Celestino Correira Ferreira

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HISTÓRIA DA IyREJA EM ANGOLA

NO SECULO XVI

CELESTINO CORREIA FERREIRA

1. Introducao

Por aquilo que pude averiguar, está ainda por fazer um estudo
profundo e estruturado da História da Igreja em Angola.
As refeencias menos lisongeiras e injustas quase sempre de histo-
riadores estrangeiros tem servido para espicar¡:ar a publicar¡:ao de muitas
fontes documentais, importantíssimas para o conhecimento exacto dos
acontecimentos 1. Mesmo obras notáveis de historiadores eclesiásticos
pecam pela superficilidade e ignorancia das fontes 2.
Que a celebrar¡:ao do V Centenário da Evangelizar¡:ao e a almejada
paz em Angola far¡:am surgir um estudo profundo e rigoroso da implan-
tar¡:ao da Igreja em terras angolanas ao longo destes séculos.
Estas linhas pretendem ser apenas um marcar presenr¡:a do muito
trabalho-e muitas vezes bem feito-da Igreja e de Portugal em África no
campo da evangelizar¡:ao e da civilizar¡:ao.

2. A Igreja na Costa Ocidental da África

Joao Paulo II, na Tertio Milenio Adveniente, lembra entre outros,


o centenário da evangelizar¡:ao de Angola no antiguo Reino do Congo

1. Devemos destacar o nome de Ant6nio Brásio. Além dos muitos artigos e livros
publicados, a ele se deve o obra Monumenta Missionaria Africana, editada entre
1952-1973 e com a maioria das fontes hist6ricas.
2. É exemplo disto o comentário da obra de H. JEDIN, Manual de História de la
Iglesia. No tomo V cita um autor estrangeiro, atacando a ac~ao de Portugal. A. Fliche
y V. Martin, na História de la Iglesia, referen a obra desse mesmo autor como desafortu-
nadamente um pouco novelesca e as vezes inexacta" (FUCHE-MARTIN, Historia de la
Iglesia, Edicep, Valencia 1974, XVII, p. 154).
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(1491). Precisamente no próximo ano de 1996, em 20 de Maio, se dele-


bra o 4° centenário da cria~ao da diocese de S. Salvador do Congo, em
Angola. É urna data importante para a Igreja em África, mas por detrás
desta data está um sacrificado e difícil trabalho missionário. Esse esfor-
~o por levar o Evangelho a África e estabelecer ai a Igreja em bases
sólidas tem o seu ponto de partida na conquista de Ceuta, em 1415.
Esse acontecimento marca, sem dúvida nenhuma, urna viragem
fundamental na História da Humanidade e na História da Igreja. «Assi-
nala melhor que a queda de Constantinopla o come~o dos tempos mo-
dernos», afirmam, com Mons. Miguel de Oliveira, alguns historiado-
res 3. É o come~o da epopeia dos descobrimentos, que abriram a
Europa as portas de novos mundos e deram a civiliza~ao a sua dimen-
sao mundial. Para a Igreja sao os novos povos e continentes que se
abrem a Fé crista. A Igreja vai tornar-se, de jacto, verdadeiramente cató-
lica.
Com a descoberta e povoamento da Madeira (1419) e dos A~ores
(1431), edificam-se novas comunidades cristas pelos mares fora. As cara-
velas com a cruz de Cristo vao contornando a costa de África cada vez
mais a sul, procurando o caminho para a Índia. Em 1434 passam o cé-
lebre Cabo Bojador. Em 1444 descobrem o Rio Senegal. Em 1482 Dio-
go Cao chega a foz do Rio Zaire. Em 1488 Bartolomeu Dias dobra o
Cabo da Boa Esperan~a, no extremo Sul da África. Com os navios se-
guem também os missionários que vao tentando evangelizar os povos
africanos. Trabalho ingrato devido ao estado selvagem de muitos desses
povos e as dificuldades do clima.
As características do domínio portugues, edificado em feitorias e
fortalezas ao longo da costa, nao permitiam a coloniza~ao e tornavam
mais difícil a evangeliza~ao. Vao surgindo as dioceses. Significam a exis-
tencia de comunidades cristas já desenvolvidas. Em 1418 é criada a de
Ceuta. Nas décadas seguientes foram criadas out ras dioceses no territó-
río marroquino: Safim, Tanger, que tiveram vida efémera. Em 1514
surge o diocese do Funchal, que seria, durante algum tempo, a maior
diocese do mundo. Em 1533 sao criadas as dioceses do A~ores, de Cabo
Verde, e de S. Tomé, juntamente com a de Goa, na Índia.
A Igreja vai-se estabelecendo solidamente nas ilhas do Atlantico
e vai lan~ando o trabalho missionário nas costas africanas. Essa era a
preocupa~ao do Infante D. Henrique, o grande impulsionador das des-
cobertas. Duque de Viseu e administrador apostólico da Ordem de

