Peter Zumthor - Poiesis

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LUÍS TAVARES PETER ZUMTHOR

POIESIS
PETER ZUMTHOR
POIESIS

Luís Fernando Zangari Tavares


PETER ZUMTHOR
POIESIS

Luís Fernando Zangari Tavares

Dissertação apresentada ao programa


de Pós-Graduação da Faculdade de
Arquitetura e Urbanismo da Universidade
de São Paulo para obtenção do título de
Mestre em Arquitetura e Urbanismo

Área de concentração
Projeto de Arquitetura: Teoria e Métodos

Orientadora
Profª Drª Marta Vieira Bogéa

São Paulo
2019
Autorizo a reprodução e divulgação total ou parcial
deste trabalho, por qualquer meio convencional
ou eletrônico, para fins de estudo e pesquisa,
com a condição de que se cite a fonte.

Email de contato
luis.tavares@usp.br

Catalogação na Publicação. Serviço Técnico de Biblioteca.


Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo

Tavares, Luís Fernando Zangari

Peter Zumthor: poiesis / Luís Fernando Zangari Tavares;


orientadora Marta Vieira Bogéa. – São Paulo, 2019. 344p.

Dissertação (Mestrado) – Faculdade de Arquitetura e Urbanismo


da Universidade de São Paulo. Área de concentração: Projeto
da Arquitetura.

1. Peter Zumthor. 2. Arquitetura suíço-alemã contemporânea.


3. Projeto. 4. Poiesis. I. Bogéa, Marta Vieira, orient. II. Título.

Elaborada eletronicamente através do formulário disponível em:


<http://www.fau.usp.br/fichacatalografica/>

EXEMPLAR REVISADO E ALTERADO EM RELAÇÃO À VERSÃO


ORIGINAL, SOB RESPONSABILIDADE dO AUTOR E ANUÊNCIA
DA ORIENTADORA.
A versão original, em formato digital, ficará arquivada na
Biblioteca da Faculdade. São Paulo, 02 de julho de 2019.
PETER ZUM THOR Dissertação apresentada ao
POIESIS programa de Pós-Graduação
da Faculdade de Arquitetura
Luís Fernando Tavares e Urbanismo da Universidade
de São Paulo para obtenção
do título de Mestre em
Arquitetura e Urbanismo.

Aprovado em 

Banca Examinadora

Prof. Dr.  Instituição 

Julgamento  Assinatura 

Prof. Dr.  Instituição 

Julgamento  Assinatura 

Prof. Dr.  Instituição 

Julgamento  Assinatura 
agradecimentoS
À FAU-USP e à CAPES pela estrutura e apoio à pesquisa.
À Marta Bogéa pela cuidadosa orientação e sempre generosa
disposição em ajudar.
À Helena Ayoub e ao Luis Antônio Jorge pelos precisos comentários
no exame de qualificação que conduziram a pesquisa para essa estrutura.
Ao Kunsthaus Bregenz pelo material disponibilizado e informações prestadas.
À Hannah Uesugi e ao Pedro Botton pelo grande companheirismo
em dar forma a esse desenho.
À Julia Paccola pelo tratamento atencioso dado às fotografias.
Ao Alexandre Gaiser por descobrir o Stülpschalung entre suas traduções.
Ao Philip Ursprung e à Irina Davidovici pela troca enriquecedora
de opiniões.
À Marina Canhadas, à Marina Acayaba e ao Ricardo Gusmão
por dividirem o processo de pesquisa.
À Marcela Lino por conduzir a visita ao Atelier Zumthor.
À Marina Cechi pelas trocas e entrevista concedida.
À Clara Werneck, companheira de tema de pesquisa,
pelas conversas e trocas de material.
Ao Marinho Velloso pela amizade e por transpor
as questões desta pesquisa ao Arquipélago.
À Jihana Nassif pelo apoio desde o início até a conclusão desta arquitetura.
À minha família, José, Vera e João. Núcleo duro da beleza.

Meus sinceros agradecimentos.


resumo
Esta pesquisa analisa a obra arquitetônica do arquiteto contemporâneo
suíço Peter Zumthor, situada após 1985, diante da construção de seu cam-
po criativo, ou seja, no reconhecimento dos fatores que influem nos seus
procedimentos de projeto próprios para, com isso, contribuir no aprofun-
damento de suas questões. Abordam-se, nesse sentido, sua formação bio-
gráfica relacionada a um ambiente artesão e sua experiência profissional
voltada ao patrimônio histórico, concomitantes aos fatores do contexto ar-
quitetônico suíço do período, ligados, sobretudo, à influência das teorias
de Aldo Rossi, da arte Minimalista e do artista Joseph Beuys. Algumas es-
tratégias projetuais comuns da geração de arquitetos suíços desse contexto
são ressaltadas, a fim de reconhecer Zumthor entre um debate geracional.
Sua metodologia de projeto é abordada com enfoque na produção de mo-
delos físicos em seu atelier. A investigação sobre sua poiesis contempla-se
por meio da análise direta de seus projetos, desde o relato da visita às obras
construídas até a seleção de um grupo de projetos debatidos com maior
ênfase. Técnica e Lugar, duas questões fundamentais para o arquiteto, estão
abordados nas análises dos projetos Capela Sogn Benedetg (Suíça, 1985–88),
Atelier Zumthor (Suíça, 1985–86), Abrigo para as Ruínas Arqueológicas Ro-
manas (Suíça, 1985–86), Museu de Arte de Bregenz (Áustria, 1989–97) e Ca-
pela de Campo Bruder Klaus (Alemanha, 2000–07).

Palavras chave:
Peter Zumthor; Arquitetura suíço-alemã contemporânea; Projeto; Poiesis
abstract
This research analyzes the architectural work of the contemporary Swiss
architect Peter Zumthor, located after 1985, in the construction of his crea-
tive field, that is, in the recognition of the factors that influence his own de-
sign procedures, in order to contribute to the deepening understand of his
questions. In this sense, his biographical formation related to a craftsman’s
environment and his professional experience focused on the historical pa-
trimony, concomitant with the factors of the swiss architectural context of
the period, are related, mainly, to the influence of the theories of Aldo Ros-
si, Minimalist art and artist Joseph Beuys. Some common design strategies
of the generation of swiss architects from this context are emphasized in or-
der to recognize Zumthor among a generational debate. His design metho-
dology is approached focusing on the production of physical models in his
studio. The research on his poiesis is contemplated by means of the direct
analysis of his projects, from the report of the visit to the buildings until the
selection of a group of projects debated with greater emphasis. Technique
and Place, two fundamental questions for the architect, are addressed in
the analysis of the projects Sogn Benedetg Chapel (Switzerland, 1985–88),
Atelier Zumthor (Switzerland, 1985–86), Shelter for Roman Archaeological
Ruins (Switzerland, 1985–86), Bregenz Art Museum (Austria, 1989–97) and
Bruder Klaus Field Chapel (Germany, 2000–07).

Keywords:
Peter Zumthor; Contemporary swiss-german architecture; Project; Poiesis
sumário
0 Introdução 31
1 Peter Zumthor 37
1.1 Biografia – formação pessoal 38
1.2 Geração suíça e Aldo Rossi – contexto formativo 54
1.2.1 Manifestações projetuais 66
1.2.1.1 A concisão formal
e expressividade material 67
1.2.1.2 A lógica de plantas
não hierárquicas 76
1.2.1.3 A adaptação volumétrica
ao entorno 84
1.3 Atelier Zumthor 88

2 Relato de viagem 119


2.1 Abrigo para as ruínas arqueológicas romanas 126
2.2 Edifício de Apartamentos para idosos 142
2.3 Capela Sogn Benedetg 156
2.4 Atelier Zumthor 172
2.5 Termas de Vals 188
2.6 Museu de Artes de Bregenz 202
2.7 Museu de Arte de Kolumba 222
2.8 Capela Bruder Klaus 236

3 Poiesis – técnica e lugar 253


3.1 A Capela Sogn Benedetg, o Atelier Zumthor e o
Abrigo para as ruínas arqueológicas romanas 258
3.2 Museu de Artes de Bregenz 276
3.3 Bruder Klaus 292

4 Conclusão 307

Bibliografia 314
Lista de imagens 320
0 Introdução
Este trabalho busca contribuir para o reconhecimento do campo criativo
do arquiteto suíço Peter Zumthor, ou seja, organizar algumas de suas bases
de pensamento projetual que se manifestam em sua obra pós 1985. Com
isso, esperamos criar um caminho de compreensão e análise de seus proje-
tos a partir do entendimento de sua poiesis.
Para tanto, organiza-se em três capítulos. No primeiro: descreve o ar-
quiteto quanto à sua formação biográfica, o contexto formativo de sua ge-
ração suíça, e o seu modo particular de projetar através de modelos físicos.
No segundo capítulo a pesquisa desloca-se para as próprias obras, anali-
sadas pelo autor desta pesquisa diante de sua viagem até elas. No terceiro
bloco, é definido um grupo, dentre os projetos visitados, para uma análise
mais aprofundada, os quais amparam as questões da obra de Zumthor.
Metodologicamente, o primeiro capítulo visa a apresentar o persona-
gem, entendendo quais parâmetros antecedem seu ato criativo ou embasam
suas decisões projetuais. A sua peculiar formação inicial como marceneiro,
em um ambiente familiar artesão, seguida da formação acadêmica de orien-
tações modernas em Basel e a sua primeira fase profissional atuando por dez
anos (1968–79) como analista de morfologias das vilas suíças para o Depar-
tamento de Patrimônio Histórico são fundamentais para seu entendimento.
Ao mesmo tempo, a pesquisa busca não isolar Zumthor dos debates
conceituais que o cercavam nesse mesmo período, década de 70, em que
a arquitetura suíça passava por uma transição para além dos paradigmas
modernos. Nesse momento, é importante reconhecer o papel de Aldo
Rossi como catalisador de um viés contextual que influenciou toda essa ge-
ração de arquitetos com sua atividade docente na ETH-Zurique.

33
Do mesmo modo, os debates artísticos provindos do Minimalismo ser-
viram à forma da arquitetura desse grupo diante da busca por uma respos-
ta essencial que resistisse ao excesso de imagens difusas e indeterminações
de seu tempo, sobretudo no final dos anos 80 e década de 90.
Nesse momento, a pesquisa elenca algumas manifestações projetuais
dessa geração, buscando reconhecer Zumthor nessa discussão: a concisão
formal e expressividade material; a lógica de plantas não hierárquicas; e a
adaptação volumétrica ao entorno.
Para o desenvolvimento dessas questões desse contexto histórico suíço
do período, recorre-se, principalmente aos autores: Irina Davidovici (DAVI-
DOVICI, 2018), Martin Steinmann (STEINMANN, 2001) e Françoise Arnold
(ARNOLD, 2013).
Como seria o processo de trabalho de Zumthor no desenvolvimento
de seus projetos? O capítulo “Atelier Zumthor” busca reconhecer o papel
central dos modelos físicos como verificadores das questões de projeto do
arquiteto. Os modelos levados para a Bienal de Veneza de 2018 pela parti-
cipação do Atelier Zumthor, Dreams and Promisses: models of Atelier Peter
Zumthor, são registrados pelo autor desta pesquisa e utilizados como parâ-
metros de análise.
O segundo capítulo da pesquisa corresponde a um relato em primeira
pessoa da viagem feita pelo autor desta pesquisa, em abril de 2016, a dez
obras do arquiteto, na Suíça, Áustria e Alemanha. A experiência da visi-
ta às obras propiciou uma análise direta dos procedimentos de projeto de
Zumthor, como fonte primária de pesquisa da dissertação. Especialmente
no caso de sua obra, que se dedica também aos aspectos relacionais corpo-
-arquitetura, a experiência de vivenciar os próprios edifícios torna-se im-
prescindível para o entendimento das questões do arquiteto. As obras estão
abordadas nesse capítulo segundo um método comum de investigação, ou
seja, um percurso analítico que demonstra: a sua inserção na paisagem, o
detalhe do acesso à edificação e, finalmente, seu interior.
No terceiro e último capítulo foi feito um elenco de um grupo das
obras visitadas que explicita questões mais amplas na interpretação dos
projetos de Zumthor. A Capela Sogn Benedetg (Suíça, 1985–88), o Atelier
Zumthor (Suíça, 1985–86) e o Abrigo para as Ruínas Arqueológicas Roma-
nas (Suíça, 1985–86) são analisados em conjunto, demonstrando como
Zumthor reinterpreta o uso da madeira local nos seus primeiros projetos e

34
sua relação com a obra mais recente. O Museu de Arte de Bregenz (Áustria,
1989–97) é utilizado para mostrar como se dá a utilização do vidro para o
arquiteto durante a década de 90, quando esse material repercutiu na ar-
quitetura global sobre os temas da superfície e sua potência como velamen-
to dos edifícios. A Capela de Campo Bruder Klaus (Alemanha, 2000–07),
por fim, a obra mais recente analisada, usufrui de questões do âmbito cons-
trutivo de Zumthor, onde o concreto é explorado de modo a expor seus
processos construtivos.
Dessa forma, esperamos que a pesquisa possa ampliar a compreensão
das virtudes de Zumthor diante de sua formação, seu contexto, e, funda-
mentalmente, suas obras.
A título de guia de leitura, estabelecemos que, na ocorrência de col-
chetes ([ ]) na legenda numérica, as imagens reproduzidas são do autor
desta pesquisa; as demais imagens estão devidamente creditadas no tér-
mino da dissertação.

35
1 Peter Zumthor
1.1 Biografia
formação pessoal
Peter Zumthor mantém uma prática e uma maneira de enxergar a arquite-
tura alicerçada na sua formação e histórico-profissional que engendraram
à sua arquitetura características singulares dentro do contexto arquitetôni-
co-cultural suíço-alemão da década de 80, período em que inicia seu pró-
prio Atelier, marcado pelas rediscussões da agenda Moderna.
Zumthor nasceu em 1943, em Oberwil, Suíça, onde trabalhou inicialmen-
te como marceneiro na oficina de seu pai. Estudou interior design, design e
arquitetura na School of Arts and Crafts, em Basel, e no Pratt Institute, em
Nova Iorque, na década de 60. Trabalhou dez anos no Departamento de Pa-
trimônio Histórico do cantão de Graubünden, na Suíça alemã, antes de abrir
seu próprio Atelier, em 1979, na cidade de Haldenstein, no mesmo cantão.
Desde então, produziu cerca de 130 projetos, dos quais cerca de 35 cons-
truídos 1. Por conta de sua produção, recebeu, dentre outros, o Prêmio Mies 1  Dado retirado da
publicação Peter
Van der Rohe de Arquitetura Europeia, em 1998; o japonês Praemium Impe- Zumthor 1985–2013
riale, em 2008; o Prêmio Pritzker em 2009; e a Royal Gold Medal do Royal Buildings and Projects:
DURISCH, Thomas (ed.);
Institute of British Architects em 2012. ZUMTHOR, Peter. Peter
O preâmbulo de sua formação arquitetônica correspondente aos cinco Zumthor 1985–2013
Buildings and Projects.
anos trabalhando como ajudante de seu pai, como marceneiro [joinery] são Zurique: Scheidegger
fundamentais, tanto para a incorporação de uma lógica construtiva ligada & Spiess, 2014.
ao fazer em seus posteriores projetos, como pela própria rediscussão da
prática arquitetônica suíça na década de 80, quando Zumthor desenvolve
sua arquitetura inicial fazendo uso da madeira.
A questão cultural do uso da madeira nesse período na Suíça está atre-
lada à própria definição da dicotomia artesão-arquiteto, sendo Zumthor
um dos personagens centrais no rompimento da ideia nostálgica associada

39
aos artesãos, justamente pelo próprio reconhecimento de sua atuação ini-
cial como marceneiro.
A retomada do uso da madeira na Suíça nesse período, para além dos
parâmetros modernos ensaiados na década de 30, quando sua aplicação
apenas envolvia um certo endereçamento do material à forma estilística
dominante, propiciou um ambiente mais profícuo aos arquitetos. Ver figuras 1 a 4.
Irina Davidovici 2 descreve esse contexto de “abordagem intelectual” 2  Arquiteta e ensaísta
Irina Davidovici,
ante ao uso da madeira e o papel “não sentimental” de Zumthor diante da professora de história
visão artesã associada a ele nesse debate pela sua formação inicial: e teoria de arquitetura
na Universidade de
Kingston, resultado de
O interesse suíço na construção de madeira não se baseia apenas em suas sua tese de doutorado
pela Universidade de
vantagens práticas ou ambientais. Pelo contrário, tem sido o resultado de Cambridge, a qual foi
uma abordagem intelectual, vendo a madeira como sensível ao contexto vencedora do Prêmio
Outstanding PhD Thesis
e capaz de despertar associações históricas. Essas associações operam em concedido pelo RIBA,
um nível tipológico e abstrato, evitando a imitação nostálgica das formas em 2009.DAVIDOVICI,
IRINA. Forms of
vernaculares. (DAVIDOVICI, 2018, p.105) Practice: German
Swiss Architecture
1980–2000. Zurique:
Embora posteriormente tenha se tornado arquiteto, a presença de GTA Publishers, 2012.
Zumthor nos debates promovidos pela principal revista suíça, Archithe-
se 3, reforçam as mesmas características relacionadas aos seus primeiros 3  Ver a entrevista com
o editor da revista,
anos como marceneiro para romper ou redefinir as relações possíveis en- Martin Steinmann em:
tre os artesãos e arquitetos naquele momento: STEINMANN, Martin;
ALDER Michael; HERZOG,
Jacques; De MEURON,
A atitude de Zumthor sinalizou um rompimento entre a percepção do Pierre, ZUMTHOR,
Peter. Bauen mit
arquiteto do artesão moderno e sua própria condição. Historicamente, holz/ Propos sur Le
invocações do nomeado “artesão” levantaram suspeitas desde os debates bois. Em Archithese
5. Schweiz: Archithese
sobre artes industriais do Werkbund, antes da Primeira Guerra Mundial. Verlagsgesellschaft
No contexto suíço, o apelo ao artesanato foi associado ao Landistil e à pro- mbH,1985. p.2–15.
paganda da autodefesa espiritual no final dos anos 30 e 40. Especialmente
após as revisões de identidade nacional dos anos 60, a imagem das mãos
enrugadas segurando formões permaneceu extremamente problemática.
O surgimento de Zumthor no estágio profissional suíço reafirmou o de-
bate de uma maneira nova e não sentimental. (DAVIDOVICI, 2018, p.106)

Nesse sentido, a relação de Zumthor com seu preâmbulo artesão in-


fere a ele um componente mais complexo que a simples livre associação

40
Emil Roth.
Albergue juvenil,
1 Fällanden, 1937.
nostálgica de quem atua a partir de trabalhos manuais. A importância em
abordar esses cinco anos iniciais na oficina de seu pai como parte de sua
formação consiste na educação de uma mentalidade artesã, como afirma o
historiador austríaco Friedrich Achleitner:

A ênfase no artesanato que é sempre mencionado em relação ao seu nome


desempenha um papel subordinado. É claro que um aprendizado em fa-
bricação de móveis é uma distinção para um arquiteto e um “aha” para
um crítico. Mas Zumthor não pensa muito no artesanato como a fonte da
juventude. Um grande artesão é capaz de produzir coisas horríveis. O se-
gredo desse “artesanato” está em outro lugar: reside na especificação de um
pensamento e sua tradução. Ele exige do carpinteiro a precisão do fabrican-
te de móveis, de quem assenta tijolos [bricklayer] a de quem assenta pedras
[stone mason], do soldador [welder] a do ferreiro [smith] e do ferreiro a de
quem trabalha com instrumentos de precisão ou a do relojoeiro [watchma-
ker]. A disciplina artesanal não é um fim em si, mas sim um método radi-
cal de premer os pensamentos para o serviço. (ACHLEITNER, 1998, p.208)

Pode-se também associá-la, como observa Martin Steinman, ao concei-


to aristotélico de techne, no qual o desenvolvimento intelectual está inter-
dependente do fato de construir:

Ao construir quero dizer a materialidade da arquitetura, que só pode ser


experimentada em edifícios reais e que é de natureza técnica, ou seja,
ele é criado a partir de um processo de fazer. Assim, é lógico que Pe-
ter Zumthor mostra em seus desenhos como os efeitos produzidos por
suas construções são realmente construídos. Inerente a esses desenhos
é o conceito de téchne, que, segundo a definição de Aristóteles, combina
“fine arts” com “arts and crafts”. Para mim essa palavra captura a essência
dos edifícios de Peter Zumthor. […] O desenho descreve com precisão a
poesia desses edifícios. Eles são poemas dedicados ao trabalho, a forma
deve a sua existência ao trabalho.(STEINMANN, 1989. p.53)

Dessa maneira, constitui-se como uma base de raciocínio fundamental


à sua obra, que virá a seguir, a lógica artesã do arquiteto, vinculada, a par-
tir dos trabalhos em madeira, ao devir do construtor e seu imaginário. Essa

42
Meilli & Peter.
School for Wood
Technology,
2 Biel, 1990–93.

Burkhalter + Sumi.
Estação Florestal,
3 Turbenhal 1991–93.

Peter Zumthor.
Casa Gugalun,
4 Versam, 1990–94.
indagação inicial permanece em Zumthor até os tempos recentes, por exem-
plo, ao ser entrevistado pela revista Dear Magazine, na ocasião de sua expo-
sição autobiográfica Dear to Me 4, no final de 2017, ele menciona que gostaria 4  Dear to Me foi
uma exposição
de ser chamado de “arquiteto ou construtor [Baumeister]” (KUNSMANN; BUR- autobiográfica
KOFF, 2017), dada a ênfase no “fazer”, no “saber construir as coisas”. feita pelo arquiteto
ocupando todo o seu
Também é possível ter clareza dessa ênfase construtiva como éthos do projeto do Museu de
pensamento arquitetônico de Zumthor quando ele descreve uma memória Arte de Bregenz, na
ocasião festiva de seus
da época em que trabalhava como marceneiro, aos 18 anos de idade: 20 anos de existência,
entre 16/09/2017 e
07/ 01/ 2018. Estava
Com 18 anos, quando o meu tempo de aprendizagem como marcenei- centrada em conversas
ro estava praticamente no fim, desenhei e fiz os meus primeiros móveis. semanais entre
Zumthor e artistas
Normalmente construíamos os móveis na oficina, cuja forma e constru- literários e músicos
ção eram determinados pelo mestre ou pelos clientes. Mas eu não gosta- selecionados por ele.
va. Também não gostava da madeira que utilizávamos para as melhores
peças: a nogueira. Para os meus móveis escolhi o freixo claro e trabalhei
as peças singulares de maneira que ficavam bem de todos os lados; atrás
e à frente eram feitas com o mesmo cuidado e com o mesmo material.
Não me importei com o costume dos marceneiros de executar as par-
tes de trás dos móveis de forma mais barata e menos trabalhada, porque
normalmente essas não se veem. Finalmente podia arredondar muito
pouco as arestas dos móveis sem ser corrigido. De maneira leve e rápida
passei a lixa sobre as arestas dos corpos de madeira acabados de mon-
tar, para os libertar do fio cortante incômodo e preservar a elegância das
linhas finas. […] Coloquei a porta do pequeno armário na moldura de
frente com juntas mínimas, mas alinhada de tal modo que se fechava
sem resistência, apenas com um suave atrito que emitia um barulho de ar
5  Escolas técnicas
quase imperceptível. (ZUMTHOR, 2009, p.48) dessa região de
consagração da
experiência prática;
No segundo momento de sua formação, abrangida pela esfera acadêmi- compreendia também
ca, Zumthor estuda interior design, design e arquitetura na School of Arts Alemanha e Áustria.
Ver o capítulo The
and Crafts, em Basel, e no Pratt Institute, em Nova Iorque, na década de 60. Background of Practice
Em termos contextuais suíços desse período, a escola de Basel era de em: DAVIDOVICI,
Irina. Forms of
formação alinhada com os princípios da arquitetura moderna, fora do Practice: German
Cantão suíço-alemão, onde a ETH-Zurique (Instituto Federal de Tecnologia Swiss Architecture
1980–2000. 2ª edição
de Zurique), que tinha sua orientação pedagógica mais ligada às Fachho- ampliada. Zurique:
chschule 5, mantinha sua atenção à construção em módulos técnicos. GTA Publishers, 2018.

44
Apesar de ter estudado arquitetura diante de um ambiente moderno,
Zumthor não chega a desenvolver sua arquitetura propriamente nesses
princípios, tendo sido mais influenciado, como se observa em suas pri-
meiras obras, pelas discussões nomeadas “pós-modernas”, introduzidas Ver figuras 7 a 12.
na década seguinte. Ainda assim, é possível identificar alguns vínculos
modernos em suas obras, como a abstração geométrica dos volumes ar-
quitetônicos, a independência da estrutura e em módulos autônomos de
circulação.
Mais importante que a formação moderna em Basel, como dado da for-
mação de Zumthor, são os seus dez anos iniciais como arquiteto do Depar-
tamento de Patrimônio Histórico do cantão de Graubünden, de 1968 até
1979, quando abriu seu próprio Atelier.
Zumthor era responsável por analisar e publicar estudos da morfologia
construtiva das vilas históricas da região. Como esperado, isso se tornou
um componente fundamental em sua obra futura, agregando conhecimen-
tos culturais técnicos, assim como a valorização de uma via histórica, que
serão atualizados, como arcabouço projetual.
Em entrevista para Hans Ulrich Obrist and Julia Peyton-Jones 6, em 6  Peter Zumthor in
Conversation with
2011, Zumthor avalia essa experiência, que, inicialmente, não era conside- Hans Ulrich Obrist
rada por ele e nem pela classe de arquitetos da época uma “busca pessoal”, and Julia Peyton-
Jones. Disponível
mas uma atividade remunerada na qual ele estaria fazendo algo por que em https://www.
simplesmente tinha apresso: serpentinegalleries.
org/files/downloads/
Zumthor_0.pdf
Bem, novamente, foi um acidente. Voltei de Nova York e visitei um ami- Acessado em
06/01/2019.
go lá em cima [Norte]. Eu estava procurando trabalho, e havia um cara
no Escritório de Preservação onde ninguém queria trabalhar porque os
arquitetos não estão interessados nesse tipo de coisa. Mas tudo bem para
mim: eu amo essa área e achei que seria como férias trabalhar lá. Fiquei
feliz que eles me deram um cheque de pagamento no final do mês, mas
realmente foi um período de férias, olhando para todas essas casas boni-
tas o tempo todo – e alguém me pagou por isso! O que eu aprendi foi o
mistério da arquitetura vernacular. (ZUMTHOR, 2011)

No entanto, a atividade verteu-se em um processo de pesquisa mais


valorizado, na tentativa de compreensão das características arquitetônicas
específicas de cada uma das vilas que Zumthor visitava. Ele menciona, por

45
exemplo, como o tipo das casas de cada lugar variava de acordo com os
modelos de agricultura:

Então eu olhei para isso e o que eu aprendi foi que você não pode real-
mente identificar o que eles constroem de todas as maneiras até às suas
origens. Eu pensei que deveria haver uma relação entre o clima ou o
meio ambiente e os materiais que eles usam. Mas às vezes não há madei-
ra no ambiente local e ainda usam madeira, e às vezes há muita madeira
e eles não a usam. Então eu pensei que deveria ter a ver com a maneira
como eles trabalham: a economia da agricultura, o tipo de agricultura,
mas novamente você chega a um certo ponto e, de repente, você não en-
tende mais nada. Eu estava ficando louco tentando entender. Finalmen-
te, eu estava lendo um livro quase esquecido, mas brilhante, de Richard
Weiss, Hauser und Landschaften der Sweiz, que pesquisara essas casas.
Esse campo de pesquisa estava completamente fora de moda, para es-
tudar essas antigas casas rurais. Então eu li isso e em um ponto ele sim-
plesmente diz “a morfologia das aldeias reflete a vida e o trabalho das
pessoas que vivem nelas” e lá estava, em uma frase. Reflete o sentimento,
reflete a maneira como trabalham e vivem; aí você tem tudo. Então foi o
que eu aprendi. (ZUMTHOR, 2011)

A combinação das pesquisas em patrimônio histórico urbano regional


do cantão alemão com a sua prática inicial como marceneiro é responsável
por uma formação bastante especial entre os arquitetos contemporâneos,
pois consagra o entendimento das culturas tradicionais com a lógica técni-
ca prática do artesão e sua familiaridade com os materiais.
Zumthor reconhece esse fator em inúmeras entrevistas, como, por
exemplo, em 2001, para o periódico alemão Detail 7. Quando é interrogado 7  [Eu construo a
partir da experiência
sobre a influência de sua formação, diz que: “Sou o que faço e experimento. do mundo]. Em:
Se você fala em artesania, restauro, você sucumbe a um certo romantismo. Detail, vol.41 nº 1,
p.20–27, 2001.
Seria bom se fosse apenas um carpinteiro, no entanto, não é assim”. (ZUM-
THOR, 2001, p.20)
Ainda, sobre seu pensamento experimental, ele reconhece na sua vivên-
cia em um “ambiente artesão”, mas amplifica sua formação a todas as eta-
pas mencionadas anteriormente:

46
7

Peter Zumthor.
Café Demont,
5 6 Vella, 1970.

