Docência em Saúde: Hipertensão E Diabetes Mellitus em Cães E Gatos

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1

DOCÊNCIA EM
HIPERTENSÃO E DIABETES MELLITUS EM
CÃES E GATOS
SAÚDE
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Triagem Organização LTDA ME
Bibliotecário responsável: Rodrigo Pereira CRB 1/2167
Portal Educação

P842h Hipertensão e diabetes mellitus em cães e gatos / Portal Educação. -


Campo Grande: Portal Educação, 2013.

165p. : il.

Inclui bibliografia
ISBN 978-85-8241-505-4

1. Veterinária - Patologias. 2. Hipertensão e diabetes - cães. 3. Hipertensão


e diabetes - Gatos. I. Portal Educação. II. Título.

CDD 636.08907
SUMÁRIO

1 FISIOLOGIA DOS SISTEMAS CARDIOVASCULAR E ENDÓCRINO DE CÃES E GATOS ....8

2 FLUXO SANGUÍNEO ................................................................................................................10

3 ANÁTOMO-FISIOLOGIA VASCULAR .....................................................................................14


3
3.1 Artérias .....................................................................................................................................14

3.2 Arteríolas ..................................................................................................................................16

3.3 Capilares ..................................................................................................................................17

3.3.1 Trocas trans-capilares ...............................................................................................................18

3.3.2 Movimentos de líquidos .............................................................................................................19

3.4 Vênulas......................................................................................................................................21

3.5 Veias .........................................................................................................................................21

4 ANÁTOMO-FISIOLOGIA DO ERITRÓCITO .............................................................................24

5 ANÁTOMO-FISIOLOGIA PULMONAR.....................................................................................27

6 O MÚSCULO CARDÍACO ........................................................................................................29

6.1 Eletricidade cardíaca ...............................................................................................................29

7 PRESSÃO ARTERIAL ..............................................................................................................32

7.1 Débito cardíaco ........................................................................................................................32

7.2 Resistência vascular ...............................................................................................................32

8 SISTEMA ENDÓCRINO ............................................................................................................35

8.1 Hipotálamo ...............................................................................................................................35

8.2 Hipófise ....................................................................................................................................36


8.3 Pâncreas endócrino ................................................................................................................37

8.3.1 Fisiologia do pâncreas endócrino ..............................................................................................38

8.3.2 Síntese e secreção de insulina ..................................................................................................39

8.3.3 Ações da insulina ......................................................................................................................40

9 EXAME CLÍNICO ......................................................................................................................42


4
10 EXAMES COMPLEMENTARES ...............................................................................................44

10.1 Monitoração da pressão arterial ............................................................................................44

10.1.1 Exame de triagem em pacientes sadios ....................................................................................44

10.1.2 Métodos de mensuração da pressão arterial.............................................................................45

10.1.3 Recomendações gerais na monitoração ...................................................................................47

10.1.4 Considerações quanto ao animal examinado ............................................................................47

10.1.5 Interpretação dos resultados .....................................................................................................48

10.1.6 Protocolo para mensuração da pressão arterial ........................................................................49

10.2 Testes laboratoriais auxiliares na avaliação da pressão arterial ........................................51

11 AVALIAÇÃO DA FUNÇÃO PANCREÁTICA ENDÓCRINA .....................................................53

11.1 Escore de condição corporal .................................................................................................53

11.2 Índice de massa corporal felino .............................................................................................54

11.3 Índice de massa corporal canino ...........................................................................................57

11.4 Avaliação laboratorial .............................................................................................................58

11.5 Teste oral de tolerância à glicose ..........................................................................................61

11.6 Teste intravenoso de tolerância à glicose .............................................................................62

11.7 Teste de tolerância à insulina .................................................................................................64


12 VALORES NORMAIS DE REFERÊNCIA .................................................................................65

13 ASPECTOS CLÍNICO-PATOLÓGICOS DA HIPERTENSÃO E DIABETES MELLITUS EM


CÃES E GATOS ..................................................................................................................................66
13.1 Hipertensão ..............................................................................................................................66

13.1.1 Definição....................................................................................................................................67

13.2 Etiologia ...................................................................................................................................67 5

13.3 Patogênese ..............................................................................................................................68

13.3.1 Conseqüências patológicas gerais ............................................................................................60

13.3.2 Conseqüências patológicas específicas ...................................................................................70

13.4 Sinais clínicos de hipertensão ...............................................................................................77

13.5 Diagnóstico de hipertensão ....................................................................................................81

14 DIABETES MELLITUS..............................................................................................................83

14.1 Conceito ...................................................................................................................................83

14.2 Etiologia ...................................................................................................................................84

14.3 Patogênese ..............................................................................................................................86

14.4 Sinais clínicos ..........................................................................................................................87

14.4.1 Complicações do diabetes.........................................................................................................91

14.5 Achados laboratoriais .............................................................................................................92

14.5.1 Hemograma ...............................................................................................................................92

14.5.2 Bioquímica sérica ......................................................................................................................93

14.5.3 Urinálise.....................................................................................................................................95

14.5.4 Radiologia..................................................................................................................................97

14.6 Estabelecimento do diagnóstico ............................................................................................98


15 OBESIDADE ............................................................................................................................102

15.1 Definição .................................................................................................................................102

15.2 Etiologia ..................................................................................................................................102

15.3 Patogênese .............................................................................................................................104

15.4 Alterações patológicas ..........................................................................................................107


6
15.5 Diagnóstico e achados laboratoriais ....................................................................................110

16 SÍNDROME METABÓLICA .....................................................................................................114

17 MANEJO CLÍNICO DA HIPERTENSÃO E DIABETES MELLITUS EM CÃES E GATOS ......115

17.1 Manejo clínico da hipertensão ..............................................................................................115

17.1.1 Terapia crônica da hipertensão ................................................................................................115

18 MANEJO CLÍNICO DO DIABETES ........................................................................................120

18.1 Tratamento do diabetes não-complicado .............................................................................121

18.2 Tratamento do diabetes cetoacidótico .................................................................................128

18.3 Tratamento domiciliar ............................................................................................................129

18.4 Manejo nutricional e controle de peso .................................................................................134

18.5 Exercícios................................................................................................................................136

18.6 Agentes hipoglicemiantes orais ............................................................................................137

19 MANEJO CLÍNICO DA OBESIDADE ......................................................................................139

19.1 Manejo dietético .....................................................................................................................139

19.2 Modificação do estilo de vida ................................................................................................140

19.3 Monitoração do peso............................................................................................................. 141

20 PROGNÓSTICO E ATUALIDADES SOBRE HIPERTENSÃO E DIABETES MELLITUS


EM CÃES E GATOS ..........................................................................................................................142
20.1 Prognóstico.............................................................................................................................142

21 ATUALIDADES ........................................................................................................................143

21.1 Novas perspectivas para o tratamento da hipertensão e resistência à insulina em


cães .................................................................................................................................................143

21.2 Uma nova insulina para uso canino e felino ........................................................................146 7

21.3 Reversão do diabetes mellitus em cães ...............................................................................150

21.4 Nova droga promete acabar com a obesidade em cães .....................................................152

21.5 Níveis de proteína C reativa em cães obesos ......................................................................153

21.6 GLUT4: mais um passo na patogenia da resistência à insulina em cães..........................156

REFERÊNCIAS ..................................................................................................................................159
1 FISIOLOGIA DOS SISTEMAS CARDIOVASCULAR E ENDÓCRINO DE CÃES E GATOS

Com o advento da domesticação dos animais e sua implicação com animais de


companhia, muitas mudanças surgiram no manejo de cães e gatos. Nos primórdios da evolução
8
estes animais caçavam para se manter, viviam livres na natureza, com nível de atividade
acentuada, ingeriam alimento quando este estava disponível, tinham níveis fisiológicos de
hormônios sexuais, além de fugirem freqüentemente de seus predadores.

Atualmente os pequenos animais vivem com seus proprietários, muitas vezes em


apartamentos, sem acesso a exercícios, ingerem rações comerciais ou até mesmo dietas
caseiras ricas em carboidratos, acompanhadas de petiscos e não raramente esta dieta é
oferecida ad libitum (à vontade). Hoje em dia é comum submeter estes animais à esterilização,
como forma de mantê-los mais calmos, o que diminui seu metabolismo pela ausência de
hormônios sexuais. Todas estas alterações de manejo a que são submetidos os cães e gatos
culminam com uma alteração importante: a obesidade. Surgem alterações como hipertensão e
diabetes mellitus, que são caracterizadas por atingirem com maior freqüência animais idosos,
mas atualmente têm acometido mais e mais animais jovens.

É necessário que conheçamos estas patologias para que práticas mais efetivas de
prevenção sejam instituídas, não se tendo acesso ao animal somente quando pouco se pode
fazer em relação a tais doenças, que na maioria das vezes são incuráveis e podem levar os
animais à morte.

Para que a hipertensão e o diabetes mellitus em cães e gatos sejam compreendidos a


fundo, inicialmente estudaremos a fisiologia do sistema cardiovascular e do pancreático
endócrino. A fim de conferir uma adequada oxigenação e remoção de metabólitos teciduais, o
sistema cardiovascular realiza importantes funções no organismo animal. Da mesma forma, com
a função de manter uma completa comunicação entre as necessidades dos tecidos, o sistema
endócrino produz e libera hormônios, que são os mensageiros celulares, conferindo harmonia
entre todas as funções corporais.
Neste módulo serão estudados os componentes e funções do sistema cardiovascular e
do pâncreas, bem como o funcionamento da pressão sangüínea e da endocrinologia
pancreática.

9
2 FLUXO SANGUÍNEO

Para o completo entendimento do funcionamento cardíaco, alguns diagramas básicos


para explicar o fluxo sangüíneo através das quatro câmaras cardíacas dos mamíferos serão
utilizados. Isto auxiliará no entendimento de como o sangue flui pelo organismo, também
ajudando a compreender a anatomia cardíaca, que será estudada mais tarde. 10

O mesmo sangue que supre as células com oxigênio presente na hemoglobina das
hemácias, em seu retorno contém dióxido de carbono (CO2), o qual deve ser eliminado do corpo
através da respiração. Ele flui para o coração em duas direções: da cabeça, ele flui através da
veia cava anterior (VCA) para o átrio direito; da parte posterior do corpo, ele flui através da veia
cava posterior (VCP) e para o átrio direito. Quando uma quantidade adequada de sangue
preenche por completo o átrio direito, levando apenas milissegundos, o átrio se contrai,
impelindo o sangue através da válvula tricúspide (também chamada válvula átrio-ventricular),
seguindo para o ventrículo direito. A contração cardíaca é chamada de sístole. A válvula
tricúspide, similar a outras válvulas do coração, é uma válvula de mão única. Em um coração
saudável, o sangue não retorna do ventrículo para o átrio.

O sangue que está agora no ventrículo direito, rapidamente se mistura com uma
pequena quantidade residual de sangue que havia permanecido neste ventrículo desde a última
sístole. Quando este é preenchido com uma adequada quantidade sangüínea, novamente
levando apenas milissegundos, ele se contrai e o sangue nele contido flui através de outra
válvula chamada válvula pulmonar, atingindo a artéria pulmonar e conseqüentemente vai para os
pulmões. Nos pulmões, o sangue libera o CO2 e absorve um novo suprimento de oxigênio
durante os mecanismos de inspiração e expiração. O sangue vai do lugar menos oxigenado para
o mais oxigenado, ficando pronto para suprir as células corporais com oxigênio fresco
novamente. O esquema do fluxo sangüíneo pode ser visualizado na figura abaixo:
11

Fonte: Angela Patricia Medeiros Veiga, 2008

O sangue oxigenado nos pulmões flui através da veia pulmonar e segue para o átrio
esquerdo. Quando há quantidade suficiente de sangue, o átrio esquerdo se contrai e o sangue
segue através da válvula mitral para o ventrículo esquerdo.

O sangue que penetra no ventrículo esquerdo se mistura com o sangue residual


remanescente da última sístole. Quando o ventrículo esquerdo é adequadamente preenchido
com sangue, ele se contrai e ejeta o sangue através da válvula aórtica e, conseqüentemente,
para a artéria aorta. Uma vez na aorta, um ramo chamado tronco braquicefálico supre a cabeça
do animal, enquanto o resto flui pela aorta descendente para o restante do organismo. Um ramo
pequeno (não mostrado no diagrama), fora da aorta, supre o coração através da artéria
coronária.
12

Fonte: Angela Patricia Medeiros Veiga, 2008

Tanto a parte direita do coração quanto a parte esquerda, executam seus movimentos
ao mesmo tempo. Assim, a coordenação deste fluxo é de extrema importância. Isto é
especialmente aparente quando o se considera que o cão ou gato apresenta uma freqüência
cardíaca entre 100 e 200 batimentos por minuto. Significa que para a média de um cão ou gato,
todo o mecanismo exemplificado dos diagramas acontece duas vezes a cada segundo. As
válvulas cardíacas precisam abrir e fechar muito rapidamente, os átrios e ventrículos devem se
expandir e contrair com muita velocidade, e o resto do corpo deve cooperar, primeiramente
levando uma adequada quantidade de sangue ao coração através das duas veias cavas. Além
disso, o sistema respiratório deve auxiliar, através da inspiração e expiração, e das trocas
gasosas (oxigênio e CO2).
13

Fonte: Angela Patricia Medeiros Veiga, 2008

A contração do músculo cardíaco com subseqüente ejeção do sangue é chamada de


sístole, enquanto que o seu relaxamento entre as sístoles que culmina com o seu preenchimento
com sangue pronto para a próxima contração, é chamado de diástole. A diástole é importante
para o próprio músculo, já que, durante a sístole o sangue flui também para as coronárias para
suprir o miocárdio.
3 ANÁTOMO-FISIOLOGIA VASCULAR

3.1 Artérias

14

Esses vasos direcionam o sangue para fora do coração e em direção às células do


corpo. Elas se encontram profundamente nos tecidos, parcialmente com o objetivo de serem
protegidas de traumatismos. As artérias apresentam várias camadas: uma externa constituída de
colágeno (túnica adventícia), uma intermediária formada por músculo liso (túnica média) e uma
interna formada por células endoteliais planas (túnica íntima), como se observa na figura abaixo.
A camada externa permite à artéria suportar a alta pressão que é produzida com cada batimento
cardíaco. A maioria dos cães e gatos sadios apresenta uma pressão sistólica que vai
fisiologicamente de 120 a 170mm Hg (pressão de contração).

Fonte: SIEBERNAGL & DESPOPOULOS, 2003

A camada interna celular da artéria forma para as células sangüíneas e para o fluido
que as circunda (plasma), um tubo liso, livre de atrito, com acesso a todas as células do corpo.
A parede celular da artéria (a camada média) auxilia o coração a bombear o sangue.
Quando o coração bate, a artéria se expande à medida que se preenche com sangue. Quando o
coração relaxa, a artéria se contrai, executando uma força que é suficiente para empurrar o
sangue ao longo do vaso. Este ritmo entre o coração e a artéria resulta na eficiência do sistema
circulatório.
15
O músculo liso na parede das artérias também permite a sua constrição ou dilatação
seletiva. Isto é de extrema importância, pois o sangue não flui a todos os órgãos na mesma
proporção. Por exemplo, quando um animal se alimenta, as artérias que levam sangue para o
seu intestino se dilatam e mais sangue flui para o local para auxiliar na digestão. Outro exemplo
ocorre quando o animal se exercita, em que as artérias intestinais se constringem e as artérias
musculares se dilatam. Este processo se dá continua e refinadamente por toda a vida,
dependendo das necessidades fisiológicas das células individuais em momentos específicos da
vida.

A principal artéria que parte do coração é chamada aorta. Ela é calibrosa e sua parede
é grossa, devido à alta pressão de sangue que flui através dela. O ramo ascendente da aorta
supre a cabeça com sangue através de ramificações arteriais, chamadas de tronco
braquicefálico, as quais emitem ramos para as artérias carótidas. A aorta descendente penetra
na cavidade torácica e supre o restante dos órgãos do abdômen. Um ramo da aorta
descendente, chamada artéria coronária, supre o coração, que é um órgão formado por milhões
de células, as quais precisam de aporte de oxigênio e nutrientes para executarem suas funções
orgânicas.

Na figura abaixo podemos observar uma estrutura longa branca, que corresponde à
imagem de uma aorta canina na sua saída do coração à esquerda. O sangue flui da esquerda
para a direta na sua ida para a parte posterior do corpo. A aorta está fortemente envolvida em
uma estrutura firme, chamada tecido. Este tecido confere estabilidade à aorta, além de impedir
rupturas durante os movimentos. O enfraquecimento em qualquer parte da aorta pode produzir
uma protuberância chamada aneurisma. O rompimento de um aneurisma leva à morte quase
que instantânea.
16

Fonte: BOYD, 1997

A radiografia abaixo é do tórax de um gato. Podemos observar a aorta partindo do


coração, da mesma forma que a figura acima. As flechas mostram a direção do fluxo sangüíneo
para a porção posterior do corpo. O ramo que sai da aorta (tronco braquicefálico), suprindo a
cabeça, não pode ser visualizado na figura. Este tronco se ramificaria próximo à primeira seta,
na porção inferior esquerda da figura.

Fonte: BOYD, 1997

3.2 Arteríolas
À medida que uma artéria se distancia do coração, vai diminuindo de diâmetro e, na
sequência, se torna uma arteríola. Uma arteríola é menor em diâmetro que uma artéria, sendo
encontrada mais próxima do órgão alvo. Por exemplo, um ramo da aorta descendente chamado
artéria renal, supre os rins. À medida que tal artéria penetra no parênquima renal, ela se divide
em inúmeros ramos chamados arteríolas. Da mesma forma que as artérias, as arteríolas são
formadas de músculo liso, permitindo a entrada do fluxo sangüíneo a uma célula alvo. 17

Estes pequenos vasos sangüíneos podem ser observados na figura abaixo,


circundando o rim; dão uma idéia de quão ramificados eles podem se tornar à medida que
penetram no órgão.

Fonte: BOYD, 1997

3.3 Capilares
Ao nível celular, as arteríolas ramificam-se em vasos ainda menores, chamados
capilares. Eles são assim chamados porque têm a espessura de um fio de cabelo. Estes vasos
não contêm músculo liso em sua parede, portanto não são capazes de se constringir ou dilatar,
como fazem as artérias e arteríolas. Eles são tão pequenos em diâmetro que apenas uma
hemácia de cada vez é capaz de passar por ele. De fato, as hemácias precisam literalmente se
deformar para conseguir passar pelos capilares, em muitos casos.

A parede dos capilares tem a espessura de uma célula por uma única razão: é ao nível 18

dos capilares que o oxigênio flui da hemoglobina contida no interior das hemácias para as
células teciduais. Ao mesmo tempo, a hemoglobina coleta CO2 que está deixando a célula,
como podemos observar no esquema abaixo. Esta hemácia cuja hemoglobina está agora
saturada com CO2 ao invés de oxigênio, a qual leva o nome de carboxi-hemoglobina,volta aos
pulmões para liberar tal molécula de CO2 e se ligar a uma nova carga de oxigênio para entregar
a alguma outra célula no corpo. Após cerca de 90 dias, a hemácia desgasta-se e é metabolizada
pelo sistema fagocítico-mononuclear presente no fígado, sendo a hemoglobina reutilizada na
produção de novas hemácias.

Os capilares possuem muitas outras funções além da troca gasosa entre oxigênio e
CO2. A parte líquida do sangue que circula nos capilares é chamada plasma. Este líquido flui na
corrente circulatória junto com as hemácias e outras células sangüíneas e contém nutrientes,
como lipídeos, proteínas, carboidratos e eletrólitos necessários para o bom funcionamento
celular. Também contém hormônios, fatores de coagulação e drogas que eventualmente possam
ser administradas ao animal. O plasma também flui através dos capilares, chegando às células.

Alguns capilares têm funções especializadas. Quando eles circundam os intestinos,


possuem função na absorção de nutrientes como gorduras, proteínas e carboidratos, de dentro
do lúmen intestinal diretamente para a corrente sangüínea. Quando os capilares circundam os
rins, auxiliam na excreção de subprodutos orgânicos e na regulação do equilíbrio hidro-
eletrolítico. Quando circundam o fígado, auxiliam no metabolismo dos nutrientes e na distribuição
de hormônios no organismo.

3.3.1 Trocas transcapilares


Todas as trocas de substâncias entre os capilares e o tecido ocorrem por difusão. As
substâncias solúveis em gordura, como os gases, difundem-se através das membranas lipídicas.
Outras substâncias (eletrólitos, glicose, lactato) difundem-se pelos poros e/ou fenestras.
Também existem vesículas carreadoras que permitem a difusão facilitada de glicose,
aminoácidos, lactato e piruvato.

A difusão sempre ocorre do local de maior para o de menor concentração ou pressão;


é maior nas temperaturas elevadas; é maior para as moléculas menores; é proporcional ao 19
gradiente de concentração e à área pela qual está ocorrendo.

3.3.2 Movimento de líquidos

O movimento da água depende da pressão coloidosmótica e da pressão hidrostática


nos capilares e no líquido intersticial que banha os tecidos, como mostra a figura abaixo.

Fonte: SIEBERNAGL & DESPOPOULOS, 2003


O movimento de líquidos dos capilares para o espaço intersticial obedece à equação
de Starling, onde:

Jv = Kf [(Pc – Pi) – (c - i)]

20
Jv: movimento de líquido. Sempre que Jv for positivo (+), ocorrerá filtração (passagem
de água do capilar para o tecido). Quando Jv for negativo (-), ocorrerá absorção (passagem de
água do tecido para o capilar).
Kf: coeficiente de filtração (depende da condutividade hidráulica e da área de superfície
do capilar).

Pc: pressão hidrostática capilar (varia de 10 a 30mmHg, dependendo do local onde é


medida).

Pi: pressão hidrostática intersticial; é levemente negativa, devido à constante sucção


de líquidos pelos capilares linfáticos (-3mmHg).

c: pressão coloidosmótica capilar; exercida pelas proteínas plasmáticas (28 mmHg).

i: pressão coloidosmótica intersticial (8mmHg).

Equilíbrio de Starling: nos animais sadios, a quantidade de líquido filtrada é quase igual
à quantidade absorvida, sendo que a força efetiva para a filtração é de 0,3mmHg. Esta pequena
quantidade de líquido filtrado irá retornar à circulação através dos capilares linfáticos.
Considerando-se que Kf = 1, Pc média = 17,3 mmHg, Pi = - 3,0, c = 28,0 e i = 8,0, teremos:
Jv = 1 [(17,3 + 3) - (28 – 8)] = + 0,3 mmHg

Na extremidade arterial do capilar ocorre filtração, enquanto na extremidade venosa


ocorre absorção. Isto acontece devido à diferença na pressão hidrostática nas extremidades do
capilar: na extremidade arterial é de 30mmHg, enquanto na extremidade venosa é de 10mmHg.
Extremidade arterial: Jv = 1 [(30 + 3) - (28 – 8)] = + 13 mmHg
Extremidade venosa: Jv = 1 [(10 + 3) - (28 – 8)] = - 7 mmHg

3.4 Vênulas

À medida que os capilares deixam as células individuais as quais eles suprem e 21

iniciam sua volta ao coração, tornam-se vênulas. As vênulas são pequenas veias e apresentam
função similar às arteríolas. A diferença é que existem mais vênulas que arteríolas no corpo dos
animais. Seus numerosos ramos drenam os órgãos, coalescendo em veias no seu caminho de
volta ao coração.