3. Miguel DE OUVEIRA, Historia Eclesiástica de Portugal, Lisboa 1958, p. 197.


HISTÓRIA DA IGREJA EM ANGOLA NO SÉCULO XVI 311

a
Cristo, que em Portugal sucedera dos Templários, ele manteve até a
morte o espírito de cruzado. Dele afirma Nicolau v, na Bula Romanus
Pontifex: «como acérrimo católico e verdadeiro soldado de Cristo ... e
como acérrimo e fortíssimo defensor da Fé, aspira ardentemente, desde
tenra idade, a que o nome do mesmo gloriosíssimo Criador seja divul-
gado, exaltado e venerado por todo o universo até aos lugares mais re-
motos e desconhecidos» 4. «Ao Infante D. Henrique se deve o proces-
sar do próprio conceito de apostolado missionário moderno-diz um
missionário e estudioso historiador ... A metodologia e a estratégia mis-
sionárias, hoje clássicas, nasceram em Portugal e sob a égide do presti-
gioso Infante Navegador» 5.

3. Primeiros passos da Igreja em Angola

Diogo Cao voltou ao Rio Zaire, em 1485, enviado por D. Joao


II de Portugal. Mandou alguns homens com presentes ao rei daquelas
terras, que vivia a cinquenta léguas para o interior, tendo sido recebi-
dos «com grande admiras:ao e contentamento» 6. Com o consentimen-
to do régulo daquela regiao trouxe no barco, de regresso, alguns natu-
rais, prometendo vohar a traze-Ios ao cabo de quinze luas. Em
Portugal foram tratados «mui honrosamente ... e depois de serem bem
instruidos na nossa língua-diz o mesmo autor-e de terem conhecimento
das coisas da religiao cristF. Foram enviados noutra frota de volta ao
seu país. O rei de Portugal mandou com eles urna embaixada ao rei
do Congo, animando-o a fazerse cristao.
Este recebeu com muita alegria o embaixador e os súbditos que
regressavan de Portugal, «mandando chamar a todos os grandes das
províncias para terem parte da sua glória»: Enviou por sua vez um em-
baixador ao rei de Portugal e «pedia muito por merce e por amor de
Deus que aquilo para quo o convidara, que era receber a água do Bap-
tismo, nao lhe tardasse mais... lhe rogava lhe mandasse logo frades e
clérigos e todo o necessário para ele, com todos os moradores de seu

4. NICOLAU V., Bula Romanus Pontifex, cit. em António BRÁSIO, História e missio-
logia, Luanda 1973, p. 15.
5. António BRÁSIO, ibid, p. 3.
6. AUTOR DESCONOCIDO, Historia do Reino do Congo, ed. de António Brásio, Lis-
boa 1968, p. 49 ss.
7. [bid, p. 51.
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reino, receberem o sagrado baptismo» 8. É assim que os cronistas da