8 9

Peter Zumthor.
Casa Dierauer,
Haldenstein, 1975.

10 11

12
Peter Zumthor.
Remodelação da
torre medieval Casti,
Lumbrein, 1970.
Eu cresci em um ambiente artesão. Meu pai era um carpinteiro extraor-
dinário e me transmitiu a ideia de que se pode fazer tudo o que é espe-
cialmente interessante e ainda não atingir ninguém. Então começamos a
refletir de verdade. Há uma desconfiança no fazer. Comecei com a for-
mação profissional, depois a escola de artes e ofícios, design de mobi-
liário, seguindo de desenho urbano e industrial no Instituto Americano
Pratt e mais tarde me dediquei dez anos ao estudo da estrutura urbana de
núcleos históricos, história da arte, construção e assentamentos, isso me
parece ser uma formação perfeita. Desejaria que todo estudante pudesse
formar-se tão amplamente. (ZUMTHOR, 2001, p.20).

O historiador Keneth Frampton faz o mesmo reconhecimento ao anali-


sar Zumthor na produção arquitetônica suíça contemporânea:

[…] Zumthor é um homem à parte, acima de tudo por causa de seus


cinco anos de formação de aprendizagem como um marceneiro e seus
subsequentes dez anos de serviço como um arquiteto no departamento
de Graubünden Cantonal dedicado à preservação de monumentos histó-
ricos. Nesse início bastante singular, pelo menos pelos standards atuais,
sem dúvida, vai um longo caminho no sentido de explicar a abordagem
única de Zumthor quanto ao tempo e ao material […] Eles são particu-
larmente cruciais na obra de Zumthor. (FRAMPTON, 2002. p.326)

Há, então, além do preâmbulo como marceneiro, a escola de Basel e a


atuação no Departamento de Patrimônio, um quarto componente funda-
mental em sua formação correspondente ao contexto teórico incorporado
à Suíça nessa mesma década (1968–79) em que Zumthor trabalhava como
arquiteto para o Departamento de Patrimônio: o arquiteto Aldo Rossi, é
convidado a dar aulas na ETH-Zurique (1972–74 e 1978–79).
Rossi tem papel fundamental nesse período para toda a geração de ar-
quitetos suíços, pois questiona temas como memória e relação histórica
8 Ver ROSSI, Aldo.
com o lugar, no que chamaria posteriormente de Arquitetura Analógica 8, Uma arquitetura
reconhecendo valores na cultura arquitetônica do país que antes estavam, analógica. Em: Uma
nova agenda para a
de certo modo, bloqueados pelo ensino dos paradigmas modernos. arquitetura – Antologia
Toda essa rediscussão da disciplina arquitetônica estava em ebulição Teórica 1965–1995.
São Paulo: Ed. Cosac
nesse momento, sobretudo pela dupla publicação de 1966: Complexidade e Naify, 2006.p.379.

48
Contradição em Arquitetura, do americano Robert Venturi, e A Arquitetura
da Cidade, de Rossi; e a de 1972: Aprendendo com Las Vegas, de Venturi,
Denise Scott Brown e Steven Izenour.
No campo das artes visuais, o Minimalismo e a arte matérica de Joseph
Beuys, serviram como amparos formais nesse momento de redefinição da
arquitetura.
Dessa maneira, constituíram-se as referências formativas do arquiteto
no que diz respeito a seu próprio entendimento do fazer construtivo, alicer-
çado em sua origem no campo artesão, como marceneiro, e do fazer con-
ceitual, diante de sua formação acadêmica e profissional, trabalhando dez
anos com patrimônio histórico no mesmo momento de revisão teórica da
arquitetura suíça, impulsionada pelos estúdios de Aldo Rossi na ETH e a
expressividade artística minimalista.
Esse processo de formação indireta, ligada ao contexto rossiano e artís-
tico será desenvolvido no capítulo a seguir, pois relaciona-se com toda essa
geração de arquitetos suíços.

49
Formação pessoal

1943 • Nasce em Basel, Suíça.

1958 • Aprendizado em marcenaria.

1963 • Estuda interior design na Schule für Gestaltung, Basel.

1966 • Estuda arquitetura e design como estudante visitante


no Pratt Institute, Nova Iorque, EUA.
1968 •
Arquiteto do Departamento
de Patrimônio Histórico
do cantão de Graubünden;

Consultor de obras
e análises de vilas históricas;

Publicação de estudos
de morfologia de aldeias;

1978 • Professor na University of Zurich, Suíça: Primeira obra de restauro.


preservação de estudos morfológicos de aldeias.
1979 • Abre seu próprio escritório, Atelier Zumthor. •
Haldenstein, Graubünden, Suíça.

1987 • Recebe o Good Building Award, Graubünden.

1988 • Professor visitante no Southern California Institute of Architecture (SCI-ARC), Los Angeles, EUA.
• Primeira exposição individual de projetos: Partituren und Bilder – 1985–1988. Lucerna, Suíça.

1989 • Professor visitante no Technische Universität, Munique, Alemanha;


• Tutor no workshop Graz Summer School, Áustria;
• Ganha a medalha Heinrich-Tessenov, TU Hanover.

1996 • Professor na Accademia di architettura, Mendrisio, Suíça:


Make it typical! A small atlas of architectural atmosphere.

1998 • Prêmio europeu Mies Van der Rohe pelo Museu de Artes de Bregenz.

2008 • Prêmio Praemium Imperiale pelo conjunto da obra, Japão.

2009 • Prêmio Pritzker pelo conjunto da obra.


• Membro honorário do American Academy of Arts and Sciences.

2013 • Prêmio RIBA Royal Gold Medal, Londres, Inglaterra.


Contexto formativo

1972 • ETH “TYPOLOGICAL STUDIO”


[ROSSI + BRUNO REICHLIN + FABIO REINHART]
1973 ARQUITETURA SE VOLTA AO CONTEXTO HISTÓRICO • ETH STUDIO LUIGI SNOZZI
E SOCIAL DA CIDADE. ARQUITETURA DA CIDADE (1966) HISTÓRIA e MEMÓRIA
1974 • Alunos: Pierre Herzog /Jacques de Meuron coletiva COMO CONDIÇÃO
para a forma.
1975 • Aluno: Roger Diener

1978 • ETH STUDIO [ROSSI + BERNHARD HOESLI + PAUL HOFER]


A INCORPORAÇÃO DA SUBJETIVIDADE NO CAMPO PROJETUAL. AUTOBIOGRAFIA CIENTÍFICA (1981)
1979 • Alunos: Marcel Meili / Miroslav Sik

1983 •
“ANALOGUE ARCHITEKTUR STUDIO”
FABIO REINHART + MIROSLAV SIK
Alunos:
Valerio Olgiati
Andrea Deplazes
Valentin Bearths
Christian Kerez
Quintus Miller
Paola Maranta
Conradin Clavuot
1991 •
13
Reprodução do
documentário Peter
Zumthor at Work, 2012.
1.2 GERAÇÃO SUÍÇA E ALDO ROSSI
CONTEXTO FORMATIVO
A Suíça ingressou nas questões da revisão do funcionalismo moderno, atra-
vés de um grupo de arquitetos da região italiana de Ticino, mais orientados
segundo as ideias do Racionalismo Italiano, nomeadamente Bruno Rei-
chlin, Fabio Reinhart, Dolf Shcnebli, Luigi Snozzi, Mario Campi e Everaldo
Consolascio, que facilitaram a o ingresso de Rossi na ETH 9. 9 Ver DAVIDOVICI,
IRINA. Forms of
Esse mesmo grupo de arquitetos estava, nesse momento, iniciando uma Practice: German
certa reinterpretação regional sulista das classificações tipológicas do Ra- Swiss Architecture
1980–2000. 2ª edição
cionalismo italiano, modelo que ganhou grande repercussão, especialmen- ampliada. Zurique: GTA
te na suíça-alemã. Em 1974, Martin Steinmann e Thomas Boga organizam Publishers, 2018, p.59.
a Tendenzen – Neuere Architektur im Tessin, exposição sobre a obra desses
arquitetos na própria ETH, trazendo essa referência conceitual para a re-
gião. Irina Davidovici descreve o impacto dessa exposição: Ver figuras 14 a 16.

O título plural era deliberado – as “Tendências” do Ticino não eram


identificáveis com a Tendenza. Eles refletiam circunstâncias culturais es-
pecíficas, propondo uma variedade de interpretações das tradições ver-
naculares e modernistas locais. […]
A ideia de variações nos modelos históricos do vernacular ou do mo-
dernismo nativo teve forte impacto no desenvolvimento do discurso suíço-
-alemão. Além da clareza do método, essa estratégia autorreferencial teve
outra vantagem: veio prontamente associada a um sentimento de envol-
vimento político. Isso aproximava a arquitetura das preocupações sociais,
constituindo-se como uma proposição moral. (DAVIDOVICI, 2018. p.64)

55
A presença de Aldo Rossi na ETH aparece descrita em toda a biblio-
grafia consultada (LUCAN, 2001; L’HYPOTHÈSE, 2012; DAVIDOVICI, 2018;
ZUMTHOR, 2018) como um “fato maior”, de grande atração dos estudantes
e da crítica, sendo de central relevância na reorganização pedagógica e
limites da arquitetura daquele período de transição. Seu status carismático
o colocava em posição “quase mítica” na cena arquitetônica suíça, como
aponta Davidovici.
Seu primeiro estúdio se deu entre 1972 e 74, com os assistentes Bruno
Reichlin, Fabio Reinhart, e estava fundamentado nas teorias de seu livro
Arquitetura da Cidade (66), nomeado “Typological Studio”.
O discurso de Rossi serviu de método racional para a compreensão das
características regionais, mas também inferiu, naquele momento, certo dis-
tanciamento do enfrentamento da realidade subjetiva. Nesse sentido, ofe-
recia uma disciplina hermética.
Bruno Reichlin e Martin Steinmann objetivam essa discussão em dois
importantes números da revista Architese, nº 13 (1975) e nº 19 (1976), abor- Ver figuras 17 e 18.
dando o tema do Realismo na arquitetura, seu caráter possível mas experi-
mental, sensual e menos racional.
O segundo momento de Rossi na ETH ocorreu entre 1977–78, em um
estúdio colaborativo entre Bernard Hoesli e Paul Hofer, quando abordou
exatamente a questão da subjetividade na arquitetura, ou seja: posicionou
a experiência pessoal, a percepção e associações da memória como cam-
po de desenvolvimento do projeto arquitetônico. Esse estúdio consistiu no
preâmbulo de sua Autobiografia Científica, publicada em 1981.
No campo prático, essa mudança metodológica no entendimento da
História é de fundamental impacto na produção suíça daquele momento,
pois transcende o sentimento nostálgico de seu enfrentamento, tendo cria-
do subsequentes influências entre parte dos arquitetos. Zumthor e Herzog
& de Meuron (os últimos alunos diretos de Rossi do Typological Studio)
são dois exemplos de alguns dos que foram provocados por esse modo de
entender as possibilidades da arquitetura.
Zumthor, sete anos mais velho que Jacques Herzog e Pierre de Meuron,
apesar de não ter tido aula direta com Rossi, cita esse movimento teórico
como contribuinte de sua base formativa para, na sequência, abrir seu pró-
prio Atelier, em 1979, um ano depois da fundação do Herzog & de Meuron:

56
Luigi Snozzi.
Habitação coletiva,
14 Celerina, 1973.

15

Luigi Snozzi.
Gymnasium,
Monte Carasso, 1979.

16

Aurelio Galfetti.
Kindergarten,
Riva San Vitale, 1964.
A partir do final dos anos setenta para a metade dos anos oitenta, […] jo-
vens arquitetos na Suíça de língua alemã foram apanhados por algo que
me afetou também e para o qual eu gradualmente me senti pertencente.
Eu conheci arquitetos não só em casa, mas em Vorarlberg, Viena, e Tici-
no. Nós falamos sobre a qualidade visual da arquitetura, sua sensualidade,
sua fisicalidade, a sua capacidade para criar atmosfera. Aldo Rossi, que
estava ensinando em Zurique, na época, abriu meus olhos para a história
da arquitetura e da arquitetura da minha memória biográfica. A revista
Archithese fundada por Stanilaus von Moos endereçou questões como a
monotonia, realismo na arquitetura, e Aprendendo com Las Vegas. […]
Minha busca pessoal tinha começado. (ZUMTHOR, 2014, p.9)

Sobre o impacto da abordagem rossiana nessa geração de arquitetos


suíços, destaca-se o recente documentário “L’HYPOTHÈSE Aldo Rossi”, de
Françoise Arnold 10, no qual são entrevistados parte deles. Zumthor faz um 10  L’HYPOTHÈSE
Aldo Rossi. Direção:
relato bastante elucidativo da importância de Rossi em “liberá-lo” da edu- Françoise Arnold.
cação que recebera em Basel, para reconhecer em suas próprias memórias Les Productions Du
Effa. Paris, 2012.
e sentimentos o entendimento de cada lugar: 80 min. Son, Color,
Formato: 1 DVD
Eu posso atestar a contribuição de Aldo Rossi através da noção de me-
mória na concepção de um projeto. Na década de 1970, quando ele veio
da Itália para ensinar em Zurique, trouxe novamente à tona a ligação
com a história. Foi o início do pós-modernismo, mas ele trabalhou e en-
sinou as formas históricas da cidade.
Ao mesmo tempo, a influência do livro de Robert Venturi, Learning
from Las Vegas, também foi muito forte, mesmo que se situasse em ou-
tro nível. Mas, caso contrário, o livro introduziu o sentimento no pen-
samento da arquitetura e o assunto era o coração da bela Autobiografia
Científica de Aldo Rossi, publicada mais tarde, por volta de 1981. Ele fala
sobre sua infância e lugares responsáveis por ele, que é uma maneira de
falar sobre o seu modo de trabalho e intenções do arquiteto. Ele coloca
mais os sentimentos em jogo, memorizados ou através de desenhos, que
do fomalismo acadêmico. Ele certamente vai ter um interesse, mas há
sempre algo fabricado. No entanto, a história de uma pessoa, sua histó-
ria, sua biografia, a minha biografia, isso é real. Autobiografia Científica
falou disso.

58
17 18

Architheses 13 e 19.
Verlag Arthur Nigli,
Teufen, 1975–76.
Era muito importante para mim, porque eu fiz os meus estudos na
escola de arte de Basel, como parte de uma educação clássica modernis-
ta onde a história não existia. Fazer coisas novas, sempre o maior, foi a
principal qualidade reconhecida. Nós não poderíamos falar sobre nossos
sentimentos. Devíamos sempre nos expressar como arquitetos e ser toma-
dores de decisão, que justificam todos os tipos de coisas, ao que a decisão
certa seria tomada em acordo com o seu ser interior. Lembro-me de uma
observação que Aldo Rossi tinha feito a um jovem arquiteto que se prepa-
rou para sua formatura. Ele tinha olhado para o projeto, que incluía uma
grande fenêtre en longeur que todo mundo estava fazendo no momento.
Então ele perguntou ao jovem o seu lugar de origem na Suíça e disse que
sua arquitetura devia aprender com este lugar em vez de tentar se parecer
com ele. Esse conceito de memória do lugar foi uma verdadeira introdu-
ção à obra de arquitectura. (ZUMTHOR em ARNOLD, 2013, p.50)

Jacques Herzog, por sua vez, recorda da didática de Rossi, voltada mui-
tas vezes ao entendimento da imagem de beleza, na liberdade da busca por
uma arquitetura atraente:

Na escola, todos os heróis eram na época majoritariamente sociólogos, ar-


quitetos que quase abandonaram a arquitetura. A arquitetura era proibida:
criar coisas, coisas atraentes, criar beleza era proibido. E ele representava a
beleza, porque não só ele se importava em se vestir bem, com o estilo ita-
liano, mas também dizia: arquitetura é arquitetura. Ele estava dizendo isso
de uma maneira provocativa e as pessoas se lembram disso. Tudo o que
um arquiteto pode expressar é feito com a própria arquitetura, não com
palavras, frases ou slogans. Ele preferiu nos mostrar os filmes de Fellini…
Lembro-me dele mostrando 8 1/2, mas também Antonioni… eles eram
muito críticos, mas também com apelo à sua beleza, sua cor, suas lindas
mulheres, seus lindos meninos, coisas desse tipo. Rossi certamente tinha
talento para inspirar os jovens, por encorajá-los a se tornar quem eles
realmente eram, por encorajá-los a fazer alguma coisa. Porque ele estava
lidando com jovens, e os jovens vinham de um certo contexto cultural
que na Suíça, no nosso caso, é uma cultura menos urbana do que a Itália.
Quanto mais impacto tiver, melhor poderá funcionar. Talvez até mais que
nos ensinamentos de Rossi na Itália. (L’HYPOTHÈSE, 2012, min. 11)

60
Os ensinamentos de Rossi se perpetuaram, ainda, na ETH, mesmo após
a sua ausência: entre 1983 e 1991, Fabio Reinhart e Mirolslav Sik coman-
daram o estúdio Analogue Architektur, fundamentalmente amparado pelo
ensaio subjetivo Cidade Análoga 11, de Rossi. Diante da descrição de Davi- 11  Ver Capítulo 7:
museus minimalistas
dovici do funcionamento do estúdio, é possível estabelecer repercussões na em FOSTER, Hall.
própria produção do Atelier de Zumthor, naquele período, que tinha den- O complexo arte-
arquitetura. São Paulo:
tre seus colaboradores alunos do estúdio, Valentin Bearths, por exemplo: Cosac Naify, 2015.

Sik montou o estúdio, que logo se tornou uma escola dentro da escola,
como sistema de aprendizado auto-suficiente, com os alunos mais jovens
ajudando os mais velhos enquanto aprendiam as técnicas de representa-
ção características do estúdio. Ideias arquitetônicas foram transmitidas
através de desenhos de grande perspectiva, concebidos primordialmente
em termos de imagem e atmosferas. Em vez de representações arquite-
tônicas idealizadas como plantas e cortes, apresentadas como configura-
ções geométricas no espaço em branco do papel, os alunos foram enco-
rajados a representar o projeto em seu contexto. (DAVIDOVICI, 2018, p.71) Ver figuras 19 e 20.

Estendendo, ainda, o campo formativo de Zumthor e dessa geração


de arquitetos, temos nesse mesmo período nas Artes Visuais um processo
também fundamental para entender a obra do arquiteto em sua expressivi-
dade própria com a matéria.
Brevemente, após a década de 80, temos nas artes visuais, após o grande
salto da superfície pictórica para a escultura no espaço, a questão da forma e de
sua superfície e, por consequência, sua relação com o mundo real que a rodeia.
Os objetos ganharam o espaço e as superfícies perderam a franca trans-
parência Moderna. O movimento Minimalista e a Arte Pop, iniciados na
década de 60, consolidaram-se, segundo Hal Foster (FOSTER, 2015, p.128),
sob a questão matérica/imatérica da superfície, fundada no texto de 1963,
Transparência Literal e Fenomenal, de Colin Rowe e Robert Slutzky.
Nesse sentido, segundo Foster, ocorria nesse período da década de 80,
na arquitetura e nas artes grupos que mantinham sua produção dentro da
tensão minimalista, buscando na concisão formal e no uso puro, bruto da
matéria, em diversos arranjos, a contingência da percepção fenomênica
(não literal). Donald Judd, por exemplo, é um artista cuja produção é cita-
da com interesse por Zumthor nesse momento. Ver figuras 21 a 23.

61
A chamada Arte Povera, grupo de artistas italianos que se dissolvera
em 1970, rediscutiu os signos expressos pelos próprios materiais, essencial-
mente, pela associação contrastante entre diferentes materialidades.
Joseph Beuys é um artista que, de certa maneira, usufrui do legado da
Arte Povera e é referenciado por Zumthor em 1988, em uma conferência
realizada no Southern California Institute12: 12  O título original da
conferência é “a way of
looking at things” e fora
Os trabalhos de Joseph Beuys e de alguns artistas do grupo da Arte Pove- publicado em inglês,
dez anos depois de seu
ra têm para mim algo de revelador. O que me impressiona nessas obras ocorrido no periódico
de arte é o emprego preciso e sensual do material. japonês monográfico
A+U special edition,
Este parece estar enraizado num saber antigo do uso dos materiais fevereiro 1998. Tóquio:
pelo homem, que revela, em simultâneo, a sua verdadeira natureza para A+U Publishing, 1998,
p.6–25. Posteriormente,
além do culturalmente transmitido. em 2006, a publicação
No meu trabalho tento empregar os materiais de uma maneira seme- Architektur Denken
reuniu uma série
lhante. Penso que estes, no contexto de um objeto arquitetônico, podem de conferências do
assumir qualidades poéticas. Para tal efeito é necessário criar no próprio arquiteto em um único
título, incluindo a
objeto uma coerência de forma e sentido; uma vez que os materiais em si mencionada. Em 2009,
não são poéticos. (ZUMTHOR, 2009, p.9) a mesma publicação
foi traduzida para
o português, pela
Bruno Reichlin, por sua vez, condiciona o interesse dessa geração de ar- editora Gustavo Gili,
sob o título de Pensar
quitetos pelas artes, especialmente a Minimalista, como uma translação do a Arquitectura e a
discurso imagético ensejado por Rossi, para uma condição mais próxima conferência para “Uma
intuição das Coisas”:
da cultura Suíça: ZUMTHOR, Peter.
Pensar a Arquitectura.
Barcelona: Gustavo
Aldo Rossi é culpado dessa grande ambição de produzir arte com arqui- Gili, 2009, p.8.
tetura. Agora se tornou uma doença. Mas houve uma interessante inver-
são de pensamento: os jovens arquitetos suíços afastaram-se rapidamente
de Aldo Rossi e do pós-modernismo que envolvia inspiração histórica e
dos temas formais da história, porque era necessária uma grande cultura
histórica… não é de modo algum a tradição do nosso país, especialmen-
te em comparação com a Itália, que obviamente tem uma forte cultura
literária e que leva arquitetos a representar um mundo como é descrito
em romances. Muitos arquitetos, dentre os ex-alunos do Aldo Rossi, es-
tavam bastante interessados na arte contemporânea, que, na época, era
muito minimalista. O Minimalismo permitiu coletar e mostrar outras
figuras, outras imagens, mais próximas da tradição suíça. Aqui aprende-

62
19

20

Ilustração do período.
Peter Zumthor.
Rindermarkt
apartment building,
Zurich, 1988.
mos desenhos muito simplificados, às vezes geometrias abstratas muito
expressivas, sua cor, seu equilíbrio formal. É o que os professores e os
pedagogos fazem. O interessante é que os suíços também falam sobre
imagens, como é o caso de Herzog & de Meuron, mas é sobre imagens
pessoais e não imagens de sua cultura figurativa. Porque a ideia de usar
sua cultura figurativa envolveria afastar-se do individualismo e do culto
da auto-adoração, típico do artista suíço. (L’HYPOTHÈSE, 2012, min. 58)

Diante desse cenário formativo-contextual, constroem-se vínculos


fundamentais na obra de Zumthor, revelando muitas de suas característi-
cas que serão desenvolvidas especialmente pós 1985, período que o arqui-
teto considera como início de sua “busca pessoal” e recorte da produção
desta dissertação.

64
21 Donald Judd
Untitled,
1972.

22 Donald Judd. 23 Donald Judd.


Untitled, Untitled,
1977. Marfa, 1980–84.
1.2.1 MANIFESTAÇÕES PROJETUAIS

Reconhece-se no grupo de arquitetos suíços do norte do país que estavam


se formando ou iniciando seus próprios ateliers entre os anos 80 e 90 al-
gumas questões comuns. Nesse sentido, reconhecê-las passa a ser também
uma contribuição ao entendimento da obra de Zumthor, mesmo que cada
uma dessas práticas contemple suas próprias especificidades.
Essa geração de arquitetos fora influenciada pelas questões teóricas
ocorridas na Suíça do final da década de 70 e da década de 80, sobretudo
com um específico rompimento com o Moderno, a partir das discussões
abordadas pela ETH, com a presença de Aldo Rossi e as reinterpretações
regionais vindas dos arquitetos de Ticino, complementadas pela influência
artística do Minimalismo.
Ao se observar o quadro (ver p.51) do contexto formativo dessa geração
de arquitetos pode-se dizer que houve uma comum contribuição teórica
das proposições de Rossi na ETH, seja ela dada em paralelo, pela conco-
mitância do período profissional do arquiteto, como também direta, por
quem assistiu aos seus estúdios, ou indireta, por quem assistiu aos estúdios
que continuaram seu legado na universidade.
A prática desses arquitetos durante o fim dos anos 80 e na década de 90 13  Termo utilizado
por Irina Davidovici
ilustra o “espectro teórico” 13 formulado na década anterior: Peter Zumthor, no capítulo Towards
Herzog e de Meuron, Gigon & Guyer, Peter Meili, Diener & Diener, por a Swiss Model, em
DAVIDOVICI, IRINA.
exemplo, demonstram operações projetuais comuns nesse período. Forms of Practice:
São elas: i) concisão formal e expressividade material; ii) lógica de plan- German Swiss
Architecture 1980–
tas não hierárquica; e iii) adaptação volumétrica ao entorno. 2000. 2ª edição
ampliada. Zurique:
GTA Publishers, 2018.

