Espindola Et Al (2006)

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DECOMPOSIÇÃO E LIBERAÇÃO DE NUTRIENTES ACUMULADOS EM LEGUMINOSAS...

321

SEÇÃO VI - MANEJO E CONSERVAÇÃO


DO SOLO E DA ÁGUA

DECOMPOSIÇÃO E LIBERAÇÃO DE NUTRIENTES


ACUMULADOS EM LEGUMINOSAS HERBÁCEAS
PERENES CONSORCIADAS COM BANANEIRA(1)

José Antonio Azevedo Espindola(2), José Guilherme Marinho Guerra(2),


Dejair Lopes de Almeida(2), Marcelo Grandi
Teixeira(2) & Segundo Urquiaga(2)

RESUMO

A avaliação da decomposição dos resíduos vegetais adicionados ao solo pelas


plantas de cobertura permite melhor compreensão do fornecimento de nutrientes
para as culturas de interesse comercial. O presente estudo foi realizado no campo
com o objetivo de avaliar a decomposição e a liberação de nutrientes pela parte
aérea de leguminosas herbáceas perenes. Os tratamentos consistiram de diferentes
plantas de cobertura do solo consorciadas com bananeira: amendoim forrageiro
(Arachis pintoi Krapov. & W.C. Gregory), cudzu tropical (Pueraria phaseoloides
(Roxb.) Benth.), siratro (Macroptilium atropurpureum (Sessé & Moc. ex DC.) Urb.)
e vegetação espontânea com predomínio de capim-colonião (Panicum maximum
Jacq.). Essas espécies foram cortadas na estação seca (abril de 1997) e na estação
chuvosa (janeiro de 1998). Após cada corte, amostras da parte aérea foram
acondicionadas em sacos de tela (“litterbags”) distribuídos na superfície das
parcelas. A decomposição da matéria seca e a liberação de nutrientes foram
monitoradas por meio de coletas dos resíduos contidos nos sacos de tela, realizadas
5, 10, 15, 30, 60, 90, 120 e 150 dias após o corte das plantas de cobertura. Os resíduos
de amendoim forrageiro apresentaram maior velocidade de decomposição,
enquanto a vegetação espontânea mostrou um comportamento mais lento. As
constantes de decomposição diminuíram e os tempos de meia-vida aumentaram
na estação seca. Houve rápida liberação de N, Ca e Mg pelas leguminosas, enquanto
a vegetação espontânea apresentou o mesmo comportamento para P. Com relação
à composição química dos resíduos, os teores de celulose e hemicelulose mostraram-
se correlacionados com as perdas de matéria seca. As liberações de N foram
correlacionadas com os teores de C e hemicelulose. Os dados indicam o potencial
das leguminosas herbáceas perenes na liberação de nutrientes, com destaque para
cudzu tropical e siratro.

Termos de indexação: decomposição, plantas de cobertura, resíduos vegetais.

(1)
Parte da Tese de Doutorado do primeiro autor, apresentada ao Curso de Pós-Graduação em Agronomia, área de concentração em
Ciência do Solo, da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro - UFRRJ. Recebido para publicação em maio de 2003 e aprovado
em fevereiro de 2006.
(2)
Pesquisador da Embrapa Agrobiologia, Antiga Estrada Rio-São Paulo, BR 465-RJ, Km 47, Caixa Postal 74505, CEP 23890-000
Seropédica (RJ). E-mails: jose@cnpab.embrapa.br; gmguerra@cnpab.embrapa.br; dejair@cnpab.embrapa.br;
grandi@cnpab.embrapa.br; urquiaga@cnpab.embrapa.br

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322 José Antonio Azevedo Espindola et al.

