Laura Thalassa - The Four Horseman 01 - Pestilência (Rev) R&A

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SINOPSE.........................................................................................................................................................

10

PRÓLOGO...................................................................................................................................................... 13

Capítulo Um................................................................................................................................................... 16

Capítulo Dois ................................................................................................................................................. 22

Capítulo Três.................................................................................................................................................. 29

Capítulo Quatro............................................................................................................................................. 39

Capítulo Cinco ............................................................................................................................................... 44

Capítulo Seis .................................................................................................................................................. 61

Capítulo Sete .................................................................................................................................................. 75


Capítulo Oito ................................................................................................................................................. 84
Capítulo Nove................................................................................................................................................ 87

Capítulo Dez ................................................................................................................................................ 102

Capítulo Onze .............................................................................................................................................. 110

Capítulo Doze .............................................................................................................................................. 124

Capítulo Treze ............................................................................................................................................. 134

Capítulo Catorze.......................................................................................................................................... 148

Capítulo Quinze .......................................................................................................................................... 163

Capítulo Dezesseis ...................................................................................................................................... 170

Capítulo Dezessete ...................................................................................................................................... 179

Capítulo Dezoito ......................................................................................................................................... 190

Capítulo Dezenove ...................................................................................................................................... 212

Capítulo Vinte.............................................................................................................................................. 233

Capítulo Vinte e Um ................................................................................................................................... 250

Capítulo Vinte e Dois .................................................................................................................................. 261

Capítulo Vinte e Três .................................................................................................................................. 265

Capítulo Vinte e Quatro ............................................................................................................................. 274

Capítulo Vinte e Cinco ................................................................................................................................ 286

Capítulo Vinte e Seis ................................................................................................................................... 306


Capítulo Vinte e Sete ................................................................................................................................... 322
Capítulo Vinte e Oito .................................................................................................................................. 330

Capítulo Vinte e Nove ................................................................................................................................ 348

Capítulo Trinta ............................................................................................................................................ 357

Capítulo Trinta e Um .................................................................................................................................. 389

Capítulo Trinta e Dois................................................................................................................................. 394

Capítulo Trinta e Três ................................................................................................................................. 400

Capítulo Trinta e Quatro ............................................................................................................................ 404

Capítulo Trinta e Cinco .............................................................................................................................. 412

Capítulo Trinta e Seis .................................................................................................................................. 424

Capítulo Trinta e Sete ................................................................................................................................. 433

Capítulo Trinta e Oito ................................................................................................................................. 444

Capítulo Trinta e Nove ............................................................................................................................... 459


Capítulo Quarenta ....................................................................................................................................... 468
Capítulo Quarenta e Um ............................................................................................................................ 477

Capítulo Quarenta e Dois ........................................................................................................................... 503

Capítulo Quarenta e Três ........................................................................................................................... 514

Capítulo Quarenta e Quatro ...................................................................................................................... 522

Capítulo Quarenta e Cinco ......................................................................................................................... 528

Capítulo Quarenta e Seis ............................................................................................................................ 539

Capítulo Quarenta e Sete ............................................................................................................................ 547

Capítulo Quarenta e Oito ........................................................................................................................... 558

Capítulo Quarenta e Nove ......................................................................................................................... 576

Capítulo Cinquenta ..................................................................................................................................... 579

Capítulo Cinquenta e Um........................................................................................................................... 587

Capítulo Cinquenta e Dois ......................................................................................................................... 602

Capítulo Cinquenta e Três.......................................................................................................................... 608

Capítulo Cinquenta e Quatro..................................................................................................................... 625

Epílogo .......................................................................................................................................................... 635

Fim. Por enquanto... .................................................................................................................................... 637


Para Teresa, que se importa ferozmente, dá sem medir e ama

incondicionalmente. O mundo precisa de mais pessoas como você.


E havendo o Cordeiro aberto um dos selos, olhei e ouvi um dos quatro

seres viventes, que dizia com voz de trovão: — Vem e vê.

Olhei e eis um cavalo branco e o que estava assentado sobre ele tinha

um arco e foi-lhe dada uma coroa, e saiu vitorioso e para vencer.

—Apocalipse 6:1-2 Nova Bíblia Padrão Americana (NASB)


Chegaram com a tempestade.

O céu escureceu, grandes colunas de nuvens caindo e rolando

juntas. O ar do deserto ficou mais denso, dando a sensação de úmido

e cheirando estranhamente fétido.

Um raio brilhou.

BUM!

O mundo se acendeu como se estivesse em chamas e ali

estavam: quatro grandes homens como feras e montados em seus

terríveis corcéis.

As montarias monstruosas empinavam, levantando as patas no

ar enquanto seus mestres encaravam o mundo estranho com olhos

destemidos.

Peste, com a coroa em sua cabeça.

Guerra, com sua espada para o alto.

Fome, com sua foice e balança na mão.


E Morte, horripilante Morte, com suas asas negras, dobradas nas

suas costas e uma furiosa tocha de fumaça em sua mão.

Os Quatro Cavaleiros do Apocalipse, vieram reclamar a terra e

acabar com a humanidade que a habitava.

O céu escureceu e os corcéis partiram, os cascos levantando terra

enquanto eles galopavam.

Norte...

Leste...

Sul...

Oeste...

Os cavaleiros partiram para os quatro cantos da terra e a seu

passo, as maquinas quebravam, fusíveis explodiam. A internet entrou

em colapso e os computadores desligaram. Motores falharam e aviões

caíram.

Pouco a pouco, todas as grandes invenções do mundo deixaram

de existir e o mundo caiu na escuridão.

E assim foi e assim será, pois, a Era do Homem acabou e a Era dos

Cavaleiros começou.
Vieram para a terra e vieram para acabar com todos nós.
Ano 5 dos Cavaleiros

— Pegue o fósforo.

Coloco meus olhos cor de avelã nos minúsculos paus de madeira

no punho de Luke. Ele golpeia um contra a nossa mesa rústica, a

chama brilha por um segundo antes de apagar.

À nossa volta, as luzes do quartel do corpo de bombeiros

zumbiam daquela maneira angustiante que a maioria dos aparelhos

eletrônicos faz hoje em dia, como se fossem falhar a qualquer

momento.

Luke segura o palito com a ponta negra.

— O perdedor fica para trás e completa o nosso plano.

Essa foi a decisão que tomamos, uma pessoa condenada a morrer

e três viveriam.

Esta foi a decisão meticulosa que tomamos. Uma pessoa

condenada a morrer, mais três poderiam viver.

Tudo para que pudéssemos matar aquele herege filho da puta

ímpio.
Luke dobra a ponta do fósforo queimado na palma da mão com

os três não queimados, em seguida, abaixa a mão sob a mesa para

misturá-los.

La fora, além de um dos nossos caminhões de bombeiros

desativados, todos nossos pertences necessários estão embalados,

prontos para uma fuga rápida.

Bem, somente se formos um dos três afortunados.

Luke finalmente levanta a mão, o palito de fósforo se projeta de

seu punho fechado.

Felix e Briggs, os outros dois bombeiros, vão primeiro.

Felix puxa um palito de fósforo...

Ponta vermelha.

Ele solta um suspiro. Posso dizer que quer se deixar cair em seu

assento. Seu alívio é óbvio. Mas é muito orgulhos e muito consciente

do restante de nós para fazê-lo.

Briggs pega o seu…

Ponta vermelha.

Luke e eu compartilhamos um olhar.


Um de nós morrerá.

Posso ver Luke se preparando para ficar para trás. Apenas vi

essa expressão em seu rosto uma vez antes, quando estávamos

cercados por um incêndio que quase nos engoliu. O fogo se movia

como se o diabo o guiasse e Luke tinha a expressão de um homem

morto.

Nós dois sobrevivemos a essa experiência. Talvez

sobrevivêssemos a esse demônio.

Ele levanta o punho para mim. Duas hastes de madeira se

sobressaem. Cinquenta a cinquenta são as chances.

Eu não penso. Pego um dos palitos de fósforo.

Leva um segundo para registrar a cor.

Preto.

Preto significa... preto significa morte.

O ar escapa dos meus pulmões.

Olho para os meus companheiros de equipe, que estão com

expressões entre pena e horror.

— Todos nós temos que morrer algum dia, certo? — Eu digo.


— Sara… — Diz Briggs, que tenho quase a certeza de que gosta

de mim mais do que como um colega ou um amigo deveria.

— Eu vou no seu lugar. — Diz ele. Como se sua bravura contasse

para qualquer coisa. Pois não pode namorar uma garota se estiver

morto.

Fecho meu punho ao redor do fosforo na minha mão. — Não. —

Respondo, determinada até meus ossos. — Nós já decidimos isso.

Ficar para trás. Eu ficarei para trás.

Respiro fundo.

— Quando tudo isso acabar; — Ei digo. — Alguém conte aos

meus pais o que aconteceu.

Eu tento não pensar em minha família, que foi evacuada com o

restante da cidade no início desta semana. Minha mãe, que costumava

cortar as bordas dos meus sanduíches quando eu era pequena e meu

pai, que estava tão chateado quando eu lhe disse que me ofereci para

ficar para trás no último turno. Ele olhou para mim como se eu fosse

uma mulher morta.

Eu deveria encontrá-los na cabana de caça do meu avô.


Isso não acontecerá mais.

Felix acena com a cabeça. — Eu farei isso, Burns.

Eu fico de pé. Ninguém mais se move.

— Precisam ir. — Finalmente ordeno. — Ele chegará aqui em

dias, senão em horas.

Devem ver que não estou de brincado, porque não se

incomodam em discutir ou permanecer por muito tempo. Um a um,

me abraçam apertado, me puxando para perto.

— Deveria ser diferente. — Sussurra Briggs no meu ouvido, o

último a me deixar ir.

Deveria, poderia, teria. Não adianta ficar pensando nisso agora.

O mundo inteiro deveria ser diferente. Mas não é, e isso é o que

importa.

Olho através de uma das grandes janelas enquanto os homens

saem, Luke solta seu cavalo da garagem, Briggs e Felix pegam suas

motos, suas coisas amarradas atrás.

Eu espero até que estejam longe antes de começar a juntar

minhas coisas. Meus olhos se movem sobre minha mochila, cheia de


todo tipo de equipamento de sobrevivência — e um dos melhores

livros de Edgar Allan Poe1 — antes de pousar na espingarda do meu

avô, o metal lubrificado parecendo particularmente letal.

Não há tempo para medo, não até que a tarefa esteja completa.

Posso estar condenada a morrer, mas levarei aquele filho da puta

infernal comigo.

1
Edgar Allan Poe (nascido Edgar Poe; Boston, Massachusetts, Estados Unidos, 19 de Janeiro de 1809 — Baltimore,
Maryland, Estados Unidos, 7 de Outubro de 1849) foi um autor, poeta, editor e crítico literário estadunidense,
integrante do movimento romântico em seu país. Conhecido por suas histórias que envolvem o mistério e o macabro,
Poe foi um dos primeiros escritores norte-americanos de contos e é geralmente considerado o inventor do gênero
ficção policial, também recebendo crédito por sua contribuição ao emergente gênero de ficção científica.] Ele foi o
primeiro escritor americano conhecido por tentar ganhar a vida através da escrita por si só, resultando em uma vida e
carreira financeiramente difíceis.
Ninguém sabe de onde vieram os Quatro Cavaleiros, apenas que

um dia apareceriam em seus corcéis, cavalgando pelas cidades e por

terras selvagens. Enquanto passavam de cidade em cidade, a

tecnologia humana se rompia como ondas sobre as rochas.

Ninguém sabia o que isso significava. Especialmente quando, de

repente, os Quatro Cavaleiros desapareceram tão repentinamente

como apareceram.

Nossos eletrônicos nunca se recuperaram, mas começamos a

racionalizar os eventos inexplicáveis: foi uma explosão solar.

Terroristas. Pulsos EMP sincronizados2. Bem, nenhuma dessas

explicações fazia qualquer sentido —eram mais razoáveis do que

apocalipse bíblico, então aceitamos e engolimos aquelas teorias

malfeitas.

E então Peste reapareceu.

Eu fiquei sentada em nossa mesa por muito tempo depois que

meus colegas de equipe — ex-companheiros de equipe — saíram,

2
Um surto de radiação eletromagnética, especialmente uma resultante de uma explosão nuclear, que pode perturbar
dispositivos eletrônicos e, ocasionalmente, estruturas e equipamentos maiores. Frequentemente abreviado para EMP.
(N.T.).
passando meus dedos pela madeira polida da espingarda do meu

avô, me acostumando a senti-la em minhas mãos.

Além de me familiarizar com a arma nas últimas duas semanas,

quando atirei em algumas latas, fazia anos que não usava uma.

Matei algumas criaturas usando esta arma (um faisão, cuja morte

assombrou meus sonhos de doze anos).

Terei que usá-la novamente.

Levanto-me, lançando outro olhar pela janela. Minha moto e o

trailer que improvisei na parte de trás, minha comida, kit de primeiros

socorros e outros suprimentos amarrados na parte de trás. Além da

moto, o deserto canadense aparece pelas montanhas que fazem

fronteira com a nossa cidade de Whistler. Quem pensaria que um

cavaleiro viria aqui, para este canto solitário do mundo?

Por um capricho, vou até a geladeira e pego uma cerveja — o

mundo pode acabar, mas foda-se se não houver cerveja.

Puxando a tampa, vou para a sala de estar e ligo a TV

Nada.
— Oh pelo amor de Deus. — Morrerei horrivelmente e a TV

decide que hoje é o dia em que para de funcionar.

Bato a mão no topo dela. Nada ainda.

Murmurando xingamentos que deixariam meu avô orgulho,

chuto a TV inútil, mais por despeito do que qualquer outra coisa.

A tela vem à vida e uma imagem granulada de um apresentador

aparece, seu rosto distorcido pelas faixas de cor e contorções que a TV

faz.

— … parece estar se movendo através da Colúmbia Britânica...

indo em direção ao Oceano Pacífico… — É difícil distinguir as

palavras do repórter sob o ruído estático. — … relatos de Febre

Messiânica seguem seu rastro… — Peste apenas precisava atravessar

uma cidade para ser infectada.

— Pesquisadores, aqueles que permanecem dedicados ao seu

trabalho mesmo depois da queda da tecnologia, ainda não sabem

muito sobre essa praga, apenas que é extremamente contagiante e o

principal vetor de transmissão é o cavaleiro. Mas um nome foi dado

para isso de qualquer forma: Febre Messiânica ou simplesmente: A

Febre. O nome foi inventado por fantasmas, mas foi nisso que o

mundo chegou — fantasmas, santos e pecadores.


Desligando a TV, pego minha bolsa e arma, então saio,

assobiando a música tema de Indiana Jones. Talvez se fingir que isso é

uma aventura, que sou a heroína, pensarei menos sobre o que terei

que fazer para salvar minha cidade e o resto do mundo.

Passo a maior parte do dia e uma boa parte da noite montando

acampamento na estrada 99, a estrada pela qual ele provavelmente

passará. E querido Deus, espero que o cavaleiro passe enquanto ainda

for dia. Eu tenho uma mira de merda em plena luz do dia; à noite é

mais provável que acerte a mim mesma.

Vendo como minha sorte está indo hoje, há uma chance, uma

boa chance, de foder tudo. Talvez Peste faça um desvio ou decida ser

inteligente e se aproximar por outra direção. Talvez ele passe sem que

eu perceba.

Talvez, talvez, talvez.

Talvez até as coisas selvagens e assustadoras tenham um pouco

de lógica.

Pego minha arma e munição extra, me aproximo da estrada e me

acomodo, esperando. Ele chegará com a primeira queda de neve da

temporada.
O mundo inteiro está quieto na manhã seguinte, enquanto os

flocos brancos cobrem a paisagem e tornam a estrada perolada. Mais

neve cai e tudo parece tão ridiculamente bonito.

E do nada, os pássaros voam das árvores. Eu me assusto quando

os vejo todos bem acima de mim, seus corpos escuros contra o céu

nublado.

Então, de uma dúzia de locais diferentes, lobos começam a uivar,

o som enviando um arrepio pela minha espinha. É como uma

advertência e no seu rastro, a floresta ganha vida. Predadores e presas

fogem de mim. Guaxinins, esquilos, lebres, coiotes, todos passam

correndo. Eu até vejo um leão da montanha correndo entre eles.

E então desaparecem.

Exalo uma respiração instável.

Ele está chegando.


Agacho na floresta escura, com a arma em minhas mãos. Verifico

a câmara da arma. Removo e recarrego os cartuchos apenas para ter

certeza de que estão no lugar certo. Ajusto e reajusto meu aperto.

É quando estou checando duas vezes a munição no bolso que

sinto um arrepio pela nuca. Lentamente, levanto a cabeça, meu olhar

fixo na estrada abandonada.

Eu o ouço antes de vê-lo. O barulho abafado dos cascos de seu

corcel ecoa na manhã fria, a princípio tão quieto que parece

imaginado. Mas então fica cada vez mais alto, até ele aparecer.

Desperdiço segundos preciosos escancarando está… coisa.

Ele está protegido, com uma armadura dourada e montado em

um corcel branco. Nas costas dele há um arco e uma aljava. Seu cabelo

loiro está pressionado por uma coroa de ouro e seu rosto — seu rosto

é angelical, orgulhoso.

Ele é quase demais para olhar. Impressionante, muito nobre,

muito sinistro. Não esperava isso. Não esperava me esquecer da

tarefa mortal. Não esperava me sentir... atraída por ele. Não com todo

esse medo e ódio se agitando no meu estômago.


Mas estou totalmente impressionada por ele, o primeiro

cavaleiro do apocalipse.

Peste, O Conquistador.
Ninguém sabe por que os cavaleiros chegaram há cinco anos ou

por que desapareceram logo depois, nem por que agora Peste e

apenas Peste retornou para causar estragos aos vivos.

É claro que todos e até sua tia Mary têm respostas para estas

perguntas, a maioria das quais eram tão plausíveis quanto a fada dos

dentes, mas ninguém jamais teve a chance de encurralar um desses

cavaleiros e pedir por respostas.

Então, apenas podemos imaginar.

O que sabemos é que uma manhã, sete meses atrás, as notícias

ganharam vida.

Um cavaleiro, foi visto perto dos Everglades, na Flórida.

Demorou de uma semana para a informação chegar. Sobre como uma

doença estranha estava assolando as pessoas em Miami.

Então a primeira morte foi anunciada. Fizeram uma grande

cobertura na morte da mulher, pelas poucas horas que ela manteve o

único título de tragicamente falecida. Mas rapidamente a contagem

de mortes duplicou, depois novamente. Cresceu exponencialmente,

primeiro destruindo Miami, depois Fort Lauderdale e logo Boca


Raton. Subiu a costa leste dos Estados Unidos, junto com os

movimentos deste cavaleiro sombrio.

Desta vez, quando o cavaleiro passou por uma cidade, não foi a

tecnologia que ele destruiu, mas pessoas. Foi quando o mundo soube

que Peste retornou.

Olho para Peste. Ele não é mais humano do que a sua montaria

é um cavalo.

A última filmagem que vi dele, estava invadindo a cidade de

Nova York, uma flecha entalhada em seu arco, disparando contra o

estouro de pessoas gritando e fugindo dele.

Eu precisei assistir ao noticiário cinco vezes antes de acreditar. E

então, não pude mais assistir.

Agora aqui está ele. Peste, em carne e osso.

Clop-clop-clop. O cavaleiro e seu cavalo se movem lentamente. A

neve junta-se em seus ombros e cabelos. E de alguma forma, sobre ele,

até os flocos brancos aumentam sua estranha e exótica beleza.

Eu fico quieta, com medo que a névoa vinda da minha respiração

faça o cavaleiro me notar. Mas ele parece totalmente despreocupado


sobre seu entorno. Não precisava ficar; ninguém, exceto eu, escolheria

de bom grado chegar tão perto da encarnação literal da peste.

Sem afastar os olhos de Peste, levanto minha arma. Leva apenas

alguns segundos para alinhar o alvo. Foco minha mira em seu peito,

que é realmente a única coisa que posso esperar atingir. Meu

estômago começa a revirar enquanto observo o cavaleiro através da

mira da arma.

Eu vi homens morrerem. Vi corpos carbonizados pelo fogo além

do ponto de reconhecimento e senti o cheiro doentio de carne

queimada.

Mas ainda assim.

Ainda assim meu dedo hesita no gatilho.

Eu nunca matei (além do faisão). Esqueço que essa criatura não é

humana, que deixando um rastro de carnificina pela América do

Norte; parece vivo, sensível, humano. Isto é razão suficiente para não

hesitar.

Ajustei meu aperto na arma e fecho os olhos. E se fizer isso,

mamãe viverá, papai viverá, Briggs, Felix e Luke viverão. Meus


amigos e companheiros de equipe e suas famílias viverão. O mundo

inteiro, onde Peste fixou seu olhar viveria.

Tudo o que tenho que fazer é mover o dedo um centímetro.

Eu nunca fui covarde, mas por um segundo quase desisti.

Foda-se a sua moral, Burns, não faça sua morte ser em vão.

Respiro fundo, expiro e puxo o gatilho.

BOOM!

O som explosivo é quase mais chocante do que o recuo da arma,

a explosão ecoando por toda a floresta silenciosa.

À minha frente, o cavaleiro grunhe, o jato de balas batendo no

peito dele, a força do impacto derrubando-o de seu cavalo. Seu cavalo

empina, arranhando o ar e soltando um relinchar assustado, depois

se afasta.

Meu estômago revira.

Vou vomitar.

O cavalo continua correndo.


Talvez seja o cavalo que esteja espalhando a peste e não o

homem. Talvez ambos sejam.

Não posso arriscar.

— Sinto muito. — Sussurro quando miro mais uma vez.

É mais fácil puxar o gatilho desta vez. Talvez seja porque fiz isso

uma vez antes, talvez seja porque estou pronta para sentir o

movimento da espingarda ou ouvir a explosão de fogo e pólvora, ou

talvez matar uma fera seja mais fácil do que matar um homem — não

importa que nenhum dos dois seja o que parece ser.

As patas dianteiras do corcel se levantam, seu corpo

contorcendo-se brevemente enquanto solta um zurro agonizante. Ele

cai de lado a trinta metros do seu mestre e depois não se move.

Passo vários segundos recuperando o fôlego.

Está feito.

Deus me salve, realmente fiz isso.

Deixando minha arma de lado, vou para estrada, meus olhos

fixos no cavaleiro. Sua armadura é uma bagunça. Não posso dizer se


as balas cortaram seu peitoral ou se simplesmente torceram o metal,

mas várias delas rasgaram seu rosto bonito.

A bile quente queima na parte de trás da minha garganta. Uma

coroa de sangue já está florescendo ao redor de sua cabeça e mesmo

que seu rosto seja uma massa de feridas, eu o ouço gemer.

— Oh Deus. — Sussurro. Essa coisa ainda está viva.

Eu mal tenho tempo de me virar para o lado antes de vomitar.

Sua respiração é ofegante. Ele tenta me alcançar, seus dedos

roçando minha bota.

Eu pulo para trás, soltando um grito e quase caindo na minha

bunda. Sequer percebi o quão perto me aproximei dele.

Preciso acabar com isso.

Corro de volta para a minha arma em pés instáveis.

Por que a deixei para trás?

Através da minha neblina de pânico, não me lembro de qual

árvore a deixei e o cavaleiro ainda está vivo.


Desisto da busca pela arma e volto para o pequeno

acampamento que montei. Entre minhas coisas estão fósforos e um

fluido de isqueiro.

Minhas mãos tremem quando os agarro. Mecanicamente eu

volto.

Você realmente fará isso? Eu olho fixamente para os itens na minha

mão. Ele ainda está vivo e você vai queimá-lo enquanto respira. Você, uma

bombeira.

O fogo não é uma morte limpa. Na verdade, é uma das piores

formas de morrer. Eu não odeio Peste o suficiente, porque mal posso

suportar o pensamento do que estou prestes a fazer.

Passo ao redor do cavaleiro e abro a tampa do fluido de isqueiro.

Mordo meu lábio até sangrar quando derrubo a garrafa, o líquido

escapando dela. Eu o molho de cima abaixo. Preciso parar para

vomitar novamente.

Então a garrafa está vazia.

Não consigo segurar os fósforos. Minhas mãos estão tremendo

tanto que continuo deixando cair. Finalmente minha mão se estabiliza


o suficiente para segurar um, mas então a questão é atingir a caixa de

fósforos.

Novamente o cavaleiro segura meu tornozelo.

— ... faaaavvvooorrrr... — Ele geme através dos cortes em sua

boca.

Um grito me escapa. Acho que isso foi um pedido.

Não olhe para ele.

São necessárias cinco tentativas, mas finalmente, acendo um

maldito fósforo. Não pretendo conscientemente desistir — se fosse do

meu jeito, provavelmente teria olhado para a chama até queimar

meus dedos — mas infelizmente, minha mão tremeu e o fósforo caiu.

As roupas de Peste pegam fogo imediatamente, o ouço soltando

um grito agonizante.

O cheiro de carne queimada sobe dele enquanto o fogo aumenta.

Percebo tardiamente que sua armadura está bloqueando a maior

parte do fogo, fazendo uma morte já lenta muito mais lenta. Ele está

queimando muito para tocar, então eu poderia ter removido sua

armadura ou ter apagado as chamas.


Começo a levantar. Não tenho certeza se poderia ter dado a esta

criatura uma morte mais suja.

Ele grita até que não possa mais.

Ninguém merece morrer assim. Nem mesmo um prenúncio do

apocalipse.

Recuo e então minhas pernas desistem. Isso não parece um ato

nobre. Não me sinto como a heroína, salvando o mundo. Sinto-me

como uma assassina.

Deveria ter embalado uma cerveja ou cinco. Isso não é algo para

se assistir sóbrio.

Mas eu sim. Vi sua pele se encher de bolhas, escurecer e queimar.

Eu o observo morrer lentamente, cada segundo tão obviamente

agonizante. Permaneço enraizada ali por horas, sentada nesta estrada

abandonada que ninguém viaja mais. Nesse tempo todo, minhas

únicas testemunhas são as árvores que se sentam como sentinelas ao

nosso redor.

A neve se acumula ao longo de seu corpo, derretendo contra

seus restos fumegantes.


Em algum momento, olho para cima, apenas para notar que seu

cavalo se foi, um rastro de sangue e neve pisoteada em direção a

floresta. Racionalmente, sei que devo recuperar minha arma e seguir

o rastro do cavalo até encontrar a fera e depois matá-la.

Racionalmente, eu sei disso — mas não significa que o farei.

Chega de morte por um dia. Amanhã terminarei o trabalho.

O céu escurece. E ainda assim fico sentada, até o frio penetrar

nos meus ossos.

Eventualmente, os elementos me forçam a voltam para tenda.

Movo meus membros rígidos, meu corpo inteiro dolorido e doente.

Eu não sei se a praga da criatura me infectou ou se simplesmente é

como se fica quando esquece de comer e beber, encontrar abrigo e

calor o dia todo. Bem, de qualquer maneira, me sinto terrivelmente

doente. Terminalmente doente.

Caio no meu saco de dormir, sem me incomodar em puxá-lo.

Para melhor ou pior, eu fiz isso.

Peste está morto.


Acordo com a sensação de uma mão na minha garganta.

— E de todos os vis seres humanos que cruzaram meu caminho,

você pode ser a pior.

Meus olhos se abrem. Um monstro paira sobre mim, seu rosto

marcado por buracos ensanguentados, sua pele chamuscada, torcida

e perdida em alguns lugares.

Eu não o reconheceria, exceto pelos olhos.

Olhos azuis angelicais. A merda que eles sempre estão pintando

em tetos de igrejas.

Este é meu cavaleiro. Vivo da sepultura.

— Impossível. — Eu digo com a voz abafada.

Ele cheira a cinza e carne queimada. Como sobreviveu a isso?

Ele aperta meu pescoço mais forte. — Você é uma humana tola.

Em todo o tempo que existi realmente pensou que ninguém já tentou

o que você fracassou em fazer? Tentaram me matar em Toronto, me

destripar em Winnipeg, sangrar em Buffalo e me estrangular em

Montreal. Tentaram fazer tudo isso e muito mais em tantas outras


cidades com nomes que duvido que você reconheceria, porque vocês

humanos inconstantes nunca se preocuparam em olhar para além de

si mesmos.

Alguém já tentou... tentou?

Tentei e falhei.

É como receber um copo de água gelada no rosto. É claro que

outras pessoas tentaram acabar com ele. Deveria saber melhor. Mas

eu não vi as filmagens, não ouvi nenhum relato das tentativas. Quem

quer que tenha tentado mata-lo, não conseguiu alertar o público de

que ele não pode ser morto.

— Em todo lugar que vou. — Continua ele. — Há alguém como

você. Alguém que acha que pode me matar para salvar seu mundo

maligno.

É difícil olhar para o rosto dele, grotesco como está. E ainda

parece muito melhor do que quando o deixei, quando não era nada

além de cinzas.

Peste me puxa para perto. — E agora você pagará por se atrever

a fazê-lo.
Ele me puxa pela garganta. Quaisquer que sejam os vestígios de

sono agarrados a mim, desapareceram. Alcanço sua mão, granindo

quando toco osso e tendão.

Como ele pode usar uma mão quando tudo o que resta dela é

osso e tendão? Seu aperto é como ferro, inflexível.

Peste me arrasta para fora da tenda, me jogando no chão. Minhas

mãos e joelhos afundam na neve rasa. Um momento depois, um

joelho crava nas minhas costas. Ele passa as mãos pelo meu torso,

procurando por armas extras. Estremeço com a sensação. Ele está me

tocando com osso cru. Olha meus bolsos, puxando meu canivete suíço

e minha caixa de fósforos.

No azul profundo, o brilho do amanhecer, a floresta tem uma

sensação quase sinistra. É silencioso como a sepultura, seus antigos

habitantes há muito desaparecidos.

Peste faz uma pausa depois de sua inspeção. — Onde está sua

raiva? — Ele pergunta ironicamente quando continuo ali. — Você foi

rápida para agir antes. Onde está essa vontade agora?

Ainda estou tentando entender o fato de que o pedaço de carne

flamejante do qual me afastei na noite passada, de alguma forma, se

regenerou. E isso fala.


— Você não tem nada a dizer sobre isso? Hm. — Um momento

depois, ele agarra meus pulsos, amarrando-os sobre a minha cabeça

com uma corda grossa e áspera que tenho certeza que ele pegou das

minhas coisas. — Bem, provavelmente seja melhor. A conversa

mortal sempre deixa algo a desejar.

A pressão contra minhas costas diminui.

— Levante-se. — Ele comanda.

Demoro um segundo a mais para processar o pedido, então ele

usa a corda para me arrastar para os meus pés. Mais uma vez eu dou

uma boa olhada nele.

É ainda mais monstruoso do que eu pensava. Seu cabelo se foi,

seu nariz se foi, suas orelhas se foram, sua pele ainda está enegrecida.

Dificilmente um homem e certamente nada que deveria estar vivo.

Sua armadura dourada permanece no lugar, parecendo

imaculada, embora deva estar carbonizada e crivada de balas. Eu não

posso ver muito de seus braços sob a armadura, mas devem estar em

mau estado, a julgar pela maneira como o metal balança frouxamente

ao redor. E suas mãos... suas mãos não são nada além de ossos

brancos e pedaços de carne, assim como seus pés e tornozelos.


Na cintura, ele usa um dos meus cobertores, que deve ter

roubado enquanto dormia. Eu me encolho com o pensamento.

Peste me leva de volta à estrada pelos meus pulsos amarrados.

Eu empalideço quando vejo seu cavalo branco esperando

pacientemente por seu mestre, seu flanco revestido de sangue

escarlate. Patas sobre o asfalto coberto de neve, bufando. Quando me

vê, relincha ansiosamente, evitando-me.

Indiferente ao humor de seu cavalo, Peste prende a outra ponta

da corda na parte de trás da sela do cavalo.

Eu olho entre meus pulsos amarrados e sua montaria. — O que

você está fazendo?

Ele me ignora, montando no cavalo.

— Você não vai me matar? — Eu finalmente pergunto.

Ele se vira, aquela bagunça de rosto parecendo amargurado. —

Oh não, eu não a deixarei morrer. Rápido demais. O sofrimento é feito

para os vivos. É como a farei sofrer.


O dia todo Peste leva seu cavalo pela estrada em um ritmo

acelerado, forçando-me a correr atrás dele ou então ser arrastada

pelos meus pulsos. É um pequeno favor que eu seja bombeira e não

trabalhe me escritório; estou acostumada a horas e horas de trabalho

laborioso. Mesmo assim, embora possa ser capaz de acompanhar o

cavaleiro e o cavalo, é desconfortável e logo minhas roupas quentes

estão pingando de suor.

Passamos por Whistler e meus olhos se movem de um marco

familiar para o seguinte. Esta é minha cidade natal, onde nasci, onde

passei invernos surfando na neve e verões chapinhando ao redor do

Lago Cheakamus, onde aprendi a dirigir o carro da minha família e

onde tive minha primeira paixão e meu primeiro beijo, todos os

outros momentos que significaram algo para mim. Preciso enviar um

beijo de despedida para tudo enquanto deixamos a cidade para trás.

Durante horas eu corro, até que meus pulsos estão vermelhos e

o cansaço me atinge.

Não posso continuar assim para sempre.


Não ajuda que o cavaleiro não dê nenhuma indicação de quando

— ou se — irá parar. Cada quilômetro parece uma eternidade.

Quando ele finalmente sai da estrada, quero chorar de alegria. Eu não

dou a mínima para os horrores que planejou para mim. Enquanto isso

significar que essa corrida do inferno acabou, eu os aceitarei.

Seguimos uma estrada coberta de neve até chegar a uma casa. E

então – graças ao bom Deus — paramos em frente uma casa.

Peste não se incomodou em olhar para mim desde esta manhã e

mesmo agora, enquanto ele desce de seu cavalo e amarra as rédeas

contra um poste de luz próximo, poderia ser invisível por toda a

atenção que ele me dá. Mas assim que caminha ao redor da montaria,

fica claro que ele não se esqueceu de mim.

Eu seguro a respiração com a visão dele. O cavaleiro angelical

em que coloquei os olhos pela primeira vez está de volta, a carne

rasgada de seu rosto agora quase curada. Ainda há algumas manchas

vermelhas e pele brilhante onde feridas de balas e queimaduras estão

cicatrizando, mas ele tem um nariz, lábios e orelhas, então todos os

pedaços importantes estão de volta. Até o cabelo voltou, embora as

ondas douradas sejam longas o suficiente para passar seus dedos.


Agora que está de volta, não consigo parar de encará-lo. Eu

queria que fosse apenas o horror que puxasse meu olhar para ele, mas

estaria mentindo.

Ele é dolorosamente bonito, com seus tristes olhos azuis e suas

maçãs do rosto altas e orgulhosas, o conjunto mortal de sua

mandíbula. Uma das minhas mãos se contorce quando eu

conscientemente tento colocar uma mecha do meu cabelo castanho

suado atrás da orelha.

O que há de errado comigo?

— Você gostou da corrida? — Ele pergunta.

— Foda-se. — Eu não tenho energia para colocar muito veneno

no xingamento.

Ele curva o lábio superior quando desamarra minha corda da

sela.

Como seu rosto, suas mãos estão quase curadas. Não vejo ossos,

cartilagem, veias e artérias ou qualquer outra forma de entranhas que

há várias horas estavam expostas. Mas ele parece um pouco vermelho

e mal-humorado.
Ele se vira para mim e eu dou uma boa olhada no arco dourado

e estremeço em suas costas. Ele matou humanos com essas armas, me

matará com elas no futuro e o mundo está fodido, porque ele não

pode morrer e com assim, ele não irá parar a matança.

Tanto para acabar com ele.

O cobertor ainda está amarrado ao redor da cintura de Peste e

isso, além de seus pés e pernas descalços (também em grande parte

curados), deve parecer cômico, mas o cavaleiro é um homem

formidável.

Eu fico olhando por mais tempo do que o necessário e Deus me

perdoe, não posso deixar de notar que a forma dele é tão agradável

quanto o rosto. Ele tem ombros maciços e quadris estreito, quero

esfaquear meus olhos agora. Deve haver alguma regra contra ficar

babando no homem que você tentou assassinar.

À minha frente, ele puxa a corda. Eu amaldiçoo quando tropeço

em mim mesma tentando acompanhar enquanto ele sobe para a casa.

Eu observo a casa de dois andares. É bonita, mas relativamente

simples; tapume de madeira manchada, porta da frente verde, um

canteiro de plantas coberto de neve sob uma das janelas.


Por que no mundo o cavaleiro veio a este lugar?

Peste caminha até a porta da frente e levantando um pé, chuta.

Essa é uma maneira de abrir uma porta. O outro jeito é tentar a porra

da maçaneta como uma pessoa normal.

Ele me arrasta para dentro pela corda, como se eu fosse um

cachorro malcriado que deveria manter na coleira.

Pelo silêncio da casa, é óbvio que os donos não estão e

provavelmente desde que as advertências de evacuação — graças a

Deus. Qualquer lugar é melhor do que aqui no momento.

Peste atravessa a sala de estar, puxando-me ao longo desta

maldita corda. Agora que não estou correndo pela minha vida, todas

as minhas outras dores estão aparecendo. Meus pulsos começam a

latejar e o suor que me reveste está esfriando rapidamente contra o

meu corpo. Nem quero pensar em como minhas pernas ficarão

doloridas pela manhã.

O cavaleiro amarra a corda ao corrimão da escada uma, duas,

três vezes.

— Você sabe que no momento em que estiver fora de vista,

tentarei escapar. — Eu digo.


— Eu pareço preocupado, humana? — Ele pergunta, dando um

puxão no último nó.

— Eu não posso dizer, muitos pedaços estão faltando.

Não é verdade, mas ele não viu seu reflexo ainda, então não

saberia.

Peste me encara por um longo segundo, sua antipatia por mim

quase palpável, depois sobe a escada, seus passos ecoando por toda a

casa.

Eu não estava brincando sobre a coisa de fuga. No momento em

que ele se afasta, ataco o labirinto de nós como se minha vida

dependesse disso, o que era verdade.

Estou desesperadamente tentando desfazer os laços que me

prendem ao corrimão (quando a porra desse cavaleiro aprendeu a

amarrar um nó adequado?) quando ele volta carregando um novo

conjunto de roupas limpas. Roupas e fita adesiva.

Tudo o que precisamos são homens com calças de couro e

chicotes para começar a festa. Mas duvido que Peste tenha esse tipo

de sofrimento em mente. Provavelmente seja o melhor. Eu não acho


que seja apropriado ter sexo de vingança com o homem que você

tentou matar. Pelo menos não na primeira noite.

Peste joga as roupas no sofá, mantendo um olho em mim

enquanto faz isso. Ele remove sua armadura peça por peça. Abaixo

dela, os últimos restos da camisa que usava se desintegraram,

revelando seu torso nu.

Mesmo ferido, ele é um grande espécime masculino. Ele tem

músculos fortes, seus braços são grossos, seus peitorais bem

arredondados e abdômen ridiculamente definido.

A pele do peito ainda parece crua e vermelha em alguns lugares.

Deve ser terrivelmente doloroso andar no dia gelado com nada além

de um cobertor enquanto sua armadura raspa contra sua carne

queimada.

Leva um segundo para meus olhos registrarem que suas feridas

não são a única coisa que estraga a pele de Peste. No peito como um

colarinho, há uma série de letras estranhas que brilham. Um segundo

conjunto delas começa em seus ossos do quadril, curvando-se sob a

borda do cobertor; brilham como âmbar na luz fraca.


Eu fico olhando fixamente. Eu já vi tatuagens antes, mas

nenhuma que brilha. E se sua natureza imortal não fosse prova

suficiente de suas origens sobrenaturais, isso seria.

Seus bíceps se levantam quando ele alcança a borda da manta,

eu olho para longe antes que eu possa ver qualquer outra coisa.

Um minuto depois, Peste volta para o meu lado com fita adesiva

na mão. A roupa que ele usa agora — jeans e camisa de flanela — está

muito longe da roupa que usava quando eu o vi pela primeira vez,

mas encaixa surpreendentemente bem, considerando que a maioria

dos homens não são tão altos ou grandes quanto o cavaleiro.

Ele nivela os olhos azuis penetrantes em mim quando começa a

desenrolar a fita. — Porque você foi tão gentil a ponto de expor suas

intenções... — Ele enrola a fita adesiva ao redor da corda que está

amarrada ao corrimão, depois ao redor do pulso, sabotando qualquer

esperança de escapar. — Acho que isso deve mantê-la imóvel por

enquanto.

Peste arranca o último pedaço da fita e depois joga o rolo de lado.

Eu olho para ele, mas o olhar é perdido. Ele não está mais

prestando atenção em mim.


O cavaleiro vai para o fogão a lenha e começa a fazer uma

fogueira.

— Então, e agora? — Eu pergunto. — Você apenas me manterá

em cativeiro até eu morrer de peste?

O que definitivamente não senti ou talvez eu tenha sentido. É

difícil dizer quando você se sente como um animal morto por

atropelamento há três dias, de qualquer maneira.

Peste vira a cabeça levemente na minha direção e continua a

cuidar do fogo. Leva apenas alguns minutos para as chamas

aumentarem e mais alguns minutos para realmente sentir o calor.

Peste se senta na frente do fogo, de costas para mim e ele passa

a mão no rosto.

— Eu implorei. — Ele finalmente diz. — Ferido e sangrando,

implorei por misericórdia e você não concedeu nenhuma.

Meu estômago revira.

— Você não pode me fazer sentir misericórdia. — Eu minto,

porque ele pode. E já o fez. Lamentei antes mesmo de puxar o gatilho

e lamentei novamente quando o queimei. Isso não muda nada, mas


ainda assim, sinto muito. Eu sinto muito. E deixa um gosto amargo e

salgado na minha boca.

— Não me atrevo a esperar tanto de pessoas como você. — Ele

diz, ainda sem se dar ao trabalho de virar.

— Foi você quem veio para nos destruir. — Lembro.

Como se eu precisasse me defender. Não sei porque estou me

incomodando.

— Os humanos fizeram um trabalho perfeitamente bom de se

destruir sem minha ajuda. Estou aqui apenas para terminar o

trabalho.

— E você se pergunta por que não concedi misericórdia.

—Misericórdia. — Ele cospe a palavra como um juramento. — Ah

se você soubesse a ironia de sua situação, humana...

Ele volta sua atenção para o fogo e coloca o queixo no punho,

então acho que a conversa acabou. Ele olha para aquelas chamas e em

algum momento, acho que ele esqueceu que eu existo completamente.

Minha mente vai para minha família. Mais do que tudo, espero

que estejam longe o suficiente do cavaleiro para evitar sua praga.


Ao contrário dos vírus normais, a febre messiânica não segue as

leis da ciência. Você pode estar a quilômetros de distância de Peste,

em quarentena em sua própria casa e de alguma forma, ainda

consegue pegá-la. Não está claro o quão longe uma pessoa precisa

estar para evitar completamente a peste, apenas que se ficar muito

tempo em uma cidade que Peste atravessa, morrerá. É simples assim.

Você ainda não morreu, minha mente sussurra.

Já faz mais de um dia desde que fiquei cara a cara com o

cavaleiro. Certamente deveria sentir algo agora.

Falando em sentir algo...

Eu mudo meu peso. Não são apenas meus pulsos e pernas que

estão doendo. Meu estômago está roncando por quem sabe quanto

tempo e minha bexiga está prestes a explodir.

Eu limpo a garganta. — Eu preciso ir ao banheiro.

— Faça onde você está. — Peste continua olhando para as

chamas, como se pudesse ler o futuro nelas.

Ele está tornando cada vez mais fácil não me sentir culpada por

atirar nele e queimá-lo.


— E se quiser me manter viva. — Eu digo. — Preciso comer,

beber, dormir, cagar e mijar.

Algum arrependimento ainda, amigo?

Ele suspira e depois se levanta. Peste caminha até mim, sua

estatura comandando; ele dificilmente é o monstro que me acordou

hoje de manhã e isso me incomoda como nenhuma outra coisa.

Vestindo a camisa de flanela, jeans e botas, ele parece

dolorosamente humano. Até os olhos dele, que pareciam tão

estranhos quando o vi pela primeira vez, agora parecem cheios de

vida. Vida e agonia.

Ele coloca os dedos sob a fita adesiva que prende meus pulsos e

com um puxão rápido, rasga em dois.

Nota para mim: esse filho da puta é forte.

Ele rasga o restante da fita e solta a corda do corrimão. Uma vez

que ele a tem nas mãos, me conduz pelo corredor, parando apenas

quando chegamos ao banheiro.

O problema número um ocorre assim que ele fecha a porta atrás

de nós.
Eu olho para o peito enorme que bloqueia a saída.

— É chamado privacidade. — Eu digo.

— Sou consciente do termo, humana manipuladora. — Diz ele,

cruzando os braços. — Por que você acha que merece, é uma questão

de poder superior.

Eu bufo e viro de costas para ele.

O problema número dois ocorre depois que tento abrir minha

calça. Mal sinto as mãos, muito menos a destreza necessária para a

tarefa.

Droga.

— Preciso de ajuda.

Peste se inclina contra porta. — Eu não estou inclinado a dar-lhe

qualquer uma.

— Oh, pelo amor de...

— Deus? — Ele termina por mim, levantando as sobrancelhas.

— Você realmente acha que ele a ajudará?


A estudiosa em mim é instantaneamente atraída por suas

palavras, mas agora não é exatamente o momento de aprender todos

os mistérios do universo.

Eu solto um suspiro. — Olha, se você está se arrependendo de

me manter viva, então me mate, mas se não, eu realmente apreciarei

se você puxar a minha maldita calça para baixo.

— Isso faria você sofrer, se sujar? — Pergunta ele.

Eu hesito. Ele deve saber que esta é uma pergunta capciosa.

Qual resposta é mais provável para não me ferrar?

— Sim. — Eu finalmente digo, resolvendo falar a verdade. —

Faria.

Ele se inclina contra porta. — Como eu disse, não estou inclinado

a ajudar.

Ele não se move para sair, no entanto e agora estou

simplesmente grata por ter um vaso sanitário para fazer xixi.

Aperto os dentes enquanto tento desabotoar minha calça. A

corda esfrega contra meus pulsos irritados e doem em protesto. Leva

uma quantidade agonizante de tempo, mas finalmente consigo


desabotoar minha calça jeans, depois abaixo pelas pernas, levando

junto a calcinha.

O olhar impessoal de Peste está em mim, entre as minhas pernas

em plena exibição.

Mate-me agora.

Ele curva o lábio.

— Sinto muito. — Eu digo. — Mas se essa porra incomoda você,

então pode sair. — E deixar-me fazer xixi em paz.

— Esvazie-se, humana. Estou cansado de ficar aqui.

Murmurando várias maldições sob minha respiração, faço

exatamente isso.

Um cavaleiro do apocalipse está me vendo fazer xixi.

E de todas as frases no idioma Inglês que eu poderia pensar, está

é uma que jamais imaginei. Engulo uma risada maluca. Eu morrerei,

mas não antes de minha dignidade ser assassinada primeiro.

Eu me limpo, dou descarga e depois puxar a calça para cima

demora mais tempo — assim como lavar as mãos.


Pelo menos ainda há água para lavar minhas mãos. Ao contrário

da eletricidade, a água corrente foi atingida muito menos

severamente. O porquê me incomoda muito, embora não vou

reclamar. Ajudou a apagar muitos incêndios desde o fim do mundo.

Quando termino, o cavaleiro me leva de volta pelo corredor,

dando um puxão às minhas cordas que quase me derrubam. E então

estou amarrada àquela maldita grade mais uma vez e ele está de volta

ao fogo.

— Então é isso que você faz? — Pergunto. — Vai de cidade em

cidade e invade as casas das pessoas?

— Não. — Ele diz por cima do ombro.

— Então por que paramos aqui? — Pergunto.

Ele exala, como se eu fosse incrivelmente tediosa — o que sou,

mas honestamente, o homeboy3 tem uma longa curva de aprendizado

diante dele, porque ele não viu nada ainda e me ignora.

Esse é o seu objetivo principal, eu entendo. Tiro minha atenção

das costas para os meus pulsos machucados.

— O que aconteceu com os outros? — Eu pergunto, mais calma.

3
Gíria que significa Parceiro, amigo, mano. (N.T.)
— Que outros? — Ele pergunta rispidamente.

Estou sinceramente chocada por ele ainda conversar comigo.

— Os outros que tentaram matar você.

O cavaleiro se vira do fogo, seus olhos gelados captando a luz

das chamas. — Acabei com eles.

Eu não vejo nenhum remorso em seu rosto por essas mortes

também.

— Então sou sua primeira vítima de sequestro? — Sondo.

Ele bufa. — Dificilmente uma vítima. — Diz ele. — Mas a

manterei e farei um exemplo de você. Talvez então, outros do seu tipo

pensem duas vezes sobre tramas para me destruir.

Agora e somente agora é que a minha situação realmente está

fazendo sentido.

Eu não a deixarei morrer. Muito rápido, ele disse. O sofrimento é para

os vivos. É como a farei sofrer.

Um arrepio percorre minha espinha. Pulsos ensanguentados e

pernas doloridas podem ser a menor das minhas preocupações.

O pior, tenho certeza, ainda está por vir.


Ainda não estou doente.

Estou viva, embora não esteja exatamente entusiasmada com

isso.

Tudo dói muito mais no dia seguinte. Meus pulsos estão numa

dor aguda e ardente, os ombros rígidos e doloridos por todas as horas

em que ficaram amarrados e presos na mesma posição, meu estômago

está ativamente tentando se alimentar e minhas pernas inúteis cheias

de dor.

Oh! Ainda estou acorrentada a este corrimão de merda.

O único lado positivo foram os poucos copos de água que Peste

trouxe (um dos quais acidentalmente despejei em mim em vez de na

boca, porque minhas mãos estão amarradas. Deus certamente me

odeia) e o fato de que o cavaleiro teve a gentileza de me levar de novo

ao banheiro para que ele não tenha que cheirar meu fedor vil.

Odeio o lindo bastardo.

— Acima de tudo: seja fiel a ti mesmo. — Murmuro baixinho. As

linhas de Hamlet vêm-me à memória. O significado foi abatido como


pedras de rio, desgastadas pelo tempo com uso excessivo, mas as

palavras ainda me afetam. — E deve seguir, como a noite ao dia. — Minha

fala para quando vejo Peste.

Na noite anterior ele usava jeans e uma camisa de flanela, mas

esta manhã está vestido em um conjunto preto que se encaixa como

uma luva. Tanto o tecido quanto o corte de suas roupas conseguem

parecer simultaneamente arcaicos e futuristas, embora não possa

dizer exatamente por quê. Talvez nem sejam as roupas — talvez seja

a coroa dele ou o arco e a aljava pendurados ao acaso sobre o ombro.

Seja o que for, ele parece distintamente de outro mundo.

— Eu a desamarrarei do corrimão, humana. — Diz ele a título de

saudação. — Mas ouça-me: se tentar fugir, vou atirar em você, depois

arrastá-la de volta para cá.

Olho para o V profundo de sua camisa escura, pegando apenas

um vislumbre de uma daquelas tatuagens brilhantes.

— Você me ouviu? — Pergunta ele.

Eu pisco e meu olhar se move para o rosto dele. As últimas

feridas do cavaleiro foram curadas, até mesmo seu cabelo foi

totalmente regenerado. Apenas levou um dia para ele se regenerar

completamente. Que desanimador.


— Bem, se fugir, sou carne morta. — Consegui responder.

Suas sobrancelhas franzem e ele me observa por mais um

segundo antes de grunhir. Com isso, me puxa para cozinha.

Usando um de seus pés, ele chuta uma cadeira. — Sente-se.

Faço careta para ele, mas faço o que ele manda.

Peste se afasta de mim, abrindo as portas do armário

aparentemente de forma aleatória antes de fechá-las e seguir em

frente. Logo, abre a geladeira da casa e tira um pedaço de pão (quem

refrigera o pão?) e uma garrafa de molho Worcestershire4.

Aqui está seu sustento. — Diz ele, jogando-os para mim. Por

algum milagre, consigo pegar a garrafa de molho Worcestershire em

minhas mãos amarradas. O pão me acerta na cabeça.

— Você terá que comer enquanto corre. — Continua ele. — Não

perderei tempo com intervalos humanos hoje.

Ainda estou presa na garrafa de molho Worcestershire. O

cavaleiro realmente acha que posso beber isso?

4
Molho Worcestershire- Criado por Lorde Sandys em 1835. Molho Inglês.
Ele dá um puxão nas minhas amarras, indo para porta e tenho

que me esforçar para pegar o pedaço de pão caído do chão. Enquanto

Peste me amarra na parte de trás de sua sela, consegui enfiar duas

fatias grossas de pão na boca e mais algumas nos bolsos. E então nós

saímos, sou forçada a deixar cair o resto do pão para que possa focar

minha atenção em continuar.

Imediatamente, estou ciente de que hoje não será como ontem.

Minhas pernas estão muito doloridas e minha energia está muito

esgotada. Cada passo é agonizante e nenhuma sensação de medo

poderá me forçar a correr mais rápido ou no tempo que preciso.

Faço vinte, talvez vinte e cinco quilômetros antes de cair,

batendo na estrada com força.

O cavalo sacode com meu peso e solto um grito quando meus

braços são violentamente empurrados para fora de suas articulações.

A corda entra na carne de meus pulsos, grito novamente com dor

dilacerante. Isso não acaba. A pressão nos ombros e pulsos é quase

insuportável. Solto um suspiro, pronta para gritar um pouco mais,

mas é tudo tão violento e repentino que me tira o fôlego.

Peste deve saber que caí, ele deve sentir a resistência e sei que

ouviu meus gritos, mas ele não tenta olhar para trás, por mim.
Eu o odiava antes, mas há algo nessa crueldade que corta mais

que uma faca.

Ele está aqui para matar a humanidade, o que mais você esperava?

Tenho que levantar a cabeça enquanto meu corpo se arrasta atrás

do cavalo para evitar que me machuque. A neve derreteu quase por

completo e o asfalto nu agora age como uma lixa em minhas costas.

Quase posso sentir as camadas do meu casaco espesso se

desintegrando sob a força dele. Uma vez que começa... não sei quanto

tempo um humano pode durar assim.

Nunca tive a chance de descobrir. Antes que sinta a mordida do

asfalto contra a minha pele nua, Peste para o cavalo na frente de outra

casa.

Inclino minha cabeça contra o braço, totalmente exausta pela

dor. Vagamente, estou ciente do cavaleiro desamarrando minhas

restrições de sua montaria.

Seus passos vêm para meu lado, então, ameaçadoramente

param. — Levante-se.

Lamento em resposta. — Tudo dói muito.


Um segundo depois, ele se abaixa e me pega. Solto um gemido.

Até o toque dele dói. Fecho meus olhos e coloco uma bochecha

cansada contra a armadura dourada de seu peito enquanto me leva

para varanda da casa.

Não vejo Peste bater na porta; simplesmente ouço. Gritos saem

de dentro da casa.

— Oh meu Deus. — Diz uma mulher. — Oh meu Deus, oh meu

Deus.

Forço meus olhos a abrirem. Há uma senhora de meia idade nos

encarando com um olhar de horror abjeto.

Por que ela não foi embora? O que estava pensando?

— Ficaremos aqui. — O cavaleiro diz quando ele passa por ela.

Ela balança a cabeça com surpresa quando o vê invadir sua casa.

— Não na minha casa! — Ela diz estridente.

— Minha prisioneira precisa comer, dormir e usar suas

dependências. — Continua ele, como se ela não tivesse falado.

Atrás de nós, a ouço ofegar com várias palavras antes que diga:

— Você precisa ir embora. Agora.


Suas palavras caem em ouvidos surdos. Peste sobe a escada.

Uma vez que chega ao segundo andar, começa a chutar para abrir as

portas e não há nada que ela possa fazer sobre isso. Ele entra em um

quarto esparsamente mobiliado, chutando a porta atrás dele.

Coloca-me na cama, depois se afasta, cruzando os braços sobre

o peito. — Você está me atrasando, humana.

Olho para ele. — Então me deixe ir. — Ou me mate.

Honestamente, a morte pode ser a opção mais gentil neste momento.

— Você esqueceu minhas palavras tão rapidamente? Não

pretendo deixá-la ir, pretendo fazê-la sofrer.

— Está fazendo um bom trabalho. — Digo baixinho.

Seu olhar de desaprovação apenas se aprofunda com minhas

palavras. Estranho, pensei que ele ficaria satisfeito com isso.

Ele gesticula para cama onde estou. — Durma. — Ele ordena.

Ah, não é assim tão simples.

Mesmo sentindo como se tivesse sido fodida até quase a morte,

não posso simplesmente deitar e adormecer, especialmente quando o


sol está entrando pela janela, posso ouvir a proprietária ficando

histérica do outro lado da porta.

— Preciso que solte minhas mãos primeiro. — Digo levantando

meus braços para ele.

Seu olhar se estreita com toda a desconfiança, mas se aproxima

e me solta.

Inclina para perto. — Nenhum truque, humana.

Porque estou tão sorrateira no momento.

Uma vez que meus pulsos estão livres, o sangue flui pelas mãos

e sinto uma sensação agonizante. Um gemido baixo escapa da minha

garganta.

— E se quer minha pena, ficará desapontada. — Diz Peste,

voltando à porta.

Honestamente, este homem é insuportável — mesmo que seja

irritantemente bonito. Na verdade, isso pode ser o que está piorando.

Ele é como a forma mais agressiva do meu já odiado combo

masculino: o idiota gostoso.


Meus olhos se movem sobre Peste enquanto ele dobra os braços,

contente em apenas olhar para mim, um olhar de leve repulsa em seu

rosto.

O sentimento é mútuo.

— Não dormirei com você olhando para mim. — Digo.

— Que pena.

Então é assim que será.

Eu me sento e rigidamente tiro minhas roupas, que são trapos a

esta altura. Jogo-as de lado, deito sob os lençóis e tento não estremecer

com o fato de que estou deitada no quarto de hóspedes de uma

mulher que a praga da Peste em breve matará.

Isso tudo é tão epicamente distorcido.

Abaixo das cobertas, esfrego meus pulsos e tenho que morder

meu lábio inferior quando percebo que é insuportável tocar. Até a

textura macia da flanela é agonizante contra a pele crua.

Peste se senta no chão, encostando as costas na porta e sua

mensagem não dita é clara: não vou a lugar nenhum.


Viro para que possa por cinco segundos fingir que ele não existe,

hoje não existe, nada disso existe.

Fico ali por alguns minutos. Tempo suficiente para me perguntar

se algum dos meus companheiros de equipe sobreviveu à febre.

Tempo suficiente para mais uma vez me preocupar com meus pais.

Forço-me imaginá-los escondidos na frágil cabana de caça de meu

avô, jogando pôquer junto ao fogo como costumávamos quando era

jovem.

Eles acham que estou morta.

Lembro-me das lágrimas de meu pai no início desta semana.

Quão chocantes foram. Ficou tão orgulhoso quando entrei para o

corpo de bombeiros. Ele nunca quis que fosse para a faculdade; não

importava que fosse obcecada por literatura inglesa desde pequena,

fui tão longe ao me vestir de Edgar Allan Poe para o Halloween em

tempos passados (sim, era do que sonhos molhados eram feitos) ou

que passei longos finais de semana escrevendo poemas. Quando o

cavaleiro chegou, a faculdade foi um lindo devaneio e nada mais.

Muito pouco prático, meu pai disse. Para que usará uma licenciatura

de qualquer maneira.

Pergunto-me o que ele diria a isso agora...


— Cavaleiro. — Eu chamo.

Silêncio.

— Eu sei que você pode me ouvir.

Ele não responde.

Eu suspiro. — Mesmo? Apenas vai me ignorar?

Ele solta um suspiro. — Sim.

Pego um fio solto da colcha emprestada. — Nós tiramos na sorte.

— Eu começo. — Para decidir quem o mataria.

Peste ainda está quieto, mas agora juro que posso sentir seus

olhos em minhas costas.

— Havia quatro de nós. — Continuo. — Eu, Luke, Briggs e Felix.

Trabalhamos juntos no corpo de bombeiros e nos últimos dias antes

de você chegar, ajudamos os montanheses a alertar os moradores de

que precisavam evacuar. Não estávamos certos, claro, que você

passasse por nossa cidade. Whistler não é tão grande assim, mas fica

na Estrada 99, a mesma rodovia que informaram tê-lo visto. No

momento em que tiramos a sorte, todos os outros bombeiros já tinham


saído com suas famílias. Aqueles de nós sem famílias ficaram para

trás. — O rosto do meu pai flutua em minha mente.

Você tem uma família, assim como Felix, Briggs e Luke tinham.

Simplesmente não tem marido e filhos. E no final, foi por isso que ficaram.

Menos pessoas sentiriam nossa falta.

— Havia quatro de nós. — Continuo. — E pensamos que talvez...

— Por que você está me dizendo isso? — Peste interrompe.

Eu paro. — Você não quer saber por que atirei? — Pergunto.

— Já sei porque você atirou em mim, humana. — A voz do

cavaleiro é afiada. — Queria me impedir de espalhar a peste. Todas

essas justificativas que está vomitando não são para meu benefício,

são para o seu.

Isso me cala.

Eu estava tentando salvar o mundo. Não sou malvada como você pensa

que sou, quero dizer. Mas de alguma forma, suas palavras queimam

essas explicações como ácido.

O quarto fica em silêncio por um longo momento.


— Você está certo. — Finalmente digo, virando para encará-lo.

— Elas são.

Minhas razões não fazem diferença para ele; não mudam o fato

de que atirei e o queimei. Que não ouvi quando ele me implorou para

parar.

O cavaleiro tem seus antebraços apoiados nos joelhos dobrados,

seu olhar penetrante em mim. — O que você espera ganhar

concordando comigo? — Pergunta ele.

— Você é o único que todo mundo chama Peste, O Conquistador.

— Eu digo. — Não pode sequer dizer quando ganhou uma discussão?

Peste franze a testa.

Eu puxo o fio solto novamente. — Eu sinto muito.

— Sobre o que?

— Matá-lo. Tentar, de qualquer maneira. — Duas vezes,

tecnicamente, já que Peste provavelmente apenas sobreviveu a ferida

de bala porque era eterno.


Ele solta uma risada seca. — Mentiras. Você apenas está me

dizendo isso agora, porque é minha prisioneira e tem medo do que

pretendo fazer.

É verdade, tenho medo de qualquer punição aterrorizante que

Peste queira exigir de mim, mas...

— Não. — Digo. — Eu não me arrependo de tentar matá-lo.

Absolutamente odiei o que fiz, nunca serei a mesma por causa disso,

mas não me arrependo das minhas escolhas quando as faço. Ainda

assim, sinto muito.

O cavaleiro fica em silêncio por um longo tempo enquanto me

observa. — Durma. — Ele finalmente diz.

E eu o faço.
Acordo no meio da noite, arrancada do sono pelo som do choro.

Pisco, olhando ao redor.

Pensei que os vizinhos tivessem evacuado todos...

Procuro minha lâmpada à óleo de cabeceira antes de perceber

que não havia lâmpada à óleo de cabeceira. Não é meu quarto. Não é

meu apartamento.

Então os últimos dias me inundam como uma ducha fria.

Tirando a sorte, matar Peste, as corridas brutais que fui forçada

a suportar até que não aguentasse mais. Enquanto as lembranças me

inundam, assim também todas as minhas dores continuam

persistentes.

Você fez este sanduíche de merda, Burns, agora terá que comê-lo.

O som de choro corta meus pensamentos e me lembro da

proprietária. Quantas horas se passaram desde que chegamos à sua

porta?

Doze? Mais? Menos?


Apalpo novamente por uma lâmpada à óleo; agora que a

eletricidade é irregular, as pessoas mantêm lâmpadas e lanternas ao

redor. Meus dedos deslizam sobre uma mesa de cabeceira, mas o que

encontram não é uma lâmpada. Sinto um copo de água e jarro ao lado

dele.

Peste deixou isso aqui?

Recuo com o pensamento. Isso seria muito gentil para ele.

Puxando meus cobertores, saio da cama e vou pelo corredor,

pronta para ir em direção ao som do choro, que parece estar vindo de

um quarto nos fundos da casa. Mas então hesito.

O que você fará, Sara? Confortar ela? É uma estranha bancando

Cachinhos Dourados em sua casa. Acha que ela quer alguma coisa com você?

Fico ali, duvidando de mim mesma, quando finalmente tomo

uma decisão. Meus olhos percorrem o corredor escuro uma vez, duas

vezes, procurando por Peste, volto para meu quarto e olho para

dentro. A escuridão cobre muito, mas não pode esconder um

cavaleiro e não há um no meu quarto.

Ele foi embora.


Não me dou tempo para perguntar para aonde Peste foi, tenho

quem sabe quanto tempo até seu retorno.

Não desperdiçarei meu tempo agora.

Preciso ignorar o choro da mulher. Não poderei ajudá-la agora.

Morrerá como o restante deles, como eu deveria morrer e não há nada

que possa fazer sobre isso.

Tentei, quero dizer a ela, tentei, mas o cavaleiro não pode ser morto e

sinto muito, mas não acho que algum de nós sairá vivo disso.

Exceto que estou. Por esta noite.

Pego a pilha de roupas que tirei mais cedo que estavam ao lado

da cama. Tão silenciosamente quanto ouso, me visto, as fechando os

botões quando elas começam a tremer.

Rápido, rápido. Antes que ele volte.

Agarrando minhas botas, sigo suavemente até a janela. Abro o

painel, estremecendo contra a explosão de ar gelado que sopra,

picando meus pulmões e roçando meus cabelos.

Droga. Realmente não quero sair em uma noite como está.


Hesito, poderia ficar com Peste; ele não está tentando me matar

depois de tudo.

Ele quer fazê-la sofrer.

Haverá mais corridas, mais pulsos sangrando e mais dias como

hoje, onde não posso acompanhar. E isso, assumindo que Peste não

decida que preciso sofrer mais do que já estou. Prefiro não estar por

perto para ver as punições criativas que possa inventar.

Assim puxo a tela da janela. Um momento depois, ouço o bater

suavemente quando atinge o chão abaixo.

Respiro fundo por coragem.

Balanço primeiro uma perna, depois a outra, para fora do

parapeito da janela. E do lado de fora, está nevando novamente, uma

camada fina de neve no chão. É esse chão que me deixa nervosa. Pular

dois andares, a queda poderia quebrar minhas pernas. Poderia ser um

pouso ruim, mas seria bom. Meticulosamente me abaixo até ficar

pendurada na janela pelas mãos e agradecer ao destino que o combate

a incêndios me deu uma boa força na parte superior do corpo.

E então solto.
Por um longo momento, fico sem peso. Então o momento

termina e meus pés batem no chão. Lentamente, me endireito. Sem

tornozelos ralados, sem ossos quebrados, pela primeira vez, a sorte

está comigo.

Dou à casa um último olhar, então corro para estrada, mesmo

que meu corpo não esteja em condições.

Estou livre. Puta merda, estou livre!

Atrás de mim, ouço um leve assobio, um som que se confunde

com o vento até que algo que parece uma faca bate em minhas costas,

logo abaixo da omoplata direita.

Ofego com a dor, meus pés tropeçando enquanto o calor se

espalha na ferida.

Sangue, penso. Você está sangrando porque há uma ponta de flecha

dentro de suas costas.

Deveria ter imaginado, mas quando me vi naquele quarto vazio,

não pude parar. Esperança é uma coisa condenável.

E agora, Jesus, Maria e José, a queimadura da ferida atinge

minha traqueia. Não me incomodo em olhar para trás enquanto forço


meus pés continuarem se movendo. Eu sei o que verei. Peste

orgulhoso, arco na mão, me admirando como caçador.

E se parar agora, ele me pega.

Corro, levanto a neve sob minhas botas enquanto passo a linha

das árvores à minha frente. E se chegar a floresta, ainda posso escapar

dele.

Com cada movimento dos braços e balanço do torso, a ponta da

flecha corta mais profundamente o músculo.

Você suportou pior, Burns. Andou através do fogo, sentiu as chamas

queimarem sua pele e cozinhar seu corpo. Você sobreviverá a isso.

Sobreviverei... contanto que está ponta de flecha não esteja

contaminada com veneno... ou peste. Tento não pensar sobre essa

última. Tento não imaginar o que acontecerá se fugir. Como poderia

escapar dele apenas para morrer da Febre.

Estou quase na mata quando a próxima flecha me atinge, a ponta

dela entra na parte inferior das costas.

Mais uma vez tropeço, quase caindo de joelhos. Está aqui, parece

que bate mais do que apenas músculo. Há uma sensação doentia que

parece errada toda vez que me movo.


Atrás de mim, ouço o galope das batidas dos cascos.

Mova-se! Grito para mim mesma enquanto a neve se agita ao

meu redor.

Cambaleio para ficar de pé, me forçando a continuar. Minha

energia está rapidamente diminuindo, posso sentir mais sangue

encharcando minhas roupas rasgadas, o tecido rapidamente ficando

gelado.

Leva o cavaleiro menos de um minuto para me alcançar, a

respiração de sua montaria fumegando no ar da noite. Posso sentir o

olhar ardente de Peste em mim, mesmo que não ouse olhar. Escapar

agora é fútil, mas ainda não paro.

Ouço o tilintar pesado de sua armadura ao desmontar, suas

botas esmagando a neve e a vegetação rasteira morta. Em dois longos

passos está sobre mim. Sua mão envolve uma flecha.

— Não...

Sem piedade, ele puxa para fora. Grito quando a lâmina corta

mais músculos e tendões quando é removida.

Ele a joga de lado, nunca dizendo uma palavra. Sinto outro

puxão doentio quando agarra outra flecha alojada em minhas costas.


Por favor. Está na ponta da língua implorar, mas tenho a sensação

de que é exatamente o que ele quer — que implore pela vida como fez

com a dele. Aperto os dentes. Maldito, não lhe darei o que quer.

Quando puxa a segunda ponta da flecha para fora, a dor faz

minhas pernas se dobrar. Posso sentir riachos de sangue escorrendo

pelas costas, a sensação doentia me deixando nervosa.

— Porque você provou ser tão manipuladora como o restante de

seus irmãos. — Ele diz, com um tom tão cortante quanto suas armas.

— Não dormirá mais. É um luxo que já não posso permitir.

Aproximando-se, agarra minhas mãos, soltando uma corda que

está presa em seu quadril. Eu puxo suas mãos. — O que você está

fazendo? — Pergunto, começando a entrar em pânico.

Não a corda. Novamente, não.

Oh Deus.

Está me castigando, porque tentei escapar e falhei, agora tudo

será muito pior. Ajoelhado na neve, começa a amarrar meus pulsos,

com uma expressão sombria e irritada.

E se não fugir agora, morrerei.


Eu o chuto, minha bota caindo pesada contra sua coxa. Ele nem

ao menos balança. Aperta os nós no meu pulso e grito com dor aguda.

Seus lábios finos se apertam enquanto enrola a outra extremidade

através da sela.

— Não. — Por favor. — Não, não, não. — Estou murmurando

quase sem sentido, algumas lágrimas saindo dos meus olhos.

Tenho duas feridas abertas nas costas e o ar da noite é tão frio

que rasga minha roupa e queima minha pele.

— Por que você está fazendo isso? — A pergunta é quase um

soluço.

Peste me encara. — Você esqueceu o que fez comigo

recentemente? — Ele dá um puxão na corda. — Levante-se.

Eu não me levanto. Eu não tenho isso em mim para me levantar.

O cavaleiro não fica por perto para ver se sigo ou não suas

ordens. Monta seu cavalo e faz outro barulho de clique. O corcel

começa a se afastar, apenas tenho um segundo para colocar meus pés

no chão antes de ser forçada a me mover.

E então estamos fora novamente.


Não sei quanto tempo viajamos na noite escura e fria, somente

parece interminável. Minhas mãos estão dormentes, minhas pernas

rígidas com o frio, minhas costas pulsam de maneira estranha e

dolorosa, o que me faz pensar que meus ferimentos são mais do que

somente carne ferida.

Ainda assim, Peste nos leva adiante.

No começo o cavalo dele se move devagar, embora não penso

que seja para mostrar qualquer misericórdia. Pelo contrário, suponho

que é para aumentar minha agonia pelo maior tempo possível.

Lentamente o corcel começa a ganhar velocidade, até que seu trote se

torna um meio galope e então torna-se um galope.

Continuo por um tempo. Isto posso dizer. Apesar de tudo, de

alguma forma continuo. Mas ninguém exceto está covarde e imortal

criatura pode continuar para sempre. A falta de sono, as poucas

refeições, o frio, minhas feridas e exaustão — tudo isso me desgastou.

