Comentário Bíblico Kretzmann - Parte 6 - Lucas 01-08
Comentário Bíblico Kretzmann - Parte 6 - Lucas 01-08
Comentário Bíblico Kretzmann - Parte 6 - Lucas 01-08
INTRODUÇÃO
Não hás motivo para colocar em dúvida a tradição repassada pelo historiador eclesiástico Eusébio, de
que o terceiro evangelho foi escrito por Lucas. Este evangelista, que Paulo chama de “médico amado”,
Cl.4.14, foi gentio de nascimento, Cl. 4.14, tendo nascido e crescido em Antioquia, At. 6.5; 11.19-28. De sua
profissão há muitas evidências no evangelho, como também nos Atos, Lc. 4.38; 5.12; 6.6; 7.2; 8;42; 10.30-
37; 16.20-22; At.28.8. Recebeu uma boa educação e escrevia num estilo fácil, fluente e elegante. Este fato dá
a seus livros uma colocação igualmente elevada como literatura. Lucas não chegou pessoalmente a conhecer
Jesus. Parece que ele foi convertido em Antioquia, provavelmente por Paulo, com quem esteve unido numa
amizade cordial e vitalícia. O grande apóstolo teve-o em altíssima estima, como companheiro e assistente,
Cl.4.14; Fm.24; 2.Tm.4.11. Lucas juntou-se a Paulo em sua segunda viagem em Trôade e o acompanhou a
Filipos, At.16.10-17. Lucas esteve novamente entre os companheiros de Paulo na terceira viagem, e foi com
ele de Filipos a Jerusalém, At.20.5-21,18. Mais tarde, Lucas fez com o prisioneiro Paulo a viagem para
Roma, e ficou com ele em Roma, At.27. 1-28, 16. Durante o segundo aprisionamento de Paulo, Lucas esteve
novamente com ele, o que lhe valeu sua profunda gratidão, 2.Tm.4.11. Fora desses fatos, nada se sabe sobre
Lucas, seja das particularidades de sua vida, como do tempo e modo de sua morte.
Lucas foi um historiador de primeira linha, sendo que, até, críticos ateus lhe concedem alto grau de
confiabilidade. Isto é evidente, até, em seu evangelho, capítulo 1.1-4. Conforme o testemunho de antigos
escritores, Lucas foi, de certo modo, o intérprete de Paulo, assim como Marcos o foi para Pedro. Seus
escritos mostram claramente esta influência, especialmente, nas expressões sobre a justificação dum pecador
diante de Deus, Lc. 18.14; At.13.38,39. O evangelho é dedicado ao “excelentíssimo Teófilo”, que,
evidentemente, era homem de alta posição, não sendo judeu mas gentio e morando na Itália. Há indicações
por todo o evangelho que Lucas escreveu para um público que não conhecia a Palestina, nem seus costumes
e língua, mas que era familiar com o ambiente de vida grego e romano que reinava nas grandes cidades do
império, capítulo 6.17-20. Ele explica aos seus leitores os nomes e termos semitas. Descreve a localização de
Nazaré e Cafarnaum, como sendo da Galiléia, de Arimatéia, como uma cidade dos judeus. Afirma que a terra
dos gadarenos ficava em frente a Galiléia. Até dá a distância do Monte das Oliveiras e de Emaus em relação
a Jerusalém. Que Lucas pensou em cristãos de origem gentia, isso também está claro do fato que ele não
destaca o caráter messiânico de Jesus, como o faz Mateus, mas ele enfatiza o fato que Jesus é o Salvador do
mundo inteiro, sendo o Redentor igualmente dos gentios, Lc.2.10, 31, 32, e que o evangelho devia ser
pregado a todas as nações. Ele retrata a Jesus como o amigo dos pobres e necessitados, tanto no sentido
espiritual como físico, capítulo 1.52,53; 2.7,8; 4.18,19; 6.20; 12.15-21; 16.19-31. Lutero diz: “Lucas, porém,
vai mais longe, como que querendo tornar Cristo comum a todas as nações. Por isso conduz sua genealogia
até Adão. ... Por isso Lucas quer expor, que este Cristo não pertencia só aos judeus... mas também ao próprio
Adão e aos seus descendentes, isto é, a todas as nações em todo o mundo.”1)
Conforme o objetivo do evangelho, há muitos aspectos peculiares que devem ser observados,
especialmente a exatidão das descrições médicas, a conservação dos hinos inspirados (os dos anjos por
ocasião do nascimento de Jesus, de Isabel, de Maria e de Zacarias), e o destaque concedido às mulheres,
8.2,3; 10.38-42; 23.27,28.
O evangelho de Lucas, certamente, foi escrito antes do ano 70 A.D., visto não conter qualquer
referência à destruição de Jerusalém, da qual o autor fornece a profecia completa de Jesus, capítulo 21. Com
base na introdução do livro, foi inferido Lucas escreveu depois de Mateus e Marcos, ou seja, mais ou menos
em 67 ou 68. Alguns comentaristas assumiram que Lucas, por este tempo, voltou para Antioquia, e que lá
escreveu seu evangelho. Mas a aceitação geral é que ele foi escrito na Itália e, mais precisamente, em Roma,
At. 28.16,30,31; Cl.4.14; Fm.24; 2.Tm.4.11.
1
) Lutero, 7.6,8 (traduzi do alemão).
O esboço do evangelho de Lucas é, em geral, o dos outros evangelhos sinóticos. Sua introdução
sobre o precursor de Cristo e o nascimento e a infância de Jesus se divide em três secções, demarcadas por
pontos de partida da história secular. A seguir dá um relato completo do ministério profético de Cristo na
Galiléia. Depois segue um relato completo das parábolas e discursos que foram provocados pela necessidade
de ensino aos discípulos de Cristo e da repreensão aos inimigos fariseus. Finalmente Lucas narra a história
da última viagem de Cristo para Jerusalém e seus sofrimentos, morte, ressurreição e ascensão.2).
CAPÍTULO 1
V. 1) Visto que muitos houve que empreenderam uma narração coordenada dos fatos que entre nós
se realizaram, 2) conforme nos transmitiram os que desde o princípio foram deles testemunhas oculares, e
ministros da palavra, 3) igualmente a mim me pareceu bem, depois de acurada investigação de tudo desde
sua origem, dar-te por escrito, excelentíssimo Teófilo, u9ma exposição em ordem, 4) para que tenhas plena
certeza das verdades em que foste instruído. Visto que, sendo que ou visto que é bem sabido – a partícula
forte subentende que o fato que o evangelista está por afirmar, já é bem conhecido, que é importante e que
introduz a razão que levou Lucas a este grande empreendimento. Muitas pessoas haviam feito sua a tarefa de
relatar de maneira coerente as grandes coisas que haviam sido cumpridas, ou seja, que no cumprimento do
tempo haviam sido trazidas à sua plena consumação em seu meio. O relato do evangelho havia sido
transmitido na forma de episódios e histórias individuais, mas não numa longa narrativa conectada. E haviam
muitos que desejavam uma história conectada sobre os fatos que, como um todo completo, estavam diante da
cristandade. Muitos destes, porém, por sua própria iniciativa, foram longe de mais, e a palavra de Lucas faz
pensar numa pequena censura. Agiram sem a autorização dos grandes mestres da igreja, usando seu próprio
juízo como sendo a autenticidade das histórias que circulavam entre eles. Seus esforços estavam em paridade
com os dos escritores apócrifos posteriores, sendo uma mistura de verdade e falsidade. Mas as coisas que
formam o conteúdo da fé cristã não devem ser entregues a escribas sem qualquer autorização e sem a certeza
de ser a verdade plena e divina. Os discípulos haviam sido as testemunhas do ministério de Cristo. Haviam,
desde o começo, visto e ouvido os milagres e os sermões. Haviam sido ministros com Cristo, assistindo-o em
sua grande obra. Haviam sido servos da Palavra. O relato evangélico e sua aplicação monopolizavam sua
atenção, assim que esta palavra era o conteúdo e a característica de sua obra. O que haviam ensinado fora a
verdade divina, visto que o Espírito Santo os havia conduzido à plena verdade. Seu correto relato da
narrativa do evangelho devia ser o único a ter validade entre os cristãos. Esta é a noção que Lucas teve do
assunto. Por isso fizera cuidadosas investigações, ou seja, de modo muito aplicado, seguindo o assunto desde
seu princípio, ou informando-se de tudo com a ajuda de professores responsáveis e autorizados. Estava, por
isso, pronto a, com base nestas investigações e estudos, escrever uma história ininterrupta ou uma narrativa
concatenada de toda a história do evangelho, ou seja, não só desde o princípio do ministério de Cristo, mas
do início de sua vida. A seguir Lucas se dirige, de modo polido, ao homem a quem suas investigações
resumidas se destinavam. Era um certo Teófilo, que, provavelmente, era romano, a quem ele chama de
honrado. Isto nos faz supor que ocupava algum importante posto oficial. Este homem já recebera instrução
catequética ( o primeiro caso em que esta instrução é sugerida), mas, além do essencial, não fizera maiores
progressos no conhecimento religioso, provavelmente, porque faltava um livro texto autorizado. Lucas,
porém, deseja que ele conheça bem, ou entenda perfeita e plenamente a exatidão da verdade que aprendera
até agora. Devia tornar-se confirmado no conhecimento. Foi para isto que era desejável a escrita ou
publicação duma história cronológica e lógica da vida e do ministério de Jesus. Notemos: A explicação que
Lucas aqui dá, de modo nenhum, enfraquece a inspiração verbal. “Ainda que Deus dá seu Espírito Santo a
todos os que lho pedem, este dom nunca pretendeu eliminar aquelas faculdade com as quais ele já dotou a
alma, e as quais são tão certamente seus dons como o é o próprio Espírito Santo. No caso de Lucas
descobrimos imediatamente a natureza da inspiração: Ele se dispôs, por meio de inquirição imparcial e
diligente investigação, para encontrar a plena verdade, e para relatar nada mais que a verdade; e o Espírito de
Deus governou sobre e dirigiu suas pesquisas, sendo assim que ele descobriu a plena verdade, e foi guardado
2
)Fuerbringer, Einleitung in das Neue Testament, 29-32.
de qualquer partícula de engano”3). Notemos também: “Este prefácio fornece um quadro vigoroso do
interesse intenso e universal da igreja antiga na história do Senhor Jesus: Os apóstolos constantemente
contavam o que haviam visto e ouvido; muitos dos seus ouvintes registravam o que se lhes dizia para o
benefício deles e de outros; através desta familiaridade com pedacinhos do evangelho em que a história do
evangelho circulava entre os cristãos, despertando sede para receber sempre mais; colocando num homem
como foi Lucas a tarefa de preparar um evangelho tão completo, correto e bem organizado quanto possível
através do uso de todos os meios disponíveis, fossem escritos anteriores ou testemunhos orais de
testemunhas oculares ainda vivas”4). Pode ser observado, finalmente, que este prefácio do evangelho de
Lucas não é só um lindo exemplo de grego, mas que ele também respira o espírito de verdadeira mansidão,
daquela mansidão que deve caracterizar não só o ministro do evangelho mas a cada cristão.
Os pais de João, V.5) Nos dias de Herodes, rei da Judéia, houve um sacerdote chamado Zacarias, do
turno de Abias. Sua mulher era das filhas de Arão, e se chamava Isabel. 6) Ambos eram justos diante de
Deus, vivendo irrepreensivelmente em todos os preceitos e mandamentos do Senhor. 7) E não tinham filho,
porque Isabel era estéril, sendo eles avançados em dias. Houve ou vivia nos dias quando Herodes o Grande
era o rei da Judéia. Lucas é muito cauteloso e exato em todas suas referências à história secular. Por isso suas
afirmações são tão confiáveis, além disso, são inspiradas por Deus. Foi então, que um sacerdote de nome
Zacarias (que Lutero traduz como proclamação ou lembrança do Senhor) vivia na Judéia, numa das cidades
reservadas aos sacerdotes.Ele pertencia à ordem, classe ou divisão de Abias. Todos os sacerdotes dos judeus,
que no tempo de Cristo somavam uns 20.000, eram divididos em certas seções, nomeadas conforme seu
serviço semanal. Estas classes ou ordens sucediam uma a outra numa justa rotação no serviço do templo de
Jerusalém. Havia vinte e quatro classes, das quais a de Abias era a oitava, 1.Cr.24. A mulher de Sacarias
também era dos descendentes de Arão, sendo filha dum sacerdote. Seu nome era Isabel, que Lutero explica
como descanso de Deus, ou como cessar de trabalhar, ou um descanso dado por Deus. Desta forma João
Batista descendia, dos dois lados, de pais sacerdotes.
São dados a Zacarias e Isabel os mais altos louvores pelo evangelista. Ambos eram justos diante de
Deus. Sua maneira de viver era de tal natureza que suportava o exame minucioso de Deus. Eram exemplos de
justiça civil. Andavam sem reserva em todos os mandamentos e estatutos do Senhor. Do ponto de vista do
julgamento humano sua piedade e bondade eram sem defeito. Mas, apesar de tudo isto, havia uma grande
tristeza que oprimia suas vidas. Não lhes fora concedido um só filho para alegrar seu lar. E a falta de filhos,
do ponto de vista dos judeus e da Bíblia, era uma calamidade. Isto não fora uma escolha ou desejo deles, mas
aconteceu porque Isabel era estéril. O Senhor lhe negara o privilégio da maternidade. Nesta época ambos já
estavam bem velhos, estando além do tempo em que, segundo o curso da natureza, podiam esperar a bênção
de filhos. Sentiam esta falta de filhos como uma grande reprovação, e como pesada cruz. “Pois os estéreis
eram considerados malditos. Pois Gênesis 01, quando Deus criou macho e fêmea, ele disse: ‘Sede fecundos e
multiplicai-vos!’ Os judeus instavam diligentemente estas palavras. Aquele que não produzia fruto não era
bendito. Por isso um homem ou mulher sem filhos seja considerado amaldiçoado e desgraçado. Assim Isabel
também pôde lamentar que foi desprezada e zombada diante do mundo, visto ser ela infrutífera. Hoje em dia
as pessoas consideram uma bênção quando não têm filhos”5). – que tristeza!
Zacarias no templo, V. 8) Ora, aconteceu que, exercendo ele diante de Deus o sacerdócio na ordem
do seu turno, coube-lhe por sorte, 9) segundo o costume sacerdotal, entrar no santuário do Senhor para
queimar o incenso; 10) e, durante esse tempo, toda a multidão do povo permanecia da parte de fora,
orando. Assim aconteceu, ou, antes, pela dispensação e governo de Deus sucedeu, que Sacarias estava
servindo em seu ofício sacerdotal. No decorrer do tempo, como acontecia duas vezes ao ano no calendário
judeu, sua ordem ou divisão estava encarregada do serviço no templo do Senhor. Ele, por isso, deixou seu lar
e foi a Jerusalém para os trabalhos da semana, junto com os demais sacerdotes de sua série. Era costume dos
judeus designar por sorte as várias tarefas que os sacerdotes deviam realizar no templo, sendo alguns
escolhidos para atender o altar dos holocaustos, outros para as ordenações do lugar santo, e outros ainda para
os utensílios da ala dos sacerdotes. Foi assim, que coube a Zacarias realizar, em certo dia, a tarefa
3
) Clarke, Commentary, 5.355.
4
) Expositor’s Greek Testament, 1.460.
5
) Lutero, 7.1506 (cf. alemão que é diferente da tradução inglesa).
especialíssima de queimar incenso no altar do lugar santo. Na vida de qualquer sacerdote, este era um dia
inesquecível, visto ser provável que esta ocasião jamais se repetiria em sua vida. Este trabalho era realizado
no próprio templo, como Lucas observa por causa daqueles que não estavam familiarizados com a forma de
culto judeu e os vários sacrifícios no culto. O sacerdote oficiante, nesta parte de cerimônia, estava sozinho no
lugar santo, tendo-se retirado todos os servos e assistentes. Durante esta cerimônia, a congregação estava
reunida nas alas, visto ser esta a hora de oração, ou seja, mais ou menos nove horas da manhã, sendo a oferta
de incenso um tipo e símbolo das orações que subiam ao trono de Deus, Sl. 141.2.
O mensageiro angelical, V. 11) E eis que lhe apareceu um anjo do Senhor, em pé, à direita do altar
do incenso. 12) Vendo-o, Zacarias turbou-se, e apoderou-se dele o temor. 13) Disse-lhe, porém, o anjo:
Zacarias, não temas, porque a tua oração foi ouvida; e Isabel, tua mulher, te dará à luz um filho a quem
darás o nome de João. 14) Em ti haverá prazer e alegria, e muitos se regozijarão com o seu nascimento. 15)
Pois ele será grande diante do Senhor, não beberá vinho nem bebida forte, será cheio do Espírito Santo, já
do ventre materno. 16) E converterá muitos dos filhos de Israel ao Senhor seu Deus. 17) E irá adiante dele
no espírito e poder de Elias, para converte os corações dos pais aos filhos, converter os desobedientes à
prudência dos justos e habilitar para o Senhor um povo preparado. Enquanto Zacarias estava envolvido no
trabalho do seu ministério, enquanto a fumaça do incenso no incensário subia diante do véu do santíssimo,
apareceu-lhe, repentinamente, um anjo do Senhor. Não foi uma revelação ocorrida num sonho ou num estado
de estase, mas uma aparição real, de cuja ocorrência não podia haver qualquer dúvida. O visitante celeste
estava de pé ao lado direito, ou seja, no lado sul do altar de incenso. Zacarias não se achava num estado de
estase, mas sua mente esteve perfeitamente clara e ele observou cada detalhe. Mas a visão impressionou-o
muito, ficando ele muito perturbado, como é de esperar nestas circunstâncias. E esta perturbação se
expressou em medo, que lhe sobreveio. Um homem pecador pode, muito bem, se encher de medo na
presença dum mensageiro imaculado da parte do santo Deus. O anjo, porém, se apressou para lhe assegurar
ou de lhe dizer que não havia qualquer motivo para medo e perturbação. A mensagem que lhe traz é de
alegria. Não foi só neste dia que os pensamentos de Zacarias, quando em oração, se demoraram sobre a cruz
que carregava, mas, assim parece, que esta sua desgraça era motivo de constantes súplicas a Deus. Notemos:
Quando Deus dá a seus filhos uma cruz a carregar, então ele lhes testa a firmeza e a paciência, sua fé e
confiança nele. Mesmo que toda a experiência humana é contra um cristão em sua oração, este confia no Pai
clemente por auxílio e, em fé singela, traz sempre de novo sua petição diante do trono de Deus. Deus ouvirá
a seu tempo e a seu modo. Assim, agora, o anjo anunciou a Zacarias o cumprimento de sua oração. Isabel,
sua mulher, lhe daria um filho a quem ele deveria dar o nome de João, que Lutero traduz: O favor ou a
misericórdia do Senhor. O anjo afirma que este acontecimento será o motivo de alegria e exultação por parte
do pai. Outras pessoas, todavia, também exultariam com os pais por causa deste filho. O anjo se refere, não
só aos parentes, os quais, de fato, não os desapontaram no tempo próprio, mas aqui há também uma
indicação da alegria que os verdadeiros judeus, que são os fiéis, sentiriam nesta indicação da consumação de
suas esperanças, visto que alguns, com certeza, reconheceriam em João o precursor do Senhor e Messias. A
razão desta alegria em grau máximo não será meramente o cumprimento de sua paternidade, mas o fato que
este filho seria grande diante do Senhor, ou seja, à vista de Deus. Será muito estimado diante de Deus, e
também receberá este reconhecimento pelo serviço na área da religião. Uma de suas características seria a
dos antigos nazireus: Não beberia vinho ou qualquer bebida forte, ou seja, qualquer bebida intoxicante feita
de uva, Nm.6.3. Mas sua maior distinção seria esta, que estaria cheio do Espírito Santo, e isto não só a partir
do seu nascimento, mas antes mesmo de ver a luz, ou seja, desde o começo de sua existência. E esta será uma
obra imensa e maravilhosa: Ela fará voltar ao Senhor seu Deus a muitos dos filhos de Israel. Arrependimento
e conversão serão seu grande alvo e lema. Nesse tempo uma tal renovação ou reavivamento espiritual era
muito necessário na Palestina, visto imperar entre o povo muita ortodoxia morta e não suficiente fé viva.
João, realizando esta obra, cumpriria a profecia dita sobre ele, Ml. 4. 5,6. O espírito e o poder de Elias
habitariam nele, para fazer voltar os corações dos pais aos filhos. Isto é, para fazê-los compreender a
responsabilidade que pesa sobre eles na educação dos pequeninos na criação e admoestação do Senhor. Isto
envolve fazê-los compreender que não basta o atendimento das necessidades físicas dos filhos para cumprir
os mandamentos do Senhor. Que entendessem que sua missão não está atendida quando cumpriram a
prescrita fórmula superficial de ensinar a seus filhos as observâncias exteriores da religião. A obra de João,
incidentalmente, consistiria em converter os desobedientes, ou seja, os descrentes, ao – ou por meio do –
sadios bom senso da justiça. Afastar-se do Senhor e seguir o pendor e inclinação do próprio coração
perverso, é, em última análise, o cúmulo da tolice. O único bom senso é aquele encontrado nos que, com o
auxílio de Deus, vivem seu viver, conforme os ditames da própria Palavra de Deus. João iria, por tais meios e
desta forma, preparar ao Senhor um povo preparado, instruído e ajustado. Este é o método no reino de
Cristo: pela pregação de arrependimento é preparado o caminho a Cristo e para o evangelho da graça de
Deus em Cristo. Um caráter cristão sadio pode provir do amor de Cristo, só onde os corações são,
previamente e corretamente, influenciados por esta pregação.
As dúvidas de Zacarias, V. 18) Então perguntou Zacarias ao anjo: Como saberei isto? Pois eu sou
velho e minha mulher avançada em dias. 19) Respondeu-lhe o anjo: Eu sou Gabriel, que assisto diante de
Deus, e fui enviado para falar-te e trazer-te estas boas novas. 20) Todavia ficarás mudo, e não poderás
falar até ao dia em que estas coisas venham a realizar-se; porquanto não acreditaste nas minhas palavras,
as quais a seu tempo se cumprirão. O anúncio do anjo e o entusiasmo com que proferiu sua mensagem,
desarmaram ao idoso sacerdote. Esperar esperando, ele continuara seus persistentes apelos por prole mesmo
que fosse depois do usual término da vida reprodutora. Agora, porém, que suas orações deviam ser atendidas,
mesmo acima de suas expectativas mais otimistas, a grandeza do milagre gerou dúvida em sua mente.
Subitamente isto lhe pareceu bom demais para ser verdade, visto que o curso da natureza não podia ser
ignorado. Por isso ele viveu sob falta de fé. Ele pergunta: Quais são os meios pelos quais o saberei? Queria
alguma prova concreta, algum sinal definido, que lhe desse a certeza imediata do cumprimento de suas
esperanças. Agora, visto que sua fé fora abalada, ele argumenta do ponto de vista da razão humana, que ele
era um velho e que sua mulher estava avançada em dias, e que, por isso, o evento predito certamente não
poderia ocorrer. Zacarias recebeu o sinal, que pedira, mais rápido do que pudesse prever. O anjo, com
impressionante solenidade, expõe-lhe a razão por que a mensagem devia ter sido cria irrestritamente. Pois,
seu nome é Gabriel, que significa o poder do Deus potente. Zacarias, sendo familiar com os livros dos
profetas, entenderia o nome e tudo o que ele representava, Dn. 8. 16; 9. 21. Gabriel pertencia aos bem-
aventurados anjos que assistem na presença de Deus, e que estão confirmados na eterna bendição diante do
trono de Deus. ele estava ali, não por sua própria iniciativa ou por seu próprio interesse, mas como
mensageiro do Deus forte, que conseguiria cumprir qualquer propósito e subjugar a si todas as coisas. Ele
viera trazer a Zacarias novas realmente boas e alegres. Por isso, visto Zacarias, não considerando esta fato,
escolhera duvidar da mensagem, o sinal que reclamara ocorreria na forma duma punição severa, mesmo que
terrena e temporária: Total mudez, até o tempo em que tudo aconteceria. Pois, como o anjo enfatiza mais
uma vez, o assunto predito certamente se cumpriria no tempo apropriado, ou seja, no tempo indicado por
Deus.
A aflição do povo, 21) O povo estava esperando a Zacarias e admirava-se de que tanto se
demorasse no santuário. 22) Mas saindo ele, não lhes podia falar; então entenderam que tivera uma visão
no santuário. E expressava-se por acenos, e permanecia mudo. 23) Sucedeu que, terminados os dias de seu
ministério, voltou para casa. A oferta de incenso era o ponto alto do culto matutino, durante o qual Zacarias
esteve a sós no lugar santo. O povo sempre ficava apreensivo sobre algum desastre que poderia sobrevir ao
sacerdote oficiante, a saber, que Deus poderia abatê-lo como alguém indigno e, a seguir, aplacar sua ira sobre
todo o povo. Foi por isso que estava preocupado com ele. A conversa com o anjo prolongara a permanência
do sacerdote para muito além da hora do término, e aumentou a sua incomum admiração sobre a demora.
Quando ele, por fim, saiu do lugar santo, e entrou na corte dos sacerdotes, próxima aos degraus que desciam
aos outros pátios, foi incapaz de proferir a bênção araônica, com a qual concluía o culto matutino. Zacarias
recebera uma prova positiva de que as credenciais de Gabriel estavam fora de dúvida. Imediatamente havia
sido tomado de mudez. O povo, porém, podia sentir e perceber e compreender, pelos gestos e sinais que
fazia, que algo inusitado ocorrera no templo. E concluíram que ele tivera uma visão que o deixara sem fala.
Zacarias, porém, mesmo privado ca capacidade de falar, cumpriu todo seu turno do ministério no templo, que
se estendia por uma semana, 2.Rs. 11. 17. Havia outras tarefas que não exigiam o uso da voz, e muitas
tarefas no templo eram entregues a quem tinha alguma deficiência física menor. No fim da semana, porém,
voltou ao seu lar, ou à cidade dos sacerdotes onde morava. As palavras dum comentarista que se referem ao
trabalho dos pastores nesta conecção podem, muito bem, ser dilatadas para incluir todos os cristãos, visto
que todos eles deviam estar engajados no trabalho do Mestre. Ele escreve: “Há algo muito instrutivo na
conduta deste sacerdote. Não tivesse ele amado o culto em que se empenhara, teria feito da perda da voz um
pretexto para renunciá-lo imediatamente. Mas, visto que isso não o incapacitava ao cumprimento de sua
função sacerdotal, julgou-se obrigado a continuar seu ministério até ao fim, ou até que Deus expressamente o
demitisse. Pregadores que renunciam seu trabalho na vinha por causa de algum distúrbio corporal sem maior
importância que os acometeu, ou por causa de algum transtorno em coisas exteriores as quais o seguidor do
Senhor que carregou a cruz e que foi crucificado, nem devia mencionar, esses mostram que, ou nunca
tiveram uma preocupação correta pela honra de seu Mestre e pela salvação das pessoas, ou que perderam o
espírito de seu Mestre e o espírito de seu trabalho. Por outro, Zacarias não correu logo para casa para contar
para sua mulher a boa notícia que recebera do céu, no que ela certamente estava muito interessada. O anjo
havia prometido que todas as suas palavras se cumpririam no devido tempo, e por este tempo ele esperou
pacientemente na trilha do dever. Havia-se engajado no serviço do Senhor, e não devia distrair-se com
qualquer coisa que pudesse prejudicar ou interromper seu trabalho religioso. Pregadores que confessam que
foram chamados por Deus para trabalhar na Palavra e na doutrina, e que abandonam seu trabalho por causa
de um lucro sujo, são os mais desonrados dos mortais e traidores de seu Deus.”6).
O começo do cumprimento, V. 24) Passados esses dias, Isabel, sua mulher, concebeu, e ocultou-se
por cinco meses, dizendo: 25) Assim me fez o Senhor, contemplando-me, para anular o meu opróbrio
perante os homens. Deus, a seu tempo, se lembrou de Isabel e de seu esposo. A idosa esposa tinha provas
que suas orações, finalmente, pareciam terem sido ouvidas. O efeito desta compreensão foi, que ela se
escondeu por completo, não tomando parte em qualquer relacionamento social. Deus se preocupara para
remover-lhe a repreensão. Pois a fertilidade fora uma das promessas de Deus sobre seu povo, Gn. 17.6, e
visto que filhos, em vista disso, terem sido considerados uma bênção especial do céu, Ex. 23.26; Lv. 26.9; Sl.
127.3, então entre os judeus a esterilidade era considerada uma repreensão, e um sinal da desaprovação do
Senhor, 1.Sm.1.6. Este estigma agora estava para ser removido. Ainda que o fato não era público, mesmo aos
seus amigos e parentes íntimos, ela o sabia. Agora queria evitar as olhadelas penalizadas a que nunca fora
obrigada a se acostumar, até ao tempo em que sua expectativa estaria fora de dúvida, e já não mais poderia
haver qualquer repreensão que a ferisse.
A visita de Gabriel a Nazaré, V. 26) No sexto mês foi o anjo Gabriel enviado da parte de Deus, para
uma cidade da Galiléia, chamada Nazaré, 27) a uma virgem desposada com certo homem da casa de Davi,
cujo nome era José; a virgem chamava-se Maria. No sexto mês depois que o Senhor se lembrara de Isabel e
cumpriu parte do seu desígnio e profecia em favor da humanidade caída, ele fez preparativos para um
acontecimento ainda mais maravilhoso. Comissionou Gabriel, o mesmo mensageiro do caso anterior, para
servir como encarregado de outra mensagem. Lucas é muito cuidadoso para fazer todas as afirmações que se
fazem necessários, para que a situação seja clara. Ainda que Maria e José fossem ambos da casa de Davi, não
moravam na cidade de seus pais, mas em Nazaré da Galiléia, uma pequena vila nas montanhas a sudoeste do
Mar da Galiléia. O anjo foi enviado a uma virgem de nome Maria, e não a uma jovem casada, como o
querem os críticos do nascimento duma virgem, V. 34. Mas ela era noiva, ou esposada, conforme o costume
judeu, a um homem de nome José, que também era de sangue real. O noivado entre os judeus, segundo a
ordem de Deus, era tão indissolúvel como o era o casamento quando já consumado. O noivado era realizado
com muitas cerimônias e ocorria, mais ou menos, um ano antes do casamento. Palavras tão simples, mas
providas dum significado muito solene! Tal como o expressa certo comentarista: “Por fim chegou o
momento que deve dar um filho a uma virgem, um Salvador ao mundo, um exemplo para a humanidade, um
sacrifício para os pecadores, um templo para a Divindade e um novo princípio ao mundo”.
A mensagem do anjo, V. 28) E, entrando o anjo aonde ela estava, disse: Alegra-te, muito
favorecida! O Senhor é contigo. 29) Ela, porém, ao ouvir esta palavra, perturbou-se muito e pôs-se a pensar
no que significaria esta saudação. 30) Mas o anjo lhe disse: Maria, não temas; porque achaste graça diante
de Deus. 31) Eis que conceberás e darás à luz um filho a quem chamarás pelo nome de Jesus. 32) Este será
grande e será chamado Filho do Altíssimo; Deus, o Senhor, lhe dará o trono de Davi, seu pai; 33) ele
reinará para sempre sobre a casa de Jacó, e o reinado não terá fim. Enquanto a primeira mensagem do
Novo Testamento é dada no íntimo do lugar santo do templo, a segunda é dada na intimidade do lar duma
virgem em Nazaré. A bela saudação do anjo, nesta ocasião, é abusada pela igreja católica, transformando-a
numa prece da sua prática idólatra.É conhecida como o “Ângelus” e começa com as palavras “Ave Maria”.
Mas as palavras da saudação e o comportamento de Maria naquele momento provam que a pretensão católica
é insustentável, e que orar para Maria é um costume que ele, se o tivesse sabido, nunca teria tolerado. Pois, o
anjo a chama alguém que foi muito agraciado, que foi graciosamente aceito, muito favorecido ou revestido
6
) Clarke, Commentary, 5. 359.
com graça. Ela é saudada, não como uma mãe ou dispensadora da graça, mas como uma filha e recebedora
da graça. Ela recebe a confirmação que o Senhor está com ela. Ela está inteira e totalmente dependente
daquele que é seu Deus e seu Salvador. O efeito da repentina aparição e a singular saudação foi, como é
natural, de muito sobressalto. Maria ficou muito perturbada. Não, porém, dum temor cheio de dúvida, mas,
porque sentia que isto significava algo muito especial, cuja natureza, todavia, ainda não aparecia. Sua
humildade a fez recuar diante da plenitude desta graça, o que é o efeito natural da afirmação da misericórdia
de Deus sobre os pobres e corruptos mortais. Ela conjeturava e pensava sobre as possíveis razões que o
levaram a saudá-la assim. Ela não se encontrava numa perturbação histérica, mas muito calmamente
raciocinava sobre o “por que” das palavras do anjo. O anjo, rápido, continua a esclarecê-la que não precisa
temer, visto que achou graça diante de Deus. Mesmo que fora a escolhida mãe do Salvador, ela, ainda assim,
precisava da graça. “Mesmo que a virgem Maria é bendita sobre todas as mulheres, a ponto que jamais tal
graça e honra terem sido concedidas a qualquer outra mulher, o anjo, ainda assim, com estas palavras a
coloca no mesmo nível de todos os demais santos, visto que claramente diz: Tudo o que ela possa ser, ela o é
por graça, e não por mérito. É preciso que mantenhamos sempre a diferença entre o que concede a graça e
daquele que recebe a graça. Junto àquele que concede a graça devemos procurar graça, e não junto àquele
que recebeu o desfrute da graça”7 ). Agora o anjo expõe a honra extraordinária que lhe seria conferida. Ela,
sendo virgem, conceberia e daria à luz um filho. Tentar enfraquecer este anúncio, dizendo que Maria poderia
assumir, como noiva que era, que a mensagem se referia a uma criança que nasceria como fruto do
casamento como um homem, não passa duma tentativa da incredulidade para eliminar os milagres da Bíblia.
Cf. Mt.1.21. Aquele, cujo nome deveria ser Jesus, Salvador, Redentor, devia ser um filho, um verdadeiro ser
humano, mas nascido duma virgem. Mesmo que o nome não fosse desconhecido aos judeus, ele seria aqui
aplicado pela primeira vez, sem seu sentido totalmente pleno. Desta criança maravilhosa o anjo afirma que
será grande, possuindo a magnitude duma natureza singular, porque sua natureza humana devia ser unida
com a natureza divina, porque ele, em vista disso, no sentido mais peculiar e restrito, seria chamado o Filho
do Altíssimo, porque nele se encontraria o cumprimento de todas as profecias que prometeram um reino
eterno ao Filho de Davi, porque ele seria o eterno Cabeça e Soberano da casa de Jacó que é a igreja do Novo
Testamento, porque o seu governo e reino seriam eternos. As portas e poderes da morte e do inferno nunca
serão capazes de prejudicar ou destruir o reino de Cristo. A suma e a substância da mensagem evangélica
inteira estão contidas nestas palavras do anjo. Foi um anúncio inspirado e inspirador. “O anjo afirma com
palavras poderosas que este filho, ao mesmo tempo, é verdadeiro homem e verdadeiro Deus. Pois, que é
verdadeiro homem , ele comprova com as palavras, quando de início, diz: ‘Conceberás’, mas ‘em teu ventre’,
para que ninguém entenda uma concepção espiritual. ... Em segundo lugar, porque ele diz: ‘Darás à luz um
filho’, visto que a concepção que acontece na idéia não faz que do corpo nasçam filhos. ... Mas que ele é
verdadeiro Deus está claro, antes de tudo, das palavras: ‘Ele será chamado o Filho de Deus’. ... De ninguém
mais é dito de modo específico “Tu és meu Filho’ se não só deste um. ... Por outro, porque a esta pessoa é
dada uma vida eterna. Este, certamente, não pode ser dado a uma mera pessoa humana, visto que ele pertence
só a Deus que é um Rei eterno. ... Este Rei é imortal e eterno, e por isso ele tem um reino diferente do que o
do mundo”8).
A explicação do milagre, V. 34) Então disse Maria ao anjo: Como será isto, pois não tenho relação
como homem algum? 35) Respondeu-lhe o anjo: Descerá sobre ti o Espírito Santo e o poder do Altíssimo te
envolverá com a sua sombra; por isso também o ente santo que há de nascer, será chamado Filho de Deus.
36) E Isabel, tua parenta, igualmente concebeu um filho na sua velhice, sendo esta já o sexto mês para
aquele que diziam ser estéril. 37) Porque para Deus não haverá impossíveis em todas as suas promessas.
38) Então disse Maria: Aqui está a serva do Senhor; que se cumpra em mim conforme a tua palavra. E o
anjo se ausentou dela. Maria recebera notícias maravilhosas e irresistíveis. Notícias que, dificilmente, se
podia esperar que ela captasse e compreendesse. A saber, que ela, a serva desconhecida e pobre, deveria ser a
mãe do Messias. Mas as palavras do anjo não permitiam qualquer outra interpretação. Estava pronta param
em singela confiança, aceitar a mensagem. Sente-se, todavia, forçada a perguntar, não por um sinal, mas por
uma explicação. Tinha noção unicamente do curso regular da natureza, pelo qual nascem filhos ao mundo,
sendo que isto pressupõem um casal de pais. Quanto a si, tinha certeza que era virgem, não havendo homem
nenhum tido relações com ela. O anjo aceita sua objeção e, respondendo, irrompe num cântico exultante.
7
) Lutero, 13a. 1116.
8
) Lutero, 12. 1882. (no texto alemão há diferenças quanto ao texto inglês).
