Mediação e Ensino Da Arte
Mediação e Ensino Da Arte
Mediação e Ensino Da Arte
FACULDADE DE EDUCAÇÃO
Porto Alegre
Novembro de 2011
Adriano Sempé Pedroso
Porto Alegre
Novembro de 2011
AGRADECIMENTOS
Receptivo .................................................................................................................... 6
ANEXO I ................................................................................................................... 39
LISTA DAS ILUSTRAÇÕES
Figura 2 - Francis Alÿs, Zapatos Magnéticos, La Habana, 1994. 4ª Bienal do Mercosul. .........23
Receptivo
O que terá acontecido nessa uma hora e meia de contato com obras de arte?
2
Galeria Gestual, que na época estava sediada na av. João Corrêa em São Leopoldo. Hoje, e há
alguns anos, a galeria localiza-se em Porto Alegre, na Rua Cel. Lucas de Oliveira.
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Essas eram as nomenclaturas da época, entre 1987 e 1989, período em que estudei nessa escola.
Hoje a disciplina e modalidade de ensino seriam denominadas, respectivamente, ―Arte‖ e ―Ensino
Médio‖. A professora em questão era Suzane Wonghon e a escola era Escola Estadual de 1º e 2º
Graus Professor Pedro Schneider, atualmente, Instituto Estadual de Educação Professor Pedro
Schneider.
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era percebida por mim não apenas através do olhar, mas com o corpo todo; em me
aproximar e me afastar, no meu deslocamento pelos ambientes. Lembro também de
ver as pinceladas, os aspectos técnicos, de prestar atenção em alguns detalhes e de
pensar: ―mas isso é possível? Como será que foi feito?‖.
Rossi (1999) nos fala da importância do contato com a arte e que existe
estreita relação entre a frequência com que este contato se dá e o desenvolvimento
estético dos indivíduos. Ao desenvolver pesquisa baseada em autores como Abigail
Housen e Michael Parsons, a pesquisadora propõe correspondência entre os
estágios do desenvolvimento estético e a forma como cada pessoa faz a leitura da
obra de arte, quais aspectos são observados e destacados por ela, e o tipo de
questionamento feito a partir do contato com essas obras. Quanto mais complexas
essas relações e as possibilidades a partir delas, mais complexidade é apresentada
no exercício de pensamento do sujeito. Sua pesquisa fala da importância do
desenvolvimento estético no sentido não somente de referenciais ou informações,
mas, principalmente, como formação cognitiva que traz em seu bojo aspectos
culturais, constituintes, portanto, de uma identidade cultural (HALL, 1998).
Por isso destaco aqui a condição de ter sido levado a uma exposição de arte
quando estudante, de ter sido conduzido até lá e, de alguma forma, ter sido ajudado
a acessar aquele espaço e aquelas obras. Nesse sentido, é necessário destacar a
importância da intervenção da escola na formação dos alunos ao promover essa
condução durante o período da infância ou da adolescência. A escola cumpre – ou
deveria cumprir – esse papel fundamental na vida dos alunos, pois, muitas das
vezes, é a partir dela e da sua inserção nos mais diversos ambientes culturais e
sociais que esses alunos terão o primeiro contato com uma exposição de arte
contemporânea ou uma apresentação teatral, por exemplo. Ao conduzi-los a esses
diferentes lugares a escola torna acessíveis situações e experiências que, sozinhos,
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talvez não tivessem, e lhes proporciona condições para que se desenvolvam, entre
outras formas, nos estágios do desenvolvimento estético.
Não poderia afirmar também que aquela visita foi responsável pelo meu
desenvolvimento estético, mas, possivelmente auxiliou nesse processo. Foi uma
experiência que me possibilitou outro olhar sobre a produção artística e a linguagem
das artes plásticas. Coincidentemente ou não, acabei tornando-me professor... de
Arte!