Tropeço, caindo na estrada coberta de neve e não consigo me

levantar. Meus pulsos se movem sobre minha cabeça, a força dele me

puxando deixa ao menos um braço fora de seu encaixe.


Agora grito. Fico louca.

Meu corpo está em chamas e uma pessoa pode ficar louca com

este tipo de dor.

Nem sabia que poderia me machucar tanto e oh! Deus, oh! Deus,

oh! Deus, faça isso parar por favor, faça parar. Sinto muito, eu atirei em seu

amado cavaleiro somente para fazê-lo parar.

Mas isso não para. E se Deus tem alguma misericórdia, não é por

mim.

Sou arrastada através da neve e o frio dói tanto que queima.

Qualquer que seja a proteção das minhas roupas, não irá durar muito.

Posso sentir a estrada gelada em minhas costas, não sei onde minha

agonia começa e onde termina. Tudo que sei é que não tenho como

suportar nada pior.

Grito até sentir a garganta estraçalhada. Meus braços serão

arrancados do corpo. Não há outro caminho para isso terminar. E

estou com tanta dor que espero que possa sangrar e morrer mais

rápido.

Porém, não acontecerá.


Há dor, muita dor, estou queimando mesmo que não haja fogo,

estou queimando, faça isto parar, por favor faça-o parar, por favor, por

favor, por favor.


Acordo brevemente para um intenso surto de dor em um dos

ombros. Choro quando as mãos me soltam e um pouco da agonia

diminui.

O mundo ao meu redor está fora de foco, apenas faixas de cores,

meu corpo lateja de maneira horrível. Porque tudo doía?

Ao redor, as cores começam se aguçar o suficiente para fazer

uma careta. Um anjo aparece sobre mim, seu rosto ainda um pouco

embaçado. Estou no céu?

Deveria sentir dor se estivesse no céu?

Alcanço e seguro o rosto do anjo com a mão trêmula, meus

pulsos ensanguentados e meus dedos roxos. Ele recua, saindo do meu

alcance.

— Estou morta? — Acho que pergunto, mas o anjo não responde.

— Fique comigo. — Murmuro. Eu tento pegar uma mão. Quando

encontro o que procuro, passo meus dedos por ele. — Por favor.

— Não deveria dizer essa palavra.


Porque não devo dizer essa palavra? Algo sobre implorar, mas

agora não consigo me lembrar...

Tudo está se afastando cada vez mais. Aperto a mão que seguro

com força. — Fique comigo. — Digo novamente.

Mas o anjo e o resto do mundo desaparecem.

Abro os olhos, olhando para o teto acima de mim. Por um

momento, minha vida é normal, minha mente está limpa.

Alguém aperta minha mão e viro a cabeça, desorientada. Então

o vejo. Grito.

Não há nada — nada — mais monstruoso do que aquele rosto

sedutor que Peste tem, sua coroa de ouro descansando

orgulhosamente em sua cabeça.

É apenas quando ele deixa cair minha mão como se queimasse,

que percebi que o filho da puta estava a segurando. Demora outro

segundo para processar porque exatamente isso me enche de fúria

ofuscante.

Fugindo do cavaleiro. Flechas. Amarrada ao seu corcel e forçada a

correr. Queda. Arrastando. Dor. Morrendo.


Suspiro com a lembrança e agora a força total de minha agonia

surge.

— Estou viva.

Parece impossível à luz de tudo que passei. Parecia ser

despedaçada.

— O sofrimento é para os vivos. — Peste responde de onde está.

Olho ao redor do quarto em que estamos. É outro quarto de hóspedes,

presumivelmente em outra casa que Peste decidiu invadir.

Minhas mãos vão para os lençóis gastos debaixo de mim. Ele me

trouxe e me deitou na cama, presumivelmente estou aqui desde

então.

Não posso dizer se este cenário me aterroriza completamente ou

se isso tira meu medo do limite.

Ele não me deixou morrer. Pretende me deixar curar. Apenas

para que possa sofrer mais. Sento na cama, engolindo um grito com a

dor intensa que flui em minhas costas.

— Por que estou aqui? — Pergunto.

— Eu não a deixarei morrer.


Mais uma vez, não sei se ele me salvando é uma gentileza ou

maldição.

É obviamente maldição, sua burra idiota. Ele não a está salvando para

romance sua bunda.

— Você atirou em mim, depois me amarrou e me arrastou pela

neve. — Apenas dizer essas palavras força um arrepio.

Seus olhos azuis estão firmes em mim. — Eu fiz.

Rolo um ombro, a articulação dolorida. —Meu braço foi puxado

para fora de sua cavidade. — Digo, lembrando da sensação

excruciante.

Ele olha para mim por um longo momento, cada centímetro, o

maldito anjo, depois assente. Olho para baixo para mim mesma.

Minha camisa sumiu, substituída por de uma estranha — uma mulher

grande com um guarda-roupa desatualizado, a julgar pela estampa

floral aberrante.

Alguém me viu sem camisa. Meus olhos vão para Peste, que está

olhando para mim passivamente. Provavelmente ele, o que significa

que agora viu minha vagina e meus peitos.

Hugh. Por que eu?


Movo minha mão, a ação parecendo restrita. Empurrando para

trás uma manga, noto que meus pulsos estão vendados em linho

branco e macio. Aperto um dos curativos.

Teria Peste se importado com minha dor? Lembro-me da

maneira cruel com que arrancou as pontas das flechas das minhas

costas.

Não …

Minha atenção é distraída pela pulsação horrível das costas.

Sento-me a frente, para tirar um pouco da pressão e sinto o pano cavar

na pele de meu estômago.

Levantando a ponta da camisa, olho para o torso, que, como

meus pulsos, está enrolado em camada sobre camada de ataduras.

Passo o polegar sobre o linho. — Quem fez isto?

Peste me dá um olhar ilegível.

— Você? — Finalmente pergunto.

Sinto o sangue queimando sob minha pele com horror e

vergonha e... algo mais com o pensamento, ele rasgando minhas


roupas e me curando. Tento imaginá-lo limpando e cuidando de

minhas feridas, acho que não posso. Não quero.

Seus lábios apertam. — Lembre-se da minha gentileza.

— Sua gentileza? — Eu digo, incrédula. — Você foi quem infligiu

essas feridas.

E você fará novamente até que me quebre.

Gah, ele estava certo quando me prometeu sofrimento.

Seu lábio superior se levanta, como se estivesse lutando contra

uma careta. Peste está de pé, sua grande estrutura pairando sobre

mim. — Não tente escapar novamente, mortal. — Ele avisa e então sai

do quarto.

— Peste! Eu grito pela bilionésima vez.

Paro, ouvindo.

Nada ainda.

Claro que ele pode me pegar fugindo em cinco segundos, mas

quando realmente preciso, não está em lugar nenhum.

— Peste!
Ao longe, acho que ouço um gemido, que me deixa em paz

muito rápido. Tem mais alguém morando aqui?

Passos pesados interrompem esse pensamento. A porta se abre

e ali está Peste, parecendo um príncipe de conto de fadas. Seus olhos

primeiros vão para cama, onde eu deveria estar, antes de cair no chão,

onde estou.

— O que você está fazendo fora da cama, humana? — Ele

pergunta, olhando para mim todo suspeito.

Porque estou tão pronta para tentar escapar novamente.

— Preciso de ajuda. — Dói muito em meu orgulho dizer isso.

Suas sobrancelhas franzem e ele entra mais no quarto, fechando

a porta atrás.

— Você entende que estou relutante em oferecer-lhe qualquer

coisa, dada a nossa história.

Nossa história. Ele de alguma forma faz parecer que há toda essa

saga entre nós.

— Eu sei. — Digo.
Ele espera que continue. Mas agora que está aqui, parecendo um

modelo masculino retocado, estou perdendo um pouco da coragem.

— Hum. — Eu digo, me mexendo no chão, minhas costas

gritando de dor. — Preciso ir ao banheiro. — Isso tecnicamente não é

diferente de qualquer outra vez que pedi para me ajudar no banheiro,

ainda assim, porque agora estou ferida em vez de presa, a fragilidade

me faz sentir vulnerável.

É por isso que estou sentada aqui no chão. Tentei sair da cama e

ir para o banheiro sozinha. Apenas não tinha considerado quão fraca

estaria ou quão verdadeiramente minhas feridas doíam.

Consegui ir até o meio do caminho da porta antes de desistir. E

agora aqui estamos.

Por um longo momento, Peste não reage. Então, silenciosamente,

vem até mim. Fico tensa enquanto se ajoelha ao meu lado. Sei que

pedi ajuda, mas não posso deixar de lembrar toda a agonia que ele me

causou.

É uma reviravolta horrível do destino ter que depender da

pessoa que me colocou nessa posição. Os braços de Peste deslizam

sob o meu corpo e me levanta. Grito com a pontada de dor que me

atravessa com o movimento. Para minha eterna humilhação, envolvo


meus braços ao redor de seu pescoço para aliviar um pouco da

pressão em minhas costas.

A posição me deixa desconfortavelmente perto da boca dele e

tenho a infelicidade de perceber como seu lábio superior é mais cheio

do que o de baixo.

Ele me carrega sem comentários, me colocando no banheiro,

apesar de usar ainda uma calça. Aponto o jeans cobrindo minha

metade inferior. Estou em um macacão jeans, não o coloquei.

O que significa…

Ugh.

O cavaleiro viu minha dama novamente.

O dito cavaleiro paira sobre mim. — Tente escapar novamente...

— Sim, sim. — Eu digo. — Não irei a lugar nenhum.

Peste faz cara feia e sai do banheiro, fechando a porta atrás dele.

Deve saber que não estou em condições de ir a lugar algum ou então

duvido que me deixaria sozinha.

Isso, ou ele sabe que pode atirar em você novamente se tentar se afastar.

Vou ao banheiro, dando descarga atrás de mim.


— Peste! — Grito quando termino, encostando-me no balcão,

onde consegui lavar as mãos.

Quando ele entra, quase caio em seus braços. Desta vez, quando

envolvo meus braços em seu pescoço, sinto-me muito

lamentavelmente humilhada.

Ele empurra a porta aberta do quarto e me coloca de volta na

cama.

— Eu pensei que você me proibiu de dormir. — Digo, enquanto

ele desliza as mãos debaixo de mim.

Tão perto, posso ver o azul cristalino de seus olhos. Eles são da

cor do céu em um dia claro. Acima deles, sua coroa se move, a visão

disso, é uma lembrança sombria de quem ele é.

Aqueles olhos se estreitam e sua boca se curva. — Não me faça

lamentar minhas gentilezas.

Realmente acho que ele precisa reavaliar o que essa palavra

significa.

Antes que tenha a chance de responder, ele sai e fico sozinha

mais uma vez. São outros dois dias antes que esteja forte o suficiente

para deixar a cama sozinha.


Até então, Peste começou a me alimentar (e a julgar por suas

escolhas alimentares, ele não tem ideia do que as pessoas realmente

comem) e me levar para o banheiro.

Em outras palavras, tem sido um ótimo momento. Não.

Quando o cavaleiro não estava cuidando de mim, passo meu

tempo dormindo. Dormindo e sonhando coisas estranhas onde meus

pais pairam nas proximidades, fora de alcance e murmuraram para

mim, às vezes gritavam e no final, apenas tossiam fracamente antes

de sumir de vista.

Agora vou para o corredor com as pernas trêmulas,

emocionando-me com a sensação de finalmente me mover. Não que

esteja de volta ao normal ou algo assim. Tudo ainda dói, até meus

pulmões e não deveria estar fora da cama, mas preciso fazer xixi e

estou cansada de chamar Peste.

Apenas depois de usar o banheiro e abaixar a cabeça na pia do

banheiro para beber meu peso em água, decido explorar a casa em

que agora me encontro.

Quando saio do banheiro, aproveito para ouvir. Bem, se o

cavaleiro estiver por perto, ele não faz sua presença conhecida. Mas

duvido seriamente que esteja. Agora que estabelecemos algum tipo


de rotina, em que grito seu nome e ele apenas vem algumas vezes,

estou começando a pensar que a única vez que ele está realmente

vagando por esta casa é quando traz comida e água ou me ajuda a ir

ao banheiro.

Não pensarei no fato de que ele está cuidando de mim. Prefiro

me lembrar que atirou em mim pelas costas — duas vezes — e depois

me arrastou pela neve até a dor ser tão grande que desmaiei.

Lembrarei que ele ainda está se movendo de cidade em cidade,

espelhando uma praga e me arrastando junto.

Somos inimigos puro e simples. Ele não se esqueceu disso desde

que atirei nele. Deveria me certificar de que também não esqueça, não

importa o quão útil se mostre desde então.

Um zumbido chama minha atenção para o teto. No alto, uma luz

brilha suavemente. É a primeira vez que noto que esta casa tem

eletricidade, um luxo nos dias de hoje. Sortudos. O apartamento em

que morava não tinha. Eram lâmpadas a óleo e lanternas por todo o

caminho.

Ando pelo corredor, indo em direção ao que parece ser a sala de

estar e a cozinha além. Agora que minhas necessidades mais urgentes


foram atendidas, posso sentir o palpitar do estômago vazio sob as

outras dores mais agudas.

Qualquer coisa neste momento será melhor do que os estranhos

combos de comida que Peste pensa em me trazer, como mostarda e

macarrão cru. Como muito pouco, mas se tivesse que adivinhar, diria

que o cavaleiro não está muito familiarizado com a culinária humana.

O ar neste lugar parece rançoso, como se ficou fechado por muito

tempo no calor, deixando bens perecíveis estragar.

As imagens penduradas ao lado das paredes de cada lado me

chamam atenção. Fotos de família. Meu estomago aperta. É fácil ser

levado pelos horrores mais óbvios do apocalipse e esquecer que as

pessoas que foram afetadas têm famílias como eu.

Meus olhos se movem de foto em foto, as imagens organizadas

em ordem sequencial. Primeiro, são fotos embaraçosas de bebê, em

que seus pais o colocam nu e pensam que você é absolutamente

adorável até ficar mais velho, em seguida, que seus amigos zombam

quando se depara com elas.

Essas fotos são seguidas por doces fotos infantis, depois sorrisos

desdentados de crianças da escola primária. Inevitavelmente, elas se

transformam em fotos de família que de alguma forma parecem


antiquadas, entre o grande colarinho de renda que a esposa usa, os

óculos gigantes que tornam os olhos do marido ainda mais redondos

e os cortes de cabelo parecidos com tainhas de seus dois filhos.

Toco o quadro, sorrindo um pouco com a visão. Quantos anos

teriam esses dois meninos agora? Na casa dos trinta? Quarenta anos?

Eles têm famílias?

As fotos terminam abruptamente no final do corredor e entro na

sala de estar.

Engulo um grito.

Há um homem deitado, vestido com apenas uma boxer e algo

está muito errado com ele. Em toda parte, que suas roupas não

cobrem, centenas de pequenos pedaços pressionam por baixo da pele.

Para meu horror, alguns desses pedaços se abriram, revelando

sangue, pus e outras coisas escorregadias que me fizeram sentir o

gosto de bile no fundo da garganta.

Eu vi muitas coisas perturbadoras durante meus poucos anos

como bombeira, mas nada como isso. Há um cheiro enjoativo no ar,

que não notei antes. É o cheiro de infecção – podridão.

Ele pegou a febre.


Uma parte vergonhosa de mim quer ficar mais longe possível

desse homem. Ele é indubitavelmente contagioso.

Você é uma socorrista, Burns. Isto é o que significa no final. Sacrifício

e se necessário, morte.

Meus olhos voltam para o rosto do homem. Seu cabelo é marrom

opaco que está perdendo sua batalha contra o cinza, eu rosto tem

aquela aparência desgastada e esticada quando a pele começa a entrar

nos quarenta anos de uma pessoa. E seus olhos injetados de sangue,

eles me olham indiferente enquanto seu peito sobe e desce apenas o

mínimo.

Deus querido, ele ainda está vivo.


Peste queria que visse isso. Eu sei tão certo quanto sei meu

próprio nome. Fisicamente me machucar era apenas parte da minha

punição por tentar acabar com ele. Esta é a outra parte — assistir a

morte em seu estado mais abominável.

Não, não apenas assistir. E não apenas ser impotente para pará-

lo, mas para acompanhar Peste como um co-conspirador, para me

fazer desempenhar algum papel na disseminação da doença.

Olho para o homem, enraizado no local, tentando lembrar de

todas as histórias que ouvi sobre essa praga. A notícia mencionou os

caroços. Como poderiam inchar e cobrir cada centímetro do corpo. E

como, em direção aos estágios finais da doença, se abriam como frutas

maduras enquanto o corpo da pessoa decaía de dentro para fora.

Necrose eles chamam isso — o corpo apodrecendo enquanto o

organismo ainda vive.

Os cabelos dos meus braços se levantam. Eu deveria sofrer com

isso. Não, deveria morre. Em vez disso, estou viva e saudável o

suficiente para ver esse homem sucumbir a ele.


Observo novamente, feridas abertas e tudo mais. Esse tipo de

morte não tem negócios no mundo moderno. É o tipo de coisa que

pertence a antigos filmes de terror e contos da Europa Medieval. Não

aqui, onde, na lembrança recente, carros corriam e aviões voavam,

telefones ligavam e a Internet existia.

Mas o mundo moderno se foi. Assassinado nos meses que se

seguiram à chegada dos cavaleiros. E agora todos estão lutando para

viver a vida em uma época em que perdemos quase tudo.

Embora queira correr, dou um passo hesitante para frente. Eu

sou uma bombeira, droga. Estou acostumada a ver coisas

assustadoras todos os dias. Vendo e consertando.

E dou um passo à frente, percebendo como os olhos indiferentes

do homem tentam me rastrear. Vivo e consciente.

Agacho na frente dele, cheirando amônia e excremento humano.

Peste pode estar me ajudando no banheiro, mas ele não tem sido tão

benevolente com nosso anfitrião — ou quem quer que seja esse

homem.

Mais uma vez hesito. Uma parte de mim se preocupa que,

tentando ajudar, apenas machucarei mais o homem. Sem mencionar

que há uma boa chance de pegar a doença no processo e isso não é


um bom caminho a percorrer. Mas depois, estive ao lado de Peste por

mais tempo do que esse homem. Fui contida, baleada e arrastada pela

neve e ainda estou viva — viva e intocada pela Febre.

E de alguma forma, me tornei imune.

Mas mesmo que não tenha, mesmo que tenha conseguido evitar

isso até agora, qual o pior a acontecer? Sentirei dor? O destino não me

daria uma dor pior do que já sofri. E se morrer? Bem, pelo menos não

terei que aguentar mais a presença do cavaleiro.

Estou positiva.

Agacho na frente do homem, pegando sua mão. Está quente ao

toque. Ele trabalha a garganta seca e faz uma tentativa fraca de

balançar a cabeça.

— Não dev... tocar... eu... doeee... — Ele sussurra.

Aperto a mão dele. — Está tudo bem. — Digo gentilmente. —

Estou aqui para ajudá-lo.

Ele fecha os olhos. — Todoo... moor... — Ele geme, seu rosto

fazendo caretas. — Eu... uuultimo.


Meu estômago revira. Esse cheiro de podridão pode não estar

vindo dele. Pode estar vindo de outras pessoas... pessoas que agora

são apenas corpos.

E em todo o tempo que estava me recuperando, não notei que

havia outras pessoas na casa.

Você dormiu a maior parte disso, me lembro.

… e ainda assim, talvez eu tenha notado. Talvez todos meus

sonhos febris não fossem sonhos febris, mas os ruídos que estavam se

infiltrando no meu quarto enquanto dormia, barulhos que minha

mente colocava rostos.

Minha atenção retorna ao homem na minha frente. Ele teve que

assistir quem vivia aqui adoecer e depois morrer. E em algum lugar

no fundo de sua mente, está ciente de que morreria por último, sem

alguém para cuidar dele.

Coloco as costas da mão contra a testa dele, depois no pescoço.

Está queimando. E agora que olho para além dos caroços e feridas

abertas que transformaram seu corpo em algo grotesco, vejo que seus

lábios estão rachados e pontiagudos.


Fico de pé e vou para cozinha. Pegando uma toalha de mão, a

coloco debaixo da torneira da cozinha. Então, verificando os armários,

pego um copo vazio e uma garrafa de RedLabel.

Depois de encher o copo com água, levo de volta para a sala de

estar, tentando não pensar no fato de que tenho uma cama nesta casa,

mas esse homem não. Isso era feitio de Peste? Era esse homem?

Colocando meus itens em uma mesa de café perto do sofá, pego

a toalha molhada e começo a passá-la suavemente sobre o rosto e o

pescoço do homem. Meticulosamente, desço por seu corpo, tentando

evitar o que posso dos caroços e feridas, que parecem doloridos ao

toque.

Pego o copo de água e a garrafa de RedLabel da mesa de café.

Segurando os dois, eu pergunto: — Qual você prefere?

Não há nem mesmo uma segunda deliberação. Os olhos do

homem vão para o uísque.

— Boa escolha.

Despejo o copo de água direto no tapete — porque ninguém vai

dar a mínima sobre uma poça em uma casa cheia de peste, encho-o

até a metade com a bebida.


Deslizando a mão por baixo das costas do homem, levanto o

corpo dele apenas o suficiente para que engula, ignorando minhas

próprias dores e agonias que despertam com o esforço. Usando minha

outra mão, seguro o copo de uísque em seus lábios.

Ele engole o líquido em cinco goles sólidos.

— Mais. — Ele murmura e sua voz soa mais forte.

Mais uma vez, encho o copo até a metade e novamente, ele

engole. E então mais uma vez.

É álcool suficiente para me mandar para o hospital, mas acho

que esse é o ponto. Não há como vencer esta praga. A taxa de abate

dessa coisa é cem por cento. Neste ponto, o que qualquer um de nós

pode fazer é diminuir a dor desse homem.

Uma vez que ele esvazia a terceira xícara, alcanço a garrafa

novamente, mas ele levanta a mão para cima, apenas levemente. Não

mais.

— Obrigado. — Ele chia.

Aceno, engolindo o nó na minha garganta. Pego sua mão em

chamas e a seguro entre as minhas. — Você gostaria que eu ficasse?

— Pergunto. Eu não me incomodo em adicionar, nas suas últimas


horas. Mesmo olhando para a morte, não consigo reconhecê-la pelo

nome.

O homem fecha os olhos, seu corpo já relaxando com os efeitos

do uísque, ele aperta minha mão uma vez, o que eu aceito como

resposta.

Meu polegar afaga círculos em sua pele e suavemente começo a

recitar Poe. —A morte se elevou a um trono, em uma cidade estranha,

deitada sozinha...

As palavras para — Cidade no Mar— saem de mim, palavras que

li e memorizei há muito tempo. Quando termino de recitar o poema,

sigo em frente, citando o livro de Lorde Byron. — Es morto, como

jovem e belo. — E depois algumas passagens de Macbeth, poemas e

prosa que pintei aqui e ali. O mundo pode ter parado de se preocupar

com esses poetas há muito tempo, mas suas palavras imortalizadas

são apropriadas agora mais do que nunca.

Ao meu lado, o homem não abre os olhos novamente, mas de

vez em quando inclina a cabeça um pouco na minha direção,

deixando-me saber que está ouvindo.

Em algum momento, ele para de se virar. Sua respiração

ofegante é lenta quando ele balança a cabeça. Sento-me em meus


calcanhares, segurando sua mão, e observo até que a subida e descida

de seu peito para. Mesmo assim, seguro sua mão, não a liberando até

que sua pele começa a esfriar.

Nunca perguntei o nome dele. Segurei sua mão e aliviei seu

sofrimento, a visão de seu corpo crivado de peste me assombrará pelo

resto dos meus dias, mas nunca soube seu nome.

Isso vai me incomodar.

Por um capricho, pego a garrafa de RedLabel e tomo vários

goles. Coloco a garrafa debaixo do meu braço. Já sei que precisarei

novamente e logo. Haverá, sem dúvida, mais tormentos pela frente.

Afinal, meu sofrimento está apenas começando.


Saímos uma hora depois que o homem desconhecido morreu.

Peste me leva para fora com uma mão no meu ombro, seu arco e flecha

dourado nunca distante da minha vista.

Como uma advertência do que ele pode fazer comigo. Seu corcel

espera por nós, suas rédeas não estão amarradas a nada, apenas de pé

ali como se a criatura não tivesse nada melhor para fazer, a não ser

esperar seu mestre.

Peste agarra a corda que foi colocada em um dos alforjes.

Desdobrando-a, envolve uma das extremidades nos meus pulsos, que

ainda estão cobertos de ataduras.

Todas as minhas aflições e dores vêm rugindo de volta ao ver

minhas mãos amarradas. Correndo novamente. Deveria saber.

Mas em vez de amarrar a outra extremidade na parte de trás de

sua sela, ele a passa por um de seus laços do cinto.

Eu levanto minhas sobrancelhas. Isso é inesperado.

Peste cuidadosamente evita meus olhos enquanto se vira para

mim e agarra ambos os lados do meu tronco. Mesmo que tenha me


levado ao banheiro nos últimos dois dias, ainda me abalo com a

pressão das palmas das mãos sob minhas axilas. Antes que me mova,

ele me levanta em seu cavalo. Um segundo depois se acomoda atrás

de mim.

O couro range quando Peste se acomoda na sela. Eu solto a

respiração com a dor que explode quando sou pressionada contra sua

armadura. Sua mão esquerda faz uma curva ao meu redor, sua mão

espalma minha parte inferior. Sua outra mão toma as rédeas.

Ele se inclina para perto. — Você pula. — Ele avisa, sua

respiração quente contra o meu ouvido. — Eu a farei correr atrás de

mim novamente.

Eu não duvido dele, mas agora, tudo em que posso pensar é o

quão repulsivo e íntimo é tê-lo tão perto. Peste estala sua língua e seu

cavalo começa a andar.

Estou andando com um dos cavaleiros do apocalipse.

Puta merda.

Agora tenho assentos na primeira fila para o fim do mundo.


Mesmo com todas as dores, cavalgar é uma forma de viajar

muito melhor do que correr, com pulsos amarrados, atrás de um

cavalo.

— Estava realmente perto da morte, não estava? — Pergunto,

referindo-me a quando Peste arrastou meu corpo já ferido pela

estrada.

— Você precisa conversar?

Tão agradável ele.

— Você deve espalhar a peste?

Ele não responde, embora possa senti-lo grudado as minhas

costas.

— Por que você me salvou?

— Eu não salvei você, humana. Eu a mantive viva. Há uma

diferença. E a mantive viva para fazê-la sofrer. Pensei ter deixado isso

claro.

Eu toco meu peito. Sob minhas camadas de roupas emprestadas,

estão as ataduras que prendem minhas feridas.

— Você passou por muitos problemas para me manter viva.


— É verdade. — Diz ele, após um momento de pausa. — Mas

em seguida, puni-la uma e outra vez me traz grande alegria. — Suas

palavras são amargas.

Eu não acredito nele. Deus, como queria acreditar, oh, como o

desprezo, mas não acredito nele. Não totalmente. E não sei por quê.

Nós andamos em silêncio por mais alguns minutos, nossos

corpos balançando com o ritmo da marcha do cavalo, antes de

começar novamente.

— Onde você aprendeu a limpar e cobrir os ferimentos? —

Pergunto.

— O que isso importa? — Ele diz.

Eu olho de volta para ele, encontrando seu olhar azul gelado

enquanto o vento sopra alguns fios de cabelo em seu rosto.

Que desperdício de beleza.

A mandíbula de Peste flexiona quando encontro seu olhar e ele

volta o seu olhar para a estrada.


— Não, eu acho. Sou apenas grata. — Realmente sou. Acho que

não estou pronta para morrer, embora seja a opção mais fácil neste

momento.

— Eu não me importo. — Ele diz friamente.

Peguei ele de bom humor, penso.

Não.

— Então... — Posso praticamente sentir seu temperamento

escurecendo, mas continuo. — Eu não fiquei doente.

— Observação astuta, mortal.

— Isso é apenas sorte ou você controla quem tem a peste? —

Pergunto.

— Você nasceu com todos seus órgãos intactos? — Ele responde.

Não consigo ver seu rosto, então não tenho como saber aonde

quer chegar com essa pergunta.

— Sim... — Digo com cautela.

— Bom. — Ele responde. — Então espero que você use o que está

sob seu crânio.


Droga. Esse insulto queimou um pouco.

— Então você controla a doença.

Ele não confirma nada disso.

— E me poupou. — Acrescento.

— Novamente, insiste que meus motivos são altruístas. Não

pense por um momento que valorizo sua vida. Apenas está viva para

aplacar minha vingança.

Sim, tanto faz.

Olho para a mão bronzeada do cavaleiro, que ainda está sobre

meu abdômen. — Para onde iremos?

A respiração de Peste consegue transmitir seu cansaço do

mundo.

— Quer dizer. — Continuo destemida. — Onde é o seu destino

final?

Essa pergunta tem assombrado as pessoas em todo o mundo.

Para onde Peste iria.

— Eu não tenho um destino. — Diz ele. — Monto simplesmente,

até que minha tarefa esteja completa.


Até estarmos todos mortos. Isso é o que ele quer dizer.

Ele montará em seu cavalo pelo mundo até que tenha infectado

a todos nós. A verdade se assemelha as pedras na boca do meu

estômago.

O braço de Peste aperta minha cintura. — Basta de conversa

fiada. Suas perguntas me cansam.

Eu não tenho argumento para questionar-lhe sobre isso. Depois

dessa última resposta, acho que não quero falar com ele também.

E assim nós dois seguimos em um silêncio horrível e inquietante,

o tempo todo, o cavaleiro espalha sua praga.

O dia dá lugar à noite quando Peste para em uma casa. Olho para

a casa de um único andar com cautela quando o cavaleiro pula de seu

corcel.

Realmente, realmente espero que quem vive aqui tenha evacuado.

Peste me alcança. Depois de me sentar à sua frente por um dia

inteiro, não consigo me encolher com seu toque.

Olho para ele enquanto me ajuda a descer de seu cavalo. É uma

sensação estranha, ser vulnerável com alguém que o machucou e


cuidou. Por mais que minhas mãos estejam presas, tenho que confiar

neste homem diabólico para algo tão simples como desmontar de um

cavalo e acho que espero sua gentileza, sua compaixão, em cada

pequeno detalhe. É completamente ridículo da minha parte fazê-lo,

considerando que é o mal que me colocou nesta situação, mas isso não

me impede de procurar por essas coisas.

Brevemente, os olhos de Peste encontram os meus e por uma

vez, estão livres da ira e da amargura que geralmente os acompanha.

É claro que, no momento em que penso nisso, escondo mais uma vez.

Minhas pernas quase se dobram quando ele me coloca para

baixo.

— Jesus, José e Maria. — Digo em voz baixa. A parte interna das

minhas coxas está irritada e meus músculos doem.

Olho para o céu. Eu entendi Senhor, não sou sua pessoa favorita

agora.

O cavaleiro não me olha quando começa a andar. Alguns

segundos depois, sinto a corda amarrada ao meu pulso me puxando.

— Mova-se, humana. — Ele chama sobre o ombro.

Eu desprezo tanto este homem.


Manco atrás dele, observando com desaprovação quando dá um

ponta pé na porta da frente. Puxa-me para dentro.

Demora alguns segundos para meus olhos se ajustarem ao

ambiente escuro. O quarto cheira a mofo, como estivesse fechado há

um longo tempo. Considerando o aspecto do quarto e a maneira como

cheira, é óbvio que quem morava ali desapareceu.

Peste se aproxima de mim e pega minhas mãos grosseiramente.

— Você conhece as regras. — Diz enquanto desfaz os nós. —

Foge e minha bondade acaba.

Meus olhos se movem para a aljava de Peste, onde as

extremidades emplumadas de uma dúzia de flechas douradas

espreitam por cima de seu ombro. Ainda posso sentir os pontos

dessas flechas em minha carne. Minhas costas começam a latejar em

resposta.

— Você realmente se apegou a essa palavra.

Bondade.

A bondade está em cortar lenha para um casal de idosos que não

tem dinheiro nem meios para adquiri-la. A bondade é um abraço

caloroso ou um sorriso suave.


A bondade não é essa merda aqui.

A corda cai e olho para Peste enquanto esfrego as bandagens de

gaze.

Dando ao cavaleiro um último olhar feio, vou até a lareira. Os

proprietários têm troncos, fósforos e recortes de papel velho

disponível. Agarrando-os, começo a empilhar a lenha e coloco a

madeira em alguns locais escolhidos. Todo o tempo ignoro o cavaleiro

cujo olhar sinto as minhas costas.

— Já acabou? — Pergunto.

Há uma pausa — Com o que, humana?

— Bem, de olhar para o meu traseiro, já olhou o suficiente? —

Pergunto, minha voz cheia de desdém.

— Deveria me sentir insultado por isso? — Ele parece

genuinamente perplexo.

Bem, se me fará soletrar, então... — Sim.

Ele resmunga. — Tentarei lembrar da próxima vez que você me

cortar com suas palavras mordazes.


Consigo sentir seu prazer com sua pequena resposta. Bom,

cavaleiro. Você realmente me pegou pelos peitos dessa vez...

Olho para ele por cima do meu ombro. Sua armadura e sua coroa

brilham na escuridão. — Você é um rastejador. — Observo.

Sua sobrancelha se ergue.

— Caso não seja óbvio, isso foi outro insulto. — Acrescento.

Volto para o fogo e concentro minha atenção nele.

Peste hesita por um minuto ou mais e uma parte de mim está

curiosa para descobrir o que está fazendo. Espero que esteja

morrendo de humilhação, embora duvide disso.

Um minuto depois, o cavaleiro sai da sala, o tilintar de sua

armadura ficando cada vez mais fraco. Uma porta se fecha e então

ouço o som da água da banheira correndo.

Eu poderia tomar um banho também. Sinto cheiro de cavalo e

suor e quem sabe o quão sujas minhas ataduras estão. Mas tomar um

banho significa pedir ajuda para remover minhas ataduras,

simplesmente não estou pronta para rastejar no momento.

Acendo o papel entre os troncos, então me sento para ver o fogo

crescer.
Pela primeira vez desde que perdi a aposta, tenho um momento

para me livrar da adrenalina, do medo ou da dor. Tento não pensar

muito sobre o significado disso. É mais fácil entender como as coisas

entre mim e o cavaleiro quando ele está empenhado em me machucar.

Não é tão fácil quando ele apenas é irritante.

Durante muito tempo, meus pensamentos ficam sem rumo. Você

pensaria que teria usado meu tempo com sabedoria — para planejar

minha fuga ou pensar em maneiras de incapacitar o cavaleiro, mas

não. Minha mente está estranhamente vazia.

Há uma coleção fina de figuras de porcelana que revestem a

madeira acima da lareira. Um por um, olho os rostos pintados. É um

passatempo tão específico — coletar essas pequenas figuras — e

apenas mais uma lembrança de quantas pessoas estão por aí no

mundo. Agora, cidades inteiras lutam por suas vidas.

Imagino todos os cantos solitários do Canadá agora, cada um

dos lares de milhares de pessoas foi deslocado, esperando pela

passagem do cavaleiro. Estamos jogando um jogo letal de espionagem

e somos todos suspeitos.

Olho para o jeans e minha camisa fora de moda. Entre milhares

de pessoas estão meus pais. Meu coração se agita. Não sei porque
minha mente continua me levando de volta para eles. Consciência

culpada, suponho.

O plano era para todos dormirmos na cabana de caça do meu

avô — uma cabana localizada a dezenas de quilômetros a noroeste de

Whistler.

No fundo, eu sabia que nunca conseguiria chegar lá.

— Podem ir na frente. — Disse aos meus pais. — Preciso

terminar de evacuar a cidade.

A lembrança ainda queima.

— Não seja uma heroína. — Disse meu pai. — Todo mundo está

deixando seus postos.

— Preciso fazer o meu trabalho.

— E se fizer o seu trabalho, morrerá! — Ele gritou. Nunca gritou

antes.

— Não pode saber isso.

— Droga Sara, eu sei. Você sabe. Qual é a taxa de sobrevivência

dessa coisa?
Não havia uma taxa de sobrevivência. As pessoas evitavam a

Febre Messiânica ou sucumbiam a ela. Eu sabia disso, meu pai sabia

disso, o mundo inteiro sabia.

— Alguém precisa ajudar as outras famílias. — Disse.

Meu pai parou de ouvir naquele momento. Essa foi uma das

únicas vezes em que o vi chorar abertamente.

Ele já acredita que estou morta, lembro-me de pensar. E agora, para

ele, eu estou.

Distraidamente, toco a minha bochecha, sentindo a umidade.

— Que surpresa. Pensei que você tentaria escapar novamente.

Instintivamente, meus ombros sobem ao ouvir a voz de Peste.

Limpo a garganta, em seguida, abaixo rapidamente meus olhos.

Ele não terá o prazer de me ver chateada.

— Entendo que você não simpatize muito com as pessoas. —

Digo, me virando para ele. — Mas isso é apenas... — Jesus!

Ele está de pé do outro lado da sala, o cabelo ainda pingando do

banho e completamente nu.


— Oh meu deus. — Protejo meus olhos. — Vista suas roupas!

Ninguém quer ver isso!

Ele franze a testa. — Seu senso humano de decoro é

absolutamente ridículo.

Apesar de todo seu conhecimento, há falhas muito óbvias em sua

educação — como, por exemplo, o que torna os humanos tão

constrangidos.

— Isso não muda o fato de que, ver sua bunda nua não está na

minha lista de coisas para fazer durante o apocalipse.

Não que seja um corpo ruim ou algo assim. Quer dizer, se as

circunstâncias fossem diferentes...

— Por que você me diz essas coisas quando quero que você fique

embaraçada? — Diz ele.

— Você pode apenas colocar alguma calça?

Realmente é tudo que peço.

Ele se aproxima alguns centímetros — e quero dizer vários

centímetros — completamente nu. Olho para aquelas tatuagens


âmbar brilhantes, tão estranhas e bonitas. Meus olhos se movem para

seus ombros maciços e seu torso afilado; meu olhar desce mais, para

o seu abdômen, depois para...

Talvez por que esteja sentada ao lado do fogo, mas de repente, a

vontade de me abanar é esmagadora.

— Por favor. — Imploro.

— Quando implorei por misericórdia, você concedeu?

Isso é tão ridículo.

— Não, mas...

— Não. — Peste concorda. — E por esse motivo, também

esquecerei seus pedidos.

Ele não aceita o fato de que ser atingido na cara e encarar um

exemplo masculino impressionante, são duas coisas completamente

diferentes de sofrimento.

— Você realmente adota a justiça olho por olho. — Murmuro.

Um Deus do Antigo Testamento está definitivamente dirigindo

o show aqui.
— Você realmente vai me obrigar a olhar para você nu? —

Pergunto.

— Para onde você olha é problema seu. — Ele se aproxima do

fogo e sério, não posso salientar o quão difícil é não olhar para lá.

Realmente muito duro (aposto que o cavaleiro não entenderia

essa piada.)

Meu cérebro demora para processar o fato de que Peste está

usando o calor do fogo para se secar. O que significa que ficará aqui

por um tempo.

Hora de me esquivar.

Assim que estou prestes a sair, o cavaleiro se adianta. Ele se vira

e começa a sair da sala, seus músculos fortemente enrolados

ondulando com o movimento.

— Deite-se no sofá e tire sua camisa. — Ele ordena sobre seu

ombro enquanto se afasta.

Eu congelo ao seu comando. Ele está nu e agora quer que me

dispa...

Que porra?
Para ser sincera, estou mais confusa do que qualquer outra coisa.

Não percebi nenhuma vibração sexual de Peste — apesar do fato de

que ele estava feliz em pavonear-se em seu terno de aniversário. Não

que isso me impeça de pegar o ferro da lareira. Acabarei com este

homem se tentar alguma coisa.

Estou apenas... estupefata com a ideia.

Fico tensa quando ouço os passos do cavaleiro se aproximando.

Um momento depois, ele entra na sala de estar. Meus músculos

relaxam um pouco quando o vejo vestindo sua roupa preta. Ele até

calçou as botas. A única coisa que falta é a sua coroa de ouro.

Apesar de todas suas ameaças de permanecer nu, o cavaleiro não

foi em frente. Em uma de suas mãos, ele segura um pequeno item.

Peste faz uma pausa quando me vê, ainda com a camisa e o ferro

em minha mão.

Ele suspira. — Assim seja. — Dando vários passos largos,

atravessa a sala.

Eu luto com ele e assim como todas aquelas idiotas vítimas de

filmes de terror, não adianta nada. Peste arranca o ferro da minha mão
e agarra a parte de trás do meu pescoço, puxando-me para o sofá. Ele

me joga de bruços e então seu joelho pressiona minhas costas.

— Humanos. — Ele murmura.

Minha respiração fica mais forte. Eu caio, mas isso não me leva

a lugar nenhum.

Um momento depois ouço o tecido rasgar enquanto Peste abre a

parte de trás da minha camisa.

Os dedos do cavaleiro engancham sob minhas ataduras de linho,

a pressão me fazendo tremer com uma súbita explosão de dor quando

minhas feridas são tocadas, então ele começa a rasgá-las também.

Rasga as ataduras como se fossem nada mais do que papel de seda.

O processo dói. Não acho que Peste esteja deliberadamente

tentando me machucar, mas cada toque de seus dedos ou puxão

contra minha pele inflama minhas feridas.

Em algum momento, termina. Arrepios saem pela minha pele

enquanto o ar frio da sala beija minha carne.

Há uma pausa e então a palma quente do cavaleiro roça minha

pele. Seu toque apenas fica ali por um momento.


— Sente-se. — Ele ordena.

O quê?

Agarrando os farrapos restantes da minha camisa emprestada

no peito, faço o que ele diz.

— Tire a camisa. — Diz ele, soando vagamente irritado.

Solto um suspiro trêmulo.

Não quero fazer o que ele pede, apenas porque, apesar de quão

aberto ele é com a nudez, eu não sou. Mas agora... estou me

lembrando de como meu corpo arrastou através daquele asfalto e o

olhar impiedoso nos olhos de Peste da última vez que o desobedeci.

Não estou lidando com uma pessoa humana. Ele não hesitará em

me machucar mais se resistir. E estou cansada de resistir. Resistir

contra essa força incontrolável é tão... inútil.

Eu tiro minha camisa, fazendo o melhor para cobrir meus seios

com os braços.

A mão de Peste se move para as minhas costas, seus dedos

esticados. Seu toque é gentil, mas pulo de qualquer maneira.

— Segure isso contra a sua frente. — Diz ele atrás de mim.


Olho para o que ele está oferecendo. Demoro um segundo para

registrar que o pano branco que ele está me entregando é gaze.

Bandagens. Ele quer me enfaixar.

Solto um suspiro estremecido que acaba soando como um

soluço. Tudo bem, talvez seja um soluço. E esse soluço se transforma

em uma risada soluçante, que se transforma em outra risada. E então

não consigo parar de rir, mesmo quando as lágrimas começam a

escorrer dos meus olhos e não tenho mais certeza se estou rindo ou

chorando, nem porquê.

Porque.

Porque oh-meu — porra — Deus, eu atirei em um homem e ateei

fogo nele, até agora quero vomitar, pois não poderia fazer isso com

qualquer um, até mesmo um precursor do apocalipse. Mas o pesadelo

não termina aí. Fui amarrada e forçada a correr atrás da mesma

criatura imortal que pensei ter matado, a mesma criatura que está

matando todos nós. Fui então arrastada, meu braço deslocado da

clavícula e minhas costas parecem em pedaços — para não mencionar

minhas pernas — e precisei assistir a um homem morrer da forma

mais horrível, agora estou sendo remendada quando pensei que seria

fisicamente humilhada e ugh, esse pesadelo não acabará porque Peste


é um psicopata ímpio que não está satisfeito em destruir a vida como

a conhecemos. Ele fará de mim um exemplo ao longo do caminho.

Agora não estou mais rindo e nem tenho certeza se posso chamar

isso de chorar. É um soluço de corpo inteiro, como se minha mente

estivesse tentando limpar tudo que foi testemunhado.

— Espero que você esteja gostando disso. — Digo através das

minhas lágrimas.

— Estou. — Peste responde sem alegria. — Aqui. — Ele me passa

o rolo de gaze. Ainda tremendo com a força das minhas emoções,

pego as bandagens e as envolvo sobre o meu torso, depois a passo de

volta. Nós dois fazemos isso novamente até que ele tenha tratado

minhas feridas.

Eu limpo meus olhos, limpo minha garganta e me recomponho.

Respiro fundo. Tudo ficará bem ou não, mas tudo bem também.

Quando me sinto confiante para falar, digo por cima do meu

ombro: — Aprecio o que está fazendo, mas se não limpar as feridas,

elas serão infectadas. — Quer dizer, elas podem estar, é apenas uma

aposta.

Simplesmente devo agradecer por este pouco de bondade.


— Isso é desnecessário. — Diz o cavaleiro.

—Que quer dizer com isso é desnecessário? — Pergunto,

tentando descobrir o que ele quer dizer.

— Suas feridas não serão infectadas.

Eu giro mais completamente para encará-lo. — Como você sabe

disso?

Ele olha para o céu, como se estivesse tentando encontrar tanto

Deus quanto sua paciência nas vigas. — Porque eu controlo a infecção

em todas as suas formas.

Sério? Então não apenas pode me impedir de pegar a peste, não

há necessidade de limpar minhas feridas para manter a infecção sob

controle?

— Então por que mudar as bandagens em tudo? — Pergunto, me

virando para frente novamente.

— Uma lesão tão grande exige manutenção para que se cure

adequadamente. — Diz Peste. Ele rasga a gaze do rolo e a amarra. —

Agora, me dê seus pulsos.


Faço isso, estranhamente hipnotizada pela situação — e por

Peste, se for honesta.

Ele se inclina sobre meus pulsos, seus cabelos dourados

ondulados caindo na frente de seus olhos enquanto desenrola a gaze.

Nesse ângulo, o cavaleiro parece profundamente inocente, o que é

uma coisa estranha de se dizer sobre um homem, particularmente

aquele que tem uma taxa de mortalidade alta em seu currículo. Talvez

seja simplesmente porque está sendo gentil pela primeira vez ou que

finalmente tenho um vislumbre de sua humanidade (extremamente

pequena).

Minhas sobrancelhas franzem enquanto olho para sua cabeça

inclinada. — Por que você está fazendo isso?

— O sofrimento é para os vivos.

Não sei porque espero uma resposta diferente. E entendi. Eu o

machuquei, então ele me machuca. Nós dois estamos apenas

seguindo o roteiro. É apenas nesse momento que eu não o entendo.

Observando seu cuidado e carinho comigo. É inquietante o suficiente

esperar uma resposta além de: eu quero fazê-la sofrer.

Mas se há outra explicação, não a terei.


Banhos seriam um problema.

No dia seguinte, olho para Peste, a banheira atrás de mim e a

porta atrás dele. Nós dois estamos espremidos dentro de um pequeno

banheiro na nova casa em que decidimos dormir.

Como a última casa em que ficamos, está abençoadamente vazia.

E bônus: esta casa tem eletricidade, o que significa água quente, o que

significa que minha bunda será limpa.

O único obstáculo é o psicopata que pensa que fugirei apesar do

fato de que me deixou sozinha em um banheiro antes — inferno, ele

me deixou sozinha em quartos, salas de estar e cozinhas. Sabe que

quebrou minha vontade para escapar dele. Então não entendo porque

acha que há algum tipo de necessidade de ficar no banheiro comigo.

— Tudo bem, você precisa sair. — Digo, olhando para o imenso

homem na minha frente.

Seus braços se dobram sobre sua armadura dourada. Código de

cavaleiro para obrigue-me, senhora.


— Você pode não saber disso, mas as pessoas não veem outras

pessoas tomando banho. — Pelo menos não acho que fazem. Mas

talvez a sociedade tenha se pervertido e desconheça isso. Coisas

estranhas aconteceram — o homem na minha frente é um caso.

— Você quer uma coleira mais longa, terá que provar isso. — Diz

ele, com o rosto altivo.

— Que tal todas as outras vezes em que você me deixou sozinha

para ir ao banheiro?

— Você estava muito fraca para me desobedecer. — Diz ele.

— Eu não fui ontem à noite.

Ele apenas olha para mim.

Eu jogo meus braços para cima. — Eu ficarei nua e encharcada

de água. Você sabe o quanto está frio lá fora?

Ele não responde.

— Está frio suficiente para congelar meus seios. — Respondo de

qualquer maneira.

Nenhuma reação. Nem mesmo uma risada. Previsível. Tenho

certeza de que seu senso de humor é inexistente.


— Por favor. Estou descaradamente recorrendo à mendicância.

— Por favor? — Ele ecoa. — Você esqueceu nossa história?

Implorei e você negou. — Ele se inclina contra a porta. — Tome seu

banho, humana ou não, mas não sairei daqui sem você.

Considero seriamente renunciar ao banho. Não sou puritana,

mas não estou exatamente empolgada em mostrar as mercadorias

para a criatura que também está tentando acabar com a civilização.

Mas no final, tudo se resume a praticidade. Estou coberta de

sangue e sujeira, quem sabe que outros fluidos corporais. Sou um

risco biológico.

Lançando um olhar sujo a Peste, abro a torneira de água quente

e começo a tirar minhas roupas.

Ele não tem nenhum problema com a nudez, tento me tranquilizar

enquanto tiro a calça. Relembro a visão dele totalmente nu. Sequer sabe

que deveria sentir vergonha.

Isso me tranquiliza um pouco.

É quando pego a gaze cobrindo meu torso que acho um

obstáculo. Onde quer que Peste tenha amarrado as bandagens de


linho, está além do meu alcance. Puxo infrutiferamente as pontas até

que o cavaleiro se afasta da porta.

Ele bate nas minhas mãos e vira as minhas costas para ele. Estou

prestes a protestar quando rrrrrrip, ele arranca a bandagem das

minhas costas.

Uma vez terminado, ele se inclina para o meu ouvido. — De

nada.

Faço uma careta para parede enquanto ele retorna para porta.

No momento em que a banheira está quase cheia e

abençoadamente quente, o resto das minhas roupas e bandagens

sumiram.

Os olhos de Peste passam pelo meu corpo da mesma maneira

desapaixonada que antes. Eu poderia ser uma lâmpada, para chamar

sua atenção.

Deveria estar aliviada. E se ele fosse avaliar cada imperfeição

minha, poderia morrer de vergonha.

Sua indiferença, no entanto, ainda fica sob a minha pele. Não

tenho certeza se quero que ele fique impressionado com a visão do

meu corpo (ew) ou se me incomoda que ele não sinta nada quando vê
uma mulher nua. Os humanos têm muitas opiniões quando se trata

do corpo feminino (não se pode fazer com que os desgraçados se

calem) e a falta de reação de Peste apenas serve para me lembrar que

ele é outra coisa.

Entro na banheira, a água é abençoadamente quente. Suspiro

enquanto afundo nela.

E do outro lado do banheiro, o cavaleiro coloca de lado seu arco

e aljava, inclinando as armas contra a parede próxima antes de apoiar

a cabeça contra a porta. Seu olhar me percorre, não grosseiro ou

assustador, mas curioso e levemente interessado.

Pergunto se isso tudo é estranho e novo para ele. Mulheres,

nudez, banheiras, água corrente — a coisa toda. Ele não é apenas uma

pessoa que nasceu neste mundo e toma todas essas coisas como

garantidas.

Afundo mais fundo na água, absorvendo o calor da água.

Faz tanto tempo desde que tomei um banho decente.

Na maioria das vezes é um banho gelado que tomo

apressadamente, por que tenho que corre para fugir da morte. Hoje à

noite ficarei ali até meus dedos parecerem ameixas.


— Ei, de onde você é? — Pergunto ociosamente.

Os olhos de Peste se estreitam. — De outro lugar.

Claro que ele é.

Pego uma barra de sabonete caseiro e um pano dobrado nas

proximidades e começo a me lavar, começando com os dedos dos pés.

Subi pelo meu corpo, esfregando minha pele até que ela se sinta crua

e limpa. Pedaços de sangue e sujeira se desprendem de mim.

Não há xampu ou condicionador — o que não é de surpreender,

considerando-se extravagâncias — então ensaboo meu cabelo com o

sabonete, esfregando-o da melhor maneira possível com meus dedos,

sabendo muito bem que ficará estranho quando estiver seco.

Melhor que sujo, suponho.

Apenas depois que todo o resto está limpo que relutantemente

tento lavar minhas costas. Assim que o tecido passa pelas minhas

costas, as feridas gritam. Infelizmente, esse não é o meu maior

problema. Tem uma boa parte das minhas costas que não consigo

alcançar, não importa o quanto tente.

E estou tentando para caramba. Ouço o tilintar de metal

enquanto Peste se move.


Eu o olho cautelosamente enquanto ele se ajoelha ao lado da

banheira. Pega a toalha e uma de suas mãos aperta meu ombro,

fazendo-me ficar tensa.

Ele me olha nos olhos. — Apenas estou fazendo isso porque suas

tentativas fracas de higiene são dolorosas de se ver. — Ele avisa.

Meus lábios entreabrem, mas antes que tenha a chance de falar,

ele segura minha nuca. — Incline-se para frente.

Hesito, irritada com a maneira como está me tratando, mas me

inclino para frente, envolvendo minhas mãos ao redor das

panturrilhas.

Seus dedos colocam meu cabelo úmido de lado, o toque

enviando arrepios pelos meus braços.

É apenas o ar frio, digo a mim mesma.

Aperto os dentes enquanto Peste começa a limpar minhas

feridas, seu toque surpreendentemente gentil. Dói mesmo assim.

— Quão facilmente seu tipo quebra. — Ele murmura enquanto a

toalhinha faz passa sobre a minha carne ferida.


É o mais próximo que ele chegará de um pedido de desculpas e

acho bom o suficiente. Quer dizer, pelo menos ele não tentou me matar

como tentei matá-lo.

Apenas porque ele quer que você sofra.

Depois que Peste termina, me devolve a toalha, depois volta para

a porta, sentando de costas para ela. Pega seu arco e o repousa no colo,

mais uma vez o guarda da prisão.

A água está suja e esfriando rápido, no entanto, agora estou

hesitante em sair. Minhas costas ainda doem onde Peste limpou e

meus nervos estão em carne viva.

Estou me sentindo um pouco estranha em relação a ele. Não sei

se é estranho ou ruim — provavelmente estranho.

Eu puxo meus joelhos até o peito, encostando minha bochecha

contra eles. — Você ainda não sabe o meu nome. — Digo.

— Não preciso. — Diz ele, afastando uma mecha de cabelo do

rosto. — Humana é o suficiente.

— Não, não é.

Seus olhos se estreitam.


— Sara. — Digo. — Meu nome é Sara.

Ele franze a testa. — O que importa como você é chamada? —

Ele responde. — Vocês são todos iguais.

— Puxa, você sabe como fazer uma garota se sentir especial.

Sua boca se curva. — Você não é especial. Nenhum de vocês são.

São vis e violentos.

— Diz o homem que está matando as pessoas aos milhares.

— Eu não gosto. — Diz ele.

— Nem eu. — A lembrança de Peste sangrando na estrada,

sangrando e ainda vivo, deixa meus nervos no limite.

— Poderia ter me enganado. — Diz ele.

Eu forço uma risada. — Então você não é tão bom em ler os

humanos quanto em julgá-los.

Ele inclina a cabeça. — Talvez. — Ele concorda. — Mas não

preciso lê-los, não é?

Apenas precisa matá-los.


Ficamos sem silêncio por um tempo. O cavaleiro está

observando a flexibilidade de seu arco e estou deixando o frio da água

tocar minha pele.

— Você tem um nome? — Eu pergunto. — Diferente de Peste, o

Conquistador?

Ele abaixa o arco. — Não fui nomeado.

Não me debruço sobre as implicações do fato no qual a alguém

que estivesse à nossa volta poderia lhe dar um nome.

— Por que não?

Os olhos de Peste se fixam nos meus. — Eu não preciso de um

nome para ter um propósito. Os humanos são os que exigem nomes

para cada folha de grama nesta boa terra verde

Porque nomear as coisas os humaniza. E uma vez que você

humaniza algo, está essencialmente reconhecendo sua existência. Mas

considerando que o cavaleiro está em uma missão para matar o

máximo de pessoas possível, posso ver porque ele teria um problema

em humanizar qualquer coisa.

Ele não recebeu um nome. Eu tento entender.


Deixando de lado minha intensa antipatia pelo homem, há uma

parte de mim que sente pena dele. Sequer tem um nome próprio.

Seja feliz, Sara. Caso contrário, você pode se arriscar a humanizá-lo.

E isso não seria horrível?

— Então... está tudo bem se chamá-lo de Peste? — Pergunto.

Ele inclina a cabeça. — É apenas um nome.

Apenas um nome. Quão irônico, considerando que há um

minuto atrás, ele insistiu que não tinha nome. Então novamente, talvez

seja eu a única a pensar que isso está errado. Peste, o Conquistador

foi o nome que lhe demos. Não é como se estivesse estampado no peito

no dia em que chegou ou algo que declarou enquanto massacrava

cidades inteiras.

Olho para o cavaleiro mais um pouco. Ele realmente é muito

bonito. Ainda bem que não confio em homens bonitos. Porque este é

definitivamente o mais bonito que já vi e também o pior de todos —

exceto talvez seus irmãos, mas desde que o mundo não viu nenhum

deles... ele continua sendo o pior.

Peste se levanta, lançando primeiro seu arco e depois sua aljava

sobre os ombros.
— Vamos. — Diz ele. Ele pega uma toalha da prateleira e joga

em mim. Não consigo pegá-la a tempo e uma boa parte dela atinge a

água. — Eu sei que você terminou de tomar banho. — Ele continua,

alheio ao olhar frio que lhe dou. — E estou ansioso para deixar está

latrina.

— Não é uma latrina. — Digo, ficando de e enrolando a toalha ao

meu redor. — É um banheiro.

Ele balança a cabeça enquanto abre a porta. — Banheiro. —

Divide a palavra em duas. — A ironia do termo não me escapa.

—O que você quer dizer?

— Apenas vocês, os humanos, achariam sensato colocar sua

privada ao lado do local onde tomam banho.

Parece razoável para mim. Quer dizer, sua merda e depois você

toma banho. O que há para não gostar sobre o arranjo?

— Onde você colocaria? — Pergunto, inclinando a cabeça para

afastar o cabelo.

Ele abre a porta. — Não um ao lado do outro. Isso é realmente

útil.
— É claro que você se importaria com um problema sem

realmente ter uma solução. — Digo.

Ele olha para mim por cima do ombro, andando pelo corredor.

— Não é preciso ter uma solução para reconhecer um problema

quando se vê um.

— Sua solução provavelmente seria queimar banheiros em todos

os lugares. Certo? Eles são vis, coisas nojentas. Apenas se livre deles.

À minha frente Peste gargalha. — Apenas um humano chegaria

a uma solução tão ridícula.

— Eu estava zombando de você!

— Pensei que zombaria deveria ser um insulto. — Ele diz,

enquanto olha de volta. — Tanto quanto posso dizer, você é a única

que fez comparações pessoais.

Ugh. Eu fiz, não fiz?

— Você está perdendo o juízo. — Digo.

— Não consigo descobrir se você tem um.

Isso nunca acabará. Nós dois poderíamos continuar dando

voltas e voltas assim até o fim dos tempos.


— Esqueça isso. — Murmuro, deixando o cavaleiro ir procurar

roupas.

No quarto principal encontro a camisa e a calça de uma mulher

com todo o resto. Fica um pouco curto e apertado demais, mas

consigo encontrar uma calça que não me faz sentir como uma salsicha

recheada e uma camisa que cobre todas as partes importantes.

Quando estou vestida, volto para a sala de estar. Minha

respiração para quando vejo o cavaleiro. A luz do sol poente brilha

através das janelas, fazendo seus cabelos brilharem como ouro. Meu

coração aperta da mesma maneira quando vejo fotos da Capela

Sistina.

Uma beleza tão impressionante faz com que você se sinta

fisicamente próximo de Deus. Esqueço que estamos brigando e que

ele é o inimigo. Por um único segundo sinto uma dor estranha sob

minhas costelas.

Tão perto de Deus...

Um Deus que quer que todos nos desapareçamos.


— Tente.

— Absolutamente não.

— Vamos, tenteeee. — Eu insisto.

— Eu disse não.

No que diz respeito as manhãs pós preocupação com Peste, está

começou bem. O sol está colorindo o mundo ao nosso redor com um

rosa suave (tão bonito), minhas mãos estão piedosamente

desamarradas finalmente e nelas está uma garrafa térmica contendo

minha própria versão de libertação.

Eu cutuco Peste com meu cotovelo no lugar logo atrás de mim

onde se encontra sentado. — Eu o conheço, está curioso.

— Acho que sei melhor do que você o que eu quero.

Alguém leva tudo muito ao pé da letra.

Pressiono a garrafa térmica mais perto do cavaleiro, não

dissuadida nem um pouco por seus protestos. Quer dizer, é chocolate

quente que estou oferecendo. Além disso, realmente quero ver que se
o homem é capaz de consumir líquidos. Eu não o vi tocar em comida

ou beber nada até agora.

A mão de Peste aperta minha cintura, onde ele me segura contra

ele na sela. — Bem, se tentar, você ficará em silêncio?

— Não, mas você sabe que realmente não me quer em silêncio.

Minhas palavras são pontuadas pelo constante clop-clop do

cavalo de Peste, que secretamente nomeei Trixie Skills. Tenho quase

certeza que o corcel é macho (não chequei, pois ao contrário de outros

que conheço, acredito que é importante respeitar a privacidade de

alguém), mas não importa.

Eu sei toda a história. Trixie Skills, um nobre corcel, uma vez

viveu uma vida de pobreza e medo, fazendo truques nas ruas por

cenouras e grãos quando Peste o salvou. Agora os dois são

inseparáveis. Fim.

Peste pega a garrafa térmica, aproximando o recipiente para

examiná-lo melhor. — Bem, se isso for veneno, humana, eu a

amarrarei atrás do cavalo novamente e a farei correr.


Eu bufo. — Peste, se isso for veneno, teria um problema maior

do que receber outra massagem do asfalto. Problemas como me

ajoelhar e morrer.

Ele franze a testa para mim e depois faz uma careta para a

garrafa térmica. — Não sei por que estou encorajando essa...

chateação.

Por que você gosta, é o que quero dizer, mas não digo. Realmente

tenho quase certeza de que parte de Peste — talvez uma pequenina,

mas uma parte de qualquer forma — está começando a apreciar

minha companhia, chateação e tudo.

Tudo bem, talvez tolerar seja uma palavra melhor. Estamos

tolerando um ao outro, apesar de odiar abertamente um ao outro. É

um relacionamento estranho, mas desde que ele se recusa a morrer e

não me matará, estamos presos um ao outro.

Depois de olhar bastante tempo para a garrafa térmica, Peste a

aproxima de seus lábios.

Caramba, ele fará isso! Ele finalmente beberá alguma coisa!

O cavaleiro hesita, depois segura a garrafa térmica ao seu lado e

a derruba, despejando seu conteúdo.


Por um segundo, olho para o pequeno córrego marrom que sai

do bocal, depois pulo em ação.

— Você é um idiota! — Eu pego a garrafa térmica dele. — Poderia

apenas ter dito não.

— Eu fiz.

— Bem, poderia dizê-lo de verdade.

— Eu fiz.

Eu verifico a garrafa. Ainda resta uma quantidade decente de

chocolate quente.

Bom.

A mão de Peste se acomoda ao meu lado enquanto começo a

tomar a bebida quente.

— Por que você não come ou bebe? — Eu pergunto.

— Porque não preciso. — Ele responde secamente.

— Então?
— Então? — Ele ecoa, soando afrontado. Ele olha para mim,

talvez para ter certeza de que estou falando sério. — Estou confuso.

Por que deveria comer ou beber se não preciso?

— Porque é divertido e tem um gosto bom. — Bem, exceto pelo

bolo de frutas da minha tia Milly. Essa merda tem gosto de sujeira. —

Mas sim, a comida é gostosa, assim como o chocolate quente que você

desperdiçou há um minuto.

— Diga-me. — Diz ele. — E se isso me satisfazer como um

humano, como sou melhor que um?

Oh puxa. — Não podemos transformar tudo em uma batalha

entre o bem e o mal? É apenas comida. Experimente.

— Absolutamente não.

— Vamos lá, tenteeee. — Insisto.

— Eu disse não.

Ele não responde por tanto tempo, que acho que não o fará, mas

então finalmente diz: — Pensarei a respeito.

Depois disso, nós ficamos em silêncio.

Odeio o silêncio.
Não me entenda mal, geralmente me sinto confortável em ficar

sozinha. Há sempre coisas como filosofia e literatura, história e

política para pensar. E quando esses assuntos grandiosos ficam

monótonos, há uma quantidade normal de barulho para encher

minha cabeça, como lembrar de fazer meus impostos na hora certa ou

descobrir como, logisticamente, hospedar a família no meu

apartamento como uma caixa de fósforos ou refletir sobre com que

livros usados acabarei com o meu salário.

Mas agora, minha mente não é aquela amiga antiga e confiável

que já foi. Toda vez que o silêncio ruge, minha mente vai para aquela

vítima da peste que cuidei ou o fato de que mais pessoas estão

morrendo a cada quilômetro que viajamos. O pior de tudo é quando

penso no homem às minhas costas. Ainda sou sua prisioneira, mas

quanto mais tempo estou perto dele, mais confuso meus sentimentos

ficam.

Pressiono minha mão contra o pescoço do seu cavalo. — No

fundo daquela escuridão espiando, por muito tempo fiquei ali

parada, imaginando, temendo, duvidando, sonhando sonhos que

nenhuma mortal jamais ousou sonhar antes... — Murmuro para mim

mesma.
— Sobre o que está falando? — Peste pergunta.

— Estou citando O Corvo. É um poema de Edgar Allan Poe.

Peste faz um barulho no fundo da garganta. — Eu deveria saber

que o breve flash de eloquência não foi sua criação.

— Você tem a capacidade de falar sem me insultar? — Pergunto.

Juro que esse bastardo está apenas tentando matar meu humor

matinal.

— Claro. — Posso ouvir o sorriso presunçoso em sua voz. — É

apenas que há tantas coisas sobre você que vale a pena insultar.

E se esse chocolate quente não fosse tão precioso para mim,

jogaria o resto na cabeça do porco de Peste, as consequências que se

fodam.

Acho que o cavaleiro está esperando por mim para retrucar. —

Para ser honesta, acho que ele gosta de discutir verbalmente comigo.

— Mas ele veio e arruinou Poe, então não lhe darei está satisfação

Quando o silêncio se prolonga, o cavaleiro diz baixinho: —

Gostei desta poesia.

Solto um bufo.
Não morderei a isca, menino bonito. Nem mesmo quando

realmente quero, porque era Poe.

Começo a acariciar a juba de Trixie, o pelo branco e sedoso do

cavalo sob as pontas dos meus dedos.

— Conte-me sobre você. — Exige Peste.

Arrepio com o tom dele. Disse tão arrogante, como se estivesse

aqui para servi-lo. Sem mencionar que nas últimas vezes que tentei

conversar com ele, foi rude.

— Não.

Essa resposta lhe faz parar. Quase posso senti-lo olhando minha

nuca.

— Você é uma criatura tão estranha. — Diz ele. — Um momento

me diz que não vai parar de falar e no outro se recusa.

Ele está tentando tanto me atrair. E se não soubesse melhor, diria

que o cavaleiro estava rapidamente desenvolvendo um apetite por

conversas.

Ele suspira. — Humana, você despertou meu interesse. — Uma

realização rara. — Não desperdice isso.


— Desperdiçar? — Esse homem. — Você quer dizer, recusando-me

a conversar? — Isso é realmente fofo. — Eu lhe darei uma rara

satisfação, você me irrita.

Ele gargalha. — Você quer dizer que essa sua natureza infernal

é atípica?

Ele traz à tona todas as minhas tendências tenaz.

— Você quer saber sobre mim? — Praticamente grito. — Bem.

Meu nome não é humana, é Sara Burns. Eu tenho vinte e um anos. E

há uma semana fui levada por um cavaleiro insuportável. Você

gostaria de discutir sobre isso também?

Estou tão pronta para desabafar com Peste.

— Hmmm. — É tudo o que ele diz.

Nenhum comentário contundente ou comentários espertos.

Apenas hmmm.

Poderia matá-lo agora.

— O que você faz para preencher seus dias? — Pergunta ele.


Tenho que olhar para trás para ter certeza de que estou falando

com o mesmo homem que estava me provocando literalmente

segundos atrás.

Ele olha para mim, parecendo sincero.

Faço uma careta. — Fazia. — Respondo. Não faço nada no

momento, exceto (com alegria) diminuir a velocidade do cavaleiro.

(todos nós temos precisamos de emoções).

Olhando para frente, acrescento: — Eu era bombeira.

Seus dedos tamborilam contra a minha cintura. — Você gostava?

Levanto um ombro. — Era apenas um trabalho. Isso não me

definia. — Não como fazia com alguns dos meus companheiros de

equipe, que sonharam em ser bombeiros a vida inteira. Solto um

suspiro. — Sempre quis ir para faculdade e estudar inglês. —

Confesso. Não sei porque estou admitindo isso.

— Inglês? — Peste pergunta intrigado. — Mas você fala bem,

apesar de um pouco estranho.

— Não é inglês como a língua. — Esclareço, guardando o que

restou do chocolate quente. Deslizo a garrafa térmica em uma das


bolsas da sela. — Inglês como literatura escrita. Eu queria estudar as

obras de Shakespeare e Lorde Byron e... — Meu favorito. — Poe.

— Poe. — O cavaleiro se repete, sem dúvida lembrando o nome

de antes. — Por que você não estudou esses poetas?

Arrependimento é um gosto amargo na boca e não há mais

chocolate quente para lavá-lo.

— Quatro cavaleiros vieram à terra e fizeram uma bagunça no

mundo.

Quando entramos na cidade de Squamish, ela está tão

abandonada como eu esperava que estivesse.

Passamos por um posto de gasolina cujas bombas estão

enferrujadas com anos de desuso, mas cuja loja está cheia de fileiras

de conservas, nozes e doces.

Mais adiante, lâmpadas a gás recentemente instaladas ainda

queimam, embora o sol tenha ficado a pico por horas. Quem acendeu

a lâmpada deve ter evacuado antes que pudessem apagar.

Como a loja do posto de gasolina, os postos de comércio por

onde passamos ainda estão cheios de mercadorias, um sinal seguro

de que seus proprietários fugiram antes que tivessem a chance de


arrumar seus bens. Como resultado, alguns foram invadidos e

roubados.

Por baixo das camadas de roupa, a minha pele fica arrepiada.

Isso tudo poderia ter acontecido horas atrás e ainda assim, não há

uma única alma para ser vista. É muito enervante passar por uma

cidade que por todos os direitos deveria estar habitada. Ela parece...

assombrada.

Como deve Quebec e Ontário, além de todas as outras províncias

a leste parecer agora que Peste passou por elas? O que deve a Costa

Leste dos Estados Unidos parecer agora?

Quer você saia viva ou não, o mundo nunca será o mesmo.

Peste sai da estrada principal e começa a andar pela cidade, não

tenho ideia de qual é a sua programação. É muito cedo para se

acomodar na casa de uma pobre alma e até agora, essa é a única vez

que o cavaleiro sai da estrada principal.

Não é até nos aproximarmos do hospital de Squamish que

começo a me sentir desconfortável.

— O que você está fazendo? — Pergunto.

— Seu corpo fraco precisa de cuidados.


Eu olho para o hospital com horror. Cuidados, como gaze.

Nós ficamos sem gazes esta manhã.

— Eu não preciso de mais ataduras. — Respondo rapidamente.

— Sim, você precisa. — Gentilmente, diz Peste. — Realmente

acha que preciso ir ao hospital para que todos morram? Vamos, Sara,

apenas preciso andar por uma cidade para ver sua desgraça.

Olho de volta para ele. Sei que deveria processar suas palavras,

mas estou ligada no fato de que ele realmente disse meu nome.

Ele continua, destemido. — Bem, se entrou ou não num hospital,

não importa. Os humanos ainda morrerão lá, especialmente.

Não é como o se dissesse alguma novidade para mim, é apenas

que não quero ver os rostos, daqueles muito doentes e fracos para

fugir, quando a morte encarnada anda entre eles.

Há uma chance da cidade se esforçar para remover os pacientes

do hospital. É possível. Mas também é possível que tenha sido

impossível para os mais fracos serem evacuados.


Pego o antebraço do cavaleiro enquanto um pensamento vem

sobre mim. — Um supermercado. — Digo, como se descobrisse a cura

para o câncer. — Eles terão ataduras ali.

Peste olha para o lugar onde seguro seu braço. — Você viu um

supermercado a caminho daqui?

