Filosofia Africana
Filosofia Africana
Filosofia Africana
Nosso objetivo:
Esse material que você tem em mãos é fruto de muita pesquisa, carinho e dedicação
de toda nossa equipe de professores: Katiúscia Ribeiro, Raphael Luiz, Sônia Ribeiro e
João Paulo Ignacio. Além de ser um material exclusivo para você que faz o nosso curso,
esse material é ideal para te introduzir em um mundo novo, por isso utilizamos como base
para os nossos conteúdos, diversos pesquisadores conhecidos na área das filosofias
africanas como: Katiúscia Ribeiro, Mogobe Ramose, Sueli Carneiro, Renato Noguera,
entre outros.
Essa apostila tem contribuições dos professores Katiúscia Ribeiro, Raphael Luiz
Barbosa da Silva e João Paulo Ignacio. A apostila conta com trechos reeditados da
dissertação da professora Katiúscia. Na primeira parte da apostila e do curso falaremos
sobre: o que é; como se constitui; os desafios enfrentados; e qual a importância das
Filosofias Africanas no campo político, acadêmico e social do povo preto. Iniciamos
nossa investigação falando da importância e da legitimidade de se ter uma Filosofia
Africana, bem como apresentar alguns autores que trabalham com o tema e suas ideias
nesse campo de saber. Nessa Unidade buscamos apresentar o conceito de Epistemicídio
que incorreu sobre os povos africanos e como a Filosofia Africana atualmente se
apresenta como uma estratégia geopolítica para o combate ao racismo em suas múltiplas
dimensões.
Na segunda parte temos como foco discutir os impactos do racismo causados pelos
apagamentos histórico-culturais do povo africano. Buscamos ainda apresentar e discutir
os impactos causados pelo projeto hegemônico de poder europeu que criou categorias
ontológicas, sociais e filosóficas, nas quais os seres africanos sempre ocuparam as
estruturas mais baixas. A partir dessa discussão é feita uma análise das consequências
subjetivas e coletivas incididas sobre a população negra.
Desejamos, caro leitor, que sua experiência nesse curso introdutório seja agradável
e eficiente, portanto, bem-vindo ao Ajeum!
Introdução Sobre a Importância e a Legitimidade da
Filosofia Africana
O filósofo sul-africano Mongobe Ramose e o
filósofo afro-brasileiro Renato Noguera, serão os
autores que destacaremos nesse primeiro momento do
nosso curso para os estudos sobre Filosofia Africana.
Renato Noguera, em especial, proporciona ao mundo
acadêmico e social brasileiro uma percepção mais
contextualizada da nossa necessidade de uma Filosofia
Africana. Mesmo assim é importante sinalizar que
Noguera estabelece um profundo diálogo com a
filosofia e conceitos de Mongobe Ramose para
construção de suas análises.
Mongobe Ramose
O filósofo Renato Noguera nos apresenta com lucidez essa questão e endossa o
ponto de vista apresentado por Ramose, o autor destaca que a colonização teve o papel de
bestializar os povos africanos, a esse processo ele denomina de zoomorfização, ou seja, é
a retirada sistemática da humanidade de determinados sujeitos, concedendo em troca um
lugar de animalização.
Foi possível até aqui aprender sobre a importância política, social e econômica de
se buscar o reconhecimento e contribuir no desenvolvimento da Filosofia Africana.
Vimos o conceito de epistemicídio e como ele funcionou como dispositivo político na
promoção do apagamento da história cultural, filosófica e estética dos povos africanos.
Compreendeu-se ainda que a negação da Filosofia Africana tem função geopolítica,
asseverando e subsidiando diversas formas de racismo em múltiplas dimensões.
Seguiremos nossa discussão sobre o assunto, mas, desta vez, o foco será sobre as
estruturas sociais, epistêmicas e subjetivas provocadas pelo projeto hegemônico europeu
e os impactos sobre o ser negro, como este sofre um processo de inferiorização e
segregação por sua condição étnico-racial.