66
1.2.1.1 A concisão formal e expressividade material

Citados como parte na “New Simpicity” 14 suíça, o grupo concentra grande 14  Abordagem formal
relacionada com a
parte de sua obra em projetos com reduções formais para volumes conci- simplicidade observada
sos, prismáticos, onde há um deslocamento para o tema da superfície ma- com recorrência
cunhou esse título à
terial e da própria ideia de presença, atmosfera, do edifício em seu contexto: produção suíça desse
período, embora
não caracterize um
Na suíça, “New Simplicity” está longe de ser um objetivo. Realmente, é o movimento teórico
resultado lógico de outros objetivos conceituais. Nem é uma prioridade, próprio. Ver capítulo
“New Simplicity”, em
mas é o resultado de um processo de redução que faz os materiais e as LUCAN, Jacques;
formas brilharem e ressoarem. Menos é realmente mais aqui – o pro- RAFFAELE, Colette;
NICOLIER, Guy; MIVELAZ,
cesso de redução não é sinônimo de abnegação induzida pela escassez; Philippe; STEINMANN,
ele incorpora um esforço para a sensualidade. (ALLENSPACH, 1999 apud Martin. Matiére
d’art: architecture
LUCAN, 2001, p.142) contemporaine em
Suisse/ A matter of
art: contemporary
Os projetos abdicam de colagens ou de figurativizações, termos e solu- architecture in
ções de projeto tão utilizados no período no contexto global, concentran- Switzerland. Berlin:
Birkhauser, 2001.
do-se menos na ideia de figura e mais na ideia da forma: são artefatos geo-
métricos abstratos, silenciosos, concêntricos. Ver figuras 24 a 27.
Davidovici faz, ainda, uma extensão do sentido da concisão formal des-
ses projetos, muito coerente com a obra de Zumthor, que é a da aderên-
cia de uma interpretação simbólica da própria presença física dos projetos
como corpos autônomos na paisagem:

Para a arquitetura suíça, por volta de 1990, a reação contra o pós-moder-


nismo criou um gesto de intervenção negativa, um recuo ao silêncio con-
tra o musak de fundo da cultura de mercado. A busca de uma presença
específica e a aspiração à intemporalidade podem ser lidas nesses proje-
tos como formas de resistência. Eles pertencem ao horizonte da autono-
mia artística na sociedade capitalista moderna. A adesão a esse horizonte
declara a remoção da arquitetura do cotidiano para um nível purificado
através da coerência intelectual ou construtiva. (DAVIDOVICI, 2012, p.276)

Embora seja essa uma operação arquitetônica comum a esse grupo nes- Ver figuras 28 a 31.
se período, ela se perpetua em Zumthor, mesmo recentemente; outros ar-
quitetos desse grupo, ao contrário, como Herzog & de Meuron, experimen-

67
taram outros modelos formais ao longo da carreira, flertando muitas vezes
com a cultura de mercado.
A segunda estratégia diz respeito à expressão matérica desses corpos
geométricos abstratos. As suas superfícies, com suas técnicas construtivas
diversas, ganham importância projetual de maneira que impõem “vibra-
ções” ao volume: a decisão pela materialidade do projeto é fundamental
para a justa definição de seu caráter e da própria experiência física sensorial. Ver figuras 32 a 39.
Cada arquiteto vai explorar sua própria interpretação da relação entre
matéria, contexto e volume arquitetônico, pois não há, como se observa
nos projetos, uma igualdade, decisão comum por materiais. Tampouco en-
tre as próprias obras dos arquitetos há regra individual que consagre sua
produção associada a um único material. Nesse sentido, essa característica
consiste mais em uma ação projetual comum, que vai absorver distintas
expressões matéricas, de acordo com cada contexto: um tema de projeto.
Davidovici observa, levando em conta o comentário de Steinmann, a
mudança que esse grupo de arquitetos engendrou com essa operação:

Steinmann atribuiu um significado especial a essa sensualidade enfáti-


ca. Para ele, isso representa uma “mudança na recherche architecturale
das coisas como significado, para coisas como experiência”. Ou seja, o
interesse pelo caráter pictórico do material substitui mais as referências
do imaginário, como as usadas no início dos anos 80. Uma vez que as ci-
tações contextuais literais eram consideradas muito instáveis, elas foram
substituídas por interpretações sintéticas do contexto, na forma de uma
aparição única do material. (DAVIDOVICI, 2012, p.268)

Os volumes adquirem, então, uma informação háptica em sua arquite-


tura, deixando de ser inertes ao receberem um mesmo cobrimento mate-
rial em toda sua superfície.
Para Zumthor, esse processo é essencial na construção de sua arquitetura:

[…] Existe um efeito recíproco entre as nossas sensações e as coisas que


nos rodeiam. É com isso que me identifico como arquiteto. Trabalho com
formas, figuras (fisionomias), com as presenças materiais que represen-
tam o espaço em que vivemos. Com o meu trabalho contribuo para os
fatos reais, para as imposições atmosféricas no espaço que incendeiam

68
os nossos sentimentos. A magia do real é para mim essa “alquimia” da
transformação de substâncias reais em emoções, esse momento especial
de apropriação ou assimilação emocional da matéria, da substância e da
forma no espaço arquitetônico. (ZUMTHOR, 2009, p.85)

69
24

Gigon Guyer.
Signal Box,
Zurique, 1996.

25

Peter Markli.
La Congiunta,
Giornico, 1989.
26

Herzog & de Meuron.


Signal Box,
Basel, 1991.

27
Morger & Degelo.
Transformadores
elétricos da CfF,
Suíça, 1996–2014.
28
Peter Zumthor.
Abrigo ruínas
arqueológicas romanas,
Chur, 1985–86.

[29]

Peter Zumthor.
Capela Bruder Klaus,
Mechernich, 2007.
[30]

Peter Zumthor.
Capela Sogn Benedetg,
Sumvitg, 1985–88.

31

Peter Zumthor. Pavilhão


da Galeria Serpentine,
Londres, 2011.
32 [33]

34 35

Peter Zumthor. Peter Zumthor.


Atelier, 1985. Capela Bruder Klaus, 2007.

Meili & Peter.


Centro de Seminários Valerio Olgiati.
da Swiss Re, 1995–2000. Yellow House, 1995.
[36] 37

38 39

Peter Zumthor. Gigon e Guyer.


Capela Sogn Benedetg, 1985. Cff Signal Box, 1996.

Valerio Olgiati. Herzog & de Meuron.


Atelier Bardill, 2007. Frei Atelier, 1981.
1.2.1.2 A lógica de plantas não hierárquicas

A lógica das plantas desses edifícios assume também características co-


muns: espaços não hierárquicos que consagrem a ideia de um todo forma-
do por partes complementares, em oposição ao binômio cômodo-corredor.
Isso gera dois modelos muito recorrentes nas obras desses arquitetos: plan-
tas formadas por uma “constelação” de vários espaços interiores autônomos,
articulados; e “plantas sem corredor”, com espaços associados diretamente.
Lucan sugere uma associação dessa característica singular como uma
transposição da estrutura urbana dos povoados do Cantão suíço-alemão
para os edifícios novos projetados:

[…] baseie-se em uma planta lógica que serve como uma constelação de
contrastes e oposições, de analogias e relações homotéticas, de equilíbrio
e tensão, engendrando assim múltiplas associações sem que nenhuma
das partes individuais perca sua integridade ou relativa autonomia.
O descrito acima é especialmente relevante quando são feitas adições
a conjuntos que requerem uma abordagem sensível, como uma aldeia
no Graubünden com casas que são agrupadas e independentes. (LUCAN,
2001, p.126)

Por outro lado, Zumthor demonstra uma intenção fenomênica nas


plantas em “constelação”: a própria experiência espacial no movimento,
o deambular livre, entre os espaços de articulação que suas circulações
contemplam. Esse “funcionamento” do edifício sem condicionar necessa-
riamente um caminho objetivo de circulação, são, para ele, qualidade que
provoca, acentua a relação corpo-arquitetura. Para isso, utiliza como exem-
plo seu projeto das Termas de Vals:

Entre a serenidade e a sedução. E prende-se com o fato de nos movi-


mentarmos dentro da arquitetura. […] Ou seja, imagino como nos movi-
mentamos nesse edifício, e aí vejo os polos de tensão com os quais gosto
de trabalhar. Vou dar-vos o exemplo daquela piscina termal que fizemos.
Achávamos muito importante criar um certo “vaguear livre”, não condu-
zir, mas seduzir. Por exemplo, um corredor de hospital: condução. Mas
também existe a sedução, o deixar andar, o vaguear, e isso nós, os arqui-

76
tetos, conseguimos fazer. […] Nessa piscina tentamos levar as unidades
espaciais a um ponto em que funcionam por si só. Tentamos, não sei se
conseguimos, mas não me parece que esteja mal. Espaços – aqui estou,
eles começam a reter-me espacialmente, não estou de passagem. Estou
bem aqui, mas neste momento ao virar a esquina, ou noutro ponto qual-
quer, há algo que desperta minha atenção, a luz que entra de uma certa
maneira, e eu passo descontraidamente. Tenho de dizer que isso é um
dos meus maiores prazeres: não ser conduzido, mas sim deambular – drif-
ting. (ZUMTHOR, 2009, p.44)

Esse modelo de planta em constelação fora desenvolvido pela primeira Ver figuras 41 a 57.
vez por Gigon & Guyer no Museu de Kirchner (1989–92), onde também
se desenvolve uma diferenciação material entre os interiores das salas de
exposição e os espaços de articulação, demarcando ainda mais essa alter-
nância de espaços.
Zumthor faz uso dessa configuração logo na sequência cronológica,
com suas Termas de Vals (1990–94), mas, como observa-se, mantém essa
temática ao longo de sua obra, até em sua fase mais recente.
Já o modelo de planta sem corredor, mas com ligação direta entre seus Ver figuras 58 a 61.
espaços, tem como um de seus edifícios iniciais mais emblemáticos a Casa
Tavole, de Herzog & de Meuron (1982–88). Pela análise das obras de Zum-
thor, pode-se aferir que há uma maior constância de edifícios com o pri-
meiro modelo de plantas (constelações), mas as plantas de corredor são
também abordadas no edifício anexo do Museu de Bregenz (1990–95) e na
Casa Gugalun (1990–94), por exemplo.
Em geral, nesse tipo de configuração espacial, é atribuída às divisórias
entre ambientes a função estrutural da edificação, sendo associados, com
frequência, os sistemas de circulação vertical a essas empenas.

77
40

42

43

41 44

Gigon & Guyer. Peter Zumthor.


Museu Kirchner, Termas de Vals,
Davos, 1989–92. Vals, 1990–94.
45 46

Bearth & Deplazes. Valerio Olgiati.


Escola, Escola,
Vella, 1994–98. Paspels, 1996–98.
50

[47]

51

48

49 52

Peter Zumthor.
Museu de artes Peter Zumthor.
de Kolumba, Swiss Sound Box,
Colônia, 1998–2003. Expo Hanover, 2000.
55

53

56

57

58

54 59

Herzog & de Meuron. Peter Zumthor.


Perez Art Museum, Perm State Art Gallery,
Miami, 2006. Perm, 2010.
60 61

Herzog & de Meuron. Peter Zumthor.


Casa Tavole, Anexo Museu Artes
Tavole, 1982–88. Bregenz, 1990–95.
62 63

Peter Zumthor. Morger, Degelo & Kerez.


Casa Gugalun, Museu de artes de
Versam, 1990–94. Vaduz, 1998–2000.
1.2.1.3 A adaptação volumétrica ao entorno

Por fim, tem-se a adaptação volumétrica ao entorno imediato, como uma


operação de ajuste dos volumes prismáticos, quando há projetos que aban-
donam essa geometria inicial mais regular.
Os volumes mantêm sua característica geométrica, muitas vezes resolvi-
da por uma extrusão da forma da planta, mas adquirem retrações, tensões,
informadas pelas edificações vizinhas, e elementos da paisagem, como ár-
vores, de maneira que passam a “encaixar” no lugar a que pertencem: Ver figuras 64 a 68.

Paradoxalmente, tais estruturas têm maior integridade, pois não apenas


seu espaço pertence apenas a elas, mas também se atém a requisitos con-
textuais, como a vegetação de um local. As relações não dominantes são,
portanto, geradas, permitindo a abertura de visuais, orientações múlti-
plas e uma série de outras possibilidades. (LUCAN, 2001, p.130)

Essa análise contextual depende da subjetividade de cada arquiteto, mas


pode-se aferir, ao analisar os projetos dessa geração, que isso está latente
como uma questão projetual de adequação às condições, formas, do sítio.

84
64 65

Herzog & de Meuron. Peter Markli.


Casa Plywood, Edifício habitacional
Bottmingen, 1984–85. Brig, 1992–95.
Herzog & de Meuron.
Edifício comercial
e residencial
Dornacherplatz,
Solothurn, 1998–2000.

66

67

Peter Zumthor.
Los Angeles County
Museum of Art (LACMA),
Los Angeles, 2017.
68

Peter Zumthor.
Ampliação da
Fundação Beyeler,
Basel, 2017.
1.3 ATELIER ZUMTHOR
Ainda sobre a construção identitária de Zumthor, é preciso reconhecer
como são os processos de desenvolvimento e pesquisa de seus projetos: seu
método de trabalho em seu Atelier, pois seu modo de projetar é também
uma expressão de suas características em si.
Especificamente, os modelos físicos possuem um papel fundamental Ver figuras 69 a 71.
no processo de trabalho de Zumthor: são os artefatos usados para verifica-
ção e ajuste das várias camadas dos projetos, cada um deles construídos de
acordo com o que se almeja verificar.
Essa ênfase dada à construção de modelos pela necessária confrontação
das ideias subjetivas em objetos físicos pode sinalizar sua intrínseca menta-
lidade artesã, dada sua origem como marceneiro, e, nesse sentido, o recoloca 15  O Atelier Zumthor
divide-se em três
como um artífice, pensando através de seus objetos no fazer arquitetônico. edifícios vizinhos no
Seus modelos físicos não são, diante disso, obras necessariamente em vilarejo de Haldenstein
construídos ao longo
madeira, com acabamento primoroso; ao contrário, são instrumentos de tra- da história do escritório.
balho e pesquisa realizados de forma distante da abstração, acolhendo as O primeiro em 1986,
compartilhado com
reais materialidades de cada projeto, suas texturas, seus modos de construir. sua própria casa; o
A sua importância está refletida na própria organização espacial do segundo em 2005,
que passou a ser sua
mais recente edifício do Atelier Zumthor 15, por exemplo, que tem em todo atual casa e ampliação
seu pavimento térreo, comunicado diretamente com a rua, uma oficina de do Atelier; o terceiro,
inaugurado em
modelos. Com o mesmo tratamento dado pelos artesãos do vilarejo, que 2016, passou a ser a
têm no térreo de suas edificações seus ofícios conectados diretamente com ampliação de maior
escala, um edifício
a rua, os modelos de Zumthor estão expostos à maneira de uma vitrine. de três andares e um
Dentro da dinâmica do Atelier, todos iniciam seu dia de trabalho passando subsolo dedicado
unicamente ao Atelier.
necessariamente pelos modelos para subir até os postos de trabalho nos
andares superiores. Ver figuras 72 e 73.

89
Da mesma maneira, pode-se observar a importância dos modelos físi-
cos para o arquiteto quando reiteradamente os tem exposto em exposições
e bienais, endereçando a eles o sentido de obra do Atelier, abdicando de de-
senhos e outras formas de representação. São exemplos disso as exposições:
Architectural Models By Peter Zumthor, ocorrida em 2012 no Museu de Ar-
tes de Bregenz; a Bienalle de Veneza de 2016, quando apresentou um mo-
delo de grandes proporções do seu projeto para o LACMA; e a Bienalle de
Veneza de 2018, quando expôs 20 modelos de diferentes projetos selecio-
nados na nomeada Dreams and Promisses: models of Atelier Peter Zumthor.
Quanto à dinâmica do Atelier, a feitura dos modelos artesanais não im-
puta um caráter arcaico ou nostálgico à produção de sua arquitetura, mas
uma forma de “resistência” à utilização de computadores que, segundo
Zumthor, diminui a percepção de escala dos projetos, como afirmara em
entrevista para Jeanette Kunsmann e Stephan Burkoff em 2017:

Eu costumava estar familiarizado com desenhos a lápis, alguns dos quais


eu me fiz – quer dizer, nós costumávamos ter uma cultura muito boa de
desenhos a lápis. E agora, com o computador, criou-se conosco uma bela
cultura modelo. Nós construímos muito, muitos modelos – no passado
nós desenhávamos muito mais desenhos à mão. Eu sempre tenho cerca
de sete pessoas construindo modelos. Portanto, não há modelos de re-
presentação, mas sim esboços. A Kunsthaus Bregenz tem 2.000 metros
quadrados de nossos modelos em sua coleção 16. Eles já foram exibidos 16  O acervo dos
modelos encontra-se
com muito sucesso. Essa é a reação à perda de escala no computador. hoje sob os cuidados
(ZUMTHOR em KUNSMANN; BURKOFF, 2017) da Kunsthaus
Bregenz, na Áustria,
constantemente
O sentido de “esboço” descrito por Zumthor impõe um uso dos mo- atualizado, situa-se
no edifício vizinho
delos mais experimental, analítico, de construção diária de um raciocínio ao Museu de Artes
espacial testado. de Bregenz.
Marina Cecchi 17, em entrevista para o autor, descreve essa rotina de 17  Marina Cecchi é
arquiteta brasileira,
trabalho no Atelier como uma troca constante entre desenho e modelos, a colaborou na oficina
partir da lembrança do início de um projeto: de modelos do Atelier
Zumthor durante
o ano de 2018.
Começou com um sketch do Peter. Nesse caso um corte. Ele chamou
todos do Atelier pra contar sobre o projeto e explicou sua ideia através
desse corte. Em seguida escolheu um arquiteto para trabalhar nesse pro-

90
69

70

71

72 73

Atelier Zumthor,
oficina de modelos.
jeto. Esse arquiteto passa o desenho para o computador, além de olhar
e organizar outras informações como o programa etc. Mas sempre em
constante conversa com o Peter sobre cada coisa. Depois, em algum mo-
mento, chega a hora de fazer exercícios em maquete. De diversas dimen-
sões, com diferentes objetivos. É muito importante que esteja claro pra
quem está coordenando ou trabalhando na maquete que saiba o objetivo
dela. Às vezes atmosférica, geralmente em maior escala com a materiali-
dade imaginada etc., às vezes mais simples volumétrica para observar a
relação com o entorno. Acho que a partir daí o processo é sempre uma
troca entre o desenho e a maquete. Não é linear de acordo com isso, ao
meu ver. Vai e volta sempre, dependendo do tipo de coisa que se deseja
verificar ou mostrar. (CECCHI, 2018. Depoimento ao autor)

Gloria Cabral, arquiteta paraguaia selecionada como protégée 2014–


2015 de Zumthor do programa Rolex Mentor and Protégé Arts Initiative 18, 18  “A Iniciativa
Mentor e Protégé Arts
por sua vez, recorda em entrevista à Clara Werneck outro início de projeto Rolex é um programa
ligado à feitura de um modelo, após a visita ao lugar da obra: filantrópico que foi
criada em 2002 para
fazer uma contribuição
A primeira coisa que ele faz é ir para o lugar. Ele vai, conhece o lugar, faz para a cultura mundial.
O programa procura
um percurso nesse lugar. Depois, no escritório mesmo, nós começamos jovens artistas
fazendo uma maquete do lugar completo. A maior que se pode. A ma- talentosos de todo o
mundo e os junta com
quete do sítio tem que ser muito grande e ter toda a informação correta. os mestres artísticos
Ele começa a trabalhar com isso. Ele tem marcado passos para um proje- para um ano de
colaboração criativa
to: primeiro é o sítio, ver onde o projeto vai estar, depois começa a fazer em um relacionamento
o modelo, sua construção, e por aí vai. Mas todo primeiro trabalho é de orientação cara-
a-cara.” – Ver mais
fazendo modelos, em escala 1:20, variando até 1:5000, 1:10000. Em todas em: http://www.
as escalas. A maioria das decisões são tomadas com isso, com o modelo. rolexmentorprotege.
com/about
Ele não usa programas de 3D, de modelagem, no escritório. Para apre-
sentações ele tira fotos das maquetes e no máximo insere no Photoshop,
alguma coisa a partir disso. (CABRAL appud WERNECK, 2017, p.63)

A partir daí os processos são múltiplos, mas sempre se amparam no


embate com o mundo real, podendo chegar até a protótipos em escala real
de determinado trecho das construções; Cabral exemplifica esse processo
de pesquisa através dos modelos:

92
Depois se trabalha em cima disso, mais maquetes, ele faz detalhes, de
como você vai abrir a porta, como vai ser a luz que vai entrar nesse lugar,
etc. Tudo é estudado com as maquetes, as cores, onde a luz vai entrar em
tal momento. Ele tem maquetes para ver a orientação do sol, em que país
em que cidade do mundo está o projeto. Ele faz toda a reconstrução do
movimento do sol para saber onde vai entrar e quanta luz ele quer que
entre. Tudo isso ele não faz eletronicamente, que hoje em dia é fácil, você
só coloca no SketchUp e faz automaticamente, mas não, ele faz tudo isso
fisicamente, em maquetes reais. (CABRAL appud WERNECK, 2017, p.63)

Dentro desse raciocínio, podem-se separar três grupos de modelos que


atuam para diferentes verificações: i) a leitura do lugar, ii) as atmosferas
dos espaços interiores, e iii) as construtivas. Cada processo de projeto, po-
rém pode demandar sua própria sequência de verificações.
Os modelos de leitura do lugar, em geral em escala menor, indicam a
presença do edifício na paisagem em que se situa, com abrangente área de
entorno. Esse tipo de modelo não ilustra diretamente a realidade espacial
a que pertencem os projetos, tampouco é uma abstração, mas sim uma lei-
tura analógica, interpretativa do arquiteto do caráter do lugar. Os materiais
escolhidos adquirem teor expressivo e transmitem a imagem do lugar ao
invés da representação literal: são utilizados cera derretida, carvão, areia,
pedras, por exemplo, para transportar a justa ambiência do lugar e uma
experiência espacial:

O uso de uma ampla variedade de materiais para seus modelos é uma


maneira de Peter Zumthor sugerir ou interpretar uma atmosfera em vez
de representar clinicamente o espaço. Para Zumthor, esses objetos de se-
dução tornam-se objetos de avaliação. É a sublimação da forma material,
proporcionando uma experiência espacial em quatro dimensões. (BER-
TELOOT; PATTEEUW, 2013, p.89)

A cera derretida presente na idealização dos terrenos, das árvores e da


água contém uma similitude com o artista anteriormente citado Joseph
Beuys que a utilizava em suas obras para atingir certa espessura, lastro inte-
rior matérico, incapaz de definir contornos nítidos, buscando, com isso, ou-
tras dimensões dos significados dos objetos, mais suspensos ou retardados. Ver figuras 74 e 75.

93
Esses mesmos modelos são usualmente utilizados em fotomontagens
editadas com paisagens difusas incluídas no fundo da imagem, árvores em
movimento, luz etérea, que reforçam seu aspecto metafísico. Ver figuras 76 e 77.
O segundo campo diz respeito às ambiências dos espaços interiores:
esse tipo de modelo opera com a verificação da luz, texturas, cores do
material real pretendido para o projeto. Em geral esses modelos acom-
panham pedestais de aço que os elevam até a altura dos olhos, sendo co-
mum encontrar portinholas que se abrem liberando determinadas vistas
para o seu interior.
Zumthor condiciona esse tipo de modelo à grande escala, pois há a ne- Ver figura 79.
cessidade corpórea de que o modelo informe a “magia do real” 19 que, nesse 19  Em referência ao
capítulo de mesmo
sentido, permite que se “vivencie” o modelo, com espaço suficiente para nome em ZUMTHOR,
entrar com a cabeça. Peter. Atmosferas,
Entornos Arquitetônicos
A grande escala também permite verificar outros componentes de pro- – As coisas que me
jeto, como a luz por exemplo. Zumthor, em 2015, durante o evento AME- rodeiam. Barcelona:
Gustavo Gili, 2009, p.19.
RICAnodelsud, menciona que especificamente a escala 1:10 é a adequada
para a correta verificação da luz sobre uma imagem apresentada de um
modelo da capela Bruder Klaus: Ver figura 80.

O que você vê é um modelo, com água e luz de cima, é feito em escala


1:10. Você pode estudar a luz real, se a escala é pequena, não funciona,
mas quando você faz um modelo 1:10, você pode estudar a luz, como ela
será na realidade mais tarde. Mas você tem que colocar o modelo ao sol,
para que o sol faça a luz. Não o computador. (ZUMTHOR, 2015)

Esses modelos, como estão feitos para sentir a materialidade interior


dos projetos, são verdadeiras caixas contentoras desses espaços, de modo
que externamente muitas vezes não estão finalizados, pintados e têm so-
bras de material não cortado. Isso demonstra o aspecto prático dos mode-
los, utilizados para seu próprio fim verificador.
O terceiro tipo de modelo corresponde aos estudos e às verificações Ver figura 81.
construtivas: representa possibilidades construtivas. Tais modelos são tam-
bém feitos em grande escala, podendo chegar até a protótipos em escala
real de trechos da edificação.
Possuem somente a informação construtiva do projeto, como se a iso-
lasse dos outros temas. Em geral são constituídos por “esqueletos”, “grids”,

94
[74]

Modelo em cera de
Peter Zumthor. Pern
State Art Gallery, 2012.

[75]
Modelo em cera
de Peter Zumthor.
Mountain Hotel
Braunwald, 2014.
76

Fotomontagem
a partir de modelo.
Peter Zumthor.
Summer Restaurant.
Insel Ufnau, 2003–11
77

Fotomontagem a
partir de modelo.
Peter Zumthor.
Steilneset Memorial.
Vardo, 2007–2011.
Didática proposta
78 por Zumthor em seu
estúdio na Accademia
di architettura, em
Mendrisio, 1996:
Make it typical!
A small atlas
of architectural
atmosphere

imagens atmosféricas diagrama


Imagens em cor para projeção (arquivo digital e impresso) desenho preciso em escala a lápis ou tinta, em preto e branco
Imagens fortes dos espaços importantes, aparência do edifício a extensão do edifício (planta, corte, detalhe)
A magia do real (manipulação digital permitida) elementos essenciais como uma miniatura

modelo estrutural palavras


O edifício inteiro (mas só isso) os nomes dos elementos arquitetônicos
abstração da imagem da realidade (pedra molhada, sol da manhã, barulho metálico…)
Espaço, luz, materiais, superfícies, como uma escultura 1–3 ou mais temas (reforçados com adjetivos possíveis)

modelo do lugar existente descrição do lugar


Sem mapeamento, não só descrição geométrica sem poesia
Representar a alma do lugar as coisas que você experimenta com os sentidos
a atmosfera total do lugar deve aparecer
Escolha das coisas; interpretação foto do modelo
abstração da imagem da realidade foto documental (com luz do sol)
Como uma escultura em material sólido, espaço, superfícies plasticidade do modelo (luz e sombra)

fotomontagem imagem do lugar existente


O ícone: imagem mais forte do edifício, espaço importante como o retrato da sua própria mãe
intensidade atmosférica, tensão fotografia em preto e branco
fenomenologia dos materiais + luz+ espaço
manipulação digital permitida detalhe
desenho feito a mão a lápis ou tinta, escala 1:1
modelo atmosférico corte horizontal ou vertical como um diagrama
Sem simbolismo, sem formalismo, sem trabalho conceitual construtivo (da atmosfera), sensibilidade
Sem design gráfico, sem composição estética para pôr superfícies dos materiais em cena
Apenas conteúdo, a primeira ideia, a experiência mais importante
Qualquer material, técnica, dimensão… estão permitidos
modelo com qualidade de esboço, colagem 3d
que fazem mais uma verificação formal consequente de estrutura do que
testam-na em termos técnicos.
Amplificando sua metodologia, pode-se verificar seu mesmo raciocínio
processual na didática proposta em seu estúdio Make it typical! A small
atlas of architectural atmosphere ministrado na Accademia di architettura,
Mendrisio, em 1996. Zumthor condiciona seu curso basicamente em dife-
rentes tipos de modelos de análise, imagens conceituais, descrições verbais
e detalhes ampliados. Ver figura 78.
Os modelos são tratados como “esculturas, em materiais sólidos”, que
não devam ser “só descrição geométrica, mas representar a alma do lugar”,
interpretando-o. As imagens e os textos são complementares nesse tipo de
interpretação, seguindo a análise da atmosfera do projeto. O detalhe am-
pliado feito à mão em escala real (1:1) explicita esse embate construtivo
com a natureza real dos materiais.
A seguir, destaca-se o registro do autor do conjunto de modelos expos-
tos durante a Bienal de Veneza de 2018, Dreams and Promisses: models of
Atelier Peter Zumthor, que ilustram sua essencialidade e dimensão no esta-
do criativo do arquiteto, representando o desenvolvimento de seus projetos. Ver figuras 82 a 110.

100
79

Modelo da Casa dos


Mosaicos. Jericho,
Palestina, 2006–10.

81
Modelos construtivos
do Museu Mine
Zinc Allmannajuvet.
Noruega, 2003–2016.

80
Modelo de espaço
interior da Capela
Bruder Klaus.
Alemanha, 2001–2007.
[82]

Bienal de Veneza, 2018.


Dreams and Promisses:
models of Atelier
Peter Zumthor
[83]

Hotel Braunwald,
Suíça, projeto.

Modelo de leitura
analógica do lugar.

1:500 – construído
em 2014.

Isopor, areia,
cera, lã de aço.
[84]

[85]

Casa privada, projeto.

Modelo de estudo de
um espaço interno.
Notar que, por esse
uso, o modelo não
segue a volumetria
externa do projeto.
Suporte metálico o
eleva até a altura
dos olhos.

1:20 – construído
em 2014.

Concreto celular,
pigmentos, água.
[87]

Hotel no Deserto
do Atacama,
[86] Chile, projeto.

Modelo de estudo
aproximado da
edificação de grandes
proporções.

1:100 – construído
em 2010.

Cartão, areia, cera.

[88]

Hotel no Deserto
do Atacama,
Chile, projeto.

Modelo com uma


seção do projeto,
um único módulo
com um quarto.

1:20 – construído
em 2009.

Styrofoam, gesso,
pigmento.
Museu Zinc Mine
Allmannajuvet,
Noruega, obra
construída em 2016.

Modelo de leitura
analógica do lugar:
paisagem rochosa
lida pela textura
mineral do carvão.
Árvores e arames
metálicos retorcidos.

1:100 – construído
em 2014.

Styrofoam,
carvão, argila.

[89]

[90]
[91]
Capela Bruder Klaus,
Alemanha, obra
construída 2005.

