Nocoes-Oceanografia Ebook Livro
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OCEANOGRAFIA
Joseph Harari
ORGANIZADOR
Instituto Oceanográfico
UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO
2021
NOÇÕES DE
OCEANOGRAFIA
REALIZAÇÃO APOIO
UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO
Reitor
Vahan Agopyan
Vice-Reitor
Antonio Carlos Hernandes
INSTITUTO OCEANOGRÁFICO
Diretora
Elisabete de Santis Braga
Vice-Diretor
Paulo Yukio Gomes Sumida
Joseph Harari
(ORGANIZADOR)
1º EDIÇÃO
SÃO PAULO
IOUSP
2021
© 2021 - Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo
Este livro foi um dos projetos contemplados no 6º Edital Santander/USP/FUSP de Fomento às Iniciativas
de Cultura e Extensão (2021), contando com o apoio da Pró-Reitoria de Cultura e Extensão Universitária
da USP em parceria com a Fundação de Apoio à Universidade de São Paulo e com o Banco Santander.
ORGANIZADOR
Joseph Harari
EDITORES ASSOCIADOS
Alexander Turra
Camila Negrão Signori
Flavia Saldanha-Corrêa
Luigi Jovane
Luiz Vianna Nonnato
Marcos César de Oliveira Santos
Rosalinda Carmela Montone
Sergio Teixeira de Castro
Sueli Susana de Godoi
Vicente Gomes
EDITORAÇÃO E DIAGRAMAÇÃO
CAPA
Navio Oceanográfico Alpha Crucis (IOUSP)
Foto: Leandro Inoe Coelho
APRESENTAÇÃO
por Joseph Harari (organizador)
Prezados leitores,
Este livro foi concebido a partir do Curso de Difusão Cultural Noções de Oceanografia, ministrado
semestralmente desde 1993, por docentes, pós-graduandos, pós-doutorandos e técnicos do Instituto Oceanográfico
da Universidade de São Paulo (IOUSP), de forma voluntária, nas manhãs de domingo. Mesmo durante a
pandemia o curso foi mantido e ministrado por via remota de modo que, em 2021, foi ultrapassada a marca
de 10.000 alunos participantes, com um público abrangendo desde alunos do ensino médio até profissionais de
diversas áreas, relacionadas ou não às ciências marinhas.
O curso visa a divulgação da Oceanografia, contemplando suas grandes áreas: Física, Química,
Geológica e Biológica, além de tratar sobre Instrumentação Oceanográfica e as atividades do Museu do IOUSP;
o propósito do curso tem sido muito bem cumprido ao longo de todos esses anos. Contudo, havia a necessidade
crescente de fornecer aos alunos um material com conteúdo mais amplo e detalhado, do que o oferecido nas aulas
e apostilas do curso.
Após esforços consideráveis ao longo de vários anos e a participação de mais de 70 profissionais do IOUSP,
que se empenharam com esforço e entusiasmo, a composição deste e-book foi finalizada, e ele poderá ser acessado
gratuitamente no site do IOUSP.
O livro contempla 37 capítulos, totalizando mais de 900 páginas, distribuídos em: Histórico da
Oceanografia, Oceanografia Geológica, Oceanografia Física, Oceanografia Química, Oceanografia Biológica,
Oceanografia na Prática e o Profissional Oceanógrafo. Portanto, o livro aborda praticamente todos os temas mais
importantes da Oceanografia moderna, com a finalidade de possibilitar a apreciação de um grande número de
áreas de atuação desta ciência. Os leitores encontrarão textos muito bem elaborados e ilustrados sobre o início e o
desenvolvimento da Ciência Oceanográfica, a composição do interior da Terra, o relevo oceânico, sedimentos no
assoalho marinho, Geofísica marinha, a dinâmica de fluidos e a circulação marinha, ondas e marés, características
físicas do Oceano Austral, a composição da água do mar, a poluição orgânica e por metais, a bioluminescência
marinha, a vida no mar, seus habitantes e ecossistemas, o perfil e a atuação do oceanógrafo, dentre outros.
Neste ano de lançamento do livro, o IOUSP está completando 75 anos – "Jubileu de Brilhante". Outro
marco importante é a "Década das Nações Unidas de Ciência Oceânica para o Desenvolvimento Sustentável",
também conhecida como Década do Oceano, declarada pelas Nações Unidas em 2017, que está em curso entre
2021 e 2030. O lançamento deste livro, durante essas comemorações de suma relevância, há de contribuir para
difundir e complementar o conhecimento acadêmico / científico / social em Oceanografia.