SUMMARY: DECOMPOSITION AND NUTRIENT RELEASE OF PERENNIAL


HERBACEOUS LEGUMES INTERCROPPED WITH BANANA

Evaluating the decomposition of cover crop residues added to the soil allows improving
the comprehension of appropriate nutrient supply for commercial crops. This study was
carried out under field conditions aiming to evaluate the decomposition and nutrient release
from the shoots of perennial herbaceous legumes. The treatments were green cover crops
intercropped with banana: groundnut (Arachis pintoi Krapov. & W.C. Gregory.), tropical
kudzu (Pueraria phaseoloides (Roxb.) Benth.), siratro (Macroptilium atropurpureum (Sessé
& Moc. ex DC.) Urb.) and spontaneous vegetation (mainly Panicum maximum Jacq.). These
species were cut during the dry (April 1997) and rainy seasons (January 1998). Aboveground
cover crop samples were placed in litterbags, which were distributed on the plots soil surface.
Dry matter decomposition and nutrient release were monitored through collection of litterbags
at 5, 10, 15, 30, 60, 90, 120 and 150 days after cutting the cover crops. Dry matter
decomposition of groundnut was the fastest and the spontaneous vegetation was the slowest.
The decomposition constants decreased and residue half-lives increased during the dry
season. There was a faster release of N, Ca and Mg in the legumes, while spontaneous
vegetation presented similar results for P. Among the chemical variables under study, the
cellulose and hemicellulose contents were correlated with dry matter loss. N release was
correlated with C and hemicellulose contents. Results indicate the potential of perennial
herbaceous legumes for nutrient release, particularly in the case of tropical kudzu and siratro.

Index terms: decomposition, cover crops, plant residues.

INTRODUÇÃO decompositores, as características do material


orgânico que determinam sua degradabilidade e as
O uso de leguminosas como plantas de cobertura condições edafoclimáticas da região (Correia &
melhora a fertilidade do solo, fornecendo N para Andrade, 1999). Sob as mesmas condições de clima
outras espécies cultivadas e reduzindo os gastos com e solo, a velocidade de decomposição dos resíduos e
adubação nitrogenada (Blevins et al., 1990; a liberação de N são influenciadas por características
Holderbaum et al., 1990; Oyer & Touchton, 1990). químicas, como teor de N (Constantinides & Fownes,
Além disso, essas plantas absorvem nutrientes das 1994), relação C/N (Jama & Nair, 1996), teor de
camadas subsuperficiais do solo e os liberam, lignina e relação lignina/N (Matta-Machado et al.,
posteriormente, na camada superficial pela 1994; McDonagh et al., 1995), teor de polifenóis e
decomposição dos seus resíduos (Costa, 1993). relação polifenóis/N (Palm & Sanchez, 1991) e relação
Dentre as plantas de cobertura que podem ser (lignina + polifenóis)/N (Handayanto et al., 1994).
consorciadas com culturas perenes, merecem A decomposição dos materiais vegetais também
destaque as leguminosas herbáceas perenes. Ao é influenciada pelo manejo utilizado nos
contrário das leguminosas anuais, essas espécies são ecossistemas. Varco et al. (1993) constataram que a
capazes de rebrotar após o corte, formando uma incorporação de resíduos de leguminosas no solo
cobertura viva permanente no solo. promoveu uma decomposição mais rápida, associa-
Para que um adubo verde seja eficaz no da à liberação de N, em comparação com os resídu-
fornecimento de nutrientes, deve haver sincronia os deixados em cobertura. Por outro lado, a manu-
entre o nutriente liberado pelo resíduo da planta de tenção dos resíduos na superfície do solo mostrou-se
cobertura e a demanda da cultura de interesse associada à maior retenção de água e proteção con-
comercial (Stute & Posner, 1995). A alta taxa de tra a erosão. Tais resultados evidenciam efeitos be-
mineralização do N contido na leguminosa antes da néficos da formação de cobertura viva com leguminosas
fase de crescimento logarítmico da cultura pode herbáceas perenes. No entanto, existem poucas in-
ocasionar perdas de N por processos, tais como: formações a respeito do comportamento da decompo-
lixiviação, denitrificação ou volatilização de amônia sição dessas plantas sobre a conseqüente liberação
(Stute & Posner, 1995; Lara Cabezas et al., 2000). de nutrientes em regiões de clima tropical úmido.
Por outro lado, se a mineralização ocorrer após esse O objetivo deste trabalho foi caracterizar a
período, a cultura não será beneficiada. decomposição e a liberação de nutrientes pelos
Diversos fatores são relacionados com a resíduos da parte aérea de algumas leguminosas
decomposição de resíduos vegetais adicionados ao herbáceas perenes consorciadas com bananeira cv.
solo, tais como: a atuação de macro e microrganismos Prata Manteiga.