Aqui Deus faria uma exceção, ignorando o curso regular da natureza. O Espírito Santo, que é o Poder do
Altíssimo, o maravilhoso Poder que produz vida, aqui exerceria uma influência que produziria vida, sem
ocorrer a violação carnal, mas só da carne e do sangue da virgem. Não haveria a presença dum pai humano,
nem haveria quaisquer relações conforme a bênção dada na criação para as pessoas. O poder criador de Deus
viria sobre ela, a dominaria, e assim a criança, que dela nasceria, seria chamada santa, e o Filho de Deus.
Com certeza é notável a fé de Maria nestas circunstâncias tão difíceis. “Esta é uma fé nobre e excelente,
tornar-se mãe, mas permanecer virgem imaculada. Isto, na verdade, ultrapassa o juízo, os pensamentos e todo
e qualquer raciocínio e experiência humana. Aqui Maria não tem qualquer exemplo em toda a criação sobre
a terra a que se pudesse apegar e suster, visto que todos eles são contrários à sua fé. Pois aqui ela está
sozinha, e, contra qualquer raciocínio, juízo e pensamento humano, e sem o concurso dum homem, deve
engravidar e tornar-se mãe. ... Por isso, foi obrigada a abandonar a tudo, até mesmo a si, e apegar-se
unicamente à Palavra a qual o anjo lhe anunciara da parte de Deus. ... Assim como aconteceu com Maria e
sua fé, assim acontece com todos nós, que precisamos crer o que é contra a nossa compreensão,
pensamentos, experiências e exemplos. Pois, esta é a propriedade e a natureza da fé, a saber, que ela não quer
tolerar nada ao seu lado, em que uma pessoa se possa apoiar e repousar, senão unicamente a desnuda Palavra
de Deus e a divina promessa”9).
Mas o anjo, como que tomado de compaixão pela posição difícil de Maria, dá-lhe mais alguma
informação que lhe restauraria o sossego de espírito e a tranqüilizariam. Ele diz para Maria, que sua parenta,
Isabel, que se encontrava numa idade em que o curso natural da vida já não mais permitia a procriação de
filhos, e que, em vista disso, comumente era tida como estéril, havia sido libertada por Deus de sua desgraça,
sendo este já o sexto mês desde que o Senhor se lembrara dela para lhe conceder um filho. Pois, - e o anjo
expressa o fato de modo muito impressionante – para com Deus nenhuma coisa é impossível. Ele, a seu
tempo, fará cumprir cada palavra da promessa que fez. Ela poderia confiar, sem reserva, nesta palavra, que
seria um suporte poderoso à sua fé. E foi assim que Maria aceitou a mensagem em sua integridade. Sem
dúvida havia muitos pontos, que estavam além do seu poder de compreensão e sobre os quais não tinha
qualquer esclarecimento. Ela, contudo, simplesmente creu. Colocou-se inteiramente ao serviço do Senhor,
como sua serva. Não estava só obedientemente submissa, mas também numa expectativa paciente e cheia de
anseio. Estava disposta a ser a mãe do Deus-homem, como o anjo havia dito. Ela, quanto a si mesma, fora
concebida e nascera em pecado, como acontece com todos os seres humanos, e a doutrina da concepção
imaculada de Maria é um pedaço de ficção católica. Mas seu filho, nascido de mulher mas sem o intercurso
carnal, segundo o qual teria sido concebido em pecado, é o santo Filho de Deus, o Redentor do mundo.
A saudação de Maria e a resposta de Isabel, V. 39) Naqueles dias dispondo-se Maria, foi
apressadamente à região montanhosa, a uma cidade de Judá, 40) entrou na casa de Zacarias e saudou
Isabel. 41) ouvindo esta a saudação de Maria, a criança lhe estremeceu no ventre; então Isabel ficou
possuída do Espírito Santo. 42) E exclamou em alta voz: Bendito és tu entre as mulheres e bendito o fruto
do teu ventre. 43) E de onde me provém que me venha visitar a mãe do meu Senhor? 44) Pois, logo que me
chegou aos ouvidos a voz da tua saudação, a criança estremeceu de alegria dentro em mim. 45) Bem-
aventurada a que creu, porque serão cumpridas as palavras que lhe foram ditas da parte do Senhor. Maria,
naqueles mesmos dias, se aprontou para uma visita à sua parenta, pois as notícias do anjo a encheram de
alegria. Não se deteve em viajar para a região montanhosa de Judá, onde ficava a cidade dos sacerdotes em
que residia Zacarias como sua mulher Isabel. Notemos a expressão “apressadamente”. “Depressa, como uma
serva casta, admirável e pura, que não deteve seus passos. Merece o nome de serva ou mulher nobre aquela
que se empenha em algo que vai bem. Mas há também mulheres preguiçosas, inóbis e tagarelas, que relaxam
o lar e tudo o que nele existe, que dormem e permitem que ocorra o mal, e, quanto a si mesmas, só pensam
em comer e fazer mal. De Maria o evangelista, porém, afirma, que ela foi cheia de vigor, e não buscou a
indiscrição, a fim de falar disso e daquilo, como nossas jovens e mulheres costumam fazer, as quais, quando
se reúnem com seu lavar governam e reformam a cidade inteira, caluniam as pessoas e manobram a todos os
lares. Quando em nossos dias uma jovem ou uma mulher é nobre, então ela merece toda honra. Esta, porém,
9
) Lutero, 11.2190,2191.
se encontra raramente, e é um pássaro raro”10). Quando Maria, desta forma, com energia e pressa
características, completara sua viagem e chegou à casa de Zacarias, saudou a Isabel, dando-lhe o
cumprimento devido a uma estimada parenta e amiga. Então, porém, aconteceu um milagre. A alegria da mãe
e o impulso do Espírito Santo produziram no filho de Isabel, ainda em gestação, uma agitação sobre-natural e
jubilosa. Pois, João, já então, estava cheio do Espírito Santo. Sobre Isabel o Espírito também atuou de
maneira maravilhosa, enchendo-a com o dom de predição e profecia. Suas palavras, que brotaram sob a
influência dum sentimento irresistível, foram, por isso, um pronunciamento franco. Sua afirmação é uma
peça valiosa de nobre poesia. Chama Maria de mãe e a bendita entre todas as mulheres, por causa da sublime
distinção que lhe foi conferida, e ao menino, que devia nascer dela, chama de bendito. A mãe mais
maravilhosa do Filho mais maravilhoso! O Espírito profético a capacita revelar o futuro. Considera-se
indigna para receber, em seu modesto lar, a mãe de seu Senhor. Sabia que Maria devia ser a mãe do Messias.
Sabia que o Senhor nasceria como verdadeiro homem, e que sua confiança nele lhe trariam salvação. Era um
dos poucos em Israel que compreenderam corretamente as profecias sobre a semente da mulher ou sobre o
menino da virgem. Informou Maria dos movimentos maravilhosos que experimentara, quando ouviu sua
saudação. Declara que é feliz, e mesmo que está num estado de suprema felicidade, porque Maria creu na
mensagem do anjo, e porque o que ela espera, certamente, acontecerá. Foi uma explosão de sublime
entusiasmo que Isabel aqui expressou, que deve ter cooperado poderosamente para que em Maria fosse
fortalecida a fé no cumprimento da profecia a respeito de seu filho.
O hino de Maria, V. 46) Então disse Maria: A minha alma engrandece ao Senhor, 47) e o meu
espírito se alegrou em Deus, meu Salvador, 48) porque contemplou na humildade da sua serva. Pois desde
agora todas as gerações me considerarão bem0aventurada, 49) porque o Poderoso me fez grandes coisas.
Santo é o seu nome. 50) A sua misericórdia vai de geração em geração sobre os que o temem. A saudação de
Isabel encheu Maria com suprema alegria e com felicidade na fé. Isto a estimulou a um canto que respira o
espírito duma fé singela, dando toda a glória só a Deus. Notemos: Maria estava tão completamente familiar
com os escritos do Antigo Testamento, que seu hino, mesmo que não a propósito, se compõe quase que só de
palavras de poetas do Antigo Testamento. Todos os salmos que haviam sido cantados em louvor do Messias,
serviram-lhe na composição dos pensamentos e frases de seu grande hino do Novo Testamento. Isabel lhe
exaltara a fé, ela, porém, dá toda a glória só a Deus. Sua alma magnífica, engrandece, exalta e louva ao
Senhor. Ele é o tema de seu santo. E o espírito dela rejubila e é excessivamente feliz em Deus, seu Salvador.
Ela não se presume sem pecado ou acima da necessidade de redenção. Sabia que o Salvador, mesmo sendo
seu próprio filho, precisaria conseguir-lhe salvação, assim como para as demais pessoas no mundo. Pois, ele,
Deus o Salvador, contemplou, de maneira misericordiosa e benigna, a situação indigna de sua serva, como
ela, humildemente, se chama. Ele teve o propósito de mudar a condição desta modesta serva. Notemos que
ela diz situação modesta e não humildade, para evitar a semelhança duma asserção pretensiosa. Pois, o fato
que Deus lhe manifestara, faria com que todas as gerações a declarariam feliz. Esta é a forma poética para
dizer: Todas as pessoas saberiam do fato. Elas louvariam ao Senhor do céu, porque revelou e magnificou sua
graça nesta serva modesta, tornando-a a mãe de seu Filho. Pois, o Poderoso me fez grandes coisas. Santo é o
seu nome. Seu poder é ilimitado na realização da sua vontade. Os adjetivos “poderoso” e “santo” expressam
a essência da majestade de Deus. Todavia, o outro lado de sua natureza é revelado de modo ainda mais
extraordinário na obra da redenção. Sua misericórdia se renova de geração a geração sobre os que o temem.
Deus tem prazer na salvação e na felicidade de todas as suas criaturas, visto que seu nome é misericórdia, e
sua natureza é amor.
A conclusão do hino, V. 51) Agiu com o seu braço valorosamente; dispersou os que no coração
alimentavam pensamentos soberbos. 52) Derrubou dos seus tronos os poderosos e exaltou os humildes. 53)
Encheu de bens os famintos e despediu vazios os ricos. 54) Amparou a Israel, seu servo, a fim de lembrar-se
da sua misericórdia, 55) a favor de Abraão e de sua descendência, para sempre. 56) Maria permaneceu
cerca de três meses com Isabel e voltou para casa. Maria louva a força do braço do Senhor que lhe foi
manifestado. Ele dispersara a todos as pretensões dos que eram orgulhosos e arrogantes na imaginação de
seus próprios corações. Aqueles que se erguem em insolente confiança em suas próprias habilidades em
qualquer esfera, seja ela física, mental ou moral, se encontrarão sem amparo. Deus o Salvador é
especialmente impaciente com os que confiam em suas próprias justiças e olham com desprezo àqueles cujas
vidas possam estar maculadas com alguma transgressão que os estigmatizou diante das pessoas. Ele depõe os
10
) Lutero, 7. 1524 (traduzi do alemão).
poderosos de seus tronos, e exalta os humildes e os modestos. Seu governo sobre o mundo é inquestionável e
absoluto. Quando ele se manifesta na majestade de sua onipotência, ninguém lhe pode resistir. Ele encheu os
famintos de coisas boas, dando-lhes não só o necessário, porém muito mais do que precisam. Aqueles que
têm fome e sede pelo dom da justiça, porque estão conscientes das muitas insuficiências em suas próprias
vidas, a estes ele enche com os maravilhosos dons de seu rico tesouro. Os ricos, porém, ou seja, os que se
julgam acima de qualquer necessidade e que estão totalmente satisfeitos em sua própria auto-suficiência e
que não sentem a necessidade dum Salvador, estes são despedidos em vergonha e desgraça, e de mãos vazias.
Estes voltarão às suas casas sem a afirmação realizada diante de Deus pela redenção de Jesus Cristo. Pois,
Deus, em todos os tempos, veio em auxílio a seu filho e servo Israel, ou seja, aos que crêem nele. E a
assistência moral do Senhor vale muito mais do que todas as reais tentativas de ajuda do mundo inteiro. Pois
Deus recorda sua misericórdia, que é a aliança da graça que fez com Abraão e que renovou com os
patriarcas, conforme a promessa, que em Abraão e em seu descendente seriam abençoadas todas as nações da
terra. O Messias nasceu da descendência de Abraão e de Davi, e é desta forma que todas as pessoas do
mundo têm alegria eterna e bênçãos neste Filho de Abraão e Davi. É assim que Maria, em linguagem sublime
e viva, descreve a condição que receberia no reino de seu glorioso Filho, o Messias, cujo nascimento estava
próximo. A majestade do poderoso Deus dos Exércitos se manifestaria em justiça e retidão sobre aqueles que
se exaltam em vaidosa altivez. Porém a misericórdia e a graça do Senhor se revelariam e seriam concedidas
aos pobres, aos necessitados, e aos modestos, ou seja, sobre todos os que rejeitaram toda e qualquer justiça
própria e lançam sua esperança e confiança no Messias das profecias. Estes são o verdadeiro Israel, a
verdadeira semente de Abraão, que, por isso, também herdarão todas as bênçãos que viriam sobre todas as
pessoas do mundo, por meio deste um descendente de Abraão que é Jesus Cristo.
O hino de Maria relembra, não só o canto de Ana, mas também muitas passagens nos salmos, bem
como os cânticos de Miriã e Débora. Podemos comparar Sl. 113 e 126, também Sl. 31.8; 34.2,3; 138.6;
71.19; 111.9; 33.10; 34.10. e outros. São celebradas a graça de Deus, bem como sua santidade, justiça e, em
especial, sua fidelidade. É um hino apropriado para a igreja do Novo Testamento para cantar os louvores de
Deus de sua salvação, sendo as formas plenas duma doxologia animada com beleza e poder singulares.
Maria permaneceu com Isabel por uns três meses, trazendo-lhe solidariedade e ternura. Depois disso,
a finura e sua própria condição fizeram-na voltar apressadamente ao seu lar.
O nascimento e a circuncisão de João, V. 57) A Isabel cumpriu-se o tempo de dar à luz, e teve um
filho. 58) Ouviram os seus vizinhos e parentes que o Senhor usara de grande misericórdia para com ela, e
participaram do seu regozijo.59) Sucedeu que, no oitavo dia, foram circuncidar o menino, e queriam dar-
lhe o nome de seu pai, Zacarias.60) De modo nenhum, respondeu sua mãe: Pelo contrário, ele deve ser
chamado João. 61) Disseram-lhe: Ninguém há na tua parentela que tenha este nome. 62) E perguntaram,
por acenos, ao pai do menino que nome queria que lhe dessem. 63) Então, pedindo ele uma tabuinha,
escreveu: João é o seu nome. E todos se admiraram. Cumprira-se o tempo para Isabel, conforme Deus
prometera e conforme o curso da natureza. Aos velhos pais nasceu um filho, como Deus prometera pelo anjo.
Isabel já não mais se escondia nem evitava a curiosidade de amigos e vizinhos. Os moradores por perto e os
parentes que moravam a certa distância logo ouviram a notícia. Notemos: O texto expressamente afirma que
o Senhor engrandecera sua misericórdia sobre Isabel. Aqui se evidenciara o favor e a graça do Senhor. Em
qualquer lugar havia regozijo com os felizes pais. Ao oitavo dia, reuniram-se todos quantos estavam
interessados na festa, em especial, os parentes. Pois, este foi o dia da circuncisão, conforme o ordena Deus, e
também o dia em que se costumava dar o nome à criança. A opinião unânime de todos era que o nome do
menino devia ser Zacarias (conativo imperfeito ou imperfeito de ação repetida), não que isto fosse um
costume fechado dos judeus, mas porque o filho único com muita propriedade usaria o nome do pai. Aqui,
porém, Isabel se opôs. Zacarias, no meio tempo, comunicara a ela a história da aparição maravilhosa no
templo, e ela sabia o nome que o Senhor selecionara para ele. Ela, agora, menciona seu nome – João. A isso
todos, de pronto, objetaram que esse nome, apesar de ser comum entre os judeus, não se encontrava em sua
família. Por isso, se voltaram a Zacarias, que percebera toda a alteração e logo captou o que pensavam,
quando viu seu olhar esperançosamente se fixar nele. Ele, por isso, insinuou que queria uma tabuleta,
provavelmente, uma taboa encerada, em uso comum naquele tempo, sobre que se escrevia com um estilete. A
seguir ele escreveu, e ao escrever, provavelmente, falou ao mesmo tempo: João é seu nome. Isto posto, não
houve mais qualquer alternativa, e o assunto já estava total e completamente resolvido. A ordem de Deus foi
executada ao pé da letra. A punição de sua falta de fé já fora removida, e a fala lhe retornou. Deus, desta
forma, tem piedade de seus filhos, quando estes vacilaram e caíram, ajudando-os a vencer o mal com o bem,
e a incredulidade com a fé. E á assim que a fé é capacitada a crescer de modo ainda mais valente, visto que
pela palavra de Deus todas as dúvidas foram subjugadas. Mas as pessoas reunidas se admiraram diante da
concordância dos pais, quando deram um nome que era desconhecido na família. Foi sua primeira insinuação
que esta criança era realmente excepcional.
Outros acontecimentos, V. 64) Imediatamente a boca se lhe abriu e, desimpedida a língua, falava
louvando a Deus. 65) Sucedeu que todos os seus vizinhos ficaram possuídos de temor e por toda a região
montanhosa da Judéia foram divulgadas estas coisas. 66) Todos os que as ouviram guardavam-nas no
coração, dizendo: Que virá a ser, pois, este menino? E a mão do Senhor estava com ele. Puderam ser
observadas duas coisas estranhas ligadas à história de João: O fato que a criança era o filho de pais que já
haviam passado a idade de ter filhos, e o dar um nome que nunca fora usado na família de Zacarias. Neste
ponto é citada a recuperação da fala do pai. Os vizinhos conheciam-no, a quase um ano, como um mundo, e
agora, no mesmo repente como o flagelo tomara conta dele, a maldição é tirada de sua língua, visto que ele
logo dá louvores ao Senhor. O efeito foi profundo sobre as pessoas reunidas e sobre os moradores da região
montanhosa da Judéia. Tomou conta deles não um medo supersticioso, mas uma admiração reverente. Onde
quer que a história destes acontecimentos era contada, lá o povo, de modo semelhante, ficava impressionado.
Sentiam que estas circunstâncias tão singulares e especiais que envolviam o nascimento deste filho,
indicavam que o próprio Deus estava interessado em seu bem-estar, e que tudo isso apontava para um futuro
fora do comum para o menino. O comentário mais comum era: O que, pois, será esta criança? O povo tomou
nota em sua mente destas circunstâncias na esperança de ulteriores acontecimentos. Se, ao menos, tivessem
continuado em sua atitude de atenção, até que João começou seu ministério nas barrancas do Jordão! O
comentário do evangelista justifica o questionamento do povo nas regiões montanhosas: Pois a mão do
Senhor esteve com ele. Esta frase resume toda a história da meninice de João e antecipa alguns dos
acontecimentos posteriores.
Um hino de louvor, V. 67) Zacarias, seu pai, cheio do Espírito Santo, profetizou, dizendo: Bendito
seja o Senhor Deus de Israel, porque visitou e redimiu o seu povo, 69) e nos suscitou plena e poderosa
salvação na casa de Davi, seu servo, 70) conforme prometera, desde a antiguidade, por boca dos seus
santos profetas, 71) para nos libertar dos nossos inimigos e da mão de todos os que nos odeiam; 72) para
usar de misericórdia com os nossos pais e lembrar-se da sua santa aliança 73) e do juramento que fez ao
nosso pai Abraão, 74) de conceder-nos que, livres da mão de inimigos, o adorássemos sem temor, 75) em
santidade e justiça perante ele, todos os nossos dias. Temos aqui outro hino maravilhoso de louvor e
profecia, que é composto, em sua maior parte, em termos dos cantos de louvor do Antigo Testamento. O
próprio Espírito Santo, falando através da boca de Zacarias, é seu autor. Lutero escreveu glosas de muitas
das suas partes em vários de seus livros. Desde o começo é dado a Deus todo louvor, honra e glória. O plano
e a obra inteira da salvação é um monumento à sua graça e para o louvor de sua glória. Ele é o Deus de
Israel, originalmente do Israel segundo a carne, mas, desde que estes filhos o rejeitaram, o termo só se aplica
mais ao Israel espiritual que é a sua igreja. É a esta igreja que ele olhou com olhos que a querem socorrer,
dar-lhe a assistência que ela mais precisa, que é a sua redenção dos pecados. Para este povo ele preparou
salvação, congregou-o ao Messias seu Redentor. Esta foi a redenção dum fardo de cujo peso e infâmia nem
se apercebiam. “Visitar não é nada outro do que vir a nós, de levar ao nosso conhecimento e proclamar-nos a
saudável Palavra pela qual somos salvos”11). A fim de dispor-nos esta salvação, o Senhor ergueu-nos
“chifres” de salvação na casa de Davi, seu servo. Assim como no Sl.18.2, a palavra chifre significa uma
ajuda forte, firme e inabalável. Nosso Senhor é um defensor forte e poderoso, ou seja, é o Redentor vindo da
raça de Davi que nos trouxe plena salvação. “’Chifre’ na língua hebraica significa poder, resistência e
governo um que se pode confiar. ... Mas ele acrescenta: Um chifre que salva ou de bem-aventurança. Outros
reinos têm seus nomes e bens pelos quais são conhecidos. Alguns são vastos, possuem bens imensos, muito
povo, grande honra, mas tão só bens temporais. Este reino, porém, é chamado um reino bendito, um reino da
graça, um reino da vida, um reino da justiça, um reino da verdade e ao que é preciso para a bem-aventurança.
... Deus estabeleceu um principado e reino, no qual não há senão tão só bem-estar e salvação”12). Estas
11
) Lutero, 11.2272.
12
) Lutero, 11.2273, 2274; 13a.1147.
bênçãos imensas são o resultado das promessas que o Senhor fez pelas bocas de seus santos profetas, desde o
começo do mundo. O auge de todas estas profecias sempre é o mesmo tema, a saber, salvação através do
Messias, liberdade de sob os inimigos e das mãos de todos aqueles que estão cheios de ódio e nós que nele
cremos. Os inimigos espirituais têm sido incansáveis em seus planos e ataques contra os filhos de Deus.
Deus, porém, executou os planos de sua misericórdia para conosco, tal como o fez com os antigos pais que
nele confiaram. Pois, ele se lembrou de sua santa aliança e do juramento feito a Abraão, de que nele e em sua
semente serão benditas todas as nações da terra. Deus, como resultado destas promessas, Deus concedeu que
os fiéis sirvam a ele sem temor, visto que foram arrebatados das mãos de todos os seus inimigos. Este servir
pode, agora, ser feito em santidade, em pureza e incorrupção pessoa., e em justiça, no correto relacionamento
com Deus, que é uma perfeita descrição dum cristão do Novo Testamento, Ef.4.24. Que ele diz, que nos
quer libertar de todos os nossos inimigos, deve, por sua vez, ser entendido que este reino está em combate
com e em meio aos inimigos. Estes, porém, não vencerão, porém, serão derrotados. E esta libertação e
salvação deve servir para que nós sirvamos a ele eternamente sem temor. ... A palavra ‘sem temor’ inclui que
podemos estar certos dos bens tanto desta vida como da que há de vir. Pois, um cristão está convicto e certo
que seus pecados estão perdoados, ainda que continue a senti-los. Ele também está convicto que a morte não
lhe fará mal, que o diabo não poderá subjugá-lo e que a morte não prevalecerá sobre ele”13).
Um hino profético, V. 76) Tu, menino, serás chamado profeta do Altíssimo, porque precederás o
Senhor, preparando-lhe os caminhos, 77) para dar ao seu povo conhecimento da salvação, no redimi-lo dos
seus pecados; 78) graças à entranhável misericórdia de nosso Deus, pela qual nos visitará o sol nascente
das alturas, 79) para alumiar os que jazem nas trevas e na sombra da morte, e dirigir os nossos pés pelo
caminho da paz. 80) O menino crescia e se fortalecia em espírito. E viveu nos desertos até ao dia em que
havia de manifestar-se a Israel. A partir da contemplação dos dons maravilhosos da redenção, Zacarias se
volta a uma profecia sobre o futuro do filho que, segundo a promessa do Senhor, dele nascera.João seria um
profeta no sentido mais alto e pleno da palavra, Mt.11.9. Sua tarefa de vida consistiria em preceder ao
Senhor, como verdadeiro arauto, a fim de preparar diante dele os seus caminhos, como disseram os profetas,
Is.40.3; Ml.3.1. E quando a lei tivesse preparado os corações, removendo toda justiça pessoal e a pretensa
piedade, então João seria capaz de repartir o conhecimento da salvação, que consiste no perdão de pecados.
Redenção é transmitida pela remissão de pecados. “João deve vir a dar ao povo de Deus um conhecimento
que não é um conhecimento de pecado, ira e morte, mas um conhecimento de salvação, isto é, uma tal
pregação da qual se aprende como se pode ser salvo e resgatado da morte e do pecado. Esta é uma arte da
qual o mundo não sabe nem uma só palavra”14) E esta pregação é possibilitada pelas entranhas, pelo coração
misericordioso, de nosso Deus. Ele suspira, de todo coração, poro nós em amor inexprimível e terna
misericórdia, e por este motivo a Estrela D’alva das alturas nos visitou, ou seja, em Jesus o Salvador nasceu-
nos a luz, a estrela ou o sol. Esta verdadeira estrela da manhã iluminou com os raios do amor divino de Deus
as trevas que foram causadas pelo pecado e a inimizade contra ele. E o resultado é que aqueles que estavam
sentados nessas trevas e sombra da morte, sentiram a luz e o calor do seu fulgor, Is.60.1,2. Aqueles que são
incapazes de encontrar o trilho em meio às trevas da morte espiritual, ele quer despertar à verdadeira vida,
iluminá-los com a luz no caminho da paz, Rm.5.1. É uma descrição bela e eficiente, bem como completa, da
obra que Deus realiza em nós pelo evangelho. “Isto, com certeza, significa, como penso, acabar com todos os
méritos e boas obras no perdão dos pecados, para que ninguém possa dizer: Eu o mereci. ... Remissão de
pecados só tem uma razão, a saber, porque Deus é misericordioso, e a partir desta misericórdia enviou e deu-
nos seu Filho para que ele pagasse por nós e nós fôssemos salvos por ele. Por isso é assim que reza: Perdão
de pecados não é resultado de nosso merecimento, nem de nossas boas obras, mas da misericórdia genuína
de Deus, a saber, que ele nos amou por seu próprio amor gracioso. Com nossos pecados merecíamos o fogo
do inferno, mas Deus nos olhou em ilimitada misericórdia. Esta é a razão pela qual enviou seu Filho e por
amor a seu Filho perdoa os nossos pecados.”15). Agostinho escreve deste hino: “Ó que hino bendito de
alegria e louvor! Inspirado divinamente pelo Espírito Santo, e divinamente expresso pelo venerável
sacerdote, é cantado diariamente na igreja de Deus! Oh! que tuas palavras ecoem muitas vezes em meu
coração! As expressões que usas são o conforto de minha vida; e o tema que tratas sobre a esperança do
mundo inteiro!
13
) Lutero, 11.2286.
14
) Lutero, 13b. 2707.
15
) Lutero, 13b.2709.
O evangelista conclui como uma nota sobre a juventude de João Batista, dizendo que cresceu de
corpo e alma e passava o tempo fora nos desertos, até que o Senhor lhe deu uma indicação de que o tempo do
isolamento precisa ser sucedido pelo do ministério público.
Resumo: Depois dum breve prefácio, Lucas relata as histórias do anúncio do nascimento de João
Batista, do anúncio do nascimento de Jesus, da visita de Maria a Isabel, com o hino de Maria, e do
nascimento, infância e juventude do Batista, com o hino de seu pai Zacarias.
CAPÍTULO 2
A razão da viagem para Belém, V. 1) Naqueles dias foi publicado um decreto de César Augusto,
convocando toda a população do império para recensear-se. 2) Este, o primeiro recenseamento, foi feito
quando Quirino era governador da Síria. 3) Todos iam alistar-se, cada um à sua própria cidade.4) José
também subiu da Galiléia, da cidade de Nazaré, para a Judéia, à cidade de Davi, chamada Belém, por ser
ele da casa e família de Davi, 5) a fim de alistar-se com Maria, sua esposa, que estava grávida. Todas as
afirmações do evangelista são feitas com cuidado e esmero tão evidentes, que não há qualquer motivo para
por em dúvida os seus relatos. Além disso, o fato da inspiração faz com que o texto seja exato. Aconteceu ou
ocorreu, naqueles dias, ou seja, nos dias de Herodes o Grande, rei de Judá. Saiu uma ordem do imperador
Augusto, que governou de 30 a.C. até 14 A..D., para que o mundo inteiro, todo o Império Romano sob sua
jurisdição, o que praticamente incluía o mundo inteiro, devia ser arrolado em listas. Todas as pessoas que
pertenciam ao império deviam ser registradas, provavelmente, com o fim de taxação, ou por motivos
estatísticos comuns. Censos, como este, eram realizados muitas vezes naqueles dias, sendo que em regiões e
províncias individuais podiam ocorrer, até, uma vez ao ano. O censo, aqui referido, era extraordinário, visto
que se estendia a todo o império, incluindo todos os reinos e províncias. O tempo deste alistamento, o
primeiro desta espécie, é fixado mais exatamente com a afirmação, de que ele foi realizado quando Cirênio
ou Quirino era governador da Síria, uma província romana à qual pertencia a Judéia, depois da morte de
Arquelau. Quando o decreto foi afixado ou proclamado na Palestina, de que, conforme o decreto de César,
todos se deviam registrar, os moradores se prepararam para cumprir a ordem. Dirigiam-se, cada um à sua
própria cidade, à cidade da qual provieram seus antepassados. Entre os que se prepararam para o alistamento
também esteve José, da cidade de Nazaré na Galiléia. Porque era da casa e da família de Davi, o grande rei
de Israel, ele viajou sobre as colinas até a cidade de Davi, chamada Belém. Mas não foi sozinho. Algum
tempo antes havia celebrado seu casamento com Maria, uma virgem da mesma cidade de Nazaré, com a qual
havia firmado noivado. Aqui ela é chamada, com muita justiça, sua noiva, pois, mesmo que o casamento já
havia sido celebrado, sua consumação efetiva ainda não ocorrera, Mt. 1.24,25. Maria estava para ser mãe,
mas a ordem do imperador devia ser cumprida, e, por isso, arriscaram viajar a Belém. Notemos: De acordo
com a profecia de Ageu, 2.6,7, todas as nações deviam ser abaladas quando o Desejado das nações iria
nascer. E o decreto de Augusto devia ser formalizado assim que, nesta ocasião, tanto José como Maria
estivessem pessoalmente em Belém, visto que o Messias devia nascer em Belém, Mq. 5.2. Belém, a casa de
pão, é um nome apropriado para o lugar de nascimento do Redentor, visto que nesta pequena cidade veio ao
mundo o Pão da Vida, Jo. 6.35.
O nascimento do Salvador, V. 6) Estando eles ali, aconteceu completarem-se-lhe os dias, 7) e ela
deu à luz o seu filho primogênito, enfaixou-o e o deitou numa manjedoura porque não havia lugar para eles
na hospedaria. A infinita simplicidade do relato de Lucas do grande milagre da encarnação é digna de
registro especial, visto que serve para suportar a inspiração da história. Se ele tivesse escrito como o faria um
autor humano comum, teria sido desviado pela glória indescritível do milagre e declamado em rapsódias
exultantes sobre o evento que está no centro da história do mundo. Lucas meramente afirma que aconteceu
ou sucedeu. A, ainda assim, todo o Antigo Testamento está por trás destas palavras. Representava o
cumprimento principal da vontade e desejo de milhares de crentes do mundo antigo, não só da Judéia, mas
em qualquer lugar onde as profecias se haviam tornado conhecidas. Enquanto estiveram em Belém, cidade
para a qual Deus, usando um meio tão singular, os havia conduzido, aconteceu que os dias de Maria se
cumpriram, conforme o seu curso natural. Nasceu o filho que havia sido prometido pelo anjo. A própria
Maria pegou a maravilhosa criança e lhe deu os primeiros cuidados. Por causa de sua grande pobreza e
porque estava longe de casa, não possuía da roupinha necessária. Por isso envolveu-a nos trapos de roupa
que foi possível conseguir e lhe fez uma cama numa manjedoura, lá fora numa estrebaria onde se haviam
recolhido. Pois não havia lugar para eles na pousada, ou no grande recinto que nas cidades orientais era
usado como alojamento. Conforme muitos comentaristas, o lugar onde Cristo nasceu era uma das cavernas
ou grutas perto de Belém, das quais algumas, até em nossos dias, são ousadas para este fim. “Alguns, até,
discutem sobre a maneira do nascimento, que Maria o teve durante uma oração, em grande alegria, antes que
se apercebesse do caso e sem qualquer dor. Não rejeito a devoção deles, visto que pode ter sido inventada
por causa de cristãos ingênuos. Devemos, porém, ater-nos ao evangelho, que afirma que ela o deu à luz, e
também ao artigo de nossa fé em que confessamos: Nasceu da virgem Maria. Aqui não há fraude, mas, como
o afirmam as palavras, um verdadeiro nascimento. ... O evangelho demonstra que eles, quando chegaram a
Belém, era os mais humildes e desprezados. Foram obrigados a apelar a todos, até que encontraram numa
estrebaria pousada, mesa, quarto e cama, em comum com os animais. Enquanto isso, muitos perversos
ocupavam o lugar de honra na pousada, e se deixavam servir como se fossem senhores. Aqui ninguém
percebe nem sabe o que Deus está a efetuar na estrebaria. ... Oh! que noite escura se abatera sobre Belém, a
ponto de ninguém da cidade ter noção da Luz! Quão vigorosamente indica Deus que ele não toma em
consideração o que o mundo é, tem e faz. E, por outro, o mundo prova que absolutamente não entende nem
percebe o que Deus é, tem e faz”16). Notemos também: O Deus-homem, que, como o primogênito de Maria,
repousa à nossa frente, é, ao mesmo tempo, o maior milagre e o favor mais inestimável de Deus. É Deus e
homem, é a aliança antiga e nova, é céus e terra que se encontram numa pobre manjedoura. Aquele que, seja
secreta ou publicamente, nega esta verdade, esse jamais entende o significado da festa do Natal – talvez
nunca experimentou a verdadeira alegria do Natal. Igualmente: O nascimento humilde do Salvador do mundo
coincide exatamente com a natureza de seu reino. A origem do reino não ocorreu sobre a terra; uma de suas
leis fundamentais foi negar a si pelo amor de servir outros; seu fim, tornar-se grande por meio da desonra e
vencer pelo embate – tudo isto está aqui exposto diante de nós.
A mensagem aos pastores, V. 8) Havia naquela mesma região pastores que viviam nos campos e
guardavam o seu rebanho durante as vigílias da noite. 9) E um anjo do Senhor desceu aonde eles estavam e
a glória do Senhor brilhou ao redor deles; e ficaram tomados de grande temor. 10) O anjo, porém, lhes
disse: Não temais: eis aqui vos trago boa nova de grande alegria, que o será para todo o povo: 11) é que
hoje vos nasceu na cidade de Davi, o Salvador, que é Cristo, o Senhor. 12) E isto vos servirá de sinal:
encontrareis uma criança envolta em faixas e deitada em manjedoura. Naquela mesma região, ou seja, nas
redondezas da vila de Belém, havia pastores. Estavam nos campos, não interessando, se sob o céu aberto ou
em barracas. Construíram, talvez, algum rude abrigo contra o ar frio da noite. Estavam de vigília durante a
noite, trocando turnos na guarda do rebanho para que alguma ovelha não se apartasse ou fosse levada por
alguma fera. Estes rebanhos, muito bem, podem ter feito parte dos rebanhos que, com cuidado, eram
conduzidos para Jerusalém, para serem usadas como sacrifícios no templo, segundo observa um
comentarista. A situação era totalmente normal, e os pastores não eram supersticiosos. Notemos: O fato que
os rebanhos estavam soltos durante a noite, e não no curral ou aprisco, não desaprova a data tradicional do
nascimento do Salvador, tal como ela foi fixada pelo bispo Libério em 354. Não é nada incomum, que as
pastagens estejam em suas melhores condições pelo fim de dezembro.