3.5 Veias

À medida que as vênulas coalescem, elas formam veias e continuam seu rumo através
do sistema cardiovascular. As veias têm 3 camadas, da mesma forma que as artérias, porém tais
camadas são mais finas e não tão firmes. Elas não precisam ser tão fortes, pois o sangue que
flui por elas está sob pressão mais baixa. O sangue presente nas veias apresenta coloração
mais escura comparado ao sangue arterial, devido ao seu baixo conteúdo de oxigênio. Cerca de
2/3 do sangue do organismo está presente nas veias em um dado momento. A ilustração abaixo
mostra todo o sistema vascular, desde a chegada arterial até a saída venosa.
22

Fonte: SIEBERNAGL & DESPOPOULUS, 2003.

As veias na porção posterior do organismo dos cães e gatos drenam para a veia cava
posterior e seguem para o átrio direito do coração. As veias que drenam a cabeça e a parte
anterior do corpo dos animais drenam para a cava anterior e seguem para o átrio direito. A
pressão nas veias é muito mais baixa do que nas artérias e arteríolas. Isto pode causar
problemas nas extremidades. Por exemplo, quando da permanência em estação por longos
períodos, o sangue nas veias dos membros precisa extrapolar a gravidade para retornar ao
coração. Como não há pressão suficiente nas veias para tal retorno, elas utilizam de um
mecanismo: válvulas de uma via auxiliam no retorno venoso ao coração. Além, disso, o tecido
muscular esquelético ao redor das veias contrai-se continuamente em pequenas porções, assim
empurrando o sangue na direção certa.

As veias tendem a se localizar na superfície da pele e são facilmente visualizadas.


Além das funções supramencionadas, as veias fazem parte do mecanismo termo-regulatório do
organismo. Quando na superfície e dilatadas, elas eliminam o excesso de calor corporal. Há
ainda um grupo especial de veias no corpo chamadas rede mirabilis. Consiste em um
aglomerado de veias e artérias, geralmente correndo adjacentes, mas com o fluxo em sentido
oposto, que permite trocas térmicas. Um exemplo clássico é o plexo pampiniforme, um dos
mecanismos termorregulatórios dos testículos. Nos mamíferos, a temperatura interna dos
testículos deve ser alguns graus mais baixa do que a temperatura interna do organismo,
possibilitando a fertilidade espermática. O sangue arterial mais aquecido, proveniente do corpo
que supre os testículos, flui diretamente e passa pelo sangue levemente mais resfriado que se
encontra no sistema venoso que drena os testículos. Isto permite que o sangue mais resfriado do
sistema venoso absorva o calor do sangue arterial.

Abaixo podemos observar uma figura mostrando o plexo pampiniforme de um cão


(seta). É difícil diferenciar as veias das artérias devido ao seu aspecto emaranhado. 23

Fonte: BOYD, 1997


4 ANÁTOMO-FISIOLOGIA DO ERITRÓCITO

As hemácias ou eritrócitos são continuamente produzidos na medula óssea e são as


únicas células de mamíferos que não contêm núcleo. Ao invés disso, elas contêm hemoglobina,
a molécula caracterizada por realizar trocas gasosas entre oxigênio e CO2. Cada eritrócito
contém cerca de 250 milhões de moléculas de hemoglobina. A hemoglobina confere a coloração 24
avermelhada das hemácias. A presença do elemento ferro na porção central da molécula de
hemoglobina é responsável pela atração pelos gases sangüíneos. A troca gasosa ocorre ao nível
dos alvéolos pulmonares.

Os eritrócitos são células pequenas e facilmente deformáveis, como podemos observar


na figura abaixo (a flecha aponta uma hemácia jovem no sangue de um cão, chamada
policromatófilo). Elas precisam passar pelos capilares sangüíneos, os quais têm praticamente o
seu diâmetro. Cada cm3 de sangue contém aproximadamente 5-10 milhões de eritrócitos em
cães e gatos adultos saudáveis. Isto significa que há trilhões de eritrócitos no sangue circulante,
dando uma idéia da importância da anatomia e fisiologia cardíaca, pulmonar e sangüínea na
manutenção da pressão arterial em níveis compatíveis com o bem-estar animal.

Fonte: MEYER & HARVEY, 1998.


A oxigenação celular é uma parte crítica da fisiologia dos organismos aeróbicos. Se
este sistema é afetado, problemas significativos se desenvolvem, até mesmo a morte celular.
Como resultado, o organismo tem vários mecanismos para lidar com tais problemas. Outros
órgãos podem produzir pequenas quantidades de hemácias, caso a medula esteja afuncional. As
hemácias são também estocadas no fígado e baço em caso de emergência ou necessidade
imediata. Um bom exemplo é a perda aguda de sangue. Estes órgãos de estoque, através do
estímulo à sua contração, liberam a quantidade necessária de sangue na circulação.
25

Anemia é o termo utilizado para o baixo número de hemácias circulantes. Se o nível de


eritrócitos fica significativamente abaixo do normal, o sistema cardiovascular não consegue
suprir as células adequadamente com oxigênio. Isto pode levar à disfunção do órgão em
questão.

A anemia não é uma doença propriamente dita, mas sim um sinal de que alguma
alteração está acontecendo no organismo. Várias doenças podem causar anemia, não apenas
desnutrição, como pode se pensar. Deve-se pesquisar e tratar a verdadeira causa da anemia. A
figura abaixo ilustra um felino anêmico.

Fonte: MASKELL & GRAHAM, 1994.


O oposto, um excesso de eritrócitos circulantes, é chamado de policitemia. Isto
também pode ser um problema e ser responsável pela elevação da pressão arterial. Se há
muitas hemácias na circulação, o fluxo fica prejudicado, o que pode desencadear um processo
de estase venosa, com igual prejuízo da oxigenação tecidual.

26
5 ANÁTOMO-FISIOLOGIA PULMONAR

Os pulmões têm um vasto suprimento sangüíneo, o qual é necessário para eles


reabastecerem de oxigênio milhares de hemácias a eles apresentadas a todo o momento. O
fluxo que chega aos pulmões, como visto anteriormente, vem do ventrículo direito do coração.
27
A figura visualizada abaixo corresponde à cavidade torácica de um cão. Os pulmões
têm a aparência esponjosa porque são preenchidos com bolsas de ar, onde o CO2 e o oxigênio
são trocados. Fisiologicamente eles são mais inflados que o observado na figura. Aí eles estão
colapsados devido à abertura torácica. Há um enorme suprimento sangüíneo interno, o qual é
necessário para as trocas gasosas. As grandes veias que drenam o sangue oxigenado dos
pulmões de volta para o coração (átrio esquerdo) são visíveis na figura como os três vasos azuis
verticais.

Fonte: BOYD, 1997

Os pulmões têm uma extensa rede de passagens e vasos sangüíneos. A radiografia de


contraste mostrada abaixo ilustra toda a árvore brônquica de um canino. O bário delineia o
brônquio principal, a grande passagem de ar radiopaca. A área opaca esbranquiçada nos
pulmões corresponde ao contraste nos bronquíolos e alvéolos.
28

Fonte: BOYD, 1997


6 O MÚSCULO CARDÍACO

O corpo dos animais contém 3 tipos de músculos, sendo o cardíaco única e


exclusivamente encontrado no coração. Este tecido tem a sua própria fonte de eletricidade, a
qual é desencadeada sem qualquer estimulação externa.
29
A figura abaixo demonstra uma visão aproximada do miocárdio no ventrículo esquerdo
de um cão. Ele é espesso, pois o coração canino bombeia sangue para todas as células do
corpo durante toda a vida do animal.

Fonte: BOYD, 1997.

6.1 Eletricidade cardíaca

Os batimentos cardíacos são gerados porque cada célula cardíaca tem a sua própria
fonte de eletricidade. Isto ocorre com a geração de um potencial elétrico celular, a partir da
excreção e/ou retenção de íons potássio, sódio e cálcio. Quando o sódio e o cálcio são
bombeados para fora da célula cardíaca, o potássio é bombeado para dentro. Isto cria um
desequilíbrio entre cargas, com muito mais íons sódio e potássio fora da célula cardíaca do que
dentro, o que gera uma carga celular positiva, caracterizando uma polarização celular.

Na correção deste desequilíbrio ocorre o oposto, o potássio sendo impelido para fora
da célula, enquanto que o cálcio e o sódio voltam para o meio intracelular, causando uma
despolarização. Isto permanece até que as cargas positivas do meio extracelular atinjam
novamente um limiar e novamente sejam bombeadas na ordem reversa. Cada vez que este fluxo
reverso de cargas ocorre, gera-se um pico de eletricidade que se propaga por todo o músculo 30

cardíaco. É este pico elétrico que leva à contração das células e o coração a bater.

Mesmo que o batimento surja sem estímulos externos, a atividade elétrica em cada
célula precisa ser coordenada para as quatro câmaras cardíacas conseguirem bombear
quantidade adequada de sangue na direção correta. No início do átrio direito há uma estrutura
anatômica chamada nodo sino-atrial (NSA). Nesta área origina-se o batimento coordenado do
coração. Quando o NSA gera e envia impulsos elétricos que são disseminados através das
fibras de purkinje por ambos os átrios, causa sua contração no tempo certo. Um dos sinais do
NSA também estimula o nodo átrio-ventricular (NAV), localizado no final do átrio direito. A
estimulação deste NAV também estimula fibras nervosas existentes por toda extensão dos
ventrículos, causando sua contração ritmada. Há outros fatores envolvidos, especialmente
hormônios e outras porções do sistema nervoso autônomo. O diagrama abaixo denota a direção
da propagação elétrica cardíaca.
31

Fonte: Angela Patricia Medeiros Veiga, 2008


7 PRESSÃO ARTERIAL

A manutenção da pressão com que o sangue circula nas artérias é de vital importância
para a boa oxigenação dos órgãos e tecidos. Assim, a sua avaliação clínica é imprescindível
para que se tenha idéia do bom funcionamento orgânico. Há dois fatores principais que
determinam a pressão sangüínea: débito cardíaco e resistência vascular. 32

7.1 Débito cardíaco

É a quantidade de sangue bombeado pelo coração em um período específico de


tempo. Os determinantes do débito cardíaco são a freqüência cardíaca (medida em batimentos
por minuto) e o volume ejetado com cada batimento (medido em mL).

7.2 Resistência Vascular

Consiste em quão constringida ou dilatada a artéria está quando o sangue passa por
ela. Uma artéria dilatada tem maior diâmetro; assim, menos pressão precisa ser gerada pelo
coração para fazer com que o sangue flua através deste vaso dilatado. As artérias
constantemente se constringem e dilatam, dependendo das necessidades gerais do organismo e
do órgão específico para o qual elas estão suprindo de sangue.

Como um todo, é o débito cardíaco x resistência vascular que determina a pressão


sangüínea. Se o animal se excita, a secreção de adrenalina aumentará a freqüência cardíaca e a
pressão sangüínea irá aumentar devido ao débito cardíaco aumentado. Se o animal se
desidrata, o volume ejetado deve diminuir devido à perda de líquidos, e a pressão diminuirá
devido ao débito cardíaco diminuído. Cães e gatos idosos tendem a ter artérias menos elásticas
do que animais jovens. Estes vasos permanecem mais constringidos do que dilatados, assim
aumentando a resistência vascular, o que resulta em um aumento da pressão arterial.

A regulação da pressão sangüínea envolve uma variedade de eventos orgânicos,


dentre os quais os sistemas nervoso, urinário, cardiovascular e endócrino. Esta é uma regulação
intrincada que pode provocar mudanças imediatas de resposta rápida, alterando as
necessidades fisiológicas.
33
Há uma porção do cérebro e da medula espinhal que constantemente monitoram os
sinais vitais do animal. Esta porção realiza funções importantes para a sobrevivência sem que o
indivíduo perceba. Trata-se do sistema nervoso autônomo (SNA). Além de outros sinais vitais, o
SNA monitora continuamente a pressão e o fluxo sangüíneos, através de estruturas localizadas
próximas a importantes vasos do corpo, chamadas barorreceptores.

Quando os barorreceptores captam uma diminuição na pressão, processos fisiológicos


sofisticados são ativados, os quais mantêm a pressão em níveis fisiológicos, assim exercendo
uma oxigenação adequada em órgãos sensíveis, como cérebro e coração. A partir de impulsos
nervosos, o SNA envia sinais ao aparelho justaglomerular renal, o qual libera o hormônio renina
na circulação. A renina converte o angiotensinogênio, uma proteína inativa produzida pelo
fígado, em angiotensina I. Esta chega aos pulmões, onde uma enzima chamada enzima
conversora de angiotensina (ECA) a converte em angiotensina II. Esta última tem potentes
efeitos vasoconstritores, o que já auxilia no aumento da pressão. Além disso, a angiotensina II
também estimula a produção e liberação do hormônio aldosterona pelas glândulas adrenais.
Este hormônio tem como função aumentar a reabsorção tubular renal de sódio e água,
culminando com o aumento da pressão. Em casos de hipertensão, fenômenos opostos ocorrem.

A figura abaixo mostra de forma esquematizada o mecanismo de regulação da pressão


arterial exercido pelo sistema renina-angiotensina-aldosterona e os órgãos envolvidos em tal
regulação.
34

Fonte: WALES et al., 2008.


8 SISTEMA ENDÓCRINO

O sistema endócrino é formado pelo conjunto de glândulas endócrinas, as quais são


responsáveis pela secreção de substâncias denominadas hormônios. A sua função é exercer
uma ação reguladora (indutora ou inibidora) em outros órgãos ou regiões do corpo. Em geral
trabalham lentamente e agem por muito tempo, regulando o crescimento, o desenvolvimento, a 35
reprodução e as funções de muitos tecidos, bem como os processos metabólicos do organismo.
As glândulas endócrinas (do grego endos, dentro, e krynos, secreção) são assim chamadas por
que lançam sua secreção diretamente no sangue, por onde eles atingem todas as células do
corpo. Cada hormônio atua apenas sobre alguns tipos de células, denominadas células-alvo.

As células alvo de determinado hormônio possuem, na membrana ou no citoplasma,


proteínas denominadas receptores hormonais, capazes de se combinar especificamente com as
moléculas do hormônio. É apenas quando a combinação correta ocorre que as células-alvo
exibem as respostas características da ação hormonal.

Os pequenos carnívoros possuem diversas glândulas endócrinas, algumas delas


responsáveis pela produção de mais de um tipo de hormônio:

8.1 Hipotálamo

Localiza-se na base do encéfalo, sob uma região encefálica denominada tálamo. A


função endócrina do hipotálamo está a cargo das células neurossecretoras, que são neurônios
especializados na produção e na liberação de hormônios.

A figura abaixo mostra o hipotálamo (acima) e a hipófise (abaixo).


36

Fonte: SIEBERNAGL & DESPOPOULOS,


2003

8.2 Hipófise (ou glândula Pituitária)

A hipófise é dividida em três partes, denominadas lobos anterior, posterior e


intermédio, esse último pouco desenvolvido nos animais. O lobo anterior (maior) é designado
adeno-hipófise e o lobo posterior, neuro-hipófise.

Hormônios produzidos no lobo anterior da hipófise:

 Somatotrofina (GH) - Hormônio do crescimento.


 Hormônio tireotrófico (TSH) - Estimula a glândula tireóide.
 Hormônio adrenocorticotrófico (ACTH) - Age sobre o córtex das glândulas supra-
renais.
 Hormônio folículo-estimulante (FSH) - Age sobre a maturação dos folículos
ovarianos e dos espermatozóides.
 Hormônio luteinizante (LH) - Estimulante das células intersticiais do ovário e do
testículo; provoca a ovulação e formação do corpo lúteo ou corpo amarelo.
 Hormônio lactogênico (LTH) ou prolactina - Interfere no desenvolvimento das
mamas, na mulher e na produção de leite.
 Os hormônios designados pelas siglas FSH e LH podem ser reunidos sob a
designação geral de gonadotrofinas.

Hormônios produzidos pelo lobo posterior da hipófise:

 Oxitocina – É sintetizada pelo hipotálamo e esse hormônio é armazenado e 37


liberado pela neuro-hipófise. Age particularmente na musculatura lisa da parede do útero,
facilitando, assim, a expulsão do feto e da placenta.
 Hormônio antidiurético (ADH) ou vasopressina - Constitui-se em um mecanismo
importante para a regulação do equilíbrio hídrico do organismo, auxiliando com isto na
regulação da pressão sangüínea.

8.3 Pâncreas Endócrino

O pâncreas é uma das glândulas mais importantes dos sistemas endócrino e digestivo.
Está localizado próximo ao estômago e intestino grosso, como a figura abaixo ilustra. O
pâncreas realiza duas principais funções no organismo: uma é produzir insulina, alterando a
regulação do metabolismo de carboidratos; a outra é secretar enzimas digestivas que quebram
proteínas, lipídios e carboidratos ingeridos na dieta, possibilitando sua absorção.

Fonte: BOYD, 1997.


Podemos visualizar na figura a baixo o aspecto fisiológico de um pâncreas canino sadio.

38

Fonte: BOYD, 1997.

8.3.1 Fisiologia do Pâncreas Endócrino

O pâncreas é uma glândula com atividade exócrina, através da produção e secreção


de enzimas digestivas; e endócrina, através da síntese e secreção de hormônios. Esta última
função pancreática é exercida por agrupamentos de células diferenciadas, chamados Ilhotas de
Langerhans (ilustradas na figura abaixo como o conjunto de células centrais de citoplasma rosa-
pálido), que secretam diversos tipos de substâncias, a saber:
39

Fonte: SIEBERNAGL & DESPOPOULOS, 2003

1- Insulina: responde à maior parte da secreção pancreática endócrina, o que


corresponde a 60% da secreção, sendo sintetizada pelas células β ou B pancreáticas, as quais
ocupam a porção central das Ilhotas. O hormônio tem função principal no controle da glicemia,
com caráter hipoglicemiante, sendo secretada fisiologicamente em situações de hiperglicemia.

2- Glucagon: produzido pelas células α ou A, que ocupam a periferia e o contorno dos


capilares pancreáticos, atua conjunta e antagonicamente com a insulina no controle da glicemia.
Responde a 25% da secreção pancreática.

3- Somatostatina: secretada pelas células δ ou D pancreáticas, respondem a 10% da


secreção. Estas células apresentam estreita relação com as células α na sua localização, sendo
20 vezes mais numerosas no neonato do que no adulto. Sua função é inibir as demais secreções
pancreáticas.

4- Polipeptídio pancreático: é secretado pelas células PP que também são encontradas


rodeando os capilares e na periferia das ilhotas, porém mais profundamente que as células A e
D, responde apenas a 5% da secreção, atuando de forma regulatória após a alimentação e
causando redução no apetite.

8.3.2 Síntese e Secreção de Insulina


A insulina constitui-se em uma molécula formada por duas cadeias polipeptídicas (A e
B) ligadas por duas pontes dissulfeto. A seqüência de aminoácidos que compõem as cadeias e a
estrutura tridimensional são altamente estáveis; por isso as variações entre espécies ocorrendo
ao nível da região carboxi-terminal da cadeia B, sendo esta região responsável pelas respostas
antigênicas induzidas pela insulina. Em solução, formam-se facilmente agregados, sendo o
hormônio encontrado na forma hexamérica no interior de grânulos no interior da célula B, onde é
sintetizado e armazenado.
40

A síntese de insulina ocorre no retículo endoplasmático rugoso das células B, a partir


da pré-pró-insulina que, ao direcionar-se ao complexo de Golgi é convertida em pró-insulina. A
partir da atuação de enzimas – endopeptidase e exopeptidase – ocorre a clivagem da molécula
em insulina e peptídeo C. A insulina é armazenada em grânulos, enquanto que o último, sem
efeito biológico conhecido, sofre degradação hepática.

Para a secreção insulínica é necessário que um estímulo, através do líquido


extracelular, chegue às células B pancreáticas e, dada a sua interação com a membrana
plasmática, desencadeie uma série de sinais intracelulares, dos quais o aumento dos níveis
intracitoplasmáticos de Cálcio é o principal. A partir da fosforilação de enzimas e componentes
de organelas ocorre, em última instância, a exocitose dos grânulos, culminando com a atuação
hormonal nos tecidos-alvos. O principal estímulo à secreção de insulina em cães é a glicose e
em gatos, a arginina. Outras substâncias que estimulam a secreção de insulina são:
aminoácidos, corpos cetônicos, ácidos graxos, hormônios gastrintestinais, catecolaminas,
potássio, corticotrofina, glucagon, glicocorticóides, hormônios sexuais, hormônios tireoidianos,
entre outros.

8.3.3 Ações da Insulina

Uma vez no líquido extracelular, a insulina atinge as células alvo através da ligação
com seu receptor. A internalização do complexo induz um sistema de transdução, que leva à
mobilização e ativação dos transportadores da glicose (GLUT), ativação de enzimas que
participam da síntese de glicogênio, lipídeos e proteínas envolvidos no controle da expressão
gênica, o que resulta na entrada de glicose na célula e fosforilação oxidativa, glicogênese,
lipogênese e proteogênese.

Em conjunto com o glucagon, a insulina realiza uma regulação estreita na glicemia, a


cada momento, como podemos observar na figura abaixo, que demonstra o mecanismo de
regulação de liberação da insulina. A ausência da secreção de insulina, assim como a
irresposividade celular a este hormônio desencadeia uma alteração conhecida como diabetes 41

mellitus.

Fonte: SIEBERNAGL & DESPOPOULOS, 2003


9 AVALIAÇÃO DA FUNÇÃO PANCREÁTICA ENDÓCRINA

A pressão arterial em animais de companhia, diferentemente dos humanos, não é uma


alteração primária, portanto os exames relacionados a ela são mais especificamente
relacionados com doenças em órgãos primários.

Clinicamente, a suspeita de alterações na pressão arterial em cães e gatos inicia-se no 42


exame físico. A verificação do pulso arterial, que exprime o número de batimentos cardíacos, é
de extrema importância. O pulso é tomado mais comumente na região interna da coxa, como
mostra a figura abaixo, pressionando-se firmemente com os dedos indicador e médio e
contando-se os pulsos por minuto. Nesta região palpa-se a artéria femoral.

Fonte: TILLEY & GOODWIN, 2002

Os valores fisiológicos para cães vão de 80 a 120 batimentos por minuto (bpm),
dependendo do grau de excitação do animal. Em filhotes pode chegar a 220 bpm e, em gatos,
120-240 bpm. Também se verifica a intensidade do pulso. O ideal é que não seja fraco nem tão
forte em animais saudáveis. Se o último acontecer, já é um indício de hipertensão.

Outra característica a ser observada na avaliação da pressão é o tempo de reperfusão


capilar, a qual é verificada na mucosa, geralmente bucal. A região é pressionada com o polegar
e, ao ser removida a pressão, a coloração vermelha fisiológica se restabelece entre 1 e 2
segundos. Se em menos tempo, é sugerida hipertensão. A coloração vermelho-escura de todas
as mucosas também sugere esta alteração, sendo observada na figura abaixo.
43

Fonte: TILLEY & GOODWIN, 2002

Se a coleta de amostras de sangue for necessária, quando estas são obtidas com
facilidade ou o sangue pulsa na seringa durante a coleta, é mais um indício indireto da alteração.
Outras alterações que podem ser encontradas na hipertensão são: pupilas dilatadas, glândula
tireóide aumentada de tamanho, rins com consistência anormal, sangramentos urinário
(hematúria) e nasal (epistaxe), como se observa na figura abaixo:

Fonte: Dra. Luciana Lacerda


10 EXAMES COMPLEMENTARES

10.1 Monitoração da pressão arterial

Ainda que o exame físico seja importante, o monitor de pressão arterial pode dar
44
maiores informações a respeito da sua mensuração. Artérias de felinos têm calibre fino, e o
método usado pra mensurar a pressão arterial em humanos não é de grande valia. A tomada da
pressão em animais é mais difícil que em humanos pela existência de pêlos. Gatos são animais
altamente suscetíveis ao estresse, o que pode levar a leituras errôneas.

