A Disortografia

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Disortografia: a escrita criativa na reeducação da escrita

CAPÍTULO II - A DISORTOGRAFIA

2.1 INTRODUÇÃO

Neste capítulo pretendemos esclarecer o conceito e algumas definições de disortografia


antes de abordar as perturbações que habitualmente surgem associadas à disortografia
(comorbidades). Seguidamente fazemos uma análise e exposição das causas
conducentes à disortografia, as características deste transtorno e, consequentemente, os
vários tipos de disortografia. Adicionalmente, tendo como referência a revisão
bibliográfica em relação ao distúrbio específico de composição escrita, apontamos as
consequências pessoais e sociais indicadas como decorrentes da presença do distúrbio;
os sinais de alerta e momento ou modo de referenciação do distúrbio.

Na última parte deste capítulo apresentamos as ferramentas que atualmente dispomos


para o diagnóstico de uma disortografia e os tipos de teste que podemos realizar na
avaliação neste tipo de distúrbio. Por fim, analisamos ainda diferentes estratégias e
atividades habitualmente realizadas no trabalho reeducativo de acordo com os diferentes
tipos de disortografia.

2.2 A DISORTOGRAFIA

Tal como descreve Selikowitz (2010, p. 91) ler e escrever são processos inversos.
Enquanto no processo de leitura os grafemas (os símbolos impressos) são convertidos
em fonemas (os sons de cada letra); na escrita estes fonemas e as palavras, que
desejamos reproduzir no papel, são convertidos em grafemas. Quando a criança pensa
acerca da palavra que quer escrever, Tressoldi e colaboradores (2007, cit. in Lamônica,
2008, p. 77) relatam que esta inicialmente pensa nas características acústicas e
articulatórias da palavra, ou seja, pensa em sons (fonemas) e não em letras (grafemas).
Devido à falta de arbitrariedade na relação entre fonema e grafema para todos os casos
da escrita, escrever de forma correta geralmente não é uma tarefa fácil, desenvolvendo-
se inclusivamente como uma capacidade muito mais difícil de ser adquirida do que a
leitura (Selikowitz, 2010, p. 91).

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A dificuldade na aquisição da escrita não se limita a esta arbitrariedade fonema/grafema


mas também, como Pereira (1995, pp. 68-70) acrescenta, a três destrezas ou
capacidades: caligrafia, expressão escrita e ortografia.

No que concerne à caligrafia, a escrita assume-se como um ato sensório-motor capaz de


traçar um determinado conjunto de símbolos com regras de planificação na folha e
formas diversificadas, podendo a mesma letra ter duas formas (maiúscula e minúscula)
e as letras escreverem-se de cima para baixo, da esquerda para a direita ou da direita
para a esquerda (Mata, 2008, 36).

No que diz respeito à expressão escrita, Pereira (1995, p. 68) explica que não sendo a
escrita um processo linear, mas sim recursivo e dependente de uma multiplicidade de
conexões semânticas, acústicas, culturais e gráficas, esta faz, ao longo de todas as etapas
de criação de texto, o recurso a capacidades de planificação, formulação e correção. Não
estando a criança treinada ou familiarizada com estas conexões é expectável a
ocorrência de muitas dificuldades ao nível da coesão textual.

Finalmente, Pereira (1995, p. 70) descreve a escrita enquanto ortografia, por outras
palavras, pelo domínio de um conjunto de regras suscetível a três tipos de processos:
processo normativo, processo fonémico e o processo grafémico. A ortografia como um
processo normativo exige da criança não só o conhecimento das regras semânticas e
gramaticais da escrita como também o respeito das mesmas ao longo do processo de
criação de um enunciado/texto. Como processo fonémico, a ortografia diz respeito às
regras subjacentes à correspondência entre fonema e grafema na composição de
palavras, variando, por exemplo, a realização do grafema, não só consoante a posição
do mesmo na palavra, como também na relação com os demais grafemas que se
encontram à sua esquerda ou direita na palavra. Como processo grafémico, a ortografia
reporta-se à forma das letras, fazendo recurso ao léxico ortográfico visual armazenado
na memória visual permitindo à criança recorrer a este léxico por analogia ao longo do
processo da escrita. Contudo, quando estas crianças se confrontam com outras
dificuldades ocultas que surgem de forma mais persistente ou duradoura na
aprendizagem ou aquisição das normas e regras convencionais da linguagem escrita,

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podemos estar a falar não de dificuldades generalizadas mas de um distúrbio da escrita


como a disortografia (Lamônica, 2008, p. 78).

Como anteriormente referimos, neste capítulo iremos explanar os conceitos e definições


relativos à disortografia, para diferenciar este distúrbio de outros transtornos ou
distúrbios que normalmente surgem como comorbidade deste. Ao longo da descrição da
disortografia, apresentaremos os fatores e causas que se presumem estar na génese ou
desencadeamento deste distúrbio específico da composição escrita, as suas
características e os diferentes tipos de disortografia como também as consequências na
vida de um individuo com disortografia.

Pretendemos ao longo deste capítulo apresentar exemplos e características da


disortografia que servirão de sinais de alerta na referenciação e ferramentas para o
diagnóstico e avaliação de distúrbio de composição escrita. Finamente, concluímos este
capítulo com a análise de diferentes tipos de intervenção e reeducação aconselhadas por
diversos investigadores no trabalho com crianças e jovens diagnosticados com
disortografia.

2.3 CONCEITO E DEFINIÇÃO

Apesar de atualmente já existirem muitos trabalhos especificamente relacionados com o


transtorno da escrita, a saber também da disortografia, a investigação tem-se sempre
mostrado mais interessada pelos problemas na aquisição da leitura – dislexia (Karlep,
2000, p. 54). Montgomery (1997, p. 14) afirma mesmo que ao longo de mais de um
século de investigação da aquisição e desenvolvimento da linguagem, os distúrbios
relacionados com a escrita (disortografia e disgrafia) têm sido sempre os parentes
pobres na relação entre leitura e a escrita.

Como ponto de viragem do foco de investigação, Montgomery (1997, p. 14) aponta o


final dos anos 1970, predominantemente devido aos trabalhos desenvolvidos por Frith
(1979, 1980, 1983, 1984; Frith & Frith, 1980), trabalhos referentes à natureza,
desenvolvimento e dificuldades associadas à aquisição da escrita, surgindo, desde então,
inúmeros trabalhos referentes a este transtorno.

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Tendo em consideração a investigação relativa à dificuldade na composição escrita,


disortografia, ao longo dos últimos trinta anos, muitos estudos recorreram a este
conceito ou definição de forma variada ou relativa a outros distúrbios. Por exemplo,
Torres e Fernández (2001, p. 75) lembram que a disortografia já recebeu, de forma
errónea, denominações do tipo disgrafia disléxica, ou mesmo a equiparação à disgrafia
(Nijakowska, 2010, p. 3).

Definimos etimologicamente o conceito de disortografia em conformidade com os


trabalhos referentes a este distúrbio apresentados pelas investigadoras de expressão de
língua portuguesa Coelho (2013, p. 116) e Montenegro (1974, p. 6), como derivando da
composição do prefixo grego “dis”, ideia de desvio ou dificuldade; “orto”, direita ou
correta; “grafia” da escrita, ou seja, o conceito define um transtorno referente a uma
dificuldade na escrita, isto é, da composição escrita, caraterizada por um conjunto de
erros.

No que concerne à definição, propriamente dita, Serra (2008, p. 28), define disortografia
como a designação dada às dificuldades de aprendizagem especificamente relacionadas
com a aquisição de ortografia e sintaxe e com sinais e repercussões no âmbito da
composição.

Internacionalmente constatamos que o conceito de disortografia se baseia na junção de


ambas as dificuldades apresentadas anteriormente, nomeadamente a incapacidade
caraterizada por um conjunto de erros na escrita e as dificuldades de aprendizagem
relacionadas com a ortografia e sintaxe (Wallace e Eriksson, 2006, p. 24).

Consideramos, portanto, para o nosso estudo, a definição globalizante das definições


apresentadas: a disortografia é um transtorno específico da composição escrita devido a
uma perturbação na aquisição de ortografia e sintaxe, caraterizada por um conjunto de
erros na escrita e pela dificuldade persistente e recorrente de organizar, estruturar e
compor textos escritos.

Não obstante, também nos deparámos com investigações que recorreram ao conceito da
disortografia de forma literal ou traduzido noutra língua – disortografia no italiano;
disortografía no espanhol; dysorthographia ou dysorthography no inglês;

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Dysorthographie no alemão; dysorthographie no francês – a par do recurso de um outro


conceito com referência à mesma perturbação da disortografia.

Por exemplo, na língua inglesa, a par da tradução literal do termo disortografia –


dysorthographia e dysorthography (Reed, 2009; Nijakowska, 2010, entre outros)
coexiste também entre diversos investigadores os termos spelling, spelling difficulty ou
specific spelling difficulty como referência ao transtorno da composição escrita
(Selikowitz, 1998 pp. 71-72 ).