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MATERIAL E MÉTODOS (Roxb.) Benth.), siratro (Macroptilium atropurpureum


(Sessé & Moc. ex DC.) Urb.) e vegetação espontânea
com predomínio de capim-colonião (Panicum
O trabalho foi realizado na área experimental da maximum Jacq.). Cudzu tropical e siratro têm
Embrapa Agrobiologia, no município de Seropédica hábito de crescimento volúvel, enquanto amendoim
(RJ). Na área do experimento, foram plantadas forrageiro e capim-colonião apresentam-se como
leguminosas herbáceas perenes consorciadas com espécies de hábito rastejante e ereto, respectivamente.
bananeira cv. Prata Manteiga, em maio de 1996,
num Argissolo Vermelho-Amarelo distrófico. A No momento de cada corte, foram coletadas
camada de 0–20 cm apresenta textura franco-argilo- amostras da parte aérea das plantas de cobertura
arenosa, com as seguintes características químicas: para determinar a produção de fitomassa e dos
pH em água = 4,4; Al3+ = 2,0 mmolc dm-3; Ca2+ = teores de N, P, K, Ca e Mg. Para avaliar a
25,0 mmol c dm -3 ; Mg 2+ = 14,0 mmol c dm -3; P = decomposição dos resíduos vegetais, foram colocados
3,0 mg dm-3 e K = 46,0 mg dm-3 (Embrapa, 1997). 30 g de material fresco em bolsas confeccionadas com
tela plástica (“litterbags”) com abertura de malha
O clima da região é do tipo Aw de Koëppen. A de 4 mm. A obtenção do peso de matéria seca
temperatura média do ar sofre elevação a partir de equivalente do material acondicionado nas bolsas
outubro, mês no qual ocorre o início do período foi feita pela secagem de amostras em estufa à
chuvoso, que se estende até março. Nos meses de temperatura de 65 oC, por 72 h. As bolsas foram
junho, julho e agosto, nota-se queda na temperatura distribuídas na superfície das parcelas, sendo a
e na precipitação pluviométrica. Já os meses de abril decomposição de matéria seca e a liberação de
e setembro são considerados de transição nutrientes monitoradas por meio de coletas
(Quadro 1). realizadas 5, 10, 15, 30, 60, 90, 120 e 150 dias após a
Realizaram-se os dois primeiros cortes das instalação dos ensaios de decomposição.
leguminosas em abril de 1997 (durante a estação Os resíduos vegetais coletados foram secos em
seca) e janeiro de 1998 (durante a estação chuvosa). estufa à temperatura de 65 oC, por 72 h, sendo então
Por ocasião desses cortes, foram instalados dois moídos. O procedimento para a análise de N baseou-
ensaios de decomposição in situ com o material fresco se no método recomendado por Bremner &
da parte aérea das coberturas vivas. O delineamento Mulvaney (1982), enquanto P e K foram
experimental adotado foi o de blocos ao acaso, com determinados a partir da digestão nítrico-perclórica
quatro repetições. Os tratamentos constaram das (Bataglia et al., 1983). A determinação do P foi feita
espécies perenes que formam as coberturas vivas: por colorimetria por meio da formação da cor azul
amendoim forrageiro (Arachis pintoi Krapov & W.C. do complexo fosfato-molibidato em presença de ácido
Gregory), cudzu tropical (Pueraria phaseoloides ascórbico, e a do K, por fotometria de chama
(Embrapa, 1997). Por sua vez, as determinações de
Ca e Mg foram feitas por espectrofotometria de
absorção atômica (Bataglia et al., 1983). Por ocasião
Quadro 1. Temperatura média do ar e precipitação
dos cortes das plantas, foram ainda coletadas
pluviométrica durante os meses de condução
amostras de parte aérea para determinação dos
dos ensaios de decomposição teores de C, polifenóis, lignina, celulose e
hemicelulose. O C foi determinado pela queima em
mufla à temperatura de 550 oC (Embrapa, 1997),
Temperatura Precipitação enquanto a determinação de polifenóis foi feita em
Mês
média do ar pluviométrica extratos metanólicos de acordo com Anderson &
Ingram (1989). As análises de lignina, celulose e
°C mm hemicelulose foram realizadas por meio do método
Ano 1997 da fibra em detergente ácido (van Soest & Wine, 1968).
Abril 24,0 38,4 A decomposição dos resíduos e a liberação de
Maio 22,2 34,8 nutrientes seguem o modelo exponencial simples,
Junho 21,2 20,3 utilizado por Rezende et al. (1999):
Julho 22,1 17,0
Agosto 22,5 29,0 X = X0 e-kt
Setembro 23,1 56,7
em que X é a quantidade de matéria seca ou
Ano 1998 nutriente remanescente após um período de tempo
Janeiro 28,7 119,5 t, em dias; X0 é a quantidade de matéria seca ou
Fevereiro 29,1 279,4 nutriente inicial; e k é a constante de decomposição.
Março 28,3 145,4 Reorganizando os termos dessa equação, é possível
Abril 26,4 69,0
calcular a constante de decomposição, ou valor k:
Maio 23,5 101,8
Junho 18,2 31,0
k = ln (X / Xo) / t