época relatam os primeiros contactos com os naturais deste reino do
Congo, situado nas margens do Zaire, na parte norte da na¡;aO angola-
na e com a capital na agora cidade de S. Salvador. Nas costas de África
era o reino mais bem estruturado e com civiliza¡;ao mais adiantada.
O embaixador negro de no me Ca¡;uta veio para Portugal em
princípios de 1489, acompanhado de outros fidalgos moxicongos e foi
recebido por D. Joao II com muitas honras. Passado pouco tempo re-
cebeu o baptismo e tomou o no me de D. Joao da Silva. O rei e rainha
foram seus padrinhos e de outros que seguiram o seu exemplo.
Em Portugal ficaram até ao fim do ano de 1490. De lá partiram
rumo ao Congo numa frota comandada por Gon¡;alo de Sousa, que ia
também como embaixador. Mas tanto este como o dito D. Joao da Sil-
va viriam a morrer em Cabo Verde, devido peste. a
T omou o comando da frota Rui de Sousa, sobrinho do falecido.
Chegaram a Pinda, no Congo, a 29 de Mar¡;o de 1491. O senhor da-
quela regiao, Mani Sonho, tio de rei do Congo, quis fazer urna festa
a chegada dos brancos «que devia ser com bailes e escaramu¡;as, a modo
de guerra» 9. O dito Mani Sonho pediu para receber o baptismo e ani-
mou os seus súbditos a recebe-lo também. Foi baptizado a 3 de Abril
de 1491, juntamente com um filho seu, recebendo o nome de D. Ma-
nuel. Os «frades da Ordem de seráfico Padre S. Francisco e clérigos
conhecidos por letrados e de boa vida» 10, que iam na armada, celebra-
ram naquele local a prime ira missa, que a história nos refere, no actual
território de Angola 11.
Era o dia de Páscoa, 3 de Abril de 1491 12 , dia histórico para a
Igreja de Angola. Primeira miss a e primeiros baptismos naquela que é
hoje urna das maiores cristiandades de África. «E disseram missa -diz
a
um dos cronistas- vista duma grande multidao de gentios que passa-
a
vam de 25.000. Logo se procedeu cerimónia do Baptismo» 13.
Daqui partiu depois Rui de Sousa com muitos dos seu s homens
e acompanhado pelo Mani Sonho, já cristao, para a corte do rei do
Congo, em Ambasse, chegando ali em 29 de Abril.

8. ¡bid, p. 53.
9. ¡bid, p. 56.
10. ¡bid, p. 54.
11. António Brásio púe a hipótese de em 1482, a quando da descoberta do Zaire, ter
havido ali missa, junto do Paddo de S. Jorge, ali colocado em 23 de Abril, dia de S.
Jorge. Cfr. António BRÁSIO, História e missiologia, Luanda 1973, p. 207.
12. ¡bid, p. 207.
13. Monumenta missionaria Africana, 1, p. 93.
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Recebido com grandes mostras de alegria e perante grande multi-


dao de povo, Rui de Sousa e seus homens prestaram-lhe homenagem.
Entregaram-lhe depois os presentes enviados pelo rei de Portugal. E 10-
a
go os pedreiros e caprinteiros deram inÍcio constrw¡:ao duma igreja
em pedra que estaria acabada en Julho.
O rei quis receber o baptismo com alguns dos seus fidalgos, sem
esperar que a igreja estivesse pronta. Os religiosos tinham-lhes ministra-
do a catequese durante várias semanas. Recebeu o nome de D. Joao.
Pouco depois, em 4 de Junho -diz um dos cronistas- foi baptizada
a rainha, que tomou o nome de D. Leonor. Recebeu o baptismo tam-
bém um dos filhos do rei, D. Afonso, que viria a ser o seu sucessor.
Ali ficaram quatro frades e outros cristaos portugueses depois do
regresso a Portugal de Rui de Sousa. Vm dos nativos que estivera em
Portugal comec;:s «urna escola para ensinar os meninos» 14.
O rei D. Joao, diz o cronista, «nao teve os meios nem os fins
na cristandade, conforme mostrou ter os princípios, quando se bapti-
zou» 15. Sucedeu-lhe o filho D. Afonso, que venceu o irmao, que recu-
sara o baptismo. D. Afonso trabalhou para que todo o seu POyO fosse
também baptizado. Aprendeu a ler e meditar os Evangelhos e as vidas
dos santos 16. Enviou para Portugal o seu filho D. Henrique com
out ros moc;:os de boas famílias para estudarem. D. Henrique viria a ser
ordenado sacerdote e consagrado bispo titular de Útica, votando depois
para o Congo. Ali trabalhou na dependencia do bispo de S. Tomé, cuja
diocese abarcava aquela cristandade 17.

