A Disortografia
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CAPÍTULO II - A DISORTOGRAFIA
2.1 INTRODUÇÃO
2.2 A DISORTOGRAFIA
Tal como descreve Selikowitz (2010, p. 91) ler e escrever são processos inversos.
Enquanto no processo de leitura os grafemas (os símbolos impressos) são convertidos
em fonemas (os sons de cada letra); na escrita estes fonemas e as palavras, que
desejamos reproduzir no papel, são convertidos em grafemas. Quando a criança pensa
acerca da palavra que quer escrever, Tressoldi e colaboradores (2007, cit. in Lamônica,
2008, p. 77) relatam que esta inicialmente pensa nas características acústicas e
articulatórias da palavra, ou seja, pensa em sons (fonemas) e não em letras (grafemas).
Devido à falta de arbitrariedade na relação entre fonema e grafema para todos os casos
da escrita, escrever de forma correta geralmente não é uma tarefa fácil, desenvolvendo-
se inclusivamente como uma capacidade muito mais difícil de ser adquirida do que a
leitura (Selikowitz, 2010, p. 91).
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Disortografia: a escrita criativa na reeducação da escrita
No que diz respeito à expressão escrita, Pereira (1995, p. 68) explica que não sendo a
escrita um processo linear, mas sim recursivo e dependente de uma multiplicidade de
conexões semânticas, acústicas, culturais e gráficas, esta faz, ao longo de todas as etapas
de criação de texto, o recurso a capacidades de planificação, formulação e correção. Não
estando a criança treinada ou familiarizada com estas conexões é expectável a
ocorrência de muitas dificuldades ao nível da coesão textual.
Finalmente, Pereira (1995, p. 70) descreve a escrita enquanto ortografia, por outras
palavras, pelo domínio de um conjunto de regras suscetível a três tipos de processos:
processo normativo, processo fonémico e o processo grafémico. A ortografia como um
processo normativo exige da criança não só o conhecimento das regras semânticas e
gramaticais da escrita como também o respeito das mesmas ao longo do processo de
criação de um enunciado/texto. Como processo fonémico, a ortografia diz respeito às
regras subjacentes à correspondência entre fonema e grafema na composição de
palavras, variando, por exemplo, a realização do grafema, não só consoante a posição
do mesmo na palavra, como também na relação com os demais grafemas que se
encontram à sua esquerda ou direita na palavra. Como processo grafémico, a ortografia
reporta-se à forma das letras, fazendo recurso ao léxico ortográfico visual armazenado
na memória visual permitindo à criança recorrer a este léxico por analogia ao longo do
processo da escrita. Contudo, quando estas crianças se confrontam com outras
dificuldades ocultas que surgem de forma mais persistente ou duradoura na
aprendizagem ou aquisição das normas e regras convencionais da linguagem escrita,
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Disortografia: a escrita criativa na reeducação da escrita
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Disortografia: a escrita criativa na reeducação da escrita
No que concerne à definição, propriamente dita, Serra (2008, p. 28), define disortografia
como a designação dada às dificuldades de aprendizagem especificamente relacionadas
com a aquisição de ortografia e sintaxe e com sinais e repercussões no âmbito da
composição.
Não obstante, também nos deparámos com investigações que recorreram ao conceito da
disortografia de forma literal ou traduzido noutra língua – disortografia no italiano;
disortografía no espanhol; dysorthographia ou dysorthography no inglês;
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Disortografia: a escrita criativa na reeducação da escrita
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Disortografia: a escrita criativa na reeducação da escrita
No entanto, ao longo dos últimos vinte anos, surgiram inúmeras investigações que se
centraram nas perturbações da leitura (Leseschwäche e Lesestörung) como também da
escrita (Rechtschreibschwäche e Rechtschreibstörung) de forma separada. Tal como
Grisseman (1996, p. 11) refere usam-se atualmente na língua alemã os conceitos
Leseschwäche e Rechtschreibschwäche de forma equiparada aos conceitos de dislexia e
disortografia utilizadas nas línguas românicas e inglesa, ora associado a outras
perturbações, nomeadamente à disgrafia ou dislexia.