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Outra característica útil na avaliação da por capim-colonião, foram computadas em relação


decomposição de materiais vegetais é o tempo de às estações (seca e chuvosa) (Quadro 2). Com relação
meia-vida, que expressa o período de tempo ao corte realizado durante a estação seca, o cudzu
necessário para que metade dos resíduos se tropical apresentou a maior produção de matéria
decomponha ou para que metade dos nutrientes seca (5 Mg ha-1), superando as demais espécies em
contidos nesses resíduos seja liberada. De acordo até 61 %. De forma geral, as leguminosas avaliadas
com Rezende et al. (1999), é possível calcular os apresentaram maior acumulação de N, Ca e Mg,
tempos de meia-vida pela equação: enquanto o capim-colonião mostrou maior
acumulado de K.
t1/2 = ln (2) / k
No corte realizado durante a estação chuvosa, a
em que t1/2 é o tempo de meia-vida de matéria seca vegetação espontânea destacou-se das leguminosas
ou nutriente; ln (2) é um valor constante; e k é a amendoim forrageiro e siratro em relação à produção
constante de decomposição descrita anteriormente. de matéria seca, com aumentos de até 108 %. As
As equações matemáticas que melhor representam leguminosas, ainda assim, apresentaram maior
a decomposição de matéria seca e a liberação de acúmulo de N e Ca (com exceção desse último
nutrientes foram obtidas por meio do software Sigma nutriente para o siratro) e menores quantidades de
Plot for Windows 4.0 (fabricado por SPSS Inc., 223 S. P e K. Não houve diferenças significativas entre as
Wacker Drive, 11th floor, Chicago, Illinois, USA). plantas de cobertura para as quantidades de Mg
Os dados sobre produção de fitomassa e acumulado. Cabe ressaltar que os valores observados
acumulação de nutrientes na parte aérea das para o siratro podem ter sido subestimados, em
leguminosas herbáceas perenes e vegetação decorrência da queda natural de folhas observada
espontânea foram submetidos à análise de variância, nessa espécie durante o crescimento das plantas.
avaliando-se as diferenças entre as médias pelo teste A composição química dos resíduos vegetais da
de Tukey a 5 %. A variabilidade dos dados relativos parte aérea, por ocasião da instalação dos ensaios
às constantes de decomposição foi indicada por meio de decomposição, revelou que, em ambas as estações,
do erro-padrão de cada média. Objetivando detectar as leguminosas apresentaram elevados teores de N
quais as propriedades químicas dos resíduos em relação à vegetação espontânea (Quadro 3).
vegetais avaliados poderiam afetar os valores de k Como não houve grandes variações em relação aos
para matéria seca e N, efetuaram-se testes de teores de C, os valores calculados para as relações
correlação de Pearson. C/N foram conseqüentemente maiores na vegetação
espontânea que nas leguminosas. Os maiores teores
de celulose e hemicelulose foram constatados na
vegetação espontânea, enquanto não se observaram
RESULTADOS E DISCUSSÃO grandes variações quanto aos teores de lignina entre
as espécies de cobertura avaliadas. Com relação aos
A produção de fitomassa e a acumulação de teores de polifenóis, maiores valores foram
nutrientes pelas leguminosas herbáceas perenes e observados no período seco, para o cudzu tropical, e
pela vegetação espontânea, formada principalmente no período chuvoso, para o amendoim forrageiro.