Essa questão hierárquica dos saberes, porém, não se fixa apenas no campo
epistêmico, antes influi nas camadas sociais, políticas e econômicas. O próprio saber
filosófico ocidental se institui de forma lógica e dedutiva. É o que aponta o filósofo
camaronês Marcien Towa:
Nesse sentido, estamos de acordo com Noguera (2014), que aponta que em termos
geopolíticos existe uma “relação” íntima e inerente do saber com: o povo, a sua língua e
a sua terra. O conceito de Universal é um aforismo filosófico que se induz e se impõe do
centro de uma determinada cultura, de um local específico de construção do pensamento,
e se expande como imperativo para outras culturas e sujeitos mesmo para aqueles que não
estão enquadrados naquela realidade específica.
Parte da explicação que legitima o ideal Universal repousa-se no racismo
epistêmico, pois infere uma relação natural da cultura europeia com o saber legítimo,
como se o saber europeu fosse algo inato à civilização humana e algo ensinável às outras
culturas e civilizações, assim todo saber produzido na Europa tende ao Universal.
Em Only a God Can Save Us: Der Spiegel Interview with Martin,
Heidegger (1993), o filósofo alemão, é enfático ao sugerir uma relação
íntima entre a língua grega e a língua alemã, defendendo que ambas são
as mais adequadas para a expressão do pensamento filosófico. O que,
em certa medida, remete a noção de “povo eleito”. Neste caso, apesar
da filosofia ser universal; ela precisa ser construída dentro de códigos
da língua e da terra de um povo, ou melhor, dentro do território
epistêmico de alguns grupos etnicorraciais específicos, em todos os
casos, brancos europeus ou eurodescendentes (NOGUERA, 2010, p.
05).
É importante estar atento para a virada que faremos agora, pois a partir desses ideais
a filosofia ocidental produzida na Grécia e na Alemanha tornam-se centros universais do
conhecimento filosófico. Há em nossa cultura a tendência de achar que o universal é algo
positivo e aceitável, como, por exemplo, nas políticas de saúde, falamos de uma
universalização do Sistema Único de Saúde. No SUS essa universalidade significa
abrangência no atendimento, ou seja, todos têm direito de acesso aos atendimentos de
saúde. Temos ainda a expressão, comumente, usada no campo da educação que diz que
precisamos “universalizar” os saberes para que todos tenham acesso. Todavia, no campo
da filosofia isso é diferente, o Universal não é valor de inclusão, mas paradoxalmente é a
marca registrada da exclusão.
A filosofia, por mais que seja uma palavra de origem grega, diz respeito a uma
realidade acessível a todos os homens, povos e etnias. Portanto, a filosofia é plural, pois
significa, como aponta Ramose (2011), amor à sabedoria; ou seja, a filosofia é um nome
que surge para designar a relação afetiva que o Ser estabelece com a sabedoria (múltiplos
tipos de saber). A sabedoria é múltipla, plural, coletiva etc., desta forma, o filósofo é
aquele que ama a sabedoria, este pode falar qualquer língua, pode nascer em qualquer
lugar, pode estar imerso a qualquer cultura. Os gregos não inventaram o amor pelo saber,
podem ter inventado saberes que amaram, mas apenas isso.
É possível pensar que a partir de Sócrates que a filosofia vem dando luz a ideais de
sujeito. Um sujeito racional capaz de se tornar virtuoso pela própria razão, um sujeito
capaz de alcançar a certeza do ser a partir da razão etc. A filosofia socrática e tudo o que
se foi produzido a partir dela implica um sujeito idealizado, um sujeito que sustente a
lógica conceitual da filosofia em questão, portanto, impor uma filosofia é impor um modo
ser.
Noguera (2013), por exemplo, afirma que aquilo que é apresentado como filosofia
não se limita a nomenclatura grega e, podemos acrescentar, não se limita também aos
métodos, paradigmas, axiomas e princípios gregos. Obenga (1992), citado por Noguera
(2013), expõe que no Egito antigo havia uma palavra que abarcava os termos: filosofia,
sabedoria e ciência, a saber, rekhet. Quando remetida ao termo filosofia, rekhet indicava
a ideia de uma palavra bem feita, trabalhada; palavra bem esculpida.