Os autores dos capítulos, editores e o Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo se sentem
extremamente honrados por vosso interesse na Oceanografia e neste livro. Em nome de todos, recebam os nossos
melhores votos da mais elevada estima e consideração.
Joseph Harari
(Organizador)
PREFÁCIO
por Moysés Gonsalez Tessler
Os oceanos, em função das suas dimensões geográficas, da complexidade dos seus subambientes e da
grande diversidade de aspectos ambientais relacionados às ciências da Terra e da Vida, ainda representam
um grande desafio ao conhecimento humano.
Um oceanógrafo, o profissional que se dedica aos estudos do meio marinho, não corresponde a um
pesquisador conhecedor de todos os aspectos relacionados à composição e movimentos da matriz água, das
características geológicas e geomorfológica dos fundos dos atuais oceanos, matriz rocha, ou das interações
da atmosfera, matriz ar, com a superfície líquida da superfície dos oceanos. Porém, na impossibilidade de
abranger todo o conhecimento relativo a essas matrizes, e a eles agregar o conhecimento da matriz vida,
o oceanógrafo se estabelece como um pesquisador que acrescenta uma parte significativa dos conhecimentos
do meio marinho, mas tem seu foco centrado na descrição e compreensão dos processos de interação do meio.
O entendimento destes mecanismos de interação entre o substrato, a água, o ar, que suportam a estratificação
de uma vida muito específica, é que diferencia o profissional deste ambiente dos demais profissionais dedicados
a compreender os processos ambientais dominantes da superfície do planeta. As dinâmicas dos processos do meio
marinho, com especificidades distintas de todos os demais ambientes da superfície terrestre, se constituem no
objeto de estudo do profissional oceanógrafo.
Quando relacionamos a idade do nosso planeta, de aproximadamente 4,6 bilhões de anos, com a
idade de formação dos atuais oceanos, de cerca de 200 milhões de anos, nos damos conta das amplitudes
das escalas espaciais e temporais que ao longo do tempo geológico vêm moldando as configurações entre os
continentes e os antigos e o atual oceano.
A formação dos atuais oceanos, que em suas bacias contém a quase totalidade das águas marinhas,
associados a todos os processos de preenchimento sedimentar destas áreas rebaixadas da superfície do planeta,
preservam não apenas a história evolutiva da vida ao longo deste período, mas também se constituem em
elemento-chave para compreensão de toda a variação climática ocorrida ao longo das últimas centenas de
milhares de anos do planeta.Desta forma, a parte do conhecimento dos oceanos designada como Oceanografia
Geológica engloba o conhecimento dos processos de formação e evolução dos atuais oceanos, as inter-relações
do solo marinho com os continentes, com as águas marinhas e com a vida que, juntos, se constituem no maior
ambiente da superfície do planeta Terra.
O conteúdo de Oceanografia Geológica apresentado neste livro está individualizado em duas vertentes
que se complementam. A primeira abrange os conhecimentos básicos sobre a estrutura interna do planeta e
a configuração geográfica dos atuais fundos marinhos (Relevo Oceânico). A partir desta introdução estão
descritas as formas e as composições dos sedimentos que preenchem as bacias oceânicas desde sua base, assoalho
oceânico, até a superfície dos atuais fundos marinhos (Sedimentos do Assoalho Oceânico).
Porém, mesmo esses avanços ainda representam um conhecimento bastante limitado no que se refere
à distribuição espacial dos sedimentos que recobrem todas as extensas bacias oceânicas. O conhecimento mais
detalhado da distribuição espacial e temporal destes sedimentos (Metodologia em Geofísica Marinha), é
obtida através do emprego das investigações indiretas que, a partir do conhecimento do padrão de respostas
do meio ao emprego de ondas induzidas, métodos geofísicos, possibilitam a caracterização da distribuição
vertical das colunas sedimentares dos fundos marinhos.
Por fim, compreender os conceitos básicos de um ambiente amplo e multidisciplinar, abordado como
um todo, ou segmentado em um dos seus muitos campos do conhecimento, permite visualizar os caminhos
da evolução do nosso planeta e, principalmente, o significado da vida em relação a todos os ambientes
terrestres. Este e-book, que aborda os principais subtemas da Oceanografia, abrangendo das suas origens ao
estágio atual, permitirá ao leitor entender os ciclos dos oceanos nas suas diferentes configurações geográficas,
assumidas ao longo da história do planeta Terra.
O leitor, seja um iniciante no tema, ou alguém que busca respostas para dúvidas mais específicas,
encontrará neste texto, indicativos seguros, baseado nos conhecimentos científicos mais recentes, do papel e da
importância dos oceanos para a compreensão das questões ambientais que a humanidade enfrenta neste século.