Quadro 2. Produção de fitomassa e acumulação de nutrientes na parte aérea de leguminosas herbáceas


perenes e vegetação espontânea por ocasião dos cortes realizados durante as estações (seca e chuvosa)

Espécie Matéria seca N P K Ca Mg

Mg ha-1 _________________________________________________________________________ kg ha -1 _________________________________________________________________________

Estação seca
Amendoim forrageiro 3,4 b(1) 96,9 b 6,8 ab 29,9 b 44,8 a 21,2 a
Cudzu tropical 5,0 a 125,8 a 10,3 a 47,1 b 38,3 ab 14,8 b
Siratro 3,1 b 65,2 c 5,7 b 35,9 b 31,0 b 12,7 b
Vegetação espontânea 3,4 b 36,2 d 9,8 a 71,7 a 13,0 c 8,4 c

Estação chuvosa
Amendoim forrageiro 4,2 b 99,3 ab 7,1 b 30,8 b 76,0 a 32,1 a
Cudzu tropical 5,4 ab 126,1 a 9,8 b 44,3 b 63,4 a 24,9 a
Siratro 3,7 b 90,3 b 6,1 b 40,3 b 54,4 ab 21,7 a
Vegetação espontânea 7,7 a 47,2 c 17,2 a 93,4 a 37,0 b 26,6 a
(1)
Valores seguidos de letras iguais, na coluna, para cada estação, não diferem entre si pelo teste de Tukey a 5 %.

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O amendoim forrageiro apresentou as maiores melhor indicador de decomposição. Em


constantes de decomposição, enquanto um conseqüência, várias propriedades têm sido adotadas,
comportamento oposto foi observado para o capim- tais como a relação C/N e os teores de lignina e
colonião, independentemente da época de corte. polifenóis. Com a obtenção dos coeficientes de
Nota-se que os resíduos de cudzu tropical e siratro correlação entre os valores de k e diferentes
apresentaram comportamento intermediário em características químicas dos materiais vegetais
relação às outras coberturas vegetais (Quadro 4). A avaliados, foi possível estabelecer que os teores de
decomposição dos resíduos foi mais lenta durante a celulose mostraram-se intimamente relacionados
estação seca, provavelmente em decorrência de com a velocidade de decomposição dos resíduos na
condições climáticas associadas a menores estação seca e na chuvosa (r = -0,92*, para ambas
precipitações pluviométricas durante esse período. as estações). No entanto, alguns dos coeficientes de
A influência do clima na decomposição é evidente correlação mostraram-se dependentes da época do
ao se compararem os dados obtidos com a literatura. ano. Os teores de hemicelulose, por exemplo,
Thomas & Asakawa (1993) relataram constantes de afetaram a decomposição dos resíduos apenas na
decomposição (k) consideravelmente menores para estação seca (r = -0,95*).
os resíduos de amendoim forrageiro e cudzu tropical À semelhança da decomposição de matéria seca
cultivados em região com menor precipitação dos resíduos, a liberação de N, P, K, Ca e Mg foi,
pluviométrica. geralmente, mais lenta na estação seca (Quadro 5).
Além do clima, outro fator apontado como Levando em consideração os tempos de meia-vida
regulador da decomposição de resíduos vegetais é obtidos nessa época, cerca de 50 % dos nutrientes
sua composição química. Segundo Vanlauwe et al. contidos nas leguminosas foram liberados em até
(1997), ainda não existe um consenso em relação ao 120 dias, exceto para o Ca, que necessitou de mais

Quadro 3. Características dos resíduos vegetais adicionados ao solo por ocasião dos cortes realizados
durante as estações seca e chuvosa

Espécie MS (1) C N C/N Pol (2) Cel (3) Hem (4) Lig (5)

g __________ g kg -1 __________ ________________________________________ g kg -1 ________________________________________

Estação seca
Amendoim forrageiro 8,4 459 28,6 16,1 15,5 152 91 120
Cudzu tropical 7,2 478 25,3 19,2 21,0 207 149 88
Siratro 7,8 472 21,3 22,7 14,1 269 145 127
Vegetação espontânea 8,5 459 10,6 43,9 12,7 297 228 88