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Disortografia: a escrita criativa na reeducação da escrita
disgrafia não considera os aspetos gráficos dos grafemas. Como Torres e Fernández
(2001, p. 75) lembram, apesar da ocorrência do uso arbitrário de ambos os conceitos, a
disgrafia compreende um problema relacionado com o traçado e forma da letra
enquanto a disortografia corresponde a erros com repercussões ortográficas, semânticas
ou sintáticas e de organização/planificação de texto. Por outras palavras, a disgrafia
refere-se a dificuldades de execução, enquanto a disortografia se refere a dificuldades ao
nível da planificação e formulação escrita (Ribeiro & Babo, 2006, p. 29). Reportando-
nos às causas predominantemente apontadas para ambos os transtornos, Harris e
Hodges (2005, p. 63) apontam, por exemplo, que ao invés da disgrafia, que se encontra
relacionada com uma descoordenação motora, a disortografia reporta-se a um distúrbio
de ordem cognitiva de linguagem.
2.4 COMORBIDADES
No que concerne à dislexia/disortografia, como refere Karlep (2000, p. 54) apesar das
dificuldades de aprendizagem da leitura e da escrita poderem aparecer de forma
combinada ou separada, explica o investigador que a razão porque ambos os transtornos
são diagnosticados em conjunto reside nas caraterísticas visíveis comuns na produção
escrita de cada um destes transtornos, nomeadamente os erros relativos às inversões da
ordem das letras, repetições, inversões, omissões, adições e substituições de letras.
Esta relação intrínseca estre as duas perturbações já levou, como Torres e Fernández
(2001, pp. 75-76) afirmam, à referenciação errada de crianças como disléxicas por
apresentarem erros sistemáticos na escrita, quando de facto estávamos perante um caso
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Disortografia: a escrita criativa na reeducação da escrita
No que concerne à disgrafia, Harinath (2007, p. 7) refere que apesar da disortografia ser
um transtorno específico da expressão escrita e a disgrafia de ordem motora-grafia,
tendo em conta a sua relação no âmbito da escrita de ambos os transtornos, esta surge
intrinsecamente associada à disgrafia.
Do mesmo modo, Weiss e Cruz (2007, p. 70) referem que a disgrafia se apresenta
muitas vezes como característica do quadro de disortografia, completando os alunos o
quadro de frases semântica e ortograficamente incorretas com uma letra irregular e
ilegível. Estas características devem-se, como sublinham estes autores, por um lado,
pela impossibilidade cognitiva grafo-motora de coordenar o que pensou com o que
acabou de escrever ou, por outro lado também, para ocultar os inúmeros erros
ortográficos bizarros presentes no texto.
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Disortografia: a escrita criativa na reeducação da escrita
2.5 CAUSAS
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Disortografia: a escrita criativa na reeducação da escrita
Por seu lado, baseando-se nas capacidades necessárias para uma correta aprendizagem
da escrita e da ortografia, Torres e Fernández (2001, pp. 80-81) apontaram cinco tipos
de causas para a ocorrência ou desenvolvimento de disortografia: as causas de tipo
percetivo, intelectual, linguístico, afetivo-emocional e pedagógico. Isto é, a disortografia
poderá desencadear-se devido a problemas ou distúrbio nas capacidades percetivas
específicas – perceção auditiva, visual e espácio-temporal; a capacidade de tipo lógico-
intelectual, imprescindível para a aquisição e segmentação grafo-fonémica; a
capacidade de tipo linguístico – morfossintaxe e semântica; e os aspetos afetivo-
emocionais responsáveis pela manutenção de atenção e perseverança na tarefa da
escrita.