Hoje, mais do que tentar encontrar uma definição, acredito que seja a
experiência que lá ocorreu o aspecto mais significativo. Principalmente porque a
experiência ―[...] é o que nos passa, ou o que nos acontece, ou o que nos toca‖
(LARROSA, 2004, p. 154). Então, é a partir da lembrança do que me ocorreu, do
que me passou naquele momento que é possível estabelecer este relato e as
relações trazidas aqui.
Por isso também escolho utilizar a Bienal do Mercosul como referência. Além
de ser uma exposição de arte contemporânea com importante trajetória e
repercussão no ambiente cultural e educacional sul-rio-grandense, é considerada
como um marco divisor de águas a sua primeira edição no ano de 1997. Pode-se
dizer que o evento Bienal do Mercosul, a partir da sua existência naquele momento,
deu início a um processo que vem se desenvolvendo até hoje, nas suas sete
edições subseqüentes.
acessibilidade às obras de arte para escolas e alunos. A arte pode ser pensada
então ―[...] como meio de conhecimento pessoal e do entorno social; arte como
instrumento ativador de experiências significativas; [...] como instrumento
questionador do mundo e da vida [...]‖ (MIR, 2009, p. 99).
A função da arte/1
Diego não conhecia o mar. O pai, Santiago Kovadloff, levou-o para
que descobrisse o mar. Viajaram para o Sul. Ele, o mar, estava do outro
lado das dunas altas, esperando.
Quando o menino e o pai enfim alcançaram aquelas alturas de areia,
depois de muito caminhar, o mar estava na frente de seus olhos. E foi tanta
a imensidão do mar, e tanto seu fulgor, que o menino ficou mudo de beleza.
E quando finalmente conseguiu falar, tremendo, gaguejando, pediu ao
pai: — Me ajuda a olhar! (GALEANO, 2002)
Ajudar a olhar.
Mais do que ver ou enxergar – algo que pode ser passivo – o olhar dá
sentido, atribui significado àquilo que é visto. ―Só se vê aquilo que se olha‖, nos diz
Merleau-Ponty (1980, p.88). Ajudar a olhar poderia ser, então, ajudar a construir um
sentido para aquilo que se vê4.
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A diferença entre os termos ver e olhar é abordada de forma distinta por outros autores, às vezes
até de forma contrária. Como exemplo de uso contrário ao que é feito aqui, cito o artigo A educação
do olhar no ensino da arte, de Analice Dutra Pillar, no livro Inquietações e mudanças no ensino da
arte, organizado por Ana Mae Barbosa (2011, p 72).
Neste trabalho optei por seguir o pensamento de Márcia Tiburi.
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[...] o núcleo desta qualidade está numa competência metafórica. Cada obra
de arte é uma metáfora, dizendo ―isso é isto‖. E ao mesmo tempo,
naturalmente, sabemos que ―isto não é isso‖.
[...]
A história da arte apresenta, neste sentido, a história da capacidade
humana de ver algo como algo novo. Eu considero essa competência uma
capacidade fundamental e básica no sentido antropológico presente e viva
em cada ser humano não somente em um artista; também no observador
da obra de arte (FICHTNER, [1997]).
Retomando o aspecto da
competência metafórica da obra de arte,
trago uma possibilidade de manifestação
do pensamento do professor Bernd
Fichtner, através da análise de algumas
imagens.
um poste contendo placas nas quais são registrados nomes de cidades que também
sediam exposições de arte (bienais, trienais) e suas respectivas distâncias de Porto
Alegre, sede da Bienal do Mercosul. As placas, através do seu posicionamento,
também indicam a direção onde essas cidades estariam situadas em relação à
capital gaúcha. Com sua existência, ao mesmo tempo informam que aqui existe e
convidam (incitam) o espectador a deslocar-se naquelas direções.
