Comunidades Interativas
Comunidades Interativas
Comunidades Interativas
Abril/2004
Lucídio Bianchetti
CED/UFSC lucidiob@uol.com.br
Resumo
Neste trabalho vamos discutir o conceito de comunidades virtuais, partindo do
entendimento do que significa comunidade. A sociedade contemporânea, cada vez mais
permeada pelas TIC, tem potencializado a formações de novos coletivos que estão sendo
denominados de comunidades virtuais. Acredita-se que a chamada “geração digital”
(Tapscott, 1999) também presente na escola, está desencadeando novas formas de
relacionamento e criando novos coletivos, que têm na internet o espaço de sua
constituição.
Discutir sobre a formação dos grupos virtuais que estão sendo formados em diversas
disciplinas nos vários níveis de ensino do sistema educacional.além das formas de
interatividade que neles se concretizam, é um dos objetivos deste trabalho fruto da
pesquisa de dissertação de mestrado apresentada no Programa de Pós-graduação em
Educação da Universidade Federal de Santa Catarina. Esta foi pesquisa desenvolvida
com apoio da CAPES por meio do Programa de Apoio à Pesquisa em Educação a
Distância – PAPED/2003.
Palavras-chave:
Comunidades virtuais, educação e interatividade
Contudo, não é apenas o fato de um grupo viver num determinado território que irá
caracterizá-lo como uma comunidade. Para que ela exista, seus integrantes necessitam
ter um ‘sentimento’ de comunidade, algo que, segundo Bauman (2003), citando Tönnies,
é um “entendimento compartilhado por todos os membros. Não um consenso” (p.15). Isso
porque consenso se refere a uma escolha de opinião feita pela maioria. Para haver
consenso é preciso que haja alternativas de escolha que possam ser analisadas e
votadas. Já o entendimento compartilhado a que Tönnies faz referência é tácito e flui de
maneira natural entre os integrantes do grupo.
Bauman (2003), baseado nas idéias de Tönnies, diz que “comunidade significa
entendimento compartilhado do tipo ‘natural’ e tácito’, ela não pode sobreviver ao
momento em que o entendimento se torna autoconsciente, estridente, vociferante” (p. 17).
Por isso, o autor nos mostra as dificuldades enfrentadas com o surgimento das
comunicações entre as pessoas da comunidade e o mundo exterior. Desde então,
Percebe-se, desta forma, que a escolha por uma definição específica de comunidade não
dará conta de abarcar os diversos grupos que estão se formando e que se denominam
também como comunidade. Nesta perspectiva, Hobsbawn (1995) alerta-nos que “jamais a
palavra ‘comunidade’ foi usada mais indiscriminada e vaziamente do que nas décadas em
que as comunidades no sentido sociológico se tornaram difíceis de encontrar na vida real
– a ‘comunidade de informação’, a ‘comunidade de relações públicas’, a ‘comunidade
gay’” (p. 416). Os grupos étnicos criam, na verdade, identidades, mas não comunidades.
Eles são “grupos de identidade” (Idem, p. 417) constituídos por pessoas que possuem as
mesmas características existenciais. Bauman (2001) comenta que Jock Young conseguiu
resumir o pensamento de Hobsbawn em relação à identidade da seguinte forma:
“Exatamente quando a comunidade entra em colapso, inventa-se a identidade” (p. 196).
Entretanto, identidade não é um retorno à comunidade, pois identidade é individual,
singular e, por isso, diferente para cada pessoa ou grupo.
Essa cultura digital está presente em nossa vida diariamente, não apenas quando
utilizamos a Internet, mas em todas as atividades que envolvem a relação pessoa
humana-máquina como, por exemplo, o uso de terminais bancários, telefone celular,
palms, pages, cartões de crédito, webcam, pagamentos de impostos via internet e tantas
outras atividades que realizamos sem nos dar conta de que tudo isso faz parte da
cibercultura. Nessa nova sociabilidade digital, qualquer pessoa pode, a priori, ser um
emissor e receptor de informações em tempo real para qualquer lugar do mundo, desde
que esteja conectada à rede. Essa possibilidade de interconectividade faz da cibercultura
um universo sem totalidade (Lévy, 1999).
A forma de comunicação mais utilizada na Internet é sem dúvida o correio eletrônico que,
segundo Castells (2003), ocupa 85% das atividades desenvolvidas na rede. Porém outras
formas de comunicação também podem ser utilizadas, pois, a cada dia, novos ambientes
virtuais são criados. A cibercultura potencializou o desenvolvimento de novos grupos de
pessoas que se comunicam por afinidades e com objetivos comuns. Esses grupos
passaram a ser conhecidos como comunidades virtuais.