Apesar de muitos autores de expressão inglesa usarem estes conceitos de forma


indiferente e como referência à definição de disortografia apresentada anteriormente
(Westwood, 2004; Harinath, 2007; Montgomery, 1997, 2007, 2009 e 2010; Grant, 2010;
Westwood, 2003e 2004) também nos deparamos com trabalhos de outros investigadores
que preferem usar o conceito de spelling como referência específica à dificuldade em
soletrar ou decompor os fonemas de uma palavra como Snowling (2008), Snowling e
Stackhouse, (1996) e Reid e colaboradores (2008). No entanto, estes autores atribuem a
este conceito as caraterísticas de disortografia, nomeadamente a pobre organização
textual; ocorrência de erros do tipo ortográfico, sintaxe e sintático; inserções, omissões e
inversões de letras ou sílabas no esforço empregue no processo spelling, por outras
palavras, equiparam os erros de um poor speller com os erros habitualmente atribuídos
a um disortográfico (Rief & Stern, 2010, p. 115).

Na língua alemã, encontramos a par do conceito Dysorthographie também os conceitos


Rechtschreibschwäche ou Rechtschreibstörung (Suchodolentz, 2007, p. 19). Ao longo
do século XX coexistiu, a par do termo disortografia, o termo Legasthenie, conceito
criado por Ranschburg em 1916 e que teve grande concordância no espaço alemão com
as investigações de Marie Linder, em 1951 (Küspert & Schneider, 2006, p. 7). Este
conceito era usado como referente a uma perturbação específica na aquisição da leitura
e da escrita (tanto grafémica como de composição) em crianças com um quociente de
inteligência normal ou mesmo superior. Por outras palavras, Legasthenie era um
conceito que abarcava de uma vez só as caraterísticas e definições de dislexia,
disortografia e disgrafia.

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Contudo, em 1978, após uma década de sérias críticas em relação à definição de


exclusão que após sensivelmente dez décadas de investigação servia de base à
Legasthenie, nomeadamente a conceção das dificuldades na aquisição de escrita como
uma doença desencadeada única e exclusivamente por fatores genéticos, por
intervenção do Ministério da Cultura alemão, o uso do termo foi banido. Em vez deste
conceito foi proposto o uso dos conceitos Lese- und Rechtschreibschwäche e Lese- und
Rechtschreibstörung (ambos os conceitos reconhecidos na comunidade linguística
através da sigla LSR) que de uma forma geral, tal como a Legasthenie, abrangem os
casos de dislexia, disgrafia e disortografia (Unthan, 2004, p. 3).

No entanto, ao longo dos últimos vinte anos, surgiram inúmeras investigações que se
centraram nas perturbações da leitura (Leseschwäche e Lesestörung) como também da
escrita (Rechtschreibschwäche e Rechtschreibstörung) de forma separada. Tal como
Grisseman (1996, p. 11) refere usam-se atualmente na língua alemã os conceitos
Leseschwäche e Rechtschreibschwäche de forma equiparada aos conceitos de dislexia e
disortografia utilizadas nas línguas românicas e inglesa, ora associado a outras
perturbações, nomeadamente à disgrafia ou dislexia.

Por fim, deparamo-nos adicionalmente com investigações, como refere Nijakowska


(2010, p. 3), reportando-se aos trabalhos desenvolvidos por Smythe e Everatt (2000),
que recorreram à definição de disortografia apresentada anteriormente ligada a outro
distúrbio. Refere a autora, por exemplo, que na língua russa o uso do termo
disortografia é praticamente inexistente na generalidade das investigações deste país,
aparecendo a sua definição e características de forma integrada nos conceitos de
disgrafia e dislexia. Disgrafia surge, assim, de forma geral definida como uma
perturbação da composição escrita como também referente às dificuldades na formação
dos grafemas. Por outro lado, o conceito de dislexia é aceite entre a generalidade dos
investigadores na língua russa como referindo-se, por um lado, à perturbação na
aquisição da leitura, como também caracterizada por inúmeros erros ortográficos de
várias ordens.

Relativamente à distinção entre disgrafia e disortografia, Ribeiro e Babo (2006, p. 30)


referem que este último, enquanto parte inseparável do ato gráfico, ao contrário da

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disgrafia não considera os aspetos gráficos dos grafemas. Como Torres e Fernández
(2001, p. 75) lembram, apesar da ocorrência do uso arbitrário de ambos os conceitos, a
disgrafia compreende um problema relacionado com o traçado e forma da letra
enquanto a disortografia corresponde a erros com repercussões ortográficas, semânticas
ou sintáticas e de organização/planificação de texto. Por outras palavras, a disgrafia
refere-se a dificuldades de execução, enquanto a disortografia se refere a dificuldades ao
nível da planificação e formulação escrita (Ribeiro & Babo, 2006, p. 29). Reportando-
nos às causas predominantemente apontadas para ambos os transtornos, Harris e
Hodges (2005, p. 63) apontam, por exemplo, que ao invés da disgrafia, que se encontra
relacionada com uma descoordenação motora, a disortografia reporta-se a um distúrbio
de ordem cognitiva de linguagem.

2.4 COMORBIDADES

Entende-se por comorbidade a condição quando dois, ou mais, distúrbios ocorrem


juntos no mesmo individuo. Ao contrário do que se possa esperar, como refere
Snowling (2004) esta condição de um individuo se encontrar acometido por dois ou
mais distúrbios de linguagem é bastante comum, “Na realidade, a probabilidade de dois
distúrbios ocorrerem juntos é maior do que o esperado da incidência na população de
qualquer um destes dois distúrbios (escrita e leitura) isolados” (p. 109). Entre as
comorbidades da disortografia apontadas mais frequentemente encontram-se a dislexia,
disgrafia, perturbação de défice de atenção com ou sem hiperatividade (PDAH), défice
de lateralização e de memória.

No que concerne à dislexia/disortografia, como refere Karlep (2000, p. 54) apesar das
dificuldades de aprendizagem da leitura e da escrita poderem aparecer de forma
combinada ou separada, explica o investigador que a razão porque ambos os transtornos
são diagnosticados em conjunto reside nas caraterísticas visíveis comuns na produção
escrita de cada um destes transtornos, nomeadamente os erros relativos às inversões da
ordem das letras, repetições, inversões, omissões, adições e substituições de letras.

Esta relação intrínseca estre as duas perturbações já levou, como Torres e Fernández
(2001, pp. 75-76) afirmam, à referenciação errada de crianças como disléxicas por
apresentarem erros sistemáticos na escrita, quando de facto estávamos perante um caso

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de disortografia. Isto deve-se porque, regra geral, quando as crianças e jovens


apresentam dificuldades na aquisição da leitura, persistem também dificuldades na
aquisição da escrita – disortografia (Brandenburger e Klemenz, 2009, p. 4; Tacke, 2008,
p. 151; Nijakowska, 2010, p. 3). Contudo, Torres e Fernández (2001) acrescentam que o
inverso nem sempre é o caso. Uma criança disortográfica não lê obrigatoriamente mal,
podendo-se inclusivamente apontar muitos casos em que crianças com disortografia
aprenderam a ler bem e por iniciativa própria ainda antes de terem ingressado na escola
(Montgomery, 2006, p. 221; 2009, p. 275).

No que respeita à perturbação de défice de atenção com ou sem hiperatividade -


(PDAH) Sadock e Sadock (2009, p. 41) afirmam que esta ocorre com muito mais
frequência associada ao distúrbio da escrita, do que com qualquer outro. Pode afirmar-
se que apesar de ambos os transtornos poderem surgir isoladamente, mais uma vez o
transtorno de disortografia surge associado ao quadro de outro transtorno, neste caso
PDAH. Sendo assim, é mais provável a disortografia ser diagnosticada em crianças e
jovens, que apresentam traços de um défice de atenção enquadrado, ou não, com um
trastorno de hiperatividade e este, por sua vez, acompanhado por um transtorno
disruptivo opositor desafiante.

No que concerne à disgrafia, Harinath (2007, p. 7) refere que apesar da disortografia ser
um transtorno específico da expressão escrita e a disgrafia de ordem motora-grafia,
tendo em conta a sua relação no âmbito da escrita de ambos os transtornos, esta surge
intrinsecamente associada à disgrafia.

Do mesmo modo, Weiss e Cruz (2007, p. 70) referem que a disgrafia se apresenta
muitas vezes como característica do quadro de disortografia, completando os alunos o
quadro de frases semântica e ortograficamente incorretas com uma letra irregular e
ilegível. Estas características devem-se, como sublinham estes autores, por um lado,
pela impossibilidade cognitiva grafo-motora de coordenar o que pensou com o que
acabou de escrever ou, por outro lado também, para ocultar os inúmeros erros
ortográficos bizarros presentes no texto.

No que diz respeito ao défice de lateralidade, enquadrado nas características de


disortografia observam-se muitas vezes erros ortográficos resultantes de um défice ou

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perturbação no plano, surgindo, por exemplo, trocas de grafemas de tipo p/d/b/q ou


como Haberland (2000, p. 20) relata, ocorrem em situações em que a criança não sabe
se deve escrever as letras e palavras de esquerda para a direita ou de direita para a
esquerda.

Por último, em relação à presença de um défice de memória no quadro de uma


disortografia, diversos estudos demonstraram que este se encontra intrinsecamente
relacionado com a disortografia, predominantemente um défice na memória a longo
prazo. Richards (1999) e Swanson e Siegel (2001, cit. in Westwood, 2004, p. 103)
desenvolveram, por exemplo, estudos no âmbito das dificuldades na aquisição da escrita
e concluíram que o défice de memória surge muitas vezes como fator preponderante no
aparecimento destas dificuldades.

