes contra a humanidade, donde a necessidade para
os historiadores de sair de uma lógica exclusivamente jurídica e judi -
cial, igualmente inserida na temporalidade das querelas de memória.
O IHTP propôs assim algo diferente de uma simples história factual
que buscasse determinar a culpabilidade ou a responsabilidade de tal
ou qual indivíduo ou de tal ou qual setor para se concentrar em uma
análise política e económica da estrat égia do empreendimento, e re-
colocar assim a quest ão dos comboios de deporta ção em um contexto
mais amplo. Uma vez entregue o relat ório em 1998, as associações que
processavam o empreendimento pú blico e que não tinham podido con -
tinuar pela via dos processos penais decidiram apresentar o processo
à justiça administrativa, que não julgava indivíduos, mas devia deter-
minar qual tinha sido a responsabilidade do empreendimento p ú blico
a fim de decidir se os preju ízos e interesses eram justificados. A ú nica
peça ou quase ú nica dessas novas queixas, das quais uma teve êxito, foi
o Relat ório Bachelier, o que nã o impediu alguns protagonistas de acu-
sar os historiadores de terem querido “ esconder a verdade”, uma pura
mentira tanto t ática quanto política. Em outras palavras, solicitado para
alimentar uma eventual defesa judicial, o Relatório Bachelier serviu de
peça de acusação em um processo administrativo, sem que os histo-
riadores, apesar de alertados e tendo tomado distâ ncia de um eventual
uso que seria feito do seu trabalho, pudessem de fato antecipar esses
efeitos. Pode-se certamente encontrar exemplos similares em trabalhos
de história medieval ou moderna, mas a experiê ncia mostrou que levar
O NOSSO TEMPO 245
Um período móvel
mos anos 1980, em especial na França, uma vez que as políticas escolares
[ em matéria de ensino da história desenvolveram a ideia de que os alunos
Ido primeiro e último ano deviam ser sensibilizados tanto para a história
I próxima quanto para temas ditos de “ atualidade”, uma evolução ligada ao
L Surgimento mesmo de uma nova sensibilidade para o contemporâneo.
IlVata-se, contudo, de um problema particular que não pesou sobre o de-
Isenvolvimento de uma história do tempo presente. Por outro lado, a insta-
bilidade de toda periodização em história contemporâ nea, que acaba com
[ maior frequência “ em nossos dias”, não pode ser facilmente eliminada, e
I continua um primeiro traço constante de toda história contemporânea.
Coleção “ Histoire de France”, sob a direção de Joël Cornette, Jean -Louis Biget e
122
Henry Rousso, pelas Éditions Belin ( 2009- 2012): Geneviève Bü hrer-Thierry e Charles
Mériaux, La France avant la France ( 481 -888 ); Florian Mazel, Féodalité ( 888 -1180 ); Jean -
Christophe Cassard, Lâge d’or capétien ( 1180- 1328 ); Boris Bove, Le temps de la Guerre
248 A ÚLTIMA CAT Á STROFE
de Cent ans ( 1328 - 1453 ); Philippe Hamon, Les renaissances ( 1453- 1559 ); Nicolas Le
Roux, Les guerres de religion ( 1559- 1629 ); Hervé Drévillon, Les rois absolus ( 1630 - 1715 );
Pierre- Yves Beaurepaire, La France des lumières ( 1715 - 1870 ); Vincent Duclert , La ré pu-
blique imaginée ( 1870- 1914 ); Nicolas Beaupré, Les grandes guerres ( 1914 - 1945 ); Michelle
Zacarini e Christian Delacroix, La France du temps présent ( 1945 -2005 ). Usou -se como
crité rio o n ú mero de volumes para cada per íodo, que constitui uma escolha assumida e
determinada pelos responsáveis pela sé rie, em vez do n ú mero de páginas, que varia em
função dos autores, do seu estilo e das suas escolhas intr ínsecas.
123
Benz, Haverkamp e Reinhard ( 2004-2012: 24 v.) . Essa coleção recebeu o nome de um
historiador alemão autor de manuais do fim do século XIX.
O NOSSO TEMPO 249
124
Sobre os prazos para acesso estabelecidos para os arquivos vistos em um plano dife -
rente do simplesmente político ou administrativo, ver Menne- Haritz (1999:4- 10), versão
inglesa online: Thoughts on the latency of time in administrative work and the role ar-
chives play to make it visible. Dispon ível em: < www.staff.uni- marburg.de/ ~ mennehar/
publikationen / latency.pdf > .
125
Em uma literatura abundante, ver o levantamento clar íssimo, que aborda a questão de
um ponto de vista comparativo, de Coeuré e Duclert ( 2001) .
O NOSSO TEMPO 251
0 ritmo secular
| fluxo segue, e tanto, “ até os nossos dias”, sob nossos olhos arregalados, sem
r
fatalismo trágico nem “ sentido” eufórico da História. Em resumo, a proble -
! mática crepuscular, em preto e branco, em rosa ou sangue, não nos conven -
ce e as diversas manifestações que marcaram no ano passado a entrada no
terceiro milé nio não nos fizeram mudar de opinião. A histó ria do presente,
í a história do tempo presente, a história da presen ça do tempo, a história de
k um passado n ão encerrado, a histó ria, portanto, contemporâ nea no sentido
s mais exato do adjetivo não deve ter senão obrigações de calendá rio e re-
:
i
fjfc revista não tinha escolhido um nome mais conceituai ou mais geral.
r !hamar-se uVingt-et- unième Siècle” desde o primeiro número de 2001
Iteria sido uma escolha arriscada. Assim, uma escolha mais ‘estrutural”
it mais ambiciosa na origem teria evitado de saída esse inconveniente.
§ No recorte em “ séculos”, os historiadores do contemporâneo são
faqueles que trabalham com o século mais recente: tal é o critério cons-
I tante. Contudo, por detrás dessa repartição do tempo um tanto mecâ-
|nica se dissimula uma visão implícita: o século constituiria o horizon -
I te temporal do senso comum e se trataria de uma categoria pertinente
para a análise científica. Cem anos é hoje pouco mais que uma vida hu-
mana, é uma dura ção simbólica, pelo menos nas civilizações que ado
r ué Rioux ( 2001:3-5). A última frase remete em nota a René Rémond ( 2000) e Laïdi
'
(2000 ) .
254 A ÚLTIMA CATÁ STROFE
ator e a testemunha
> 127Ver sobretudo os escritos do IHTP, em particular os de Bédarida ( 2003), assim como
o trabalho editado por Voldman ( 1992 ).