— Vi pelo menos três. — Hoje em dia há um posto comercial ou

supermercado em cada esquina, cada uma delas existindo porque têm

alguma vantagem no mercado.

O cavaleiro olha para mim. — E você acha que eu deveria ir lá

em vez disso?

— Absolutamente.

— Então está resolvido. — Diz ele.

Eu... o convenci assim tão fácil?

Por um instante, quase acredito. Mas então Trixie Skills continua

avançando e o hospital se aproxima cada vez mais.

— E quanto ao armazém? — Olho por cima do meu ombro para

Peste.
Seu rosto é sombrio quando encontra o meu. — Eu quero fazê-la

sofrer.
Hospitais são sempre o primeiro lugar que as pessoas vão. Isso

é a única coisa que todos os filmes acertam. Tão logo as pessoas

começam a ficar doentes, enchem as instalações médicas, pensando

que certamente a medicina moderna poderia curá-las. Certamente

estamos melhores do que as pobres almas que pegaram a Febre

Messiânica. Todos esses séculos passamos estudando doenças e as

conquistando — certamente estamos equipados agora para parar a

epidemia.

Estávamos errados.

Peste desce do cavalo, o arco e a aljava de volta, de olho no

edifício. Agora tão perto, posso ver alguns rostos assustados olhando

para fora. Um deles é uma mulher segurando um Rosário, movendo

os lábios em oração.

Deus não virá salvá-la, quero dizer. Ele é quem a quer morta.

Girando de volta para mim, o cavaleiro alcança minha cintura.

— Vamos, Sara, contemplar os rostos de quem em breve partirá.

— Odeio você. — Digo quando ele me tira de seu corcel.


—Ah, o ódio. Outra distintamente emoção humana. — Ele me

coloca para baixo.

Eu não acho que é distintamente uma emoção humana — o

cavaleiro parece ter muito dele em si mesmo.

Ele caminha diante de mim para as portas duplas, procurando

como um galante cavaleiro em sua armadura. Pela primeira vez em

sua maldita vida, tenta abrir as portas da maneira apropriada. Elas

não se movem.

Isso é não surpreendente, hospitais tem procedimentos de

fechamento total para esse tipo de situação.

O cavaleiro gira, seu olhar encontra o meu brevemente e faísca

em desafio. Em um rápido movimento, ele gira de volta. O punho

dispara, batendo na porta como uma britadeira.

Com um gemido, as portas duplas se dobram para dentro, mas

chocantemente, ainda se mantém firmes. Meu coração acelera

enquanto observo o cavaleiro. Isso é um filme de terror, um onde o

homem mal está entrando nas casas para matar todas as crianças.

Apenas que esta é a vida real, os filmes são de mentira e o cavaleiro é

um demônio de carne e sangue.


O punho dele bate na porta uma segunda vez com força

sobrenatural e com um rangido metálico, as portas colapsam para

dentro.

Peste passa de lado quando alarmes hospitalares começam a

disparar, seu olhar assustador encontra o meu. — Depois de você.

E de certa forma, a visita não foi tão ruim quanto temia que seria.

Em outras maneiras, foi pior. É muito cedo para as pessoas

sucumbirem à Febre, então as poucas pessoas dentro eram somente

um grupo médio de pacientes hospitalizados e funcionários. Mas

todos tinham expressões aterrorizadas… meu estômago revirou com

a lembrança deles, enquanto nos afastávamos do hospital, a porra da

preciosa gaze do cavaleiro lotando os embrulhos da sela de Trixie.

Peste me fez olhar para cada um deles. Todas essas pessoas

marcadas para morrer. Seria uma mentira dizer que ele desfrutou em

me fazer olhar — estava tão triste quanto eu — mas que diferença faz

isso no final? Ainda me fez encarar as poucas pessoas presas dentro,

apenas por que sabia que me machucaria.

— Espero que você esteja satisfeito. — Digo uma vez que o

hospital fica mais longe de nós.


A sua mão me aperta. — Humana, você não sabe? Eu nunca estou

satisfeito, por isso que sigo em frente e monto.

Eu não quis comentar nada. Tristeza tem um jeito de entrar em

seus ossos e estabelecer-se a longo prazo. E no final, isso é o que sinto.

Não raiva de Peste — embora abrigue mais que um pouco

ressentimento — mas tristeza por aqueles rostos que simplesmente

morrerão em alguns dias. A tristeza me engole.

Fico em silêncio por tanto tempo que se torna perceptível.

— Não pretendia que essa experiência fosse agradável, humana.

Porque se fosse, você estaria morta.

Alguém quase pensaria que o cavaleiro estava tentando

racionalizar suas ações. Mas aquilo significava que ele sente remorso

e sei que esse não é o caso.

Olho direto à frente, meu olhar caindo em uma máquina

enferrujada de lavar roupa na calçada.

— Nenhuma observação astuta para mim? — Peste pergunta

vários minutos depois, quando ainda não respondi. — Tenho que

dizer, estou quase desapontado.


O que ele quer de mim? Não é suficiente que cada parada, mata

algo dentro de mim?

Não falo mesmo quando Peste se aproxima de uma casa, está

entre dúzias de outras. Ninguém está dentro, mas até então, eu ainda

estou com um humor ruim para realmente me importar.

Ele desmonta, o movimento parecendo agitado.

Obedientemente, sigo, não esperando por ele para me ajudar a descer.

Atravessa a varanda da frente, sua armadura brilhando na luz

aguada.

Peste levanta um pé com bota e dá um pontapé que derruba a

porta em um único movimento suave. Ele não espera por mim antes

de entrar, embora saiba que se tentasse correr, ele estaria em mim em

um instante. Provavelmente queria aquilo.

Uma vez que o sigo dentro a casa vazia, ele se volta para mim.

— Por que você não fala comigo?

Não fazia muito tempo que ele não queria nada mais de mim do

que silencio. Mas isso foi quando o cavaleiro não sabia que havia

coisas melhores do que cavalgar em solidão.

— Eu não sei se quero falar com você. — Digo.


Caminhando rapidamente, ele diminuiu a distância entre nós e

agarra minha mandíbula. — E na última vez verifiquei. — Ele diz,

tocando minha bochecha com seu dedo. — Não estava lhe mantendo

como prisioneira, por que você queria isso.

Um sorriso amargo aparece em meu rosto, mas ainda não

consigo lutar contra ele.

Ele solta minha mandíbula com um huff. — Bem. Faça beicinho,

humana. Não lhe fará nenhum bem. Eles ainda morrerão.

Por que ele precisa continuar tocando no assunto?

Esfrego minhas têmporas. — Você queria que eu sofresse, estou

sofrendo. Assim aceite sua vitória e deixe-me em paz. — Finalmente

digo.

Os olhos Peste endureceram. — Isso não é nem o começo de seu

sofrimento, humana. Poderia fazer piorar. Muito pior.

Estou certa que ele poderia, mas agora realmente não dou a

mínima.

Começo a me afastar dele. Tudo que quero é encontrar um

quarto vazio longe do cavaleiro, onde possa me curvar e fingir que

não vejo aqueles rostos toda vez que fecho meus olhos.
Estou na porta do quarto quando paro. — Para toda sua justiça.

— Digo sobre o meu ombro. — Você realmente é um bastardo sem

coração.
Comecei a roubar as vítimas da peste. Toda as vezes que paramos

na casa de alguém, o que é exatamente o que estou fazendo agora.

Roubando suas camas, sua comida e água, roubando suas roupas. A

Peste pode levar sua vida, menos o resto.

E estou começando a ficar bem com isso. Bem, tão bem como

qualquer um pode estar na minha situação.

Eu vou para cozinha na manhã seguinte, olhando os sapatos de

neve e os esquis antigos pendurados na parede do outro lado. Lá fora,

a chuva bate ferozmente contra as janelas e o vento sacode as árvores.

Esfrego meus braços, grata pelo fogo crepitante que Peste

acendeu. O tempo pode estar uma bagunça lá fora, mas aqui, está

absolutamente quentinho.

A tempestade quase abafa o som de respingos vindo do

corredor. O garoto bonito precisa de seus banhos de monstro.

Banhos de monstro gelados, diria enquanto vou para os armários.

A eletricidade e a água quente não funcionam aqui.


Meu estômago ronca, lembrando-me que não como desde

ontem. Um a um, abro os armários. No total, encontro dois potes de

picles, uma lata de feijão e uma cebola mofada.

Hum.

Há também uma geladeira na cozinha, mas a julgar pelo fato da

eletricidade estar desligada, duvido que funcione. Ainda assim, você

nunca sabe; as pessoas podem ainda usar as caixas de gelo.

Eu abro e...

— Uau.

Moonshine. Filas e filas de licor Moonshine. Olho para todos eles

enquanto um rio do que provavelmente foi uma vez gelo cai no chão.

Por curiosidade, pego uma das garrafas da prateleira e abro a

tampa, cheirando o conteúdo.

Faço uma careta. Não apenas Moonshine, mas um ruim

Moonshine.

— E você espera que eu tome de bom grado de suas bebidas.

Eu grito quando ouço a voz de Peste, a garrafa escorregando da

minha mão. Rápido como um relâmpago, o cavaleiro se lança para


frente e pega o recipiente de vidro, evitando que nós dois fiquemos

cobertos de mijo fermentado.

— Cuidado, Sara. — Diz ele enquanto se endireita, colocando a

bebida em um balcão próximo.

Aquela voz rouca dele transforma meu nome em algo íntimo e

exótico. Acho que odeio o quão adorável ele faz soar.

Seu cabelo está pingando água, me vejo olhando primeiro para

os fios escuros, que são da cor do trigo, antes da minha atenção se

mover para as maçãs do rosto salientes, onde algumas gotículas

daquela água gelada beijam sua pele. Meu olhar vai para sua boca,

com seus lábios cheios e esculpidos.

Minhas bochechas esquentam ao vê-los.

Ele se move para além de mim, alheio aos meus pensamentos,

checando a cozinha com um leve interesse. Seus pés descalços tocam

a poça de gelo derretido enquanto olha dentro da geladeira.

— Não há muito aqui, verdade? — Ele diz, movendo os frascos

ao redor. Enquanto faz isso, eu pego o vislumbro de...

—Meu Deus! Torta!


Está quase finalizada, provavelmente mais velha que meu avô,

com certeza quebraria pelo menos três regras diferentes de etiqueta

por comer antes do meio-dia, mas quem dá a mínima? É uma torta.

Eu não-tão-gentilmente tiro Peste para do caminho e agarro-a.

Uma inspeção mais próxima revela que é uma torta de maçã (minha

favorita, duh) e resta cerca de um quarto dela. O suficiente para uma

garota solteira se enfiar sem muita culpa.

O cavaleiro me observa atentamente enquanto a coloco na mesa

da cozinha, deixando-a apenas o tempo suficiente para procurar um

garfo.

Ele segue minha liderança, pegando um garfo da gaveta e

voltando para a mesa.

—O que você está fazendo? — Eu pergunto quando ele se senta

à minha frente, o utensílio de metal na mão.

Peste observa meus lábios enquanto ele responde.

— Você queria que eu experimentasse sua comida humana.

Meus olhos se movem entre a torta e o garfo. — Você está

falando sério? — Acho que este é o seu jeito de suavizar dia


desagradável. Meu entusiasmo simplesmente despenca com o

pensamento.

Você estava pronto para compartilhar seu chocolate quente com ele,

Sara.

Mas a torta de maçã é um nível acima do chocolate quente.

Ele apenas comerá um pedaço.

E nem vai gostar, está apenas tentando provar um ponto.

Sem palavras, empurro a torta para o lado dele da mesa.

O cavaleiro olha para a torta por um momento, antes de

cuidadosamente tirar um pedaço dela. Ele leva aos lábios como se já

tivesse feito isso milhares de vezes antes e depois de uma breve

hesitação, dá uma mordida na torta de maçã.

Eu o vejo com um tipo estranho de fascinação. Precisa de muito

para me distrair de uma torta, mas Peste comendo alimentos pela

primeira o faz. Seu rosto fica sem expressão o tempo todo.

Ele não gosta disso. Louvado seja Jesus, ele não gosta.

Ele abaixa o garfo e olha para mim, seu rosto sério. — Você

estava certa.
Eu estava? Sobre o quê? Minha testa se enruga em confusão.

— Não precisar de algo não significa que você não pode

desfrutar.

Com isso, ele pega o garfo de volta e pega outro pedaço.

—O que você está fazendo?

Estou envergonhada de quão alarmada minha voz soa.

— Comendo.

— Então... você gostou? — Eu sondo.

— Você quer um pedido formal de desculpas? — Peste me

pergunta. — Gostaria que eu admitisse que estava errado?

Eu gostaria que você não apreciasse minha torta roubada, muito

obrigada.

— Eu pensei que a comida fosse uma ladeira escorregadia na

depravação mortal. — Eu digo, deslizando a torta de volta para o meu

lado da mesa e dando uma mordida nela.

Esta um pouco estragada, prefiro a torta quente, mas em uma

palavra, o céu.
O cavaleiro arrasta a torta de volta ao seu lado da mesa. — Eu

meditei sobre o assunto. — Ele pega outro pedaço. Mais e... acabou.

— A comida em si não é má.

Eu deslizo a torta de volta para mim.

— Indulgência provavelmente é.

Agora que sei que ele pode comer, o suspense acabou. Apenas me

devolva minha torta. É tudo que peço.

— Talvez. — Ele concorda. Isso não o impede de continuar

comendo a sobremesa, acaba pegando os maiores pedaços.

A torta desaparece rapidamente, a maior parte vai para o

homem à minha frente, o homem que nem precisa comer.

Isso é uma besteira.

Depois que ele termina, Peste se senta, jogando um pé por cima

do outro joelho. Há algo tão terrivelmente normal nessa situação. Um

homem e uma mulher compartilhando o café da manhã juntos. É fácil

imaginar o cavaleiro sem sua coroa de ouro, sua armadura e armas. É

fácil imaginá-lo como apenas um homem.

E isso é muito, muito perigoso.


— Eu estava errado. — Ele diz suavemente, seus olhos azuis

encontrando os meus.

— Sobre o quê? — Eu pergunto distraidamente, raspando as

últimas migalhas do fundo do prato.

Sim, sou patética.

— Consumo.

Meus olhos se erguem para os dele. Seu olhar é muito direto. Eu

não sei o que quer de mim.

Eu levanto um ombro. — Legal.

Os olhos de Peste vão para os meus lábios. — Você usa uma

linguagem tão estranha às vezes.

Isso de um homem que chama o banheiro de latrina.

Afasto os olhos por nenhuma outra razão além de acha-lo bonito

e gentil.

Meu olhar vai para a tempestade lá fora. Furiosa o tempo todo.

Eu sei por experiência que se estão frio dentro, a água da chuva

queimará como gelo.

— Por favor, não nos faça viajar hoje.


O pedido apenas sai.

— Por favor? — Seus olhos brilham com fogo.

Merda.

Ele simplesmente ama essa palavra.

Sua cadeira recua. — Humana, acho que você acabou de decidir

o nosso dia.
Foda-se o frio e o cavaleiro junto com ele.

Meus dentes batem sem parar enquanto Trixie avança. Mesmo

sob minhas camadas de roupas e o cobertor de lã que uso, meu corpo

não para de tremer.

Posso ser a única canadense que não suporta o frio. Todo mundo

fala: ei, eu posso ver o sol hoje e mesmo que esteja frio o suficiente para

congelar a água, acho que esse clima é para uma camiseta! Enquanto isso,

sou o que acontece quando um humano e um cubo de gelo tem um

bebê.

Tenho certeza que fui trocada ao nascer.

— Quanto mais ainda? — Pergunto, meus arrepios fazendo uma

bagunça nas palavras.

Terei uma hipotermia e morrerei ali. E isso não seria irônico? A

cativa de Peste morre de exposição — não à praga, mas aos elementos.

O cavaleiro olha para mim de onde me segura contra sua

armadura de metal inflexível. — Eu não tenho certeza. — Diz ele. —

Você poderia perguntar gentilmente e me ajudar a decidir.


Ele quer dizer que eu poderia dizer por favor novamente e me

enganar.

—Ou você pode ficar quieta e podemos andar pela noite.

Eu giro para encará-lo. — Você é o idiota mais orgulhoso que já

conheci!

Eu me viro para frente novamente, puxando meu cobertor

molhado mais perto.

Quando tudo isso acabar, vou me mudar para o México. Aposto

que ninguém morre de frio no México.

E se pensava que Peste reagiria ao meu desabafo, estava errada.

Continuamos, os minutos passando laboriosamente. Passamos por

alguns assentamentos tão pequenos que, se você espirrasse passaria

por eles. A tempestade para brevemente, apenas para redobrar seus

esforços.

Em algum momento ao longo do dia, meus arrepios diminuem,

mas não é porque consegui me aquecer. Estou ciente de que isso é

ruim. Meus dedos estão rígidos e difíceis de mover, meus olhos

continuam fechando.
Apenas quando meu cobertor de lã desliza para fora e na rua que

chamo a atenção de Peste.

— Eu não voltarei por ele. — Diz ele.

Balanço no assento, minhas pálpebras se fechando.

Eu não me importo. Não tenho certeza se penso ou digo, apenas

que o braço do cavaleiro está de repente o lugar perfeito para

descansar minha cabeça.

Eu fecho meus olhos, mal notando quão tenso Peste está.

— Sara?

— Hum? — Eu não abro meus olhos.

— Sara

Apenas dormir um pouco...

— Sara. — Ele vira meu rosto para ele. Pisco enquanto seu olhar

observa minhas feições, demorando nos meus lábios.

Ele começa a parecer alarmado. — Você não está bem.

Eu não estou, verdade?


Acho que o ouço amaldiçoar em voz baixa, então clica sua

língua, me apertando. Trixie começa a galopar, seus cascos jogando

água gelada contra minhas pernas.

— Por que você não disse nada? — Peste pergunta. Talvez seja o

vento e a chuva que estão rugindo...

— Eu preciso sofrer.

Ele bufa e juro que o ouço dizer: — Não assim. — Mas isso é

ridículo, porque devo sofrer exatamente assim.

No próximo desvio, o cavaleiro puxa as rédeas, virando seu

cavalo por um caminho de terra lamacento.

Olho para ele, chuva e granizo colando o cabelo no rosto. Tanto

para o banho anterior.

—Aonde vamos? — Pergunto. Minha língua parece grossa e

desajeitada na minha boca.

— Parece que mais uma vez subestimei o quão frágil você é.

É a coisa mais próxima que ele me dá de uma resposta.


Talvez mais ou menos um quilômetro depois, avisto uma casa

amarela que já viu dias melhores. Peste faz um caminho em linha reta

para ela, não abrandando até que estamos quase à sua porta.

Ele sai do cavalo e me pega em seus braços. Em três longos

passos está na porta. Seu pé chuta e bate contra amadeira, torcendo a

coisa para dentro.

Dentro, ouço gritos.

Não, não mais pessoas.

— Fora do meu caminho! — O cavaleiro diz.

Eu pego um breve vislumbre de um casal de meia-idade e atrás

deles, duas crianças curiosas.

Não.

Peste me abaixa na frente de um fogão a lenha queimando, me

segurando perto enquanto eu tremo.

Agarro seu braço e forço meus olhos a abrirem. — Não podemos

ficar aqui. — Eu digo, minha voz fraca.

— Eu preciso de cobertores. — Ele exige. Sequer está olhando

para mim.
Minhas pálpebras continuam fechando.

O corpo parece pesado. Tão pesado.

— Por favor. — Eu murmuro. Eu sei que é a coisa errada a dizer,

mas não posso evitar. E de que outra forma deveria implorar pela

vida de alguém?

— Sshh. Cobertores! E mais madeira.

Uma mão afasta meu cabelo e quero olhar, ver a quem a mão

pertence, mas minhas pálpebras estão pesadas demais para serem

abertas. Finalmente me sinto segura e cuidada, isso é tudo que meu

corpo precisa no momento. Começo a relaxar, minha cabeça encontra

a curva de um braço mais uma vez.

Um lugar tão estranhamente confortável para dormir.

As crianças!

Eu começo a me sentar novamente, me forçando a despertar.

— Sshh, Sara. Estou bem aqui.

Quem?

Não as crianças.
Não as crianças.

Acordo gradualmente, observando meus arredores pouco a

pouco. Um monte de cobertores me cobre e na minha frente está um

fogão de madeira queimando, um incêndio alegremente ardendo

dentro dele. Olho para ele como se tivesse as respostas para todas as

minhas perguntas.

Eu me movo devagar, sentindo como se tivesse bebido o meu

peso com Moonshine ruim, então decidi correr uma maratona antes

de ser atropelada por um trem de carga. Ontem não foi meu melhor

dia.

Eu gemo, começando a me afastar.

Assim que me movo, sinto o vento roçar minha pele nua.

O que no mundo? Estou nua?

Um braço aperta meu estômago, parecendo como uma faixa de

aço.

… que porra estava acontecendo.

Minha mente grita até parar.

Não.
Não, não, não, não, não, não.

Nãooooooooo.

Olho por cima do ombro e com certeza, ali está Peste, me

abraçando como se fossemos amantes. Pelo que posso dizer, ele não

está usando uma camisa.

Respire fundo, Burns.

— Nós…? — Eu não posso nem terminar essa frase.

— Você estava hipotérmica.

Oh. Claro. Essa seria a sequência lógica dos eventos. Não foder

o ser mais odiado do mundo. Porque isso estaria tão fora de questão

que...

Porque ainda estou pensando nisso?

Pego os cobertores ao meu redor, agarro-os contra mim e sento-

me com a maior modéstia que consigo.

— Onde estamos?

Peste senta ao meu lado e agora parece que nós dois estávamos

brincando.
— Em uma casa. — Ele responde.

Faça uma pergunta boba...

À distância, ouço vozes abafadas.

— Não, você não pode ir lá.

— Mas estou com fome.

— Aquele é realmente o cavaleiro?

— Eu quero acariciar seu cavalo!

— Volte para seus quartos, vocês dois.

Pequenos pés tamborilaram contra o chão.

Meu estômago se contrai. Crianças. Está certo. Esfrego meus

olhos com as mãos, desejando que as últimas vinte e quatro horas

simplesmente desapareçam.

Crianças. Sob o mesmo teto que Peste.

— Não os deixe morrer. — Sussurro.

— Todo mundo morre, Sara.

Eu fecho meus olhos. Tudo dói muito. Meu corpo, meu coração,

minha mente.
Eles morrerão.

Eu viro para encará-lo, pressionando o cobertor perto de mim.

Tem carros de corrida impressos por todo o lado. Um cobertor de

menino, sacrificado para que ficasse quente. Às vezes são os pequenos

detalhes que cortam mais fundo.

— Honestamente. — Eu digo. — Está é a maior merda que já

ouvi de você.

Ele estreita os olhos em mim. — Todo ser humano morre. — Ele

altera, errando completamente o meu ponto.

— Isso não significa que precisam morrer hoje! — Eu quase grito,

tentando manter minha voz baixa para o bem da família.

— Eles não irão. Ainda têm alguns dias.

E de repente, não posso olhar para ele e não suporto estar perto

dele.

Ele matará as crianças. Crianças.

Claro, ele já matou crianças. Milhares e milhares delas. Mas

agora a realidade disso está sendo empurrada na minha cara e eu não

aguento mais.
Sem palavras, Peste me entrega uma pilha de roupas, sem

dúvida algo que roubou do dono. Isso pode ser apenas a pior parte

da coisa toda. O cavaleiro pode pensar em coletar roupas para mim,

enquanto deixa sua maldita praga matar crianças.

Peste se acomoda em seus antebraços, me observando enquanto

me visto, seus olhos não tão desinteressados em meu corpo como na

última vez.

Eu devo estar imaginando coisas.

Finalmente encontro seu olhar. — Mude isso.

— Não.

Minha mandíbula flexiona enquanto olho para ele, meus olhos

acusando. Ele encontra meu olhar inflexivelmente.

— Eu não estou aqui para agradar todos os seus caprichos. —A

voz de Peste é firme, insensível. — Estou aqui para acabar com o

mundo.
Leva três dias para a peste matar um homem. Quatro, se você for

particularmente azarado. Esta família é particularmente azarada.

Eu não sei se isso é simplesmente a natureza trabalhando ou se

Peste está puxando as cordas (para me punir por aborrecê-lo ou para

se comprometer comigo e dar a esta família um pouco mais de tempo

para viver).

Foram necessários quatro longos e agonizantes dias de doença

antes que toda a família morresse. Mãe, pai, filho e filha. Todos

tomados por essa praga estúpida e sem sentido.

Quatro dias fiquei naquela casa por insistência de Peste

enquanto me recuperava, quatro dias em que o cavaleiro

desapareceu, quatro dias em que cuidava da família — contra a

vontade deles. Queriam que eu fosse embora. Pelo menos, era o que

queriam até que estavam muito fracos para cuidar de si mesmos.

— Por que ele está fazendo isso? — Perguntou a mulher, Helen,

no dia anterior à sua morte.

Ajoelhei-me ao lado dela ao lado da cama. — Eu não sei.


— Por que ele a salvou? — Ela pressionou.

— Eu tentei matá-lo. — Expliquei. — Ele está me mantendo viva

para que possa me punir.

Ela balança a cabeça. — Acho que não. — Ela murmurou. — Ele

pode ter suas razões, mas não acho que a punição seja uma delas.

Minha pele se arrepiou com suas palavras e pela primeira vez,

senti incerteza com a minha situação.

Por que outro motivo o cavaleiro me manteria se não para me

castigar?

Lembrei-me da tortura que suportei e minha incerteza

desapareceu. Helen simplesmente não sabia o que Peste me fez

passar. Isso era tudo.

E de todos os membros desta família, foi o pai quem morreu

primeiro. Ele era um homem grande e corpulento, construído como

um tanque e de todos eles, eu achei que resistiria por mais tempo. Em

vez disso, nas primeiras horas do quarto dia, fechou os olhos, deu

uma última tosse e faleceu na grande cama que dividia com a esposa.
No momento em que ele morreu, Helen estava doente demais

para tirá-lo da cama. Consegui arrastar seu corpo dolorido, mas

Helen não me deixou levá-lo para sala.

—As crianças não devem vê-lo... assim. — Ela protestou

fracamente.

Então eu o arrastei para o banheiro principal e Helen teve que

ficar a poucos metros de seu cadáver em decomposição. E mesmo que

estivesse sucumbindo à sua própria morte, viveu o suficiente para

perceber o horror disso.

Seu filho foi o próximo. Antes de morrer, eu o levei para o quarto

de seus pais, de modo que Helen pudesse segurá-lo quando morresse.

Ela seguiu duas horas depois.

A último a morrer foi Stacy, sua filhinha que morreu vestindo

um pijama de unicórnio, deitada sob um céu de estrelas que

brilhavam no escuro. Ela chamou sua mãe quando a febre a levou,

chorou por seu pai quando as feridas abertas ao longo de seu corpo

doeram mais do que ela poderia suportar.

Segurei sua mão e acariciei seus cabelos o tempo todo, fingindo

ser ela, de modo que em sua confusão, pelo menos conhecesse alguma
paz. E então se foi com o resto de sua família. Silenciosamente. Como

saindo de um quarto para outro, seu peito subindo e descendo mais

devagar até parar.

Isso foi vinte minutos atrás. Talvez tenha sido uma hora. O

tempo brinca com você quando menos espera.

Sento-me ao lado da cama de Stacy e seguro sua mão mesmo

depois que sei que ela se foi. Eu vi o suficiente durante o meu tempo

como bombeira para desenvolver uma casca grossa, mas isso... isso é

outra coisa completamente diferente.

Ela era apenas uma criança. E morreu por último, com ninguém

além de uma ex-bombeiro vendo-a ir deste mundo.

Atrás de mim, a porta se abre.

— É hora de ir. — Diz Peste às minhas costas.

Eu limpo algumas lágrimas perdidas das minhas bochechas.

Colocando a mão de Stacy em seu peito, me levanto, indo para onde

ele está na porta.

Passo tão perto dele que posso sentir o calor de seu corpo.
— Por que você precisou levar as crianças? — Eu sussurro com

voz rouca.

Sua mão cai no meu ombro, me levando para fora do quarto. —

Você preferiria uma morte lenta para eles, é isso?

— Eu preferiria que eles não morressem de jeito nenhum.

—O que você acha que acontecerá humana, uma vez que suas

famílias morrem? Uma vez que essas crianças ficassem sozinhas?

Acha que podem caçar por si mesmos? Alimentar-se por si próprios?

Todas as minhas respostas são como pedras na minha boca,

rolando uma sobre a outra. No final, apenas olho para ele.

— Veja. — Ele diz. — Você sabe que minhas palavras são

verdadeiras, mesmo que as despreze.

— Por que precisa matar? — Pergunto, enquanto ele me conduz

pelo corredor.

— Por que você precisa arruinar o mundo? — Responde o

cavaleiro.

— Eu não arruinei.
— Arruinou. Assim como eu não preciso tocar em cada homem

para matá-lo, você não precisa pessoalmente colocar chamas no

mundo para ser a razão pela qual ele queima.

Esfrego meus olhos. Toda vez que conversamos, sinto que estou

batendo com a cabeça contra a parede, me machucando e não

chegando a lugar algum com todo meu esforço.

— Por que precisa ser tão horrível? — Eu sussurro. — Os

caroços, as feridas...

— É uma peste. Não é para ser agradável.

Ele me leva para fora, onde Trixie espera, as sacolas da sela

carregadas de mercadorias retiradas da casa. Vendo todas as

probabilidades e fins escondidos, sinto-me como um ladrão de

túmulos, saqueando dos mortos. Eu sei que eles não precisam mais

de comida e jaquetas, mas ainda não consigo me livrar do quão errado

é tudo isso.

Travada, subo no cavalo, Peste se juntando a mim um momento

depois. E assim, nós dois saímos de casa e seus trágicos ex-ocupantes

ficaram para trás.


Mal passamos um quilômetro quando o cavaleiro come um

sanduíche embrulhado em um dos alforjes e me entrega. — Você não

comeu. — Explica ele.

Eu viro o item mais e mais na minha mão. — Você… fez isso para

mim?

— Eu gostei da geleia. Pensei que gostaria também.

Então, sim, ele fez para mim. O mesmo homem que acabou de

causar a morte me fez um sanduíche, porque percebeu que não comi.

Eu fecho meus olhos e respiro fundo. Por que isso tem que ser

tão complicado? Por que ele não pode simplesmente ficar na caixinha

em minha mente, rotulada de mal e ser isso? Estes breves momentos

onde ele é atencioso e terno, estão me quebrando lentamente.

Abrindo os olhos, abro a embalagem do sanduíche e com

certeza, entre os dois pães grossos caseiros há uma porção generosa

de geleia. E apenas geleia.

Não me passou despercebido o quanto isso é muito parecido

com uma torta — duas superfícies de casquinha segurando um

recheio de fruta açucarada. Levo para minha boca e mordo.


Não é ruim. Não sei porque pensei que seria. Talvez tenha

presumido que sanduíches de geleia deveriam ter um gosto ruim.

Talvez tenha pensado que depois do dia que tive, qualquer coisa teria

gosto de sujeira na minha boca.

Em vez disso, parece uma indulgência. Enquanto como, imagino

Peste naquela pequena cozinha desordenada que acabamos de deixar,

fazendo isso para mim bem ao lado da geladeira, que estava cheia de

arte de figuras de palitos e ímãs de alfabeto. Durante todo o tempo,

no corredor, vi uma garotinha desenhá-lo.

O gosto doce e açucarado do sanduíche azeda na minha boca. Eu

respiro fundo algumas vezes antes de tentar comer mais.

— Eu não gosto de vê-los morrer. — Peste admite atrás de mim.

Eu abaixo o sanduíche.

Ele esteve praticamente ausente durante aqueles quatro dias em

que fiquei com a família. Pensei que talvez houvesse alguma outra

razão para isso.

— Por que você não nos forçou a continuar andando? — Isso

poderia ter sido evitado se ele não permanecesse em um lugar por

qualquer período de tempo.


— Você precisava se recuperar. — Ele responde.

Distraidamente, toco uma das bandagens que cobrem meus

pulsos.

Ele apenas está me mantendo viva para me punir, eu disse a Helen.

Acho que não, ela disse. Ele pode ter suas razões, mas não acho que a

punição seja uma delas.

Eu mantenho meus pensamentos para mim mesma.

— Mas você ainda os infecta. — Eu digo.

— Ainda os infecto. — Ele concorda. — E continuarei infectando-

os até que meu tempo passe. Mas não gosto de vê-los morrer.

Nós dois cavalgamos pelo resto do dia, passando por uma série

de pequenos assentamentos desertos. Minhas coxas finalmente

param de doer e minhas costas coçam onde minha pele está

cicatrizando.

O clima também decidiu amenizar, o sol fraco de inverno

cintilando brilhante acima de nós. Ainda está muito frio, mas ei, não

está chovendo. Aceito isso.


As árvores cobrem a estrada à nossa esquerda e à nossa direita,

as belas águas brilham do Howe Sound. Salpicados entre eles, há uma

série de ilhas e além delas, está a outra extremidade do continente. A

visão tiraria o fôlego se não fosse pelas filas e filas de carros

enferrujados entre mim e a vista.

Os automóveis mortos estavam abandonados em ambos os lados

da estrada. Este deve ser um dos lugares que ainda aguardavam a

limpeza financiada pelo governo. A chegada que derrubou nosso

poder também encalhou milhares e milhares de pessoas em seus

carros no meio da estrada aberta.

E se fechar meus olhos, ainda posso ver algumas das imagens

horríveis das pilhas, carros esmagados em pedacinhos com seus

ocupantes dentro. Não falamos mais da primeira onda de fatalidades,

desde que Peste reapareceu, mas muitas pessoas morreram naquele

primeiro dia — de acidentes de carro, aviões caindo do céu, de

máquinas de suporte de vida desligando e tantos cenários estranhos

que ninguém nunca viu chegando.

Ao meu redor, os carros enferrujados são uma triste lembrança

do dia em que o mundo mudou. Peste não lhes poupa um olhar. Ele

e Trixie apenas têm olhos para o horizonte.


Nós andamos durante todo o dia, nem mesmo parando para

comer. Descobri que é porque Peste me fez não um, mas três

sanduíches de geleia e me embalou um pote de alcachofra e uma lata

de anchovas. Eu não tenho coragem de dizer a ele que não irá querer

sentar em qualquer lugar perto de mim se realmente abrir a anchovas.

Então, novamente, poderia levá-lo para experimentar o peixe...

nós veríamos o quanto ele gosta de comida humana então.

Não é até o céu estar azul profundo que entramos na rodovia.

Peste passa por várias casas, algumas escuras e outras com

lamparinas a óleo brilhando por dentro, antes que finalmente

cheguemos à entrada da casa de alguma alma infeliz.

A porta de tela se abre e fecha com o vento, emitindo um ruído

sinistro. E agora que estou procurando, percebo que as janelas estão

fechadas. É claro que quem morava ali, não voltou por um longo

tempo.

Situações como está não são incomuns. Talvez o poço da

propriedade tenha secado ou a bomba parou de funcionar, talvez a

casa estivesse muito longe da civilização, agora que os carros estavam

obsoletos. Talvez um parente tenha levado os donos anteriores ou

morreram e ninguém quis comprar esta casa no meio do nada. As


histórias por trás de lares como este são todas diferentes, mas tem o

mesmo destino, o abandono.

Ouvi dizer que há cidades fantasmas inteiras onde as pessoas

viviam, mas não mais. Las Vegas, Dubai...

O pensamento de todas aquelas cidades, outrora opulentas sobre

os ossos no deserto, suas atrações cintilantes embotadas de poeira e

caindo em desuso, envia um arrepio pela espinha.

A morte se elevou a um trono, em uma cidade estranha, deitada

sozinha... as palavras de Poe ecoam em minha mente.

Minha atenção volta para a casa à nossa frente. Não gosto de vê-

los morrer, disse Peste. Uma parte de mim pensa que talvez foi por isso

que ele escolheu este lugar.

O cavaleiro amarra Trixie enquanto entro na casa. Assim que

entro, bato na parede escura até encontrar um interruptor de luz. Uma

vez que encontro, aperto, sempre esperançosa de que esta casa tenha

eletricidade.

Por um momento ofuscante, a entrada se ilumina com a luz.

Então, com um pop quebra, a luz desaparece tão repentinamente como

veio.
—Merda.

Acho que devo agradecer pelo dano não ser pior. Já apaguei mais

incêndios elétricos do que os incêndios florestais nos últimos anos.

Todos esses confortos estão nas máquinas que pararam de funcionar.

Peste se aproxima por trás, já desabotoando sua pesada

armadura. Ele deixa cair o arco e aljava em uma mesa ao lado, depois

cada peça de sua armadura. Por fim, abaixa a cabeça, passando a mão

pelo cabelo.

É tudo muito humano. Eu me pergunto se ele sabe disso.

— Luz? — Ele pergunta.

— Não. — Eu vou para outro interruptor e ligo-o e desligo-o.

Nada acontece. — Não, definitivamente não funciona.

Começo a tatear ao redor da sala, à procura de velas, lâmpadas,

pavios, fósforos, qualquer coisa que possa iluminar este lugar agora

que o sol está se pondo. Peste sai da casa, deixando-me sozinha.

Ele volta alguns minutos depois, carregando vários itens. Passa

por mim, indo para o que parece ser a cozinha.


Ouço o chiado de um fósforo e um momento depois, ele acende

uma lanterna que deve ter pego em uma das últimas casas em que

ficamos.

Entrega a lanterna para mim, depois caminha pelo corredor

escuro da casa. Eu observo, ouvindo quando ele abre e fecha outra. O

som abafado de uma porta de garagem sendo levantada

manualmente surge, então o som constante de cascos batendo contra

cimento enquanto ele tira Trixie do relento.

Levanto a lanterna, olhando para casa. Metade da mobília está

coberta de lençóis e o que não está coberto, tem uma grossa camada

de pó.

Caminho até a lareira. Ainda há fotos por ali. Eu pego uma,

usando meu polegar para tirar uma camada de poeira. Abaixo dela,

há um retrato de uma mulher de vinte e poucos anos, com os cabelos

penteados, frisados e afofados com alguns centímetros de

comprimento. Escolho outra foto ao acaso, tirando o pó o suficiente

para ver um grupo de garotos de olhos estreitos em trajes de banho,

boias flutuando no alto de seus braços.


Eu a coloco de volta enquanto um arrepio me percorre. Há uma

vida inteira aqui que parece ter parado abruptamente. Quer a morte

ou o deslocamento os levassem, foi feito rapidamente.

Cidades inteiras ficarão assim no futuro.

Não será apenas Vegas e Dubai. Será cada lugar que Peste visite.

E nesse futuro, alguém como eu irá de casa em casa, contornando os

cadáveres em decomposição que foram deixados desenterrados

dentro.

Estremeço apenas ao pensar.

A porta da garagem se abre e fecha, os passos pesados de Peste

voltam para a sala de estar. Quando aparece, ele tem vários troncos

secos. Ele me olha antes de caminhar, começando a empilhar a

madeira na lareira.

Uma hora depois, uma fogueira se acende, meia dúzia de velas

tremulam ao redor da sala de estar, um colchão e alguns cobertores

comidos por traças foram retirados de um dos armários e colocados

na sala de estar para que possa dormir onde está quente.

Sento-me no colchão, com os joelhos encolhidos sob o queixo,

bebendo água de uma velha caneca de barro (o poço ainda funciona)


e encarando as chamas. Ao meu lado, Peste descansa contra o colchão,

as pernas cruzadas na frente dele.

— Por que você os ajuda? — Pergunta ele.

Seus olhos encontram os meus, as chamas dançando neles.

Mesmo iluminado pelo fogo, ele parece um anjo.

O diabo também era um anjo.

— Ajudar quem? — Pergunto.

— Aquela família. E o homem antes deles.

Ele está falando sério?

Observo suas feições, meu coração acelerando, porque meu

corpo é um idiota que não consegue discernir o mal do macho quente.

— Como posso não os ajudar? — Eu finalmente respondo.

— Você sabe que eles morrerão de qualquer maneira. — Diz ele.

É um raciocínio tão frio e pragmático. Como os meios para um

fim não significa nada ao lado do próprio fim.

— Então?
Eu olho de volta para as chamas. — Bem, se puder aliviar o

desconforto deles, então o farei.

Posso sentir seu olhar em mim, mais quente que o fogo.

— Você não apenas faz isso para aliviar a dor deles, não é? — Ele

diz. — Também faz isso para facilitar a sua própria.

Que cavaleiro esperto ele é.

Pressiono minha boca, franzindo a testa. — Você está certo. —

Eu digo. — O sofrimento é para os vivos e você me fez sofrer. — Ver

essas crianças sucumbirem, se afogando em seus próprios fluidos,

ouvindo seus gritos... — Como o desprezo por isso.

— Eu não espero nada menos da humana que me queimou vivo.

Eu me viro para ele, minha raiva aumentando. — Então ainda é

sobre o seu sofrimento? Eliminou cidades inteiras, mas no final do dia

ficou ferido. Você quer saber de uma coisa? Eu o cacei como um

animal, porque merece. E faria novamente.

Faria? Uma parte pequena e traidora de mim não tinha tanta

certeza.
Não me importo com esse pensamento e contínuo. — Você está

nos matando cruelmente e eu o odeio por isso.

Ele não diz nada ao meu desabafo, apenas se senta ali, me

observando.

— Parte da vida. — Eu digo. — É sentir dor, dor sem sentido. —

Poderia contar-lhe mil histórias sobre a pura injustiça do mundo. Mas

por que me incomodar? Ele não dá a mínima para nossos problemas.

— Eu sou o que sou. — Diz ele, resoluto. Parece quase...

derrotado. — Vim até aqui com uma tarefa e a concluirei.

— Quem lhe deu a tarefa? Deus? O diabo? — Eu jogo minha mão

no ar. — A porra do coelhinho da Páscoa? Pensei que fosse Peste, o

Conquistador, não o maldito garoto de recados de alguém!

— Cuidado, humana. — Ele avisa, sua voz perigosa.

— Cuidado? Bem, se está com tanto medo das minhas palavras,

então me cale.

Eu fui longe demais. Sei disso assim que falo.

Peste levanta as sobrancelhas ao meu desafio. Um segundo

depois, ele arranca uma parte do lençol empoeirado que cobre o sofá
próximo. Levantando-se, torce o linho em suas mãos. A ação parece

ameaçadora.

Ele se ajoelha na minha frente, seus olhos encontrando os meus.

E então coloca o lençol entre os meus lábios.

Nunca na minha vida alguém tentou me amordaçar.

Por um momento, fico perplexa, mas então o momento passa e

sou um touro furioso, deixando a caneca de água e lutando contra

Peste enquanto ele amarra o tecido firmemente atrás da minha cabeça.

Não consigo muito mais do que dar um tapa em seu rosto antes que

ele agarre meu ombro e empurre minha cabeça no colchão. Ele

pressiona o joelho contra minhas costas.

Resisto contra ele loucamente, tentando me livrar, mas ele é mais

sólido do que simples carne e sangue, meus esforços não me levam a

lugar nenhum.

Atrás de mim, ouço outro rasgo, então ele está agarrando meus

pulsos e enrolando o tecido ao redor deles.

Estou gritando com a mordaça improvisada.

— Grrruuuuu muuufffuughhrrr! — Tento dizer.


Ele amarra meus pulsos com força. Uma vez que termina, senta-

se e agacha na minha frente.

Seu erro.

Levanto meu pé e bato em seu rosto bonito. Ele balança para trás,

pegando meu tornozelo entre as mãos. — Eu preciso amarrar isso

também?

— Ullll uuuuggghinnnn eeeenngggh ooooouuuuu!

Ele segura meu pé, esperando como se eu fosse uma criança

tendo uma birra irracional.

Dou com meus pés alguns empurrões inúteis antes de desistir.

Esse homem faz poucas ameaças vazias, não estou tão interessada em

ser completamente contida.

Quando paro de lutar com ele, solta meu pé, estendendo a mão

até seu rosto para esfregar onde o bati.

— Você bate forte para uma humana. Preciso conceder isso.

— Uuuuugh oooo, aaaahuuulll.

— Estou surpreso que esteja tão louca; você é a única que sugeriu

que a silenciasse.
Eu grito novamente.

— Acalme-se, pequena humana. Talvez então a liberte.

Pequena?

Ele volta para o seu lado do fogo e se perde nas chamas.

Eu me sento ali, em frente a ele, fervendo, minha respiração

saindo em bufadas quentes e irregulares.

Na próxima chance que tiver, o chutarei nas bolas sagradas.

Uma quantidade inominável de tempo passa assim, os dois

sentados próximos, mas mentalmente separados.

Finalmente, Peste olha para mim.

— Você está pronta para ser civilizada?

— Uuuuh oooo!

— Não? Hmmm, talvez eu dê um pouco mais de tempo.

O orgulho é um soldado solitário, olhando seu relógio quando

não há mais ninguém para se importar. Pensei que o treinamento de

fogo o quebrou, mas não.


No final, me acalmei. Ficar brava com um dos cavaleiros do

apocalipse por provocar o fim da humanidade é como ficar com raiva

do gelo por estar com frio.

Deitei de lado, ignorando a dor aguda quando meu peso pousou

em uma das minhas mãos amarradas.

Sem palavras, Peste se levanta e solta minhas amarras, primeiro

removendo minha mordaça, então, quando não o amaldiçoo

imediatamente, solta meus pulsos.

Ele se senta novamente, olhando para o fogo. Olho para ele, e

viro as costas para ambos, me enroscando no colchão e puxando um

dos cobertores sobre mim.

Ainda é noite, mas estou no limite do dia. No limite com Peste e

sua tarefa macabra. No limite de mais tristeza e raiva, todas aquelas

outras emoções que estão pesadas dentro de mim.

Posso sentir o olhar de Peste nas minhas costas tão seguramente

como se tivesse colocado sua mão sobre mim, mas não o reconheço.

Fecho meus olhos e vou dormir.

Meu corpo está mais cansado do que imaginei, porque em

poucos minutos estou fora.


Vancouver, 18km

Olho para a placa com crescente horror.

Até agora, apenas vi o cavaleiro passar por assentamentos e

pequenas cidades. Mas Vancouver é outra coisa.

Centenas de milhares de pessoas moram ali. Certamente eles já

publicaram avisos de evacuação. Certamente a cidade está vazia o

suficiente...

Nós dois continuamos pela estrada e cada hora que passa me

deixa cada vez mais aflita.

O deserto dá lugar a bairros chiques. As casas estão em ambos

os lados da estrada, mais escondidas atrás de grandes árvores e

arbustos, mas ainda visíveis o suficiente para ver a água à nossa

direita.

Não há uma alma à vista.

Quanto mais perto da cidade chegamos, menores e mais

compactas ficam as casas. Aqui, nos subúrbios periféricos, vejo os


primeiros sinais verdadeiros da vida. A visão de um motociclista, os

sons fracos de gritos.

O clique dos cascos de Trixie contra o asfalto é subitamente

ensurdecedor. Isso me lembra muito o momento em que Peste

apareceu na floresta.

Então não deveria me surpreender quando um tiro rompe os

sons normais do dia.

Mas me surpreendo. Quase caio com o barulho.

O aperto do cavaleiro se intensifica. — Segure.

Ele estala a língua e Trixie começa um galope.

Corremos pela estrada a velocidade alucinante. Outro tiro segue

o primeiro, depois vários outros, enquanto alguns indivíduos

condenados tentam sua sorte na justiça vigilante.

Nenhuma das balas, no entanto, encontram seu alvo. Mesmo

quando o som dos tiros se desvanece à distância, Peste continua

galopando.
A estrada se abre e separa. Instintivamente, o cavaleiro vai para

o oeste, ficando na 99. Eu não sei se ele está ciente disso, mas a decisão

é boa.

Nós corremos pela estrada, atravessando a ponte antes de entrar

no Stanley Park. Aqui a cidade é interrompida por um denso pedaço

de selva. Ainda assim, meu corpo está pronto para outro ataque. Em

uma cidade com tantos habitantes, certamente haverá mais.

O parque passa borrando por nós, as árvores se misturando para

criar um cenário verde.

E do outro lado do parque, blocos e blocos de prédios altos se

erguem à nossa frente e à nossa direita, suas armações de aço e vidro

brilhando à luz do meio-dia. Entre cada bloco vislumbro o oceano.

Isso é tudo que noto antes dos tiros retornarem.

Peste puxa as rédeas de Trixie e nos leva para fora da estrada e

segue por uma rua lateral, indo direto para água. As estruturas são

enormes, como sentinelas em cada lado enquanto corremos pela

estrada.
Não posso ouvir muito sobre o bater dos cascos, apenas o

aumento constante do som de tiros. E se nos manobrar fora da

estrada, deveria resolver a nossa situação, mais isso não aconteceu.

Como eu, outras pessoas, muitas delas ao que parece, decidiram

se sacrificar para matar o cavaleiro. Eu me pergunto se também

assumiram que o cavaleiro poderia morrer.

Sinto um zumbido de bala passando. E se as coisas continuarem

assim, serei atingida.

Percebo as pessoas nas portas dos prédios ou inclinando-se pelas

janelas deles. Outros ainda estão correndo abertamente em nossa

direção, com armas na mão.

Agora isso é uma verdadeira emboscada.

Sem aviso, Peste me empurra fora de seu corcel. Estou tão

surpresa que esqueço de gritar enquanto caio. Bato com força na rua,

minha visão escurecendo com o impacto. Todas minhas velhas feridas

gritam ao ser violentamente machucadas outra vez.

À minha frente, mais disparos soam.

Algumas pessoas correm pela rua, tentando conseguir uma boa

pontaria no cavaleiro.
À minha frente, Peste levanta seu arco e flecha. Agora que suas

mãos estão livres, ele as usa para atirar flecha após flecha em seus

atacantes. Eu vejo um homem cair de uma janela do terceiro andar

com um baque no chão.

Enquanto monta longe de mim, o cavaleiro atira em seus

agressores, às vezes virando em sua sela para atirar para trás. Eu o

observo por algum tempo antes de me lembrar de mim mesma.

Você é uma bombeira, Burns. Levante-se e aja como uma.

Eu me forço a ficar de pé, favorecendo uma perna sobre a outra.

Tanto quanto posso dizer, nada está quebrado, embora terei a porra

de uma contusão onde caí sobre a coxa.

Eu começo a me mexer, mancando lento que não me deixa ir

longe, mas então, não estou tentando fugir. Observo a rua,

procurando pelos feridos.

Dirijo-me à vítima mais próxima, um homem magro, cujo cabelo

(o pouco que resta dele) é mais branco do que marrom.

— Senhor, você está...? — Minha voz corta quando vejo a carne

crua e sangrenta em sua garganta. Não foi o cavaleiro que acertou esse

cara. Uma das balas que errou Peste encontrou outra vítima.
Ele tenta falar comigo, sua boca abrindo e fechando, seus olhos

arregalados de choque. Tudo o que sai são algumas bolhas vermelhas

que se juntam em seu pescoço.

Não há nada a ser feito por ele.

Eu pego sua mão, chutando sua arma de lado; ele não precisa

disso agora.

— Você está bem. — Eu digo suavemente. Nós dois sabemos que

é mentira. — Estou bem aqui com você. Não o deixarei.

Sua mão aperta a minha com mais força e seus lábios continuam

se movendo. Eu me inclino para tentar ouvi-lo melhor, mas tudo que

ouço é o gorgolejar molhado que vem de sua garganta.

Aceno de qualquer maneira, agindo como se estivesse consciente

do que ele está dizendo. Seus lábios ficam lentos até não ter mais nada

a dizer. A segura minha mão, mas então seus olhos se movem acima

de mim, além e sua mão relaxa.

Foda-se a morte. Sério, foda-se essa coisa horrível e assombrosa

que todos nós devemos suportar.

Eu o solto e fico de pé, meus olhos já na próxima pessoa.


Mais abaixo, uma mulher está tentando se levantar, uma das

flechas de ouro do cavaleiro projetando-se de seu peito. Corro até ela,

ignorando a dor na minha coxa.

Tempo passa enquanto vou de pessoa para pessoa, ajudando

como posso, o que não é muito, mas chama a atenção de um soldado

de infantaria paramédico. Ele se junta ao esforço e isso, por sua vez,

chama a atenção de um médico.

Quanto mais ficamos na rua, mais pessoas saem dos edifícios

onde se abrigaram para agora ajudar. Minha garganta entope com a

visão.

Isto é o que Peste perde em sua busca para matar-nos. Isso ao

lado do pior da natureza humana é o melhor de tudo.

Nós trabalhamos juntos sombriamente. Ninguém diz, mas

praticamente posso ouvir os pensamentos à minha volta.

Estou infectado?

Já é tarde demais?

Quanto tempo tenho?

Quando começarei a me sentir mal?


Uma série de gritos pontuam o ar.

Olho para cima do homem que estou ajoelhada ao lado, o médico

ao meu lado.

À distância, Peste volta galopando pela rua em seu cavalo

branco, sua armadura e rosto manchados de sangue.

O que ele fez?

Segura seu arco, uma flecha entalhada, pronta para matar

qualquer um que se atreva a se levantar contra ele.

Eu fico tensa com a visão. Quase acreditei que este era o fim da

nossa parceria.

Deveria saber melhor. Peste, o Conquistador terá seu bolo e irá

comê-lo também.

— Que porra? — O paramédico fala ao meu lado.

— Ele voltou?

Eu me levanto, atraindo alguns olhares.

A mandíbula de Peste flexiona, seus olhos observando a rua

enquanto se aproxima da estrada. Quando o cavaleiro me vê, sua

expressão não muda, mas juro que ele relaxa.


Por que ele me quer tanto?

Ele corre para frente, o ritmo de seu corcel acelerando quando os

dois se dirigem diretamente para mim.

Corra, uma parte irracional de mim pensa — como se fizesse uma

porra de diferença agora que ele voltou sua atenção para mim. Em

vez disso, vou para o meio da rua, longe de onde as outras pessoas

estão reunidas.

— O que você está fazendo? — O médico pergunta.

Eu o ignoro, meu olhar fixo no cavaleiro. Peste, por sua vez,

agora não presta atenção aos últimos de seus assaltantes. Nem ele

precisa. Os tiros que pontuaram o ar mais cedo estão todos em

silêncio.

A quietude aperta meu estomago. O cavaleiro sem esforço

acabou com todas essas pessoas. Como alguém se posiciona contra

esse tipo de poder? É muito grande, imparável demais.

Quando se aproxima de mim, Peste se inclina para o lado de sua

sela, não diminuindo a velocidade. Não percebo o que ele pretende

fazer até que seu braço se estende.


E agora, mesmo sabendo que não fugirei, eu corro. Não sei o que

me leva a correr. Talvez seja o ritmo punitivo do corcel de Peste,

talvez seja o olhar feroz nos olhos do cavaleiro. Talvez seja o cavaleiro

e a montaria parecendo banhados no sangue de seus inimigos.

Empurrando minhas coxas doloridas por tudo que valem, eu

corro pela rua, de volta para estrada. O casco de Trixie bate mais alto

e mais alto quando os dois se aproximam de mim. Bombeio minhas

pernas, forçando a se moverem mais rápido.

Eu não faço isso muito antes de sentir o braço de Peste

envolvendo minhas costas. Com um empurrão que faz minhas feridas

quase curadas doerem em protesto, ele me levanta do chão, me

colocando suavemente no assento de frente a ele.

— Proteja-se, Sara. — Ele ordena, não diminuindo a velocidade.

Indo tão rápido quanto estamos, não tenho como me ajustar e

sentar de lado, então envolvo meus braços ao redor do abdômen de

Peste, segurando firme enquanto nos direciona para água. Seu braço

descansa quase possessivamente ao meu redor, assegurando-me

ainda mais a ele.

Nós aceleramos pelos grandes edifícios uma segunda vez e à

medida que corremos para baixo da rua, avisto mais alguns atiradores
caídos assentados em piscinas de seu próprio sangue, seus corpos

atravessados por flechas. Paro de olhar quando vejo uma das flechas

de ouro projetando-se do olho de um homem morto. A coisa toda é

tão medonha, violenta e triste.

Peste não os poupou. Não como me poupou. E pode pensar que

eu tenho o pior destino, mas no final de tudo, me sinto sortuda por

estar sentada aqui no cavalo do cavaleiro ao invés de descobrir o que

está do outro lado da morte.

Abruptamente, os prédios dão lugar à areia, tenho uma visão

clara da enseada que vislumbrei antes. Olho para a água e além disso,

para a Ilha de Vancouver.

As batidas dos cascos de Trixie contra areia, levanta os grãos

finos contra mim. Faz anos desde que estive tão perto do mar, mas

não tenho a chance de aproveitá-lo. A areia seca dá lugar ao molhado

e o cavalo ainda não diminui.

— O que você está fazendo? — Eu grito para Peste sobre o bater

de cascos, incapaz de tirar os olhos da água.

Além de me proteger ainda mais contra ele, Peste não responde.


Minha respiração para quando a praia termina, então de repente,

saímos trovejando pela água.

Espere, isso não está certo...

Eu olho para baixo.

— Oh meu Deus. — Eu digo, olhando para as ondas ondulando.

— Oh meu Deus. — O corcel não está entrando na água, ele está

galopando sobre ela.

Os cascos de Trixie espirram contra a superfície da água, como

se a entrada não fosse nada mais que uma poça, levantando algumas

gotas de borrifo de mar sobre mim e o cavaleiro.

Estamos andando na água.

Fecho meus olhos e os abro novamente.

Ainda sobre a água.

Eu não sei porque estou surpresa, Peste pode espalhar a peste

apenas passando por uma cidade e ele não morre. O que é mais um

poder esquisito?

Uma vez que estamos bem longe da terra, o corcel de Peste se

reduz a um passo razoável. Apenas agora sou capaz de —


desajeitadamente jogar uma das minhas pernas sobre a sela e olhar

para frente. (e ainda quase cair no processo.)

A terra nos protege de todos os lados enquanto nos movemos

através da água, gotas geladas caindo sobre minhas coxas.

Peste se inclina contra mim, seu peito pressionando com força

suficiente para me inclinar para frente.

Porra, ele é pesado.

— Você pode levantar um pouco? — Pergunto.

Tão perto de dar uma cotovelada no rabo dele.

Ele ignora meu pedido.

Típico.

Enquanto os minutos passam, um pouco mais de seu peso me

pressiona. Acontece tão gradualmente que estou inclinada para frente

antes de perceber que isso pode não ser intencional.

— Peste?

Sem resposta.

— Peste? — Eu digo, com um pouco mais de urgência desta vez.


Nada.

Maldito, mas meu estômago está agitando com preocupação.

Começo a girar quando noto o sangue pingando do pulso que

segura as rédeas.

Algo está errado com ele. Muito errado.

Eu o olho da melhor maneira que posso. Seus olhos estão

fechados, seu rosto está tenso e a coroa levemente torta na cabeça. Este

último faz com que pareça contraditoriamente menos arrogante e

mais inocente.

Coloco meus dedos em seu pescoço, procurando por um pulso,

mas não consigo sentir, já que nossos corpos estão balançando em seu

cavalo.

— Peste, você pode me ouvir? — Eu tento afastá-lo o suficiente

para obter uma resposta.

Sua cabeça rola para trás até parecer que ele está olhando para o

céu e preciso pegar sua coroa antes que ela escorregue.

Seu corpo balança na sela, então ele se inclina para frente

novamente, seu rosto enterrando-se na curva do meu pescoço. Eu


envolvo meus braços ao redor dele enquanto seu corpo começa a cair

lateralmente.

O que acontece se ele cair? Ele cairá sobre a água ou afundará?

O que acontecerá com Trixie e comigo se ele fizer isso?

Realmente não quero descobrir.

Eu o seguro desajeitadamente em meus braços enquanto

conduzo seu corcel em direção a uma ilha próxima. É claro que, uma

vez que a terra pareça grande o bastante para ver os detalhes, posso

distinguir ruas e edifícios — muitos e muitos deles.

Merda.

Eu puxo as rédeas, mudando nossa trajetória, tudo enquanto

tento estabilizar Peste, que pode ou não estar morto. Temporariamente

morto, mas morto mesmo assim.

Como não percebi isso antes? Ouvi os tiros e vi o sangue

manchado nele quando se aproximou. E agora que estou procurando,

posso ver que ele está sangrando de uma dúzia de feridas diferentes

e o fluido está sobre mim e ele.


Pelo amor de Deus, ele estava sangrando em mim e ainda não

tinha percebido. Embalada pelo movimento constante de seu cavalo

e distraída pelo fato de estarmos correndo sobre a água.

Logo, Trixie vai para outra seção de terra. No momento em que

o cavalo se aproxima da costa, meus braços estão tremendo pela

tensão de manter Peste em sua sela.

É apenas quando o cavalo pisa na areia que me permito relaxar.

O corpo do cavaleiro se inclina para o lado, então nós dois caímos de

sua montaria.

Peste geme fracamente quando batemos na areia, nossos

membros emaranhados.

Vivo.

Solto um suspiro, alívio fluindo através de mim. Eu não sei o que

mais esperava de um homem imortal. E definitivamente não sei por

que, de todas as coisas, sinto alívio.

Arrasto meu corpo sob o seu, em seguida, deito-o na areia,

puxando seu armamento e jogando-a de lado. Ele está em pior forma

do que pensava, suas roupas saturadas de sangue. Ele sai da

armadura e pinga na areia. E sua armadura...


Algumas dessas balas atravessaram o metal, fazendo com que o

peitoral dourado parecesse uma fatia de queijo suíço.

Pedaço por pedaço, abro a armadura, fazendo uma careta

quando o sangue preso cai na areia. Meus olhos se movem para o

rosto de Peste. A pele normalmente bronzeada está agora pálida.

Passo os dedos em uma bochecha, sentindo o frio que agora se

agarra sua carne. Seu peito sobe e desce enquanto respira ofegante.

Pelo menos ele está respirando.

Desde quando você quer que ele respire?

Eu tiro o que posso da roupa molhada do cavaleiro. Buracos de

balas cobrem seus braços, pernas e peito. Seu rosto, no entanto, foi

deixado intocado. Foi por isso que não notei. Estava tão

impressionada com sua beleza e intensidade com que focou em mim,

que não notei.

Eu paro quando vejo sangue congelando na areia ao redor de sua

cabeça.

Ousarei?

Antes que possa pensar duas vezes sobre isso, levanto a cabeça

e sondo a parte de trás de seu crânio. Quase engasgo quando entro


em contato com algo macio. Ele faz um barulho melancólico ao meu

toque. É claramente doloroso para ele.

É claro que é doloroso — é uma ferida na cabeça que você está

cutucando, sua idiota.

— Eu sinto muito. — Sussurro, não sei por que estou

sussurrando.

Eu olho ao redor. Trixie está nas proximidades e como seu dono,

o cavalo está cheio de ferimentos de bala.

E ainda assim o cavalo carregava não um, mas dois cavaleiros

atravessando o oceano.

Respiro fundo, tremendo e olho para a praia. E de cada lado

meu, o litoral é denso de árvores. Na praia à minha esquerda, uma

casa solitária está aninhada entre eles.

Pelo menos tem um lugar para ficar se precisarmos.

Movo a cabeça de Peste para que fique no meu colo. Não sei por

que faço isso ou porque removo sua coroa para poder acariciar seu

cabelo emaranhado. Mesmo com o sangue e a água do mar

enroscando-se, as mechas loiras são tão macias, mais macias do que

um cabelo tem o direito de ser.


Meu polegar alisa uma de suas sobrancelhas irritantemente

perfeitas. Ferido e quebrado como ele está, meu coração estúpido

realmente dói por ele.

É apenas porque ele é estupidamente bonito, digo a mim mesma.

Passo meus dedos sobre sua testa.

— Sinto muito que fizeram isso com você. — Admito. Assim

como sinto muito por tudo que ele fez com eles.

Continuo acariciando seus cabelos, esperando que ele se cure.

Você poderia escapar agora mesmo — desaparecer enquanto ele está se

recuperando. Então nunca teria que responder a ele novamente.

Minhas pernas ficam dobradas sob a cabeça dele.

Estou atrasando Peste, raciocino comigo mesma. Estou dando às

pessoas mais tempo para escapar. O mundo está preso em um jogo inútil

de gato e rato, sei que no final o cavaleiro fará suas rondas e nos

matará de qualquer maneira, mas estou retardando seu progresso.

Isso conta para alguma coisa, certo?


As sombras se aprofundaram quando a primeira bala sai do

corpo de Peste. Ela chacoalha para fora de sua perna por alguns

segundos, em seguida, cai inofensivamente na areia.

Vários minutos depois, o cavaleiro se mexe pela primeira vez,

com uma respiração dolorida escapando dele.

— Estou bem aqui. — Murmuro, ainda passando os dedos pelos

seus cabelos.

Peste para.

—Sara? — Ele força os olhos abertos. Estão desfocados enquanto

me olha.

— Oi.

Ele levanta seus dedos sangrentos, tocando minha bochecha.

— Você não fugiu.

Eu solto uma risada que é muito instável para o meu gosto.

— Provavelmente deveria. — Respondo.

— Provavelmente. — Ele concorda.

Sua mão cai e ele fecha os olhos novamente.


— Peste? Peste. — Mas ele está inconsciente mais uma vez.
Depois de mais duas balas saírem de sua carne, decido que é

hora de me mexer. O sol desceu atrás do horizonte vinte minutos atrás

e estou congelando minha bunda.

Lancei alguns olhares furtivos para casa de praia apenas abaixo

do caminho. Mal consigo distinguir a estrutura escura. A falta de luz

é provavelmente uma boa coisa, vendo como forçarei meu caminho.

Espreitando sob Peste, agarro seu peitoral danificado e coloco-o

solto sobre o peito. Mesmo sem o auxílio de um espelho, sei que

pareço ridículo usar seu peitoral. Ele inunda meu torso, dando a

ilusão que estou pequena. E não sou, é o cavaleiro que é do tamanho

de um monstro.

Decido deixar o restante de sua armadura e armas onde estão na

areia. Ele terá que agarrá-las assim que se recuperar.

Depois de colocar a coroa de Peste na minha cabeça (filha da

puta rainha aqui), coloco meus braços sob seus ombros.

Eu me preparo, respirando fundo.


— Isso provavelmente doerá. — Eu aviso, não que ele possa me

ouvir.

Começo a me mover, nos arrastando de volta aos poucos em

direção à casa. Peste geme, lutando contra meu aperto fracamente.

— Bem, se puder andar, então seja meu convidado. — Eu digo.

— Caso contrário, pare de se mover, a menos que queira que o deixe.

Ele não para de se mover, mas mesmo sem resistir a meus

esforços, leva uma maldita eternidade para chegar à casa de praia.

Meu Deus ele é pesado. Tropeço duas vezes ao longo do caminho,

acordando o cavaleiro a cada vez. Atrás de nós, Trixie caminha como

o corcel fiel que ele é.

Assim que chego na casa, coloco Peste no chão e observo o local.

Não há luz vindo de dentro, as agulhas de pinheiros enchem a

varanda. Quem é dono deste lugar não está aqui há algum tempo.

Provavelmente a casa deve ser de alguém.

Eu vou para a porta decorativa. Quatro painéis de vidro

quadrados oferecem um vislumbre de dentro. Parece acolhedor. Pena

que parecerá um triplo homicídio quando terminarmos.


Tento a maçaneta, quer dizer, você nunca sabe. Pessoas no meio

da floresta raramente trancam suas portas. Esta não se move.

Meu olhar cai vai para as vidraças.

Terei que fazer isso da maneira mais difícil.

Eu tiro o casaco e o envolvo em meu punho. Espero que este não

seja um vidro temperado com o qual estou lidando. Caso contrário, a

brilhante ideia, talvez não vá tão bem.

Com um golpe bato no vidro.

— Filho da puta! — Eu grito, sacudindo meu punho. Mesmo com

o casaco como um amortecedor, minha mão pulsa do impacto. Olho

para a vidraça ainda intacta.

Maldito vidro temperado.

E maldição como doeu.

Atrás de mim, ouço uma respiração laboriosa e tropeço de

passos.

— Mova-se, Sara.

Eu giro e vejo o cavaleiro com os olhos arregalados. Não sei se

sinto mais choque ou alívio ao vê-lo acordado.


Eu me afasto quando Peste se arrasta para porta, apoiando a

maior parte do seu peso contra a parede e deixando uma mancha de

sangue contra o revestimento.

Ele estende a mão e agarra a maçaneta. Com um movimento

rápido de seu pulso, quebra a fechadura e a porta se abre.

Sinto-me irritada por ele quebrar facilmente — como se não fosse

nada.

Eu o ajudo para dentro, deixando-o inclinar seu peso

significativo em mim enquanto o manobro para um sofá xadrez.

Trixie entra atrás de nós.

Deito o cavaleiro no sofá, em seguida, removo o peitoral e a

coroa que uso, deixando os itens baterem no chão ao meu lado. Na

minha frente, os olhos de Peste se fecham e sua respiração se apaga

quando a consciência desaparece mais uma vez.

Enganchando meus dedos no tecido úmido de sua camisa, eu a

rasgo, empurrando-a o melhor que posso. Seu torso ainda é uma

bagunça manchada de contusões e buracos de bala, os ferimentos

distorcendo as marcas brilhantes que tocam seus peitorais. Meus

olhos encontram os outros ferimentos de bala que pontilham seus


ombros, tórax, pescoço, braços, pernas e uma logo acima da clavícula.

Levemente toco a pele abaixo desta última.

Ao pressionar meus dedos, os olhos de Peste se abrem,

concentrando-se em mim.

— O que você está fazendo? — Pergunta ele. Há confusão e

suspeita em seu rosto.

Além de cutucá-lo?

— Estou cuidando de você.

No momento em que falo as palavras, realmente se registra.

Estou ajudando o cavaleiro a se recuperar. Ajudando-o, quando apenas

há pouco era a pessoa que puxava o gatilho. Eu mal posso acreditar.

O choque em seu rosto deve refletir o meu.

Ele pega minha mão, seus olhos brilhando quando ele olha para

mim.

— Estou bem, Sara.

Ele não quer minha ajuda. Não vi isso chegando.

— Não, você não está. Foi perfurado por um pequeno exército

de munição.
Ele começa a se sentar.

— Suportei pior.

Sim, eu sei. Eu estava lá. Ser queimado vivo chegou ao topo da

lista — Situações de Merda do Ano

Volto para Trixie, depois de apertar um interruptor e ver a luz

do teto brilhar, começo a vasculhar os alforjes. Enquanto faço isso,

uma das balas cai do lado de sua montaria, pousando no chão com

um tilintar pesado. Pobre cavalinho.

Por fim, minha mão envolve uma garrafa de RedLabel que tirei

de uma de nossas paradas. Demora um pouco mais para encontrar o

rolo de gaze, mas quando o faço, volto para o sofá onde o cavaleiro

está deitado.

Os olhos de Peste vão imediatamente para os itens em minhas

mãos.

— Isso é seu. — Diz ele intencionalmente, como se não quisesse

nada com eles.

Talvez Peste tenha mais medo da minha bondade do que eu

mesma tenho dele.


— Bem, esta noite sinto vontade de compartilhar. — Eu digo,

desenrolando a gaze enquanto me para ele.

Ele começa a se levantar, mas não o deixo ir muito longe.

Agarrando seu ombro, eu o forço de volta para o sofá.

— Eu vou me curar sozinho. — Ele insiste, franzindo o cenho

primeiro para a gaze, depois para o licor que repousa na mesa de café

próxima.

— Sim, você irá. — Eu pego uma cadeira da cozinha e arrasto-a.

Sento-me na cadeira em frente a ele e abro o uísque, meus olhos

treinados em suas feridas.

— Eu não concordo com isso. — Diz ele, mas não está mais

tentando fugir. E de fato, se eu não soubesse melhor, diria que vejo a

curiosidade cintilando nos olhos de Peste.

Ninguém nunca cuidou dele.

— Eu não perguntei se você concorda. — Respondo, pegando o

rolo de gaze e derramando um pouco do uísque nele.

— Mulher irritante.
Eu levanto minhas sobrancelhas e de má vontade, aceno de

acordo. Posso ser totalmente irritante.

— Você não quer que eu sofra? — Ele pergunta com tristeza,

acompanhando cada um dos meus movimentos.

— Eu nunca quis que você sofresse. — Eu digo: — Nem mesmo

quando tentei matá-lo.

Eu movo o linho encharcado de álcool para o primeiro de seus

ferimentos.

Ele assobia quando entra em contato com sua carne exposta. —

Você mente, humana. Isso é sofrimento.

Ele foi atingido uma dúzia de vezes e ainda assim reclama de um

pouco de álcool em suas feridas?

— Isso é desinfetante.

— Eu posso limpar minhas feridas bem o suficiente sem seus

métodos crus.