Estação chuvosa
Amendoim forrageiro 8,6 484 23,6 20,5 32,5 147 147 111
Cudzu tropical 8,0 507 23,5 21,6 17,6 254 127 122
Siratro 7,9 495 24,5 20,6 19,7 239 97 110
Vegetação espontânea 10,1 492 6,2 79,3 13,2 311 298 80
(1)
MS = Peso de matéria seca inicial dos resíduos vegetais acondicionados nos “litterbags”. (2) Pol = Polifenóis. (3)
Cel = Celulose.
(4)
Hem = Hemicelulose. (5) Lig = Lignina.

Quadro 4. Parâmetros da equação X = X0 e-kt ajustada aos valores de matéria seca e tempos de meia-vida
para o material incubado na superfície do solo durante 150 dias após os cortes realizados durante as
estações seca e chuvosa

Estação seca Estação chuvosa


Espécie
X0 k t 1/2 (1) X0 k t 1/2 (1)

% dia-1 dia % dia-1 dia


Amendoim forrageiro 89,7 0,020 (0,0007)(2) 36 84,3 0,029 (0,0058) 24
Cudzu tropical 74,5 0,010 (0,0009) 68 85,9 0,011 (0,0010) 62
Siratro 76,3 0,010 (0,0022) 68 89,1 0,023 (0,0022) 31
Vegetação espontânea 88,1 0,005 (0,0004) 136 76,5 0,007 (0,0005) 105

(1)
t1/2 = tempo de meia-vida. (2) Valores entre parênteses correspondem ao erro-padrão.

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tempo para a liberação. Por outro lado, a mesma A liberação de P da vegetação espontânea foi
proporção de nutrientes foi liberada das leguminosas superior à dos demais tratamentos durante a estação
em até 60 dias na estação chuvosa. A velocidade de chuvosa (Quadro 5). Na estação seca, os resíduos
liberação do N dos resíduos da parte aérea das da vegetação espontânea apresentaram valor de k
diferentes plantas de cobertura apresentou para esse nutriente similar ao do amendoim
tendência semelhante à observada para a matéria forrageiro e superior aos das outras leguminosas.
seca (Quadro 5), com maior valor de k para Com relação ao K, foram observados tempos de
amendoim forrageiro e menor valor para vegetação meia-vida menores que 13 dias para todas as plantas
espontânea. A reduzida taxa de liberação do capim- de cobertura em ambos os períodos avaliados. A
colonião reflete uma imobilização desse nutriente percentagem de K remanescente encontrado 30 dias
que acarretará deficiência de N para a cultura após o corte variou de 2 a 15 % nos resíduos vegetais
consorciada. A partir dos valores de k, tornou-se analisados (Quadro 5), o que indica a rápida velocidade
possível estabelecer a seguinte ordem de liberação: de liberação desse nutriente, independentemente da
espécie envolvida e da época de corte. Resultados
K > Mg > P > N > Ca semelhantes foram descritos por Luna-Orea et al.
Os teores de C e hemicelulose mostraram-se re- (1996) e Andrade (1997). O comportamento
lacionados com a liberação do N durante a estação observado para o K provavelmente está associado
seca (r = -0,99*, para ambas as características), en- ao fato de tal nutriente ocorrer na forma iônica nas
quanto não se verificou a ocorrência de bons indica- plantas, não participando, portanto, das estruturas
dores na estação chuvosa. De forma semelhante, ou- orgânicas (Taiz & Zeiger, 1991).
tros autores relataram o importante papel dos teo- Ao contrário do que se observou para K,
res de C e hemicelulose na liberação desse nutrien- detectaram-se longos tempos de meia-vida para Ca,
te acumulado em leguminosas (Frankenberger & que chegaram até 157 dias nos resíduos de siratro
Abdelmagid, 1985; Lupwayi & Haque, 1998). durante a estação seca (Quadro 5). A lenta liberação

Quadro 5. Parâmetros da equação X = X0 e-kt ajustada aos valores de N, P, K, Ca e Mg e respectivos tempos de


meia-vida para o material incubado na superfície do solo durante 150 dias após os cortes realizados
durante as estações seca e chuvosa