256 A ÚLTIMA CAT Á STROFE
*
O NOSSO TEMPO 257
|i
aqueles cujo testemunho ele devia portar.129 Haveria, ao contrá rio, mui-
to a dizer sobre a ética ortodoxa e pusilâ nime da entrevista em ciências
sociais, que privilegia quase sempre o “ nã o diretivo”, o questionamento
l aberto, oferecendo aparentemente mais liberdade à testemunha requi-
I sitada. Em realidade, esse método acaba frequentemente em um apaga -
I mento da subjetividade do pesquisador e em resultados com frequê ncia
I sem relevo, quando muito em informações coletadas, enquanto seria
I preciso, ao contrário, ensiná-lo a dominar sua subjetividade ao mesmo
K tempo que ele aceita deixá-la afirmar-se, uma das ú nicas maneiras de
I criar o desejo na testemunha interrogada, de incitá -la a baixar a guarda,
I de criar mais uma vez um pouco de transferência, a ú nica portadora
I de surpresas, o único acesso possível a uma verdade que ultrapassaria
I o que estava no acordo. Ainda que a prática dos documentaristas não
I possa ser adotada pelos mesmos cientistas que devem respeitar um ro-
!teiro prévio, e ainda que a imagem tenha sempre, no caso, mais força
I para o grande público que a escrita, há contudo algumas lições a tirar do
I impacto desses testemunhos filmados em vista dos coletados pelos pes-
! quisadores, historiadores ou sociólogos, armados de um arsenal teórico
I às vezes tanto verborrágico quanto vazio, pois refreiam sua capacidade
K de se considerarem sujeitos que escutam outros sujeitos, aceitando, por-
I tanto, deixar-se atravessar pela palavra dos outros,
i Definitivamente, a história do tempo presente se singulariza menos
I pela questão da testemunha do que pela própria presença dos atores,
I quer eles sejam ou não interrogados e requisitados. É a sua presença
física, carnal, que obriga o historiador de um modo completamente di-
ferente daqueles que trabalham com rastros. Nem sempre é preciso uma
f longa demonstração para se convencer disso. Os historiadores do tempo
[ presente estão mais que os outros submetidos à atenção dos seus objetos
I 129
Sobre esse filme Shoah, em uma literatura abundante, ver o trabalho de desconstrução
t realizado por Rémy Besson em sua tese La mise en récit de Shoah, defendida na EHESS
I em março de 2012, e que analisa em detalhe a montagem do filme.
í
260 A ÚLTIMA CAT Á STROFE
1 Ndesde sua criação até o início dos anos 2000, de todos os seminários e
1 Colóquios do IHTP consagrados à história da Ocupação. Ela fala desse
I assunto em quase um terço do livro, avaliando as posições de uns e de
1 Outros, buscando compreender a dialética em jogo entre memória e ver-
1 [ dade, reproduzindo um diálogo que ela teve de viva voz durante mais de
I (20 anos com historiadores de vá rias gera ções, entre os quais eu me con -
1 fiava. Ela mostra as contribuições de uma historiografia que se constituiu
i
130
Exprimi- me longamente sobre este caso ( Rousso, 1997 ) . Para uma análise um pouco
imparcial, ver Suleiman ( 2006: cap. II ).
262 A Ú LTIMA CAT Á STROFE
positórios de testemunhos, mas ele pode ainda agir sobre elas, inclusive
quando se trata de atores vivos cuja visão da história, inclusive a sua,
pode ver-se mudada por isso.
none da profissão, inclusive entre historiadores que não são nem positi-
vistas, nem materialistas. Ela chega a constituir o antídoto habitual para
o pecado de anacronismo, aquele que consiste em explicar as ações de
uma época com categorias que pertencem ao presente do historiador.
Ora, há uma contradição flagrante entre o princípio de uma história
que não pode ser escrita senão quando “ acabada” e o princípio de em-
patia, dois postulados de métodos do positivismo. De um lado, ordena -
-se aos historiadores não escrever nada enquanto os fatos n ão sejam
cumpridos, enquanto a história não tenha terminado, pois eles estariam
na incapacidade de compreender o sentido último de uma época es-
tudada cedo demais. Mas, de outro lado, pede-se-lhes que observem
esse mesmo passado, e, portanto, acabado, com um olhar que abstrairia
o conhecimento que eles têm da sequência das coisas para ter melhor
empatia com os homens do passado e compreender suas ações “ como se
eles estivessem lá”. Os historiadores devem , portanto, realizar um recuo,
mas com o mesmo movimento esquecer o que esse recuo lhes permite
ver. Ora, os historiadores do tempo presente nã o têm esse problema.
Melhor ainda, eles superaram facilmente essa contradição uma vez que
nã o conhecem efetivamente o fim da história e, portanto, est ão em uma
situação ideal para ter empatia com seus contemporâ neos sem preci -
sarem forçar sua imaginação. É verdade que é-lhes mais difícil — mas
—
també m necessá rio “ escovar a história a contrapelo”, como os convida
Walter Benjamin .
Î 1789
1917
1945
IGrammaire des civilisations. Ver també m Bouillon, Sorlin e Rudel ( 1968 ) . Este último
I título é o que eu tive no último ano do ensino médio, em 1971-72, no Liceu Florent-
! Schmitt de Saint-Cloud. Ele tinha- me deixado uma lembrança bastante fraca. Por outro
Ilado, não esqueci o jovem professor, M. Wagner, que teve a presença de espí rito de es-
1 quecer o manual e o programa, para nos ensinar a matéria viva da história do século XX.
I Ele me aconselhou a perseverar nessa disciplina, e eu queria, a pretexto desta nota, pres-
I tar-lhe homenagem. Um detalhe: o Liceu Floren-Schmitt recebeu o nome, desde 2005,
I de Liceu Alexandre-Dumas. Com efeito, ele foi desbatizado após vários anos de polêmi-
Icas quando se ( re )descobriu que o músico, por um tempo morador de Saint - Cloud ,
-
K tinha sido pró nazista, presidente de honra da seção musical do Grupo Colaboração sob
I a Ocupação. A publicação de 2001, pelo Instituto de História do Tempo Presente (que eu
Idirigia então) e pelas Éditions Complexe de La vie musicale sous Vichy, um trabalho di -
| rigido pela musicóloga e historiadora Myriam Chimènes, parece ter acelerado as coisas.
270 A ÚLTIMA CAT ÁSTROFE
ano cobre o período de “ 1939 até nossos dias”, resultado ao mesmo tem -
po do surgimento de um debate público sobre a memória dessa guerra e
dos primeiros resultados de uma hist ória do tempo presente renascente.