Ah, isso mesmo.


— Tudo bem. — Eu me levanto e vou para cozinha, vasculhando

os armários até encontrar dois copos. Eu os levo de volta.

Derramando uma dose em um deles, entrego o copo para ele.

Ele toma, dando ao licor um cheiro hesitante antes de

estremecer.

— Para ajudar com a dor. — Eu explico.

— O que importa? — Ele diz, abaixando o copo.

— Passará eventualmente.

— Oh, pelo amor de... — Eu sirvo uma dose dupla e tomo um

profundo gole. Tomo minha bebida, em seguida, coloco o uísque de

lado.

Peste é absolutamente péssimo em ser um paciente.

Eu pego o rolo de gaze mais uma vez, com a intenção de pelo

menos curar suas feridas. Mas quando estendo a mão para ele, segura

meu pulso. — Sara. — Ele diz suavemente — Pare com isso. Aprecio

o gesto, mas é em vão.

Enquanto ele fala, uma bala na garganta escoa do buraco que se

enterrou nele.
Tão esquisito.

Meus olhos encontram os dele. — Tudo bem. — Não tentarei

ajudá-lo se não quiser.

Eu me levanto, pegando a garrafa de RedLabel e meu copo.

Estou quase fora da sala quando ele grita: — Onde você vai?

— Tomar um banho.

Preciso de algum maldito tempo sozinha.

Fecho meus olhos e me inclino contra a banheira, colocando

meus braços sobre a borda e girando inutilmente meu copo de uísque.

Quase posso esquecer que minha vida virou completa e uma total

merda.

No final do corredor, ouço a batida e a raspagem de Peste

enquanto ele se aproxima de mim. Um minuto depois, a porta se abre.

Entreabro meus olhos apenas o suficiente para vê-lo mancar e entrar

no banheiro, segurando o abdômen cuidadosamente, seu copo ainda

cheio de uísque em suas mãos.

— Eu quero ficar sozinha. — Digo, fechando os olhos mais uma

vez. Não me incomodo em me cobrir. Ele já me viu nua. Mais de uma


vez. Além disso, duvido que esteja sentindo toda aquela luxúria

quando mal está se segurando.

— Humana, você claramente esqueceu que é minha prisioneira.

Antes ele precisava ficar de guarda para ter certeza de que eu

não fugiria. Mas não sei se fugirei mais. Isso deveria me incomodar,

mas agora não tenho mais merda a perder.

Eu bufo.

— Você realmente acha que fugirei?

— Você fez em Vancouver.

Não abrirei meus olhos e o deixarei estragar este momento.

— Você também teria se estivesse prestes a ser pisoteado por um

cavaleiro.

Ele ri, mas depois fica em silêncio.

— Está bebida tem um gosto horrível. — Diz ele depois de um

momento.

Então ele tentou quando eu não estava olhando. Cavaleiro

sorrateiro.
— A opinião comum é que você não bebe, porque tem um gosto

bom. — Eu tomo um gole do meu próprio copo.

Ele resmunga.

Ergo meus olhos apenas o suficiente para vê-lo tomar a dose que

servi antes.

Agarrando a garrafa ao meu lado, a seguro como uma oferta de

paz.

Depois de uma pausa onde ele certamente está considerando a

maldade do álcool e como sua alma está ficando rapidamente

manchada, pega a garrafa de mim, servindo outra bebida. Ele é mão

pesada, provavelmente porque não percebe o quão potente o líquido

é.

Ele olha para o rótulo depois lê.

— Johnnie Walker RedLabel. — Seus olhos se movem para mim.

— Eu vi você dar isso para aquele homem moribundo.

Aquele primeiro homem sem nome que vi morrer de peste, ele

quer dizer. Peste me notou dando-lhe licor?

— Beber ajuda com a dor. — Eu digo.


— As pessoas não bebem para tirar a dor. — Ele responde. É uma

declaração e ainda assim tenho a impressão de que está investigando.

— Às vezes sim. Mas nem sempre é uma dor física que estão

entorpecendo. — Eu levanto o copo até minha têmpora e bato no lado

da minha cabeça com o dedo indicador. — Às vezes eles fazem isso

simplesmente para alterar seu estado de espírito.

Peste fica em silêncio depois disso. Deixo meus olhos se

fecharem e fingir que ainda estou feliz desfrutando de um bom banho

e não muito consciente de sua presença.

— Você cuidou de mim da mesma maneira que fez com seus

humanos. — Ele finalmente diz. Tem algo em sua voz...

Eu abro meus olhos.

Vejo Peste observando meu rosto, seus olhos brilhando com o

que parece ser desejo. Meu peito começa a subir e descer mais e mais

rápido.

O que é essa reação? Não gosto dele. Ele apenas é bonito e faz

um tempo desde que alguém me olhou assim.

Isso é tudo.
Bem, isso e o fato de que sua camisa estar aberta totalmente,

expondo suas tatuagens brilhantes e torso musculoso. Você teria que

estar morto para não reagir a essa visão.

Ele afasta o olhar para contemplar sua bebida.

— Eu não sei como me sentir sobre isso.

Ele tem cílios bonitos. São grossos, escuros e longos. Não tenho

certeza de que já notei os cílios de alguém.

Por que estou percebendo os cílios de Peste?

Forço meus pensamentos longe de seus cílios e corpo.

— Eu também não sei como me sinto sobre isso. — Respondo.

Sobre o que estamos falando agora?

Ele balança a cabeça amigavelmente e leva a bebida aos lábios,

tomando dois longos goles antes de fazer careta.

— Isso realmente tem um gosto horrível.

Solto uma risada suave.

— Então por que você está bebendo?

Ele encontra meus olhos. Há muito peso neles.


— Você já alterou minha mente. Desejo tê-la de volta.

Não é assim que funciona, quero dizer.

Em vez disso, tomo outro gole.

— Eu sei o que você quer dizer.

Ele olha para mim, girando o líquido âmbar em seu copo.

— Você deveria me matar, não me ajudar.

O gosto persistente do uísque azeda na minha boca. Eu lavo com

o último pedaço da minha bebida.

— Não mudará nada, você sabe. — Acrescenta ele.

— Eu sei. — Digo tão baixo que mal consigo ouvir as próprias

palavras.

Ele ainda vai nos levar adiante, infectando cidade após cidade.

O banho está ficando frio e não comecei a me lavar. Tomando o

resto da bebida, deixo o copo de lado e começo a esfregar o sangue e

sujeira do meu corpo, sentindo os olhos de Peste em mim o tempo

todo. Desta vez ele não oferece ajuda para lavar minhas costas e não

me incomodo em pedir-lhe por isso.


Quando olho furtivamente para ele, está me encarando de uma

forma que já não é mais clinicamente isolada como antes. Na verdade,

é um olhar decididamente humano.

Isso é o que desejo, eu percebo.

Meu alarme guerreia com essa vertigem aterrorizante. É a mesma

emoção que senti quando ouvi um boato de que Tom Becker, minha

paixão do colegial, queria me convidar para sair. Acabou que ele

queria convidar uma outra Sarah (essa é a vida — ela adora nos

chutar), mas por felizes vinte e quatro horas, me senti como se anjos

bebês estivessem voando em meu estômago.

Assim como agora.

Eu tomei uma quantidade razoável de uísque, mas não o

suficiente para bloquear a percepção sóbria de que apreciar o olhar de

Peste no meu corpo nu não é, decididamente, uma reação apropriada.

Ele esfrega o rosto, parecendo cansado e com dor, exatamente

como um homem se recuperando de ferimentos a bala deveria.

Levantando sua bebida, ele abaixa o segundo copo que serviu para si

(que consistia em pelo menos três doses de licor). Pega a garrafa de

RedLabel e seu copo agora vazio, ficando de pé, as pernas um pouco

trêmulas.
Ele pega a maçaneta da porta, depois para de costas para mim.

— Não tente fugir. — Ele adverte por cima do ombro. — Eu odiaria

ter que buscá-la. Sangue suficiente foi derramado hoje.


Peste está bêbado.

Isso está claro quando termino de tomar banho. Eu o encontro

deitado no sofá, a garrafa de uísque quase vazia em sua mão, seu copo

longe de ser encontrado.

Quando um cavaleiro cai, ele cai duro.

Sua cabeça vira para mim. — Você estava certa. — Diz ele,

segurando a garrafa. — Minha mente está alterada.

Bem, pelo menos ele ainda é perceptivo.

Ele olha para o rótulo por um segundo. — Não tem mais um

gosto tão ruim assim.

Quantos pontos no inferno acabei de ganhar, deixando esse

homem bêbado?

Quando seu olhar volta para mim, seus olhos vão para minhas

roupas. O olhar dele não pode ser elogioso.

Consegui encontrar roupas no armário do quarto principal. Ao

que tudo indica, os proprietários eram um casal mais velho e bem de


vida. O homem gostava de calça cáqui prensada e plissada e a mulher

de suas roupas decoradas e brilhantes.

Praticamente estou nadando na camiseta preta e precisei a calça

jeans roxa decorada para evitar que ela caísse.

Foi o melhor que pude fazer.

Continuo passando por Peste, indo para cozinha, meu estômago

grunhindo de fome. Passo por Trixie; o cavalo conseguiu se deitar em

uma sala ao lado, sujando de sangue todo o tapete dos proprietários.

Definitivamente deixará este lugar parecendo uma cena de

crime.

A madeira da cozinha está fria contra meus pés descalços

quando entro nela.

Agora, veremos se este lugar tem algo para comer.

Apenas preciso abrir a despensa para perceber que há muita

coisa. As prateleiras estão quase transbordando de produtos

enlatados e em frascos, grãos secos e um estoque impressionante de

bebidas alcoólicas. Nós dois poderíamos ficar aqui por várias

semanas se precisássemos — não que Peste ficasse parado por tanto

tempo.
Enquanto mexo, pegando macarrão e uma lata de molho

vermelho, o cavaleiro manca até uma cadeira na cozinha. Ele está se

curando rapidamente agora, as feridas de balas expostas parecem

mais vermelhas, cicatrizes sem buracos sangrentos. Ele tirou a camisa

esfarrapada, seu esculpido tronco agora está totalmente em exibição.

Ele me observa por um longo tempo, sem dizer nada, quando eu

começo a ferver o macarrão e esquentar o molho de tomate

(eletricidade funciona aqui, woo!). Apenas depois de terminar de

preparar a refeição e tirar outra garrafa de licor (Bourbon desta vez)

que me junto à Peste na mesa.

Ele não se incomoda em ir para o prato de macarrão que eu

coloco na frente dele, escolhendo em vez disso servir uma generosa

dose de Bourbon. Bebe de uma vez.

O homem está pedindo uma ressaca.

Ele olha para mim. — Por que você não me deixou? — Pergunta

ele, parecendo quase desesperado por uma resposta. — Poderia tê-lo

feito.

Meu estômago aperta de um jeito enjoado e esqueço que tenho

um prato fumegante de macarrão bem na minha frente.


Ele continua voltando a este maldito assunto. Esperava que ele

deixasse ir.

— Ficou com medo de que a encontrasse e machucasse? — Peste

pressiona.

Eu poderia mentir. Ele provavelmente não perceberia. O único

problema é que nenhuma boa desculpa chegou para mim.

Abro a boca, então tomo a bebida. Que porra, se ele não está

fazendo isso sóbrio; não deveria ter que fazer também.

Tomando várias doses, coloco o copo vazio com força sobre a

mesa.

— Eu não sei, — Respondo, me servindo outra bebida antes de

deixar a garrafa de lado. — Essa é a verdade. — Olho para os meus

pulsos feridos. — Em Vancouver, tudo em que conseguia pensar era

ajudar aquelas pessoas que foram feridas no caos. — Respiro e

prossigo, meus olhos relutantemente indo para seus turbulentos

olhos azuis. — E uma vez que desembarcamos na praia, tudo em que

consegui pensar foi em ajudá-lo.

Ele franze a testa para mim. E se estivesse procurando consolo

na minha explicação, não lhe dei nenhuma.


— Por que você voltou para mim? — Eu pergunto. — Em

Vancouver.

Ele parece ofendido pela pergunta. — Você é minha prisioneira.

Eu não quero deixá-la ir.

— Você me empurrou do seu cavalo. — Afirmo.

Sua expressão não me dá nada.

— Você fez isso para que eu não levasse um tiro, não é? —

Pergunto, olhando para ele.

E se Peste está perturbado pelo fato de que fiquei com ele e cuidei

de seus ferimentos (ou pelo menos tentei), então fico mais

desconcertada com o fato de que ele me poupou da dor.

— Você não é boa para mim morta, Sara.

— Por que? — Eu pergunto, procurando em seu rosto. — Por

que estou viva e aqui com você enquanto seus outros atacantes estão

mortos nas ruas de Vancouver?

Sua boca aperta. — Porque eu decidi assim.

Eu tomo outro gole do meu Bourbon. — Isso não é uma resposta.

— É a única que você conseguira.


Porra, esta pergunta me deixará louca.

A contragosto, volto minha atenção para o macarrão, girando

meu garfo no macarrão e comendo. Assim que bate na minha língua,

aproveito para saborear a massa.

Senhor Todo Poderoso, esqueci como é boa a comida quando

você tem um pouco de bebida no seu sistema. E se não tomar cuidado,

as refeições para as duas semanas serão comidas até o final da noite

— especialmente se tudo for tão gostoso.

Na minha frente, o olhar do cavaleiro está fixo na minha boca.

Ele afasta o olhar, para olhar seu prato. Erguendo o garfo, ele tenta

comer, mas o macarrão fino desliza inutilmente entre os dentes de

metal.

Eu não posso evitar, eu rio. Levantando, vou para o lado dele da

mesa. Ele olha para mim, seus olhos brilhantes e talvez um pouco

vulneráveis. Acho que o álcool está chegando a nós dois.

Inclinando-se sobre o ombro e tentando não notar o quão bonito

é o seu peito (que vergonha, Sara, ele ainda está machucado), pego a

mão que segura o garfo.


— O que você está fazendo? — Ele pergunta, olhando para

nossas mãos unidas. Há uma nota em sua voz...

— Aqui, vire o garfo assim. — Sem jeito, manobro o utensílio em

um círculo. — Então pegue. — Eu levanto o garfo, fios de massa agora

ao redor dele. — É assim que se come.

Não consigo ver a expressão dele, não diz nada em resposta,

então volto ao meu lugar, sentindo-me como se tivesse ultrapassado,

o que é ridículo à luz de tudo o que nós dois passamos.

Peste tenta comer novamente a massa. E se estava esperando por

algum tipo de reação incrível, fico muito desapontada. Ele

simplesmente olha para o prato enquanto mastiga.

— Eu não deveria comer isso.

Eu não me incomodo em perguntar por que não. Eu já sei que é

estranho se ligar aos vícios mortais. Acho que ele está descobrindo da

maneira mais difícil que, apesar da disposição de espírito de um

cavaleiro, até mesmo a carne deles é fraca.

Falando de cavaleiro...

— Onde estão os outros três cavaleiros? — Eu pergunto. Essa é

uma das muitas questões que assombram o mundo — onde estavam


os outros três cavaleiros. É demais supor que estavam de alguma

forma desaparecidos e se Peste existe, os outros também.

Peste mexe sua massa antes de tentar torcer o garfo no prato. —

Meus irmãos ainda dormem. — Diz ele, franzindo a testa enquanto

come novamente.

Dormem?

— Uh, quando eles acordarão?

Ele não olha para cima. — Quando for a hora.

Vai entender que até mesmo bêbado, Peste ainda consegue

responder a perguntas tão misteriosamente quanto possível.

Apesar de se sentir culpado por comer e beber, o cavaleiro faz

um trabalho rápido com sua refeição e toma quase todo o Bourbon.

Eu tomo o licor consideravelmente mais devagar que ele. Sou o

que você carinhosamente chama de um encontro barato. E se puder

manter a bebida, o farei.

Eu me inclino de volta no meu lugar. — Depois que você chegou

aqui na terra, também dormiu? — Passou-se afinal, cinco anos depois

que chegaram.
Ele acena, empurrando o prato para longe.

Eu quero perguntar onde ele conseguiu dormir por cinco anos

sem ser detectado.

— Por que ter o trabalho de dormir? — Por que esperar?

— Havia a possibilidade... — Ele se afasta, perdido em algum

pensamento.

— Que possibilidade?

Ele desperta. — A possibilidade de que a humanidade se

redimiria. — Ele agarra seu copo e agita-o. — Mas infelizmente, nem

mesmo o Fim dos Dias pode alterar a natureza depravada do seu tipo

amaldiçoado.

Ah, essa conversa novamente. Apenas quando pensei que o

cavaleiro parou de atacar os humanos por um tempo também.

Peste levanta seu copo e olha para o pequeno líquido que

permanece, suas pálpebras parecendo um pouco pesadas. — Isso é

veneno. — Diz ele, do nada.

— Mhm. — Eu concordo. Quer dizer, tecnicamente, é.


Seus olhos se fixam em mim. — Esse era o seu plano o tempo

todo? Envenenar-me?

Oh Deus e agora esse negócio de veneno. Quão idiota ele deve

pensar que sou por tentar envenenar um homem imortal?

— Você é o único servindo. — Eu digo.

Essa lógica parece apaziguá-lo. Um pouco.

E de repente, Peste se levanta, agarrando sua cadeira e

arrastando-a ao redor da mesa para que fique ao lado da minha. Ele

senta de costas, sem saber o quão sexy meus olhos são. Ele me dá um

dos seus olhares penetrantes.

Eu me inclino para longe dele nervosa. — O quê?

— Eu não sei. — Ele admite. — Eu sinto... algo quando olho para

você.

Minha mente volta para o banheiro e a expressão quente no rosto

dele. Um rubor sobe pelo meu pescoço, o álcool fazendo com que

queime mais e se espalhe, mais do que se estivesse sóbria. Eu forço

meus olhos a ficarem em seu rosto quando tudo o que realmente

querem é descer para o peito.


— Eu não consigo descobrir o que é essa coisa. — Continua ele.

— E Sara, isso está me enlouquecendo.

Junte-se ao clube filho da puta. Estamos aceitando candidatos.

— Você é humana. — Diz ele. — Eu não gosto do seu tipo. Não

deveria gostar de você.

Eu não respiro por um segundo.

Não faça a pergunta, Burns. Não.

— Mas você gosta? — Pergunto.

Seus olhos vão para minha boca. Ele toca meu lábio inferior com

o polegar, esfregando suavemente. — Deus me perdoe, mas eu gosto.


Engulo sentindo a enervante leveza em meu estomago. Tão

perto, Peste é uma grande visão. Mesmo a ferida de bala acima de sua

clavícula e o grosso cabelo dourado dele, que ainda está emaranhado

com sangue e sal marinho. Não tira de forma nenhuma a glória dele.

Eu posso ver o oceano em seus olhos, no azul e os grossos cílios que

os rodeiam.

E agora estou encarando sua boca e aquele lábio superior cheio,

aquele que lhe dá uma feição perpetua de biquinho.

Ele não tem ideia do quão bonito é. Risque isso — bonito é um

termo reservado para humanos que são atraentes, imperfeições e

tudo. Essa coisa desumana, com suas feições angelicais, não é bonito,

ele é deslumbrante, de tirar o fôlego. É a perfeição encarnada. E não é

comicamente injusto? É um precursor do apocalipse. Não precisa ser

atraente, mas é.

Seus olhos continuam nos meus lábios. Há alguma coisa crua e

poderosa em sua expressão, como se o licor o deixou faminto por

outras coisas proibidas. Coisas humanas.


Ele move o polegar sobre o meu lábio inferior novamente, sinto

aquele simples toque em todo lugar.

Abaixando a mão, ele se inclina. Não estou certa se é consciente

do que está fazendo — se movendo em direção a minha boca.

Durante o curso da nossa associação, fiquei perto de Peste, mas

não desta forma.

Não assim.

Ele está tão perto que nossa respiração se mistura.

Meu pulso acelera e é tudo o que consigo ouvir.

Tha-thump, tha-thump, tha-thump.

Ele vai me beijar.

Aquele resplendor morno se espalha no meu estômago.

Não devo fazer isso.

Não posso fazer isso.

Não vou.

A mão dele desliza para meu pescoço, inclinando minha

mandíbula para cima, seu olhar ainda preso aos meus lábios.
Nossas bocas estão muito perto.

Apenas um gosto, argumento. Isso não é tão ruim assim, certo?

Apenas um gosto. Ninguém poderia culpar-me por ser curiosa. Este

cavaleiro é supostamente a justiça de Deus e vingança. Como poderia

fazer qualquer coisa errada seu deixar o cavaleiro Dele me tocar?

Quase acredito nas minhas reflexões insanas. Agora, com o

Bourbon aquecendo minhas veias e amolecendo minha resolução,

dobrarei qualquer lógica para deixar isso acontecer.

Peste hesita. Ao contrário de mim, imagino que poderia ter um

momento final para se convencer de não o fazer.

Nesse momento, recupero meus sentidos.

Minhas pálpebras abaixam, olho seus lábios. — Por favor. —

Sussurro.

A mão em meu pescoço pressiona contra minha pele, então de

uma vez, ele se afasta.

Feitiço quebrado.

—Por favor? — Peste se afasta para me olhar com desgosto. —

Você diz para mim agora? — Ele passa a mão sobre a boca e
mandíbula, então olha ao redor, como se tivesse acordando de um

sonho.

Ele fica de pé e apenas posso olhar fixamente. Eu não tenho nada

a dizer. Nenhuma palavra para melhorar a situação, porque

conscientemente o trouxe até aqui.

Começo a ficar de pé, mas Peste coloca uma mão em meu ombro

para me manter no assento, quase como se estivesse perseguindo-o.

Ele suspira, de repente parecendo tão exausto quanto deve estar

considerando o dia que teve.

— É tarde, Sara. — Ele diz. — É melhor dormir um pouco, nós

montaremos no início de amanhã.

Com isso ele me deixa, com o Bourbon e esta perturbadora

emoção que com certeza é arrependimento.

Eu sei que deveria sentir alívio — triunfo até. Mas como o Bom

Livro diz, embora o espírito possa estar disposto, a carne é de fato,

fraca.
As ressacas são as piores.

Na manhã seguinte, olho para as panquecas que fiz, odiando que

mal posso apreciá-las com a náusea.

É por isso que não bebo regularmente.

Bem, isso e o fato de que apenas posso pagar por Moonshine a

maior parte do tempo. Você nem precisa ficar bêbado com aquele mijo

azedo para ter uma ressaca.

Acaricio o cavalo de Peste, que passou a noite lá dentro e que

agora está de pé na cozinha, fungando as panquecas como se ele

gostasse.

Abandonando as panquecas, fico de pé e concentro minha

atenção no cavalo.

Passo a mão pelo pescoço do corcel. — Sabe, abaixo de seu

exterior endurecido é apenas uma fêmea que quer amor e aceitação.

— Eu digo para Trixie.

— Meu corcel é um macho. — Peste diz quando ele entra.


Eu fico tensa com sua voz. Esta é a primeira vez hoje nós dois

compartilhamos o mesmo espaço.

Ele fica ao meu lado para colocar uma mão no cavalo e maldito

seja meu corpo, mas fico ciente de cada centímetro dele.

— Não dê ouvidos a ele, Trixie. — Eu digo para o cavalo,

ignorando o homem ao meu lado.

— Você o nomeou? — Peste pergunta incrédulo.

Ele não olha para mim. Quer dizer, não olharei para ele também,

mas foi ele quem se afastou ontem à noite, então...

Não olharei primeiro.

Aparentemente, as ressacas me deixam infantil.

Eu acaricio o pelo branco de Trixie. É uma cor tão pura, como a

neve. — Ele precisava de um nome.

— Tricksy? — A desaprovação escorre da voz de Peste. — Meu

corcel não é complicado. É um animal nobre e leal.

Essa… não foi a razão pela qual chamei seu animal de estimação

Trixie.
— Você não pode julgar como eu o nomeio. — Eu digo. —

Quando você não o faz.

O cavaleiro gira para mim e doces anjinhos, apenas a sensação

do olhar dele revira meu estômago.

Finalmente reuni coragem para olhar Peste. Ele está de volta em

seu traje completo, suas roupas pretas e sem manchas mais uma vez.

Sua armadura agora está lisa e imaculada. Seu arco e aljava estão em

suas costas, o último cheio de flechas, quando tinha certeza de que

ontem estava quase vazio. É um truque legal como mais do que

apenas seu corpo poder se recompor. Legal e assustador.

O olhar de Peste vai para minha roupa, a blusa verde-limão e a

calça floral esvoaçante me fazem parecer uma criança cigana — mas

depois seu olhar se levanta, parando na minha boca.

Lembrando da noite passada.

Ainda posso sentir a pressão do seu polegar lá, então aquele

quase beijo. Nós compartilhamos todos os tipos de pequenas

intimidades, cada uma apoiada por uma emoção diferente, mas

aquelas que passaram entre nós na noite passada... sinto minhas

bochechas esquentarem um pouco. Estas ficarão comigo.


Peste parece arrependido, mas não tenho como saber exatamente

do que ele se arrepende.

— Você já comeu? — Ele pergunta.

Eu limpo a garganta. — Sim. — Respondo, feliz por me

concentrar em algo diferente de nós.

Não há nós, Burns.

— Eu comi também. — Acrescento.

Os alforjes estão cheios de suprimentos. Eu também coloquei

bebida, apesar da pequena recepção da noite passada.

— Bom, então vamos seguir nosso caminho.

Nós saímos da casa e voltamos para praia, Trixie trotando atrás

de nós. Não posso deixar de olhar para a área onde segurei Peste. É

muito longe para mim distinguir o sangue que ainda manchava a

areia.

Eu me volto para o cavaleiro, seu corcel atrás de mim. —

Deveríamos conversar sobre a noite passada? — Eu pergunto.

Ele flexiona a mandíbula e para um segundo. Então dois, três,

quatro.
— O que há para falar, humana? — Ele finalmente diz.

Ah, então as linhas foram redesenhadas esta manhã. À luz do

dia, sou mais uma vez o arqui-inimigo de Peste e ele é o meu.

Olho para ele por um momento, depois suspiro. Não sei o que

quero, mas não acho que seja isso.

Começo a girar para enfrentar Trixie quando ele agarra minha

cintura. Por um minuto, minha imaginação selvagem decola. Até

sinto aquela maldita agitação no meu estômago.

O cavaleiro também não quer que as coisas fiquem como as

deixamos.

Mas então, ao invés de me puxar para um abraço, ele me coloca

em seu cavalo, juntando-se a mim segundos depois.

Tão rapidamente quanto meu coração disparou, agora despenca.

Por que me importo? Foda-se ele e essa coisa macia e fraca que

sinto. Não posso acreditar que tive a audácia de sentir pena dele e de

suas feridas ontem, como se fosse uma vítima e não o instigador.

Como de costume, Peste usa uma das mãos para me segurar,

mas hoje tudo parece errado. Impessoal e frio. Mesmo quando me


odiava, queimava com a emoção. Agora há uma indiferença no seu

toque, prefiro arrancar meus olhos do que deixar as coisas assim.

O cavaleiro estala a língua e Trixie começa a correr pela praia em

direção ao mar. Mal tenho tempo de registrar que viajaremos pelo

oceano novamente antes de chegarmos à água.

Uma onda de vertigem passa sobre mim enquanto olho para

baixo, observando a maneira como sua superfície ondula. Continuo

esperando que o oceano comece a obedecer às leis da física e nos

engula, mas permanece firmemente sólido.

Uma vez que estamos fora das ondas percebo que a vertigem não

era mental.

Oh Deus, cavalos e ressacas não se misturam.

O rolar do corpo de Trixie está balançado tudo no meu estômago

para direita, depois à esquerda, depois à direita novamente.

Fique quieta, silenciosamente peço as panquecas no meu

estômago.

Respiro pelo nariz. Isso vai passar, isso vai...

Não, não vai passar, não há como.


Eu vou para o lado do cavalo. O movimento súbito e violento faz

meu corpo perder o equilíbrio e em vez de vomitar, deslizo do cavalo.

— Sara!

Eu bato na água com um tapa e a primeira coisa em que consigo

pensar enquanto respiro água salgada é o quanto o Pacífico é

incrivelmente frio. Cruelmente frio. A água não tem o direito de ser

tão fria. Isso faz com que os banhos gelados que tomei desde o fim do

mundo pareçam leves em comparação.

Apenas quando me afundo nas escuras profundezas do oceano,

paralisada pelo frio, que percebo que estou afundando, a água não

mais obedecendo a qualquer força sobrenatural que permitia o

cavaleiro passar sobre ela.

E se alguma coisa, parece que o mar é ganancioso, puxando-me

para baixo, como se fosse o dízimo que o cavaleiro precisa para

atravessar incólume.

Bato as pernas loucamente até a superfície, minhas roupas

estúpidas e espalhafatosas me arrastando para baixo.

Em meu pânico, mal noto o braço que envolve minha cintura,

afastando-me da escuridão.
Não até que sou arrastada de volta para a praia que percebo que

o cavaleiro me salvou. Não tenho muito tempo para me concentrar

nesse pequeno detalhe antes de me virar de lado e começar a vomitar

o conteúdo do meu estômago junto com toda a água salgada que

engoli.

Adeus panquecas.

Eu vomito até que não sobra nada no meu sistema. Mesmo

assim, meu corpo acredita nisso, meu estômago ainda se contrai.

— Você não vai se matar! — Peste era todo rugidos, a água do

mar pingando de seu cabelo. Ele parece louco de raiva e seus olhos

estão tão vividamente azuis.

Eu esfrego meu pescoço, minha garganta crua. — Eu não estava

tentando. — Respondo com voz rouca, sentando-me.

— Mentira! — Ele grita. — Eu a vi se jogar do cavalo.

— Eu precisava vomitar. — As palavras saem ásperas. — Isso é

tudo. — Eu limpo minha garganta, focando nele. — Por que você está

tão preocupado de qualquer maneira? — Eu pergunto, levantando-

me para ficar de pé com as pernas trêmulas. Eu o olho. — Você deixou

bem claro hoje que não se importa muito comigo.


Essas duas últimas frases deveriam ficar firmemente dentro da

minha boca.

O cavaleiro me encara com as sobrancelhas franzidas. — O

sofrimento é...

Meus ombros caem. — Para os vivos. Sim, sim, eu sei.

Ele agarra meu queixo, me forçando a olhá-lo. Seus olhos

observam os meus e estão furiosos de raiva.

E de repente, ele puxa meu rosto para frente e me beija.


É duro. Irritado. Quase violento. Suponho que este seja o único

tipo de beijo apropriado para nós.

E então me ocorre que Peste está me beijando, seus lábios estão

batendo contra os meus, seu toque febril enquanto me esmaga.

Sem saber, seguro os antebraços do cavaleiro com minhas mãos

geladas, usando-o para me estabilizar.

Ele está me beijando.

Não tenho mais o fôlego ou a vontade para dizer a ele, por favor,

para forçar a mão e impedir que isso aconteça.

Não quero que pare.

Depois que os primeiros segundos passam, fica claro que Peste

não sabe o que os lábios devem fazer em um beijo. Todo seu

entusiasmo (odioso) está ali, mas está sendo sustentado pelo conjunto

rígido de sua boca.

Sou eu quem acaba liderando, meus lábios deslizando sobre os

dele. Ele segue meus movimentos, toda sua raiva quase machucando

minha com sua ferocidade.


Parece que estou me afogando novamente, o gosto e o toque dele

me sugando. Tudo é duro — o frio da minha pele, a dor da garganta,

o roçar selvagem dos lábios dele contra os meus. A água salgada

escorre pelos nossos rostos, misturando-se ao nosso beijo.

Eu não sei quanto tempo ficamos presos juntos assim, antes de

perceber que estou molhada e congelando, apenas vomitei (para ser

justa, ele não parece se importar). E oh sim, estou beijando Peste.

Ainda assim, é preciso uma quantidade surpreendente de força

de vontade para me afastar. Tropeço para trás e finjo que é apenas a

areia que me deixa fraca.

Peste está respirando com dificuldade, seu peito subindo e

descendo laboriosamente. Ele dá um passo à frente, com os olhos fixos

na minha boca.

Quer continuar de onde paramos.

No último segundo, ele parece recuperar os sentidos. Franze a

testa, seus olhos azuis gelados encontrando os meus. — Você não

tentará se matar novamente.

— Eu não estava tentando.


— Não me desafie, Sara! — Ele grita. Então, mais suave ele diz.

— Eu não a deixarei morrer.

Inútil me explicar. Peste está disposto a acreditar que tentei

envenená-lo com álcool, mas não ligará os pontos óbvios que me

envenenei com as coisas.

— Tudo bem. — Eu digo, minha voz torcendo as palavras. —

Isso não acontecerá novamente.

Ele balança a cabeça, seus olhos voltando para os meus lábios. —

Bom, bom.

Tentativa número dois para deixar a ilha sai melhor que a

primeira. Isso é claro, depois de voltarmos para casa e aquecer em

outro banho quente e roupas secas — tudo isso por insistência de

Peste.

Vem como um choque particularmente desagradável que o

cavaleiro se preocupa com meu bem-estar. Quer dizer, eu sei desde

que ele me levou em cativeiro que me quer viva, mas isso parece...

diferente. E não tenho certeza se gosto.

Coloco os dedos sobre meus lábios. Ainda posso sentir a pressão

de sua boca contra a minha, embora nós dois não tenhamos falado
sobre o que aconteceu, está bem ali entre nós, como um convidado

indesejado.

Depois que saímos da casa de praia, retomamos nossa viagem

ao longo da água. Peste dá grande importância em manter um braço

firmemente ao redor da minha cintura. É tão hilário quanto ridículo.

E se quisesse me matar — novamente — dificilmente tentaria a

mesma tática fracassada.

O vento nos rasga e até mesmo vestindo camadas de roupas

quentes, o frio de alguma forma consegue penetrar. Isso piora o fato

de que meu peito não está mais envolto em camadas de bandagens,

minha lesão nas costas está curada o suficiente para renunciar a elas.

E não percebi até agora que a gaze me isolou um pouco.

Eu estremeço, a ação faz com que Peste me puxe para mais perto.

— Você deve dizer se ficar com muito frio. — Ele ordena, sua

respiração aquecendo um dos meus ouvidos.

Eu concordo com um movimento da mão. — Claro que sim. —

Não lutarei com ele sobre isso.

Nós passamos pela costa enquanto dirigimos para o sul, ficando

longe o suficiente da terra para evitar o contato direto com as pessoas,


mas perto o suficiente para ver os detalhes da costa à nossa esquerda.

E de vez em quando, vemos um veleiro ou uma canoa, mas mesmo

esses estão longe.

É final da tarde no momento em que as nuvens se abrem e o sol

brilha sobre nós. Aquece meu cabelo e se reflete na água, em pouco

tempo meu couro cabeludo e meu rosto parecem arder. Eu não ficaria

surpresa se, ao anoitecer, minha pele estivesse particularmente

vermelha. Essa não é a única coisa que me incomoda.

Eu mexo desconfortavelmente sobre Trixie Skills.

— Hey Peste. — Eu digo. — Preciso ir ao banheiro.

Sua mão aperta meu quadril. — Humana, você está falando em

línguas.

— A latrina. — Esclareço, minha voz zombando.

— Ah. — Ele não percebe o fato de que estou tirando sarro dele.

Ele puxa as rédeas, virando o cavalo para terra. Vinte minutos

depois, a água ondulante sob os cascos de Trixie é substituída por

terra firme. Solto um pequeno suspiro de alívio por estar de volta à

terra.
Ao nosso redor, os pinheiros se estendem até onde os olhos

alcançam. Onde quer que estejamos, não há um indício de vida

humana a ser encontrada.

Apenas aceito o fato de que terei que fazer xixi no mato quando

encontramos uma estrada pavimentada, em seguida, um pouco mais

tarde, um posto avançado.

A mulher que cuida do lugar dá uma olhada para nós e tropeça,

quase caindo, tentando subir em sua bicicleta.

Eu peço licença e procuro um banheiro atrás do prédio e uso.

Quando volto, Peste está amarrando cobertores e o que parece ser

uma vara de tenda na parte de trás da sela de Trixie.

— O que você está fazendo? — Eu pergunto, olhando para o

cavalo. Neste momento, seu corcel não se parece com o cavalo de

força sobrenatural de Peste e mais como um cavalo de carga.

— Coleta de suprimentos.

Eu olho para o posto avançado. Este tem todos os tipos de

equipamentos de sobrevivência, de jarros de água a protetor solar

caseiro, um kit de início de fogo para alimentos desidratados.

Bem. — Por quê?


— Caso não encontremos abrigo. — Diz ele, apertando uma das

correias da sela.

Isso nunca foi um problema antes, mas novamente, até hoje nós

estávamos viajando ao longo da rodovia. Agora, estamos

essencialmente fora da grade.

Eu olho para o horizonte, onde densas nuvens escuras estão

descendo sob sol.

Realmente não é um bom dia para acampar.

Peste volta para o posto avançado, indo até a seção de caça da

loja. Uma parede inteira é dedicada a vários tipos de armas e

munições.

Ele caminha até elas. Calmamente, levanta um rifle da parede,

em seguida, olha para baixo, uma mão ao redor do cano, a outra em

sua base de madeira.

Meu corpo inteiro fica tenso com a visão da arma em suas mãos.

Não sei exatamente o que sinto. Certamente não é medo. Peste não

precisa de uma arma para matar. Ele é muito letal sozinho. Talvez seja

simplesmente a forma estranha como está olhando para a coisa em

suas mãos, sua expressão ilegível.


Sua pegada no rifle aperta, os músculos do braço flexionam e

então o metal range enquanto ele dobra o cano quase pela metade.

Olho para ele, minha mente levando um tempo ridiculamente

longo para aceitar o fato de que o cavaleiro é forte o suficiente para

manipular o metal.

Ele deixa cair o rifle no chão, a coisa totalmente esquecida

quando alcança outro. Peste não para até destruir cada uma das armas

que o posto avançado vendia — porra, ele até consegue encontrar o

que está escondido embaixo do balcão antes de arruiná-lo também.

Há uma boa pilha deles nas costas.

O proprietário ficará louco quando descobrir que alguém dobrou suas

armas ao meio.

Uma vez que Peste acaba, deixa a loja tão serenamente quanto

entrou. — Pronta para sair? — Ele pergunta quando passa por mim.

Eu dou uma última olhada nas armas arruinadas espalhadas

pela loja. — Uh... claro.

Não é até que estamos longe do posto avançado, Trixie nos

levando por uma densa floresta costeira, que qualquer um de nós fala

novamente.
— É meu pesar que, embora muitas coisas tenham sido

destruídas pela minha chegada à Terra, que as armas não foram uma

delas.

Levanto minhas sobrancelhas com suas palavras.

— Estou surpresa. — Respondo.

— Por que minha opinião a surpreenderia?

Eu viro minha cabeça em sua direção. — Você não quer que os

humanos matem uns aos outros?

Espero muito tempo até ele responder.

— Hmmm. — Ele finalmente diz. — Preciso pensar sobre isso.

E talvez estivesse, porque a última parte do nosso passeio é em

silêncio.

No momento em que o céu está roxo e as sombras longas, Peste

e eu ainda não encontramos uma casa. O cavaleiro leva Trixie para

fora da estrada para uma área relativamente plana, situada entre

pinheiros cobertos de musgo.

— Vamos parar aqui para a noite. — Peste anuncia, puxando seu

cavalo para uma parada.


Nós dois passamos a próxima hora montando acampamento.

Primeiro com um fogo insignificante, que é mais para aparência que

qualquer outra coisa, desde que a madeira que queimamos é muito

verde para fazer muito além de soltar fumaça e chiar. O que é

lamentável, considerando que as primeiras gotas de chuva me

atingiram quando terminamos de acendê-la.

Em seguida vem a barraca, ficou bastante óbvio desde o início

que o equipamento é antigo. O material é sintético à prova d'água que

ninguém mais faz, a cor é um cinza e marrom desbotado pelo tempo.

Os postes de alumínio que o acompanham estão cortados e dobrados.

Ainda assim, aposto que a coisa era uma das peças mais caras

naquele posto avançado. É uma pena que provavelmente a

descartaremos na próxima cidade que chegarmos.

Franzo a testa para a estrutura assim que terminamos de

configurá-la.

A coisa não é apenas velha, é pequena. Isso significa que Peste e

eu teremos que nos abraçar.

Meu coração dá um salto traidor sobre a possibilidade.

— Você fez isso de propósito. — Eu acuso.


— Eu fiz o que? — O cavaleiro pergunta, levantando-se do outro

lado da tenda. Ele tira o pó das mãos.

— Encontrou uma barraca pequena.

Ele caminha até onde estou e avalia a barraca entre nós, seus

braços musculosos dobrados um sobre o outro. Sua armadura e

armamento fica de lado, o tecido preto de seda de sua camisa parece

abraçar seus ombros largos e cintura.

— Poderia ser maior. — Peste concorda. E então se afasta,

descarregando o restante de nossos suprimentos.

Apenas isso?

Eu mordo o lábio inferior. A chuva está começando a cair em um

ritmo constante, sei que vai piorar. E de jeito nenhum dormirei fora

esta noite. E não há cobertores o suficiente.

Realmente terei que abraçar o cavaleiro. A ideia me deixa

nitidamente nervosa, especialmente quando ainda posso sentir a

lembrança do beijo dele nos meus lábios.

Lanço um olhar de lado para o cavaleiro. Ele se agacha em frente

à nossa fogueira, a madeira sibilando e crepitando enquanto cuida

disso.
Por que não foi afetado?

Sentindo o peso do meu olhar sobre ele, olha para mim, seus

olhos azuis como facas. Ele se ajeita um pouco quando percebe minha

expressão. — O que foi, Sara?

Sara. Ele diz meu nome como se fosse uma oração.

— Nada. — Eu digo, esfregando meus braços e sob minhas

camadas de roupa, arrepios se erguem ao longo da pele.

Ele percebe a ação, franzindo a testa. — Não é nada. — Peste se

levanta, olhando ao redor. — Porque está com medo?

Eu não terei essa conversa. Não mesmo.

Afasto o cabelo do rosto. — Apenas... pensei ter ouvido alguma

coisa.

Peste franze a testa. — Qualquer um que tente se aproximar de

nós está condenado. Você está segura, Sara.

Mas não estou. Não dele e não do meu próprio coração.


Puxo meu casaco para mais perto enquanto olho para as chamas

crepitantes entre mim e Peste. A noite trouxe um frio que nem mesmo

uma fogueira decente poderia afastar.

E esta não é uma fogueira decente.

A chuva cai constantemente, mas ainda não é ruim o suficiente

para me levar para a Tenda da Perdição.

Nossa última refeição fica confortavelmente no meu estômago.

Não é a nossa refeição, eu corrijo. Sua refeição.

Peste não estava disposto a comer nada da comida que

estávamos carregando, nem beber a água.

— Eu não preciso disso, Sara. — Ele disse quando ofereci. — Você

precisa.

Ele pode não precisar, mas seus olhos ainda permaneciam na

comida da mesma maneira que voltavam aos meus lábios.

Ele pode não precisar dessas coisas, mas desenvolveu um gosto

por elas. Seguro minha caneca de lata com força entre as mãos, o chá

aquecendo meus dedos.


E do outro lado do fogo, o olhar de Peste é como o afagar de um

amante. Posso sentir como se fossem dedos suaves roçando minha

pele nua.

Meus olhos se movem para os dele.

A fumaça nebulosa distorce as feições do cavaleiro, mas ainda

consigo distinguir sua mandíbula e cabelos dourados ondulados.

Uma perna está na frente dele, a outra puxada para o peito.

E se o frio o está afetando, ele não deixa transparecer.

Ele olha para mim, o contemplar em seus olhos familiares e

estranhos. É o tipo de olhar que me faz abaixar a cabeça e colocar uma

mecha de cabelo atrás da minha orelha, como se fosse alguma mulher

atraente. É o tipo de olhar que me lembra que, independentemente de

suas intenções, Peste ainda é um homem e muito bonito.

— O que? — Eu pergunto, girando meu chá na caneca amassada.

Não é a porra de um vinho, Burns. Você não precisa agitar.

— Eu não entendi sua pergunta. — Diz ele.

Claro que não entendeu.


— Você está olhando para mim. — Eu explico. — Quero saber o

porquê.

— Eu não posso olhar para você sem ter que me explicar?

— É rude olhar para alguém. — Ainda não olhei para ele.

— Você está ofendida? — Ele pergunta, curioso.

Estou lisonjeada. E isso me ofende.

— Inquieta. — Respondo. — Digo. — Eu me sinto insegura com

isso.

— Por que não estou surpreso? — Ele murmura para si mesmo.

— Você quer que entenda sua espécie, no entanto, quando mostro

algum interesse, condena minha curiosidade.

Eu literalmente não tenho nada a dizer sobre isso. Sequer sei se

ele está certo ou se apenas usou palavras bonitas o bastante para

parecer correto.

Não quero analisar isso.

— Tudo bem. — Eu digo, tomando um gole do meu chá e

encontrando seu olhar. — Olhe o quanto quiser.

Seus olhos fixam em mim. — Eu o farei.


Estou prestes a desviar o olhar, porque parece terrivelmente

estranho ter alguém abertamente o avaliando, mas então... foda-se isso.

E se ele ficará olhando, então eu também.

Eu o observo, das pontas arqueadas de sua coroa de ouro para

sua camisa escura e botas de couro macio. Meu olhar se moveu para

as mãos dele —tem mãos estranhamente atraentes para um homem.

Claro que sim, Sara. Tudo sobre ele é atraente. É você quem está apenas

começando a notar os detalhes.

Peste sorri enquanto meus olhos passam por ele e juro que ele

pressiona seus ombros para trás apenas um pouco com a minha

inspeção.

— Você gosta do que vê? — Eu pergunto, mesmo enquanto o

analiso. O comentário era para ser sarcástico, mas sai mais como isca

para um elogio.

— Sua forma é estranhamente agradável para mim.

Como quase tudo que Peste diz, suas palavras revelam duas

emoções opostas. Meu sangue esquenta e ainda assim... agradável?

Uma pintura é agradável. E estranhamente assim?


Uma mulher não deveria ser estranhamente agradável. Ela deveria

ser uma esmagadora de bolas e crânios, uma fodona que seja

impossível de esquecer.

Uma linha se forma entre as sobrancelhas de Peste. — Eu não

esperava isso, apreciá-la, assim como não esperava que a comida me

seduzisse ou sua bebida me encantasse.

Eu tomo outro gole do meu chá. — O que você esperava?

— Ser indiferente e não afetado por todos os modos humanos.

Deve me encher de esperança que Peste seja afetado por essas

coisas e isso acontece, mas... mordo o lábio inferior. A coisa é, vai nos

dois sentidos. Por mais que esteja afetando sua visão dos humanos,

ele está afetando minha visão dos cavaleiros.

— Você ainda não mencionou Deus. — Eu digo.

Peste olha para mim intrigado.

— Você continua mencionando o quanto odeia os humanos,

como é seu trabalho acabar com eles e como é chocante gostar das

mesmas coisas que eles, mas em todas as nossas conversas, realmente

menciona Deus.
Um vinco se forma entre as sobrancelhas. — Por que deveria?

Eu levanto um ombro. — Não é disso que se trata tudo isso? A

ira de Deus?

— Isso não é sobre Deus. — Peste diz uniformemente. — É sobre

os seres humanos e sua natureza venenosa.

Pego uma vara próxima e distraidamente bato nos troncos,

fazendo o fogo pular e acender. — Apenas achei que Ele estava por

trás de sua existência. — Eu digo.

O cavaleiro me encara, os olhos estreitos. — Não cabe a mim

discutir com você as razões pelas quais estou aqui.

— Então Deus inequivocamente existe? — Eu insisto. — E Ele é

um homem? E lhe deu esta tarefa? — Não é como se contasse estas

coisas, mas não as negou, quando o mencionei.

— Sara. — Peste diz com exasperação. — Certamente você já

sabe que algo além deste mundo mortal existe. Eu não sou prova

suficiente?

Bem, sim, mas ele poderia pelo menos confirmar para registro e

tudo.
— No que diz respeito ao gênero. — Continua ele. — Somente a

débil mente humana poderia imaginar um ser superior, então ter a

audácia de moldar esse ser à sua própria imagem e dar a ele um

gênero.

Peste continua. — Deus não é homem nem mulher. Ele é algo

completamente diferente.

— Então por que você continua usando pronomes masculinos?

—Eu pergunto.

— Porque você o faz.

Eu dou-lhe um olhar interrogativo.

— Como falo inglês? — Ele pergunta. — Empunho um arco e

flecha? Por que uso calça, um peitoral e pareço humano? Eu, como

Deus, fui moldado em algo que você pode entender.

— Mas isso. — Ele aponta para o corpo. — Não é o que realmente

sou.

— É... não? — Tenho problemas com isto.


— Eu sou Peste, Sara. — Diz ele suavemente. — Não um homem.

Eu tenho um corpo, uma voz e uma sensibilidade não para meu

próprio benefício, mas para o seu.

Não mentirei, esta pode ser a conversa mais estranha que já tive.

— Então... — Eu digo, para fechar este círculo. — Deus não é um

homem.

Ele inclina a cabeça. — Você parece surpresa.

Eu pareço?

Mexo desconfortavelmente. — Eu não estou surpresa. É apenas…

— Apenas o que? — Peste pergunta quando não termino a frase.

Pela primeira vez ele está na metade de algo comigo.

— Eu não sei. — Eu digo. Cutuco o fogo com a vara que ainda

seguro. — Ele é Ela ou Ele, até mesmo cristão? Os Quatro Cavaleiros,

afinal, são mencionados na Bíblia.

Peste me dá um olhar depreciativo. — Vocês, humanos e seus

problemas com nomes e rótulos. Deus não é cristão, assim como não

é judeu, muçulmano, budista ou qualquer outra denominação. Deus

é Deus.
Uma resposta que não apazigua praticamente ninguém.

O cavaleiro se inclina para trás e me avalia. — Em que você

acredita, Sara?

Solto a vara e tomo um gole do meu chá refrescante. — Antes de

você vir à Terra, eu não acreditava em nada.

— Você não acreditava em nada? — Peste olha para mim como

se quisesse uma explicação.

Sabendo como ele se sente sobre o mundo, realmente não quero

dar a ele essa parte minha.

— Nós temos ciência e isso é um tipo de religião. — Eu digo. —

Pelo menos, para mim era. Explica por que o mundo funciona assim,

respondia ao mistério de tudo.

— Eu sei o suficiente sobre sua ciência, Sara. Nunca respondeu

aos mistérios mais importantes, como você os chama. O que é uma

alma, para onde vai quando morre, o que está além?

Levanto a mão. — Entendi, amigo.

Ele franze a testa para o apelido.


— Eu não precisava de respostas para essas perguntas. Presumi

que está vida era tudo o que alguém tinha e estávamos todos nos

iludindo ao pensar que haveria mais.

— Mas você mudou de ideia? — Ele pergunta.

Dou-lhe um sorriso triste. — É difícil não mudar, quando os

Quatro Cavaleiros aparecem e todo o mundo vai para o inferno.

Eu posso ouvir a TV do posto de bombeiros na minha cabeça, o

interminável noticiário. Os especialistas políticos foram substituídos

por líderes religiosos e acadêmicos, cada um explicando sua opinião

sobre a Bíblia, o Alcorão e o Hadith, os Sutras, os Vedas, o Tanach, o

Mishnah, o Talmud e o Midrash, mil outros textos bíblicos que de

repente, apontoam o caminho para redenção. Eu ouvi enquanto cada

pregador, padre e rabino imploravam ao mundo que encontrasse

Deus antes que fosse tarde demais.

— É apenas… religião até agora tem sido uma questão de fé. Não

parece religião para mim acreditar agora que há prova.

O que não digo é que ainda é difícil acreditar na religião agora

que nossa prova vem na forma de quatro seres que querem nos matar.

E se de repente todos os cordeiros estão prontos para o abate, qual é

o sentido da vida? E mais, se uma morte dolorosa e prematura é o que


devo esperar da vida, então o que deveria esperar da vida após a

morte?

Presumo que Peste dirá algo poético, mas não o faz. Apenas

continua me olhando de forma desconcertante.

Encontro seu olhar e o seguro. A fumaça desenha fitas finas entre

nós e a chuva mancha nossa roupa. Mesmo à luz do fogo, posso ver

seus olhos azuis claramente. São uma cor apropriada, sinto que estou

me afogando neles, nele.

Uma sensação quente se espalha sob a minha pele.

Ouvi uma vez que você pode se apaixonar por alguém

simplesmente olhando em seus olhos por tempo suficiente. Que não

seja isso (por favor, Deus deixe que não seja isto), mas é algo.

Como um relâmpago impressionante, a percepção me atinge:

apesar de cada ferida que infligimos um ao outro, apesar dele tentar

acabar com o meu mundo e meu mundo tentar acabar com o dele, ele

me quer...

E eu o quero.

Não sei quem se move primeiro, sei apenas que coloco meu chá

de lado e ele fica de pé. Não há pressa em nossos movimentos.


Eu tive muitas dessas noites, onde você não pode se mover

rápido o suficiente, porque no momento em que diminui a pressa,

percebe que o que está fazendo é desesperado e estúpido, realmente

acha que a outra pessoa é irritante, mas apenas quero sentir a pressão

de sua pele contra a minha, amanhã pela manhã tudo será esquecido.

Nós dois temos tempo de sobra para nos afastarmos. Para

desenhar essa linha onde ele é uma entidade bíblica que chegou para

o fim do mundo e eu sou uma humana, simplesmente tentando

impedi-lo. Mas agora, ele não odeia tanto os humanos quanto quer

acreditar e não desejo desafiá-lo tanto quanto quero acreditar.

Antes que tenha a chance de me levantar, ele se ajoelha na minha

frente. O fogo que antes era uma barreira entre nós agora fica como

uma sentinela ao nosso lado.

— Eu não posso decidir se você é uma toxina ou um tônico. —

Diz ele, levantando a mão para minha bochecha. — Apenas que

atormenta meus pensamentos e preenche minhas veias.

Peste realmente poderia trabalhar em seus elogios.

Seu polegar acaricia minha pele. — Diga-me que você se sente

da mesma maneira.
— Eu sou sua prisioneira. — Digo, evitando uma resposta.

— Esse é o menor dos erros entre nós. — Ele se inclina mais

perto. — Diga-me. — Ele repete.

Sem pensar, pressiono minha boca na dele.

Por um longo e agonizante momento, congela sob meus lábios.

Apenas quando espero que ele se afaste, solta um leve gemido,

que soa como desejo, derrota e surpresa, ao mesmo tempo. E então

seus lábios estão pressionando contra os meus.

Hesitante, suas mãos vão ao meu cabelo. Ele segura meu rosto,

seu beijo é suave, excessivamente suave.

Tomada pela sugestão dele, coloco minha palma contra sua

mandíbula, meus dedos roçando a pele de sua bochecha.

Ele se afasta, os olhos brilhando de calor.

— Sara...

Minha pele arrepia, mesmo quando meus olhos encontram os

dele.

Não quero fazer isso. É o que devo dizer.


Mas as palavras ficam presas dentro de mim.

Seu olhar retorna à minha boca e qualquer restrição dele agora

se desintegra. Seus lábios estão de volta nos meus, mais fortes e mais

seguros do que antes.

O beijo anterior poderia ser chamado de erro, mas não este.

Ele me beija ansioso, inclinando-se até que seu peito quente

pressiona contra o meu. Deixo minhas mãos tocarem seu rosto como

se estivesse tentando memorizá-lo pela sensação. Meus polegares

roçam seus olhos fechados e aqueles cílios invejáveis, roçam sobre

suas têmporas e maçãs do rosto.

O cheiro da terra, da fumaça e as agulhas de pinheiro enchem

meu nariz, a chuva caindo e gelando na minha pele exposta. Estamos

tão longe da humanidade que agora Peste parece mais mágico do que

uma antiga influência maligna.

Seus braços seguram minha cintura e sem terminar o beijo, ele

me leva para a tenda. Não tenho tempo para temer aquele pequeno

espaço antes que afaste as abas e me deite nos cobertores. Ele se

ajoelha entre as minhas pernas, tomando um momento para colocar

de lado sua coroa, seu olhar fixo no meu rosto.


Lentamente, ele fica sobre meu corpo, sua boca encontrando a

minha mais uma vez. Eu quase lamento quando seu peso se instala

sobre mim. Faz tanto tempo —muito tempo — desde que fiz isso e

acho que estou sofrendo por esse conforto e conexão.

As mãos do cavaleiro tremem quando me roçam, explorando

cautelosamente. Eu me pergunto se isso é um tabu para ele — tocar

uma mulher, uma vítima que está poupando. Eu me pergunto como

se sente sobre isso.

Eu me pergunto, simplesmente, como ele se sente. O que pensa.

Não sei quando comecei a me importar, mas agora, com ele tão perto,

parece importante.

Meus lábios se separam dos dele eu começo a explorar sua boca.

Outro som escapa dele, este menos surpreso e mais primitivo.

Ele esmaga sua boca na minha e nosso doce beijo está ficando mais

escuro, mais faminto. Seus quadris se movem contra os meus, me

afasto do beijo para controlar a necessidade.

— Sara. — Diz ele, quase sem fôlego. — Eu sinto... sinto que

estou me perdendo nesta sensação, em você. — Seus olhos procuram

os meus. — Isso é... isso é amor?


Eu recuperei o controle rapidamente.

Minhas mãos vão até as costas dele, pressionando seu corpo

contra o meu e de alguma forma, minhas pernas se moveram ao redor

dele.

Isso foi um pouco mais do que levado pelo momento...

Eu me sento, gentilmente empurrando-o para longe de mim.

Relutantemente, ele se afasta. Eu lambo meus lábios, saboreando-o na

minha boca.

O último desse sentimento nebuloso sensual recua

completamente, deixando uma frieza arrebatadora em seu rastro. Eu

beijei Peste e estava pronta para fazer mais.

Balanço a cabeça. — Não, isso não é amor.

Ele parece... desapontado. Eu acho.

Não posso dizer exatamente o que é que estou sentindo ou por

quê. É uma combinação doentia entre a melancolia e a certeza

profunda de que isso está errado. Muito, muito errado.

— Então, o que é?

— Luxúria. — Eu digo simplesmente.


Não consigo dormir. Não nesses bosques, com o granizo gelado

atacando nossa tenda. O frio tem garras e posso senti-las cavando na

minha pele através do meu cobertor e todas as minhas camadas de

roupa.

Deitei-me na minha cama improvisada, tremendo e me sentindo

completamente infeliz.

Quero que você sofra. Posso ouvir as palavras de Peste claras como

o dia. Ele que se afastou horas atrás e ainda não voltou. Peste, que não

gostava do que eu tinha a dizer antes, seja porque a luxúria não é uma

emoção como o amor ou porque sentir qualquer coisa seja

simplesmente problemático para ele.

Ele está fora há horas e com toda a probabilidade,

provavelmente está esperando apenas que eu fuja para que possa me

punir de alguma forma cruel, incomum e forçar as coisas de volta a

como eram antes.


Acho que isso nos faria bem, ter as coisas como eram. Mas não

tem como isso acontecer. Você não pode desfazer um beijo ou um

olhar. Nós dois estamos tão ferrados.

Já é tarde quando Peste retorna e a chuva parou. Posso ouvir

suas botas enquanto ele pisa sobre as agulhas de pinheiro. Ele não

tenta mascarar sua abordagem.

Um momento depois, as abas da tenda são abertas e o espaço é

preenchido com sua presença sobrenatural. Por vários segundos ele

não se move.

Logo, o cavaleiro se ajoelha ao meu lado. Cuidadosamente tira

sua armadura e sua coroa pela segunda vez naquela noite. E então

deita no espaço ao meu lado.

— Eu assumo que você não dormiu. — Eu digo. Minha voz

parece ecoar no silêncio.

Há uma pausa depois de um momento, ele diz: — Eu não preciso

disso, mas posso.

Ele se aproxima de mim e depois de um segundo hesitante, o

cavaleiro coloca um braço sobre o meu corpo e me puxa para perto.


Fecho meus olhos com a sensação, dividida entre apreciar seu

toque e saber que não deveria. Meu corpo treme contra o dele, por

causa da temperatura.

— Você está com frio. — Diz ele, surpresa ecoando em sua voz.

Estou mais do que apenas com frio; sou praticamente um picolé

humano neste momento.

— Estou bem.

Ele me puxa ainda mais perto, jogando uma de suas pernas sobre

a minha, prendendo-me contra seu corpo. Porra, ele está se

aconchegando. Eu nem tenho a dignidade de ficar chateada com isso,

porque sou muito grata pelo calor de Peste.

Você também gosta de como ele se encaixa contra você...

— Tente dormir. — Diz ele, sua voz profunda. — Amanhã

partimos à primeira luz do dia.

Impressionante.

Merda, odeio acordar cedo junto com o frio.

Quando tudo isso acabar, me mudarei para o México e dormirei

o tempo que quiser.


Pressionado contra o forno humano que é conhecido como Peste,

meu corpo gelado logo aquece. Não muito tempo depois, meus olhos

começam a se fechar.

Assim que estou quase dormindo, acho que ouço Peste

murmurar contra o meu cabelo: — Isso não é desejo que sinto, querida

Sara. E espero que você esteja com tanto medo quanto eu.

Mas provavelmente estava apenas sonhando.


Acordo devagar, languidamente, um calor delicioso me

envolvendo. Eu me alongo, minha espinha estala enquanto arqueio

minhas costas. O braço em minha cintura aperta, uma mão

acariciando minhas costas.

Abro meus olhos e encaro dois olhos azuis.

Meu corpo fica rígido. O rosto de Peste está a poucos centímetros

do meu e o restante de seu corpo está pressionado contra mim. As

bordas do sono se agarram à sua expressão e seu cabelo está

bagunçado. Dói-me o quão atraente acho isso.

Ao contrário de mim, o cavaleiro não parece surpreso ao nos

encontrar tão perto. Ele me observa, seu olhar cauteloso e fascinado.

Lentamente, me libera.

Beijando, aconchegando-se e agora dormindo juntos.

Tudo muito rápido, Burns.

Tecnicamente, esta não é a primeira vez que dormimos juntos.

Houve o caso quando tive hipotermia.


Sentindo-me tranquila, afasto de seus braços e passo a mão pelo

meu cabelo castanho ondulado. Não olho para ele enquanto me

recomponho, mas porra, posso sentir sua presença ao meu redor.

Preciso sair dessa barraca.

Calçando minhas botas, saio do pequeno espaço sem dar outra

olhada ao cavaleiro.

Lá fora, o sol está alto no céu.

Sairemos ao raiar do dia...

A barraca se abre atrás de mim e o cavaleiro sai caminhando. Sua

boca tem uma linha sombria e seus olhos estão tristes quando

encontram os meus. O monstro que habita no meu cavaleiro é um ser

solitário e melancólico.

Ele agarra sua armadura e começa a prendê-la, afastando-se de

mim, indo para onde Trixie espera.

— Venha, Sara. — Ele chama por cima do ombro. — Já passamos

da hora de partir.

Eu olho de volta para nossa barraca, percebendo que ele não

pretende levar nenhum de nossos suprimentos. Então me apresso


para pegar as poucas coisas das quais não quero me separar e sigo

atrás dele.

Ele não olha para mim quando guarda seu arco e aljava. Nem

quando arrumo os itens que peguei do nosso acampamento. Nem

mesmo quando me levanta para Trixie.

Ele não vai me questionar, assim como não o fiz quando ele fugiu

da barraca. Estou sentindo o gosto do meu próprio remédio e isso está

me enlouquecendo. Há tanta segurança e conexão em um único olhar.

Evita-lo apenas me faz querer ainda mais.

— Você tem certeza que não devemos embalar a barraca? —

Pergunto, dando a ela uma última olhada. Parece tão solitária ao lado

dos restos do nosso fogo. Há uma chance de hoje, quando pararmos,

ainda estarmos no meio do nada.

Peste segue meu olhar, olhando depois para mim de forma

sombria. — Não precisaremos disso novamente. Esta noite

encontraremos uma casa para dormir ou não dormiremos.

Há mais de uma maneira de ferir uma pessoa. Desta vez não

precisei atirar no cavaleiro ou colocar fogo nele para causar-lhe dor.

Tudo o que fiz foi agir como se a noite passada fosse um erro.
E foi?

Quero acreditar que foi um erro e Deus sabe que me sinto mal

agora, mas não porque beijei o cavaleiro. Ou porque me aconcheguei

a ele. Sinto-me um lixo agora, porque ele ainda está me dando o

mesmo tratamento silencioso horas depois e está funcionando.

Deixando-me louca.

Já lhe contei histórias aleatórias da minha infância, como quando

quebrei o dente, porque literalmente tropecei no meu próprio cadarço

ou sobre como meus amigos e eu começamos uma tradição anual de

pular no lago Cheakamus, assim que o gelo derretesse. Até admiti

como desenvolvi medo do palco (caí na frente de toda a minha sala de

aula no ensino médio enquanto caminhava até o pódio — não

consegui dizer uma palavra depois disso).

Ele não esboçou nenhuma reação, embora soubesse que estava

ouvindo, extasiado pela maneira como sua mão ficava tensa e

relaxada enquanto me segurava.

Então recito uma poesia para variar.

— Uma vez à meia-noite triste, enquanto ponderava, fraco e

cansado... — Começo, citando O Corvo de Poe. Recito todo o poema e


novamente, posso dizer apenas pelo modo como Peste me segura que

ele está me ouvindo.

Mas assim como minhas histórias, ele não diz nada depois que

termino de recitá-lo.

Eu mudo de O Corvo para Hamlet. — 'Ser ou não ser, eis a

questão…

Cito a peça por tanto tempo quanto posso, mas eventualmente,

as linhas ficam confusas na minha mente e tenho que abandonar.

Ainda nada de Peste.

Eu recito Lorde Byron (Escuridão), Emily Dickinson (Porque eu

não pude parar a Morte) e mais Poe (Annabel Lee) e o tempo todo o

cavaleiro não pronuncia uma única palavra. Nem mesmo para me

mandar calar a boca.

Desisto.

— O que você está pensando? — Finalmente pergunto.

Ele não responde.

Coloco minha mão sobre a dele que pressiona contra meu

estômago, segurando-o contra mim. — Peste?


Sua mão flexiona.

— Ontem à noite não consegui decidir o que você era, um tônico

ou uma toxina. — Diz ele. — Hoje descobri que você é ambos.

Estremeço um pouco com suas palavras.

— Você despertou em mim coisas que não percebi que estavam

adormecidas. — Continua ele. — Agora que estou ciente delas, não

posso ignorar sua existência. Temo que estou me tornando... como

você. Humano e cheio de carência. Preciso que esse desejo vá embora.

— Desejo? — Eu quase sufoco com a palavra.

— Não me diga que me enganei nisso também. — Diz ele

amargamente. — Amor, luxúria, desejo — você não pode refazer

meus sentimentos. Conheço meu coração, Sara, mesmo que pareça

estranho para você

No que eu me meti?

— O que você quer de mim? — Eu pergunto.

— Nada! Tudo! Foda-se. — Ele pragueja, o ato profano é chocante

vindo de sua boca. — Isso é tão confuso.


Estou prestes a falar quando ele interrompe. — Eu quero provar

seus lábios novamente. Quero abraçá-la como fiz na barraca. Não

entendo porque quero essas coisas, apenas quero.

Meu rosto aquece. É errado sentir-se lisonjeada quando Peste

está claramente tendo uma crise existencial?

Não?

Bem.

— Amor, carinho, compaixão, estas são as poucas qualidades

redentoras que sua espécie tem. — Diz ele. — E agora estou sendo

tentado por elas e isso está me partindo em dois.

Já ficou preso em uma situação que você quer desesperadamente

sair, mas não há como escapar? É assim que me sinto neste momento

sentada sobre Trixie Skills ouvindo Peste me falar sobre todos seus

sentimentos.

— Sinto você se afastando de mim. — Diz ele. — Quanto mais a

desejo, mais relutante a se entregar você fica. E não sei o que fazer.

Eu sei. — Pare de espalhar a peste.


Ele ri sem humor. — Eu não posso mudar o que sou mais do que

você pode mudar o que é.

Isso é realmente verdade? Ele me poupou, o que significa que

tem pelo menos um pouquinho de controle sobre sua habilidade letal.

— Estamos presos a esses papéis, você e eu. — Ele diz. — E não

sei o que fazer com essa miséria.

Ele parece tão desolado, tão sem esperança. Aperto a sua mão.

Meu coração dói novamente. Este homem é muito pior do que

todos os outros homens que já conheci e ainda me sinto atormentada

até o limite por ele.

Estendo a mão e inclino sua cabeça para baixo, então coloco um

beijo contra seus lábios.

Posso sentir sua doce agonia no beijo. Ele inclina a testa contra a

minha. — Isso é miserável, Sara. — Ele repete. — Mas é a miséria mais

doce que já senti. Não quero que acabe.

Eu me odeio um pouco quando digo: — Não vai.

Estamos no meio da noite antes de nos depararmos com uma

casa. Nós já passamos por uma cidade, então não é como se não
houvesse outras opções, mas conduzido por qualquer força

sobrenatural que o controla, Peste segue sem parar.

Quando desmonto, olho para à distância. Talvez seja apenas

minha imaginação, mas juro que vejo pequenas manchas de luz.

Outra cidade? Com o pensamento, um medo residual de Vancouver

aumenta. Ainda posso ouvir os tiros, ver o pânico e sentir o sangue

quente de Peste contra a minha pele.

O cavaleiro passa por mim, suas armaduras e armas tilintam

enquanto caminha até a frente da casa.

Ele agarra a maçaneta e gira, quebrando a fechadura. A porta se

abre, rangendo enquanto o faz.

— Sabe, pode tentar bater. — Eu digo.

— E permitir que seus companheiros humanos peguem suas

armas? Acho que não, querida Sara.

Peste entra, não se incomodando em mascarar sua presença.

Mais adiante, posso ouvir sussurros furiosos e depois passos

tropeções.
— Quem quer que você seja. — Um homem grita. — Tem um

minuto para dar o fora da minha casa. Caso contrário, abrirei um

buraco na sua cabeça.

Eu olho para Peste. — Parece que o homem vai atirar de

qualquer maneira.

É muito escuro para ver a reação do cavaleiro, mas já sei que ele

está com o olhar sombrio. Ouço, ao invés de ver, Peste pegar seu arco

e colocar uma flecha nele.

Os passos do homem ficam mais altos à medida que ele se

aproxima. Deve carregar uma lâmpada a óleo, porque o ambiente ao

redor sutilmente se ilumina. Posso distinguir uma sala de estar

desordenada com miudezas em todos os cantos e recantos.

Assim que o homem pisa na porta de entrada, com a lâmpada a

óleo totalmente visível, o arco de Peste faz um pequeno ruído. Um

segundo depois, o homem à nossa frente solta um grito, soltando algo

pesado — algo que soa como uma arma.

— Que porra é essa! — Ele grita.


Com outro som escorregadio, uma segunda flecha é colocada no

arco de Peste. — Aproxime-se da arma e minha mira será um pouco

melhor.

O homem ergue sua lâmpada um pouco mais alto, dando uma

boa olhada no cavaleiro. Ele amaldiçoa como se o conhecesse.

— Saia da minha casa! — Ele grita.

Eu dou um passo para trás, a força de suas palavras é o suficiente

para me fazer sair. Peste agarra meu braço, mantendo-me no lugar.

— Ficaremos. — Diz o cavaleiro.

— Porra, claro que não ficará!

Pelo corredor ouço mais vozes. Fecho meus olhos quando

percebo que esta é outra família. Mais crianças que terei que assistir

morrer. Outro conjunto de passos vem em nosso caminho.

— O diabo vai dançar na minha sepultura antes que eu o receba.

— Diz o homem a Peste. Seus olhos se fixam em mim. Ele me dá um

olhar cruel e mesquinho, como se eu fosse menos do que a sujeira em

sua bota. — Você e sua prostituta.


No instante seguinte, Peste dá dois passos em direção ao

homem. Agarrando-o pelo pescoço, encostando contra a parede,

fazendo com que o placa de gesso ceda.

Uma mulher — claramente a esposa deste homem — entra no

vestíbulo, um grito sai enquanto ela encara Peste e depois seu marido,

que atualmente está em suas garras. Ela cobre a boca, os olhos indo

para o corredor onde seus filhos estão. — Peste rosna, ignorando a

mulher completamente. —Se você insultá-la. — Ele move a cabeça na

minha direção. — Um recebe minha ira, o outro, uma morte dolorosa.

— Ele aperta o pescoço do homem sufocando o suficiente para ouvi-

lo engasgar. — Você entendeu?

— Saia. — Diz o homem.