Modelo que destaca a


estrutura de madeira
que foi utilizada
como fôrmas na
concretagem.
Modo “de montar”
simples e direto:
bambus fincados
diretamente no
styrofoam unidos nas
pontas por um cabo
de aço. Esse sistema
não traduz o sistema
construtivo da capela
propriamente, mas foi
utilizado para fazer
“funcionar” o ensaio a
que ela se propunha.
A planta da capela
[92]
está marcada com
um vinco na base.

1:10 – construído
em 2007.

Styrofoam,
areia, bambu
[94]

[93] [95]

Capela Bruder Klaus,


Alemanha, obra
construída 2005.

Modelo de estudo
do espaço interior
da capela. Nota-se
que pela escala e
feitura atinge-se uma
proximidade muito
grande com o projeto
real construído. Como
o objetivo do modelo
é construir esse molde
do espaço interior
da capela, ele não
avança em representar
a forma externa.

1:10 – construído
em 2007.

Argila branca.
[96]

LACMA, Los Angeles,


EUA, projeto.

Modelo de leitura do
lugar: sua idealização
é arenosa, desértica,
embora a situação
real seja de um
verde parque. Essa
transformação
consagra a imagem
original da paisagem
americana como [97]
construção mental
de Zumthor.

1:500 – construído
em 2013.

Concreto pigmentado,
betume.
Casa privada, projeto.

Modelo de leitura do
lugar: edificações
representadas
geometricamente
precisas, laminares
em uma paisagem
“macia”, arenosa, com
a água representada
em cera.

1:500 – construído
em 2014.

Cartão em fibra
de madeira, areia,
cera, cartão.

[98]
[99]

Galeria de arte em
Berlim, Alemanha, [100]
projeto.

Modelo do edifício
construído inteiramente
em blocos de
mármore branco
maciços simplesmente
apoiados entre si:
apresenta grande
apuro construtivo,
feita inteiramente com
um único material,
como uma escultura.

1:50 – construído
em 2003.

Mármore.
Abrigo protetivo para
o Palácio Hisham,
Palestina, projeto.
[101]
Modelo do edifício em
1:20 para observação
da incidência de luz
nos mosaicos do piso
das ruínas do palácio.
Embaixo da intervenção
em madeira há uma
tampa redonda que
se abre, permitindo
que alguém entre por
debaixo para observar
o posicionamento
das madeiras.

1:20 – construído
em 2010.

Concreto, areia,
gesso, madeira.
[102]

Restaurante de verão,
Suíça, projeto.

Modelo de leitura do
lugar, uma pequena
ilha lacustre na [103]
Suíça. Zumthor
realiza novamente
uma maquete inteira
no mesmo material,
no caso a cera.

1:50 – construído
em 2005.

Cera.
[104] [105]

Termas de Vals, Suíça,


obra construída
em 1996.

Modelo de estudo
dos espaços internos
a partir da lógica do
projeto, ou seja, placas
de pedra que estão
apoiadas conformando
blocos articuladores
dos espaços. O fato de
Zumthor tê-lo realizado
com o mesmo granito
local será especificado
na obra demonstra a
verificação precisa a
que o modelo permite.

1:50 – construído
em 1992.

Granito local, água.


Projeto de expansão [106]
da Fondation Beyeler,
Suíça, projeto.

Modelo de leitura do
lugar dos edifícios
da ampliação da
Fundação, que
possui edifícios
remanescentes em
seu entorno. Zumthor
divide a materialidade
de sua intervenção: o
primeiro volume novo
assume o mesmo
concreto celular dos
edifícios existentes,
mesclando-se, e o
[107]
segundo ganha uma
pequena cobertura de
aço negro. O mesmo
aço representa a
cobertura do edifício
museológico de Renzo
Piano, existente
na fundação.

1:250 – construído
em 2016.

Concreto celular,
pigmento, fio de aço.
[108]

Espaço expositivo para


a escultura I Ching, de
Walter de Maria, DIA
Bacon, EUA, projeto.

Modelo de estudo
de espaço interior:
uma caixa com
muitas perfurações
e portinholas em
pontos estratégicos na
altura dos olhos para
observar o interior. O
vértice do projeto está
incompleto para livre
observação de um
ângulo importante. O
modelo tem sinais de
[109]
uso para verificações:
suas peças frontais
são unidas por
alfinetes, permitindo a
substituição simples.

1:50 – construído
em 2005.

Styrofoam, gesso,
pintura.
[110]
2 Relato de viagem
Este capítulo expõe, em primeira pessoa, a viagem do autor às obras de
Zumthor, realizada em abril de 2016 e encarada aqui como método de pes-
quisa e reconhecimento de questões intrínsecas dos trabalhos do arquiteto,
somente possível a partir da experiência em cada uma delas.
Antes, porém, retrocedo a 2015, ocasião em que defini qual seria o
momento ideal para visitar as obras de Zumthor. Naquele ano, participei
do evento AMERICAnodelsud  e presenciei uma palestra proferida pelo ar-
quiteto. Enquanto Zumthor fazia sua exposição, uma tela ao fundo pro-
jetava, numa apresentação randômica, alguns trechos de suas falas: “The
sound of my house; Memory is Life itself; My early images: Stem Cells; My
secret muses; Herkunft – Where I come from; Architecture of my childhood;
We all come from a house; Object and body; Charged Voids; Always say I –
valuable sentimentality; The Power of the images inside my head; My body
knows more than my brain can think of in a fragmento f a second; Make
it typical than it becomes special; Good ideas don’t die; Passion, intensity,
condensation: atmosphere; An April morning in the 50ties”. Ao final, Zum-
thor exaltou a qualidade da luz de abril em sua região como uma imagem
forte em seu pensamento arquitetônico. Decidi, então, que faria a visita
em suas obras em abril do ano seguinte, em busca da luz de “uma manhã
em abril dos anos 50”.
Assim, definida a data, visitei dez de suas obras, todas construídas após
1985 – recorte desta dissertação – entre Suíça, Áustria e Alemanha, incluin-
do seu próprio atelier, em Haldestein, recém-ampliado (o Atelier Zumthor
se divide em três projetos vizinhos construídos ao longo do crescimento do
escritório nesse vilarejo, no Cantão alemão da Suíça, ao lado de Chur).

121
Muitos dos projetos de Zumthor estão nessa região do Cantão suíço de
Graubünden, onde ele vive e atua desde 1968, período em que trabalhou no
Departamento de Patrimônio Histórico da região.
Meu roteiro incluiu Bregenz, cidade austríaca, para visitar o projeto do
Museu de Artes; e Colônia, na Alemanha, onde está o Museu de Artes de
Kolumba e, nas proximidades, a capela de campo Bruder Klaus.
Feitas as visitas, somente dois anos mais tarde, entretanto, em 2018, es-
crevi os relatos em um processo de anamnese, chamando a atenção para
temas amadurecidos durante esse período e que se constituíram em uma
forma de experiência interpretativa complementada com a pesquisa icono-
gráfica existente das obras. Dessa maneira, foi possível editar, conforme a
memória e os registros pessoais, com distanciamento crítico, a própria ex-
periência da viagem em um sistema comum de análise dos projetos, isto é:

1.  Inserção na paisagem – implantação;


2.  Acesso à edificação – transição; e
3.  O interior.

Com esse raciocínio metodológico e amadurecimento das reflexões


posteriores à viagem, constatei que Zumthor explora, constantemente, em
seus projetos, a mesma intenção de sua arquitetura, ou seja, constituir um Ver figuras 111 a 116.
espaço de enclausuramento ambientado por um campo limítrofe entre ex-
terior e interior bem definido, com o material e a técnica que lhe atribua o
justo caráter.
É no desenho desse limite–borda–pele–envoltório que ele realiza a sín-
tese entre o artífice e a erudição acadêmica, a consagração da técnica local
com a arquitetura internacional, a relação exterior do objeto arquitetônico
com o lugar e a relação interior sensitiva, intitulada por ele atmosferas.
Em Zumthor, o desenho desse limite não se constitui por linhas tênues,
transparentes, mas sim por um campo ampliado e espesso de mediação,
transição, acrescido de referências culturais e refinamento construtivo.
Constitui-se, portanto, num procedimento peculiar de construção de uma
interioridade  em oposição à franca relação das peles de vidro no pensa-
mento arquitetônico do século XX.
Analisar a obra de Zumthor segundo esse procedimento recorrente em
seus projetos consiste em um caminho para a interpretação de seus pensa-

122
111 Abrigo para as ruínas 112 Capela de campo
arqueológicas romanas. Bruder Klaus.
Chur, 1985–86. Wachendorf, 2001–07.

113 Museu de arte de 114 Casa dos sete jardins.


Bregenz, 1989–97. Doha, 2009–.

115 Igreja de Herz Jesu. 116 Pavilhão Serpentine


Munique, 1966–. Gallery-Hortus
Conclusus. Londres,
2010–11.
mentos projetuais. Por isso, cada obra visitada será descrita aqui na sequên-
cia implantação–transição–interior. Contribuirão para o entendimento de
cada uma delas: o lugar em que estão; suas tectônicas e seus elementos de
transição exterior–interior, tão ilustrativos da instrumentação técnica deta-
lhista do arquiteto; e, finalmente, a interioridade, suas características espa-
ciais e materiais.
O exercício da viagem trouxe como contribuição a esta pesquisa dados
fundamentais para melhor entendimento dos projetos, já que propiciou
franca abertura para interpretação, experiência e imersão por vezes muito
distantes da imagem editada e consagrada na bibliografia disponível.

124
Projetos apresentados
em ordem de visitação:

PAÍSES 1  Abrigo para Ruínas


BAIXOS Arqueológicas
Romanas. Chur,
7 Suíça, 1986.
ALEMANHA
8
2  Edifício de
BÉLGICA
Apartamentos
para Idosos.Chur,
Suíça, 1993.

3  Capela São Benedito.


Sumvitg, Suíça, 1988.

4  Atelier Zumthor.
Haldenstein, Suíça,
6 1986/2005/2016.
ÁUSTRIA
5
4 5  Termas de Vals.
3
1 Vals, Suíça, 1996.
SUÍÇA 2
FRANÇA
6  Museu de Artes
de Bregenz.Bregenz,
Áustria, 1997.

ITÁLIA
7  Museu de Arte de
Kolumba. Colônia,
Alemanha, 2007.

117 8  Capela Bruder


Klaus. Wachendorf,
Alemanha, 2007.

O mapa com as obras


georreferenciadas
encontra-se disponível
para consulta
atravéz do link:
https://goo.gl/djCJpa

100 km
2.1 Abrigo para as Ruínas
Arqueológicas Romanas.
Chur, Suíça, 1986
118

fonte: Google Earth – 30/10/2009 N 40 m


119

planta N
120

corte 5 m
Chur, 11 de abril de 2016

Na mesma estação de trem de onde desembarquei na cidade de Chur, na


loja de serviços de informações turísticas, peguei a única chave da porta de
entrada do Abrigo e, em troca, 50 francos suíços permaneceram com eles
até o momento da chave ser devolvida.
Não há horário de visita, tampouco tempo previsto de permanência. A
única orientação transmitida é “não fique muito tempo, pois pode haver
outras pessoas interessadas na visitação”.
Essa primeira relação individualizada com o edifício, que não está im-
posta pela arquitetura, mas pelo agenciamento da municipalidade, contri-
bui para a experiência de visitação.
Na edificação projetada para amparar a visitação museológica das ruí-
nas de uma antiga casa romana e seu acervo não há nenhum programa de
apoio à visitação, tais como serviços de informação, chapelaria, sanitários,
etc. Esse programa descola da edificação principal e ocorre na pequena loja
de informações turísticas da estação ferroviária da cidade.
Há certa sensação de liberdade em caminhar pela cidade com a chave
do museu em suas mãos.

2.1.1 Inserção na paisagem – implantação

A cidade de Chur é a capital do cantão suíço de Graubünden. Tem cerca de


32 mil habitantes e conserva em seu pequeno centro histórico uma estru-
tura urbana tipicamente medieval, espraiada e orgânica, a qual obrigatoria-
mente é preciso cruzar para se aproximar do Abrigo.

130
[121]

[122]
Passado o centro histórico, atravessei o rio da cidade por uma ponte e
cheguei, então, a um lugar com edificações horizontais recentes, periféri-
cas, mas também dispersas em um tecido urbano disforme e orgânico.
Afinal, onde estavam as ruínas romanas?
Cheguei a perguntar para moradores locais, mas não sabiam sequer da
sua existência.
Depois de procurar muito, encontrei o Abrigo em uma rua asfaltada, ao
fundo de edificações banais, sem relevância arquitetônica ou histórica. Ao
lado, havia o estacionamento de um edifício residencial com depósitos dos
moradores colados no último volume prismático de madeira do projeto –
muito distante da imagem consagrada pelas fotografias das publicações que
sugerem um edifício inserido na paisagem natural.
Havia, no entanto, ao redor da obra, um único casarão em madeira,
nitidamente histórico, cujas janelas tinham grossas venezianas de ma-
deira, bastante semelhantes ao fechamento externo do Abrigo. Esse fato
introduz na observação da obra um vínculo com a questão local-cultu-
ral suíça.

2.1.2 Acesso à edificação – transição

O Abrigo para as ruínas arqueológicas romanas está constituído de três


volumes prismáticos construídos em lâminas de madeira que sobrepõem
as bases das antigas paredes da ruína romana, reveladas na década de 70.
Essa base arqueológica é atravessada longitudinalmente por uma passarela
metálica elevada que extravasa a face do primeiro volume, dando acesso
ao conjunto por uma pequena escada. Verticalmente, os volumes são atra-
vessados por três claraboias, também metálicas, de formato losangular, no
centro de cada perímetro da ruína.
Dirijo-me até o volume metálico, um tubo, para vencer a pele de ma-
deira prismática que impede a visão do interior. A escada suspensa em cha-
pa de aço grafite recalcada antiderrapante é uma verdadeira transição: os
passos ressoam nas chapas laterais ao se pisar em cada um dos degraus até
o patamar de acesso onde está a porta, também de aço.
Nesse patamar, as chapas de aço laterais são substituídas pelo tátil verso
camurçado de tiras de couro preto, estruturado por anéis metálicos con-

132
[123]

[124]

125
tínuos no perímetro desse tubo. Essa materialidade não é informada por
desenhos do projeto anteriormente analisados.
A maçaneta escolhida é uma barra de aço do comprimento da largura
da palma da mão, centralizada no eixo da ferragem. Para girá-la, empu-
nha-se com o eixo entre os dedos da mão e gira-se no sentido horário até a
pequena barra de aço assumir a posição vertical: a imagem é de uma maça-
neta de cunho mecanicista, como quem abre um armário técnico.
Ao abrir a porta, o eixo claro da intervenção é definido pela passarela
metálica treliçada na mesma cota do acesso: o tubo prolonga-se visualmen-
te para o interior, atravessando os três volumes de madeira sob diferentes
nuances de luz natural. É possível acender, se necessário, a iluminação, pe-
los botões industriais ao lado direito da porta.

2.1.3 O interior

Ao encerrar seu edifício, Zumthor o faz com uma pele comum de lâminas
de madeira maciça posicionadas de forma inclinada e na horizontal, encai-
xadas por sobreposição uma a uma em uma subestrutura vertical de ma-
deira, também maciça. Esses painéis de marcenaria manufaturados são an-
corados, a cada módulo, por elementos metálicos, a uma grade interna de
pilares e vigas de madeira industrial laminada colada. O conjunto apoia-se
em uma base de concreto que corre paralela por fora das antigas paredes de
pedra remanescentes da construção romana.
Entre as antigas paredes romanas e a nova pele de madeira, há uma fai-
xa em tecido negro esticado que enfatiza a distância entre os dois tempos,
dando contraste às baixas ruínas remanescentes.
Não há transparência entre interior e exterior. Ao contrário, o ar e os
sons da cidade correm livres entre os dois tempos, e as lamelas vibram no
interior com a passagem do sol, as sombras das árvores do entorno surgem
desenhadas na fachada interna conforme a passagem do sol.
Lembrei imediatamente do aspecto diafragmático dessa pele de vene-
zianas que envolvem as ruínas apontado por Zumthor em seu memorial de
projeto: “Dentro do prédio, os sons da cidade penetram na estrutura das pa-
redes em lamelas. Fechado no espaço histórico, percebem-se os sons da cidade
do século XX, a posição do sol e o sopro do vento” (ZUMTHOR, 1998, p.28.).

134
[126]

[127] [128] [129]


A passarela metálica elevada, em aço, não consiste, como esperado, em
um objeto de especial serralheria, mas, pelo contrário, há uma objetividade
em relação aos perfis em cantoneiras usuais de cerca de duas polegadas sol-
dadas entre si. Da mesma forma, seu piso em grade quadrada e escadas em
chapas recalcadas, todos materiais de catálogo.
É possível descer até as ruínas em dois pontos por meio de duas es-
cadas que partem do eixo da passarela e engastam no piso em pedriscos
no primeiro e segundo volumes do projeto. A exposição permanente está
acessível nessa cota com vitrines de aço com objetos arqueológicos e uma
simulação de um trecho do barroteamento de madeira original do piso da
antiga casa romana.
As duas escadas estão também alinhadas com os dois elementos me-
tálicos que interrompem o contentor de lamelas de madeira. Janelas pris-
máticas em chapa de aço grafite e vidro fixo esverdeado, de onde é possível
observar a rua pelo contraste de luz, colocadas no intervalo das ruínas das
paredes da casa romana, onde se situavam as portas.
Ao anoitecer, voltei ao Abrigo para testar o que havia percebido na vi-
sita durante o dia: na parte externa da edificação, em frente tais janelas há
uma haste metálica que contem um botão plastificado que quando pressio-
nando acende todas as luzes internas por um intervalo de tempo.
O vidro escuro, então, revela o interior aceso como uma vitrine, e o
Abrigo torna-se uma lanterna pela luz que perpassa uniforme por todas as
frestas entre as lâminas de madeira de sua superfície.

136
[130]

[131]
[132]
[134]

[133]
[135]

[136]
2.2 E difício de Apartamentos
para Idosos. Chur, Suíça, 1993
137

fonte: Google Earth – 19/10/2012 50 m


planta pavimento tipo 138

planta unidade tipo 139

N
140

corte 2 m
Chur, 13 de abril de 2016

O edifício habitacional destinado aos idosos, assim como o Abrigo, tam-


bém situa-se em Chur, mas geograficamente mais ao norte, já nos limites
da pequena mancha urbana da cidade, próximo de Haldenstein, povoado
onde fica o Atelier Zumthor, do outro lado do rio Reno. Enquanto esperava
a confirmação da visita ao escritório com uma amiga que trabalhava lá,
decidi visitar o lar de idosos.
Iniciei a subida em sua direção, com o rio em minhas costas, por ruas
íngremes de pequena escala e baixa densidade habitacional.
O projeto não é autônomo na paisagem, mas situa-se no complexo para
idosos Cadonau – Das Seniorenzentrum, que se apresenta em primeiro pla-
no quando se chega ao recinto: a imagem é de uma arquitetura hospitalar,
com um edifício excepcionalmente grande diante de seu entorno e o singe-
lo volume prismático horizontal dos apartamentos dos idosos.

2.2.1 I nserção na paisagem – implantação

Na chegada, o percurso conduz naturalmente até o espaço ajardinado de


recepção e articulação entre o edifício de Zumthor à esquerda e o centro
para idosos à direita.
Nesse momento, uma pequena fonte de água de concreto recoloca a
habitação – a princípio abstida de uma relação mais franca com o centro
histórico da cidade, com a cultura urbana do cotidiano de seus moradores
– e parece querer introduzir elementos urbanos típicos das cidades suíças
nesse contexto.

146
[141]
A implantação do volume é retilínea, ocupando o espaço restante trian-
gular livre pós ocupação do terreno pelo centro de cuidados, paralela a um
de seus dois edifícios.
O volume é orientado no sentido norte–sul. Acessos e varanda de uso
coletivo voltados para leste, onde está o espaço ajardinado de articulação
entre todos os edifícios do conjunto e os usos de convívio, como um café
no térreo do edifício imediatamente à frente; para oeste estão todos os
apartamentos, resguardados e abertos para a vista do vale até o rio Reno.

2.2.2 Acesso à edificação – transição

O comprido volume de dois pavimentos é marcado por linhas verticais que


geram ritmo em seu desenvolvimento: empenas de pedras em “L” se alter-
nam com panos de caixilharia de madeira. Essa repetição de elementos é
um fato constante na obra do arquiteto.
A pedra em si proposta sugere outra ponte com o mundo regional. Havia
identificado mais cedo, no centro histórico de Chur, diversos edifícios que a
utilizavam. Apesar da mesma matéria, nos apartamentos de idosos a pagi-
nação das pedras é em si um elemento de design novo, não há a literalidade
das juntas de amarração tradicionais, mas sim uma sofisticada relação entre
fiadas que se alternam entre diferentes alturas e comprimentos de blocos.
Dois desses “Ls” são maiores que os demais, uma vez que abrigam os
dois módulos de acesso e circulação vertical do edifício. A clareza se com-
plementa com as pequenas marquises que se estendem sobre as duas portas
de entrada.
Os acessos são muito minuciosos e evidenciam a atenção total do ar-
quiteto com cada pormenor. Um dos módulos dos caixilhos é inteiramente
substituído por um pano de madeira que abriga a porta, uma portinhola
e um painel com interfones e um banco ou suporte para sacolas enquanto
se utiliza o interfone ou se espera alguém. Essa mesma madeira dobra no
forro da marquise que está alinhada no mesmo módulo.
O puxador, também de madeira, apresenta descoloração na altura onde
é mais utilizado, pois constitui-se em uma barra vertical mais comprida
que a pura necessidade diária.

148
[142]

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[144]

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[146] [147]
[148]
[149]
2.2.3 O interior

Infelizmente, depois de muitas tentativas, não consegui entrar no edifício.


Por conta dos grandes panos de vidro, contudo, foi possível avaliar o suces-
so do projeto quanto à utilização da varanda leste, cujas dimensões mais
largas que o estritamente necessário para a circulação do edifício propor-
cionam uma área de estar e convívio entre os moradores, ao mesmo tempo
que configuram uma zona de amortecimento, transição, entre o Centro de
Idosos e seus apartamentos.
A varanda estava repleta de móveis de uso prolongado, como poltronas
estofadas e alguns pequenos sofás, cadeiras, plantas e até pequenos objetos
afetivos pessoais. Cada ocupação seguia o módulo do apartamento a que
estava associada, consagrando-se verdadeiramente como um cômodo de
cada unidade habitacional.

154
[150]
2.3 Capela Sogn Benedetg
Sumvitg, Suíça, 1985–88
151

fonte: Google Earth – 18/07/2010 40 m


152

planta
153 154

cortes 2 m
Sumvitg, 12 de abril de 2016

Desde Chur, Sumvitg está a duas horas de trem no sentido oeste em dire-
ção ao centro da Suíça e é a menor das cidades que visitei que abriga uma
obra de Zumthor. Na verdade, corresponde a uma vila com umas 30 casas
aglomeradas em um ponto montanhoso, acompanhadas de outras esparsas
na encosta. A igreja é a obra mais distante de Chur, mas ainda pertence ao
Cantão Alemão de Graubünden.
O trem me deixou na estação de Sumvitg-Cumpadials, naturalmente
na parte mais plana possível: o vale. Para chegar à capela, tive que as-
sumir um estado de peregrinação e caminhar por uma hora por uma
estrada local, em subida constante até chegar à cota da vila, três quilô-
metros depois.

2.3.1 I nserção na paisagem – implantação

Ao me aproximar do vilarejo, ainda a cerca de 100 metros de distância já


pude localizar a capela de Zumthor entre as casas. Em posição superior,
seu destaque é sereno. Sua forma arredondada, volume prismático, con-
trasta com as linhas agudas dos telhados das casas, mas a escala é ajusta-
da ao contexto, uma pequena capela. Apesar da forma excêntrica, a capela
acompanha as mesmas cores da vila. A madeira perpetua em quase todas
as casas, de diferentes tonalidades e idades, o que contribui para a visão
uníssona com a paisagem construída.
Segui em frente, até a última curva da estrada, antes de entrar na reta fi-
nal até o vilarejo. Localizei as ruínas da antiga capela, a qual fora substituída

160
[155]
pela nova construção de Zumthor, depois de ter vencido um concurso com
arquitetos locais em novembro de 1985.
A antiga igreja, de 1522, de acordo com o memorial do projeto de Zum-
thor , fora destruída por uma avalanche em 1984, mas, apesar disso, encon-
tra-se com sua forma ainda reconhecível: um altar de planta arqueada en-
caixado na topografia sugeriu-me certa conexão com o projeto vencedor de
Zumthor.
De fato, essa impressão inicial confirmou-se posteriormente na leitu-
ra da publicação sobre a capela da Fundaziun Ecclesiastica Capplutta Sogn
Benedetg, de Daniel Schonbachler, quando é descrito o processo de escolha
do projeto vencedor do concurso:

Em contraste com outras propostas de projeto, que posicionaram a capela


de várias maneiras em uma plataforma, Zumthor respondeu plenamente
às condições topográficas e ao contexto geral da aldeia de Sogn Benedetg.
Ele foi particularmente chocado por um caminho antigo, acompanhado
por uma parede de pedra seca, que ele não queria perturbar. A partir de
seu trabalho com a preservação histórica no cantão de Graubünden, ele
sabia que as capelas locais estavam inexoravelmente ligadas ao terreno
local, essencialmente emergindo do solo, erguendo-se do prado. Sogn
Benedetg deveria ser realizado sem qualquer terraplenagem (SCHONBA-
CHLER, 2013, p.2).

Estando no local, a visita às ruínas da antiga capela antecipando a en-


trada no vilarejo pareceu-me um prólogo do projeto que estava procuran-
do, de Zumthor, seguramente um dado de projeto do arquiteto.
A capela está muito próxima às casas, mas como observado anterior-
mente à distância, em uma cota superior, o que a põe em situação inter-
mediária de relação com a paisagem natural, acima, e a pequena cidadela,
abaixo. As fotos estudadas do projeto, a apresentam, em geral, com autono-
mia na paisagem, sem interferência de outras construções, o que nesse caso
simplifica a obra, que possui uma relação material, pela madeira, evidente
com o povoado a que pertence.
Sigo por um caminho em rampa para chegar até ela.
A visão enquadrada é da vista lateral da capela, acompanhando o decli-
ve, em madeira avermelhada, a torre dos sinos alongada à frente dela, tam-

162
[156]

157 158
[159]
[160]

[161]
bém em madeira, a escada de concreto de acesso, e, do lado oposto, uma
pequena fonte de água formada a partir de um único tronco com a incisão
1991, quando foi inserida na obra.
Assim como no Edifício de Apartamentos para Idosos, em Chur, a fonte é
um elemento de projeto, que atua criando um elo simbólico com os ocupan-
tes. Na vila de Sumvitg, encontrei outra fonte análoga ao lado de uma casa.
Com a capela na minha frente, rodeei-a para compreender o projeto.
As pequenas plaquetas de madeira que revestem toda a face externa são
vibrantes e emocionam. Não são de desenho sofisticado, pelo contrário,
tudo é muito direto e simples, mas de uma delicadeza ímpar, pois são as
mesmas plaquetas que estão ali embaixo em muitas casas da vila, usadas
diretamente, em uma forma curva que acompanha o movimento do sol e,
portanto, a madeira envelhece diferente, tornando complexos os diferen-
tes matizes de cores do envelhecimento natural. A face sul estava cinza e,
à medida que caminhei até a porta, face norte, a madeira ganhou um tom
vermelho alaranjado.
Subi um pouco mais alto no caminho, para ver a capela por cima. É re-
velador, para sua implantação, a dimensão territorial do lugar. O volume da
capela está orientado para o extenso vale a leste, ponto de nascimento do
sol, exatamente em seu eixo visual. A posição da capela e sua forma alonga-
da no sentido do vale sugerem uma tensão entre o pequeno edifício e toda
geografia da região.

2.3.2 Acesso à edificação – transição

A entrada é pela face norte – mais colorida, ou menos queimada pelo sol da
face sul – em uma espécie de adendo ao volume unitário, conformando um
“tubo” de acesso na mesma materialidade da capela seguido de uma peque-
na escada em concreto monolítica que se apoia no terreno natural.
Essa estratégia de acesso em forma de “tubo” geometricamente autôno-
mo em relação ao corpo principal obedece à lógica formal encontrada no
Abrigo para Ruínas Arqueológicas Romanas. Aqui, no entanto, material-
mente, as mesmas plaquetas de madeira envolvem externamente a entrada,
seguindo a vocação de pele da superfície, pois internamente a superfície é
revestida de tábuas de madeira lisa.

