Jacob Levy Moreno
Jacob Levy Moreno
Jacob Levy Moreno
René F. Marineau
Jacob Moreno
Jacob Levy Moreno preferiu associar o seu nascimento a uma lenda, supostamente ocorrida num
navio não identificado, no Mar Negro em 1892, uma data posterior ao nascimento original,
alterando inclusive o local. Essa data era importante para Moreno, pois quatrocentos anos antes, em
30/03/1492, se proclamaria um édito no palácio de Alhambra, em Granada, por Isabel de Castela e
Fernando de Aragão, Reis católicos da Espanha. O conteúdo desse édito era uma ordem de
conversão de todos os judeus ao catolicismo. Meses antes, Granada ainda era uma capital
muçulmana, mas quando da chegada de Isabel e Fernando, isso mudaria imediatamente, pois seu
objetivo era transformar a Espanha num país totalmente católico. Quem não se convertesse, seria
expulso do território. No mesmo período, Suas Majestades Isabel e Fernando, ordenaram uma
expedição com homens suficientes para explorar o território das Índias. Assim se iniciava o diário
de Cristóvão Colombo, supostamente judeu. A maioria das embarcações que rumaram para as
Índias era composta de judeus. Mais de 200 mil outros judeus deixaram o seu lar, e rumaram para
destinos diversos, como África, Turquia, Itália entre outros. E entre os que chegaram ao território
otomano, tidos como os mais afortunados, ao que tudo indica, estavam os ancestrais de Jacob
Moreno. Após a chegada em Constantinopla, rumaram para Plevna, e depois Bucareste, na
Romênia.
Por que contar essa história? O jovem Jacob a contou inúmeras vezes, e daí fica constatado a
grande influência que isso teve sobre ele. Nenhum judeu sefardim esqueceria dessa longa e árdua
travessia. Muitos a confundiram com a viagem de Colombo. Porém, os ancestrais de Moreno se
estabeleceram na Turquia, por volta de 1492, com o sobrenome Levy. O sobrenome Moreno, que
Jacob passaria a usar mais tarde, na verdade era um dos prenomes de seu pai. Alguns dos Levy se
converteram ao islamismo, e entre eles havia médicos e comerciantes. A guerra entre Rússia e
Turquia, provocaria um novo Êxodo entre o povo judeu para lugares mais hospitaleiros, como
Bulgária e Romênia. A família Levy tomou parte na comunidade sefardim. O pai de Jacob,
Moreno Nissim Levy, nasceu, muito provavelmente em 1856, na localidade de Plevna, que na época
fazia parte da Turquia, e esta nacionalidade foi a que passou aos filhos, mas posteriormente adquiriu
cidadania romena. Moreno Nissim era um comerciante autônomo, como seu pai, avô de Jacob. Era
contemporâneo de Sigmund Freud. Se casou com Paulina, cuja ascendência também era judia
(sefardim), não se sabe o sobrenome de família da mãe de Jacob. Os pais de Jacob se estabeleceram
na Romênia com um sobrenome romeno, Iancu. Paulina era bem mais jovem que o pai de Jacob,
nascida em 14/11/1873. Se o pai rico de Paulina não tivesse falecido quando esta era ainda uma
menina, e ficado aos cuidados dos irmãos mais velhos e ter sido enviada a um convento, talvez seu
destino teria sido outro.
A Romênia era um país em reconstrução na época, o que dificultou a vida no começo, mas o
progresso não tardou a chegar. Porém, os judeus ainda tinham que lutar pela igualdade de direitos,
apesar de terem garantia de justiça e igualdade da fé religiosa assegurada pelo tratado de Berlim. E
foi por volta dessa época conflituosa que Paulina e Moreno Nissim Levy se casaram. Foi um
casamento arranjado, de conveniência, apesar de Moreno Nissim, 32 anos, homem de negócios,
viajante, ser relativamente pobre. Para Paulina, de apenas 14 anos, só restava se conformar com o
seu destino. A relação do casal era difícil, o que impactou muito o primogênito Jacob, nascido em
18/05/1889. Como o pai de Jacob não estava presente, se encontrava em viagem a trabalho, o
registro oficial de seu nascimento foi assinado por amigos da família que eram membros da
comunidade sefardim. Essa ausência do nome do pai teve um grande simbolismo, e permitiu a
Jacob Moreno, mais tarde, começar uma nova dinastia, assumindo o papel de pai e filho ao mesmo
tempo. Jacob teve mais cinco irmãos, entre homens e mulheres, nos nove anos seguintes ao seu
nascimento.
O ponto chave de toda essa história é o mito que cerca o lugar de nascimento de Jacob Levy
Moreno, que se tornou aceito como sendo o Mar Negro, em 1892.