A ideia de uma filosofia anterior aos gregos é possível pelo fato da mesma ser
inerente ao ser humano. Alguns especialistas de filosofia ocidental, como afirma
Nogueira (2013), objetam dizendo que antes da era clássica não houve textos e, por
extensão, pensadores, que discutissem questões morais e urdisse especulações
ontológicas; algo característico da filosofia grega.
Isso acaba levantando um grande questionamento sobre, não o que é filosofia, mas
qual o seu caráter essencial. Por acaso a filosofia se resume num tratado sobre a moral ou
em um catecismo sistemático de ontologia? Resumir toda a filosofia a esses dois
emblemáticos temas não seria reduzi-la demais? Um pensamento filosófico só se legitima
a partir de uma elucubração a respeito do Ser e uma discussão sobre a moral?
A Filosofia Africana, por sua vez, provoca-nos à uma mudança de paradigma, uma
que traz múltiplos centros, tendo como preocupação saber não o lugar, mas os
instrumentos necessários para o pensamento. Todavia, esse interesse não é para o
estabelecimento de uma exclusão. Saber os instrumentos necessário para o pensamento é
crucial para permitir um conjunto de possibilidades de socialização e práticas
descolonizadoras, que efetive uma fratura nas relações de poder perversas que se
estabeleceram a partir de diversas modalidades de hierarquias baseadas em critérios
étnico-raciais, de gênero e sexual.
Esta é a inversão fundamental que vemos aqui, o pensamento europeu faz uso do
Universal para se estabelecer, em contrapartida, a Filosofia Africana faz uso do plural
para se fundamentar. O direito de pensar na perspectiva cognitiva ocidental é exclusivo,
engendra-se na exclusão epistêmica do diferente. A pluriversalidade, por sua vez,
caminha pelos diversos territórios epistêmicos, nos quais valida a racionalidade ocidental,
e muitas outras multiplicidades de saberes filosóficos experimentados em tempos e locais
diversos.
É legitimo pensar em um ponto de vista particular, mas este, por sua vez, deve
permitir colóquios com outras filosofias. Exercendo uma atividade fundamental em toda
filosofia: o diálogo.
O Pluriversal permite que a Filosofia Africana, por seu todo, comporte filosofias e
saberes africanos como: a ancestralidade, a filosofia kemética, a filosofia ubuntu, o
mulherismo africana, a filosofia ameríndia, o perspectivismo ameríndio, as rodas de
filosofia, a filosofia política africana, o quilombismo, a afrocentricidade, o
afroperspectivismo etc. A Filosofia Africana é pluriverso de saberes e filosofias que se
harmonizam, se articulam e acima de tudo convivem comunitariamente.
Glossário:
Geopolítica: Como muito bem nos apresenta o professor Renato Noguera, geopolítica é,
em linhas gerais, como na teoria de Ratzel, entendida como a forma de gerenciar o Estado
sobre os territórios que disputam a hegemonia a partir da expansão de vários domínios
como: econômico, cultural, epistêmico entre outros. Desta forma, entendemos geopolítica
como: uma estratégia de resistir e exercer poder a partir da expansão cultural, epistêmica,
econômica, representativa etc.
Epistemicídio: É um conceito que traz a junção de duas palavras: episteme que pode
significar conhecimento ou saber; e a palavra homicídio que é a ação de matar outrem.
Assim, epistemicídio é o ato de fazer morrer as perspectivas intelectuais, filosóficas e
históricas que não estão nos moldes europeus.
Rekhet: É um termo do Egito antigo que significava filosofia, sabedoria e ciência. Sua
tradução pode ser feita como “fala bem esculpida”, “cuidadosamente talhada” ou “palavra
bem feita”.
O historiador senegalês Cheik Anta Diop defende a ideia de que a antiga civilização
egípcia desempenhou o mesmo papel em relação a África que a civilização greco-romana
desempenhou em relação ao ocidente. Portanto, se quisermos recriar um corpo de ciências
humanas a partir de África, será necessário começar pelo Egito Antigo. Mergulhar no
pensamento africano do Egito Antigo é a possibilidade de uma reconstrução e ampliação
das referências da história da filosofia. Repensar o ser a partir de diversas perspectivas
filosóficas viabiliza um aprofundamento em questões fundamentais para a filosofia.