2.5 CAUSAS

A ocorrência de um distúrbio de expressão e composição escrita encontra-se relacionada


a inúmeros fatores intrínsecos e extrínsecos ao sujeito. Como sublinha Sesink (2007, p.
198) as dificuldades na composição escrita não são causadas por um défice intelectual
ou por questões pessoais (preguiça, desmotivação ou desinteresse). Segundo Sadock e
Sadock (2009, p. 41) as causas apontadas para a disortografia são muito similares às
geralmente apontadas para a dislexia. Entre estas, por exemplo, encontram-se as causas
de ordem hereditária e genética como conducentes às dificuldades na aquisição da
escrita.

Apesar de atualmente ainda não existir consenso entre os cromossomas diretamente


responsáveis pela transmissão deste distúrbio, apontando uns os cromossomas 15 e 6
(Remschmidt e Schukte-Körne, 2002) enquanto outros investigadores, como
Grigorenko e colegas (1997) associavam os cromossomas 1, 2 e 18 ao distúrbio, a
generalidade dos investigadores não poem a existência deste fator genético em causa
(Mulley, 2010, p. 59). De mesma forma, tal como na dislexia, as pessoas que padecem
deste distúrbio, apesar de poderem melhorar a sua prestação e adquirirem estratégias
que lhes permitem disfarçar as suas dificuldades, a disortografia não desaparece tendo
elas que viver com este distúrbio para toda a vida (Sesink, 2007, p. 198)

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Por seu lado, baseando-se nas capacidades necessárias para uma correta aprendizagem
da escrita e da ortografia, Torres e Fernández (2001, pp. 80-81) apontaram cinco tipos
de causas para a ocorrência ou desenvolvimento de disortografia: as causas de tipo
percetivo, intelectual, linguístico, afetivo-emocional e pedagógico. Isto é, a disortografia
poderá desencadear-se devido a problemas ou distúrbio nas capacidades percetivas
específicas – perceção auditiva, visual e espácio-temporal; a capacidade de tipo lógico-
intelectual, imprescindível para a aquisição e segmentação grafo-fonémica; a
capacidade de tipo linguístico – morfossintaxe e semântica; e os aspetos afetivo-
emocionais responsáveis pela manutenção de atenção e perseverança na tarefa da
escrita.

No que se refere às causas de tipo percetivo, que aludem a deficiências ao nível espácio-
temporal, na perceção e na memória visual e auditiva, estas poderão ser apontadas como
responsáveis pela ocorrência de dificuldades na orientação das letras, discriminação de
grafemas, sequenciação, ritmo, discriminação e memória auditiva. Cervera-Merida e
Ygual-Fernandes (2007, cit. in Crenitte, 2008, p. 84) descrevem a disortografia como
um transtorno referente a uma escrita incorreta predominantemente atribuída a
dificuldades no raciocínio visuo-espacial e nas habilidades linguístico-percetivas.

No tocante às causas de tipo intelectual, a saber o défice ou imaturidade intelectual


necessárias para a realização de operações de caráter lógico-intelectual, determinantes
no acesso à aprendizagem do código de correspondência grafema-fonema, um atraso ou
distúrbio deste tipo poderá perturbar o conhecimento e distinção dos elementos
linguísticos referentes à sílaba, palavra e frase.

No que diz respeito às causas de tipo linguístico, especificamente as causas relacionadas


com dificuldades na articulação, deficiente conhecimento ou utilização de vocabulário,
Torres e Fernández (2001) referem que a escrita será igualmente defeituosa e
caraterizada por inúmeros erros.

No que toca às causas de tipo afetivo-emocional, relacionadas com o nível de motivação


para a escrita, referem as autoras que apesar de a criança ter boas capacidades
percetivas, capacidades lógico-intelectuais e de tipo linguístico, a falta de motivação
pode provocar momentos de desconcentração suficientes para cometer erros na escrita.

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Finamente, para Torres e Fernández (2001, p. 81), as causas de tipo pedagógico surgem
com frequência como fator-chave na etiologia das dificuldades da escrita, em particular
o desajuste de método e técnicas escolhidas em relação às necessidades e ritmo de
aprendizagem das crianças. Do mesmo modo, Montgomery (1997, pp. 21-22, e 2010, p.
83) refere o desencadeamento e dificuldades na aquisição da escrita ou da leitura devido
a práticas pedagogicamente inapropriadas. Refere a investigadora que alguns alunos
depois de terem estado sujeitos a estratégias pedagogicamente incorretas, transferências
sistemáticas de escola, frequente alteração de docentes não alcançaram aspetos
fundamentais para a aquisição da escrita e leitura logo desde os anos iniciais da escola.

A par destas causas como conducentes à disortografia podemos também encontrar em


Ribeiro e Babo (2006, p. 31) a referência a fatores cognitivos de formulação e sintaxe.
Estas autoras descrevem que, apesar de um individuo não apresentar dificuldades na
expressão oral, copiar e conseguir escrever palavras quando ditadas, é confrontado com
a incapacidade de organizar ou expressar-se por escrito em concordância com as regras
gramaticais, isto devido a perturbações nas operações cognitivas de formulação e
sintaxe. No que se refere a estas perturbações cognitivas, Ardila (2009, p. 100)
descreve, por exemplo, um estudo desenvolvido com falantes da língua espanhola, uma
língua opaca tal como a língua portuguesa, que relata a ocorrência da disortografia em
casos de pacientes especificamente associada a patologias no hemisfério direito.

2.6 CARACTERÍSTICAS

Como afirma Selikowitz (2010, p. 89) há três tipos de dificuldades que podem tornar a
escrita incompreensível, são estas as dificuldades associadas à aprendizagem específica
da escrita; as dificuldades associadas à caligrafia; e, finalmente, a presença de um
distúrbio de linguagem, em que o texto apresentado está tão repleto de erros que as
frases ou as palavras entre si não fazem sentido.

Caraterizando-se a disortografia, no que diz respeito a Ribeiro e Babo (2006, p. 31) pela
presença de dificuldades nos processos cognitivos subjacentes à composição,
nomeadamente à geração de conteúdo, produção, planificação, tradução e revisão de
textos, os trabalhos escritos são geralmente curtos, apresentam uma organização pobre,
pontuação inadequada e uma pobreza no encadeamento e exposição de ideias.

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Entre as caraterísticas mais comuns da disortografia, Serra (2008, p. 28) refere ainda
que as frases se encontram mal estruturadas, inacabadas, apresentam falta de elementos,
repetição de palavras, um vocabulário muito pobre, erros de pontuação e de
concordância, expressão de ideias muito sucinta, “estilo telegráfico”, articulação
incorreta de ideias, incorreta divisão de orações, utilização incorreta de tempos verbais
na frase e dificuldades em identificar categorias gramaticais.

Wallace e Eriksson (2006, p. 24) referem que a par da desorganização e apresentação


de um texto incoerente, os autores descrevem casos de crianças e jovens com
disortografia na presença de uma média ou mesmo boa capacidade de leitura. Estes
autores, como também Montgomery (2006, p. 221;2009, p. 275) descrevem casos em
que algumas crianças com disortografia foram capazes, por iniciativa própria, de
aprender a ler ainda antes da entrada na escola.

Montgomery (2006, p. 71) descreve, da sua experiência como docente de crianças até
aos 8 anos, casos de crianças que conseguiram ocultar durante muito tempo as suas
dificuldades. Refere a autora que estas demoraram mais a serem referenciadas com
disortografia por se destacarem pela positiva, em comparação com os seus colegas, na
sua prestação na leitura. Contudo, por altura dos testes escritos, altura em que lhes era
exigido respondiam rapidamente às questões, sob pressão e nervosos, vindo ao de cima
as suas dificuldades.

Wallace e Eriksson (2006, p. 24) acrescentam que ao longo do seu percurso escolar,
quando o vocabulário que necessitavam se tornava cada vez mais específico e extenso,
as suas capacidades já não conseguiam compensar o esforço inicialmente empregue e
disfarçar as suas dificuldades na escrita. Referem os autores que muitos professores
demoraram muito tempo a elaborar a referenciação por atribuírem os erros que estas
crianças apresentavam na escrita a outros fatores como a “distração”

Em relação a estes erros ortográficos, Galaburda e Cestnick (2003, cit. in Crenitte, 2008,
p. 84) salientam que a disortografia carateriza-se pela dificuldade de fixar as formas
ortográficas das palavras tendo como caraterísticas mais típicas a substituição de
grafemas e na dificuldade em fixar regras e padrões ortográficos, o que resulta na
dificuldade de produção de textos. Serra (2008, p. 28), acrescenta que estes erros

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Disortografia: a escrita criativa na reeducação da escrita

também podem ocorrer ao nível da sílaba ou palavra podendo-se constatar substituições


e inversão da ordem das letras na sílaba e repetições de palavras.

Weiss e Cruz (2007, p. 70) referem ainda que este transtorno da escrita é
fundamentalmente caracterizado por trocas de natureza ortográfica, como por exemplo
[ch] em vez de [x], [s] em vez de [z] ou vice-versa; aglutinação indevida de duas
palavras, [derrepente] em vez de [de repente]; fragmentações, tal como no exemplo [em
baraçar] em vez de [embaraçar]; inversões, [mu] em vez de [um]; e omissões [bejo] em
vez de [beijo].

Torres e Fernández (2001, pp. 81-83) ao constatarem uma série de erros sistemático
classificaram estes em cinco tipos: os erros de caráter linguístico-percetivo, erros de
caráter visuo-espacial, erros visuo-analíticos, erros relativos ao conteúdo e erros
referentes às regras de ortografia.