Muito se falou desse fato do nascimento de Moreno, mas um comentário válido é que esse mito foi
criado após ele ter emigrado para os Estados Unidos. Na Europa os registros diziam que ele sempre
usou seu verdadeiro lugar e data de nascimento, como em documentos oficiais, inclusive na
Universidade de Viena que frequentou. Porém, Jacob sentiu necessidade de criar uma estória em
torno de seu nascimento, numa mistura de imaginação e simbolismo com realidade. O que mais
tarde, ele mesmo, irá chamar de verdade poética e psicodramática.
Associa-se uma megalomania à pessoa de Jacob, pelo fato de ter criado algo especial como a
aurora do Santo Sabbath no momento de seu nascimento, um papel profético que ele mesmo se
atribuiu, o significado dos nomes, tudo isso nos conduz a compreender melhor a sua personalidade.
A verdade só viria à tona em 1975, um ano após sua morte, o que deixou muitos escandalizados e,
inclusive, muitos se sentiram logrados. Dizem que Moreno, na realidade, não mentiu quanto ao seu
nascimento, apenas usou um outro canal para falar a verdade, de um modo que era ao mesmo tempo
simbólico e conducente a gratificações fincadas na realidade. Moreno era um contador de estórias e
gostava de instigar as pessoas a usarem a imaginação, ou simplesmente deixava que adivinhassem
os fatos.
A infância de Jacob, segundo suas próprias palavras, foi a melhor época de sua vida. Ele chegou a
viajar sozinho com o pai, e mantinham boa relação, bem diferente da que mantinham em casa. Em
1906, Jacob estudava em Viena, e acostumou-se a sentar na primeira fila para prestar atenção em
tudo que era dito.
Em 1905, a família tinha se mudado para Berlim, mas Jacob, com apenas 14 anos, se dá conta que
não suportava viver longe de Viena. O casal Moreno Nissim e Paulina veio a se separar,
infelizmente, e isso trouxe imensa decepção ao jovem Jacob. Após ter problemas com a polícia de
Berlim, o pai de Jacob, se estabelece em Chemnitz.
Na longa viagem à Itália, Jacob, acompanhado de um de seus tios maternos, conheceu uma moça,
Pia, e se apaixonou. Foi a primeira mulher a quem chamou de “musa”, o que veio a substituir a
figura materna como sua motivação de ir além de si mesmo. Mas quando teve de partir, a paixão
deu lugar a um imenso vazio, pois Jacob ficou deprimido e com muitos questionamentos. Já como
um jovem terapeuta, foi visitar seus pais antes da separação, tentando intervir de forma a evitar o
rompimento do casal, mas suas tentativas foram em vão, e, assim, ele se deparou com seu primeiro
fracasso.
A morte de seu pai, ocorrida em 1925, causa um grande impacto no aluno sempre comportado, que
logo começou a demonstrar mudanças, o que ficou evidente nas discussões que teve com seus
professores.
Jacob se ressentiu dos acontecimentos, incluindo a perda de seu pai, o que o levou a acreditar numa
injustiça divina, que Deus o tivesse abandonado. Um monólogo surgiu desse momento de revolta, e
assim ‘escreve para Deus’:
“Por que voce criou o Universo em primeiro lugar? Poderia ter-nos poupado a todos de viver.
Por que separou a luz das trevas? Poderia haver apenas luz.
Por que criou rochas e vulcões, oceanos e estrelas?
Bastaria ter havido apenas chão firme…
Por que não começou tudo por mim? E por que enfim me criou? Eu não me sinto bem. Não gosto
de mim.
Devo comer. Mas as melhores iguarias saem pelo traseiro. Devo andar, mas posso escorregar e cair.
Devo crescer, adoecer e morrer. Por quê? Voce deveria ter me criado quando voce estivesse doente e
velho, quando sua energia já estivesse gasta.
Por que me dividiu ao meio? Eu sei que sou imperfeito e indigno.
Quando viu que eu era imperfeito, partiu-me em pedaços e fez aparecer um outro ser, a mulher.
Eu já me sentia totalmente inferior, mas ela era pior ainda.
Este foi o início dessa miséria e futilidade sem fim, a corrente que liga o nascimento com a
morte…”
Moreno se encontrava em profunda dor e desespero, e sua atitude rebelde em relação a Deus se fez
notar na escola, direcionou essa mesma raiva contra o sistema político e a autoridade em geral.
“ Deus tinha que ser morto e a sociedade destruída, para fazer aparecer uma nova ordem das coisas,
um novo mundo”, dizia ele. Entre as leituras de Jacob, se destacam autores como Nietzsche,
Dostoiévski, Kierkegaard e Whitman.
Enquanto vivia em Chemnitz, uma provinciana cidade alemã, o jovem Moreno teve uma “visão”.