Enquanto os pastores, que pertenciam aos pobres e humildes da terra, estavam empenhados na
realização de sua vocação, em Belém acontecia um milagre do Senhor, do qual eles seriam os primeiros a
saberem. Notemos: Não foram os grandes e poderosos da nação que foram escolhidos como receptores das
notícias maravilhosas da natividade de Cristo, mas humildes pastores das campinas. Também não foi a
vaidosa Jerusalém, mas a pequena Belém que foi escolhida como lugar do nascimento do Senhor. A estes
ocorreu, repentinamente, uma revelação sobrenatural: Um anjo do Senhor veio sobre eles, postando-se acima
deles. Foi uma aparição inesperada, visível sob o céu estrelado, no meio da noite calma e tão solene. Ao
mesmo tempo, a glória do Senhor iluminou o espaço ao redor dos pastores, ou seja, do rosto e aspecto do
próprio anjo, como mensageiro que era da glória dos céus. E eles tiveram grande temor. Estavam
completamente tomados de medo. Homens pecadores não conseguem suportar a luz da presença do santo
Deus. Além disso, o repente da aparição do anjo os pegou desprevenidos. Não houve um preparo gradual de
seus sentidos para o auge que se abateu sobre eles. A mensagem do anjo, todavia, era animadora, trazendo
toda a beleza e amor do espírito de Natal. Não deviam dar espaço ou permanecer sob o domínio do temor,
pois esta é uma mensagem que, em sua substância, é o evangelho inteiro. Anuncia-lhes uma grande alegria,
16
) Lutero, 11. 123,121.
para que seus corações se encham desta alegria. E estas notícias maravilhosas não se restringirão só a eles,
mas são tencionadas e serão proclamadas a todo o povo. A expressão é tão geral, que não devia ser aplicado
só ao povo de Israel, porém, mais propriamente, a todas as nações do mundo. Neste momento, a voz do anjo
atinge, em júbilo contagiante, o auge de sua proclamação: Pois neste dia vos nasceu um Salvador, que é
Cristo, o Senhor, na cidade de Davi. O anjo usou termos com os quais os pastores, já desde a juventude,
estavam familiarizados, nas quais costumavam expressar suas esperanças sobre a salvação de Israel. Um
Salvador aponta para uma pessoa que nos livra completamente de todo mal e perigo, e que é o autor duma
perpétua salvação. Ele é Cristo ou o Messias, por cuja vinda os judeus esperavam com desejo ardente, pois
nele e por meio dele os verdadeiros crentes de Israel esperavam o reino que duraria para sempre. Notemos:
Aqui está indicada, com clareza, a verdadeira humanidade e a verdadeira divindade do recém-nascido bebê,
exatamente como o anjo resume as antigas profecias chamando Belém a cidade de Davi. Além disso: Cristo
nasceu verdadeiro homem para purificar e santificar a nossa concepção e o nosso nascimento. “Para socorrer
nosso nascimento pobre e miserável, Deus enviou um outro nascimento, que precisou ser puro e sem mácula,
caso quisesse purificar o nosso nascimento impuro e pecador. Este é, pois, o nascimento de Cristo, o Senhor,
e seu Filho unigênito. Por isso, também quis que ele nascesse de carne e sangue corruptos, porém, que ele
nascesse unicamente duma virgem. ... É isto o que o anjo quer com as palavras: ‘Nasceu-vos’. Isto é tanto,
como dizer: Tudo, o que ele é e o que ele tem, é vosso, e ele é o vosso Salvador. Não só que assim o
considereis, mas ele tem a capacidade de vos resgatar de pecado, morte, diabo e de todo o mal. Sim, tão
grande como ele é, ele vos nasceu, e é vosso com tudo que ele tem.”17) E, finalmente, notemos a palavra
“vos”. “É como se ele dissesse: Até agora fostes escravos do diabo. Ele vos afligiu com água, fogo,
pestilência, espada, quem, porém, é capaz de enumerar todo este infortúnio? ... E, depois que ele torturou
alma e corpo, a morte eterna ameaça. Vos, diz o anjo, a vós que éreis conservados cativos sob este espírito
nocivo, mau e peçonhento, que é o príncipe e deus deste mundo, nasceu o Salvador. A palavra ‘vos’,
certamente, devia tornar-vos felizes. Pois, a quem ele se dirige? A pau e pedra? Não, a pessoas, e não a uma
ou duas, mas a todas elas. ... É dele que precisamos, e ele se tornou homem por amor a nós. Por isso cabe-nos
aceitá-lo com alegria, como aqui diz o anjo: Vos nasceu um Salvador.”18).
Para que os pastores não fossem mal-orientados ou se perdessem na cidade apinhada de gente, o anjo
lhes dá indicações específicas sobre como imediatamente achariam e reconheceriam a criança. Seria
encontrado envolto em panos e deitado na manjedoura dum estábulo. Estas orientações foram tão claras e
exatas, como nenhuma outra, visto que não havia alguma outra criança em circunstâncias tão pobres e
humildes, como esta que é o Salvador do mundo.
O hino de louvor dos anjos, V. 13) E subitamente apareceu com o anjo uma multidão da milícia
celestial louvando a Deus e dizendo: 14) Glória a Deus nas maiores alturas, e paz na terra entre os homens,
a quem ele quer bem. A mensagem do primeiro anjo culminou num canto de louvor e exultação. Este hino,
contudo, foi, tão só, um preâmbulo para o coral que foi entoado nos campos de Belém e que, desde então,
ecoou em voz sonora numa verdadeira onda triunfante de melodias por toda a terra. Pois, o mensageiro mal
acabara seu anúncio, quando, com o mesmo repente como acontecera sua própria vinda, apareceu um coro
celeste, uma multidão dos exércitos do céu. Sua alegria sobre o nascimento maravilhoso do Salvador do
mundo foi tão grande, que nem mesmo o céu dos céus o pôde conter. Sentiram-se movidos a descer e
celebrar o evento que é totalmente insólito na história do mundo, e com o canto de seu hino de louvor a Deus
inflamam a fé nos corações das pessoas. O hino glorioso deles, que, desde então, tem sido cantado e que
ecoou por milhões de cristãos piedosos que aceitaram a criança de Belém como o seu Salvador, pode ser
dividido em duas ou três partes, ou estrofes, tudo, conforme uma pequena diferença na leitura do texto grego.
Glória a Deus nas maiores alturas, àquele, cuja habitação, segundo sua eterna majestade e glória, está acima
de tudo ou nos lugares mais gloriosos, como supremo que é sobre todas as criaturas do universo. Só a ele
pertence toda glória e louvor pela obra da redenção. Ele é o Autor e Consumador da salvação, que esteve em
Cristo, reconciliando consigo mesmo o mundo, não mais lhes imputando seus pecados, 2.Co. 5. 18,19. “Este
fruto que os anjos cantam, há de seguir, e agora é possível que Deus seja louvado corretamente nas alturas.
Não por meio de obras externas. Estas não têm a força de ascender ao céu. Mas com o coração que se eleva
da terra às alturas, cheio de gratidão e cordial confiança a este Deus e pai tão misericordioso.”19). E paz na
terra, trazida com a vinda do Príncipe da Paz, Is. 9.5. A transgressão de Adão e de todos os seus
17
) Lutero, 11.2022,2023 (cf. alemão).
18
) Lutero, 13a. 59,60.
19
) Lutero, 13a. 71.
descendentes trouxe-lhes a cólera de Deus. Havia uma situação de contínua inimizade e guerra entre Deus e
o homem por causa do pecado. Mas em e com o Salvador acabou a luta. Ele restabeleceu o relacionamento
certo e apropriado entre Deus e o homem. “Assim como os anjos cantaram que aqueles que chegassem a
conhecer e receber este menino Jesus, dariam em tudo a Deus a glória, assim eles aqui cantam e desejam,
sim,, dão-nos a promessa confortadora de que agora a tirania do diabo teria um fim, e que os cristãos
viveriam entre si uma vida distinta, pacífica e calma, os quais também com prazer ajudariam, aconselhariam
e preveniriam briga e desunião, e viveriam em toda generosidade uns com os outros, para que entre eles, por
causa desta Criança, prevalecesse um governo pacífico em que cada um fará o melhor pelo outro”20). E esta
paz será para as pessoas de boa vontade, ou seja, ela assegurará a todos a boa vontade do Pai celeste e com a
criança na manjedoura. “Esta é a terceira estrofe, que nós tenhamos um ânimo feliz, alegre e desafiador
contra qualquer sofrimento que nos possa sobrevir, e possamos dizer a Satanás: Não serás capaz de tornar a
situação tão ruim, que minha alegria, a qual tenho por meio desta criança, seja maculada. Isto é o que
significa boa vontade, a saber, um coração feliz, sossegado, alegre e corajoso, que não se preocupa muito,
não interessando como as coisas vão, e que diz ao diabo e ao mundo: Não abandono a minha alegria por
causa de vós, e não me preocuparei por causa de vosso furor; fazei o que quiserdes, Cristo me concede mais
alegria do que vós me causais tristeza. É um coração assim que os anjos com este hino nos concedem e
desejam.”21). Notemos: “Este canto angelical é a nota chave do famoso ‘Gloria in Excelsis’, que, desde o
segundo ou terceiro século é cantado na igreja grega, e de lá passou para a latina, a anglicana e outras igrejas,
como uma forma de devoção verdadeiramente católica, clássica e imortal, ecoando da infância à velhice e de
geração e geração. A poesia sacra nasceu com a religião, e a poesia da igreja é o eco e a resposta à poesia e
música dos anjos no céu. Mas a adoração da igreja triunfante no céu, semelhante a este canto dos anjos,
consistirá só de louvor e gratidão, não havendo mais petições e súplicas, visto que então todas as
necessidades estarão supridas e todo pecado e miséria terão sido dragadas em perfeita santidade e bem-
aventurança. Aqui, por isso, é antecipado, já em seu início e em sua primeira manifestação, o final glorioso
da poesia e da adoração cristã”22).
A visita e a adoração dos pastores, V. 15) E, ausentando-se deles os anjos para o céu, diziam os
pastores uns aos outros: Vamos até Belém e vejamos os acontecimentos que o Senhor nos deu a conhecer.
16) Foram apressadamente e acharam Maria e José, e a criança deitada na manjedoura. 17) E, vendo-o,
divulgaram o que se lhes havia dito a respeito deste menino. 18) Todos os que ouviram se admiraram das
coisas referidas pelos pastores. 19) Maria, porém, guardava todas estas palavras, meditando-as no
coração. 20) Voltaram então os pastores glorificando e louvando a Deus por tudo o que tinham ouvido e
visto, como lhes fora anunciado. O canto de Lucas sobre o nascimento ainda não acabou. Ele tem a cantar
uma história de alguns cristãos do Natal, e seu efeito é ressaltado pela imensa simplicidade. Os anjos haviam,
apenas, deixado a campina para retornar ao céu, quando os pastores começaram a dizer uns aos outros,
repetindo as palavras sempre de novo, como o fazem as pessoas quando sob a influência de grande excitação.
Eia, vamos! Exclamam eles. Queriam pegar um atalho, um caminho mais direto a Belém. Não havia tempo a
perder. Queriam ver o acontecido, ou seja, ver com os próprios olhos este milagre. Não queriam conferir a
mensagem do anjo, pois, estavam certos de sua verdade. A proclamação angelical decidira o assunto: O fato,
o milagre, aconteceu; o Senhor no-lo tornou conhecido. Creram na palavra que lhes foi pregada, confiaram
na mensagem evangélica e o conteúdo da mensagem do anjo lhes foi real. Confiar, não em sentimentos ou
conjeturas, mas na palavra firme do evangelho, isto é a essência da fé requerida por Deus em todos os
tempos. E eles conformaram seus atos às suas palavras. Apressadamente vieram e encontraram tudo
exatamente como o anjo lhes dissera. Esta confirmação encheu suas almas de alegria. Encontraram Maria, a
mãe, com José, o padrasto, e encontraram a criança – criança milagrosa – cujo nome é Maravilhoso, deitado
no cocho de pasto ou na manjedoura do estábulo. Aqui os crentes no Natal se tornaram missionários do
Natal. A um cristão é impossível não evidenciar em palavras e atos a fé que habita no coração, quando viu e
encontrou o Salvador Jesus no evangelho. Espalharam, de modo exato, o assunto sobre o fato que lhes foi
contado e tudo que lhes aconteceu, ou seja, a maravilhosa mensagem recebida e a confirmação das palavras
do anjo. No dia seguinte a história causou um grande alvoroço em Belém, despertando grande interesse.
Todos quantos ouviram do caso, se maravilharam o que é o primeiro e normal resultado da mensagem
evangélica. Este foi o efeito em todos os lugares onde os pastores chegaram e repetiram sua história. Como
20
) Lutero, 13a. 74.
21
) Lutero, 13a.76.
22
) Schaff, Co0mmentary, Luke, 39.
exceção só é citada Maria. Ela, em vez de se admirar, apegou as palavras, guardando-as com carinho como
tesouro sacro e remexendo-as em seu coração. Marquemos bem: Todas as pessoas se admiravam, Maria,
porém, meditava em todas as coisas maravilhosas que aconteceram a ela e aos pastores. Esta distinção deve
ser feita até ao dia de hoje. Muitos são acertados pela beleza da história do evangelho e conforme isto
expressa seus pontos de vista, há, porém, poucos que tomam o tempo para meditar sobre os grandes fatos de
nossa salvação, de remexê-los em seus corações, de examina-los de todos os lados, e descobrir todas as
belezas desses tesouros inestimáveis. “É sua vontade que sua palavra não só flutue na língua, como a espuma
sobre a água e a baba na boca que se cospe fora; mas que seja impressa no coração e lá permaneça como um
sinal que ninguém pode apagar, bem como se ali tivesse crescido e fosse uma coisa natural que ninguém
pode raspar fora”23). Enquanto os pastores continuaram a espalhar seu trabalho de difundir a notícia sobre o
menino miraculoso, e quando haviam realizado tudo que seu coração lhes pedia, voltaram ao seu trabalho
diário. Haviam sido mensageiros de Deus, como deviam ser todos os cristãos. Haviam sido portadores das
gloriosas notícias da salvação. Mas não presumiam ser mais do que sua condição permitia. Glorificaram e
magnificaram a Deus por terem sido graciosamente permitidos para ouvir as notícias sobre a salvação. E o
que naquela noite viram e ouviram estava gravado em seus corações em letras de luz do alto. Assim devia ser
com todos os fiéis em Cristo o Salvador, visto serem abençoados na mesma medida como o foram os
pastores. Em seu comportamento e atitude exterior parece não haver muita diferença entre eles e os filhos do
mundo. Atendem ao trabalho de sua vocação e não se envergonham, mesmo que o Senhor lhes concedeu uma
condição humilde de vida. Mas em seus corações há luz e vida gloriosas. Em meio ao calor e da faina do dia,
eles rejubilam em Deus seu Salvador, que os resgatou de toda faina e preocupação da vida terrena e lhes
abriu as glórias do céu.
A circuncisão, V. 21: Completados oito dias para ser circuncidado o menino, deram-lhe o nome de
JESUS, como lhe chamara o anjo, antes de ser concebido. Jesus, por sua ancestralidade e por nascimento,
era membro da raça e da igreja judaica. E Maria e José observavam todos os ritos e cerimônias da lei judaica.
Por isso, ao oitavo dia de vida da criança, foi-lhe administrado o sacramento da circuncisão, como o que era
formalmente declarado um membro da igreja judaica. Conforme o costume dos judeus, também lhe deram
um nome pelo qual devia ser reconhecido na congregação do povo de Deus. Quanto a isto não houve
divergência de opinião. Agora foi feito assim como o anjo dissera para Maria no tempo da anunciação e
como ele dissera em sonho a José, Mt. 1.21. O nome da criança foi Jesus. Nele há salvação para todas as
pessoas. Notemos: Aqui Jesus, ao se submeter às ordenanças da circuncisão, foi colocado sob a lei, Gl. 4.4,5.
Foi o começo de sua obediência ativa em favor das pessoas. Mas também foi o começo de sua obediência
passiva, de seu sofrimento. Pois, derramara a primeira gota de sangue como preço por nossas almas, tendo o
pagamento pleno sido completado, quando na cruz ele entregou sua alma nas mãos de seu Pai celeste.
A apresentação, V. 22) Passados os dias da purificação deles segundo a lei de Moisés, levaram-no
a Jerusalém para o apresentarem ao Senhor, 23) conforme o que está escrito na lei do Senhor: Todo
primogênito ao Senhor será consagrado; 24) e para oferecer um sacrifício, segundo o que está escrito na
referida lei: Um par de rolas ou dois pombinhos. Lucas acha necessário expor os ritos ligados com a
purificação por causa de seus leitores que não estavam familiarizados com as leis judaicas. A mãe era
impura, conforme as ordenanças de Moisés, por sete dias, depois do nascimento do filho, e depois disso
precisava ficar à parte por mais outros trinta e três dias. Estes quarenta dias assinalavam os dias de limpeza
ou purificação levítica, Lv. 12. Ao fim deste período os pais subiram para Jerusalém com a criança para a
apresentar ao Senhor, visto que o primogênito entre as pessoas e os animais pertencia ao Senhor, Ex. 13.2, e
precisava ser redimido por meio dum sacrifício. Sendo Maria e José pobre, não tinham as condições de trazer
um cordeiro. Por isso Maria comprou o sacrifício menos caro, Lv. 12.6,8. É a seguinte a maneira pela qual
Maria trouxe seu sacrifício, tanto a oferta pelo pecado como de agradecimento. Entrou no templo pela “porta
dos primogênitos”, esperou na porta de Nicanor enquanto a oferta de incenso era realizada no lugar santo.
Então ela prosseguiu ao degrau superior da escada que conduzia da corte das mulheres para a corte de Israel.
Aqui um sacerdote tomou de suas mãos a oferta. A seguir ela foi aspergida com o sangue para indicar a
purificação. Por fim ela pagou cinco peças de prata, para o tesouro do templo, colocando o dinheiro (uns R$
23
) Lutero, 13a. 81,7.
2,50) no cofre do tesouro que tinha a semelhança duma trombeta, e que estava na corte das mulheres.
Notemos: A lei unicamente dizia respeito àquelas mulheres que, segundo o curso natural, se tornavam mães.
A virgem e seu filho, com justiça, podiam ter alegado isenção. Cristo, porém, se humilha tão completamente
por causa dos pecadores. Queria tornar-se tão completamente carne de nossa carne, que se submeteu até a
este rito humilhante de purificação no templo.
A aproximação de Simeão, V. 25) Havia em Jerusalém um homem chamado Simeão; homem este
justo e piedoso que esperava a consolação de Israel; e o Espírito Santo estava sobre ele. 26) Revelara-lhe o
Espírito Santo que não passaria pela morte antes de ver o Cristo do Senhor. 27) Movido pelo Espírito foi ao
templo; e, quando os pais trouxeram o menino Jesus para fazerem com ele o que a lei ordenava, 28) Simeão
o tomou nos braços e louvou a Deus, dizendo: 29) Agora, Senhor, despedes em paz o teu servo, segundo a
tua palavra; 30) porque os meus olhos já viram a tua salvação, 31) a qual preparaste diante de todos os
povos: 32) luz para revelação aos gentios, e para a glória do teu povo de Israel. O incidente aqui relatado
por Lucas é tão importante a ponto de introduzi-lo com “eis!”. Ele trouxe mais um testemunho sobre o
menino Jesus e fortaleceu Maria em sua fé. Havia naquele tempo em Jerusalém de nome Simeão. Dele nada
mais é sabido, do que o que o evangelista aqui registra, mas ele é lembrado em toda a cristandade. Este
homem é descrito como justo ou reto. Isto é referido sobre sua condição de coração e mente. Era devoto e
piedoso, o que se refere na manifestação externa do que havia em seu coração. Era um dos verdadeiros
israelitas. Praticava o que confessava – a religião de seus antepassados. Era bem versado nas profecias sobre
o Messias que aguardava e com ânsia esperava, como o refrigério ou o conforto de Israel. Ele tinha a
compreensão correta da obra do Redentor e esperava pela revelação dum reino espiritual. O Espírito Santo
estava sobre ele ou habitava nele, influenciando toda sua vida e conduta. Ele havia recebido uma revelação,
ou um impulso muito forte e insistente do Espírito Santo, que se referia a uma clara promessa, a saber, que
ele não veria a morte antes de ter visto o Cristo do Senhor. Notemos o paralelismo e o contraste que são
apresentados: Em ambos os casos ele veria – num ele veria a morte e o fim da vida, no outro veria a
revelação mais gloriosa da Vida eterna que vem do alto, o Messias do onipotente e gracioso Deus. Bem neste
hora o Espírito o impeliu para ir ao templo. Desta maneira reconheceu o menino Jesus nos braços de sua
mãe, quando os pais vieram cumprir o sacrifício requerido pela lei de Moisés. Neste momento o venerável
ancião fez algo que deve ter admirado muito a Maria e José. Dirigindo-se a eles, tomou a criança em seus
braços e começou a cantar um hino de louvor e gratidão a Deus. Sua beleza é tanta que ele reteve, desde o
começo, sua posição na igreja. Finalmente, agora, a esperança, a muito acalentada por ele, é cumprida, e ele
está completamente feliz para morrer. Nos ouvidos dum descrente estas palavras devem soar estranhas. Pois,
ele fala dum libertação, duma partida, que seria feita em plena paz e satisfação, ou em total contentamento.
Ele sabe que isto lhe trará duradouro descanso e repouso, ou seja, a paz que o menino Jesus trouxe. Pois,
seus olhos cansados haviam visto a salvação de Deus, visto que a criança era a personificada salvação do
mundo. Nele e por meio dele todas as nações da terra são abençoadas com plena e completa redenção.Esta
salvação em Jesus está pronta, ou esta disposta diante da face de todas as nações. Ele traz uma reconciliação
universal, da qual ninguém em todo o vasto mundo está excluído. Os gentios não só são os espectadores
desinteressados do milagre que será realizado pela obra de Cristo, mas ele e sua salvação são a Lua que deve
iluminar e dar a plena luz do evangelho aos gentios, e a qual deve ser a glória de seu povo Israel, Is. 9.2;
42;6; 49;6; 60.1-3. Este lindo hino enfatiza, em termos os mais fortes possíveis, o fato da graça universal e
que ninguém está excluído da salvação que Cristo adquiriu com seus méritos. Na mesma ocasião, Simeão
também, por inspiração do Espírito Santo, ensina alguns dos efeitos da graça e salvação universais sobre
todos quantos aceitam Jesus como seu Salvador. Todos estes cristãos receberão a iluminação do evangelho
em mente e coração, e se tornarão participantes da glória que pertence ao Messias e sua obra. Estes
aprenderão a encarar a morte temporal como uma libertação, ou como uma partida para cenas melhores e
mais preciosas, visto que adormecem em Jesus. “Todo aquele que tem este Salvador, o Salvador de Deus,
podem ter um coração pacífico e tranqüilo. Pois, mesmo que a morte seja tão terrível, o pecado tão poderoso,
o diabo tão perverso e peçonhento como o queira ser, nós, ainda assim, temos o Salvador de Deus, isto é, um
Salvador todo-poderoso e eterno. Ele é suficientemente forte para nos transportar da morte para a vida e do
pecado para a justiça”24)
Simeão abençoa a José e Maria, V. 33) E estavam o pai e a mãe do menino admirados do que dele se
dizia. 34) Simeão os abençoou e disse a Maria, mãe do menino: Eis que este menino está destinado tanto
24
) Lutero, 13a. 227.
para ruína como para levantamento de muitos em Israel, e para ser alvo de contradição 35) também uma
espada traspassará a tua própria alma, para que se manifestem os pensamentos de muitos corações.
Enquanto na história dos pastores é mencionado que só Maria guardou com carinho as palavras sobre seu
filho, aqui ambos os pais são descritos como quem se maravilhou sobre as palavras de Simeão, as quais
revelaram o significado pleno desta criança para o mundo. O padrasto José, via de regra, permanece em
segundo plano. As palavras ditas por Simeão encheram a ambos de jubilosa admiração. Gradualmente
começaram a ter uma idéia sobre o significado de todas as profecias a respeito da criança em seus braços.
Agora Simeão proferiu uma bênção sobre ambos e se dirigiu a Maria em importante profecia. Esta criança
está destinada ou é estabelecida, pela vontade de Deus, para um duplo propósito. Em primeiro lugar, ela
serve para a queda e para o reerguimento de muitos em Israel, ou seja, do verdadeiro Israel ou dos membros
do reino de Deus. O natural orgulho e a justiça própria de cada pessoa, que é uma característica da
depravação herdade das pessoas, precisa cair e ser removida por completo, antes que possa ocorrer sua
ressurreição na fé no Salvador Jesus. Em segundo lugar, ela serve como um sinal que será contestado e
contraditado. Muitas pessoas, de fato, a maioria, recusam humilhar-se por causa deste Salvador, mesmo que
a certeza da glória futura lhes é estendida por meio da fé nele. Endurecem seus corações contra ele e, desta
forma, são condenados por sua própria culpa, 2. Co. 2.15,16; 4. 3,4. Mas, apesar de tudo isso, ele é um sinal
perante o mundo inteiro, bem assim como a serpente de bronze no deserto foi um sinal ao povo todo, até
mesmo para aqueles que se recusaram a encará-la até que fosse tarde demais. É desta maneira que os
pensamentos dos corações das pessoas são revelados. Muito líder judeu, cuja reputação atestava sua perfeita
bondade, não resistiu ao teste desta pedra de toque, que é Jesus Cristo, e rejeitaram sua própria salvação.
Este estado de coisas, também, se mostraria como uma provação terrível para Maria. Seu coração materno
sentiria de modo muito agudo o ódio dirigido contra seu Filho. Ele, muitas vezes, seria qual espada de dois
gumes a penetrar em sua alma, como aconteceu quando ela testemunhou a crucificação com torturas que a
acompanharam.
A profetiza Ana, V. 36) Havia uma profetisa, chamada Ana, filha de Fanuel, da tribo de Aser,
avançada em dias, que vivera com seu marido sete anos desde que se casara, 37) e que era viúva de oitenta
e quatro anos. Esta não deixava o templo, mas adorava noite e dia em jejuns e orações. 38) E, chegando
naquela hora, dava graças a Deus, e falava a respeito do menino a todos os que esperavam a redenção de
Jerusalém. 39) Cumpridas todas as ordenanças segundo a lei do Senhor, voltaram para a Galiléia, para a
sua cidade de Nazaré. 40) Crescia o menino e se fortalecia, enchendo-se de sabedoria; e a graça de Deus
estava sobre ele. Naquela época Simeão não era a única alma piedosa em Jerusalém. Juntou-se ao grupo uma
profetisa de nome Ana, cujo pai e tribo são citados, tendo Lucas a atenção por todos os possíveis detalhes.
Ela era muito idosa. Casara muito jovem, permanecendo viúva após a morte do esposo e passando o tempo
no serviço ao Senhor. Ela, mesmo já tendo oitenta e quatro anos, foi um dos primeiros que de manhã, logo
que as portas se abriram, entraram no templo. Lá permanecia em devota adoração por todo o dia, passando as
horas em jejum e oração, mostrando-se assim um verdadeiro ministro e serva do Senhor. Também ela deu
graças, ela apanhou o canto começado pelo velho Simeão, louvando a Deus por ter enviado o Salvador ao
mundo que tanto necessitava de redenção. Ela, desta forma, não serviu somente à sua própria devoção e
edificação, mas espalhou as boas novas. Teve como prática, mencionar o fato da aparição do Messias a
todos aqueles que eram de espírito semelhante em Jerusalém. Pois, ainda havia alguns, ao menos alguns, que
sincera e devotamente de Jerusalém esperavam pela redenção dos pecados, por meio da obra do Salvador.
José e Maria, porém, depois que haviam cumprido tudo quanto deles requeria a lei e o costume,
deixaram a cidade. Neste ponto Lucas omite todas as referências à fuga ao Egito e à estadia naquele país, e
continua sua narrativa no ponto em que os pais de Jesus se fixaram definitivamente em Nazaré. Aqui, na
pequena vila nas montanhas da Galiléia, foi passada a meninice e juventude de Jesus. Aqui ele cresceu e
também se desenvolveu em força física. O que, porém, é muito mais importante, ele cresceu em
conhecimento, encheu-se de sabedoria, e a graça de Deus estava com ele, repousando obviamente nele.
A viagem para Jerusalém, V. 41) Ora, anualmente iam seus pais a Jerusalém, para a festa da
páscoa. 42) Quando ele atingiu os doze anos, subiram, segundo o costume da festa. 43) Terminados os dias
da festa, ao regressarem, permaneceu o menino Jesus em Jerusalém, sem que seus pais o soubessem. 44)
Pensando, porém, estar ele entre os companheiros de viagem, foram caminho de um dia, e então passaram a
procurá-lo; 45) e, não o tendo encontrado, voltaram a Jerusalém à sua procura. Temos aqui a única história
autêntica da vida de Cristo, no intervalo entre a fuga ao Egito e o começo de seu ministério. Ele, nesta
narrativa, está na divisa entre a meninice e a juventude. Está por entrar na fase difícil da vida. A referência
de Lucas sobre a participação regular da mãe e do padrasto de Jesus na festa da páscoa, lança uma luz
interessante sobre seus hábitos. A lei exigia que os homens aparecessem perante o Senhor três vezes ao ano,
sendo a festa da páscoa uma destas ocasiões em que sua presença era exigida, Ex. 23.1; Dt. 16.16. As
mulheres não estavam incluídas na ordem do Senhor. Maria, porém, não tinha falta de companhia de pessoas
de seu sexo. Muitas mulheres aproveitavam o período festivo para acompanhar os esposos e filhos maiores
para a capital. Notemos: O evangelista enfatiza sua regularidade no atendimento. São um bom exemplo para
muitos pais de hoje. Quando o menino tinha doze anos, os pais procederam conforme o costume dos antigos,
de que seus filhos deviam ser exercitados em todas as obrigações religiosas e com seus pais participar nas
festas. Era a idade em que os meninos judeus entravam na escola secundária, chamada Beth-ha-Midrash, das
quais e mais afamada se encontrava em Jerusalém e, quase sempre, era administrada nalguma das alas do
templo. Era conhecida como a ha gadol. A própria jornada para Jerusalém por ocasião das grandes festas, já
era uma festa em si, em especial para as pessoas mais jovens da família. As pessoas das regiões mais remotas
da Palestina formavam grandes grupos a fim de viajarem juntas, visto que em sua maioria iam a pé. Alguns
dos membros mais velhos, de tempo em tempo, começavam a cantar algum dos salmos dos degraus, Sl. 120-
134, ou mesmo outros hinos. Quando chegavam mais perto da cidade, e o espírito festivo dominava as
pessoas, apanhavam flores e galhos das árvores e os agitavam em cadência com seu canto. No caso atual,
Jesus esteve na companhia de parentes e conhecidos de Nazaré e arredores, e passou a semana da festa como
um participante muito interessado. Mas, quando a festa acabou e todos os peregrinos voltaram para casa, o
menino Jesus permaneceu em Jerusalém, sem que seus pais o soubessem. Acreditavam que estivesse com
alguns dos membros do seu grupo e passaram o dia todo olhando, ocasionalmente, por ele na caravana.
Quando, porém, não encontraram qualquer traço dele, então o coração da mãe se encheu de pressentimentos
sombrios. Voltaram apressados para Jerusalém. Vasculharam a cidade por três dias.
Os negócios de seu Pai, V. 46) Três dias depois o acharam no templo, assentado no meio dos
mestres, ouvindo-os e interrogando-os. 47) E todos os que o ouviam muito se admiravam da sua inteligência
e das suas respostas. 48) Logo que pais o viram, ficaram maravilhados; e sua mãe lhe disse: Filho, por que
fizeste assim conosco? Teu pai e eu, aflitos, estamos à tua procura. 49) Ele lhes respondeu: Por que me
procuráveis? Não sabíeis que me cumpria estar na casa de meu Pai? 50) Não compreenderam, porém, as
palavras que lhes dissera. Os três dias de procura com sua crescente ansiedade pode ter, muito bem,
despertado em Maria a idéia que a profecia de Simeão já se cumprira. Finalmente, Maria e José, porém,
acharam a Jesus, depois de muitas buscas por toda cidade, no templo. Estava sentado em meio aos
clarividentes mestres, na ala donde as classes dos filhos da lei, ou seja a honrada escola secundária, se
reuniam para instrução avançada, a fim de aprender a guardar os mandamentos. Sentado lá, aparentemente na
condição de aluno, mas, na realidade, em séria conferência, em que ele assumia quase as funções de mestre.
Dava a devida atenção às explanações dos doutores, mas também fazendo perguntas profundas, para o
espanto de todos quantos o ouviam. Sua compreensão, sua habilidade de penetrar um assunto proposto, e as
respostas que dava, eram de tal forma que provocavam admiração. Havia algo de rara perspicácia e a
capacidade de apresentação que em anos posteriores deliciava tanto suas platéias. Maria e José, porém,
estavam perturbados por causa da aparente audácia do menino, que lhe parecia algo como atrevimento.
Maria, ainda tomada de emoção por causa da procura e estando seu coração materno ansioso pelo filho, não
se apercebeu que a falta não fora dele mas deles, perguntou, de modo repreensivo, pelo motivo por que agira
assim com eles. Notemos: A maneira discreta em que Maria se refere a José é uma prova inquestionável
sobre a sabedoria, com que educou seu filho. É uma lição para muitos pais modernos. Haviam-no procurado
com ansiosa solicitude. Jesus, todavia, não aceitou a repreensão. Não de modo repreensivo, mas com toda
sinceridade e decisão duma piedosa meninice, ele a pergunta por que o procuravam dessa forma. Dá-lhes
uma idéia do seu propósito de vida. Deviam saber que ele devia estar nos negócios de seu Pai. Esta é a
obrigação de sua vida. Ele precisa estar empenhado nas coisas de seu Pai e se preocupar com elas. O templo
era o lugar onde, supostamente, o serviço de seu Pai era o mais perfeito, e onde era de se supor que a palavra
da graça era ensinada. “Motivo esse porque o templo também era chamado seu santuário e sua habitação
sacra, visto que lá ele, por meio de sua palavra, revelava sua presença e se fazia ouvir. É assim que Cisto está
nos negócios de seu Pai, quando ele nos fala pela sua palavra e por meio dela nos leva ao Pai”25). Esta
resposta de Jesus, com sua implicação de filiação divina, ainda estava além da compreensão de Maria, que
havia guardado tudo quanto fora dito sobre seu Filho.
O retorno para Nazaré, V. 51) E desceu com eles para Nazaré; e era-lhes submisso. Sua mãe, porém,
guardava todas estas coisas no coração. 52) E crescia Jesus em sabedoria, estatura e graça, diante de Deus
e dos homens. Um período de uns dezoito anos é coberto nesta singela afirmação do evangelista. Ainda que
dera a seus pais a evidência que tinha uma vocação maior e mais elevada, foi, ainda assim, com eles, como o
faz um filho obediente. Era-lhes submisso. Em sua total submissão à lei por nossa causa, sujeitou-se a cada
mandamento e prestou obediência perfeita, a fim de, neste sentido, expiar os pecados dos filhos. Notemos: O
método de Maria em guardar as palavras que não conseguia entender, em meditá-las constantemente para as
conservar frescas em sua memória, merece uma ampla imitação. Entretanto é registrado que o
desenvolvimento de Jesus foi normal, tanto mental como fisicamente. Seu estado de humilhação foi tão
perfeito, a ponto que não só seu corpo estar sujeito à lei geral da natureza, mas também sua mente. Dedicado
e feliz continuou seus estudos, e entesourou um grande lastro de conhecimento. Notemos: Não havia
qualquer semeadura de joio no Cristo imaculado. Mas seu crescimento mais excelente e melhor foi em
assuntos espirituais. Cresceu no favor, ou seja, na boa vontade tanto de Deus como das pessoas. Levava sua
vida em total concordância com os preceitos que aprendera. Colocou sua inteira confiança em seu Pai celeste
e disso deu provas num viver de amor, sendo o exemplo mais perfeito para os jovens de ambos os sexos de
todos os tempos.
Resumo: Jesus nasceu em Belém, é visitado pelos pastores, recebe o nome Jesus em sua circuncisão,
é apresentado ao Senhor no templo, onde Simeão entoa seu belo hino, coadjuvado pela profetisa Ana, e visita
Jerusalém aos doze anos de vida.
O Alistamento De Quirino
São muitas as objeções feitas sobre a data aproximada de Lucas sobre o nascimento de Cristo. Acha-
se, que ele confundiu o censo de 8. a C, com o de 6 ou 7 A.D., e que ele imaginou que Cristo nasceu nos dias
do censo que foi feito uns 10 ou 12 anos depois da morte de Herodes; ou, quando Herodes era rei, e quando
um vice-rei romano estava organizando a nova província da Palestina. “Tem sido sustentado por muitos
eruditos modernos, que o censo seja uma ficção ou um disparate; que as circunstâncias ligadas a ele,
mencionadas por Lucas, são contrárias à história; e, em resumo, que o fato não é histórico e que é
impossível, não meramente de uma maneira mas de muitas. ... É afirmado que Quirino, durante a vida de
Herodes, nunca governou a Síria, visto que Herodes morreu em 4. a C., e que Quirino foi governador da Síria
depois de 3 a.C., e mais provável em 2 ou 01 a.C.”26). Todas as objeções ao relato de Lucas foram resumidas
brevemente, como segue: “ 1) Fora do evangelho, a história não conhece um censo imperial geral no tempo
de Augusto. 2) Durante o tempo de Herodes o Grande (que era um rex socius) não podia ter havido um censo
romano na Palestina. 3) Um censo como este num tempo assim não podia ter sido realizado por Quirino, pois
não foi governador da Síria naquele tempo, nem até dez anos depois, quando ele realmente fez um censo que
provocou uma revolta entre os judeus da Galiléia. 4) Num censo romano não teria sido necessário que José
fosse a Belém, ou que Maria o acompanhasse”27).
De modo nenhum seria necessário dar atenção a estas objeções, visto que relato histórico inspirado
por Deus há de resistir a todas as afirmações de historiadores seculares. Ainda assim, é importante, neste
caso, verificar que as investigações arqueológicas das últimas décadas demonstraram o relato de Lucas e
tendem a confundir sempre mais aos críticos da Bíblia. Achou-se documentos que mostram que no Império
Romano era feitos alistamentos a cada quatorze anos, que este sistema, provavelmente, foi começado por
Augusto, que as pessoas iam às suas próprias cidades para se alistar, e que isto era feito baseado no
parentesco. A arqueologia “provou o censo era um acontecimento periódico a cada quatorze anos, que este
sistema estava em operação no ano 20 A. D., e que era costumeiro às pessoas irem aos domicílios de seus
ancestrais para se alistarem. Ela tornou o fato possível que o sistema do censo foi instituído por Augusto, e
que Quirino foi duas vezes governador da Síria.... Até onde o novo achado chega, ele confirma a narrativa de
25
) Lutero, 11.453.
26
) Ramsay, W.M., Was Christ Born at Bethlehem, 45-47, 101, 109.
27
) Expositor’s Greek Testament, 1.470.