À primeira vista, assim como para outros recortes, o ano de 1945
inaugura, ao que tudo indica, o nascimento de um mundo novo, marca-
do sobretudo no plano internacional pelo fim da dominação europeia,
o desaparecimento progressivo dos últimos impé rios coloniais, o sur -
gimento de novas grandes potências, o nascimento de uma tecnologia
nuclear com implicações militares e civis consideráveis. Ele constitui,
portanto, um limite “ natural” para os historiadores como ele o foi para
numerosos contemporâ neos. Contudo, fazer iniciar o mundo contem -
porâ neo logo depois da Segunda Guerra Mundial constitui tanto uma
escolha quanto um ponto de vista em relação ao sentido desse aconteci-
mento. Isso pressupõe, pelo menos na ordem das representa ções, virar a
!;.
ai página da guerra mais mort ífera da história da humanidade. Isso neces-
' i modelo universal. Trata -se aqui de uma visão otimista da história do
. século XX, que pressupõe que as gera ções do pós-1945 teriam superado
l
1
bem, física e moralmente, os efeitos deletérios das décadas precedentes,
marcadas por uma violência bélica e política extrema.
Toda uma historiografia se desenvolveu, aliás, após 1989, contra essa vi-
i
são por vezes lenitiva, propondo um olhar mais “ pessimista”, e sem dúvida
mais próximo do vivido pelos europeus, sobre a história do pós-1945. Em
2005, data do sexagésimo aniversário do fim da Segunda Guerra Mundial,
H o historiador britânico Tony Judt publicou uma história da Europa que
ele identifica não como o triunfo progressivo do modelo ocidental, mas
O NOSSO TEMPO 271
f como uma interminável saída de guerra que não teve fim senão depois da
[ queda do Muro de Berlim ( Judt, 2007). Como outros historiadores ciosos
[ de adotar um ponto de vista cujo centro de gravidade já não é a Europa ou
I o Ocidente, ele sublinha a que ponto, para milhões de europeus do Leste,
[ o ano de 1945 foi primeiramente, e antes de tudo, uma nova catástrofe co-
! letiva e individual, o ponto de partida de uma servidão sobre a qual nada
I permitia pressagiar que teria fim no horizonte de duas gerações. Em 2010,
I algum tempo antes da sua morte, advogando uma nova história europeia,
I Tony Judt chega a fazer esta espantosa constatação:
Com que, precisamente, se parecerá esta nova histó ria n ão é claro. Nem po-
demos dizer com certeza em que consistirá a sua periodização. As questões
que nos ocupam hoje n ão estarão sempre no centro de nossa aten ção. A his-
tória europeia, mesmo em nossa época, não se reduz à colaboração, à resis-
tência, ao crime de massa, ao castigo, à justiça política e à memória de tudo
isso. Mas até que tenhamos integrado com sucesso essas questões e aquelas
que lhes são ligadas em nossa compreensão do passado recente da Europa,
não seremos capazes de avan çar. A história da Europa de 1945 até nossos
dias começa com a necessidade de repensar a guerra e suas consequê ncias,
e não estamos senão no seu início. [ Judt, 2010:4 ]
1940
I Esta visão das coisas prevaleceu até os anos 1970-80, momento em que
I começa, no seio das sociedades europeias, uma ampla interrogação
I retrospectiva sobre a amplitude e a significação dos crimes de massa
I —
perpetrados pelo fascismo e pelo nazismo mas não ainda do stali-
! —
nismo , o que Tony Judt considera, com certo pessimismo que eu não
[ compartilho, inacabado em 2010. Toda uma geração percebe então que
essa página da história do século XX talvez tenha sido virada depressa
272 A ÚLTIMA CATÁ STROFE
demais, ou talvez não tenha sequer sido escrita, pelo menos não de ma -
neira satisfatória em vista das novas questões que surgem, em particular
em torno da história do genocídio dos judeus. É nesse contexto que al -
guns avançam a ideia de que “ o nosso tempo” não começa nem em 1789,
nem em 1945 e na saída da última guerra mundial, mas em 1940, com a
derrota da França.133 Assim como os historiadores alemães fizeram das
premissas do nazismo um ponto de partida da história do tempo pre-
, ' sente, os historiadores franceses fazem , depois deles, da eclosã o da Se-
'
gunda Guerra Mundial uma fronteira inaugural. A ideia mais relevante
consiste ent ão em reintroduzir no tempo presente alguns aspectos do
acontecimento insuficientemente estudados, quando n ão foram pura e
simplesmente afastados do olhar historiográfico, como a história inter-
na do regime de Vichy. Afirmar em 1980 que o ano de 1940 constituía a
“ matriz de nosso tempo” era ao mesmo tempo recolocar em perspectiva
as consequências duradouras do colapso de 1940 e recolocar a ques-
t ão da participação de certo modo superestimada da França na vitória
aliada em 1945. Essa escolha conservava apenas em aparência um ca -
ráter estreitamente hexagonal, ao focalizar com exclusividade a derrota
francesa de maio- junho de 1940 e não a eclosão da guerra em seguida à
—
agressão alemã contra a Polónia, em setembro de 1939 data que se re-
cua às vezes a julho de 1937 com o in ício da guerra sino - japonesa. Com
efeito, o deslocamento do cursor para o in ício da guerra constitui uma
evoluçã o mais geral da historiografia ocidental que enseja nesses anos
uma reavaliação para cima da import â ncia da colabora ção na Fran ça,
na Bélgica, nos Países Baixos e nos países escandinavos, do impacto do
fascismo no seio das raras democracias subsistentes nos anos 1930 no
continente europeu, da profundidade de um antissemitismo endógeno
que explica em parte a facilidade com a qual a Solu ção Final pôde ser
133
Ver sobretudo Bédarida ( 1990:115- 138 ), retomado em Bédarida ( 2003), Azéma
(1993:147-152).
O NOSSO TEMPO 273
134
Reynolds (1938). Agradeço a Fabien Théofilakis ter- me feito descobrir esse texto.
O NOSSO TEMPO 275
f 1914
Sobre esse aspecto, ver os trabalhos pioneiros de Jean -Jacques Becker e os trabalhos
135
f trema que se dissemina na Europa nos anos 1930- 40. A nova historio-
[ grafia da Primeira Guerra Mundial recoloca em questão indiretamente
: o dogma de uma unicidade do Holocausto, sem por isso contestar seu
: caráter sem precedentes. Ela o faz pela insistência sobre o fato de que
j um primeiro limiar de violê ncia , uma violência de uma outra natureza,
foi ultrapassado em 1914-18. Ela o faz mostrando implicitamente que
I a violência inaudita, na qual toda a Europa est á mergulhada durante
|quatro anos, de uma longuíssima guerra, pode ter influído diretamen -
! te na natureza da violência da outra guerra, 30 anos depois, inclusive
I no desenvolvimento da Solu ção Final. Se os historiadores da Segunda
I Guerra Mundial já tinham aberto caminho para uma leitura pessimista
I da história recente, os historiadores da Primeira Guerra Mundial acu -
I sam a tendência, mostrando a que ponto a guerra constituiu o hori-
I zonte do continente europeu durante uma grande parte do século XX.