Peste o sacode um pouco. — Entendeu? — Ele repete, uma borda

perigosa soando em sua voz.

O homem olha para Peste, sua expressão cheia de malícia, mas

ele segura a língua e acena com a cabeça.

E de repente, o cavaleiro o solta e o homem cai no chão.


— Agora. — Diz Peste, voltando-se para a mulher que ainda está

observando tudo com as mãos cobrindo a boca. — Minha

companheira precisa de comida e de uma cama.

— Não temos comida nem camas de sobra. — Diz o homem

friamente de onde está, esfregando o pescoço.

Nesse ponto, decido sair da casa. Atrás de mim posso ouvir mais

ameaças vindas do cavaleiro. Simplesmente, não tolero ficar parada

assistindo enquanto arruinamos a vida de outra família.

Acho uma grande pedra à beira do jardim da frente me sento lá

até as minhas mãos e nariz ficarem dormentes.

Odeio que seja vista como uma aliada de Peste. Posso me sentir

atraída pelo cavaleiro, mas de modo algum concordo com o que está

fazendo.

Logo, ouço passos pesados se dirigindo até mim.

— La dentro, há uma cama e uma refeição quente esperando por

você. — Diz Peste.

Eu cutuco um pouco de grama. — Estou bem.


— Então ficará aqui a noite toda? — Ele pergunta, olhando para

as estrelas.

E se meu corpo fosse tão duro quanto a minha vontade, o faria.

— Por que você precisa invadir as casas das pessoas? —Pergunto

em seu lugar.

Sei mesmo quando digo que o cavaleiro não faz isso porque ele

quer; faz isso porque sou eu quem precisa de comida e descanso. Sou

eu que ele adora, mesmo à custa de suas vítimas.

— Todo o mundo me pertence. — Diz Peste. — Até mesmo a

casa deste ogro. — Ele franze a testa para o lugar.

Talvez esse sentimento doentio seja culpa do sobrevivente. Ou

talvez, seja remorso pela minha lealdade inconstante. E de qualquer

forma, as palavras do cavaleiro arrepiam minha pele.

Todo o mundo me pertence. Claro que Peste, o Conquistador,

acreditaria nisso.

— Não é o suficiente morrer pela sua mão? — Eu digo. — Nós

também temos que beijá-lo no caminho?


Porque isso é essencialmente o que o cavaleiro está fazendo

quando obriga essas pessoas a fazer o que ele quer.

— Você gostou do ato da última vez, pelo que me lembro. — Ele

diz suavemente, seus olhos se fixando em meus lábios.

Fico feliz que Peste não possa ver o rubor que se espalha pelas

minhas bochechas. Olho para longe.

— Você está com raiva de mim? — Ele pergunta.

Eu suspiro. — Não. Apenas… isso é miséria. — Digo,

devolvendo as palavras anteriores do cavaleiro.

Ele me observa por vários segundos. — Entre. — Diz ele

gentilmente.

Meus olhos se movem de volta para ele lentamente. Agora,

quando olha para mim, percebo mais do que apenas um rosto bonito.

Vejo os primeiros sinais de compaixão em seus olhos.

Isso é novo.

Toda minha determinação se dobra sob o ardor nos olhos de

Peste. Ninguém nunca olhou para mim assim. Levanto, fascinada


pelo olhar. Um começo de um sorriso toca os cantos de sua boca,

enquanto o deixo me levar de volta para dentro.

O cavaleiro aprendeu a sentir. Nada de bom pode sair disso.

Nada mesmo.
Nick Jameson é um homem mau. Ele não precisava de um

cavaleiro caindo em sua porta para tornar-se um.

A única qualidade redentora de nosso anfitrião, até onde posso

dizer, é que ele ama sua família, embora esse seja um amor possessivo

e egoísta. Mais de uma vez vi os brancos dos olhos de seus filhos

enquanto lançavam olhares rápidos para o pai e na maioria das vezes

sua esposa mantinha a cabeça abaixada e o olhar abatido.

No dia seguinte, Nick me observava, seu ódio tão claramente

esculpido em seu rosto, seus lábios pressionados em uma linha fina.

Peste pode ser o responsável por espalhar a peste, mas é claro a quem

Nick Jameson culpa.

Não vejo nada além desse ódio até o final da tarde. A esposa de

Nick — Amélia, acho que esse é o seu nome — me encontra do lado

de fora, parada bem em frente à sua caixa de gelo, acariciando Trixie.

— Sara. — Ela chama, chegando mais perto.


Paro, minha mão descansando contra o impressionante casaco

branco de Trixie.

— Sim? — Meus olhos relutantemente caem sobre ela. O rosto

de Amélia está vermelho com os primeiros sinais de febre. Como o

resto da família, a praga já está afundando suas garras nela.

— Como você... como você conseguiu manter-se na companhia

do cavaleiro? — Ela pergunta, ficando ao meu lado.

Eu volto para Trixie, minha mão se movendo sobre o pescoço do

cavalo mais uma vez. — Tentei matá-lo. — Digo sem emoção. — Ele

não morre. — Acrescento, apenas no caso de Amélia ou Nick terem

ideias.

Amélia se aproxima mais. — Há quanto tempo foi isso? — Ela

pergunta.

— Semanas. — Parece que foi a vidas atrás.

— Como você ainda está viva? — Ela pergunta, quase surpresa.

Meus dedos cravam na juba de Trixie. — É o seu jeito de me

punir.
Depois de alguns segundos, ela diz: — Então você tentou matá-

lo?

Posso ouvir em sua voz, um plano se formando.

Viro completamente para enfrentar Amélia. Seus olhos estão

vermelhos e inchados, suas bochechas tão rosadas que parecem recém

esbofeteadas.

— Não funcionará. — Eu digo.

— O que não vai...

— Tentar que poupe você ou sua família. E se acha que ele a

salvará da morte como fez comigo, posso dizer que não o fará. Desde

que me pegou, matou todos os outros que tentaram acabar com sua

vida.

Seus olhos se fixam nos meus. — Por que a poupou?

Balanço a cabeça. — Não sei.

Quero dizer, ele continua dizendo que preciso sofrer, mas já faz

um tempo desde que realmente me fez sofrer.

— Então não há esperança? — Ela pressiona. — Não há como

ajudar minha família?


— Ele não conhece a misericórdia. — Digo a ela.

Mas realmente? Ele sente ódio, luxúria e ansiedade, talvez tenha

se sentido misericordioso uma vez ou duas...

Amélia esfrega os olhos. — Não posso ver meus filhos morrerem.

— Diz ela. — Você não entende? Eu lhes dei a vida. Eu os carreguei

dentro de mim, depois nos meus braços. Todos esses anos os protegi,

então, se há uma maneira de salvá-los, de qualquer forma, por favor,

me diga.

O pesar mais uma vez me tem em suas garras. Pergunto quando

superarei isso; quando estiver insensível a toda a dor e sofrimento ao

meu redor.

Seus olhos voltam aos meus. — Houve algo que você fez, um

acordo...?

Engulo. Acho que sei onde ela está chegando.

— Amélia, se houvesse algo que pudesse fazer, eu faria. — E se

entregar o meu corpo ao cavaleiro pagasse pela vida, ficaria feliz em

fazê-lo. Mas não adianta.

Uma lágrima escapa do canto do olho dela.


Eu a seguro pelo braço. — Você precisa entrar...

— O que isso importa? — Ela diz, frustração agora cobrindo suas

palavras.

Ela tem razão, embora não me importe em dizer isso. Escolto-a

de volta para o quarto dela.

— Descanse. — Digo a ela, parando na porta. Nick está longe de

ser visto. — Pegarei água para você e seus meninos.

A casa está estranhamente silenciosa enquanto ando de volta até

a cozinha. E se não soubesse melhor, diria que sou a única dentro da

casa. Apenas quando passo por um dos quartos dos filhos que ouço

um choro masculino e rouco atrás da porta fechada. Eu sei, sem olhar

para dentro, que é Nick, quebrado por sua dor.

Pouco depois de entrar na cozinha, ouço a porta da frente abrir

e depois os passos pesados de Peste, vestido com toda sua armadura.

Meu coração idiota acelera com o som. Essa queimação lenta que sinto

pelo cavaleiro é agonia. Agonia primitiva e crua.

Enquanto pego os copos do armário, Peste vem por trás de mim.

Afastando meu cabelo, ele coloca um beijo carinhoso na parte de trás

do meu pescoço, seus lábios demorando.


Esqueço tudo por um minuto. Um longo minuto.

— Você o deixa tocá-la?

Assusto, quase derrubando os copos de vidro ao som da voz de

Nick. Viro, olhando além do cavaleiro.

Nick está do outro lado da cozinha, com os olhos brilhantes com

o início da febre. Há tal desgosto em sua expressão.

E de má vontade, meu olhar vai para Peste, que por uma vez não

tem sua expressão habitual e estoica. O cavaleiro parece vulnerável e

inocente, até um pouco inseguro.

Ele encontra meus olhos e vejo que acha que fez algo errado.

Isso me atinge.

Toco seu rosto.

Tudo bem, quero dizer a ele.

— Inacreditável.

Agora meus olhos voltam para Nick. Ele pode estar doente e

fraco, mas está lúcido o suficiente e há muita aversão em seus olhos.


— Apenas pensei, que você talvez estivesse fodendo a aberração.

— Ele diz. — O que é ruim o suficiente.

Peste entra na minha frente. — Você está por um fio, Nick. —

Diz ele, cortando o homem. — Espero que não tenha esquecido o que

disse anteriormente.

Nick me dá um olhar que me deixa saber que este assunto está

longe de ser resolvido, então ele volta pelo corredor.

Respiro fundo. Tenho que voltar lá para levar água para sua

esposa e filhos, o que significa que terei que interagir com o homem

novamente.

— Toda vez que você estremece minha crença na maldade

humana, um homem assim invariavelmente me lembra por que devo

eliminar a sua espécie. — Diz o cavaleiro.

Eu tenho várias objeções contra isso, mas não dou voz a

nenhuma delas.

— Devemos ir, Peste. — Digo em seu lugar. — Nós não

pertencemos aqui.

Não você não pertence aqui, mas nós.


— Não, Sara. Ficaremos até que tudo esteja terminado.

Ele quer que você sofra, mesmo agora, depois que cuidou dele, abraçou-

o, beijou-o.

— Então é assim que será? — Pergunto.

— Você é minha prisioneira.

Que idiota é, Burns, cuidar de alguém que tem tão pouca consideração

por você.

O que sinto por este homem é agonia. Terrível e esmagadora

agonia.

Viro para enfrentar Peste. — Bem, se é assim que as coisas são,

então mantenha suas mãos e sua boca longe.

Peste é o inimigo. Nunca posso esquecer disso.


Duas noites mais tarde, uma mão quente e ardente pressiona

minha boca, despertando-me do sono.

— Nem uma palavra. — A voz rouca ordena.

Eu pisco meus olhos grogues abertos.

O que está acontecendo?

Olho para a escuridão, meio que esperando para ver as feições

marcantes de Peste. Mas é outro homem que olha para mim, com o

rosto mais grosso, mais carnudo e francamente, mais feio que do

cavaleiro.

Sinto a fria mordida de metal sob meu queixo.

— Levante-se. —Nick exige, sua voz abafada.

Minha mente está furiosamente tentando acompanhar o que

acontece. Arma de fogo. Nick. Acordando-me no meio da noite.

Afastando o cobertor de lã, saio cuidadosamente do futon.

Ele me empurra para frente, atravessando a sala em direção a

porta que leva ao seu quintal. — Saia em silêncio.


O medo toca meus ossos, mas a emoção é muito fraca. Vivi

muitos incêndios para ter medo da morte. A única coisa que me faz

avançar em direção à porta da frente é a preocupação ridícula de que

os filhos ou a esposa de Nick possam se envolver no caso ou serem

testemunhas disso.

Atrás de mim, em uma das salas ouço de longe, uma tosse úmida

e cortante.

Eles têm preocupações suficientes como estão.

Deixo Nick me levar para fora, meus pés descalços ficando

dormentes enquanto ando sobre a neve fresca. Mais flocos caem,

beijando meu rosto e enrolando no meu cabelo.

À minha frente, não há cerca separando o quintal de Nick da

floresta densa. Posso apenas ver a geladeira e a área onde Trixie

estava preso anteriormente. O cavalo se foi, presumivelmente com

seu cavaleiro — que não vejo desde o jantar.

Nick me empurra para frente com o cano de sua arma. —

Continue caminhando.
E se hoje à noite acontecer de acordo com os planos desse

homem, já sei como acabará. Nick e eu daremos um passeio na

floresta e apenas um de nós voltará.

Não deixarei isso acontecer.

— Onde está Peste? — Pergunto.

— Você quer dizer seu namorado? — Ele pergunta, sua voz cheia

de malícia. Nada, nem ninguém no mundo pode tirar o ódio feio

desse homem.

— Ele não é meu namorado.

Apenas preciso esperar até chegarmos à floresta. É difícil atirar

em alguém quando há uma árvore no caminho.

— Não? —Nick pergunta, fingindo surpresa. — Então você está

apenas se prostituindo em troca de algo?

A família desse homem está à beira da morte e ele está

preocupado com minha vida sexual?

— Sabe, não o culpo tanto. — Nick continua atrás de mim. —

Quem não gostaria de comê-la se tivessem a chance? Mas você. — Ele


diz acusadoramente. — Você foi quem virou as costas para sua

própria raça quando você começou a transar com aquele monstro.

Eu nem me incomodo em dizer a ele que não estou transando com

esse monstro. A verdade não me salvará.

— O que você espera conseguir me matando? — Pergunto,

passando pelos primeiros galhos das árvores que cercam a

propriedade. Eu mal posso sentir meus pés neste momento.

Preciso fazer um movimento e logo.

— Vingança pela minha família.

Eu levanto as sobrancelhas, mesmo que ele não possa ver a ação.

Eu sei que o cavaleiro gosta de me beijar, mas duvido que minha

morte o incomodasse tanto assim.

— Peste não se importará. — Digo. — Você apenas me matará

por matar.

Nick chuta minhas costas com sua bota, me fazendo cair na neve.

Seja qual for a chance que tive de escapar, agora foi embora.

Meus pés estão muito frios, meu corpo está muito inclinado. Eu

desperdicei o tempo conversando com esse homem furioso.


— Que diferença faz mais uma morte? — Ele pergunta, olhando

para mim. — Todos morreremos aqui de qualquer maneira. Ficarei

feliz em livrar o mundo de uma prostituta traidora.

Até agora, os cavaleiros, a peste, a paralização dos eletrônicos,

nada disso parecia verdadeiramente apocalíptico. Nem mesmo ver as

cidades vazias pela qual Peste e eu passamos, com seus ocupantes

escondidos.

É neste momento, deitada na neve, uma arma nas minhas costas,

que realmente começa a fazer sentido. Este é verdadeiramente o Fim

dos Dias. Porque mesmo com todas as dificuldades, no mundo em que

cresci, não nos voltamos uns contra os outros. Não assim.

Eu viro e olho para o rifle.

Nick puxa o ferrolho para trás, colocando uma bala no lugar.

Merda, ele realmente fará isso.

Há mortes piores do que ferimentos a bala, penso, olhando para o

cano.

— Coloque a arma no chão. — A voz estoica vem da floresta

atrás de mim.
Nick e eu olhamos por cima do meu ombro.

Ali de pé sobre o luar, parecendo muito com uma divindade,

Peste mantém seu arco pronto, sua coroa brilhando na luz fraca.

Nick reajusta seu aperto na arma. — Salve minha família e a

deixo viva.

— Não negocio com mortais. — Peste dá um passo à frente, sem

hesitar um segundo.

— Fique para trás! — Nick alerta. — E se quiser a manter viva,

fique onde está, cavaleiro!

Está tudo errado, como uma corda solta desenrolando um pano.

— Garanto a você, não ficarei.

Respiro fundo. Apenas olhar para o comportamento frio do

cavaleiro me acalma.

— Vou matá-la! — Nick ameaça, sua raiva se transformando em

pânico enquanto seu momento de vingança desliza mais e mais de

seu alcance.

— Faça isso por sua própria conta e risco.


Meus olhos vão para Nick e vejo o momento em que ele decide

que me matar ainda é a melhor opção.

Não vejo o dedo dele puxar o gatilho. O ar se agita no meu

ouvido, então

Thump! Boom!

Meu corpo inteiro se sacode com o som.

Querido Deus.

Minha mão se move para o peito. Mas não sinto a dor que espero

sentir. Apenas depois de respirar várias vezes que percebo que não

fui atingida.

Thump. Thump-thump-thump.

Mais rápido do que posso reagir, o corpo de Nick parece dançar

enquanto está cheio de flechas. Ele resmunga, soltando a arma e

caindo de joelhos. Seus dedos vão para o peito, onde as flechas se

projetam.

Olho por cima do meu ombro para Peste, que está caminhando

em nossa direção, seu rosto cheio de determinação sombria. — Ela

não é sua para matar. — Diz ele.


Virando ao redor, rastejo até Nick e empurro o rifle de seu

alcance. Meus olhos se movem sobre seus ferimentos e meu

treinamento de paramédico entra em ação. Não importa que tenha

um sério ódio por Nick; começo a avaliar seus ferimentos do mesmo

jeito.

— Não... me toque... prostituta de Peste. — Nick diz entre

respirações ofegantes. — Você não é nada além... de uma maldita...

prostituta.

Ouço a tensão da madeira e quando olho para cima, Peste tem

outra flecha apontada para Nick. — Deixei suas palavras venenosas

passarem pela primeira vez. — O cavaleiro diz. — Mas não darei uma

segunda chance.

Nick solta um suspiro, o som molhado. — Você e eu… ambos

sabemos… é verdade. Quantas vezes... ela teve... que chupar seu...

pau antes...

A flecha acerta-o no ombro com um baque sólido. Ele solta um

grito distorcido.

— Teste-me novamente, humano.


— Faça isso. — Nick estimula. — Será... mais rápida... morte do

que... o que você... deu à minha família.

— Não. — Digo ao cavaleiro. Ele impediu Nick de atirar em

mim. Não é mais uma ameaça.

Peste caminha até o homem e o olha, a flecha ainda apontada. —

E se lhe concedo alguma misericórdia. — Diz ele. — É graças a Sara.

E se lhe concedo alguma misericórdia, é graças a Sara.

Apenas alguns dias atrás disse a Amélia que o cavaleiro era

incapaz disso.

Você o está transformando assim como ele a está transformando.

Nick deve desejar a morte porque ele diz: — Foda-se você e essa

buceta.

A flecha final rasga a garganta de Nick e agora ele está sufocando

em suas palavras, se afogando nelas.

— Humano vil. — Peste diz, pairando sobre o moribundo. —

Você poderia ter passado seu último suspiro implorando por sua

família, mas vejo apenas ódio em seu coração.


Não consigo ouvir o que Nick diz, mas duvido que o que disse

ao cavaleiro fosse particularmente gentil. Demora menos de um

minuto para Nick sangrar e ele deixa o mundo com um brilho nos

olhos.

Meus ombros caem de exaustão.

Peste joga seu arco por cima do ombro e se ajoelha ao meu lado,

suas mãos deslizando sobre o meu corpo. — Você está ferida? —

Pergunta ele, preocupado.

Balanço minha cabeça, fico de pé. — Estou bem.

O cavaleiro me pega pelo braço. — Estava errado, Sara, essa casa

amaldiçoada não é lugar para minha ira. Vamos. — Ele me leva a

Trixie.

Olho o cavalo, depois olho para meus pés gelados. — Hum,

preciso de sapatos... meu casaco e um sutiã. E qualquer outra coisa.

Peste me observa, do meu pijama emprestado até os dedos dos

pés. Juro que posso vê-lo juntando o que aconteceu, como fui puxada

da cama e levada para floresta para uma execução à meia-noite.

Será que percebe que Nick queria me matar para machucá-lo?

Será que entende os motivos humanos bem o suficiente para juntar as


peças? E se Nick tivesse sucesso, o cavaleiro teria se importado que

morresse?

Sem outra palavra, Peste me carrega.

Grito quando balanço em seus braços. — O que está fazendo?

— Ajudando você. — Diz ele, levando-me de volta para casa.

Coloca-me no chão da sala, onde o fogo nada mais é do que algumas

brasas morrendo. Ajoelhando-se na minha frente, pega meus pés e

um a um, os esfrega aquecendo-os.

— Por que você está fazendo isso? — Pergunto, observando-o

com cuidado.

Ele balança a cabeça, mas não me responde.

Quando estou quente novamente, pego minhas roupas e as visto.

Todo o tempo, a casa está totalmente silenciosa.

Nós partimos logo depois disso. E mesmo que seja no meio da

noite e a neve esteja caindo mais forte, estou tão aliviada — por estar

viva, por sair daquela casa, por sentir Peste nas minhas costas, seu

braço me segurando com força.


Mal chegamos à estrada quando Peste puxa as rédeas, deixando

Trixie pastar.

Olho ao redor em confusão. — O que vamos...?

Peste inclina minha mandíbula e então sua boca toma a minha,

seu outro braço me esmagando contra ele. É o beijo de um homem

desesperado. Como se estivesse tentando me inalar para si mesmo.

Seja qual for sua falta de jeito inicial com o beijo, foi substituída por

essa ferocidade.

Ele finalmente se afasta, seus lábios inchados.

Os olhos azuis de Peste estão luminosos. — Você esteve... muito

perto da morte para o meu gosto.

É como se apenas agora estivesse realmente processando. E bem

aqui está a resposta à minha pergunta anterior — minha morte teria

afetado o cavaleiro.

Discretamente, aperto a mão no meu coração. Quero lhe dizer

algo. Estou surpresa.

Ele lança seu olhar para o horizonte escuro e estala a língua,

assim retomamos nosso avanço mais uma vez.


— Quanto tempo você planeja me manter cativa? — É uma

pergunta quase hilária, considerando o quão confusos nossos papéis

se tornaram.

Peste fica em silêncio.

Olho para cima, apenas para vê-lo olhando para mim, seus olhos

profundos.

— Até que minha tarefa esteja completa, você e eu ficaremos

juntos. — Diz ele.

Até que sua tarefa esteja completa. Essa é uma afirmação tão

simples, mas abrange uma tarefa vasta e quase inimaginável à nossa

frente. Viajar o mundo inteiro a cavalo, vendo milhões caírem por

causa da praga. Quantos meses demoraria? Quantas pessoas teriam

que assistir morrer antes que minha mente rompesse? Quanto embate

com a morte teria que enfrentar?

Seria insuportável.

— Então, viajarei o mundo inteiro?

— Sim. — Ele parece satisfeito.

Morrerei.
Não pela mão de Peste talvez, mas haverá alguém em alguma

cidade que fará o que Nick não conseguiu.

Esse sempre foi o plano, Sara. Desde o momento em que você puxou o

palito de fósforo, sabia que era uma mulher morta andando. Não fique com

remorso agora.

Claro, minha existência continua me incomodando quase tanto

quanto a minha morte iminente.

Procuro seu rosto na escuridão. — E de todas as pessoas cujos

caminhos você cruzou, por que me escolheu?

Ele fica em silêncio por um longo tempo. Tanto tempo, na

verdade, que achei que não responderia. É quando estou prestes a

questioná-lo que responde.

— Senti a mão de Deus me mover para poupá-la. — Diz ele.

Surpresa me atinge. Imaginei que ele diria que era para fazer de

mim um exemplo. Mas isso...

Deus falou para me poupar. Eu não tenho ideia de como me sentir

sobre isso.
Ele franze a testa. — Pensei... vir a este mundo para medir a sua

ira, mas naquela noite e cada uma desde então, me pergunto...

Espero que termine a frase, mas desta vez o silêncio se estende

até perceber que é tudo o que estou recebendo. É muito mais do que

me deu no passado, então aceito.

— Como é Deus? — Pergunto.

— Este não é um assunto que possa discutir com os mortais.

Claro que não.

— Bem, então você pode ao menos me dizer como é? —

Pergunto.

— Como é? —A mão de Peste se move de modo que agora ele

está segurando meu braço, seu polegar esfregando círculos em minha

carne.

— Não sei — a morte. O Grande Além. — Estendo minha mão

para pegar a neve

— Seria mais fácil explicar a visão aos cegos. — Diz Peste. — Não

pode ser entendido apenas pela descrição; deve ser experimentado.


E de que adianta ter um cavaleiro se não responde a nenhuma

das perguntas divertidas?

Deixo cair a minha mão no colo. — Você pode pelo menos me

dizer se os seres humanos têm alma ou não?

— Claro que os humanos têm alma, Sara. — Posso ouvir a

diversão em sua voz. — Não estaria aqui se não tivessem.

A mão de Peste se move de volta ao seu ponto habitual —

pressionando contra meu estômago — e posso ver um anel que usa

em seu dedo indicador, uma pedra redonda e escura em seu centro.

Não á a primeira vez que percebo que há tanto para conhecer

sobre esse homem que sou completamente ignorante, apesar de beijá-

lo, dormir com ele, viver e andar com ele.

Sempre gentilmente, passo a mão sobre seu anel. Seus dedos se

flexionam ao toque.

— Conte-me sobre a sua vida. — Digo distraidamente, ainda

focada no anel e na mão que o usa.

— O que há para contar? — A voz de Peste ressoa atrás de mim.


— Não sei, conte-me uma lembrança. — Qualquer coisa para me

aproximar dele, então e não seria apenas um cavaleiro do outro

mundo.

— Minhas lembranças a perturbariam. — Ele diz secamente.

Ao contrário da minha realidade, onde as pessoas têm uma

morte dolorosa e atormentada?

— Ainda quero ouvi-las.

Ele respira fundo. Não sei como faz isso, mas consegue fazer algo

tão simples parecer tão relutante.

— O que você quer saber? Devo falar sobre as primeiras cidades

do homem? Lembro-me de ficar acordado, minha atenção se voltou a

suas tentativas de se elevar sobre outras criaturas. Os vi desviar a

água dos rios e plantar as primeiras colheitas. Os assisti construindo

casas rudimentares e domando feras selvagens. Admito, fiquei

impressionado com a visão do homem moldando a natureza em algo

agradável, algo que poderia usar.

— Então vieram as cidades, os reis e a lei. O mundo evoluiu mais

rapidamente à medida que o homem construiu, criou, inovou e

conquistou. Eu estava lá para tudo e estive aqui desde então.


— Estive em antigos bazares, andei pelos centros das cidades,

fiquei em castelos, becos e tudo mais. Fiquei em mil casas diferentes,

beijei a testa de incontáveis humanos e estive com cada um deles.

— Eu vim à terra e a toquei, o mundo conheceu o terror.

Jesus.

— Eu sou Peste e minha lembrança é mais longa que a história

registrada - é até mais longa que o homem. Vim antes dele e querida

Sara, sobreviverei ao seu fim.


Ainda está escuro quando Peste para Trixie na frente de outra

casa. Apenas está visão faz meu coração acelerar. Não quero enfrentar

outra família tão cedo.

O cavaleiro balança seu corcel. — Espere aqui. — Ordena.

Ele se dirige para a casa escura, abrindo o portão para o pátio

lateral antes de desaparecer de vista.

Esfrego o pescoço de Trixie enquanto espero pelo cavaleiro. O

que poderia estar fazendo agora?

Um minuto depois, a porta da frente se abre e Peste se aproxima.

— Ficaremos aqui esta noite. — Diz ele.

Desço de Trixie e cautelosamente o sigo para dentro da casa. É

apenas quando pego uma lufada de lixo que está acumulado faz

muito tempo que percebo que o lugar está vazio. Meus músculos

relaxam.

Vou até um interruptor e acendo. La em cima, a luz da entrada

se acende.

Eletricidade. Ponto marcado.


Efetivamente, começo a explorar a casa, acendendo as luzes aqui

e ali enquanto exploro. O lugar é um santuário de lixo, empilhado em

todos os lugares. Velhos frascos e revistas de remédios, livros de bolso

danificados pelo tempo e roupas comidas por traças — tudo isso está

amontoado em montes precários.

Aposto que quem morou aqui teve que praticamente ser retirado

de casa quando as ordens de evacuação terminaram. Ninguém passa

tanto tempo acumulando lixo para deixar tudo para trás.

Enrugo meu nariz com o cheiro pútrido no ar. Não é apenas lixo

velho, é também o cheiro de animais. Vou para cozinha, onde vejo

várias tigelas de alumínio, uma cheia de água e o restante vazio.

Mistério resolvido.

O proprietário tinha um cachorro ou três.

Peste que se encontrava ajoelhado em frente a lareira, levanta

tirando o pó das mãos, um fogo tomando forma atrás dele. Iluminado

pelas chamas, ele parece formidável e talvez um pouco sinistro.

Agarra seu arco e aljava de onde os deixou de lado e passa por mim.
— Durma, Sara. — Ele diz por cima do ombro. Seu tom é tão

brusco que, se não tivesse me beijado há pouco tempo, teria dito que

o irritei.

— Onde você está indo? — Pergunto, inquieta com a ideia de sua

saída.

Ele faz uma pausa, virando para me encarar. — Patrulhar a área.

— Diz ele. — Sempre há humanos que me caçam. Eles esperam nas

horas quietas para preparar suas armadilhas.

— É onde você estava antes, quando Nick...

O rosto de Peste escurece com a lembrança. — Infelizmente, esta

noite não percebi que o perigo estava bem na minha frente.

Acho que esse é o jeito estranho de se desculpar.

Mordo minha bochecha e aceno. — Bem... tenha cuidado. — As

palavras soam horrivelmente estranhas. Por que ainda quero que meu

sequestrador desumano e imortal seja cuidadoso? O que poderia

acontecer com ele?

Peste hesita, suas feições suavizando com as minhas palavras. —

Sou imortal, Sara. — Diz suavemente.


— Você ainda pode se machucar.

Realmente, de onde vem todo esse sentimentalismo?

O canto da boca dele se curva. — Juro que farei o meu melhor

para não me machucar. Agora descanse. Sei que você precisa disso.

Eu preciso. Meu corpo está pesado agora que a adrenalina

finalmente está deixando meu sistema.

Depois que Peste sai, olho em cada um dos quartos. Há duas

camas, ambas que posso usar, mas há algo sobre elas que é

intensamente desagradável. Talvez seja o cheiro forte de cachorro

vindo delas ou as pilhas de roupas velhas, pratos quebrados e bonecas

desgrenhadas que estão amontoadas ao redor. Particularmente não

quero dormir em nenhum desses quartos.

Pego alguns cobertores que encontro no sofá e me deito em

frente ao fogo.

Você pensaria que depois da noite que tive, ficaria acordada por

horas, repetindo aqueles minutos fatídicos na floresta atrás da casa de

Nick. Mas assim que me deito, apago.

Não sei quanto tempo durmo, apenas que sou acordada pelo

som de passos.
Aproximando para me matar. Ele vai matá-la.

Uma explosão de medo invade meu sistema e me esforço para

me sentar, forçando meus olhos a focar no barulho.

Peste vem até mim, uma toalha enrolada em sua cintura. —

Fique calma. — Diz ele, ajoelhando ao meu lado. Coloca uma mecha

do meu cabelo castanho atrás da minha orelha. — Sou apenas eu.

É apenas Peste, o único ser que o resto do mundo teme. E vê-lo

me traz uma quantidade embaraçosa de alívio.

Respiro fundo, gaguejando. — Foi um longo dia.

O cabelo molhado do cavaleiro goteja entre nós e as gotas de

água descem pelo seu peito. Sinto uma onda de calor com a visão de

sua pele nua. A luz do fogo acaricia cada curva e não pela primeira

vez, noto a perfeição de seu corpo. Suas maçãs do rosto altas e lábios

carnudos parecem ainda mais extremos enquanto as sombras dançam

ao longo deles. E depois há o resto dele, que é tudo tão distintamente

masculino, desde seus ombros esculpidos e poderosos até seus

grossos e cortados bíceps.

Meus olhos caem para seu peito, onde seus peitorais

arredondados fluem até seu abdômen ondulado. Mas é impossível


olhar para seu torso sem notar as marcas estranhas e brilhantes que

flamejam na escuridão, iluminando a pele ao redor.

Estendo a mão e passo os dedos sobre as letras que se curvam

sob a clavícula como um colar. Elas brilham com um fogo dourado,

sua forma estranha e bonita.

Sob meu toque, a pele de Peste salta. Ele se segura muito,

deixando-me explorar seu corpo.

— O que é isto? — Pergunto. É óbvio que há algo escrito, mas é

uma linguagem diferente de tudo que já vi.

Ele olha para mim com os olhos brilhantes. — Meu propósito,

escrito em minha carne.

O cavaleiro coloca uma mão sobre a minha, efetivamente

prendendo-a contra um dos símbolos. Dirigindo minha mão na sua,

me faz traçar a marcação.

— Isso significa divinamente ordenado. — Explica ele, liberando

seu aperto.

Levanto minhas sobrancelhas para ele antes que minha atenção

volte para seu peito. Movo minha mão sobre as tatuagens, parando

em uma que fica à esquerda do seu coração.


— E está? — Pergunto.

— Sopro de Deus.

Rastreio a palavra. Sob meu toque, a pele de Peste ondula.

— Que linguagem é esta? — Pergunto.

— Uma sagrada. — Seus olhos estão em mim, acompanhando

meus movimentos.

E se tivesse um pouco mais de coragem, minha mão desceria

mais, onde outro grupo de caracteres toca seus quadris, o mais baixo

dos símbolos descendo sob a toalha.

Mas infelizmente, minha coragem faltou.

— Você pode falar sobre isso? — Pergunto.

Sua mão pressiona a minha mais uma vez, segurando minha

palma contra seu coração. — Sara, está é minha língua nativa.

Olho para escrita maravilhosa. Sinto uma presença aqui neste

quarto escuro. Ele pressiona mais perto. Posso ver isso no olhar firme

do cavaleiro, posso senti-lo na batida de seu coração.

Meu olhar se eleva. — Diga alguma coisa para mim.


Seus olhos brilham. — Não posso. — Diz suavemente. — Falar a

língua sagrada é pressionar a vontade divina sobre o mundo.

Eu retiro minha mão, me afastando dele. — Não é isso que você

já está fazendo? — E de que outra forma deveria interpretar Peste

cavalgando pelo mundo e espalhando sua praga?

Ele se inclina para frente, parecendo feroz e selvagem quando se

aproxima. — O que é falado não pode ser ouvido. Não é para ouvidos

mortais. Mas… não me recusarei a compartilhar uma palavra ou duas

com você.

Esqueço de respirar enquanto sua respiração sopra contra

minhas bochechas, seus lábios — e o resto de seu corpo quase nu —

tão perto.

Quando acho que ele compartilhará uma dessas palavras

sagradas, ele diz: — Volte a dormir. Cuidarei de você.

Não quero dormir, não quando ainda sinto a pressão de sua pele

macia sob meus dedos, marcada com figuras estranhas e santas. Estou

insuportavelmente solitária, meu corpo doendo com a falta de um

parceiro e tudo mais, mas o parceiro que quero é ele. Eu o desejo.

Tudo dele. Em mim, ao meu redor, ao meu lado, enchendo minha

mente, meu corpo, minha vida — e isso é um monte de tipos


diferentes de merda, estou tão acima disso, me sentindo tão

dilacerada.

Peste se levanta, recuando para os recessos escuros da casa.

Quase o chamo de volta. Seria tão fácil persuadi-lo a ficar comigo,

remover a toalha e puxá-lo para baixo, sentir seu peso sobre mim.

Para minha vergonha, não é minha lealdade à humanidade que

me impede de chamá-lo de volta. É o medo profundo de que recuse

meus avanços.

Há um limite para coisas ruins que uma mulher pode aguentar

em um único dia.
A boa notícia: esta casa está abastecida com todos os alimentos

imagináveis para o homem. A má notícia: tudo aparentemente

expirou há sete anos.

É isso que conseguimos por ocupar a casa de um acumulador.

Pelo menos há café e creme em pó. Tomo avidamente meu copo

enquanto estou sentada na cozinha, o espaço cheio de pratos sujos e

mais alguns daqueles frascos de prescrição vazios.

Olho da janela para fora, observando o quintal com sua camada

fina de neve, aquecendo minhas mãos na caneca que estou segurando.

Meu olhar vai da janela para a pilha mais próxima de lixo.

Descansando no topo está um panfleto com um desenho de Peste.

Atenção! Peste está chegando!

As palavras estão estampadas em vermelho. Embaixo, em letras

menores, há um parágrafo detalhando seus movimentos e exortando

os moradores a evacuarem, de preferência por pelo menos uma

semana.
Viro a página e quase recuo. Olhando, vejo meu rosto. Não é

particularmente preciso, tem aquele mesmo aspecto que os retratos

falados da polícia. Meu rosto está mais largo, minhas bochechas mais

cheias e meu queixo pontudo, mas ainda sou eu.

Viajando com uma mulher misteriosa!

O parágrafo abaixo diz que, embora as evidências sugiram que

sou uma prisioneira de Peste, provavelmente estou trabalhando para

o cavaleiro, então devem manter distância.

Por último, a página tem um mapa da América do Norte, uma

linha vermelha traçada na costa leste antes de atravessar o Canadá e

terminando com a ponta da linha curvada para baixo, sugerindo que

o cavaleiro e eu estamos viajando pela Costa Oeste, o que parece

preciso o suficiente.

Atrás de mim, a porta se abre, me chamando a atenção. Empurro

o papel para longe.

Provavelmente trabalhando para o cavaleiro. O aviso se repete

novamente em minha mente e me sinto como uma vira-casaca.

Porque esse panfleto refletiu minha situação, não foi?


— Sara! — Peste chama, seus passos pesados vindo para

cozinha.

Ele sorri quando seus olhos pousam em mim, a expressão tão

estranha e maravilhosa que, mesmo no humor em que estou, meu

coração acelera com a visão.

— Sabia que a encontraria aqui. — Diz ele.

Dou-lhe um sorriso sem graça de volta.

Leva apenas alguns momentos para ver que estou com

problemas.

Seu sorriso desaparece. — O que há de errado?

Nós devemos ser inimigos, mas apesar de tudo, gosto de você. A, e o

resto da humanidade pensa isso também.

Balança a cabeça. — Apenas... cansada.

Ele vem até mim, vestido com todos seus apetrechos. Não há

nada como ver Peste vestido com suas roupas finas, fazendo uma

mulher se sentir como uma comida de estrada largada por três dias.

Ele se abaixa e observa meu rosto, pressiona o polegar bem

debaixo do meu olho.


— Você está ficando exausta. — Ele percebe.

Risque isso — comida de estrada por sete dias. Estamos falando

dos pedaços realmente fodidos de criaturas que permanecem coladas

ao asfalto muito depois de terem expirado.

— Todas as viagens me afetaram. — Admito.

O estresse, os longos dias presos na sela, meus ferimentos, o frio

implacável do inverno, as refeições não confiáveis — fiz o melhor que

pude para atravessar o caminho, mas é preciso apenas a observação

de Peste para minha consciência voltar.

Exaustão provavelmente não será o que vai me matar, eu me lembro.

Peste franze a testa. — Então você deve descansar. Ficaremos por

aqui por... — Ele olha para fora da janela, observando o fraco sol de

inverno. — Mais dois dias.

Não tenho coragem de lhe dizer que mais dois dias não farão

muita diferença. Que isso não fez muita diferença. Estamos parando

por dias a fio.

Nunca ficará mais fácil com Peste. Por mais que ele queira,

sempre será imune às coisas que podem me matar e assim sempre me

pressionará mais do que sou capaz de suportar.


Mas não digo nada. Em vez disso, aceno e dou outro sorriso

fraco.

Sua careta se aprofunda. — Não gosto do seu aspecto. — Diz ele,

olhando para meu rosto. — Seu rosto não mente. Você precisa de mais

tempo? Três dias? Quatro? Você terá, apenas remova esse olhar triste

e derrotado. Não posso suportar.

Não acho que alguém tenha me dito algo tão genuinamente

franco e gentil.

Por um capricho, o puxo para mim, abraçando o cavaleiro com

força. No começo, ele fica tenso em meus braços, mas enquanto os

segundos passam, hesitantemente envolve seus braços ao meu redor

e me sinto completamente envolvida por ele.

— Você é um bom homem, Peste. — Admito.

E aí reside meu problema. Ele não é um homem legal, não é um

homem pacífico, mas é um bom homem.

Fecho os olhos e o cheiro. Ele cheira a sabonete barato e sob isso,

a divindade (nem sabia que alguém podia literalmente cheirar divino,

mas aí está).
Seus lábios roçam minha orelha. — Você esquece, não sou um

homem, Sara.

Uma risada me escapa. — Bem. Você é um bom prenúncio do

apocalipse.

Ele me segura com mais força, sua bochecha roçando minha

têmpora. — E você é uma mulher compassiva. — Eu o sinto tocar uma

mecha do meu cabelo. — Muito compassiva, se for honesto. — Diz ele

em voz baixa.

Consolo-me pelo fato de que seja lá o que for que começo a

sentir, Peste está experimentando o mesmo. E nós podemos destruir

nossa moral, mas no mínimo, fazemos isso juntos.

Saímos da casa dois dias depois. Este é o tempo que suportei

ficar naquele lugar bagunçado. Não sou uma modelo de limpeza, mas

aquela casa... mesmo agora, a quilômetros de distância, minha pele

fica arrepiada ao pensar.

Sou puxada dos meus pensamentos quando vejo uma placa na

nossa frente. Depois que fugimos de Vancouver, viajamos através de

estradas secundárias e lugares fora do caminho batido, mas

inevitavelmente, Peste volta para as principais rodovias. E agora vejo

algo que perdi.


Seguro minha respiração.

Seattle 54km.

— O que foi? — Peste pergunta.

— Estamos na América.

Em algum lugar entre Peste ser atacado em Vancouver e minha

própria morte, alguns dias atrás, nem percebi que havíamos cruzado

o país.

— Ah, América. — Peste diz com desgosto, me arrastando de

volta para o presente. — Aqui eles são particularmente maus.

Uma onda ridícula de medo passa por mim. — Peste, precisamos

sair da estrada principal.

— Porque? — Ele pergunta, genuinamente curioso.

Ainda posso ver a destruição de sua cabeça, embalada no meu

colo. Não estou pronta para passar por isso novamente.

— Estamos chegando em uma grande cidade. — Digo. — Maior

que a última. — Havia dezenas de pessoas esperando por Peste em

Vancouver; quantos haveria em Seattle? — Vamos dar a volta.

— Eu não desviarei meu curso por causa de seres humanos.


Isso é a última coisa que ele diz sobre o assunto.

Meu medo aumenta à medida que nos aproximamos da

metrópole. Algo ruim acontecerá. Posso sentir como se pode sentir

uma tempestade chegando; o próprio ar está pesado.

Como Vancouver, o caminho para Seattle é gradual. Primeiro

passamos por uma sonolenta cidade satélite, que dá lugar a outra que

é um pouco mais densa. E depois outra. Uma onda de déjà vu me

invade enquanto passamos pelos mesmos tipos de comunidades que

fizemos em Vancouver.

O braço de Peste aperta minha cintura. Ele pode sentir isso

também? A promessa de violência enche o próprio ar.

Fecho minha jaqueta. Quanto mais ao sul, apenas piora.

Portland, São Francisco, Los Angeles… o pesadelo que encontramos

em Vancouver se repetirá uma e outra vez. E mesmo depois de

passarmos pela Costa Oeste, há outros países inteiros para atravessar.

As sombras da noite estão apenas começando a aparecer quando

Peste sai da estrada, levando Trixie a um bairro de casas de aparência

cansada que parecem ter pousado seus velhos ossos para um longo

descanso.
Peste vira Trixie para a calçada de uma casa escura, os cascos do

cavalo batendo contra o concreto rachado. A tinta verde pálida do

lugar parece desalinhada e desbotada.

Chegamos até a porta antes de Peste descer da montaria.

Agarrando a maçaneta, ele vira, quebrando e empurrando a porta

aberta.

Estou apenas descendo de Trixie Skills quando noto o brilho

nebuloso de uma lâmpada a óleo vindo de dentro, a chama descendo.

Reclinada no sofá ao lado está uma mulher velha, o cabelo branco

cortado rente a cabeça, os óculos no nariz. Ela nos olha sobre eles, o

livro em suas mãos completamente esquecido.

Nós paramos na casa da avó de alguém. Apenas quando penso

que estamos sem novos horrores, outro vem.

— Não temos nada de valor, garanto-lhe. — Diz ela, com uma

voz surpreendentemente firme para quem acha que a casa está sendo

invadida.

— Não estou aqui pelas suas coisas. — Diz Peste. — Estou aqui

pela sua hospitalidade.


A mulher estreita os olhos curiosamente para o cavaleiro.

Deixando seu livro de lado, ela se levanta. A idade a deixou macia e

gorda, mas há uma certa força silenciosa nela.

— Ruth. — Uma voz fina e rouca chama de outro cômodo da

casa. — Quem está na porta?

Ele perdeu a parte em que invadimos a casa deles?

O olhar de Ruth permanece em Peste por um longo tempo,

movendo-se de seu arco e aljava para sua coroa, antes de se fixar em

seu rosto. — Acho que é um dos Quatro Cavaleiros, querido. — Seus

olhos se voltam para mim. — E trouxe uma amiga.

— Mas o que...? — Sons de movimento vêm da sala dos fundos.

Qualquer que seja o choque que tenha ocorrido em Ruth

momentos atrás, agora se dissipa. Tudo de uma vez, ela começa a se

mover, apressando-se. — Bem, venha, vocês dois devem estar com

frio. Entre, entre e pelo amor do Bom Deus, feche a porta.

Peste olha com curiosidade para a maçaneta da porta, que está

pendurada em um ângulo engraçado. Empurro a porta atrás dele.

Ruth vem até mim e ajuda a remover meu casaco. Suas mãos

secas roçam as minhas. — Céus, menina! — Ela exclama, relaxando.


— Você ia morrer lá fora. Está tão fria quanto gelo. — Ruth mostra a

língua para Peste. — Que vergonha você deixá-la ficar com frio.

O cavaleiro olha para Ruth em estado de choque e tento não

sorrir. Está claro que nunca encontrou uma velha doce antes.

Apenas então, um homem idoso manca para fora de um

corredor ficando à esquerda. Ele para de forma cambaleante.

— Senhor Todo-Poderoso! — Ele coloca a mão sobre o coração.

— Você não estava brincando, Ruthie. — Diz ele, olhando para Peste.

Com cautela, ele se aproxima, seus olhos observando o cavaleiro.

— Você é real?

O queixo de Peste se ergue em um ângulo quase altivo, embora

sua expressão seja mais aguçada do que arrogante.

— Claro que sou. — Ele diz calmamente.

E do nada, o velho solta um grito rouco. — Bem, serei

amaldiçoado. Venha, sente-se. Mi casa es su casa. — Diz ele.

Esta tem que ser a situação mais estranha na qual já estive. E

considerando as últimas semanas da minha vida, isso é alguma coisa.


Nós dois seguimos o casal de idosos para sua cozinha, Peste com

muito mais relutância que eu. Ele olha para o casal com desconfiança,

sua mão se aproximando do arco. Claramente não sabe o que fazer

com essa hospitalidade. Verdade seja dita, nem eu.

Ruth vai até o fogão, aquecendo um bule de chá enquanto o

homem gesticula para uma mesa de madeira gasta. — Por favor, você

deve estar cansada. — E da janela ele olha para fora. — Mau tempo

para viajar.

Quase choro, me sentindo grata. Faz tempo, desde que outro ser

humano me tratou com qualquer tipo de genuíno cuidado. Quase

esqueci dessa atitude das pessoas

O velho caminha mancando até o outro lado da cozinha, onde

Ruth está pegando canecas.

— Sente-se, amor, deixe-me fazer isso. — Diz ele.

Ela ri. — Você é o único que precisa se sentar. — Diz ela. — Esse

joelho vai lhe dar problemas hoje à noite.

— Bah! Tudo me causa problemas ultimamente. — Ele olha para

mim e pisca, o gesto fazendo Peste nos olhar.


Ruth pega uma espátula e golpeia o marido, que agora está

tentando movê-la fisicamente. — Eu faço isso. Agora pare de me tocar

na frente de nossos hóspedes e vá sentar-se.

O homem resmunga, dizendo mais alto: — Eu irei.

Sua esposa lhe lança um olhar sério sobre o ombro enquanto ele

toma um assento em frente a nós.

O cavaleiro observa toda a troca com o maior fascínio.

— Sou Rob e está é Ruth. — O velho diz, sentando-se em sua

cadeira enquanto faz as apresentações.

Peste inclina a cabeça. — Eu sou Peste e está é Sara. — Diz,

apontando para mim.

— Peste. — Repete Rob, com os olhos brilhantes de admiração.

Lembrando-se, ele se vira em minha direção e acena. — E Sara. Prazer

em conhecer vocês dois.

Olho entre todos, quase tão abalada quanto o cavaleiro.

Chegamos a esperar um certo diálogo entre nós e nossos anfitriões,

este se desviou loucamente do roteiro.


— É verdade? — Peste pergunta, avaliando o homem. — É um

prazer nos conhecer?

— Bem, é claro que é! — Rob diz, batendo a palma da mão contra

a mesa para dar ênfase. — Com que frequência um dos Quatro

Cavaleiros chega à sua porta?

Ruth se embaralha com várias xícaras fumegantes de chá,

colocando-as na frente de cada um de nós.

— Obrigada. — Murmuro quando me entrega uma caneca.

Peste franze a testa para a própria bebida, as narinas dilatam-se

com o cheiro.

Rob dá um tapinha no lado de Ruth enquanto ela se senta ao seu

lado. — Obrigado pelo chá. — Seu olhar permanece sobre ela, é um

olhar bastante íntimo, que evito.

Empurrando sua bebida para longe, Peste se inclina para trás em

sua cadeira, sua expressão fixa em algum lugar entre perturbada e

esperançosa. — A maioria dos mortais não aceitam gentilmente a

minha presença.

— Parece que temo a morte? — Rob pergunta.


Os olhos do cavaleiro se estreitam astutamente.

— Estou velho, meu corpo está doendo e meu juízo quase

desapareceu. — Ele olha para Ruth. — Nossos filhos cresceram e nos

deixaram, agora seus filhos estão quase crescidos. E se o fim chegou,

bem, estou feliz em deixá-lo ao lado da minha esposa.

Uma ruga se fixa na testa de Peste. — Não é uma boa morte. —

Ele admite.

Não sei por que está se incomodando em parecer ruim. Essas

pessoas querem gostar dele.

— Muito melhor do que perder a cabeça, lembrança por

lembrança. — Diz Ruth. Ela estremece. — Foi assim que minha mãe

morreu. É horrível perder alguém, mas assistir a morte levá-los

lentamente até que não haja mais nada a não ser uma casca. — Ela

balança a cabeça. — Não, existem maneiras muito piores de ir além

da peste.

— Queremos ficar aqui por vários dias. — Diz Peste. — Sara

precisa de uma cama, comida e água.


Mais uma vez, Peste parece querer provocar o casal de idosos.

Seus esforços, no entanto, parecem ser em vão. Quando seus olhos se

movem para mim, suas expressões são gentis.

— Isso não será um problema. — Responde Rob. — Como disse,

mi casa es su casa.

Pego o perfil carrancudo de Peste quando isso me atinge.

Ninguém nunca gostou dele antes. Não até agora. Ele não confia em

Ruth ou Rob, por que deveria? As pessoas odeiam Peste, o propagador

da peste.

Pego a mão do cavaleiro, uma ação que atrai os olhos do casal

idoso para mim.

Ignorando-os, me inclino para Peste. — Posso falar com você

sozinha por um momento?

Seus olhos se movem para nossas mãos unidas, depois para o

meu rosto. Sem uma palavra, sua cadeira recua e se levanta.

Peste me segue de volta para entrada. Quando me viro para

encará-lo, ele fica perto, suas roupas roçando as minhas.

— O que é, Sara? — Ele pergunta, tocando uma mecha do meu

cabelo, como se não pudesse evitar.


— Essas pessoas não estão tentando enganá-lo, Peste. Estão

genuinamente excitados por você estar aqui. O que é uma loucura se

me perguntar, mas ei, ninguém perguntou, então...

— Como você sabe disso? — Pergunta ele, sem se importar em

negar o fato de que está cético.

Levanto meus braços desamparadamente. — Apenas sei.

Ele me observa, esfregando o queixo distraidamente enquanto

pensa sobre isso. Tento não pensar em como essa pequena ação é sexy.

Finalmente, concorda. — Bem. Eu tentarei... confiar nessas

pessoas porque você o faz.

Pego sua mão novamente e aperto. Estou prestes a deixá-lo ir

quando segura a minha mão.

— Sara. — Diz ele. Sua outra mão se junta à primeira; ele aperta

como se fosse um presente.

Um olhar para seus olhos me deixa tremendo. Seu olhar é muito

profundo, seu rosto sincero demais... o que quer que esteja prestes a

dizer, meu coração não está pronto para isso.


Puxo minha mão da sua e volto para cozinha, não esperando que

me siga.

Vários segundos depois de me sentar, ouço seus passos pesados.

Seus olhos estão focados em mim enquanto se senta. Posso sentir as

palavras que precisa me dizer, das quais fugi.

Seu olhar permanece em mim por um curto período de tempo,

mas logo seu corpo relaxa e ele coloca um braço sobre o meu encosto.

Juro que cada centímetro de meu corpo fica ciente desse braço.

O tempo todo, Ruth e Rob nos observam impassíveis. Faz

minhas palmas suarem, sabendo o que podem ver.

— Então, o que o traz a nossa casa? — Ruth pergunta

alegremente.

— Sara precisa descansar e se recuperar. — Diz Peste. Posso

sentir seu olhar em todos os lugares. — Os longos dias de viagem

cobram seu preço.

— Ah. — Diz Ruth, avaliando suas palavras e seu

comportamento. — E você? Precisará de uma cama?

Peste descansa em seu assento, suas grandes pernas esticadas. —

Eu sou Peste, o Conquistador, o primeiro dos Quatro Cavaleiros que


vieram reivindicar seu mundo. Sou eterno e minha tarefa, inabalável.

Não preciso de nada para me sustentar.

Ok, então.

Ruth levanta as sobrancelhas agradavelmente. — Bem, há uma

cama extra se você precisar. Agora... — Ela diz, ficando confortável

em sua cadeira. — Como vocês se conheceram? — Ela olha entre nós

enquanto toma um gole de sua bebida.

Ela é astuta, essa Ruth. Fingindo que não está mapeando meu

estranho relacionamento com Peste.

— Eu tentei matar o cavaleiro. — Digo.

Ruth abaixa o chá, a caneca batendo contra a mesa, claramente

chocada com a resposta.

— Atirei nele com a espingarda do meu avô. — Continuo. — E

depois coloquei fogo em seu corpo.

Ambos os nossos anfitriões ficam sem palavras.

Provavelmente não precisei entrar em muitos detalhes...

Acho que Peste não é o único a tentar sabotar a hospitalidade

deste casal.
— Ela é minha prisioneira. — Explica o cavaleiro.

Faço careta para minha caneca. A declaração soa decididamente

falsa para meus ouvidos.

— E se você não se importar, o que planeja fazer com ela? — Rob

faz a pergunta agradavelmente, mas posso dizer que está pronto para

expulsar Peste se a resposta for errada.

Aperto a caneca um pouco mais estreitamente. Não esperava

que estranhos se preocupassem comigo, especialmente aqueles

realmente ansiosos para receber um cavaleiro.

— Estou cuidando dela. — Diz Peste.

Mais uma vez, aquele olhar do cavaleiro. Meu estômago aperta e

tento dizer a mim mesma que é pavor, mas não consigo me enganar.

Você está antecipando o que está por vir, Burns.

Nem Ruth nem Rob se opõem à resposta de Peste, mas posso ver

que isso os incomoda. E se tivesse tentado matar um humano bem,

nós temos sistemas de justiça que lidam com esse tipo de crime. Mas

me punir, mantendo-me prisioneira... isso simplesmente não é aceito.


O cavaleiro empurra a cadeira para trás e levanta. — Preciso

cuidar do meu corcel. Divirtam-se na minha ausência.

Disse ele como se fosse o maldito rei do castelo e não o que o

gato arrastou.

Sem outra palavra, sai da casa. Na sua ausência, a cozinha fica

silenciosa.

Finalmente. — Você está bem, querida? — Pergunta Ruth.

Esfrego meu polegar sobre a borda da caneca. — Sim, estou. —

Olho para cima. — Quer dizer, é tudo relativo neste momento, mas

não estou morta, isso é mais do que pode ser dito de todos os outros.

— Minha voz se quebra. Não me escapa que estou sentada à mesa

com mais duas vítimas de Peste.

Ruth se inclina para frente para colocar uma das mãos sobre a

minha. Ela dá um aperto. — Você ficará bem. — Ela me tranquiliza.

Não sabia que precisava ouvir essas palavras até sentir meus

olhos picarem. Aceno para ela, tirando força do que disse.

É errado tomar sua gentileza e coragem quando ela é quem realmente

precisa.
— Sinto muito. — Sussurro com voz rouca. — Sobre... tudo. —

Estou me desculpando por mais do que apenas surgir nas vidas de

Rob e Ruth ao lado de Peste. Estou me desculpando por todas aquelas

famílias cujas vidas nós mudamos. Estou me desculpando por não

conseguir acabar com o cavaleiro, por agora gostar do monstro. Estou

me desculpando por cada coisa errada e fodida que aconteceu desde

que Deus decidiu que era hora de todos nós pagarmos o preço.

Rob acena com a mão. — Recebemos alertas de evacuação.

Sabíamos o que significava permanecer. — Diz ele, tentando me

absolver da culpa.

— O cavaleiro. — Ruth começa. — Ele não está... — Ela procura

as palavras certas. — Forçando você a fazer qualquer coisa contra sua

vontade, não é?

Estupro, ela quer dizer. Está preocupada que ele tenha me

violentado.

— Não, não. — Respondo depressa. Peste pode ser brutal, mas

também é galante, em sua maneira própria e estranha. Ele preferiria

cortar sua própria mão do que me levar contra a minha vontade. —

Ele realmente não pensa assim. — Admito. — Sua compreensão da


natureza humana é limitada ao que viu em suas viagens e do que

aprendeu comigo.

Mas isso é realmente verdadeiro? Há tanta coisa que ainda não

sei sobre ele.

— Bem, se você não se importa em falar sem rodeios. — Diz

Ruth. — O cavaleiro pode dizer que você é prisioneira dele, mas não

a trata como uma.

Minha respiração fica presa na garganta. Não quero ouvir as

próximas palavras dela.

— Ele a trata como... bem, como se estivesse interessado em você.

Meu estômago aperta desconfortavelmente. — Eu sei. — Digo

baixinho. Não tenho coragem de admitir que o interesse não é apenas

unilateral.

Apenas então, a porta da frente se abre e Peste entra. Seus olhos

encontram os meus imediatamente e há desejo neles.

Quando nós fomos de odiar um ao outro para isso?


Ele se senta ao meu lado, puxando a cadeira para perto da

minha. — Você está com fome? — Pergunta, toda a sua atenção focada

em mim.

— Estou bem.

— Não é uma resposta verdadeira. — Diz ele.

— É a única que você receberá. — Digo acidamente.

Claro, isso é tudo o que Ruth precisa ouvir antes de se afastar

para preparar um prato de nozes, frutas e queijo.

Rob se inclina para frente. — Quanto você pode nos contar sobre

suas origens? — Pergunta ele, mudando completamente de assunto.

A atenção de Peste se afasta de mim.

— Essa pergunta tem várias respostas. — Responde o cavaleiro.

Enquanto ele fala, retirando o arco.

— Você é uma entidade cristã? — Rob pressiona.

Deveria ter antecipado essa linha de questionamento ao ver a

cruz pendurada sobre a mesa da cozinha.

Peste coloca suas botas grandes sobre a mesa, cruzando os pés

nos tornozelos. Eu não tenho ideia se ele sabe que é falta de educação
fazê-lo, mas parece confortável. Ele descansa o braço sobre a minha

cadeira novamente.

— Cristãos, muçulmanos, judeus, budistas. — Todos estão

errados e estão certos. — Diz ele. — Não são os detalhes que são

importantes. É a mensagem geral.

Sinto os dedos do cavaleiro brincando com meu cabelo, a

sensação me fazendo querer inclinar para o toque (sou louca por um

cafune).

— Moralidade e não fé. — Continua ele. — É o que importa para

Deus.

Os olhos de Rob estão acesos de alegria. — Claro. — Diz ele. Ele

dá uma risada assustada, como se toda a conversa fosse

surpreendente e não me diga Burns, é. — Ah, nunca pensei que esse

dia chegaria. Sou o homem mais sortudo, estar sentado aqui com a

prova de sua existência. E quanto você sabe sobre a Bíblia?

— A Bíblia é uma obra do homem, não de Deus. Que uso tenho

de algo que é mais errado do que certo?


Fico tensa, esperando Ruth ou Rob se arrepiarem, mas eles não

reagem. Tenho certeza que Peste poderia peidar e eles achariam isso

encantador.

— E o que é certo? — Ruth pergunta, voltando com a bandeja de

comida, acomodando-se em sua cadeira.

— Que eu e meus irmãos viemos conquistar esta terra e a menos

que os humanos mudem, tudo será destruído, seu dia de julgamento

cairá rapidamente sobre vocês.

Ele poderia realmente amenizar o discurso, ao invés de apenas

jogar a merda no ventilador.

Rob se inclina para frente. — Como nós mudamos?

— Suas naturezas estão corrompidas. — Diz Peste. — Seus

corações são duros e suas mentes estão em um curso egoísta e

destrutivo. Mataram incontáveis criaturas, fizeram uma paródia da

natureza, viraram as costas um para o outro. A menos que seus

modos mudem, vocês serão eliminados.

Rob passa a mão pelo cabelo branco curto. — Essa é uma grande

tarefa para a nossa espécie. — Diz ele com tristeza.


— É por isso que a humanidade perecerá. — Peste diz isso com

tanta certeza que chego a sentir um arrepio no corpo inteiro.

Ele não acredita que somos capazes de mudar.

Rob se inclina para frente. — Mas há uma chance de ser evitado?

Peste hesita. — Sim. — Finalmente diz. — Há uma chance. Até

que a Morte tenha percorrido a terra e os considerados indignos, até

que o próprio Deus nos chame de volta, há uma chance.

Fiquei acordada por um longo tempo naquela noite, minha

mente demorou a relaxar. Mesmo assim, meu sono foi bastante leve.

O começo de uma risada ou uma palavra rouca do outro lado da casa

é suficiente para me acordar.

Peste fica acordado até tarde com o casal de idosos, conversando

sobre coisas que não consigo entender. Pedaços de conversas chegam

e é apenas o suficiente para descobrir que estão falando sobre Deus e

religião. Tenho a impressão de que o cavaleiro é muito mais

comunicativo com eles do que comigo. Surpreendentemente, sinto


ciúmes. Não quero falar com Peste sobre Deus, então não sei porque

isso me incomoda.

Quer que ele compartilhe seus pensamentos mais íntimos com você e

apenas você.

Pensar que está dizendo a esse casal coisas que não dirá na

minha frente... o ciúme e o aborrecimento me faz doer.

Você é sua prisioneira, algo que parece esquecer uma e outra vez.

Depois de um sono agitado, ouço as cadeiras se arrastando,

depois o som de passos suaves enquanto Ruth e Rob caminham para

os fundos de sua casa. Esforço-me para ouvir mais alguma coisa, cada

segundo passando por mim, mas não há nada.

Peste está sentado sozinho na escuridão?

Não é até algum tempo depois, quando o som de uma cadeira

deslizando para trás me acorda pela quinta milionésima vez, que

reconheço seus passos. Ele segue pelo corredor, em direção ao meu

quarto.

Meu coração começa a acelerar enquanto se aproxima.

Ele está vindo para mim?


O pensamento que uma vez me encheu de repulsa agora me

enche de excitação. Eu o ouço parando do lado de fora da minha

porta, o silêncio se estende sem parar.

O que está fazendo?

A maçaneta gira e ele entra. Mal posso vê-lo na escuridão. Ele é

apenas uma sombra maior entre as outras, sua forma cambaleando

enquanto preenche a porta.

Ele se move para direita da cama, sentando-se no chão e

apoiando as costas contra parede.

Não sei o que fazer — deveria estar dormindo, mas não estou e

isso parece uma grande mentira. Peste deve perceber que estou

acordada, certo? Tenho certeza que estou respirando muito alto ou

deitada muito quieta.

— A covardia está entre a minha lista crescente de falhas. — Diz

Peste na escuridão. — Venho a você agora como um ladrão na noite,

pois temo que nunca me ouça sob a luz do dia. — Sua voz é

sussurrada; — E confessarei todas as coisas que estão em meu

coração.
Okkkkk. Isso deve ser interessante. Agora estou completamente

acordada.

— Eu a acho linda, querida Sara, tão linda. Mas é uma beleza tão

afiada e mordaz, como a ponta das minhas flechas, porque lembro

que você não é como eu. Um dia você morrerá e estou ficando ansioso

com isso.

Tenho que me forçar a respirar e segurar o som desajeitado,

asfixiante que realmente quer escapar dos meus pulmões. Ninguém

nunca falou comigo assim.

— Admito. — Continua ele. — Não tenho ideia do que está

acontecendo comigo. Nunca na minha longa existência me senti

assim. Não até que cheguei e fui apresentado ao seu mundo, a forma

como posso me sentir. E antes de conhecê-la, até isso se limitava ao

ardor em meu estomago. Tudo o que queria era derrubar a civilização.

— Não foi até que a conheci, odiando o seu jeito, que entendi o

significado das palavras de Deus. Misericórdia. — Ele diz isso como se

fosse de suma importância. — E agora entendo porque ainda há

esperança para sua raça. Porque junto com o ruim, existe isso.

Ok, tenho certeza que esse homem não tem nenhuma pista de

que estou acordada.


— E não consigo descobrir o que é isso. — Continua ele. —

Apenas sinto quando a vejo e quando penso em você. Quando

andamos juntos e a abraço, sinto que tudo está certo. E quando você

ri, acho que posso morrer de verdade. Este é um tipo de prazer

agonizante e é sempre tão desconcertante. Não entendo como a dor e

o afeto podem coexistir lado a lado.

Ele suspira, inclinando a cabeça para olhar para o teto.

— Quando você me ignora, queimo com inquietação; parece que

o sol virou as costas para o mundo. E quando sorri para mim, quando

me olha como se pudesse ver minha alma, sinto... sinto que estou

pegando fogo, como se você fosse chamada por Deus para arrasar o

meu mundo.

Ele está me quebrando. Ninguém nunca falou comigo assim —

ninguém jamais pensou em mim dessa forma — e não tenho nenhuma

defesa contra isso.

Ele se levanta e caminha até a porta. Ele faz uma pausa. — Para

o bem ou para o mal. — Diz ele por cima do ombro. — Fui

indelevelmente mudado por você.

É apenas quando os passos de Peste desaparecem, que solto

aquele soluço abafado.


Já é ruim o bastante querer seu corpo. E se apenas fosse apenas

atração. Mas meu coração está cedendo às palavras do cavaleiro e

temo que, no final, possa ser apenas mais uma de suas conquistas.
Na manhã seguinte entro na cozinha, observando o prato frio de

ovos mexidos e presunto deixado na mesa ao lado de uma caneca

vazia, um saquinho de chá e uma garrafa térmica cheia de água

quente.

Meu dedo toca a borda da caneca enquanto olho para fora por

uma janela próxima. O sol já está alto no céu. Esfrego minha cabeça,

bagunçando meu cabelo castanho.

Dormi demais, tempo o suficiente para os nossos Anfitriões

moribundos me fazerem o café da manhã.

O som dos passos pesados de Peste faz meu corpo inteiro

estremecer. Não consigo decidir se devo gritar ou correr do local.

— Bom dia, Sara.

Eu me forço a virar e parecer normal, não como se tivesse

escutado coisas na noite passada que não deveria ter feito. — Hum,

dia.

O olhar do cavaleiro é profundo, seus olhos cheios de todas

aquelas coisas com as quais estava empolgando na noite passada.


Não aja como se você não tivesse guardado cada um desses

elogios para saborear mais tarde.

— Onde estão Rob e Ruth? — Eu pergunto, pegando a garrafa

térmica e me ocupando fazendo uma xícara de chá.

O rosto de Peste fica sombrio. — A praga começou a cobrar seu

preço.

Minha pele queima com a culpa e por um instante, sinto-me tão

doente quanto estavam. Estou tomando seu café da manhã e

dormindo em sua cama como uma inocente enquanto eles morrem da

praga que literalmente trouxe para porta deles.

O cavaleiro se aproxima, olhando para o chá que estou

macerando.

Quando você ri, acho que posso morrer de verdade.

— Eu percebo o sabor do álcool, mas não percebo o do café e

definitivamente não consigo perceber o sabor do chá. — Ele diz,

completamente inconsciente dos meus pensamentos.

Encolho os ombros.

— Tem gosto e cheiro acre.


— Você realmente provou? — Eu pergunto, levantando minhas

sobrancelhas enquanto levo a xícara para os meus lábios.

Ele faz uma careta. — Ontem à noite, depois que você foi dormir,

Ruth e Robin insistiram que eu provasse.

Eu sorrio. — Você os deixou o pressionarem a experimentar o

chá quando não consegui fazê-lo beber chocolate quente?

Que otária.

Peste olha para mim.

Eu tomo outro gole do chá para esconder meu sorriso. Apesar de

nossa conversa casual, a mão que segura a caneca treme.

Eu a acho linda, querida Sara, tão linda.

As suas palavras da noite passada me rodeiam; não consigo agir

naturalmente perto dele. Ugh. Estou arrasada.

Meus olhos vão para o café da manhã feito para mim. Entre a

doença de Ruth e Rob, a atenção de Peste, o pensamento de comer me

deixa enjoada.

Eu me sinto queimar, como se você fosse o chamado de Deus para

destruir o meu mundo.


Em um impulso, giro para ele e coloco um beijo em seus lábios.

As mãos de Peste se movem para minha cintura, ele me envolve

e o que pretendia ser um breve beijinho vira um longo e lânguido

beijo.

Por vários segundos cedo e me deixo ser consumida por isso.

Mas então, lembro de mim mesma.

Interrompo o beijo quando a vergonha me queima por dentro.

Será que algum dia desaparecerá ou terei que lidar com ela dia após

dia, cidade após cidade, até todos no mundo terem morrido e apenas

eu permaneça?

Ainda olhando para meus lábios, o cavaleiro dá um passo para

a frente, pronto para retomar o beijo.

Coloco uma mão em seu peito.

Ele olha para minha mão. — Suponho que você não quer mais

minha afeição quando a poucos minutos a procurou?

Digo-lhe a verdade?
— Peste, eu... — Não posso fazer isso aqui. Não quando um casal

está morrendo na sala ao lado e você é o responsável. Eu limpo minha

garganta. — Eu preciso cuidar de Rob e Ruth.

Os olhos do cavaleiro derivam na direção do quarto deles, seu

rosto estica com tensão. Sem outra palavra, ele sai da casa, o som da

porta fechando ecoando atrás dele depois que foi embora.


Desta vez quando cuido do casal de idosos, Peste decide me

ajudar. Ele é delicadamente ruim nisso e mais atrapalha que ajuda,

mas na realidade se importa o suficiente para tentar e isso é bom o

suficiente para mim.

Claro, não é apenas nisso que ele é ruim. Está taciturno e mal-

humorado enquanto ajuda o casal a sentar-se na cama, enquanto

come e bebem o pouco que podem. Seu temperamento aparece toda

vez que Rob lhe agradece ou Ruth carinhosamente lhe dá tapinhas na

mão.

E se não soubesse melhor, diria que o cavaleiro não gosta do que

sua praga está fazendo ao casal.

No fim do segundo dia, horas depois que Peste saiu de casa e

não retornou, perambulo no quarto de Ruth e Rob. Os dois estão na

cama, seus corpos voltados um para o outro. Suas mãos entrelaçadas

e seus olhos estão fechados. Pelo pouco que posso ver de sua pele e o

que posso cheirar, as feridas já estão se abrindo em seu corpo.

— Senhor, pedimos que você traga ao seu cavaleiro algum nível

de paz, pois ele está lutando contra sua natureza. — Diz Rob, com a
voz tensa e fraca. — E pedimos que dê força a Sara, a mulher que

colocou ao seu lado. Ela está mantendo o papel que lhe foi confiado e

está fazendo isso com graça, mas mesmo assim ela é profundamente

afetada por suas circunstâncias ...

Eu não posso ouvir isso. Como uma covarde, fujo do quarto. Sua

bondade já era demais, mas isso é algo completamente diferente.

Eu não posso fazer isso. Mesmo quando estão pedindo força para

Deus, estou quebrando, porque não posso fazer isso. Não desfrutar de

sua hospitalidade e vê-los morrer de forma horripilante enquanto

oram por mim e Peste.