Lucas”28). A última evidencia de escruta encravada mostra que Quirino foi legado na Síria para objetivos de
censo em 8-6 a C. 29). “Se, como agora parece certo, Augusto começou este sistema dum censo periódico a
cada quatorze anos, e se Lucas se refere a isto, então somos, pela primeira vez, capazes de reconciliar todas
as antigas contradições sobre a data do nascimento de nosso Senhor – a qual agora precisa ser colocada em
algum lugar entre 9 a C e 6 a C. O ano exato não é possível mencionar, visto que esses alistamentos gerais
terem sido necessariamente longos, em especial nos subúrbios do império”30). A objeção de que um censo
não podia ter sido feito na Palestina, visto Herodes o Grande ter sido um rex socius, é totalmente
insustentável: Herodes era rei tão só por graça especial de Augusto e do senado romano, o que ele bem sabia.
Mesmo que outros reis tivessem sido desculpados em tal situação, o que não é de todo plausível, Herodes
teria sido muito cauteloso em expressar quaisquer objeções contra um decreto de Augusto.31).
Por isso, não há necessidade para tentar interpretar as palavras de Lucas de outra maneira do que no
seu sentido natural. Ele sabia o que escrevia. E o Espírito Santo, que supervisionava cada palavra, fixou a
data bem do modo como foi feito aqui. É motivo de muita satisfação, contudo, que a ciência da arqueologia
auxilia a silenciar as objeções dos críticos e a convencer os que contradizem.
CAPÍTULO O3
32
) Besser, Bibelstunden, 1.112.
33
) Lutero, 12.1054.
3.8 diz. Não penseis em dizer em vós mesmos, não nos precisa causa dificuldade, visto que a palavra
aramaica que João, sem dúvida, usou nesta sentença, com uma mudança muito pequena na vocalização, pode
significar tanto “pensar” como “começar”. E o Senhor, aceitando ambas as formas, autorizou as duas
leituras. Que tinham Abraão como seu pai, que eram descendentes diretos e lineares do pai da raça judia, que
sua genealogia os apoiava em seu orgulho, sobre este fato muitos judeus confiavam para serem aceitos por
Deus. Mas eles não são todos filhos de Abraão, mesmo que possam traçar sua família de volta até ele,
segundo a carne, Jo.8. 39; Rm.4.11. Os verdadeiros filhos de Abraão são aqueles que, como ele próprio,
lançam sua confiança de salvação no Senhor e em sua redenção. Além disso, Deus pode, muito bem, criar
das pedras do deserto filhos a Abraão. Da inteira raça judaica eram verdadeiras as palavras que machado
estava posto à raiz. Se o tronco nacional não trouxer fruto agora, quando esta última grande mudança lhe foi
oferecida, e não trouxer bom fruto, então seu juízo será executado sobre eles. É uma advertência também
para todas as gerações futuras, não importando onde morem no mundo. A última grande visitação graciosa
para os filhos amanhecera com a vinda do Batista. Mais uma vez e pela última vez, a mão poupadora da
misericórdia estancou a mão da justiça vingativa que naquele tempo já erguera seu machado. O povo como
um todo rejeitou ao Salvador, e o machado da ira de Deus abateu a figueira infrutífera em sua vinha. O
destino final de todos aqueles que continuam a rejeitar a salvação de Jesus Cristo é o fogo do castigo do
inferno. 34).
Conselho individual ao povo, V. 10) Então as multidões o interrogavam, dizendo: Que havemos,
pois, de fazer? 11) Respondeu-lhes: Quem tiver duas túnicas, reparta com quem não tem; e quem tiver
comida, faça o mesmo. 12) Foram também publicanos para serem batizados, e perguntaram-lhe: Mestre,
que havemos de fazer? 13) Respondeu-lhes: Não cobreis mais do que o estipulado. 14) Também soldados
lhe perguntaram: E nós, que faremos? E ele lhes disse: A ninguém maltrateis, não deis denúncia falsa, e
contentai-vos com o vosso soldo. A pregação de João não acabou sem efeito sobre o povo. Houve alguns que
foram acertados no coração, e se tornaram penitentes preocupados. Aceitaram humildemente a censura de
João, reconhecendo seus pecados, mas não sabiam como deviam mostrar sua mudança de mente. Precisavam
de instrução na santificação. Por isso João fez a aplicação da lei em seus casos individuais. A grande falta do
povo em geral a ganância era a sua mania geral. Se só tivessem desaprovado a mendigância indiscriminada
que acontece por causa da preguiça, teriam agido de modo louvável. Eram, porém, interesseiros e
gananciosos. Por isso João os ensina a estarem dispostos a repartir com os necessitados, Is. 58.3-61, Dn.
4.24. Amparar com vestes e comida aos pobres, não só agrada a Deus, mas, em certas condições, isto se pode
tornar um dever que o culto a Deus requer, Mt. 10.42. Também os publicanos sentiram a justiça da
repreensão geral de João, e, vindo ao seu batismo, lhe perguntaram: Mestre, e nós, o que faremos? O pecado
deles era a cobiça, a ganância, e por isso o logro e a fraude. Instruiu a estes, para que não exigissem
pagamentos exagerados sobre as taxas impostas. Isto lhes seria um assunto relativamente fácil, visto que o
sistema permitia o suborno numa escala de atacado, não sendo nada incomum um publicano juntar fortuna.
Caso se arrependessem realmente, isso não podia mais acontecer. É um aviso aos subornadores de nossos
dias, sem mencionar os especuladores de alimento e outros piratas que exercem seu comércio sob a aparência
duma ocupação legítima. Soldados foram a última classe a que João deu instruções especiais. Estavam
misturados ao povo, talvez, por curiosidade ou haviam sido enviados pelas autoridades para prevenir
distúrbios. Sobre a pergunta deles sobre o seu agir, João lhes deu instruções para exercerem seu poder pela
força ou por fraude e embuste, mas que se satisfizessem com seu soldo. No trabalho de sua vocação, era
muito grande a tentação de maltratar o povo e receber suborno e peita, Mt. 28.12. Extorquiam dinheiro pela
intimação no caso dos pobres, e obtinham dinheiro agindo como informantes contra os ricos. As palavras de
João foram uma lição para cada um a fim de examinar sua própria situação conforme a lei de Deus.
O testemunho de João sobre Cristo, V. 15) Estando o povo na expectativa, e discorrendo todos no
seu íntimo a respeito de João, se não seria ele, porventura, o próprio Cristo; 16) disse João a todos: Eu na
verdade vos batizo com água, mas em o que é mais poderoso do que eu do qual não sou digno de desatar-
lhe as correias das sandálias; ele vos batizará com o Espírito Santo e com fogo. 17) A sua pá ele a tem na
mão para limpar completamente a sua eira e recolher o trigo no seu celeiro; porém queimará a palha em
fogo inextinguível. 18) Assim, pois, com muitas outras exortações anunciava o evangelho ao povo; 19) mas
Herodes, o tetrarca, sendo repreendido por ele, por causa de herodias, mulher de seu irmão, e por todas as
maldades que o mesmo Herodes havia feito, 20) acrescentou ainda sobre todas a de lançar João no cárcere.
34
) Besser, Bibelstunden, 1.117.
O testemunho ousado de João impressionou muito ao povo em geral. A expectação e conjetura do povo
achava que ele podia ser o prometido Cristo. Esta opinião rapidamente ganhou terreno, com o povo
debatendo o assunto com grande entusiasmo. Quando esta idéia, porém, foi levantada ao conhecimento de
João, este, de pronto, se opôs e fez tudo que pôde, para suprimir que isto se espalhasse. Parece que sua
afirmação foi uma declaração formal, solene e pública. Seu batismo foi o de um servo que executa ordens.
Só batizava com água. Aquele, para cuja vinda ele preparava o caminho, seria tanto maior e poderoso a
ponto de João não se sentir digno de lhe prestar o serviço desprezível dum escravo que é tirar e carregar-lhe
as sandálias. Cristo iria batizar com o Espírito Santo e com fogo. Ele, em e pelo evangelho dá seu Espírito
Santo aos pecadores para a renovação de seus corações, e para a santificação de suas vidas. Seu poder teria
as propriedades purificadoras do fogo. Daria aos pecadores a força de fazer o que João exigia, frutos dum
viver que fossem dignos de arrependimento. Mas ai daqueles que se recusam para aceitar este Salvador com
seu Espírito Santo. Assim como o agricultor, por meio dum cuidadoso e repetido usar da peneira, separa a
palha do trigo, junta o trigo no seu depósito, mas queima a palha sem valor, assim Cristo, como o juiz do
mundo, agirá com aqueles que foram pesados e achados em falta, ou seja, que têm a aparência e postura
exterior dos verdadeiros cristãos, mas carecem de verdadeira e santificante fé. Sua porção é fogo
inextinguível no abismo do inferno. João, porém, enquanto, principalmente, assim dava testemunho sobre
Cristo, falou ao povo muitas coisas mais, tanto na forma de exortação como na pura pregação do evangelho.
Ele fez o trabalho de verdadeiro evangelista. Contudo, não pôde continuar seu trabalho por longo tempo, sem
sofrer interferência. Ele, na franqueza do pregador da verdade, não hesitou em repreender Herodes, que era o
tetrarca da Galiléia, por causa de sua união adúltera com Herodias, sua sobrinha e esposa de seu meio-irmão
Filipe (não o tetrarca da região além do Mar de Tiberíades). E a repreensão de João não se restringiu ao
pecado de Herodes com Herodias, mas, ao contrário, incluiu todos os seus atos perversos, sua injustiça,
crueldade, luxúria, etc. Por isso Herodes se sentiu forçado a lançar João na prisão, com o que ele se satisfez
no momento. Lucas não relata os posteriores acontecimentos. Mesmo que, em nossos dias, o trato dispensado
a ministros e confessores do evangelho não atinja sempre este clímax, a mesma oposição está presente em
toda parte em relação à sua confissão franca da verdade e seu testemunho ousado contra a falsidade e
qualquer forma de pecado atual em nossa terra. Assim como Herodes rejeitou a misericórdia de Deus e
encheu a medida de seus pecados, da mesma forma, muitos incrédulos e inimigos de Cristo tentam abafar a
voz de sua consciência por meio de atos de violência contra cristãos sinceros.
O batismo de Jesus, V. 21) E aconteceu que, ao ser todo o povo batizado, também foi Jesus; e
estando ele a orar, o céu se abriu, 22) e o Espírito Santo desceu sobre ele em forma corpórea como pomba;
e ouviu-se uma voz do céu: Tu és o meu Filho amado, em ti me comprazo. Quando todas as pessoas estavam
sendo batizadas, e quando o ministério de João chegara ao seu auge, veio o próprio Jesus e se juntou à
companhia de pecadores que pelo batismo buscavam o perdão dos pecados. Jesus, pelo seu batismo,
formalmente foi investido em seu ofício. Pois, depois de seu batismo, enquanto orava, como costumava fazer
em todas as situações importantes de sua vida, se abriu o céu acima dele. E, ao mesmo tempo, o Espírito
Santo, na forma corpórea duma pomba e assim era visível, desceu do céu sobre ele. Todo este acontecimento
foi um testemunho maravilhoso de Deus Pai sobre a filiação de Jesus, quando também falou do céu em voz
audível: Tu és meu amado Filho, em ti muito me agrado. Esta foi uma manifestação que visava o
fortalecimento de Cristo no começo de seu ministério. Nos dias que tinha à sua frente, muitas vezes lhe
pareceria como se a mão de Deus se tivesse retirado inteiramente dele, e que ele não tinha mais um Pai
amoroso no céu. Mas a garantia que recebeu em seu batismo deu a Cristo, segundo sua natureza humana, a
necessária coragem para enfrentar todas as provações que, como seu quinhão, devem sobrevir a ele, o grande
Substituto da humanidade. Notemos que o Deus Trino está presente nesta gloriosa introdução do Filho em
seu ofício. “Deus, com estas palavras, faz que o coração de todos ria e seja feliz, e enche todas as criaturas
com a plenitude da doçura e conforto divinos. Como assim? Porque, quando sei isto e estou certo que o
homem Cristo é o Filho de Deus e que ele agrada muito a Deus, e disso devo ter certeza visto que a própria
majestade divina que não pode mentir, fala do céu, então também estou certo que tudo o que este homem diz
e faz é tudo palavra e obra dum Filho amado, o qual deve agradar a Deus na mais alta medida. Exatamente,
para que eu note e fixe bem: De que outro modo Deus me poderia conceder provas convincentes e dar-se
com maior amor e benignidade do que dizer que lhe agrada de coração que Cristo, seu Filho, fala comigo de
modo tão agradável, me ama tão ternamente, e por amor autêntico sofre, morre e faz tudo por mim? Acaso
não pensas, se um coração humano pudesse sentir tanto agrado de Deus em Cristo que nos serve desse modo,
que de alegria se romperia em mil pedaços? Pois veria a profundidade do coração paterno, sim, a
insondabilidade e eterna bondade e amor de Deus, que ele mantém em relação a nós, e que assim o fez desde
a eternidade.35).
A genealogia de Jesus, V, 23) Ora, tinha Jesus cerca de trinta anos ao começar o seu ministério.
Era, como se cuidava, filho de José, filho de Heli; 24) Heli filho de Matã, Matã filho de Levi, Levi filho de
Melqui, este filho de Janai, filho de José; 25) José filho de Matatias, Matatias filho de Amós, Amós filho de
Naum, este filho de Esli, filho de Nagaí; 26) Nagaí filho de Máate, Máate filho de Matatias, Matatias filho
de Semei, este filho de José, filho de Jodá; 27) Jodá filho de Joana, Joana filho de Resá, Resá filho de
Zorobabel, este de Salatiel, filho de Néri; 28) Néri filho de Melqui, Melqui filho de Adi, Adi filho de Cosã,
este de Elmadá, filho de Er; 29) Er filho de Josué, Josué filho de Eliézer, Eliézer filho de Jorim, este de
Matã, filho de Levi; 30) Levi filho de Simeão, Simeão filho de Judá, Judá filho de José, este filho de Jonã,
filho de Elioaquim; 31) Eliaquim filho de Meleá, Meleá filho de Mena, Mena filho de Matatá, este filho de
Nata, filho de Davi: 32) Davi filho de Jessé, Jessé filho de Obede, Obede filho de Boaz, este filho de Sala,
filho de Naasom; 33) Naasom filho de Aminadabe, Aminadabe filho de Admim, Admim filho de Arni, Arni
filho de Esrom, este filho de Farés, filho de Judá; 34) Judá filho de Jacó, Jacó filho de Isaque, Isaque filho
de Abraão, este filho de Terá, filho de Nacor; 35) Nacor filho Serugue, Serugue filho de Ragaú, Ragaú filho
de Faleque, este filhos de Eber, filho de Sala; 36) Sala filho de Cainã, Cainã filho de Arfaxade, Arfaxade
filho de Sem, este filho de Noé, filho de Lameque: 37) Lameque filho de Metusalém, Metusalém filho de
Enoque, Enoque filho de Jarete, este filho de Maleleel, filho de Cainã; 38) Cainã filho de Enos, Enos filhos
de Sete, e este filho de Adão, filho de Deus. A tabela genealógica oficial de Cristo é dada por Mateus, 1.1-17,
que assume o cuidado de estabelecer uma seqüência ininterrupta regressiva até Davi. Aqui temos a tabela
genealógica natural de Jesus, através de sua mãe Maria. Não há aspectos especiais na lista, mesmo que
apareçam os nomes de homens que, conforme o entendimento judeu, nasceram de mulheres maculadas.
Havia alguns pecadores excepcionalmente grande entre os antepassados de Jesus, e, como observa um dos
comentaristas, ele foi contado com os transgressores, exatamente, em virtude de sua descendência de
transgressores tão notórios. Comparando esta lista com os relatos do Antigo Testamento, devia ser lembrado
que filho e genro são empregados indiscriminadamente. “Os dois genros que aqui precisam ser mencionados
na genealogia, são José, genro de Heli cujo pai era Jacó, Mt. 1.16, e Salatiel, genro de Néri cujo pai era
Jeconias, 1.Cr. 3.17; Mt. 1.12. Só esta observação basta para remover toda dificuldade. Desta forma aparece
que José, filho de Jacó, conforme São Mateus, foi o genro de Heli, segundo São Lucas. E Salatiel filho de
Jeconias, conforme o primeiro, e genro de Néri segundo o último. Desta forma parece que Maria era filha de
Heli, assim chamado pela abreviação de Heliaquim, que no hebraico é o mesmo que Joaquim. José, filho de
Jacó, e Maria, filha de Heli, eram da mesma família: ambos descendiam de Zorobabel, sendo José de Abiu
seu filho mais velho, Mt. 1.13, e Maria do mais jovem, chamado Resa, v. 27”36 ) Também é de interesse o
fato que Lucas continua a genealogia de Jesus para além de Davi até Adão e, assim, a Deus. Com isto ele
enfatiza a universalidade do evangelho deste Jesus, que é o irmão de todas as pessoas, cujo ministério, de
modo nenhum, se restringe aos judeus, mas se estende para além das divisas da Judéia até os confins do
mundo. A Escritura não poupa esforços para nos testificar, que Jesus Cristo é verdadeiro homem, que
descendeu conosco de um só sangue, e que é o Salvador, prometido aos patriarcas do Antigo Testamento, a
bendita semente de Abraão, o Siloé da família de Judá, o filho da casa de Davi, em quem está nossa única
esperança de salvação.
Resumo: João Batista começa seu ministério de pregação e batismo, também de testemunho de
Jesus, a quem batizou antes de ser aprisionado pelo tetrarca Herodes; é dada a tabela genealógica natural de
Jesus, estendendo seu traçado de volta a Adão.
Capítulo 04
35
) Lutero, citado em Besser, Bibelstunden, I. 131,132.
36
) Clarke, Commentary, 5. 383,384.
A primeira tentação, V.1) Jesus, cheio do Espírito Santo, voltou do Jordão, e foi guiado pelo mesmo
Espírito, no deserto, 2) durante quarenta dias, sendo tentado pelo diabo. Nada comeu naqueles dias, ao fim
dos quais teve fome. 3) Disse-lhe então o diabo: Se és Filho de Deus manda que esta pedra se transforme
em pão. 4) Mas Jesus lhe respondeu: Está escrito: Não só de pão viverá o homem. Jesus, em seu batismo,
havia recebido o Espírito Santo de modo extraordinário, Hb. 1.9. Não só foi iluminado por ele, mas, qual
vaso, esteve cheio do Espírito. Também segundo sua natureza humana, todos os seus pensamentos e atos
eram dirigidos pelo poder maravilhoso do Espírito. Não que Cristo perdeu sua identidade e se tornou um
mero marionete, mas agiu com o Espírito que o enchia em plena harmonia na obra da redenção. Foi também
este Espírito que o guiou, com certa urgência, ao deserto, Mc. 1.12. Sua natureza humana vacilou muitas
vezes nos dias de sua carne, sentindo-se ele obrigado a freqüentes intervalos para buscar em oração a força e
o conforto de seu Pai celeste. Há todos os motivos para crer que as tentações no deserto eram da mesma
natureza, se não da mesma dureza, da paixão no Getsêmani. Jesus, no imenso deserto, sem qualquer
companhia humana, por nossa causa, esteve sujeito às tentações de Satanás. Precisa enfrentar o maioral dos
poderes das trevas, bem no começo de seu ministério, a fim de vencer seus ataques astutos e poderosos.
Cristo, por quarenta dias, esteve exposto aos assaltos do diabo. As três tentações, aqui narradas, por isso não
foram as únicas que queriam impedir a obra da redenção. O que ele suportou durante estes quarenta dias está
além de toda compreensão humana, sendo este o motivo porque não informou seus discípulos sobre elas.
Tivesse o diabo sido bem-sucedido em seu intento, então a raça humana teria permanecido para sempre em
seu poder. Cristo, porém, não permitiu ser desviado da trilha do dever e da obediência que assumira. O
Senhor não teve nada para comer durante estes quarenta dias, e, por isso, esteve com fome quando eles
acabaram. Possuía uma verdadeira natureza humana, e estava sujeito aos mesmos sentimentos como todas as
pessoas. Sentia a falta de alimentação. O diabo quis se aproveitar desta fato. Fazendo sua pergunta de tal
forma que ela implicasse em colocar em dúvida a habilidade do Senhor de poder ajudar a si mesmo, apontou
para as pedras (é coletivo) e pediu-lhe que as transformasse em pão. A tentação é muito sutil. Satanás não
quis forçar o Senhor a duvidar da providência do Pai celeste, mas desejou que Cristo, sem ter necessidade ou
autorização, abusasse do poder que, como Filho de Deus, possuía, e gratificasse os desejos de seu corpo. Mas
a astúcia de Satanás foi em vão em Jesus, o qual imediatamente viu a provocação das palavras e revidou com
uma palavra da Escritura que com eficácia rebateu o ataque. Citou-lhe Dt. 8.3, lembrando-o assim do fato
que o diabo devia conhecer muito bem, tendo-lhe sido demonstrado durante estes quarenta dias, a saber, que
Deus não está preso aos meios ordinários para providenciar e manter a vida. Porque seu Pai celeste fora
capaz de conservá-lo vivo durante os quarenta dias, ele, sem quaisquer gerências do diabo, encontraria
caminhos e maneiras de fazê-lo por mais alguns dias. Notemos: Isto devia ser lembrado sempre que o
cuidado desta vida ergue sua cabeça num lar cristão. A providência e a bondade de Deus, até hoje, nunca
falhou, e nem falhará no futuro, Sl. 37. 25.
A segunda tentação, V 5) E elevando-o mostrou-lhe num momento todos os reinos do mundo. 6)
Disse-lhe o diabo: Dar-te-ei toda esta autoridade e a glória destes reinos, porque ela me foi entregue, e a dou
a quem eu quiser. 7) Portanto, se prostrado me adorares, toda será tua. 8) Mas Jesus lhe respondeu: Está
escrito: Ao Senhor teu Deus adorarás, e só a ele darás culto. Esta realmente é, na seqüência cronológica, a
terceira tentação. Lucas relata as três numa seqüência diferente, porque tem em mente um outro clímax, que
é o do telhado do templo. Falhara a tentativa de estimular no coração de Jesus os cuidados e as preocupações
sobre o corpo e suas carências. Mas o diabo acreditava que riquezas e poder terrenos teriam um efeito
irresistível, caso fossem oferecidos no momento certo e com a devida ênfase. Por isso levou Jesus para bem
alto, ao cume dum monte muito alto, e, pelos meios de que dispõe, foi capaz de conceder a Jesus um
panorama de todos os reino do mundo, por um espaço de tempo, talvez, por um instante ou num piscar de
olhos. O repente da visão, que veio sem qualquer preparo ou anúncio, deve ter sido uma visão maravilhosa e
sobranceira: Todas as riquezas do mundo, os metais já explorados e os não explorados, as gemas e pedras
preciosas com ou sem suas incrustações apropriadas; todo o poder dos muitos governantes, reis, imperadores
e príncipes onde quer que governo tenha sido estabelecido, entre todas as raças, povos e nações. A seguir
veio a oferta do diabo: Darei a ti todo este poder “te” enfático). Ele assegura que todas as riquezas e todo o
poder lhe foram entregues, e que ele pode repartir seus favores como bem lhe parece. A condição, porém, era
que Cristo se prostrasse diante dele, adorando-o e reconhecendo a Satanás como seu senhor. O alcance desta
exigência suja teria colocado o Filho de Deus sob o poder do arquiinimigo da humanidade. O salvador,
todavia, esteve completamente à altura da ocasião, e, mais uma vez, arrasou ao inimigo por meio duma
citação poderosa da Escritura, Dt. 6.13. Deus é o único alvo de adoração e culto. Substituir Deus por
qualquer criatura no céu ou sobre a terra ou debaixo da terra, é cometer idolatria. E no caso de Cisto teria
sido o fim de seu ministério redentor.
A terceira tentação, V. 9) Então o levou a Jerusalém e o colocou sobre o pináculo do templo e disse:
Se és Filho de Deus, atira-te daqui abaixo; 10) porque está escrito: Aos seus anjos ordenará a teu respeito
que te guardem; 11) e: Eles te susterão nas suas mãos, para não tropeçares nalguma pedra. 12) Respondeu-
lhe Jesus: Dito está: Não tentarás o Senhor teu Deus. 13) Passadas que foram as tentações de toda sorte,
apartou-se dele o diabo, até momento oportuno. Havendo falhado a intenção de despertar na mente de Jesus
o cuidado e a preocupação pelo corpo, e tendo tido o mesmo insucesso uma tentativa para instilar cobiça,
ganância e ambição por poder em seu coração, Satanás se empenha em despertar no Senhor orgulho e arrojo
maluco. Tendo-o, para tanto, trazido a Jerusalém, ele coloca Jesus no pináculo do templo, provavelmente no
telhado de um dos pórticos, donde era possível dar uma olhada sobre o abismo incalculável, que era capaz de
tontear a pessoa, como conta Josefo. Agora a ordem fria do diabo foi que o Senhor de lá se atire abaixo, no
abismo do Vale do Cedrom, diante dos olhos de congregação reunida que, certamente, se precipitaria pelo
portão mais próximo para ver o sucesso do salto temerário. A tentação do diabo, na verdade, tem dois
objetivos: Que Cristo demonstre sua divina filiação; com o que Cristo ganharia grande número de discípulos,
talvez, até, toda a população num único golpe audaz. O diabo, até, citou a Escritura para alcançar seu
propósito, Sl. 91. 11,12, omitindo, contudo, as verdadeiras palavras essenciais “para que te guardem em
todos os teus caminhos”, as quais são praticamente umas regra para a compreensão correta de toda a
passagem. Cf. Mt. 4.5-7. Jesus, contudo, esteve inteiramente à altura para a ocasião. Sem entrar no assunto
da falsificação da Escritura em seu próprio favor, diz ao diabo que há uma passagem que diz: Não tentarás ao
Senhor teu Deus, Dt. 6.16. Qualquer tentativa de alcançar o chão abaixo por meio de quaisquer meio, fora
daqueles supostos por uma correta compreensão das leis da natureza, iriam desafiar o cuidado protetor de
Deus, o que não tem qualquer promessa na Bíblia. Notemos: O diabo, de modo semelhante, sempre está
tentando tornar-nos presumidos, atrevidos e temerários, para fazer coisas para as quais não temos a promessa
e ordem de Deus. É o orgulho de nossos corações que tenta despertar, juntamente com o sentimento que não
precisamos do cuidado protetor de Deus. Porém, a única maneira eficiente para enfrentar todos os ataques do
maligno e derrotá-lo, de modo rápido e certeiro, é usar as palavras da Escritura como armas de defesa e
ataque. Diante destas investidas avassaladoras o diabo precisa dar lugar e é completamente destroçado.
O Senhor permanecera vitorioso em todas as três tentações. O diabo nem ao menos conseguira fazer
um arranhão em sua defesa. E assim, ao menos por momento, Satanás foi obrigado a ir embora. Mas sua
desistência, como o evangelista expressamente afirma, só foi temporária. Para o diabo havia demais em jogo,
para que desistisse de todos os esforços com os quais tenta frustrar a obra da redenção. Durante todo o tempo
do ministério público de Cristo, mas especialmente durante os dias de sua última e grande paixão, o diabo
usou todos os meios em seu poder para derrotar o Filho de Deus que, por isso, sempre precisou estar alerta e
pronto para arremeter e para aparar, segundo o exigia a ocasião.
O retorno para a Galiléia, V. 14) Então Jesus, no poder do Espírito, regressou para a Galiléia, e a
sua fama correu por toda a circunvizinhança. 15) E ensinava nas sinagogas, sendo glorificado por todos.
Nesta altura o evangelista omite parte do relato evangélico, como o de João 2. Pois escreve que Jesus voltou
para a Galiléia, onde estivera anteriormente. Ele, no poder do Espírito que estava com ele e participava
ativamente em seu ministério, fez esta viagem que significou o começo público da obra em que passou os
últimos anos de sua vida. Antes disso ele já era conhecido na região da Galiléia perto de Caná, onde operara
seu primeiro milagre. Agora, por isso, a notícia sobre seu feito se espalhou pela vizinhança. Ela o precedia
em qualquer lugar aonde ia, e fazia com que o povo fosse desejoso para ver e ouvi-lo. Reassumiu sua obra de
trazer o evangelho aos seus conterrâneos. Ensinou em suas sinagogas. Tentava repassar-lhes as grandes
lições da vinda do reino de Deus. Todos o elogiavam, visto que todos sentiam o poder de sua pregação,
sendo que, ao menos, alguns reconheciam a divindade de sua missão.
A visita a Nazaré, V. 16) Indo para Nazaré, onde fora criado, entrou, num sábado, na sinagoga,
segundo o seu costume, e levantou-se para ler. 17) Então lhe deram o livro do profeta Isaías, e, abrindo o
livro, achou o lugar onde estava escrito: 18) O Espírito do Senhor está sobre mim, pelo que me ungiu para
evangelizar aos pobres; enviou-me para proclamar libertação aos cativos e restauração da vista aos cegos,
para pôr em liberdade os oprimidos, 19) e apregoar o ano aceitável do Senhor. Jesus, durante o percurso de
suas viagens pela Galiléia, chegou a Nazaré. Esta cidadezinha nas colinas da Galiléia, situada no alto duma
colina, fora seu lar por quase trinta anos. Ali ele crescera. Ali recebera, ao menos, um grande parte, sua
educação. Ali também trabalhara em seu ofício de carpinteiro, junto com seu padrasto José. Agora ele veio
numa nova aptidão, ou seja, como um professor ou rabi. Chegando o sábado, procedeu segundo seu habitual
costume e foi à sinagoga. Notemos: Se Jesus sentia a necessidade de participar regularmente do culto, a nós é
muito mais necessário termos o hábito de estar na igreja em cada domingo ou sempre que sua palavra é
ensinada. No sábado do qual nosso texto fala, o Senhor esteve presente, como era seu costume. Segundo a
ordem do culto, já fora feita a leitura da lei. A seguir, veio a leitura dos profetas. Agora o Senhor se ergueu
para ler. Era uma cortesia, cordialmente concedida a quaisquer rabis visitantes, que lessem alguma das
leituras e acrescentassem algumas observações como explanação à leitura. Este era o “meamar”, ou palestra,
que fazia a vês do sermão. Quando Jesus se ergueu, o encarregado da sinagoga tirou do repositório ou
caixão, em que os escritos sacros eram guardados, o rolo de pergaminho em que estavam escritas as
profecias de Isaías. Ele era uma tira longa e estreita, presa em cada ponta a um bastão decorativo. À medida
que a leitura era feita, o pergaminho era desenrolado numa ponta e enrolado na outra, ficando, tão só, visível
uma pequena superfície da escrita entre os dois bastões, da qual o leitor lia pausadamente o texto hebraico,
que imediatamente era traduzido ao aramaico. Quando, pois, Jesus abriu o pergaminho, segundo o modo
recém descrito, chegou, seja por escolha deliberada ou devido à seqüência das leituras do dia, ao texto de Is.
61.1,2. Era um texto muito apropriado para um sermão inaugural, visto descrever justamente a obra do
Messias. O Espírito do Senhor está sobre Jesus, porque ele foi ungido pelo Espírito Santo sem medida. Ele é
Jesus que é o Cristo, o Messias, o Ungido, At. 10.38. Sua obra característica é a pregação do evangelho, Is.
48.16. Ele prega o evangelho aos pobres, ou seja, àqueles que sentem o abismo e a desesperança de sua
pobreza espiritual. Estes encontrarão com Cristo as verdadeiras riquezas que duram por toda a eternidade.
Jesus fora enviado para curar, com o bálsamo de Gileade que é o evangelho que cura, aqueles, cujos corações
estavam quebrantados e com dolorosa ardência sentiam o pecado. Pregar libertação aos cativos, que são os
que estavam presos pelo poder do pecado e pelo temor do diabo. Cristo corta as ataduras e quebra as algemas
com as quais os inimigos detinham sob seu poder as almas. Ele dá visão aos cegos, para que seus olhos não
mais sejam retidos nas trevas da incredulidade. Ele concede liberdade de filhos de Deus para aqueles que
foram abusados violentamente, que eram escravos de suas próprias paixões bem conforme estas os dirigiam.
Tudo isto em tudo o que expressa significa o ano aceitável do Senhor. Assim como os ceifeiros rejubilam,
quando as últimas espigas são guardadas com segurança, assim o Senhor de misericórdia está feliz quando
sua colheita é farta. É um ano de regozijo para sua igreja, Lv. 25.10, o ano em que são remitidas as dívidas
dos pecados e transgressões, ou seja, em que todos os bens da herança de Deus, que pelo pecado se haviam
perdido, são recuperados, Is. 49.8. “Este é o seu reino, este é o seu ofício, que não sejamos derrotados pela
morte, pelo pecado e pela lei, mas que ele nos possa socorrer contra eles, a fim de que também sejam
derrotados em nós, mas não pelo nossa força, porém pelo poder de Cristo que pela sua palavra triunfa em
nós”37).
O sermão e seu resultado, V. 20) Tendo fechado o livro, devolveu-o ao assistente e sentou-se; e
todos na sinagoga tinham os olhos fitos nele. 21) Então passou Jesus a dizer-lhe: Hoje se cumpriu a
Escritura que acabais de ouvir. 22) Todos lhe davam testemunho e se maravilhavam das palavras de graça
que lhe saíam dos lábios, e perguntavam: Não é este o filho de José? Quando Jesus havia findado a leitura
do trecho, enrolou o pergaminho e o entregou ao servo da sinagoga, que cuidava dos livros sagrados.
Naquele tempo as Escrituras eram muito valiosas, e cada sinagoga cuidava das suas cópias o melhor que
podia. A seguir Jesus sentou. Durante a leitura a leitura da Escritura tanto a congregação como o leitor
ficavam de pé. Mas durante a conversa ou sermão, tanto quem falava como a audiência, permaneciam
sentados. Sua leitura e sua postura haviam impressionado aos presentes, fazendo como que os olhos de todos
estavam dirigidos nele em ansiosa expectativa. Havia sido despertado seu interesse. Lucas só dá o tema ou o
começo do discurso do Senhor: Hoje se cumpriu esta escritura aos vossos olhos. Este é o assunto do sermão:
Ele, o mesmo que falou estas palavras por Isaías, está hoje – nesse momento – diante de vossos olhos; o
Messias prometido veio ao vosso meio. Certamente, então os convidou a virem a ele de corações humildes e
contritos, para que esta Escritura não só se cumpra em seus ouvidos, mas também em seus corações. O
Senhor pregou arrependimento e perdão dos pecados. O resultado do sermão de Cristo é mostrado nas
palavras: Eles testemunharam dele e estiveram admirados com as palavras de graça que fluíam de sua boca.
37
) Lutero, citado em Besser, Bibelstundenm 1. 164.
A confissão lhes foi espremida, visto que no começo terem sido relutantes para o fazerem. As palavras sobre
a graça de Deus pelas quais a profecia de Isaías se cumpriu lhes soaram como surpresa: Não haviam sabido
que o Antigo Testamento continha tanta beleza. Mas que esta admissão foi feita muito a contra-gosto na
maioria dos casos, aparece da pergunta que ecoou pela audiência: Acaso este homem não é o filho de José?
Cf. Mc. 6. 2,3. A inveja de almas mesquinhas veio à tona. Elas se sentem obrigadas a estragar o resultado das
palavras da graça.
A censura de Cristo, V. 23) Disse-lhes Jesus: Sem dúvida citar-me-eis este provérbio: Médico, cura-
te a ti mesmo; tudo o que ouvimos ter-se dado em Cafarnaum, faze-o também aqui na tua terra. 24) E
prosseguiu: De fato vos afirmo que nenhum profeta é bem recebido na sua própria terra. 25) Na verdade
vos digo que muitas viúvas havia em Israel no tempo da Elias, quando o céu se fechou por três anos e seis
meses, reinando grande fome em toda a terra; 26) e a nenhuma delas foi Elias enviado, senão a uma viúva
de Sarepta de Sidom. 27) Havia também muitos leprosos em Israel nos dias do profeta Eliseu, e nenhum
deles foi purificado, senão Naamã, o siro. Já tão cedo, preconceito e rejeição ergueram suas cabeças nas
mentes do povo de Nazaré. Em seus corações recusavam crer nele, como sendo o Messias dos profetas. Jesus
leu seus pensamentos e suas intenções, e previra seu ataque. Não se haviam dado por satisfeitos com a
pregação, mas tinham um dito proverbial em mente: Médico, cura a ti mesmo. Haviam ouvido que Jesus
fizera grandes milagres em Cafarnaum e outros lugares, e acreditavam que milagres de cura, tal como
acontece com a caridade, deviam iniciar em casa. Se devessem crer nele queriam prova concreta de sua
capacidade. Desde o começo se encontraram com ele, tendo corações céticos e descrentes. Jesus, lendo estes
pensamentos, lhes declara solenemente o que também repetiu em várias outras ocasiões, que nenhum profeta
é aceito em sua própria terra. Seus próprios conterrâneos, seus próprios patrícios, são os mais críticos e
céticos, e os primeiros que o condenam. Caso o povo de Nazaré tivesse recebido ao Senhor, de mente aberta
e disposto a ser persuadido por palavra e ação, assim como outras comunidades o haviam sido, então Jesus
teria estado mais do que disposto para persuadi-lo. Aqui, porém, o Senhor é forçado a traçar um paralelo
entre a situação atual e dois incidentes registrados no Antigo Testamento. Enfaticamente declara que, no
tempo de Elias durante a grande fome, havia muitas viúvas na terra, mas que Elias só foi enviado ao povoado
de Sarepta, ou Zarefate, a uma viúva que lá vivia, 1.Rs. 17. E no tempo de Eliseu viviam muitos leprosos em
Israel, todavia só Naamã o siro foi curado, 2.Rs. 5. Nisso havia uma lição e uma advertência. Os antigos
judeus também poderão ter dito em relação a estes estrangeiros, dos quais um foi um sidônio e o outro um
siro: Por que estes profetas não realizaram estes milagres entre os seus patrícios? Tal como aqueles profetas,
com os quais o Senhor, porque se humilhou, se coloca no mesmo nível, não puderam trabalhar entre os
judeus por causa da descrença deles, assim o povo de Nazaré, que tinha o socorro diante das portas, fechou a
influência da pregação de Jesus. Por isso, não tinham a culpar ninguém outro, senão só a si mesmos, caso a
condenação lhes sobreviesse.