Encontramos no Egito Antigo um arcabouço memorável de filósofos e formulações de
ideias como o “a barca”, que é a possibilidade do discernimento de si e do mundo
através do silêncio verdadeiro (geru maa) em uma experiência simultânea entre
coração e razão na perspectiva existencial dos povos egípcios para que assim seja
possível fazer a travessia de encontro ao conhecimento e sabedoria.
5 elementos do Ser
Ib (coração)
Ren (nome)
Sheuti (sombra)
Ka (força vital)
Ba (alma)
Cardiografia do pensamento
Maat
Encontramos em Maat a figura de uma deusa negra, no nível médio, com um dos
seus joelhos no chão, os braços abertos e uma pena de avestruz em sua cabeça, como
coroa. Mas essa é apenas uma imagem alegórica que não define a complexidade de Maat,
que de princípio tão complexo e integrativo, não é possível traduzir em uma só palavra,
mas sim em três: verdade, justiça e harmonia. Segundo a cosmopercepção egípcia antiga,
Maat é o princípio de tudo que existe no universo, do micro ao macrocosmo.
"O termo barca circunscreve ideias como experimentar, degustar, testar o gosto e
participar de uma experiência que não seja ordinária. A barca carrega a ideia de que a
travessia é uma experimentação. Ou ainda, a possibilidade fazer um novo caminho, ou
ainda, percorrer o mesmo destino para compreender, aprender e ensinar.” (Renato
Noguera, 2013, p.10)
Encontramos nos escritos de Amenemope a idéia do “Geru Maa’’, que pode ser
traduzido como “o verdadeiro silêncio”. Amenemope nos aponta Geru Maa como um
elemento chave para a possibilidade de travessia no percurso investigativo da vida, na
busca pelo conhecer a si mesmo. Amenomope nos diz que o conhecimento nasce desse
verdadeiro silêncio que caracteriza a pessoa serena, a pessoa que é capaz de se debruçar
no silêncio que habita seu próprio corpo, para assim conseguir discernir sobre si e o
mundo. A pessoa silenciosa é alguém habilitado no ofício de perfazer a palavra, com
auxílio do sentimento que passa pelo seu coração, num diálogo com a consciência,
configurando a plenitude de seu corpo a experimentar a barca para a travessia do
conhecimento.
2. Travessia do conhecimento
Por fim, nesse passeio filosófico por Kemet (Antigo Egito) nos apoiaremos na ideia
de uma pluriversalidade filosófica e reconstruiremos assim um diálogo com a filosofia
africana antiga, a fim de demarcar seus sotaques filosóficos e vislumbrar a possibilidade
de caminhos na reconstrução da história da filosofia. Assim, o que se propõe aqui é a
reflexão sobre essas outras formas de filosofar desde a antiguidade, onde encontramos
outras formas de sensibilidade filosófica, compreendendo o sentido holístico dessas
experiências em produzir conhecimento filosófico. Essa travessia em direção ao
conhecimento através de uma cosmopercepção kemética busca a compreensão do ser em
uma perspectiva de mundo onde o sentido de equilíbrio, harmonia, liberdade,
ancestralidade e coletividade se inscrevem na existência como elementos constitutivos do
ser.
Glossário:
Maat: Deusa da justiça, verdade e harmonia na mitologia egípcia, que será aprofundada
no decorrer dessa pesquisa.
NOGUEIRA, Renato; O ensino da filosofia e a lei 10.639. Rio de Janeiro: Pallas, 2014
Ensaio
Introdução
Abre-se a partir desse entendimento um leque de reflexões sobre a barca, entre eles,
uma questão ontológica. Nos ensinamentos de Amen-em-ope a barca pode ser vista como
a chave para o bom discernimento do homem sobre si mesmo e sobre outrem. Ao que
parece, os ensinos de Amen-em-ope são fundamentalmente refinados a partir da ideia de
que a barca está num movimento de travessia, sendo esta última uma forma de construção
do sujeito, ou seja, o sujeito é entendido como alguém que está em constante processo de
experimentação das inúmeras mudanças e transformações da vida. Essa travessia feita
pela barca é francamente uma travessia existencial.
1
Escritos para a Eternidade: a literatura do Egito faraônico – Emanuel Araújo
serenidade, a sabedoria de recolher as palavras e a capacidade de conter o gênio colérico,
de reter os insultos no dia ruim e de medir as palavras na balança da vida.