I O sucesso tardio e póstumo do historiador George Mosse, inventor do
I conceito controverso, mas estimulante de “ brutalização”, é um indício
K disso: graças a ele, os historiadores compreenderam melhor que o im -
«
r
boa” referê ncia histórica utilizável para as lutas pacifistas de hoje. Nessa
—
| lógica, não surpreende que no plano ideológico e sem entrar aqui no
fundo da querela franco -francesa dita “ do consentimento” — as teses
avançadas por uma parte dessa nova historiografia europeia, que traz o
! consentimento massivo dos combatentes engajados no fronte como ar-
í gumento principal para explicar sua resistência e seu costume a limiares
f de violência inéditos, tenham suscitado reações indignadas diante do
[ que foi percebido como um questionamento da figura do soldado -víti-
í ma e, incidentemente, da perda de substância de um argumento histó-
[ rico tanto mais cômodo quanto há hoje consenso da direita à esquerda,
j* em toda a Europa, para denunciar a inanidade desta guerra.
1989, 2001?
137
Ver a sua apresentação no site: < www.zzf- pdm.de >. Acesso em: 2 abr. 2012. Nas pá -
ginas em francês, o ZZF se denomina “ Centre de recherche sur l’ histoire du temps pré-
sent”.
iCONGLUSÃO
Diante do trágico
Quem pode dizer onde a memó ria começa
Quem pode dizer onde o tempo presente acaba
Onde o passado se unirá à romança
Onde a desdita n ão é sen ão um papel amarelecido
Aragon (1968)
mento mediado, e sem d úvida mesmo até o século XVIII, a própria ideia
de uma história próxima distinta do resto da história apenas teve uma
frágil consistência, uma vez que não há separa ção clara entre passado e
presente. Isso não significa, contudo, que existe uma concepção cont í-
I nua e imutável através de vários milénios na maneira de escrever sobre
! seu próprio tempo: as modalidades, os métodos, as finalidades da escri-
! ta da história mudaram consideravelmente de uma civilização a outra.
Conceber o tempo de maneira cíclica ou linear, fazer do presente o fim
282 A ÚLTIMA CAT Á STROFE
|uma tensão entre uma liberdade de escrita à qual ele aspira quase natu -
I ralmente e a necessidade de se submeter ao Príncipe, uma vez que, até o
I século XVIII , de tudo a história dos poderosos ou da
a história é antes
I vontade divina.
I Após a Revolução Francesa, novas categorias do tempo histórico
I aparecem. A “ história enquanto tal” é percebida agora como uma força
I autónoma destacada tanto da providência divina quanto da ação do so-
! berano. Do passado em geral, distingue- se o “ passado encerrado”, que
I assinala um corte, um “ antes” e um “ depois” do traumatismo de 1789.
I Por isso, uma nova sequê ncia do tempo histórico aparece no pensamen -
! to que se difundir á segundo os lugares sob o nome de Zeitgeschichte ou
I de “ história contemporânea”, pois se experimenta agora a necessidade
I de identificar um novo período após os “ tempos modernos” Antes da
I
B
'
Revolução, o emprego da palavra contempor âneo era relativamente li-
I mitado e podia ter múltiplos sentidos, inclusive o que lhe dá Pascal: uma
I presença do passado imemorial que atravessou o tempo sem alteração,
ï tornando os leitores do século XVII do Antigo Testamento contempo-
|râneos dos judeus que receberam as tábuas da lei. Após a Revolução,
ï a palavra se generaliza com um outro significado. A história deixa de
I ser inteiramente contemporâ nea, uma vez que já não há continuidade
I entre o passado e o presente. O período contemporâneo designa agora
I uma sequência mais limitada, mais visível, marcada por singularidades.
I No mesmo momento, ainda na posteridade revolucionária, a história se
l constitui progressivamente em profissão, e chega a aspirar a ser uma ci
-
como campo que pode pretender à cientificidade, mas não como cate-
goria da reflexão, do ensino e da literatura.
nária do inimigo a abater. Por um lado, ele tomou com maior frequên -
cia a forma de catástrofes sem precedentes, que se sucederam uma à
outra, tendo a cada vez a mesma necessidade de compreender como
a humanidade tinha podido ultrapassar um novo limiar de violê ncia
ou de destruição, como após 1918, após 1945 e talvez após 2001. Por
outro lado, esse acontecimento foi estudado com interesse de maneira
privilegiada não somente em seu desenvolvimento próprio, mas tam -
bém na sua posteridade, em seus efeitos duradouros, em sua memória.
A atenção voltada sobretudo ao pós- trauma dessas catástrofes mostra
acontecimentos que possuem uma vida quase autónoma no imaginá rio
social muito tempo após seu aparente desfecho, com uma rela ção por
vezes cada vez mais tensa com os fatos originais. Desse ponto de vista, o
intermin ável e impossível acabamento da Revolu çã o Francesa ao longo
de todo o século XIX, a anamnese da Segunda Guerra Mundial no úl -
timo terço do século XX, ou a da Primeira no in ício do século XXI são
casos para estudo.
Nã o mais que o acontecimento, a quest ã o do testemunho não é es -
pecífica da hist ória contemporâ nea, sendo a história por definição um
diálogo permanente entre os vivos e os mortos, e uma maneira entre
outras de conservar a lembrança desses ú ltimos. Ademais, antes de ser
uma “ testemunha”, um ator da história permanece fundamentalmente
um indivíduo que as circunst â ncias ou a requisição por parte do histo -
riador, do sociólogo, do antropólogo ou simplesmente de um editor vão
transformar em testemunha expressiva. Por outro lado, não somente o
diálogo com um morto ou com um vivo não é da mesma ordem , nem
usa os mesmos métodos ou a mesma é tica, mas a história do século XX
viu o aumento de poder de uma nova figura de testemunha e um novo
gê nero de testemunho ligados precisamente às cat ástrofes evocadas ao
longo desta obra. A reflexão evoluiu em seguida para uma reflexão sobre
a vítima e a vitimização, figura central da relação contemporânea com
o passado, nã o somente porque a história recente foi duradouramente
288 A ÚLTIMA CATÁ STROFE
I e a vítima, sacraliza sua palavra, mostra uma falsa humildade a seu res-
! peito, que mascara, em minha opinião, um populismo científico cujo
I objetivo não é, como em todo populismo, o desejo de defender a causa
j dos “ esquecidos da História”, mas a vontade mais ou menos consciente
[ de falar — alto — em seu lugar. Testemunhando, aliás, a violê ncia das
f afirma ções feitas na ocasião de algumas polêmicas historiogr áficas re-
j centes, sobretudo na França sobre a atitude dos combatentes da Primei-
! ra Guerra Mundial, sobre a heroiza ção da Resistê ncia, sobre a amplitude
I do impensado colonial e sua ligaçã o com a quest ão da imigraçã o. Não
j somente eu recuso essa ideologia do testemunho que, por um lado, se
I apresenta como a encarnação de uma radicalidade ideológica que per-
! deu suas referências históricas tradicionais e busca novos condenados
S na terra, mas penso que o verdadeiro respeito que o historiador deve à
I testemunha, ou antes ao ator da história, é considerá-la em um face a
I face, em um diálogo, amistoso ou polê mico, que n ão impede em nada
I de ter respeito pelo que ela foi no passado ao mesmo tempo que deixa
I a inteira liberdade para criticar suas interpretações sobre a história, in -
I elusive a sua própria.