Vários estudos clínicos sobre diferentes métodos de mensuração da pressão arterial


em animais conscientes indicam que as técnicas não-invasivas mais utilizadas geram resultados
confiáveis, mas de precisão variável.

10.1.1 Exames de triagem em pacientes sadios

A tomada da pressão arterial rotineira em animais assintomáticos que não tenham


doença associada com hipertensão não é recomendada, pois cada animal tem sua pressão
característica. Indica-se, portanto, a tomada de pressão arterial somente em animais suspeitos
de alteração.

Na teoria, um aumento significativo da pressão sangüínea de um período de


mensuração ao outro, incitaria uma investigação detalhada na busca da sua causa. Recomenda-
se o uso de testes com alta sensibilidade, porém estes testes têm alta chance de resultados
falso-positivos. Assim, animais saudáveis com pressão aparentemente elevada devem ter este
dado confirmado em múltiplas ocasiões.
10.1.2 Métodos de mensuração da pressão arterial

Métodos invasivos

45
A mensuração invasiva da pressão sangüínea envolve punção arterial (para medidas
aguçadas) ou canulação arterial com uso de um monitor de pressão sangüínea, que informa o
traçado da pressão. Estas técnicas proporcionam uma visão direta da verdadeira pressão intra-
arterial, mas geralmente são incômodas para o uso clínico, pela dificuldade de realização. Com
raras exceções, a monitoração direta da pressão sangüínea é usada para avaliações
anestésicas, monitorações em situações de emergência ou em pesquisas, e por isso não será
discutida neste curso.

Mensuração oscilométrica

A medida oscilométrica da pressão sangüínea é uma técnica útil e comumente utilizada


que consiste na detecção da pulsação arterial através do uso de um manguito, que infla e
esvazia automaticamente, o qual é preso ao redor da extremidade distal do membro ou da
cauda. As técnicas oscilométricas têm demonstrado grande eficiência na avaliação da pressão
sangüínea ao longo do tempo em cães conscientes. Apesar disso, as mensurações individuais
obtidas oscilometricamente podem subestimar a mensuração direta da pressão sistólica até em
torno de 5–20mmHg, enquanto que os resultados das mensurações oscilométricas da pressão
diastólica em cães conscientes são fracamente correlacionados com a mensuração por métodos
invasivos.
Método Doppler

É baseado no princípio do efeito Doppler, que leva em consideração a mudança na


freqüência de uma onda de som à medida que ela volta, após colidir contra um obstáculo. No
caso da pressão arterial, é o movimento dos eritrócitos na artéria cuja pressão é medida.
Durante a mudança de freqüência que ocorre neste caso, o som refletido vai do ultrassônico ao 46
audível.

A mensuração Doppler da pressão sangüínea, com a utilização de cristais


piezoelétricos para a detecção da pulsação arterial com um manguito manualmente inflável é um
método comumente usado e útil na mensuração da pressão, e é o método de preferência, em
felinos. A eficiência depende da experiência do clínico e de meticulosa atenção à técnica, ainda
que as pressões diastólicas sejam difíceis de discernir em alguns animais. O aparelho pode ser
observado na figura abaixo.

Fonte: Angela Patricia Medeiros Veiga, 2008


Mensuração fotopletismográfica

Este método de mensuração da pressão sangüínea estima-a com base na atenuação


da radiação infravermelha, como forma de estimação do volume arterial. Embora este método
seja muito utilizado em humanos, não há estudos em relação à sua precisão em cães e gatos
conscientes.
47

10.1.3 Recomendações gerais na monitoração

Métodos não invasivos de mensuração da pressão arterial são preferidos aos


invasivos, na maioria das situações clínicas. Para a mensuração aguçada em animais
conscientes, as seguintes recomendações do Consenso em Hipertensão, do Colégio Americano
de Medicina Veterinária devem ser tomadas:

 Padronização do procedimento na clínica – a pressão sangüínea deve ser


mensurada da mesma forma em todos os pacientes;
 Doppler é o método recomendado para gatos, enquanto que tanto métodos
oscilométricos quanto Doppler podem ser utilizados em cães;
 O tamanho do manguito deve ser aproximadamente 40% da circunferência do
membro ou da cauda do animal;
 A posição do manguito deve estar ao nível do átrio direito para as leituras;
 A primeira leitura deve ser descartada, efetuando-se a média de 3–5
mensurações com 30 segundos a um minuto de intervalo entre leituras.

10.1.4 Considerações quanto ao animal a ser examinado


 As mensurações da pressão devem ser obtidas antes de qualquer outra
manipulação com o paciente;
 A presença do proprietário pode ser útil para acalmar o animal;
 O animal deve estar alerta, calmo e em decúbito lateral ou esternal;
 Recomendam-se alguns minutos de aclimatação à posição de avaliação.

48

10.1.5 Interpretação dos resultados

Os valores normais gerados por métodos não invasivos em cães e gatos conscientes
podem ser observados na tabela abaixo. Deve-se lembrar que as variações individuais de raça,
tamanho e idade podem gerar alterações fisiológicas na pressão arterial. Animais obesos e
idosos tendem a ter pressão mais alta. Alguns autores sugerem que pressões sangüíneas mais
altas que dois desvios-padrão dos valores médios normais podem ser considerados diagnósticos
para hipertensão, porém deve-se ter em mente que aumentos relativamente pequenos na
pressão sangüínea renal podem provocar efeitos deletérios ao organismo que culminam com a
falha do órgão, como, por exemplo, uma doença glomerular progressiva.

Pressão sistólica (mmHg) Pressão diastólica (mmHg)

60-100

130-180

Fonte: PETTERSON et al., 1988


As recomendações atuais para ambas as espécies sugerem que a pressão sistólica
>160 mmHg ou a pressão diastólica >95 mmHg medida por qualquer método indica que
cuidados clínicos visando o tratamento são necessários. As normas para interpretação dos
valores de pressão sistólica são expressas em termos de risco para o dano irreversível do órgão
e estão associadas com recomendações de futuras ações.

49
10.1.6 Protocolo para mensuração da pressão arterial (método Doppler)

A seguir é descrito o protocolo para tomada de pressão sangüínea pelo método


Doppler. Após tricotomizar a parte de baixo da pata traseira (podendo ser usadas também a pata
dianteira ou a cauda) o equipamento é ligado. A primeira leitura é feita quando o animal está
calmo.

A figura mostra o equipamento. O transdutor está na mão da técnica, a capa azul está
presa frouxamente ao redor do tornozelo e o medidor de pressão está acima.

Fonte: NEWMAN, 2008


A figura abaixo mostra a parte responsável pela mensuração da pressão em um felino.

50

Fonte: NEWMAN, 2008

Infla-se o manguito até que o ponteiro marque acima de 200, quando o som arterial
não possa ser ouvido. A pressão é lentamente liberada até que o som da pulsação arterial possa
ser ouvido novamente, o que se refere à pressão sistólica. A mensuração da pressão diastólica
não é eficiente por este método.

A figura a seguir mostra o monitor do equipamento com a mensuração da pressão


sistólica do felino em questão.

Fonte: NEWMAN, 2008


10.2 Testes laboratoriais auxiliares na avaliação da pressão arterial

A pressão arterial pode estar alterada em pequenos animais por vários motivos.
Dependendo da doença primária que cause tal mudança, vários testes laboratoriais podem ser
solicitados:
51
 Creatinina: A creatinina é formada no metabolismo da creatina e fosfocreatina
muscular. O seu nível sangüíneo não é afetado pela dieta, idade e sexo do animal. A creatinina é
totalmente excretada pelos glomérulos renais, não havendo a reabsorção tubular. Serve,
portanto como um índice de filtração glomerular, e uma vez que a pressão sangüínea afeta
diretamente a pressão glomerular, seus níveis podem se alterar com as variações na pressão
arterial. Os valores normais para o cão são 0,5 – 1,8 mg/dL para o cão e gato. A nomenclatura
clínica para tais elevações neste caso se dá por “azotemia pré-renal”.

 Colesterol: O aumento do colesterol pode levar à formação de placas no interior


das artérias, aumentando a pressão arterial em humanos. Em animais, ataques cardíacos
raramente acontecem, pois dificilmente tais depósitos de gordura são encontrados na espécie.
Nos humanos, a digestão e o metabolismo de lipídeos acontecem predominantemente na fração
de colesterol LDL. Os caninos e felinos, por outro lado, apresentam a maior fração sendo de
colesterol HDL. Esta diferenciação significa que cães e gatos raramente desenvolvem
arteriosclerose nos principais vasos sangüíneos e, assim, dificilmente soltam-se debris que
possam atingir diretamente o coração. Apesar disto, existem doenças que levam ao aumento de
colesterol sérico secundariamente e também cursam com elevação na pressão sangüínea,
fazendo da dosagem de colesterol, auxiliar na avaliação de tais anormalidades.

 Triglicerídeos: Triglicerídeos são uma forma de gordura que circula na corrente


sangüínea e é armazenada no tecido adiposo do corpo. O nível alto de triglicerídeos está
associado a um aumento no risco de doenças do coração, especialmente em conjunto com
colesterol alto e outros fatores de risco.
Diferentemente do que se possa pensar, não é só uma dieta com excesso de gorduras que
causa um aumento no nível de triglicerídeos. O excesso de carboidratos (especialmente
açúcares) e calorias em geral faz a concentração de triglicerídeos no corpo aumentar. Deve-se
ter em mente que os animais de companhia, hoje em dia, são erroneamente alimentados com
elevados níveis de carboidratos, presentes em doces e petiscos, o que pode colaborar com tal
mudança metabólica.

Um nível elevado de triglicerídeos pode ser conseqüência de outras desordens como


diabetes, por exemplo. O nível de triglicerídeos, assim como o nível de colesterol, pode ser
detectado em um exame de sangue. Este deve ser feito em jejum. Além de aumentar os riscos 52

de doenças do coração, níveis muito altos de triglicerídeos podem causar pancreatite.


11 AVALIAÇÃO DA FUNÇÃO PANCREÁTICA ENDÓCRINA

Como veremos mais adiante, a avaliação clínica da função pancreática endócrina se


resume na capacidade de o organismo metabolizar glicose, principal fonte de energia utilizada
pelos animais. Para tanto, o clínico deve observar a produção de urina, ingestão hídrica e sólida
e estado geral do paciente. Como estas características são mais bem observadas no dia-a-dia, 53
uma boa anamnese e histórico são imprescindíveis na obtenção destas informações. Além disso,
existem exames laboratoriais que auxiliam o clínico na avaliação pancreática endócrina,
principalmente através da dosagem de glicose e insulina em jejum.

Para a avaliação do estado geral do paciente, duas técnicas bastante utilizadas por
serem de fácil execução e rápidas, são o escore de condição corporal (ECC) e o índice de
massa corporal (IMC).

11.1 Escore de Condição corporal

Através da palpação corporal dos animais, é realizada a avaliação de costelas, espinha


dorsal, ossos pélvicos, quantidade de massa muscular e gordura na caixa torácica. De acordo
com estes parâmetros, os animais são enquadrados em cinco escores que variam de 1 – 9
(muito magro / magro / ideal / sobrepeso / obeso), sendo 1 o “muito magro” e 9 o “obeso”, de
acordo com a figura abaixo.

Fonte: LAFLAMME, 1997


O clínico deve observar os seguintes aspectos na avaliação do ECC:

54

Fonte: VEIGA (2005).

A técnica também pode ser usada em felinos, da mesma forma, sendo relacionada à
tabela específica, porém de forma mais simplificada:

Fonte: LAFLAMME, 1997a

11.2 Índice de Massa Corporal (IMC) Felino


Nos seres humanos, o índice de massa corporal (IMC) é dado pelo peso em
quilograma dividido pelo quadrado da altura em metros. Esse índice é fácil de medir e se co-
relaciona bem com o conteúdo de gordura do corpo humano.

Recentemente foi descoberta uma versão felina do IMC - um modo simples, objetivo e
confiável de medir o conteúdo de gordura corporal nos gatos. É necessário apenas, com o
auxílio de uma fita métrica, obter a medida da pata (MIP distância entre a patela e o tendão de
Aquiles) e a circunferência torácica ao nível da 9ª costela, conforme observado nas figuras 55

abaixo.

Fonte: Angela Patricia Medeiros Veiga, 2008

Baseado nestas duas simples mensurações, o percentual do conteúdo da gordura


corporal pode ser obtido a partir aplicação de um quadro comparativo, como mostra a figura
abaixo.
56

Fonte: LAFLAMME, 1997a

Como uma opção alternativa de avaliação, as medidas obtidas podem ser aplicadas à
equação descrita abaixo, sendo o significado do resultado < 10 (magreza); 10-30 (peso ideal) e
>30 (obesidade).

A equação usa a circunferência da cavidade torácica e a medição (em centímetros) da parte


inferior da extremidade posterior.

Fonte: LAFLAMME, 1997a

A aplicação do IMC felino nos estudos clínicos ajudará a definir a relação entre o
conteúdo de gordura corporal e o risco de enfermidades. Isso, por sua vez, permitirá aos
veterinários identificar melhor os gatos com risco de sofrer doenças relacionadas à obesidade.
11.3 Índice de Massa Corporal (IMC) Canino

Levando-se em consideração que as raças caninas apresentam maior variação em


comprimento, peso e altura do que os felinos, obviamente não se pode aplicar a fórmula felina
em cães. Assim, comparativamente ao que foi desenvolvido para felinos, foi proposta uma forma
de cálculo do IMC canino, aplicável para cães de médio porte (de 11 a 25 kg), onde a estatura do 57
cão consiste na medida tomada desde a articulação atlanto-occiptal até o limite plantar do
membro posterior (na figura, a linha representa o trajeto da trena):

Fonte MÜLLER & SCHOSSLER, 2007.

Assim, o IMC canino é calculado da seguinte forma:

Utilizando-se esta fórmula, temos a seguinte interpretação dos resultados:


58

Fonte: MÜLLER & SCHOSSLER, 2007.

11.4 Avaliação laboratorial

A primeira coisa que se deve ter em mente quando da coleta de material visando à
solicitação de exames para a avaliação da função pancreática endócrina, é quanto ao jejum, que
deve ser de 12h, já que se trata de um órgão relacionado ao metabolismo da glicose.

 Dosagem plasmática de glicose: Recomenda-se especificamente o fluoreto


como anticoagulante para a dosagem de glicose, principalmente quando a amostra será enviada
ao laboratório e analisada em mais de meia hora após a coleta, pois este anticoagulante inibe o
processo de glicólise que ocorre nas hemácias, mantendo os níveis in vitro deste metabólito por
mais tempo. Caso não seja utilizado o fluoreto, os níveis de glicose podem baixar
consideravelmente como artefato de técnica, não se tendo o valor real. Mesmo com o uso do
anticoagulante, a dosagem deverá ser feita em até 6 horas após a coleta, pois o processo de
glicólise continua, mesmo com a presença de fluoreto de sódio, que apenas retarda este
processo. O tubo fluoretado é identificado pela tampa cinza (figura abaixo).
Fonte: KANEKO et al., 1997. 59

Além disso, as seguintes observações devem ser seguidas, a fim de que resultados
condizentes com a realidade sejam obtidos:

 Deve-se sempre conservar a proporção entre o sangue e o anticoagulante, pois


o excesso ou a falta de anticoagulante leva a resultados alterados;
 O sangue a ser transferido para o tubo com anticoagulante nunca deverá conter
coágulos. Para isto, o ideal é que a coleta de material seja efetuada com o animal calmo,
bem contido e que não seja demorada. A demora na coleta pode levar à formação de
trombos no interior da seringa. Também se recomenda que a amostra seja transferida
para o tubo sem agulha e pela parede do tubo, evitando-se turbulências na amostra.

Têm-se utilizado aparelhos portáteis para a mensuração dos níveis sangüíneos de


glicose, chamados de glucômetros. São equipamentos relativamente baratos e de fácil
manuseio, necessitando apenas de uma gota de sangue total, sem anticoagulante, podendo ser
utilizado também o soro. Uma fita específica para o modelo do aparelho é introduzida e, nela,
após a preparação do aparelho, coloca-se uma gota da amostra. O resultado sai em alguns
segundos e é bastante condizente com os resultados de laboratório. Pode-se adquirir também
uma solução padrão, com valores conhecidos do metabólito, utilizados para calibração do
aparelho. A figura abaixo mostra o exemplo de uso do glucômetro Accu-Check Active (Bayer).
Uma gota de sangue é colocada na porção sensível da fita, da própria seringa de onde o sangue
foi coletado, e em seguida o resultado é obtido, em mg/dL.
60

Fonte: Angela Patricia Medeiros Veiga, 2008

 Dosagem sérica de fructosamina: A presença de glicose no líquido extracelular


por um período de 4 a 6 semanas leva à glicosilação não enzimática de proteínas, gerando
cetaminas estáveis. Estas cetaminas, também chamadas de frutosaminas, aumentam
proporcionalmente com o aumento de glicose plasmática naquele intervalo de tempo, refletindo o
valor médio da glicemia neste período. A quantificação da concentração de frutosaminas
plasmáticas consiste em um parâmetro muito útil para monitorar a resposta à insulina em cães
diabéticos. Estudos relacionaram o aumento dos valores desta proteína em gatos diabéticos,
comparados aos não-diabéticos, caracterizando a prova como altamente sensível e específica,
principalmente na diferenciação entre hiperglicemia transitória e diabética. Amostras para a
dosagem de fructosamina devem ser coletadas em tubos sem anticoagulante (tampa vermelha;
observe a figura abaixo).
 Dosagem sérica de insulina: recomenda-se soro (coletado em tubo de tampa
vermelha, observado abaixo), o qual deve ser livre de hemólise.

61

Fonte: Angela Patricia Medeiros Veiga, 2008

Afora os valores basais de insulina e glicose, também são utilizados testes de


estimulação, onde, através da estimulação pancreática com glicose ou insulina, são utilizados,
avaliando-se a resposta pancreática quanto à estimulação. Os mais comuns de uso clínico são o
teste de tolerância à glicose (oral e intravenoso) e o teste de tolerância à insulina.

11.5 Teste oral de tolerância à glicose

Este teste mede a habilidade do pâncreas em utilizar a glicose, que é a principal fonte
de energia orgânica, podendo ser usado para diagnosticar diabetes. Consiste na administração
de um bolus de 4 g/kg de glicose, dado em solução aquosa a 50%. O sangue venoso é coletado
antes da administração e durante intervalos seriados, até 180 minutos após a administração de
glicose, dosando-se glicose e insulina. Os resultados obtidos geram curvas glicêmicas, e a área
sob estas é calculada. Avaliando-se os valores de glicose obtidos separadamente, teremos como
normais os valores:
 Basal: 70-110 mg/dL;
 60 minutos: ≤ 200 mg/dL;
 120 minutos: ≤ 140 mg/dL;
 180 minutos: retorno aos valores basais.

62
11.6 Teste intravenoso de tolerância à glicose

Tem a mesma função do oral, porém demora menos, pois é descartado o tempo
necessário para a absorção da glicose (neste caso, é administrada diretamente no vaso
sangüíneo). Ele não possui o mesmo valor diagnóstico que o teste oral no diagnóstico do
diabetes mellitus, portanto é mais usado em pesquisas.

Consiste na injeção venosa de 0,5 g/kg de glicose 50%, que deve ser efetuada dentro
de 30 segundos. O sangue venoso é coletado de uma veia diferente da qual foi injetada a glicose
antes da administração e em intervalos seriados até 120 minutos desde a injeção, para a
mensuração dos níveis de glicose e insulina, os quais são, similarmente ao teste oral, aplicados
em gráficos, gerando curvas cuja área sob elas são calculadas.

Nas figuras abaixo se observa o preparo do material necessário à realização do teste e


a cateterização venosa de animais para posterior aplicação de glicose.
63

Fonte: Angela Patricia Medeiros Veiga, 2008

Na figura abaixo se observam curvas de animais com níveis variados de alterações


pancreáticas. Observa-se que no animal sadio, a tendência de diminuição nos níveis sangüíneos
de glicose é mais acentuada do que nos demais casos.

Fonte: KANEKO et al.,1997


11.7 Teste de tolerância à insulina

Consiste na administração intravenosa de insulina em um bolus contendo 0,1 UI/kg de


insulina humana recombinante de ação rápida e na coleta de sangue venoso antes da
administração de insulina e após, em intervalos seriados, até 20 minutos desde a administração, 64
para dosagem de glicose.

Na figura abaixo, observam-se curvas de animais com níveis variados de alterações


pancreáticas. Observa-se que no animal sadio, a tendência de diminuição nos níveis sangüíneos
de glicose é mais acentuada e gradativa do que nos demais casos.

Fonte: KANEKO et al.,1997


12 VALORES NORMAIS DE REFERÊNCIA

Os valores fisiológicos das variáveis clínicas e laboratoriais mencionadas no texto


podem ser consultados na tabela abaixo:
65

Variável Cães Gatos

Freqüência Cardíaca (BPM) 80-120 120-240

Tempo de Reperfusão Capilar (seg.) 1-2 1-2

Pressão Sistólica (mmHg) 130-180 130-180

Pressão Diastólica (mmHg) 60-100 60-100

Índice de Massa Corporal 11,8-15 10-30

Eritrócitos (X106/µL) 5,5-8,5 5,0-10

Hematócrito (%) 37-55 24-45

Creatinina (mg/dL) 0,5-1,8 0,5-1,8

Colesterol (mg/dL) 100-270 95-130

Triglicerídeos (mg/dL) 50-100 50-100

Glicose (mg/dL) 70-110 70-110

Fructosamina (mmol/L) 1,7-3,4 2,2-3,5

Insulina (µU/mL) 5-20 5-20


13 ASPECTOS CLÍNICO-PATOLÓGICOS DA HIPERTENSÃO E DIABETES MELLITUS EM
CÃES E GATOS

13.1 Hipertensão

66

Atualmente há uma grande preocupação dos médicos veterinários acerca dos


perigos associados com a hipertensão sistêmica em animais de companhia. A hipertensão é
um problema que potencialmente ameaça a vida dos animais, geralmente causada por uma
doença primária. Complicações devastadoras nos sistemas cardiovascular, renal, oftálmico e
neurológico são prováveis se a hipertensão não for tratada rapidamente. A maioria dos
animais afetados por doenças primárias que resultam em hipertensão podem ser
concomitantemente tratados para esta complicação secundária, desde que reconhecida no
início.

A hipertensão arterial é uma doença emergencial que afeta 1 a 2% dos cães. Em


cães adultos normais as pressões arteriais sistólica, diastólica e média tendem a aumentar
pelo fim da meia-idade, tanto em indivíduos da mesma raça como entre de raças diferentes.
Existem alguns estudos que sugerem que os machos caninos intactos tenham maior risco
que os castrados e as fêmeas. Observam-se algumas diferenças quanto ao porte das
diferentes raças, sendo que os cães de grande porte e gigantes tendem a apresentar
pressões mais baixas que os de pequeno porte, mas quando se estudam cães de caça
observam-se valores de pressão maiores do que cães de grande porte.