Não seria essa mais uma forma de conceber o Ser? Por qual razão essa constituição
ontológica do sujeito foi esquecida ou entendida como um mito? Os ensinos keméticos
seriam então preteridos por sua falta de questionamento ontológico e ético ou seria uma
recusa por sua forma de vir a se escapar a filosofia ocidental? Por que a dificuldade em
aceitar uma filosofia anterior à nascida na Grécia?
Talvez as respostas não sejam tão simples, mas porque seriam também tão difíceis?
Ao que parece, as grandes dificuldades da filosofia seus especialistas e adeptos sejam
uma, a incapacidade de reconhecer que não há uma igualdade, que não há uma
universalidade; o que há é a mudança, o movimento, a potência do Ser em constante
fluidez, uma pluriversalidade em constante devir.
O Ser se diz de muitas maneiras, essa é uma ideia aristotélica. Pergunta-se: será que
a barca e a balança não são também uma forma de dizer o Ser? Na cultura kemética a
ética não é a Nicômaco, com seus conceitos e ideais teleológicos, mas a ética é da
serenidade, com a barca como uma experiência de passagem e a medida da balança como
caminhos para o homem sereno chegar à felicidade. Agir de forma íntegra, equilibrada e
tranquila frente aos desafios e impasses da vida é uma manifestação prática da filosofia
de Amen-em-ope.
Amen-em-ope
A palavra “Maa” significa balança e tem sua origem no termo “Maat”. Antes de
falar sobre “Maa” (balança) é necessário falar sobre quem é “Maat”. Maat é uma deusa
que tem sua representação na figura de uma mulher negra que segura, em uma das mãos,
o símbolo de “Ankh” (vida) e na outra segura um cetro. Sua coroa é adornada com uma
pena de avestruz e o termo Maat circunda: retidão, verdade, justiça e harmonia.
2
Escritos para a Eternidade: a literatura do Egito faraônico – Emanuel Araújo
A balança na cultura kemética está associada à ideia de equidade. Maat concede
medida à balança, pautando seu juízo pela verdade. Na cultura egípcia nós somos julgados
enquanto sujeitos a partir da nossa integridade coronária, a justiça é a medida do Ser.
Nessa construção o que acontece é que cada pessoa tem seu coração pesado na balança
de Maat, como contrapeso Maat põe a pena de avestruz de sua coroa. Caso o coração da
pessoa seja mais pesado que a pena é um sinal de que sua vida não foi aprovada e suas
ações estiveram fora da medida correta.
Pensar dessa forma não é anedótico e muito menos místico, principalmente quando
se pensa a balança enquanto um julgamento pautado pela justiça, embasado pela verdade.
O que Amen-em-ope aponta para todos nós é que o Ser é efetivo quando está
integralmente pautado em justiça, verdade e retidão. As leis no tribunal de Maat tem o
intuito de deixar nosso coração mais leve, elas não são essencialmente proibitivas, mas
são fundamentalmente um exercício para alma e um alívio para o coração.
Considerações Finais
Conclui-se ratificando que, cabe aos filósofos da filosofia africana, abrir novos
caminhos. Caminhos que conduzam a um questionamento ainda mais profundo sobre o
sujeito universal europeu e a imanência do sujeito da pluriversalidade. Produzir Filosofia
Africana é urdir uma sólida crítica contra os paradigmas eurocêntricos, mas também é
reconhecer e analisar outros aspectos ontológicos e subjetivos para os sujeitos negrxs,
conhecendo outros horizontes e incorporando-os.
Precisamos dessa travessia existencial para alcançar Maat, sair dos nossos grilhões
ocidentais e apontar nossa barca para o Sul e contemple um mundo mais leve que uma
pena de avestruz. Do lado de lá encontramos o caminho para uma filosofia pluriversal
que só é possível na coletivamente, inclusive, essa reconexão com saberes ancestrais só
é possível a partir de uma nova experiência com o Comum, a partir de Ubuntu.