Os MUDs, afirma Turkle (idem, p. 23), “são lugares onde o eu é múltiplo e construído pela
linguagem, são também lugares onde as pessoas e as máquinas mantêm entre si uma
nova relação, podendo até ser confundidas umas com as outras”. Os estudos dessa
autora, entretanto, indicam que há uma distinção entre uma identidade construída nos
MUDs e a identidade real, mas há pontos onde personagem e ator se fundem e onde os
múltiplos personagens se reúnem para abarcar aquilo que o indivíduo considera ser o seu
eu autêntico.
Para Rheingold (1993), as comunidades virtuais são agregações sociais que surgem na
internet quando um número suficiente de pessoas leva adiante discussões públicas
longas e com suficiente sentimento humano a ponto de estabelecerem redes de
relacionamentos no ciberespaço. Este autor foi um dos pioneiros a organizar
comunidades virtuais. Sua primeira comunidade recebeu o nome de WELL (Whole Earth
‘Lectronic Link), criada em 1985, juntamente com os editores da revista Whole Earth
Review. Nesta comunidade, os integrantes mantêm relações intelectuais, sociais e
afetivas. Atualmente, Rheingold tem também uma outra comunidade, a dos
Brainstorms (3), onde as pessoas interagem em discussões sobre tecnologia, futuro,
cultura, sociedade, família, criatividade, livro, música, saúde e trabalho.
Algumas comunidades são organizadas por instituições ou por alguém que fica
responsável por criar e/ou coordenar o ambiente virtual para a comunidade interagir.
Assim poderíamos dizer que este tipo de comunidade é previamente planejada, pois são
escolhidas as formas de comunicação como listas, chats, webcam e fóruns. Existe,
entretanto, a possibilidade de uma comunidade ir se formando sem que haja um
planejamento prévio e sem haver inicialmente um objetivo comum. Isso pode acontecer
com pessoas que se conhecem em salas de bate-papo e que, a partir disso, passam a se
comunicar diariamente para discutir os mais variados assuntos.
Dentro desta perspectiva, será que o grande hipertexto formado pelos blogs pode ser uma
outra forma de comunidade virtual? Será que o fato dos blogueiros se comunicarem com
freqüência e estarem ‘linkados’ entre si seria um indício de que há outras formas de
comunidades virtuais que não necessariamente são planejadas e estruturadas para
atender determinadas necessidades? Ou seriam eles apenas novos coletivos ou
agregações eletrônicas (Lemos, 2003) na rede?
3. As comunidades de aprendizagem
Para criar uma lista de discussão é necessário utilizar um servidor de lista disponível
gratuitamente na rede. Este servidor irá distribuir as mensagens, informativos e outras
publicações entre os assinantes da lista. Existem listas que são abertas, livres, onde
qualquer pessoa pode se inscrever e participar das discussões, outras, porém são
restritas e possuem um moderador, que autoriza a entrada dos membros e também
modera as mensagens enviadas ao grupo. Geralmente as listas são criadas por temas,
objetivando discussões mais aprofundadas entre os participantes. Por este motivo, as
listas passaram a ser uma das formas mais utilizadas na educação pelos professores que
acreditam que elas podem ser a concretização daquilo que McLuhan (1968) denominou
de “aula sem paredes”.
O chat é um dos ambientes virtuais mais utilizados no ciberespaço para os mais diversos
fins como: conversar com amigos, conhecer pessoas, namorar ou discutir temas
específicos. Na educação ele tem sido muito utilizado nos cursos de educação à
distância. As mensagens trocadas no chat são síncronas, ou seja, em tempo real, o que
lhes garante um alto grau de interatividade entre seus integrantes.
Assim como as listas de discussão e os chats, os fóruns são ambientes on line utilizados
por comunidades virtuais e que também podem ser usados na educação. Nos fóruns, as
discussões são assíncronas, sendo as mensagens postadas num quadro, classificadas de
acordo com o assunto discutido em ordem cronológica e hierárquica. Desta maneira
qualquer membro da comunidade poderá acessar as mensagens e identificar a seqüência
das discussões. Cada integrante do fórum poderá escolher em qual ou quais discussões
deseja intervir nas mensagens já postadas.
Todas estas formas de comunicação via internet, descritas acima, são utilizadas por
muitas comunidades virtuais e podem também ser utilizadas na educação para a
formação de comunidades de aprendizagem nos diversos níveis de ensino. Contudo
geralmente são nos cursos de graduação que estes meios tecnológicos estão sendo mais
utilizados. Nas disciplinas dos cursos de graduação quase sempre são criadas listas de
discussão onde alunos e professores interagem sobre os assuntos estudados. Já nos
cursos de EAD não somente as listas são utilizadas como também as demais formas de
comunicação virtual disponíveis. Há de se considerar, entretanto, as implicações que
estas transformações tecnológicas poderão trazer para o paradigma tradicional de
educação centrado na lógica linear e hierárquica da transmissão de saberes, onde o
professor na sua antidialogicidade (Freire, 1983) não consegue interagir com o aluno para
juntos construírem conhecimentos.