Em geral, os gatos com doença grave em algum dos órgãos-alvo, secundária à


hipertensão, são idosos, apesar de não existir diferença entre os valores de pressão entre
animais jovens e idosos, neste caso, saudáveis.
13.1.1 Definição

O termo hipertensão refere-se à elevação anormal e persistente da pressão exercida


pelo sangue, especificamente arterial, contra a vasculatura e órgãos supridos por ele. A pressão,
como mencionado anteriormente, é determinada pelas células sangüíneas, adicionadas ao
volume de fluido extracelular, à capacidade física do vaso, assim como à capacidade de
67
expansão do sistema arterial e às forças exercidas sobre o sistema vascular durante a sístole e a
diástole. Essas propriedades que afetam a capacidade de a vasculatura se adaptar às flutuações
no volume de sangue e às oscilações no gradiente gerado contra a parede dos vasos durante os
movimentos cardíacos, determinam a resistência vascular periférica. Assim, quando a resistência
vascular aumenta, a pressão arterial também o faz.

A pressão arterial também é afetada pela pressão média gerada pela força e
freqüência de cada ciclo cardíaco. Esta é uma função conjunta entre a força de contração do
músculo cardíaco e subseqüente volume ejetado para a circulação geral e a freqüência cardíaca.
Juntos, estes parâmetros medem a funcionalidade cardíaca, conhecida como débito cardíaco.

13.2 Etiologia

A hipertensão primária ou essencial ocorre sem uma causa definida, em humanos. Já


foi mencionado que este tipo de hipertensão é raro em medicina veterinária, não sendo discutida
neste curso. Em cães e gatos, a hipertensão, na maioria das vezes, é conseqüência de uma
doença primária. Em gatos, a insuficiência renal e o hipertireoidismo são as causas mais
freqüentes de hipertensão sistêmica. Os níveis elevados de tiroxina encontrados no
hipertireoidismo estimulam um aumento do débito cardíaco, fazendo com que a pressão se
eleve. Já em cães, a insuficiência renal crônica, especialmente glomerular, o
hiperadrenocorticismo ou doença de Cushing e o diabetes mellitus são as etiologias primárias
mais prováveis. Tanto no hiperadrenocorticismo quanto no diabetes mellitus, a causa da
hipertensão está relacionada ao aumento da osmolaridade sangüínea causada pela presença da
glicose em níveis elevados, que estimula a manutenção de líquidos na circulação, elevando a
pressão.
Outras condições médicas, ainda que algumas vezes raras, também podem predispor
ao problema. Exemplos incluem alterações na função adrenal (feocromocitoma), acromegalia,
hiperaldosteronismo e certas doenças do sistema nervoso central, além de algumas
cardiomiopatias. A obesidade, apesar de não ser considerada por muitos proprietários como
68
doença, também causa elevação na pressão sangüínea. Devido à sua importância, por estar
relacionada tanto à hipertensão quanto a diabetes mellitus, a obesidade será amplamente
discutida à parte.

13.3 Patogênese

Sabe-se que a pressão sangüínea é dependente da resistência vascular periférica e do


débito cardíaco; assim, pode estar aumentada devido a situações que aumentem o débito
cardíaco (freqüência e volume sangüíneo) ou também por situações que aumentem a resistência
vascular.

Em condições fisiológicas a pressão sangüínea é mantida dentro dos limites normais,


mediante ações do sistema nervoso autônomo, sistemas hormonais (renina-angiotensina,
vasopressina) e regulação do volume sangüíneo pelos rins, além de outros fatores. Condições
que possam levar a uma acentuada atividade nervosa simpática ou responsiva como o
hipertireoidismo, aumento da produção de catecolaminas, como um feocromocitoma ou a
expansão de volume devido a aumento da retenção de sódio, como ocorre na insuficiência renal,
hiperaldosteronismo e hiperadrenocorticismo, podem provocar um aumento crônico da pressão
sangüínea.

Quando se fala da ativação do sistema renina-angiotensina-aldosterona com retenção


de água e sódio e vasoconstrição, lembram-se das doenças intra-renais, como as
glomerulonefrites e nefrites crônicas. Condições associadas ao aumento da produção de
angiotensinogênio, como no hiperadrenocorticismo, e doenças extra-renais que levem a um
aumento dele na atividade nervosa simpática ou interfiram na perfusão renal, como o
hipertireoidismo e obstruções arteriais, também estão associadas à hipertensão.

69
13.3.1 Consequências patológicas gerais da hipertensão

Quanto aos efeitos patológicos da hipertensão, devemos considerar que o aumento da


pressão de perfusão pode lesar os leitos capilares. Sabe-se que na maioria dos tecidos a
pressão capilar é regulada pela vasoconstrição que alimenta os capilares, e se se pensa em
constrição arteriolar contínua secundária a hipertensão crônica, pode-se relacionar a
arteriosclerose, que acaba ajudando a aumentar a resistência vascular. Estas lesões podem
causar hipóxia capilar, lesão tecidual, hemorragias e até infartos, resultando assim em
disfunções orgânicas, como é descrito abaixo.

Os tecidos mais comumente afetados pela hipertensão sistêmica são os sistemas


cardiovascular, renal, ocular e cerebral. A hipertensão causa danos primários a órgãos e vasos
sangüíneos. O dano vascular pode resultar em hemorragia e outros efeitos adversos que
causam impacto na perfusão sangüínea a tecidos; secundariamente, via diminuição do fluxo de
oxigênio e nutrientes, além do acúmulo de produtos tóxicos do catabolismo de tais tecidos,
danificam sua integridade e funcionalidade.

A elevação na pressão arterial altera marcadamente a hemodinâmica circulatória;


haverá um incremento da carga de trabalho sobre o músculo cardíaco, ao mesmo tempo em que
alterações no tamanho da câmara cardíaca, integridade valvular e condução elétrica começam a
se desenvolver, levando à conseqüente perda da capacidade de bombeamento cardíaco,
arritmias e exacerbação dos parâmetros hipertensivos devido ao acúmulo de fluidos no volume
sangüíneo.
O sistema nervoso central, especificamente o cérebro, assim como as estruturas
oculares relacionadas, ficam sujeitos a hemorragias e aumento da pressão nos tecidos
sensíveis, edema e conseqüentemente perda irreversível da funcionalidade. Qualquer das
manifestações dos sistemas nervoso central e ocular é possível.

70
13.3.2 Consequências patológicas específicas da hipertensão

Coração

Secundário à perfusão inapropriada, com conseqüente deficiência na oxigenação, há


perdas localizadas na viabilidade de células musculares cardíacas. O desfecho pode resultar em
alterações como arritmias, diminuição na força de contração, o que resulta em débito cardíaco
inadequado, e insuficiência cardíaca congestiva.

Haverá uma forte sobrecarga cardíaca devido ao excesso de pressão e aumento do


volume sangüíneo (decorrente de falha renal), o que ocorre devido à hipertrofia e/ou
engrossamento das paredes cardíacas com redução no tamanho das câmaras e, assim,
diminuição do volume ejetado ou devido a anormalidades em componentes das válvulas
cardíacas, levando à deficiência do volume de sangue ejetado, com posterior dano ao músculo
cardíaco, murmúrios cardíacos e anormalidades na condução elétrica (arritmias).

A figura 1 é proveniente de uma amostra cardíaca pós-mortem de um canino com


hipertrofia ventricular esquerda, secundária à hipertensão crônica devido à glomerulopatia.
71

Fig. 1: Coração de canino apresentando hipertrofia ventricular


(setas duplas) e deposições granulomatosas valvulares (seta
vermelha). Fonte: STEPIEN, 2002.

Circulação

Alterações estruturais nas paredes arteriolares, além de edemas vasculares


localizados, negativamente afetam a integridade dos vasos e a perfusão tecidual localizada com
sangue rico em nutrientes e oxigênio, afetando a viabilidade de pequenos vasos; alterações
funcionais, incluindo derrames, hemorragias e respostas inapropriadas da musculatura vascular
à liberação de neurotransmissores sistêmicos e locais; aumento do potencial para o
desenvolvimento de trombos intravasculares como conseqüência da quebra na integridade da
parede vascular, tornando as paredes adesivas.

Derrames cavitários, geralmente com características de transudato modificado são


comuns, como mostra a figura 2, de um cão apresentando ascite. O potencial para a obstrução
vascular total aumenta e, dependendo onde o coágulo se forma, sobrevém à morte imediata do
animal.
72

Fig. 2: Cão com ascite. Fonte: Angela Patricia Medeiros Veiga, 2008

A figura 3 mostra a radiografia torácica de um gato apresentando efusão pleural. Nota-


se um aumento da radiopacidade torácica, característica da presença de líquido na cavidade.

Fig. 3: Radiografia torácica de um felino com efusão pleural. Fonte:


NELSON & COUTO, 1994.
Olhos

- Aumento da pressão nos vasos que suprem de sangue o tecido ocular;

- Edema intra-ocular;

- Hemorragia intra-ocular, denominada hifema, como se observa na figura 4 (o felino


73
deste caso também apresentava irresponsividade pupilar à luz);

Fig. 4: Felino com hifema (seta). Fonte: NELSON &


COUTO, 1994.

- Descolamento de retina;

- Glaucoma (figura 5).


74
Fig. 5: Glaucoma canino. Fonte: NELSON & COUTO, 1994

A hipertensão sistêmica leva conseqüentemente ao aumento da pressão intra-ocular


(glaucoma). Fisiologicamente, o humor aquoso é secretado pelas células epiteliais do corpo ciliar
e constantemente drenado, na sua maior parte, no ângulo irido-corneal. Com o aumento da
pressão capilar da íris, maior quantidade de humor aquoso é formada. Proteínas extravazam
para a câmara anterior do olho, obstruindo o ângulo de drenagem e aumentando a pressão
produzida pelo humor aquoso. A simples presença do glaucoma pode incomodar o animal e
fazer com que ele arranhe o olho, o que causa hemorragia intra-ocular (hifema).

Sistema nervoso central

- Hemorragia cerebral;
- Redução no fluxo sangüíneo para partes do cérebro;

- Dano localizado à integridade cerebral;

- Aumento da pressão intracraniana; compressão do tecido cerebral contra o crânio.

75
Sistema urinário

- Dano e perda de néfrons, que são as unidades funcionais dos rins (observar na
figura 6, correspondente à porção amarela): perda de funcionalidade, menos habilidade para
excreção de metabólitos tóxicos;

Fig. 6: Estrutura do néfron. Fonte: SIEBERNAGL & DESPOPOULOS, 2003.


- Perda desnecessária de proteínas, incluindo fatores de coagulação, podendo
resultar em hemorragias, edema pulmonar e derrames cavitários;

- Degeneração tubular renal e de tecidos circundantes (figura 7); notar a perda de


estrutura dos cálices (meia-lua) e pelve renal (retângulo), com aumento de volume do órgão.

76

Fig. 7: Rim canino acometido por insuficiência renal aguda.


Fonte: BOYD, 2002

- Efeitos adversos que afetam a eliminação ou conservação de fluidos e eletrólitos,


potencializando arritmias e outros efeitos sistêmicos;

- Efeitos adversos que afetam a regulação do equilíbrio ácido-base.

A insuficiência renal também pode colaborar para o desenvolvimento da hipertensão,


de duas formas. Com o rim insuficiente, principalmente cronicamente, a função de manutenção
do volume e composição do fluido extracelular não é atingida. A perda de néfrons faz com que
não haja adequada produção de urina, aumentando o volume de líquido circulante e, com isso,
aumentando a pressão. Outra forma está relacionada à baixa perfusão renal. Quando os rins
recebem a informação de que o glomérulo não está recebendo perfusão adequada, ocorre a
liberação de renina, estimulando o sistema renina-angiotensina-aldosterona. O resultado é um
aumento de Pressão em todo o corpo. Uma vez que a insuficiência renal afeta a perfusão
glomerular, o resultado é a hipertensão. Os mecanismos pelos quais o rim deficiente leva à
hipertensão são os seguintes:

- Ativação de rotas bioquímicas que resultam em retenção de sódio e água, o que leva
a um aumento no volume circulante, com sobrecarga cardíaca e circulatória;

- Ativando rotas bioquímicas relacionadas à vasoconstrição, ou seja, diminuição do


diâmetro vascular.
77

13.4 Sinais clínicos de hipertensão

Os sinais clínicos da hipertensão estão relacionados com qualquer processo de


doença associada ou com lesões dos órgãos-alvo. Na rotina observamos que a queixa mais
comum é a cegueira de aparecimento súbito que normalmente está relacionada com hemorragia
ou descolamento agudo da retina (figura 8). Apesar de a retina ser colocada novamente no
lugar, muitos animais não apresentam retorno da visão.
78

Fig. 8: Olho canino, mostrando hifema secundário ao


descolamento da retina. Fonte: STEPIEN, 2002.

Outra queixa rotineira é a poliúria/polidipsia, normalmente relacionadas ao diabetes


mellitus, doença renal ou hipertireoidismo em gatos. Podemos ainda elencar os problemas
cardíacos (sopros), epistaxe, convulsões, paresia, síncope e colapsos como alguns sinais
indicativos. Os sinais observados com freqüência como reflexos da hipertensão sistêmica
incluem:

- Sistema ocular: uma apresentação freqüente, ainda que não exclusiva, é a cegueira
de origem desconhecida. As pupilas permanecem dilatadas e não responsivas à luz forte ou
outro estímulo visual, o animal tromba contra objetos ou exibe relutância em perambular
normalmente dentro ou fora de casa, o exame oftalmoscópico mostra anormalidades intra-
oculares, tais como alteração na morfologia vascular, edema e inflamação, descolamento de
retina e/ou hemorragia. O aumento da pressão intra-ocular medido através do tonômetro, se
presente, indica glaucoma.

- Sistema cardiovascular: alterações no músculo cardíaco são exacerbadas pelo dano


aos vasos que suprem o miocárdio. O resultado pode ser variável, desde sinais leves a graves:
arritmias, murmúrios cardíacos, colapso repentino e morte, lentidão, inapetência, dificuldade
respiratória e tosse, gastroenterite inespecífica, palidez de mucosas, pulso fraco, fraqueza,
tromboembolismo ou acidente vascular. A figura 9 mostra um coração canino acometido por uma
cardiomiopatia dilatada.

79

Fig. 9: Cardiomiopatia dilatada. Observar lesão


valvular (seta). Fonte: BOYD, 2002

Tanto a doença primária quanto o dano vascular originário da hipertensão secundária


predispõem à formação de trombos no interior dos vasos afetados, o que é chamado de acidente
vascular. Os animais podem apresentar manifestações agudas e beirando à morte quando o
coágulo se forma, obstruindo as principais veias do pulmão ou coração. O trombo pode se
formar dentro do coração, especialmente em felinos, e migrar para a aorta, obstruindo, em
virtude da sua posição, o fluxo para um ou ambos os membros posteriores. Os animais afetados
geralmente são incapazes de utilizar os membros, os quais se apresentam hipotérmicos e
extremamente doloridos. Devido à dor, são bastante comuns os uivos.

- Sistema nervoso central: Sinais de disfunção cerebral secundária à hipertensão estão


relacionados ao aumento de pressão intracraniana, hemorragias e acidentes vasculares dentro
das pequenas estruturas ósseas da cabeça. Pode acontecer perda da função motora, o que está
relacionado a achados como claudicação, alterações na marcha ou postura, perda de
capacidades perceptivas, mastigatórias e de deglutição, alteração no piscar de olhos e
incontinência fecal ou urinária. Sinais de cegueira não relacionada ao globo ocular, mas de
origem nervosa, convulsões, acidentes vasculares afetando uma ou mais porções específicas do
cérebro, podendo resultar em discretas anormalidades neurológicas assimétricas, bem como
sinais de desorientação ou demência podem ser observados.

- Sistema urinário: Sinais de insuficiência renal primária ou derivada da hipertensão. A


figura abaixo mostra a ultrassonografia de doença policística renal, comum em certas raças de
felinos, principalmente Persa, que pode ser responsável pela elevação da pressão nestes
animais. 80

Na figura 10 notam-se regiões escuras no parênquima renal, correspondentes aos


cistos (setas).

Fig. 10: Ultrassonografia renal de um rim policístico felino.


Fonte: NELSON & COUTO, 1994

Deve-se estar atento para outros sinais clínicos sistêmicos que podem surgir,
dependendo da alteração causada pela hipertensão.

A figura 11 mostra úlceras orais, sinais característicos de uremia, em um felino.


81

Fig. 11: Estomatite urêmica felina.

Fonte: Angela Patricia Medeiros Veiga, 2008

- Pâncreas: sinais clínicos de diabetes mellitus primário, os quais serão discutidos mais
adiante neste texto.

13.5 Diagnóstico da hipertensão

Quando se pensa em diagnóstico deve-se considerar que a mensuração da pressão


sangüínea deve ser obtida não somente quando detectamos os sinais compatíveis, mas quando
diagnosticamos alguma doença associada à hipertensão. É muito importante confirmarmos um
diagnóstico de hipertensão arterial mediante a realização de mensurações múltiplas.

Em humanos, um estetoscópio é utilizado para auscultar o retorno do fluxo sangüíneo


a uma artéria do braço cujo fluxo foi completamente bloqueado por um torniquete. A pressão
aplicada no torniquete ao redor do braço é então reduzida aos poucos. Assim, o retorno inicial do
pulso ocorre quando a pressão do torniquete é a mesma, ou um pouco menor do que a pressão
sistólica. À medida que a pressão do torniquete continua sendo reduzida, mais sangue flui no
vaso, e o som de um pulso discreto desaparece. A pressão no torniquete correspondente a esta
ocorrência representa a pressão diastólica. Esta técnica auscultatória não é utilizada em
medicina veterinária porque a amplitude e freqüência do som associado com o fluxo sangüíneo a
um membro é difícil de discernir apenas com o auxílio de um estetoscópio.
82
O ideal é que a pressão arterial sistêmica seja mensurada em períodos diferentes do
dia, ou seja, manhã, tarde ou noite, visto que os valores podem variar no decorrer do dia. Não
sendo possível, recomenda-se que o animal repouse, por pelo menos 20 minutos, antes das
tomadas. A interpretação dos valores sempre deve ser feita em conjunto com o exame clínico e
acompanhada periodicamente. Outros exames necessários devem estar incluídos na rotina,
como hemograma, exames bioquímicos, testes hormonais, radiografias torácicas e abdominais,
ultra-sonografia, eletrocardiografias, exame oftálmico, além de testes sorológicos.
14 DIABETES MELLITUS

14.1 Conceito

83

O diabetes mellitus é uma endocrinopatia pancreática comumente vista em cães e


gatos, tendo maior incidência em fêmeas e em animais com mais de seis anos de idade. É um
estado de hiperglicemia persistente devido à falta de insulina ou ao excesso de fatores que se
opõem a sua ação, podendo levar à morte por complicações secundárias a anormalidades no
metabolismo de carboidratos, proteínas e lipídios. Pode ser de quatro tipos:

- TIPO 1 ou insulino-dependente: Nesta forma de apresentação há diminuição da


síntese de insulina, o que pode ocorrer devido a causas hereditárias ou secundariamente a
pancreatite aguda ou atrofia pancreática. Esta é a forma mais comum, havendo tendência ao
desenvolvimento de cetoacidose.

- TIPO 2 ou não insulino-dependente: Ocorre resistência periférica à insulina devido à


obstrução ou existência de barreira mecânica nos receptores celulares para insulina. A
obesidade é a principal etiologia. Neste tipo de diabetes a insulina pode estar normal ou
aumentada.

- TIPO 3 ou induzido por hormônios diabetogênicos antagônicos à insulina (glucagon,


adrenalina, glicocorticóides, ACTH, hormônio do crescimento, tiroxina). Nesta forma da doença,
ocorre interferência na liberação de insulina. Este tipo pode evoluir para o TIPO 1. O aumento de
tais hormônios é desencadeado por endocrinopatias que afetam o metabolismo dos carboidratos
e induzem à hiperglicemia. O controle da disfunção endócrina básica corrige o desajuste
metabólico, o que não acontece com o TIPO 1 hereditário.

- TIPO 4 ou transitório: Ocorre em casos de pancreatite aguda, principalmente em


gatos obesos. O TIPO 3 pode ser considerado transitório.

84

14.2 Etiologia

O diabetes mellitus é uma doença multifatorial. Ainda assim, sua etiologia pode ser
dividida em causas que levam a falhas na produção de insulina - primárias; falha no transporte
de insulina ou resistência tecidual à insulina – secundárias. Tais causas podem estar
relacionadas a associações familiares ou não. Cães e gatos apresentam diferenças na incidência
das diferentes causas de diabetes mellitus. No gato, as causas mais freqüentes são a amiloidose
e a obesidade, e no caso dos cães, a etiologia genética é encontrada na maioria dos casos,
como se observa no quadro 1.

Cães Gatos
Genética Amiloidose

Insulinite imuno-mediada Obesidade

Pancreatite Infecção

Obesidade Doença concomitante

Infecção Drogas
85
Doença concomitante Pancreatite

Drogas Genética

Amiloidose Insulinite imuno-mediada

Quadro 1: Causas de diabetes mellitus em cães e gatos. Fonte: ZERBÉ, 2001.

A amiloidose pancreática é causada pela deposição de uma proteína produzida pelas


células β pancreáticas, amilina. Evidências suportam a hipótese de que fatores como obesidade
crônica aumentam a sua produção. A secreção de amilina é estimulada pelos mesmos fatores
que a insulina, portanto, quando existe uma elevação da glicemia pela inatividade ou insuficiente
secreção de insulina, o estímulo à secreção de insulina acaba instigando uma hipersecreção de
amilina, que é antagônica à insulina, o que leva a um ciclo vicioso, com exaustão das células β e
diabetes subseqüente.

A obesidade, por sua vez, altera a tolerância tecidual à glicose e a sensibilidade à


insulina, principalmente em felinos, o que pode levar a diabetes irreversível, se não tratada.
Felizmente, a maioria dos gatos obesos apresenta diabetes de caráter reversível – uma vez
tratada a obesidade, há completa recuperação. Isso muitas vezes torna a avaliação clínica
dificultosa, já que não se sabe se o felino é insulino-dependente ou não.

No caso de caninos é muito comum a diabetes do metaestro – devido a níveis


elevados de progesterona, o diabetes se desenvolve. A progesterona é considerada
diabetogênica, uma vez que estimula a secreção do hormônio do crescimento, que tem ação
antagônica à insulina, causando hiperglicemia. Neste caso, pode haver um desgaste das células
β com desenvolvimento de diabetes, caso o animal não seja ovário-histerectomizado a tempo. O
diabetes, portanto, ocorre com maior freqüência em cadelas do que em cães. A prevalência
sexual em felinos, porém difere, já que felinos machos são mais freqüentemente acometidos.
Isto foi associado a uma maior predisposição destes animais à obesidade e mesmo à utilização
de progesterona exógena para amenizar efeitos comportamentais em gatos.

Atualmente, a utilização cada vez mais negligente de glicocorticóides tem sido


considerada no aumento da incidência da patologia. Doenças relacionadas ao aumento nos 86
níveis séricos de cortisol endógeno, como hiperadrenocorticismo, também podem causar
diabetes. Além da corticoterapia, outras terapias podem levar ao desenvolvimento da diabetes,
como por exemplo, hormônios (corticóides, ACTH, hormônio do crescimento, estrógenos,
progesterona), difenil-hidantoína, diuréticos tiazídicos.

14.3 Patogênese

O resultado da ausência ou inatividade da insulina é a maior utilização de reservas de


gorduras, proteínas e corpos cetônicos, em detrimento à glicose, que está presente, porém
indisponível. Rotas neoglicogênicas são estimuladas (lipólise e proteólise), culminando com o
empobrecimento das reservas de energia. Além disso, os metabólitos acumulados da β oxidação
de lipídeos levam à cetonemia e acidose – cetoacidose diabética.

A hiperglicemia de jejum observada (entre 300 e 1000 mg/dl) faz com que seja
ultrapassado o limiar de reabsorção renal (em torno de 220 mg/dl), caracterizando a glicosúria. A
perda de glicose na urina traz consigo um efeito de diurese osmótica, acarretando a polidipsia
compensatória. Além disso, a perda calórica na urina leva ao emagrecimento. A polifagia é um
efeito hipotalâmico da falta de glicose no centro da saciedade.