4. Até a criafao da diocese de Congo e Angola

a) Embaixada ao Papa

Em 1512 o rei D. Afonso do Congo escreve ao Papa urna carta


de obediencia, por sugestao de D. Manuel de Portugal, que pensava en-
viar urna embaixada do Congo a Roma em 1513.
O original encontra-se em Lisboa, pelo que parece nao ter chega-
do a concretizar-se tal embaixada. Nela tomaria parte D. Henrique,

14. História do Reino Congo, cit., p. 74.


15. ¡bid, p. 75.
16. Damiao DE GOIS, Crónica do Felicíssimo Rei D. Emanuel, Lisboa 1556, parte IV,
cap. IIl.
17. Cfr. António BRÁSIO, o. c., p. 892.
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filho do rei congoles. D. Pedro, seu primo e outros representantes da-


quele país que se encontravam em Portugal. A verdade é que nao há
referencias nos arquivos do Vaticano a tal embaixada, o que parece
contradizer as afirmas;oes dos cronistas da época 18.

b) Missionários para o Congo

Nao se tem documentos seguros de que ordem religiosa eram os


primeiros missionários que foram para o Congo. Ant6nio Brásio
inclina-se para que fossem franciscanos e dominicanos o da prime ira le-
va 19. Nesta missao trabalharam depois os c6negos seculares de S. Joao
Evangelista, também conhecidos por Loios. No seu covento foram edu-
cados alguns dos jovens nativos vindos do Congo.
En 1504 mando u D. Manuel missionários com muitos livros de
Doutrina crista e alfaias de culto. Em 1508 enviou mais 13 padres
loios. Em 1521, nova missao com 4 padres loios.
Muitos dos missionários morreram naquelas terras vitimados pe-
las doens;as tropicais. Alguns também, por desgras;a, nao souberam dar
bom exemplo do que pregavam.
Em 1516 mandou o rei aquele país o Padre Rui de Aguiar «para
prover nas coisas de religiao».
Em 1526 pedia o rei D. Afonso a D. Joao II de Portugal que lhe
mandasse ao menos cinquenta padres para que convertessem os POyOS
a sua santa Fé.
Em 1547 enviou D. Joao III ao Congo 3 padres e 1 irmao da
Companhia de Jesus, mas o seu zelo foi mas aceite pelo rei de entao,
D. Diogo, porque eles condenavam a poligamia e a feitis;aria e outros
desvios morais, que tinham renascido como erva bravia.
Em 1553 foi enviado a jeuita nascido no Congo, P. Cornélio Go-
mes, acompanhado de outro padre. Mas também estes encontrarm difi-
culdades de toda a espécie.
En 1559 outros padres jesuitas seguiram para o Congo e comes;ou
a pensar-se na evangelizaS;ao dos angolas, que viviam mais a sul.
Em 1570 partiram também para aquelas missoes alguns religiosos
carmelitas, a pedido do rei Felipe 1. Morreram na viagem devido a
naufrágio. Pouco depois out ros 5 partiram, mas foram martirizados pe-
los corsários luteranos.

18. ¡bid, p. 296.


19. ¡bid, p. 173-186.
HISTÓRIA DA IGREJA EM ANGOLA NO SÉCULO XVI 315

Em 1?84 seguiu nova expedic¡:ao de 3 missionários carmelitas.


Em 1587 eram os padres da Companhia de Jesus muito bem rece-
bidos pelo rei de entao, D. Álvaro II 20.

c) Clero indígena

Desde muito cedo que os reis de Portugal se preocuparam em fo-


mentar as vocac¡:oes entre os naturais das terras africanas. Sabemos que «o
primeiro seminarista africano conhecido da Histórica é um senegales, em
1447. O alemao Jerónimo Munzer já nos fala de padres pretos em S.
Tomé, por fins do século xv, ordenados em Portugal»21. «Os loios ti-
veram em Alfama, na velha Lisboa, o primeiro seminário indígena de
que há memória histórica. Desde seminário indígena havia de sair o pró-
prio bispo D. Henrique, filho do rei do Congo» 22. Este é o primeiro
bispo negro dos tempos modernos. Nasceu em Nsundi, en 1495. Veio
para Portugal e estudou no convento de Santo Elói, em Lisboa, a partir
de 1506. Foi eleito bispo titular de Útica em 1518 e sagrado em Lisboa
nos finais de 1520 ou princípios de 1521. Partiu nessa data para o Con-
a
go onde trabalhou até sua morte, por volta de 1531 23 •
Numa carta ao rei do Congo D. Joao III de Portugal fala-Ihe em
obispo D. Henrique ir ao Concílio de Trento em representac¡:ao daque-
le reino africano: «Vi mais urna carta vossa -diz o monarca portuges-
em que me pedis que de o bispado do Congo ao bispo vosso filho.
Certamente que o principal respeito por que o mandei chamar foi esse,
porque el rei meu senhor mo deixou assás encomendado e porque eu
quero que ele vá a Roma e leve vossa obediencia ao Papa, que estava
agora ordenado que todo rei cristao mandasse seu prelado para se fazer
concílio e esta foi minha tenc¡:ao quando o mandei chamar» 24.