Estação seca Estação chuvosa


Espécie Nut. (1)
X0 k t 1/2 (2) X0 K t 1/2

% dia-1 dia % dia-1 dia


Amendoim forrageiro N 94,2 0,016 (0,0013)(3) 44 84,1 0,022 (0,0026) 30
Cudzu tropical N 75,0 0,006 (0,0005) 110 89,5 0,012 (0,0010) 56
Siratro N 79,1 0,008 (0,0009) 86 89,9 0,021 (0,0020) 32
Vegetação espontânea N ND (4) ND ND 86,4 0,002 (0,0005) 239

Amendoim forrageiro P 87,7 0,021 (0,0004) 32 91,9 0,027 (0,0019) 25


Cudzu tropical P 79,9 0,012 (0,0030) 56 89,3 0,019 (0,0050) 36
Siratro P 75,0 0,011 (0,0071) 61 99,2 0,024 (0,0021) 28
Vegetação espontânea P 86,7 0,019 (0,0017) 36 81,3 0,063 (0,0179) 19
Amendoim forrageiro K 91,3 0,089 (0,0305) 8 92,3 0,093 (0,0113) 8
Cudzu tropical K 92,3 0,060 (0,0124) 12 95,6 0,061 (0,0025) 11
Siratro K 93,3 0,090 (0,0516) 8 99,7 0,127 (0,0223) 5
Vegetação espontânea K 92,3 0,085 (0,0086) 8 98,8 0,087 (0,0066) 8
Amendoim forrageiro Ca 83,5 0,008 (0,0018) 91 82,3 0,013 (0,0006) 53
Cudzu tropical Ca ND ND ND 71,7 0,005 (0,0004) 154
Siratro Ca 78,1 0,004 (0,0019) 157 81,9 0,021 (0,0024) 33
Vegetação espontânea Ca ND ND ND 78,0 0,005 (0,0002) 130
Amendoim forrageiro Mg 86,6 0,034 (0,0027) 20 88,2 0,034 (0,0070) 20
Cudzu tropical Mg 78,5 0,007 (0,0012) 101 79,4 0,016 (0,0011) 43
Siratro Mg 79,3 0,031 (0,0114) 23 93,3 0,065 (0,0079) 11
Vegetação espontânea Mg ND ND ND 70,1 0,008 (0,0020) 90

(1)
Nut. = Nutriente. (2) t1/2 = tempo de meia-vida. (3) Valores entre parênteses correspondem ao erro-padrão. (4)
ND = dados não
ajustados ao modelo exponencial simples, de acordo com análise de regressão a 5 %.

R. Bras. Ci. Solo, 30:321-328, 2006


DECOMPOSIÇÃO E LIBERAÇÃO DE NUTRIENTES ACUMULADOS EM LEGUMINOSAS... 327

desse nutriente está ligada ao fato de ser o Ca um ANDRADE, A.G. Ciclagem de nutrientes e arquitetura
dos constituintes da lamela média da parede celular radicular de leguminosas arbóreas de interesse para
(Taiz & Zeiger, 1991), formando um dos componentes revegetação de solos degradados e estabilização de
mais recalcitrantes dos tecidos vegetais. encostas. Seropédica, Universidade Federal Rural do Rio
de Janeiro, 1997. 182p. (Tese de Doutorado)
Considerando a liberação de Mg, notam-se maior
valor de k para siratro e menor valor para vegetação BATAGLIA, O.C.; FURLANI, A.M.C.; TEIXEIRA, J.P.F. &
espontânea na estação chuvosa, enquanto amendoim GALLO, J.R. Métodos de análise química de plantas.
forrageiro liberou esse nutriente de forma mais Campinas, Instituto Agronômico de Campinas, 1983. Não
rápida na estação seca (Quadro 5). paginado. (Instituto Agronômico. Boletim, 78)