Os erros de caráter linguístico percetivo referem-se aos erros caraterizados pelas


substituições, omissões, adições e inversões de fonemas vocálicos ou consonânticos nas
palavras. São exemplo disso as substituições dos fonemas [f] por [z], [t] por [d], [p] por
[b];as omissões de fonemas em posição constritiva, [como] em vez de [cromo] ou em
posição final, [pato] em vez de [patos]; as omissões de sílabas inteiras ou de palavras; as
adições de fonemas ou sílabas, [cereto] em vez de [certo] e [castelolo] em vez de
[castelo]; as inversões de grafemas por incapacidade de seguir a sequência dos fonemas,
como em [aldo] em vez de [lado], [preto] em vez de [perto] e [bulsa] em vez de [blusa].
Como Ardila (2001, p. 100) descreve, os erros dados por estas crianças podem ser
considerados fonologicamente corretos mas ortograficamente incorretos.

Os erros de caráter visuo-espacial apresentados por Torres e Fernández (2001, pp. 82-
83) são erros derivados das dificuldades na diferenciação pela posição no espaço, [d]
por [p], [p] por [q], e à semelhança de letras nas suas características visuais, como em
[m] por [n], [o] por [a] e [i] por [j]. Muito característico neste tipo de erros é também a
escrita em espelho; a confusão com fonemas em palavras que admitem dupla grafia,
como em [ch] por [x] e [s] por [z]; a confusão com fonemas que admitem dupla grafia
em função das vogais, [g] e [c]; e a omissão da letra [h] por esta não ter correspondência
fonética.

43
Disortografia: a escrita criativa na reeducação da escrita

Haberland (2000, p. 22) explica que a troca de letras em espelho com o mesmo radical,
como é o caso das letras [b] em vez de [g] e [p] em vez de [d], ou oticamente
semelhantes, o caso das letras [m], [n], [r], [e], [l], [t] e [f], ocorre de forma
inconsciente, pois no seu sentido, eles leem um [b] onde de fato se encontra um [g].

Os erros de caráter visuo-analítico são referentes a trocas de letras sem qualquer sentido
devido à dificuldade em fazer a síntese e a associação entre fonema e grafema.

Os erros relativos ao conteúdo referem-se a uniões ou separações incorretas devido à


dificuldade em identificar ou separar sequências gráficas, como são o caso dos erros
[acasa] em vez de [a casa], [es-tá] em vez de [está] e [estestá] em vez de [este está].

Por último, Torres e Fernández (2001, p. 83) referem-se aos erros referentes às regras de
ortografia, nomeadamente os erros de desrespeito de regras de pontuação, regras de
ortografia no uso de maiúsculas e minúsculas, regras de translineação e o uso do hífen.

Muito semelhante ao trabalho apresentado por Torres e Fernández (2001), Selikowitz


(2010, pp. 91-95) classifica os erros dados pelas crianças e jovens com disortografia em
erros do tipo fonético, caracterizados por palavras semelhantes na escrita, soarem,
contudo, de forma diferente (pato-gato), muitas vezes associado a um sistema
fonológico deficitário; os erros visuais, em que duas palavras partilham o mesmo
fonema mas têm uma grafia diferente (sem – cem), sugerindo um défice na memória
visual; erros de substituição de letras, subjacente aos anteriores tipos de erros, mas
associados a problemas na discriminação auditiva; erros de adição ou omissão, em que
adiciona uma letra ou omite uma letra à palavra desejada (gatro – gato, gats – gatos),
devendo-se estes a problemas léxicos ou fonológicos; e erros sequenciais resultantes de
problemas na organização sequencial (crainça – criança). Selikowitz (2010), ao invés
de Torres e Fernández (2001) encontrou ainda um outro tipo de erro, a que denominou
de erros irracionais, que não se agrupam em nenhum dos padrões acima descritos, mas
que também ocorrem com alguma frequência. Estes erros, também denominados por
bizarros (Westwood, 2008, p. 67), distinguem-se dos outros por não se apontarem
qualquer relação fonética, fonológica ou confusão com a palavra pretendida.

44
Disortografia: a escrita criativa na reeducação da escrita

Do mesmo modo, Tiffin e Le Couteur (2005, p. 125) referem-se à ocorrência destes


erros invulgares, mesmo em palavras que já são ou deveriam ser do conhecimento da
criança. Quanto a este tipo de erros, as palavras apesar de parecerem corretas não se
enquadram na frase ou texto (O carro cortou à direta. A pia disse ao pai…). Harinath
(2007, p. 6) refere que estes erros são normalmente resultantes de um pobre
conhecimento das regras fonéticas ou, como Selikowitz (2010, p. 95) acrescenta,
também que podem ser resultantes de outras dificuldades mais alargadas como, por
exemplo, problemas nos processos fonológicos ou na memória visual.

Contudo, convém alertar, como Selikowitz (2010, p. 93) lembra, que a presença de um
tipo de erro não é necessariamente o indicativo da presença de um único tipo de
disortografia na criança ou jovem.

2.7 TIPOS DE DISORTOGRAFIA

Baseando-se na sintomatologia e etiologia do distúrbio, com recurso aos trabalhos


desenvolvidos por Tsvetkova (1977) e Luria (1980), Torres e Fernández (2001, p. 86)
apresentam sete tipos de disortografia:

 A disortografia temporal – caraterizada pela incapacidade de se ter uma perceção,


ordenação e separação clara dos aspetos fonémicos da cadeia falada.
 Disortografia percetivo-cinestética – caraterizada pela incapacidade para analisar as
situações cinestéticas que intervêm na articulação, verificando-se, deste modo,
substituições no ponto e modo de articulação dos fonemas.
 Disortografia cinética – caraterizada pela incapacidade de sequenciar os fonemas do
discurso, verificando-se, neste caso, erros de união ou separação.
 Disortografia visuo-espacial – caraterizada pela alteração percetiva da imagem dos
grafemas ou conjunto de grafemas, ocorrendo, neste caso, rotações e inversões de
letras que se diferenciam pela sua posição no espaço, como nos casos de trocas de
[p] por [d] e [d] por [q]; substituições de grafemas semelhantes nas suas
caraterísticas, como por exemplo de [m] por [n] e [o] por [a]; e a confusão com
fonemas que admitem a dupla grafia, como são o caso das substituições de [ch] por
[x] e [s] por [z].

45
Disortografia: a escrita criativa na reeducação da escrita

 Disortografia dinâmica, também denominada de disgramatismo – caraterizada pela


alteração da expressão escrita das ideias e estruturação sintática das ideias.
 Disortografia semântica – caraterizada pela alteração da análise conceptual, os
elementos diacríticos ou recurso a sinais ortográficos.
 Disortografia cultural – caraterizada pela grave dificuldade na aprendizagem da
ortografia convencional e das suas regras.

2.8 CONSEQUÊNCIAS

A presença de um distúrbio de linguagem pode compreender, a par das dificuldades


diretamente associadas ao distúrbio, dificuldades em todo o desenvolvimento do
individuo, incluindo na idade adulta (Shaywitz, 2008, p. 19). Relativamente às
consequências de um distúrbio de expressão e composição escrita, podemos apontar,
conforme a génese ou circunstância desta, a manifestação de diferentes tipos de
consequências na criança ou jovem. Desde a aquisição da expressão escrita, passando
pela apresentação dos trabalhos escritos, ao aparecimento de problemas na própria
criança ou jovem como indivíduo e ser social, uma disortografia pode ter consequências
nas diversas áreas da vida de um indivíduo.

A primeira consequência relativa à presença de um distúrbio de disortografia que


podemos apontar reporta-se, naturalmente, à dificuldade ou demora na aquisição da
expressão escrita. Nordmann (2008, p. 180) refere que este atraso na aquisição da
escrita, que já pode ser visível no decurso do primeiro ano de escolaridade, carateriza-
se, mesmo depois de ter aprendido a escrever, pelo tempo excessivo necessário para
terminar os seus trabalhos, em comparação aos seus colegas. Outro problema visível
nesta altura prende-se com problemas na formação de palavras, distribuição das frases
ou do texto na folha, repetições, omissões, pontuação incorreta ou inexistente, erros no
uso de maiúsculas e minúsculas, escrita em espelho e a escrita da esquerda para a
direita.

Por norma, o trabalho escrito, a par dos inúmeros erros ortográficos de várias ordens
(Nijakowska, 2010, p. 3), é também habitualmente caraterizado por ser muito reduzido
com uma organização, encadeamento e exposição de ideias muito pobre (Ribeiro e
Babo, 2006, p. 31). A par destas consequências da disortografia nestes anos iniciais do

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Disortografia: a escrita criativa na reeducação da escrita

percurso escolar de uma criança ou jovem, vários investigadores apontam também a


manifestação de consequências relativas à presença habitual de outros transtornos ou
distúrbios associados à disortografia, como é o caso da dislexia, disgrafia, disnomia,
défice de lateralização, de memória ou de atenção com ou sem hiperatividade.