No que se refere às causas de tipo percetivo, que aludem a deficiências ao nível espácio-
temporal, na perceção e na memória visual e auditiva, estas poderão ser apontadas como
responsáveis pela ocorrência de dificuldades na orientação das letras, discriminação de
grafemas, sequenciação, ritmo, discriminação e memória auditiva. Cervera-Merida e
Ygual-Fernandes (2007, cit. in Crenitte, 2008, p. 84) descrevem a disortografia como
um transtorno referente a uma escrita incorreta predominantemente atribuída a
dificuldades no raciocínio visuo-espacial e nas habilidades linguístico-percetivas.
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Disortografia: a escrita criativa na reeducação da escrita
Finamente, para Torres e Fernández (2001, p. 81), as causas de tipo pedagógico surgem
com frequência como fator-chave na etiologia das dificuldades da escrita, em particular
o desajuste de método e técnicas escolhidas em relação às necessidades e ritmo de
aprendizagem das crianças. Do mesmo modo, Montgomery (1997, pp. 21-22, e 2010, p.
83) refere o desencadeamento e dificuldades na aquisição da escrita ou da leitura devido
a práticas pedagogicamente inapropriadas. Refere a investigadora que alguns alunos
depois de terem estado sujeitos a estratégias pedagogicamente incorretas, transferências
sistemáticas de escola, frequente alteração de docentes não alcançaram aspetos
fundamentais para a aquisição da escrita e leitura logo desde os anos iniciais da escola.
2.6 CARACTERÍSTICAS
Como afirma Selikowitz (2010, p. 89) há três tipos de dificuldades que podem tornar a
escrita incompreensível, são estas as dificuldades associadas à aprendizagem específica
da escrita; as dificuldades associadas à caligrafia; e, finalmente, a presença de um
distúrbio de linguagem, em que o texto apresentado está tão repleto de erros que as
frases ou as palavras entre si não fazem sentido.
Caraterizando-se a disortografia, no que diz respeito a Ribeiro e Babo (2006, p. 31) pela
presença de dificuldades nos processos cognitivos subjacentes à composição,
nomeadamente à geração de conteúdo, produção, planificação, tradução e revisão de
textos, os trabalhos escritos são geralmente curtos, apresentam uma organização pobre,
pontuação inadequada e uma pobreza no encadeamento e exposição de ideias.
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Disortografia: a escrita criativa na reeducação da escrita
Entre as caraterísticas mais comuns da disortografia, Serra (2008, p. 28) refere ainda
que as frases se encontram mal estruturadas, inacabadas, apresentam falta de elementos,
repetição de palavras, um vocabulário muito pobre, erros de pontuação e de
concordância, expressão de ideias muito sucinta, “estilo telegráfico”, articulação
incorreta de ideias, incorreta divisão de orações, utilização incorreta de tempos verbais
na frase e dificuldades em identificar categorias gramaticais.
Montgomery (2006, p. 71) descreve, da sua experiência como docente de crianças até
aos 8 anos, casos de crianças que conseguiram ocultar durante muito tempo as suas
dificuldades. Refere a autora que estas demoraram mais a serem referenciadas com
disortografia por se destacarem pela positiva, em comparação com os seus colegas, na
sua prestação na leitura. Contudo, por altura dos testes escritos, altura em que lhes era
exigido respondiam rapidamente às questões, sob pressão e nervosos, vindo ao de cima
as suas dificuldades.