A elevação crônica da glicose sangüínea provoca duas graves conseqüências.


Inicialmente, ocorre um espessamento progressivo das membranas basais capilares em todo o
organismo. A importância clínica disto diz respeito ao glomérulo renal. A glomerulopatia
membranosa geralmente é o fator mortal nos cães que sobreviveram por longos períodos de
terapia com insulina.

A segunda conseqüência da hiperglicemia é a formação de catarata. A catarata


aparece inicialmente como vacúolos e evolui para a opacificação do núcleo do cristalino. As
alterações iniciais são o edema celular agudo das células fibrosas do cristalino. As fibras
edemaciadas rompem-se e a liquefação das fibras aparece grosseiramente como vacúolos. A 87
alteração osmótica das células fibrosas do cristalino se deve ao acumulo de carboidratos.

Outras complicações relacionadas à hiperglicemia podem ser citadas, como a


prevalência de infecções bacterianas (principalmente no trato urinário) devido à reduzida
aderência neutrofílica, neuropatias devido à diminuição na velocidade e função nervosa,
complicações microvasculares que resultam do espessamento das membranas basais os
capilares nos tecidos afetados e são responsáveis pela cegueira, doença renal e gangrena digital
em pessoas e animais diabéticos, além de doença vascular periférica que leva à amputação nos
humanos. Este efeito é menos comum nos animais, provavelmente devido à longevidade dos
humanos.

14.4 Sinais clínicos

- Perda de peso devido às alterações no metabolismo de carboidratos associada à


utilização de lipídios e proteínas como fonte de energia (gliconeogênese);

- Maior propensão a desenvolver infecções devido a prejuízo nos mecanismos de


defesa do hospedeiro;

- Cetoacidose devido ao acúmulo de corpos cetônicos oriundos da lipólise;


- Anormalidades neurológicas devido à cetoacidose: depressão, edema cerebral,
agitação, letargia e estupor. Fraqueza posterior e postura plantígrada são comuns em gatos;

- Catarata devido a acúmulo de frutose e sorbitol no humor aquoso (figura 12), sendo
mais comum em cães e rara em felinos;

88

Fig. 12: Catarata bilateral em um canino.

Fonte: NELSON & COUTO, 1994

- Neuropatia diabética, comumente encontrada em felinos, que ocorre devido a danos


metabólicos aos nervos. O animal assume uma postura plantígrada (figura 13);
Fig. 13: Esquema demonstrando postura correta (esquerda) e
89
plantígrada (direita) em felinos. Fonte: NELSON & COUTO, 1994

- Poliúria por diurese osmótica causada pela glicosúria, com polidipsia compensatória,
como mostra a figura 14, relativa a um poodle diabético;

Fig. 14: Animal diabético ingerindo água.

Fonte: Angela Patricia Medeiros Veiga, 2008


- Polifagia devido à impossibilidade de utilização de glicose como fonte de energia.
Ainda assim, os animais apresentam emagrecimento pelo consumo de gordura corporal (figura
15);

90

Fig. 15: Cão caquético.

Fonte: Angela Patricia Medeiros Veiga, 2008

A oxidação incompleta de gorduras, que ocorre quando há deficiência de insulina, leva


ao acúmulo de ácidos orgânicos (corpos cetônicos) que também se dissociam em íons H+. O
aumento excessivo destes íons na circulação sangüínea, leva à acidose metabólica.
Compensatoriamente há consumo de íons HCO3- para junto com os íons H+ formar H2CO3
que, nos pulmões se dissociará em H2O e CO2 que, por sua vez, será expirado. Vômitos e
taquipnéia ocorrem para eliminação do excesso de íons H+ e CO2 respectivamente.

A maior eliminação de CO2 pelos pulmões leva a menor formação de H2CO3 e


conseqüentemente, menor dissociação deste em íons H+ e HCO3-, levando a alcalose
respiratória, tentando compensar, desta forma, a acidose metabólica e reequilibrar o equilíbrio
ácido-básico do organismo.
- Desidratação devido à poliúria;

- Em alguns casos pode haver icterícia (amarelamento das mucosas) devido à lipidose
hepática (figura 16).

91

Fig. 16: Icterícia (setas). Fonte: Angela Patricia Medeiros Veiga, 2008

14.4.1 Complicações do diabetes

Com base nos sinais clínicos e achados laboratoriais, existem três categorias de
complicações da diabetes mellitus: diabetes não complicado (não cetósico), diabetes
cetoacidótico (cetósico) e síndrome hiperosmolar não cetósica. Aproximadamente 25% a 50%
dos cães e gatos diabéticos levados ao veterinário apresentam-se em estado não cetótico. No
animal diabético não cetósico não há achados físicos clássicos. Os animais podem ser obesos
ou não e, se permanecerem não tratados, poderão ser magros, caso haja insuficiência
pancreática exócrina concomitante. Os animais geralmente não têm febre e estão alerta. Vale
ressaltar que os sinais clínicos de poliúria, polidipsia e emagrecimento não se desenvolvem até
que ocorra glicosúria e a resultante diurese osmótica.

92

14.5 Achados laboratoriais

A avaliação laboratorial mínima em qualquer diabético deve incluir uma urinálise com
cultura bacteriana, lípase sérica, glicemia em jejum, hemograma completo, provas de função
renal (uréia e creatinina), proteína sérica total, albumina sérica, alanina amino-transferase sérica
(ALT) e fosfatase alcalina sérica. Os animais que apresentam vômitos, diarréia, anorexia e
desidratação devem ser avaliados quanto à pancreatite, bem como em relação ao balanço
eletrolítico e ácido-básico.

As principais alterações laboratoriais observadas em animais diabéticos são descritas


a seguir.

14.5.1 Hemograma

Pode haver uma discreta policitemia relativa se o animal estiver desidratado. A


presença de um processo infeccioso ou inflamatório concomitante pode ser a causa de uma
possível leucocitose, com ou sem a presença de neutrófilos tóxicos ou degenerativos, ou um
desvio à esquerda significativo.

A figura 17 mostra esfregaços sangüíneos, onde se observam desvios à esquerda.

93

Fig. 17: Esfregaço sangüíneo mostrando neutrófilo tóxico (seta preta), neutrófilo não segmentado
(seta vermelha) e mielócitos (setas azuis). Fonte: MEYER & HARVEY, 1998

14.5.2 Bioquímica sérica

As atividades séricas de alanina amino-transferase (ALT) e fosfatase alcalina


geralmente estão aumentadas. Estas alterações bioquímicas são decorrentes da lipidose
hepática. A avaliação histológica de fragmento de biópsia hepática auxilia na identificação da
hepatopatia.

A lipemia evidente ocorre devido ao aumento na concentração plasmática de


triglicérides, colesterol, lipoproteínas, quilomícrons e ácidos graxos livres. A ascensão desses
deve-se principalmente à queda no movimento dos triglicerídeos plasmáticos para os depósitos
de gordura.

A figura 18 exemplifica uma amostra de soro lipêmico.

94

Fig. 18: Lipemia. Fonte: KANEKO, 1997

Os níveis elevados de colesterol podem indicar a cronicidade e a gravidade da


enfermidade, com valores de 300mg/dL em casos recentes até 900mg/dL em casos avançados.
É observado junto ao aumento na concentração do colesterol total o aumento dos ácidos graxos
livres e triglicerídeos. O colesterol apresenta suas concentrações plasmáticas elevadas no
diabético tratado, porque a insulinoterapia reduz a concentração plasmática de triglicérides,
metabolizando as lipoproteínas de baixa densidade, ricas em triglicérides e quilomícrons, e o
colesterol é um subproduto do metabolismo dos quilomícrons.

As concentrações de uréia e creatinina estão aumentadas se houver insuficiência renal


primária ou uremia pré-renal secundária e desidratação, fatores diferenciados por meio da
avaliação da densidade específica da urina.

O pâncreas endócrino sempre está envolvido no diabetes mellitus. Se não for afetado
primariamente, quando as células β são destruídas, o pâncreas é afetado secundariamente
pelos altos níveis de glicose sangüínea, apresentando hiperplasia das células β, com exaustão
nos estágios posteriores. Pode haver ainda uma pancreatite concomitante à obstrução dos
ductos biliares. Por outro lado, a presença de hiperlipasemia e hiperamilasemia pode ou não se
correlacionar com um quadro de pancreatite, porque também estão presentes em situações
como a inflamação crônica e insuficiência pancreática.

O diabetes também provoca um aumento de fructosamina e hemoglobina glicosilada


plasmáticas. A fructosamina é uma proteína sangüínea que pode ser usada como teste 95
adjuvante para diagnosticar o diabetes mellitus e monitorar o controle glicêmico a longo prazo
em diabéticos. Este parâmetro não é afetado por alterações transitórias da glicose sangüínea e
reflete as concentrações médias de glicose nas últimas 2 a 3 semanas (sua avaliação se torna
muito importante principalmente nos gatos, que podem ter sua concentração sérica de glicose
falsamente elevada devido ao stress durante coleta da amostra).

É importante lembrar que alterações na concentração e / ou composição sérica de


proteínas pode afetar a concentração sérica de fructosamina. Aconselha-se que seja feita a
dosagem de albumina sérica caso haja suspeita de desnutrição ou qualquer outra alteração que
possa provocar a sua diminuição. A hemoglobina glicosilada é uma dosagem que reflete a
glicemia dos últimos 60 – 90 dias e assim como a fructosamina, não sofre interferência por
alterações transitórias na glicose sangüínea, podendo ser utilizada da mesma forma, porém com
menos confiabilidade já que o intervalo de tempo é maior.

Uma diminuição nas concentrações de sódio, potássio e cloretos também pode ser
observada, em decorrência da perda urinária e gástrica. Devido à acidose, uma hipercalemia
(aumento sérico de potássio) pode se desenvolver, devido à troca intracelular de íons H+ por K.

14.5.3 Urinálise
Anormalidades como glicosúria, cetonúria, proteinúria, bacteriúria com ou sem piúria e
hematúria estão associadas ao diabetes mellitus. A poliúria característica do diabetes provoca
constante descamação no trato urinário inferior, tornando os animais suscetíveis a infecções
secundárias, além de a glicose cronicamente presente no trato urinário servir de meio de cultura
para o crescimento bacteriano.

Deve-se salientar que a glicosúria não ocorre exclusivamente no diabetes, mas


também na glicosúria renal primária, com a qual deverá ser realizado o diagnóstico diferencial. A 96
glicosúria renal primária, observada freqüentemente nas raças Elkhound e Basenji, consiste em
um defeito tubular renal que afeta a reabsorção de glicose, resultando em persistente glicosúria
com euglicemia, ou mesmo hipoglicemia. Esta síndrome pode ser erroneamente tomada por
diabetes mellitus, se apenas a urinálise for avaliada. A glicosúria secundária a outros defeitos
tubulares também pode gerar confusão no diagnóstico, portanto deve-se associar sempre
achados urinários com a dosagem sérica de glicose.

A figura 19 mostra, à esquerda, a análise química da urina e, à direita, um sedimento


urinário onde se verifica a presença de bacteriúria.

Fig. 19: Urina sendo analisada quimicamente (seta branca) e bacterúria (seta
vermelha). Fonte: GRAFF, 1987
97

14.5.4 Radiologia

O tórax e o abdômen podem ser examinados radiograficamente. A hepatomegalia


pode ser demonstrada pelo conseqüente deslocamento das vísceras abdominais e do diafragma
(figura 20). As setas indicam o limite ventral do fígado aumentado de volume em um felino
acometido por diabetes.
98

Fig. 20: Radiografia abdominal mostrando hepatomegalia (setas)

Fonte: NELSON & COUTO, 1994

14.6 Estabelecimento do diagnóstico

A suspeita diagnóstica de diabetes mellitus ocorrerá quando houver história de


polidipsia, poliúria, polifagia com emagrecimento ou o súbito desenvolvimento de cegueira
devido à formação de catarata (em cães).

Os aspectos fundamentais da diabetes mellitus são a hiperglicemia de jejum


persistente e a glicosúria. Como hiperglicemia persistente entende-se hiperglicemia em
medições múltiplas de glicose plasmática. Uma só medição da glicose reflete o estado glicêmico
de um momento por vez, sendo afetada por estresse, variações diurnas e medicações. A
presença concomitante de cetonúria estabelece a cetoacidose diabética.

A hiperglicemia diferencia diabetes mellitus de glicosúria renal primária, enquanto a


glicosúria diferencia diabetes mellitus de outras causas de hiperglicemia, como estresse,
hiperadrenocorticismo, terapia com glicocorticóides, progestágenos, acetato de megestrol e
diuréticos tiazínicos. A hiperglicemia pós-prandial em animais alimentados com rações
peletizadas ou enlatadas (pobres em carboidratos e ricas em proteínas, respectivamente) pode
indicar danos na secreção ou na atividade da insulina. Já a hiperglicemia pós-prandial em
animais que receberam alimentos semi-úmidos, que são ricos em açúcar, pode ser considerada
normal.

Uma leve hiperglicemia, abaixo do limiar renal, pode ser induzida pela tensão, ou estar
associada à excessiva secreção endógena ou administração exógena dos hormônios
diabetogênicos, mais comumente os glicocorticóides e os progestágenos. Uma vez que o valor
da glicemia normal em jejum, dos cães, é de 70 a 110 mg/dl, valores superiores a 200 mg/dl 99
podem ser considerados como diagnóstico positivo, caso não haja fatores complicadores, como
hiperglicemia devido ao estresse, drogas e hiperglicemia pós-prandial. Medidas da concentração
basal de insulina são utilizadas para identificar os casos menos comuns de diabetes mellitus não
dependente de insulina ou a intolerância ao carboidrato induzida por antagonismo à insulina.

As alterações na curva glicêmica possibilitam a diferenciação entre os tipos de


diabetes mellitus, como mostram as figuras abaixo. A figura 21 consiste na mensuração de
glicose sérica após administração venosa de glicose, enquanto que a figura 22 consiste na
mensuração de glicose sérica após administração venosa de insulina. Podemos observar que no
animal sadio, como já discutido anteriormente, a partir do momento em que a glicose foi
administrada, com a conseqüente secreção de insulina, a glicose é adequadamente
metabolizada, provocando uma queda gradual, porém rápida nas curvas.

No diabetes tipo 1 (D.M I), a glicose praticamente não é metabolizada (figura 21) e a
curva decai muito vagarosamente, sendo que no final da curva os níveis glicêmicos ainda estão
elevados, mas quando a insulina é administrada, a curva toma a forma da curva de animais
sadios (figura 22), mostrando que o metabolismo da glicose é dependente de insulina.
100

Fig. 21: Curvas glicêmicas de animais sadios e diabéticos, após administração de


glicose. Fonte: KANEKO, 1997.

Fig. 22: Curvas glicêmicas de animais sadios, diabéticos e submetidos a altas


dosagens de insulina, após administração de insulina. Fonte: KANEKO, 1997.
No diabetes tipo II (D.M. II), assim como na resistência à insulina, os níveis glicêmicos
decaem um pouco mais rápido que no D.M. I, pois neste caso há secreção endógena de
insulina, a qual não age corretamente, e ainda assim a hiperglicemia se mantém no final da
curva. Além disso, quando a insulina exógena é administrada tais níveis continuam altos,
mostrando que existe uma refratariedade à ação da insulina.

No D.M III (figura 21), devido à menor liberação de insulina do que em animais sadios,
a curva decai intermediariamente. 101

O efeito Somogyi (figura 22) corresponde a períodos de hiperglicemia compensatória à


hipoglicemia, o que pode acontecer quando se ministram altas doses de insulina, ou seja, há
uma queda brusca na glicemia correspondente à hiperinsulinemia, com posterior pico glicêmico,
estimulado por mecanismos orgânicos para a manutenção da homeostase.
15 OBESIDADE

15.1 Definição

102
A obesidade é definida como um acúmulo de gordura em excesso ao que seria
necessário para a otimização das funções corporais, sendo prejudicial para a saúde e o bem-
estar do ser vivo. Considera-se que, para animais de estimação, um aumento maior do que 20%
além do peso ideal corresponda à obesidade.

15.2 Etiologia

O ganho de peso ocorre quando a energia adquirida através da ingestão excede a


energia gasta pelo organismo, o que pode ser resultado da ingestão exacerbada, atividade física
reduzida, taxa metabólica diminuída ou utilização mais eficiente de nutrientes. As causas da
obesidade já foram bem documentadas, podendo ser de origem endócrina, farmacológica,
genética, dietética e ambiental, mas pouco se conhece a respeito dos mecanismos metabólicos
e celulares que determinam as alterações por ela causadas.

Entre os fatores causais relacionados à dieta podemos citar, além do desbalanço entre
ingestão e gasto calórico, o número de refeições diárias e o preço da dieta (rações mais baratas
estão relacionadas à maior predisposição à obesidade). Um achado interessante foi o de que o
tipo de dieta (caseira X comercial) não interfere na predisposição à obesidade.

Fatores comportamentais, como o ato de o animal pedir petiscos à mesa, a presença


do animal durante a preparação de refeições, ansiedade, depressão e a incompreensão das
expressões felinas por parte dos proprietários também favorecem o ganho de peso.
Características do proprietário também influenciam, podendo-se mencionar o fato de o dono
assistir a ingestão do animal, a obesidade e a baixa renda do proprietário.

Esta condição na espécie humana vem mostrando um crescimento acelerado e


preocupante. Da mesma forma o faz a obesidade em animais de companhia, em conseqüência
da sobrecarga do fornecimento de carboidratos e gorduras, castração, sedentarismo e
resistência à insulina, o que aumenta a susceptibilidade a várias enfermidades. Trata-se da 103
desordem nutricional mais comum em cães de nações desenvolvidas.

Existem raças caninas mais predispostas à obesidade, como, por exemplo, Labrador
Retriever. Em gatos, a alteração ocorre com maior freqüência em animais mestiços do que
puros. A explicação para esta afirmação reside no fato de determinadas raças apresentarem
uma taxa metabólica mais alta do que outras. Por exemplo, o Labrador Retriever é uma raça de
natação, que se originou para auxiliar na pesca em águas geladas. Assim, na sua origem, a raça
necessitava de um baixo índice metabólico para que as calorias fossem mantidas. Se o animal
for mantido em um ambiente pequeno, sem se exercitar, a quantidade de alimento fornecida
deve ser menor, e mesmo assim provavelmente ganhe peso.

A figura 23 mostra um cão e um gato obesos.

Fig. 23. Animais obesos. Fonte: Angela Patricia Medeiros Veiga, 2008
15.3 Patogênese

Em condições normais, os animais controlam a quantidade de alimento ingerido, mas


em conseqüência da alta palatabilidade e do desbalanço dos alimentos comerciais, a grande
maioria dos animais ingere uma maior quantidade de alimento em relação ao que seria 104
necessário para as condições de manutenção.

Pesquisas mostram que 25% dos gatos e 40% dos cães apresentam sobrepeso (10-
20% do peso ideal), percentual que pode chegar a 75% com o avanço da idade. Outros estudos
detectaram uma taxa de obesidade em gatos de 23,1% e em cães de 25,2%. Estudos recentes
demonstraram uma taxa de 50% de obesidade em cães no Reino Unido. Esta freqüência
demonstra a dificuldade de reconhecimento da condição e, em especial, sobre as formas de
avaliá-la.

A principal preocupação quando se menciona obesidade é o diabetes mellitus,


enfermidade cuja incidência vem aumentando muito na clínica de pequenos animais nas últimas
décadas. Trata-se da doença endócrina de maior incidência na clínica de pequenos animais,
alcançando um percentual de 25%.

Em gatos, a obesidade é o principal fator na etiologia da resistência à insulina. Ainda


não foi comprovado que a obesidade em cães possa progredir o diabetes mellitus, embora esteja
claro que ela determine profundas mudanças na disponibilidade de glicose e secreção de
insulina.

A obesidade também provoca hipertensão, tornando os animais suscetíveis a uma


alteração ainda pouco referida em pequenos animais, a síndrome metabólica. A obesidade leva
à hipertensão em cães por ativação simpática crônica, que é estimulada pelo consumo de
carboidratos e gorduras. Além disso, a leptina, um hormônio liberado pelas células adiposas em
resposta ao ganho de peso, também causa estimulação simpática, colaborando para o aumento
de pressão em cães. Como os estudos demonstram que a hipertensão canina, diferente da
humana, não está diretamente relacionada à resistência à insulina, existem lacunas acerca da
síndrome metabólica nesta espécie.
Cães e gatos, além de divergentes física e morfologicamente, também o são em
termos metabólicos, requerendo níveis diferenciados de proteínas, gorduras e carboidratos
alimentares. Um manejo errado entre estes nutrientes pode causar sérios distúrbios metabólicos,
dentre os quais o diabetes mellitus ocorre freqüentemente.

No desenvolvimento da obesidade juvenil, não só o tamanho dos adipócitos está


alterado, mas também seu número, o qual permanece por toda a vida. Na obesidade adquirida
do adulto, por outro lado, este efeito não se verifica, aumentando apenas o tamanho das células, 105
o que torna o controle mais fácil. Porém, há pouco tempo se descobriu que os adipócitos não
têm apenas o papel de armazenar triglicerídeos. Apresentam uma função endócrina,
participando de rotas metabólicas que resultam no estado obeso, função esta relacionada às
várias moléculas secretadas por eles, dentre as quais se destaca o TNF-α - fator de necrose
tumoral.

O animal obeso necessitará de maior aporte de insulina para se manter, o que, a


médio e longo prazo, leva à exaustão das células β-pancreáticas. Assim, parece plausível que o
reconhecimento precoce da doença possa ajudar a impedir tal exaustão pancreática, já que a
resistência à insulina foi demonstrada em animais diabéticos, comparados aos normais, à
semelhança do que ocorre em humanos. Mais importante foi o achado de que gatos magros com
resistência à insulina apresentam maiores riscos de desenvolver intolerância à glicose ao ganhar
peso.

O teste de tolerância à glicose, utilizado para avaliar o grau de resistência à insulina,


em animais obesos, gera uma área sob a curva glicêmica maior do que em animais magros,
indicando uma alteração no metabolismo da glicose. Ao mesmo tempo, o animal obeso
apresenta níveis de insulina mais elevados do que os magros, pela persistente estimulação
pancreática, o que a longo prazo pode levar a um desgaste pancreático e ao desenvolvimento da
diabetes mellitus (figuras 24 e 25).
106

Fig. 24: Curvas glicêmicas (acima) e de insulina (abaixo) de caninos


obesos (linha rosa) e controles (linha azul).

Fonte: Angela Patricia Medeiros Veiga, 2008


107

Fig. 25: Curvas glicêmicas (acima) e de insulina (abaixo) de felinos


obesos (linha rosa) e controles (linha azul).

Fonte: Angela Patricia Medeiros Veiga, 2008

15.4 Alterações patológicas

As Alterações patológicas associadas à obesidade em animais de companhia são


listadas no quadro 2.
Anormalidades metabólicas

Hiperlipidemia/dislipidemia

Resistência à insulina

Intolerância à glicose

Síndrome metabólica 108


Lipidose hepática (felinos)

Endocrinopatias

Hiperadrenocorticismo

Hopotireoidismo

Diabetes mellitus

Insulinoma

Hipopituitarismo

Lesões hipotalâmicas

Desordens ortopédicas

Osteoartrite

Fraturas umero-condilares

Ruptura de ligamento cruzado

Doença de disco intervertebral

Doenças cardio-respiratórias

Colapso traqueal
Síndrome da obstrução aérea braquicefálica

Paralisia de laringe

Sistema urogenital

Incompetência no mecanismo do esfincter uretral 109


Urolitíase (oxalato de cálcio)

Carcinoma de células de transição

Distocia

Neoplasias

Mamárias

Carcinoma de células de transição

Alterações funcionais

Desordens articulares

Comprometimento respiratório (ex. dispnéia)

Hipertensão

Distocia

Intolerância ao exercício

Intolerância ao calor / stress térmico

Prejuízo nas funções imunes

Risco anestésico aumentado


Expectativa de vida reduzida

Quadro 2: Alterações patológicas causadas pela


obesidade em cães e gatos. Fonte: GERMAN, 2006.