Apoio diretivo
Se nas primeiras edições, esse aspecto sazonal era mais evidente, ou seja,
projetos pedagógicos pensados de forma estanque e sem vínculo com as edições
subseqüentes, submetidos e vinculados aos projetos curatoriais de cada edição,
esse panorama se transforma – como resultado de mudanças gestadas desde a 4ª
Bienal – a partir da 6ª Bienal do Mercosul. Com a criação da curadoria pedagógica,
tendo a participação de um curador pedagógico que pensa a mostra a partir desse
enfoque educativo e em conjunto com a curadoria geral, e ainda, com o
desenvolvimento das atividades da Bienal para além dos dois meses de exposição
através de formação continuada e atividades paralelas, hoje há uma repercussão
ainda maior desses projetos. É também fundamental para a transformação desse
panorama a expansão do atendimento da Bienal do Mercosul, antes restrito à
exposição em Porto Alegre, e agora com o desenvolvimento de projetos em cidades
do interior do Rio Grande do Sul. Há ainda o projeto Vivências na Escola, que
consiste em proporcionar o contato entre mediadores em processo de formação e
alunos da rede municipal de ensino de Porto Alegre, antes da abertura da mostra,
diretamente nas escolas, para que sejam desenvolvidas atividades preparatórias a
partir de temáticas ou propostas dessa exposição em âmbito escolar.
Uma imagem que nos possibilita algumas reflexões sobre a unidade desses
procedimentos ou algo que os aproxime em termos conceituais é trazida por
Margarita Kremer:
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Trata-se então, como já dito acima, da obra intitulada Apoio Diretivo, do artista
Marcelo Scalzo (figura 3) 7. A obra consta de um objeto, ou melhor, da junção de
dois objetos: uma bengala e uma bússola. Inicialmente, apenas isso.
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Margarita Kremer em entrevista a Adriano Sempé Pedroso, realizada em sua residência em Porto
Alegre, no dia 24 de junho de 2011.
7
A obra em questão não foi apresentada na terceira Bienal. Ela foi acessada através do dossiê do
artista e incorporada - apropriada, nas palavras da coordenadora – pela equipe do projeto educativo
daquela edição. Marcelo Scalzo apresentou na ocasião a instalação intitulada Intenções suspensivas,
de 1998, nos containers do Espaço Pôr-do-Sol, 3ª Bienal do Mercosul, 2001.
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trabalho pensar o que constitui uma obra de arte. No entanto cabe perguntar onde
está, na obra ou mesmo na imagem (figura 3), a idéia de mediação?
[...] obras expostas, o espaço e seus contextos podem ser os mesmos, mas
cada sujeito é um sujeito, cada grupo é único e as inter-relações entre
esses agentes produzem significados diversos e específicos. A troca de
experiências e a reflexão sobre tais processos são fundamentais
(COUTINHO, 2009. p. 178).
[...] um público que atue diante do que vê, mas que seja tocado para viver
uma experiência de deslocamento, deixando de ser apenas expectador para
―assumir-se‖ um sujeito que reconstrói, por seus saberes e suas referências,
o próprio trabalho do artista, como co-autor. Pensamos naquele que vê não
mais como espectador, e sim participante e responsável ―pela existência do
trabalho do artista‖ (LIMA, 2009. p. 147).
não está ali para dar respostas ao espectador, mas sim pergunta, indaga,
provocando e instigando-o a realizar uma expedição em busca de suas próprias
respostas (4ª Bienal do Mercosul, 2003). Acredito que esse procedimento de
estímulo à participação do visitante – em especial o visitante escolar – além de
permitir que ele construa relações subjetivas a partir da exposição, abre espaço para
a construção de conhecimentos em arte, e objetiva a educação não-formal, ao
colocar sob responsabilidade desse sujeito a construção da sua própria trajetória,
seja na mostra, na escola, ou nos demais ambientes sociais.
Mas como podemos aplicar essa metáfora para falar sobre o público da
arte? Se aceitamos que uma obra de arte é uma materialização de
intenções do artista, então a idéia é menos uma ―apreciação‖ da obra e
mais um uso da obra para poder viajar nessa intenção. Já estamos falando
de uma situação de diálogo ativo e não de transmissão passiva. E se
levamos isso a sério, é tão importante o espectador quanto o autor. [...]