Wallace e Eriksson (2006, p. 24) acrescentam que ao longo do seu percurso escolar,
quando o vocabulário que necessitavam se tornava cada vez mais específico e extenso,
as suas capacidades já não conseguiam compensar o esforço inicialmente empregue e
disfarçar as suas dificuldades na escrita. Referem os autores que muitos professores
demoraram muito tempo a elaborar a referenciação por atribuírem os erros que estas
crianças apresentavam na escrita a outros fatores como a “distração”
Em relação a estes erros ortográficos, Galaburda e Cestnick (2003, cit. in Crenitte, 2008,
p. 84) salientam que a disortografia carateriza-se pela dificuldade de fixar as formas
ortográficas das palavras tendo como caraterísticas mais típicas a substituição de
grafemas e na dificuldade em fixar regras e padrões ortográficos, o que resulta na
dificuldade de produção de textos. Serra (2008, p. 28), acrescenta que estes erros
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Disortografia: a escrita criativa na reeducação da escrita
Weiss e Cruz (2007, p. 70) referem ainda que este transtorno da escrita é
fundamentalmente caracterizado por trocas de natureza ortográfica, como por exemplo
[ch] em vez de [x], [s] em vez de [z] ou vice-versa; aglutinação indevida de duas
palavras, [derrepente] em vez de [de repente]; fragmentações, tal como no exemplo [em
baraçar] em vez de [embaraçar]; inversões, [mu] em vez de [um]; e omissões [bejo] em
vez de [beijo].
Torres e Fernández (2001, pp. 81-83) ao constatarem uma série de erros sistemático
classificaram estes em cinco tipos: os erros de caráter linguístico-percetivo, erros de
caráter visuo-espacial, erros visuo-analíticos, erros relativos ao conteúdo e erros
referentes às regras de ortografia.
Os erros de caráter visuo-espacial apresentados por Torres e Fernández (2001, pp. 82-
83) são erros derivados das dificuldades na diferenciação pela posição no espaço, [d]
por [p], [p] por [q], e à semelhança de letras nas suas características visuais, como em
[m] por [n], [o] por [a] e [i] por [j]. Muito característico neste tipo de erros é também a
escrita em espelho; a confusão com fonemas em palavras que admitem dupla grafia,
como em [ch] por [x] e [s] por [z]; a confusão com fonemas que admitem dupla grafia
em função das vogais, [g] e [c]; e a omissão da letra [h] por esta não ter correspondência
fonética.
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Disortografia: a escrita criativa na reeducação da escrita
Haberland (2000, p. 22) explica que a troca de letras em espelho com o mesmo radical,
como é o caso das letras [b] em vez de [g] e [p] em vez de [d], ou oticamente
semelhantes, o caso das letras [m], [n], [r], [e], [l], [t] e [f], ocorre de forma
inconsciente, pois no seu sentido, eles leem um [b] onde de fato se encontra um [g].
Os erros de caráter visuo-analítico são referentes a trocas de letras sem qualquer sentido
devido à dificuldade em fazer a síntese e a associação entre fonema e grafema.
Por último, Torres e Fernández (2001, p. 83) referem-se aos erros referentes às regras de
ortografia, nomeadamente os erros de desrespeito de regras de pontuação, regras de
ortografia no uso de maiúsculas e minúsculas, regras de translineação e o uso do hífen.
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Disortografia: a escrita criativa na reeducação da escrita
Contudo, convém alertar, como Selikowitz (2010, p. 93) lembra, que a presença de um
tipo de erro não é necessariamente o indicativo da presença de um único tipo de
disortografia na criança ou jovem.
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Disortografia: a escrita criativa na reeducação da escrita
2.8 CONSEQUÊNCIAS
Por norma, o trabalho escrito, a par dos inúmeros erros ortográficos de várias ordens
(Nijakowska, 2010, p. 3), é também habitualmente caraterizado por ser muito reduzido
com uma organização, encadeamento e exposição de ideias muito pobre (Ribeiro e
Babo, 2006, p. 31). A par destas consequências da disortografia nestes anos iniciais do
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Disortografia: a escrita criativa na reeducação da escrita
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Disortografia: a escrita criativa na reeducação da escrita
Mesmo depois de, finalmente estas crianças terem sido referenciadas e acompanhadas
num programa de reeducação, Torres e Fernández (2001, p. 99) afirmam que quando
estas não têm em consideração as caraterísticas das dificuldades da criança ou jovem e
não são planificadas da forma mais adequada, estas estratégias e ações poderão acabar
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Disortografia: a escrita criativa na reeducação da escrita
por ser ainda mais prejudiciais e ter consequências mais nefastas do que o próprio
distúrbio em si.