A tentativa de matar o Senhor, V. 28) Todos na sinagoga, ouvindo estas coisas, se encheram de ira.
29) E levantando-se, expulsaram-no da cidade e o levaram até ao cume do monte sobre o qual estava
edificada, para de lá o precipitarem abaixo. 30) Jesus, porém, passando por entre ele, retirou-se. 31) E
desceu a Cafarnaum, cidade da Galiléia, e os ensinava no sábado. 32) E muito se maravilhavam da sua
doutrina, porque a sua palavra era com autoridade. A congregação, até este ponto, ouvira a Jesus, mas com
crescente indignação, visto que ele se atrevera a desmascarar e criticar publicamente seu orgulho tão
pretensioso que era seu defeito nacional. Agora, porém, sua indignação que os enchia até extravasar, tirou-
lhes toda racionalidade e bom senso. A multidão toda se uniu no ato. Erguendo-se, expulsaram-no da
sinagoga e da cidade. E então, deliberadamente, o agarraram e o levaram a um precipício no alto do morro no
qual fora construída a cidade, que era um lugar onde havia um queda escarpada e a prumo para o vale abaixo,
tendo eles a intenção de precipitá-lo vivo a baixo. Sua ação foi o de pessoas que perderam qualquer
possibilidade de raciocínio lúcido, ou seja, a quem uma ira selvagem privou da habilidade de pensar
corretamente e de avaliar as conseqüências. Verdadeira turba, como são típicas em situações em nossos dias.
Enquanto pastores fiéis falam em seus sermões e admoestações, de modo mais generalizado, têm pás e, até,
são elogiados. Mas, caso os mesmos se atreverem a apontar a pecados individuais, então são acusados de,
injustamente, criticarem e condenarem. Pois, uma das particularidades da verdade é que, onde ela não opera
conversão, lá ela causa amargura e faz inimigos. Não há crítica pior para um pastor, do que a expressa por
alguém sobre sua posição em sua congregação: Nós não o incomodamos, e ele não nos incomoda. No caso de
Cristo, a turba não executou sua intenção assassina, mas recebeu prova do poder sobrenatural do Senhor.
Pois ele calmamente passou por meio deles e seguiu seu caminho. Não está dito, se ele, por um momento, se
tornou invisível, ou se eles firam feridos de cegueira, ou se seus braços ficaram paralisados por um poder
superior. Não foi só o poder dum espírito tranqüilo e um ânimo forte sobre as paixões humanas, mas o poder
onipotente do Filho de Deus que deteve as mãos deles.
Jesus desceu da região montanhosa para a cidade de Cafarnaum, da qual fez a sede de seu ministério
na Galiléia. Aqui teve como hábito ensinar nas sinagogas nos sábados, visto que a pregação do evangelho da
salvação ser a primeira e principal parte de sua obra. Onde quer que ensinasse, o resultado de suas palavras
foi sempre o mesmo: As pessoas se maravilhavam e quase ficaram assombradas sobre sua doutrina, que tão
radicalmente diferia dos discursos insípidos dos rabis em geral, e porque sua palavra ressoava com
autoridade e poder. Atrás dela não só havia a força da convicção, mas havia o poder misericordioso de Deus
que está nos meios da graça e que lhes concede eficácia. Notemos: Lucas, por causa de seus leitores, sempre
acrescenta as referências geográficas, visto não estarem acostumados com os locais das várias cidades
mencionadas no relato do evangelho.
Mateus, via de regra, fala desses milagres que encontramos nesta passagem como endemoninhados,
enquanto Marcos, como pessoas com espíritos imundos. O homem estava possesso dum demônio, que agia
no corpo para o prejudicar. Evidentemente, o homem não era sempre violento, caso contrário, dificilmente,
poderia ter vindo ao culto na sinagoga. Mas durante o culto matutino o homem enfermo teve um ataque,
tendo o espírito imundo tomado posse de seus membros. Gritava em voz alta, talvez, de oposição ou de
horror, fúria ou medo, ou, até, por causa de tudo isso. O diabo conhecia ao Senhor, e o que dizia era uma
revelação sobre ele. Conhecia seu nome: Jesus. Soube donde ele provém: de Nazaré. Soube que ele é de fato
o Filho de Deus, o Santo de Deus, com majestade e poder iguais ao Pai. Não quis ter nada com Jesus, pois
temia que sua última destruição seria executada imediatamente nele e em seus camaradas. Marquemos bem:
O diabo é um espírito poderoso e, junto com seus anjos, pode causar muito mal, quando Deus o permite. Os
maus espíritos estão muito atarefados para ferir, sempre que o conseguem, as almas e os corpos das pessoas.
E eles têm pressa no agir, pois temem o dia do juízo que lhes trará a final confirmação e a consumação da
eterna condenação. Jesus, porém, repreendeu severamente ao espírito mau por causa das palavras que
dissera. Ele não quer que estes espíritos das trevas confessem e proclamem seu nome e poder. O povo deve
chegar a conhecê-lo, não pela revelação feita pelos demônios, mas pela pregação do evangelho. O Senhor lhe
ordenou silêncio, e também que saísse do homem que era a vítima de sua maldade. O espírito teve que
obedecer. Mas, fazendo-o, aproveitou a última oportunidade para retorcer de modo violentíssimo ao pobre
homem, arremessando-o ao chão no meio da sinagoga. Mais do que isto, contudo, não lhe pôde fazer. Jesus o
permitiu. Mas o efeito sobre a congregação foi tanto que pasmo a dominou. Estavam quase no ponto de
colocar em dúvida a evidência de seus olhos e ouvidos. Ouvir um homem proferir palavras de comando, as
quais têm poder e autoridade, decretar lei aos espíritos imundos e maus e por eles ser prontamente
obedecido, isso era algo inteiramente novo em sua experiência. Isto os encheu de algo semelhante a uma
reverência horrorizada. Lembraram-se, porém, de promessas como Is. 49. 24,25, e logo estiveram atarefados
em espalhar a notícia desse feito em todas as cidades da redondeza. O milagre foi uma prova de que Jesus,
realmente, era o Santo de Deus, e que viera para destruir as obras do diabo e para libertar os cativos das
algemas de Satanás.
A cura da sogra de Pedro, V. 38) Deixando ele a sinagoga, foi para a casa de Simão. Ora, a sogra
de Simão achava-se enferma, com febre muito alta; e rogaram-lhe por ela. 39) Inclinando-se ele para ela,
repreendeu a febre, e esta a deixou; e logo se levantou passando a servi-los. Jesus se dirigiu da sinagoga,
diretamente, à casa de Simão Pedro, de cuja vocação Lucas conta no capítulo seguinte. Simão, tendo morado
anteriormente em Betsaida, se mudara para Cafarnaum. Aqui ele morava com sua família à qual também
pertencia a mãe de sua mulher. A Escritura, evidentemente, nada sabe da tola grosseria que hoje, via de
regra, se mostra aos que merecem respeito e honra. Esta senhora idos, de qualquer modo, deve ter estado em
altíssima estima na casa de seu genro. Pois, quando uma febre a prostrou, afligindo-a como um ataque muito
violento, os membros da família intercederam por ela junto a Jesus. O Senhor expressou imediatamente sua
prontidão. Dirigindo-se à cama onde ela estava deitada, se ergueu em toda sua majestade e repreendeu a
febre que obedeceu à sua voz. A cura foi imediata e completa. Quando alguém em qualquer família se torna
um discípulo de Jesus, então se abre um trilho entre esta casa e o céu, que é protegido pelos anjos. Bênçãos,
não só em coisas materiais, mas em espirituais, hão de advir a uma casa onde uma alma piedosa ora. E o
servir posterior da sogra de Pedro, depois de curada, mostra que nessa casa vicejava a planta bela mas rara da
gratidão.38)
Curas no entardecer do sábado, V. 40) Ao pôr do sol, todos os que tinham enfermos de diferentes
moléstias, lhos traziam; e ele os curava, impondo as mãos sobre cada um. 41) Também de muitos saíam
demônios, gritando e dizendo: Tu és o Filho de Deus! Ele, porém, os repreendia para que não falassem,
pois sabiam ser ele o Cristo. O sábado acabava com o pôr do sol, e todas as leis sabáticas estavam
desobrigadas. Foi então que todas as pessoas que tinham parentes e amigos enfermos, os guiaram ou
carregaram até Jesus. O milagre da manhã os convencera que um poderoso curador estava com eles, e não
titubearam em se aproveitar do fato. Jesus lhes mostrou compaixão: Impôs sobre cada enfermo as mãos e os
curou. O objetivo do Senhor, em mente ao se dispor a curar por atacado, é mostrado em Mt. 8.17. A doença
que é a maior de todas e que o Senhor levou e suportou em si, é o pecado. Toda a doença e mal vem do
pecado, sendo um castigo do pecado. Por isso, quando Jesus impôs as mãos sobre qualquer pessoa enferma,
isto implicava: Tu és um pecador, mas eu sou o Salvador dos pecadores; tiro de ti toda a maldição e
conseqüência do pecado, que isto te seja uma admoestação para te absteres de servir ao pecado. Ao mesmo
tempo, diante da presença de Jesus, demônios saíam dos possessos, gritando em alta voz e revelando a
identidade o Senhor, como sendo o Cristo. Jesus, porém, sumariamente, calou estas revelações, visto não
desejar qualquer louvor e confissão do diabo nem daqueles que se colocam a serviço do diabo.
A retirada de Jesus, V. 42) Sendo dia, saiu e foi para um lugar deserto; as multidões o procuravam e
foram até junto dele, e instavam para que não os deixasse. 43) Ele, porém, lhes disse: É necessário que eu
anuncie o evangelho do reino de Deus também às outras cidades, pois para isso é que fui enviado. 44) E
pregava nas sinagogas da Judéia. Já na próxima manhã, ao despertar do dia, Jesus deixou Cafarnaum.
Seguiu ao método que empregara em outras ocasiões: Saiu para a solidão para estar a sós em oração e
comunhão com seu Pai celestial. Para a maioria dos cristãos seria vantajoso, se, ocasionalmente, se
afastassem do alvoroço da ocupação moderna e passassem algum tempo, como o fez Jesus. Somos muito
propensos a perder nosso equilíbrio e o senso de domínio, conforme os padrões bíblicos, quando só há o
incessante correr atrás do trabalho a se alternarem com rodadas de prazer. O domingo devia ser o dia para
uma tranqüila comunhão com Deus, não passado no desprezo à Palavra de Deus e em piqueniques
barulhentos e violentos, mas em contemplação piedosa da nossa necessidade de Deus. Contudo, a ausência
de Jesus foi logo notada, e grandes multidões de pessoas, tendo Pedro à frente, saíram em sua busca,
desejando que ele voltasse. Ele, porém, não queria ser persuadido por eles. Sabia que não era a Palavra da
Vida que buscavam, mas os milagres que esperavam ver. Por isso lhes expôs o objetivo principal de seu
ministério. Pesa sobre ele a obrigação de trazer, também a outros círculos, as novas do evangelho sobre o
reino de Deus. E nesta obra quer mostrar toda fidelidade. E assim partiu para uma viagem de pregação pela
Galiléia (no texto português: Judéia), sendo ele próprio quem proclamava a mensagem do evangelho, por
meio de seus sermões nas sinagogas da Galiléia.
Resumo: Jesus, no deserto , é tentado pelo diabo, começa seu ministério Galileu, ensina em Nazaré
onde o povo tentou matá-lo, e em Cafarnaum cura um endemoninhado e outras pessoas enfermas.
Capítulo 5
Pregando junto à praia do mar, V. 1) Aconteceu que, ao apertá-lo a multidão para ouvir a palavra de
Deus, estava ele junto ao lago de Genesaré; 2) e viu dois barcos junto à praia do lago; mas os pescadores,
havendo desembarcado, lavavam as redes. 3) Entrando em um dos barcos, que era o de Simão, pediu-lhe
que o afastasse um pouco da praia; e, assentando-se, ensinava do barco as multidões. Jesus, certo dia,
deixara a cidade Cafarnaum, tendo o desejo de caminhar ao longo da praia do lago, Mt. 4.18; Mc. 1.16. Foi-
lhe, porém, impossível evitar as multidões que se reuniam, sempre que sua presença era anunciada por
alguém que o vira. Aqui uma multidão, cujo desejo pela Palavra de Deus é mencionado, se apertava ao seu
redor. Queriam ouvir falar este homem que pregava com tal autoridade. Se, ao menos, tivessem sido tão
desejosos pela salvação que ele oferecia em sua pregação! Jesus estava parado junto à praia do lago. Mas as
multidões, que aumentavam sempre mais, apertavam-no de todos os lados, tornando-lhe impossível de falar
38
) Besser, Bibelstunden, 1.180
de modo eficiente ao povo. Quando, por isso, olhou ao redor em busca de solução para o problema, viu dois
barcos de pesca amarrados junto à praia. Talvez haviam chegado a pouco e sido amarrados pelos pescadores,
os quais, tendo desembarcado, lavavam suas redes. Jesus, já de antes, conhecia os homens, e não hesitou
entrar num dos dois barcos, que era o pertencente a Simão. Pediu, a seguir, ao dono que o levasse a certa
distância, uns cinco metros, da praia. E então, sentando-se, Jesus do barco ensinou ao povo. Desta posição
saliente tinha domínio sobre a audiência e sem dificuldade poria falar a todos. Jesus sempre esteve pronto e
desejoso para pregar o evangelho da salvação para a humanidade. Ele pregou a Palavra de Deus não só nas
escolas, mas lá fora a céu aberto, onde quer que estivesse ou andasse ou se lhe oferecesse qualquer
oportunidade. A Palavra de Deus é própria a todos os lugares e a todos o momentos. Aos homens nada é tão
necessário e nada tão urgente, do que a pregação da Palavra.
A pesca maravilhosa, V. 4) Quando acabou de falar, disse a Simão: Faze-te ao largo, e lançai as
vossas redes para pescar. 5) Respondeu-lhe Simão: Mestre, havendo trabalhado toda a noite, nada
apanhamos, mas sobre a tua palavra lançarei as redes. 6) Isto fazendo, apanharam grande quantidade de
peixes; e rompiam-se-lhes as redes.7) Então fizeram sinais aos companheiros do outro barco, para que
fossem ajudá-los. E foram e encheram ambos os barcos ao ponto de quase irem a pique. O discurso do
Senhor pode ter ocupado a maior parte da manhã. Então, porém, fez uma pausa em sua alocução, e se dirigiu
a Pedro, que provavelmente estava no leme, com um pedido especial que mais soava como uma ordem
despótica. Pedro devia partir para longe da praia, levando seu barco até onde o mar era fundo. Estas
primeiras palavras foram dirigidas só a Pedro, como sendo o mestre do barco. Sua segunda parte, contudo,
que descreveu a maneira como deviam apanhar os peixes, é dirigida a todos os homens no barco. Jesus, desta
forma, tomou a si a direção do barco e o manejou, bem como se ele fosse o proprietário. Foi um testa para a
fé e confiança de Pedro no Senhor. A resposta de Pedro indicou seu maior respeito para o homem que de
maneira tão sem cerimônia tomou a direção de atribuições que eram suas. Chama-o Mestre. Usa a palavra
grega que designa um prefeito (monitor) ou alguém que é colocado sobre um grupo de pessoas ou
obrigações. É um título de respeito que não incluía uma relação pessoas. Ele não faz uma objeção, porém,
meramente constata o fato que eles trabalharam durante a noite inteira mas pegaram nada. Haviam
trabalhado com afinco em sua profissão no horário e sob as condições que a experiência lhes mostrara as
mais favoráveis, a saber, de noite e nos baixios do lago perto da praia. Mas Pedro está disposto a trazer toda
sua experiência e teoria de pescador como sacrifício de sua fé nas palavras de Jesus. Aqui há várias lições a
notar. “Por este motivo deves aprender bem estas coisas, para que trabalhes e esperes, mesmo que o Senhor
adie o caso por algum tempo. Pois, mesmo que te deixa esperar e trabalhar com suor, e tu pensas que teu
trabalho está perdido, ainda assim deves ser prudente e aprender a conhecer teu Deus e confiar nele.... Pois
vemos neste evangelho como Deus cuida dos que são os seus, e os guarda de corpo e alma. Se, ao menos,
chegássemos ao ponto de lhe confiarmos francamente, então as coisas não faltariam, visto que Deus nos
supre de bens corporais e espirituais e com um tesouro tão abundante a ponto de podermos ajudar a todas as
pessoas. É isto, certamente, o que significa tornar aos pobres ricos e alimentar os famintos.”39) Lutero
também mostra que desapontamentos e fracassos na obra de nossa vocação não nos devem desencorajar por
completo, seja isto na criação de filhos, se nisso formos piedosos, ou em postos de autoridade, ou no governo
da igreja. “E, para resumir, o ser e a vida humana inteira é constituída assim, que se trabalhou muitas vezes
por longo tempo e muito, mas sem resultado, até que Deus finalmente dá o sucesso. Por isso, o trabalho não
deve ser omitido, nem deve ser encontrado alguém sem trabalho, mas esperar o sucesso e a bênção de Deus,
quando ele se dispõe a concedê-la, Ec. 11.6.”40)
A fé de Simão foi ricamente recompensada. Pois, quando seguiram ao conselho de Jesus, sua rede
apanhou grande quantidade de peixes. Seu fôlego já se acabava. Por isso, acenaram aos companheiros do
outro barco para que viessem ajudá-los. E a pesca foi tão farta, que estavam em perigo de afundar sob o peso
da carga. Estavam quase submersos. O fato foi um milagre tão evidente, que todos estavam atônitos.
A vocação de Simão, V. 8) Vendo isto, Simão Pedro prostrou-se aos pés de Jesus, dizendo: Senhor,
retira-te de mim, porque sou pecador. 9) Pois, à vista da pesca que fizeram, a admiração se apoderou dele e
de todos os seus companheiros, 10) bem como de Tiago e João, filhos de Zebedeu, que eram seus sócios.
Disse Jesus a Simão: Não temas: doravante serás pescador de homens. 11) E, arrastando eles os barcos
sobre a praia, deixando tudo, o seguiram. Pedro fora atingido fortemente pelo milagre, do qual ele próprio
39
) Lutero, 11.1309, 1313.
40
) Lutero, 11. 1323.
não fora só um espectador, mas participante e beneficiário. Esta foi a primeira vez que Pedro havia sido
trazido tão perto da força onipotente de Cristo, a ponto de poder avaliar sua magnitude e majestade. Ele fazia
parte de seu chamado, pois ocorrera em seu barco, com sua rede de pescar, depois de seus baldados esforços,
em sua presença imediata. E assim ele expressou seu brado de confissão e de fé: Retira-te de mim! Esta
manifestação da força onipotente de Jesus foi uma manifestação de sua divindade. E o Cristo divino é um
Cristo santo e sem pecado. Pedro sentiu-se extremamente indigno para ficar por mais tempo na presença do
mestre, perante o qual sempre sentia sua própria corrupção. Porque sua admiração fora tão grande, havia
caído o pavor sobre ele. Todos os outros do grupo, que eram companheiros de Simão no ofício de pescar,
estavam na mesma situação. Parecia-lhes quase impossível crer o que enxergavam. Também estavam
tomados completamente de medo, em especial, Tiago e João, filhos de Zebedeu. Jesus, todavia, dirigiu a
Pedro uma palavra de especial conforto, pedindo que não temesse. Daqui para frente todos eles deviam ser
pescadores de homens. Esta devia ser sua ocupação permanente. Suas vidas deviam ser empenhadas em
arremessar a rede do evangelho e em pescar almas redimidas ao reino de Cristo. “Como se dissesse: Tens um
chamado de que és um pescador; eu, porém, quero ordenar-te um chamado diferente, que entres em outra
água e pegues pessoas, enchas o céu de peixes e lotes o meu reino da mesma maneira como estes peixes
enchem agora teu barco. Em lugar desta pescaria quero dar-te uma rede diferente, a saber, o evangelho. Com
esta deves captar os eleitos para que se deixem batizar, creiam e vivam eternamente”.41) O chamado de Jesus
foi uma vocação eficaz. Trouxeram seus barcos para a terra, e, deixando tudo, seguiram-no. Estavam
formalmente arrolados como seus discípulos. Quando Cristo chama e mostra o caminho ao seu trabalho,
então não pode haver algum consultar com carne e sangue, mas um cordial seguir de sua voz e um feliz
curvar-se sob sua vontade. Não pode haver qualquer dúvida quanto à bênção que acompanha um tal
obedecer.
A cura dum leproso, V. 12) Aconteceu que, estando ele numa das cidades, veio à sua presença um
homem coberto de lepra; ao ver a Jesus, prostrando-se com o rosto em terra, suplicou-lhe: Senhor, se
quiseres, podes purificar-me. 13) E ele, estendendo a mão, tocou-lhe, dizendo: Quero, fica limpo! E no
mesmo instante lhe desapareceu a lepra. 14) Ordenou-lhe Jesus que a ninguém o dissesse, mas vai, disse,
mostrar-te ao sacerdote e oferece pela tua purificação segundo o que Moisés determinou, para servir de
testemunho ao povo. 15) Porém, o que se dizia a seu respeito cada vez mais se divulgava, e grandes
multidões afluíam para ouvi-lo e serem curadas de suas enfermidades. Lucas, a não ser no geral, via de regra
não conta os relatos evangélicos na ordem em que aconteceram. Isto, via de regra, como se vê no texto,
aparece das palavras com as quais introduz a história. Jesus, em certo tempo, esteve numa pequena cidade
da Galiléia, onde vivia um homem tomado de lepra. A repugnante doença, no seu caso, já atingira sua plena
virulência, e ele sofria muito. Quando este homem coitado viu Jesus, prostrou-se sobre seu rosto em atitude
de servil súplica, assim como um escravo indigno pede um favor a um rei ilustre. Sua prece sincera se tornou
em modelo para todos os tempos. Mas, visto que pede por um dom temporal que é só para esta vida, não faz
qualquer exigência nem mesmo quanto ao tempo, mas coloca o cumprimento inteiramente nas mãos de
Jesus: Senhor, se tu quiseres, podes purificar-me. É uma oração na forma da afirmação mais vigorosa
possível. Ela lança o peso sobre o Senhor e se empenha pelo que pede de modo mais eficiente do que o iria
fazer uma descrição dos sintomas. E, porque o assunto foi entregue à vontade do Senhor, o Senhor decide
pôr em ação esta vontade e a força onipotente que está por trás dela, ouvindo a oração do homem enfermo:
Quero, sê limpo. E as palavras onipotentes tiveram o efeito que o Senhor intentava: A lepra saiu
imediatamente do homem. Jesus, a seguir, deu-lhe a ordem expressa de nada falar sobre o assunto, mas, antes
de tudo, ir, rápido, ao sacerdote, para que esse fizesse a devida declaração de pureza, e aceitasse os
sacrifícios prescritos para tanto, Lv. 14. O Senhor não quis que o caso se espalhasse ao redor, para que a
notícia não chegasse ao sacerdote antes que o antigo leproso chegasse, e um exame maldoso se recusasse
declará-lo limpo. Jesus sempre quis que o povo entendesse que os milagres eram manifestações secundárias
do seu ministério, sendo sua obra principal a pregação do evangelho. Mas a palavra sobre este milagre
realizado no leproso ecoou ainda mais, com o usual resultado. Grandes multidões se reuniram para ouvi-lo e
também para serem curadas de suas enfermidades, sendo esta última o motivo principal de sua vinda a Jesus.
41
) Lutero, citado em Stoeckhardt, Biblische Geschichte des Neuen Testaments, 50.
Contudo, Jesus aproveitou a primeira ocasião que se apresentou, e se retirou para a oração e a comunhão
espiritual: V. 16) Ele, porém, se retirava para lugares solitários, e orava. Ele pediu e recebeu força de seu
pai celeste para continuar seu trabalho conforme a vontade divina. Este constante contacto com Deus foi o
segredo que o tornou capaz de realizar tantas tarefas. É uma indicação que bem podia ser aplicada nos casos
de todos os seus seguidores.
A cura do paralítico, V. 17) Ora, aconteceu que num daqueles dias, estava ele ensinando, e
achavam-se ali assentados fariseus e mestres da lei, vindos de todas as aldeias da Galiléia, da Judéia e de
Jerusalém. E o poder do Senhor estava com ele para curar. 18) Vieram então uns homens trazendo em um
leito um paralítico; e procuravam introduzi-lo e pô-lo diante de Jesus. 19) E não achando por onde
introduzi-lo por causa da multidão, subindo ao eirado, o desceram no leito, por entre os ladrilhos, para o
meio, diante de Jesus. 20) Vendo-lhes a fé, Jesus disse ao paralítico: Homem, estão perdoados os teus
pecados. 21) E os escribas e fariseus arrazoavam, dizendo: Quem é este que diz blasfêmias? Quem pode
perdoar pecados senão só Deus? É a primeira indicação do esforço dos líderes da igreja judaica para
perseguir e desacreditar Jesus. A história é um incidente independente. Não tem conecção com o que
antecede. Pois, Lucas não tem interesse numa seqüência cronológica exata. Os principais homens da nação
judaica haviam recebido informação completa sobre a pregação e os milagres deste rabi Galileu, que, quanto
ao mais, era desconhecido, e que não lhes havia, nem ao menos, pedido a sanção para o seu trabalho. Os
homens da localidade, das várias sinagogas da Galiléia, os peritos na lei e em todas as doutrinas, como
estabelecidas pela tradição, não estavam à altura da situação. Por isso foram reforçados por homens da
Judéia, em especial de Jerusalém, a saber, dentre os mais estudados e capazes fariseus e escribas da lei. Estes
todos estavam presentes na casa onde Jesus estava ensinando a multidão. Não, que fossem tão desejosos pela
palavra da vida, mas estavam à espreita duma oportunidade para acusá-lo. E o poder do Senhor, a majestade
onipotente do Deus triuno, estava presente em Jesus, com o objetivo para que ele operasse curas. As outras
pessoas de Deus nunca foram observadores desinteressadas ou neutras, durante o tempo em que se
desenvolvia a obra da redenção, mas a Divindade inteira em suas três pessoas realizou a salvação da
humanidade. A chance pela qual os fariseus e professores da lei estavam esperando, essa apareceu bem logo.
Alguns homens carregavam numa maca ou cama um homem que fora acometido de paralisia. “Via de regra
aqueles que em todos os seus membros são atacados por alguma fraqueza violenta dos nervos, falecem em
pouco tempo. Quando isso não acontece, então é verdade que, ainda que vivos, raramente recuperam a saúde,
mas na maioria das vezes levam uma vida miserável, perdendo, ainda por cima, sua memória. Verdade é que
a doença daqueles que são afetados só parcialmente nunca é grave, mas, via de regra, longa e quase sempre
incurável.” Quando estes homens, levando sua carga, chegaram à casa onde Jesus estava, diligentemente
procuraram encontrar um meio de trazer e colocar o homem enfermo diante de Jesus, pois este era o objetivo
de sua vinda. Tinham a convicção de fé que este profeta de Nazaré era o Cristo, o qual facilmente podia
curar seu amigo. Mas a multidão, tanto dentro da casa como diante da porta, era muito grande. Era
impossível encontrar uma abertura pela qual podiam espremer-se para a sala onde Jesus estava falando. Mas
não divagaram muito na busca dum outro procedimento. Subiram, pela escada externa, ao telhado da casa.
Removeram algumas das telhas ou do material com o qual fora feito o telhado, e, então, baixaram o homem
doente em seu leito perante os pés de Jesus. O relato de Lucas é influenciado pelo seu desejo de tornar claro
aos seus leitores romanos, aos quais escreveu, a maneira como foi realizada esta obra de amor. Jesus, diante
desta interrupção, fez uma pausa em seus ensinamentos, e seu olhar onisciente perscrutou os rostos dos
recém-chegados, inclusive ao homem doente. Leu em cada um a firme convicção sobre a sua capacidade de
ajudar, e, igualmente, uma súplica e intercessão silenciosa para que lhes manifestasse misericórdia. Deu-se
por satisfeito com o resultado de sua inquirição, e, por isso, se voltou ao paralítico com as palavras: Homem,
perdoados são os teus pecados! Notemos: O pecado é a causa de toda miséria, enfermidade e morte no
mundo. Na verdade, removendo a causa, os efeitos são afastados. A fé do homem enfermo sabia isto. Sabia
que por meio destas palavras confortadoras de Jesus veio-lhe o maior dom sobre a terra. O caso dele não fora
um caso de punição especial por pecados específicos, mas um caso em que o Salvador sabia onde a cura
devia começar, a saber, na alma. Logo que o Salvador pronunciara as palavras de perdão, os escribas e
fariseus começaram a arrazoar e a discutir o assunto, quer só em seus corações, quer a meia-voz entre eles.
Sua consciência farisaica estava profundamente magoada que alguém presumisse remitir pecados. Precisam
estigmatizar uma tal presunção como blasfêmia. Pois, com certeza, ninguém podia perdoar pecados, senão
somente Deus. Se Jesus não fosse Deus, não podia por seu próprio poder perdoar pecados; e seu arrogar-se
esta autoridade teria sido blasfêmia contra Deus, no sentido própria da palavra. Mas, para que estes escribas
e fariseus tivessem a prova plena e mais absoluta de seu poder divino e de sua Divindade, operou, no mesmo
momento, três milagres na presença deles, podendo todos eles ser realizados só por um ser onisciente e
onipotente. Estes milagres foram: a remissão dos pecados do homem enfermo; a revelação dos pensamentos
secretos dos escribas; a restauração instantânea do paralítico à sua plena saúde.
O milagre, V. 22) Jesus, porém, conhecendo-lhes os pensamentos, disse-lhes: Que arrazoais em
vossos corações? 23) Qual é mais fácil, dizer: Estão perdoados os teus pecados, ou: Levanta-te e anda? 24)
Mas, para que saibais que o Filho do homem tem sobre a terra autoridade para perdoar pecados – disse ao
paralítico: Eu te ordeno: Levanta-te, toma o teu leito, e vai para casa. 25) Imediatamente se levantou diante
deles e, tomando o leito em que permanecera deitado, voltou para casa, glorificando a Deus. 26) Todos
ficaram atônitos, davam glória a Deus e, possuídos de temor, diziam: Hoje vimos prodígios. Jesus, em sua
onisciência, leu os pensamentos deles tão facilmente como se tivessem falado alto, e respondeu-lhes no
sentido de chamá-los prontamente a prestar contas por terem condenado suas palavras. Propôs-lhes um
problema sobre o que acreditavam ser mais fácil, dizer: Perdoados são os teus pecados; ou dizer: Levanta-te
e anda. Os escribas e fariseus, naturalmente, achavam que o primeiro fosse mais fácil, visto que seu
cumprimento ficava no campo espiritual e, por isso, não podia ser visto ou avaliado pelas pessoas. Não
acreditavam que este milagre da graça de Jesus tivesse ocorrido. Por isso o Senhor realizou diante deles o
que lhes parecia ainda mais difícil, para que lhes servisse de testemunho, e também provasse que suas
palavras ditas ao homem enfermo não podiam ser uma blasfêmia. O fato de que ele, o Filho do homem,
realmente possuía na terra o poder de perdoar pecados, ele o demonstrou, dizendo ao paralítico: Digo-te:
Levanta-te, toma a tua cama ou maca, e vai para tua casa. E imediatamente e sem demora, o homem doente
se ergueu diante de todos, levou a cama que lhe servira de leito, e foi para casa, cheio de júbilo a Deus sobre
o milagre da cura que nele fora realizado. Sua fé e confiança haviam sido demonstrados gloriosamente.
Cristo o Senhor, como Filho do homem, tem poder de perdoar pecados. Não tivesse Deus se humanado em
Cristo, e reconciliado consigo mesmo o mundo inteiro, então ele teria tido o poder de destruir os pecadores
mas não para salvá-los, visto que sua santidade deve ser preservada a todo custo. E Cristo, o Cabeça e Senhor
de sua igreja, deu à sua igreja na terra o poder de perdoar pecados. Este é o poder eclesial peculiar que Cristo
deu à sua igreja na terra, o qual os seus servos administram conforme sua ordem, Jo. 20. 23. Quando a
absolvição é proferida pelo ministro da igreja, ou por um cristão ao confortar seu próximo, então podemos
crer cordialmente que tal palavra de perdão é proferida desde o próprio céu e é uma sentença misericordiosa
de Deus sobre nós. Deste fato o povo teve uma idéia no fato de Cafarnaum. A maior admiração tomou conta
de todos, sendo que mesmo os fariseus, que haviam endurecido seus corações contra Jesus, podiam sentir no
acontecido um pedacinho do poder de Deus. O povo em geral glorificou a Deus, sendo também dominados
por reverente temor diante duma evidência tão sobrenatural. A opinião do povo foi que haviam visto coisas
estranhas, coisas que aconteciam contrariamente ao curso da natureza, milagres que a razão humana declara
como impossíveis.
A vocação e a festa de Levi, V. 27) Passadas estas coisas, saíndo, viu um publicano, chamado Levi,
assentado na coletoria, e disse-lhe: Segue-me! 28) Ele se levantou e, deixando tudo, o seguiu. 29) Então lhe
ofereceu Levi um grande banquete em sua casa; e numerosos publicanos e outros estavam com eles à mesa.
30) Os fariseus e seus escribas murmuravam contra os discípulos de Jesus, perguntando: Por que comeis e
bebeis com os publicanos e pecadores? 31) Respondeu-lhes Jesus: Os sãos não precisam de médico, e, sim,
os doentes. 32) Não vim chamar justos, e, sim, pecadores ao arrependimento. Depois da cura do paralítico,
Jesus deixou a casa e saiu para a praia do mar. Pelo caminho, que, provavelmente, levava pela grande estrada
das caravanas para Damasco, passou pela tenda dum publicano ou cobrado de impostos ou inspetor de
alfândega, de nome Levi. Os olhos de Jesus se dirigiram, não acidentalmente mas a propósito e
intencionalmente, sobre este homem ocupado com seus relatórios e outras ocupações de seu ofício. Cf. Mt.
9.9. Levi, provavelmente, já ouvira de Jesus, visto que a cidade estava tomada da conversa sobre ele, até,
talvez, assistira a algum de seus discursos nos arredores de Cafarnaum. Jesus disse somente uma breve
sentença, na forma duma ordem: Segue-me! Esta palavra decidiu o destino de Levi. Abandonou a tudo,
voltando as costas a todo seu viver anterior com toda sua parceria, e seguiu a Jesus. Levi, na gratidão de sua
alma, a seguir fez uma festa ao Senhor. Foi uma festa grande, que ele mandou preparar em sua própria casa.
Os hóspedes, além de Jesus e seus discípulos, eram antigos colegas de Levi, ou seja, uma multidão de
publicanos e outros, sendo a maioria pessoas consideradas de nenhum favor por parte dos vaidosos pe
presunçosos fariseus. Eram, em sua maioria, pessoas excluídas da sinagoga, com as quais o judeu ortodoxo
em geral não tinha qualquer negócio. Estes, porém, estavam aqui na festa reclinados nos sofás ao redor da
mesa. E muitos deles, mesmo então, já podem ter conhecido e amado ao Salvador dos pecadores, sendo
gratos a Levi por lhes oferecer a oportunidade de ver e ouvir mais do Senhor. O fato que Jesus aceitou um
convite para uma reunião tão mista, mais uma vez ofendeu aos escribas e fariseus dos judeus. O contraste
entre os ensinos e métodos de Jesus e os dos líderes da igreja dos judeus se tornava mais e mais evidente.
Estes últimos expressaram, em termos muito claros, sua desaprovação de todo este caso, fazendo
comentários aos discípulos de Jesus, provavelmente, com a intenção de aliená-los do Mestre: Qual é o
motivo que comeis com publicanos e pecadores? Mas a intenção da pergunta foi dirigida contra Jesus, visto
que seus discípulos, dificilmente, teriam ido sem ele à festa. Queriam que ele sentisse seu ressentimento
como sua desconsideração aos seus costumes. Mas Jesus respondeu em lugar de seus discípulos, afirmando,
na forma dum provérbio, que os sadios não necessitavam de médico, mas os que estão mal e doentes. E, para
o bem deles, explica o provérbio: Não vim chamar justos, mas pecadores, ao arrependimento. Marquemos:
Jesus se chama médico da alma. Afirma que veio para curar as pessoas desta doença. Ele subentende que os
que não sentem esta enfermidade, mais que crêem que estejam bem e sadios, por causa de sua opinião tola,
não tinham necessidade dos seus préstimos. Ele chama de justos e sãos aos que não se preocupavam com o
Salvador dos pecadores. Não, como se fossem exceções num mundo de pecadores perdidos e condenados,
por cuja salvação ele viera ao mundo, mas porque não sentiam a necessidade dos seus préstimos, porque não
sabiam que eram infelizes, miseráveis, pobres, cegos e nus, Ap. 3.17; Jo. 9. 14. Somente quem reconhece e
sabe sua pecaminosidade, e que, como Lutero diz, está consciente que pertence de pele e cabelo, de corpo e
alma ao inferno, somente este tem parte neste Salvador. Se aceitamos de corações humildes este fato, se nos
confiamos nisso, como uma verdade sagrada, que Deus nos é misericordioso por causa de Cristo, então
podemos ser livrados da terrível doença do pecado.