166
[162]

[163]

[164]
A imagem industrial do volume central de acesso e circulação do pro-
jeto da intervenção nas ruínas, visitado anteriormente em Chur, aqui opera
em outro contexto: cada detalhe construtivo denota um ambiente de traba-
lho artesão.
A escada, em concreto aparente, é um corpo solto do tubo de aces-
so, por uma pequena fresta entre as partes. Faz a primeira transição. Seus
corrimãos são em ferro sem acabamento de pintura, levemente alaranjados
pela oxidação, chumbados diretamente no concreto.
Ao final dos cinco degraus, no patamar diante da porta, um pequeno
elemento também engastado no concreto chamou minha atenção: uma pe-
quena trave de ferro que lembrei também ter visto em uma fotografia de
Zumthor na porta de sua casa. Um pequeno elemento, mas com toda a
construção do personagem em si: desenho pragmático, para limpar as bo-
tas de terra e neve antes de entrar.
A porta em si é um elemento de desenho maior, refinada marcenaria em
réguas estreitas verticais. A maçaneta novamente me colocou diante de um
artesão, seu desenho elegante em ferro comprido ondulado, provavelmente
feito unicamente para essa capela, torna a alavanca de abertura algo leve.
Avançando depois da porta, entrei por inteiro no tubo de acesso de bai-
xa altura em madeira. É possível ver o interior da capela ao fundo, após
os montantes verticais de madeira da estrutura no perímetro do volume
principal, que estão no meio da passagem. O piso da passagem é em tábuas
espaçadas, como um deck, indicando o preâmbulo entre exterior e interior.
Sua cota está um degrau abaixo do piso do interior da capela.
Subi até a cota do piso da capela, em madeira com paginação concêntri-
ca, avançando por entre os montantes.

2.3.3 O interior

Avançando sobre o espaço único e central, há uma confluência rítmica de


toda a estrutura em uma complexidade de luz e sombras que se repetem
em constância, acompanhando a forma curva do altar.
Tudo é formado de madeira em um exímio trabalho de conexão entre
todas as partes. Isso transparece no espaço a sofisticada noção de carpinta-
ria de quem a projetou, a capela é uma joia.

168
166

[167]

[165]

[168] [169] [170]


A estrutura está independente da pele externa, distante pelo lado inter-
no, de modo que a luz natural, que vem unicamente da fita de vidro alta en-
tre o fim do plano vertical e a cobertura, é marcada pelo ritmo dos montan-
tes. Os mesmos montantes seguem contínuos pela janela em fita superior e
continuam horizontalmente na estrutura que suporta a cobertura, até todos
confluírem para uma longarina única, no eixo de simetria da capela.
Por trás dos montantes, a superfície interna consiste em placas de ma-
deira pintadas com uma tinta grossa prateada, o que multiplica a cadência
das luzes e sombras por sua reflexão. Quando estudei o projeto, imaginei
que esse material seria uma chapa metálica propriamente, sendo uma sur-
presa encontrá-lo também em madeira.
Dei alguns gritos para testar a acústica, que naturalmente vibrou como
se estivesse dentro de instrumento musical. Imaginei os cânticos de uma
missa naquele espaço.
A “pele” externa se estrutura nos montantes por meio de pinos metáli-
cos, atrás deles. Descobri, nesse momento, que Zumthor pintara a face de
trás desses montantes de branco provavelmente com a função de ajustar a
reflexão na madeira prateada.
A ascendência rítmica da repetição de elementos se completa com o
desenho dos bancos, igualmente marcantes, formados pela soma de caibros
de seção quadrada, levemente afinados nas extremidades.

170
[171]

[172]

[173]

[174]
2.4 Atelier Zumthor
Haldenstein, Suíça, 1986/2005/2016
175

fonte: Google Earth – 19/10/2012 30 m


176

N
implantação
177

2016

1986 178

179

plantas 2005 5 m


Haldenstein, 12 de abril de 2016

O Atelier Zumthor é hoje distribuído em três edifícios próximos na peque-


na Haldenstein, resultado de sua expansão ao longo da história. Para ir até
eles, peguei o único ônibus que cruza o rio Reno, desde Chur, alcançando
Haldenstein que se assemelha a um bairro perimetral do pequeno centro
da cidade em uma faixa de terra plana entre o rio e as montanhas não ocu-
padas. A viagem dura cerca de dez minutos.

2.4.1 I nserção na paisagem – implantação

Ao desembarcar em Haldenstein é evidente a pequena escala do lugar. Ca-


sas de madeira e alvenaria com telhados angulosos estão aglomerados em
uma disposição orgânica, sem muros entre elas. O ônibus me deixou em
uma pequena via asfaltada perimetral, pois, ao adentrar na cidade, nota-se
suas ruas estreitas com poucos carros estacionados, mas nenhum em movi-
mento. Todos se dirigiram a pé até os seus destinos.
Como sabia a orientação mais ao note que o Atelier ficava na cidade,
segui nessa direção, o que naturalmente me fez cair em uma via principal
paralela ao rio que seguia diretamente para ele. No caminho uma pequena
praça com uma fonte e casas mais antigas sinalizando talvez o início desse
pequeno conglomerado urbano.
O ambiente é rústico, não transparece, pois, a exatidão e o cuidado ob-
servado no centro de Chur.
Quase no final da via surge, em perspectiva o edifício mais recente do
Atelier, de 2016, com uma presença contemporânea no contexto.

176
[180]
A estrutura independente das fachadas são um grid ortogonal em ma-
deira, fechados por grandes panos de vidro que, em perspectiva, refletem a
horizonte verde.
Em sua frente, a lateral cega em madeira do primeiro atelier, construído
em 1986, se relaciona diretamente com o casario local. O acesso ao atelier
de madeira dá-se por uma pequena ruela perpendicular à rua principal por
onde cheguei.
De frente a esse acesso está a casa de Zumthor, que também inclui parte
de se atelier: um volume baixo e alongado, que se relaciona com a pequena
rua e protege um pátio interno ajardinado e o volume de dois andares no
lado aposto.
Os três projetos estão implantados diretamente em seus lotes, de
modo continuo às outras casas de Haldenstein, com ligação direta com a
rua, sem divisões.
Nesse pequeno núcleo funciona uma espécie de polo arquitetônico,
inusitado nesse contexto silencioso e residencial. Muitas bicicletas apoiadas
e jovens cruzando entre os três edifícios dão vida à Haldenstein.
A implantação dos três edifícios em três lotes próximos conota o am-
biente de desenvolvimento disperso e espontâneo da cidadela a que fazem
parte, acrescidos com o tempo de expansão do atelier, mas cada um com
sua materialidade própria.

2.4.2 Acesso à edificação – transição

O acesso aos três ateliers dá-se diretamente para a via em sua frente, sem
recuos, com exceção do edifício mais novo que esta em uma cota mais alta
pela terreno natural, então é preciso subir uma pequena escada em pedra
até um platô com pedriscos.
Desse lugar, é possível ver com transparência todo interior no piso tér-
reo no qual há uma oficina de modelos sendo utilizada. A porta é o único
elemento de madeira, opaca, distinguindo-se na fachada das vitrines que
permitem ver os trabalhos do Atelier. Ela está associada à uma marquise
paralela a edificação feita por uma peça maciça de madeira laminada cola-
da coberta por uma placa de telha ondulada metálica. O piso de pedriscos
do platô é interrompido sutilmente dando lugar a um pavimento de pedras

178
[181]

[182]
pequenas da mesma cor, planas e quadradas, assentadas ortogonalmente,
conduzindo a transição até o interior.
No Atelier de madeira ocorre uma situação menos franca, pois o volu-
me na esquina está todo recluso envolto em ripas de madeira. A interrup-
ção para o acesso ocorre no volume protuberante da porta de acesso: um
tubo de aço preto, semelhante ao acesso do Abrigo para as Ruínas Arqueo-
lógicas Romanas visitado anteriormente, solto do chão. Suas dimensões
conferem à porta de entrada, em madeira e faceada pelo fim do volume
protuberante, com uma maçaneta esférica metálica polida. Para entrar no
Atelier há esse momento de suspensão dado pelo primeiro paço dentro do
tubo de acesso. Ao lado, a campainha, outro volume que parte da fachada
de ripas de madeira: uma chapa de aço não tratado retangular com um bo-
tão e as inscrições Atelier Zumthor gravadas no metal, um objeto de clara
exposição do caráter artesão do arquiteto.
Para passar pela porta tive que esperar minha amiga que me acompa-
nhava primeiro, pois o tamanho do acesso define a passagem individual.
Logo depois do tubo, uma cortina circular preta e couro protege a passa-
gem do vento. O piso continua no mesmo aço escuro do tubo de passagem
até as escadas que levam aos três níveis.
No Atelier de 2005 e atual casa de Zumthor, à frente, em concreto, uma
pequena marquise resultante do prolongamento da laje de cobertura faz a
transição de entrada, que ocorre como uma redução do volume. A porta de
acesso está recuada da face externa do volume e é em metal acetinado, com
a mesma maçaneta esférica polida. Não pude entrar pela porta por razões
de privacidade, mas pude atravessar a marquise que também ampara o
acesso ao pátio interno da casa: um jardim expressivo com muitos tipos de
vegetação, semelhante ao proposto para o Pavilhão da Serpentine Gallery.
De perto, o concreto era macio ao toque, com as marcas do tecido colocado
nas fôrmas que Zumthor menciona em seu memorial.
No chão, ao lado da parede alongada de concreto, a mesma chapa de
aço vista na Capela Sogn Benedetg para raspar os sapatos antes de entrar.

180
[183]

[184]
[185]

[186]
[187]

[188]
2.4.3 O interior

No interior do Atelier de 2016, o ambiente é de pesquisa e trabalho: o tér-


reo é ocupado por grandes modelos físicos apoiados em cavaletes de di-
versas alturas, cada um em um dos cantos do espaço; nas paredes de con-
creto, impressões presas com desenhos técnicos e croquis. Na lateral, junto
ao caixilho, uma estante cheia de pequenas escalas humanas, mobiliários e
vegetação produzidos pelo Atelier para inserir nos modelos, como uma vi-
trine para o exterior. O piso em concreto polido com as britas de diferentes
cores lisas e brilhantes. Um maior número de pessoas trabalhavam nesse
andar. No pavimento superior, a vista para o vale do Reno pelas janelas
envidraçadas, poucas mesas de trabalho sendo feito individualmente, cada
uma correspondente a um projeto em andamento. O espaço é acolhedor e
doméstico: piso em madeira e finas cortinas. O terceiro e último andar é a
sala de Zumthor.
No interior do primeiro Atelier, de 1986, a história do edifício está visí-
vel na ocupação, pois inicialmente o espaço se dividia entre a própria casa
do arquiteto e seu espaço de trabalho. O piso térreo é em madeira e conec-
ta-se diretamente a um jardim, nos fundos do terreno resguardado da rua,
configurando onde era a sala de estar de Zumthor. O jardim resguardado
está presente nas duas casas de Zumthor (. No andar de cima, onde ocorria
inicialmente o espaço de trabalho do Atelier, mesas perpendiculares à jane-
la de piso a teto que vislumbra o jardim no térreo. No fundo uma pequena
janela quadrada aponta para o vale e as montanhas. Nos dois pavimentos
grandes modelos físicos sendo utilizados para testes; um deles, da casa em
Chivelstone, em foam repleto de testes com texturas de materiais impressas
presas com alfinetes nas superfícies.

184
[189] [190]
[191]
2.5 Termas de Vals
Vals, Suíça, 1990–96
192
70 m

termas 40 m ponte 40 m


193 194

fonte: Google Earth – 30/12/2016


195

N
planta
196

corte 5 m
Vals, 13 de abril de 2016

De Chur, pego um ônibus até a pequena cidade de Vals, para conhecer as


Termas. Apesar da curta viagem, em torno de uma hora, pude notar uma
mudança de paisagem em meu percurso.
O trajeto do ônibus é pelo sinuoso vale de uma série de rios que se
conectam com o Reno, de modo que quase o tempo todo o ônibus segue
bordejando o leito rochoso, visível da janela, enquanto, pouco a pouco, as
montanhas ao redor vão aumentando de tamanho e proximidade, chegan-
do a configurar paredões verticais rochosos logo ao lado da pista.
Vals é uma cidadela alongada em um trecho do vale do rio Valserrhein,
de paisagem pétrea: está circunscrita por altas montanhas rochosas. Nelas,
grupos espaçados de casas tradicionais semelhantes em pedra e madeira
estão implantados perpendiculares às curvas de nível.
No vale, as casas da vila são cobertas por telhados em pedra.
Estando no lugar, parece evidente o uso das pedras da região no proje-
to, se Zumthor buscou introduzir nessa paisagem um objeto com senso de
pertencimento, como afirma em seu memorial: “o estabelecimento de uma
relação especial com a paisagem montanhosa, seu poder natural, substância
geológica e topografia impressionante”. A+U: Architecture and Urbanism Fe-
bruary 1998 extra edition, Peter Zumthor. Tóquio, A+U publishers, 1998. p.138.

192
[197]

[198]
2.5.1 I nserção na paisagem – implantação

A chegada ao complexo hoteleiro a que o edifício das Termas de Zumthor


pertence causa surpresa, pois, apesar de anteriormente saber da proximi-
dade dos outros edifícios, suas escalas e distinção arquitetônica, retira-se
certa serenidade que o projeto causara ao estudá-lo a partir de sua icono-
grafia, individualmente.
As Termas situam-se no espaço central do complexo, de modo que es-
tão rodeadas de todos os lados por edifícios hoteleiros brancos dos anos
60, quando houve uma primeira grande reforma e ampliação no local, uti-
lizado em função de seu caráter de lazer termal desde o fim do século XIX,
como descreve Zumthor em seu memorial.
Caminhando pela rua de acesso, há um grande bloco hoteleiro paralelo
a ela e imediatamente à frente do edifício de Zumthor e que obstrui grande
parte de sua visão, de modo que, para encontrá-lo, tive que subir uma pe-
quena escada externa, contornando o primeiro.
Não pude entrar nas Termas, pois estavam em período de manutenção
anual, na primavera, quando a temperatura impede a temporada de banhos.
Por isso minha relação com o edifício foi de um passeio externo, rodeando-
-o, ao contrário do percurso proposto de acesso ao projeto, feito diretamen-
te pelo edifício do hotel, aos fundos, em uma passagem subterrânea.
O edifício está tectonicamente ligado à paisagem pétrea não só pela ma-
terialidade construtiva, mas também pela relação topográfica com o plano
inclinado do terreno. Quando se observa de baixo, o retilíneo edifício está
encaixado, emergindo da topografia como um volume maciço de pedras.
A materialidade natural rochosa cinza azulada só é interrompida por
uma pontual inserção de latão brilhante contido na porta de acesso lateral.
Apesar da franca relação com o lugar, é nítida a requalificação original
do material engendrada pelas finas lâminas de gnaisse de pequenas varia-
ções de altura e comprimento proposta por Zumthor para a superfície ex-
terior e interior das Termas.
Continuei a subida do terreno natural gramado, acompanhando a late-
ral do edifício, até o momento em que cheguei ao platô gerado pela cober-
tura plana do projeto, que, por possuir um gramado, funde-se à paisagem.
Pequenas faixas ortogonais no chão correspondentes às linhas de ilumina-
ção zenital no interior, abaixo desse nível, anunciam a presença semienter-

194
[199]
rada do projeto. Não há ligação visível com os edifícios hoteleiros ao redor
desse espaço gramado, a não ser o acesso subterrâneo.
Em frente do platô, a montanha rochosa e as casas tradicionais de pe-
dra, para as quais o edifício monolítico se abre, na fachada frontal.
Terminando o giro, cheguei até a área da piscina externa, que opera no
edifício como uma “escavação” subtraída do monolito original, prismático.
Há a possibilidade de leitura de uma reproposta programática à antiga pisci-
na termal ao ar livre existente no complexo nos anos 30, inserindo no proje-
to um componente cultural do uso do espaço, descrito por Zumthor: “desde
meados de 1930, sua clientela, que diminuía anualmente, tinha a oportunida-
de de banhar-se em uma pequena piscina ao ar livre cheia com águas termais
que se tornavam vermelhas à exposição ao ar”.(ZUMTHOR, 1998, p.138).
Em relação à implantação, a posição da piscina externa encontra-se vol-
tada para o sul, recebendo a maior quantidade de sol ao longo do dia. Além
dessa questão técnica, talvez mais importante seja a relação atingida com
esse posicionamento. Quando se está na piscina e em sua área avarandada
ao redor, há um enquadramento visual em direção ao centro histórico da
cidade, cerca de 400 metros de distância dali, constituindo uma verdadeira
“janela ao ar livre”, mirante, para esse contexto.

2.5.2 Acesso à edificação – transição

Embora não tenha podido avançar para o interior do edifício, observei


que, em relação aos acessos externos, podem-se estabelecer algumas com-
posições nessa obra. Não há um espaço, uma extensão de transição, como
ocorre em muitas outras de suas obras, mas as portas, como elementos,
mantêm-se autônomas em relação ao corpo principal volumétrico, nesse
caso pela sua materialidade.
A porta principal de acesso da piscina exterior, por exemplo, está con-
tida em um grande caixilho de perfis negros. Todavia, mantém seu prota-
gonismo, em contraposição às suas pequenas dimensões, pelo seu brilho
dourado do latão contrastante.
As portas são todas estreitas, frente a esse grande edifício de uso cole-
tivo, mas não há um padrão de desenho nas quatro por que passei (três no
espaço da piscina externa e uma na lateral oposta a ela), que se individua-

196
[200] [201]
[202]

[203]
[205]

[204]

[206]
lizam de acordo com seus locais e usos, seja pela relação com o puxador,
que varia de uma barra alongada vertical a uma pequena esfera metálica do
tamanho de um pulso, seja pela própria matéria.
Destaco aqui a porta de acesso ao volume fechado das duchas relacio-
nado com a piscina externa, única em vidro azul, pois me pareceu notável
a possibilidade do uso do material, tão preciso na obra do arquiteto, como
em si elemento de transição.
O mesmo vidro azul que pontua as claraboias quadradas do espaço de
banho central interno do projeto aqui atua como material ponte da luz en-
tre dentro e fora da sala escura, de maneira que a porta se revela um espe-
lho vítreo, brilhante de fora e, a partir do um momento de sua abertura,
torna-se filtro de luz azul.

2.5.3 O interior

Não foi visitado.

Em Vals, aproveitando a viagem, fui em busca de dois outros projetos de


Zumthor sem saber de suas localizações: uma ponte e os postes de ilumi-
nação pública.
A ponte foi logo encontrada. É o acesso principal ao centro histórico,
do outro lado do rio de quem chega à cidade. Como “porta” de entrada,
Zumthor a fez em diagonal, oblíqua em relação às margens do rio, alinhan-
do a perspectiva de quem a cruza com a torre da praça urbana de chegada.
Como “porta” de entrada, a ponte é também em lâminas da pedra local
nos parapeitos laterais. Eles, que já são altos, crescem de altura no ponto
central, impedindo a vista lateral de quem a cruza, reforçando o enquadra-
mento visual da entrada na cidade.

200
[207]

[208]
2.6 Museu de Artes de Bregenz
Bregenz, Áustria, 1997
209

fonte: Google Earth – 02/08/2016 40 m


210

planta térreo 211


212

corte 5 m
Bregenz, 14 de abril de 2016

Cheguei até a cidade de Bregenz, na Áustria, vindo diretamente de Chur na


Suíça. Bregenz está a cerca de 90 quilômetros ao norte de Chur e, portanto,
perto do Cantão alemão suíço, exatamente nas margens do lago Constança,
que faz fronteira entre Suíça, Alemanha e Áustria. O lago faz parte da bacia
hidrográfica do rio Reno, mesmo rio que passa por Chur e Haldestein antes
de continuar seguindo para o norte.

2.6.1 I nserção na paisagem – implantação

A cidade austríaca se curva em arco diante do lago Constança, de propor-


ções regionais, e é pela orla ajardinada que me aproximei do centro urbano
logo reconhecendo o volume cúbico em vidro translúcido com leve brilho
cinza esverdeado do Museu, que assume a cor do lago a sua frente pelas
propriedades físicas do vidro utilizado.
Apesar de denotar contemporaneidade pela abstração formal de seu
volume cúbico de superfície vítrea, a visão de sua inserção na paisagem
é silenciosa, não agressiva, proporcional: o museu fica em um pequeno
polo cultural com edificações de mesmo ou maior volume, como o clássico
edifício dos Correios, à sua esquerda, que também abriga a galeria de arte
Bildraum Bodensee e o Vorarlberg Museum, à sua direita, expansão e recon-
figuração de 2012, do antigo edifício da Câmara Municipal.
Ao sair da avenida perimetral do lago, entrei para o interior da cidade,
seguindo pelo calçadão da área central. A escala urbana é imediatamente
oposta, apesar de estar apenas na via paralela à perimetral, os edifícios são

206
[213]

[214]
menores e há diversos restaurantes com mesas espalhadas pelo extenso cal-
çadão, livre de carros.
A segunda visão do Museu está relacionada com essa segunda infor-
mação espacial, pois, para esse contexto, há um pequeno pavilhão em
concreto negro retangular, opaco, de três andares somente, transversal ao
calçadão, para assim liberar sua frente para a existência de uma pequena
praça com uma fonte entre o anteriormente descrito edifício de vidro e o
segundo edifício menor.
A implantação do projeto e sua escala formal articulam as duas situa-
ções urbanas nas quais ele se insere. Confirma-se o discurso presente no
memorial descritivo do projeto em que Zumthor exalta a influência do lago
Constança na materialização do edifício, o reconhecimento de sua geogra-
fia e características cromático-luminosas:

O museu de arte fica à beira do lago Constance. É feito de vidro e aço e


uma massa de pedra de concreto fundido que confere o interior do edi-
fício com textura e composição espacial. De fora, o prédio parece uma
lâmpada. Ele absorve a luz do céu, a névoa do lago, reflete a luz e a cor e
dá uma indicação de sua vida interior de acordo com o ângulo de visão, a
luz do dia e o tempo (ZUMTHOR, 2002, p.174).

No mesmo sentido, ao analisar as maquetes do estudo final do projeto,


observa-se que a escolha do material dos volumes dos edifícios do entorno
se mantém no volume menor e retangular do Museu.
O grande edifício é uma forma pura, prismática, com faces de materia-
lidade contínua que se interrompem nas arestas: placas de vidro laminado
translúcido de mesmo tamanho, simplesmente apoiadas em quatro pontos
por componentes metálicos iguais, que unem quatro placas cada um, repe-
tidos ao longo de todas as quatro fachadas. Os componentes metálicos es-
tão fixados em uma estrutura tubular metálica que conforma uma zona de
amortecimento antes da segunda camada de fachada, que faceia os espaços
internos, de vidro encaixilhado no pavimento térreo e primeiro subsolo e
concreto nos três pavimentos expositivos superiores.
Observa-se que há um gesto de exagero no comprimento dos supor-
tes metálicos das placas de vidro, indo além da distância necessária para
apoiar o último vidro, ou seja, de sua função inicial. Esse trecho metálico

208
[216]

215
[217]
[218]
que excede os vidros passa a fazer parte ativamente da fachada do edifício,
com sua rigorosa modulação, enfatizando a constituição desse envelopa-
mento do edifício por componentes únicos em repetição – placas de vidro
apoiadas – assim como seu processo construtivo.
O pequeno edifício contempla um café em seu térreo, relacionando-se
diretamente com a praça conformada pelos dois edifícios, além de uma sala
de reuniões e o acesso para os dois andares superiores administrativos. Em
concreto negro, possui módulos verticais de caixilho piso a teto de mesma
largura deslizantes pela face exterior dos vedos.
Dessa pequena praça, onde está a porta de acesso ao espaço expositivo,
é possível ver apenas o vulto das escadas subindo em diagonal por meio da
pele contínua de vidro do volume prismático envelopado. As suas arestas
são luminescentes, pois a luz passa através.
As placas de vidro repetidas interrompem-se apenas em três momen-
tos: na passagem de acesso principal, relacionada com a praça; no acesso ao
elevador monta-cargas, relacionado à face lateral, onde há um espaço pos-
sível de carga e descarga; e na porta da saída de emergência, na face oposta
à porta de entrada, voltada para a avenida costeira ao lago Constança.
Essa matriz de acessos no térreo imprime a organização espacial e es-
trutural pelos pavimentos do edifício, conformando uma zona expositiva
livre central envolta pelos três núcleos verticais em concreto.

2.6.2 Acesso à edificação – transição

Os acessos ao interior do edifício principal expositivo constituem-se mó-


dulos autônomos, objetos tubulares de aço negro encaixados na modulação
do edifício, como inserções, da mesma forma que ocorre nos edifícios an-
teriormente visitados do Abrigo das Ruínas Arqueológicas Romanas e do
Atelier Zumthor.
O módulo correspondente à porta principal ocupa o espaço de três pla-
cas de vidro translúcido da primeira faixa, junto ao chão: são quatro folhas
de vidro transparente requadradas em esquadrias metálicas, sendo o único
momento de transparência direta no edifício. A transição interior-exterior
é feita pela passagem dentro desse tubo de aço negro, que compreende uma
antecâmara, com um segundo jogo de portas para o interior.

212
[219] [220]

221 222

detalhe em planta detalhe em corte


[223]

[224]
[225]

[226]
Os puxadores transmitem a função pública do edifício, desenhados em
barras redondas de aço inoxidável de comprimento alongado. De meia al-
tura das portas até o chão, sugerem que não há propriamente uma altura de
empunhadura individualizada, mas sim suporte para diferentes estaturas.

2.6.3 O interior

Finalmente dentro do edifício, o pavimento térreo é um espaço silencioso e


etéreo. A luz difusa vinda das quatro faces vítreas se reflete no piso de con-
creto polido negro, que funciona como um espelho, e nas superfícies bri-
lhantes das três empenas de concreto liso, reto, de quase ausência de mar-
cas das fôrmas. O piso do térreo tem a mesma cor do pavimento exterior,
asfáltico, mas é de outra materialidade e propriedades reflexivas.
O comprido balcão negro de atendimento e pufes de couro negro são as
únicas mobílias que compõem o espaço, ambos desenhados por Zumthor.
À direita da entrada, há uma escada que desce diretamente até o pavi-
mento inferior, em que estão os espaços para oficinas do educativo do mu-
seu. Volumes retangulares formados por blocos de vidro dispostos soltos
do perímetro da edificação, organizando o espaço a partir da disposição
de volumes independentes à maneira semelhante como havia articulado as
áreas de banho e as áreas de circulação nas Termas de Vals.
O acesso para os pavimentos superiores expositivos dá-se por uma peque-
na porta de vidro translúcido dentro de uma das empenas de concreto no tér-
reo. É uma segunda transição já dentro do edifício, para o acesso aos espaços
de circulação vertical das escadas, uma vez que a pequena porta de escala do-
méstica faz frente desproporcionalmente ao grande átrio luminoso do térreo.
Na escada, reaparece o vidro translúcido em placas apoiadas em re-
petição por elementos metálicos, em consonância com a fachada externa
do edifício, no forro, que assume a função de mediação luminosa com o
exterior. A luz natural vem do alto, pela orientação solar Sul e pelo dire-
cionamento da planta, causando contraste e um pequeno ofuscamento no
caminho a percorrer – não posso afirmar se intencional, mas esse gesto
projetual objetiva a longa subida ao encontro da luz.
O corrimão em aço inoxidável, nesse espaço, parece-me também ca-
nalizar a luz natural linearmente pela sua superfície contínua e brilhante.