[...] Se pensamos na imagem de alguém olhando uma obra de arte
qualquer, o que está acontecendo? Onde está o conteúdo? Acredito que
não está nem na obra de arte, que precisa do espectador, nem no
espectador, que precisa da obra de arte. Na realidade, é no espaço entre os
dois que a comunicação é gerada, nesse espaço aparentemente vazio. A
obra é uma margem, e o espectador outra. Os dois precisam ser
valorizados para criar a possibilidade da terceira, uma margem que é
temporária, ativa, crítica, e por isso, profundamente pedagógica. (PÉREZ-
BARREIRO, 2009. p. 109)
Potencial educativo
Creio que seja o potencial educativo desses três pontos de vista o que nos
possibilita relacionar: a obra de arte como um elemento simbólico, como um texto
capaz de estimular reflexões e relações diversas; a mediação como um instrumento
que auxilia na condução dessas reflexões, sendo um elemento provocador e
problematizador no contato com a obra; e o contato propriamente dito entre
espectador e obra de arte, lugar da experiência para o espectador.
Nesse sentido, é possível pensar que a mediação pode abrir espaços para
relações que são possíveis de se estabelecer para além da arte, ou seja, que
ressignifiquem o espaço cotidiano daqueles que visitaram ou visitam a Bienal.
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Como uma forma de demonstrar esse aspecto, trago a seguir breves relatos
de alguns alunos8 meus a partir da sua participação em dois momentos da 8ª Bienal
do Mercosul. São alunos da Educação de Jovens e Adultos (EJA) da Escola
Municipal de Ensino Fundamental Grande Oriente do Rio Grande do Sul, no bairro
Ruben Berta em Porto Alegre, onde atuo como professor responsável pela disciplina
de Arte. Um desses momentos é o Projeto Vivências na Escola, e o outro momento
é a visita mediada propriamente dita, em espaços expositivos da Bienal. Nesses dois
momentos os alunos destacam aspectos relativos à sua experiência e ao seu
contato com as obras.
É importante destacar que são alunos de EJA, com idades variadas, mas que,
de um modo geral, tiveram seu primeiro contato com uma exposição de arte neste
ano de 2011 através da visita à 8ª Bienal do Mercosul.
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Relatos feitos por escrito como forma de registro de experiências vivenciadas. Com esse grupo,
nessa escola, foi desenvolvido o projeto Escola não vista, em alusão à exposição da Bienal intitulada
Cidade não vista, e realizada visita à exposição Geopoéticas, no armazém A4 do Cais do Porto.
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A fim de preservar a identidade dos alunos foram utilizadas somente as iniciais dos seus nomes.
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conhecer mais sobre arte, e a ênfase no fato de ser o primeiro contato com a Bienal
do Mercosul.
Considerações finais
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
AGUIAR, Elizabeth Milititsky. Diálogo com a Rede Escolar. Porto Alegre [s. n.],
1999. 17 p. Texto digitado. (2ª Bienal do Mercosul) (Localização no NDP da
Fundação Bienal do Mercosul: 004 - caixa 10 / Estante 01 / Prateleira 02).
CALVINO, Italo. As cidades invisíveis. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.
COSTA, Marisa Vorraber. Estudos Culturais – para além das fronteiras disciplinares.
In: COSTA, Marisa Vorraber; VEIGA-NETO, Alfredo; [et al.]. Estudos culturais em
educação. Porto Alegre: UFRGS, 2004. 2 ed.
GALEANO, Eduardo. O livro dos abraços. Porto Alegre: L&PM, 2002. 9. ed.
LIMA, Joana D‘Arc de Souza. Trocando experiências: In: BARBOSA, Ana Mae e
COUTINHO, Rejane Galvão (orgs.). Arte/educação como mediação cultural e
social. São Paulo: UNESP, 2009. p. 141-159.
MEIRA, Marly Ribeiro. Educação estética, arte e cultura do cotidiano. In: PILLAR,
Analice Dutra (org.). A educação do olhar no ensino das artes. Porto Alegre:
Mediação, 1999. p. 119-140.