A Jornada Do Herói e Os Jogos
A Jornada Do Herói e Os Jogos
A Jornada Do Herói e Os Jogos
O que eu ia fazer nessa segunda coluna era analisar o roteiro de um jogo ou de uma
série específica. Entretanto, percebi que há alguns aspectos relacionados à construção de
histórias e personagens que devem ser melhor explicados antes de adentrarmos nas
análises dos roteiros em si. Um desses aspectos é algo universal, que permeia
praticamente todas as histórias, e que está muito na moda ultimamente: A jornada do
Herói, ou Monomito.
Ok, estou explicando demais aqui. Pra sintetizar essa questão toda, incluí no final desta
coluna um vídeo super-monótono que fala um pouco mais sobre isso tudo de Jornada do
Herói e demais conceitos, como o inconsciente e os arquétipos, nos quais Campbell se
baseou em suas pesquisas. Deixei no final justamente para você não o ver agora, senão
irá dormir (não achei nenhum vídeo mais dinâmico em português, sinto muito).
Voltando à nossa programação normal, aqui chegamos ao ponto desta semana, que é
identificar elementos da jornada do herói, nos jogos. Ela divide-se em 12 estágios, os
quais não necessariamente precisam estar bem-definidos. Às vezes eles estão
condensados e misturados. Vejamos alguns deles:
Mundo Comum
Como no começo de toda história, o herói vive em seu estado de normalidade. Não é ele
sossegado de pernas pro ar tomando um refri na praia, refiro-me aqui ao que é cotidiano
para ele. O que ele faz todo dia e que, se a história não acontecer, permanecerá sendo a
mesma coisa.
São situações que podemos classificar como “a calma antes da tempestade”. Não quer
dizer que seja algo calmo, apenas são o que
compõe o cotidiano da pessoa. Por exemplo, Leon
Scott Kennedy é um agente do governo (um
pouco antes dos eventos de Resident Evil 4), e o
dia-a-dia dele é ser mandado em missões do
governo. A ação é o cotidiano dele. Os eventos de
Resident Evil 4 é que tornam a coisa especial.
O chamado da aventura
É o que quebra o cotidiano do herói e
apresenta um desafio ou aventura para
ele.
Não quer dizer necessariamente que o herói seja “chamado”. Ele pode não ter outra
opção, como o Rayman, em Rayman Raving
Rabbids: ele é simplesmente capturado e ponto
final.
Assim, quer queira, quer não, o chamado da aventura sempre virá, porque tanto as
nossas vidas como os jogos se movem por mudanças. Não é à toa que quem sempre
busca a ilusão da estabilidade não cresce como pessoa. Entretanto, ter um pouco de
medo e recusar inicialmente uma aventura é algo normal. Na próxima semana, falarei
dessa etapa e das próximas que compõem a Jornada do Herói.
Pra quem quer conhecer melhor a obra de Campbell, recomendo muito A leitura de O
Herói de Mil Faces e o DVD O Poder do Mito. Ambos vocês podem encontrar à venda
online (e infelizmente não estou ganhando nada pra fazer esse jabá). E, se você
conseguiu ler até aqui, não esqueça de comentar com críticas, dúvidas e sugestões, ok?
Na coluna anterior falei sobre a primeira etapa, que é a apresentação do Mundo Comum,
e da segunda, que é o Chamado da Aventura. Vejamos agora as etapas seguintes, nas
quais a história – e o jogo – se desenvolve de fato:
A Recusa do Chamado
Sim, porque o herói, assim como nós, pode ter medos. A jornada bate em sua porta e o
chama para mudança de sua rotina, às vezes forçadamente ou apenas lhe convidando (na
etapa do Chamado da Aventura). E nem todos querem ou estão aptos psicologicamente
a sair do estado “normal” de suas vidas, por pior que esteja a situação.
Tanto na mitologia quanto nos games essa etapa não é comum. Ela acontece mais na
vida real. Os heróis costumam aceitar a aventura sem pensar duas vezes, levados por
motivos mais poderosos. E, se ela acontece, dura pouco tempo, afinal, a história deve
andar.
Nos games essa força sobrenatural pode ser bem nítida, no caso de um
jogo com história, ou ficar fundida ao universo no qual o personagem
está. Por exemplo, no Mario Galaxy há a Rosalina que, apesar de não ser nenhum velho
sábio, é quem guia o Mário nesta nova aventura, diferente dos jogos clássicos do mesmo
personagem, nos quais o mais próximo que há de elemento sobrenatural são os itens que
pegamos – ou melhor, a força invisível que há por trás destes.
Nos jogos, os heróis costumam ser empreendedores natos, enxergando seu objetivo final
como muito mais importante que qualquer risco assumido ao entrar no desconhecido.
Nosso amigo Mário não pensa duas vezes antes de sair pulando em tudo para resgatar a
princesa. Chrono também, ao entrar na acidental máquina do tempo da Lucca, em
Chrono Trigger.
Esta é uma etapa esperada no mundo dos jogos – afinal, o estamos jogando para viver
essa jornada – enquanto na vida real a tendência é que muitos tenham ficado na Recusa
do Chamado ou, se acovardado logo antes de cruzar o portal – metaforicamente falando.