Quero rir daquele último. Eles estão orando pelo único homem

imune à ira de Deus.

Será? É um pensamento tranquilo e fácil de afastar.

À distância, ouço a porta se abrir e depois os passos pesados do

cavaleiro. E de todos os momentos para Peste voltar, precisa ser

agora.

Ele entra no quarto de hóspedes silenciosamente, me

encontrando sentada na beirada da cama. Uma mão cobre meus olhos

enquanto meus ombros sacodem.


— Sara? — Ele diz hesitante.

Retiro minha mão dos olhos e olho para ela.

— Não deixe que eles morram. — Digo, minha voz rachando.

Não consigo olhar para ele.

Ele entra no quarto, fechando a porta. — O que foi? — Ele

pergunta.

— Eles são boas pessoas. — Digo, as palavras rasgando quando

elas saem. — Não merecem morrer desta maneira.

— A vida não é imparcial. — Diz Peste. — Eu pensei que você

dentre todas as pessoas soubesse disso.

— Droga, Peste, você me salvou! — Digo, meu temperamento

queimando. — Você pode salvá-los também!

Há uma longa pausa. Então. — Eu não o farei.

Forço a olhá-lo. Ignoro o olhar agonizante em seus olhos.

— Por favor.

Ele desvia o olhar. — Essa maldita palavra.


Esqueci o quanto ele a odeia, até aquele momento. Culpa e dor

se precipitam. Ele agora vai matá-los simplesmente porque eu disse

isso. Gostará disso também.

Mas pela primeira vez, isso não acontece. Talvez pela primeira

vez, ele parece sentir remorso.

Eu posso fisicamente vê-lo se recompondo.

— Não. — Ele diz, resoluto. — Não me peça isso novamente.

Levanto-me, meu desespero se transformando em algo mais

quente, mais mesquinho, enquanto olho para o sujeito insensível que

poderia curá-los de sua doença.

— Ou então o que? — Pergunto, me aproximando dele. Eu

empurro seu torso. — Você vai me amarrar novamente? Arrastar-me

atrás de seu cavalo até que esteja a um centímetro da morte?

Expondo-me aos elementos até ficar com hipotermia?

Ele estreita os olhos. — Todas ótimas sugestões.

— Por que me salvar, mas eles não?

— Eu tenho a intenção de fazê-la sofrer...


— Sofrer. Eu sei. Deus, eu sei. — Eu me afasto dele e mais uma

vez me sento cansada na cama.

Ele me olha por um longo momento, depois dá um passo à

frente. Eu tenciono, ele deve ter notado porque para. Então,

desafiadoramente, diminui a distância entre nós.

Peste se senta ao meu lado, seu corpo maior que o meu. Estou

prestes a levantar quando ele coloca um braço em meus ombros.

Deveria empurrá-lo para longe. Deveria estar gritando com ele

ou saindo do quarto. Deveria fazer uma centena de coisas diferentes.

Em vez disso, me inclino em seu abraço e enterro minha cabeça em

seu ombro. Meu corpo treme quando começo a chorar, soluçando

alto. Seu outro braço vem ao meu redor, me puxa para o seu colo, me

embalando contra seu peito enorme. Recebo um conforto perverso

dele, mesmo que seja o responsável pelo meu sofrimento.

Ele pressiona sua bochecha contra minha têmpora, segurando-

me tão firmemente que me pergunto se ele também está se

consolando no abraço.

— Não fique triste. — Ele diz, seus lábios roçando contra minha

pele.
Eu balanço a cabeça contra seu peito. O que ele pede é

impossível. No entanto, quanto mais me abraça, melhor eu me sinto.

Eu respiro ele. — Eu não serei capaz de sobreviver a isso. —

Sussurro meu maior medo para ele.

O corpo de Peste fica tenso.

— Você irá. — Ele insiste. — Porque deve.

Eu me afasto tempo suficiente para olhá-lo nos olhos. — Eu não

vou. — Digo novamente. — Morrerei antes que você termine com este

mundo.

E então Peste será o único a sofrer.


Você pode sentir o fim chegando, como uma onda se

aproximando. Ele se move sobre você, se sente em casa sob sua pele.

E se instala em seus pulmões, desliza em seu coração, logo se insere

em sua mente. Essa coisa terrível chamada morte passa de uma

eventualidade distante a uma certeza súbita.

À medida que a noite se vai, Ruth e Rob precisam de mais e mais

cuidados, em algum momento durante esse tempo sinto a Morte se

juntar à nossa pequena festa, parado nas sombras, esperando o

momento certo para coletar essas almas. O casal de idosos também

deve sentir isso porque, apesar de estarem fracos e com dores cada

vez maiores, conseguem se mover para os braços um do outro.

Peste olha para eles com curiosidade, como se nunca tivesse

visto nada assim antes.

Suas peles são velhas, seus ossos também, como seus corações.

Eles se amam há muito, muito tempo. No entanto, está claro que,

mesmo depois de todos os anos que passaram juntos, essa separação

é muito cedo.

Muito em breve.
Minha garganta fica entupida. Isso é... pessoal. Realmente, muito

pessoal. E comovente, não são para os meus olhos. Inclino minha

cabeça, logo saio do quarto.

O cavaleiro não me segue, preferindo ser um intruso. Cinco

minutos passam, depois dez.

O que ele estava fazendo ali?

Finalmente, quando parece que uma eternidade passou, abro a

porta novamente e olho. Peste está sentado ao lado da cama, sua

grande armadura na cadeira lateral. Ele observa o casal com um olhar

confuso no rosto.

Ugh, preciso lembrar que esse homem tem zero habilidades

sociais.

Entrando no quarto, pego sua mão e o puxo da cadeira e para

fora do quarto. Ele parece tão confuso com o que estava presenciando

que olha para o casal assustadoramente.

— O que foi isso, Sara? — Ele pergunta quando fecho a porta

atrás de nós.

— São as suas últimas horas. Tenho certeza de que querem

passá-las sozinhos.
Seu olhar volta para a porta fechada. — Como você sabe que eles

querem ficar... sozinhos?

Noto que ele achou estranho a minha escolha de palavras. Está

viajando sozinho por uma terra estrangeira por semanas a fio e nunca

fala com outra alma. Definitivamente, não está se unindo a outro ser

humano murmurando em voz baixa sobre coisas que apenas amantes

sabem.

Peste está olhando para mim, esperando pela minha resposta.

Como explicar isso? Nunca pensei que teria que explicar algo tão

óbvio para outra pessoa.

— Quero dizer que eles querem ficar sozinhos. — Digo. —

Querem compartilhar seus últimos momentos aproveitando a

companhia um do outro, não a nossa.

O cavaleiro ainda está me olhando sem muita confusão, então

elaboro melhor. — Apenas tem poucos minutos vivos. — Digo. —

Quando você encontra alguém que vale a pena passar esse tempo, não

quer compartilhar esses minutos com mais ninguém.

Particularmente, não seus últimos minutos.


Por um longo momento, Peste digere isso. Então, inclina a

cabeça. — Então os deixarei... sozinhos.

Olho de perto para ele. — Por que você estava os olhando?

Peste não gosta muito de ver pessoas morrerem, por toda a

morte que ele causa.

Hesita antes de dizer: — Eles estão apaixonados.

Agora sou eu quem não entende.

Quando Peste percebe, ele explica: — Esta é a primeira vez que

vejo humanos apaixonados. É... curioso, atraente, ver um lado da

natureza humana que antes estava escondido de mim.

Eu não sei o que fazer com isso. — Mas você testemunhou

milhares de anos da história humana. Deve ter visto o amor em algum

momento durante todo esse tempo. — Afinal, ele é o único que disse

ser imortal.

— Sim. — Diz ele lentamente. — Mas não assim.

Não como uma coisa viva, respirando, sentindo. E de alguma

forma isso faz toda a diferença.


Rob vai primeiro. É uma manhã fria e sombria, o dia de sua

morte.

O fraco choro de Ruth me acorda. Embora o som seja fraco, algo

atinge meu estômago e apenas sei que ele se foi. O grande amor de

sua vida se foi.

Corro para seu quarto, embora não haja motivo para tanta

pressa. Peste já está lá, a forma frágil e marcada de Rob embalada em

seus braços.

Os olhos tristes do cavaleiro encontram os meus e ele parece tão

desesperadamente perdido. Não consigo entender sua emoção, esse

cavaleiro que insistiu que deveriam morrer.

Passando por ele, me ajoelho ao lado de Ruth. Mesmo no meio

de sua febre, ela chora fracamente. Puxo uma cadeira para o lado de

sua cama e fico com ela, seguro sua mão na minha enquanto sua dor

percorre seu corpo.

Você pensaria que depois de uma vida juntos, Ruth ficaria

inconsolável, mas não tem uma hora que entrei em seu quarto, sua
tristeza passou como uma tempestade se movendo através de uma

cidade.

— Estarei com ele em breve. — Ela me diz. — É realmente uma

benção deixar esse mundo juntos. E viver em uma época em que sei,

sem sombra de dúvidas, que o verei novamente e tão cedo. Posso

fingir que ele simplesmente saiu de casa em uma missão.

Apenas que Rob não voltará.

Seus olhos ficam distantes e tristes. — Eu simplesmente não

consigo acreditar que acabou...

Nesse momento, Peste volta a entrar no quarto, sua presença

como a do ceifador. Mas talvez seja apenas eu, porque quando Ruth

o vê, ela tem um sorriso pronto para o cavaleiro.

Em vez de devolver o olhar, Peste olha para mim, sua testa

enrugando de preocupação enquanto franze a testa. Ele para bem

longe da cama.

— Não seja um estranho agora. — Ruth o repreende. —

Aproxima-se.
O cavaleiro se move na direção de Ruth como se ela fosse uma

cobra pronta para atacar. É quase ridículo ver o formidável Peste

cauteloso com uma Ruth suave e amorosa.

Ela dá um tapinha na cama ao seu lado. Estremeço com aquela

pequena ação. Sei o quão inacreditavelmente dolorosas as feridas são

com o movimento.

Delicadamente, Peste senta onde ela indica.

A velha estende a mão para ele e cobre sua bochecha. — Eu o

perdoo, querido.

Peste parece surpreso. — Por quê?

Mas ele sabe. Posso ver isso em seu rosto. Sabe exatamente do

que ela está perdoando e ele está encobrindo o fato de que está...

tremendo.

— Você não tem uma tarefa fácil pela frente. — Diz ela. — Seja

qual for a razão, o Senhor achou por bem fazê-lo sentir o que é ser

humano... a perda, o coração partido, tudo isso.

E de repente, Peste parece muito jovem.


Apenas agora vejo nele o que Ruth vê: ele é um de nós quando

se distancia. Não está isolado da nossa dor e tormento como gostaria

de acreditar. Precisa suportar isso como algum tipo de penitência.

Com esse único conhecimento, todo o eixo do meu mundo

muda.

Ele é tão vítima deste apocalipse quanto eu.

Peste nobre, galante, que deve assistir a todos nós morrem, quem

deve fazer a todos nós morrermos, embora a morte o incomode

grandemente. Não é de admirar que nos odeie tanto. Ele deve fazê-lo.

Caso contrário, estará assassinando milhares e milhares de pessoas

sem uma boa razão além do fato de ter sido instruído a fazê-lo.

— Você ficará bem. Anda em Sua luz. — Ruth diz como a pessoa

franca que ela é. Quer dizer, puta merda, esta mulher está no leito de

morte e confortando o homem que a colocou ali. E se isso não é

selvagem, eu não sei o que é.

As narinas de Peste se abrem, como se ele estivesse segurando

alguma emoção forte.

— Rob não está aqui para dizer. — Ruth continua. — Então direi

por ele: cuide da pequena dama com quem está, certo?


Ele olha para ela da mesma forma que fez na primeira noite,

como se nunca tivesse encontrado Ruth antes.

Lentamente, ele concorda. — Com a minha vida, juro.

Algo quente e desconfortável se espalha por mim.

Ela lhe dá outro de seus doces sorrisos. — Agora, seja bom, estou

com muita sede.

Ela não repete o pedido a Peste. Nós o olhamos sair, apenas

depois que ele fecha a porta que Ruth me chama.

— Aproxime-se, Sara.

Eu quase não vou. Agora é a minha vez de sentar na cama e ouvir

as últimas palavras de Ruth e acho que realmente não quero. Uma

parte infantil de mim acredita que, se evitar fazê-lo, ela viverá mais,

como se esta doença fosse um feitiço que pudesse ser quebrado.

Relutantemente, me sento no colchão e pego sua mão na minha.

Ela me olha de perto. — Querida você é jovem.

Agora que estamos sozinhas, ela parece mais fraca. Não importa

quantas mortes eu assista, sempre esqueço o quão rapidamente o fim

chega às vítimas da praga.


— Apenas do lado de fora. — Digo. Parece que vivi uma centena

de vidas diferentes, cada uma delas violenta e sangrenta. Acho que é

isso que a tristeza faz com você, rastreia sua alma rapidamente.

Ruth dá uma risada triste. — Isso não é verdade... — Seus olhos

se desviam antes de voltar para mim. Ela aperta minha mão, seu

aperto surpreendentemente forte. — O que você está fazendo... — Ela

começa.

Imediatamente, meu pulso acelera. Eu tenho uma sensação

horrível. Sei onde ela está indo com isso.

— É... bom. — Ela termina.

— Eu não sei do que você está falando. — Assim como Peste,

estou me escondendo da verdade nas palavras de Ruth. E assim como

Peste, fico abalada com o quão perceptiva ela é.

Ruth me dá um olhar malicioso. — Acho que você sabe.

Eu me contorço sob o olhar dela.

— Estive por aí tempo suficiente para ver os sinais. — Continua

ela.

Os sinais do que?
— Tudo bem se importar com ele, até mesmo amá-lo. — Diz

Ruth.

— Eu não o amo. — Digo com muito fervor. Minhas palavras

soam falsas até para os meus próprios ouvidos e não sei porque. Não

estou apaixonada por ele.

Ela dá um tapinha na minha mão. — Bem, no caso de acontecer,

deve saber que não é errado e definitivamente não é algo para se

sentir culpada.

Não é? Amar a coisa que está destruindo seu mundo? Isso parece

insípido na melhor das hipóteses, imperdoável na pior das hipóteses.

— O amor é o maior presente que podemos dar ou receber. —

Ruth continua, sem saber dos meus pensamentos turbulentos. — E eu

tenho um sentimento. — Ela diz baixinho. — Que o amor é a única

coisa que pode nos tirar dessa bagunça. — Seus olhos piscam. — Você

me entende?

Claro que a entendo. É o slogan que todo bandeirante religioso

tem soltado a plenos pulmões. Exceto quando Ruth diz isso, uma

mulher que não apenas expressa o sentimento, mas o viveu,

finalmente levo suas palavras um pouco a sério.


Ela acena para a porta. — Aquele menino lá fora. — Apenas Ruth

poderia chamar Peste de um menino. — Viu muita natureza humana,

a maior parte feia. Ele apenas agora está vendo a beleza disso e em

grande parte através de você.

Ela dá a minha mão outro aperto. — Mostre a ele como nós

brilhamos. Mostre a ele que a humanidade é digna de redenção.


Ruth expira menos de duas horas depois da nossa conversa. Ela

espera a morte quase ansiosamente, como se estivesse finalmente se

reunindo com um velho amigo.

Assim que ela morre, a casa parece fria e solitária, como se sua

alma se apagasse com a de seus donos.

Ao contrário das outras famílias com as quais ficamos, Peste não

permiti que os corpos de Rob e Ruth apodreça em sua própria casa.

Em vez disso, vejo-o no quintal deles, uma pá na mão, enquanto cava

um grande túmulo.

Ando até lá e o ajudo a mover seus corpos para o chão. Os

cabelos na parte de trás do meu pescoço fica eriçado, ao toca-los. A

morte é perversa. Agora, seja o que for que animava Ruth e Rob se foi,

constato que o pouco que sobrou deles é intolerável tocar.

— Está tudo bem, Sara. — Diz Peste, observando o meu

desconforto. — Vá para dentro. Eu terminarei de cuidar deles.

Meu olhar vai para os corpos, suas formas entrelaçadas. Eu

penso em como é apropriado que estejam enterrados nos braços um

do outro, mas esta visão me faz engolir a bile.


A mão de Peste aperta meu ombro. — Vá para dentro. — Ele

repete, mais gentil do que antes.

Agora eu sou a fraca, aquela que não consegue aguentar o que

vê, Peste é o forte e firme.

Eu faço o que ele diz e entro, vou tomar um banho no banheiro

principal de Rob e Ruth. O processo leva um tempo ridiculamente

longo, porque tenho que ferver a água para aquecer a banheira. Por

outro lado, a falta de eletricidade me dá uma desculpa para reunir

todas as velas e lâmpadas que posso encontrar e espalhá-las pelo

banheiro.

Suspiro quando finalmente entro, a água quase fervendo. Enchi

demais porque hoje quero um bom banho.

Bem no meio do meu banho, Peste retorna. Ele deve procurar

por mim, porque finalmente entra no banheiro principal.

Meu primeiro pensamento quando o vejo é que não é justo ele

ter boa aparência. Mesmo coberto de manchas de lama, é a coisa mais

bonita que já vi.

Seu olhar suaviza quando me vê. — Você está se sentindo

melhor?
Encolho os ombros e a ação atrai seus olhos para baixo. A

primeira vez que me viu nua, havia um distanciamento clínico em seu

olhar.

Definitivamente não é o caso agora. Quanto mais ele olha, mais

melancólica sua expressão se torna.

Foda-se.

— Você quer se juntar a mim? — Pergunto porque estou

aproveitando o momento.

Em vez de responder, ele começa a desabotoar sua armadura.

Tomo isso como um sim.

Isso, ainda, será a minha melhor ou minha pior — ideia.

Os olhos de Peste estão em mim quando tira a última peça de

suas roupas. Ele é perfeito, seu corpo escultural. E agora estou certa

de que sou eu quem está com a expressão melancólica.

Peste entra na banheira, a água escurecendo com a lama que o

envolve.
Achei que haveria muito espaço para nós dois, mas assim que o

cavaleiro se senta, percebo o quão grande ele é, mesmo dobrando-se

para me dar espaço.

Meu pé roça seu quadril e suas pernas me prendem no lugar.

Nossas peles se tocam e é muito perturbador. Ele passa a mão para

cima e para baixo na minha perna, lentamente me deixando em

chamas. Meu pé se agita no momento em que suas juntas roçam o

arco dele.

— O que você está pensando, querida Sara? — Ele finalmente

diz.

Que estou a um passo de agarrá-lo.

— Por que você os enterrou? — Pergunto, ao invés disso.

Peste pega minha perna, olhando-a enquanto a coloca em seu

colo. — Não vamos falar sobre coisas tristes agora. — Ele

deliberadamente passa o polegar sobre o arco do meu pé, sorrindo

um pouco quando minha perna estremece novamente em resposta.

— A maioria dos humanos tomam banho juntos? — Pergunta ele.

Apenas os estúpidos.

— Não.
Ele aperta meu pé. — Então por que você me convidou?

— Porque gosto de ficar perto de você. — Eu digo, minha voz

abafada.

Suas sobrancelhas arqueiam com minha afirmação. Acho que

ficamos surpresos com a minha honestidade.

— Você vai se arrepender disso amanhã?

— Provavelmente. — Respondo.

Seus olhos retornam para a minha perna. Por um longo minuto

ele passa a mão para cima e para baixo. Toda vez que seus dedos se

movem para o alto da minha coxa, fico tensa.

— Como um humano escolhe um companheiro? — Pergunta

Peste, do nada.

Rob e Ruth claramente ficaram sob sua pele.

— Bem, primeiro. — Eu digo. — Nós não os chamamos de

companheiros bem, normalmente não. Temos todos os tipos de

denominação para pessoas importantes: namorado, namorada,

marido, esposa, alma gêmea.


Seus olhos se estreitam de uma forma que sugere que está

levando minhas palavras muito a sério.

Todo o tempo sua mão se move para cima e para baixo na minha

perna. Para cima e para baixo. No sétimo movimento, meus mamilos

estão prontos para cortar vidro e meu núcleo está doendo.

Será que ele sabe quão selvagem seu toque está me deixando?

— Como se encontra um... outro significado?

Eu acaricio a água com a mão, qualquer coisa para me distrair

da atenção de Peste. Já é problemático para meus hormônios, mas

considerando o que estamos falando... bem, ele está me lembrando de

que estou muito sozinha e que esse homem não ficará por um longo

tempo.

— Eu não sei. — Digo. — Em qualquer lugar, acho. Realmente

não importa como, onde ou por que você encontra. É mais sobre como

eles o fazem se sentir.

— E como eles devem fazê-la se sentir?

O tom de sua voz aumenta meu arrepio e não posso deixar de

olhar para ele.


Um erro.

Seus olhos brilham de uma forma que decididamente não está

ajudando meu coração. Meus olhos continuam se movendo em seu

peito nu, seu corpo musculoso dolorosamente agradável de se olhar.

Foco, Burns.

— Hum... eles devem fazer você se sentir bem. — Passo as mãos

sobre a superfície da água. — Mas novamente, namorar alguém, ter

namorada ou namorado, não é o mesmo que Ruth e Rob tinham. Eles

eram almas gêmeas e até onde sei, as almas gêmeas trazem o melhor

umas para as outras. — Ao contrário de todos os meus exs, que

revelaram minhas piores características.

— Esses são aqueles com quem você gostaria de passar todos os

seus minutos. — Acrescenta Peste, conectando essa conversa à

anterior que tivemos. Ele está olhando para mim como se estivesse

tendo um momento de luz.

— Uh, sim. — Concordo. Não percebi o quão cuidadosamente

ele prestou atenção as minhas palavras. — Acho que quando

encontra, quer ficar todos os minutos que tem com ele.


— E como se sabe quando encontram... um ao outro? — Peste

investiga, seu olhar procurando o meu.

Dou a ele um olhar sem esperança. — Não faço a menor ideia.

Nunca conheci um homem que me fez sentir assim.

Mentirosa, uma parte traidora do meu cérebro sussurra. Esta

conversa está ficando perigosamente próxima das coisas que deixam

Sara Burns muito desconfortável.

Peste franze a testa com essa resposta.

Abruptamente reorganizo meu corpo, minha perna deslizando

para fora do aperto do cavaleiro. Na ação, o olhar do cavaleiro cai

para os meus seios expostos.

Ele parece totalmente paralisado pela visão deles.

Sabe, não é ruim, ser a primeira mulher que esse homem

encontrou. Meu corpo está cheio de falhas, mas ele olha para ele como

se fosse feito por uma mão-mestra.

O que aconteceria se retribuísse aquele olhar?

Está tudo bem se importar com ele, até mesmo amá-lo. As palavras de

Ruth ecoam pela minha cabeça.


Isso não é amor, mas é algo.

Agindo por impulso, movo meu corpo liso em suas coxas.

Não pense demais nisso.

Inclinando-me para frente, dou um beijo em seus lábios.

Suas mãos roçam meu peito, seus polegares roçando a parte de

baixo dos meus seios. Mas isso é o mais longe que vou. Eu engulo um

gemido impaciente. Mover-me para o colo dele deve ser prova

suficiente de que quero que as coisas progridam, mas Peste não pega

a dica e mesmo se o fizesse, não tenho certeza se o nobre cavaleiro

tomaria a iniciativa.

Terei que liderar isso.

Eu pego suas mãos e as coloco sobre meus seios.

Ele respira fundo. — Sara...

— Você pode me tocar. — Eu digo. — Gostaria que você me

tocasse.

Suas mãos permanecem imóveis.

Ok, se ele não fizer algo nos próximos segundos, ficarei

mortificada.
— Por favor. — Escapa, completamente por acidente.

Oh, filho da puta.

Peste solta um gemido.

— Eu não deveria. — Diz ele, com os olhos paralisados no meu

peito. — Não quando você arremessa essa palavra para mim e não

quando você oferece sua carne. Mas acho... eu não tenho força... para

resistir a este pedido.

Abençoe todos os santos em frangalhos, quase chego ao clímax

com a sensação de suas mãos enquanto tocam meus seios.

— Nunca imaginei que seria tão suave. — Ele murmura. Está

olhando para os meus seios como se tivesse treze anos de idade vendo

as revistas de seu pai pela primeira vez.

No que parece um capricho, se inclina para frente e leva um

mamilo à boca. Um suspiro chocado sai com a sensação. A ponta do

seu pênis roça em mim e parece uma pedra. Todos os tipos de

pensamentos ilícitos passam pela minha cabeça.

Como seria ter tudo isso pressionado contra mim? Estou quase

louca com a necessidade de descobrir. Nós dois estamos jogando um


jogo perigoso. Risque isso, eu estou jogando um jogo perigoso. Peste

provavelmente nem sabe que há um jogo sendo jogado.

Vá devagar, senão pelo seu bem, então pelo dele.

Suas mãos estão começando a descer quando me afasto,

voltando para minha extremidade da banheira. Sua expressão ainda

arde e ele parece estar se debatendo se deve continuar ou não.

— Nós não deveríamos fazer isso. — Digo, plenamente

consciente de que estou dando a esse homem sinais mistos. — Não

aqui, de qualquer maneira. — Acrescento, como se este lugar fosse de

alguma forma sacrossanto, quando a um minuto atrás pouco me

importava.

— Que cuidado têm os mortos? — Diz Peste. — Eles estão além

dessas coisas.

Bom ponto.

Ainda assim, não há pressa.

Pego a mão dele e pressiono seus dedos na minha bochecha.

Alguns dos desejos febris em seus olhos suavizam. Ele puxa minha

mão e me puxa para ele, mas ao invés de continuar o nosso pequeno

encontro, ele simplesmente me segura perto. E de alguma forma,


apesar do que estávamos fazendo segundos atrás, o abraço consegue

ser carinhoso, amoroso.

É difícil para ele também, eu lembro. Ainda tem esta tarefa, mas

entende o horror dela e agora, a perda.

No entanto, está me dando conforto. Eu me inclino para ele e o

deixo me abraçar. Ele embala minha cabeça, o sinto deixar um beijo

ao longo da linha do cabelo. Sequer sabia que era isso que queria o

tempo todo, mas é.

— Fique à vontade, Sara.

E a terrível verdade é que, em seus braços, eu estou.


No momento em que deixamos a casa de Ruth e Rob, há uma

quietude nos bairros vizinhos e um cheiro fraco no ar. Esta é a morte

se instalando para uma longa estadia. É enervante como a porra do

inferno.

Chove quando saímos — o que realmente não é tão

surpreendente, considerando que estamos viajando pelo noroeste do

Pacífico, o berço da tempestade.

Quando o cavaleiro e eu estamos sozinhos, podemos ignorar as

falhas um do outro. Ele pode ser meu arrojado e nobre cavaleiro, eu

posso ser sua estranha companheira, mas uma vez que estamos em

estrada aberta, onde é impossível ignorar os sinais do apocalipse,

ambos lembramos de como as coisas realmente são.

Pela milionésima vez, espero que meus pais estejam bem. Eu me

resignei com a realidade de que nunca mais os verei, mas agora,

depois de ver Ruth e Rob morrerem, estou mais consciente do que

nunca, de que minha mãe e meu pai poderiam ter o mesmo destino.

E essa possibilidade me aterroriza completamente, então escolho, em

vez disso, esperar que eles escapem ilesos da Febre.


Peste leva Trixie Skills num galope, forçando o incansável cavalo

a correr quilômetros a fio. É assim que entramos em Seattle — com

casas e postes de luz, estábulos recém-abandonados e vitrines há

muito mortas, tudo passando em forma de um borrão.

Aprecio a velocidade. A maior parte do meu foco está em

permanecer no cavalo, em vez de que tipo de boas-vindas

desagradáveis está nos esperando nas grandes cidades dos Estados

Unidos. No entanto, apesar da distração, não consigo enganar meu

corpo para relaxar. Meus músculos estão travados até o ponto de

doer, e meus membros tremem — tanto pelo frio terrível quanto pela

minha ansiedade crescente.

Quanto mais tempo nós dois andamos sem algo — qualquer coisa

— acontecer, mais apreensiva eu fico. Não há uma alma à vista.

Nenhuma alma assustada.

Não é até que os prédios baixos e os centros comerciais extintos,

dão lugar aos arranha-céus mais altos e decadentes, que percebo que

isso é incomum. Realmente, realmente incomum. Cidades evacuadas

são mais animadas do que isso, especialmente quando são tão

grandes. Você está fadado a encontrar alguém.

— Onde está todo mundo? — Eu pergunto.


Provavelmente esperando para emboscar sua bunda, Burns.

Nas minhas costas, Peste está quieto, quase contemplativo. Uma

onda de trepidação passa por mim. Alguma coisa mudou enquanto

nós dois ficamos na casa de Ruth e Rob? O Grande Homem jogou a

toalha e decidiu que nenhum de nós merecia ser resgatado?

E se isso fosse verdade, Einstein, você também estaria morta.

Por fim, vejo um homem com uma barba desgrenhada e cabelos

castanhos sujos encostado na parede de um arranha-céu. Sinto-me tão

estranhamente aliviada apenas de ver outro ser humano que levo um

minuto para perceber que algo ainda está muito errado. Existem

várias feridas abertas em seu rosto e ele olha indiferente para a rua.

— Pare o cavalo. — Estou surpresa com a veemência na minha

voz.

Peste puxa as rédeas e Trixie para. Pulando do cavalo, eu corro

para o homem.

Mesmo a vários metros de distância, ele cheira a podridão e

fluidos corporais, seus olhos não se movem da rua.

Morto. Essa é minha avaliação profissional.


Apenas quando coloco dois dedos no pescoço dele, o pulso dele

bate fraco.

Hesito.

Merda, ele está vivo.

Não por muito tempo.

Seus olhos febris se movem lentamente para os meus e seus

lábios rachados se movem. — Ajude-me.

Meu estômago aperta com seu apelo. Eu não tenho coragem de

dizer a ele que não há muito que possa fazer neste momento.

Em vez disso, volto para Trixie e pego alguns analgésicos que

roubei da casa de Ruth e Rob, junto com um cantil de água.

Quando volto ao homem, mostro-lhe as pílulas. — Elas não vão

curá-lo. — Explico. — Mas podem tirar um pouco da dor.

Ele abre a boca fracamente, cansado demais para sequer pegar o

remédio. Eu os coloco em sua língua, então seguro meu cantil para

sua boca. Atrás de mim, ouço o relincho impaciente de Trixie e sinto

o olhar ardente de Peste.


O homem toma alguns goles fracos, quase se engasgando no

processo. Estou prestes a ir quando ele aperta minha mão com força

surpreendente. Seus olhos febris estão presos aos meus.

— Eu o vejo. — Diz ele.

Minhas sobrancelhas se juntam. — Quem?

Não deveria entreter esse homem. A febre está provavelmente

fazendo com que ele tenha alucinações, seu estado desalinhado

sugere que ele pode não ter sido tão saudável antes que a peste o

atacasse.

— A Morte Alada. — Ele sussurra.

Eu tento não ficar assustada, mas minha pele arrepia de qualquer

maneira. Este é o quinto ano do cavaleiro. O sobrenatural existe.

A morte ainda dorme.

Dando a sua mão um aperto final, eu me afasto do homem e

volto para Peste. Ele ainda está em sua montaria, esperando com

solicitude por mim.


— Ele está vindo para mim! — O homem grita nas minhas costas.

— Ele virá para todos nós. — Suas palavras são cortadas quando um

ataque começa.

Meus olhos se encontram com Peste. — Você já esteve aqui. —

Eu digo.

A verdade está escrita em todo o homem que está morrendo.

O cavaleiro inclina a cabeça. — Eu montei até aqui algumas

noites atrás. — Ele admite. — Não queria uma repetição de

Vancouver.

Eu não sei como me sinto sobre isso. Grata, suponho. Eu sei que

ele fez mais para o meu benefício do que para o dele. Mas então, que

tipo de pessoa me faz sendo grato pela morte vinda cedo para essas

pessoas?

Atordoada, volto para o seu corcel.

Nós dois nos aprofundamos em Seattle, o silêncio sinistro da

cidade se instalando em meus ossos. Algumas folhas de papel se

espalham ao vento. Eu capto um vislumbre. Evacuar. Agora. Lê em

fonte vermelha grossa projetado.


O lugar me dá os arrepios. Você pode sentir a Morte aqui, sua

mão pressionada contra as paredes deste lugar, sua sombra

eclipsando o sol. Eu vejo vários outros indivíduos — alguns

encostados na parede como o último homem, outros desmoronaram

no meio da estrada, como se seus corpos pararam antes que eles

pudessem chegar onde precisavam ir. Já posso sentir o cheiro de

podridão no vento.

Para cada pessoa que encontro, eu faço Peste parar seu cavalo

para que possa dar-lhes ajuda, se estiverem vivos para recebê-la. A

maioria não está.

Batidas do casco de Trixie ecoam das laterais dos edifícios à

medida que avançamos pelas ruas abandonadas.

— Eu pensei que haveria mais... corpos. — Finalmente digo.

Talvez seja macabro, mas agora sabendo que Peste já fez o seu

caminho através de Seattle, continuo esperando ver os mortos em

todos os lugares. Centenas, talvez milhares, de pessoas dev34iam ter

ficado para trás numa cidade desse tamanho. Onde estão seus corpos?

— Os seres humanos preferem cantos tranquilos para morrer. —

Diz Peste.
Com suas palavras, minha pele fica arrepiada e meu olhar se

move para cima, os edifícios se elevando ao nosso redor.

Logicamente, eu sei que ninguém mora tão alto assim — os

elevadores estão todos parados — mas não posso deixar de me

perguntar quantos corpos estão presos nessas estruturas gigantescas,

corpos que apodrecerão, federão e infectarão os vivos. Quem sabe por

quanto tempo.

Peste aperta seu passo e estala sua língua. O trote constante de

Trixie se transforma em galope, as estruturas altas começam a se

confundir.

Até a rua onde outro corpo está bruços, mas desta vez, o

cavaleiro não mostra sinais de parar.

— Peste

— Chega, Sara. Você não pode ajudar a todos.

Obviamente, não posso. Eu já tentei e ele me trouxe aqui, na

companhia de um cavalo cheio de truques e de seu mestre trágico e

monstruoso.

Meu estômago revira quando passamos por uma mulher idosa.

Ela parece morta, eu me tranquilizo.


Mas nem todos parecem. Alguns gritam quando passamos,

implorando ajuda ou morte — o que eles preferem. Dói uma parte

profunda e fundamental de mim não fazer nada.

No final, porém, é exatamente isso que acontece. Deixamos a

cidade de Seattle, a terrível e gelada tempestade para trás, até que eles

não passem de uma sombria sombra nas nossas costas.


A próxima semana é uma série miserável de dias, enquanto nos

movemos para o sul de Seattle para Tacoma, para Olympia, o

interminável trecho da paisagem urbana me mantém no limite.

À noite, a maioria das casas onde Peste e eu nos escondemos

estão vazias, mas em um caso o recém falecido ainda estava deitado

em sua cama, seu corpo um terreno baldio de feridas.

Enquanto Peste e eu viajamos pelos intermináveis centros

urbanos e me deparo com mais pessoas mortas e moribundas

salpicando as ruas, fica claro que o cavaleiro tem o hábito de me

deixar depois que adormeço para correr adiante e espalhar sua

maldita praga. Ele não faz mais nenhuma menção a isso, mas não

precisa, a prova está bem na minha frente.

Não é até que Olympia está muito atrás de nós e os campos de

florestas substituem os edifícios em ruínas que sinto que posso

respirar novamente.

Naquela noite, o lugar em que nos acomodamos é obviamente a

casa de um solteiro. Há cartazes de equipes esportivas, mulheres


seminuas e marcas de cerveja em todo o lugar. Merda de antes da

chegada.

Muito bom gosto.

Peste observa tudo com uma mistura de curiosidade e repulsa.

Pelo menos o dono se tornou um filho da puta escasso. Ele pode

gostar que seus peitos se pareçam com dispositivos de flutuação, mas

o cara tem bastante senso prático para dar o fora da cidade antes que

o ceifeiro venha bater. Literalmente.

Depois que acendo as poucas velas e lâmpadas de óleo que

consigo encontrar, vou para cozinha. Infelizmente, o solteirão tem um

pote de beterraba (sério homem-beterraba? Beterraba?), algumas

sobras gordurosas em sua geladeira que vai certamente dar-me

intoxicação alimentar, molho de tabasco e cerveja. Muitas e muitas

cervejas. Moonshine, cervejas caras, cervejas engarrafadas e até

mesmo algumas artesanais e outras coisas.

Caramba, acho que sei o que comerei no jantar.

Enquanto procuro ao redor, Peste renuncia começar um fogo, em

vez disso, vai para a parte de trás da casa, onde uma enorme varanda
mostra uma visão das grossas sempre-vivas que contornam a

propriedade.

Eu fico de olho no cavaleiro enquanto pego as coisas da cozinha.

Ele não falou muito o dia todo. E de fato, se não soubesse melhor,

diria que Peste estava um pouco... melancólico.

É difícil ter pena da força que arruinou seu mundo, mas é

exatamente isso que sinto. Ele se senta na beirada da varanda,

deixando seus pés balançarem pelos trilhos. Não consigo ler suas

emoções com base nas costas largas dele, mas tenho a sensação de que

são tempestuosas.

Agarrando as coisas que peguei, eu saio. Um vento frio agita

meu cabelo, levando consigo o cheiro de pinheiro. Sento-me ao lado

de Peste e entrego-lhe uma cerveja, a tampa já fora. Foi um longo dia.

Cervejas são boas para esse tipo de coisa.

— Você não gosta de matar pessoas, não é? — Pergunto.

É um pensamento quase insondável, mas eu não sei, Peste

apenas parece... chateado.

Ele franze a testa para a linha das árvores. — Não é sobre o que

eu gosto.
É sobre a tarefa que ele foi enviado para completar.

— Você não precisa fazer isso. — Eu digo, muito, muito

suavemente.

— E o que você sabe sobre minhas escolhas? — Ele se vira para

mim, sua expressão tumultuada.

— Eu sei que você as tem. — Eu digo.

Todos nós as temos. Até eu tenho. É por isso que carrego essa

culpa, apesar do fato de que a situação foi imposta a mim. Porque eu

fui complacente quando não precisava ser.

— Eu tenho? — Peste diz desafiadoramente, como se eu não

tivesse merda de noção nenhuma de que escolha ele realmente tem

no assunto. Olha para a garrafa em suas mãos, como se apenas agora

percebesse que estava ali. — O que eu devo fazer com isso? — Ele

pergunta, levantando-a.

Eu levanto um ombro. — Beba, despeje, sopre uma melodia

maldita através de sua borda. Eu realmente não me importo. —

Respondo, levando minha própria cerveja aos meus lábios.

Parei de dar conselhos para Peste; apenas sai pela culatra de qualquer

maneira.
A raiva desaparece de sua expressão, deixando-o desolado. Ele

me observa com aqueles tristes olhos azuis antes de se virar para

frente novamente. Depois de um momento, ele leva a cerveja aos

lábios e toma um longo gole dela. Ele se encolhe com o gosto e toma

um outro ainda mais longo da garrafa.

Ele a abaixa. — Eu não posso deixar meus sentimentos ficarem

no caminho da minha tarefa.

Claro que ele não pode.

— Mas é muito gentil de sua parte se importar com meus

sentimentos, não importa seus motivos. — Acrescenta ele.

O som do vento assobiando pelas árvores preenche o silêncio

que se segue.

Esfrego meu polegar sobre o vidro da minha cerveja.

— Quem é você, realmente? — Eu pergunto, levantando o meu

olhar para o dele.

O cavaleiro está certo, eu me importo com seus sentimentos. Eu

me preocupo com ele e quero conhecê-lo, entender porque é que não

pode hesitar em seu propósito. Talvez então faça sentido para mim.

Talvez então pare de empurrá-lo.


As sobrancelhas de Peste se erguem. — Essa é uma pergunta

estranha, Sara.

Ele sempre diz meu nome com uma estranha inflexão e eu

sempre fico um pouco excitada com isso.

— Eu sou Peste. — Ele finalmente responde.

— Não, não é quem você é, isso é apenas... — Eu me esforço para

encontrar as palavras certas. — Sua tarefa.

Aqueles lábios cheios dele se curvam nos cantos. — Eu não

trabalho como você acha que faço. — Diz ele, suas feições

conturbadas. — Meu passado é uma série de impressões

completamente removidas desse corpo e experiência. E desde que

vim à terra nesta forma, bem, eu sou minha tarefa e o que sou — é a

soma total da minha existência.

Mas não é, não foi por quem sabe quanto tempo. Provavelmente

desde que o cavaleiro me pegou e começou a sentir o gosto pelas

mesmas coisas que está destruindo.

E isso me faz pensar: Peste é impermeável à ira de Deus? Desde

que Ruth trouxe o assunto, continuo voltando a essa questão. Quero

dizer, Peste está realizando a tarefa do Grande Cara, deveria estar, no


entanto... seus feitos estão pesando sobre ele. Posso ver isso agora mais

do que nunca. Há incerteza ali, como se ele não tivesse mais certeza

se o que está fazendo é o certo. Mesmo que Deus tenha decretado isso

e mesmo que tenha sido marcado em sua pele, Peste está hesitando.

Por um capricho, pego sua mão e a aperto, entrelaçando meus

dedos nos dele.

Ele olha para as nossas mãos unidas e solta um suspiro.

Seus olhos encontram os meus. — Minha posse favorita é meu

corcel.

No começo, realmente não entendo o que ele está dizendo. Mas

então, clica.

Eu amoleço. Ele está tentando. Tentando me contar sobre si

mesmo.

— O corcel que você não vai nomear? — Eu pergunto.

— O corcel que você já nomeou. — Ele corrige. — E deu a ele um

nome terrivelmente desprezível. — Ele toma um gole de sua cerveja,

claramente inseguro sobre ter uma opinião e expressá-la.

— E por que Trixie Skills é sua coisa favorita?


Ele coloca sua cerveja no chão. — Porque ele é um companheiro

fiel e constante.

— Essas são boas razões. — Eu digo.

— Você está falando mal de mim. — Diz ele, seu olhar se

estreitando.

— Eu não estou. — Realmente não estou.

Ele deve ver a verdade, porque sua atenção se volta para a vista

e continua. — Eu amo o amanhecer, o nascimento do dia. A neve

torna tudo mais fácil para os olhos. A comida humana é

surpreendentemente terrível ou surpreendentemente boa. — Ele

levanta a cerveja. — Embora, às vezes, admito, pode ser as duas coisas

ao mesmo tempo.

— Acho roupas humanas grosseiras, gosto de fazer fogo,

adormecer é uma experiência perturbadora — mas é estranhamente

agradável quando você tem alguém para segurar.

Cor sobre as minhas bochechas.

— E minha pessoa favorita é você.

Agora meu rosto está em chamas na escuridão.


— Eu sou a única pessoa que você conhece. — Respondo. Poderia

ser a pessoa mais tola lá fora e ainda posso ser a favorita dele.

— Eu conheci muitas pessoas. Garanto-lhe que você não ganhou

o título por falta de pessoas.

Não sei o que dizer diante desse tipo de lisonja. Sem mencionar

que toda vez que Peste admite algo assim, meu corpo fica

descontrolado.

Odeio ter uma queda.

Mas isso é mais do que apenas uma paixão e não há fingimento.

Eu gosto do jeito que Peste fala, como pensa. Eu gosto de seus elogios,

gosto de sua consideração. Gosto de sua bravura, sua gentileza. Eu

gosto dele apesar do fato de que está trazendo o fim do mundo — e

isso é imensamente preocupante.

Ele olha para a bebida. — Eu não quero mais falar sobre mim. —

Diz ele. Seu foco gira para mim.

— O que?

— É a sua vez de me contar sobre você.

Merda, ele está me colocando em destaque.


Esfrego meu polegar no pescoço da minha garrafa de cerveja. —

Você já sabe muito sobre mim. — Eu falo sobre mim mesma o tempo

todo quando estamos na sela juntos, muitas vezes simplesmente para

preencher o silêncio. — O que mais quer saber?

— Cite mais dos seus poemas favoritos. Conte mais da sua vida.

É tudo muito fascinante.

Veja, isso aí é a prova de que esse homem precisa sair mais.

— Não é tão fascinante. Eu não sou tão fascinante.

Mesmo na escuridão, vejo os olhos de Peste estreitarem

enquanto ele me observa. — Você realmente acredita nisso?

Acredito?

Claro, um bom trabalho como bombeiro, mas o que realmente

existia na minha vida além do trabalho e da minha humilde coleção

de livros?

Eu solto uma risada rouca. — Sim.

— Então você está errada. — Peste afirma com tanta certeza. —

Você é compassiva até para o pior do seu tipo. Ajuda aos moribundos.
Importa-se ferozmente, tão ferozmente. Estes não são feitos comuns.

E isso não toca no que você significa para mim.

Minha respiração quase para.

— Você conseguiu o que ninguém mais fez: acordou meu

coração. Então não, Sara, de todas as palavras que usaria para

descrevê-la, fascinante seria definitivamente uma delas.


Você acordou meu coração.

Ali estava, ao ar livre, do que tenho desesperadamente tentado

fugir.

Um arrepio percorre-me enquanto observo Peste. Ele não é o

único afetado pela presença um do outro.

Começo a me inclinar para ele, pronto para fazer todo tipo de

coisas estúpidas e mal aconselhadas, porque estou tão cansada de

lutar contra isso.

Antes que tenha a chance, o cavaleiro estende a mão e passa pelo

meu braço. — Você está com frio. — Diz ele. — Perdoe-me, Sara, os

elementos não me afetam da mesma maneira. — Ele se levanta, depois

estende a mão para mim.

Agarrando minha cerveja, o deixo me ajudar a segui-lo para

dentro, meu corpo firmemente cheio de antecipação. E não dissipa —

não quando Peste sai do meu lado para começar um fogo, não quando

eu movo as velas e lâmpadas de óleo para a sala de estar. A única

coisa que parece ter algum efeito em meus nervos vertiginosos é


minha cerveja... e não diria exatamente que isso está ajudando a

situação também.

Não que isso me impeça de pegar outras duas na geladeira —

uma para mim, outra para Peste.

No momento em que volto para a sala de estar, o fogo está

apenas começando.

Passo ao cavaleiro uma das bebidas, sentindo uma pontada de

culpa por dar-lhe um gosto pelas coisas. Mas então nossos olhos se

encontram e meus nervos se levantam, louvo a Deus em toda a Sua

glória irada, que o álcool existe.

Tomando um longo gole, sento-me ao lado do fogo. Peste

descansa à minha frente, apoiando seu peso em um de seus

antebraços, sua nova cerveja intocada ao seu lado. Seu olhar se move

do fogo para mim, chamas dançando em seus olhos.

— Você já desejou que as coisas fossem diferentes? — Pergunto.

— Que você e eu não fossemos inimigos mortais?

— Que bem faz desejar, Sara? — Ele diz.

Eu quero dizer a ele que desejar faz toda a diferença, mas parece

muito brega, como algo que as pessoas costumavam dizer antes dos
Quatro Cavaleiros aparecerem, quando o mundo fazia sentido. O

desejo não enche sua barriga, nem impede que sua casa se queime.

Não faz seu carro dirigir ou salva da Peste

— Eu não sei. — Finalmente digo. — Apenas quero parar de me

sentir assim. Odeio essa culpa que está me comendo. Quando eu

costumava olhar para você, via um monstro, um monstro lindo, mas

um monstro, no entanto, agora já não mais.

— O que você vê quando olha para mim?

Em vez de respondê-lo, me inclino para frente e roço meus lábios

suavemente contra os dele. Ele parece contente com isso, sua mão

tocando minha bochecha.

Suavemente, empurro seu ombro para trás até cair no chão. Ele

me puxa para baixo com nossos corpos pressionados juntos.

Minha boca o encontra mais uma vez e de repente, o fogo não

está simplesmente às minhas costas. Está abaixo de mim, em mim,

queimando minhas veias.

Eu paro para passar o dedo pelo rosto do cavaleiro. Ele

realmente é bonito, com suas maçãs do rosto salientes, mandíbula

afiada e seus olhos inocentes.


— Agora. — Eu digo, finalmente pronta para responder a sua

pergunta: — Eu vejo um homem.

Um homem para beijar, tocar, me perder.

— Eu não tenho idade, Sara.

E se deveria fazer algum sentido, então está perdido em mim.

Talvez seja esse o seu jeito de protestar minha resposta. Tanto faz.

Eu volto aos seus lábios e o beijo. Ele pode ser eterno, pode ser

uma força da natureza ao invés de um humano, mas no final, acho

que não me importo. Peste é Peste, isso é tudo o que realmente

importa para mim agora.

Os planos duros de seu corpo se encaixam perfeitamente contra

os meus, seu toque parece que foi feito para mim. Pego as alças de sua

armadura, desesperadamente confusa sobre como removê-la. Sua

mão cobre a minha e por uma fração de segundo, meu estômago

revira.

Ele vai me impedir.

Em vez disso, Peste move minha mão e solta seu peitoral de

metal. Ele faz o trabalho rápido com o resto da armadura, até que tudo

cai no chão ao nosso redor.


O problema com a armadura, que agora percebi, é que, mesmo

depois de todo o alarde de conseguir solta-la, ainda há roupas para

lidar depois.

Então novamente, quanto mais tempo leva para despi-lo, maior

a antecipação...

Ele me observa maravilhosamente quando agarro a barra de sua

camisa e a passo sobre sua cabeça.

Homem glorioso. Poderia olhar para ele por horas, tentando

memorizar cada centímetro de sua pele estranha e bonita.

Tentativamente, ele pega meu casaco, o ajudo empurrar para

fora. Nós dois fazemos o trabalho rápido de tirar minhas camadas de

roupa até que estou apenas de sutiã e jeans. Deslizo as alças dos meus

ombros, em seguida, solto os ganchos segurando-o.

Peste olha para o meu peito nu, uma parte está morrendo de

vontade de saber o que ele está pensando. Estendendo a mão, ele tenta

passar as mãos pelos meus seios. Calor inunda sua expressão. Ele

pode dizer que não é um homem, mas está excitado mesmo assim.
Eu me inclino e pressiono um beijo em seu peito, bem em cima

de uma das marcas angelicais. — O que isso significa? — Eu pergunto,

minha respiração se agitando sobre a palavra estrangeira.

Ele me dá um olhar estranho. — Peste.

O nome dele.

Eu movo minha atenção para baixo, onde outras marcas

douradas descem pela cintura. Eu tive um vislumbre antes, mas

nunca tive a chance de realmente olhar. Mesmo agora, estão

escondidas da vista.

Minha mão se move para a calça dele. Peste segura meu pulso,

seu peito subindo e descendo com evidente desejo.

Acho que ele sabe que isso é diferente. Esta noite é diferente. Uma

coisa é beijar e admirar até tocar — mas é outra coisa seguir.

Ele olha para mim pelo que parece uma eternidade. Então,

chegando a alguma decisão, se levanta.

Acho que é aqui que sou rejeitada.

Mas isso nunca acontece.


Ele pega as botas e puxa-as fora. Então as mãos do cavaleiro vão

para a calça. Ele hesita por um instante antes de abrir. O tempo todo,

seus olhos estão em mim.

Peste sai da última roupa, deixando-o gloriosamente nu como no

dia em que nasceu... er, foi criado.

É fisicamente difícil olhar para a perfeição dele à luz do fogo. Faz

sua pele brilhar como ouro silencioso e suas marcações brilharem

ainda mais.

Ele olha para mim com tanta intensidade. — Eu não lhe contei a

verdade completa, Sara.

Eu fico olhando para ele intrigada. — O que você quer dizer?

Por um momento, tudo que ouço é o crepitar do fogo.

Parecendo que ele está chegando a uma grande decisão, Peste

inspira.

— Naquele dia na floresta, no dia em que a encontrei, pretendia

matá-la.
Uma boa dose do meu desejo diminui com a admissão dele.

Nada como ouvir o seu namorado pós-apocalíptico dizer que queria

assassiná-la para acabar com o clima.

Eu me sento em minhas coxas. — O que o fez mudar de ideia?

Ele se ajoelha na minha frente. — A luz que se filtrou através das

árvores naquela noite lançou sombras estranhas em sua tenda e uma

delas foi essa aqui. — Ele pega minha mão e a move para baixo em

sua pélvis, bem acima de uma das tatuagens curvas. É preciso muito

esforço para olhar para a palavra brilhante em vez de deixar meus

olhos continuarem para baixo.

Acaricio a pele suavemente. — O que isso significa?

— Misericórdia. — Ele diz.

Algo supersticioso percorre minha espinha, aumentando o

arrepio.

— E então você não me matou. — Eu digo, meu olhar

encontrando o dele.

— E então não a matei. — Ele concorda, o fogo brilhando em

seus olhos.
Todo esse tempo odiei Deus, quando Ele (ou Ela — sejamos

iguais em termos de gênero aqui) foi a única coisa que impediu o

cavaleiro de me matar todas aquelas semanas atrás.

E agora aqui estamos.

Suas mãos vão para o meu jeans.

Ele hesita, provavelmente esperando que mude de ideia. E talvez

depois dessa admissão, deveria mudar de ideia.

Mas não sei.

Levanto minha pélvis, angulando meu corpo para melhor ajudá-

lo a tirar minha calça.

Peste faz isso, reverentemente olhando para cada centímetro de

pele exposta à medida que é revelado. Ele passa um dedo ao longo da

calcinha mal ajustada.

— Eu queria estar convencido da depravação humana... — Diz

ele em voz baixa. — Mas ao invés disso...

Seus dedos se curvam na calcinha e então ele a puxa. E com isso,

a última das roupas entre nós se foi.


Movendo-se agonizantemente lento, Peste fica sobre mim.

Quase suspiro com a sensação de seu peso e calor contra mim. Minhas

mãos tocam suas costas, deslizando sobre as grossas faixas de seus

músculos. Eu o puxo para mais perto, sentindo a pressão de seu pênis

preso entre nós.

Peste, o Conquistador, não provou a conquista mais carnal. Não

até agora.

Ele engancha um braço em uma das minhas pernas e a levanta

indecentemente. Olha para baixo entre nós e mesmo que eu esteja

certa de que simplesmente pretendia ver como a nossa anatomia se

alinhava, seu olhar pegou meu núcleo e lá ficou.

Tudo o que ele vê faz com que seu pênis pulse mais.

Alcanço entre nós e envolvo minha mão ao redor dele, fazendo-

o gemer;

— Sara, isso é... além de palavras.

E nem chegamos à melhor parte ainda.

Eu o guio para minha abertura. Por vários segundos

agonizantes, ele fica ali, imóvel, absorvendo o momento.


— Por favor. — Eu finalmente digo. Minhas mãos se movem

para as suas costas e o estimulam.

— Por favor. — Ele repete, deixando escapar uma risada dolorida.

— Eu deveria negar-lhe, mas não posso.

Sua respiração está mais rápida, seus olhos azuis em mim,

mesmo quando seu pênis começa a entrar.

Solto a respiração com a sensação dele me preenchendo. Ele é...

sublime.

Peste apenas entrou parcialmente quando faz uma pausa, sua

testa caindo no meu ombro.

Ele solta um suspiro trêmulo, depois ergue a cabeça mais uma

vez para olhar para o meu rosto enquanto entra em mim, sua

expressão de arrebatamento. Seu olhar continua brilhando, até que

esteja totalmente dentro de mim.

— Isso é sofrimento. — Diz ele. — Sofrimento requintado.

Deus como ele está certo. Este é o lugar onde a dor e o prazer se

encontram.
Levanto a mão. Meus dedos roçam sua coroa, que de alguma

forma conseguiu ficar em sua cabeça o tempo todo. Gentilmente, a

deixo de lado.

Ele observa todos os meus movimentos, mas não protesta.

Não posso acreditar que ele está dentro de mim.

E se era de tirar o fôlego antes, agora, tão perto de mim, é quase

insuportável de olhar, como tentar olhar o sol.

Lentamente, ele sai, em seguida, empurra para frente. Um

gemido escapa dele. — Posso desconhecer esta sensação... certamente

vai me assombrar por todos os meus dias.

Ele começa devagar, saboreando cada golpe de seus quadris

como se eu fosse um bom chocolate. Mas como bom chocolate, o sabor

dá lugar à indulgência. Seu ritmo aumenta e logo ele não está

gentilmente me acariciando, mas me fodendo em um frenesi, suas

mãos encontrando meus quadris e me puxando para mais perto.

Ele olha para mim como se nunca tivesse experimentado algo

tão maravilhoso. — Sara, eu estou… estou em você. Uma parte de

você.

Engulo em seco.
A ideia de que Peste possa alcançar dentro de mim e tocar algo

profundo e íntimo — mesmo que apenas no sentido mais físico —

deveria me incomodar, mas decididamente não estou incomodada.

Na verdade, tudo sobre isso parece dolorosamente correto, como

se este fosse o lugar onde sempre pertencerá.

Eu seguro sua bochecha. — Você está.

Engulo um gemido quando sua ereção desliza para dentro e fora

de mim, nossos corpos fazendo sons escorregadios quando se juntam.

Ele inclina a cabeça contra a minha. — Estou tão perto de você.

— Diz ele. — Perto o suficiente para sentir seu coração batendo contra

a minha pele.

Pressiono minha mão em seu peito, bem acima de seu próprio

coração. Por baixo da palma da minha mão, o sinto batendo.

Ele fecha os olhos com a sensação. Quando os abre, brilham com

tantas emoções. — Nunca quero sair.

Eu também não quero que você saia.

Eu dou-lhe um sorriso suave. — Você não precisa ainda.


Ele se maravilha comigo enquanto me contorço embaixo dele. Eu

o agarro apertado, forçando cada um de seus golpes a ir mais fundo

enquanto meu núcleo aperta ao redor dele.

Peste geme com a sensação, o som profundo aumentando meu

prazer.

Sinto construindo, construindo...

— Oh meu Deus. — Eu respiro. Tentei aguentar mais tempo. — Oh

meu Deus, oh meu Deus.

O cavaleiro faz uma pausa, olhando para mim com preocupação.

— Não... pare. — Eu imploro.

Ele recomeça com impulso após poderoso impulso e meu... deus.

Eu gemo quando meu orgasmo me leva de repente. Minhas

costas arqueiam, cegando-me brevemente.

Os golpes de Peste se aprofundam, até que ele está próximo.

Suas sobrancelhas sobem, olhando para mim em choque glorioso

quando é levado para seu próprio clímax.

Eu sinto seu pênis engrossar e com um gemido profundo, goza

dentro de mim. Meu corpo estremece com a sensação.


Ele olha para mim, em transe, enquanto seus golpes diminuem

gradualmente. — Isso foi... — Ele diz uma palavra que toca minha

pele e é como se Deus estivesse na sala conosco por um breve

momento.

— Angélico. Seja qual for a palavra, foi falado em Angélico.

— O que isso significa? — Eu pergunto, ciente de como ele está

relutante em compartilhar sua língua nativa comigo.

Peste me dá uma olhada profunda. — Celestial. Isso foi celestial.


Nota: Peste não faz sexo casual.

Rápidos arremessos claramente não é uma coisa para ele. Porém,

para ser justa, sexo em qualquer das suas formas realmente não é uma

coisa para ele. Não ao menos até que eu o corrompi. Não consigo

decidir se isso me faz sentir particularmente orgulhosa de mim

mesma ou um pouco desprezível.

Acho que, se for ser sincera, estou me sentindo um pouco de

ambos.

Ele é não ficará tranquilo sobre isso também, eu posso dizer.

Na última noite, ele me levou para cama. Eu não lembro muito,

exceto a calorosa pressão do corpo dele atrás do meu, me segurando

perto. Ele me acordou duas vezes com seus lábios e depois de um

pouco mais de exploração, se encaixou dentro de mim e me fodeu até

que gritei seu nome.

Isso não foi ruim. Eu não tenho queixas. Foi tudo que aconteceu

desde então.
Como trazer-me o café da manhã na cama — café da manhã,

aquele que provavelmente ele pegou de alguém de outra casa, porque

este proprietário não tinha bacon e ovos. Além disso, eu não sabia que

Peste podia cozinhar.

Ele poderia ter forçado alguém para fazer café da manhã para você.

Empurro aquele pensamento antes que possa imaginar o que

ordenar naquele cenário levaria a qual resultado.

Ele também tem me puxando de lado nas manhãs para roubar

beijos rápidos ou confessar coisas que já admitiu na noite em que

estava dormindo.

Não me entenda mal, são bons gestos, gestos aqueles que fazem

meu coração subir e preencher meu estômago com essas borboletas

idiotas, mas a última noite foi simplesmente um ataque rápido e sexo

safado, nada mais.

Absolutamente nada mais.

Logo depois de deixarmos a casa-que-virou-um-ninho-de-amor

para atrás, depois de citar para Peste, Poe (é tudo aquilo que vejo ou

parece, mas um sonho dentro de um sonho?). Acho que a adoração dele

explodiu.
Até ele nos levar a uma igreja.

Eu olho, sem entender, para a construção, com seu pináculo

severo e a marquise que afirma, os Escolhidos de Deus nunca morrem.

— O que você está fazendo? — Eu pergunto.

— Sara, se entregou a mim, total e completamente. Quero

mostrar meu compromisso.

Eu faço uma careta, seu significado não imediatamente vindo

para mim. Leva vários, ridiculamente longos, segundos para colocar

tudo junto. Mas então...

Ele quer... ele quer se casar comigo? Depois da última noite?

Merda num maldito pau. Quer dizer, eu sei sou uma transa

decente, mas não sou tão boa.

Eu olho do meu ombro para ele. — Trata-se apenas de uma

proposta por piedade?

Ele estreita os olhos. — Não compreendo.

Eu suspiro, encarando a Igreja mais uma vez. É altamente

duvidoso que tenha ao menos um ministro dentro para supervisionar

a cerimônia...
Por que estou pensando nisso?

— Eu não sei se quero casar com você. — Eu digo.

Vários segundos de silêncio se passam.

Finalmente. — Por que não? — Peste soa ofendido. — Você tem

vergonha de mim?

— Huh? — Estou completamente confusa. Respondo de volta

para ele. — Você sabe que as pessoas não simplesmente... se casam.

Exceto que muitas pessoas simplesmente se casam — pessoas que

se conhecem bem menos que nos cada e por razões bem menos sólidas

do que, eu a fodi, você agora é minha.

É apenas que eu, Sara Burns, preciso de um pouco mais de

motivação antes de casar com um maldito cavaleiro do apocalipse.

— Por que você quer se casar comigo? — Pergunto.

Esta não é uma conversa que me imaginei tendo.

— Você se entregou a mim, como fiz com você. — Peste diz. É

minha de mente, espírito e carne.


Ugh. Definitivamente trabalhando com o Velho Testamento de

Deus aqui. Peste provavelmente espera duas vacas e quatro cabras de

meu pai também.

— Então porque sou a primeira mulher que já abriu as pernas

para você, quer colocar uma aliança no meu dedo? — Eu digo, apenas

para ter certeza que estou compreendendo a situação corretamente.

— Não fale sobre isso dessa forma.

— Você não diz abrir as pernas? — Ainda estou olhando a Igreja

com um pouco de desgosto. — Por que não?

— É lascivo e o que nós fizemos na última noite não foi lascivo.

— O termo que você está procurando é fazendo amor. — Eu digo.

— Fazendo amor. — Ele ecoa, soando satisfeito.

— E Peste. — Eu continuo. — Sinto muito estourar sua bolha,

mas o que nós fizemos na última noite não foi fazer amor. Isso foi

foder.

Mentirosa, mentirosa. Foi tão íntimo, além do que já tive quando

se trata de sexo, mas ele não precisa saber disso.


Quando olho sobre o meu ombro para o cavaleiro, sua expressão

está dura de descontentamento.

Ele inclina a cabeça quando um pensamento aparece. — Você fez

isso antes? — Ele pergunta, me observando.

— Fiz o que? — Respondo, sabendo bem do que ele

perguntando.

— Fazer amor. Você fez isso com outro?

— Errr… não fazer amor. — Por dizer.

— Foder. — Peste corrige, curvando seu lábio um pouco quando

ele diz a palavra. — Você fez?

Por que sinto que estou jogando uma granada? Oh, eu sei,

porque estamos tendo a conversa dos exs, horas depois que tirei a

virgindade de Peste.

Foda-se minha vida.

Ou não. Foder está claramente se transformando em problemas.

E eu preciso parar de pensar nessa palavra. Foder. Gah.

— Sim... — Eu digo com relutância.


O humor sombrio dele apenas piora. — Claro que você fez. Por

que esperei qualquer coisa melhor de você é uma prova do meu

amaldiçoado idealismo.

— Continue falando assim, Peste e o empurrarei deste cavalo.

Ele ri. — Você não poderia desmontar-me mesmo se quisesse,

humana.

E assim estamos de volta ao: humana.

— Você é um imbecil.

— Não é sagrado? — Ele pergunta. — Estive dentro você. Dentro

de você. Eu a senti se mover ao meu redor. Eu lhe dei minha essência.

E agora você está tratando isso, tudo isso, como se nós tivéssemos

apenas dançado juntos.

Isso realmente não foi como imaginei toda esta conversa. Eu me

sinto ruborizando.

Ele limpa a garganta. — Você não ficará com outro. — Afirma.

— Você está de brincadeira comigo? — Estou quase gritando.

— Eu não a compartilharei como se o que nós fizemos fosse algo

sem sentido, mesmo que você pareça pensar assim.


Quero estrangular este homem. — Com quem eu tenho sexo não

é sua decisão para tomar.

— Eu não a compartilharei! — Ele ruge. — Mesmo que signifique

prendê-la a mim, não irei!

— E eu não me casarei, seu louco! — Eu grito virando as costas

para ele. — Mesmo que signifique ser amarrada e arrastada atrás de

seu estúpido cavalo pelo resto da minha vida!

Ele aperta com mais força. — Não me tente, humana.

— E pare de me chamar de humana! — Acrescento,

acaloradamente. — Eu tenho um nome!

— Um que eu gostaria de usar quando a estivesse apreciando, o

que não estou agora.

— Grande surpresa, Capitão Obvio. Não estou gostando muito

de você também.

Ele ferve atrás de mim.

— Tudo bem. — Ele diz depois de vários segundos. — Eu não

vou me casar com você hoje. Mas esta discussão não acabou.

— O inferno que não! — Eu preciso bater em alguma coisa.


Nós andamos em silêncio depois daquilo. Obrigada, porra.

Ugh. Pare essa palavra.


Apenas viajamos um quilômetro ou mais além da igreja quando

ouço a explosão de uma arma.

Não tenho tempo para pensar no fato de que o cavaleiro deve

parar de andar à noite. Balanço assim que o ar se move violentamente

ao lado da minha têmpora esquerda. No instante seguinte, o corpo de

Peste bate de volta, seu abraço em mim afrouxando, enquanto o

sangue dele jorra contra a minha pele.

Alguém atirou no meu cavaleiro. Oh Deus, alguém atirou nele.

Eu giro na sela. — Peste?

Seu corpo balança e preciso pegá-lo para impedir que o cavaleiro

escorregue de seu corcel.

A cabeça de Peste balança para frente, vejo o sangue, o sangue

e...

Oh Deus, oh Deus, oh Deus. Onde o lado esquerdo de seu rosto

deveria estar, agora há apenas uma cratera mutilada.

Estou ficando doente...

Seu sangue está escorrendo por toda parte. Tanto sangue.


Pessoas com máscaras de gás começam a nos circundar. Trixie se

levanta, agarrando o ar. Eu grito quando sinto o cavaleiro escorregar.

Ele cai na sela atrás de mim, batendo no chão com um baque maçante,

molhado. Ao som, quase perco o café da manhã que Peste fez para

mim.

Olho para seu corpo sem vida, incapaz de afastar os olhos.

— Está tudo bem, ele se foi.

— Ele não pode mais machucá-la.

As palavras da população da cidade são fracas e distorcidas por

trás de suas máscaras. Eles estão chegando mais perto, parecendo

estranhos e sinistros.

Eles o machucaram.

Chegando ao lado de Trixie, eles me afastam violentamente do

cavalo. Eu vou para Peste, apenas para eles me afastarem.

Minhas últimas palavras ao cavaleiro foram juramentos gritados de

raiva.

Estou lutando para voltar ao seu corpo arruinado, mas essas

pessoas me seguram.
Você pensaria que estava acostumada com a visão dele assim,

mas não importa o quanto me assegure que ele ficará bem, meus olhos

me dizem o contrário.

E do chão ele geme.

Jesus. Mesmo que metade do seu rosto tenha desaparecido, ele

ainda está consciente. Solto um grito. Ele está consciente.

A dor deve ser insuportável.

Alguém o atira novamente — e novamente — tentando matar

uma coisa impossível de matar.

Eu grito ao som de cada bala, horrorizada com a forma como o

corpo dele dança sob o tiroteio.

Ainda estou gritando quando sou forçada a sair da estrada e

entrar em um prédio próximo. Apenas depois de alguém me

empurrar para um banco, percebo que me arrastaram para uma igreja.

O idiota queria se casar comigo!

Aperto meus olhos fechados. Talvez a manhã teria sido diferente

se tivesse dito sim à proposta de Peste. Ele estava tão ansioso e eu


joguei na cara dele como se o que fizemos na noite passada não

importasse. Deus como importou.

Eu respiro trêmula e olho ao redor. Uma a uma, as pessoas que

me levaram desaparecem em outra sala para remover suas máscaras.

Quando retornam, não parecem mais tão ameaçadores.

Os homens e mulheres que enchem a igreja são civis, civis que

decidiram sacrificar suas vidas para derrubar o cavaleiro. Civis que

estão me trazendo cobertores e café — civis que estão me ajudando,

uma ex-bombeiro, o melhor que podem.

Não muda o fato de que o machucaram. Que podem estar

machucando-o ainda.

Eu me levanto, o cobertor de lã deslizando dos meus ombros,

sentindo como se minhas emoções tivessem sido empurradas através

de um moedor de carne.

— Onde ele está?

— Os outros estão lidando com ele. — Diz alguém e é a primeira

vez que percebo que falei em voz alta.


— Nós ouvimos sobre você, sabe. — Diz uma das mulheres que

circulam. — Os relatórios continuavam mencionando que ele tinha

uma prisioneira.

— Ela não parecia ser sua prisioneira. — Alguém murmura.

— Shhh! — Outro assobia.

Eu limpo meus olhos e olho ao redor. Há oito mulheres e três

homens, todos entre as idades de vinte e sessenta. Todos agora

escalados para morrer (as máscaras de gás eram um acessório fofo,

mas nem mesmo elas podem impedir a praga de Peste).

Quando é que a mídia descobrirá que o cavaleiro não pode ser

morto? Quando as pessoas pararão de sacrificar suas vidas para

acabar com uma coisa imortal?

Uma coisa imortal com a qual me preocupo.

Preciso chegar até ele.

Preciso salvá-lo.

Eu começo a caminhar pelo corredor central, em direção à saída.


Apenas dou vários passos quando sou interceptada por um dos

homens. Ele é um homem grande e corpulento, com um bigode

branco e uma arma de fogo no quadril.

— Vamos sentar novamente. — Diz ele, seu tom tão

condescendente.

Segurando meu braço, ele me leva de volta a um banco.

— Estou presa? —Pergunto.

— Claro que não. — Diz ele. — Mas você teve uma manhã difícil.

Por que não descansa um pouco?

Eu olho para ele e depois para os outros.

Eles não me deixarão ir. Posso ver isso em seus rostos.

Não sei porque se importam. Então entendo. Sobrevivi à Peste.

Eles devem estar cientes disso.

E quem não gostaria de manter alguém assim por aí? Eu poderia

conhecer a cura; porra, eles podem pensar que eu sou a cura.

Eu volto para o banco como uma boa menina (ugh) e sento lá,

deixando todos acreditarem que sou mansa. Cinco minutos passam

agonizantemente devagar.
À distância, ouço um leve relincho.

Trixie.

Quero esperar mais, mas ouvir o cavalo de Peste é o que rompe

minha paciência. Não posso ficar sentada ali quando não tenho ideia

do que está acontecendo com o meu cavaleiro.

Eu saio do banco novamente.

O Homem Bigode fica tenso quando me vê novamente de pé.

Antes que eu possa sair do banco, ele se aproxima.

Não olhe para o cinto dele.

— Há algo que você precisa? — Pergunta ele, cruzando os braços

sobre o peito.

— Sim, há.

Antes que ele tenha a chance de responder, agarro sua arma.

Minha mão abraça o metal frio assim quando ele deixa um grito

surpreso escapar.

Eu nivelo a arma para ele e viro a trava de segurança. — Saia do

meu caminho.

Ao meu redor, ouço suspiros.