d) Tarefa civilizadora

Os reis lusitanos preocuparam-se nao só com a difusao da fé na-


queles POyOS mas também com a sua promoc¡:ao humana. Para isso con-
tribuiram a vinda para Portugal de jovens daquelas terras e os estudos
que aqui fizeram.

20. ¡bid, p. 271 ss.


21. António BRÁSIO, o. c., p. 890.
22. ¡bid, p. 889.
23. ¡bid, p. 892 s.
24. Cito ibid, p. 321.
316 CELESTINO CORREIA FERREIRA

T ambém lá se experimentaram os colégios dirigidos pelos missio-


náriso. «Pediu o vigário Rui de Aguiar a el rei que lhe desse alguns mo-
s;os nobres -diz o cronista, na História do Reino do Congo- para os
ensinar, de que el rei D. Afonso teve muita satifas;ao, mandando logo
fazer muitas casas cercadas de muro, a modo de colégio, em as quais
p8s muitos fidalgos e parentes seus, os quais foram ensinados a ler e
escrever e canto chao e órgao e gramática» 25.
O P. Rui de Aguiar escrevia ao rei D. Joao III sobre o rei do
Congo. «Tem já derramados por seus reinos muitos homens naturais
da terra, crist3:os, que tem escolas e ensinam a nossa santa fé ao POyO
e assim também escolas de mos;as, que ensina urna sua irma, que é mul-
her bem de sessenta anos» 26.
Para o Congo enviaram os reis livros e catecismos. Para lá foram
também, com a missao de ensinar, pedreiros e carpinteiros 27. As pró-
prias ofertas dos reis portugueses para os do Congo tinham muitas ve-
zes urna funs;ao civilizadora: roupas, sementes, etc. 28.

5. A diocese de S. Salvador do Congo

a) A nova diocese

Promovendo a evangelizas;ao e a difusao da civilizas;ao europeia


naquele POyO de África, a cristandade foi-se estruturando e amadure-
cendo. Isto tudo apesar das contradis;oes já referidas e dos ataques fero-
zes do POyO dos Jagas entre 1568 e 1573, que destruiram igrejas e fize-
ram grandes danos aquel a cristandade.
Era govemada pelo bispo de S. Tomé, que ficava omito distante. Ali
mandava algum bispo auxiliar, como seu vigário geral. Tomava-se necessá-
ria a crias;ao duma diocese independente. A ela se referia a carta de D. Joao
III, acima citada, a propósito da ida do bispo D. Henrique ao Concílio.
Em 21 de Janeiro de 1595 o tribunal da Mesa da Consciencia, a
cuja competencia estava sujeito este assunto, despachou «favoravelmen-
te a pretensao do Rei do Congo em que pedia alguns omamentros sa-
grados e lhe enviassem ... bispO»29. Em 21 de Setembro de 1595 D. ÁI-

25. História do Reino Congo, cit., p. 92-93.


26. Damiao DE GOIS, o. c., parte IV, cap. III.
27. António BRÁSIO, o. c., p. 259.
28. ¡bid, p. 258.
29. Paiva MANSO, História do Congo (Documentos) (Lisboa 1877) p. 141, cit., ibid,
p. 355.
HISTÓRIA DA IGREJA EM ANGOLA NO SÉCULO XVI 317