Por outras palavras, no que se refere à disortografia em comorbidade com outro


transtorno ou distúrbio, a criança ou jovem além das dificuldades manifestadas na
aquisição e expressão escrita, poderá também manifestar dificuldades na aquisição da
leitura ou do traçado escrito; incapacidade em nomear pessoas ou objetos; ter
dificuldades na orientação espacial; problemas na retenção ou recurso à memória de
trabalho e, como também já assinalámos anteriormente, predominantemente na
memória de longo prazo; e apresentar uma capacidade de manutenção e focalização de
atenção muito reduzida acompanhada, ou não, por um comportamento hiperativo ou
mesmo um transtorno disruptivo opositor desafiante (Sadock e Sadock, 2009, p. 41;
Popp, 2004, p. 39; Montgomery, 1997, p. xi-xiv).

Relativamente à manifestação do transtorno de disortografia ao longo do percurso


escolar de uma criança ou jovem, vários autores apontam ainda consequências ao nível
psicológico, social, educacional e psicossomático. Popp (2004, p. 39) e Nordmann
(2008, p. 182) afirmam que frequentemente acompanham o distúrbio da expressão
escrita outras perturbações emocionais, em particular uma fraca autoimagem, medos,
extrema timidez; assim como sintomas psicossomáticos, como dores de barriga, enjoos
e perturbações de sono. Sadock e Sadock (2009, p. 41) descrevem inclusivamente
alguns casos graves da manifestação destas perturbações em que se verificaram
situações depressivas, com um crescente isolamento social e desespero individual.

Como consequência decorrente das experiências de insucesso escolar, Nordmann (2008,


p. 182) alerta ainda, o desencadeamento de medos, desmotivação escolar, interesses
divergentes aos escolares até, mesmo, ao bloqueio ou recusa na realização das tarefas
propostas na escola. A este respeito, Montgomery (1997, p. xi-xiv) relata casos de
crianças na idade escolar com dificuldades no relacionamento social, fraca autoestima,
desenvolvimento de sintomas depressivos. Ambas as investigadoras descrevem
situações de casos de disortografia que conduziram ou tiveram consequências numa

47
Disortografia: a escrita criativa na reeducação da escrita

fraca prestação académica ou um insucesso generalizado, mesmo em áreas ou


disciplinas que não estavam diretamente relacionadas com os seus problemas e em que
não apresentavam qualquer dificuldade ou distúrbio (como por exemplo à disciplina de
matemática), culminando mesmo, em casos mais graves, na relutância, recusa ou fobia
da escola.

Lamônica (2008, p. 79) alerta, inclusivamente, para as severas repercussões para o


futuro, desencadeados pelas dificuldades escolares, tal como o sentimento de fracasso,
falta de autoestima, desespero e a derrota do individuo como aluno. Deparamos ainda
com autores que apontaram para a existência de graves problemas relacionados com a
disortografia, mais concretamente, decorrentes da falta ou tardia intervenção
reeducativa.

Enquanto alguns autores indicam a manifestação de problemas na aquisição da escrita já


no primeiro ano de escolaridade é suficiente para referenciar os alunos com um possível
transtorno ou perturbação na escrita (Nordmann,2008, p. 180). Por sua vez, outros
autores, mais cautelosos devido à ocorrência natural destes problemas ao longo da
aquisição da escrita em qualquer aluno, preferem não rotular estes alunos já nestes anos
iniciais como disortográficos e adiar a referenciação para ocasiões futuras, em que
outras manifestações não deixem qualquer dúvida da presença de um transtorno
(Poehlke, 2008, p. 398).

A investigação tem-nos demonstrado que não existe um período prematuro para a


referenciação do transtorno de expressão e composição escrita. Esta tem-nos
inclusivamente demonstrado em diversos casos que quanto mais cedo se inicia a
intervenção, não só melhor e mais rápidos serão os resultados obtidos da mesma como
também esta servirá como prevenção do aparecimento de outros problemas
(Montgomery, 1997, p. xi-xiv).

Mesmo depois de, finalmente estas crianças terem sido referenciadas e acompanhadas
num programa de reeducação, Torres e Fernández (2001, p. 99) afirmam que quando
estas não têm em consideração as caraterísticas das dificuldades da criança ou jovem e
não são planificadas da forma mais adequada, estas estratégias e ações poderão acabar

48
Disortografia: a escrita criativa na reeducação da escrita

por ser ainda mais prejudiciais e ter consequências mais nefastas do que o próprio
distúrbio em si.

Por outro lado, quando não são acompanhados em idade escolar, os jovens adultos irão
continuar pela sua vida a apresentar dificuldades, agravando-se no entanto ainda mais a
incapacidade e ajuste social e o sentimento pessoal de inferioridade, incompetência,
isolamento. Alguns irão evitar qualquer atividade que envolva a escrita (carta, postal ou
recado) com o receio de expor as suas dificuldades (Sadock & Sadock, 2009, pp. 41-
42).

2.9 SINAIS DE ALERTA E REFERENCIAÇÃO

Sadock e Sadock (2009, p. 41) e Montgomery (2009, p. 275, e 2007, p. 71) afirmam,
apesar da prevalência da disortografia ainda não ter muitos dados em que se basear, que
este distúrbio ocorra com mais frequência do que a dislexia em crianças na idade
escolar, situando-se acima da ordem dos 10% e em comorbidade com a dislexia na
ordem dos 4%. Em relação à diferença de ocorrência da disortografia em rapazes e
raparigas, vários autores (Küspert & Schneider, 2006; Poehlke, 2008; Popp, 2004;
Sadock & Sadock, 2009; Nordmann, 2008) são da mesma opinião afirmando que esta é
de 3 para 1, ou seja, ocorre três vezes mais em rapazes do que em raparigas.

No que respeita aos primeiros sinais de presença de manifestação de uma disortografia,


a investigação tem-nos demonstrado que já nos anos escolares iniciais as crianças com
uma desordem na expressão e composição da escrita apresentam mais dificuldades na
organização e expressão de ideias, em comparação aos seus colegas com a mesma idade
(Sadock e Sadock, 2009, p. 41).

O primeiro sinal de alerta que podemos apontar como caraterístico da presença de um


distúrbio de expressão e composição escrita numa criança ou jovem diagnosticado são
um conjunto de erros na escrita e o uso incorreto do código. Estes alunos, apesar de
serem constantemente alertados, e daí apresentarem habitualmente uma falta de vontade
para escrever ou apresentarem textos reduzidos, frequentemente fazem um uso incorreto
de maiúsculas e minúsculas na frase, esquecendo-se inclusivamente de iniciar a frase

49
Disortografia: a escrita criativa na reeducação da escrita

com letra maiúscula. Contudo, como já referimos, a ocorrência deste tipo de erros não é
restrito à disortografia.

O problema em indicar o momento ou dificuldade que sirva de alerta da presença de


uma disortografia e que conduza a uma referenciação, reside no fato que, tal como
Lamônica (2008, p. 78) explica, os erros característicos de disortografia não são
particulares ao distúrbio. Eles fazem parte do processo de aprendizagem da escrita e
podem ocorrer, de criança para criança, em qualquer momento da aprendizagem. Tanto
no quadro de disortografia como também ao longo da aquisição da escrita, erros
relativos a trocas de letras, inversões, escrita em espelho, erros ortográficos e de
organização textual ocorrem em ambos os casos de uma forma natural (Poehlke, 2008,
p. 398)

Sadock e Sadock (2009, p. 41) referem que mesmo nos textos mais reduzidos os alunos
com disortografia apresentam inúmeros erros gramaticais e desorganização das ideias
nos seus textos. Contudo, a investigação tem-nos demonstrado que estes erros
apresentados pelos alunos disortográficos são qualitativamente diferentes em
comparação aos erros dados pelas crianças que ainda se encontram a aprender a
escrever ou mesmo pelos alunos com outras dificuldades na expressão escrita. Os seus
erros são comummente referidos como “bizarros”, de forma que muitas vezes o que
escrevem não apresenta qualquer relação com o que pretendem (Westwood, 2008, p.
67).

Se, a par destes erros, constatarmos a ocorrência de um percurso escolar sofrível ou


incompleto decorrente de uma dificuldade na aquisição da escrita em qualquer um dos
progenitores da criança, este quadro de disortografia adquire mais consistência, devido à
hereditariedade do distúrbio (Grigorenko et al., 1997; Mulley, 2010; Remschmidt e
Schukte-Körne).

Podemos referenciar também como traço próprio de alerta da presença de uma


disortografia uma fraca consciência fonológica (Poehlke, 2008, p. 398 e Westwood,
2008, p. 67). Burden (1996, p. 202), recordando os resultados obtidos por Snowling,
Stackhouse e Rack (1986), refere que por mais de uma vez os estudos demonstraram

50
Disortografia: a escrita criativa na reeducação da escrita

existir uma relação direta entre a existência de uma dificuldade ao nível da linguagem
escrita na presença de uma fraca consciência fonológica.

O indício da manifestação de uma disortografia poderá também ser a presença de outro


tipo de distúrbio, como referimos anteriormente. Ohlweiler (2006, cit. in Lamônica,
2008, p. 78) e Poehlke (2008, p. 398) salientam que ao transtorno específico da escrita
encontra-se, geralmente, associado outro trastorno, tal como a dislexia, disgrafia, défice
de atenção com ou sem hiperatividade, défice de memória, predominantemente a de
longo prazo e perturbações ao nível da lateralidade.

De acordo com Almeida e Vaz (2005, p. 33) a par de uma fraca motivação para a
atividade da escrita, a criança ou jovem com disortografia apresenta normalmente os
textos reduzidos caracterizados predominantemente pela troca de grafemas, dificuldade
no uso de coordenação e subordinação de orações, aglutinação ou separação indevida
das palavras.