Uma iluminada estátua de Jesus Cristo lhe chamou atenção no parque enquanto caminhava sem
rumo numa certa noite. Ele estava querendo por os pensamentos em ordem, sabia que mudanças
estavam por vir, e sabia das suas responsabilidades. Num estranho momento de contemplação,
Jacob parecia querer que a estátua lhe “falasse”, ele se sentia extraordinário, que tinha uma missão a
cumprir, e o sentimento de megalomania volta a se manifestar. Mas ele mesmo daria outro
significado ao termo: “A megalomania nada tem de excepcional. Tem, como outros estados
naturais, formas normais e patológicas. A megalomania normal é tão fundamental para o homem de
natureza espiritual como são os pulmões para a respiração e os vasos sanguíneos para alimentar as
células do organismo, de acordo com sua natureza física. Todos os homens estão imbuídos da ideia
de grandeza. O problema não é a megalomania. A questão é: por que nós, em nossa cultura,
tratamos de suprimi-la e saudamos os que praticam a modéstia? Por que desaprovamos os homens
que apregoam que foram escolhidos para fatos extraordinários?” Esse foi considerado o seu
segundo momento de megalomania, o primeiro, ainda na infância, quando queria representar Deus
em suas brincadeiras.
Moreno entrou para universidade de Viena em 1909, ele queria cursar medicina, mas a não
conclusão do curso preparatório o impediu, sendo então admitido para cursar filosofia,
provisoriamente. Em 1910, com sua situação regularizada, fez a transferência para a faculdade de
medicina. Mas tinha dificuldades práticas em partos, o que quase determinou sua reprovação no
exame de ingresso para revalidar seu diploma em medicina quando se mudou para os Estados
Unidos.
O seu primeiro encontro com Freud, não se tem certeza de como tenha ocorrido, foi determinante
para que Jacob se posicionasse com suas ideias próprias perante a psicanálise. Na verdade, a
psicoterapia já vinha se moldando em Jacob. Porém, o que lhe interessava particularmente eram os
processos conscientes, no aqui e agora, na criatividade da pessoa, e não nos processos
inconscientes, ou mesmo no passado e nas ditas resistências dos pacientes. Moreno teve outros
encontros com Freud, mas veio a se tornar amigo de Theodor Reick, tentando por meio deste uma
reaproximação infrutífera com Freud, mas seu desafeto era evidente, já com Alfred Adler manteve
uma relação duradoura. Jacob Moreno tinha uma posição agressiva contra a psicanálise de Freud,
como dito anteriormente, ele não gostava de focar no inconsciente.
Após ser convocado para a Primeira Guerra Mundial (1914-1918), e uma vez cumprido o dever,
Moreno prestou os três exames necessários e foi aprovado, obtendo assim o título de médico em 5
de fevereiro de 1917.
Retomando a época que Moreno se reunia com amigos e discípulos, no ano de 1908, surgiu a
“religião” que eles mesmos criaram, que era centrada em criatividade, encontros e anonimato. Eles
deixavam a barba crescer, discutiam questões teológicas e filosóficas, além de ajudar pobres
refugiados. Essa fase de Moreno indicava que estava num momento menos narcisista e egocêntrico.
Mas havia a velha profecia da cigana, de tornar-se profeta, anunciada na sua infância (*). E Moreno
queria mostrar que era de fato um profeta, o detalhe da barba crescida poderia ajudar na aparência,
mas não era só isso, também simbolizava um desvio das normas. Ele queria deixar claro que
ninguém poderia impedi-lo de deixar o seu corpo seguir o curso natural.
Assim diz Moreno:
“Eu tinha a ideia fixa de que um único indivíduo não possuía autoridade, de que devia tornar-se a
voz de um grupo. Portanto, saí por aí, para encontrar amigos, seguidores, gente boa. Minha nova
religião era a religião do ser, da própria perfeição. Era a religião da ajuda e da cura, pois ajudar era
mais importante do que falar. Era a religião do silêncio. Era a religião do fazer alguma coisa por ela
mesma, sem recompensa, sem reconhecimento. Era a religião do anonimato.”
Assim, com essa dita “religião”, Moreno começava a delinear o que viria a ser um dia a terapia de
grupo.
Moreno destacou quatro aspectos da psicoterapia de grupo que o impressionaram, e que mais tarde,
seriam pedras angulares de todas as formas de psicoterapia de grupo:
1) A autonomia do grupo;
2) A existência de uma estrutura grupal e a necessidade de saber mais a respeito dela; o
diagnóstico grupal é preliminar à psicoterapia de grupo;
3) O problema da coletividade; a prostituição representa uma ordem coletiva com padrões de
comportamento, papéis e hábitos que dão colorido à situação, independente dos participantes
particulares e do grupo local;
4) O problema do anonimato: quando o cliente é tratado num quadro de terapia individual, fica só
com seu médico e seu ego é o único a estar em foco, ele tem um nome, sua psique é uma
propriedade privada altamente valorizada. Mas na psicoterapia de grupo há uma tendência ao
anonimato dos membros, os limites entre os egos se enfraquecem, o grupo como um todo torna-
se a coisa importante.