O homem ergue os braços: — Espere um segundo. Não vamos

fazer nada apressado. Estamos apenas tentando ajudá-la.

Não devo parecer tão ameaçadora quanto me sinto, porque

várias outras pessoas começam a entrar.

Melhor posicionar antes que isso se desenrole.

Levantando a arma para o ar, disparo um tiro. O som, já

ensurdecedor, fica ainda mais alto pela acústica da igreja.

As pessoas gritam, várias cobrindo suas cabeças. Acima de mim,

o gesso cai.

Eu miro a arma mais uma vez no homem de quem roubei.

— Estou saindo. — Eu digo. — E você pode me ajudar saindo da

porra do meu caminho.

Bigodão deve ver que não é apenas loucura em meus olhos e

para o seu próprio bem-estar, ele se afasta.

Movo a arma para as outras pessoas que estão entre mim e a

saída. Eles recuam, seus braços no ar.

A igreja está desconfortavelmente silenciosa, o único som sendo

eu pisando no tapete gasto. Estou quase nas portas duplas quando o


Homem Bigode diz. — Por que você abandonou o seu próprio povo

por essa coisa?

Ele tem a audácia de fazer a pergunta enquanto está em uma

igreja.

Volto-me para encarar o homem, meu olhar percorrendo todos

os homens e mulheres de olhos arregalados que me observam.

— Eu não os abandonei. — Eu digo. — Deus abandonou.


Trixie permanece fora da igreja. Assim que ele me vê, o corcel de

Peste se arrasta, seu focinho cutuca minha bochecha. Eu quase posso

imaginar que está me cumprimentando com carinho.

Passo minha mão sobre ele, franzindo a testa para a mancha

escura ao seu lado. O sangue do cavaleiro.

Eu me sento na sela e acaricio a crina do corcel. — Leve-me para

Peste.

Nós somos emboscados ao virar a esquina da igreja, então não

demora muito para voltarmos ao local. Mesmo assim, no momento

em que chegamos, Peste já está meio enterrado em uma cova rasa ao

lado da estrada.

As pessoas com máscaras de gás estão ao redor do túmulo,

despejando pás de terra nele.

A arma roubada ainda está quente na minha mão. No momento

em que o primeiro homem levanta a cabeça em minha direção, já

estou apontando para ele. Faz um barulho de surpresa, soltando a pá.

Os outros homens olham para ele antes de olhar ao redor, confusos.


Também se assustam quando me veem montado no cavalo de Peste,

com a arma na mão.

Agora que tenho a atenção deles.

— Vocês todos têm cinco segundos para desaparecerem. Então

eu começo a atirar.

Ninguém se move.

— Um.

Agora as pessoas começam a se deslocar.

— Dois.

Um dos homens pega sua arma.

Eu atiro um tiro de aviso, a arma descansando de volta na minha

mão.

Eles deixam as pás e abandonam o túmulo. Alguns deles saem

correndo, mas alguns ainda ficam, não prontos para deixar uma

mulher assustá-los.

— Três.
Os homens mascarados saem para a rua, afastando-se de mim,

um casal com as mãos no ar.

Como se isso fosse me acalmar.

— Quatro.

Eles recuam um pouco mais rápido.

— Cinco.

Estalo minha língua, tentando o som que Peste faz. Abaixo de

mim, Trixie pula para frente, descendo a rua.

Agora os últimos homens mascarados correm por suas vidas.

Nada como ter um corcel morto-vivo o atropelando, para seguir em

frente. Disparo outra vez, apenas para lhes dar um bom susto.

No meio da rua, puxo as rédeas, deixando os homens se

afastarem de nós, observando seus contornos ficarem menores e

menores.

Essas pessoas sabiam antes de me verem que estava viajando

com Peste. Um arrepio de pressentimento passa por mim.

E se isso voltar à mídia, o mundo logo saberá que não sou mais

sua prisioneira.
Recuo com um grito quando olho para o túmulo improvisado de

Peste. Ele é quase não identificável, seu corpo inundado de sangue,

sujeira e coisas carnudas.

Não quero movê-lo por medo de machucá-lo.

O povo da cidade voltará. Você tem apenas alguns minutos.

Isso é o que me faz ir.

Deixando a arma de lado, me abaixo ao lado do túmulo e prendo

meus braços sob as axilas de Peste.

— Eu sinto muito. — Sussurro.

E então começo a puxar.

Ele solta um grito agonizante, o som distorcido pela ruína de sua

boca, enquanto o tiro de seu túmulo. Uma lágrima silenciosa escorre

pelo canto do meu olho com o barulho.

E se apenas meu eu anterior pudesse me ver agora. Quão longe

eu caí, chorando por algo que não pode morrer. Sobre a mesma coisa

que deveria matar. E olhe para mim agora — estou apontando armas

para qualquer um que tente tirá-lo de mim.


Muito lentamente, puxo Peste da terra. Trixie se ajoelha ao meu

lado, o corcel antecipando as necessidades de seu cavaleiro. Eu

arrasto o corpo do cavaleiro para a sela.

Não será muito confortável, mas terá que funcionar.

Colocando-me atrás dele, novamente estalo a língua. Trixie

levanta-se, nós dois equilibrados em suas costas, então o corcel

decola.

Vários tiros soam e abaixo sobre o cavaleiro enquanto as balas

passam voando por mim. Olho por cima do meu ombro. Os homens

que acabei de espantar agora correm de volta para a rua, de onde quer

que estivessem, mirando suas armas para nós.

Merda.

Empurro de um lado das rédeas, puxando a cabeça de Trixie

para o lado, nos afastando do curso. O corpo de Peste desliza um

pouco, é preciso a maior parte das minhas forças para manter o

cavaleiro em seu cavalo. Mas pelo menos as balas miradas em mim e

Trixie erram.

Eu puxo o outro lado das rédeas, forçando o cavalo a mudar sua

trajetória de novo, ziguezagueando pela estrada até que os tiros


param. Quando olho por cima do meu ombro novamente, os homens

com máscaras de gás estão fora de alcance.

Seguro. Estamos a salvo — por agora.

Não ouso retardar o cavalo até que a cidade esteja bem atrás de

nós. Uma vez que faço, é apenas para que possa vasculhar nossos

arredores por uma casa. Considerando a minha sorte de merda hoje,

provavelmente escolherei uma casa com o pior babaca que mora

dentro dela. Sem Peste para causar medo neles, quem sabe o quão

ruim a situação pode ficar.

Respiro fundo. Simplesmente não há como evitar a situação.

Eu acabo escolhendo uma casa que está diretamente fora da

estrada, esperando que quem more lá tenha ido embora. Leva um

tempo agonizantemente longo para entrar, mas em uma nota

positiva, o lugar foi desocupado.

Conduzo Trixie pela porta atrás de mim, com cuidado para não

empurrar o corpo caído de Peste no processo. É apenas depois que eu

movo o corcel ao lado do sofá que arrasto o cavaleiro. Ele desliza para

os meus braços, me desequilibrando e nós dois nos desmoronamos no

sofá.
Muito bom, Burns.

Eu fico em uma posição confortável abaixo de Peste, sentindo

seu sangue começar a infiltrar-se em minhas roupas de suas várias

feridas.

Agora que estou segurando ele, acho que não posso deixá-lo ir.

Seu rosto ainda está mutilado e ficou ainda mais obscurecido pela

sujeira emaranhada em sua pele.

Com uma mão trêmula, passo os dedos sobre uma parte da

bochecha que ainda está intacta.

Seu idiota. Você foi e se apaixonou por isso.

Ele se move em meus braços e quase grito. Quase esqueci que ele

ainda está ali. Ainda ciente do que está acontecendo. Sinto a bile subir

com o pensamento.

Pensar que fiz pior a Peste do que aqueles homens.

— Shhh. — Eu digo, gentilmente manobrando-me debaixo dele.

Arrumo-o no sofá, sua forma longa mal cabendo.


Eu pego uma das suas mãos na minha, deixando um beijo ao

longo de seus dedos cobertos de sujeira. — Tente dormir. — Eu digo.

— Eu estarei bem aqui.

Peste murmura alguma coisa — nem sei como ele está fazendo

barulho.

Eu o calo novamente e ele se acalma, decidindo-se em algo que,

se não dormir, deve ser um pouco parecido.

Cumpro minha promessa, permaneço ao lado dele, saindo

apenas para começar um fogo, encontrar panos e água, que uso para

nos limpar o melhor que posso. Quando termino, pego sua mão na

minha, segurando-a perto de mim.

À medida que as horas passam, sou capaz de observar a

evolução lenta, mas milagrosa do cavaleiro de algo que deveria estar

morto para um belo homem adormecido.

Parece algo saído de um conto de fadas.

Com um gemido metálico, o peitoral perfurado de Peste se

inclina de volta no lugar, a armadura dourada retornando tão

lentamente à sua superfície original e sem costura. Igualmente

maravilhada, vejo seu rosto se recompor, dos nervos e ossos aos


músculos, tendões e pele. Logo, vejo os longos cílios do cavaleiro

brotando ao longo de sua pálpebra recém-formada.

Isto é mágico. Isso é fé. Este é o vislumbre mais básico de Deus.

Mesmo depois de seu corpo estar curado, Peste não acorda. Sob

suas pálpebras fechadas, seus olhos se movem para frente e para trás.

O que os cavaleiros sonham?

Dói pensar nele sonhando. Ele é muito mais humano do que eu

imaginava que fosse.

E tenho uma mão nisso — mais do que uma mão, se for honesta.

Ele come comida porque lhe dei um gosto por isso, bebe cerveja

porque ofereci a ele.

Faz amor comigo porque me abri para ele.

Faz amor. Mordo meu lábio inferior.

A mão que seguro agora aperta, espalhando meus pensamentos.

Quando olho para cima, os olhos de Peste se abrem.

Eu me sento reta, trazendo nossas mãos entrelaçadas aos meus

lábios.
Um sorriso começa a florescer em seu rosto, mas depois

desaparece, a testa franzida. — Você está bem?

Essas são suas primeiras palavras. Apenas quando pensei que

esse homem não poderia me estripar mais.

Mordo meus lábios para que a verdade não saia. Porque não, eu

não estou bem. Não estou desde que Peste foi baleado de seu cavalo.

Mesmo antes disso, não tenho certeza de como estava.

Estou tendo mais do que um pouco de dificuldade em lidar com

amar, não, gostar deste cavaleiro.

Ele começa a se sentar, parecendo cada vez mais alarmado

quando vê o sangue em mim. — Onde você está mac...?

— Não é meu sangue, é seu. Eles… atiraram em você. — Eu

sussurro esta última parte, porque a emoção está apertando minhas

cordas vocais. Já meus dutos lacrimais estúpidos estão ficando bem.

Quando pisco, lágrimas caem. Agora que Peste está acordado, estou

tendo problemas para ficar forte.

Ele se senta, uma carranca no rosto enquanto olha nos meus

olhos castanhos.
— Você está chorando... por mim? — Ele pergunta, sua voz

misturada com incredulidade.

Quero dizer algo sarcástico. Em vez disso, limpo minhas

bochechas. — Talvez.

Peste me olha como se ele não pudesse entender a visão. — Você

sabe que não posso morrer. — Diz ele em voz baixa.

— Mas você pode se machucar. E eles o machucaram tanto.

— Isso incomoda você? — Sua voz suaviza.

Eu gesticulo para minhas bochechas molhadas e olhos

vermelhos. — Sim.

Seu olhar fica suave. — Sara. — Ele diz meu nome amorosamente

e é o que me desfaz.

Eu me inclino para frente e meus lábios estão nos dele. Seus

braços vêm ao meu redor, me puxando para ele enquanto sua boca

responde à minha, me devorando tão ansiosamente quanto eu a dele.

É fácil esquecer o quão forte ele é quando está ferido, mas agora

que está regenerado, sinto sua força à medida que me envolve.


Ainda assim, está sujo de sangue e odeio isso. Odeio que eu

odeio isso, mas não o suficiente, não estou fazendo sentido, mas

honestamente, absolutamente nada na minha vida faz sentido agora,

então…

— Sinto muito. — Eu digo. — Sinto muito pelo que essas pessoas

fizeram com você e pelo que fiz, pelo que todo mundo fez com você

desde que chegou.

Peste veio com uma tarefa terrível, se blindou contra a

atrocidade dela, convencendo-se de que os humanos eram monstros.

E nós provamos que ele estava certo toda vez que o atacávamos.

Isso é o que o ódio faz — traz o seu pior.

Ele mal captou vislumbres da nossa bondade, no entanto, foi

tudo o que fez para que seus feitos pesassem sobre ele.

Porque é isso que a compaixão faz — revela sua melhor

natureza.

— Sinto muito por cada coisa estúpida que disse antes. —

Continuo. — O que fizemos juntos significou algo para mim. Você

significa algo para mim.

Peste me segura perto. — Isso significa que se casará comigo?


Eu rio através das minhas lágrimas. — Não, eu não aceito

propostas por piedade. Mas estou aberta para fazer sexo.

Peste me beija novamente, uma das mãos deslizando

reverentemente pela minha bochecha e no meu cabelo.

— Não foi uma proposta por piedade, querida Sara. — Ele

murmura.

Ele se senta, meu corpo apertado contra ele, então se levanta, me

embalando em seus braços. Seus lábios encontram os meus mais uma

vez e nós retomamos o beijo. Eu mal estou ciente de que estamos nos

movendo pela casa até Peste me deitar na cama da suíte.

Eu tremo com a visão do cavaleiro sobre mim enquanto ele

remove sua armadura remodelada, seu olhar me queimando o tempo

todo. Ele tira a coroa por último, colocando-a na mesa de cabeceira.

Despojado de seus adornos de ouro, ele não é mais meu Peste

nobre, sobrenatural, mas meu amante de carne e osso.

Ele volta para mim, ajustando seu corpo sobre o meu.

— Sara, Sara, Sara. — Ele respira, beijando minhas pálpebras,

meu rosto, meus lábios, meu queixo. — Confesso que suas desculpas
anteriores me mudaram, mas são desnecessárias. Você não precisa

pedir meu perdão —já o tem e muito mais, se aceitar o que eu ofereço.

Acho que ele quer dizer casamento... e pela primeira vez, o

pensamento me intriga.

Eu poderia me casar com ele.

Ele beija a coluna da minha garganta, até a cavidade na base

dela. — Você tem minha misericórdia, minha mente, minha adoração,

meu corpo, minha... vida.

Eu poderia jurar que por um momento, ele estava prestes a dizer

outra palavra de quatro letras amor, mas talvez seja apenas minha

imaginação.

E pela primeira vez, estou desapontada por ele não dizer. Mas isso

não faz sentido.

A vida é uma grande promessa vinda de um homem imortal.

Eu sou apenas uma cadela gananciosa.

Peste faz um trabalho rápido tirando sua camisa. Quase suspiro

com a visão dos músculos grossos do braço e do torso afilado. Minhas

mãos se movem primeiro para seus peitorais, depois para seu


abdômen, por uma vez ignorando as marcas que tocam sua pele. Sob

meus dedos, seus músculos ficam tensos, como se sua pele fosse

hipersensível ao meu toque.

O cavaleiro me lança um sorriso puramente masculino,

aproveitando minha exploração. Ele se abaixa novamente,

levantando minha camisa para expor a pele da minha barriga.

Eu tremo com a sensação do ar frio ao longo da faixa de carne

exposta, mas então as mãos quentes de Peste se movem sobre ele e

seus lábios estão reivindicando beijo por beijo.

— Mais uma vez, tenho que agradecer por me proteger, me

salvar. — Diz ele contra a minha pele.

Salvar, essa é uma grande palavra vinda dele, o homem que é

imortal e que acredita ser poderoso demais para precisar de resgate

— ou pelo menos costumava acreditar nisso. Eu não sei quando as

coisas mudaram em sua mente, apenas que o fizeram.

— Diga-me, querida Sara. — Continua ele. — Como eu poderia

recompensá-la?
Eu balanço a cabeça, olhando para ele. — Isso não é algo que

você precise me pagar. Não fiz para me recompensar. Fiz isso porque

me importo com você.

Seus olhos encontram os meus, suaves e brilhantes e queimando

com tanto... amor.

Ou estou imaginando isso também? Tudo o que sei é que o olhar

é muito terno para ser luxúria e muito apaixonado para bondade ou

compaixão.

Não, meus olhos não estão me enganando. Agora e apenas agora

estou vendo seus sentimentos pelo que eles realmente são.

Amor.

Eu liguei esse homem a mim. Cultivei um apetite muito humano

nele e esse é o resultado. Amor.

Deveria estar com medo do pensamento, mas um tipo estranho

de emoção me percorre.

Desta vez, é Peste que assume a liderança. Suas mãos percorrem

minhas costas, jogando minhas roupas encharcadas de sangue uma

peça por vez, seu toque forte e seguro.


Minha paixão aumenta; junto com essa deliciosa incerteza —

como o cavaleiro sabe coisas proibidas que não sei e a apresentará a

mim.

Acho que Peste queria ir devagar — eu sei que sim — mas no

final nossos movimentos são apressados. A última das nossas roupas

sai, então são apenas quilômetros e quilômetros de pele gloriosa.

Seus braços bronzeados se abrem quando ele se abaixa para

meu, beijando uma trilha pelo meu corpo. Ele faz uma pausa quando

chega ao meu núcleo, olhando para ele por um longo segundo. Então

o beija também.

Involuntariamente, meus quadris se levantam da cama.

Uau.

Peste abre bem as minhas pernas, dando-se uma visão

desobstruída. Ele bebe a visão antes de se mover de volta para o meu

corpo, fixando seus quadris entre as minhas coxas.

Eu o sinto grosso contra mim, seu pênis pressionado contra a

minha entrada. Sem aviso, Peste entra. Quase gemo quando ele me

enche, cobrindo-se com a minha umidade.


— Eu senti falta disso. — Diz ele quando sai. Empurra em mim

com força novamente, seus movimentos profundos e exigentes.

Passo as mãos pelas suas costas, causando arrepios ao longo de

sua carne. — Eu também.

Agora que ele está tão perto de mim, está vivo e eu finalmente,

finalmente, posso banir os últimos pensamentos desta manhã para o

interior da minha mente.

Peste cobre meu rosto. — Isso não é foder.

Ele escolhe agora para fazer o seu ponto?

Olha para mim enquanto se move no meu núcleo e percebo que

ele espera uma resposta.

Não me lembro do meu próprio nome neste momento.

— Mmm. — Eu digo. Isso é bastante evasivo.

Seus quadris se movem.

— Isso é fazer amor. — Ele afirma, não, exige.

Realmente se apegou a esse termo com entusiasmo.


— Diga-me seus pensamentos. — Ele dá ordens. — Eu preciso

ouvi-los.

Como ele pode pensar agora mesmo? Mas um olhar em seus

olhos me deixa sóbria rapidinho. Isso é importante para ele.

— Isso não é foder. — Concordo e estou falando sério. Há muita

emoção entre nós. Cada toque está cheio de sentimentos, com amor...

— É fazer amor. — Peste concorda, como se nós dois

estivéssemos na mesma página.

Balanço a cabeça. Estou em negação? Não? Sim?

— Fazer amor é mais devagar, mais reverente... — É tudo o que

tenho.

As sobrancelhas do cavaleiro sobem e seu ritmo — droga — seu

ritmo diminui. Mas seus impulsos se aprofundam, seu pênis grosso e

latejante dentro de mim, ele desvia o olhar para que tudo que sente

esteja bem ali, olhando para mim. Está me olhando como se eu fosse

amada.

Seu polegar roça minha bochecha. — Assim? — Ele pergunta

enquanto bombeia lentamente dentro e fora de mim.


— Sim. — Eu digo, sentindo-me surpresa, porque a força total

daquele olhar de adoração é impressionante. — Assim mesmo.

Seus olhos vão para os meus lábios, mesmo quando ele se move

profundamente dentro de mim. — E se eu a beijar ainda estarei

fazendo amor com você?

Quase me esqueço de respirar. — É tudo sobre a sua intenção.

Sua boca segue o olhar até que sinto o doce roçar de seus lábios

contra os meus. A O toque quando passam pela minha boca parece

terno e amoroso. E quando ele abre meus lábios e nossas línguas se

tocam, isso também parece ser feito como se ele reverenciasse até

mesmo meu gosto.

Ele se afasta. — Minha intenção ficou clara?

— Muito.

Peste vai devagar e fundo por um tempo, mas então, talvez em

resposta à minha própria necessidade febril por mais dele, começa a

acelerar, seus impulsos ficando rápidos e ásperos.

— Quero continuar fazendo amor com você, mas não posso

resistir a essa necessidade.


— Então não o faça.

Minhas palavras são permissão suficiente. Ele pega minha boca

novamente e desta vez seu beijo é selvagem. Seu ritmo dobra sobre si

mesmo, como se não pudesse deixar de se mover mais fundo, mais

rápido, até a cabeceira da cama balançar contra a parede.

Coloco minhas pernas ao redor dele, precisando que ele toque o

máximo de mim.

Cada movimento me faz queimar mais e mais. É como se tivesse

desencadeado uma tempestade. Acho que é o que você recebe quando

encaixa uma força da natureza no corpo de um homem.

Seus olhos se fixam nos meus. O momento se estende sem parar.

Algo passa entre nós, algo que não nomearei, mas algo que vem de

mim tanto quanto vem dele.

Algo que me preocupa profundamente.

Aguento até que não posso mais, mas esse olhar. Sou impotente

contra isso.

Com um grito, eu gozo, a sensação me castigando quando chamo

o nome dele. Ele grita enquanto o aperto, seu próprio clímax subindo
com o meu. Peste agarra minhas mãos nas dele, prendendo-as na

cama enquanto seus duros golpes finais batem contra mim.

E então o momento acaba.

Peste me segura e mesmo depois que não está mais dentro de

mim, ainda parece disposto a me manter por perto.

Seus lábios tocam minha testa. — Eu gosto de fazer amor com

você, Sara Burns.

Meu estômago agita.

— Acho que pode ser a minha nova coisa favorita no mundo,

depois disso. — Seu domínio brevemente enrijece.

Eu passo a mão sobre seu peito e abaixo de seu abdômen,

sorrindo suavemente. — Você prefere isso às minhas habilidades de

conversação louca? — Eu provoco.

— Pergunte-me novamente amanhã quando estivermos na sela.

— Diz ele, sorrindo. — Tenho certeza de que minha resposta mudará.

Aquele sorriso! A visão disso faz minha respiração parar.

— Você está apenas dizendo isso para ficar do meu lado bom.
— Sara, você só tem bons lados. Estou dizendo isso porque cada

momento com você é o meu novo favorito.

Você pensaria que já estivesse acostumada com sua lisonja, mas

como sempre, as palavras de Peste têm um jeito de me esmagar.

Nós dois ficamos quietos por um tempo, estou feliz,

simplesmente feliz deitada contra ele, aproveitando enquanto sua

mão preguiçosamente acaricia minhas costas.

Mas quanto mais fico ali, mais preocupantes meus pensamentos

se tornam. Esta manhã borbulha de volta, ainda mais horrível agora

que Peste está em meus braços e posso sentir o peso de minhas

emoções pressionando de todos os lados.

Esses ataques continuarão acontecendo. Eu sei tão certo quanto

tenho certeza que Peste sabe. Não tenho certeza porque esta é uma

revelação sóbria agora. Eu era, afinal, uma daquelas pessoas que

tentaram matá-lo. Claro que continuará acontecendo.

A humanidade está desesperada o suficiente, estúpida o

suficiente, corajosa, abnegada o suficiente

Vívida suficiente.
Porque no final do dia, mesmo que os humanos não consigam

detê-lo, podem no mínimo fazê-lo se arrepender de aterrissar na terra.

Eles. O pronome me deixa fria. Esse último pensamento, foi para

eles, não nós. Eu me cortei do grupo.

É mais um desses momentos, onde o eixo do meu mundo se

inclina.

Todo esse tempo tenho estado tão focada em como mudei o

cavaleiro que não prestei atenção em como ele me mudou.

— Eu não sou sua prisioneira. — Sussurro.

O toque de Peste continua. Ele não responde.

— Eu não sou. — Insisto. — Não mais. — Estou desenhando um

novo limite.

A Sua boca se curva. — Aceite minha proposta então.

Seu humor é leve. O sexo tem um jeito de fazer isso — mas eu

estou com um humor sombrio.

— Estou falando sério, Peste. Hoje cedo roubei a arma de um

homem e o ameacei. Teria matado por você se precisasse. — Essa


admissão dói. — Então, não, eu não sou sua prisioneira. — Reitero.

—Não mais.

Por um longo momento, ele não diz nada.

— Tudo bem. — Peste finalmente concorda. — Você não é mais

minha prisioneira.

A verdade é que não acho que nenhum de nós saiba o que sou.

Posso não ser mais sua prisioneira, mas duvido que possa me afastar

livremente dele também. Neste ponto, estou admitindo que não quero

me afastar, que me importo com esse ser terrível e maravilhoso.

— O que você fez comigo? — Eu sussurro, procurando em seu

rosto.

Eu parti para destruir este homem, não para protegê-lo.

— A mesma coisa que você fez comigo, eu imagino. — Peste diz,

afastando uma mecha do meu cabelo. — Quer que seu povo viva, mas

não está disposta a ser prejudicada. Quero que seu povo morra, mas

não posso machucá-la. Cada um de nós está preso entre nossas

mentes e nossos corações.

— Não é o mesmo. — Eu digo com voz rouca. — Você apenas

está me salvando porque Deus lhe enviou um sinal.


Peste dá um beijo na minha têmpora. Ele é incrivelmente bom

em abraçar.

— Deus pode ter intercedido em seu nome uma vez. — Diz ele.

— Mas Ele não precisou mais desde então. Você é minha e nada —

nada — mudará isso.


Saímos de madrugada e não demora muito para que Peste

comece a me incitar a recitar outro poema. Quais são as chances de

encontrar um homem que goste de poesia?

Desde que ele gostava de — O Corvo — desenterrei — Lenore.

— … venha! Deixe o rito funerário ser lido, a canção fúnebre

cantada! Um hino para os mortos mais lindos que já morreram tão

jovens... '

Eu nem chego até o final da segunda estrofe do poema de Lenore,

antes de perceber que Peste não está prestando atenção. E depois que

ele fez tanto barulho ao ouvir um poema também.

— E então... — Continuo. — A garotinha Lenore morreu e as

pessoas aparentemente não ficaram muito tristes porque ela era uma

merda e eles a odiavam por isso, agora você quer matar todo mundo

porque somos todos buracos de épicas proporções.

Eu paro, esperando por Peste dizer alguma coisa, qualquer coisa,

mas ele não o faz.

Eu suspiro.
O cavaleiro acaricia minha barriga distraidamente com o

polegar, perdido em pensamentos.

— Você já pensou em crianças? — Ele diz, despertando de seu

devaneio.

A pergunta me pega de surpresa. — Como?

— Crianças. — Ele repete.

— Sobre o que você está falando?

— Tivemos sexo desprotegido, duas vezes. Posso ser novo

nessas partes, mas até eu sei que o propósito da reprodução é

reproduzir.

Uma onda de vertigem doentia me invade. Coloco uma mão na

minha cabeça. Eu não pensei em usar proteção.

E agora...

Oh, merda.

— Isso pode acontecer? — Eu pergunto. — Entre nós, quero

dizer.
Ele não é humano, eu me tranquilizo e um pouco do meu mal-estar

desaparece. Biologicamente, não estamos programados da mesma

maneira.

Certo?

— Eu não vejo porque não. — Diz ele. — Eu posso comer, beber

e fazer amor como um mortal. Talvez possa criar uma criança igual a

um também.

Caramba, lá vai minha bela manhã calma.

— Mas você não sabe? — Eu pergunto, minha voz subindo.

Há um breve silêncio, então. — Sara, eu sinto muito que você

tenha medo da possibilidade.

Ding-ding-ding! Você adivinhou corretamente.

Ele continua. — Em ser a mulher que tão ansiosamente levou

minha carne para a dela.

Jesus. Minhas bochechas esquentam.

— Você está terrivelmente relutante em lidar com tudo o que

vem com o ato.


Eu estou, não estou? Mas em minha defesa, estamos falando de

uma criança.

Ele iria protegê-la, assim como faz com você.

Isso é irrelevante, cérebro. Não seja um idiota comigo agora.

Incrível, estou debatendo comigo mesma. Tenho certeza que isso

me deixa certificadamente louca.

— Você já pensou sobre isso? — Eu pergunto a Peste, ao invés

de abordar o seu comentário.

— Sim.

Espero, mas ele não diz mais nada.

— E? — Eu finalmente pergunto.

— E eu acho a possibilidade… emocionante.

Isso o emociona? Minhas partes de meninas estão muito felizes

com isso.

— Como você pode imaginar. — Ele diz. — Minha excitação me

perturba muito. Estou matando sua espécie. O que acontece se eu for

pai de um?
Realmente quero limpar minha garganta porque, hã, o homem

também está fodendo uma e essa razão não é suficiente?

— Pode ser imortal. — Eu digo, embora esteja mais perguntando

isso do que qualquer outra coisa.

— Pode ser. — Ele concorda e meu estômago se contorce com

isso.

Eu poderia dar à luz uma divindade. Um ser de Deus.

Não. Não, não, não. Nãoooooooooo.

Essa conversa está rapidamente passando de águas

desconfortáveis para minha-vagina-desequilibrada-não-se- importa-

se-você-fez-sexo-bem-ok-talvez-faça-um-pouquinho-esqueça-minha-

vagina-esta-bem-legal-com-isso.

Isso é o que acontece quando você é perturbadoramente bonito.

Minha libido fica estúpida — correção, mais estúpida (porque vamos

encarar, em um dia normal, minha libido ainda é uma boba).

— Mas também poderia ser mortal. Humano, — Ele diz. — E

serei responsável pela sua criação, como também fui encarregado da

destruição de sua espécie.


Aquele garoto lá fora viu muita natureza humana, a maior parte feia.

Apenas agora está vendo a beleza dele, e em grande parte através de você.…

mostre a ele que a humanidade é digna de redenção.

As últimas palavras de Ruth soam em meus ouvidos.

Peste está entre duas naturezas em guerra — a divina, que exige

que todos nós morramos e a mortal, que não quer nos matar, talvez

até queira nos salvar… e a cada dia que passa comigo, sua natureza

mortal se fortalece. Estou fortalecendo-o. O pensamento me enche de

admiração.

— Então, o que você fará sobre isso? — Eu pergunto.

Seus lábios tocam minha orelha. — O que acontecerá nós

veremos. Uma coisa é certa: não posso ficar longe de você.

Meu estômago aperta com isso.

Nem eu de você.

Estou debatendo se devo declarar minha opinião quando a

pressão de Peste aumenta. Eu olho para ele, mas está olhando à nossa

frente.
Sigo seu olhar e meus olhos se arregalam. Ao longe, entre os

prédios que cobrem os lados da rodovia, há um mar de pessoas

vestidas de branco.

Quando nos aproximamos, olho maravilhada para a horda

deles. Eles alinham-se na rua, seus corpos se curvaram em súplica.

Curvados para Peste.

Esperaram por ele, voluntariamente desistindo de suas vidas por

esta demonstração. Olho para o cavaleiro bem a tempo de ver seu

lábio superior se curvar em desgosto. — Orando a falsos ídolos. —

Diz ele. — Eles merecem a praga que os levará.

Será que pensei até um segundo atrás que estava fazendo

incursões em sua sede de sangue? Sinto muito, estava enganada.

— O mesmo que eu mereço? — Pergunto.

— Você foi tocada pela mão de Deus. — Ele responde

suavemente.

Mais quatro pessoas de roupa branca estão no meio da estrada,

obstruindo nosso caminho. Um deles é um homem mais velho com

olhos malucos e cabelos grisalhos. Ao lado dele estão três mulheres

jovens e bonitas.
Quando nos aproximamos o suficiente, o homem dá um passo à

frente, interrompendo Trixie. Posso sentir Peste fervendo nas minhas

costas, mas o cavaleiro não tenta fazer sua montaria se mover

novamente.

— Eu, o profeta Ezequiel, venho a vocês em nosso tempo de

escuridão. — Diz o homem. — E dou a você, o Conquistador, estas

três mulheres para ter e manter.

Ter e manter.

Ick.

Ezequiel parece tão magnânimo sobre sua oferta também, como

se devesse dar-lhe um biscoito pelo esforço que fez para conseguir

essas mulheres.

O rolo sagrado vem para frente, as mulheres em seus

calcanhares. Algo sombrio e possessivo surge em mim, pela maneira

como as mulheres estão olhando para Peste. Elas parecem um pouco

ansiosas para serem servas do cavaleiro.

— O que é isso? — Peste pergunta, seu olhar percorrendo o mar

de homens e mulheres vestidos.


— Nós esperamos muito por sua chegada. — Diz Ezequiel de

olhos arregalados.

Atrás de mim, o cavaleiro grunhe.

— E elas? — Peste aponta o queixo para as mulheres.

— Elas são suas. — Diz Ezequiel.

— O que eu devo fazer com elas? — Peste pergunta, suas

sobrancelhas se erguendo em confusão. E dos seis de nós aqui, ele é

claramente o único que não está entendendo o subtexto delicado

dessa situação.

Ele quer que você as leve para Cidade dos fodidos. Obviamente.

Mas eu mantenho minha boca fechada, porque realmente quero

que Ezequiel, agora um pouco desconfortável, decida por si mesmo.

— O que for que você quiser. — O profeta (ha!) diz suavemente.

Seus olhos se movem para mim, assim como Peste fortalece seu aperto

no meu peito. Eu vejo Ezequiel sufocar uma careta.

Awww, ele estava esperando que o cavaleiro trocasse? Pena que

Peste gosta de seu antigo modelo.


— E se você fosse eu, o que você faria com elas? — Pergunta o

cavaleiro.

— Não cabe a mim decidir. — Diz o profeta humildemente. Pelo

menos, ele acha que está sendo humilde e recatado, com os olhos

voltados para o chão e a cabeça baixa.

As mulheres estão começando a se mexer. Acho que todos

imaginaram essa conversa um pouco diferente.

— E em troca? — Peste pressiona. — O que você quer em troca

dessas mulheres?

Eu fico tensa. O cavaleiro não está pensando seriamente nisso,

está?

Os olhos de Ezequiel se erguem. Eles brilham com avareza. —

Eu espero que você possa nos poupar. — Sua mão varre o mar de

pessoas. — Seus seguidores mais leais.

O olhar do cavaleiro perscruta a multidão. — Hmmm.

O profeta parece empolgado com a deliberação de Peste.


Finalmente, a atenção do cavaleiro vai mais uma vez para

Ezequiel. — Você é muito convencido, me atrapalhando, como fez. —

Diz Peste, sua voz calma.

O rosto de Ezequiel fica vermelho.

— Quanto a negociação. — Continua o cavaleiro, endurecendo a

voz. — Você quer me dar três seres humanos em troca de centenas...

me acha um idiota?

Pela primeira vez desde que nos deparamos com ele, o profeta

parece um pouco inseguro de si mesmo. — N... não

— Suas mulheres seriam nada mais do que um empecilho para

mim. — Diz Peste, falando sobre ele. — Quanto ao resto de seu povo,

deve saber agora que não posso salvar. Apenas posso matar.

Minha pele se arrepia com as palavras dele.

— E se acredita em um Deus, como aparenta acreditar. —

Continua o cavaleiro. — Sugiro que você ore a Ele. É o único que pode

salvá-lo agora.
— Entendo a inquietação de Ezequiel. — Peste diz, uma vez que

o profeta e seu povo estão longe atrás de nós. — Há muito sobre este

mundo que me confunde, mas isso não.

Então ele compreendeu que aquelas mulheres eram ofertas

sexuais.

E quando o cavaleiro teve um gostinho de uma mulher...

Ezequiel deve ter ouvido sussurros de que Peste mantinha uma

prisioneira feminina, uma que não sucumbiu à Febre. Ele deve ter

pensamento que se oferecesse mais algumas mulheres, poderia

conseguir que seus escolhidos vivessem.

Aposto que ele pensou ser bem inteligente também.

Nós passamos através de várias cidades rapidamente, apenas

parando uma vez em um posto avançado para que pudesse ir ao

banheiro, Peste roubar uma barraca, uma coisa aqui e outra lá.

Acho acamparemos novamente esta noite.


E naturalmente, quando o dia chega ao fim, os céus decidem

libertar ainda outra chuva torrencial. Porque acampar não é uma

droga o suficiente.

Ao anoitecer, chuva bate do lado de fora de nossa barraca e não

há material impermeável o suficiente para mantê-la toda para fora.

Infiltra-se pela lama de fora e através da barraca. A frágil estrutura

treme e balança enquanto é golpeada.

O cavaleiro e eu estamos retorcidos juntos na escuridão.

— Então, isso é divertido. — Eu digo.

Peste bufa uma gargalhada. — Não é nossa pior noite juntos.

Não, tecnicamente não é. Que pensamento deprimente. Eu não

posso vê-lo na escuridão, mas o calor dele está em toda parte.

— Pobre Trixie. — Digo.

Ele ainda está lá fora. Brevemente depois de desmontarmos,

Peste deu ao cavalo um tapinha em seu flanco e a criatura saiu

trotando longe para dentro da floresta.


— Meu corcel é eterno. Garanto a você, ele está bem. — A

respiração do cavaleiro toca minha bochecha. — Você ainda não

acabou de recitar aquele poema de Edgar Allan Poe.

A parte desta manhã? Realmente lembra-se disso?

— Você não estava ouvindo.

— Estava, embora não esteja certo se seu macabro poeta é de

escrever buracos na poesia dele.

Sorrio na escuridão, lembrando quando saí do roteiro para

chamar a atenção do cavaleiro. — Poe tem uma boca atrevida.

— Será? — Posso ouvir o sorriso na voz de Peste. — Que outros

bem guardados segredos do universo você sabe?

— Hmmm. — Pretendo refletir sobre isso. — Quarta é o dia da

semana mais subestimado. Banhos quentes podem levar para longe

qualquer doença. Fleuma é a palavra mais horrível na existência, não

úmido, como minha mãe insiste. O mundo vale a pena salvar e eu

quero chamar você de alguma coisa além de Peste, porque, apesar do

que diz, nomes são importantes.

Eu não pretendia que a conversa de repente ficasse profunda ou

eu começasse a pregar, mas ali estava.


Peste enrijece ao meu redor. — Eu não estou procurando mudar

você; porque deve tentar me mudar?

Porque você está destruindo meu mundo.

— Eu não posso mudar você, Peste, apenas você pode fazer isso.

— Ouça-me, Sara: eu não mudarei.

Agora é minha vez de endurecer em seus braços.

Ele vira para olhar para baixo, para mim. — Estou apenas

fingindo ser um homem, nada mais. — Diz. — Meu corpo não

necessita comida, água, dormir, nem todos a mistérios da carne. Eu

participo deles para satisfazer você.

— Oh, é apenas essa a razão? — Eu digo, um pouquinho

maliciosamente.

Quer dizer, dê um tempo. Ele se entrega a todos estas coisas,

porque gosta do gosto da comida, de bebidas fortes e da sensação do

corpo dele dentro do meu. Peste pode não ser um homem, mas muito

desesperadamente deseja ser um.

— Chega disso. — Ele diz, afiado como uma faca. — Você quer

saber porque eu uso está coroa?


Eu posso já dizer pelo seu tom que ele pretende me machucar,

me assustar, para me lembrar do monstro que é. Devo dizer que isso

também é um traço humano? Quando nós mortais gostamos de

empurrar os outros e afasta-los para proteger a nós mesmos, a partir

de nossa própria dor?

— Eu sou o primeiro cavaleiro. — Continua ele. — O primeiro

encarregado de derrubar seu velho jeito de viver. Você e seus

insensatos irmãos acreditaram que poderiam superar Deus.

Construíram e inovaram, na sua busca roubaram da terra a sua

pureza, esqueceram que todos têm outro mestre.

— Todos viraram suas costas para Deus, sim, até você, cara Sara

e estou aqui para que se lembrem. Sou sua mortalidade. Eu sou a feia

verdade de que seus corpos são perecíveis, fracos, corruptos. Sou o

lembrete de que todos homens devem enfrentar um temível ajuste de

contas. — A chuva trovoa com sua voz. — Isso é quem eu sou, sempre

fui e sempre serei, imortal, imutável.

Ele fica em silêncio.

— Isso é total besteira.

Eu sinto, mais do que vejo, a sua surpresa.


— Você acha que estou mentindo?

— Está agindo como se não pudesse mudar, mas viver é mudar

e agora, você está vivo. Mesmo que não possa morrer, ainda anda

entre nós. Ama como nós e sente dor como nós.

Ele não diz qualquer coisa para isso, então continuo.

— Talvez o mundo tenha esquecido Deus e você esteja

supostamente aqui para fazer chover a justiça Dele, mas não aja como

se não fosse uma escolha. Toda vez que passa por uma cidade, você

opta por infectá-la. Optar por matá-la e nenhum deus está atrás para

protegê-lo da verdade.

Vários segundos passam, o violento tamborilar da chuva contra

nossa barraca sendo o único som entre nós.

— Bem, se sou um monstro. — Peste finalmente diz. — Então o

que é que isso faz de você, por ter de bom grado vindo para meus

braços?

— Uma tola e idiota. — Eu digo. — Mas isso não é nada novo.

— Eu não vou parar.


Poderia jurar que ele soa incomodado, mas não posso dizer qual

parte da nossa conversa ficou sob sua pele.

— E eu não me calarei sobre isso, até que você o faça.

— Não espere ganhar. — Ele avisa.

— E você acha que é sobre ganhar. — Eu digo. — Então não ouviu

nada do que eu disse.

— Hmmm. — Ele inspira, acariciando meu braço enquanto olha

para baixo, para mim. — Você me deu muito sobre o que pensar.

Espere, algo que eu disse realmente chegou até ele? E quando

achava ter mais influência conversando com uma parede.

— Chega disso por esta noite. Quero sentir estes tolos e

perversos lábios seus nos meus e seu corpo embaixo do meu, pois esse

é o preço do meu companheirismo. — Ele diz, sua respiração roçando

contra mim.

— Muito otimista pensar que depois desse pequeno discurso

ferrado seu...

— Ferrado?

— Eu explicarei depois.
— Bom. Estou cansado de fazer guerra com essa sua boca. ― Ele

se inclina. — Mostre-me o outro lado da vida.

E assim o faço.
Devo ter cautela com dias como hoje, quando o sol brilha e o céu

é de um tom ofuscante de azul — o tipo de dia que machuca meus

olhos e aperta seu coração. É o tipo de dia que, mesmo no coração do

inverno, lembra como era o verão.

É uma mentira de um dia e assim como todas as coisas

dolorosamente bonitas, deveria saber melhor no que confiar.

O acampamento da noite anterior está muito atrás de nós

quando Peste e eu entramos em nossa primeira cidade do dia, nós

dois absorvendo o sol da manhã enquanto conversávamos.

— ... eu ouvi um barulho embaixo da minha pia. — Digo a ele,

bem no meio da minha história. — E quando fui olhar, não havia um,

mas três ratos. — Eu paro dramaticamente.

— Eu não entendo como isso levou ao alarme de incêndio... —

Diz ele, hesitando um pouco antes de repetir o termo. Apenas

expliquei a ele o que era um alarme de incêndio e como aquele no

meu apartamento escapou ileso da Chegada.

— Eles correram para mim! — Eu exclamo.


— Então?

— Então? — Ratos não correm para as pessoas. Particularmente

não em uma época em que as pessoas comerão esses ratos. — Então

eu peguei uma lata de laquê e um fósforo, fiz um lança-chamas.

Ninguém coloca essa vadia para fora de sua casa.

Com isso, o cavaleiro joga a cabeça para trás e ri. Paro de falar

apenas para me virar e olhá-lo.

Apenas Peste pode ofuscar o sol.

— Não me diga que você tentou ferir as criaturas? — Ele

pergunta quando suas risadas param.

— Sabe, isso é muito precioso vindo de você.

Ele começa a rir novamente e vira minha nova meta de vida:

fazer Peste rir mais.

— Funcionou? — Pergunta ele.

— Claro que não funcionou.

Isso apenas o faz rir mais.


— Bem, eu não achei muito engraçado na época. — Eu digo, mas

não posso manter uma cara séria. É impossível quando ele ri assim.

Ele consegue sufocar sua risada o suficiente para dizer: — Não é

seu trabalho apagar incêndios, não...

BOOM!

Meu corpo é violentamente jogado para frente enquanto o

mundo explode ao meu redor. Sinto o calor, o calor terrível e

abrasador nas minhas costas enquanto eu voo no ar. Chia contra a

minha pele, embora o corpo de Peste me proteja do pior.

Eu bato no chão, meu lado queimando de dor com o impacto. Ao

meu redor, pedaços de asfalto e poeira voam, me queimando em uma

dúzia de lugares diferentes.

Deito no chão por vários segundos, respirando com dificuldade

enquanto a fumaça espessa sobe pelo ar.

Que porra aconteceu?

E do outro lado da estrada, Peste está preso debaixo de Trixie,

uma poça de sangue se espalhando da nuca dele. O corpo de seu

cavalo desapareceu parcialmente e o que resta é sangrento e

chamuscado.
Solto um gemido com a visão.

Empurrando meu torso para cima, começo a me arrastar até eles,

meus membros gritando em protesto.

Parte da estrada foi destruída e é isso, mais do que a forma

inconsciente de Peste ou o corpo arruinado de Trixie que me fazem

perceber que acabamos de sobreviver a uma explosão.

Alguém colocou uma bomba.

Querido Deus.

Eles saem da floresta enquanto rastejo para o cavaleiro, suas

formas silenciosas e sinistras. Há pelo menos uma dúzia deles, talvez

mais e ao contrário da última emboscada, essas pessoas não se

incomodam em usar máscaras.

Sabiam que morreriam.

Eles, no entanto, se vestem de maneira similar. Couro preto e

camuflado.

Gangue, minha mente se enche.

Seu ódio é visceral; contorce seus rostos e engrossa o ar.

Eles não serão como os outros.


Eu não sobreviverei a isso.

— Peste. — Tento chamá-lo, mas minha voz está rouca de dor e

fumaça.

Mesmo que ele não possa me ouvir, lentamente gira seu rosto

para o meu de onde está preso. Seus olhos estão cheios de medo.

Por mim, percebo, enquanto os homens se aproximam de nós.

O grupo não se incomoda em se aproximar de mim. Em vez

disso, eles se agrupam ao redor de Peste. Com destreza, levantam

Trixie e por um momento, quase parece que o estão salvando de ser

esmagado até a morte, mas eu sei melhor. As pessoas não são tão

altruístas quando se trata dos cavaleiros.

Um deles segura uma espingarda no seu quadril, apontando

para Peste.

Novamente o olhar do meu cavaleiro vem para mim antes de se

mover para as pessoas que o cercam. — Poupe meu...

BOOM!

A espingarda dispara, o cartucho explode o rosto de Peste.

Um grito chocado sai da minha garganta.


Alguém se separa do grupo. Uma mulher, percebo. Ela se

aproxima de mim e inclina a cabeça, me inspecionando como um

pássaro olha para um verme. Tudo o que vê, faz com que franza a

testa.

Com um chute rápido, ela bate com o pé na minha testa e o

mundo desaparece.
Acordo com um gemido. Minha cabeça parece ter seu próprio

batimento cardíaco.

Tento levantar para tocar minha temporã, mas meus pulsos

estão presos nas costas. Minhas pernas também estão amarradas nos

tornozelos, prendendo-me no lugar. Eu pisco para afastar a minha

confusão.

Alguém me apoiou contra um prédio marcado, a tinta

desapareceu. Algumas pessoas ficam perto de mim, mas a maioria

está reunida ao redor de um poste de telefone nas proximidades.

Eu olho para eles, tentando descobrir o que está acontecendo.

Demoro alguns segundos, mas finalmente percebo o corpo

ensanguentado que todos estão encarando.

Peste.

Um homem corpulento está amarrando-o à base do poste

telefônico, a corda o envolveu um número estonteante de vezes a

forma arruinada do cavaleiro. Aos pés de Peste há pilhas de lenha.


O rosto de Peste quase desapareceu e a maior parte de suas

costas deve ter queimado pela explosão. E se ele fosse mortal, o

cavaleiro estaria morto cinco vezes, então amarrá-lo seria inútil. O

fato dessas pessoas o estarem restringindo significa que sabem que

ele não pode morrer.

Alguém além de mim finalmente descobriu a terrível verdade. E

agora essas pessoas estão usando isso contra ele.

Choro sem esperança.

Uma vez que o homem termina de prender Peste ao poste, os

pregos e martelos saem. Mesmo quando colocam os itens em seu

corpo, não consigo compreender o que eles farão; minha mente não

me deixa. Apenas quando eles martelam o primeiro prego na pele de

Peste que entendo.

Eles querem crucificá-lo.

O corpo de Peste dá um puxão pela dor. Um segundo prego

segue rapidamente o primeiro, depois um terceiro e um quarto. Seu

corpo estremece várias vezes.

Começo a gritar e quando o faço, percebo que não posso parar.


Na minha linha de negócios, estou acostumada a ver compaixão,

sacrifício. Eu vi homens hospitalizados porque correram para uma

casa em chamas para resgatar um cachorro. Eu vi vizinhos esvaziar

suas despensas e abrir suas casas para vítimas, porque queriam

ajudar as pessoas necessitadas. Eu vi muita bondade. Meu trabalho

sempre me mostrou que, mesmo nas piores circunstâncias, os

humanos podem ser melhores. Nós, como povo, somos bons. Nós

somos.

Então é ainda mais chocante ver esse lado da natureza humana.

O lado frio e cruel. Tão chocante que a única palavra que vem à mente

é desumano.

Várias pessoas ajudam na crucificação de Peste, enquanto os

outros aguardam, contentes em ver seus companheiros torturarem

meu cavaleiro.

Eu grito até ficar rouca, implorando para eles pararem.

— Está puta realmente chora pelo bastardo. — Alguém perto de

mim diz, acenando em minha direção.

Um dos homens vem até mim, uma espingarda no ombro.

Agachando-se na minha frente, olha para o meu rosto por um

segundo, depois me dá um tapa.


Eu ouço o rugido distorcido de Peste enquanto minha cabeça

chicoteia para o lado.

— Porra, Jesus, essa coisa realmente não morre.

Eu viro a cabeça para trás para encarar o homem na minha

frente, minha bochecha latejando com o impacto. É apenas mais uma

dor para adicionar ao resto.

— Pare de machucá-lo. — Eu sussurro. Meu rosto está molhado,

e é quando percebo que esse tempo todo eu chorei.

O homem na minha frente estreita os olhos, observando minhas

lágrimas. — Acho que encontramos aqui um casal. O cavaleiro e sua

prostituta humana.

Eu olho miseravelmente para ele. É uma visão aterrorizante,

olhar nos olhos de alguém que vive de violência e ódio. Com toda a

sua carnificina, Peste nunca se divertiu.

— Diga-me garota, quantas vezes precisou foder essa coisa antes

que ele decidisse ficar com você?

Alguém chama. — Talvez devêssemos ter um gosto, ver o que

tem de tão especial na sua buceta.


Uma mulher grita: — Eu não ficarei aqui enquanto vocês todos

a fodem. Mantenha o plano, Mac.

Mac, o homem à minha frente, olha por cima do ombro para a

mulher com aborrecimento.

Deslizando a espingarda do ombro, Mac tira uma faca perversa

do cinto. Ele agarra as amarras nos meus tornozelos e começa a serrar

através delas.

— Tente me chutar garota. — Diz ele em voz baixa. — E me

certificarei que todos aqui desfrutem da sua buceta.

Chutar ele é tentador, mas minhas pernas estão fracas demais

para causar qualquer dano real.

Uma vez que corta as amarras, ele pega sua arma e se levanta.

— Mova-se. — Ele ordena, dando um chute nas minhas pernas.

Empurra o cano de sua espingarda para um lugar vago na estrada a

cerca de quinze metros de distância.

Forçando minhas pernas feridas, eu me levanto, então manco

pela rua, Mac às minhas costas.


Apenas dei dez ou mais passos quando ele me chuta no chão. À

distância, ouço risadas e além disso, um gemido agonizante.

Peste. Aparentemente, ele tem visão suficiente para ver o que

está acontecendo.

— Levante-se. — Ordena Mac, se divertindo.

Eu abafo um gemido de dor enquanto me empurro para os meus

pés, então recomeço a andar. Alguns passos depois, ele me chuta de

volta para baixo.

Mais uma vez as pessoas riem e Peste grita. E mais uma vez, Mac

me dá ordens, para me chutar logo depois. Todo o cenário acontece

mais algumas vezes, até que as risadas desaparecem e os gemidos do

cavaleiro se tornam um lamento contínuo. Então simplesmente

manco na estrada, meu coração pesado no peito.

Acho que isso é o que se sente quando seu espírito quebra.

Quando não há mais nada para acreditar. Peste invencível foi

conquistado, esses humanos perderam sua humanidade e eu

morrerei no dia de inverno mais bonito.

Quando chego ao meu destino, Mac ordena: — Fique aí. Parada.


Eu me viro e o enfrento quando se afasta de mim, sua espingarda

frouxamente em suas mãos. Ele está quase com seus camaradas,

alguns dos quais agora estão nos encarando, quando Mac mira sua

arma no meu corpo. O grupo deles se organizou para que, mesmo

amarrado, o cavaleiro pudesse me ver claramente.

Peste grita fracamente, meus olhos encontram o que sobrou dele.

— Não esqueça sua misericórdia. — Eu digo a ele enquanto Mac

destrava sua arma e coloca um cartucho no lugar. — Ou o que você

significa para mim. Teria desistido de tudo por você...

— Hey! — Mac chama. — Por que você não cala a boca, cadela?

Oh. — Ele acrescenta. — E diga oi para Satanás por mim.

BOOM!

Eu não ouço o rugido de Peste sobre o som da explosão da arma.

Meu corpo sacode quando um jato de balas rasga meu torso. A

dor é repentina e em toda parte, me cegando e roubando meu fôlego.

Ela floresce de uma dúzia de lugares diferentes.

Eu caio de joelhos.

Não consigo recuperar o fôlego.


Ouço o grito do cavaleiro enquanto coloco minha mão no peito

e vejo meu sangue escorrer entre meus dedos.

Todos os cavalos do rei e todos os homens do rei não poderiam montar

Humpty novamente.

É aquela linha sem sentido que se repete em minha mente. E eu

sei que é sem sentido e que minha vida está sangrando para fora de

mim, esses segundos finais são mais preciosos do que qualquer coisa

que nos seja mais querido, mas não posso calar meu cérebro com essa

ridícula canção de ninar.

Mac não se incomoda em atirar novamente. Em vez disso, ele ri

com seus companheiros sobre sua última frase, enquanto lança a

espingarda por cima do ombro. Alguém começa a derramar fluido de

isqueiro sobre madeira seca empilhada aos pés do cavaleiro.

Eles queimarão Peste. Assim como eu fiz.

A última coisa que sinto é fumaça.

Não sei quanto tempo permaneço no limite da vida.

As balas devem ter errado as partes importantes, parte de mim pensa.

Outra parte pensa que talvez eu já tenha morrido. Quer dizer, como

algum de nós realmente sabe como é a morte?


— Sara...

— Sara...

— Sara...

Alguém continua chamando meu nome. Eu tento abrir meus

olhos, mas o que vejo não faz sentido.

A gangue se foi. Tudo o que resta da lembrança deles é uma

pilha de cinzas em chamas. Isso e o toco de um homem que se arrasta

cegamente para longe dos restos do fogo.

Peste …

— Sara. — Ele murmura. Seu corpo está enegrecido e seu rosto...

não pode ser chamado assim. Não consigo distinguir nenhuma

característica reconhecível, embora obviamente haja uma boca em

algum lugar entre tudo, já que ele é quem está me chamando com os

restos mutilados de sua garganta.

Eu faço um pequeno som. Não tenho vida suficiente em mim

para ficar triste ou surpresa ou horrorizada.

Meu entorno desaparece.


Quando entra em foco novamente, Peste conseguiu arrastar o

que sobrou de si para o meu lado. Ele enrola seu corpo carbonizado

ao redor do meu, quase protetoramente.

— Sara, Sara, Sara... — Desta vez, sua voz é mais forte. Ainda

rouca, mas agora parece que ele tem um caso grave de laringite em

vez de uma caixa de voz de rádio. — Diga algo.

Falar deveria ser mais fácil para mim do que para ele, no entanto,

tudo que consigo é um gemido baixo. Sinto o peso de um braço em

volta do meu torso. Sinto me puxando para perto. E então o corpo de

Peste começa a tremer.

Eu nunca soube que os cavaleiros poderiam chorar. Não até eu

ouvir seus soluços. O som é horrível, ainda mais horrível que seus

gritos.

— Perdoe-me, Sara.

O que há para perdoar?

É o que quero dizer, mas não consigo formar as palavras. Minha

boca não funciona corretamente; tenho certeza que é apenas minha

mente agarrada à vida. Até a dor não é mais tão ruim. Está apenas lá,

como um pulso.
E então estou aliviada por não poder expressar meus

pensamentos, porque não há realmente muito que não precisa de

perdão. Sua crueldade, minha, toda essa morte e violência.

Estas situações violentas têm fins violentos...

Antes era rima de berçário; agora é Shakespeare correndo pela

minha mente.

Mas Peste não foi tão violento no final, foi? Estava triste e

estranho, veio à Terra com um propósito, o peguei questionando, uma

ou duas vezes.

Deus, por favor, não me deixe morrer.

Caso contrário, Peste estará sozinho e esse pensamento é mais

profundo do que minhas feridas de bala.

Ficamos deitados juntos, nossos membros entrelaçados. Um tipo

pacífico de escuridão lambe as bordas da minha visão. Eu luto contra

isso.

Mas perco a luta contra a escuridão e deslizo suavemente para

ela.
Sou acordada pela dor. Um grito sai de mim, fraco e lamentável.

Não pode ser que estar morto dói. Certo? Você não deveria sentir dor

na morte...

A menos que esteja queimando nos poços do inferno. Isso é

sempre uma possibilidade.

Meus olhos entreabrem, olho para cima para uma pele

queimada.

Leva-me um momento para focar minha visão e então estou

encarando Peste com uma face ainda muito danificada. Os olhos dele

voltaram ao formato, mas o nariz ainda é apenas um poço enegrecido

e não há muito de seus lábios. Há áreas onde a partes da pele estão

descascando. Por baixo dela, a carne é saudável e rosada e sei que um

dia ficará dourada.

Meu cavaleiro.

Ele olha para mim. — Fique comigo, Sara. Fique comigo,

querida.
Meu corpo balança novamente, a dor roubando minha

respiração. Apenas então percebo que ele está andando. Não posso

olhar para baixo, para o queimado das pernas e pés, mas eles ainda

devem estar horríveis. Ele está caminhando e ainda mais

surpreendente — está fazendo isso enquanto me carrega em seus

braços.

Não vi nenhum sinal das pessoas que nos feriram, embora

estejam por aí em algum lugar. Talvez eles sejam que nem o cachorro

da minha infância, que rastejou abaixo do nosso deck para morrer,

voltou ao seu próprio lugar tranquilo do universo para lavar o fedor

do assassinato e deixar a praga levá-los.

Uma dor me puxa de meus pensamentos. Consigo virar minha

cabeça somente o suficiente para ver Peste montar. Trixie Skills está

deitado de lado, boa parte de seu corpo queimado.

Eles não pouparam nem o cavalo?

Bastardos.

Trixie está procurando o mestre, raspando as patas fracamente

no chão. Não achei que tivesse energia em mim para chorar,

especialmente não por um cavalo morto-vivo, mas o faço. Fecho meus


olhos e reclino para perto do peito de Peste, meu corpo gritando em

protesto enquanto um silencioso choro balança meu corpo.

O cavaleiro aperta seu abraço ao meu redor. Quando chega ao

lado de Trixie, fica ali por um momento. Então começa a andar

novamente, deixando o corcel para trás.

O mundo perde o foco quando durmo e desperto, durmo e

desperto.

Eu não estou dormindo. O pensamento passa através de minha

mente grogue. Estou perdendo a consciência.

Em algum momento, o cheiro de fumaça é substituído por um

forte antisséptico. Desperto com o odor, fraca demais para levantar

minha cabeça ou abrir meus olhos.

—…Cure ela...

—... poderia, mas ainda há infecção para se preocupar...

— … cuide… ou morra...

— Não.

— Não? — Isso, é de Peste.


Eu gemo um pouco. Em resposta, os lábios de Peste pressionam

contra a minha testa. — Fique comigo, Sara. — Ele sussurra contra

minha pele.

Fracamente pressiono a mão contra seu peito, meus dedos

tocando a calorosa base de sua garganta.

Quero dizer a ele que está tudo bem. Para não se preocupar

comigo, mas há uma parede de dor que preciso quebrar primeiro, mas

simplesmente não consigo.

— Você se preocupa com ela? — O estranho pergunta.

— Eu a amo.

Meus dedos flexionam contra a pele dele.

Preciso abrir meus olhos. Preciso ver seu rosto enquanto ele diz

essas palavras. Preciso ouvi-las novamente enquanto ele olha para

mim.

Apesar de meus melhores esforços, meus olhos ficam

firmemente fechados.

— Você a ama?

— Isso foi o que acabei de dizer, humano.


Através da minha consciência, posso já dizer que Peste está

perdendo sua paciência.

— Então espero que sofra vendo-a morrer.

Um horrível silêncio segue.

— Então que seja. — O cavaleiro diz solenemente.

Até através da neblina de minha dor sinto arrepios com seu tom.

O estranho — uma mulher eu acho — começa a gritar. O som

ecoa pelo corredor, ganhando força. Força ou... são outras vozes?

Pare. Eu tento dizer isso, mas tudo que sai é um gemido.

E então a vozes estão na minha cabeça, dando som a minha dor.

Aumenta em meus ouvidos e sob a pele, queima-me de dentro para

fora.

Eu vou para as trevas novamente e desta vez, não é tão fácil abrir

caminho para acordar novamente.

Pisco, vendo uma luz silenciosa. Está em todos os lugares— acima de

mim, abaixo, por todos os lados. Toco meu estômago, mas já não dói. Não

estou mais ferida; não há sangue, sem pele queimada, nada.

— Então esta é a mortal pela qual meu irmão se apaixonou.


Eu me movo para frente, para o brilho de luz. Ali, uma sombra começa

a aparecer, seu contorno embaçado.

— Peste? — Eu chamo.

— Não completamente.

Com cada segundo a sombra aprofunda, sua forma aparecendo até que

posso distinguir a sombria forma de um homem desfigurado.

Espere, não desfigurado, percebo enquanto olho para os contornos dele

atrás. Alado.

Thanatos.

O Quarto Cavaleiro.

Ele olha para mim e essa é a primeira vez que percebo que estou deitada

no chão — se você puder considerar esta insubstancial coisa abaixo de meu

corpo chão.

Depois de um momento, o cavaleiro estende a mão para mim.

— Eu estou morta? — Pergunto, ignorando a mão dele.

— Momentaneamente.

Estou... morta.
Isso deveria me incomodar — deveria ser assustador, um cavaleiro

alado na minha frente, mas por algum estranho motivo, eu não me importo

muito com a situação. Talvez seja este lugar.

Thanatos estende a mão e com relutância, eu aceito.

— Eu preciso voltar. — Digo enquanto ele me puxa de pé. — Peste

precisa de mim.

— Ele precisa? — Morte vira a cabeça, seu preto cabelo mudando, as

ondas cobrindo seu rosto como uma mortalha fúnebre.

Ele é bonito, percebo. Assim como seu irmão. Somente que a beleza de

Peste é esmagadora; Morte tem um rosto trágico e cortante.

Ele ainda não solta minha mão.

— A última vez que o vi, ele não precisava de ninguém. — Thanatos

continua me observando. — Parece que ele... sucumbiu.

Nenhuma ideia do que isso significa.

— E você? — Morte pergunta. — Precisa dele?

Como ar para respirar.

— Sim.
As asas de Morte se abrem, batendo um pouco, quase em agitação. —

Seu corpo não a quer de volta, Sara Burns.

Como é que ele sabe meu nome?

O aperto de Morte é firme, suas asas começam a bater mais forte. Será

que ele vai me levar?

— Há outras coisas que aguardam você. — Ele diz.

— Eu quero voltar. — Não posso deixar Peste. Não o farei.

Os olhos negros de Thanatos observam os meus. — Eu poderia parar

isso agora, mas estou muito, muito… interessado. — Suas asas se fecham.

— Tudo bem. Que assim seja.

Ele solta minha mão e caio longe dele.

Olho para cima para o todo poderoso, Morte, depois para baixo,

enquanto seu formato encolhe e a luz atenuada escurece.

Caio mais e mais abaixo...


Meu peito se curva e tomo uma respiração aguda e trêmula.

Jesus que dor! Como se alguém estivesse segurando uma tocha de

fogo contra o meu peito. Forço meus olhos a abrir, observando o

esparso quarto do hospital ao meu redor.

Não estou morta.

O pensamento parece absurdo depois da ferida de bala que sofri.

Minha mão se move para o meu vestido de hospital. Eu o coloco

de lado o suficiente para dar uma olhada no meu peito enfaixado. Não

há muito para ver além das ataduras, mas a maldita dor compensa

isso.

Eu definitivamente estou na terra dos vivos. Estar morta não

poderia doer tanto assim e duvido que a vida após a morte cheire tão

horrível. O ar é denso com aquele cheiro químico que todos os

hospitais têm — como se este fosse o último grito de guerra da

humanidade contra as doenças. E a julgar pelo cheiro da morte que

também mancha o ar, é um fraco grito de guerra.


Apenas então que percebo que não tenho ideia de como cheguei

a esta sala e não há mais ninguém por perto para preencher os espaços

em branco para mim.

Ouço por um minuto, esticando meus ouvidos para ouvir

qualquer coisa além do meu quarto, mas tudo está quieto. O lugar

todo é apenas um longo e terrível silêncio.

Começo a tirar meus lençóis, depois solto um assobio.

Cristo, está lesão dói mais do que ser arrastada por trás do cavalo

de Peste. A dor está em toda parte e em tudo. Agora que acordei,

parece me cercar. Respiro fundo várias vezes, fechando meus olhos

contra a picada violenta dela. Quando finalmente se acalma, começo

a me mover, desta vez devagar e rigidamente.

Aperto os dentes contra a dor quando chego à porta. Eu tenho

que me inclinar contra ela por vários segundos, apenas recuperando

o fôlego. Balanço meus pés.

Não vou muito além desse ponto.

Ainda agarro a maçaneta. Eu viro a alça fria e abro a porta.

O cheiro me atinge primeiro. Como se a Morte tivesse abaixado

a calça e cagado.
Minha garganta se fecha, sem vontade de respirar a fumaça. Meu

coração começa a acelerar loucamente quando entro no corredor.

É quando os vejo. Dezenas de corpos podres e inchados caídos

contra as paredes e esparramados no chão.

Engasgo com a visão. E se houvesse alguma coisa no meu

estômago, sairia agora.

Por que essas pessoas não evacuaram quando tiveram a chance?

Eles não estavam dispostos ou eram incapazes de fazê-lo, Burns.

E então morreram.

Clomp, clomp, clomp. Cascos clicam contra o linóleo. Um

momento depois, Peste vira no corredor, rebocando Trixie atrás dele.

Congelo com a visão dele.

Ao contrário de mim, que deve parecer uma bosta (porque eu

certamente me sinto assim), Peste está de volta ao angelical — sem

manchas, imaculado, intocável.

A única coisa sobre ele que é diferente é o conjunto severo de

suas feições. Não percebi que a dureza estava faltando em sua


expressão — mesmo quando ele me odiava — até agora. Mas assim

que me vê, seu rosto suaviza. Suaviza completamente.

Peste solta as rédeas de seu cavalo e avança rapidamente para

mim. Cobre meu rosto e me beija. — Você está acordada, acordada e

viva. — Ele se afasta, seus olhos brilhando enquanto me observam.

Engulo. Por tudo que era certo deveria estar morta.

Estava morta... não estava?

Por um momento minha mente evoca um breve lampejo de asas,

mas então a imagem se esvai.

— Eu pretendia estar aqui quando você acordasse. — As mãos

de Peste deslizam sobre mim, como se precisassem ter certeza de que

eu estou, de fato, viva. — Não deixei seu lado, não até uma hora atrás,

quando fui buscar Trixie.

Uma de suas palmas se move sobre meu coração. Descansa ali,

fechando os olhos. — Eu pensei que você tivesse morrido. — Sua voz

quebra. — Que deslizou para além do meu alcance.

Eu toco sua bochecha. — Você me salvou.


Peste se inclina no meu toque, seus olhos se abrem. — Eu sempre

a salvarei. — Ele diz fervorosamente. — E o que você passou nunca

mais acontecerá.

Um calafrio me percorre quando as sombras entram em seus

olhos. Seu olhar clareia um momento depois e acho que posso ter

imaginado a coisa toda.

Peste franze a testa. — Você não deveria estar fora da cama, Sara.

Realmente não deveria estar.

— Estou bem. — Digo suavemente.

A carranca do cavaleiro se aprofunda com a mentira.

Meus olhos passam por seu ombro, onde corpos inchados se

encontram. — O que aconteceu? — Minha voz é baixa e rouca.

Ao invés de responder, Peste começa a me levar em direção a

Trixie. Tento ficar contra ele, tentando resistir até que me dê respostas,

mas ele é muito forte e muito teimoso, então o deixo silenciosamente

me levar de volta ao seu corcel.


— Hey. — Eu digo fracamente para Trixie. A última vez que vi

o cavalo, estava quase morto. Agora a fera deixa cair o nariz e me

cutuca.

Atrás de Trixie está uma carroça, a cama é forrada com um

colchão macio, um travesseiro e um cobertor.

Para mim.

Uma superfície nebulosa surge.

Eu a amo.

Foi o que Peste disse.

Eu seguro seu antebraço. — Eu ouvi você. — Giro para olhar

para Peste, mesmo quando a minha frequência cardíaca acelera. Não

é apenas dor que agora está me dominando, são todas essas emoções

que são grandes demais para caberem sob minha pele.

O cavaleiro olha para mim intrigado. — Ouviu o que, querida

Sara?

— Você me ama. — Minha voz falha.


Eu não questiono o sentimento como fiz uma vez, quando ele se

confundiu entre amor e luxúria. Não depois do que nós dois

acabamos de passar.

Ele faz uma pausa. A princípio, vejo hesitação em seu olhar,

como se não tivesse certeza de como reagiria a essa notícia. Mas

qualquer expressão minha, faz com que seus olhos brilhem.

— Sim, Sara, eu te amo. — Diz ele, resolutamente. Ferozmente.

Como se o amor estivesse aqui e para ficar.

Assim como estou prestes a sorrir, outra lembrança volta para

mim.

Então espero que sofra vendo-a morrer.

As palavras fazem meu estômago revirar.

Um médico disse isso? Parecia que sim pelas partes que lembro

da conversa. E estamos em um hospital. Faria sentido que Peste falasse

com um médico... um médico que queria que Peste entendesse uma

ou duas coisas sobre a perda.

Foi quando os gritos começaram. Pensei que talvez eles

estivessem na minha cabeça, aqueles gritos, mas agora olho ao redor

novamente. Essas pessoas têm sangue saindo de suas orelhas e seus


olhos, seus narizes e suas bocas. As vítimas de Peste não se parecem

com isso.

— O que aconteceu? — Eu repito, olhando para os corpos.

Algo não está certo aqui.

— Eles não queriam curá-la. — A voz de Peste é fria, tão fria.

Meus olhos percorrem o corredor antes de voltar para ele. —

Todos eles?

— Chega.

Meus olhos param em uma enfermeira, seus olhos, ouvidos e

nariz sangrando. Essas mortes não foram de Peste. Foram

assassinatos por vingança.

Estou começando a tremer e acho que é de horror.

— E se todos morreram, então quem me curou? — Pergunto.

— Eu mantive alguns vivos por tempo suficiente para cuidar de

você.

Tempo o suficiente.
— Vamos. — Diz ele, cortando minhas perguntas para que

pudesse me ajudar a entrar na carroça.

Ele ajuda a me deitar, tenho que apertar meus olhos fechados

porque está sendo tão gentil, tão cuidadoso. Mesmo que recentemente

exterminou um hospital, me trata como se eu fosse delicada.

— Não faça isso, Sara. — Ele diz baixinho.

Ele não poupará a humanidade, apenas a mim.

— Fazer o que? — Forço meus olhos abertos.

— Não aja como se eu fosse o monstro. Eles a deixariam morrer.

— Seu olhar queima, como se ainda estivesse preso nas chamas.

— Nem todos eles. — Sussurro.

— Suficiente.

Eu olho para longe do cavaleiro.