Segundo Nogueira ubuntu é uma palavra que traz como significado ou possibilidade
de tradução ‘aquilo que é pertencente a todos’, segundo o autor, Ubuntu é um modo de
experimentação da vida, uma forma de estar no mundo a partir de um posicionamento
ético, uma experiência de existir comunitária onde o social e o ancestral é que precede o
sujeito. Ubuntu é, pode-se dizer, um modo de organização social e de subjetivação que
antagoniza com os modelos hegemônico ocidentais de propriedade privada e
individuação, pois em ubuntu o outro e a comunidade são a substância do “ser como um
todo”.
Sobre os princípios da filosofia Ubuntu, Nascimento (2016), coloca que ela pode
ser entendida como uma Filosofia do Nós, cuja responsabilização pelo outro, a
solidariedade e o compartilhamento da vida comum são aspectos fundamentais. O autor,
ressalta que essa visão de Comum, compôs a cosmovisão do mundo negro-africano.
A filosofia ubuntu pode, então, ofertar aos dias atuais, uma possibilidade de
subjetivação e organização social que está além das estruturas egoístas que estamos
inseridas cotidianamente. A organização social e subjetiva em ubuntu está fundamentada
em pilares comunitários como: ‘eu sou porque nós somos’. Desta forma, em vez de uma
sociedade privatista e uma subjetividade individualizante a opção que pode ser promovida
e buscada é a de uma subjetividade ancestral e uma comunidade pluriversal.
Caminhando para o fim, é importante dizer que a proposta central desse curso foi
apresentar a necessidade e a legitimidade da filosofia africana, bem como o mundo
pluriversal que ela comporta, apontando para novos horizontes e perspectivas de saber,
ser e viver no mundo.
Por fim, queremos agradecer por vocês aceitarem embarcar nesse barco para juntos
atravessarmos esse grande e extenso rio; em partes ele é revolto e complexo, mas a barca
é forte, nós somos fortes, mesmo sendo um caminho longo e árduo, ele é gratificante, se
fielmente perseverarmos até o fim, encontraremos nosso oásis no deserto, que esse oásis
seja Kemet.
Referências:
NOGUEIRA, Renato; O ensino da filosofia e a lei 10.639. Rio de Janeiro: Pallas, 2014.
NOGUERA, Renato. Ubuntu como modo de existir: elementos gerais para uma ética
afroperspectiva. Revista da Associação Brasileira de Pesquisadores/as Negros/as (ABPN), v.
3, n. 6, p. 147-150, 2012.
Autores:
Essa apostila foi pensada e elabora por João Paulo Ignacio3, Kátiúscia Ribeiro4 e
Raphael Luiz Barbosa da Silva5
3
João Paulo: João Paulo Ignacio é Bacharel em Psicologia pela Universidade Veiga de Almeida – UVA; é
Psicanalista Lacaniano e graduando em Filosofia pela UFRJ; Membro do Laboratório Ousia da UFRJ e Membro
pesquisador e fundador do Laboratório Geru Maã de Africologia e Estudo Ameríndios – UFRJ.
4
Katiuscia Ribeiro: Filosofa e Mestra em Filosofia Africana. Atualmente é Doutoranda em Filosofia no Programa de
Pós-Graduação de Filosofia da Universidade Federal do Rio de Janeiro. É Coordenadora Geral do Laboratório de
Africologia e Estudos Ameríndios Geru Maã / UFRJ na área de Filosofia Africana/ Indígena.
5
Raphael Arah é mestrando em Filosofia pela UFRJ, pesquisador do Laboratório Geru Maa de Africologia e Estudos
Ameríndios - UFRJ, atua como coordenador e professor convidado do Ajeum Filosófico no Módulo I: Filosofia e
Cultura Africana: Princípios e Horizontes Pluriversais
Mulheres Negras e a força Matricomunitária
66
Artigo publicado revista Cult : https://revistacult.uol.com.br/home/mulheres-negras-e-a-
forca-matricomunitaria/
negro. Modelos de sociedades matriarcais e comuna embarcaram nas memórias da
juventude negra escravizadas, e as bagagens existências depositadas nos seus corpos
suportaram todo o massacre e a dor e restabeleceram as forças e assim garantiram o
compromisso de reorganizar o trilho civilizacional do povo negro disperso, fora de
África.