216
[227]

[228]
Em todos os pormenores da edificação é possível identificar a exatidão do
desenho e a definição justa dos materiais.
O piso é alterado para o concreto polito cinza claro, alterando a lumi-
nosidade espacial do pavimento térreo.
Ao fim da escada, o primeiro andar com espaço expositivo é um pro-
longamento material do espaço de circulação vertical.
O plano superior formado pelo forro em luminoso em vidro ganha a
escala total da planta. Novamente, como nas fachadas externas, o rigor da
modulação e a elucidação dos elementos de suporte das placas de vidro:
todas as placas iguais quadradas e coordenadas com o espaço, apoiadas por
gravidade em quatro suportes retangulares metálicos que imprimem ritmo
pela repetição.
A luz interna oscila de acordo com a passagem do sol. Cada um dos
andares expositivos, conforme se ascende o edifício, tem sua própria quan-
tidade de luz.
A presença de dispositivos que exercem luz natural, zenital, nos proje-
tos de Zumthor, é uma constância em sua obra, desde o Abrigo das Ruínas
Arqueológicas Romanas. Em Bregenz, porém, a operação atinge outro grau
de sofisticação técnica e controle, uma vez que a penetração de luz não é
direta, através de alguma perfuração ou claraboia, mas todo o projeto en-
seja entorno desse tema ao transferir a luz incidente nas fachadas para os
forros dos andares expositivos.
O sistema expositivo consiste em pregar os quadros ou painéis direta-
mente nas empenas de concreto liso e, quando finalizada a exposição, há
um retrabalho de massear o furo com graute e alisar a parede de modo que,
de perto, percebe-se toda a série de furos já feitos na história do museu.

218
[229]

[230]
[231]
2.7 Museu de Arte de Kolumba
Colônia, Alemanha, 2007
232

fonte: Google Earth – 05/04/2010 60 m


233

234

plantas N
235

corte 5 m
Colônia, 15 de abril de 2016

2.7.1 I nserção na paisagem – implantação

A cidade de Colônia situa-se às margens do rio Reno, que nasce nas pro-
ximidades de Chur, onde Zumthor reside na Suíça, e segue até o norte da
Europa, atravessando a Alemanha. A presença do rio e da grande Cate-
dral gótica de Colônia são protagonistas na paisagem urbana. A estação de
trem principal está ligada à Catedral em uma grande praça central onde
ocorrem manifestações culturais. Meu trajeto até o Museu de Kolumba se
iniciou nessa praça de frente às duas torres da igreja. De lá, parte uma rua
pedonal de comércio principal, acompanhando o sentido do rio. Dobrei à
direita, me distanciando do rio por três quadras, até encontrar Kolumba. A
visão é do museu em uma esquina urbana, destacando-se por sua volume-
tria maciça na base e volumes de diferentes alturas na porção mais alta. Os
tijolos espaçados formam faixas e as grandes janelas com caixilharia apoia-
da por fora das paredes dinamizam o volume. Não há visão do interior, isso
se aplica mesmo no acesso do edifício, onde o único trecho de vidro no
térreo dá para uma parede recuada, uma antecâmara.

226
[236] [237]
2.7.2 Acesso à edificação – transição

A antecâmara é estreita, com pé direito alto e funciona como um resguardo


do entorno urbano, conduz a entrada em giro até uma segunda porta de
acesso, também com esquadria metálica acetinada e vidro. Puxador verti-
cal e comprido e fino formando um “C” de cantos retos no meio da porta.
Ao atravessar a segunda porta me dei de frente ao balcão de acesso, um
monólito em madeira avermelhada. Pequenos gestos atenciosos como o
desenho do porta guarda-chuva em concreto branco junto à porta. Atrás
do balcão, embutido nas paredes de tijolos claros, expositores de livros à
venda feitos também em madeira avermelhada. O piso em placas grande
em pedra com uma cor arenosa. A parede que resguardava o interior na
verdade correspondia ao volume da chapelaria, com interior forrado em
madeira em todas as suas superfícies, para além das portas dos armários.
Esse volume faz uma baliza na entrada, fazendo você contorná-lo para che-
gar até um átrio de circulação ligado à escada de acesso, a entrada para as
ruínas e o pátio externo.
Os materiais são domésticos e quentes, ou seja, tijolos claros, pedra ama-
relada, madeira avermelhada, não me transpondo a um museu convencional.

228
[238]
[239]

[240]
[241]
2.7.3 O interior

Desse espaço de articulação no térreo há uma porta dupla em aço acetina-


da no mesmo plano de uma escada de pouca largura e poucos degraus.
Fui conduzido naturalmente à porta maior para investigar a que daria
acesso. Ao abrir, uma cortina em couro marrom formada por faixas cos-
turadas de nuances de cor diferentes, impede a visão da sala a seguir. Esse
espaço é uma antecâmara de pé direito alto, pois, ao atravessar a cortina,
descobri que estava dentro das ruínas da antiga igreja destruída durante a
segunda guerra mundial reinterpretada por Zumthor.
Uma passarela em madeira avermelhada conduz o percurso fixo sobre
trechos das ruínas. As faixas de tijolos espaçados da fachada dão brilho supe-
rior às paredes do espaço, no momento onde encontra a laje de concreto pro-
posta por Zumthor para a ocupação das salas expositivas, no andar superior.
Voltei até o espaço de articulação para investigar a pequena escada ao
lado. Ao subir os primeiros degraus até o patamar existente fui forçado a
girar o corpo porque a continuação da escada acontece no sentido oposto.
A partir desse momento as paredes de tijolos dão lugar a uma massa ci-
mentícia com um tom arenoso.
A continuação é um grande lance vertical único e estreito até o primei-
ro pavimento. O corrimão é feito em madeira com um desenho de duplo
arredondamento, perfeitamente anatômico.
Essa relação de acesso muito se assemelha ao Museu de Bregenz, com
seu acesso dado pelo espaço central de articulação por uma pequena passa-
gem seguida de uma escada de lance único.
O primeiro andar é escuro, sem janelas, com a iluminação artificial re-
sultante de spots direcionados nas obras de arte. No final do percurso, an-
tes do segundo giro para acessar a segunda escada uma sala completamen-
te escura: entrei tateando as paredes para me localizar e as paredes eram
forradas de camurça preta; nessa sala somente havia vitrines com uma luz
vertical vinda do teto centralizada em cada uma delas onde peças sacras de
ouro brilhavam.
No segundo andar está o espaço expositivo principal, mais luminoso,
por causa da organização espacial que conforma as salas expositivas em
blocos autônomos com espaços de articulação entre eles associados às
grandes janelas que havia visto do lado de fora do museu.

232
[242] [243]

[244] [245]
Uma segunda sala especial chamou minha atenção. Toda folhada em
madeira, sua entrada se assemelha a um armário embutido em madeira
avermelhada, conectado diretamente ao espaço de circulação e distinguin-
do-se de seu espaço cimentício cinza amarelado. Dentro dela o pé direito
se eleva e todas as faces das paredes e teto são folheados com madeira, com
exceção do plano oposto à porta, que é uma grande caixilho de vidro com
uma cortina leve e translúcida. É o espaço de leitura do Museu, com uma
pequena biblioteca. As poltronas em couro marrom. É o espaço de maior
acalento do Museu.
A madeira utilizada no Museu é de grande sofisticação em forma, encai-
xes e detalhes, com execução manual, transparecem o ímpeto de Zumthor
pelo universo artesão, utilizado mesmo em um museu de grande escala.
Segui até o grande espaço central de piso em concreto polido brilhan-
te cinza claro rodeado por pequenas passagens abertas correspondentes às
salas expositivas. Assim como a sala de leitura, seus pés direitos são mais
altos que esses espaços de articulação enfatizando a transição entre os dois.
Nelas a iluminação natural vem por janelas na porção mais superior. A pas-
sagem entre o espaço central e essas salas de exposição está também enfati-
zada por uma pequena diferença do nível do piso, o que gera uma aparente
autonomia de seus volumes.
Entre os volumes, as grandes janelas geram uma gradação de luz pelo
piso brilhante. Ao me aproximar da última, pela sequência da ordem do
percurso, ocorre o enquadramento visual direto das duas torres da Cate-
dral da cidade, centro histórico de Colônia.

234
[246] [248]

[247] [249]
2.8 Capela Bruder Klaus
Wachendorf, Alemanha, 2007
250

fonte: Google Earth – 07/09/2016 50 m


251

planta
252 253

cortes 1 m
Wachendorf, 17 de abril de 2016

A Capela de Campo Bruder Klaus era o projeto que guardava maior expec-
tativa de visitação pela singeleza de sua escala acompanhada da potência de
seu particular sistema construtivo e espacialidade interna.
A localização da pequena capela está a 60 quilômetros a sudoeste de
Colônia, cidade onde me hospedei, na zona rural próximo à cidadela de
Mechernich e, da menor ainda, Wachendorf.
Como ela se situa em um local sem acesso direto por transporte, decidi
alugar uma bicicleta e pegar um trem até Mechernich e, de lá, chegar até ela
pedalando.
Considerei esse o método de deslocamento mais acertado para apreen-
der a implantação do projeto: a paisagem, o lugar, sua topografia e vistas,
seus caminhos.
Ao desembarcar na pequena Mechernich, perdi o sinal do celular e o
GPS (anteriormente à viagem, havia feito um mapa georeferenciado com
todos os projetos de Zumthor, a princípio meu único meio de encontrar
Bruder Klaus).
Na estação de trem, havia um grande mapa fixo da região e consegui
encontrar sinalizado “Bruder Klaus field Chapel”. Meu caminho de 40 mi-
nutos de bicicleta foi uma tentativa de lembrança desse mapa, apenas tendo
uma direção em mente que deveria seguir.
No caminho, a paisagem se compõe de vastos campos plantados em
planos inclinados, galpões de madeira junto a estrada, por vezes de asfalto,
por vezes de terra.

240
[254]
2.8.1 I nserção na paisagem – implantação

A partir desse momento, comecei a reconhecer na paisagem as maquetes


de implantação de Zumthor que havia estudado anteriormente: os blocos
de vegetação maciça entre grandes “clareiras” de campo plantado, a topo-
grafia suave me informavam que eu estava no caminho certo.
O primeiro avistamento foi a distância, um pequeno monolito ereto en-
tre os maciços de vegetação de mesma altura. A imagem é a mesma das ma-
quetes, com a presença convergente na paisagem do objeto, centralizante.
Sua implantação está na parte alta de um dos planos inclinados da to-
pografia mencionados, o que gera, para além da forma retilínea “estran-
geira” na paisagem, grande foco de atenção em uma escala de aproxima-
ção mais ampla.
A partir desse momento, segui pedalando com segurança até meu ob-
jetivo. No entanto, como havia encontrado a capela pelo seu lado de trás e
havia uma cerca delimitando seu terreno retangular, fui forçado a descer
até a porção inferior do plano inclinado para subir novamente pelo outro
lado e ascender à sua entrada.
Essa volta em torno da obra pelo terreno foi fundamental também para
confirmar a implantação clássica da capela no cume da rampa, em pro-
montório, no eixo do campo retangular, como objeto vertical de central
importância. Além disso, sua geometria prismática com cinco faces não re-
gulares gera uma complexidade de contrastes de luz conforme se contorna:
cada plano “acende” autônomo de acordo com a posição de quem o obser-
va e a luz do sol.
A materialidade, a distância, se adéqua aos matizes terrosos naturais do
lugar. É possível dizer, estando presente, ainda a distância, que naturalmen-
te isso foi um dado de projeto mais relevante que qualquer analogia com os
galpões agrícolas de madeira.
Com exceção da face onde está a entrada, as outras quatro faces perma-
necem neutras, sendo somente expressão da própria matéria, pois, nessa,
encontra-se a porta triangular que assume uma radical oposição material,
uma vez que seu brilho metálico acetinado é visto a distância.

242
[255]

256

257
[258]
[259] [260]

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[263] [264]

[265] [266]
2.8.2 Acesso à edificação – transição

Ao terminar o giro está, a leste, a porta metálica triangular no fim de um


caminho linear de terra batida na grama.
O prisma vertical de concreto prensado impressiona de perto pela sua
rusticidade, muito distante do concreto de Zumthor em Bregenz ou em sua
residência. Ele retira de sua grossa granulometria sua expressão arcaica e
campestre. As faixas de concretagem de mesma altura presentes na tectô-
nica da edificação denotam a ideia de trabalho contido na obra, exposto
como fato. Se, a distância, a capela parece se ligar somente com os matizes
da paisagem, quando se está diante desse concreto bruto, feito em camadas,
há uma conexão com o mundo campestre.
O único plano de concreto não áspero corresponde ao banco externo,
na base do edifício vertical, que é polido.
Finalmente, a porta de acesso ao interior reencontra a precisão e enge-
nhosidade do detalhista arquiteto vivenciada nas outras obras. Esse con-
traste da porta com todo o projeto é uma espécie de baliza contemporânea
do projeto que até agora se mantinha em um aspecto atemporal.
A porta, apesar de visualmente espessa, é, pelo oposto, muito leve. Feita
de alumínio com um único pivô excêntrico. Está encaixada no vão triangu-
lar resultante da forma interna da capela.
No sistema de fecho está a engenhosidade mencionada: a maçaneta é
uma esfera de metal polido, que não gira, mas translada para cima e para
baixo, acionando um mecanismo interno que levanta e abaixa uma argola
na face interna da porta que entra e sai de um pino metálico fixo no chão.
Isso descreve muito do personagem Zumthor depois do ponto de vista da
visita em todas essas obras.

246
[267]

[268] [269] [270]


[271] [272]

[273] [274]

[275] [276]

[277] [278]
2.8.3 O interior

O interior não deixa de ser um percurso continuado desde o caminho pe-


los campos adjacentes. A entrada em curva em simultâneo com o aumento
continuado do pé direito gera expectativa do fim do percurso.
A luz em ritmos verticais incidente nos arcos dos troncos roliços usa-
dos na concretagem remetem à capela Sogn Benedetg, embora com outra
materialidade e textura.
O interior é orgânico, disforme, escuro. Pisa-se sobre um chão de metal
fundido, derretido. Não há correlação com a forma externa do projeto.
Chega-se, então, ao fim do percurso: um recinto circular de alto pé di-
reito, e luz zenital por uma desimpedida abertura de onde confluem em
cone todas as abas verticais de concreto queimado.
No chão metálico, uma poça de água sinalizando que chove e neva den-
tro da capela.
Nas paredes, pequenas “gotas” de luz intercaladas em toda a volta, dis-
postas radialmente. São, novamente, um elemento do projeto que descre-
veria Zumthor em suas diretas ações projetuais: atinge-se a delicadeza de
singelos pontos de luz natural na grotesca superfície interna da capela por
meio de tubos metálicos presos nas espessas paredes de concreto que con-
duzem luz de fora até uma pequena esfera de vidro que bloqueia o fim do
tubo, no lado interno.
Completam o espaço um pequeno banco em madeira clara e estrutura
metálica, um suporte com velas e espaço para o folder sobre a capela, um
suporte com areia muito fina para as velas acesas, uma escultura e uma
roda fixas diretamente no concreto.

250
[279] [280]

[281] [282]

[283]
3 POIESIS
TÉCNICA E LUGAR
A sala de estar de madeira é uma tradição venerável na casa alpina.
As paredes de pedra para a cozinha (Rhaeto-romansh, cha-de-feu
= casa do fogo) e paredes de vigas sobrepostas para a sala de estar
são suas características mais salientes. Quatro paredes de vigas
colocadas uma em cima da outra fazem a sala. O comprimento
das paredes e, consequentemente, o tamanho da sala dependem
do comprimento dos troncos de árvores disponíveis. Essa restrição
gera a escala de intimidade. Na nossa região, essas blockhouses são
chamadas Strickbauten, literalmente, casas entrelaçadas [knitted
houses]. A expressão é impregnada com o processo construtivo de unir
coisas em conjunto, de “entrelaçar” as vigas para fazer um todo.20
No intuito de estender a análise sobre a poiesis dos projetos do arquiteto, as 20  Zumthor, sobre o
processo construtivo
gêneses de suas ideias e seu raciocínio projetual, recorre-se, como objetos tradicional em madeira
guia de estudo, aos seguintes projetos construídos: Capela Sogn Benedetg das casas da região
dos Alpes suíços, ao
(Suíça, 1985–88), Atelier Zumthor (Suíça, 1985–86), Abrigo para as Ruínas justificar seu projeto
Arqueológicas Romanas (Suíça, 1985–86), como um grupo único, o Museu das Casas de Leis
(2006–09), Suíça na
de Arte de Bregenz (Áustria, 1989–97) e a Capela de Campo Bruder Klaus ocasião da premiação
(Alemanha, 2000–07). do Spirit of Nature
Wood Architecture
Técnica e lugar, dois temas fundamentais no desenvolvimento de projeto Award 2006.
de Zumthor, são aqui demonstrados diante de três cenários distintos para
que assim se possam estabelecer parâmetros analíticos mais complexos so-
bre a obra do arquiteto: os projetos destacados permitem uma triangulação
21  Os três projetos
entre diferentes períodos da obra do arquiteto, materiais utilizados (madei- foram apresentados
ra, vidro e concreto) e programas de uso distintos recorrentes (intervenção em um conjunto
único na primeira
em patrimônio histórico, espaço museológico e espaço religioso). exposição individual
A Capela Sogn Benedetg, o Atelier Zumthor e o Abrigo para as Ruínas do arquiteto entre 2 e
23 de outubro de 1988,
Arqueológicas Romanas estão tratados como um conjunto único, são três em Lucerne: Partituren
projetos construídos em madeira, no mesmo período, na mesma região und Bilder. Arbeiten
aus dem Atelier Peter
e usufruem de temas correlatos. Constituem as primeiras obras nas quais Zumthor, Haldenstein
Zumthor reconhece seu ponto de partida21 para os projetos que serão de- [Pontuações e fotos.
Obras do estúdio Peter
senvolvidos nos anos seguintes, após 1985. Zumthor, Haldenstein],
O Museu de Arte de Bregenz exemplifica como Zumthor atua diante com as fotografias
de Hans Danuser. O
de uma obra de escala icônica de um museu fora de seu país, na cidade catálogo homônimo
austríaca de Bregenz, e, sobretudo, como ele utiliza o vidro como material da exposição marca a
primeira monografia
único na conformação de uma “pele” ao edifício, tema recorrente na arqui- publicada dos
tetura do período em que foi construído, década de 90. projetos de Zumthor.

255
Por fim, a Capela de Campo Bruder Klaus, obra mais recente, faz re-
conhecer como Zumthor atua diante da paisagem natural e retoma temas
construtivos inerentes à sua obra, conforme a relação de sua concretagem e
sistema de fôrmas.

256
3.1 A CAPELA SOGN BENEDETG,
O ATELIER ZUMTHOR E O ABRIGO PARA
AS RUÍNAS ARQUEOLÓGICA S ROMANAS
As três obras situam-se no cantão de Graubünden: a Capela Sogn Benedetg
em Sumvitg, o Atelier em Haldenstein e o Abrigo em Chur, ou seja, estão
em maior ou menor medida relacionadas com uma paisagem campestre,
onde predominam casas e galpões rurais em madeira. Zumthor estava já
há seis anos atuando em seu próprio estúdio, depois de abri-lo em 1979,
após o período profissional de dez anos no Departamento de Patrimônio
estudando as vilas dessa mesma região. Quais seriam, então, as questões
desenvolvidas por Zumthor nesses projetos embrionários de sua obra?
A leitura da implantação desses projetos revela um dado recorrente para
a análise dos procedimentos de Zumthor quanto à presença da construção
no lugar em que se situam. Com exceção da Capela, implantada poucos
metros acima da cota das casas do vilarejo em uma posição de leve relevân-
cia, os outros dois são pragmáticos, uma vez que o Atelier ocupa a esquina
do lote em que reside, junto à rua, e o Abrigo circunscreve precisamente as
antigas ruínas existentes. Portanto, estão em posição de continuidade com
a paisagem, ou seja, estão naturalmente contidos nela, sem se destacarem
como fatos excepcionais.
Esse modo de pontuar seus edifícios em contextos específicos está des-
crito por Zumthor como um sentimento de “paisagens completadas”, quando
a presença de um edifício novo deve conviver serenamente com o existente:

A presença de certas obras provoca em mim algo misterioso. Parecem


simplesmente estar lá. Uma pessoa não lhes dá nenhuma atenção espe-
cial. E, no entanto, é quase impossível imaginar o lugar onde estão sem
elas. Essas obras parecem estar firmemente ancoradas ao chão. Funcio-

259
nam como parte integrante do seu espaço envolvente […].
(ZUMTHOR, 2009, p.17)

Seus volumes almejam esse pertencimento sereno de duas maneiras


complementares: pela forma e por sua expressão construtiva, técnica.
Como descrito no capítulo 1.1, Zumthor, assim como sua geração da
“new simplicity” suíça, está trabalhando com prismas geométricos abstratos
no final da década de 80, contudo, aqui ele exercita uma inflexão das for-
mas abstratas aos tipos arquitetônicos da região campestre.
O volume Capela assume a curva da antiga capela de pedra destruída; Ver figuras 284 a 286.
o do Atelier o de um galpão rural comum da região e o do Abrigo; uma
abstração cúbica “shed-like” das antigas casas romanas em que ele protege
as ruínas, no que poderia demonstrar um eco da primeira fase tipológica
de Rossi, mas opera em uma direção mais metodológica, vinculada à valo-
rização e reinterpretação de determinado contexto, como podemos inferir
no memorial de Zumthor do projeto do Abrigo:

O novo invólucro de proteção para os achados arqueológicos foi conce-


bido como uma espécie de reconstrução abstrata dos volumes romanos:
uma estrutura leve de paredes feitas de lamela de madeira, que admitem
luz e ventilação, segue exatamente as paredes externas romanas, produ-
zindo um efeito de envelopamento que dá uma forma visível para a loca-
lização dos edifícios romanos na paisagem da cidade de hoje.
(ZUMTHOR, 1998, p.28)

Essa relação de pertencimento com o lugar é, portanto, mais ambiva-


lente que a simples repetição de formas comuns e uma implantação contí-
nua. Para Zumthor, ela contém um fator de tensão em sua operação, pois
deve construir um equilíbrio entre essa continuidade histórica e o novo,
extraordinário na paisagem:

Cada nova obra intervém numa certa situação histórica. Para a qualidade
dessa intervenção é crucial que se consiga equipar o novo com caracte-
rísticas que entrem numa relação de tensão significativa com o existente.
Para o novo poder encontrar o seu lugar, precisa primeiro de nos esti-
mular para ver o existente de uma nova maneira. (ZUMTHOR, 2009, p.17)

260
[284]

Atelier Zumthor
(1985–86)

[285]

Abrigo para as
ruínas arqueológicas
romanas (1985-86)

[286]

Capela Sogn
Benedetg (1985–88)
No caso do Abrigo, que é um projeto de intervenção em patrimônio
histórico, esse discurso é mais explícito, pois, como explica Zumthor, seu
projeto seguiu a cubagem da antiga casa romana, mas de maneira abstrata,
introduzindo um elemento reconhecível de madeira na “paisagem da cida-
de de hoje”.
Essa tensão da determinação da forma dos edifícios, ou objetos no es-
paço, entre a continuidade por abstração ao contexto e a qualificação de
um elemento novo é um embate arquitetônico suíço a que Zumthor per-
tence. Davidovici descreve, como exemplo, o projeto da Casa Azul (Blue
House) de Herzog & de Meuron, que formalmente é um arquétipo abstrato
da casa camponesa com duas águas, mas, como é nomeada, recebe uma
pintura de um tom de azul absolutamente externo ao local em que está:

O tema da semelhança é ambivalente. Embora sugerindo parentesco en-


tre duas ou mais entidades, também reconhece que elas são diferentes
umas das outras. A arquitetura examinada aqui oscila entre encaixar e
se destacar do contexto imediato, entre subscrever uma imagem conven-
cional e afirmar sua individualidade (artística). A elevação excêntrica e
colorida da Casa Azul de Herzog & de Meuron (1979–80) está dentre as
primeiras e mais didáticas demonstrações dessa dualidade.
(DAVIDOVICI, 2012, p.266)

Se a operação da pintura de Herzog & de Meuron sobre a superfície de


seu volume prismático é contrastante com seu entorno por exceção, Zum-
thor absorve, em seus edifícios, elementos da paisagem, redesenhados;
nesse sentido, estando diante de um ambiente de uso comum da madeira,
Zumthor a utilizará de maneira pictórica, envolvendo seus volumes. Ver figuras 287 e 288.

A estratégia de cobrir com uma pele texturizada de pequenos elementos de


revestimento sobre vastos, simples volumes, teve a virtude de tratar a ma-
deira de uma forma pictórica, abstrata. Ele tinha concebido seus edifícios
utilitários como finas peças de mobiliário. Ele não o fez sugerindo predo-
minantemente a preocupação com a técnica, no entanto, ele se baseou nela
para articular um statement arquitetônico de relevância mais ampla.
(DAVIDOVICI, 2019, p.98)

262
287

Herzog & de Meuron.


Casa Azul,
Oberwil, 1979–80.

[288]

Peter Zumthor.
Capela Sogn Benedetg,
Sumvitg, 1985–88.
Nesse primeiro conjunto de projetos de 1985, observa-se a predominância
no uso da madeira, ligada, sobretudo, ao contexto campestre suíço do can-
tão de Graubünden, onde localizam-se. No entanto, essa relação estabelecida
com a paisagem não impõe um franco mimetismo ao usualmente construído
nessa região, mas o toma como ponto de partida da técnica a ser desenvolvi-
da nos projetos, ou seja, não há aqui o uso nostálgico da matéria local, mas
uma vontade de exercê-la a seu modo, expondo sua técnica construtiva.
No caso do Abrigo, por exemplo, o princípio construtivo de entrelaça-
mento dos troncos de madeira típico das construções alpinas é evitado por
Zumthor, o que reforça, nesse caso, a pureza volumétrica dada às arestas Ver figuras 289 a 294.
bem definidas, e um sinal de contemporaneidade ao projeto, diferentemen-
te de outros arquitetos contemporâneos da região, como Gion Camina-
da 22, que adota procedimentos de projetos mais mantenedores das técni- 22  Gion A. Caminada
é arquiteto nascido
cas locais em seus projetos. em 1957, em Vrin.
Zumthor realiza esse gesto de reinterpretação das técnicas locais à sua Sua formação tem
pontos comuns com
maneira em diversas outras obras posteriores, nas casas de Leis (Suíça, a de Zumthor: filho
2006–09) e Luzi (1997–2001), por exemplo, temos um procedimento de de fazendeiros locais,
trabalhou como
projeto oposto ao do Abrigo, ou seja, ao invés de anular o encontro entre- carpinteiro antes de
laçado tradicional dos cantos das edificações, ele o prolonga até criar ou- estudar na escola de
artes aplicadas de
tra expressão construtiva própria. Da mesma maneira, no projeto da Casa Kunstgewerbeschule
Gugalun (Suíça, 1992–94), quando ele faz uma ampliação de uma casa tra- de Zurique e
arquitetura na ETH.
dicional, realiza a nova construção em pranchas de madeira sobrepostas,
alternando-as nas posições horizontal e vertical, em evidente releitura da
simples sobreposição de troncos da antiga casa. Ver figuras 295 a 300.
Nos memoriais dos projetos de 85, é possível observar esse sentido de
apropriação do uso da madeira. Zumthor, sobre o projeto de seu Atelier,
diz que:

Embora a construção em estrutura de madeira se refira aos edifícios de


madeira para agricultura e artesãos, que são típicos da aldeia, ela é proje-
tada como um objeto, um volume único de madeira equipado com uma
pele de lâminas de cipreste nas fachadas, como um mobiliário.
(ZUMTHOR, 1997, p.62)

Ainda sobre o Atelier, descreve o sentido do uso da madeira em um


plano contínuo de estreitas lâminas separadas entre si:

264
Entrelaçamentos
tradicionais das casas
alpinas suíças.
289 290

Entrelaçamentos
de projetos de
Gion Caminada
291 292

[293] [294]

Encontro das arestas


do Abrigo das ruínas
arqueológicas romanas,
de Zumthor.
À construção convencional em timber-frame, foi dada uma fachada
delicada, como um mobiliário, em lâminas de madeira, que une toda a
estrutura e enfatiza seu volume. Era importante dar um exemplo aqui
de clareza e repouso, contra o estilo alpino pesado e rústico amplamente
utilizado naquela época em novas construções.
Os trabalhos de Donald Judd e outros artistas da época, reduções
para formas volumétricas básicas, me impressionaram.
Eu estava procurando uma construção simples para o meu estúdio que se
encaixasse nos ambientes orgânicos de uma comunidade agrícola de uma
forma não espetacular. (ZUMTHOR, 2014, p.23)

Portanto, nessas obras, é possível observar que a arquitetura de Zum-


thor em madeira transita entre a redução volumétrica e uma releitura das
técnicas locais, ainda que isso não signifique uma simplificação delas, mas
sim seu próprio virtuosismo, como está realizado nas estreitas lâminas com
mesmo espaçamento contínuo em seu Atelier ou nas venezianas do Abrigo.
No caso da Capela Sogn Benedetg, o emprego da estrutura de fecha-
mento externo em madeira tem um procedimento mais complexo, pois
nesse caso Zumthor opta por envelopar o edifício diretamente com a mes-
ma técnica empregada nas casas vizinhas (plaquetas retangulares de ma-
deira fixas sobrepostas), pois assume que a forma arqueada excêntrica às
construções traria esse ajuste entre a interpretação técnica nova e o perten-
cimento na paisagem.
Além disso, pelo fato de o programa arquitetônico “capela” estar na re-
gião tradicionalmente associado à utilização de pedras e cimento branco, ao
transpô-lo para o universo da madeira, Zumthor está deixando a questão
histórica e partindo para uma leitura da técnica atual da vila. A forma da
capela que emerge diretamente do terreno, de espaço único central arqueado
como a ruína da antiga capela de 1522, destruída, que motivou a sua constru-
ção, e a pele envoltória em plaquetas de madeira, como as casas do povoado.
Zumthor tinha conhecimento da cultura das capelas de pedra e concre-
to branco da região, pois era essa sua primeira versão do projeto, uma ca-
pela branca e abstrata com a janela em fita, como descreve Schonbachler 23; 23 Ver SCHONBACHLER,
2013, p.4.
ideia abandonada durante a obra, para dar lugar à construção em madeira.
Esse processo projetual da Capela Sogn Benedetg revela como técnica
e lugar estão intrinsecamente ligados, conforme a própria interpretação

266
295

296

Casa Gugalun,
Versam, 1992–94.