— Isto é o que eu fui criado para fazer! — Ele diz com

entusiasmo. — Eles morreram rápido. Não conta para alguma coisa?

Conta. E teriam morrido independentemente. É apenas que vejo

todos esses corpos e essa é uma visão que nunca mais conseguirei

esquecer.
Uma coisa é ver uma família morrer em suas casas, conversar

com eles, cuidar e testemunhar suas mortes. Outra é ver um prédio

cheio de cadáveres apodrecendo, com os rostos cheios de terror. Eu

não consigo vê-los como as pessoas que foram uma vez e isso os torna

ainda mais grotescos.

Eu não respondo. Honestamente, estou muito cansada para

discutir com Peste agora.

— Que assim seja. — Diz ele.

Que assim seja. Foi também o que ele disse antes de pressionar

sua vontade em uma sala cheia de médicos, enfermeiras e pessoas

doentes.

Eu tremo novamente, ignorando o grunhido frustrado que deixa

sua garganta. Ele volta para o cavalo e se inclina sobre a sela. Até o

estalo de sua língua parece irritado.

A carroça balança quando rola sobre os corpos. Eu faço uma

careta enquanto repuxa meus ferimentos, a dor é tão intensa que fecha

minha garganta, mas é o pensamento de todos aqueles corpos que me

faz respirar assim.


Ele deu a essas pessoas uma morte rápida; não deveria ficar

chateada. Mas desta vez, ele estava com raiva quando os matou.

E eu sou culpada por isso.

Pela primeira vez, uma percepção obscura e insidiosa se apodera

de mim

O amor de Peste por mim pode não salvar vidas humanas. Pode

acabar com elas mais rápido.


Quanto mais quilômetros colocamos entre nós e o hospital, mais

o meu horror desaparece.

Agora, o que mais me lembro visceralmente são os gritos de

Peste quando foi torturado e a maneira como essas pessoas

desfrutaram de sua dor. Ainda posso ver a casca chamuscada do

cavaleiro se aproximando de mim, me chamando da massa devastada

de seu corpo.

Que dor inimaginável deve ter sofrido e ainda assim se agarrou

a mim. Fez mais que isso. Eu me lembro do corpo quebrado de Peste

enquanto ele me carregava em seus braços. Braços que foram, sem

dúvida, queimados completamente em alguns lugares.

Ele suportou tudo isso para me salvar.

No momento em que Peste para Trixie — na frente de uma

mansão não menos — estou me sentindo triste, penitente.

Quando ele volta ao lado da carroça, posso dizer que está

esperando outra discussão. Seus ombros estão rígidos e sua boca

fechada. Quase posso ouvir todos os argumentos e assuntos contra os

quais ele passou o passeio pensando.


Mas não luto contra ele.

Em vez disso, abro meus braços.

Ele hesita, claramente perplexo e inseguro para onde estou indo

com isso. Finalmente, se ajoelha e me pega em seus braços,

abraçando-me como se fosse sua própria vida. Eu o seguro perto,

embora meu peito pareça estar sendo fuzilado novamente.

— Eu nunca senti tanto medo em minha vida. — Sussurro.

Ele acena com a cabeça contra mim.

— Por você, eu quero dizer.

Ele se afasta para encontrar meus olhos.

— Eu nunca mais quero ver isso acontecer com você. — Eu digo

com voz rouca.

Peste toca minha bochecha. — Nem eu com você. — Mais suave,

ele diz — Pensei que estivesse morta. — Sua voz se quebra na última

palavra.

Eu poderia estar, penso eu, lembrando da estranha visão que tive

de Thanatos.
Ele procura meu rosto. — Nunca senti tanto… medo. É uma

emoção horrível.

Sim é.

— E nunca senti tanto ódio.

Eu não o culpo — o que aquelas pessoas fizeram foi doentio — e

ainda assim tremo com suas palavras.

O cavaleiro fecha os olhos, apoiando a testa na minha. Quando

os abre, estão cheios de dor. — Esse negócio de salvar ou morrer está

se tornando um padrão perturbador entre nós.

— Sim. — Mas não quero me debruçar sobre isso. Eu movo a

mão para poder acariciar seus lindos lábios. — Diga novamente. —

Eu sussurro.

Suas sobrancelhas se erguem. — Dizer o que?

— Diga como você se sente sobre mim.

Seu rosto parece ganhar vida, seus lábios se curvam em um

sorriso despreocupado antes de se tornar solene mais uma vez.


— Eu te amo. — Diz ele. — Antes mesmo de entender o termo,

eu amava você. Amo sua risada e seu humor obsceno. Amo sua

compaixão e sua vivacidade, sua ferocidade e sua lealdade.

— Queria que você sofresse e olhe para mim agora, desesperado

para mantê-la nesta terra.

O olhar suave em seu rosto faz meu estômago revirar.

Uma rajada de vento tempestuoso balança minhas roupas,

forçando um arrepio de mim e isso é o suficiente para romper o

feitiço.

— Vamos levá-la para dentro. — Diz Peste.

— Apenas se você continuar dizendo como se sente. — Eu digo,

gananciosa para ouvir tudo.

— Com prazer, querida Sara. Há muitas coisas que ainda tenho

para compartilhar. Quero que saiba todas elas.

Ele começa a deslizar os braços por baixo do meu corpo,

claramente querendo me carregar.

Coloco uma mão no peito dele. — Eu posso ficar de pé. — Insisto.

Peste parece duvidoso, mas recua.


Cuidadosamente, balanço minhas pernas para o lado da carroça,

sibilando um pouco enquanto faço isso. Pontos negros dançam na

minha visão.

Supere isso, Burns.

Eu me forço a ficar de pé, meu corpo gritando em protesto, as

manchas pretas se espalhando.

Não foi tão ruim no hospital?

Peste está na minha frente, toda sua ternura anterior se foi, uma

careta de desaprovação em seu rosto.

Eu dou um passo em direção a ele e desmorono em seus braços.

Tentar andar foi um erro. Vejo isso em retrospectiva.

Peste me mantém acamada na mansão (evacuada) enquanto

brinca de babá. No começo, presumo que toda a situação seja

temporária. Mas então um dia se transforma em dois, depois três,

depois quatro, depois cinco-seis-sete-nove-treze…?

Os dias passam enquanto minha ferida cicatriza e não consigo

lembrar há quanto tempo estamos aqui. Tempo suficiente para

descobrir que Peste pode ser mandão e super protetor,


particularmente quando tento fazer qualquer coisa que remotamente

se pareça com viver.

— Eu não me lembro de você ser assim quando quase me matou.

— Eu digo irritadamente, jogando minhas cobertas no dia quinze?

Dezesseis? Vinte?

— Devo ser punido por me importar demais? — Peste pergunta

de onde está ao lado da cama. — É isso que você está sugerindo?

Maldito por torcer minhas palavras.

— Eu não ficarei nesta cama de merda outra hora. — Não é

realmente uma cama de merda. Dor e ócio me deixaram impaciente,

apenas isso.

— Por Deus você vai e se eu tiver que segurá-la nela, então me

ajude, Sara, mas o farei.

Cavaleiros agressivos também me deixam irritada.

— Eu estou curada!

— Eu luto contra a infecção no seu organismo agora mesmo!

Você não está.

— Apenas me deixe andar por aí!


— Para você colapsar em mim novamente? Acho que não!

— Isso foi há semanas.

Parece ainda mais. Eu preciso me movimentar.

— Você não está melhor agora do que esteve então! Seu corpo

fraco ainda está gravemente ferido.

Corpo fraco?

— Você está sendo um maldito valentão! — Eu digo.

— Eu sou seu maldito salvador no momento. — Peste parece

totalmente no limite comigo.

Eu não me lembro dele ser tão esquentadinho antes.

Ele está com medo de você morrer e você está com medo de deixá-lo.

Ele passa a mão pelo cabelo e olha por cima do ombro para a

porta.

Seu corpo parece se esvaziar. — Eu não discutirei com você. —

Diz ele. Foi-se o calor de sua voz. Ele começa a recuar, depois se vira,

fazendo uma retirada apressada para a saída.

— Espere. — Eu digo quando ele está quase na porta da suíte.


Eu não quero brigar.

O cavaleiro faz uma pausa.

— Sinto muito, volte.

E ele faz, sua imponente estrutura sentada no colchão. Tudo o

que preciso é mostrar um pouquinho de vulnerabilidade e Peste cede,

mudando o discurso por toques suaves e beijos ainda mais suaves.

Ele não vai mais longe do que isso, mas não importa. Agora tudo o

que quero sentir é seu amor.

Seu amor.

Ele me dá livremente e parece o calor do sol na minha pele.

Nossos dias continuam assim, temperados com nossos pequenos

dramas e acalmados por confissões sussurradas e toques que nunca

chegam longe o suficiente. No fundo da minha mente, continuo

esperando que os donos da casa retornem, mas nunca voltam e assim

nossa permanência continua e continua, caindo em uma espécie de

padrão.

Meus buracos de balas vão de feridas abertas a cicatrizes de cor

rosada, a pele crivada agora brilhante. Agora pareço uma criatura do

apocalipse, meu corpo um mapa de velhas feridas. Nunca serei como


Peste, cuja forma perfeita se recupera das brutalidades selvagens sem

sequer uma cicatriz. Uma pequena parte de mim lamenta a doce

suavidade da minha pele, mas a parte mais forte, a da Sara que

queimou o cavaleiro e foi arrastada por seu corcel para proteger sua

cidade, está simplesmente feliz por ter escapado da morte.

Eu não deveria. Várias vezes não deveria. E se for honesta o

suficiente, admitirei que Peste sempre foi o motivo. Ele salvou minha

vida uma e outra vez. E agora, sua única razão para estar aqui —

espalhar a peste — foi suspensa.

Tudo para que Peste pudesse cuidar de mim.

O amor tem uma maneira engraçada de reorganizar as

prioridades. Começou a reorganizar as minhas.

E ainda assim... me sinto desconfortável com essa pausa

temporária. Por mais apaixonante, furioso e carinhoso que seja Peste,

essa dureza que vi pela primeira vez no hospital ainda perdura em

cada uma de suas feições.

Ficamos nessa mansão abandonada por tanto tempo que o

mundo pensa que ele se foi. Eu sei disso porque, entre outras coisas,

a casa tem uma televisão funcionando.


Ainda mais chocante do que a notícia do — desaparecimento —

do cavaleiro é o quanto os repórteres sabem sobre mim. Há algumas

fotos borradas minhas e do cavaleiro, uma de quando ainda era

oficialmente sua prisioneira, meus pulsos algemados e outras mais

tarde tiradas enquanto me sentava montada em seu cavalo.

Os repórteres não sabem o que pensar de mim. Eles não sabem

se sou sua prisioneira ou sua amante (ou todos os itens acima) ou o

que aconteceu conosco. A coisa toda parece terrivelmente confusa

para eles — deveriam me elogiar ou me condenar? Eles se

estabeleceram com pena.

Peste entra no quarto principal onde estou enfiada — ainda na

porra da cama — sua grande estrutura enchendo a porta. Ele remove

seu arco e se agita, os coloca ao lado da porta. Então sai de sua

armadura. Deixa a coroa na cabeça, o cabelo se movendo pela brisa.

Eu sei sem perguntar que ele estava patrulhando o terreno. Não

que precise. Qualquer um que remotamente se aproxime deste lugar

ficará doente. Acho que ele faz mais porque está inquieto. A

necessidade de percorrer todas as terras do homem e espalhar a

doença deve consumi-lo.


Ele não é um homem paciente. Exceto, é claro, quando se trata

de mim e do meu corpo humano tão fraco.

Ele senta na beirada da cama, o olhar em seus olhos me fazendo

arrepiar. Há amor ali, mas por baixo há a mesma frieza. Eu não sei o

que fazer com isso.

Peste levanta a borda da minha camisa e passa o dedo sobre a

carne irregular. Ele se inclina para frente e beija uma das cicatrizes.

— Em pensar que se apenas um desses projéteis atingisse algum

outro lugar, isso poderia ter matado você.

Eu noto o tremor muito leve que percorre seu corpo com a

menção.

— Como você se sente? — Pergunta ele.

— Curada.

Peste estreita os olhos para mim. É a mesma resposta que tenho

dado a ele todos os dias durante semanas.

E isso foi verdade por um tempo, mas tente falar com sentido a

um ser que não pode morrer e não sabe intuitivamente quando um

humano está completamente curado.


Eu pego sua mão e puxo-o para meu lado. Durante a primeira

semana, ele ficou deitado na cama comigo, me segurando perto, sua

mão descansando sobre o meu coração, apenas para que pudesse

sentir a batida constante dele. Mesmo uma vez que se assegurou de

que eu suportaria, ainda deitava na cama comigo, apertando o corpo

e adormecendo quando se permitia.

Mas dormir e afagar era tudo o que ele se atrevia a fazer comigo.

Agora eu rolo para ele.

— Sara. — Ele protesta.

— Eu não sou uma boneca de porcelana. — Eu digo, movendo-

me para montar seus quadris. — Eu não vou quebrar facilmente.

— Você e eu sabemos que não é ver...

Eu silencio-o com um beijo longo e lento. Acho que ele quer

resistir, mas Peste ainda está tão abalado com os mistérios da carne

(como ele chama) que não faz muito para impedir isso.

Suas mãos sobem para segurar meu rosto enquanto meus lábios

se separam dele. Passo alguns segundos simplesmente respirando-o

antes que minha língua pressione contra a dele. No momento em que


isso acontece, suas mãos deslizam para meus braços, me segurando

com força.

Minhas próprias mãos vão para seu cabelo, derrubando sua

coroa torta. Ele tem senso suficiente para colocá-la na mesa de

cabeceira.

Eu movo os quadris e ele solta um gemido. — Sara, você ainda

está se curando.

— Eu pareço com dor? — Pergunto.

Ele franze a testa para mim, mas não discute. Também não luta

comigo quando tiro sua camisa, depois o restante de suas roupas. Mas

não me ajuda exatamente também.

Em algum momento, no entanto, muda. Ele começa a me

encontrar, toque por toque, beijo por beijo, até que está liderando.

Suas mãos me tocam e não há pele suficiente para suas palmas

ásperas cobrirem.

Ele coloca o braço ao meu redor, em seguida, nos vira, deixando-

me olhá-lo.

Tão lindo. Não sei se algum dia superarei esta visão.


Habilmente, Peste tira suas próprias roupas, jogando-as

descuidadamente de lado.

Uma vez que estou nua, seu olhar percorre meu corpo, parando

na junção entre minhas coxas. Ele se abaixa, pressionando os lábios

no meu núcleo. Reflexivamente, me arqueio contra ele. Ele abre

minhas pernas e continua beijando — entre minhas coxas.

Cristo.

— O que você está fazendo? — Eu pergunto, sem fôlego.

Começo a me sentar, apenas para ele me empurrar de volta para

a cama.

— Suponho que seja óbvio. — Diz ele. Mordisca e oh, Jesus, ele

é tão sujo. Onde aprendeu a ser tão sujo?

Sua língua sai e me prova.

Eu gemo, minhas costas arqueando para fora da cama.

— É assim que você me mata. — Murmuro.

Ele se afasta instantaneamente. No momento em que observa

minhas bochechas coradas com seu olhar confuso, sua expressão

preocupada se transforma em uma satisfação masculina.


Tenho certeza que ninguém deu aulas de anatomia para Peste

(além de mim), mas ele descobriu muito rápido que meu clitóris é a

fonte de toda a maravilha do mundo.

O cavaleiro retorna aos seus cuidados e sua língua inteligente

me faz resistir e se contorcer. Seu hálito quente sopra contra mim

enquanto ele ri. Peste pode ser novo nisso, mas o aluno

definitivamente está superando o mestre em tempo recorde.

— Ughn. — Eu gemo. — Ssss, pare. Demais. Pare.

O filho da puta não para. Ele continua.

Eu solto um grito, meus quadris levantando da cama, enquanto

a sensação me rasga, cegando em sua intensidade.

Peste não me dá tempo para descer completamente. Ele move

meu corpo. — Você me convenceu.

— Hã?

Ele envolve minhas pernas em sua cintura. Sinto seu pênis bem

na minha abertura, duro e insistente.

— Você está curada.

E então ele entra.


Outro gemido escapa enquanto sua espessura me estica. Passou-

se vidas atrás desde que fizemos isso. Peste tem sido tão cuidadoso

em não me machucar ou empurrar minhas feridas que é um choque

que esteja subitamente em mim.

É uma surpresa ainda maior sentir sua energia frenética. Seus

movimentos não são lentos e reverentes, nem mesmo brincalhões e

exploratórios. Ele bate em mim como se não pudesse ficar fundo o

suficiente, me puxa para cima como se não pudesse me segurar com

força suficiente. Sua boca queima minha pele enquanto beija meu

ombro, uma das minhas feridas de bala, minha garganta, meus lábios.

Suas mãos seguram minhas pernas, me puxando para mais

perto.

Thump-thump-thump!

A cabeceira bate na parede até que a tinta e um pouco de gesso

fiquem danificados.

Os olhos de Peste brilham intensamente. E não é totalmente

amor que estou vendo. É amor e angústia, um desespero possessivo e

— o mais estranho de tudo — um pedido de desculpas.


Eu não posso fazer muito agora, no entanto. Não com o pau dele

me enchendo e esfregando em todos os lugares certos.

Pela segunda vez, alcanço meu limite. Eu o aperto, puxando-o

para perto de mim. Com um gemido, ele segue meu clímax,

movendo-se como se sua própria vida dependesse disso.

Uma vez que começa a descer, me beija em todos os lugares, seus

lábios roçando cada parte da carne exposta. Toda essa energia

masculina crua está se convertendo em algo dolorosamente doce e

reverente.

Ele me puxa, embalando meu corpo contra o dele. Não há nada

como ser pressionada pele a pele com este homem para me fazer

sentir totalmente à vontade com o mundo. Minhas pálpebras

começam a baixar.

Ainda não descobri a questão da proteção, penso preguiçosamente.

Peste dá um beijo na minha têmpora.

Ele seria um bom pai.

Não posso acreditar que acabei de ter esse pensamento...

Eu me aninho mais perto dele enquanto adormeço.


Um dos dedos dele traça meu estômago.

Seu corpo desliza para longe do meu e sua voz filtra a partir da

borda do sono. — Sinto muito, Sara. Esperava por isso e pensei que

talvez... talvez quando você estivesse melhor mudaria de ideia, mas

não mudou. Apenas me deixou mais certo do que preciso fazer.

Eu tento pegar sua mão, mas ele se foi.


Na próxima manhã vou para cozinha, tentando não deixar Peste

ver quão fatigada aquela simples ação me deixou.

Eu não deveria ter me dado ao trabalho. Pela primeira vez o

cavaleiro não está tão atento. A televisão na sala de estar está ligada e

Peste está de pé na frente dela, seus braços dobrados, olhando a tela

severamente.

Olho a TV, apenas para ver o que prendeu sua atenção.

— …notícias de última hora: virulento surto de Febre Messiânico

ao longo da costa oeste e Pacífico Noroeste, espalhando para dentro

México. Estado e os governos locais estão rapidamente fazendo

quarentena para as áreas infectadas. Não é conhecido o paradeiro do

cavaleiro ainda. Por favor, fiquem em suas casas e evitem centros

urbanos. Repito, por favor fiquem em suas casas e evitem centros

urbanos. Para todos afetados: nossa orações e pensamentos estão com

vocês.

Meu estômago revira.

Eu fico ali por muito tempo, sem falar, reagir, apenas... encarando

a televisão muda. O relatório passa de novo em cinco diferente


maneiras para preencher os minutos vazios. Estão mostrando as fotos

do Central Park tomado depois de Peste passar através da cidade

meses atrás, com suas valas comuns cheias com corpos. Então

imagens de Toronto e Montreal aparecem, as poucas fotos de alguém

com a febre. Há até mesmo um casal em Vancouver e Seattle, lugares

que vi com meus próprios olhos.

Mas agora novas cenas juntam-se as antigas. Um instável vídeo

de um hospital em São Francisco aparece, cheio de moribundos.

Outro de Los Angeles, onde as pessoas estão nas ruas, seus olhos

fundos e seus rostos corados com o começo da febre.

São Francisco, Los Angeles. Esses lugares são estados de

distância.

Sinto-me fria.

Eu me viro para tirar meus olhos da tela e agora, agora Peste está

olhando para mim. Há ainda aquela porra de desculpas em seu olhar,

mas sem remorso. Nenhum. Em seu lugar está uma frieza familiar.

Minha garganta funciona. Não quero perguntar por que.

Perguntar torna real e isso não pode ser real. As palavras vêm de

qualquer maneira.
— O que você fez? — Sussurro.

— Meu propósito.
Não consigo respirar.

Em um momento, toda a costa oeste da América do Norte virou

um deserto.

Na minha mente vejo todos esses corpos mortos encontrados no

corredor do hospital. Tento imaginar a quantidade de uma cidade,

depois de duas cidades, de todos os estados, mas não posso. A escala

daquela devastação é inimaginável. Minha mente não me deixa

compreender tamanha perda.

Entre todos esses milhões são mães, filhas, filhos, irmãos,

amigos, amantes, avós, filhos, bebês. Pessoas que significavam algo a

outra, inocentes, pessoas gentis. Pessoas merecedoras da vida. Agora,

estão todas morrendo.

Peste não podia ter feito isso. Peste, que questiona a moralidade

de suas ações. Peste, que me ama.

Ele não podia ter feito isso.


Nós nos encaramos. Espero ver alguma coisa defensiva nos

olhos de Peste — ele sempre tentou se explicar no passado — mas não

há nada lá. Sem culpa, sem defensa, sem teimosia, tenacidade.

Seu olhar é estável.

Porque ele fez isso. Mais que isso, planejou. Todos os sinais

estavam ali. Seu humor sombrio, o gelo no azul de seus olhos, a

desculpa murmurada na noite anterior quando saia do meu lado.

— Como? — A escala da devastação é muito maior do que antes.

Antes, Peste precisava passar através de uma cidade para infectá-la.

Agora o alcance dele parece ser sem limites, alongando por milhares

de quilômetros longe de nós.

Ele deve compreendido o que estou perguntando, porque diz: —

Eu sempre tive esse alcance. Apenas nunca senti o desejo de exercê-lo

antes.

Não até mim. E de alguma forma, sou a faísca que inflamou está

terrível realidade.

— Desfaça isso. — Sussurro.

— Está feito. — Ele diz, sua expressão intransigente.


Balanço a cabeça. Não pode estar feito. Eu me recuso a acreditar

nisso.

— Você me curou da infecção, pode desfazer isso. — Insisto.

Minha voz treme.

Eu não posso ser a única viva ao longo da costa oeste. Isso seria viver

em um inferno.

— Mas não o farei.

Mas não o farei.

— Por favor.

Ele reage àquela palavra. Por favor. Ela começou como uma

maldição falada entre nós, uma voz a implorar apenas para ser

negada. Mas em algum lugar ao longo do tempo, por favor passou a

ser redentora.

Apenas que agora, Peste não quer ser redentor.

Droga, ainda posso sentir uma parte dele entre minhas coxas. Eu

estou dolorida em todos os locais que o corpo dele se esfregou no meu

hoje e ontem, seu amor tão intenso quanto apaixonado. Ele não pode
ter deixado meu lado todos aqueles momentos apenas para

amaldiçoar uma boa parte da América do Norte.

— Por favor, Peste. Por favor... amor.

Nomes significam muito. Uma rosa tem o mesmo cheiro, não

importa o nome que você dê, isso não pode mudar. E penso diferente

de Peste — Já o faço por um tempo. Mas chamá-lo por um nome de

minha própria escolha, para dar ele carinho e mostrar que é mais que

seu nome, não tinha sido corajosa o suficiente para fazer até agora.

Mas não há mais nada a temer. Não perante esta situação.

O cavaleiro tenciona. Vejo aquela frieza em seus olhos.

— Você não esperava isso, não é? — Eu digo. — Que o amasse.

— Eu sei que eu não deveria. E não sei a hora que a constatação me

pegou de surpresa, mas aconteceu. — Talvez eu seja uma tola e uma

traidora, mas sou sal. — Eu estou piscando as lágrimas. — Mas

caramba, você não pode fazer isso.

Ele dá um passo em minha direção, então outro, os olhos dele

morrendo um pouco, como se quisesse me tocar, mas sabe que não

deixarei. Não agora, com todo este sangue nas mãos dele.

Nunca incomodou você antes, Burns.


Mas aquilo foi quando pesava que poderia mudá-lo — pará-lo.

Deveria saber melhor.

— Eu posso viver com o que aqueles homens fizeram contra

mim, cruel como foi. — Peste diz.

Minha mente pisca com a imagem do cavaleiro amarrado ao

poste, quando a maior parte do seu rosto se foi.

— Mas quando eles atiraram em você. — Sua voz treme com

emoção, percebo o meu erro fatal. — Nunca deveria ter me mostrado

o amor, querida Sara. — Ele diz.

Este tempo todo, assumi que aquele amor resgataria o cavaleiro

e salvaria todos nós. Deveria saber que apenas iria amaldiçoar nossos

macabros destinos.

— E se agora compreende o que é a perda. — Eu digo. — Então

sabe o que está tirando destas pessoas.

A mandíbula dele flexiona. — Não é mais do que eles merecem.

— Não mais que merecem? — Eu digo, horrorizada. — Sobre

quem você está falando? Rob? Ruth? Eu?


A boca de Peste aperta. — Você parece pensar que brigar sobre

isso mudará o destino de seu povo.

— Você mudará. — Balanço minha cabeça amargamente. — Eu

não sei por que você pensa ser incapaz disso.

— Pessoas mudam, Sara, mas cavaleiros não. Não importa o que

pensa de mim; eu sou e sempre serei Peste, o Conquistador.

Ele não se curvará. Posso ver agora. Deveria ter visto isso antes,

quando poderia ter protegido meu coração um pouco melhor.

— O que acontece agora? — Eu pergunto. Imediatamente me

arrependo da pergunta, meu estômago se enchendo de pavor.

— O mundo acaba.

— E eu? — Pergunto, a desolação já entrando.

— Você ficará comigo.

Ele não pergunta isso; sequer diz isso como um desafio. Está

falada com autoridade completa.

Aceno lentamente.

Peste deve ter sentido que algo está errado, porque dá outro

passo em minha direção.


— Não. — Eu digo.

E se ele tentar fazer qualquer um de nós se sentir melhor — eu

juro que ele vai me quebrar pela última vez.

E há tão pouco sobrando para quebrar.

Olho ao redor.

Eu não posso ficar no mesmo lugar que ele. Esta sufocante com toda

esta tragédia.

Eu giro, ansiosa para colocar distância entre nós.

— Sara. — Ele chama antes que possa escapar. A voz é tão e

paciente.

Eu paro. — Você uma vez me disse que nomes não importam. —

Eu digo, me voltando para ele. — Que a forma como o chamo não

importa.

Eu olho para Peste sobre o meu ombro.

Amor. Acho que ambos podemos ouvir meu carinho no ar entre

nós.

A expressão é cautelosa quando ele inclina sua cabeça. — Eu me

lembro.
— Você está errado, sim. — Eu digo. — Importam.

Peste é o pior de sua natureza. Vislumbrei a melhor parte dele,

mas aquela parte, esse futuro, não é mais do que um sussurro de uma

possibilidade, como fumaça dissipando para dentro pelo vento.

Eu me afasto, lhe deixando com isso.


Eu me afasto o suficiente dele para pegar minhas coisas — o

pouco que tenho. Não é mais do que a camisa que visto.

Eu olho para o quarto principal por um longo tempo, sentindo

como se meu coração estivesse se desfazendo um pedaço de cada vez.

Por que você não se apaixonou por um homem normal e morreu uma

morte normal ao lado dele? Por que precisou escolher um cavaleiro? Por que

deve se colocar entre ele e o mundo?

Todo esse tempo foi um cabo de guerra entre amor e lealdade.

Como me iludi que não chegaria a isso, não sei.

Calço as botas, pego meu casaco emprestado, em seguida, vou

para porta da frente.

Peste ainda está onde o deixei, ainda de guarda na televisão,

consumido por sua própria ira.

Eu passo direto por ele, indo para a sala de estar.

— Onde você está indo? — Ele pergunta, sua voz soando com

autoridade. Não parece assustado, perdido ou incerto.

Será que seriamente não tem ideia?


Ignorando-o, alcanço a porta da frente e saio.

E do lado de fora — foda-se, está frio. Cambaleio um pouco com

a temperatura. É um frio úmido e cortante que se contorce sob sua

pele e penetra em você. Meus ouvidos já estão começando a doer. Eu

levanto o capuz do meu casaco.

Você nunca sobreviverá a isso, enfraquecida como está. Mal equipada.

A porta se abre atrás de mim. — Onde você está indo?

Eu paro com a voz de Peste. Agora há algo além de raiva

reprimida. Algo que ainda está confiante demais para se preocupar.

Acho que pode ser um choque e um pouco de confusão.

— Indo me juntar à humanidade. — Eu digo.

— Eu não a libertei.

— Eu não estava ciente de que ainda era sua prisioneira. — Digo.

Claramente ele parece ter esquecido desse pequeno detalhe.

— Você é minha.

Eu puxo minha jaqueta para perto. — Eu não sou de ninguém. —

Digo veementemente.
O cavaleiro faz uma careta, mas não tenta argumentar.

Eu o avalio. — Digamos que eu fique. O que você fará quando

todas as pessoas se forem?

— Permanecerei.

— O que você fará quando eu for embora?

— Eu a manterei viva. — Ele insiste.

Eu procuro seu rosto. — Mesmo se você puder, mesmo se

pudesse me proteger de cada tentativa contra minha vida, porque

haverá mais enquanto eu estiver com você, não seria capaz de me

manter viva para sempre. Eu envelhecerei. Envelhecerei e morrerei,

então você estará sozinho novamente, só que agora, não haveria mais

humanos, apenas você.

— E meus irmãos. — Acrescenta ele em voz baixa.

Eu jogo minhas mãos para cima. — Tudo bem, você e seus

irmãos assassinos. — Irmãos que estiveram ausentes nesses longos

anos. — Mas além deles, estará sozinho.


Meu corpo está começando a tremer de frio e os olhos de Peste

vão direto para a ação. — Pare com essa tolice, Sara. Venha para

dentro. — Ele diz, gentilmente. — Eu a aquecerei.

Eu lhe dou um olhar incrédulo. — Você ainda não entendeu?

Está matando todo mundo. Realmente pensou que ficaria com você

depois de algo assim?

— Você ficou comigo antes. — O cavaleiro diz calorosamente,

mas vejo a centelha de medo em seus olhos.

Eu solto uma risada oca. — Foi quando pensei que você odiasse

o que estava fazendo com o meu mundo.

Quando eu pensei que você poderia mudar.

Não é o detalhe mais horrível de todos? Finalmente consegui o

que queria — Peste mudou, apenas não para melhor.

— Estou fazendo isso para vingar você!

— Eu nunca pedi sua vingança. — Digo. — Eu pedi sua

misericórdia.
Peste se encolhe com a palavra como se tivesse batido nele. É a

própria palavra que salvou minha vida na noite em que tentei matar

o cavaleiro. A palavra que me salvou todas as noites desde então.

Misericórdia.

— Você já pensou que talvez a misericórdia de seu Deus nunca foi

destinada a mim? — Pergunto. — Isso talvez fosse para todos os

outros?

Não, ele não pensou, se sua expressão é algo para se considerar.

Eu me viro, começando a me afastar, apenas para sentir a

pressão quente dos dedos de Peste na curva do meu braço.

— E se tiver que amarrá-la a mim, o farei. — Diz Peste. — Mas

não a deixarei ir.

Eu giro para encará-lo. Apesar de todas suas exigências

elevadas, seu rosto está traindo seus verdadeiros sentimentos. Posso

ver pânico austero em sua expressão.

Ele não previu isso.

— Peste. — Eu digo, minha voz calma. — Você pode me forçar a

ficar, mas não pode me fazer querer estar com você.


— Mas você quer estar comigo. — Ele insiste. — Chamou-me de

amor.

Eu olho para longe. — Eu chamei.

— E você me ama.

Meu coração bate mais rápido. Posso não ter dito as palavras,

mas o cavaleiro fala a verdade.

Meus olhos se movem para ele. — Sim. — Concordo. — E isso

não é suficiente.

Ele cambaleia para trás um passo. — Não é suficiente?

Acho que posso estar machucando-o pior do que qualquer arma

já fez.

— Não é suficiente para superar o que mais está em seu coração.

— Eu digo. — Você claramente odeia a humanidade mais do que se

importa comigo.

As narinas de Peste se inflamam, mas ele não responde. E não

nega isso. Ouch.


— O amor deve trazer as melhores partes de você. — Continuo

lembrando-o da nossa conversa logo depois que Ruth e Rob

morreram. — Não o pior. — Acrescento em voz baixa.

— Eu fiz isso porque amo você. — Diz ele fervorosamente. Há

mais medo em seus olhos do que antes.

— O amor não funciona assim.

Mas claro, há outras coisas que andam de mãos dadas com o

amor — grandes coisas terríveis. Coisas que pela primeira vez, Peste

está começando a sentir.

Você o deixa entrar no Jardim do Éden, deixa provar o fruto proibido.

Deu a ele o conhecimento do bem e do mal e agora ambos estão pagando por

isso.

Eu dou um passo para trás, colocando seu rosto na memória.

Preciso sair agora, antes de ceder e voltar para ele. Eu nunca me

perdoaria então.

Meu coração, no entanto, parece ser rasgado em dois na

perspectiva de sair.

— Adeus, Peste.
Girando, eu me forço a começar a descer os degraus que levam

para longe da mansão.

Não dou cinco passos antes que o cavaleiro esteja comigo. Ele

me pega e me carrega para dentro, chutando a porta da frente fechada

enquanto passa.

— O que você está fazendo? — Eu protesto, me contorcendo em

seus braços.

Sem resposta.

Agora realmente começo a lutar. — Deixe-me ir.

Ele me coloca na sala. O cômodo gira um pouco quando estou

de pé.

Tão fraca. Muito fraca.

Não posso ficar aqui.

Eu volto para porta, novamente ele me pega e me leva para

longe.

Mais uma vez, assim que me coloca no chão eu me movo em

direção à porta.

Ele me interrompe. — Sara, eu não posso deixá-la sair.


Ele está me implorando com os olhos, sei que vê o que eu sinto:

não estou forte o suficiente, curada o suficiente. Todas aquelas

semanas de viagem, todas aquelas feridas, meu corpo não está pronto

para mais. E ainda assim vou para frente.

— Peste, não faça isso pior do que já é. — Praticamente imploro.

— Estou partindo, seja com sua bênção ou contra sua vontade, mas

não ficarei mais aqui.

O olhar em seu rosto pulveriza o meu último. Eu posso ver seu

coração partindo na minha frente. Aquela tristeza crua perdura por

apenas um momento, então suas feições endurecem.

Sem uma palavra, ele me pega novamente.

— O que você está fazendo? — Eu luto em seus braços. — Peste,

me coloque no chão!

Ignorando minhas exigências, ele me leva para o quarto

principal e me deita na cama.

No momento em que me afasto, levando mais alguns segundos

para deixar a vertigem passar, ele já chegou à porta. Com um olhar

de despedida, sai, fechando-a atrás dele.


Correndo atrás dele, pego a maçaneta. Eu torço, mas a porta não

abre. O cavaleiro deve estar segurando-a fechada.

— Peste, deixe-me ir. — Minha voz sobe com pânico.

Ele não quer seriamente me manter aqui, não é?

— Você vai me perdoar. — Ele diz baixinho do outro lado da

porta.

— Deixe-me ir! —Eu grito mais alto.

Mas ele não deixa.

Peste bloqueia as janelas do quarto principal e todas as portas

que saem. Não antes de eu sair correndo algumas vezes e ele ter que

me arrastar de volta, mas logo, consegue barrar todas as saídas,

deixando-me presa lá dentro.

E então volto a ser sua prisioneira.

Pelo menos o cavaleiro é esperto o suficiente para manter

distância. Apenas o vejo algumas vezes durante o dia, quando ele

deixa comida e água, seus olhos tristes e assombrados.


Acredito que talvez a loucura que tenha se apossado de Peste vai

se desgastar. Que ele acabará abrindo as janelas e a porta, para

implorar pelo meu perdão.

Mas isso nunca acontece. Um dia se transforma no próximo e ele

permanece longe, vindo até mim apenas para poder me alimentar.

Nem mesmo à noite ele entra no meu quarto para expressar seus

sentimentos torturados por mim ou adormecer pressionado contra

minhas costas.

Meu corpo sente falta dele, meu coração sente falta dele. O

último está morrendo, odiando suas traições e ainda o querendo.

Eu não tento fugir. Qual a finalidade? Não posso passar

despercebida por Peste.

Eu tento não pensar em todos as milhões de pessoas mortas que

devem estar apodrecendo exatamente onde morreram. A TV fica

desligada por essa mesma razão. Não suporto assistir ao noticiário e

ver todos aqueles corpos. Não quando desempenhei um papel

(embora, inconsciente) em suas mortes.

Isso me deixa por bisbilhotar através dos poucos livros na sala

ou recitar poesia de cabeça.


Às vezes posso sentir fisicamente a presença de Peste por perto

— ouvindo o som da minha voz, do lado de fora da minha porta. O

ar parece saturado com todas as coisas que não foram ditas e

inacabadas entre nós. Coisas que foram deixadas para decair ao lado

de todos aqueles corpos mortos.

A vida continua assim por dias e depois uma semana inteira.

Isso realmente se tornará nosso novo normal? Peste me

mantendo como um pássaro engaiolado, nem destinado a morrer

nem a viver plenamente?

Quando a porta se abre no dia oito, Peste parece abatido. Seus

olhos azuis estão escuros e seu cabelo louro-dourado não tem o brilho

habitual.

— Não posso mais fazer isso. — Ele admite. — Eu me rendo.

Congelo onde me sento na cama.

Peste o Conquistador, se rendendo?

Ele tira a coroa da cabeça e a joga no chão entre nós. — É sua. —

Diz ele amargamente. — Posso ter reivindicado o mundo, mas perdi

você, a única coisa que realmente queria.


Meu pulso acelera enquanto eu olho primeiro para coroa

descartada, depois para o homem que a usava.

— Você está livre para ir. — Diz ele. — Eu não a impedirei.

Seus olhos são sombrios. Ali se foi a escuridão dos seus olhos,

mas desapareceu também qualquer centelha de esperança que uma

vez esteve neles. Quando se fixam nos meus, ele olha para mim como

se estivesse se afogando.

Eu deveria me sentir exaltada, justificada de alguma forma, mas

é apenas mais uma dor para adicionar ao restante.

Por vários segundos não me movo.

— Droga, Sara, se você quer sua liberdade, saia antes que eu

recupere meus sentidos.

Saio da cama, pegando minhas coisas uma por uma, mantendo

um olho cauteloso sobre ele. Espero que ele bata a porta na minha

cara a qualquer momento. Isso deve ser algum truque.

Mas não parece ser.

Passo pelo limiar até o quarto, parando para encará-lo.


— Vá e junte-se a sua raça condenada. — Diz ele, seu olhar

relutantemente encontra o meu. Que no momento está ferido! Ele tem

dor para combinar com a minha. — Mas não espere que eu a mate.

Tarde demais, parece, ele descobriu o significado de misericórdia.

Depois de tudo que Peste fez, não esperei que minha saída me

machucasse tanto. Pensei que meu coração foi abusado o suficiente

para esquecer que pertence ao cavaleiro.

Eu estava errada.

Não olho para Peste quando o deixo na entrada da casa. Afastar-

me dele dói o suficiente. Ver qualquer emoção em seu rosto pode me

fazer hesitar. O cavaleiro não usa mais sua coroa. Ainda está no

quarto, esquecida.

Eu vou para rua, cada passo me cortando mais e mais. Perdi todo

o resto — família, amigos, vizinhos. Deixar Peste sangrará as últimas

partes.

Onde devo ir? Quantos quilômetros terei que andar para chegar

aos vivos? Morrerei antes disso? Eu sei que Peste não me permitirá

sucumbir à praga, mas existem outras maneiras de morrer. Eu

poderia morrer de fome, morrer de vários elementos.


E se não morrer, o que será então?

Um passo de cada vez, Burns.

É apenas quando chego à estrada que me viro. A mansão em que

estivemos hospedados está em um pequeno pico. Parado como uma

sentinela no seu limiar está o cavaleiro.

Peste me observa, seu rosto solene. Por um momento, acho que

vejo esperança em seus olhos.

Ele acha que estou mudando de ideia.

Preparando-me, eu encaro a rua mais uma vez e vou embora.


Eu não ouvi as notícias. Não por semanas e semanas.

Ainda assim, deveria saber. A verdade estava assim,

obviamente, na minha frente.

Em vez disso, é preciso uma loja de conveniência, perto da

fronteira canadense, para me convencer além de uma sombra de

dúvida.

— O cavaleiro arruinado foi embora. Juro pelos mortos

recentemente, ele foi. — O homem diz, inclinando-se em uma

bancada de pinheiro enquanto adiciona as minhas coisas.

A visão do homem, vivo e movimentando-se pela loja, é

surpreendente o suficiente, mas então mais de uma vez, passei por

outros em meu caminho acima da costa. Assumi que a presença deles

tinha haver com Peste espalhando sua praga unicamente para o sul.

Agora olho para o dono da loja, sua notícia não fazendo sentido.

O pensamento do mundo de que Peste desapareceu, foi quando

nós estávamos enfurnados dentro daquela mansão, mas uma vez que

eu saí, assumi que ele retornaria suas viagens.


— Quer dizer que não há qualquer nova aparição dele? — Eu

pergunto.

Ele balança a cabeça.

— Nenhuma nova aparição dele. — Uma desagradável sensação

torce minhas entranhas, mas não posso dizer o que causa isso.

Talvez não há mais alguém vivo para localizá-lo. O território de

Washington para a Califórnia é vasto... grande e cheio de morte.

— Você não ouviu? — O proprietário pergunta quando ele nota

minha surpresa.

— As últimas notícias que recebi foi que Oregon, Califórnia e

partes do México estavam infectadas. — Eu digo. Até agora um frio

desliza através do mero pensamento. Eu fiz parte disso.

O homem solta um chiado, puxando um estojo fino debaixo do

contador. Abrindo, ele pega ingredientes crus e começa a enrolar um

maço de cigarro. — Oh, você perdeu muito.

Intencionalmente.

Eu transformei em um hábito evitar conversa afiada, a culpa

como um tipo próprio de doença. Mas agora que estamos


conversando sobre Peste, uma doente curiosidade vem sobre mim.

Acho que preciso saber quanto do mundo ainda vive e como meu

cavaleiro se saiu.

Ouvir que Peste não apareceu desde que o deixei...

A perda é física, como se um membro fosse cortado.

O proprietário da loja de conveniência acaba de enrolar seu

cigarro, lambendo o papel branco para selar. — Tenho o prazer em

contar para você que todos aqueles doentes se recuperaram. — Ele

balança a cabeça. — Isso é a porra de um milagre. — O homem acende

um fósforo e segura a chama no fim do cigarro, inalando um trago. —

Eu não sou homem de oração e mesmo assim até fiz uma quando eu

ouvi as notícias. Pensei que Ele tinha nos deixado para morrer.

Espere. — O que?

Eu olho a ele em estado de choque.

Todos os doentes recuperados.

Não consigo respirar.

— Você quer dizer… todos aqueles doentes... eles…

sobreviveram? — Pergunto incrédula.


Não pode ser. Eu estava com o cavaleiro. Eu vi sua raiva,

testemunhei sua inflexível vontade.

Ele não mudou de ideia.

— Sim. — O homem diz risonho, soprando a fumaça fora de

canto da boca. — Mesmo nós do norte estamos nos recuperando, os

noticiários não se incomodaram de mencionar isso. — Ele franze a

testa, como se isso fosse uma grande farsa quando, oh meu Deus,

todas essas milhões de pessoas sobrevivem.

— A porra da praga veio bem quando eu estava reabrindo minha

loja. — Ele continua. — Pensei que chegaria minha morte.

Há uma dor no meu peito, em partes iguais de alegria e angústia.

Quero acreditar nele, porque se entendi errado, o desapontamento

iria me trucidar.

Apoio minhas mãos na bancada enquanto balanço um pouco.

Meu Deus.

Peste retraiu a praga. Eu não sei como, mas ele fez.


Deve ter feito isso enquanto eu estava confinada na droga

daquele quarto. Pensei o pior dele então, enquanto ele curava a praga

que colocou sobre as massas.

A única coisa além do amor dele que sempre quis. Ele deu para

mim.

Eu precisava apenas ter ligado a porra da TV para ver isso.

Peste parando a praga e ainda o deixei.

Engulo de volta um sufocado choro.

Por que ele não me disse, meu Deus, isso teria mudado tudo.

— E a Febre? — Pergunto, de alguma forma encontrando minha

voz. — Tem se espalhado desde então?

Queria ter certeza que entendi corretamente. O proprietário da

loja de conveniência faz uma careta, considerando minhas palavras.

— Não que eu tenha ouvido, embora quem sabe onde o mundo foi

parar esses dias? Não voltou pelas bandas de cá e isso é bom o

suficiente para mim.

Agradeço ao homem pela notícia e me afasto em estupor.

Meu último encontro com Peste preenche minha mente.


Eu me rendo, ele disse, lançando a coroa de lado.

Ele já tinha levantado a praga, então.

Eu posso ter liderado a reivindicação sobre o mundo, mas perdi você, a

única coisa que realmente queria.

Por que ele não disse alguma coisa? Achou que eu estava

assistindo as notícias naquele quarto, que sabia que ele curou todos e

ainda decidi ir embora?

Estes pensamentos estão me destruindo. Porque ainda estou

apaixonada por Peste e agora, depois de reivindicar a si mesmo, ele

foi embora.
Quando volto para minha cidade natal, Whistler, ouço relatos e

relatos em primeira mão para acreditar no incrível.

A praga realmente desapareceu ao longo dos dias.

Somente… poof, se foi e o cavaleiro com ela. Eu tento não pensar

nisso. Meu coração dói tanto.

Descubro que como eu, as pessoas não acreditavam nas notícias

— não no começo, pelo menos. Semanas sem incidentes tiveram que

passar antes que alguém ousasse esperar que a Febre Messiânica

estivesse realmente terminada e que o cavaleiro desapareceu.

Então as pessoas começaram a esperar — daquela maneira

ridícula que fazemos — que as coisas retornassem ao que eram antes.

Que a eletricidade começaria a funcionar como deveria, que as

baterias teriam uma carga e talvez até a Internet acabasse voltando.

Eles esperaram em vão.

O mundo nunca voltou a ser como era. Duvido que isso

aconteça.
Sem o cavaleiro ao meu lado, ninguém me reconhece como a

mulher que ele mantinha. Apesar das poucas fotos borradas que

circulavam, nem uma única pessoa conectou os pontos.

Quando finalmente chego em casa, sou recebida como uma

bombeira heroína, que se posicionou contra o cavaleiro, a mulher que

todos pensavam estar morta.

Meu pai me abraça por um longo tempo e minha mãe chora

abertamente. Estou chorando como um bebê quando vejo os dois

vivos.

A peste não os atingiu.

Nossa reunião é comovente, ridícula e linda, simplesmente amo

meus pais.

Quando volto ao posto de bombeiros, Luke é o primeiro a me

ver. É quase cômico, o modo como o choque se registra em seu rosto.

— Santa merda! Burns! — Ele quase derruba a cadeira em que

está sentado quando me vê. — Você está viva!

— E você também!
É surpreendente vê-lo depois de todo esse tempo. Ele parece um

pouco mais magro, não que deva ficar surpresa. Viver após a chegada

de um inverno canadense é bastante difícil. Viver em um inverno

canadense no deserto congelado é quase impossível. E isso é o que ele

e todos esses outros sobreviventes tiveram que fazer para escapar da

praga.

A exclamação de Luke chama a atenção dos outros, que logo me

batem nas costas e me puxam para abraços, Felix entre eles. Todos

escaparam com vida, todos eles exceto por…

— Briggs? — Eu pergunto, meus olhos procurando por ele.

Poderia ser apenas o seu dia de folga.

Alguém fica sério. — Não conseguiu.

— Ele... não conseguiu? — Meu humor despenca. Deveria ser a

única a chutar o balde, não ele.

Certamente ele teve tempo suficiente para escapar.

— Eles precisavam de ajuda no hospital. Ele voltou o para ajudar

os doentes.

E ele morreu por isso.


Quanto mais olho ao redor, mais noto outros homens

desaparecidos. — Quem mais?

— Sean e René. Blake. Foster.

Muitos.

— Todos morreram no cumprimento do dever. — Acrescenta

outra pessoa.

Eu deveria saber. Socorristas sempre colocam suas vidas em

risco para os outros.

Sinto aquela coceira na minha pele. Deveria ser eu. Uma dúzia de

vezes deveria ser.

Peste parou a praga completamente por sua causa, uma voz calma

sussurra no fundo da minha mente. Claro, esse pensamento vem com

sua própria dor estranha.

— Como você escapou do cavaleiro? — Felix pergunta.

Estão todos olhando para mim.

Eu tenho medo desta pergunta desde que percebi que haveria

sobreviventes em Whistler. Há muito para responder, não sei o que

falar e quanto dizer.


Então mantenho o simples. — O cavaleiro... me mostrou

misericórdia.

Surpreendentemente a vida volta ao normal. Pelo menos, o mais

normal que posso esperar nos dias de hoje.

Volto para o meu apartamento, embora passo algumas semanas

agonizantes, carregando meus pertences da casa dos meus pais —

para onde foram levados quando estava supostamente morta — de

volta para minha casa.

Com o meu retorno, as pessoas têm perguntas — tantas

perguntas.

Como você sobreviveu ao cavaleiro?

Onde esteve todos esses meses?

Por que demorou tanto para voltar para casa?

Para a maioria das pessoas, tudo bem em não dar respostas. Para

aqueles que importam, dou-lhes meias verdades. Em algum ponto,

não, não posso; a verdade está me sufocando.

Mas mesmo assim, não compartilho tudo — como eu me

apaixonei por um monstro ou como, no final, ele salvou todas as


nossas vidas miseráveis. Como recitei poesia para ele e o senti mudar

de um pesadelo para um homem.

Eu não posso tirar a solidão que agora sinto. Notei pela primeira

vez na estrada para casa, quando me alojei em casas abandonadas ou

caminhei por quilômetros de neve intacta. E agora que estou em casa,

parece que vem de todos os lados. Estou me afogando em minha

solidão e nenhuma companhia pode banir a sensação.

Nem mesmo isso, no entanto, pode se comparar com a sensação

horrível de cair de volta a uma vida antiga, quando tudo agora é

diferente. Como tentar encaixar uma estaca quadrada em um buraco

redondo. Odeio isso, mas não há nada melhor para mim em qualquer

outro lugar, então fico aqui neste apartamento monótono e todo dia

vou ao quartel de bombeiros e finjo que estou bem quando não estou.

Realmente não estou.

Às vezes, minha mente vagueia para as impossibilidades que

poderiam ter se Peste fosse um homem humano. Como seria estar

com ele sem a bagagem. Mas então, se fosse humano, Peste não seria

Peste, assim acho que não faz sentido ponderar a possibilidade.

Algumas coisas simplesmente não são para ser, suponho.


Agora, com uma taça de vinho caseiro, muito suspeito, na mão,

releio um livro muito amado meu. Pré-Peste, eu poderia ter folheado

a minha coleção de Shakespeare ou Lorde Byron (cadela hardcore)

aqui, mas os grandes estão arruinados. Particularmente Poe. Sua alma

escura e coração macabro são muito parecidos com os meus.

Uma batida na porta me faz deixar meu livro de lado.

Enquanto assenti, quase cochilando, de repente veio um tapinha, como

de alguém batendo suavemente, batendo na porta do meu quarto.

Cale a boca, Poe, ninguém pediu sua opinião.

Acho que estou ficando louca.

Fico de pé e olho do vinho em minha mão para a espingarda

encostada no sofá. Eu tenho duas mãos e preciso de uma para abrir a

porta, então, qual será a arma ou o vinho?

Decisão difícil. Visitantes noturnos são sempre suspeitos e eu

não estou muito confiante nestes dias, mas... no final, vinho.

Com a taça na mão, abro a porta da frente.

— Sara.

Eu deixo cair o vinho, mal registro o som de vidro quebrando.


Peste está na porta, seu cabelo loiro dourado emoldurando seu

rosto como uma coroa. Sua coroa se foi, seu arco se foi, sua armadura

dourada se foi. Até as roupas dele são diferentes, não escuras e

imaculadas. Ele usa uma camisa de flanela e jeans, em seus pés estão

botas humanas arranhadas.

— Peste. — Digo, meu coração trovejando.

Não pode ser real.

— Eu não sou mais Peste. — Diz ele, continuando ali, sem se

atrever a chegar mais perto.

É tão insuportavelmente difícil olhar para ele. Ele ainda parece

um anjo, mesmo em roupas humanas. Nunca jamais pareceria com

algo além de divino?

Mas é mais do que sua beleza pura. Demorou muito tempo para

admitir para mim mesma o quanto me apaixonei por ele. Tarde

demais percebi que amava tudo dele — seu coração, sua mente, sua

própria essência. Mas mesmo quando percebi, lamentei porque,

àquela altura, ele se foi.

E agora não sei o que fazer, diminuir a distância entre nós ou

ficar longe dele. Não sei em que estado ele está vindo para mim.
Eu o deixei... uma coisa quebrada.

Mordo o interior da minha bochecha. — Eles disseram que você

desapareceu.

Ele olha em meu rosto e talvez eu esteja apenas imaginando, mas

parece que ele está tentando memorizar cada um dos meus traços.

— Eu posso fazer muitas coisas, Sara, mas desaparecer não é

uma delas.

Uma onda de alívio segue essa afirmação. Ele não pode

simplesmente desaparecer e me deixar.

Eu fico de lado, abrindo a porta amplamente. — Quer entrar?

O olhar de Peste se move para o apartamento além de mim, seus

olhos brilhando com interesse e um desejo tão feroz que faz meus

joelhos ficarem fracos.

Meu cavaleiro voltou para mim.

Cuidadosamente, ele entra, com a bota esmagando o vidro. Sua

atenção está em toda parte, absorvendo cada parte da minha vida

humilde.
— Onde estão as suas coisas? — Eu pergunto baixinho quando

fecho a porta, meus olhos nele novamente. O arco que nunca está a

mais do que um braço de distância dele, a coroa que quase sempre

decora sua cabeça, a armadura dourada que faz com que ele pareça

tão sobrenatural — tudo desapareceu.

Eu me rendo, ele disse.

Ele gira para me encarar. — Meu propósito foi servido.

O que isso significa? E por que isso me enche de pavor?

— E Trixie? — A criatura também serviu o seu propósito? Isso

me mataria.

Peste aponta o queixo sobre o ombro. Apenas agora, quando

consigo tirar os olhos do cavaleiro, me dou ao trabalho de olhar pela

janela. Na escuridão além, vejo a sombra mais simples de sua

montaria.

Trixie Skills, o corcel que montei nas estradas todas essas

semanas, escondido na escuridão, as rédeas em um poste de luz

quebrado.

Eu volto apenas para encontrar Peste de pé perto, seus olhos me

devorando como um homem faminto.


— Como você me encontrou? —Eu pergunto.

— Eu nunca a deixei.

Minhas sobrancelhas franzem.

— Vamos, Sara. — Ele diz na minha confusão. — Eu não a

deixaria escapar da minha vida tão facilmente. Sou muito teimoso e

não nobre o suficiente.

O que ele está dizendo? Que o tempo todo enquanto voltava

para casa, ele ficou na minha sombra?

— Além disso. — Continua ele. — Você ainda estava se

recuperando, não confiava em seu corpo frágil para fazer a viagem de

volta.

Eu não consigo respirar.

Ele se importava. Mesmo quando achava que não, ele nunca

desistiu.

— Então você me seguiu?

Ele concorda.

E eu nunca soube.
— Por que você nunca se mostrou?

Peste olha para as botas. — Você tomou sua decisão. Eu queria

respeitá-la. — Ele ri autodepreciativo, virando um pedaço de vidro

quebrado. — Mas não consegui, no final.

E estou tão feliz por isso.

— Você parou a peste. — Eu digo.

Ele encontra meu olhar, sua expressão ficando cautelosa. — Sim.

— Por quê? — Eu pergunto, procurando em seu rosto.

Os olhos de Peste são profundos e verdadeiros. — Porque o

amor traz o melhor de você.

Engulo em seco. E se os últimos dois meses foram um pesadelo,

este é um sonho maravilhoso, em que consigo tudo o que quero.

Mas não confio. Chego a pensar que as coisas que parecem boas

demais para ser verdade muitas vezes não são. Por que a única coisa

que quero mais do que qualquer outra segue uma lógica diferente?

— E de volta àquela última casa, por que você não me disse que

curou os doentes? — Pergunto. Isso pouparia meses dessa agonia.


O olhar de Peste está cheio de agonia. — Minha mente estava

uma bagunça na época. Eu... não me comprometi com minhas ações,

nem mesmo depois de colocá-las em movimento. Nem depois de

deixá-la ir. Levou semanas de contemplação para chegar a um acordo

com a minha decisão. Meu coração falou primeiro; minha mente

precisava seguir.

Sua expressão se torna feroz. — Eu nunca deveria tê-la deixado

ir. Deveria ouvi-la, ter conversado, lutado por você. Apenas agora

estou descobrindo como os humanos são complexos.

Meu coração acelera loucamente com suas palavras. Esperança

está começando a surgir e isso me assusta, porque tudo o que a

esperança faz é forçá-lo para uma decepção e não tenho certeza se

posso ter outra decepção.

— E a praga se foi para sempre? — Eu pergunto.

Peste me dá um sorriso triste. — Sara, sempre haverá

enfermidades e doenças que não posso mudar. Mas minha praga

divina nunca infectará outro. Eu … cumpri o meu propósito. — Ele

diz novamente.

E mais uma vez, essa frase me enche de um tipo estranho de

pavor.
Eu puxo as mangas da minha camisa. — O que acontece com

você agora que serviu o seu propósito? — Estou orgulhosa de que

minha voz não está trêmula como o resto do meu corpo está

começando a ficar.

Não deveria ser possível sentir tanto assim. Excitação, ansiedade

e medo estão se agitando dentro de mim. Mas principalmente medo,

medo pelo meu cavaleiro. Nunca perguntei a ele o que aconteceria se

simplesmente parasse de espalhar a Febre.

Eu provavelmente deveria tê-lo feito.

Os olhos azuis de Peste se fixam nos meus. — Venha comigo e

descubra.

Essa dor no meu peito se expande, mas agora dói com algo que

está a meio caminho entre a dor e o prazer.

— Há tantas coisas entre nós. — Eu digo. Tantas coisas

intransponíveis. Eu o quero tanto que dói, mas juro que parece que

ele é a única coisa que não posso ter, mesmo depois de todos os seus

erros terem sido corrigidos.

Peste diminui a distância entre nós. Delicadamente, ele segura

minhas mãos, olhando para os meus dedos. — Posso mais não ser
mais Peste, o Conquistador, mas lutarei pelo que quero e eu quero

você. — Seus olhos se erguem para os meus. — Diga-me que você

também me quer.

Estou de pé na beira de um penhasco. A única coisa que tenho a

fazer é dar um único passo e então tudo pode mudar. Tudo mudará.

Ele aperta minhas mãos. — Volte para mim. — Diz ele. — Cite-

me Poe e Byron, Dickinson e Shakespeare. Conte-me suas histórias

humanas, compartilhe comigo suas lembranças. Deixe-me provar sua

comida e beber seu vinho. Deixe-me fazer amor com você e segurá-la

em meus braços até o amanhecer. Compartilhe sua vida comigo.

Permaneço ali, ainda congelada, ainda tenho certeza que ele é

uma visão feita para assombrar meus dias. Claro que acordarei.

As mãos de Peste se movem para o meu rosto. — Eu estava

errado sobre a humanidade. E errei tantas vezes, especialmente com

você. Perdoe-me.

Fecho meus olhos e abro-os. Ele ainda está ali, ainda olhando

para mim com seus olhos tristes.

— Volte para mim, Sara. — Ele repete. — Por favor.

Essa maldita palavra.


O mundo distorce além dos meus olhos lacrimosos.

— Eu ainda morrerei um dia. — Sussurro.

Ele balança a cabeça solenemente. — Eu sei.

— Você está bem com isso?

Seu polegar acaricia minha bochecha. — Sara, eu não sei quantos

minutos você tem ou eu, mas sei que quero passar todos com você.

Meu coração acelera no peito.

Olho para o rosto dele, o rosto angelical com aqueles olhos tristes

e solenes. Ele realmente poderia ser um anjo — talvez seja um anjo, se

tais coisas existirem. Não sei. Não conheço muita coisa, exceto que a

alegria é uma coisa estranha e sinto agora com ele, assim como me

senti uma centena de vezes antes, em cem momentos diferentes entre

nós.

Levanto a mão e coloco ao redor de seu pulso. — E se você não

é mais Peste, o Conquistador, então como gostaria que o chamasse?

— Eu pergunto, inclinando-me um pouco em seu toque.

Ele sorri tímido e vulnerável. — Amor, foi um bom som.


— Tudo bem, amor. — Eu digo, notando um sorriso. — Os

minutos que eu tiver, serão seus. Eu sou sua.

Há um momento em que não é computado. Os olhos do meu

cavaleiro ainda estão assombrados e nele parece que a esperança o

abandonou completamente, em algum lugar em Washington. Mas

então ele percebe e todo o seu rosto se transforma.

Primeiro seu olhar se ilumina, suas sobrancelhas sobem, então

um sorriso que pode ultrapassar o sol se espalha por seu rosto.

Ele se inclina e toca meus lábios, o beijo é um fim e um começo

de uma só vez.
Eu gostaria de dizer que tudo a partir daquele momento foi um

conto de fadas lindo de tirar o fôlego. Gostaria de dizer que não

arrastei o traseiro desumano de Peste de volta para meu quarto e

manchei a merda dos meus lençóis como a aberração suja que sou.

Gostaria de dizer mil coisas para limpar a noite, mas essa é a

história de outras pessoas.

O beijo mal começou quando vai de doce a selvagem e

desesperado. Ele é meu oxigênio e não consigo respirar há meses.

Meus dedos se movem para os botões de sua camisa de flanela,

mas minhas mãos tremem tanto por necessidade e desejo, por toda

essa miséria que não consigo desfazer.

Peste me empurra contra parede, sua pélvis esmagando a minha.

— Senti tanto a sua falta. — Ele diz entre beijos. — O amor é

insuportável quando estraga.

Mas por milagre, esse amor não estragou. Pode ter nos esculpido

de dentro para fora, mas no final não nos transformou em monstros.


Ele impediu Peste de matar o mundo e isso me fez forte o suficiente

para me afastar dele quando não era digno.

E no final, isso o trouxe de volta para mim.

Arranco os botões de Peste, enquanto o cavaleiro tira minha

camisa. O restante de nossas roupas segue rapidamente enquanto eu

levo Peste ao meu quarto.

Apenas uma lâmpada de óleo leve pisca na escuridão, bem e as

marcas estranhas do meu cavaleiro, que não diminuíram, no mínimo.

Eu o toco reverentemente quando ele me deita na cama. — Elas

ainda estão aqui. — Eu digo.

Ele deixa beijos na minha boca, até minha bochecha, depois

minha orelha. — Claro que estão Sara. Eles não podem simplesmente

sair de mim.

Eu me viro e rio em seus lábios. — A Terra deu-lhe uma boca

inteligente.

— A Terra me deu uma mulher inteligente e ela me deu uma boca

inteligente.
Sua mão vai para o meu peito e ofego contra o toque dele,

enquanto ele aperta a carne macia.

Peste estava certo em chamar o amor de insuportável. Não

consigo entender como consegui passar tanto tempo sem ele me

tocando.

Envolvo minhas pernas ao redor dele, querendo mais —

precisando de mais.

— Passou tanto tempo. — Sussurro e meus olhos piscam.

Oh Deus, eu vou chorar. Estamos prestes a foder e vou chorar.

Mas então Peste está ali, seus lábios pressionando primeiro o

canto de um olho, depois o outro.

— Muito tempo. — Ele concorda. — Mas tudo acabou agora.

Não há mais necessidade de tristeza, Sara. Seu povo está seguro e

você está em meus braços.

Sua boca se move para baixo, agora muito ocupada, provando

minha carne para me dizer todos os tipos de coisas bonitas. O que

provavelmente é o melhor, porque meu núcleo está pulsando feroz.


Ele beija meus seios, levando primeiro um, depois o outro, para

a boca. Eu me contorço contra ele enquanto sinto-me em chamas.

O tempo todo, o pênis de Peste queima na minha coxa. Como ele

tem paciência para as preliminares, agora, está além de mim. Então,

novamente, sempre fui a garota que espiou meus presentes de Natal

antes deles serem embrulhados, então... talvez quando se trata de

diversão, sou apenas super zelosa.

Peste se afasta tempo suficiente para nos alinhar. Por um instante

ele parece iluminado, seus cabelos dourados luminosos, seu corpo

brilhando na escuridão. E nesse instante, ele é celestial. Então o

momento passa e ele é um homem mais uma vez.

Empurra dentro de mim, seu pênis grosso, a pressão dele é

maravilhosa. Posso senti-lo em todos os lugares.

Meu cavaleiro solta um suspiro, olhando para mim com olhos

lindos e terríveis. — Deus Todo-Poderoso. — Ele sussurra.

E se não estivesse me sentindo tão emocional agora, poderia ter

feito piadas sobre não dizer o nome do Senhor em vão (ele aprendeu

esse mau hábito de mim). Poderia até ter rido enquanto me deliciava

com a intensa conexão entre nós dois.


Em vez disso, seguro seu rosto, seu rosto glorioso, em minhas

mãos.

— Eu te amo. — Sussurro. Ele precisa ouvir isso. Eu preciso

dizer. Essas palavras ficaram presas em meu peito por muito tempo.

Ele se move em mim, seus olhos fixos nos meus. — Eu também

te amo, Sara Burns.

E então ele me mostra o quanto quer dizer isso.

Ficamos em um emaranhado de lençóis, eu poderia ficar ali para

sempre, meu ouvido pressionado contra o peito dele, seu coração

batendo.

Ele acaricia minhas costas nuas. — Eu guardei algo. — Diz ele.

— Uma coisa da minha coroa e armadura que foram boas. Você

gostaria de ver?

Aceno com a cabeça contra ele, embora não tenha realmente

nenhuma ideia do que ele está falando. Estou insuportavelmente feliz

para pensar em outra coisa a não ser no fato de que Peste está aqui

nos meus braços.

Gentilmente, Peste me move de lado para que possa sair da cama

e entrar na sala de estar. Não posso imaginar o que é.


Puxo o lençol sobre meu corpo e sento-me enquanto Peste volta.

Ele se ajoelha ao lado da cama e levanta a mão, com o punho bem

fechado. Um a um, seus dedos se abrem e na palma da mão, repousa

uma pequena aliança de ouro.

Seus olhos brilham. — Case comigo, Sara. Por favor.

Minha respiração para quando olho para a aliança, que parece

impossivelmente perfeita.

Feita a partir de seus ornamentos dourados.

Foi o que ele quis dizer quando disse que guardou uma coisa de

sua coroa e armadura.

Meu olhar se eleva para ele. E então sorrio. — Sim.

Eu me casarei com um cavaleiro do apocalipse.

Estendo minha mão e deixo ele deslizar a aliança no meu dedo

trêmulo.

Eu me casarei com Peste.

— Espere. — Eu digo bruscamente.

Meu cavaleiro levanta as sobrancelhas. — Espere? — Ele repete,

parecendo incrédulo. — Você tem.. dúvidas?


Eu posso dizer que ele tem dificuldade em dizer a última parte

da frase.

— Não, mas… eu quero chama-lo de algo diferente de Peste. Não

apenas um carinho, mas um nome real.

Para melhor ou para pior, ele é um homem. Precisa de um nome

próprio.

— Você quer dizer, como Trixie? — Ele pergunta,

completamente sério.

Deus não. Não assim.

— Hum, um nome humano.

Eu imediatamente me arrependo de mencionar a palavra humano

— é um dos seus gatilhos. Mas Peste não parece repelido pela ideia.

Na verdade, ele parece... intrigado.

Ele pondera sobre isso por apenas um segundo ou dois antes que

ele diz: — Tudo bem.

— Tudo bem? — Pergunto.

Sério, foi assim tão fácil?


Ele ri um pouco com a minha expressão de surpresa. — Confesso

que pensei nisso desde que nos separamos.

Na última vez que falamos, ele não acreditava em nomes

pessoais. Ele era Peste e Peste era quem era. Era o seu propósito e isso

era tudo que alguém precisava saber. Em algum momento durante

todos aqueles dias e semanas em que nos separamos, ele mudou de

ideia.

— Como gostaria de ser chamado? — Eu pergunto.

Seu polegar torce a aliança de ouro em meu dedo.

— Victor. — Diz ele, uma sombra de um sorriso cruzando seu

rosto.

Eu levanto minhas sobrancelhas. Eu não sei o que estava

esperando. Não é como se Victor fosse menos apropriado que Bill ou

Joe. Apenas que Victor é realmente... normal. Eu não esperava

normal.

Sinta-se feliz por ele não ter decidido sobre Elmer ou Wolfgang.

— Victor. — Repito, começando a sorrir enquanto olho para ele.

Gosto disso. Muito. — É perfeito.


Seu sorriso atinge seus olhos.

— O que fez você escolher? — Eu pergunto.

Ele deita na cama e me puxa para seus braços mais uma vez. Eu

me derreto no calor delicioso dele.

Isso ainda parece um sonho. Será que nunca acabará? Será que

algum dia acordarei e não me surpreenderei com a força da natureza

pela qual me apaixonei?

— Victor não é muito diferente de conquistador, verdade? — Ele

diz, ponderadamente.

Eu fico tensa com isso.

Uma risada ressoa profundamente em seu peito.

— Não se preocupe, querida Sara. — Diz ele. — Eu não estou me

apegando aos meus antigos modos. — Ele pega minha mão e

pressiona-a ao seu coração. A batida constante pulsa na palma da

minha mão.

— Pelo contrário, eu sou seu vencedor. Viu, eu vim conquistar

esta terra e seu povo. — Ele explicou. — Mas ao invés disso, um dos

seus me conquistou.
Eu sei que meus olhos ficaram suaves. É uma boa razão — não,

uma ótima razão — que faz meus dedos se curvarem.

Puxando sua cabeça para baixo, eu o beijo, meus lábios fazendo

um longo e lânguido trabalho na tarefa.

Quando o beijo termina, pergunto: — O que acontece agora?

— Nós vamos embora ou ficamos e esperamos que o mundo

aprenda como aprendi. E de qualquer forma, fazemos isso juntos, por

todos os minutos que nos restam.


Ano 10 pós-Cavaleiro

O sol está se pondo quando acontece.

Victor abaixa seu livro, batendo nas minhas pernas, que estão

sobre seu colo.

Eu olho acima de meu próprio livro, meu olhar indo de seu livro

ao seu rosto pálido.

— O que foi?

Delicadamente, Victor move minhas pernas de lado e fica de pé.

Ele caminha um pouco antes de inclinar-se contra a parede.

Deixei meu próprio livro de lado, alarmada. Basicamente tenho

que chutar um caminho através dos dispersados brinquedos infantis

para chegar até ele.

— O que foi? — Eu pergunto.

Ele está tendo um ataque de coração?

Isso é possível?
Quando ele encontra meus olhos, há uma antiga tormenta

familiar neles. — Você pode ter me impedido anos atrás, Sara, mas

seu medo... — Ele diz, seus olhos indo para nossa casa ampla com

varanda, com vista ao Pacífico. — Eu não posso impedir meus irmãos.

Um frio desliza por mim. Nós não falamos sobre isso em meses.

Para que venha agora e assim repentinamente…

Victor sai, conduzido por uma força que não posso sentir e

desamparada o sigo.

Ele fica na varanda, suas mãos agarrando o corrimão tão forte

que posso ouvir a madeira começando a lascar. Incrível pensar que

aquelas mãos possam me segurar suavemente como também podem

fazer isso.

— A roda do destino foi colocada em movimento. — Ele diz. —

Ainda gira sem minha ajuda.

Apesar do meu desconforto, passo meus dedos sobre a sua mão,

sob meu toque, sua força contra o corrimão afrouxa.

— Eu posso sentir. — Ele diz, não se incomodando em encontrar

meu olhar. Seus olhos movem-se inquietos sobre a terra. — Meu

irmão está acordando.


Eu fico fria novamente. — O que?

Ele não olha para mim, seu corpo tem uma postura rígida.

— Ore pelo mundo, querida Sara. A guerra está chegando.

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