Um pergunta sobre o jejum, V. 33) Disseram-lhe eles: Os discípulos de João e bem assim os dos
fariseus, freqüentemente jejuam e fazem orações; os teus, entretanto, comem e bebem. 34) Jesus, porém,
lhes disse: Podeis fazer jejuar os convidados para o casamento, enquanto está com eles o noivo? 35) Dias
virão, contudo, em que lhes será tida o noivo; naqueles dias, sim, jejuarão. Os fariseus tinham nos
discípulos de João aliados, mais ou menos, declarados. Estes acreditavam, entendendo mal o modo austero
de vida de seu mestre e imitando-a de modo falso, a um judeu devoto ser necessária esta conduta. Por isso,
alguns desses, representando os dois partidos, vieram a Jesus com um pergunta sobre algumas destas práticas
radicais, jejuando e orando freqüentemente, coisas que os discípulos de Jesus não observavam. A
conseqüência, julgavam, era uma indulgência em assuntos morais e um desprezo dos costumes corretos.
Notemos: Práticas desta ordem são em si mesmas puras, ou como Lutero o expressa, são uma boa disciplina
externa. Mas, juntar-lhes qualquer outro poder e valor, considerando-as obras meritórias à vista de Deus, é
tolice. Por isso a atitude dos fariseus era tolice. Jesus dá sua resposta em linguagem figurada. Ele é o noivo.
Seus discípulos são os filhos da festa nupcial, ou seja as pessoas mais nobres presentes no casamento. O
tempo da peregrinação de Cristo sobre a terra é a festa de casamento. Seria, pois, evidentemente inteiramente
errado para os hóspedes tão destacados se mostrassem qualquer lamento, como por exemplo, o jejum, na
festa nupcial. Nessa ocasião só alegria e felicidade deve encher seus corações, e ser expressa em seus atos,
Jo. 3.39; Ct. 5.1. Mas nos dias em que o Noivo lhes seria tomado, quando Cristo entraria na trilha do
sofrimento e por meio da morte lhes seria tomado, segundo sua presença visível, então eles iriam lamentar,
Jo. 16.20, e então dariam demonstração para a tristeza.
Ditos proverbiais, V. 36) Também lhes disse uma parábola: Ninguém tira pedaço de veste nova e o
põe em veste velha; pois que rasgará a nova e o remendo da nova não se ajustará à velha. 37) E ninguém
põe vinho novo em odres velhos, pois que o vinho novo romperá os odres; entornar-se-á o vinho e os odres
se estragarão. 38) Pelo contrário, vinho novo deve ser posto em odres novos e ambos se conservam. 39) E
ninguém, tendo bebido o vinho velho, prefere o novo; porque diz: O velho é excelente. Aqui temos três ditos
parabólicos ou proverbiais, pelos quais o Senhor pretende ensinar uma lição urgente aos fariseus. Este
esforço tão só piora as coisas. Pois o novo pano, encolhendo-se e adaptando-se à veste, remove a linha da
parte desgastada e fraca da veste, e o caso piora. Além disso, o remendo novo, com suas cores vivas, se
destaca demais da veste velha, tornando o remendo ainda mais visível. Colocar vinho novo, que ainda não
acabou de fermentar, em odres velhos, que já perderam a força elástica, é igualmente tolice, visto que o
vinho novo só romperá os recipientes. Por isso é correto colocar vinho novo só em recipientes ou odres
novos. A veste velha é a justiça das obras, em que os fariseus confiavam, mas o remendo novo é a graça pura
de Jesus. A piedade e a presunção dos fariseus e a doutrina que Jesus proclamou, a doutrina da pura graça de
Deus no Salvador, não concordam e nunca se adaptam à vida e ao comportamento da pessoa. Quando alguém
confia em suas próprias obras, e então deseja colocar um remendo do evangelho sobre esta justiça própria,
ou deseja encobrir algumas das suas transgressões com a obra e o mérito de Cristo, então ele descobrirá logo
que seu conforto não é confiável. Essa pessoa, no fundo de seu coração, ainda confia em seus próprios
méritos e será condenada juntamente com seu conforto inconstante. E o novo vinho é o doce evangelho do
perdão dos pecados, ou seja, a graça de Deus. Esta nova gloriosa não se adapta a corações carnais e fariseus.
Quando o evangelho é pregado para aqueles que ainda se apóiam em suas próprias obras, ele é desperdiçado,
visto que eles não podem e não querem entendê-lo corretamente, e do evangelho não recebem qualquer
benefício. O evangelho exige que todos os corações neguem toda sua justiça pessoal e creiam simplesmente
nos méritos do Salvador Jesus. E, finalmente: Um homem que bebeu vinho velho conhece sua riqueza e
delicadeza, e, por isso, não deseja trocá-lo por vinho jovem, que poderá ser mais forte e menos aprazível. Os
fariseus e os discípulos de João amavam tão ternamente seus costumes velhos e acostumados, que já não
queriam mudar, ainda que a oferta da nova doutrina do evangelho fosse a salvação plena e pura.
Resumo: Jesus provoca a pesca maravilhosa, chama Simão e seus companheiros, sara um leproso,
cura um paralítico, chama Levi, e defende a si e aos seus discípulos contra os ataques dos judeus.
Capítulo 6
O Senhor do sábado, V. 1) Aconteceu que, num sábado, passando Jesus pelas searas, os seus
discípulos colhiam e comiam espigas, debulhando-as com as mãos. 2) E alguns dos fariseus lhes disseram:
Por que fazeis o que não é lícito aos sábados? 3) Respondeu-lhes Jesus: Nem ao menos tendes lido o que fez
Davi, quando teve fome, ele e seus companheiros? 4) Como entrou na casa de Deus, tomou e comeu os pães
da proposição, e os deu aos que com ele estavam, pães que não lhes era lícito comer, mas exclusivamente
aos sacerdotes? 5) E acrescentou-lhes: O Filho do homem é senhor do sábado. Isto aconteceu no primeiro
sábado depois do segundo dia da páscoa. Pois neste dia eram oferecidos ao Senhor os primeiros molhos dos
primeiros frutos do campo, e os judeus contavam, desde este dia, os sábados até pentecostes, sendo este o
motivo que esta última festa também ser conhecida como a festa das semanas. Jesus andava por uma lavoura,
que no momento estava de espigas cheias e prontas para a colheita. Os antigos trilhos eram, via de regra,
atalhos que facilmente passavam pela terra de alguém. Mas, segundo um costume antigo, ninguém pensava
em lavrar estes trilhos. O campo era lavrado de cada lado do trilho, sendo que os grãos, às vezes, invadiam o
trilho, o qual, contudo, pertencia ao povo. Enquanto o Senhor andava com seus discípulos, estes começaram
a arrancar espigas maduras e a esfregá-las entre as palmas das mãos para soltar os grãos. Isto era permitido
conforme a lei, Dt. 23. 25. Os fariseus, porém, alguns dos quais, como sempre acontecia, estavam presente
para expiar ao Senhor, fizeram deste ato inocente um pecado contra o terceiro mandamento, encarando o
arrancar como se fosse colheita, e o remover da casca como se fosse trilhar e cozinhar. Notemos: Esta
característica também é própria dos modernos mexeriqueiros da assim chamada santidade do sábado ou do
domingo. Em vez de ensinarem a observação correta do dia santificado do Novo Testamento, conforme o
sentido da Bíblia, que Lutero expressou tão belamente na explanação do terceiro mandamento, eles
conjeturam motivos e propósitos desprezíveis em assuntos que são deixados absolutamente na liberdade da
decisão do cristão. Os fariseus, imediatamente, atacaram aos discípulos, mas, tendo sempre em mira ao
próprio Jesus. Acusavam-nos da profanação do sábado. Nada lhes teria agrado mais do que se Jesus tivesse
aceito o desafio e discutido sobre as minúcias da distinção entre as carias formas de trabalho que eram
permitidas no sábado. O Senhor, em vez disso, inverte as posições, desafiando o conhecimento deles das
Escrituras. Suas palavras, em que não faltava ironia, contém forte repreensão: Nem ao menos lestes o que fez
Davi? Sois de compreensão tão rasa do Antigo Testamento? Sua referência é sobre 1.Sm. 21.6. Lá está
registrado sobre Davi, que ele, de fato, foi à casa do Senhor que era o tabernáculo, que provavelmente estava
na colina entre Gibeom e Nobe, e aceitou alguns dos pães da proposição que eram os pais da aprovação do
Senhor, os quais a seguir ele e seus homens comeram, mesmo que estes pães só pertenciam aos sacerdotes.
Era um caso de emergência, em que a lei do amor é sempre a lei maior. Os fariseus não deviam tirar a
conclusão da premissa menor para a maior. Se Davi teve este direito e não pecou quando tomou e comeu esta
pão, então o Senhor de Davi, com muito maior autoridade, deve ter este direito. E, se este argumento não
lhes fosse suficientemente forte, então deviam recordar-se que o Filho do homem, ou seja, Cristo ou o
Profeta de Nazaré, é Senhor também do sábado. Quando ele opta por dispensar ou em alterar a lei sobre este
dia santificado, isto é caso totalmente a critério do seu direito e poder, Cl. 2. 16,17; Rm. 14. 5.
O homem da mão ressequida, V. 6) Sucedeu que, em outro sábado, entrou ele na sinagoga e
ensinava. Ora, achava-se ali um homem, cuja mão direita estava ressequida. 7) Os escribas e os fariseus
observavam-no, procurando ver se ele faria a cura no sábado; a fim de acharem de que o acusar. 8) Mas
ele, conhecendo-lhes os pensamentos, disse ao homem da mão ressequida: Levanta-te, e vem para o meio; e
ele, levantando-se, permaneceu de pé. 9) Então disse Jesus a eles: Que vos parece? É lícito no sábado fazer
o bem ou mal? Salvar a vida ou deixa-la perecer? 10) E, fitando a todos ao redor, disse ao homem: Estende
a mão. Ele assim o fez, e a mão lhe foi restaurada. 11) Mas eles se encheram de furor e discutiam entre si
quanto ao que fariam a Jesus. 12) Naqueles dias retirou-se para o monte a fim de orar, e passou a noite
orando a Deus. No outro sábado, ou seja, no seguinte ao daquele em que o Senhor dera aos fariseus a
primeira lição sobre o real significado do sábado, Jesus esteve novamente na sinagoga, onde, como era seu
costume, estava a ensinar. Estava pregando, quando ocorreu o incidente aqui relatado. Havia um homem na
sinagoga, provavelmente trazido a propósito pelos fariseus, cuja mão direita estava ressequida, como
conseqüência de doença ou acidente. Os Escribas e fariseus se comportaram de modo dissimulado e oculto,
para ver o que Jesus faria quando lhe fosse trazido o homem. Pensavam que, se o Senhor fosse curar o
homem, teriam a possibilidade de buscar em suas leis alguma acusação contra ele. Jesus, porém, conhecia o
arrazoar hipócrita de seus corações e aceitou seu desafio. Fez com que o homem enfermo ficasse de pé no
centro da sala, para que todos os presentes o vissem e, igualmente, o milagre que decidira operar nele. A
seguir Jesus dirigiu uma pergunta a seus inimigos, para lhes mostrar que lera os pensamentos de seus
corações, visto estar ele tomado de sentimentos de indignação e de piedade. Perguntou-lhes à queima-roupa,
se era correto e justo, ou seja, se devia ser considerada uma obrigação que pesa sobre todos os presentes,
fazer o bem ou o mal no sábado, de salvar a vida ou destruí-la. Deixar qualquer enfermo ou pessoa aleijada
em sua miséria, mesmo que só por um minuto a mais do que é necessário, é uma transgressão do quinto
mandamento. É este fato que deviam saber. Todavia, nenhuma resposta ecoou, estando os fariseus convictos
em seus corações mas teimosos demais para dar testemunho da verdade. Jesus, por isso, mais uma vez volveu
o olhar pelo círculo de rostos, buscando encontrar alguma indicação de concordância, mas não a houve. Por
isso, diante de todos, operou o milagre. Ao seu comando o homem enfermo estendeu a mão, e ela foi,
imediatamente, restabelecida à plena saúde e força. Mas uma vez os fariseus foram derrotados, mas este fato
os encheu de fúria insana contra o Senhor. Sua raiva tola era dirigida contra Jesus, especialmente, porque,
visto eles não terem sido capazes de responder-lhe, os milagres tinham a força de torná-lo conhecido entre o
povo. Desde este tempo, estavam continuamente na busca de maneiras e meios para o afastarem. Tramavam
publicamente contra sua vida, Mc.3.6. A isso a hipocrisia pode levar uma pessoa que luta contra o
conhecimento da verdade, ou seja, ao ponto de justificar a mais flagrante falta de amor e misericórdia, e
conceber ódio mortal contra qualquer um que sugere o cumprimento justo do resumo da lei. Jesus, contudo,
não lhes deu oportunidade de, neste momento, executarem seu crime proposital. Como Lucas observa, foi
naqueles dias que ele, mais uma vez, se retirou a um monte. Lá, na solidão e no silêncio, encontrou as
condições certas em que, sem perturbação e distração, pode derramar seu coração em oração a seu Pai
celeste. Passou a noite toda em oração, sendo que nenhum minuto lhe foi precioso demais para se preparar
para expandir seu ministério. Notemos: Oração regular, sincera e persistente a Deus é a melhoro maneira
para obter força, acima de tudo, antes de um passo importante na vida.
V. 13) E quando amanheceu, chamou a si os seus discípulos e escolheu doze dentre eles, aos quais
deu também o nome de apóstolos: 14) Simão, a quem acrescentou o nome de Pedro, e André seu irmão;
Tiago e João; Filipe e Bartolomeu; 15) Mateus e Tomé; Tiago, filho de Alfeu, e Simão chamado Zelote; 16)
Judas, filho de Tiago, e Judas Iscariotes, que se tornou traidor. Jesus, tendo-se preparado para este passo
importante, por meio duma vigília e oração que durou a noite inteira, executou seu plano. Chamou a si todos
os seus discípulos, e escolheu do seu número total doze, aos quais deu o título honroso de apóstolos, que
significa os que foram enviados. A tarefa principal deles foi concordar para em nome de Cristo partir e
espalhar o evangelho glorioso da redenção que há nele. Umas poucas informações sobre o trabalho destes
homens, tiradas da Escritura e da história, podem provocar a curiosidade. Simão, que depois se tornou um
verdadeiro Pedro ou homem-pedra, este ativamente empenhado no trabalho missionário no leste e oeste. É
afirmado que sofreu o martírio sob Nero em Roma, sendo crucificado. Seu irmão André atuou
principalmente na Cíntia, ao norte do Mar Negro, onde também a morta pela crucificação. Tiago, filho de
Zebedeu, das fileiras dos apóstolos foi o primeiro mártir, morrendo pela espada de Herodes, At. 12.2. Seu
irmão João era o discípulo amado do Senhor. Morreu em avançada idade em sua congregação em Éfeso.
Filipe, assim é dito, proclamou o evangelho na Frigia, onde sofreu o martírio pela crucificação. Bartolomeu
ou Natanael trabalhou na Índia e sofreu destino semelhante. Mateus Levi, é dito, foi o primeiro apóstolo dos
etíopes. Foi morto de maneira horrenda, quando perfuraram seu corpo com pregos. Tomé o Dídimo, aquele
que duvidara, trouxe a mensagem do evangelho ao extremo leste, para a Média, Pérsia e Índia, onde também
morreu como mártir. Tiago, filho de Alfeu, também conhecido como o menor, Mc. 15. 10, provavelmente é
diferente de Tiago o irmão do Senhor e o autor da epístola de Tiago. Simão de Caná, chamado Zelote, é
afirmado, que viajou até as Ilhas Britânicas e que lá sofreu o martírio. Judas, filhos de Tiago, deve ser
distinguido do irmão de Tiago do mesmo nome, foi conhecido como Labéu ou Tadeu. Seu campo de ação foi
a Arábia. O último apóstolo, Judas que Queriate, foi o traidor. 42)
Várias espécies de curas, V. 17) E, descendo com eles, parou numa planura onde se encontravam
muitos discípulos seus e grande multidão do povo, de toda a Judéia, de Jerusalém e do litoral de Tiro e de
Sidom, 18) que vieram para ouvi-lo e ser curados de suas enfermidades; também os atormentados por
espíritos imundos eram curados. 19) E todos da multidão procuravam tocá-lo, porque dele saía poder, e
curava a todos. Esta passagem mostra o alcance a que chegou a influência do ministério de Cristo. Quando
Cristo desceu do alto do monte e chegou a uma planura na ladeira da montanha, teve perante si uma grande
multidão de pessoas. Não só havia um grande número de seus discípulos, mas uma grande multidão de
pessoas de toda Judéia, da altiva Jerusalém, de Tiro e Sidom, e das cidades do Mar Mediterrâneo. Todos
haviam chegado para ouvir Jesus e ser curado de várias enfermidades. Mas também havia muitos daqueles
que eram molestados e atribulados por espíritos maus. Todos estes estavam congregados ao redor do grande
Mestre e Médico. A popularidade de Jesus havia chegado ao seu auge. Todas estas pessoas tentavam tocá-lo.
E a compaixão e solidariedade do coração do Salvador irradiava sobre elas. Força, o poder do Médico
onipotente, partia dele, e todos foram curados.
O começo do sermão, V. 20) Então, olhando ele para os seus discípulos, disse-lhes: Bem-
aventurados vós os pobres, porque vosso é o reino de Deus. 21) Bem-aventurados vós os que agora tendes
fome, porque sereis fartos. Bem-aventurados vós os que agora chorais, porque haveis de rir. 22) Bem-
aventurados sois quando os homens vos odiarem, e quando vos expulsarem da sua companhia, vos
injuriarem e rejeitarem o vosso nome como indigno, por causa do Filho do homem. 23) Regozijai-vos
naquele dia e exultai, porque grande é o vosso galardão no céu; pois dessa forma procederam seus pais
com os profetas. Este discurso, geralmente, é considerado como um extrato do Sermão da Montanha, porém,
não é essencial considerá-lo como tal. O Senhor, com muita razão, pode ter falado do mesmo assunto e em
quase as mesmas palavras em ocasiões diferentes. As palavras foram dirigidas, principalmente, a seus
discípulos, mas também às outras pessoas no alcance de sua voz. Tiveram uma oportunidade de levar
consigo as verdades áureas que o Senhor proferiu. Bem-aventurados os pobres: Não tanto os que são pobres
em bens deste mundo, ainda que os verdadeiros pobres se acham, via de regra, entre estes, mas aqueles que
são pobres de espírito, que não têm nem acham neles e nem no mundo inteiro o que de fato pode deleitar
suas almas. Este pobreza tem uma promessa gloriosa: Pois vosso é o reino de Deus. Receberão as verdadeiras
riquezas da graça de Deus em Cisto Jesus. Bem-aventurados os que agora têm fome: Não se fala de fome
física, mas daquele desejo mais urgente pelo alimento do alto, a fome e a sede por justiça. Eles serão fartos:
As abundantes riquezas da beleza da mesa de Deus são deles. Bem-aventurados os que agora choram:
Aqueles que agora sentem profundamente a desgraça dos pecados e suas conseqüências e por causa deles
vivem em constante tristeza. Pois eles hão de rir: A alegria do Redentor será deles, enchendo-os de felicidade
que ultrapassa toda compreensão humana. Bem-aventurados sois, se as pessoas vos odeiam; se mostram este
ódio por se retirar de vós, condenando-vos ao ostracismo, como se fôsseis pessoas afligidas por alguma
42
) Besser, Bibelstunden, 1. 240-242.
enfermidade maligna; se, por causa do Salvador, vos vituperam e banem vosso nome deles e do seu meio.
Notemos: A amalgamação do mundo com a igreja tem sido tão completa e chegou ao ponto, que um tal
isolamento é raro em nossos dias, (para vergonha nossa!). Pessoas que se chamam cristãs querem, antes,
confinar seu cristianismo e sua confissão e prática a algumas horas do domingo, do que carregar o opróbrio
do Senhor, por amor ao Salvador. O espírito do martírio parece que abandonou totalmente a igreja.
Diariamente são praticadas negações de Cristo, e raras são as confissões por amor aos princípios cristãos.
Regozijai naquele dia e saltai: Este é motivo de ser feliz, a saber, que o mundo se nega reconhecer os cristãos
como pertencentes a ele, que os acusa de mesquinhez e intolerância e que isto é que os afasta dele; esta é
uma evidência de confissão cristã. Pois, eis, vosso galardão será grande no céu. Exatamente porque é um
galardão gracioso, ele será tanto mais bem-vindo. Quando cristãos sofrem uma tal perseguição, eles só
seguem as pisadas dos antigos mártires, daqueles que preferiram a morte do que negar ao Senhor e às
doutrinas e práticas cristãs.
Um triplo ai, V. 24) Mas ai de vós, os ricos! Porque tendes a vossa consolação. 25) Ai de vós os que
estais agora fartos! Porque vireis a ter fome. Ai de vós os que agora rides! Porque haveis de lamentar e
chorar. 26) Ai de vós, quando todos vos louvarem! Porque assim procederam seus pais com os falsos
profetas. Ai de vós pessoas ricas! Pois tendes o vosso conforto antecipado. Isto, como tantas vezes na
Escritura, Mc. 10.23; 1.Tm. 6. 9, é dito daqueles que colocam sua confiança no seu dinheiro. O cristão que é
rico não pensa em colocar sua fé no mamom. Ele sabe que na realidade não e o proprietário dos bens
anotados sob seu nome, mas que é o administrador de Deus, sendo que suas responsabilidades aumentam
quanto maior é o volume de riquezas que se diz serem suas. Ele precisa dar contas no dia final. Por isso,
aqueles pessoas que consideram como sua a riqueza, com a qual podem fazer o que quiserem e usá-las, tendo
esta idéia em mente, para que tenham seu bem já no tempo da vida presente, Lc. 16.25, essas têm nisso o
único refrigério que possam conseguir, Jó 31. 24. Elas podem parecer satisfeitas e tentar persuadir a si
mesmas e aos outros, de que são felizes; mas, o que dizer sobre o mundo que há de vir? Ai de vós que estais
cheios, pois havereis de ter fome. Aqueles que buscam satisfazer todos os seus desejos nesta vida e são
recompensados de tal modo que alcançam tudo o que desejavam, têm realizada sua ambição. Porém sofrerão
fome por toda a eternidade. Ai de vós que agora rides; pois, vós lamentareis e choraríeis. Os que têm o lema:
Comamos, bebamos e folguemos, pois amanhã estaremos mortos, e que vivem de acordo com isto, podem
assumir uma ruidosa felicidade no gozo dos prazeres deste mundo. Vem, porém, o tempo, quando precisarão
prestar contas de cada momento que gastaram na concupiscência da carne, na concupiscência dos olhos e na
soberba da vida. Então haverá choro e ranger de dentes. O último ai é um que é dirigido especialmente aos
apóstolos. Se todos falarem bem deles e os louvarem, a possibilidade existe que eles omitiram uma parte do
seu dever, ou seja, o que pertence a denúncia corajosa do pecado. Isto sempre foi uma característica especial
do trabalho dos falsos profetas, que eles pregam conforme as coceiras dos ouvidos do povo, 2.Tm. 4.3; Ez.
13. 18-20; Is. 56. 10. Isto não é uma recomendação, mas a mais severa censura que podia ser proferida sobre
o trabalho dum pastor, que ele não fere a ninguém, e que ninguém o fere.
A lei do amor, V. 27) Digo-vos, porém, a vós outros que me ouvis: Amai os vossos inimigos, fazei o
bem aos que vos odeiam; 28) bendizei aos que vos maldizem, orai pelos que vos caluniam. 29) Ao que te
bate numa face, oferece-lhe também a outra; e ao que tirar a tua capa, deixa-o levar também a túnica; 30)
dá a todo o que te pede; e se alguém levar o que é teu, não entres em demanda. 31) Como quereis que os
homens vos façam, assim fazei-o vós também a eles. Aqui há um contraste duplo: Jesus havia proferido seus
ais contra várias classes de pessoas, mas isto não daria a outros qualquer direito de agir de modo arbitrário,
segundo sua própria interpretação daquilo que foi dito. Ele se dirigira, principalmente, aos seus discípulos,
mas agora, propositalmente, inclui todos quantos ouviram seu discurso. Todos quantos, naquela hora,
estavam na esfera do alcance de sua voz, e todos quantos hoje estão na posição de ouvir suas palavras,
devem observar a lei do amor em relação aos seus inimigos. O contraste enfatiza em tudo o ponto que Jesus
deseja fazer: Amar, não aos amigos, visto que nisto não é necessária qualquer recomendação, mas aos
inimigos; de fazer o bem, não aos que nos mostram todas as formas de bondade, visto que nisso o ato de
retribuir é evidente, mas para aqueles que nos odeiam; de abençoar não os que nos querem bem, pois nisso
retribuímos os cumprimentos, o que é algo bem normal, mas àqueles que acumulam sobre vós imprecações e
maldições; de orar, não por aqueles cuja bondosa solicitude nos circunda a cada dia, visto que nisso a
recordação, via de regra, é realidade, mas aos que espalham calúnias a nosso respeito. Não é preciso dizer,
que estas prescrições éticas de Cristo precisam ser explicadas no espírito de Cristo, pois ele é o exemplo
mais nobre e melhor. Alguns exemplos práticos, para ilustrar a esfera de ação dos preceitos: Ao que fere uma
face, a outra deve ser oferecida; ao que à força tira a capa, a outra não deve ser retida; ao que nos pede,
devemos dar; o que é tomado à força, devemos renunciar cordialmente. A brandura cristã deve chegar a este
ponto em casos individuais, e onde também não cometido qualquer dano a outros. Pois, todas estas regras
precisam ser entendidas à luz da regra áurea: Como quereis que os outros vos façam, assim agi para com
eles. “O Salvador dá uma pedra de toque nas mãos de seus discípulos, por meio da qual podiam provar a si
mesmos, para ver se sua conduta para com os vizinhos e inimigos estava de acordo com suas obrigações. Seu
pronunciamento não contém um princípio, senão só a pedra de toque da moralidade, visto que se refere,
unicamente, a uma forma exterior de agir. Lá onde ela deve ser usada, convém descobrirmos nela uma
preceito claro, simples e universal da sabedoria prática de vida, que é inteiramente apropriado ao propósito
para o qual o Salvador o deu”43).
A aplicação da regra áurea, V. 32) Se amais os que vos amam, qual é a vossa recompensa? Porque
até os pecadores amam aos que os amam. 33) Se fizerdes o bem aos que vos fazem o bem, qual é a vossa
recompensa? Até os pecadores fazem isso. 34) E se emprestais àqueles de quem esperais receber, qual é a
vossa recompensa? Também os pecadores emprestam aos pecadores, para receberem outro tanto. 35)
Amai,porém, os vossos inimigos, fazei o bem e emprestai, sem esperar nenhuma paga; será grande o vosso
galardão, e sereis filhos do Altíssimo. Pois ele é benigno até para com os ingratos e maus. Não deve ser
esperado de Deus qualquer favor ou especial recompensa misericordiosa, se amamos apenas aqueles que nos
amam. Neste caso existe a condição do dar e receber que recompensa as pessoas envolvidas. E essa prova de
amor não é nada de extraordinário, pois que, até, os pecadores, os excluídos, que não professam qualquer
moralidade cristã, fazem isto entre si. O mesmo é verdade, se nós fazemos o bem, quando outros o fizeram a
nós. Então não há, nem ao menos, o sentimento de hilaridade e alegria sobre a boa ação que no caso nos vai
na alma. Socorrer a alguém que está em dificuldade, o mero emprestar dinheiro pode ser uma espécie de
egoísmo, visto ser feito não só com o objetivo de ter o capital devolvido, mas também para obter juros. A lei
do amor, em tal caso, requer, antes, que ajudemos livremente, sem qualquer expectativa de retorno. Quando
o irmão toma pé novamente, ele devolverá novamente o dinheiro recebido ou repassará a bondade. Onde está
envolvido o caráter exclusivamente cristão nas obras, lá a bondade deve ser a de puro altruísmo. É por esse
motivo, que é instado o amor aos inimigos, e o fazer o bem onde não se espera o retorno. Pois, então, a
recompensa misericordiosa do Senhor será correspondentemente grande, e chegaremos mais perto da mente
que há em nosso bom e gracioso Pai no céu. Nós, como filhos do Altíssimo, devemos atestar os traços e as
características do bom Deus. Pois, também ele, em sua providência, é bom e generoso, até mesmo, aos
ingratos e maus. E nosso Pai nos estenderá seus favores em medida plena, aqui no tempo e, depois, na
eternidade.
A medida da compaixão, V. 36) Sede misericordiosos, como também é misericordioso vosso Pai. 37)
Não julgueis, e não sereis julgados; não condeneis, e não sereis condenados; perdoai, e sereis perdoados;
38) daí, dar-se-vos-á; boa medida, recalcada, sacudida, transbordante, generosamente vos darão; porque
com a medida com que tiverdes medido vos medirão também. Dos cristãos se requer, não só generosidade
bondade, mas, também, misericórdia e compaixão, que são algo daquela qualidade divina que em Cristo o
Salvador teve compaixão de nós. Isto incluirá refrear-se do não autorizado julgar e condenar de nosso
próximo, de sua pessoa e modo de viver. Algumas formas de julgamento são requeridas pela Escritura, como
seja, do irmão que erra, Mt. 18. 15, o de alguém que está num ofício público numa forma democrática de
governo, e outros. Mas, no que diz respeito à vida pessoal e às transgressões do próximo, precisamos praticar
o perdão, se desejamos receber perdão. Precisamos dar, se esperamos receber. A medida da generosidade
graciosa de Deus é enchida na proporção da nossa bondosa compaixão: uma boa medida, comprimida,
chocalhada e transbordante será nossa porção, se praticamos a generosidade de que recebemos exemplos tão
abundantes em nossas vidas. São colocados, lado a lado, a generosidade de nossa própria natureza e a
amabilidade do espírito de Deus, para o nosso estímulo, visto que o pensamento de sua plena redenção nos
deve ser um incentivo, Sl. 130. 7. “Onde não se encontra esta misericórdia, lã não há fé. Pois, se o teu
coração está cheio de fé que sabes que teu Deus se mostrou assim para contigo, com uma tal misericórdia e
bondade, sem teu mérito e totalmente de graça, quando tu ainda eras seu inimigo e um filho da maldição
eterna; se crês isto, então não podes refrear-te de mostrar-te da mesma maneira ao teu próximo, e tudo isto
por amor a Deus e pelo bem do teu próximo. Vê, pois, que não faças qualquer diferença entre amigos e
inimigo, digno e indigno; pois, vês que todos os que aqui foram mencionados mereceram o oposto de nosso
43
) Schaff, Commentary, Luke, 104.
amor e generosidade.”44 ). “Por isso, se teu irmão é um pecador, encobre seus pecados e roga por ele.
Se revelas seus pecados, na verdade, não és um filho do Pai misericordioso, pois, do contrário, tu lhe serias
misericordioso. Certamente é verdade, que não conseguimos mostrar tal misericórdia ao nosso próximo,
como Deus nos mostrou; mas isto é a nossa imensa fraqueza, a saber, que agimos contrário à misericórdia; e
isto é sinal certo que não temos misericórdia”45).
Ditos parabólicos, V. 39) Propôs-lhes também uma parábola: Pode porventura um cego guiar a
outro cego? Não cairão ambos no barranco? 40) O discípulo não está acima do seu mestre; todo aquele,
porém, que for bem instruído será como o seu mestre. 41) Por que vês tu o argueiro no olho de teu irmão,
porém não reparas na trave que está no teu próprio? 42) Como poderás dizer a teu irmão: Deixa, irmão,
que eu tire o argueiro do teu olho, não vendo tu mesmo a trave que está no teu? Hipócrita, tira primeiro a
trave do teu olho e então verás claramente para tirar o argueiro que está no olho de teu irmão.O dito
proverbial sobre as pessoas cegas, que tentam guiar outras que são afligidas pela mesma calamidade, é, aqui,
aplicado para aqueles que não têm a correta compreensão de misericórdia e bondade e nem de sua aplicação
em seu relacionamento com o próximo. Todo aquele que deseja mostrar a outrem o caminho e instrui-lo a
andar corretamente, esse, primeiro, precisa ter a correta compreensão. Pois, o discípulo não está acima de seu
mestre. Não aprenderá mais do que seu mestre sabe e pratica. Aquele que presume ensinar outros, esse não
deve demandar mais deles do que o que ele é capaz de desempenhar. O mestre é o padrão do discípulo;
quando o ultimou chegou a esta perfeição, ele se dá por satisfeito. Por isso vigia contra o julgamento e a
condenação inclementes. Aquele que sempre está pronto a criticar, censurar e condenar, é um que logo
enxerga o cisco, aquele pouquinho de pó, no olho de seu irmão, e sente a maior preocupação pelo seu irmão
e pelo bem-estar do irmão, até que conseguiu remover o pó insignificante, enquanto que ele próprio, durante
todo o processo, tem uma trave em seu próprio olho, o que o impede de ver com clareza. O Senhor chama tal
pessoa de hipócrita, ou um ator da pior espécie, visto que sua própria fraqueza e condição o tornam
impróprio para ser um juiz imparcial. Os provérbios em voga hoje: Que cada um varra primeiro diante de sua
própria casa; e, os que vivem em casa de vidro no devem atira pedras, de modo muito próprio repetem o
sentido das injunções do Senhor. Cf. Mt. 7. 3. “Por isso um cristão devia exercitar-se diferente. Quando
enxerga o cisco no olho do irmão, deve, primeiro, antes de julgar, correr ao espelho e examinar-se
cuidadosamente. Ali ele achará traves tão grandes a ponto de se poder fazer delas cochos de comida dos
porcos, assim que se sente obrigado a exclamar: Que é isto? Meu próximo me magoa uma vez por trimestre,
por semestre ou por ano, eu, porém, fiquei velho e nunca guardei os mandamentos de Deus, sim, transgredi-
os a cada hora e instante. Como posso ser um patife tão insensato? Todos os meus pecados são imensos
carvalhos, e o miserável cisco e pequenino pé no olho de meu irmão me incomoda mais do que minha trave
imensa? Isto não deve acontecer. Preciso, antes de tudo, ver como me livrar do meu pecado. Com isto terei
tanto a fazer, que, com certeza, me esquecerei do pequenino cisco. Pois, sou desobediente a Deus, ao
governo, a pai e mãe, ao professor e nisso persisto e não cesso de pecar. E, ainda, quero ser impiedoso contra
o meu próximo e não quero tolerar uma só palavra? Ó, não! Cristãos não devem agir assim.”46)
Uma implicação adicional, V. 43) Não há árvore boa que dê mau fruto; nem tão pouco árvores má
que dê bom fruto. 44) Porquanto cada árvore é conhecida pelo seu próprio fruto. Porque não se colhem
figos de espinheiros, nem dos abrolhos se vindimam uvas. 45) O homem bom do bom tesouro do coração
tira o bem, e o meu, do mau tesouro tira o mal; porque a boca fala do que está cheio o coração. O coração
duma pessoa é como uma árvore, cujos frutos são as obras da pessoa. É natureza duma ´[arvore boa produzir
bom fruto. É natureza duma árvore fraca e má produzir fruto mau. Uma árvore se julga pelo seu fruto. A
tentativa de juntar figos dos espinheiros é tão tolo como procurar uvas nos abrolhos. Bem assim, uma pessoa
cujo coração foi renovado pela fé e, assim, foi transformado num coração verdadeiramente bom, produzirá
do seu bom coração boas obras que suportarão a avaliação de Deus. Doutro lado, uma pessoa cujo coração
não foi mudado pela fé e, por isso, é perverso diante de Deus, produzirá tão só as obras que serão
condenadas diante dele. Como é o coração, assim é o que se fala, cf. Sl. 36. 1.
Em conclusão, uma advertência, V. 46) Por que me chamais, Senhor, Senhor, e não fazeis o que vos
mando? 47) Todo aquele que vem a mim e ouve as minhas palavras e as pratica, eu vos mostrarei a quem é
semelhante. 48) É semelhante a um homem que, edificando uma casa, cavou, abriu profunda vala e lançou o
alicerce sobre a rocha; e, vindo a enchente, arrojou-se o rio contra aquela casa, e não a pôde abalar, por
44
) Lutero, 11. 1275; 13. 378.
45
) Lutero, 11. 1281.
46
) Lutero, 13. 750.
ter sido bem construída. 49) Mas o que ouve e não pratica é semelhante a um homem que edificou uma casa
sobre a terra sem alicerces, e arrojando-se o rio contra ela, logo desabou; e aconteceu que foi grande a
ruína daquela casa. É uma palavra de rigorosa seriedade para aqueles que fazem do cristianismo uma mera
confissão, mas não uma profissão que praticam, que faz protestos eloqüentes de lealdade a Cristo, mas que
não reforçam suas palavras com provas concretas. É a forma mais miserável de contradição, contradizer com
cada ato de vida o que se assevera veementemente se sua convicção. No final, o mero confessor verá sua casa
de papel e de hipocrisia caindo-lhe sobre a cabeça. Para fixar este fato em seus ouvintes, Cristo, numa
parábola, coloca diante deles dois homens. O primeiro quis construir uma casa. Por isso cavou e cavou, até
que teve a certeza que chegou à rocha firme. Ali lançou uma fundação sólida, sobre a qual começou a
construir sua casa. A seguir veio o teste. Irrompeu uma enchente semelhante às vagas do mar, e as águas
furiosas lutaram com força contra as fundações da casa, mas não puderam movê-la. Estava bem construída,
tendo solidez firme. Esta é a fé duma pessoa que de coração confia em Jesus, como seu Salvador. O segundo
homem também quis construir uma casa. Este, porém, colocou os barrotes e caibros no chão sem qualquer
fundação. Construiu a esmo na superfície da terra. Quando a correnteza violenta da enchente deu contra esta
edificação para arrancar suas paredes, ela veio abaixo e tombou rapidamente, sendo grande sua queda. Esta é
a fé e o fado duma pessoa que confessa Cristo só com os lábios e se lhe aproxima só com a boca. Em tempos
de tensão e perigo, quando as tempestades da vida batem contra o coração fraco, há somente uma rocha que
agüenta a todo o vendaval e este é Jesus Cristo, o único Salvador da humanidade. Aprender a colocar sua
confiança no Redentor e no evangelho glorioso da redenção pelo seu sangue precisa ser o esforço constante
de cada cristão. E o verdadeiro crente não se satisfará como um mero começo, mas cavará e aprofundará seu
conhecimento da palavra e da vontade de Deus, para que possa estar preparado para os dias maus, e para as
horas no vale da sombra da morte.