15.5 Diagnóstico e achados laboratoriais


110

A obesidade é diagnosticada no exame clínico, onde o escore de condição corporal


mencionado em capítulos anteriores for correspondente a 7 ou 9. Outros índices, como o
mencionado IMC são de grande auxílio no diagnóstico. Quando for observado que o peso do
animal está pelo menos 20% maior do que o ideal para a raça, uma avaliação mais minuciosa
deve ser realizada. Uma listagem com o peso ideal da maioria das raças caninas pode ser
observada abaixo.

Raça Machos (kg); Fêmeas (kg)

Afghan Hound 27-32; 23-30

Airedale Terrier 20-23; 20-23

Basset Hound 18-27; 16-23

Beagle 13-16; 11-13

Bichon Frisè 8-9; 7-8

Bloodhound 41-50; 36-45

Borzoi 32-39; 23-32

Border Collie 19-24; 18-32

Boxer 30-32; 25-27

Bulldog Francês 12-13; 10-11


Bulldog Inglês 25; 22-23

Bullmastif 50-59; 41-50

Bull Terrier 18-23; 18-23

Chow-Chow 23-32; 18-32

Cocker Spaniel Inglês 12,7-14,5; 12,7-14,5

Cocker Spaniel Americano 11-13; 11-13 111


Chiuhauha 2-3; 2-3

Dachschund (pêlo longo ou liso) 9-12; 9-12

Dachschund miniatura 4,5; 4,5

Collie (pêlo longo ou liso) 20-30; 18-25

Dálmata 27; 25

Dogue Alemão mín. 54; mín.46

Doberman 34-41; 29,5-36

Fila Brasileiro mín. 55; mín. 50

Fox Paulistinha 5-8; 5-8

Fox Terrier (pêlo liso ou duro) 7-8; 7-8

Golden Retriever 32-36; 27-31

Husky Siberiano 20-27; 16-23

Irish Wolfhound 54,5; 40,9

Greyhound 30-32; 27-30

Kerry Blue Terrier 15-17; 16

Keeshond 16-23; 16-20,5

Labrador 27; 25

Lhasa Apso 7; 6-7

Lulu da Pomerânia 1,8-2; 2-2,5

Maltês 2-4; 2-4


Mastiff 57-89; 57-89

Malamute do Alaska 38-56; 38-56

Old English Sheepdog 27-41; 23-27

Pastor Alemão 34-38,5; 27-32

Pastor Belga (Groenendael) 24-25; 22-24

Pequinês 5; 5,5 112


Pinsher Miniatura 3-4; 3-4

Pointer 23-25; 23-25

Poodle Standard 9-13,5; 9-13,5

Poodle Miniatura 5,5-7; 5,5-7

Poodle Toy 3,5-5,5; 3,5-5,5

Pug 6-8; 6-8

Rodesian Ridgeback 34-38,5; 29,5-34

Rottweiler 45,5-54,5; 36-41

Saluki 20-27; 16-23

Samoieda 20,5-25; 16-20,5

São Bernardo 73-78; 63,5-73,5

Schnauzer Gigante 41-50; 41-50

Schnauzer Standard 16-20,5; 16-20,5

Schanauzer Miniatura 7-8; 7-8

Scottish Terrier 8,5-10,5; 8,5-10,5

Shetland Sheepdog 8-10; 8-10

Shi Tzu 4,5-8,1; 4,5-8,1

Springer Spaniel Inglês 23; 23

Setter (Gordon) 29,5; 25,5

Setter Inglês 20,5-30; 23-27,5


Setter Irlandês 27-30; 25-27

Skye Terrier 11,3; 10,5

Staffordshire Terrier 13-17; 11-15,5

Terra Nova 64-69; 50-54

Tibetan Terrier 11-13,5; 11-13,5

Vizsla 20-30; 20-30 113


Weimaraner 25-30; 20-25

West Highland White Terrier 8-9; 7-8

Whippet 10-13; 8-11

Yorkshire Terrier 3; 3

Fonte: ROYAL CANIN, 2008

As alterações laboratoriais relacionadas à obesidade caracterizam-se como neutrofilia


e leucocitose devido à estimulação por citocinas pró-inflamatórias, como interleucinas e fator de
necrose tumoral secretadas pelo tecido adiposo. Tais citocinas também se mostram elevadas no
soro, porém a sua dosagem é somente utilizada experimentalmente. O animal obeso (barras
vermelhas) apresenta níveis mais elevados de fructosamina, triglicerídeos e colesterol, como
demonstra a figura 26.

Mean TG, Cholesterol, Fructosamin Dogs

300

250

200
Control
150
Obese
100

50

0
TG(umol/L) Cholest. (g/dL) Fructosamin (umol/L)

Fig. 26: Níveis séricos de triglicerídeos, colesterol e fructosamina em cães obesos e controles.
Fonte: Angela Patricia Medeiros Veiga, 2008
16 SÍNDROME METABÓLICA

Em humanos, a síndrome metabólica foi inicialmente chamada de “síndrome da


resistência à insulina”. De fato, define-se como um grupo de fatores de risco associados tanto
com resistência à insulina quanto com doença cardiovascular.

As principais características da síndrome metabólica são: 114

- Glicemia de jejum > 110 mg/dL;

- Obesidade visceral (circunferência abdominal > 90cm em mulheres e > 102 cm em


homens;

- Pressão arterial > 130/85 mm Hg;

- Baixa concentração de colesterol HDL (< 40 mg/dL em homens, 50 mg/dL em


mulheres.

Características adicionais podem incluir inflamação sistêmica, estado pró-trombótico e


stress oxidativo aumentado. Além disso, em aproximadamente 20% dos casos de síndrome
metabólica há disfunção beta-pancreática concorrente, o que leva ao diabetes mellitus. Alguns
destes critérios foram aplicados a cães, sendo esta espécie utilizada como modelo experimental
para a síndrome metabólica humana, mas esta síndrome não é caracterizada na prática clínica
canina.
17 MANEJO CLÍNICO DA HIPERTENSÃO E DIABETES MELLITUS EM CÃES E GATOS

17.1 Manejo Clínico da Hipertensão

17.1.1 Terapia crônica da hipertensão


115

Uma vez que o surgimento da hipertensão está na dependência de alterações no


débito cardíaco e na resistência vascular periférica, o tratamento da hipertensão se baseia na
regulação destes dois índices. Uma dieta moderadamente restrita em sódio é uma
recomendação importante para pacientes hipertensos, e pode auxiliar no controle da pressão
sangüínea, apesar de cães e gatos hipertensos não reagirem tão prontamente quanto humanos
ao baixo conteúdo de sódio dietético.
Diuréticos não são normalmente recomendados como terapia única da hipertensão,
sendo utilizados apenas em associação com outros fármacos. Alguns animais podem responder
à descontinuação de terapias que tendem a aumentar a pressão, como por exemplo,
fenilpropanolamina. Em animais recebendo fluidoterapia, a diminuição da quantidade de fluido
administrada pode permitir o manejo da hipertensão com maior facilidade com vasodilatadores,
mas neste caso a função renal deve ser monitorada corretamente.
As drogas anti-hipertensivas utilizadas em cães e gatos podem ser agrupadas de
acordo com o efeito que causam na redução da pressão sangüínea:
* Medicamentos que diminuem a freqüência cardíaca:
- Beta-bloqueadores
O número de batimentos cardíacos por minuto é determinado, em parte, pela ação de
neurotransmissores, tais como adrenalina, noradrenalina e outros, os quais atuam no coração,
ligando-se aos receptores beta-adrenérgicos. A interação do neurotransmissor com seu
respectivo receptor gera uma seqüência de eventos eletromecânicos, resultando em um
aumento da freqüência cardíaca. Os beta-bloqueadores são drogas que podem bloquear
fisicamente ou interferir no sítio de ligação do receptor beta com neurotransmissores. Exemplos:
Propanolol (Inderal®), Atenolol (Tenormin®).
- Bloqueadores de canais de cálcio
A freqüência e força de contração do músculo cardíaco são determinadas de diferentes
formas por eventos eletromecânicos, a saber, movimentos de partículas carregadas
eletricamente (íons), como o Ca+2, Na+ e o K+ através de membranas das células nervosas e
musculares. Tais movimentos organizados de cargas através de canais de membrana estimulam
o início do impulso nervoso, que causa a liberação do neurotransmissor em junções
116
neuromusculares, estimulando a atividade neuromecânica do músculo cardíaco de uma forma
semelhante ao descrito acima.
Entre os efeitos do potencial elétrico membrana-músculo inclui-se um disparo mais
rápido em locais de marca-passo fisiológico (nodos sino-atrial e atrioventricular), produzindo um
aumento na freqüência cardíaca e uma concomitante entrada de íons cálcio, bem como
movimento e liberação deste íon de compartimentos de estoque dentro da célula muscular. Este
estoque intracelular de cálcio é necessário para a atividade contrátil de proteínas especializadas
(actina e miosina). A disponibilidade de tais proteínas no músculo resulta em uma contração
muscular cardíaca mais forte. Os bloqueadores de canais de cálcio tornam o movimento destes
íons através dos canais de membrana, mais lento. Desta forma, drogas que bloqueiam o
movimento de cálcio para o interior da célula reduzem tanto a freqüência cardíaca quanto a força
de contração, diminuindo o débito cardíaco. Exemplos: Diltiazem (Cardizem®), Captopril
(Capoten®)

- Inibidores da enzima conversora de angiotensina (ECA)


A ECA é responsável pela conversão de moléculas precursoras em uma substância
chamada angiotensina II. Esta última proteína possui muitos efeitos biológicos, dentre os quais
se cita o estímulo à liberação de neurotransmissores que ativam o coração. Desta forma, quando
a atividade da ECA é inibida, o resultado é uma redução na estimulação cardíaca, o que faz com
que o débito cardíaco seja reduzido. Exemplos: Enalapril, (Enacard®, Vasotec®), Linisopril,
Benazepril (Lotensin®)

* Medicamentos que diminuem o volume sangüíneo, reduzindo o volume de retorno e a


resistência periférica:
- Inibidores da ECA
Outra função da angiotensina II é estimular a liberação adrenal de aldosterona, cuja
função está relacionada à retenção renal de sódio e água, aumentando o volume sangüíneo. Se
a ECA está inibida, menos volume é mantido na circulação, o que diminui a resistência periférica.

- Diuréticos
Estas drogas especificamente redirecionam o fluxo líquido do corpo, geralmente
117
através do aumento da eliminação renal de líquidos.

* Medicamentos que reduzem a resistência periférica através do aumento do diâmetro


vascular (vasodilatadores):

- Bloqueadores de canais de cálcio vaso-específicos


Há bloqueadores de canais de cálcio que atuam na musculatura lisa vascular, ao invés
do músculo cardíaco, de uma forma similar ao descrito acima. Estas drogas bloqueiam o
movimento de cálcio através das membranas associadas aos músculos que cercam os vasos,
com mínima atividade no influxo cardíaco de Ca+2, promovendo uma vasodilatação. Um
pequeno aumento no diâmetro do vaso produz um efeito profundo na diminuição da resistência
vascular periférica. Exemplo: Amlodipina (Norvasc®).

- Agentes não vaso-específicos


Inibidores da ECA, os quais também atuam reduzindo a disponibilidade de
neurotransmissores estimuladores da musculatura lisa vascular, causando relaxamento da
parede vascular.

Terapia crônica da hipertensão felina

A amlodipina, uma di-hidropiridina antagonista de cálcio de longa ação, é a droga anti-


hipertensiva de eleição atualmente na clínica de felinos. Beta-bloqueadores, como atenolol ou
propranolol podem ser úteis como terapia adjunta, especialmente em felinos acometidos por
hipertireoidismo, mas tais bloqueadores são menos efetivos quando administrados isoladamente
para o manejo da hipertensão. Inibidores da ECA, como enalapril ou benazepril apresentam
comprovada variabilidade na sua eficácia no controle da hipertensão em gatos, porém podem ter
outros efeitos benéficos nestes pacientes, como antagonismo à aldosterona, por exemplo.
Outros agentes de uso oral, como a hidralazina, podem ser úteis em algumas situações, apesar
de não terem sidos submetidos a extensos estudos clínicos.

118

Terapia crônica da hipertensão canina

Inibidores da ECA são bastante úteis como terapia da hipertensão relacionada à perda
urinária de proteínas em cães, diminuindo tanto a pressão sangüínea quanto a perda protéica
urinária. Os efeitos anti-hipertensivos destas drogas em cães com hipertensão secundária a
outras patologias parecem ser variáveis, mas os inibidores da ECA são geralmente bem
tolerados, podendo ser usados como primeira tentativa terapêutica em hipertensos não-
emergenciais. Se a resposta da mencionada droga usada isoladamente for inadequada, outras
drogas podem ser adicionadas ou substituídas.
A amlodipina é comumente utilizada no controle da hipertensão, porém doses mais
altas do que o recomendado para a espécie felina podem ser necessárias para a obtenção de
efeitos clínicos. Uma vez que efeitos adversos podem se manifestar em altas doses da droga,
recomenda-se cuidado ao aumentar a dose para o controle da pressão em cães. Quando as
doses recomendadas de amlodipina não forem suficientes para o controle da pressão
sangüínea, indica-se a adição de um inibidor da ECA ou beta-bloqueador.
O quadro 1 relaciona os medicamentos mais utilizados para o tratamento da
hipertensão nas espécies canina (C) e felina (F), com suas respectivas dosagens.

Droga Dose Comentário


Acepromazina C/F: 0.03-0.1 mg/kg IV Iniciar com baixa dosagem e aumentar até
obtenção do efeito.
Cuidado extremo em pacientes geriátricos
e Boxers.
Monitorar freqüência cardíaca e pressão
sangüínea.
Atenolol C: 0.25-1 mg/kg VO/12h Mais eficaz em conjunto com outro agente
F: 3 mg/kg VO/12h (ou anti-hipertensivo.
6.25-12.5 mg/gato VO Particularmente útil em casos de
/12h) hipertireoidismo e feocromocitoma.
Bradicardia em altas doses.
Propranolol C: 0.2-1 mg/kg VO/8h Aumentar dose até o efeito, especialmente
F: 0.4-1.2 mg/kg VO/ 8hr em associação com outros agentes anti-
hipertensivos.
Particularmente útil em casos de
hipertireoidismo e feocromocitoma. 119
Bradicardia em altas doses.
Nitroprussiato C/F: 1-5 µg/kg/min IV Usar somente com monitoração da
como infusão contínua pressão constante.
Aumentar dose até efeito.
Monitorar hipotensão.
Proteger da luz.
Hidralazina C: 0.5 mg/kg VO (dose Aumentar dose até efeito.
inicial), 0.5-2.0 mg/kg VO Monitorar hipotensão.
/12h
F: 2.5 mg/gato VO /12-24h
Amlodipina C: 0.5-1 mg/kg VO /24hr Risco de efeitos colaterais aumenta com
F: 0.625-1.25 mg/gato doses mais altas que o recomendado.
/24h
Enalapril C: 0.5 mg/kg VO /12-24h Monitorar função renal.
F: 0.25-0.5 mg/kg VO /12-
24h
Benazepril C/F: 0.25-0.5 mg/kg VO Monitorar função renal.
/24h
Quadro 1: Posologia e considerações quanto às principais drogas usadas no tratamento da
hipertensão em cães (C) e gatos (F). Fonte: STEPIEN, 2002.
18 MANEJO CLÍNICO DO DIABETES

A terapia inicial é diferente para cada tipo de apresentação do diabetes mellitus. O


principal objetivo terapêutico é reverter os efeitos catabólicos associados à deficiência ou ao
antagonismo de insulina, e restabelecer a homeostase normal do metabolismo de proteínas,
lipídeos e carboidratos. Para controlar a enfermidade são utilizadas aplicações diárias de insulina
120
no diabetes tipo I. Isto deve ser feito assim que o diabetes mellitus é diagnosticado.

A insulina comercial é classificada pela sua rapidez, duração e intensidade de ação


após administração. As insulinas comumente utilizadas no tratamento a longo prazo da diabetes
incluem isophane (N.P.H.) ou Lente®, insulina zincoprotamina (PZI) e Regular® (tabela 1).

Tabela 1: Propriedades de preparações de insulina suína e bovina utilizadas em cães e gatos.

Fonte: FARIA, 2007.

Tipo de Insulina Via de Início do Efeito Tempo de Efeito Duração do


Máximo Efeito
Administração
Cão
Gato
Cão
Gato

Crist. Regular IV Imediato ½-2 h


1-4 h

1-4 h
Semilente® IM 10-30 min 3-8 h
1-5 h
SC 10-30 min 4-10 h
NPH (isophane) SC ½-3 h 2-10 h 6-24 h

2-8 h 4-12 h

121

Lente ® SC Imediato 2-10 h 8-24 h

2-10 h 6-18 h

PZI SC 1-4 h 4-14 h 6-28 h

3-12 h 6-24 h

Ultralente ® SC 2-8 h 4-16 h 8-28 h

4-16 h 8-24 h

A figura 1 compara graficamente os 3 tipos de insulina quanto à sua atividade, em


horas.: Regular, NPH e Ultralente.
122

Fig. 1: Atividade das insulinas regular, NPH e Ultralente em


horas. Fonte: NELSON & COUTO, 1997.

18.1 Tratamento do diabetes mellitus não-complicado

Desde o momento em que é diagnosticado o diabetes mellitus tipo I, a insulina, em


aplicações diárias, é utilizada para o controle da enfermidade. Atualmente a insulina NPH é a
forma mais utilizada. A insulina Regular é utilizada inicialmente no tratamento de felinos
cetoacidóticos. Uma vez que o estado cetoacidótico tenha sido minimizado, modifica-se a terapia
para insulina de ação intermediária ou de longa-ação. Alguns clínicos preferem utilizar a insulina
PZI em gatos, geralmente iniciando-se com 1-3 U.I por animal por dia, modificando-se à medida
do necessário. Alguns felinos precisam de duas aplicações diárias.
A seringa utilizada é própria para a administração de insulina, já que possui uma
agulha adequada para a aplicação SC, provocando menos dor no animal (figura 2).

123

Fig. 2: Seringa de insulina U-100. Fonte: Angela Patricia Medeiros Veiga, 2008.

Todas as formas de insulina devem ser protegidas do frio ou calor extremos (manter
sob refrigeração), e o conteúdo do frasco deve ser misturado completamente, porém sem
agitação, antes de se administrar cada dose. Antes da aplicação deve-se aquecer o frasco,
tentando-se não agitá-lo bruscamente (figura 3).

Fig. 3: Forma correta de se aquecer o frasco de insulina.


Fonte: Angela Patricia Medeiros Veiga, 2008

A insulina deve ser administrada em um local calmo. Deve-se inverter o frasco e retirar
com a seringa um pouco mais do que a dose necessária, devolvendo-se o restante na tentativa
de retirar todas as bolhas da seringa (figura 4).
124

Fig. 4: Insulina sendo aspirada com a seringa.


Fonte: Angela Patricia Medeiros Veiga, 2008

A injeção deve ser aplicada na prega cutânea do pescoço do animal. Assim que a
aplicação for feita, o frasco de insulina deve retornar à refrigeração, onde é armazenado. A
administração inapropriada da insulina é uma das causas mais comuns de regulação ineficaz do
diabetes.
Após a administração subcutânea da insulina NPH, o início da ação nos cães ocorre
aproximadamente após 1 a 3 horas; o pico sangüíneo acontece em 4 a 8 horas; e a duração total
do efeito é de 12 a 24 horas. A insulina PZI é considerada menos potente, mas de ação maior.
Quando o efeito da insulina alcança seu pico máximo, a glicemia se reduz. Para evitar a indução
de possíveis reações hipoglicêmicas, a alimentação deve ser administrada em correspondência
ao período anterior de máxima atividade insulínica, em cães.
Devido à semelhança na seqüência de aminoácidos, a insulina suína é menos
imunogênica no cão que a insulina bovina e a mista (suína e bovina). Os fatores que podem
afetar a absorção da insulina e seu tempo de ação são: o local da aplicação, o grau de atividade
física, a dosagem e a espécie de origem da insulina. O fator mais importante de todos é a
variação individual, além da obesidade.

A figura 5 mostra frascos de insulina.


125

Fig. 5: Frascos de insulina.

Fonte: Angela Patricia Medeiros Veiga, 2008

As insulinas NPH e a PZI, de 100 unidades/ml (U-100) são as preparações disponíveis


para a maioria dos veterinários. Devido ao fato de cães pequenos a mini e gatos necessitarem
de doses bastante baixas, a insulina pode ser diluída em solução salina para facilitar a
administração da quantidade correta pelo proprietário. Pode-se preparar uma diluição de 1:10 de
modo que uma seringa de 100 unidades cheia contenha somente 10 unidades de insulina.
Entretanto, alguns farmacêuticos relutam em diluir a insulina, pois já foi relatado que esta é
instável. Neste sentido, caso ocorram problemas na regulação do paciente com insulina diluída,
o clínico deve suspeitar da ocorrência da inativação.

O tratamento de rotina para o diabetes mellitus canino descrito a seguir, foi proposto
por Nelson (1985). Inicialmente o paciente deve ser hospitalizado até a estabilização da glicemia.
A insulina comumente utilizada é a NPH, em dose matinal única. Cães pequenos (pesando
menos de 15 kg) recebem cerca de 1 U/kg e os cães maiores (pesando mais de 25kg) 0,5 U/kg
de insulina. Entretanto, a dose de insulina é melhor determinada pela superfície corporal, em m2.
Geralmente, quanto maior o animal, menor a dose necessária por Kg de peso corporal. É
preferível iniciar-se com doses relativamente pequenas, uma vez que é mais fácil o controle de
uma hiperglicemia do que o de uma crise hipoglicêmica.

Após o início da terapêutica insulínica estes cães recebem alimentos enlatados


específicos para seu peso corpóreo. Cães pequenos recebem cerca de 75 Kcal/kg de peso ao
dia enquanto que os cães maiores recebem 40 Kcal/kg/dia. No entanto, eles recebem
aproximadamente metade de sua ração calórica após a injeção de insulina e o restante 6 a 12
horas mais tarde. Os animais demoram de 2 a 4 dias para equilibrar a homeostase de glicose
após o início da administração de insulina ou após qualquer modificação do tipo ou posologia da
insulina. Por isso eles não são criticamente monitorados nos 2 ou 3 primeiros dias. A glicemia é
determinada uma ou duas vezes à tarde para se identificar uma sensibilidade significativa às
doses aplicadas.
126
Completado o período de estabilização, é importante a monitoração crítica da resposta
de glicemia à insulina exógena. A glicemia deve ser determinada antes da aplicação da insulina
e a seguir, a cada 1 ou 2 horas, por no mínimo 12 horas, mas de preferência por um período
completo de 24 horas. Esta avaliação permite ao clínico determinar o efeito insulínico e tempo de
ação da insulina em cada paciente, bem como o grau de flutuação na concentração sangüínea
de glicose. Poderão ser necessárias alterações na posologia e tipo de insulina, freqüência de
administração e horário de alimentação para se obter um controle satisfatório. Não é
recomendável o controle de apenas uma ou duas glicemias no período de 24 horas, devido à
acentuada variação no início, pico e duração do efeito da insulina NPH e PZI.