298

Casa Luzi,
297 Jenaz, 1997–2001.

300

Casa Leis,
299 Vals, 2006–09.
do arquiteto. Philip Ursprung 24, em entrevista concedida ao autor, revela 24  Philip Ursprung
nasceu em 1963 em
essa operação analítica em que Zumthor expõe analogamente as latências Baltimore, EUA. Desde
do lugar: 2011 é professor de
História da Arte e
Arquitetura no Institute
Por “latência” quero dizer questões que não são óbvias, mas parcialmente for the History and
Theory of Architecture
reprimidas, esquecidas ou negligenciadas. Como um psicanalista que re- (GTA) da ETH-Zurique.
vela questões subconscientes ou memórias reprimidas, Zumthor dá, por
meio da arquitetura, acesso a processos históricos que foram esquecidos
ou reprimidos. A capela está respeitando o histórico dado, o caminho,
sim, e portanto o tempo em que a agricultura estava dominando e as pes-
soas se deslocavam a pé, não em estradas pavimentadas. (Nessa parte dos
Alpes até a década de 1950). Mas a capela não é nostálgica e não se im-
porta muito com a tradição de construção “local”. Tal tradição exigiria
uma capela construída de pedra, não de madeira. A construção de ma-
deira está mais próxima do ambiente atual do que do passado, refere-se
ao que coexiste – a floresta próxima, os estábulos – do que o que preexis-
te. A capela não quer ser um clichê do passado. Sua torre sineira parece
um poste de eletricidade ou um poste de teleférico. É muito contemporâ-
neo ou “presente”. Ajuda-nos a ver que reprimimos nosso próprio tempo
presente. (URSPRUNG, 2018. Depoimento ao autor)

Zumthor confirma esse pensamento em seu memorial explicativo do


projeto, publicado em sua monografia de projetos de 1999:

A nova igreja em Sogn Benedetg surgiu dessa tradição. Como as igrejas


antigas, sua forma expressa sua sacralidade e a distingue dos edifícios
seculares. Ela fica em um local cuidadosamente selecionado por sua to-
pografia; isso nos é familiar em aldeias antigas. Mas a igreja afasta-se da
tradição em um sentido – é construída de madeira. Como as antigas ca-
sas de fazenda, escurecerá sob a luz do sol e se tornará negra no lado sul
e cinza-prateada no norte. Em Sogn Benedetg, madeira, o material usado
tradicionalmente pela população local, foi utilizado para a igreja. A nova
construção mostra essa tradição local e a habilidade das pessoas em tra-
balhar com esse material. (ZUMTHOR, 1999, p.56)

268
Há nessa fala uma valorização do aspecto do envelhecimento do mate-
rial e da visibilidade da habilidade construtiva na obra executada. Isso pode
refletir sua mentalidade artesã descrita anteriormente em seu processo de
formação. Como objetos de estudo comum, verifica-se que na Capela Sogn
Benedetg, no Atelier Zumthor e no Abrigo das ruínas romanas, o arquiteto
envolve seus volumes com uma pele externa independente formada pela
soma de pequenos componentes iguais de madeira replicados, dos quais
transmitem o trabalho manual. Ver figuras 301 a 305.
No caso da Capela, as plaquetas de madeira instaladas sobrepostas; do
Atelier, as finas réguas de madeira espaçadas entre si; e, no Abrigo, as lâmi-
nas de madeira inclinadas percorrem toda a superfície externa dos volu-
mes, adaptando-se à modulação.
Tem-se, então, após os procedimentos de implantar seus edifícios em
continuidade com a paisagem, a tensão calculada entre leitura e releitura
das técnicas locais, a própria expressão construtiva da lógica artesã uma
virtude experimental de projeto.
Desse processo de envolver os edifícios com pequenas partes somadas,
observam-se dois fenômenos: o da aparente seriação industrial; e a franca
exibição do trabalho humano, virtuoso, para construir tal objeto.
A historiadora Irina Davidovici, ao analisar a “práxis” da produção ar-
quitetônica da Suíça alemã, diz especificamente sobre o projeto do Abrigo
para as ruínas romanas:

[…] A repetição de elementos empresta a seriação de estruturas mínimas


e exibe a qualidade de um padrão industrial.
Isso contrasta com a sensualidade do material e seu envelhecimento.
Uma leitura do revestimento em termos de múltiplos de Minimalismo é
subestimada por variações de textura que se tornam evidentes na inspe-
ção próxima. O leve tremor do material, como linhas desenhadas à mão
livre, revela o trabalho humano que entrou em sua construção. A tensão
visual entre as grandes superfícies, sugestiva de processos industriais e a
resolução minuciosa que denunciam o “feito à mão” dão ao projeto uma
riqueza poética. (DAVIDOVICI, 2012, p.106)

Ocorre nesse procedimento projetual, também, o bipartido da pele


quanto à sua observação desde dentro ou desde fora do edifício: dada a

269
301
302 303
Abrigo para as
ruínas arqueológicas Capela Sogn
romanas (1985–86) Benedetg (1985–88)
304

305

Atelier Zumthor
(1985–86)
delicadeza de suas partes e o próprio gesto de envolver como um todo o vo-
lume arquitetônico, essa superfície envoltória é desassociada da estrutura,
que ocorre como um grid interno visualmente destacado.
A estrutura do Abrigo consiste em uma malha interna retangular de
madeira laminada colada com juntas metálicas e cabos de aço tensores; a
da capela, em pilares retangulares perimetrais de madeira laminada cola-
da repetidos com mesmo espaçamento, apoiando o sistema externo de fe-
chamento por pinos metálicos: estão, mais do que informando com clareza
a sustentação do edifício, atuando na espacialidade interna pela cadência
própria e participação no ritmo da luz que atravessa as peles exteriores.
Essa característica construtiva no uso da madeira será retomada em
uma família de projetos posteriores, oscilando a posição da malha estru-
tural em interna ou externa. Tanto no Abrigo para as ruínas arqueológicas
romanas (1985–86) como na Capela Sogn Benedetg (1985–88), a estrutura,
interna, libera a face externa para uma relação de proximidade com a pai-
sagem circundante das duas pequenas cidades suíças. Nos projetos recentes
dos pavilhões do Museu da mina de zinco de Almannajuvet (2003–2017) e
no Memorial Steilneset (2007–2011), ambos situados em sítios naturais no-
ruegueses, há a inversão da grade estrutural de madeira para a face externa,
dando autonomia aos volumes que encerram os interiores.
Nesses lugares, a estrutura proposta por Zumthor atua ela mesma como
elemento comunicativo de interpretação analógica do contexto. Os pavi- Ver figuras 306 a 313.
lhões do Museu da antiga mina de zinco desativada denotam a imagem das
estruturas típicas do universo da mineração antigas. No caso do Memorial
Steilneset, dedicado às vítimas acusadas de bruxaria no século XVII, a re-
petição dos pórticos de madeira, formados pela união de barras finas, está
correlata com as estruturas locais da pequena ilha de pescadores utilizada
tradicionalmente para secar peixe. Ver figuras 314 e 315.
Sobre o Memorial, Zumthor o apresenta primeiro descrevendo o lugar
em que se situa antes de descrever o projeto em si, a partir da observação de
que a pequena vila estava deixando sua atividade pesqueira e, portando, essa
cultura estava deixando de ser revelada: “Vardo já foi uma atraente vila de
pescadores. Hoje restam apenas alguns barcos no porto interno, e os longos
suportes de madeira na paisagem, antes usadas para secar peixes, estão cain-
do aos pedaços. Muitas das casas estão vazias”. (ZUMTHOR, 2014, 4 v., p.171)
Diante desse grupo de projetos em madeira, pode-se concluir que Zum-

272
[306]
[307]

Peter Zumthor.
Abrigo para as
Ruínas Arqueológicas
Romanas,
Chur, 1985–86.

[308]
309

Peter Zumthor.
Capela Sogn Benedetg,
Sumvitg, 1985–88.

310
311

Peter Zumthor.
Memorial Steilneset,
Vardo, 2007–11.

312
313

Peter Zumthor.
Museu da mina de
zinco de Almannajuvet
Sauda, 2003–17.
thor raciocina segundo um contexto dado, analisando sua história ou téc-
nicas cotidianas locais, em um procedimento de projeto de reinterpretação
das circunstâncias, sem mimetizar suas obras com os fatos construídos de
determinada paisagem, mas fazendo com que elas contribuam na revelação
ou no diálogo de culturas latentes: “Como arquiteto, estou interessado na
história que é armazenada e acumulada em paisagens, lugares e coisas. As
coisas que posso ver e sentir na paisagem são físicas e reais, não importa
o quão mudas, ocultas e misteriosas elas possam parecer à primeira vista”.
(ZUMTHOR, 2018, p.18)

274
314

315
3.2 MUSEU DE ARTES DE BREGENZ
O Museu de Artes de Bregenz transparece as operações projetuais de Zum-
thor em um edifício de grande escala com uma demanda, dada pelos pro-
motores, por “onipresença” na cidade austríaca de Bregenz. Tendo realiza-
do suas primeiras obras referenciais em madeira, todas em pequena escala
e em consonância com seu contexto familiar suíço, como seria a leitura
desse projeto de um museu para Zumthor? Além disso, a ênfase técnica
dada aos espaços expográficos de um museu condiciona o arquiteto a um
engenhoso processo arquitetônico de como fazer a luz natural penetrar em
seu edifício, concluindo em questões próprias de seu pensamento.
O projeto é resultado de um concurso realizado em 1989, conduzido
pelo governo do Estado Federativo de Vorarlberg, cuja capital, Bregenz, ca-
recia de um espaço para a arte contemporânea. A proposta de Zumthor
foi a vencedora dentre 72 inscritos, avaliados em janeiro de 1990 pelo júri
composto por: Adolf Krischanitz, Herbert Karrer, Kurt Burtsher, Heinz
Wagner, Friedrich Achleitner, Jacques Herzog (Herzog & de Meuron),
Guntram Lins, Peter Baum e Christoph Bertsch.
Segundo o júri, “com a construção da galeria nacional de Voralberg, as
margens do lago de Bregenz experimentarão um novo destaque urbano,
que vai de acordo com o desejo de muitos anos por um espaço artístico de
Vorarlberg” (WETTBERWERBE ARCHITEKTUR JOURNAL,1990, p.45), ou seja,
havia clareza na posição de destaque que o museu deveria ter em relação à
cidade e sua importância para com todo o Estado de Voralberg.
Na própria apresentação exigida pelo concurso, havia uma comum
perspectiva do projeto que os participantes deveriam realizar para a avalia-
ção coletiva: tal imagem consagrava o novo museu visto desde o lago à sua

277
frente, Constança, em uma observação não próxima do projeto e sua arti-
culação urbana imediata, mas da sua imagem de museu diante da paisagem
da cidade. Ver figuras 316 a 319.
Na ata do júri, a volumetria autônoma do projeto proposto por Zum-
thor o qualificou positivamente dentre os demais participantes:

O projeto representa um interessante ensaio de uma solução prototípica


dentro de uma situação urbana e paisagística específica. Foi deliberada
a intenção de adicionar um novo elemento autônomo e inconfundível
[notável] nesta situação urbana aberta, que consiste em elementos isola-
dos e muito diversos (em contraposição com a cidade velha em segundo
plano). Ao mesmo tempo, essa ocupação pontual da frente d’água dei-
xa o entorno urbano intocado e confere uma integração claramente não
transformativa. (WETTBERWERBE ARCHITEKTUR JOURNAL, 1990, p.48),

Esse gesto de projeto sugere, aparentemente, um distanciamento de


suas premissas iniciais de continuidade e reinterpretação locais exercita-
das nos projetos anteriores na Suíça. No entanto, nesse primeiro estudo
apresentado no concurso, apesar de formalmente construir uma autono-
mia no contexto pela escala, continha dois elementos estruturantes que
evidenciam que Zumthor continuou a buscar referências culturais em seus
projetos: os seis pavimentos propostos estavam erguidos sobre estacas, pa-
lafitas, no pavimento térreo; e o sistema de direcionamento de luz natural
às salas expositivas eram recobertos por plaquetas de madeira sobrepostas
(clapboard siding).
Elevar o edifício do solo não se relacionava com preceitos modernos de
pilotis, mas sim, como afirma Friedrich Achleitner 25, com uma abordagem 25  Friedrich Achleitner
fora membro do júri na
analítica dos edifícios em palafitas típicos da região lacustre, em madeira, altura. O comentário
objetos de atenção de Zumthor que provavelmente sugeriram também en- foi extraído de um
artigo escrito em 1999
volver todo o edifício em plaquetas de madeira: para a publicação
Peter Zumthor-
Kunsthaus Bregenz
Além disso, Zumthor havia preparado outra interpretação “poética” para (Werkdokumente
o desenvolvimento de uma orla costeira: o prisma apoiado sobre as esta- / Kunsthaus
Bregenz, Archiv
cas lembrava a natureza arcaica dos edifícios empilhados – um reconhe- Kunst Architektur).
cimento da cultura dos primeiros edifícios na região do lago de Constan- Berlim: Hatje Cantz
Publishers, 1999.
ça. Essa linha de pensamento foi abandonada apenas por razões práticas

278
316

317

Imagens enviadas ao
318 concurso em 1989.

319

Imagem atual do
modelo físico de 1989
de acesso, mas também a favor de uma solução que otimizasse em termos
de planejamento urbano. (ACHLEITNER, 1999, p.51)

Talvez, pela referência não ser reconhecível naquele contexto específico


mais urbano, a tentativa de Zumthor de uma aproximação analógica das
construções costeiras fora interpretada pelo júri justamente pelo seu lado
contrário: gerou a percepção de um edifício de design único que se diferen-
ciava dos seus vizinhos, capaz de receber, por sua expressão própria, a arte
contemporânea que viria a abarcar:

A estrutura (com uma planta quase quadrada) desenvolve-se como um


empilhamento de seis pavimentos iguais, sendo o inferior (como é carac-
terístico em palafitas) elevado em relação ao chão. Porém, a peculiaridade
do edifício se evidencia no modo de direcionamento especial da luz: um
clapboard siding [stülpschalung] com abertura para cima (que dá origem
a uma saliência, em forma de camadas, sobre os componentes da facha-
da) gera, por um lado, um edifício hermético (expressivo), cujo aspecto é
determinado unicamente por uma geometria precisa e uma textura forte-
mente estruturada. Como o tratamento das superfícies quase não pode ser
relacionado com outros edifícios de tipologia usual, sua aparência arqui-
tetônica sinaliza, por ela mesma, uma aproximação com a arte (caráter de
objeto). (WETTBERWERBE ARCHITEKTUR JOURNAL, 1990, p.48)

Quanto ao sistema proposto para captação de luz natural, em virtude


do volume cerrado de janelas, Zumthor se mantém dentro da lógica das
clapboard siding, ou seja, planos inclinados sobrepostos, e propõe uma se-
quência de planos voltados para o céu que rebatessem a luz direta para uma
fita superior nas salas de exposição. Esse é o início do desenvolvimento do
desenho desse sistema de captação de luz indireta superior que Zumthor
almejava para o projeto.
Ambas soluções, sejam as “palafitas” ou o sistema de iluminação pro-
posto, foram criticadas na própria ata do júri. Elevar o edifício trazia pro-
blemas para o acesso do edifício, unificado por Zumthor em uma pequena
escadaria posicionada de frente para o lago. As aberturas superiores de um
metro que rebatiam a luz indireta dos planos da fachada para as salas expo-
sitivas foram criticadas por “impactar de maneira negativa a contemplação

280
das obras de arte”; além disso, causariam uma “redução óptica do espaço
para uma altura de 3 metros”. Ver figura 320.
A planta quadrada do Museu e o volume da edificação virtualmente cú-
bico gerado da proposta final construída já estavam presentes nessa pro-
posta inicial, mas de modo distinto: assim como usual, Zumthor desvin-
cula a estrutura das fachadas. Uma fileira paralela interna de pilares e um
único core rígido com a circulação e elevador autônomo, que liberam um
espaço central, é uma disposição que há muito se refere aos paradigmas
Modernos, indicando a ausência de referências locais.
O processo de projeto do museu durou de 1990 a 1995. Nesse perío-
do, passou por diversas revisões. No segundo estudo, de meados de 1992,
Zumthor altera o sistema da fachada, reduzindo a quantidade de “planos
rebatedores” de luz indireta para um por pavimento. Além dessa alteração
quantitativa, ele redesenha os próprios planos, antes opacos, propondo ale-
tas que direcionariam a luz até a parte alta das salas expositivas.
Com isso, Zumthor sinaliza um processo de redução formal do proje-
to inicial, aproximando-se cada vez mais de um volume prismático. De-
monstra, ainda, um aperfeiçoamento técnico do sistema de venezianas
como filtro empregado anteriormente, por exemplo, no projeto do Abrigo
das Ruínas Arqueológicas Romanas, ainda que a pesquisa não tenha obti-
do informações quanto à materialidade dessas aletas. As venezianas dessa
proposta mudam sua inclinação de acordo com o ângulo solar, expondo
uma investigação projetual mais relacionada com um perfil tecnológico
que Zumthor logo abandonaria. Ver figuras 323 a 330.
Além disso, nessa versão, o museu deixa de ser elevado da cota de nível
e passa a estar encaixado nela, com um meio nível subterrâneo e o piso de
acesso com pouca diferença de altura da cota externa, mas ainda acessado
por uma pequena escada. Na versão final, o museu é colocado em nível
com a cota externa, com o acesso principal voltado para a cidade e não
mais para o lago de Constança.
O grande momento do processo desse projeto, que contribui na descri-
ção da poiesis do arquiteto, ocorre na última versão, quando ele substitui a
pele externa filtrante, que fora inicialmente em plaquetas de madeira, de-
pois, em venezianas, por placas de vidro translúcido.
Zumthor realiza uma aproximação material com o contexto não mais
pela reinterpretação pura das técnicas latentes na paisagem local, mas apro-

281
320 Imagens enviadas ao
concurso em 1989.

Projeto construído
em 1997

321 322
Proposta apresentada
no concurso, em 1989.
323 324

327

Proposta revisada,
aprox. 1992.
325 326

[330]

328

Projeto construído
329 em 1997.
pria-se das propriedades físicas da matéria, o vidro translúcido levemente
esverdeado, para aderir na paisagem.
Diante do lago de proporções regionais de Constança, Zumthor impõe,
ao seu projeto, as mesmas cores, aspectos luminosos, brilho, reflexão de
suas águas brandas que o vidro é capaz de expressar. “Ele absorve a luz do
céu, a névoa do lago, reflete a luz e a cor e dá uma indicação de sua vida in-
terior de acordo com o ângulo de visão, a luz do dia e o tempo” (ZUMTHOR, Ver figura 331.
2002, p.174).
Esse mesmo procedimento de projeto de aderência físico-cromática ao
entorno pela definição do material da superfície externa do edifício pode
ser também observado, como um segundo exemplo de um museu fora de
seu país, em sua obra do Museu de Artes Kolumba (Alemanha, 1997-2007).
Zumthor, ao visitar o local das ruínas da antiga igreja romana sobre onde
ergueria um museu de arte sacra identifica nos tijolos cerâmicos a justa ma-
terialidade capaz de aderir o novo volume ao espaço circundante. Mas não
simplesmente tijolos cerâmicos, Zumthor estuda com o fabricante as diver-
sas possibilidades cromáticas dos seus tipos de tijolos, levando-os ao próprio
local para identificar as cores precisas do entorno. Esse processo de pesqui-
sa cromática está gravado no documentário “Peter Zumthor: Der Eigensinn
Des SchöNen” [A Obstinação da Beleza] 26, dirigido por Ursula Böhm. 26 Ver PETER ZUMTHOR:
DER EIGENSINN DES
Na Áustria, essa resposta pelo vidro também traduz a lógica de pensa- SCHÖNEN [A OBSTINAÇÃO
mento do arquiteto pela sua proposta técnica. Zumthor realiza uma pele DA BELEZA]. Direção:
Ursula Böhm.
externa dupla, que conforma um colchão climático translúcido, indepen- Stuttgart. SWR, 2000,
dente da estrutura de concreto principal, com um vazio interno de 90 cen- 58min. Som. Cor.
tímetros, de modo que as lajes e circulações internas aparecem esfumeadas Ver figura 332.
nas fachadas.
Esse modelo de edificação em peles duplas translúcidas, vidros, foi de-
senvolvido com alguma frequência durante o debate arquitetônico da déca-
da de 90, quando houve uma reconsideração dos valores de transparência
do material vidro, para sua utilização como substância material do vela-
mento externo dos edifícios. Terrence Riley, em sua exposição Light Cons-
truction 27, de 1995, no Moma, conduz esse debate elencando um grupo de 27 Ver RILEY, Terrence.
Light Construction.
projetos daquela década que contemplam essa construção de uma “seção Nova Iorque: The
dentro de uma seção”, com “véus” externos seguidos de ambientes internos. Museum of Modern
Art, 1995.
Riley agrupa o Museu de Bregenz com a proposta apresentada por David
Chipperfield para a ampliação do Neues Museum (Alemanha, 1994) e do

284
331
projeto da Igreja Ortodoxa Grega (Suíça, 1989) de Herzog & de Meuron.
Apesar de estar em diálogo com a circunstância arquitetônica interna- Ver figuras 333 a 335.
cional, a proposta da dupla pele de vidro de Zumthor se estabeleceria nos
mesmos parâmetros?

No caso do museu em Bregenz, dissemos para nós mesmos desde o iní-


cio: seria um grande erro se nós construíssemos uma fachada que pa-
recesse estar dizendo “eu sou high-tech” ou “eu quero pertencer à ar-
quitetura global feita de vidro”. O processo de trabalho foi semelhante
à atividade de um artista, talvez um como Joseph Beuys, que gostava do
material. (ZUMTHOR, 2004, p.92)

Se compararmos o vítreo e translúcido projeto construído ao primeiro


estudo, com os exteriores em plaquetas de madeira sobrepostas (clapboard
siding), veremos a lógica de pensamento técnico do arquiteto transladar
entre os materiais. O desenho final de Zumthor resulta numa fachada com-
posta de 712 painéis de vidro translúcido laminado (2 x 10 mm Floatglas/
Weißglas) exatamente iguais, de 1,72 x 2,93 m, apoiados sobrepostos entre si
em apoios metálicos.
Essa saída “não high-tech” de Zumthor ao lidar com o material símbolo
da evolução tecnológica, fazendo-o se aproximar da lógica de montagem
de uma fachada de madeira, demonstra o que Richard Sennett descreve
como “mudança de domínio”, quando a mentalidade artesã aplica a mesma
lógica de pensamento em diferentes materiais e instrumentos:

A metamorfose que mais desafia o fabricante a manter conscientemen-


te a forma será talvez a “mudança de domínio”. Essa expressão remete à
maneira como determinada ferramenta, utilizada inicialmente para certa
finalidade, pode ser aplicada em outra tarefa, ou como o princípio que
orienta uma prática pode ser aplicado a outra atividade completamente
diferente. (SENNETT, 2009, p.146)

Assim, Zumthor passa a aplicar sobre o vidro suas próprias lógicas téc-
nicas, usufruindo naturalmente de seu passado artesão para “re-inventar”
um sistema de pele dupla durante a década de 90.

286
332
PETER ZUMTHOR: DER
EIGENSINN DES SCHÖNEN
[A OBSTINAÇÃO DA
BELEZA]. Direção: Ursula
Böhm. Stuttgart. SWR,
2000, 58min. Som. Cor.
E foi para o vidro que procuramos um magistral, embora comum, modo
de uso. Sem criar essa linguagem afetada, mas decodificando os princí-
pios simples. Ficou claro para nós que você não pode fazer buracos no
vidro se você tratá-lo com sinceridade, que você sempre vê todos os seus
topos, que não deve ser estressado ou pressionado. Com essa intenção
vem a inventividade. (ZUMTHOR, 2004, p.92)

O projeto final atendeu aos requisitos iniciais de conduzir a ilumina-


ção natural externa para as salas expositivas por meio dessa pele em vidro
translúcido, com uma subestrutura metálica que se conecta com os forros
das salas expositivas, também constituídos da repetição de placas de igual
tamanho de vidro laminado translúcido, transmitindo uma luz uniforme
nos salões.
As fileiras de pilares inicialmente propostas foram substituídas por três
planos de concreto aparente que conformam o espaço expositivo, assim
como organizam as circulações verticais. Os mesmos planos são a estrutura
de apoio do edifício e conduzem internamente os dutos que climatizam o
espaço interior. Entre essa estrutura interna de concreto isolada e a fachada
externa, o ar corre livre por entre os painéis.

Deve ser possível suspender livremente painéis que não se toquem, de


modo que mostrem seus topos e o ar possa fluir entre eles. Topos são
importantes no vidro. Assim, vários elementos de Bregenz foram con-
cebidos como uma invenção, mas não foi inventividade em si, resultan-
te da curiosidade e da originalidade. Nasceu como um processo natural
de resolver a estrutura de acordo com a nossa intenção de tratar bem o
material de que gostamos. […] Eu fui criado em um ambiente onde as
pessoas trabalhavam com materiais. […] Experimentar era algo óbvio.
(ZUMTHOR, 2004, p.92)

Ao combinar a expressão material que o vidro transmite com o modo


experimental de manuseá-lo, Zumthor realiza um projeto icônico de um
museu de arte contemporânea em uma capital levando em conta sua ade-
quação com a paisagem e suas origens como um artesão lidando com esse
material. O desenvolvimento do projeto do Museu de Artes de Bregenz en-
tre 1990 e 1995 contribui no entendimento da lógica projetual do arquiteto.

288
334

Herzog & de Meuron.


Igreja ortodoxa grega,
Zurique, 1989.

Herzog & de Meuron.


Igreja ortodoxa grega,
[333] Zurique, 1989.

David Chipperfield.
Proposta para
o concurso da
Extensão Neues
Museum Bregenz,
335 Berlim,1994.
A obra do Museu durou dois anos, sendo finalizada em 1997. Em 1998, o
projeto foi premiado com o Mies Van der Rohe Award como melhor projeto Ver figuras 336 e 337.
de arquitetura europeu daquele ano.