Resumo: Jesus tem duas disputas com escribas e fariseus sobre a observância do sábado e as obras que nele
são permitidas, seleciona seus doze apóstolos, realiza muitos milagres, e ensina os apóstolos e muitas
pessoas reunidas na encosta do monte.
Capítulo 7
A oração do centurião, V. 1) Tendo Jesus concluído todas as suas palavras dirigidas ao povo, entrou
em Cafarnaum. 2) E o servo de um centurião, a quem este muito estimava, estava doente, quase à morte. 3)
Tendo ouvido falar a respeito de Jesus, enviou-lhe alguns anciãos dos judeus, pedindo-lhe que viesse curar
o seu servo. 4) Estes, chegando-se a Jesus, com instância lhe suplicaram, dizendo: Ele é digno de que lhe
faças isto; 5) porque é amigo do nosso povo, e ele mesmo nos edificou a sinagoga. Jesus concluiu seu longo
discurso. Foi dirigido para que o povo o ouvisse. Não só deviam ouvir desatentamente para então, em poucos
minutos, esquecer a todos os preceitos, mas o seu ouvir e entender deviam apegar-se nestas grandes
verdades, para que se tornassem a propriedade da mente e fossem recebidas na alma. Algum tempo depois
Jesus entrou em Cafarnaum. Morava nesta cidade certo centurião, um oficial duma guarnição romana lá
estacionada, provavelmente, por causa da grande estrada real que de Damasco passava por ali para o Mar
Mediterrâneo. Este oficial romano chegara a familiarizar-se com os livros dos judeus e com as esperanças
messiânicas das quais sempre falavam. Também chegara à conclusão que Jesus, por cuja mão eram
realizados milagres tão grandes por toda a Galiléia, precisava ser o prometido Messias. Este centurião tinha
um servo que, mesmo sendo um escravo, lhe era muito caro, pois que ele era um patrão muito humano. Este
servo estava mal, à morte. Visto que as notícias sobre a atividade de Cristo, que de tempos em tempos
chegavam ao oficial, lhe haviam dado a convicção que aqui estava o prometido grande profeta dos judeus,
ele enviou nesse momento uma delegação a Jesus. Os homens que enviara, cumpriram sua missão, porque
falaram em seu nome, sendo ele quem falava por meio deles, Mt. 8. 5. Eram anciãos do povo, provavelmente
oficiais da sinagoga, pois nem todos os líderes judeus se uniram na campanha de ódio contra Jesus. Estes
homens executaram, de modo muito hábil, os desejos do centurião. Não só expressaram a oração sincera que
o Senhor viesse e restaurasse o servo à saúde plena, mas também adicionaram mais algumas razões, dando os
motivos que deviam levar Jesus a conceder-lhes o pedido. Declararam que o centurião era digno de socorro,
visto não ser um daqueles romanos orgulhosos que irritavam e oprimiam aos judeus a todo o momento, mas,
antes, amava a nação. Já vivia a tanto tempo entre eles, que nele já nascera um gosto genuíno pela doutrina e
as instituições deles. Este afeto tomara forma na construção duma sinagoga aos judeus, como prova de
consideração. “A ‘Deutsche Orientgesellschaft’, que realizava escavações no Egito, na Babilônia e Assíria,
assumiu a pesquisa sobre os escombros de antigas sinagogas na Galiléia e a Jaulan. Entre estas escavaram as
ruínas da sinagoga em Tell Hum junto ao Mar da Galiléia, o local provável de Cafarnaum. Encontraram os
restos duma sinagoga, que devia ter sido bela e fora construída no quarto século A.D. Debaixo dela está o
chão dum edificação ainda mais antiga. Esta é, provavelmente, a sinagoga em que ocorreram tantos dos
incidentes do ministério de Cristo em Cafarnaum, sendo a única construída por um centurião romano”.47).
A fé do centurião, V. 6) Então Jesus foi com eles. E já perto da casa, o centurião enviou-lhe amigos
para lhe dizer: Senhor, não te incomodes, porque não sou digno de que entres em minha casa. 7) Por isso eu
mesmo não me julgo digno de ir ter contigo; porém manda com uma palavra, e o meu rapaz será curado. 6)
Porque também eu sou homem sujeito à autoridade, e tenho soldados às minhas ordens, e digo a este: Vai, e
ele vai; e a outro: Vem, e ele vem; e ao meu servo: Faze isto, e ele o faz. 9) Ouvidas estas palavras,
admirou-se Jesus dele e, voltando-se para o povo que o acompanhava, disse: Afirmo-vos que nem mesmo em
Israel achei fé como esta. 10) E, voltando para casa os que foram enviados, encontraram curado o servo.
Uma estranha discordância! Os anciãos judeus declaram que ele é digno, mas o centurião diz que não é
digno. Insinuaram em seu pedido que para Jesus o melhor seria vir com eles, e ele, conseqüentemente, foi
com eles. O oficial, porém, sustenta que tanto incômodo e transtorno da parte de Cristo era honra demais
para ele. Quando o centurião recebeu a notícia que Jesus em pessoa vinha, o que era algo com o que ele não
contava, o temor de sua indignidade tomou conta dele. Jesus já estava bem perto. Por isso o romano envia
rápido outros amigos para interceptá-lo, dizendo que Jesus não se incomodasse, que não se desprendesse
pessoalmente em vir. Ele, como o hospedeiro, e sua casa como sala de recepção do Altíssimo: Isto tudo lhe
parecia inadequado. Fora esse também o motivo, que não viera pessoalmente, mas enviara uma delegação
para implorar ao Senhor. Notemos: O argumento do centurião é um exemplo de humildade, em especial,
visto que não concluiu, mas faz sua objeção tão evidente que o efeito é tanto mais irresistível. Quanto a si
mesmo era mero homem, mas Cristo era o Senhor do céu. Quanto a si era um homem sob autoridade,
vivendo num estado de constante subordinação, mas Cristo era o Rei dos reis, o Senhor dos senhores. Ainda
assim, o centurião podia das ordens que, quando dadas, seus soldados e seu escravo precisavam cumprir
imediatamente. A isso chegava a autoridade dum simples homem. Com certeza, estava aqui um caso claro:
Dize somente uma palavra, ou seja, uma única palavra, e a enfermidade precisará obedecer tua vontade
onipotente. Quem tem a fé verdadeira e viva em seu coração, esse se conscientiza de sua própria indignidade
e fraqueza diante do Senhor, mas, ainda assim, não duvida, mas confia firmemente que o Senhor dos céus o
ama e cordialmente lhe ajudará. Quem crê entende o que é misericórdia, e que a misericórdia de Deus é
intentada para aqueles que estão sem dignidade e sem mérito.
Este argumento de fé convenceu a Jesus, que se encheu de admiração. Voltou-se para a multidão que
o seguia, e disse: Digo-vos, nem mesmo em Israel achei tal fé. Em meio ao povo escolhido, a que haviam
sido confiadas as palavras da revelação de Deus, a maioria, se não todos, deviam sentir-se como este oficial
romano se sentia, mas, aqui, foram envergonhados por um excluído. Jesus, em sua alegria sobre este raro
achado, falou a palavra pela qual o centurião rogara. Quando os que haviam sido enviados, retornaram à casa
do centurião, encontraram o servo doente restabelecido à plena saúde. Assim foi recompensada a fé deste
gentio. A fé sempre se agarra a Cristo, o Amparador e Salvador onipotente e terno. E assim aceita de Cristo
socorro e conforto, graça e todo o bem. A fé se apóia inteiramente na Palavra, e, por isso, se apropria e
entesoura para si tudo o que a Palavra promete.
O milagre, V. 11) Em dia subseqüente dirigia-se Jesus a uma cidade chamada Naim, e iam com ele
os seus discípulos e numerosa multidão. 12) Como se aproximasse da porta da cidade, eis que saía o
enterro do filho único de uma viúva; e grande multidão da cidade ia com ela. 13) Vendo-a, o Senhor se
compadeceu dela e lhe disse: Não chores! 14) Chegando-se, tocou o esquife e, parando os que o conduziam,
disse: Jovem, eu te mando: Levanta-te. 15) Sentou-se o que estivera morto e passou a falar; e Jesus o
restituiu a sua mãe. Jesus, depois que curara o servo do centurião, não permaneceu em Cafarnaum. Pois, já
no dia seguinte, encontramo-lo aproximando-se do pequeno povoado de Naim, que, ficava na mesma
47
) Barton, Archeology and teh Bible, 98.
distância entre Nazaré e o Monte Tabor, mas mais ao sul. Seu nome, Vale de Beleza, dá alguma idéia sobre
os arredores, tal como eles também foram descritos pelos antigos historiadores da igreja. Jesus esteve
acompanhado, não só por grande número de seus discípulos mas também por uma grande multidão de gente.
Quando chegaram perto dos portões da cidade, uma visão triste caiu em seus olhos, um cortejo fúnebre esta,
bem naquele momento, deixando a cidade, rumo ao cemitério fora dos portões. Este era um funeral
excepcionalmente triste, visto que a pessoa morta era o filho único, e sua mãe era viúva. Tanto o esposo
como o filho haviam sido levados pela morte. Sua situação mereceu a condolência dos demais habitantes da
cidade, dos quais muitos foram com ela à sepultura. “Esta mulher carregava dois infortúnios. Primeiro, ela é
uma viúva. Só isto é desdita suficiente para uma mulher, que está desolada e sozinha e não tem mais consigo
quem a possa confortar. É por este motivo que na Escritura Deus, muitas vezes, é chamado pai de viúvas e
órfãos, como no Sl. 68. 6; 146. 9, onde está dito que o Senhor preserva aos estrangeiros; ele ampara o órfão e
a viúva. Segundo, ela tem um único filho, o qual morre diante de seus olhos, mesmo que ele lhe fosse seu
conforto. É desta maneira que Deus age aqui, e lhe tira o esposo e o filho. Ela teria gostado muito mais, se
perdesse a casa e o lar, sim, até mesmo seu próprio corpo, do que seu esposo e filho.... Isto, porém, nos é
retratado, para que aprendamos que perante Deus nada é impossível, chame-se isto de perda, adversidade ou
ira, por severas que sejam, e recordemos que Deus, às vezes, permite que a punição venha de modo igual
sobre justos e injustos. Sim, que ele permite que os maus repousem num jardim de rosas e tudo que fazem
flui fácil, mas se comporta em relação aos justos como se estivesse irado com ele e não os quisesse mais” .48)
Notemos: Há um grande contraste entre a procissão que, em passos tristes e lamentosos, deixa a cidade, e
aquele que, feliz porque o Senhor está em seu meio, está prestes a entrar na cidade. Como Lutero diz, aqui o
Senhor ousadamente se coloca no caminho da morte, como o Poderoso que tem autoridade e poder sobre ela.
Também: Em Cafarnaum é a filha de Jairo, não mais do que uma menina, que recém fechou seus olhos na
morte; em Naim é um jovem, na força do incipiente vigor viril, cujo corpo está a caminho do sepultamento;
em Betânia é um homem nos melhores anos que está a repousa por quatro dias na sepultura – com certeza há
suficiente divindade nestes milagres de ressuscitar os mortos.
Quando Jesus viu a procissão fúnebre e se apercebeu da grande tristeza deste sepultamento, seu
coração se moveu de profunda compaixão pela mãe consternada. Ele tinha todos os sentimentos dum
verdadeiro homem, e aqueles sentimentos que em nosso caso são expressos só imperfeitamente e sem o
percebermos, ele os mostrou sem reserva, Hb. 4. 15. Sua palavra para a viúva foi: “Não chores!” Com que
expressão da mais cordial compaixão deve o Senhor ter dito esta palavra, e quão plenamente a pobre mulher
compreendeu a cordialidade da saudação e de seu poder, a que se agarrou! Quando estamos em grande
tristeza e aperto, o Senhor, muitas vezes e bem da mesma forma, nos recorda de alguns dos versículos e
passagens da Escritura, que aprendemos em nossa juventude ou em certa ocasião lemos, para nos servirem de
introdução ao auxílio que ele nos concede graciosamente. A seguir, Jesus se dirigiu até a armação sobre a
qual o morto estava deitado, e tocou o caixão. A mão da Vida bateu na câmara da morte. Os que carregavam
o caixão pararam ao toque da mão do Senhor. Então Jesus, como o Senhor da vida e da morte, deu uma
ordem peremptória: Jovem, digo-te: Levanta! Ele falou ao morto, como se só estivesse dormindo. Com a
palavra de Jesus a alma é reunida ao corpo, e a morte precisa entregar sua presa. E o homem morto, já para
ser sepultado, de repente sentou e começou a falar. Ele foi restaurado à vida. E Jesus o devolveu à sua mãe e
restaurou à viúva aquele único tesouro que lhe sobrara na vida. Ela havia sido “envolvida com grandes dores
e muito terror, a ponto de poder ter pensado que Deus, céu e terra e tudo o mais eram contra ela. E, porque
ela olha as coisas através de sua carne, precisa concluir que lhe é impossível poder ser livrada de seu temor.
Mas, quando seu filho foi acordado da morte, então o único sentimento que a dominou, foi, como se céus e
terra, florestas e pedras e tudo o mais estava feliz com ela. Então ela esqueceu toda dor e tristeza, porque
tudo desapareceu, como acontece como uma fagulha de fogo que cai no meio do oceano”.49) No último dia,
quando o Senhor retornará para o juízo, ele deterá a imensa procissão que avança por todo o mundo,
devolverá os mortos à vida, sarará todas as feridas que a morte ocasionou e reunirá todos quantos a morte
separou. Então não haverá mais morte, nem tristeza, nem choro, nem qualquer dor, Ap. 21. 4. Esta é a
esperança dos cristãos. Enquanto estão neste vale de lágrimas, agarram-se nesta esperança do evangelho.
Então, porém, esta esperança será cumprida e revelada neles.
48
) Lutero, 11. 1649, 1660 (cf. alemão).
49
) Lutero, 11. 1653.
O efeito do milagre, V. 16) Todos ficaram possuídos de temor, e glorificavam a Deus, dizendo:
Grande profeta se levantou entre nós, e: Deus visitou o seu povo. 17) Esta notícia a respeito dele divulgou-
se por toda a Judéia e por toda a circunvizinhança. Diante desta manifestação de onipotente poder, o qual
viram com seus próprios olhos, caiu sobre as pessoas e tomou conta delas temor e pavor sobre o
sobrenatural. Sentiram a presença de Deus neste Homem de Nazaré. Não, porém, reconheceram nele o
Messias, apesar da grandeza do milagre. Proclamaram-no meramente como um grande profeta. Consideraram
sua vinda, tão só, como uma visitação da graça de Deus. Sua fé e compreensão nem de longe alcançou a do
centurião de Cafarnaum. Um mero reconhecimento e aceitação de Jesus, como sendo um grande profeta e
reformador social, jamais são o suficiente. Todas as pessoas precisam saber, que ele é o único Salvador do
mundo. Tão só este conhecimento e confiança trarão salvação.
A pergunta do Batista, V. 18) Todas estas coisas foram referidas a João pelos seus discípulos. E
João, chamando dois deles, 19) enviou-os ao Senhor para perguntar: És tu aquele que estava para vir, ou
havemos de esperar outro? 20) Quando os homens chegaram junto dele, disseram: João Batista enviou-nos
para te perguntar: És tu aquele que estava para vir, ou esperaremos outro? Depois que João teve certeza da
identidade de Cristo, Jo. 1. 29-31, empenhara-se de coração para fazer com que seus discípulos seguissem a
Jesus. Uns poucos foram e se juntaram às fileiras dos discípulos do Senhor. Alguns, porém, se recusaram
renunciar sua fidelidade a João. Não conseguiam distinguir entre o que era essencial e não essencial. Sentiam
que a vida austera de João Batista pertencia à substância dum viver moral. Muitos deles, porém, suspeitavam
de Cristo e relataram a João o que julgavam bem queriam. O grande milagre da ressurreição do jovem de
Naim fizera profunda impressão sobre eles, fazendo com que corressem à prisão onde João estava para lhe
dar um relatório sobre este último feito milagroso. Com isto João julgou que chegara a hora apropriada para
um último esforço para guiar seus discípulos a Jesus. Por este motivo comissionou dois deles para irem a
Jesus com a pergunta: Tu que estás aqui, és tu aquele que devia vir, ou seja, o prometido Messias, ou
precisamos esperar e nos preparar para um outro? Os discípulos de João cumpriram sua ordem com muita
fidelidade, repetindo as próprias palavras de seu mestre.
A referência de Cristo sobre a profecia, V. 21) Naquela mesma hora curou Jesus a muitos de
moléstias e flagelos e de espíritos malignos; e deu vista a muitos cegos. 22) Então Jesus lhes respondeu:
Ide, e anunciai a João o que vistes e ouvistes: os cegos vêem, os coxos andam, os leprosos são purificados,
os surdos ouvem, os mortos são ressuscitados, e aos pobres anuncia-se-lhes o evangelho.23) E bem-
aventurado é aquele que não achar em mim motivo de tropeço. O tempo de sua chegada a Jesus não podia
ser arranjada de modo mais auspicioso. Pois Jesus, no exato momento, estava empenhado na realização de
toda sorte de milagres: Curava muitos de doenças e epidemias que lhes chicoteavam as costas; curava alguns
de maus espíritos; e a muitos cegos ele concedeu o inestimável favor ou dádiva da visão. Jesus, com a
referência a estes e outros milagres, lembrou os mensageiros do Batista duma profecia que fora proferida
sobre o Messias, Is. 35. 5,6; 61. 1,2. Haviam sido preditos milagres de todas as espécies, também no campo
da cura física, como ocorrências por meio do poder do Messias. Cf. Mt. 11. 4-6. Qualquer pessoa que presta
a mínima atenção à profecia do Antigo Testamento, e a compara com o cumprimento visível, que ocorria aos
seus olhos, não pode negar que Jesus é o Cristo. E Jesus acrescenta uma palavra de advertência, para o bem
especial dos dois discípulos: Bem-aventurado aquele que não se ofende em mim. Era este o perigo para todos
aqueles discípulos de João, que não se satisfaziam com a maneira em que os discípulos de Jesus se
conduziam, os quais não consideravam as normas dos anciãos sobre jejum e lavar das mãos, etc., capítulo 5.
30. Se uma pessoa está tão empolgada com um falso ascetismo, a ponto que deseja truncar a liberdade do
Novo Testamento, e por esse motivo se ofende em Jesus Cristo, então só ele próprio deve culpar-se pelas
más conseqüências.
O testemunho de Cristo sobre João, V. 24) Tendo-se retirado os mensageiros, passou Jesus a dizer
ao povo a respeito de João: Que saístes a ver no deserto? um caniço agitado pelo vento? 25) Que saístes a
ver? Um homem vestido de roupas finas? Os que se vestem bem e vivem no luxo assistem nos palácios dos
reis. 26) Sim, que saístes a ver? Um profeta? Sim, eu vos digo, e muito mais que profeta. 27) Este é de quem
está escrito: Eis aí envio diante da tua face o meu mensageiro, o qual preparará o teu caminho diante de ti.
O Senhor aproveitou esta ocasião para dar testemunho de João e de seu ministério. Os acontecimentos do
tempo de João eram tão recentes, que, ainda, estavam frescos na memória. Fez a pergunta a toda multidão,
visto que muitos deles, sem dúvida, haviam sido atraídos pela reputação e pelos sermões poderosos de João.
Será que haviam sido impelidos ao deserto para ver um junco agitado e balançado pelo vento? João não fora
um inconstante em sua pregação, 2. Tm. 4. 2-5. Ele havia falado a verdade de modo mais inflexível, sem se
preocupar com o fato que os grandes da terra se pudessem ofender. Teriam saído ao deserto para encontrar
um homem vestido de roupas macias? Existe um lugar para pessoas desse tipo, pois podem ser encontradas
entre aqueles que vivem nas casas dos reis. É para ali que pertencem os que vivem no luxo e estão vestidos
de trajes esplêndidos. João, contudo, foi um pobre pregador de arrependimento. Os luxos da vida não lhe
apelavam. Ele rejeitava o lado delicado da opulência. Notemos: Em ambas as referências do Senhor há uma
leve indicação para aquele que o lê com correta atenção. Agora, porém, veio a pergunta principal:^Será que
saíram para ver um profeta? Sendo assim, na verdade, não ficaram desapontados. Pois, João foi um profeta, e
um profeta maior do que os de antigamente. Foi dele que foi profetizado, que seria um mensageiro diante do
Messias, para lhe preparar o caminho, Ml. 3.1.
Mais elogios a João, V. 28) E eu vos digo: Entre os nascidos de mulher, ninguém é maior do que
João; mas o menor no reino de Deus é maior do que ele. 29) Todo o povo que o ouviu, e até os publicanos,
reconheceram a justiça de Deus, tendo sido batizados com o batismo de João; 30_ mas os fariseus e os
intérpretes da lei rejeitaram, quanto a si mesmos, o desígnio de Deus, não tendo sido batizados por ele. É,
realmente, um grande elogio: Todos os antigos profetas só profetizaram a respeito do Messias, como de
alguém que virá no futuro, João, porém, apontou para o Cristo presente, e testemunhou diretamente dele.
Contudo, por um estranho paradoxo, aquele que é o menor de todos no reino de Deus, é maior do que João.
Mesmo que João deu testemunho de Jesus, como aquele que veio para o meio de seu povo, ele, ainda assim,
só viu o alvorecer e não o pleno irromper do dia. Seu trabalho findou, e seu curso acabou antes que Cristo
entrou em sua glória. Deste modo, os filhos do Novo Testamento, que têm perante si o completo
cumprimento da profecia, que conhecem o Cristo crucificado e ressuscitado, que possuem o completo relato
da salvação nos escritos dos evangelistas e apóstolos – estes possuem uma revelação maior e uma luz mais
brilhante do que o próprio João Batista. Mas, apesar da grandeza de João, seu ministério não recebeu, jamais,
o reconhecimento que devia ter tido. O juízo popular, de fato, concordara com a avaliação que Jesus acabara
de dar. Todo o povo, inclusive muitos dos publicanos, submetendo-se ao batismo de João, haviam
reconhecido o poder de Deus que nele estava, e o haviam aprovado como profeta. Mas os fariseus e escribas
haviam sido uma triste exceção. O conselho de Deus com respeito à salvação de todas as pessoas, também
lhes dizia respeito, tal como outros, eles também haviam sido convidados. Deliberadamente, porém,
rejeitaram e trataram com desprezo seu amoroso conselho. Recusaram o batismo de João. Preferiram a
condenação que lhes sobreveio por causa de sua obstinação. Este, quanto à maioria das pessoas, tem sido
sempre o fado da mensagem evangélica. Deus brada a todo o mundo e convida todas as pessoas, sem
qualquer exceção, para se tornarem participantes de sua graça e misericórdia no Salvador Jesus Cristo. Mas
elas recusam aceitar seu amor o socorro da mão estendida. Preferem continuar sua vida de pecado e, assim,
são condenados por sua própria culpa.
A parábola das crianças na praça, V. 31) A que, pois, compararei os homens da presente geração, e
a que são eles semelhantes? 32) São semelhantes a meninos que, sentados na praça, gritam uns para os
outros: Nós vos tocamos flauta, e não dançastes; entoamos lamentações e não chorastes. 33) Pois veio João
Batista, não comendo pão nem bebendo vinho, e dizeis: Tem demônio. 34) Veio o Filho do homem, comendo
e bebendo, e dizeis: Eis aí um glutão e bebedor de vinho, amigo de publicanos e pecadores! 35) Mas a
sabedoria é justificada por todos os seus filhos. Aqui o Senhor repreende a inconsistência do povo judeu,
como um todo e em especial de seus líderes, comparando suas ações às de crianças caprichosas e mal-
humoradas, que não se agradam com qualquer distração que os colegas propõem. Quando estes tocam flauta,
recusam-se dançar segundo a melodia; Quando estes lhes cantam uma canção triste, recusam sentir-se triste.
Há um belo jogo de palavras nesta passagem, na linguagem que Jesus disse, que destaca, de modo muito
belo, esta ênfase. Exatamente como no caso das crianças, ninguém consegue agradar aos judeus, nem João e
nem Jesus. João pregou o batismo para arrependimento e vivia de modo rigoroso e austero, mas o veredito
deles foi: Está possesso do demônio; não está no juízo claro; por que escutá-lo? Quando veio Jesus, não
apresentou tais peculiaridades, mas viveu e agiu como as demais pessoas, mas numa terna compaixão à todas
elas. Mas eles distorceram este comportamento numa caricatura horrenda; chamando-o de glutão, beberrão, e
um companheiro de publicanos e pecadores. Os judeus, desta forma e para a sua própria condenação, se
contradiziam. Jesus, porém, os recorda dum dito proverbial: A sabedoria é justificada por todos os seus
filhos. Não há desacordo entre esta passagem e a de Mt. 11. 19. Por meio de pequena alteração na
vocalização, a palavra aramaica usada por Jesus pode significar “obras” ou “filhos”. Ambas as expressões
são inspiradas e aceitas por Deus. Cristo, a Sabedoria pessoal e divina, Pr. 8, foi obrigado a justificar-se
contra o veredito crítico daqueles que deviam seus filhos pela fé, mas que recusaram aceitá-lo. Seu trabalho
suportou o teste do juízo de Deus, apesar da incredulidade deles.
A Primeira Unção de Jesus, Lc. 7. 36-50.
A unção, V. 36) Convidou-o um dos fariseus para que fosse jantar com ele. Jesus, entrando na casa
do fariseu, tomou lugar à mesa. 37) E eis que uma mulher da cidade, pecadora, sabendo que ele estava à
mesa na casa do fariseu, levou um vaso de alabastro com ungüento; 38) e, estando por detrás, aos seus pés,
chorando, regava-os como suas lágrimas e os enxugava com os próprios cabelos; e beijava-lhe os pés e os
ungia com o ungüento. Jesus era o amigo de publicanos e pecadores, mas não no sentido pejorativo em que
seus inimigos usavam o termo. Nesta história é mostrada a verdadeira natureza do seu relacionamento com as
classes de pessoas que, pelos presunçosos fariseus, eram tidas neste desprezo. Um dos fariseus convidou a
Jesus para jantar com ele. Jesus aceitou, dirigindo-se à mesa. Não há menção dos usos e costumes
preliminares, com os quais o hospedeiro judeu honrava seu hóspede. A seguir ocorreu um incidente estranho.
Uma mulher da cidade, um caráter bem notório, ouviu da presença de Cristo na casa do fariseu. Havia sido
enganada pelo prazer aparente do pecado. Havia recebido fel e absinto, em vês do esperado sucesso. Agora,
desesperada, estava a olhar sobre o abismo duma vida vergonhosa. Mas a notícia a respeito de Jesus, do
Salvador dos pecadores, cuja generosidade para com os humildes e os excluídos havia sido proclamada por
toda parte, levara-a a compreender sua própria situação, fazendo-a sentir todo o peso de sua corrupção e
miséria. Por isso comprou um vaso de alabastro de ungüento precioso e, vindo à casa, parou aos pés de Jesus,
e chorou tão copiosamente, por causa da plena consciência de sua perversão, que suas lágrimas levaram os
pés de Jesus, e ela os podia enxugar com seus cabelos. Também beijou-lhe os pés seguidamente e os ungiu
com seu bálsamo precioso. Foi uma demonstração de imensa tristeza, combinada com um apego ao Senhor,
como o único em que podia confiar, que chegava às raias de dar pena. E, como o afirma um expositor, as
lágrimas de sua tristeza se tornaram lágrimas de alegria inefável, porque Jesus não a rejeitou, e porque ela
encontrou um Salvador que revelou um coração cheio de compaixão e graça ilimitada para, até mesmo, o
pior dos pecadores.
A condenação do fariseu, V. 39) Ao ver isto, o fariseu que o convidara, disse consigo mesmo: Se este
fora profeta, bem saberia quem e qual é a mulher que lhe tocou, porque é pecadora. 40) Dirigiu-se Jesus ao
fariseu e lhe disse: Simão, uma coisa tenho a dizer-te. Ele respondeu: Dize-a, Mestre. O hospedeiro havia
observado todo o procedimento com um desgosto que mal conseguia ocultar. O próprio pensamento, que
Jesus estava sendo tocado por alguém tão mal-afamado, arrepiava-o. Por isso, em seu coração, passou o
veredito, que Jesus não podia ser um profeta. As lágrimas da mulher lhe eram repugnantes, e o odor do
ungüento e encheram de nojo. Notemos: O mesmo espírito de repulsa presumida se encontra nos fariseus
modernos. Abrem suas saias de ceda ou seus casacos de pele, mesmo quando lhes é dada a certeza que um
antigo pecador abandonou o trilho da transgressão, não sabendo que seus próprios corações estão cheios
duma enfermidade muito pior e mais perigosa, que é a do orgulho e da presunção. Jesus, contudo, conhecia
os pensamentos do fariseu, e logo lhe deu provas de que era um profeta que conhecia os corações das
pessoas. Decidiu dar a este fariseu altivo uma lição urgente, mas de modo amável e gentil, tendo o objetivo
de convencer e ganhá-lo. Polidamente o hospedeiro aquiesceu, quando o Senhor solicitou autorização para
lhe contar um fato, ou expor-lhe um caso.
A parábola e sua aplicação, V. 41) Certo credor tinha dois devedores: um lhe devia quinhentos
denários, e o outro cinqüenta. 42) Não tendo nenhum dos dois com que pagar, perdoou-lhes a ambos. Qual
deles, portanto, o amará mais? 43) Respondeu-lhe Simão: Suponho que aquele a quem mais perdoou.
Replicou-lhe: Julgaste bem. 44) E voltando-se para a mulher, disse a Simão: Vês esta mulher? Entrei em tua
casa e não me deste água para os pés; esta, porém, regou os meus pés com lágrimas e os enxugou com os
seus cabelos. 45) Não me deste ósculo; ela, entretanto, desde que entrei não cessa de me beijar os pés. 46)
Não me ungiste a cabeça com óleo, mas esta com bálsamo ungiu os meus pés. Havia dois devedores dum
certo credor. É uma ênfase excelente, por causa da aplicação da parábola: Simão e a mulher, que ambos são
devedores do Senhor. Num dos casos a dívida era bem grande – quinhentos denários, ou quase 250 Reais. No
outro caso, a dívida era bem pequena, chegando a só um décimo dessa soma. Ambos não conseguiram pagar,
e ambos foram perdoados do pagamento da dívida. Agora a pergunta foi: Qual dos dois devedores tinha mais
obrigação para com o Senhor, e quem, por isso, teria maior amor? A resposta era obvia, mesmo que o fariseu
respondesse um tanto cauteloso que essa era sua opinião. Jesus, muito sério, aceitou a resposta. Mas, então,
veio a aplicação. Pela primeira vez, Jesus se voltou diretamente para a mulher e também pediu que Simão
olhasse para aquele que desprezara completamente. Pois o vaidoso fariseu podia aprender uma lição dos
excluídos da sociedade da sociedade. Jesus traça um paralelo entre o comportamento de Simão e desta
mulher. Notemos o forte contraste em toda a descrição: água – lágrimas, ósculo de boas vinda – beijos
repetidos, azeite comum – precioso ungüento. Simão, nem ao menos, observara as cortesias usuais e sempre
concedidas a um visitante ou hóspede. Quando um hóspede vinha à casa dum judeu, já na entrada do pórtico,
era cumprimentado com uma saudação e um beijo. A seguir os servos traziam água para enxaguar os pés,
visto as pessoas só usarem sandálias, tornando-se seus pés muito empoeirados. Depois seguia o ungir com
azeite, do qual eram derramadas algumas gotas sobre a cabeça do hóspede.50) As palavras de Cristo foram
uma censura excelente e eficiente. “Este, pois, é o ofício de Cristo o Senhor, que ele realiza no mundo, a
saber, que ele repreende o pecado e perdoa o pecado. Ele repreende o pecado daqueles que não reconhecem
seu pecado, e, especialmente, daqueles que não querem ser pecadores e se consideram santos, como o fez o
fariseu. Ele perdoa o pecado daqueles que o sentem e desejam perdão, tal como esta mulher foi uma
pecadora. Com a repreensão o Senhor recebe pouca gratidão. Com o perdão dos pecados ele tem como
resultado que sua doutrina é estigmatizada como heresia e blasfêmia.... Nenhum dos dois, porém, devia ser
omitido. Precisamos da pregação para o arrependimento e da reprovação, para que as pessoas cheguem ao
reconhecimento dos seus pecados e se humilhem. Precisamos da pregação da graça e do perdão dos pecados,
para que as pessoas não caiam em desespero. O ofício do pregador, por isso, devia conservar o meio entre a
presunção e o desespero, para que a pregação seja feita de tal forma que as pessoas nem se tornem
presumidas e nem desesperadas”51)
A lição, V. 47) Por isso te digo: Perdoados lhe são os seus muitos pecados, porque ela muito amou;
mas aquele a quem pouco se perdoa, pouco ama. 48) Então disse à mulher: Perdoados são os teus pecados.
49) Os que estavam com ele à mesa, começaram a dizer entre si: Quem é este que até perdoa pecados? 50)
Mas Jesus disse à mulher: A tua fé te salvou; vai-te em paz. Cristo, com base na parábola e nos fatos que
colocara, diz a Simão: Perdoados estão seus muitos pecados, pois ela muito amou. O fato que suas muitas
transgressões horrendas haviam achado perdão diante de Cristo e que Deus encheu seu coração de amor
jubiloso, fez que ela se sentiu constrangida a mostrar em seu comportamento exterior. O perdão não foi o
resultado do amor, mas o amor seguiu e fluiu do perdão, assim como o sol não brilha porque ele é luz por
fora, mas ele é luz porque o sol brilha. “Os papistas citam este versículo contra a nossa doutrina da fé, e
dizem, visto que Cristo diz: Seus pecados estão perdoados porque ela muito amou, que, por isso, o perdão
dos pecados não é alcançado pela fé, mas pelo amor. A parábola, porém, prova que este não pode ser o
significado, quando mostra claramente que o amor segue à nossa fé. Por isso, quando alguém tem o perdão
dos pecados e crê, então segue a fé. Lá onde alguém não tem o perdão, lá não há amor.”52) Doutro lado, não
existe um perdão parcial. Um pecador, a quem certos pecados horrendos são perdoados, tem o perdão de
todos eles. A falta de amor de Simão provou que ele não tinha perdão, e, também, que em sua orgulhosa
mente farisaica não se preocupava com o perdão. Porém, para a mulher Jesus disse agora: Perdoados são os
teus pecados. Esta palavra da boca do Salvador foi o selo e a certeza de seu perdão. Esta foi a palavra que
acendeu a chama de sua fé num fogo abundante. Mesmo que os outros hóspedes se ofenderam nas palavras
de Jesus, ele prosseguiu em sua bondosa edificação da mulher. Sua fé, que ela provara em seu amor, a
salvara. Ela havia aceito a redenção de Jesus pela fé, e foi uma filha bendita da salvação.
Resumo: Jesus sara o servo do centurião de Cafarnaum, ressuscita o filho da viúva de Naim, recebe
a embaixada de João Batista, e é ungido na casa dum fariseu, ensinando uma lição de fé e perdão.
Capítulo 8
50
) Goodwin, Moses et Aaron, 476-486.
51
) Lutero, 13b. 2762, 2764.
52
) Cf. Lutero, 7. 1456.
Mulheres servem a Cristo, V. 1) Aconteceu depois disto que andava Jesus de cidade em cidade e de
aldeia em aldeia, pregando e anunciando o evangelho do reino de Deus, e os doze iam com ele, 2) e também
algumas mulheres que haviam sido curadas de espíritos malignos e de enfermidades: Maria, chamada
Madalena, da qual saíram sete demônios; 3) e Joana, mulher de Cuza, procurador de Herodes, Suzana e
muitas outras, as quais lhe prestavam assistência com os seus bens. Lucas, como sempre, não está
preocupado com a seqüência exata dos acontecimentos ocorridos na mesma época, no caso atual, durante o
ministério de Jesus na Galiléia. Algum tempo depois, quando o Senhor ainda estava na Galiléia, ele passou
ou fez uma excursão pelas cidades e povoados desta parte da Palestina. Mais uma vez é destacado seu
trabalho principal, que foi a proclamação do reino de Deus ou a evangelização, pregando a boa nova da
salvação da humanidade. Este fato não pode ser ressaltado suficientemente, em especial nestes dias de tanta
perversão da doutrina da redenção. Os doze apóstolos estavam com o Senhor neste excursão. Eles eram os
estudantes de teologia, recebendo tanto a instrução teológica como a prática na escola de Jesus. Mas havia
também outras pessoas com ele, ou seja, algumas mulheres que Lucas, numa particularidade do sue
evangelho, cita por nome. Maria, que era chamada Madalena, havia sido curada por Jesus quando dela
expulsou sete demônios. Joana, a mulher de Cuza, o administrador ou procurador de Herodes, e Suzana, e
muitas outras, Mt. 27. 55, que também haviam recebido muitos favores especiais da mão de Jesus, como, ser
curadas de várias doenças e de maus espíritos. Estas estavam vinculadas a Jesus pelos laços da gratidão, e
estavam felizes e orgulhosas em servi-lo como seus bens, visto que algumas delas eram abastadas. Mulheres
cristãs, em todos os tempos, tiveram como honra serem capazes de servir seu Mestre com suas posses e
trabalho. Temos aqui, no sentido mais nobre do termo, uma emancipação feminina e o princípio do trabalho
feminino na igreja de Cristo e, ao mesmo tempo, o claro triunfo do espírito evangélico sobre a limitação do
espírito rabino.