Para se conseguir um controle satisfatório poderão ser necessárias alterações na


posologia e tipo de insulina, freqüência de administração e horário de alimentação. O controle da
concentração urinária é útil, porém não é recomendado como método único na monitoração
terapêutica.

A figura 6 mostra o controle ideal da glicemia em animais diabéticos. As flechas pretas


indicam o horário das refeições, enquanto que a vermelha indica o horário da administração de
insulina.
127

AFig.
duração doglicêmico
6: Nível efeito daideal
insulina deve ser
em animal de 20 aFonte:
diabético. 24 horas. O animal
KANEKO, diabético bem
1997.

controlado deve excretar urina sem glicose na maior parte do período de 24 horas, o que é
imperativo na eliminação de poliúria e polidipsia. A determinação do tempo de pico do efeito da
insulina ajuda a estabelecer o esquema de alimentação. A alimentação com metade da ingestão
calórica diária na hora da injeção de insulina e o restante aproximadamente duas horas antes do
pico do efeito da insulina parece ser um protocolo razoável.

Quando a curva inicial de glicemia é feita no hospital, o cão deve receber a mesma
quantidade e tipo de alimentação que recebe em casa. Uma curva gerada sem alimentação do
animal pode identificar o momento do pico de ação da insulina, porém não permitirá uma
avaliação adequada da posologia ou duração de ação. Se a menor glicemia ocorre antes do
fornecimento da ração noturna, o intervalo de tempo entre a injeção de insulina e a ração
noturna é encurtado. Se os efeitos da insulina estão desaparecendo por ocasião da ração
noturna, ocorrerá um dramático aumento na glicemia após alimentação. Isso constitui um
indicativo de um rápido metabolismo da insulina devendo-se considerar uma passagem para a
insulina PZI ou a administração da insulina NPH duas vezes ao dia. O objetivo da internação
hospitalar é a determinação do esquema geral de tratamento insulínico, incluindo o controle
preciso de glicemia e determinação exata da dose de insulina, necessidades calóricas e
exercícios diários.

As necessidades de insulina irão mudar um pouco quando o animal retornar para casa
devido às diferenças na ingestão calórica e exercícios.

18.2 Tratamento do diabetes cetoacidótico 128

Animais relativamente sadios com cetoacidose podem ser tratados apenas com
insulina regular. Pode levar alguns dias até que a glicemia e a cetonúria comecem a decair, mas
um tratamento agressivo pode não ser necessário enquanto a sua condição estiver estável. Por
outro lado, cães e gatos enfermos necessitam de atendimento médico imediato. Tal condição é
caracterizada pela presença de depressão, anorexia, desidratação e alterações de temperatura
(febre ou hipotermia). A administração de insulina regular é imprescindível, devido à sua
habilidade de reduzir rapidamente os níveis glicêmicos. Até que concentrações adequadas de
glicose sérica sejam alcançadas, a insulina deve ser ministrada intravenosamente ou a cada
hora, pela via IM.

Estes animais devem ser submetidos à fluidoterapia e reposição de eletrólitos para que
a desidratação, a acidose e o desequilíbrio eletrolítico sejam corrigidos. A melhor escolha de
fluidos consiste em uma solução balanceada em eletrólitos com lactato, na dose de 100
ml/kg/dia. Na presença de hiperglicemia acentuada, a utilização de NaCl 0,45% pode ajudar a
reduzir a osmolaridade. A administração de bicarbonato na maioria das vezes não é necessária,
pois a acidose melhora com a implementação da fluidoterapia e insulinoterapia.

Se o animal não estiver se alimentando, dextrose deve ser administrada juntamente


com a fluidoterapia para evitar uma queda brusca nos níveis glicêmicos após a administração de
insulina.

A suplementação de potássio também pode ser necessária, já que este elemento pode
atingir níveis perigosamente baixos com o tratamento para combater a cetoacidose, apesar de a
acidose estimular a sua liberação para o líquido extracelular . Além disso, se houver diurese
induzida pela fluidoterapia, maior perda urinária deste elemento pode contribuir para a
hipocalemia. É comum os animais estarem hipercalêmicos no início do tratamento e
hipocalêmicos em 12 - 24h. Por isso, sugere-se a administração venosa de 40-80 mmol/L/
animal de cloreto de K associado ao gluconato de K (2-3 mmol/animal, 2-3 vezes ao dia). A
acidose pode levar também à perda de fósforo e anemia, devendo ser corrigida a hipofosfatemia.
Recomenda-se a administração de fósforo na dose de 0.14-1.26ml/kg pela via SC.
129
A correção excessivamente rápida da glicemia e das alterações eletrolíticas, na maioria
das vezes, leva a edema cerebral e sinais neurológicos. O objetivo da queda glicêmica deve ser
de 3-4mmol/L/h, sendo o limite máximo 6 mmol/L/h. A concentração de eletrólitos deve ser
monitorada muito cuidadosamente durante o tratamento da cetoacidose, com ajustes freqüentes
no tipo de fluido, bem como a quantidade de potássio suplementada. O objetivo é que se
estabilize o animal dentro de 1 a 2 dias.

Doenças concomitantes devem ser identificadas e tratadas especificamente, se


possível. A pancreatite é extremamente comum em cetoacidose, mas não há tratamento
específico para esta doença. Infecções bacterianas devem ser tratadas o mais breve possível. A
antibioticoterapia geralmente é instituída mesmo que a infecção não tenha sido confirmada,
devido a problemas que tais infecções causam na cetoacidose. A insuficiência renal aguda
também pode acompanhar a cetoacidose e precisa ser tratada agressivamente com
fluidoterapia. Pode ser necessário o uso de fármacos que estimulem a produção de urina se o
animal estiver oligúrico.

As complicações que ocorrem com maior freqüência durante o tratamento da


cetoacidose incluem o desenvolvimento de hipoglicemia, sinais neurológicos, anormalidades
eletrolíticas e anemia. A melhor forma de prevenir tais efeitos colaterais é objetivar a correção
gradual das múltiplas alterações associadas com a cetoacidose.

18.3 Tratamento domiciliar


Uma vez determinado no hospital o tipo de insulina, sua freqüência de administração,
posologia aproximada e esquema de alimentação, o animal diabético pode ser encaminhado
para casa. As necessidades de insulina geralmente se modificam em casa devido às diferenças
na ingestão calórica e ao exercício. O objetivo do tratamento domiciliar consiste na manutenção
da glicemia em níveis próximos do normal, prevenindo a recidiva dos sinais clínicos e das
complicações a longo prazo associadas ao diabetes mellitus mal controlado. Antes de liberar o
animal, o clínico deve conversar com o proprietário, orientando-o sobre os cuidados necessários
130
com o mesmo. Devem-se salientar os seguintes procedimentos: armazenamento da insulina em
local apropriado; quantidade de insulina e velocidade de aplicação; retirada asséptica do líquido;
agitação correta da preparação; remoção das bolhas de ar; e local correto para a aplicação da
insulina no animal. Após estas orientações, o animal pode ser entregue ao proprietário e o
veterinário deve mostrar ao proprietário como aplicar as injeções que serão dadas em casa.

Os proprietários também devem ser instruídos para manter um registro diário que
inclua os resultados de glicosúria e cetonúria matinais, dose de insulina, horário das refeições
(pela manhã e à tarde), e local da injeção (que deverá variar). O tratamento do diabetes mellitus
exige proprietários capazes e dispostos que aceitem a responsabilidade de tratar corretamente
seus animais. Há glucômetros manuais que podem ser utilizados em casa, auxiliando na
monitoração. Alguns deles apresentam a lanceta inserível no próprio aparelho, devendo ser
utilizados na face externa da orelha.

A figura 7 mostra o local correto de aplicação do glucômetro. Observa-se uma veia,


onde a lanceta deve ser inserida.

Fig. 7: Localização de veia auricular (direita) e aplicação do glucômetro em felino.

Fonte: Angela Patricia Medeiros Veiga, 2008


A seguir, basta que uma gota de sangue atinja a fita do glucômetro para que o
resultado seja emitido (figura 8).

131

Fig. 8: Glucômetro mostrando mensuração de glicose.


Fonte: Angela Patricia Medeiros Veiga, 2008

Para o controle da glicosúria e da cetonúria, existem fitas reativas que podem ser
usadas no ambiente domiciliar. Basta que uma gota de urina seja colocada na fita e a coloração,
após 15 a 30 segundos de contato entre a urina e a fita, é comparada com o rótulo (figura 9). O
ideal é que o resultado seja sempre negativo.
132

Fig. 9: Fitas reativas para dosagem urinária de glicose e corpos cetônicos.


Fonte: Angela Patricia Medeiros Veiga, 2008

A grande maioria dos cães desenvolve complicações associadas à sub ou


superdosagem de insulina devido a observações errôneas dos proprietários quanto à glicosúria.
Por isso recomenda-se aos proprietários que monitorizem a glicose urinária, mas não a utilizem
para modificar a dose de insulina prescrita. Uma glicosúria matinal persistente pode sugerir uma
subdosagem, mas também pode ocorrer com uma técnica inadequada de administração de
insulina, problema com a potência da insulina, rápido metabolismo da insulina, hiperglicemia
insulina-induzida, prenhez, hiperadrenocorticismo, dieta inadequada, anticorpos contra insulina
ou outros fatores. A terapêutica apropriada para a normalização da glicemia é diferente em cada
um destes casos. Além disto, uma glicosúria persistentemente negativa será mais sugestiva de
um diabetes bem controlado, do que de uma superdosagem de insulina.

Um método alternativo para o controle do paciente diabético associa a observação do


proprietário quanto à recidiva de sinais clínicos e glicosúria à periódica reavaliação hospitalar
quanto às respostas glicêmicas. É muito importante a opinião subjetiva do proprietário quanto à
ingestão de água e diurese. No hospital, a glicosúria e a cetonúria são avaliadas antes da
refeição matinal. Caso o animal esteja respondendo adequadamente as injeções, o ideal é que a
urina seja negativa para glicose e corpos cetônicos.
Recomenda-se ao proprietário que ele verifique a glicosúria o maior número possível
de vezes ao dia, pelo menos uma vez na semana e anote todos os resultados da semana no
diário. O animal que apresentar várias glicosúrias negativas encontra-se sob adequado controle.
Uma glicosúria persistente sugere um problema e exige avaliação de glicemias em um hospital o
mais rápido possível, independentemente das condições do animal. Uma cetonúria eventual num
paciente clinicamente sadio não deve preocupar, entretanto, se ela persistir por mais de dois
dias consecutivos, o animal deverá ser reavaliado.
133
Periodicamente, o diabético deve ser reavaliado até que se alcance um controle
glicêmico satisfatório. O proprietário deve administrar insulina e alimentar o animal pela manhã,
como de costume. Logo após, ele deverá ser levado ao hospital veterinário para a monitoração
da glicemia de hora em hora; a terapêutica será reajustada de acordo com os resultados destes
estudos. Estas glicemias avaliam também a capacidade do proprietário em administrar a
insulina, além de verificar a resposta do cão ou gato ao tratamento.

De início, a reavaliação do animal diabético é recomendada uma vez a cada 7 a 15


dias até que se alcance um controle glicêmico satisfatório. Quando o animal estiver
razoavelmente estabilizado, sugerem-se controles subseqüentes a cada dois a quatro meses.
Uma avaliação antes das reavaliações programadas deve acontecer em qualquer uma dessas
situações: sinais de hiperglicemia, glicosúria persistente, anorexia, apetite voraz, polidipsia,
poliúria, cetonúria persistente ou qualquer doença concorrente.

Um cão diabético pode ocasionalmente apresentar uma persistente glicosúria matinal


(1 a 2%) ou persistente poliúria, polidipsia ou polifagia a despeito da terapêutica insulínica. O
proprietário também deverá observar a presença de fraqueza, letargia ou convulsões no período
da tarde. Estes sinais indicam um problema com a terapêutica insulínica, devendo-se proceder a
uma investigação no sentido de se descobrir a causa.

O veterinário deve comparar as seringas utilizadas com o tipo de insulina administrada,


i.e., insulina de U-100 requer o uso de seringas U-100. Os proprietários devem ser instruídos a
levarem suas seringas e insulina ao hospital junto com o animal. Pode-se então solicitar que eles
administrem a insulina ou solução salina de tal modo que suas técnicas possam ser avaliadas. O
método de mistura e os hábitos de armazenamento são avaliados e revisados. Caso estes
problemas potenciais óbvios não sejam demonstrados como responsáveis pelo inadequado
controle de diabetes, o cão deverá ser hospitalizado para uma futura avaliação.
A abordagem no animal com diabetes mellitus problemático é feita para determinar os
efeitos da dose de insulina e esquema alimentar utilizados pelo proprietário. A injeção de insulina
é aplicada no mesmo horário e com a mesma dose utilizada em casa, acompanhando-se o
esquema diário de alimentação. As glicemias, determinadas com tiras reagentes, devem ser
realizadas a cada uma ou duas horas durante 14 a 24 horas após a injeção de insulina.

Os distúrbios mais comumente encontrados através da determinação seriada da


glicose sangüínea são: hiperglicemia insulino-induzida ou "Efeito Somogyi", metabolismo rápido 134
de insulina, antagonismo/resistência de insulina e hipoglicemia. A maioria dos cães desenvolve
complicações associadas com sub ou superdosagem de insulina devido às observações
errôneas dos proprietários quanto à concentração de glicose urinária.

O animal deverá ter um bom apetite, mas não voraz. O ideal é que a urina seja
negativa para glicose antes de alimentar o animal. Pelo menos uma vez por semana, solicita-se
do proprietário que verifique a glicosúria o maior número de vezes possível ao dia. Todos os
resultados são anotados num diário. O cão que apresentar várias glicosúrias negativas encontra-
se em bom estado. Uma glicosúria persistente sugere um problema que requer avaliação de
glicemias no hospital, bem como para cetonúria persistente.

18.4 Manejo nutricional e controle de peso

Um programa alimentar visa minimizar a hiperglicemia pós-prandial, impedir ou corrigir


a obesidade. O alimento deve ser absorvido com glicose no sangue pronta para ser utilizada
quando a insulina injetada exerce seu efeito máximo. O fornecimento de diversas pequenas
refeições, três ou quatro, ao longo do dia, começando com a administração de insulina é o
melhor modo de minimizar os efeitos da glicemia pós-prandial em cães.

Felinos têm como fonte principal de energia proteínas, não apresentando hiperglicemia
pós-prandial. Assim, pode ser oferecida uma ração rica em proteína ad libitum ou, no caso de
animais obesos, múltiplas refeições com restrição calórica. O fornecimento de metade da
ingestão diária total de calorias por ocasião da injeção de insulina e o restante aproximadamente
6 a 10 horas depois, também constitui um protocolo aceitável para caninos. Pela ausência da
hiperglicemia pós-prandial em felinos, não há necessidade de se combinar o horário das
refeições com a administração de insulina, nesta espécie.

A obesidade é associada à resistência insulínica e aumenta a tolerância à glicose.


Dietas que têm baixas densidades calóricas (dietas pobres em gordura) e ricas em fibras ajudam
na redução da ingestão calórica sem a diminuição do volume alimentar em cães. Isso,
combinado com uma dieta rica em carboidratos complexos (mais de 50%) e pobres em gordura
(menores que 20%) pode mostrar ótimos resultados. A adição de fibras na dieta de gatos, por 135
outro lado, não mostrou nenhum benefício. Evitar alimentos e petiscos ricos em glicose é
suficiente para a redução e peso nesta espécie. A formulação recomendada para a ração de
cães diabéticos está apresentada na tabela 2.

Componente Conteúdo

Proteína (% de energia) 14-30

Gordura (% de energia) < 20

Carboidratos (% de energia) 50-55

Energia metabolizável (Kcal/kg) 40-80

Fibra dietética total (g/100 Kcal) >4

Cálcio (% em matéria seca) 0,4-0,8

Fósforo (% em matéria seca) 0,2-0,7

Sódio (% em matéria seca) 0,2-0,5

Tabela 2: Formulação de ração recomendada para cães diabéticos. Fonte: FARIA, 2007.

Os mecanismos pelos quais dietas ricas em carboidratos complexos e fibras podem


afetar a glicemia pós-prandial incluem prolongado esvaziamento gástrico e tempo de trânsito
intestinal, hidrólise lenta de amido e demora na absorção de glicose. O trato digestivo funciona
como um reservatório, liberando lentamente monossacarídeos para o sangue num longo período
de tempo. Este efeito pode complementar a ação da insulina exógena.

Existem dois tipos de carboidratos dietéticos: açúcares simples e carboidratos


complexos; os últimos subdividem-se em amidos e fibras dietéticas. Os amidos produzem
liberação lenta de glicose do intestino para o sangue. As fibras dietéticas retardam a digestão na
luz do intestino delgado, e por isso retardam a taxa de captação pós-prandial de nutrientes. Este 136
efeito é sinérgico à digestão lenta de amido.

A perda brusca de peso em felinos obesos pode levar rapidamente à lipidose hepática.
A dieta de felinos anoréxicos, apresentação comum na cetoacidose, não deve ser restringida. A
restrição deve se iniciar apenas em animais com apetite normal. Se o animal estiver abaixo do
peso, indica-se o uso de rações para crescimento. Ainda assim, recomenda-se a introdução da
nova dieta de forma gradual, misturando-se à antiga e aumentando a percentagem da nova
durante 2 semanas.

18.5 Exercícios

O exercício pode ser uma arma útil no manejo da hiperglicemia pós-prandial. A rotina
do exercício deve ser constante todos os dias e deve ser evitado próximo ao momento do pico
de ação da insulina e pouco antes das alimentações. Um programa de exercício físico regular de
intensidade moderada auxilia no controle glicêmico do indivíduo com diabetes tipo 2, tratado ou
não com insulina, sendo que seu efeito já é observado em uma única sessão de exercício. Um
programa de exercício físico bem orientado e regular melhora os níveis de lipídios plasmáticos,
principalmente diminuindo significativamente os triglicerídeos e aumentando o colesterol HDL,
mas sem alteração significativa no colesterol total e no LDL.
Estudos têm demonstrado que o exercício físico regular melhora as condições do
diabetes, facilitando a captação periférica da glicose e o metabolismo de glicogênio. Alguns
autores mostram que a atividade física promove aumento na assimilação de glicose e na
sensibilidade à insulina pelas células. Mas isso ocorre somente durante e imediatamente após a
realização aguda do exercício. Por outro lado, pouco se conhece sobre os efeitos do exercício
intenso em diabéticos, principalmente com relação ao sistema imune desses organismos.

Estudos epidemiológicos recentes têm proporcionado evidências de que o nível de 137


atividade física está associado com a incidência de diabetes mellitus não insulino-dependente
(tipo 2), mostrando que um programa de exercício regular pode reduzir o risco de
desenvolvimento deste tipo de diabetes. Estudos realizados com animais experimentais também
têm demonstrado melhoria do estado geral do diabetes pela realização crônica de exercício
físico, principalmente quanto aos aspectos relacionados com o metabolismo de substratos
energéticos e as secreções hormonais.

A prescrição de exercícios para diabéticos tipo 2 deve ter a freqüência de cinco a sete
vezes por semana e intensidade correspondente a 50% do VO2 máxima, a fim de assegurar
aumento da sensibilidade à insulina e a perda ou manutenção do peso corporal.

18.6 Agentes hipoglicemiantes orais

Os agentes hipoglicemiantes orais são drogas utilizadas largamente em medicina


humana, mas têm valor prático limitado na medicina veterinária. Os agentes hipoglicemiantes
orais podem apresentar bons resultados quando são usados no tratamento do diabetes tipo 2,
concomitantemente com a redução de peso e manejo dietético, em alguns casos. Se tais drogas
não mostrarem efeito nas primeiras 4 semanas de uso, recomenda-se iniciar a insulinoterapia,
mesmo em animais acometidos por DM2. O uso de hipoglicemiantes orais está contra-indicado
em cetoacidose e anorexia.

Duas sulfoniluréias têm sido usadas para tratar cães e gatos: Glipizide, na dose de
0,25 a 0,50 mg/kg duas vezes ao dia e Glibenclamide, administrado na dose de 0,2mg/kg ao dia.
Essas drogas têm várias ações antidiabéticas, incluindo estimulação da secreção de insulina
pelas células beta, transporte demorado de carboidratos no músculo e gordura, direta diminuição
da glicose hepática e potencialização da ação da insulina no fígado. Dada a sua ação, é
necessária a presença de células β pancreáticas funcionais. Possui efeitos colaterais como
vômito, anorexia e hipoglicemia. Além disso, provoca aumento de enzimas hepáticas e amilina,
podendo estimular a amiloidose pancreática.

Um derivado da leucopelargonidina, 3-0-alfaramnoside, isolado do Ficus bengalensis, 138


mostrou significante efeito hipoglicemiante e crescente secreção da insulina sérica em cães
normais e moderadamente diabéticos (induzidos pelo aloxano), quando utilizada dose de
100mg/kg, V.O. O mecanismo de ação assemelha-se àquelas drogas que estimulam a secreção
de insulina. Até o momento, não foram relatados efeitos tóxicos.

Dentre outras drogas com efeito hipoglicemiante podemos citar o Vanádio, que
aumenta a sensibilidade dos receptores de insulina, porém mostrou-se ineficaz como agente de
uso único; o cromo, que pode ser usado como aditivo na dieta; a acarbose, que bloqueia a
absorção intestinal de glicose; a metformina, que aumenta a sensibilidade periférica à insulina e
reduz a captação hepática de glicose.
19 MANEJO CLÍNICO DA OBESIDADE

Em humanos, as opções terapêuticas para a obesidade incluem manejo dietético,


exercícios, modificações psicológicas e comportamentais, terapias medicamentosas e cirurgia.
Muitas destas opções estão disponíveis para o tratamento da obesidade em cães e gatos,
embora não seja ético considerar opções cirúrgicas. Recentemente algumas drogas foram 139
licenciadas visando à perda de peso em cães, o que será abordado no próximo módulo. Apesar
disto, o manejo dietético forma a base do controle de peso em animais de companhia, devendo o
aumento da atividade física e o manejo comportamental serem adjuntos para o alcance eficaz da
perda de peso.

19.1 Manejo dietético

A restrição calórica é o método mais comum para redução de peso usada em animais.
A redução da ingestão alimentar para 60% em cães, para o alcance do peso ideal é inicialmente
recomendada. Esta redução apresenta perdas de até 3% do peso corporal por semana.

Recomenda-se que o protocolo de redução de peso seja personalizado para cada


indivíduo. Apesar de a restrição calórica total (jejum) levar à perda de peso, apresenta a
desvantagem de se causar uma perda protéica excessiva e, com isso, massa magra,
necessitando de hospitalização para monitoração adequada. Assim, é preferível que se utilizem
dietas formuladas especificamente para a redução de peso, o que, na maioria das vezes são
restritas em gordura e energia, ao mesmo tempo em que contêm suplementação de proteínas e
micronutrientes. A suplementação protéica é importante, pois a quantidade perdida de tecido
magro é minimizada, mesmo que a perda de peso não seja tão rápida. Já a suplementação de
micronutrientes assegura que estados deficitários não se desenvolvam.
Fatores dietéticos benéficos adicionais para a perda de peso incluem a suplementação
com L-carnitina visando à manutenção da massa magra, ácido linoléico conjugado (CLA) e a
utilização de alta concentração de fibras, o que promove saciedade. A L-carnitina é um
aminoácido sintetizado no fígado e rins a partir da lisina e metionina, na presença de ácido
ascórbico. A suplementação dietética com esta proteína melhora a retenção de nitrogênio,
aumentando a massa magra e reduzindo a massa gorda. A incorporação de L-carnitina em um
nível de 50–300 ppm em dietas de redução de peso mostrou ser eficiente na diminuição da
140
perda de massa magra durante a perda de peso.