varo, rei do Congo, enviava ao Papa Clemente VIII a carta pedindo a


cria~ao da diocese. D. Filipe 1 corroborou o pedido.
O núncio solicitou informa~oes escritas sobre o Congo e D. Mar-
tinho de Ulhoa, que fora bispo de S. Tomé e, por isso, também do
Congo, apresentou um reltório pormenorizado. Em 20 de Maio de
1596 era criada a nova diocese pela Bula Super specula, de Clemente
VIII, ficando sufraganea de Lisboa.
O embaixador do Congo, que foi a Roma prestar obediencia fi-
lial ao Papa acabaria por morrer ali e está sepultado em Santa Maria
Maior 30 •
Alguns dados do interrogatório e da informa~ao do bispo D.
Martinho podem ser interessantes para a história da Igreja em Angola.
Fala em cerca de 20 sacerdotes a trabalhar no território, uns
europeus, outros indígenas. Refere a existencia de 6 confrarias na cida-
de: Santíssimo Sacramento, Senhora da Misericórdia, Senhora da Con-
cei~ao, Senhora do Rosário, Espírito Santo e Santo António.
A cidade de S. Salvador tinha cerca de 10 mil famílias e 6 igrejas
públicas, mas só urna parroquiapl.

b) O primeiro hispo

Foi nomeado seu primeiro bispo Frei Miguel Homem (Frei Mi-
guel Homem Rangel da Costa, no seu nome completo). Nascera em
Coimbra por volta de 1540. Era filho de Pedro Homem da Costa. Li-
cenciado em Direito Civil na U niversidade de Coimbra, por volta de
1575, fora como funcionário para a Índia. Ali abandonou as vaidades
do mundo e fez-se capuchinho. De volta a Lisboa, cursou T eologia,
sendo ordenado sacerdote cerca de 1580. Sagrado bispo partiu logo pa-
ra a sua diocese. Ali faleceu pouco tempo depois 32.

c) A primeira catedral

Para Sé catedral foi escolhida a igreja de S. Salvador, de Ambasse-


Congo. Esta capital fora elevada as honras de cidade com o no me de
S. Salvador. Tinha sido construida pelo P. Jorge Vaz, jesuita, em
1548 33 e era a igreja paroquial na altura.

30. Ant6nio BRÁSIO, o. C., P. 355 ss.


31. ¡bid, p. 361 ss.
32. ¡bid, p. 356 ss.
33. ¡bid, p. 403 ss.
318 CELESTINO CORREIA FERREIRA

d) História posterior

Luanda, fundada em 1575 por Paulo Dias de Novais tornarse-ia,


dentro em pouco, o centro mais importante da coloniza~ao portuguesa.
Ali se viria a fixar obispo D. Manuel Baptista e, mais tarde, em 1628,
D. Francisco de Soveral.
Como em todas as obras humanas nem tudo correu bem na His-
tória da Igreja em Angola, no seu primeiro século.
Nao podemos deixar de real~ar as luzes, que as sombras do qua-
dro ajudam a por em relevo: o heroismo de tantos missionários, o zelo
apostólico sincero dos reis de Portugal; o zelo de alguns monarcas da-
quelas terras, como D. Afonso que foi chamado o «Apóstolo do
Congo».
Sao luzes também o ~sfor~o civilizador, que correu a par com a
tarefa evangelizadora.
A uniao de Portugal com Espanha em 1580 nao favoreceu o es-
for~o missionário nestas paragens. Pelo contrário prejudicou-o, como
prejudicou o domínio territorial portugues no mundo. Ati~ou a cobi~a
de países protestantes, como a Holanda. Acabou com urna saudável
competi~ao entre os dois países irmaos e levou os reis a esquecerem
muitas vezes os territórios que faziam parte da administra~ao portu-
guesa.

6. Bibliografia

Fortunato DE ALMEIDA, Históna da Igreja em Portugal (Bercelos 1968) 11.


Miguel DE OLIVEIRA, Hstóna Eclesiástica de Portugal (Lisboa 1958).
António BRÁSIO, História e Missiologia (Luanda 1973).
- Monumenta Missionaria Africana (Lisboa 1953)
- Historia do Reino do Congo (Lisboa 1969)
Eduardo MUACA, História sobre a evangeliza~ao de Angola 1471-1991
(Luanda 1991).
CONGRESO INTERNACIONAL DE HISTÓRIA, Missiona~ao Portuguesa e En-
contro de culturas. Actas (Braga 1993) 1.
Damiao PERES, História dos Descobrimentos Portugueses (Porto 1992).

Celestino Correia Ferreira


Paróquia de Santiago Cassurdes
3530 Mangualde
Portugal

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