No que concerne à referenciação, tal como Tacke (2008, p. 158) afirma, esta poderá
partir por parte dos pais, contudo, uma vez que muitas vezes estes depositam estes
assuntos ao cuidado do professor que os acompanha, o investigador considera que esta
referenciação deverá ser desencadeada pelo professor que acompanha a criança ou
jovem na escola, logo a partir dos primeiros indícios de atraso na aquisição da escrita.
Posteriormente, depois de já ter sido elaborado o diagnóstico e realizada a avaliação é
que se poderá de fato falar de uma disortografia.

2.10 DIAGNÓSTICO

Para fazer um diagnóstico de uma perturbação de linguagem específica, Balboni e


Cubelli (2011, p. 86) especificam que este diagnóstico deve estar baseado em baterias
de testes que confirmam, ou não, um desfasamento de determinada área da linguagem
em relação ao esperado para idade cronológica, inteligência e escolaridade.

Como observam Adams e Fras (1988, p. 413), apesar de ainda não existir uma definição
internacionalmente reconhecida que exclui ou inclui a disortografia, devemos, contudo,
reger-nos para a obtenção deste diagnóstico pelas ferramentas internacionalmente
reconhecidas de classificação de doenças e transtornos que dispomos. Referimo-nos,

51
Disortografia: a escrita criativa na reeducação da escrita

nomeadamente à Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas


Relacionados à Saúde – CID 10 (2013) e Classificação Internacional das Deficiência,
Incapacidades e desvantagens – CIF (2004), ambas da Organização Mundial da Saúde
(OMS), como também o manual de classificação das doenças mentais Diagnóstico e
Estatística das Perturbações Mentais (DSM – IV) da Associação Psiquiátrica
Americana.

A CID-10 está organizada em vinte e um capítulos, encontrando-se a referência à


disortografia no capítulo cinco, desordens de desenvolvimento mentais,
comportamentais e neurológicas, nomeadamente enquadrada nos Transtornos
Específicos do Desenvolvimento das Habilidades escolares (F.81) sob o código F-81.1 –
Transtornos Específicos da Soletração e da Escrita (World Health Organization, 2013,
p. 230; Cappa et al., 2012, p. 57).

O manual da CIF está organizado em quatro partes, composto pelos componentes das
Funções do Corpo (código /b/ de body), Estruturas do Corpo (código /s/ de structure)
Atividade e Participação (código /d/ de domain) e Fatores Ambientais (código /e/ de
environment) (OMS, 2004, p. 193).

A disortografia enquadra-se na componente das Funções do Corpo, nomeadamente no


b16711 – expressão da linguagem escrita, relativas às funções necessárias para produzir
mensagens escritas com significado; b1672 – funções da linguagem, referentes às
funções mentais que organizam o significado semântico e simbólico, a estrutura
gramatical e as ideias para a produção de mensagens em forma de linguagem oral,
escrita ou outra (OMS, 2004, p. 59). Tendo em consideração a componente das
Atividades e Participação, a disortografia pode ser classificada através do código d145 –
aprender a escrever, desenvolver a capacidade de produzir símbolos em forma de texto
que representam sons, palavras ou frases de forma que tenham significado, tais como,
escrever sem erros e utilizar corretamente a gramática; e o código d345 - escrever
mensagens, ou seja, produzir mensagens com significado literal e implícitas
transmitidas através da linguagem escrita. Finalmente, no que respeita à componente de
Fatores Ambientais, propõe-se para o caso de um transtorno na expressão escrita, os
produtos e tecnologias de apoio para a comunicação (e1251).

52
Disortografia: a escrita criativa na reeducação da escrita

O DSM-IV-TR (American Psychiatric Association, 1994) está organizado em dezasseis


classes de diagnóstico e uma última classe adicional para outras condições que poderão
ter um foco de atenção clínica (1994, p. 9). A desordem de expressão escrita da
disortografia, enquadra-se no capítulo das Perturbações Inicialmente Diagnosticados na
Infância ou Adolescência – Dificuldades de Aprendizagem, sob o código 315.2,
referente à desordem de expressão escrita. O diagnóstico é referente à alteração
acentuadamente abaixo do nível esperado de habilidade na planificação da linguagem
escrita com repercussões na aprendizagem da ortografia, gramática e redação de textos
tendo em consideração a idade cronológica, o potencial intelectual e a escolaridade
adequada para a idade (American Psyciatric Association, 1994, p. 38; Fernández et al.
2010, p. 500, Cappa et al.; 2012, pp. 57-58).

Adams e Fras (1988, p. 413) enfatizam que o diagnóstico para se integrar neste tipo de
distúrbio deve obedecer a determinados critérios, nomeadamente a ocorrência contínua
e permanente em diferentes ocasiões de composição escrita e não ocorrer como parte de
outro distúrbio. Esta perturbação deverá estar presente e interferir não só no rendimento
escolar como também nas diversas atividades da vida diária que exijam habilidades de
escrita, não se cingindo, deste modo, em contexto escolar. Sadock e Sadock (2009, p.
41) lembram que faz parte do diagnóstico da disortografia uma combinação de
dificuldades na composição de textos escritos, evidenciando nestes múltiplos erros, uma
desordem na expressão escrita, uma ortografia incompreensível como também a
incapacidade de escrever ortograficamente bem, sequenciar frases e apresentar uma
falta de encadeamento de ideias no texto como também a falta de elementos
fundamentais como “quem”, “onde” e “quando”. A criança poderá apresentar
dificuldades de ordem gramatical, frásica, semântica, omissões, inversões ou
substituições de letras, sílabas ou palavras. Finalmente, a pontuação poderá também
estar alterada, da mesma forma como o uso de letras maiúsculas e minúsculas.

Importa distinguir a disortografia de outras perturbações de linguagem, tal como a


dislexia e a disgrafia por esta, apesar de poder aparecer em comorbidade das
perturbações da leitura e da escrita, ter as suas próprias particularidades ou
isoladamente. Ao colocar todas estas perturbações “no mesmo saco” estamos a redundar
o diagnóstico e a equivocar as intervenções de reeducação da criança que poderiam ser

53
Disortografia: a escrita criativa na reeducação da escrita

mais específicas, certas e efetivas tendo em conta as características de cada caso


(Fernandéz, 1998, p. 67).

Adams e Fras (1988, p. 413) alertam, contudo, que no que diz respeito ao DSM – IV, as
dificuldades na expressão escrita poderão ser consideradas tanto de ordem motora-grafia
(disgrafia) como cognitiva-composição escrita (disortografia), quando estas se
manifestam na altura em que a criança apresenta nestas duas atividades características
significativamente inferiores a outras crianças da mesma faixa etária, nível escolar e
com idênticas capacidades cognitivas.

Finalmente, tendo como suporte qualquer uma destas ferramentas de diagnóstico e


classificação de doenças ou distúrbios, Lamônica (2008, p. 76) afirma que para um
diagnóstico abrangente é necessário considerar, analisar e refletir os diferentes fatores
da criança ou jovem, tal como os fatores orgânicos, emocionais, sociais e ambientais.
Desta forma, pretende-se, no final, obter um retrato objetivo e globalizante das
características da criança ou jovem, como as suas dificuldades e facilidades; estigmas e
problemas emocionais, as suas necessidades nas interações com a família, escola, e
sociedade.

2.11 AVALIAÇÃO

Ao contrário dos testes padronizados para avaliação e aferição de outras dificuldades de


aprendizagem, no caso específico de disortografia, pode-se considerar a realização de
um teste da escrita (estandardizado) a uma criança ou jovem com um atraso ou distúrbio
de linguagem quando este apresenta, na idade da escrita, um desvio-padrão abaixo da
média tendo em consideração a idade, escolaridade e quociente de inteligência da
criança ou jovem (Selikowitz, 2010, p. 90).

O teste da escrita, propriamente dito, envolve normalmente exercícios em que a criança


ou jovem tem de escrever palavras ditadas e reconhecer se a palavra impressa está bem
ou mal escrita, oferece instrumentos capazes de concluir o tipo de disortografia de
acordo com os tipos de erros ortográficos e a frequência de ocorrência na escrita
(Fernández et al., 2010, p. 501).

54
Disortografia: a escrita criativa na reeducação da escrita

A par desta classificação, estes testes têm também como finalidade recolher informação
acerca da capacidade de memorização das palavras, os tipos de omissões, inversões,
confusões, adições, repetições, ligações, separações, substituições, assimilações de
concordância em género, número, tempo ou pessoa (Selikowitz, 2010, p. 90).

De mesmo modo, Torres e Fernández (2001, p. 91) sugerem três modalidades de


recolha de informação de escrita da criança, nomeadamente a cópia de palavras e textos;
o ditado de palavras e textos; e a escrita espontânea em que a criança é solicitada para
redigir um texto da sua autoria. De acordo com as autoras, estas três modalidades
recolhem não só dados para a avaliação da ortografia e definição do tipo de
disortografia como também importantes dados referentes aos fatores associados à
disortografia. Referem, por exemplo, que na cópia estão fundamentalmente associados
os erros referentes a fatores de tipo visuo-espaciais, enquanto no ditado estarão
predominantemente presentes os fatores percetivo-linguísticos.

Fernández e colaboradores (2010, p. 501) referem que, a par destes testes, o avaliador
poderá recorrer à avaliação dos trabalhos escolares; ditados sem correção e
autocorrigido; escrita de textos longos e curtos; ditados de pseudopalavras; ditados de
letras; escrita de palavras a partir de figuras; ditado de frases e palavras e exercícios de
composição escrita.