Possíveis mecanismos para este efeito protetor do tecido magro incluem o aumento na
oxidação de ácidos graxos e disponibilidade de energia para a síntese de proteínas durante
períodos de necessidade. O CLA consiste em uma família de isômeros de ácidos graxos
derivados do ácido linoléico. Estudos experimentais sugeriram que ele apresenta um efeito anti-
adipogênico. Os mecanismos propostos incluem a inibição da atividade enzimática da stearoil-
CoA dessaturase, o que limita a síntese de ácidos graxos mono-insaturados para a síntese de
triglicerídeos, bem como a supressão da elongação e dessaturação de ácidos graxos em cadeia
longa.

Quanto ao efeito de saciedade induzido pelas fibras, estudos demonstram que a


inclusão de fibra dietética deve ser superior a 21% para que a supressão do apetite aconteça.

19.2 Modificação do estilo de vida

O aumento da atividade física é um adjunto útil quando combinado à terapia dietética.


Quando utilizados em conjunto, promovem a perda lipídica e podem auxiliar na preservação de
massa magra. Há também evidências de que o exercício possa colaborar na prevenção do
rápido retorno do peso que geralmente ocorre após a perda de peso. O programa exato deve ser
padronizado para cada indivíduo e levar em conta quaisquer considerações médicas
concomitantes. Estratégias de exercícios eficazes em cães incluem caminhadas, natação,
hidroterapia e corridas.

Em gatos, o exercício pode ser estimulado com o aumento de atividades recreativas,


usando-se brinquedos, carrinhos motorizados ou bolas com alimento inacessível. A utilização de
“laser pointers” pode estimular o felino a se exercitar.

Outros fatores, como a ausência de outros animais e do proprietário durante as


141
refeições podem colaborar para a menor ingestão alimentar.

19.3 Monitoração da perda de peso

Adicionalmente às estratégias supramencionadas, é essencial que o regime de perda


de peso seja supervisionado por completo. Isto pode ser bastante trabalhoso e requer algum
grau de experiência e treinamento em aconselhamento a proprietários, e freqüentemente requer
um membro dedicado na equipe médica. O correto monitoramento, para alguns autores, consiste
no componente mais importante da estratégia de perda de peso. Estudos recentes
demonstraram que a perda de peso é mais bem-sucedida se uma estratégia organizada é
seguida de sessões regulares de pesagem. É essencial que se continue a monitoração do peso
corporal após a obtenção do peso ideal, para que se certifique que o peso perdido não retornou.
Assim como em humanos, o efeito rebote foi demonstrado após a perda de peso em cães. Se a
perda semanal for maior que 3% do peso, a possibilidade de reganho é maior.
20 PROGNÓSTICO E ATUALIDADES SOBRE HIPERTENSÃO E DIABETES MELLITUS EM
CÃES E GATOS

20.1 Prognóstico

142

O prognóstico da hipertensão muitas vezes é reservado. Dependendo da doença


primária que a causou, se o animal não for atendido em algumas horas pode ser fatal, ou levar à
perda total da função de determinado órgão (por exemplo, cegueira).

O Diabetes mellitus é uma doença complexa que requer sabedoria e empenho para
que o controle bem-sucedido seja alcançado, mas a cura é rara. Em alguns casos de diabetes
transitório, cessada a causa, há recuperação completa. Nos outros casos, o proprietário deve
estar preparado para mudanças no requerimento de insulina e suas potenciais complicações. Se
a alimentação seguir uma rotina constante (mesma quantidade, mesmo alimento, mesmo
horário) é mais provável que se tenha êxito no tratamento. A maioria dos cães e gatos diabéticos
sob insulinoterapia têm uma melhora significativa na qualidade de vida. Isto geralmente faz com
que o comprometimento econômico ao longo do tempo seja necessário para que a regulação
ideal valha o esforço.
21 ATUALIDADES

21.1 Novas perspectivas para o tratamento da hipertensão e resistência à insulina em cães

Pesquisas recentes sugerem que a hipertensão e a resistência à insulina não estão 143

diretamente relacionadas. Já se sabia da ligação entre a hiperinsulinemia, ativação simpática e


hipertensão relacionada à obesidade, mas não se sabia se a ligação se dava de forma direta ou
indireta. Além disso, outras pesquisas demonstraram, em cães, uma ativação simpática
relacionada à alta ingestão alimentar de carboidratos e gordura, e à liberação do hormônio
leptina de adipócitos, hormônio relacionado com o equilíbrio no consumo.

Um experimento foi conduzido com o intuito de obter informações acerca do


mecanismo patogênico pelo qual a obesidade leva à hipertensão em cães. Para tanto, utilizaram-
se 5 grupos de cães cuja obesidade foi induzida com a administração de dieta rica em gordura,
tratados por 6 semanas com as seguintes drogas anti-hipertensivas:

- Grupo Controle: sem tratamento anti-hipertensivo;

- Baixo conteúdo de sal e furosemida;

- Prazozin e atenolol (bloqueadores α e β adrenérgicos de ação periférica);

- Clonidina (agonista α2 de ação central);

- Ácido acetilsalicílico.

A figura 1 mostra os resultados da pressão arterial e a figura 2 os resultados da


mensuração de insulina durante avaliação da resistência à insulina nos diferentes grupos
experimentais.
144

Fig. 1 Pressão arterial média nos grupos controle e tratamentos anti-hipertensivos de


cães obesos durante as semanas experimentais. Fonte: ROCCHINI et al., 2004.

Fig. 2 Insulinemia nos grupos controle e tratamentos anti-hipertensivos de cães


obesos durante as semanas experimentais. Fonte: ROCCHINI et al., 2004.
Os resultados demonstraram que não há uma relação direta. Além disso, o grupo
tratado com clonidina foi o único que não demonstrou aumento nos índices mensurados, sejam:
pressão arterial, débito cardíaco, glicose, insulina e resistência à insulina. O efeito das outras
drogas pode ser observado na Tabela1. O experimento também levou à conclusão de que a
terapia com restrição de sal e diurético, uma das mais utilizadas no tratamento da hipertensão
em cães e gatos, apesar de diminuir a pressão pela inibição de retenção de fluidos, não inibiu
ativação simpática, não impedindo o desenvolvimento da resistência à insulina. Da mesma forma
145
a terapia com atenolol e prazozim não teve efeito sobre a resistência à insulina, pois causou uma
inibição simpática apenas periférica. Estas terapias devem, portanto, ser reconsideradas como
uso para o tratamento de hipertensão associada à obesidade.

Tabela 1. Variáveis clínicas e laboratoriais em cães controlados ou tratados com drogas anti-
hipertensivas, após ganho de peso.

Restrição sal + α + β
Controle Clonidina AAS
furosemida bloqueadores
Peso
Pressão
NS* NS NS
arterial
Débito
NS NS
cardíaco

Glicemia NS NS NS NS
NS
Insulinemia NS
Resistência à
NS
insulina
Fonte: ROCCHINI et al., 2004 *Não significativo

ROCCHINI et al., 2004

Este efeito da clonidina está relacionado à ativação central de receptores α2, além da
redução nos níveis de ácidos graxos livres na circulação, o que resulta em vasodilatação
periférica. Os autores relatam que a resistência à insulina seria mediada pela ativação central
e/ou periférica de receptores α2, enquanto que a hipertensão seria mediada pela ativação de
receptores α1 e β. Isto traz uma nova perspectiva no tratamento da hipertensão, além da
prevenção da diabetes mellitus e resistência à insulina, causadas pela obesidade em cães. Os
autores sugerem que novos α2 agonistas sejam desenvolvidos para o tratamento mais eficaz
destas condições em cães.

146
21.2 Uma nova insulina para uso canino e felino

Sabe-se que a melhor insulina para ser utilizada em cães e gatos é a suína, pois
possui alta homologia com as insulinas canina (100% homóloga) e felina (diferem em apenas 3
aminoácidos). Além desta, a insulina bovina e a mista (bovina + suína) estão disponíveis no
mercado. As insulinas existentes para comercialização apresentam algumas desvantagens,
relacionadas à concentração oferecida, de 100 U.I. por mL em frascos de 10mL, o que dificulta a
dosagem em cães pequenos; possibilidade de erro durante a dosificação, já que as seringas
apresentam graduação de 2 em 2 U.I; o consumo total do frasco pode ser muito demorado,
facilitando a contaminação.

Com base nestes problemas, recentemente foi desenvolvida a Caninsulin®, uma


suspensão aquosa de insulina suína altamente purificada na concentração de 40 U.I. por ml,
apresentada em frascos com 2,5 ml. Esta formulação é composta por 30% de fração amorfa e
70% de fração cristalina, o que confere uma excelente biodisponibilidade (figura 3). O produto é
produzido pela Intervet na Holanda e é de uso e comercialização exclusiva para médicos
veterinários.
147

Fig. 3 Atividade de Caninsulin em horas. Fonte: www. caninsulin.com, 2006.

A posologia recomendada para o produto, na maioria dos cães, é de uma vez ao dia,
em conjunto com a primeira refeição (a primeira refeição deve ser no mesmo momento da
injeção de Caninsulin® e a segunda refeição 8 horas mais tarde).

O produto pode ser utilizado para a espécie felina, sendo que a dose inicial para gatos
é de 0,5 UI/Kg - 2 vezes ao dia se a concentração de glicose no sangue for igual ou superior a
360 mg/dl e 0,25 UI/Kg duas vezes ao dia se a linha de base da concentração for menor que 360
mg/dl.

Em cães em geral, a aplicação do Caninsulin® uma vez ao dia é suficiente, porém


em alguns casos pode ser necessária a aplicação de duas doses. Já na maioria dos gatos é
necessária a aplicação duas vezes ao dia. O ajuste de dosagens é imprescindível como com
o uso das outras formulações. Em cães, se necessário o ajuste de dosagens, este deve ser
feito no valor de 10 % da dose.

Caninsulin® requer o uso de uma seringa exclusiva para a sua aplicação. Seringas
descartáveis de 1 ml com graduação de 40 UI, com marcação a cada UI, que não são
vendidas no Brasil, são vendidas pela empresa aos distribuidores e estes repassam aos
veterinários (figura 5).

148

Fig. 5 Seringas de Caninsulin. Fonte: www. caninsulin.com, 2006.

Após o ajuste da dosagem, uma nova avaliação deve ser feita apenas após a nova
dose ter sido administrada por 3 dias. Após o estabelecimento de uma dose inicial, a
manutenção deve ser estabelecida com base na glicemia e glicosúria, como nas outras
formulações. O uso de caninulin requer que sejam tomadas determinadas precauções:

 Caninsulin® não pode ser administrado por via intravenosa.


 O uso de progestágenos em pacientes diabéticos deve ser evitado.
 Stress e exercício irregular devem ser evitados.
 O uso de corticosteróides deve ser feito com extremo cuidado.
 Recomenda-se a ovariohisterectomia.
 O produto deve ser mantido refrigerado entre 2ºC e 8ºC.
 Validade : 2 anos.
Alguns pesquisadores já relataram resultados relacionados ao uso de Caninsulin®.
Entre outubro de 2002 e abril de 2003 sete cães (5 fêmeas e 2 machos) diabéticos foram
tratados com Caninsulin® (uma vez ao dia na dose recomendada) e acompanhados com
avaliações clínico-laboratoriais. Os resultados mostraram que:

- 100% dos cães mantiveram-se com normodipsia;


149
- 85,7% permaneceram com normúria;

- 85,7% permaneceram sem cetonúria.

A partir dos resultados obtidos, o mencionado experimento comprovou a eficácia do


produto pela remissão dos sinais clínicos e pela normalização dos parâmetros laboratoriais.
No que diz respeito aos aspectos sintomáticos, notavelmente poliúria, polidipsia, perda de
peso e polifagia, a preparação Caninsulin® se mostrou bastante eficaz. Em relação às
avaliações laboratoriais, a terapia instituída resolveu a condição de cetonúria e normalizou as
concentrações de fosfatase alcalina, indicador bioquímico da lipidose hepática. Representa
vantagem adicional o fato de que a insulina usada em Caninsulin® é de origem suína, com
composição de aminoácidos idêntica à da insulina, minimizando, senão abolindo, o risco de
desenvolvimento de antigenicidade, com formação de anticorpos antiinsulínicos. A figura 6
mostra a embalagem do produto.

Fig. 6 Forma de apresentação de Caninsulin. Fonte: www. caninsulin.com, 2006.


Outro grupo de pesquisadores avaliou em 2006, cinco cães sob tratamento com
Caninsulin®, observando um razoável controle dos sinais clínicos e laboratoriais do diabetes.
Já que fatores como estro/diestro, estresse e doenças intercorrentes como hipotireoidismo
prejudicaram a ação do produto no experimento, os autores recomendam a castração de
cadelas e a remoção, quando possível, de fatores ligados à resistência à insulina, associado
à incorporação de fibras na dieta, para que melhores resultados sejam alcançados.

150

21.3 Reversão do diabetes mellitus em cães

Várias técnicas têm sido estudadas na tentativa de reverter ou curar o diabetes


mellitus. Tanto transplante integral do órgão, quanto das ilhotas ou terapias celulares, apesar
de bem-sucedidas em alguns casos em humanos, não demonstraram resultados favoráveis
até o presente momento em animais. Altos índices de rejeição estão relacionados a estas
falhas.

Visando minimizar tal rejeição, caracterizada pela proliferação fibroblástica das


ilhotas, um experimento foi conduzido utilizando-se 10 cães naturalmente diabéticos tipo I,
nos quais foram injetadas intraperitonealmente ilhotas pancreáticas. Em 7 cães estas ilhotas
eram imunoprotegidas (encapsuladas). As ilhotas foram encapsuladas em uma membrana
semipermeável que permite a passagem de pequenas moléculas, como glicose e insulina,
mas não de células e anticorpos, impedindo a reação com o sistema imune, enquanto que em
3 cães foram injetadas ilhotas livres de proteção. Houve necessidade de repetição do
processo 3 vezes nos animais testes, a cada 100 dias, para que o estado de independência à
insulina se mantivesse (Figura 7), enquanto que nos controles em 7 dias após injeção as
ilhotas perdiam sua atividade. O experimento demonstrou uma reversão do diabetes, a qual
se prolongou por mais de 1 ano, sem necessidade de imunossupressão, como em
transplantes tradicionais.
151

Fig. 7 Ilhotas caninas encapsuladas recuperadas do peritôneo de cães aos 180 (esquerda) e 139 (direita)
dias após injeção intraperitoneal. A coloração anti-insulina positiva demonstra a viabilidade das células
(flecha). Fonte: SOON-SHIONG et al., 1993.

Apesar de o tempo de sobrevivência ser maior do que outras técnicas, ainda não
justifica o procedimento. As falhas da mencionada técnica são devidas a:

 Grande barreira de difusão que impossibilita a chegada de nutrientes às ilhotas;


 Formação de grandes poros na cápsula pelos quais citocinas penetram,
aumentando a chegada de células do sistema imune;
 Quebra da cápsula, o que leva antígenos do doador a comprometer a barreira
imune;
 Engrossamento da barreira de difusão com produção de uma cápsula fibrosada,
com menos nutrição, seguindo-se a morte das ilhotas.
A figura 8 mostra esquematicamente a ilhota encapsulada e os defeitos que levam
à falha da técnica

152

Fig. 8 Aspectos normal (A) e alterado (B) das ilhotas encapsuladas. Fonte: NARANG &
MAHATO, 2006.

21.4 Nova droga promete acabar com a obesidade em cães

Slentrol® (dirlotapide), aprovada para uso em cães em 2007, tem sido a primeira
droga anti-obesidade canina comercializada. A droga tem o potencial para revolucionar o
tratamento de manutenção de peso em cães obesos, fornecendo ao veterinário a ferramenta
adicional quando a modificação dietética e instituição do exercício são difíceis de implementar
com sucesso. Slentrol® diminui o apetite do animal, assim reduzindo a ingestão alimentar,
tornando mais fácil para os proprietários modificar comportamentos e atitudes alimentares. A
droga é administrada uma vez ao dia, na forma de suspensão oral, seja diretamente ou
juntamente com alimentos, sendo apresentada em frascos de 20, 50 e 150mL.
A dose inicial recomendada é de 0,05mg/kg, a qual é dobrada após 14 dias de
tratamento e ajustada à medida do necessário, sendo a dosagem máxima recomendada
1mg/kg diários, embora 10mg/kg já terem sido administrados experimentalmente sem que
efeitos tóxicos se desenvolvessem. A duração do tratamento depende da quantidade de peso
a ser perdida. O medicamento está acessível somente a médicos veterinários. Slentrol® não
deve ser usada em gatos, cães sob terapia crônica com corticosteróides ou doença hepática.
A droga é bem tolerada, mostrando como efeitos colaterais vômito, diarréia, letargia e
153
anorexia.

Slentrol® é uma solução formulada a uma concentração de 5mg/mL de dirlotapide, um


inibidor microssomal seletivo de proteína transferidora de triglicerídeo (MTP) que bloqueia a
ligação e liberação de partículas lipoprotéicas na corrente circulatória, via sistema linfático. A
droga apresenta ação também por MTP intestinais, diminuindo a absorção intestinal de lipídeos,
além de provocar um aumento no neuropeptídeo Y, que regula a saciedade hipotalâmica.

21.5 Níveis de proteína C reativa em cães obesos

A proteína C-reativa (CRP) consiste em uma proteína de fase aguda positiva secretada
por hepatócitos após estimulação por mediadores pró-inflamatórios, principalmente IL-6, TNF-α e
IL-1β, liberados por macrófagos e outras células em resposta a estímulos externos e internos,
ativando o sistema complemento, ligando-se a receptores Fc e atuando como opsonina para
vários patógenos. A sua ligação a receptores Fc gera citoquinas pró-inflamatórias, podendo esta
molécula ser utilizada como marcador de inflamação. Vários autores associam o seu aumento no
soro à obesidade humana, porém o papel desta proteína de fase aguda na obesidade canina
ainda não havia sido estudado.

Pensava-se que a obesidade canina também causasse elevações nos níveis de tal
proteína, já que níveis de citoquinas do tipo TNF- α elevam-se em cães e gatos com o
desenvolvimento da obesidade. Provavelmente a inflamação gerada altere a rota de tradução de
sinais da insulina. TNF- α inibe a sinalização intracelular da tirosina quinase do receptor de
insulina, reduzindo o transporte de glicose e colaborando para o desenvolvimento de resistência
à insulina. Estudos mostram ambigüidade em relação aos efeitos da redução de peso sobre os
níveis de CRP em humanos. Acima de tudo, a avaliação dos níveis da CRP não só se prestou
como uma previsão do risco do desenvolvimento do diabetes mellitus em humanos, mas também
aumentam à medida que as alterações ocorrem, antes mesmo dos sinais clínicos e as alterações
hematológicas se desenvolverem, consistindo em uma ferramenta de grande utilidade na
avaliação da progressão da enfermidade.

Estudos recentes, todavia, comprovam que a CRP não se altera com o


desenvolvimento da obesidade canina, diferente do que acontece em humanos e roedores, 154
gerando importantes informações quanto ao papel da CRP no desenvolvimento da obesidade e
resistência à insulina em cães.

Diferente do que se pensava, os níveis de CRP foram menores nos cães obesos do
que nos controles (figura 9). A função desta proteína está intimamente relacionada com o
processo inflamatório, que foi considerado um dos principais responsáveis por causar a
resistência à insulina induzida pela obesidade.
155

Fig. 9 Níveis séricos de proteína C reativa (CRP) e triglicerídeos em cães controles e


obesos. Fonte: VEIGA et al., 2008.

Os níveis de TNF-α em tecido adiposo de cães obesos se mostraram elevados em


estudos anteriores, levando a se concluir que apesar de a obesidade estar associada à
inflamação, a CRP deverá se comportar de forma diferenciada em cães. Isto faz com que esta
proteína não se preste tanto para a avaliação da obesidade em cães como se presta para outras
patologias, ou para previsão do risco do desenvolvimento do diabetes mellitus, como foi
caracterizado em humanos, estando positivamente correlacionada com níveis glicêmicos basais.
Esta descoberta foi relatada pela primeira vez no presente estudo, de acordo com o
conhecimento dos autores, instigando maiores investigações quanto à patogênese da resistência
à insulina causada pela obesidade em cães. Outros estudos em humanos já haviam proposto
limitações no uso da CRP como marcador geral de inflamação sistêmica, já que os níveis não
decresceram com a melhora na sensibilidade à insulina, ficando claro que a relação entre CRP e
resistência à insulina em humanos é independente da obesidade. A explicação proposta para os
achados do presente estudo estão relacionadas ao efeito anti-inflamatório da insulina, e aos
156
efeitos inibidores dos triglicerídeos e colesterol sobre os níveis de CRP.

21.6 GLUT4: mais um passo na patogênese da resistência à insulina em cães e gatos

A resistência periférica à insulina que ocorre com o desenvolvimento da obesidade


manifesta-se principalmente nos tecidos muscular e adiposo branco, que são os principais locais
relacionados ao metabolismo de carboidratos. Dos transportadores de glicose existentes no
organismo, o GLUT4 está localizado principalmente nos mencionados tecidos. Esta proteína
sofre estimulação dependente de insulina, translocando-se do citosol para a membrana
plasmática, onde participa da difusão de glicose para o meio intracelular.

Experimentos recentes permitiram que se avaliasse o comportamento de tal proteína


nos tecidos adiposo e muscular de cães obesos e resistentes à insulina, estando relacionado a
mecanismos moleculares de sinalização celular responsáveis pelo desenvolvimento da
resistência à insulina induzida pela obesidade. A diminuição da expressão do transportador foi
verificada em cães, gatos e roedores obesos. A maioria dos estudos existentes avalia o efeito da
administração exógena de insulina no transporte de glicose, não havendo relatos da estimulação
da insulina endógena sobre tal parâmetro. Considerando-se que os animais estudados
apresentavam hiperinsulinemia, tal condição deveria estimular o transporte de glicose, mas o
oposto foi verificado. Observou-se que a obesidade está associada à menor expressão de
GLUT4, o que corroborou com estudos anteriores em cães, gatos e outras espécies.
157

Fig. 11 Níveis de GLUT4 no tecido adiposo (acima) e muscular (abaixo) de cães obesos
e controles. Fonte: VEIGA & GONZÁLEZ, 2008.

O que não havia sido elucidado sobre a translocação dos transportadores na espécie
canina foi atingido no mencionado experimento, onde se detectou, além de uma redução na
migração de vesículas contendo a proteína para a superfície celular, concordando com estudos
em ratos, um aumento das vesículas intracelulares, o que propõe uma alteração ainda não
revelada em estudos anteriores, podendo estar relacionada ao retorno de vesículas pré-
existentes na membrana para o citoplasma, dificultando ainda mais o transporte de glicose
nestes tecidos.

O estudo também pôde caracterizar um mecanismo distinto de translocação nos


tecidos estudados, indo ao encontro de relatos em outras espécies. Puderam-se verificar 158
alterações na expressão de GLUT4 no tecido adiposo relacionado à resistência à insulina,
mas não no tecido muscular, podendo-se especular a respeito da maior implicação do
primeiro no desenvolvimento da resistência à insulina causada pela obesidade em cães, em
concordância com os outros estudos em que camundongos obesos resistentes à insulina
teriam diferente modulação no transporte de glicose do que os obesos sensíveis à insulina.
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