I Da testemunha e da v í tima passamos quase naturalmente à memória ,
j a palavra fetiche do fim do século XX. Aqui mais uma vez toda história
| contemporâ nea é claramente confrontada com as lembran ças dos ato -
I res, com uma memó ria viva que pode ou não se exprimir publicamen -
! te e entrar em competiçã o com o discurso acad ê mico. Mas a memória
I de que se trata aqui, como vimos, foi de outra natureza, a ponto que
I se pôde falar em rela ção ao último terço do século XX de uma “ idade
I da memória”, consequê ncia inevit ável do século dos grandes traumatis-
I mos. O historiador do tempo presente foi confrontado um pouco mais
J que os outros com o desenvolvimento descontrolado dessa noção, que
I acabou por subsumir todas as outras formas habituais de rela ção com
—
o passado a história, a tradição, a herança, o mito e a lenda. Ele deu
[ importâ ncia particularmente a uma história das práticas e à presen ça
290 A ÚLTIMA CAT Á STROFE
138
Para um princípio de explicação, ao menos circunstancial, ver Dosse ( 2011).
292 A ÚLTIMA CAT Á STROFE
do do discurso histórico não um recurso identit ário mas uma inst ância
simbólica suscet ível de contrabalan çar o imaginá rio invasivo de uma
identidade fundada na vitimiza ção.
A demanda social deriva do que precede, e os historiadores foram
confrontados com expectativas de um novo gênero vindas de uma so-
ciedade presa de profundas interrogações sobre o passado recente. Em
si, o termo designa um problema que todas as ciências sociais encon -
tram, a saber, expectativas mais ou menos explícitas suscet íveis de se-
rem traduzidas em pesquisas cuja iniciativa surge fora do meio acadê-
mico. A demanda social n ão é a per ícia, outra novidade que envolveu
os historiadores em geral, e os do tempo presente em particular. Ela
designa uma parte da demanda social que emprega conhecimentos a
servi ço de uma açã o, p ública ou privada, e que tem assim por finalidade
n ã o a compreensão somente do real, mas a vontade de mudar. Não há,
portanto, perícia” se não há previamente um campo de açã o bem defi-
nido e cujos autores exprimem clara e explicitamente uma expectativa,
como no caso de um processo judicial, enquanto a demanda social pode
pertencer só à imaginaçã o do pesquisador, que interpreta o contexto
que o circunda. As noções fazem parte da epistemologia das ci ê ncias
sociais e mesmo das ciências em geral há muito tempo. O intenso debate
em torno da quest ão da per ícia hist órica indica uma redefiniçã o em cur-
so das relações entre poder, saber e sociedade. Ele se encontra em uma
transição que viu realizar-se uma transferê ncia de influ ência dos “ inte-
lectuais” tradicionais, os legisladores, como designa Zygmunt Bauman,
os que buscam guiar o mundo, para os “ int é rpretes”, os “ intelectuais es -
pecíficos”, para empregar uma terminologia foucaultiana, e, portanto,
aos peritos, que buscam antes compreender, às vezes sob o risco de uma
perda de autonomia.139 Se o historiador se tornou também um “ perito”, é
justamente porque a própria história e singularmente a história recente
139
Michel Foucault (1976), retomado em Foucault (1994:109-114). Bauman ( 2007).
CONCLUS Ã O 293
141
Pisar ( 2012 ) , na ocasião do Dia Internacional pela Memória das Vítimas do Holo
causto.
CONCLUS Ã O 297
142
Ver Le Monde, 18 abr. 2012. Agradeço a Anne Pé rotin - Dumon por ter chamado a
minha atenção para esse artigo em um seminá rio que eu organizei no IHTP em 2011-12
sobre as relações entre histó ria e justiça.
143
Ver Broszat (1985:373- 385) e a resposta de Friendlánder ( 1987:43-54). Ver também a
correspondência publicada entre os dois historiadores: Broszat e Friedlá nder (1988:85-
300 A ÚLTIMA CAT Á STROFE
De minha parte, estimo que este passado está ainda presente demais para
que os historiadores contemporâ neos possam ser capazes de tomar consci -
ência facilmente dos pressupostos e dos a priori que estão em jogo aqui —
sobretudo os historiadores alemães ou judeus que viveram sob o nazismo,
e talvez també m os que pertencem à segunda ou terceira gera ção. Pode-se
supor que, muito frequentemente, o historiador que aborda a era nazista
n ão tenha inteiramente ideia nem sobre que base específica, nem a partir de
quais m óbiles específicos, nem no interior de qual contexto específico ele
deseja trabalhar sobre este per íodo. Toda análise histórica deve, portanto,
imperativamente apoiar-se em um processo de reflexão sobre si mesma,
pois n ã o é sen ão a este preço que o historiador pode permanecer conscien -
te — a despeito do sentimento de objetividade que ele pode sentir que é —
exatamente ele e ele apenas que escolhe a abordagem, determina o m étodo
e organiza o material em fun ção de tal ou qual programa. O que é verda -
deiro para toda escrita histórica é decisivo para o estudo deste período. Es-
crever sobre o nazismo n ão é escrever sobre a Fran ça do século XVI: a ideia
de historização, tal como a analisamos aqui, repousa na hipótese, a meu ver
errónea, segundo a qual quarenta anos após o fim do Terceiro Reich, o na -
zismo poderia ser tratado mais ou menos da mesma maneira que a Fran ça
do século XVI. [ Friedlánder, 1987:52 ]
126). O artigo de Martin Broszat e sua correspondência com Saul Friedlánder estão
disponíveis em francês: Bulletin trimestral de la Fondation Auschwitz ( Bruxelles), n. 24,
p. 27-86, abr./set. 1990.
CONCLUS Ã O 301
uma dívida particular para com Christian Delage e Peter Schõttler, assim
—
como Christian Delacroix, François Dosse e Patrick Garcia quem me
—
fez a gentileza de 1er o manuscrito , cujo seminário de historiografia foi
um lugar decisivo de amadurecimento deste livro.
Também aproveitei muito os la ços estreitos e regulares com meus
amigos do Grupo de Pesquisa Europeia de História do Tempo Presen -
te (The Network for Contemporary History
— EURHISTXX) que eu
coordeno no CHRS: Peter Apor, Paolo Capuzzo, Martin Conway, Nor-
bert Frei, John Horne, Constantin Iordachi, Michael Kopecek, Konrad
Jarausch, Pieter Lagrou, Marie-Claire Lavabre, Thomas Lindenberger,
Guillaume Mauralis, Peter Romijn, Mariuccia Salvati, Dariusz Stola.