Por outro lado, quando não são acompanhados em idade escolar, os jovens adultos irão
continuar pela sua vida a apresentar dificuldades, agravando-se no entanto ainda mais a
incapacidade e ajuste social e o sentimento pessoal de inferioridade, incompetência,
isolamento. Alguns irão evitar qualquer atividade que envolva a escrita (carta, postal ou
recado) com o receio de expor as suas dificuldades (Sadock & Sadock, 2009, pp. 41-
42).
Sadock e Sadock (2009, p. 41) e Montgomery (2009, p. 275, e 2007, p. 71) afirmam,
apesar da prevalência da disortografia ainda não ter muitos dados em que se basear, que
este distúrbio ocorra com mais frequência do que a dislexia em crianças na idade
escolar, situando-se acima da ordem dos 10% e em comorbidade com a dislexia na
ordem dos 4%. Em relação à diferença de ocorrência da disortografia em rapazes e
raparigas, vários autores (Küspert & Schneider, 2006; Poehlke, 2008; Popp, 2004;
Sadock & Sadock, 2009; Nordmann, 2008) são da mesma opinião afirmando que esta é
de 3 para 1, ou seja, ocorre três vezes mais em rapazes do que em raparigas.
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Disortografia: a escrita criativa na reeducação da escrita
com letra maiúscula. Contudo, como já referimos, a ocorrência deste tipo de erros não é
restrito à disortografia.
Sadock e Sadock (2009, p. 41) referem que mesmo nos textos mais reduzidos os alunos
com disortografia apresentam inúmeros erros gramaticais e desorganização das ideias
nos seus textos. Contudo, a investigação tem-nos demonstrado que estes erros
apresentados pelos alunos disortográficos são qualitativamente diferentes em
comparação aos erros dados pelas crianças que ainda se encontram a aprender a
escrever ou mesmo pelos alunos com outras dificuldades na expressão escrita. Os seus
erros são comummente referidos como “bizarros”, de forma que muitas vezes o que
escrevem não apresenta qualquer relação com o que pretendem (Westwood, 2008, p.
67).
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Disortografia: a escrita criativa na reeducação da escrita
existir uma relação direta entre a existência de uma dificuldade ao nível da linguagem
escrita na presença de uma fraca consciência fonológica.
De acordo com Almeida e Vaz (2005, p. 33) a par de uma fraca motivação para a
atividade da escrita, a criança ou jovem com disortografia apresenta normalmente os
textos reduzidos caracterizados predominantemente pela troca de grafemas, dificuldade
no uso de coordenação e subordinação de orações, aglutinação ou separação indevida
das palavras.
No que concerne à referenciação, tal como Tacke (2008, p. 158) afirma, esta poderá
partir por parte dos pais, contudo, uma vez que muitas vezes estes depositam estes
assuntos ao cuidado do professor que os acompanha, o investigador considera que esta
referenciação deverá ser desencadeada pelo professor que acompanha a criança ou
jovem na escola, logo a partir dos primeiros indícios de atraso na aquisição da escrita.
Posteriormente, depois de já ter sido elaborado o diagnóstico e realizada a avaliação é
que se poderá de fato falar de uma disortografia.
2.10 DIAGNÓSTICO
Como observam Adams e Fras (1988, p. 413), apesar de ainda não existir uma definição
internacionalmente reconhecida que exclui ou inclui a disortografia, devemos, contudo,
reger-nos para a obtenção deste diagnóstico pelas ferramentas internacionalmente
reconhecidas de classificação de doenças e transtornos que dispomos. Referimo-nos,
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Disortografia: a escrita criativa na reeducação da escrita
O manual da CIF está organizado em quatro partes, composto pelos componentes das
Funções do Corpo (código /b/ de body), Estruturas do Corpo (código /s/ de structure)
Atividade e Participação (código /d/ de domain) e Fatores Ambientais (código /e/ de
environment) (OMS, 2004, p. 193).