O Ventre da Baleia
Dentro do limiar mágico, o Herói se vê em uma esfera de
renascimento, simbolizada pelo ventre da baleia – uma forma
de dizer “útero”, psicanaliticamente. Aqui estamos falando de
boa parte da jornada e si, sobretudo nos jogos. Aqui é o
passar-de-fases no qual a história se desenvolve, com o herói – nós – superando
obstáculos constantemente dentro do reino do desconhecido, do limiar ultrapassado.
Nisso ele muda a pessoa que é. Enquanto na vida real nós aprendemos novas coisas, nos
jogos adquirimos Upgrades, Power Ups ou simplesmente uma pontuação maior. Por
isso é uma fase de renascimento, por esse caráter de evolução.
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A Aproximação
À medida que o herói obtém êxito em suas provações, sua etapa final fica cada vez mais
próxima. No horizonte, o castelo de seu inimigo
torna-se mais nítido. A caverna oculta onde está
seu destino final fica cada vez mais tangível e ele
finalmente vê-se às portas da última etapa de sua
jornada. Tudo que o motivou a chegar até este
momento, a recompensa, está finalmente próxima.
E é no clímax que encerro essa coluna para continuarmos na próxima com as últimas
etapas da Jornada do Herói nos games. Parece que a coisa está pra acabar, mas não está!
Espero que esteja sendo possível para você sentir como essas características são
universais tanto nas histórias em geral quanto nos games, apesar de não serem uma
regra absoluta para o andamento de uma história, muito menos um indicativo de que a
mesma terá sucesso.
A jornada do Herói está dividida em doze etapas principais, sendo que já expliquei sete
delas anteriormente: O Mundo Comum, o Chamado à Aventura, Recusa do Chamado,
Encontro com Mentor, Travessia do Primeiro Limiar, o Ventre da Baleia (ou Testes,
Aliados e Inimigos), Aproximação da Caverna Oculta. Agora explicarei as últimas
cinco etapas, aplicando-as (com mais ênfase) aos games. É importante observar como
nos jogos se costuma fundir algumas destas etapas no enredo. Vamos lá:
A Provação Suprema
Após aproximar-se da “caverna oculta”, o herói chega à parte da provação suprema.
Não quer dizer que seja necessariamente o confronto final. Esta é a parte em que o herói
chega próximo da morte, passando por uma
provação suprema. Tal provação está acima das
anteriores em seu nível de dificuldade.
Recompensa
Após a quase-morte, o desafio, o herói obtém um prêmio, uma recompensa. Podia ser
seu objetivo inicial ou um adquirido no meio da jornada. De
qualquer modo, isto opera como uma compensação pela sua
árdua tarefa. Pode ser a princesa, ouro, glória, símbolo de poder,
ou simplesmente mais sabedoria e conhecimento.
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Sem dúvidas este é o momento de celebração pela realização principal. Mas isso não
quer dizer que a jornada esteja completa.
O Caminho de Volta
Trata-se da jornada de volta do herói ao mudo comum. Ele ainda está no mundo
especial, atravessado no primeiro limiar, do qual falei antes. Nos games costuma-se
fundir esta parte com o Retorno com o Elixir, deixando tudo ocorrer nos créditos. Ela é
mais notável em filmes e livros. Em StarWars, é quando Luke, Han e Leia escapam da
estrela da morte.
Ressurreição
Enquanto na Provação Suprema o herói quase morreu, aqui ele morre literalmente ou
metaforicamente, para renascer mudado. Ele volta como outra pessoa, mais completa: o
verdadeiro herói. No cinema, Neo morre e renasce literalmente no final de Matrix, mas
essa etapa geralmente é uma representação, uma
morte mais simbólica, uma passagem por uma
situação extremamente dramática. Nos games
costuma ser quando você pensa ter derrotado o
vilão e ele volta em sua verdadeira forma. Ou um
último desafio aparece, quando você presume
finalmente ter resolvido a situação, também tendo
de ser enfrentado. Ou é uma cena de efeito mais
cinematográfico, como nos já citados: Metal Gear
Solid e Call of Duty Modern Warfare: Reflex, que
você pensa “agora, já era de vez” e há uma mudança de última hora, algo praticamente
milagroso, que lhe salva da morte certa. Um paralelo que podemos fazer com as nossas
vidas pessoais, seria quando sobrevivemos a um acidente, uma situação de perigo e
depois nos sentimos aliviados, de certo modo transformados.
Um exemplo nítido das últimas quatro etapas da Jornada do Herói é o final de Ocarina
of Time. No castelo passamos por vários desafios, mini-bosses e finalmente
enfrentamos Ganondorf. Isso é a Provação Suprema. Depois reencontramos a princesa
Zelda, que é a Recompensa. Então começamos a fugir da torre, O Caminho de Volta. E
em seguida Ganon pega-nos de surpresa e temos de enfrentá-lo: Ressurreição.
E também, não é porque a história segue a Jornada do Herói que ela vá ser boa. O que
mais há são histórias clichês e enjoativas por aí, incluindo as “desculpas esfarrapadas”
para justificar a ação em jogos, empobrecendo-os.