4. A educação interativa
Neste sentido, percebemos que está surgindo uma nova relação entre professor e aluno
não mais pautada na hierarquia onde o professor tem a centralidade do saber, como
predominantemente ocorria no processo ensino aprendizagem presencial tradicional. Ao
mesmo tempo, a simples existência das TIC não garante um processo pedagógico mais
rico e desafiador. É possível continuar tradicional mesmo usando as novas tecnologias.
O que queremos evidenciar neste trabalho é que a presença das TIC aliadas a uma
perspectiva comunicacional que contemple a interatividade, onde alunos e professores
possam ser emissores e receptores que interagem, tanto virtual como presencialmente,
de forma bidirecional, baseada na participação-intervenção e na permutabilidade-
potencialidade, poderá ser uma forma de concretizar uma outra educação. Atualmente,
porém, ainda percebemos a predominância de uma educação baseada no paradigma
tradicional, na qual o professor deposita conteúdos no aluno, que rapidamente consegue
esquecê-los, pois não foram conhecimentos construídos; foram apenas informações
transmitidas e decoradas.
Entretanto, se as informações hoje podem ser acessadas com maior facilidade nas redes
de comunicação, cabe então ao professor atribuir-lhes significados, associando-as a
outros conteúdos bem como interpretando-as e relacionando-as com a cultura e as
experiências de vida de cada sujeito. Neste sentido, Lévy (1993) ressalta que
Por este motivo, Lévy (1993) considera o hipertexto como uma multimídia interativa que
pode ser adequada aos processos educativos, pois, para ele, “é bem conhecido o papel
fundamental do envolvimento pessoal do aluno no processo de aprendizagem. Quanto
mais ativamente uma pessoa participar da aquisição de um conhecimento, mais ela irá
integrar-se e reter aquilo que aprender” (p. 40).
A geração digital, cria novas formas de se relacionar com as tecnologias e com o mundo,
dentro de uma lógica não linear e rizomática onde as construções ocorrem por
associações e por links. Nesse sentido, pensar uma educação onde as tecnologias
digitais possam estar presentes, significa dizer que ela não poderá ser linear, nem
hierárquica, e que será preciso mudar o paradigma educacional tradicional. Não é
interessante usar as novas tecnologias para repetir velhas práticas educacionais em que
o aluno continuará sendo apenas o receptor de conteúdos padronizados.
Utilizar as TIC na educação será um desafio para o professor, pois, logo, ele perceberá
que a lógica interativa destas tecnologias requer uma postura diferenciada da queda da
sala de aula tradicional. Nem todos os professores, porém, conseguem perceber esta
diferença e, então, desta forma subutilizam as tecnologias digitais, tornando-as
ferramentas pedagógicas.
A inserção das tecnologias digitais na educação re-orienta uma discussão que há muito
tempo vem sendo realizada sobre a EAD. Esta forma de educação não é nova, porém as
TIC oferecem-lhe novos elementos, que necessitam ser analisados. Como será esta
‘nova’ EAD na perspectiva pedagógica e tecnológica? Como professores e alunos irão
interagir?
As respostas para estas questões não estão definidas a priori, pois ainda há muitos
caminhos a serem trilhados e várias possibilidades a serem utilizadas. Contudo é
importante pensarmos que educar com as novas tecnologias significa propor desafios que
possam ajudar o aluno a entrar no labirinto da informação, mas sem a metáfora do fio de
Ariadne, pois cada link estabelecido é uma oportunidade de rever os conhecimentos já
construídos e construir novos saberes. Neste sentido, o professor não estabelece um
caminho, muito menos um mapa ou uma rota. É importante que o aluno crie seu próprio
percurso, produzindo a sua teia de informações, interligando os saberes e realizando a
permutabilidade-potencialidade própria das redes digitais. Nesse ambiente hipertextual,
os sujeitos inseridos no processo educacional terão espaço para a participação, o diálogo
e a construção coletiva de novas linguagens. Quando novos meios e linguagens são
incorporados à aprendizagem, eles acabam gerando novas formas de conceber o mundo,
estruturando novas relações e novas maneiras de agir frente a uma problemática.
Notas:
(1)Trata-se de um romance, cuja primeira edição foi publicada em 1933. Esta obra
descreve uma comunidade de monjes tibetanos que vivem no mosteiro Shangri-La, onde
a paz, a harmonia, o auto-conhecimento e a felicidade estão presentes diariamente.
(2)Compreendemos o ciberespaço de acordo com a perspectiva de Lévy (1999), que o
compreende como “o espaço de comunicação aberto pela interconexão mundial dos
computadores e das memórias dos computadores” (p. 92).
(3)Para maiores informações sobre Rheingold e suas comunidades virtuais
ver http://www.rheingold.com - acessado em 04/09/2003
(4)Também conhecido como smiley, é uma seqüência curta de letras e símbolos do
teclado, geralmente imitando uma expressão facial ou um sentimento que complemente a
mensagem
(5)Ver em: www.thepalace.com
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