Gostaria também de citar alguns dos que alimentaram diretamente ou
não este trabalho: em primeiro lugar, Stéphane Audoin-Rouzeau — que
me fez a gentileza de ser um dos primeiros leitores
— e Annette Becker,
com a quai (e Nicole Edelman ) organizei por muito tempo um seminá rio
na Universidade de Nanterre, assim como Marc Abelès, Ora Avni, Jean-
- Pierre Azéma, François Azouvi, Orner Bartov, Leora Coicaud, Erie Co-
nan, Olivier Dumoulin, Marc Ferro, Étienne François, Valeria Galimi, An-
toine Garapon, Richard J. Golsan, François Hartog, Gerhard Hirschfeld,
Bogumil Jewsiewicki, Alice Kaplan, Gerd Krumeich, Gérard Lenclud, Jo-
celyn Létouneau, Michael R. Marrus, Bertrand Muller, Pierre Nora, Peter
—
—
Novick um amigo próximo e grande historiador recentemente falecido
, Michel Offerlé, Pascal Ory, Robert O. Paxton, Philippe Petit, Krzystof
Pomian, Renée Poznanski, Philippe Roussim, Jean- François Sirinelli, Zeev
Sternhell, Benjamin Stora, Susan Suleiman, Nicolas Werth e Eli Zareski.
Faço questão também de expressar minha gratid ão a François Hofs-
tein , com quem pude encontrar algumas palavras para falar das incerte-
zas diante do peso de tal passado.
Um pensamento, finalmente, para Hélène, que suportou estoica-
mente as provas de uma obra incessantemente inacabada, e para Linda,
porque o futuro não é somente uma ilusão do tempo passado.
; REFER Ê NCIAS
Esta bibliografia lista as referê ncias citadas no texto, assim como uma
escolha de leituras que reflete o ambiente intelectual no qual este livro
foi concebido. Ela almeja també m ser uma ferramenta de trabalho e
foi dividida em três partes, para simplificar sua apresentação: 1 ) estu -
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Í NDICE
(Universidade de British Columbia ): 233. Guerra Mundial: 143, 150, 210, 213, 216.
Centro de Documenta ção Judaica Comité Internacional das Ciências Históricas
Contempor ânea (CDJC): 132, 142, 168. ( Cish ): 106, 144.
Comité de História da Liberação de Paris Doa ção Carnegie para a paz internacional: 104.
( 1944): 136. Documentationsarchiv des osterreichischen
Comité de História da Segunda Guerra Mundial Widerstandes ( D ÕW ): 136.
(CHGM ): 136, 137, 141, 142, 144, 150, 151, 168, DORGELÈS, Roland: 111.
174, 175, 183, 207, 210, 180, 183, 185, 206, 215. DOSSE, François: 33, 96, 196, 205, 212, 304.
Comité de Salvação Pú blica (1793-94): 96. Drancy: 260.
Comité de Vigilance face aux Usages Publics DREYFUS, Alfred: 69, 102, 108.
de l’ Histoire (CVUH): 214. DREYFUS, François-Georges: 217.
Comité Internacional de História da Segunda DROYSEN , Johann Gustav: 65, 77, 80, 91.
336 A ÚLTIMA CATÁ STROFE
DUBY, Georges: 196, 197. FRIEDLÀNDER, Saul: 200, 260, 299, 300, 301 .
DUMAS, Alexandre: 77. FROISSART, Jean: 37.
DUMOULIN, Olivier: 33, 304. Fundação Nacional das Ciê ncias Pol íticas ( FNSP ):
DUPLEIX, Scipion: 62. 167, 182, 213, 217.
DUPUY, Jean - Pierre: 27. Fundo Nacional Judeu: 132.
DURKHEIM, É mile: 101. FURET, François: 95.
DUROSELLE, Jean - Baptiste: 110, 217. FUSTEL DE COULANGES, Numa - Denys: 80, 91,
DURUY, Victor: 75, 97, 98. 173, 262, 263.
DUVERGER, Maurice: 200.
GARCIA , Patrick: 33, 75, 76, 78, 80, 96, 110, 207,
École des Hautes Études en Sciences Sociales 235, 269, 304.
(EHESS): 169, 204, 211, 212, 214, 216, 259. GAULLE, Charles de: 37.
École Pratique des Hautes Études ( Ephe ): 84, 169 GEBHARDT, Bruno: 248.
Egípcios ( antigos ): 56. GEISMAR, Alain: 200.
EICHMANN, Adolf: 288. Genebra: 106.
ELIAS, Norbert: 171. Germania: 105.
English Historical Review: 84. GERM Â NICO: 68.
Escandinávia: 272. GIBBON , Edward: 194.
Espanha: 29, 214, 273. G1RARDET, Raoul: 168, 217.
Esparta: 44. GIRAULT, René: 110, 167, 217.
Estrasburgo: 25, 105, 217. GISCARD D’ ESTAING , Val éry: 182, 207.
GOETZ, Hans- Werner: 50, 51.
FABRE - LUCE, Alfred: 107. Golfo, primeira Guerra do: 278.
FÁVERO AREND, Silvia Maria: 233. GOODY, Jack ( John ) Rankine: 35.
FEBVRE, Lucien: 44, 88, 105, 106, 123, 124, 127, GOULEMOT, Jean - Marie: 55.
138, 139, 140, 168, 169, 174, 175, 176, 178. Gr ã- Bretanha: 85, 101, 104, 188, 192, 213, 276, 268.
FERRO, Marc: 204, 304. Ver Inglaterra, Reino Unido.
F í NKIELKRAUT, Alain: 239. Gr écia: 177.
FISCHER, Fritz: 148. Grécia antiga: 18, 32, 43, 45, 56, 58, 83, 85, 177.
FLAMAND, Paul: 199. GREGÓRIO DE TOURS: 50.
Florent -Schmitt , Liceu (Saint -Cloud ): 269. Grenoble: 132.
FORCE, Pierre: 59. GROSSER, Alfred: 192.
FOUCAULT, Michel: 64, 65, 292. Grupo Colabora ção: 269.
FOURNEL, Jean - Louis: 33. Grupo de Pesquisa em História Imediata
FRANCISCO JOSÉ I: 121. ( GRHI ): 234.
FRANK, Anne (Annelies Marie): 134, 135. Guatemala: 233.
FRANK, Otto, Edith e Margot: 135. GUEN ÉE, Bernard: 35, 49, 50, 52, 77.
FRANK, Robert: 217, 303. GUERREAU, Alain: 50.
Frankfurt (Escola de): 157. GUIBERT DE NOGF.NT: 52.