No que concerne à avaliação de ortografia propriamente dita, Torres e Fernández (2001,


p. 91) referem que esta pode ser efetuada de forma formal ou informal. A avaliação
formal da ortografia refere-se a provas estandardizadas com características concretas,
critérios de correção objetivos e uma correspondente categorização de erros. A
avaliação informal da ortografia faz recurso a materiais adaptados às caraterísticas do
avaliado e é referente à recolha de dados de uma forma qualitativa através da realização
de provas escritas.

Isto porque, tal como também Nijakowska (2010, p. 2) alerta, a ocorrência de uma
dificuldade de aprendizagem na escrita pode ser proveniente tanto de um distúrbio geral
ou de um distúrbio específico. Um distúrbio geral refere-se à presença de défice se não
em todas as funções cognitivas, pelo menos na maioria delas. Por seu lado, um distúrbio
específico está interligado à presença de dificuldades na realização de uma função ou de

55
Disortografia: a escrita criativa na reeducação da escrita

um determinado número de funções cognitivas, enquanto todas as outras se encontram


intatas e a processarem-se perfeitamente.

A forma que temos para definir se estamos na presença de um distúrbio específico ou


geral é a análise dos resultados dos testes estandardizados para avaliação do quociente
de inteligência, como é o caso da Escala de Inteligência Weschler. Nijakowska (2010, p.
2) explica que se observarmos um resultado do QI médio ou acima da média,
encontramo-nos perante um distúrbio específico; se, por outro lado, atestamos um
resultado de abaixo de 70, deparamo-nos com um distúrbio de aprendizagem geral.

Contudo, no caso de disortografia, ou de dislexia, o recurso a este tipo de testes de


definição de distúrbio específico ou geral nem sempre foi consensual. Tal como Tacke
(2008, p. 152) relata, nos anos 1970 muitos investigadores propuseram separar o índice
de quociente de inteligência (QI) como fator preponderante na avaliação de
disortografia (e dislexia) com o fundamento que de, de acordo com a investigação
realizada não existe discrepância entre disortográficos (e disléxicos) com superior QI ou
QI mediano/normal. Esta contestação ganhou ainda mais adeptos quando confrontados
com uma inconstância na definição borderline que separa o QI mediano/normal da
deficiência mental/ intelectual. Westwood (2004, p. 75) refere que alguns investigadores
como Kavale (2002) e Fletcher e colegas (2002) apontavam esta classificação
borderline entre deficiência mental/ intelectual e inteligência normal/média de QI de 70,
enquanto outros consideram somente a partir do valor QI de 85. Por último, Westwood
(2004, p. 73) questiona também este critério baseado no resultado do teste de QI,
advertindo para uma verdadeira necessidade na efetiva intervenção da escrita (ou da
leitura) em qualquer criança ou jovem que apresente dificuldades na aquisição de
linguagem, independentemente do seu QI.

Contudo, uma vez que no final um pequeno grupo destes investigadores se manteve na
pretensão desta alteração e as diretrizes da WHO – World Health Organization (2007)
tal como da American Psychiatric Association (2000) prevaleceu, ainda hoje, o critério
de discrepância entre Quociente de Inteligência - QI e a realização escrita (leitora) da
criança ou jovem é usado como indicador na avaliação de uma perturbação (Tacke,
2008, p. 152).

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Disortografia: a escrita criativa na reeducação da escrita

Deste modo, atualmente, no que concerne a uma desordem específica da escrita, de


acordo com Küspert e Schneider (2006, p. 7) considera-se que estamos perante uma
desordem quando a avaliação obtida através de Escala de Inteligência Weschler indica
um quociente de inteligência de, pelo menos, 85 e o resultado da prova do teste escrito
inferior a 10QI (de realização). Perante um resultado destes devemos, por último, ainda
ter em atenção que esta criança não padece de outro tipo de problema. Como Torres e
Fernández (2001, pp. 90-91) alertam, a par de uma avaliação que incida sobre os erros
de ortografia também se deve proceder a uma avaliação de perceção auditiva, visual e
espácio-temporal; memória auditiva e visual; inteligência geral e vocabulário criança.
Isto porque, como Moreno (2011, p1) atenta, uma boa avaliação de um transtorno é
aquela que analisa todos os fatores que podem incidir na aprendizagem da ortografia e
que não se limitam a uma valorização superficial de sintomas.

2.12 INTERVENÇÃO E REEDUCAÇÃO

Em relação à ação de intervenção e reeducação da disortografia, e como adverte


Suchodoletz (2006, p. 90), é difícil encontrar um único programa de reeducação para
todos os tipos de disortografia. O que podemos apresentar é, por um lado, algumas
estratégias que habitualmente são implementadas no trabalho com crianças e jovens
com disortografia que acabam por acentuar ainda mais o fracasso destas (Torres e
Fernández, 2001, p. 99); e, por outro lado, inúmeras ações de intervenção e reeducação
implementadas por técnicos, investigadores e professores que, não se podendo
generalizar para todos os tipos de disortografia, obtiveram ótimos resultados.

Entre as técnicas não aconselhadas no trabalho de uma reeducação e intervenção de


disortografia podemos apontar, de acordo com Torres e Fernández (2001, p. 99), os
ditados, as cópias e as listas de palavras difíceis.

Quanto aos ditados, estratégia indicada como sendo contraproducente e morosa (em
relação ao tempo despendido entre a resposta, correção e reforço), devido às suas
caraterísticas, em vez de corrigir o erro, favorece a prática do erro acabando,
inclusivamente, levar a criança à automatização do próprio erro.

57
Disortografia: a escrita criativa na reeducação da escrita

Em relação às cópias, contrariamente ao que se possa pensar, esta atividade por se


apresentar pouco interessante e monótona não vai destruir a representação mental da
palavra que a criança tinha, quando errou pela primeira vez, voltando, no futuro, a
escrever a palavra tal e qual como habitualmente já fazia.

Finalmente, no que diz respeito à atividade de reeducação baseada na construção de


listas de palavras difíceis, as autoras advertem que esta atividade é muito desmotivadora
por se basear predominantemente na memorização de palavras de forma
descontextualizada que, como agravante, nem fazem parte do léxico das crianças.

No tocante às estratégias implementadas com sucesso no trabalho de intervenção e


reeducação na disortografia, verificamos que não existe um consenso entre os vários
investigadores em relação a um único tipo de programa de intervenção das dificuldades
na escrita. O primeiro aspeto que podemos apontar para a inexistência de um único
programa reeducativo reside ora porque os instrumentos de medição e verificação dos
programas de intervenção não são estandardizados ou generalistas e encontram-se
muitas vezes inapropriados ou demasiado específicos a uma determinada faixa etária ou
área; ora porque estes programas de intervenção são muito morosos, podendo-se, no
final da intervenção atribuir as alterações ou melhorias à idade ou maturidade
(Suchodoletz, 2006, p. 90).

Alguns autores, como Harris (1998, p. 165), aceitam os resultados obtidos em


programas de desenvolvimento da consciência fonológica, sendo estes contudo postos
em causa devido à durabilidade dos resultados obtidos, propondo, em vez destes,
programas multissensoriais que reforçam as aprendizagens através da ativação de
diferentes sentidos.

Do mesmo modo, alguns investigadores, como Crenitte (2008) propõem o


desenvolvimento de programas de desenvolvimento de consciência fonológica não
exclusivos à perturbação da escrita mas em concordância com a realização de atividades
de leitura. Crenitte (2008, p. 83) lembra que vários estudos têm demonstrado uma
estreita relação entre o desenvolvimento fonológico e o domínio não só da leitura como
também da escrita referindo a autora que as relações entre escrita e oralidade são
discutidas nos dois sentidos, da oralidade para a escrita ou da escrita para a oralidade.

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Disortografia: a escrita criativa na reeducação da escrita

Em concordância com Crinette (2008), Almeida e Vaz (2005, pp. 36-37) e Ribeiro e
Babo (2006, p. 29) propõem, mesmo no caso específico de um programa de intervenção
e reeducação da escrita, o desenvolvimento de atividades que envolvam tanto a
expressão escrita como também a oral. Como referem estes autores, não se pode esperar
que a criança aprenda a escrever se esta não lê.

Por outro lado, outros autores, como Montgomery (2006, p. 222.2009, p. 275) sugerem
programas baseados predominantemente na transmissão de estratégias cognitivas, em
que a atividade preponderante do programa se baseia na análise dos erros apresentados
pelas crianças com disortografia, para planificar e desenvolver ao longo de todo o
programa atividades e estratégias que os auxiliam a colmatar as suas dificuldades. Neste
tipo de intervenção espera-se através da ativação de estratégias cognitivas corrigir o
léxico armazenado no cerebelo e ligar este ao ato motor de escrita, depositando na
memória do córtice motor de escrita no cérebro a correta forma de escrita de uma
palavra.

Finalmente, encontramos também autores, como Cooper (2000), que não se opondo aos
programas multissensoriais ou de transmissão de estratégias metacognitivas defendem,
contudo, que ambos os tipos de programas se destinam a crianças com diferentes idades.
Como descreve Cooper (2000, p. 191), um programa multissensorial de tipo APSL –
Alphabetic-Phonic-Syllabic-Linguistic Programme seria o mais indicado para crianças
ainda nos anos escolares iniciais e um programa mais centrado na transmissão de
estratégias metacognitivas para alunos mais avançados.