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Disortografia: a escrita criativa na reeducação da escrita
Adams e Fras (1988, p. 413) enfatizam que o diagnóstico para se integrar neste tipo de
distúrbio deve obedecer a determinados critérios, nomeadamente a ocorrência contínua
e permanente em diferentes ocasiões de composição escrita e não ocorrer como parte de
outro distúrbio. Esta perturbação deverá estar presente e interferir não só no rendimento
escolar como também nas diversas atividades da vida diária que exijam habilidades de
escrita, não se cingindo, deste modo, em contexto escolar. Sadock e Sadock (2009, p.
41) lembram que faz parte do diagnóstico da disortografia uma combinação de
dificuldades na composição de textos escritos, evidenciando nestes múltiplos erros, uma
desordem na expressão escrita, uma ortografia incompreensível como também a
incapacidade de escrever ortograficamente bem, sequenciar frases e apresentar uma
falta de encadeamento de ideias no texto como também a falta de elementos
fundamentais como “quem”, “onde” e “quando”. A criança poderá apresentar
dificuldades de ordem gramatical, frásica, semântica, omissões, inversões ou
substituições de letras, sílabas ou palavras. Finalmente, a pontuação poderá também
estar alterada, da mesma forma como o uso de letras maiúsculas e minúsculas.
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Disortografia: a escrita criativa na reeducação da escrita
Adams e Fras (1988, p. 413) alertam, contudo, que no que diz respeito ao DSM – IV, as
dificuldades na expressão escrita poderão ser consideradas tanto de ordem motora-grafia
(disgrafia) como cognitiva-composição escrita (disortografia), quando estas se
manifestam na altura em que a criança apresenta nestas duas atividades características
significativamente inferiores a outras crianças da mesma faixa etária, nível escolar e
com idênticas capacidades cognitivas.
2.11 AVALIAÇÃO
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Disortografia: a escrita criativa na reeducação da escrita
A par desta classificação, estes testes têm também como finalidade recolher informação
acerca da capacidade de memorização das palavras, os tipos de omissões, inversões,
confusões, adições, repetições, ligações, separações, substituições, assimilações de
concordância em género, número, tempo ou pessoa (Selikowitz, 2010, p. 90).
Fernández e colaboradores (2010, p. 501) referem que, a par destes testes, o avaliador
poderá recorrer à avaliação dos trabalhos escolares; ditados sem correção e
autocorrigido; escrita de textos longos e curtos; ditados de pseudopalavras; ditados de
letras; escrita de palavras a partir de figuras; ditado de frases e palavras e exercícios de
composição escrita.
Isto porque, tal como também Nijakowska (2010, p. 2) alerta, a ocorrência de uma
dificuldade de aprendizagem na escrita pode ser proveniente tanto de um distúrbio geral
ou de um distúrbio específico. Um distúrbio geral refere-se à presença de défice se não
em todas as funções cognitivas, pelo menos na maioria delas. Por seu lado, um distúrbio
específico está interligado à presença de dificuldades na realização de uma função ou de
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Disortografia: a escrita criativa na reeducação da escrita
Contudo, uma vez que no final um pequeno grupo destes investigadores se manteve na
pretensão desta alteração e as diretrizes da WHO – World Health Organization (2007)
tal como da American Psychiatric Association (2000) prevaleceu, ainda hoje, o critério
de discrepância entre Quociente de Inteligência - QI e a realização escrita (leitora) da
criança ou jovem é usado como indicador na avaliação de uma perturbação (Tacke,
2008, p. 152).
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Disortografia: a escrita criativa na reeducação da escrita
Quanto aos ditados, estratégia indicada como sendo contraproducente e morosa (em
relação ao tempo despendido entre a resposta, correção e reforço), devido às suas
caraterísticas, em vez de corrigir o erro, favorece a prática do erro acabando,
inclusivamente, levar a criança à automatização do próprio erro.