FREDERICO I HOHENSTAUFEN, dito GUILHAUMOU, Jacques: 33.
Frederico Barba Roxa: 49. GUILHERME II HOHENZOLLERN: 103.
FREDERICO II HOHENSTAUFEN: 190.
FREI, Norbert: 156, 304.
-
GUILLEBAUD, Jean Claude: 199.
Gulag: 161.
ÍNDICE 337
LAGROU, Pieter: 133, 135, 136, 137, 144, 207, MAISTRE, Joseph de: 75, 120.
243, 304. MAITRON, Jean: 217.
LAMPRECHT, Karl: 101. MALLARMÉ, Stéphane: 93.
LANGLOIS, Charles- Victor: 80, 86, 217. MALRAUX, André: 201.
LANZMANN, Claude: 26, 258, 297. Mancha: 98.
LAQUEUR, Walter: 192, 194, 260. Manhattan (Torres Gêmeas ): 235.
LASIERRA , Raymond: 200. MAQUIAVEL ( Niccolò Machiavelli): 63, 64, 73.
LAVABRE, Marie-Claire: 184, 217, 304. MARCUSE, Herbert: 157.
LAVAL, Pierre: 183. MARIN, Louis: 55.
LAVISSE, Ernest: 80, 98, 108, 249. MARITAIN , Jacques: 214.
LAZAR, Marc: 217. Marne (batalha de): 104.
LE GOFF, Jacques: 37, 49, 124, 196, 204, 212. MARSHALL, Samuel L. A.: 157-158.
LE ROY LADURIE, Emmanuel: 196, 197. MARX, Karl: 79.
LEBLANC, Henri: 113. MASARYK, Tomás: 108.
LEBLANC, Louise: 113. Massachusetts: 111.
Leipzig ( processo de 1921 ): 103. MAURIAC, François: 214.
LEMOINE, Hervé: 34. -
Max Planck Institut für Geschichte ( MPIfG): 25.
LENCLUD, Gérard: 22, 241, 242, 304. Mayence: 170, 171.
LÊ NIN, Vladimir Ilitch Oulianov, dito: 279. MÉDICI, Cosmo de: 63.
LEOPOLDO III da Bélgica : 136, 143. M ÉDICI, João de: 63.
LEROUX, Nicolas: 33. MÉDICI, Lourenço de, dito o Magnífico: 63.
LÉVY- LEBOYER, Maurice: 217. M É DICI, Pedro de: 63.
LÉ VI -STRAUSS, Claude: 21, 177. MEINECKE, Friedrich: 147.
LEWIS, Bernard: 192. MERCIER, Louis-Sé bastien: 99.
Liberté pour l’ Histoire ( associação ): 214. Merovingios: 49.
Liga dos Direitos do Homem : 168. METELO: 47.
LISLE, Edmond: 208. METTERNICH, Klemens Wenzel von: 121.
LISSAGARAY, Hippolyte Prosper Olivier: 37. MICHARD, Laurent: 251.
Liverpool: 189. MICHEL, Henri: 140, 141, 143, 144, 174, 175,
Londres: 134, 189, 192, 206. 176, 207, 208, 213, 216.
LUlS IX (São Luis): 49. MICHELET, Jules: 37, 42, 77, 80, 96, 128.
LU ÍS XIII: 62. MILOSEVIC, Slobodan: 278.
LUÍS XIV: 62. MILZA, Pierre: 217.
LU ÍS FILIPE: 79. MITTERRAND, François: 182.
LÕWY, Michael: 115- 116. Modem History School (Oxford): 84.
Lü beck: 170. Moisés: 58.
Ludwigsburg: 150. Montluc (Forte de): 260.
Luxemburgo: 290. MORIN, Edgar: 200.
Lyon: 260. Moscou: 153.
LYOTARD, Jean - François: 191, 225, 226. MOSSE, George Lachmann: 110, 192, 194, 260, 277.
MOULIN, Jean: 260, 288.
MABILLON, Jean: 54- 55. Mouvement Social, Le ( revista ): 217.
Maison de l’histoire de France ( projeto ): 33. Munique: 149, 152, 154, 206, 213, 299.
INDICE 339
Museu de História Contempor ânea ( Paris): 114. PAPON, Maurice: 185, 288.
Paris: 110, 213, 217, 233, 251.
Nanterre ( Universidade Paris X ): 217, 251, 304. PASCAL, Biaise: 34, 56, 57, 58, 59, 60, 73, 78, 283.
NAPOLEÀO I: 81, 254, 280. PASSERINE Luisa: 290.
Narration , Identity, and Historical Consciousness PATHÉ, Anne - Marie: 208, 303.
( revista): 233. PAXTON , Robert Owen: 209, 304.
NASSER, Gamai Abdel: 278. PÉGUY, Charles: 112, 239.
Nederlands Instituut voor Oorlogsdocumentatie Peloponeso: 44.
( Niod ): 243. Perken (in Malraux, La voie royale): 201.
NERO: 68. Pé ronne: 276.
NEUMANN , Franz Leopold: 157. PERTHES, Friedrich Christoph: 76.
NEVINS, Alan: 158. PERVILLÉ, Guy: 199, 201, 235.
Nova York: ver Manhattan . PESCHANSKI, Denis: 13, 216, 303.
NIETZSCHE, Friedrich: 93, 94, 239. P ÉTAIN, Philippe: 34, 183, 199.
NIXON , Richard: 236. Petite Gironde, La ( jornal): 199.
NOIRIEL, Gérard: 33, 84, 87, 96, 97, 110, 127, PIRENNE, Henri: 106, 144, 173.
128, 214, 227. PISAR, Samuel: 296, 297.
NORA, Pierre: 37, 38, 74, 82, 83, 98, 197, 198, 202, PLATÀO: 46, 177.
203, 204, 205, 206, 212, 214, 216, 217, 290, 291, 304. PLUMYÈ NE, Jean: 200.
NOVICK, Peter: 85, 86, 101, 102, 107, 118, 156, POEL, Gustav: 76.
159, 304. POLIAKOV, Léon: 142, 143, 260.
Nuremberg ( processo de): 66, 67, 143, 144, 145. POLÍ BIO: 46, 47.
Polonia: 136, 143, 160, 161, 225, 272.
OFFENSTADT, Nicolas: 52. POMIAN, Krzysztof: 53, 54, 55, 58, 60, 304.
Office of Strategie Services (OSS): 157. POMPEU: 47.
Office of War Information ( OWI ): 157. POSTHUMUS, Nicolaas Wilhelmus: 134.
OnegShabbat ( grupo ): 131. Potsdam: 279.
OPHULS, Marcel: 258. PROST, Antoine: 19, 31, 32, 33, 104, 105, 107,
Oral History Research Office ( Universidade 217, 262, 263.
Columbia ): 158.
Oran: 206. QUINET, Edgar: 96.