Não sendo possível encontrar um consenso a respeito de um programa de intervenção e


reeducação da escrita, encontramos, no entanto, alguns aspetos com que a generalidade
dos investigadores concorda.

Em primeiro lugar, um dos principais aspetos a ter em conta em relação a um programa


de intervenção e reeducação da escrita é referente ao início desta intervenção. Os
investigadores não defendem um momento específico para o desencadeamento desta
intervenção. Pelo contrário, defende-se que quanto mais cedo for a intervenção, mais
eficaz será a mesma (Küspert e Schneider, 2006, p. 7). Na eventualidade de todo o
processo de referenciação, diagnóstico e avaliação decorrer de forma mais tardia, um

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Disortografia: a escrita criativa na reeducação da escrita

programa de intervenção na escrita surge sempre como, por um lado, uma solução de
orientação reeducativa e, por outro lado, de forma preventiva para a ocorrência de
outros problemas (Küspert e Schneider, 2006, p. 9).

Em segundo lugar, é consensual entre a generalidade dos investigadores que se deve


proceder a uma avaliação globalizante das dificuldades da criança na escrita, como
também aferir a razão, ou razões, para a existência destes problemas, antes de
implementar qualquer programa de intervenção na reeducação da escrita (Selikowitz,
2010, p. 96).

Em terceiro lugar, ao longo de qualquer programa reeducativo, deve-se ressalvar a


importância de reforço positivo, a periodicidade das ações, e a pouca duração das
atividades para que o aluno não se desmotive (Almeida & Vaz, 2005, p. 37).

Relativamente às atividades na reeducação da disortografia, propõe-se o


desenvolvimento de atividades de acordo com as dificuldades constatadas na avaliação.
No que toca, por exemplo aos erros de ordem fonética, visuais ou da frase, Almeida e
Vaz (2005, pp. 33-36) propõem três tipos de atividades.

Respeitantes aos exercícios de fonética, os autores propõem exercícios que incluam


atividade de omissões, inversões e substituições de fonemas ou sílabas. Em relação à
reeducação de erros tipo visuais, propõem-se atividades de indicação de igual/diferente,
descrição da forma de grafema, de diferenciação, de contraste, de identificação de erros,
de diferenciação entre pares ou série de figuras, de associação de figura-fundo e de
memória visual. Finalmente, em relação às atividades no trabalho com a frase, pretende-
se promover uma consciência da palavra e desenvolver uma gramática intuitiva através
da construção de frases gradualmente mais elaboradas com os seguintes elementos
nome + verbo, artigo + nome + verbo, artigo + nome + verbo + artigo nome, artigo +
nome + verbo + artigo + nome + adjetivo.

Quanto a estas últimas atividades no trabalho com a frase, Almeida e Vaz (2005, pp. 36-
37) referem ainda a importância do desenvolvimento de estratégias metacognitivas. O
desenvolvimento destas estratégias no trabalho com crianças e jovens com disortografia
é também defendido por Lima e Pessoa (2007, cit. in Lamônica, 2008, p. 77) que

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Disortografia: a escrita criativa na reeducação da escrita

assinalam a importância de desenvolvimento das habilidades metalinguísticas na


aprendizagem de escrita e no desenvolvimento de uma consciência funcional de regras
de organização de uso de linguagem.

Westwood (2008, pp. 74), recordando o sucesso do trabalho desenvolvido por


Schumacher e Deshler (2003, 2006) na implementação de um programa para o
desenvolvimento das competências metalinguísticas na aprendizagem da escrita
realizada na reeducação da escrita de crianças e adolescentes com dificuldades de
aprendizagem, propõe atividades no âmbito da construção de frases e parágrafos,
planificação e composição de textos, monitorização do erro e autocorreção. Perin (2006)
e Saddler (2006) descrevem que o sucesso na melhoria da composição escrita através
desta partilha de estratégias, se baseia no fato destas serem fáceis de decorar e de
aplicar.

Ao longo da implementação do programa e com o intuito de facilmente generalizar


estas estratégias a outras situações na vida da criança ou jovem, Westwood (2008, p.
75), reportando-se desta vez ao trabalho desenvolvido por Graham e Harris (2005),
sugere quatro passos. Primeiro, mostrar aos alunos como a estratégia funciona em
contexto e como esta poderá ajudá-los a melhorar o seu trabalho; segundo, indicar aos
alunos quando e onde cada uma das estratégias poderá ser empregue; terceiro, promover
a reflexão como as estratégias podem ser adaptadas a diferentes contextos; e,
finalmente, ensinar aos alunos o recurso a frases tipo, elaboradas por si próprios, com o
intuito de reforçar a memorização e o uso das estratégias.

Finalmente, como a generalidade dos investigadores refere, apesar de não se poderem


esperar resultados rápidos em crianças ou jovens que padecem ao mesmo tempo de
diferentes distúrbios ou comorbidades (Shaywitz, 1998, cit. in Suchodoletz, 2006, p.
90), nem um resultado duradouro ou definitivo no trabalho com a disortografia,
persistindo estas dificuldades e erros ortográficos mesmo ao longo da idade adulta
(Burden, 1992, p. 200), sem a implementação de um programa reeducativo, seja este de
foro fonológico, multissensorial ou de transmissão de estratégias metacognitivas, o
insucesso escolar será sempre uma ameaça presente ao longo do percurso educativo
destes alunos (Poehlke, 2009, p. 70).

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Disortografia: a escrita criativa na reeducação da escrita

Mesmo tendo presente que a implementação de um programa de intervenção e


reeducação da escrita é muito mais difícil e extenso, em comparação a um programa de
reeducação destinado à leitura (Cooper, 2000, p. 191), sabemos também que ao invés
dos resultados observados em relação a programas de reeducação da leitura, que se
cingiram especificamente no campo da leitura, os programas e intervenção da escrita
tendem a recuperar tanto a escrita como também a melhorar a capacidade de leitura das
crianças.

Há ainda a ressalvar que, tal como D. Montgomery alertou em 1997, sem uma ajuda
especial, sem uma intervenção não só no âmbito da dislexia, como também no âmbito
da disortografia, a melhoria da concentração, perceção espacial e temporal, há a
necessidade de se realizar uma intervenção de recuperação no âmbito da organização e
composição escrita destas crianças, antes que estas entrem numa espiral de frustrações,
sentimentos de falta de auto estima e perda, isolamento ou se tornem mesmo disruptivos
e agressivos (p. xi-xiv).

Por último, não nos podemos esquecer também do papel preponderante que os pais
desempenham na intervenção da dificuldade específica da escrita. Selikowitz (2010, pp.
96-99), salienta este papel descrevendo, por exemplo, que quando estes acompanham o
processo educativo de seu filho e revêm com ele as palavras novas que aprende às
diversas disciplinas, poderão desenvolver com ele, em escassos quinze minutos diários,
atividades como, por exemplo, um banco de palavras novas, empregues em contexto;
discutir o seu significado, empregando-as numa frase coerente; decompor cada palavra
nos seus morfemas ou grafemas; elogiando-o quando realiza a tarefa corretamente e
auxiliá-lo a perceber o erro quando este apresenta dificuldades na realização da tarefa
proposta.

2.13 CONCLUSÃO

Neste capítulo esclarecemos que o conceito de disortografia deriva etimologicamente da


composição do prefixo grego “dis”, ideia de desvio ou dificuldade; “orto”, direita ou
correta; “grafia” da escrita, e que se define como o transtorno específico de composição
escrita devido a uma perturbação na aquisição de ortografia e sintaxe caraterizada por

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Disortografia: a escrita criativa na reeducação da escrita

um conjunto de erros na escrita e pela dificuldade persistente e recorrente de organizar,


estruturar e compor textos escritos.

Abordámos seguidamente as comorbidades, ou seja, distúrbios, transtornos ou défices


que ocorrem normalmente a par da disortografia, a saber, a dislexia, disgrafia, disnomia,
défice de atenção com ou sem hiperatividade, défice de lateralização e défice de
memória; para mais concretamente analisar as causas, as características e os diferentes
tipos de disortografia. De acordo com esta análise dedicamos a nossa atenção às várias
consequências que um distúrbio como este pode causar nas diversas áreas de vida de um
individuo ao nível pessoal, social ou académico. Como forma de prevenção de
desencadeamento destas consequências e para evitar males maiores, apresentámos os
diversos sinais de alerta da presença de uma disortografia e fundamentámos a
importância de uma referenciação deste distúrbio específico de composição escrita o
mais atempadamente possível, independentemente da presença de uma dislexia, como o
comprovam as diversas ferramentas de diagnóstico que atualmente dispomos ao nível
internacional.

Finalmente, analisamos, de acordo com as propostas da investigação referente à


disortografia, os diversos tipos de testes para avaliação e aferição deste distúrbio, tendo
concluído que uma avaliação de disortografia requer sempre uma avaliação global de
todas as caraterísticas e capacidades de um indivíduo, avaliando estas tanto a nível do
seu vocabulário ou prestação numa prova escrita como também o seu quociente de
inteligência, perceção auditiva, visual e espácio-temporal; memória auditiva e visual.
Da informação decorrente desta avaliação recolhemos dados fundamentais para a
elaboração de um programa de intervenção e reeducação específico, não só de acordo
com o tipo de distúrbio, como também de acordo com as necessidades e capacidades do
indivíduo.

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