Cabe ressaltar que os dados obtidos durante a BLEVINS, R.L.; HERBEK, J.H. & FRYE, W.W. Legume cover
estação seca, relativos à liberação de N para a crops as a nitrogen source for no-till corn and grain sorghum.
vegetação espontânea, de Ca para o cudzu tropical Agron. J., 82:769-772, 1990.
e vegetação espontânea, e de Mg para a vegetação
espontânea, não se ajustaram ao modelo exponencial BREMNER, J.M. & MULVANEY, C.S. Nitrogen total. In: PAGE,
A.L., ed. Methods of soil analysis, part 2. 2.ed. Madison,
simples, de acordo com a análise de regressão.
Soil Science Society of America, 1982. p.595-624.
Segundo os resultados, as plantas de cobertura
avaliadas apresentaram diferentes padrões de de- CONSTANTINIDES, M. & FOWNES, J.H. Nitrogen
composição dos resíduos vegetais e, conseqüentemen- mineralization from leaves and litter of tropical plants:
te, liberação de nutrientes, o que pode afetar a sua Relationship to nitrogen, lignin and soluble polyphenol
disponibilidade para a cultura principal. O amen- concentrations. Soil Biol. Biochem., 26:49-55, 1994.
doim forrageiro apresentou rápida decomposição, CORREIA, M.E.F. & ANDRADE, A.G. Formação de serapilheira.
associada com a liberação de N num curto espaço de In: SANTOS, G.A. & CAMARGO, F.A.O., eds. Fundamentos
tempo. Numa situação em que a cultura de interes- da matéria orgânica do solo: Ecossistemas tropicais e
se econômico não apresente uma demanda de ab- subtropicais. Porto Alegre, Genesis, 1999. p.197-225.
sorção similar para esse nutriente, isso possibilita-
ria maiores perdas de N. Por outro lado, a vegeta- COSTA, M.B.B., coord. Adubação verde no sul do Brasil. 2.ed.
ção espontânea formada por capim-colonião causou Rio de Janeiro, AS-PTA, 1993. 346p.
a imobilização de N, Ca e Mg nos resíduos vegetais
EMPRESA BRASILEIRA DE PESQUISA AGROPECUÁRIA -
por vários meses, o que levaria a uma competição EMBRAPA. Centro Nacional de Pesquisa de Solos. Manual
por esses nutrientes com a cultura principal. Dentro de métodos de análise de solo. Rio de Janeiro, 1997. 212p.
dessa perspectiva, as leguminosas herbáceas pere-
nes apresentaram um comportamento claramente FRANKENBERGER, W.T. & ABDELMAGID, H.M. Kinetic
distinto quanto à decomposição dos resíduos em rela- parameters of nitrogen mineralization rates of leguminous
ção ao capim-colonião, afetando a disponibilidade tem- crops incorporated into soil. Plant Soil, 87:257-271, 1985.
porária de nutrientes para as culturas consorciadas.
HANDAYANTO, E.; CADISCH, G. & GILLER, K.E. Nitrogen
release from prunings of legume hedgerow trees in relation
to quality of the prunings and incubation method. Plant
CONCLUSÕES Soil, 160:237-248, 1994.

1. As leguminosas herbáceas perenes e o capim- HOLDERBAUM, J.F.; DECKER, A.M.; MEISINGER, J.J.;
colonião apresentaram diferentes padrões de MULFORD, F.R. & VOUGH, L.R. Fall-seeded legume cover
crops for no-tillage corn in the Humid East. Agron. J.,
decomposição dos resíduos e liberação de nutrientes.
82:117-124, 1990.
2. As leguminosas apresentaram rápida liberação
de N, enquanto o capim-colonião causou imobilização JAMA, B.A. & NAIR, P.K.R. Decomposition and nitrogen-
desse nutriente. Dentre as leguminosas avaliadas, mineralization patterns of Leucaena leucocephala and
pode-se recomendar o amendoim forrageiro para Cassia siamea mulch under tropical semiarid conditions in
situações onde haja necessidade de uma liberação Kenya. Plant Soil, 179:275-285, 1996.
mais rápida de N, enquanto cudzu tropical e siratro LARA CABEZAS, W.A.R.; TRIVELIN, P.C.O.; KONDÖRFER,
mostraram-se mais adequados em cultivos onde se G.H. & PEREIRA, S. Balanço da adubação nitrogenada
esperava liberação mais lenta desse nutriente. sólida e fluida de cobertura na cultura de milho, em sistema
3. Todas as espécies avaliadas apresentaram de plantio direto no Triângulo Mineiro (MG). R. Bras. Ci.
rápida liberação de K e lenta liberação de Ca. Solo, 24:363-376, 2000.

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