Organiza ção armada secreta ( OAS): 199.
Organização das Nações Unidas RANKE, Leopold: 80, 81, 117.
(capacetes azuis): 243. RANSON, Marianne: 208, 303.
ORWELL, Eric Blair, dito George: 156. RAULFF, Ulrich: 25, 123.
OTO DE FREISING: 49, 50. Réalités (revista): 184.
Oxford: 84. REBÉRIOUX, Madeleine: 168.
REINHARD, Wolfgang: 248.
Pacífico, oceano: 131, 159. Reino Unido: 144, 210. Ver Inglaterra, Grã- Bretanha.
Países Baixos: 133, 134, 335, 144, 150, 161, 169, RÉMOND, René: 141, 176, 178, 179, 180, 181,
207, 243, 272, 290. 182, 183, 184, 185, 186, 187, 202, 205, 212, 213,
Países Bálticos: 229. 214, 217, 251, 253.
Palestina: 26, 132. Reno: 98, 101.
340 A ÚLTIMA CATÁ STROFE
RENOUVIN , Pierre: 107, 109, 110, 113, 167, 187, SCHNEERSOHN , Isaac: 132.
192, 193, 213, 217. SEGEV, Tom: 132.
Répertoire méthodique de Vhistoire moderne et SEIGNOBOS, Charles: 80, 86, 89, 90, 170.
contemporaine ( 1901): 96. Sept. L’ Hebdomadaire du Temps Présent : 214.
Révolution Fran çaise, La ( revista ; 1889 ): 96. Sé rvia: 278.
Revue d’ Histoire de la Deuxième Guerre SETON - WATSON , Hugh: 228.
Mondiale ( 1957 ): 174, 175. SETON - WATSON , Robert William: 108, 118,
Revue d’ Histoire de la Guerre Mondiale 119, 120, 121.
( 1923- 39 ): 109. SHENHAVI , Mordecai: 132.
Revue d’ Histoire Moderne et Contemporaine SIEGFRIED, André: 183, 187.
( 1899): 96, 123, 252 . SIRINELLI, Jean - François: 176, 235, 251, 304.
Revue Historique: 123, 193. SNCF (Socié t é nationale des chemin de fer
REYNOLDS, Gonzague de: 273, 274. fran çais): 243, 244.
RICŒ UR, Paul: 18, 41 , 116, 191, 219, 282. Sociedade de Hist ória Contempor ânea ( 1890 ): 97.
Rijksinstituut voor Oorlogsdocumentatie ( Riod ): Sociedade de Histó ria da Guerra ( 1919 ): 109.
135, 150, 207. Sociedade de Hist ória da Revolu çã o de 1848
RINGELBLUM , Emmanuel: 131, 132. ( 1904 ): 96.
RIOUX , Jean - Pierre: 216, 251, 253, 303. Sociedade de Hist ória Moderna ( 1901 ): 96.
R1ST, Johann Georg: 76. Sociedade das Nações (SDN ): 120.
Roma (antiga ): 35, 43, 46, 85, 264, 274. Sociedade Europeia de Programas de Televisã o
Romé nia: 144 , (Sept ): 197.
Rons: 162. Sorbonne: 96, 109, 167, 217, 260.
ROOSEVELT, Franklin Delano: 159. SOREL, Albert: 84.
ROTHFELS, Hans: 153, 213, 267. SOREL, Charles: 62.
ROUSSEL, Denis: 46. SOT, Michel: 33.
ROUSSO, Henry: 9, 10, 11, 33, 144, 146, 187, 215, SOULET, Jean - Fran çois: 234, 235.
216, 231, 232, 235, 247, 261, 295. Srebrenica: 243.
Ruanda: 257. STÁLIN , Iossif Vissarionovitch Djougachvili, dit:
Rússia: 23, 67, 137, 152, 159, 160, 161, 190, 254, 14, 146, 271, 279.
267, 269, 270, 273, 274, 276, 290, 256. Ver URSS. STERNHELL, Zeev: 260, 304.
STO (Serviço do Trabalho Obrigatório): 134, 162.
SAFIRE, William: 233. STORA , Benjamin : 199, 304.
SAHLINS, Marshall: 22. Sud - Ouest: 199.
Saint - Cloud: 269 . SUETÔ NIO: 98.
Saint - Denis ( necró pole real ): 49. Suez: 278.
SAINT-SIMON, Louis de Rouvroy, duque de: 98. Su íça: 144, 273.
Santiago do Chile: 223.
SARKOZY, Nicolas: 33. TÁCITO: 68.
Sarre: 101. TAINE , Hippolyte: 34, 97.
SAUVAGEOT, Jacques: 200. TAYLOR, Alan John Percivale: 191.
SCHILLER, Johann Christoph Friedrich von: 68. Tchecoslovâ quia: 108, 120, 225.
SCHMID, Hans-Christian: 257. Témoignage Chrétien: 14, 213.
SCHMITT, Florent: 269. Tempo et Argumento ( revista ): 233.
ÍNDICE 341
Temps Pré sent ( jornal ): 214. VOLTAIRE , François Marie Arouet, dito: 38, 72.
TERKEL, Studs: 158, 278.
THIERS, Adolphe: 75, 77. WAGNER, M . ( professor de história ): 269.
THOMPSON, Paul: 290. Washington: 153.
TILLION , Germaine: 200. WEBER, Eugen Joseph: 192, 209.
TOCQUEVILLE , Alexis Clérel de: 77, 96, 189, WESSELING , Henk (Hendrik) Lodewijk: 123, 169.
230, 231 . WIENER, Alfred ( Wiener Library): 191, 192.
Tóquio ( processo de ): 144. WIESENTHAL, Simon: 222.
TOULONGEON, François-Emmanuel WIEVIORKA , Annette: 217.
d’ Emskerque, visconde de: 78. WILSON, Thomas Woodrow: 107, 109.
Toulouse- Le Mirail, Universidade de: 234. WrNOCK, Michel: 214, 217, 251.
TOUVIER , Paul: 185. WINTER, Jay: 104, 105, 107, 110.
Tribunal penal internacional para a ex- Iugoslávia WOODWARD, Llewellyn: 85, 194.
( TPIY ): 243, 257.
Troia: 57. Yad Vashem ( Memorial de): 132.
TUCÍDIDES: 16, 32, 37, 43, 44, 45, 46, 47, 60, 78, YERUSHALMI, Yosef Hayim: 59, 133.
128, 189.
Turquia: 131. ZANCARINI , Jean -Claude: 33.
Zentrum fur zeithistorische Forschung (ZZF):
Ucrâ nia: 229. 279, 280.
Universidade do Reich (Estrasburgo): 25.
URSS: 23, 67, 100, 115, 137, 153, 159, 136, 144,
159, 160, 161, 229, 254, 269, 270, 276. Ver Rússia .