A parábola do solo de quatro partes, V. 4) Afluindo uma grande multidão e vindo ter com ele gente
de todas as cidades, disse Jesus por parábola: 5) Eis que o semeador saiu a semear. E, ao semear, uma
parte caiu à beira do caminho; foi pisada e as aves do céu a comeram. 6) Outra caiu sobre a pedra; e, tendo
crescido, secou, por falta de umidade. 7) Outra caiu no meio dos espinhos; e estes, ao crescerem com ela, a
sufocaram. 8) Outra, afinal, caiu em boa terra; cresceu e produziu a cento por um. Dizendo isto clamou:
Quem tem ouvidos para ouvir, ouça. A fama de Cristo ainda se espalha tão rapidamente, que pessoas de
todas as cidades e vilas, de perto e de longe, se juntavam para ver e ouvi-lo. Foram a ele, quando esteve junto
à praia do Mar da Galiléia. E ele usou um barco por púlpito, para alcançar a todos, Mt. 13. 2; Mc. 4. 1. Falou
ao povo em parábolas sobre os mistérios do reino de Deus, sendo uma delas a que Lucas registra aqui. Um
semeador saiu para semear sua semente. A figura é a de um agricultor que lança, de modo amplo, sua
semente na terra. Assim como a paciência e a generosidade do Pai celeste não se cansa apesar do muito
trabalho aparentemente perdido, Is. 49.4, assim, o agricultor tem a cada ano novo ânimo e esperança. Seu
trabalho é um exemplo para os nossos dias. “Cada pregador piedoso, quando vê que as coisas não prosperam
mas parecem piorar, sente-se à beira do desespero sobre sua pregação, mas, ainda assim, não pode desistir
por amor duns poucos eleitos. Isto está escrito para o nosso consolo e admoestação, para que não sejamos
tomados de surpresa e nem julguemos estranho quando só uns poucos aceitam o benefício de nossa doutrina
mas que alguns, até, se tornam piores. Pois, via de regra, os pregadores, especialmente quando são novos e
recém vieram da instituição, crêem que seu sucesso devia ser imediato, ou seja, no mesmo instante em que
falaram, e que tudo devia ser feito e acontecer rapidamente. Mas isto é um grande engano. Os profetas e o
próprio Cristo tiveram esta experiência”53) Assim como o semeador, no trabalho paciente de sua vocação,
lança sua semente, da qual alguma saltou para além dos limites, caindo no caminho que cruzava pela lavoura.
Esta é uma figura duma paisagem da Palestina, que as trilhas entre as diversas vilas e povoados seguiam a
direção mais direta e as encostas mais fáceis, não respeitando as lavouras. Como resultado, os viajantes que
usavam a trilha pisavam e esmagavam a semente, e as aves vinham e as comiam. Outros grãos caíram sobre a
rocha ou num solo rochoso, onde a rocha estava a poucos centímetros da superfície. Ali havia solo fértil e
calor, que ofereciam as melhores condições para uma germinação rápida, mas não fertilidade e solo
suficientes para suportar a planta durante seu crescimento. A pedra abaixo absorvera o calor do sol, fazendo
que nesse lugar evaporasse qualquer restinho de fertilidade. Mais outras sementes caíram entre os espinhos,
onde a preparação do solo não conseguira extinguir as raízes do inço. Por isso, quando a semente havia
brotado e as astes apareceram, os espinhos que eram mais vigorosos absorveram tanto o sol como o ar e desta
53
) Lutero, citado em Besser, Bibelstunden, 1. 334.
forma sufocaram as plantinhas tenras. Foi só a semente que caiu no solo bom que cumpriu as esperanças do
agricultor. Ela cresceu, não só em folhas, mas formou astes cheias de grãos e madurou num rico retorno, que
atingiu a cem por cento. Após ter contado esta parábola, Jesus acrescentou uma palavra de advertência e
exortação, que as pessoas ouvissem realmente, não só com os ouvidos do corpo mas com os ouvidos
espirituais, para conseguirem a compreensão plena da lição que lhes quis repassar.
A explicação da parábola, V. 9) E os discípulos o interrogaram dizendo: Que parábola é esta? 10)
Respondeu-lhes Jesus: A vós outros é dado conhecer os mistérios do reino de Deus; aos mais fala-se por
parábolas, para que vendo não vejam, e ouvindo não entendam. 11) Este é o sentido da parábola: A semente
é a palavra de Deus. 12) A que caiu à beira do caminho são os que a ouviram; vem a seguir o diabo e
arrebata-lhes do coração a palavra, para não suceder que, crendo, sejam salvos. 13) A que caiu sobre a
pedra são os que, ouvindo a palavra, a recebem com alegria; estes não têm raiz, crêem apenas por algum
tempo, e na hora da provação se desviam. 14) A que caiu entre espinhos são os que ouviram e, no decorrer
dos dias, foram sufocados com os cuidados, riquezas e deleites da vida; os seus frutos não chegam a
amadurecer. 15) A que caiu na boa terra são os que, tendo ouvido de bom e reto coração, retêm a palavra;
estes frutificam com perseverança. Naquele tempo os discípulos eram ainda muito pobres em conhecimento
e na compreensão espiritual. Jesus, por isso, pacientemente lhes expõe o significado da parábola, visto que a
eles foi concedido conhecer os mistérios do reino de Deus, não porque eles o merecessem ou disso fossem
dignos, também não porque por sua própria razão ou força estivessem interessados em Cristo e sua obra. No
caso dos demais, contudo, ou seja, daqueles que não queriam crer, as palavras tinham um objetivo deferente.
Vendo, não deviam ver, e ouvindo, não deviam entender. Os olhos de seus corpos podiam contemplar tudo o
que acontecia em milagres e outros acontecimentos, não, porém, iriam reconhecer o poder de Deus e que
Jesus era o Messias. Seus ouvidos podiam ouvir o som das palavras, mas o significado destas lhes
permanecia oculto. O que Isaías fora obrigado a dizer sobre o endurecimento de Israel se estava cumprindo,
Is. 6. 9-10. O juízo de Deus sobre um povo desobediente havia começado nos dias de Isaías, e se completou
nos dias de Cristo e dos apóstolos. É uma advertência séria para os todos os tempos, 2.Co. 2. 15-16; 4. 3-4. A
explicação da parábola, dada por Cristo, foi breve e simples. A semente da qual fala é a palavra. Esta deve
ser espalhada e difundida largamente, sempre de novo e com paciente empenho. A primeira classe de
ouvintes são aqueles à beira do caminho, que são só ouvintes. No caso deles, não há qualquer chance para a
palavra começar sua influência salvadora. A semente permanece do lado de fora de seus corações, e o diabo
a leva embora para que não aconteça que, crendo, sejam salvos. “É por isso que ele diz, que o diabo vem e
lhes tira a palavra do coração, para que não creiam e sejam salvos. Este poder do diabo não só significa que
lhes endurece os corações, por meio de idéias e um viver mundano, e assim perdem a palavra e a deixam
escapar, para que jamais a entendam, mas também que em lugar da palavra de Deus o diabo envia falsos
mestres que a pisoteiam com doutrinas de homens. Pois as duas coisas são afirmadas aqui, que a semente é
pisoteada no caminho e que ela é comida pelos pássaros”.54) A segunda classe de ouvintes são aqueles que
têm uma mera casquinha e um conhecimento raso de cristianismo. Com eles o “seguir uma religião” é um
mero incidente, sendo eles capazes de mudar sua confissão tão facilmente como trocam de roupa. No caso
deles, não há a idéia da instrução na doutrina. Não são solidamente firmados e arraigados nas Escrituras. Não
são decisivamente despertados enquanto dura sua religião e seu zelo não dura. Por algum tempo, que, via de
regra é breve, eles participam bem ativamente no trabalho da igreja. Mas, a seguir seu interesse voa e
desaparece, e tão depressa como, no começo, apareceu. No tempo da tentação, quando parece que há perigo
de sofrimento por causa de suas convicções, já não estão mais entre os presentes. “A segunda classe contém
aqueles que, com alegria, aceitam mas que não persistem. Estes são muitos que ouvem corretamente a
palavra e a aceitam em sua pureza, sem quaisquer seitas, sismáticos e entusiastas. Estão também estão felizes
porque podem ouvir a correta verdade e descobrem como podemos ser salvos sem obras mas por fé.
Igualmente, porque foram libertos dos grilhões da lei, da consciência e dos preceitos humanos. Mas, quando
chega a hora do combate, quando por causa disso deviam sofrer danos e desprezo, perder vida e bens, então
caem fora e negam a tudo”.55) A terceira classe inclui aqueles que também ouvem a palavra, e em cujos
corações a palavra encontra um alojamento apropriado. Mais tarde, porém, sendo dominados pelos cuidados
das riquezas e dos prazeres da vida, asfixiam, no que diz respeito à fé, e não conduzem seu fruto ao
amadurecimento. Muito apropriadamente, isto é chamado de asfixia, visto que o processo não se consuma
54
) Lutero, 11. 516.
55
) Lutero, 11. 517.
logo mas acontece aos poucos e por um longo tempo. Muito gradualmente o amor ao dinheiro e a ilusão das
riquezas entra, furtivamente, em seus corações; ou, exatamente como se fosse algo despretensioso, o gosto
dos prazeres do mundo toma posse da mente, até que, sem que o notem, a remanescente fagulha da fé se
extinguiu. “A terceira classe que ouve e aceita a palavra mas, ainda assim, cai para o lado errado, isto é, para
o prazer e despreocupação desta vida, também não produz fruto conforme a palavra. O número deste também
é muito grande. Pois, mesmo que não criem heresias, como o fazem os primeiros, mas sempre têm a pura
palavra, e que também não são atacados pelo lado esquerdo por oposição e tentação, estes caem, porém, pelo
lado direito, e sua ruína é esta, que gozam paz e dias bons. Por isso, não levam a palavra a sério, mas se
tornam despreocupados e afundam nos cuidados, nas riquezas e nos prazeres da vida, assim que já não têm
mais serventia”.56) Tão somente a última classe de ouvintes, em cujo caso a semente da palavra cai em
corações que foram corretamente preparados pela pregação da lei, é de valor no reino de Deus. Ali o pacífico
conhecimento do próprio eu é substituído pela nobreza e a generosidade da alma regenerada. A palavra que
ouviram também guardam. Permanecem seguros à glória e ao poder da palavra, e, assim, são capacitados
para produzir, com toda perseverança, o fruto que agrada plenamente a Deus.
Outros ditos parabólicos, 16) Ninguém, depois de acender uma candeia, a cobre com um vaso ou a
põe debaixo duma cama; pelo contrário, coloca-a sobre um velador, a fim de que os que entram vejam a
luz. 17) Nada há oculto, que não haja de manifestar-se, nem escondido, que não venha a ser conhecido e
revelado. 18) Vede, pois, como ouvis; porque ao que tiver, se lhe dará; e ao que não tiver, até aquilo que
julga ter lhe será tirado. Estas palavras, assim parece, foram ditos favoritos de Jesus, pois, ele as repete em
várias ocasiões, Mt. 5. 15; Mc. 4. 21; cp. 11. 33. Seria uma tolice alguém acender uma lâmpada e, a seguir,
escondê-la sob um vaso, ou colocá-la sob um cama ou um sofá, quando ela se destina a iluminar a todos que
estão na casa. Ao contrário, ela deve ser colocada num suporte, ou seja, num velador; então todos os que
entram podem enxergar a luz que cumpre o seu propósito. Da mesma forma, pessoas que aceitaram o
cristianismo em seus corações, que têm a brilhar em si a luz do evangelho, e que receberam esta luz para que
seja irradiada aos outros, não devem esconder nem a luz de sua piedade pessoal e nem a pura pregação do
evangelho, para que ninguém, nem mesmo procurando, o descubra. Sobre os cristãos do puro evangelho
repousa uma grave responsabilidade nestes últimos dias antes do fim do mundo. Pois, não há nada oculto que
não será revelado, nem há nada encoberto que não está destinado a ser conhecido e mostrado. O próprio
objetivo no ocultar algo precioso é mostrá-lo no tempo apropriado. Por isso, o cristianismo e a doutrina cristã
é um tesouro que devemos guardar com carinho para que não nos seja tomado; mas, por outro, revelamos
este tesouro em cada oportunidade e permitimos que outros participem das maravilhosas riquezas da graça e
da misericórdia de Deus em Cristo Jesus. Deste fato surge para os cristãos a necessidade de serem ouvintes
diligentes. Esta responsabilidade é, que, realmente, conheçam a luz do evangelho que é o tesouro da
salvação, e não só tenham uma vaga noção. Ao que tem um conhecimento cristão, a este o Senhor acrescenta
mais ainda. O estudo constante da palavra do evangelho enriquece ao ouvinte e leitor de um modo tal que vai
além da compreensão, até mesmo, do cristão bem fundamentado. Mas, se alguém é descuidado sobre seu
crescimento no conhecimento cristão, então, até mesmo, o pouco que, em sua tolice, acredita possuir, lhe
será tirado. Uma interrupção no crescimento na fé cristã redunda no mesmo que uma geada faz no outono: a
planta está totalmente arruinada pela ocorrência funesta.
Os verdadeiros parentes do Senhor, V. 19) Vieram ter com ele sua mãe e seus irmãos, e não podiam
aproximar-se por causa da concorrência de povo. 20) E lhe comunicaram: Tua mãe e teus irmãos estão lá
fora e querem ver-te. 21) Ele, porém, lhes respondeu: Minha mãe e meus irmãos são aqueles que ouvem a
palavra de Deus e a guardam. Lucas, na narrativa acima, combinara os discursos de duas ocasiões
diferentes. Isto explica o fato que o leva a narrar aqui o incidente sobre os parentes de Jesus. Cristo esteve
muito ocupado com seus ensinos, quando ocorreu uma interrupção. Sua mãe e seus irmãos (primos ou meio-
irmãos) haviam descido com a intenção de levá-lo embora por algum tempo, e dar-lhe umas férias muito
necessárias. Mesmo que tentassem entrar na casa, não conseguiram aproximar-se dele, por causa da grande
multidão que enchia a todos os espaços. Por isso o pedido de seus parentes foi repassado, até que,
finalmente, os mais próximos relataram a Jesus que sua mãe e seus irmãos queriam vê-lo. Hão havia dúvida,
que a intenção deles era boa, mas a sua compreensão da obra e do ministério do Salvador era muito pobre.
Por isso sua intenção, com toda a sua gentileza, foi uma intromissão injustificada nos negócios do Senhor.
Ele não saiu até eles, nem permitiu que o perturbassem. Estava nos negócios de seu Pai, e nenhuma pessoa o
56
) Lutero, 11. 518.
devia perturbar ou embaraçar na realização das tarefas que lhe haviam sido entregues por seu Pai. Notemos:
Isto nos serve de exemplo, que não desanimemos ou nos desviemos de nosso objetivo, quando nosso trabalho
diz respeito ao reino de Deus. Jesus, nesse momento, depois de ter olhado seus discípulos que estavam
sentados mais próximos dele, deu uma resposta que podia ser levada aos parentes que o esperavam: Minha
mãe e meus irmãos são estes que ouvem e cumprem a palavra de Deus. O parentesco espiritual com Cristo
por meio da fé é algo muito mais íntimo do que qualquer possível parentesco físico pudesse ser. Este é que
leva o cristão à comunhão mais íntima com seu Salvador, Jo. 15. 1-6.
V. 22) Aconteceu que, num daqueles dias, entrou ele num barco em companhia dos seus discípulos,
e disse-lhes: Passemos para a outra margem do lago; e partiram. 23) Enquanto navegavam, ele adormeceu.
E sobreveio uma tempestade de vento no lago, correndo eles o perigo de soçobrar. 24) Chegando-se a ele,
despertaram-no dizendo: Mestre, Mestre, estamos perecendo! Despertando-se Jesus, repreendeu o vento e a
fúria da água. Tudo cessou e veio a bonança. 25) Então lhes disse: Onde está a vossa fé? Eles, possuídos
de temor e admiração, diziam uns aos outros: Quem é este que até aos ventos e às ondas repreende, e lhe
obedecem? Foi no fim dum dia cheio de trabalho, que Jesus com seus discípulos embarcou num barco, e
ordenou que velejassem pelo mar para o lado oposto. Os discípulos, dos quais alguns eram exímios
navegadores, porque haviam passado grande parte de sua vida no lago, imediatamente deram partida,
dirigindo-se para o largo do lago. Jesus era um homem verdadeiro, com todas as necessidades físicas dum
homem comum. Por isso, cansado como esteve por causa do esforço de ensinar e, provavelmente, por causa
do mormaço que havia no lago, caiu num sono profundo, mesmo que a bordo não houvesse qualquer cama
confortável. De repente abateu-se sobre o lago um temporal, semelhante a um tornado, acompanhado duma
convulsão tão violenta das águas do mar, que, de todos os lados, se arremessaram sobre eles, enchendo o
barco e colocando a todos no maior perigo de suas vidas. Mas Jesus ainda dormia. As forças da natureza
estão em suas mãos. Elas podem esbravejar e ameaçar, mas não podem causar-lhe mal. Notemos: Se um
cristão tem Cristo consigo, em todo o seu agir e em todas as suas distrações, então ele está seguro apesar de
todas as ameaças dos inimigos. Nem um só cabelo de sua cabeça pode ser prejudicado, sem a vontade de seu
Senhor. Os discípulos estavam no fim de sua esperteza. Correram a ele e o acordaram com o ansioso grito,
que estavam perecendo. Ele ouviu o seu grito desvairado e lhes deu uma demonstração tão evidente da sua
força onipotente que, por causa disso, devem ter sentido ainda muito mais o tamanho de sua própria
incredulidade, e não por causa das palavras de repreensão do Senhor. Pois, ele se levantou imediatamente e
falou ameaçadoramente ao vento e aos vagalhões da água. E estes, no auge de sua fúria, se calaram. Sua fúria
insaciável foi logo substituída por uma calma total. E então veio da boca do Mestre a repreensão, censurando
a falta de fé dos discípulos. O efeito sobre os discípulos, que de suas mãos já haviam visto um bom número
de feitos miraculosos, foi muito especial. Encheram-se de temor na presença dum tal demonstração de poder
onipotente. Ao mesmo tempo admiraram-se, que aquele que, ordinariamente, aparecia um mero homem, que,
faz poucos minutos, estava deitado em profundo sono em seu meio, porque estava muito cansado, podia dar
ordens ao vento e às águas, e obter deles obediência total. Jesus, o verdadeiro homem, é, ao mesmo tempo, o
Criador onipotente do universo. Pessoas, que nele confiam, estão inteiramente seguras nos braços daquele
cuja providência governa, até mesmo, a morte dum pardal.
O endemoninhado, V. 26) Então rumaram para a terra dos gerasenos, fronteira da Galiléia. 27)
Logo ao desembarcar, veio da cidade ao seu encontro um homem possesso de demônios que, havia muito,
não se vestia, nem habitava em casa alguma, porém vivia nos sepulcros. 28) E quando viu a Jesus, prostrou-
se diante dele, exclamando, e disse em alta voz: Que tenho eu contigo, Jesus, Filho do Deus Altíssimo?
Rogo-te que não me atormentes. 29) Porque Jesus ordenara ao espírito imundo que saísse do homem, pois
muitas vezes se apoderara dele. E, embora procurassem conservá-lo preso com cadeias e grilhões, tudo
despedaçava e era impelido pelos demônios para o deserto. Cf. Mt. 8. 28-34; Mc. 5. 1-20. A descrição feita
por Lucas é pitoresca: Velejaram do alto mar rumo à terra firme. Já não havia mais o menor indício da
recente tempestade, e não tiveram dificuldade para se aproximar da costa. A região onde desembarcaram,
pertencia a uma faixa de Gaulanites, que, às vezes, era chamada a terra dos gadarenos ou dos gerasenos,
sendo Gadara uma cidade que ficava mais no interior e Gerasa ou Gergesa mais próximo do Mar da Galiléia.
A faixa de terra onde os discípulos lançaram âncora era relativamente selvagem e desabitada, sendo a parte
montanhosa bem a leste do lago e oposto à Galiléia. Logo que Jesus esteve em terra firme e teve a intenção
de se dirigir à cidade que não ficava longe, vieram em sua direção dois endemoninhados, sendo que Lucas
fala do mais furioso deles. A casa deste infeliz ficava na cidade, mas ele, presentemente, não vivia nela,
porque estava possesso de demônios que o atormentavam de diversas formas. O poder deles sobre ele era tal,
que ele perdeu qualquer senso de vergonha, visto que por longo tempo não usava roupas. Também não queria
ficar em casa, mas preferia viver nos túmulos abertos nas rochas costeiras do lago. Havia perdido quase
todos os atributos humanos, mas, por sua aparência e seus hábitos, antes se assemelhava a uma besta
selvagem. Porém, logo que viu a Jesus, começou a gritar alto e se atirou aos seus pés e pediu em alta voz que
Jesus não o atormentasse. Era a voz de um dos demônios que falava. O demônio sabe quem é Jesus de
Nazaré, e disso sempre teve noção durante a vida terrena de Jesus, e tentou tudo que estava ao alcance do seu
poder, para frustrar a obra do Senhor. Se Cristo tivesse sido mero homem, o diabo o teria vencido facilmente.
Todavia, ele era o Filho do Deus Altíssimo, e, por isso mesmo, ele era verdadeiro Deus desde a
eternidade. Ele, quando assim o queria, tinha o poder de, a qualquer momento, deixar vir o último e terrível
juízo sobre os demônios, para amarrar e retê-los no abismo das trevas. O diabo e seus anjos já foram
condenados por Deus, e estão reservados em cadeias eternas sob trevas para o juízo do Grande Dia, Jd. 6. O
próprio fato, que já estão excluídos da beatitude do céu, já lhes é uma espécie de tortura infernal. Enquanto
isso, contudo, e especialmente nos últimos dias do mundo, o diabo é solto por algum tempo, Ap. 20. 3. O
diabo e seus demônios, até o último dia, ainda têm permissão de andar sobre a terra para atormentar as
criaturas de Deus. Mas suas cadeias já foram lançadas sobre eles. No dia do juízo final eles irão à prisão
eterna e sofrerão as torturas do fogo que já está preparado para o diabo e seus anjos, Mt. 25. 41.P grito de
medo foi porque Jesus estava prestes a ordenar (conativo imperfeito), que o espírito imundo saísse do
homem. A perturbação não era permanente continuamente de natureza violenta, mas, antes, tomava conta de
sua vítima com fortes acessos não contínuos de loucura, seguidos por intervalos de relativa calma e
sensibilidade. Mas, quando os demônios, com suas poderosas garras, se apoderavam dele, eram infrutíferos
quaisquer esforços para mantê-lo sob segurança. Muitas pessoas haviam tentado conservá-lo sob sujeição,
amarrando-o com grilhões e correntes em mãos e pés, mas estes eram semelhantes a tiras de gaze nas mãos
do endemoninhado. Nestas ocasiões a miserável vítima era impelida aos desertos, e ninguém a podia deter.
A cura, V. 30) Perguntou-lhe Jesus: Qual é o teu nome? Respondeu ele: Legião, porque tinham
entrado nele muitos demônios. 31) Rogavam-lhe que não os mandasse sair para o abismo. 32) Ora, andava
ali, pastando no monte, uma grande manada de porcos; rogaram-lhe que lhes permitisse entrar naqueles
porcos. E Jesus o permitiu. 33) Tendo os demônios saído do homem, entraram nos porcos, e a manada
precipitou-se despenhadeiro abaixo, para dentro do lago, e se afogou. Visto parecer que o homem tinha um
momento de racionalidade, Jesus lhe perguntou pelo nome. O pobre homem, sendo vítima, não só de um ou
alguns demônios, respondeu, conseqüentemente, que seu nome era legião, porque milhares de demônios
haviam tomado posse dele. Mas os diabos estavam aumentando em rebeldia, porque sabiam que o tempo, de
que dispunham para atormentar ao homem, estava no fim. E assim rogaram a Cristo que não os entregasse ao
abismo da prisão do inferno. Havia, porém, um rebanho de muitos porcos pastando na ladeira do monte, e
não longe do lugar onde Jesus desembarcara, e os demônios pediram com insistência que Cristo lhes
permitisse entrar nestas bestas mudas. Quando Jesus o concedeu, os diabos tomaram posse dos porcos. E as
bestas, tomadas dum súbito espasmo de pavor, correram pelo precipício que havia acima do lago, saltaram
nas ondas abaixo e se afogaram na água. Notemos: O diabo é um assassino desde o começo. Quando não
consegue destruir as almas das pessoas, tenta causar mal a seus corpos, e quando isto lhe é negado, ele esfria
seu ódio nos animais mudos. Seu único desejo é arruinar as obras de Deus. Contudo, só o consegue quando
Deus o permite. A razão que Deus permite isso é um grande mistério. Porém, em geral, pode ser dito, que,
mesmo estas visitações, pelas quais o diabo opera o mal contra nós, são visitações paternas de Deus, por
meio das quais ele deseja corrigir-nos e nos chamar ao arrependimento.
As conseqüências, 34) Os porqueiros, vendo o que acontecera, fugiram e foram anunciá-lo na
cidade e pelos campos. 35) Então saiu o povo para ver o que se passara, e foram ter com Jesus. De fato
acharam o homem de quem saíram os demônios, vestido, em perfeito juízo, assentado aos pés de Jesus; e
ficaram dominados de terror. 36) E algumas pessoas que tinham presenciado os fatos contaram-lhes
também como fora salvo o endemoninhado. 37) Todo o povo da circunvizinhança dos gerasenos, rogou-lhe
que se retirasse deles, pois estavam possuídos de grande medo. E Jesus, tomando de novo o barco, voltou.
38) O homem de quem tinham saído os demônios, rogou-lhe que o deixasse estar com ele; Jesus, porém, o
despediu, dizendo: 39) Volta para casa e conta aos teus tudo o que Deus fez por ti. Então foi ele anunciando
por toda a cidade todas as coisas que Jesus lhe tinha feito. Os guardadores dos porcos foram tomados de
surpresa por esta estranha ação dos animais que lhes haviam sido confiados. Quando esta coisa sobrenatural
aconteceu diante deles, fugiram e trouxeram a notícia ao povo da região, tanto na cidade como na região ao
redor, onde quer que morava algum dos donos dos porcos afogados. Sabiam ou sentiam que devia haver
alguma ligação entre a vinda de Jesus e o seu falar ao endemoninhado e o infortúnio que se abatera sobre
toda esta zona rural. E as pessoas, sem dúvida com algum ressentimento, foram ao lugar para ver o que
acontecera. Vieram a Jesus, não de ânimo gentil e receptivo, mas agressivo. Encontraram muitas coisas que
os deviam ter feito pensar e louvar a Deus. Aquele homem que, anteriormente, corria sem descanso pela
região, estava agora calmo sentado aos pés de Jesus. O que, anteriormente, fora afligido pelos demônios,
agora estava livre deste tormento. O que antes desprezava vergonha e vestes, estava totalmente vestido. O
que fora um maníaco furioso, estava nas plenas posses da razão, do pensamento e da fala. O sentimento da
presença do sobrenatural tomou conta de todos eles, e se encheram de medo. Não aprenderam a lição que se
desenvolveu diante deles, e não reconheceram que esta lhes era uma ocasião de graciosa visitação. Também
não entenderam, quando aqueles que estiveram presente, lhes contaram como o endemoninhado fora liberto
de sua situação terrível. Ao contrário, o fato lhes aumentou o medo supersticioso, estando eles tomados de
grande medo e horror. E a região agrícola toda, como se fosse um só homem, se ergueu e implorou a Jesus
que deixasse sua encosta. Aos olhos deles, seus porcos excediam tanto o valor do antigo endemoninhado,
como o do Profeta de sua salvação. Notemos: Mesmo hoje há muitas pessoas que desprezam a Jesus, o
Salvador de suas almas, e sua santa palavra, por causa de alguma insignificante propriedade terrena. As
pessoas agem como se, depois que seu tesouro se tornou suficientemente grande para a sua ganância, sempre
houvesse fartura de tempo para se preparar para a morte e para crer em Jesus, esquecendo, enquanto isto, que
o tempo da graça poderá jamais retornar.
Jesus obedeceu ao seu pedido, visto que, sob estas circunstâncias, lhe teria sido uma loucura
permanecer na região. Entrou no barco e retornou para a Galiléia. Mas, quando o homem curado lhe pediu
para acompanhá-lo e ser um dos seus discípulos que sempre estavam com Jesus, ele negou o pedido. O
Senhor queria um testemunho da sua excelência nestas regiões. Este homem seria seu melhor substituto,
porque não quiseram a ele, pois falaria de experiência e convicção pessoais. Foi bom ao homem voltar para
sua casa e ao seu povo, e lhes contar tudo quanto lhe acontecera pela misericórdia de Deus. O homem,
seguindo a ordem de Cristo, prontamente se tornou um missionário na cidade e na região, proclamando o que
Jesus lhe fizera. Sua fé não lhe permitiu guardar silêncio; mas precisou proclamar os grandes feitos de Deus.
Cada cristão recebeu em e por meio de Cristo muitos dons maravilhosos de Deus, contudo, por acaso, não no
corpo mas na alma. E compete a cada um que ama ao Senhor Jesus, proclamar os grandes feitos que Deus fez
por ele, no ambiente em que acontece sua influência pessoal.
O pedido de Jairo, V. 40) Ao regressar Jesus, a multidão o recebeu com alegria, porque todos o
estavam esperando. 41) Eis que veio um homem chamado Jairo, que era chefe da sinagoga, e, prostrando-se
aos pés de Jesus, lhe suplicou que chegasse até a sua casa. 42) Pois tinha uma filha única de uns doze anos,
que estava à morte. Enquanto ele ia, as multidões o apertavam.Aparentemente o retorno de Cristo para a
Galiléia foi saudado com alegria pela maioria das pessoas, mesmo que os escribas e fariseus fossem
novamente um espinho na carne, Mt. 9. 18. Estivessem ou não esperando que o Senhor fosse voltar tão
depressa, fato foi que estiveram desejosos para vê-lo. Suas idéias estavam voltadas para ele, principalmente,
por causa das recentes curas, pois, foram bem poucos os que perceberam seu verdadeiro ofício. Suas
esperanças carnais sobre um messias com um reino terreno ainda dominava em seus corações. Agora, porém,
um homem de nome Jairo, um ancião da sinagoga local, veio, muito aflito, a ele. Caindo aos pés de Jesus,
pediu-lhe, de modo muito sincero, que fosse à sua casa, visto que sua filha única, de uns doze anos, estava à
morte. Sim, como relata Mateus, no momento já podia estar falecida. Lucas acrescenta que, quando Jesus se
voltou para ir, a grande multidão se aglomerava tanto que o sufocava.
A mulher doente, 43) Certa mulher que, havia doze anos, vinha sofrendo de uma hemorragia, e a
quem ninguém tinha podido curar e que gastara com os médicos todos os seus haveres, 44) veio por trás
dele e lhe tocou na orla da veste, e logo se lhe estancou a hemorragia. 45) Mas Jesus disse: Quem me
tocou? Como todos negassem, Pedro com seus companheiros disse: Mestre, as multidões te partam e te
oprimem e dizes: Quem me tocou? 46) Contudo, Jesus insistiu: Alguém me tocou, porque senti que de mim
saiu poder. 47) Vendo a mulher que não podia ocultar-se, aproximou-se trêmula e, prostrando-se diante
dele, declarou, à vista de todo o povo, a causa por que lhe havia tocado e como imediatamente fora curada.
48) Então lhe disse: Filha, a tua fé te salvou; vai-te em paz. Esta aglomeração da multidão, que Lucas
enfatiza tão fortemente, foi aproveitada por uma certa mulher. Ela estava doente dum fluxo de sangue,
estando já por doze anos envolta nesta miséria. Este problema a tornara leviticamente impura, Lv. 15. 25-30,
e a privava de muitos direitos e privilégios dos outros membros da congregação. Fizera todos os esforços
para ser curada, ao ponto de ter entregue aos médicos, em gastos com eles, toda sua subsistência e todos os
seus recursos. Ainda assim, porém, como o médico Lucas escreve, ela não pôde ser curada por qualquer um
deles. Um quadro exato da miséria e do desamparo humanos! Esta mulher, vindo por trás entre a multidão,
tocou na orla ou borda do manto de Cristo, que, segundo o costume judeu, ele usava. Este não foi um ato
supersticioso, mas de fé. Foi sua humilde sensibilidade que a impediram de tornar pública sua condição. E
sua fé foi recompensada: o fluxo foi imediatamente estancado, e a cura foi completa. Jesus, que, como está
claro, esteve perfeitamente a par de todo o incidente, resolveu pôr a mulher a prova. Voltando-se, perguntou
por quem o havia tocado. A observação foi dirigida, primeiro, aos discípulos, mas eles e os demais perto
dele, negaram qualquer esbarro deliberado. E Pedro, num segundo momento, agindo como porta-voz dos
demais, lembrou ao Senhor que ele estava cercado e apertado pela multidão por todos os lados, sendo, por
isso, estranha sua pergunta. Jesus, contudo, com seu objetivo em mente, insistiu que alguém, de modo
proposital e intencional, o tocara. Foi então que a mulher viu que seu segredo já não era segredo ante Cristo,
e, por isso, veio e confessou tudo completamente. De coração feliz ela se demorou no fato de ter sido curada
imediatamente, ou seja, tão logo que dele saíra poder, ou, como ele próprio disse, quando o poder divino e
milagroso fora concedido por Jesus como galardão à sua fé. A isso Jesus, de modo muito terno e solidário,
acrescentou mais certeza, de que sua fé lhe havia trazido o dom sem preço da saúde. Ele se agrada realmente
em recomendar muito repetidamente as qualidades da fé, pelas quais é possível acontecerem coisas tão
grandes. Sua saúde foi um galardão gracioso pela firmeza de sua confiança. Não devia temer ou se sentir
irrequieta em sua mente sobre o incidente, mas seguir em paz para sua casa. Notemos: Também em nossos
dias uma fé, como esta, é necessária na igreja e em seus membros individuais. Há excessiva mesmice
estereotipada nas vidas dos membros da igreja, quando andam meramente num caminho cristão bem fácil.
Vitórias na fé não são muito freqüentes em nossos dias, porque a fé vencedora está ausente.
A ressurreição da filha de Jairo, V. 49) Falava ele ainda, quando vem uma pessoa da casa do chefe
da sinagoga, dizendo: Tua filha já está morta, não incomodes mais o Mestre. 50) Mas Jesus, ouvindo isto,
lhe disse: Não temas, crê somente, e ela será salva. 51) Tendo chegado à casa, a ninguém permitiu que
entrasse com ele, senão Pedro, João, Tiago e bem assim o pai e a mãe da menina. 52) E todos choravam e a
pranteavam. Mas ele disse: Não choreis; ela não está morta, mas dorme. 53) E riam-se dele, porque sabiam
que ela estava morta. 54) Entretanto ele, tomando-a pela mão, disse-lhe, em voz alta: Menina, levanta-te.
55) Voltou-lhe o espírito, ela imediatamente se levantou, e ele mandou que lhe dessem de comer. 56) Seus
pais ficaram maravilhados, mas ele lhes advertiu que a ninguém contassem o que havia acontecido. O caso
da mulher deteve Jesus por algum tempo, e isto esteve completamente de acordo com seus planos. Pois, neste
momento, veio um dos servos do chefe da sinagoga e contou a Jairo que sua filha já morrera, acrescentando
que já não mais aborrecesse ao Mestre, ou de modo nenhum o enfadasse mais. Era tarde para qualquer ajuda.
Jesus, porém, queria fortalecer a fé do perturbado pai, por isso, calmamente lhe disse: Não temas, crê
somente. Incredulidade, desconfiança e medo são inimigos da fé. Pois, fé requer uma confiança de coração
inteiro, de toda alma e de toda a mente. Mesmo quando o último suspiro foi exalado e um de nossos queridos
jaz rijo na morte, mesmo então a confiança não deve ser desprezada. Fé vai mais longe do que a sepultura.
Na casa de Jairo tudo era comoção. As carpideiras oficiais já haviam chegado, e com seu barulho, seu choro
lamentoso, estavam fazendo com que o dia fosse nefando. E, quando Jesus, terminantemente, lhes pediu
calar seus lamentos, em escárnio lhe revidaram, sabendo que a menina realmente morrera. Jesus, porém,
limpou a casa, levando consigo só os pais e três de seus discípulos para o quarto onde estava a menina morta.
Tomou sua mão, dizendo ao mesmo tempo, em aramaico: Menina, levanta-te. E no mesmo momento seu
espírito, que deixara seu corpo, retornou a ela. Ela imediatamente foi capaz de se erguer. Foi restabelecida à
plena saúde. Precisava de alimento, porque, provavelmente e por algum tempo, ficara sem ele durante sua
doença. E foi capaz de aceitá-lo. Os pais estavam extremamente maravilhados diante do milagre que fora
realizado diante deles na filha querida. Cristo, contudo, manteve a calma, requerendo-lhes meramente a
necessidade de manterem o caso com eles. Não queria propaganda deste milagre, ao menos, não no
momento. Jesus de Nazaré tem vida em si mesmo e a da a quem lhe apraz. Com sua voz humana chamou esta
menina da morte de volta para a vida. Por isso temos em Jesus, o Salvador, um Senhor que pode e de fato
liberta da morte. Quando Cristo, a nossa Vida, será revelado naquele Grande Dia, então, por sua voz
onipotente, chamará a nós e a todos os mortos para fora das sepulturas, e dará a todos os fiéis a vida gloriosa
e eterna.
Resumo: Jesus, continuando seu ministério na Galiléia, ensina em parábolas, acalma a tempestade
no mar, sara um endemoninhado no território dos gadarenos, cura uma mulher com um fluxo e ressuscita a
filha de Jairo.