290
[336]

[337]
3.3 BRUDER KLAUS
A capela de concreto isolada na paisagem campal de Wachendorf, Alema-
nha, é oportuna para o reconhecimento de duas questões inerentes à obra
de Zumthor: uma vez distante de referências arquitetônicas do perímetro
habitado, como ele realiza uma obra de arquitetura em contato único com
a paisagem natural; e, diante dessa obra, qual a relevância de seu processo
construtivo em si.
O projeto da Capela de Bruder Klaus (dedicada à Niklaus Von Flue) se
inicia em 2001 a convite dos fazendeiros locais, no mesmo período em que
Zumthor estava projetando o Museu de Artes de Kolumba, em Colônia,
maior centro urbano próximo.
O tema de um espaço meditativo implantado em uma paisagem cam-
pestre vasta havia sido desenvolvido como raciocínio em outro projeto
não construído, também na Alemanha, dois anos antes, entre 1998 e 1999.
O chamado “Poetic Landscape”, em Bad Salzuflen; quando Zumthor de-
senvolvera pequenos edifícios, ou “casas” em suas palavras, dedicados aos
poemas feitos por poetas convidados a escreverem especificamente sobre
determinados lugares de uma propriedade agrícola.
A dupla prerrogativa paisagem-poesia foi responsável por estruturar
uma pesquisa de base do projeto posterior da Capela Bruder Klaus, pois
articula arquitetura com paisagem; e arquitetura com uma interioridade
meditativa, corpórea: “O projeto “Poetic Landscape” abriu novos espaços
para mim, novos espaços para pensar sobre a conexão da arquitetura com a
paisagem e a criação de edifícios que servem menos a um propósito prático
que a uma necessidade espiritual”. (ZUMTHOR, 2014, 3 v., p.11)
Esse projeto é apresentado por Zumthor em ambos memoriais, Poetic

293
Landscape e Bruder Klaus, como um estágio inicial que se concretizou pos-
teriormente na obra construída da Capela, finalizada em 2007. Fato que se
comprova quando se analisam as fotografias dos modelos físicos de implan-
tação de ambos projetos: Zumthor representa de maneira semelhante a paisa-
gem e a arquitetura como um plano de massas, ou seja os edifícios prismáti-
cos estão inseridos em volumes orgânicos de vegetação espraiada no campo.
A relação por oposição entre cada um dos monólitos retilíneos, corres- Ver figuras 338 a 340.
pondentes às casas dos poemas e à capela Bruder Klaus, e os planos contí-
nuos, vastos, dos campos com espaços conformados por massas orgânicas
de vegetação gera um sentido de tensão concêntrica aos edifícios, reforçan-
do sua presença.
Zumthor utiliza dos mesmos argumentos nos memoriais desses proje-
tos, ou seja, de que as intervenções seriam capazes de impor ao lugar uma
certa energia organizadora, assumindo o protagonismo para si. Seja no do
Poetic Landscape: “Queríamos intensificar a aura desses lugares por meio
de intervenção arquitetônica focada. Em sua totalidade, esperamos que es-
sas intervenções gerem um campo de energia de grande alcance na paisa-
gem” (ZUMTHOR, 2014, 3 v., p.11), como no da capela:

Uma torre aparece na zona rural acima do pequeno vilage de Waschen-


dorf no Eifel. Isso muda nossa percepção na paisagem; cria um novo
ponto de referência; paisagem e torre começam a se conectar. Estou pen-
sando na ponte em um ensaio de Martin Heidegger que de repente apa-
rece como a primeira estrutura em um vale inexplorado; define o lugar,
dando-lhe uma esquerda e uma direita, uma superior e uma inferior, algo
que nunca teve antes. (ZUMTHOR, 2014, 3 v., p.121)

Há, então, pela primeira vez, Zumthor objetivando o protagonismo, a


autorreferência na paisagem em seus projetos e fazendo-se valer deles para
atingir questões fenomenológicas relacionais. Não por acaso, esse grupo de
edifícios é majoritariamente constituído por elementos de geometria re-
tilínea verticais, “torres”, em oposição ao horizonte e faixas de vegetação.
Formalmente, tem-se uma volta aos primeiros primas da “New Simplicity”
suíça de sua obra, nesse caso formado por cinco arestas diferentes.
Em oposição a essa forma externa emblemática, aparentemente maciça,
que dialoga com a paisagem, são feitas como “grandes receptáculos, formas

294
338 339
Modelos de estudo,
Poetic Landscape.
Atelier Zumthor,
1998–99.

340

Modelo de estudo,
Capela Bruder Klaus.
Atelier Zumthor,
2001–05
arquitetônicas ocas, criadas para capturar a mudança da intensidade da luz
do dia e para promover novas experiências de um lugar para outro” (ZUM-
THOR, 2014, 3 v., p.11), de modo a construírem tal inerioridade meditativa,
introspectiva desejada.
Não foi possível obter a informação na bibliografia consultada de qual
seria a materialidade exata dos edifícios dedicados ao Poetic Landscape, no
entanto, na Capela, a interioridade vazia do volume vertical está relacio-
nada explicitamente com seu processo construtivo, realizado em concreto
prensado em camadas.
A proposta arquitetônica de Zumthor, executada entre 2005 e 2007,
consiste na materialização de uma sequência construtiva: a construção das
fôrmas, a concretagem e a carbonização das primeiras para a sua desfôrma.
Para as fôrmas do espaço interno, foram usados 112 troncos roliços de
árvores cortadas de um bosque local. Os troncos foram posicionados lado
a lado definindo os limites do espaço interno em planta. Cada tronco foi
então apoiado em seu par no lado oposto, formando uma “barraca de ma-
deira enorme” (ZUMTHOR, 2014, 3 v., p.121), nas palavras de Zumthor. Ver figuras 341 a 343.
A seguir, instaurou-se uma rotina de concretagem: durante 24 dias a
estrutura fora preenchida com uma camada diária de 50 centímetros de
concreto prensado, até atingir 12 metros. O concreto foi feito como uma
massa espessa, de alta granulometria, constituída de cascalho de rio, ci-
mento branco, água e areia amarelo-avermelhada 28. A cada dia a mistura 28  Segundo artigo
no portal virtual
era refeita, o que resultou em variações sensíveis de cor e textura entre ca- do periódico
madas. Na superfície externa, as fôrmas eram planas e; na superfície inter- espanhol Tectonica.
Disponível em <http://
na, o concreto foi moldado envolvendo os troncos da “barraca”. tectonicablog.com/
No fim dos 24 dias, com o volume de 12 metros erguido, os fazendei- docs/Zumthor.pdf>
ros iniciaram um processo de queima dos troncos internos que durou três
semanas, até a finalização de sua carbonização e desfôrma facilitada: “Os
troncos das árvores se encolheram no fogo fumegante, que escureceu as
paredes com fuligem. Quando o fogo finalmente se apagou, os troncos de
árvores queimados foram removidos, deixando para trás sua marca e o
cheiro prolongado de fumaça”. (ZUMTHOR, 2014, 3 v., p.122)
Portanto, vemos a madeira, tão utilizada na obra do arquiteto, tanto em
estrutura como envelopamento sendo empregada materialmente no inte- Ver figuras 344 a 346.
rior da Capela para conferir sua textura, veios, específicos ao concreto, im-
pregnando-o com seu odor carbonizado. A operação é um processo físico

296
341

[342] 343
e químico, natural, baseado em gestos simples de execução, de acordo com Ver figura 347.
um ambiente rural onde se situa.
Além do apreço pelo uso e expressão dos materiais, que permeia toda
obra do arquiteto, de que maneira essa sequência construtiva poderia con-
tribuir para o entendimento do pensamento arquitetônico de Zumthor?
Nesse caso, a descrição das etapas da obra está visivelmente consagrada no
corpo construído.
As etapas de concretagem diárias estão explícitas na diferença de co-
res e marcas a cada 50 centímetros. Os troncos de madeira carboniza-
dos são visíveis pela subtração na massa interna do concreto. A porta, no
início do desenvolvimento da “barraca” dos troncos apoiados, assume,
consequentemente, a forma de um triângulo. Essa orientação da arquite-
tura através de simples processos, que permanecem na obra como gestos,
constitui uma característica no arquiteto. Martin Steinmann complemen-
ta nesse sentido:

O trabalho, no entanto, e seus traços visuais são reduzidos a apenas al-


guns processos. O empilhamento de lajes de pedra, a junção de tábuas
em fileiras, a sobreposição de telhas… conexões simples feitas como elas
sempre foram feitas. Não há barras, cabos, nós… quase sem detalhes. As
partes influenciam cada uma delas diretamente. O efeito pode ser des-
crito com palavras associadas ao trabalho de Zumthor. Já os mencionei:
simplicidade, necessidade, integridade, franqueza. Mas agora fica claro
que esse efeito não é, em sentido ideológico, fundado em si mesmo. É
uma consequência de um trabalho orientado para a apresentação dos ele-
mentos próprios de construção. Como dizem os franceses, donner à voir,
apresentando-os como o objeto da experiência sensual, da aisthesis antes
disso se tornar aesthetics. (STEINMANN, 1997, p.87)

Na capela, vê-se o empilhamento sucessivo, a repetição de atividades


manuais, como uma rotina nas faixas de concretagem. O concreto, que
permitiria o fluido preenchimento de fôrmas nos diversos formatos e esca-
las, é utilizado de maneira prensada, apiloada [rammed concrete], de modo
a marcar propositalmente o tempo de sua execução, como um processo.
A utilização do concreto dessa maneira específica está relacionada com
a fase mais madura da obra do arquiteto, tendo sido utilizada pela primeira

298
344

345

[346]

Capela Bruder Klaus.


Imagens do programa
exibido pela emissora
alemã SWR Fernsehen.
vez no pátio externo do Museu de Artes de Kolumba, obra que ocorrera
praticamente concomitante à capela, entre 2003 e 2007, na mesma região. A
Casa Chivelstone, na Inglaterra, com início do projeto em 2008 e término
da obra em 2018 é um outro exemplo recente. A última versão divulgada
do projeto em desenvolvimento do Museu de LACMA, nos Estados Unidos,
aponta uma radical mudança dos materiais divulgados anteriormente, com Ver figuras 348 a 352.
os núcleos expositivos com essa mesma leitura do concreto em faixas.
A lógica de empilhar partes para construir um todo, transposta ao con-
creto por Zumthor, está evidenciada em muitos de seus projetos, sobretudo
em um grupo que utiliza de maneira direta barras de madeira: o Pavilhão
para a EXPO de Hanover e a Casa dos Mosaicos. Ver figuras 353 a 356.
O Pavilhão Suíço para EXPO de Hanover de 2000 talvez demonstre isso
de maneira mais explícita dentre todos. Uma vez sendo um projeto para
uma feira temporária, ou seja, havia a necessidade de montagem-desmon-
tagem, Zumthor propõe um projeto construído de grande paredes de bar-
ras de madeira sobrepostas, unidas por gravidade e por um sistema de ca-
bos de aço e molas que as mantinham pressionadas entre si. A construção
do pavilhão expõe seu gesto construtivo de maneira aberta.
Na Casa dos Mosaicos, projeto não construído na Palestina, desenvol-
vido entre 2006 e 2010, Zumthor também parte do empilhamento sucessi-
vo para formar um volume de barras de madeira que protegesse um sítio
arqueológico de mosaicos romanos. Há, nesse projeto, um aspecto lúdico
que vai além da repetição do gesto construtivo até o encerramento do volu-
me arquitetônico: em determinadas alturas as barras de madeira são deslo-
cadas livremente ocupando também o espaço central, de modo a criar um
filtro de luz natural.
O projeto da capela de Bruder Klaus evoca, portanto, a essencialidade
do ato construtivo para que a arquitetura de Zumthor se realize. Desde ges-
tos, operações simples, como o empilhamento de componentes e camadas,
Zumthor atua para valorizar os processos construtivos como componentes
atuantes no espaço.

A construção é a arte de formar um todo com sentido a partir de muitas


partes. Os edifícios são testemunhos da capacidade humana de construir
coisas concretas. O verdadeiro núcleo de qualquer tarefa arquitetônica
encontra-se, no meu entender, no ato de construir. É aqui, onde os ma-

300
347
Peter Zumthor.
Museu Artes Kolumba,
Alemanha, 1998–07
[348] [349]

351

Peter Zumthor.
Casa Chivelstone,
Inglaterra, 2008–18.
350

Peter Zumthor.
Museu LACMA,
Estados Unidos,
352 imagem de 2017.
Casa dos Mosaicos.
Atelier Zumthor,
Palestina 2006–10.
[353] [354]

355

356

Pavilhão EXPO Hanover.


Atelier Zumthor,
Alemanha, 1998–00.
teriais concretos são reunidos e erguidos, que a arquitetura imaginada se
torna parte do mundo real.
Sinto respeito pela arte de reunião, pelas capacidades dos construto-
res, artesãos e engenheiros. O saber dos homens sobre o fabrico das coi-
sas. Tento, portanto, desempenhar obras que fazem jus a esse saber e em
que vale a pena desafiar essas capacidades. (ZUMTHOR, 2009, p.10)

No caso da capela, como espaço meditativo, os processos construtivos


transcendem a pura execução. O elemento arquitetônico que transmite o
engenho do pensamento de Zumthor, atento às potencialidades físicas dos
processos construtivos, ocorre nas “gotas” de vidro que iluminam pontual-
mente as paredes internas.
Zumthor acrescenta uma pequena esfera de vidro soprado em cada
topo dos furos no concreto das paredes espessas, resultante s do processo
de obra quando barras de aço mantiveram os troncos e as chapas de madei-
ra externas das fôrmas unidas durante a concretagem. Isso faz com que o
movimento do sol seja percebido dentro da capela, pois a luz que atravessa
os pequenos furos é potencializada pela esfera de vidro. A posição dos fu-
ros foi organizada durante a obra nas fachadas, pois, nesse sentido, há essa
sobreposição entre muitos temas de projeto a partir do ato construtivo. Ver figuras 357 e 358.
O monólito de 12 metros de altura e cinco lados diferentes entre si pon-
tuado precisamente por Zumthor nos campos de Wachendorf, demonstra
com suas operações projetuais a visão do arquiteto como “fundador” da
paisagem. Seu material, o concreto, resumido há um processo de empilha-
mento de camadas e queima, expondo seus processos construtivos, para
depois transcendê-los.

304
[357]

[358]
4 Conclusão
A análise da obra do arquiteto Peter Zumthor reconhece sua formação pes-
soal e o contexto arquitetônico do qual ele foi contemporâneo como cir-
cunstanciais em seu modo de pensar a arquitetura. Apesar de esses fatores
terem propiciado um ambiente conceitual cercado de referências, Zumthor
não se constitui restrito a um determinado grupo, sendo um amálgama de
muitas questões, concluindo-se em um estado criativo próprio: sua poiesis.
Mais do que apoiar-se formalmente em paradigmas da arquitetura de
seu tempo, sobretudo uma linguagem dita pós-moderna, que, na Suíça,
usufruiu de referências do Minimalismo, e em sua formação inicial como
um artesão, Zumthor adota esses legados como amparos metodológicos
para sua obra, ou seja, como uma visão de mundo.
Ter nascido em uma família de artesãos e trabalhado formalmente como
marceneiro com seu pai lhe imputou precisão, franqueza e o trato “real” com
os materiais, pelo seu trabalho manual. Essa habilidade construída acerca da
madeira repercute-se em sua arquitetura, mesmo com outros materiais. Em
sua prática, a construção ou técnica construtiva empregada na obra está in-
ter-relacionada com a espacialidade própria do projeto construído.
A comunhão entre seus dez anos profissionais no Departamento de Pa-
trimônio Histórico do cantão de Graubünden e a mudança que o discurso
de Aldo Rossi gerou na arquitetura suíça do final dos anos 70, a partir de
sua atividade docente na EHT-Zurique, é um fato importante no reconheci-
mento das características de projetar de Zumthor.
Essa união faz com que Zumthor atente-se de maneira analítica à histó-
29  Ver entrevista
ria de cada lugar, buscando, como afirma Ursprung 29, as latências de cada concedida ao
um deles como um estímulo inicial para seus projetos. Não com a intenção autor na p.272.

309
de reproduzir os tipos arquitetônicos existentes, mas sim de interpretar a
ideia do típico, algo que ajusta suas obras de acordo com cada circunstância.
Nesse sentido, a contribuição de Rossi para a poiesis de Zumthor se dá
no âmbito metodológico dessa análise inicial sobre os lugares dos projetos:

Todos eles são especificamente sobre história armazenada em paisagens,


lugares e coisas, sobre memórias e emoções associadas a eles. No entanto,
em retrospecto, percebo que as lembranças e emoções evocadas pelos lu-
gares que eu tenho que construir são o ponto de partida de praticamente
todos os meus projetos – não apenas aqueles que explicitamente lidam
com monumentos históricos. (ZUMTHOR, 2018, p.28)

Isso resulta em uma forma de trabalhar que está além de um método


fechado em conclusões consagradas, mas que se desenvolve caso a caso.
Sobre o projeto recente do Museu da mina de zinco de Almannajuvet
(2003–2017), em Sauda, Zumthor exemplifica essa maneira de pensar:

O que eu quero expressar quando falo sobre um sentimento de história e um


sentimento de tempo, e que linguagem arquitetônica eu uso para expressar
isso? Não há resposta generalizada para isso. E para sentir o lugar? Eu tenho
que ler sobre sua geologia, biologia, história? Minha resposta a essas pergun-
tas é sempre o edifício construído: madeira bruta, tinta a óleo de alcatrão,
parafusos e porcas, metal corrugado, revestimento industrial preto – este é o
vocabulário que falo com o projeto de Sauda. (ZUMTHOR, 2018, p.71)

Em paralelo, a obra de Joseph Beuys provê para Zumthor um elo entre


esse “sentimento de história” e o material que encontra sua justa expressão.
Se Rossi, de certo modo, “liberta” Zumthor para valorizar as memórias e his-
tórias, a influência de Beuys em seu contexto permite uma maior atenção à
potência que cada material pode atingir. O Minimalismo, ao mesmo tempo,
discutindo reduções formais e a ideia de presença de um objeto no espaço.
A experiência da viagem do autor até as obras de Zumthor foi funda-
mental para confirmar e mesmo expandir a compreensão dessas caracterís-
ticas, que se desenvolvem de maneira aberta em cada obra. Para além das
sensações do universo háptico, inerentes diante da força da questão matéri-
ca das obras, que recairiam em observações subjetivas, a pesquisa reconhe-

310
ceu a importância da implantação, da mediação entre exterior e interior e
da dependência de uma interioridade reclusa na conformação de um voca-
bulário arquitetônico de Zumthor.
Diante das obras visitadas, do elenco de três análises distintas visan-
do a reconhecer Zumthor atuando sobre contextos distintos, em fases da
obra distintas e, principalmente, manipulando materiais diferentes, seja a
madeira, o vidro ou o concreto, podemos concluir que a mesma poética
orienta o desenvolvimento de seus projetos. Reinterpretar, aderir, empilhar
são ações projetuais que se complementam, como uma lógica maior que
encontrará seus significados em cada novo projeto.
As plaquetas de madeira que envolvem a capela Sogn Benedetg, de 1988,
estão analogicamente convertidas em vidro no Museu de Artes de Bregenz,
de 1997, e têm sua transformação física, que gera na sua forma curva uma
escala de cores de madeiras queimadas pelo sol, na carbonização dos tron-
cos das fôrmas da capela Bruder Klaus, de 2007.
Nesse mesmo período, enquanto a disciplina arquitetônica adaptou-se
às regras do capital financeiro, perdendo, muitas vezes sua condição tec-
tônica para operar em virtualidades e indistinções do mundo globalizado,
Zumthor, apesar das grandes titulações, manteve seu Atelier na pequena
vila suíça de Haldenstein, com novecentos habitantes.

Penso que a arquitetura, hoje em dia, deve recordar das suas tarefas e
possibilidades genuínas. A arquitetura não é nenhum veículo ou símbolo
de coisas que não fazem parte da natureza. Numa sociedade que celebra
o insignificante, a arquitetura pode opor resistência, contrariar o desgaste
de formas e significados e falar sua própria linguagem.
A linguagem da arquitetura não é, a meu ver, nenhuma questão de
estilo arquitetônico. Cada edifício é construído com um determinado ob-
jetivo, num determinado lugar e para uma determinada sociedade. Às
questões que resultam desses fatos simples tento responder com as mi-
nhas obras do modo mais preciso e crítico que consigo. Num tempo em
que a cultura da criação se encontra estagnada e a beleza é arbitrária,
aposto no efeito elucidativo desse trabalho. (ZUMTHOR, 2009, p.27)

Descobrir por que Zumthor permanece em Haldenstein é compreender


sua poiesis.

311
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GmbH, fev./mar. 1990.

319
Lista de imagens
Os cadernos do início e fim da dissertação são de fotografias do autor.

1 Albergue juvenil. Fotografia de Irina Davidovici.


2 School for Wood Technology. Disponível em: MEILI, Marcel;
PETER, Markus 2000) “The Swiss School of Engineering for the
Wood Industry” Oz: Vol. 22. 2000. Disponível em <https://doi.
org/10.4148/2378-5853.1348>
3 Estação Florestal Turbenhal. Fotografia de Heinrich Helfenstein
4 Casa Gugalun. Disponível em <http://contextarc.blogspot.
com/2009/11/individualitythrough-diversity.html>
5 a 12 Primeiras obras. Fotografias Reto Wasser, desenhos Atelier
Zumthor. Disponível em <http://texnh.tumblr.com/tagged/pe-
ter-zumthor>
14 Habitação Coletiva em Celerina. Disponível em <http://celu-
laf5.blogspot.com/2008/05/snozzi.html>
15 Ginásio em Monte Carasso. Disponível em <http://www.archi-
picture.eu>
16 Kindergarten. Disponível em <https://germanpostwarmodern.
tumblr.com>
21 a 23 Obras do artista Donald Judd. Fotografias da Judd Foundation.
24 Signal Box. Fotografia de Heinrich Helfenstein
25 La Congiunta. Fotografia de Irina Davidovici.
26 Signal Box. Fotografia de Margherita Spluttini.
27 Transformadores elétricos. Fotografia de Ruedi Walti.
28 Abrigo ruínas arqueológicas romanas. Fotografia de Forti Anhorn.

321
31 Pavilhão Serpentine. Fotografia de Martín Fernández de Cór-
dova.
32 Atelier Zumthor. Fotografia de Helene Binet.
34 Centro Seminários. Fotografia de Jurg Spaar.
35 Yellow House. Fotografia de Irina Davidovici.
37 Signal Box. Fotografia de Heinrich Helfenstein
38 Atelier Bardill. Fotografia disponível em <http://www.tectoni-
cablog.com/docs/Bardill.pdf>
39 Frei Atelier. Fotografia de Margherita Spluttini.
40 Museu Kirchner. Fotografia de Irina Davidovici.
42 Termas de Vals. Fotografia de Helene Binet.
50 e 355 Swiss Sound Box. Fotografia de Roland Halbe.
53 Perez Art Museum. Fotografia de Oriol Tarridas.
69 Zumthor. Fotografia de neues stadttor isny.
70 Zumthor. Disponível em <http://zumthor.tumblr.com>
71 Zumthor. Fotografia de Donata Wenders.
72 e 73 Atelier Zumthor. Fotografia de Kuster Frey.
79 Modelo Casa dos Mosaicos. Fotografia de Ima Alsammarae.
80 e 340 Modelo Bruder Klaus. Atelier Zumthor, disponível em ZUM-
THOR, 2009, p.24.
81 Modelo Museu Mine Allmannajuvet. Atelier Zumthor, dispo-
nível em ZUMTHOR, 2014, 4 v., p.8.
125 Casario tradicional. Imagem obtida no Google street view, ju-
lho de 2014.
157 Capela Sogn Benedetg de 1522. Fotografia disponível em
SCHONBACHLER, 2013, p.3.
158 Capela destruída pela avalanche em 9/10/1984. Fotografia dis-
ponível em SCHONBACHLER, 2013, p.3.
166 Zumthor em sua casa. Fotografia de Dominik Gigler.
215 Modelo de estudo. Atelier Zumthor, disponível em ZUMTHOR,
2014, 1 v., p.134.
256 Modelo de estudo. Atelier Zumthor, disponível em ZUMTHOR,
2014, 3 v., p.110.
257 Modelo de estudo. Atelier Zumthor, fotografia de Pep Romero
Garces.

322
287 Blue House. Disponível em <https://www.herzogdemeuron.com/
index/projects/complete-works/001-025/005-blue-house.html>
289 a 292 Detalhes encontros madeira. Disponível em <http://construction-
culture.blogspot.com/2009/07/vrin-and-gion-caminada.html>
295 Casa Gugalun. Fotografia de Henry Pierre Schultz.
296 Casa Gugalun. Fotografia de Helene Binet.
297 Casa Luzi. Fotografia de Peter Otoole.
299 Casa Leis. Fotografia de Ralph Feiner.
301 Abrigo para ruínas arqueológicas romanas. Atelier Zumthor,
disponível em ZUMTHOR, 2014, 1 v., p.40.
302 Capela Sogn Benedetg. Atelier Zumthor, disponível em ZUM-
THOR, 2014, 1 v., p.58.
303 Capela Sogn Benedetg. Atelier Zumthor, disponível em A+U,
1998, p.55.
304 Atelier Zumthor. Atelier Zumthor, disponível em ZUMTHOR,
2014, 1 v., p.16.
305 Atelier Zumthor. Atelier Zumthor, disponível em ZUMTHOR,
2014, 1 v., p.31.
309 Capela Sogn Benedetg. Atelier Zumthor, disponível em ZUM-
THOR, 2014, 1 v., p.56.
310 Memorial Steilneset. Disponível em <https://www.nasjonaletu-
ristveger.no/en/routes/varanger?attraction=Steilneset>
311 Memorial Steilneset. Atelier Zumthor, disponível em ZUM-
THOR, 2014, 4 v., p.179.
312 Museu de mina de zinco. Fotografia de Per Berntsen.
313 Museu de mina de zinco. Atelier Zumthor, disponível em ZUM-
THOR, 2014, 4 v., p.86.
314 Memorial Steilneset. Fotografia de Lindy Atkin.
315 Memorial Steilneset. Fotografia de Helene Binet.
316 a 318 Imagens da proposta enviada ao concurso para o Museu de
Bregenz. Atelier Zumthor, disponível em WETTBERWERBE AR-
CHITEKTURJOURNAL, 1990, p.48.
319 Modelo físico de 1989. Imagem concedida pelo Kunsthaus
Bregenz.
320 Imagens da proposta enviada ao concurso para o Museu de

323
Bregenz. Atelier Zumthor, disponível em WETTBERWERBE AR-
CHITEKTURJOURNAL, 1990, p.49.
323 Modelo físico de 1989. Imagem concedida pelo Kunsthaus Bregenz.
325 Modelo físico do segundo estudo aprox. 1992. Imagem conce-
dida pelo Kunsthaus Bregenz.
326 e 327 Segundo estudo aprox. 1992. Disponível em MEIER, 1992. p.46.
328 Modelo físico do projeto construído. Fotografia de Moshimoshiii.
329 Museu de Bregenz. Atelier Zumthor, disponível em ZUMTHOR,
2014, 1 v., p.142.
331 Fotografia do museu na cidade. Disponível em KUNSTHAUS;
KÖB; ARCHIV KUNST ARCHITEKTUR, 1997, p.17.
334 Igreja ortodoxa grega. Herzog & de Meuron, disponível em
<https://www.herzogdemeuron.com/index/projects/complete-
-works/051-075/057-greek-orthodox-church/image.html>
335 Proposta David Chipperfield. Disponível em RILEY, 1995, p.29.
338 Modelos estudo Poetic Landscape. Atelier Zumthor, disponível
em ZUMTHOR, 2014, 3 v., p.17.
339 Modelos estudo Poetic Landscape. Atelier Zumthor, disponível
em ZUMTHOR, 2014, 3 v., p.18.
341 e 343 Obra Capela Bruder Klaus. Disponível em <http://tectonica-
blog.com/docs/Zumthor.pdf>
344 Cortes do programa exibido pela SWR. Disponível em <https://
www.youtube.com/watch?v=mKdmQSngTUo&t=184s>
347 Imagem interna da Capela Bruder Klaus ainda com os troncos
no concreto. Disponível em ZUMTHOR, 2014, 3 v., p.123.
350 Casa em Chivelstone. Fotografia de Jack Hobhouse.
351 Casa em Chivelstone. Fotografia de John Pawson
352 Imagem eletrônica versão do Museu LACMA. Atelier Zum-
thor, disponível em <https://afasiaarchzine.com/2017/10/pe-
ter-zumthor-51/>
356 Detalhe do Pavilhão EXPO. Disponível em <http://imguramx.
pw/Peter-Zumthor-Swiss-Sound-Box-Swiss-Pavilion-Expo-
-2000-Arch.html>
359 Porta de acesso à casa atelier de Zumthor. Fotografia de
Laura Padgett.

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