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Disortografia: a escrita criativa na reeducação da escrita
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Disortografia: a escrita criativa na reeducação da escrita
Em concordância com Crinette (2008), Almeida e Vaz (2005, pp. 36-37) e Ribeiro e
Babo (2006, p. 29) propõem, mesmo no caso específico de um programa de intervenção
e reeducação da escrita, o desenvolvimento de atividades que envolvam tanto a
expressão escrita como também a oral. Como referem estes autores, não se pode esperar
que a criança aprenda a escrever se esta não lê.
Por outro lado, outros autores, como Montgomery (2006, p. 222.2009, p. 275) sugerem
programas baseados predominantemente na transmissão de estratégias cognitivas, em
que a atividade preponderante do programa se baseia na análise dos erros apresentados
pelas crianças com disortografia, para planificar e desenvolver ao longo de todo o
programa atividades e estratégias que os auxiliam a colmatar as suas dificuldades. Neste
tipo de intervenção espera-se através da ativação de estratégias cognitivas corrigir o
léxico armazenado no cerebelo e ligar este ao ato motor de escrita, depositando na
memória do córtice motor de escrita no cérebro a correta forma de escrita de uma
palavra.
Finalmente, encontramos também autores, como Cooper (2000), que não se opondo aos
programas multissensoriais ou de transmissão de estratégias metacognitivas defendem,
contudo, que ambos os tipos de programas se destinam a crianças com diferentes idades.
Como descreve Cooper (2000, p. 191), um programa multissensorial de tipo APSL –
Alphabetic-Phonic-Syllabic-Linguistic Programme seria o mais indicado para crianças
ainda nos anos escolares iniciais e um programa mais centrado na transmissão de
estratégias metacognitivas para alunos mais avançados.
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programa de intervenção na escrita surge sempre como, por um lado, uma solução de
orientação reeducativa e, por outro lado, de forma preventiva para a ocorrência de
outros problemas (Küspert e Schneider, 2006, p. 9).
Quanto a estas últimas atividades no trabalho com a frase, Almeida e Vaz (2005, pp. 36-
37) referem ainda a importância do desenvolvimento de estratégias metacognitivas. O
desenvolvimento destas estratégias no trabalho com crianças e jovens com disortografia
é também defendido por Lima e Pessoa (2007, cit. in Lamônica, 2008, p. 77) que
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Há ainda a ressalvar que, tal como D. Montgomery alertou em 1997, sem uma ajuda
especial, sem uma intervenção não só no âmbito da dislexia, como também no âmbito
da disortografia, a melhoria da concentração, perceção espacial e temporal, há a
necessidade de se realizar uma intervenção de recuperação no âmbito da organização e
composição escrita destas crianças, antes que estas entrem numa espiral de frustrações,
sentimentos de falta de auto estima e perda, isolamento ou se tornem mesmo disruptivos
e agressivos (p. xi-xiv).
Por último, não nos podemos esquecer também do papel preponderante que os pais
desempenham na intervenção da dificuldade específica da escrita. Selikowitz (2010, pp.
96-99), salienta este papel descrevendo, por exemplo, que quando estes acompanham o
processo educativo de seu filho e revêm com ele as palavras novas que aprende às
diversas disciplinas, poderão desenvolver com ele, em escassos quinze minutos diários,
atividades como, por exemplo, um banco de palavras novas, empregues em contexto;
discutir o seu significado, empregando-as numa frase coerente; decompor cada palavra
nos seus morfemas ou grafemas; elogiando-o quando realiza a tarefa corretamente e
auxiliá-lo a perceber o erro quando este apresenta dificuldades na realização da tarefa
proposta.
2.13 CONCLUSÃO
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Disortografia: a escrita criativa na reeducação da escrita
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