Os oceanos e mares cobrem 71% da superfície do planeta, um dado que, por si só, demonstra a
importância da Oceanografia. O desenvolvimento da Oceanografia como ciência tem possibilitado a obtenção
de alimentos, a partir da pesca e da maricultura, a extração de recursos minerais e energia, o controle da
poluição marítima, a manutenção da estabilidade de áreas costeiras, o monitoramento e a previsão de
ressacas e eventos extremos, entre outros.
Na área de Oceanografia Física, o livro aborda os conceitos básicos de caracterização das massas de
água no oceano, a descrição dos sistemas de circulação, a dinâmica oceânica enfocando o oceano como fluido
geofísico, a análise de ondas e marés – até a descrição de processos físicos e hidrodinâmicos nas divisões
clássicas consideradas, quais sejam: as regiões costeiras e estuarinas, a plataforma continental, o oceano
profundo e a Antártica.
A Oceanografia Química estuda os constituintes químicos presentes no ambiente marinho, com objetivo
de entender suas fontes naturais ou introduzidas pela atividade humana e suas interações neste ambiente.
Neste sentido, é uma ciência experimental, que tem como base o conhecimento das distribuições e dinâmicas
destes constituintes no oceano, tanto em escalas espaciais como temporais, através do estudo de suas propriedades
físico-químicas e de suas interações com processos físicos, biológicos e geológicos. Além disso, estes estudos incluem
importantes interações de constituintes químicos nas interfaces oceano-atmosfera e oceano-continente.
A partir desta introdução, são desenvolvidos alguns tópicos relevantes desta área de estudo, apresentando
tanto processos químicos oceânicos naturais (Carbono Orgânico e Matéria Orgânica na Coluna de Água
nos Oceanos e Bioluminescência Marinha), como aqueles relativos a interação do oceano com atividades
antropogênicas (Poluição Orgânica Marinha e Poluição por Metais e Elementos Radioativos).
O segundo capítulo foca na composição da matéria orgânica e nos reservatórios e estoques de carbono na
Terra, apresentando especial destaque na origem, composição, formas particuladas e dissolvidas e na estocagem
e transporte de carbono orgânico na coluna d’água oceânica.
Nos dois capítulos subsequentes, são abordados efeitos conhecidos da interferência humana no planeta
e nos oceanos, através da discussão de poluentes orgânicos (esgotos domésticos, petróleo e derivados, poluentes
orgânicos persistentes e plásticos), metais e elementos radioativos. Estes poluentes marinhos são tratados sob
a perspectiva de suas composições, fontes, transportes e de seus efeitos deletérios no ambiente marinho. Por
diferentes mecanismos atuam nas alterações da composição química da coluna d’água, dos sedimentos marinhos
e no crescimento, reprodução e sobrevivência de diversos organismos, entre eles, de espécies de importância
econômica e social, comprometendo os serviços ambientais, a saúde e o modo de vida das comunidades litorâneas.
Em tempos de distanciamento social como este em que vivemos, o livro se torna cada vez mais
companheiro do cotidiano, especialmente o livro digital, que é inclusivo e abrangente, ao aliar público
diverso em uma multiplicidade de ocasiões e situações particulares. E se o tema descortina um mundo
complexo, dinâmico, interativo e surpreendente, melhor ainda!
Se você está aqui é porque gosta do oceano e vai, então, se encantar com o conhecimento que irá
adquirir ao ler este "Noções de Oceanograf ia". Por que Noções, você se perguntará, e eu lhe respondo que
a Oceanograf ia é uma ciência tão ampla e interdisciplinar, que precisamos de um curso inteiro, de vários
anos, para nos aprofundarmos nesse conhecimento. Em "Noções de Oceanograf ia", são apresentados os
fundamentos dessa ciência dentro dos vários ramos principais que a compõem, de uma forma interessante
e didática, de modo que você se sentirá levado para dentro do oceano, entendendo quando, onde, como e
porquê as coisas aí acontecem.
O primeiro é um assunto tratado ao longo do livro, e o segundo com ênfase no capítulo sobre Ecologia
do Bentos, onde são usadas a física, a química e a sedimentologia para explicar o porquê da existência
de diferentes áreas de deposição de sedimentos e como são colonizados os diversos ecossistemas bentônicos
tratados, tais como praias, estuários e recifes de coral.
O capítulo final é dedicado ao ecossistema antártico marinho, devido à sua peculiaridade em ser
coberto pelo gelo durante grande parte do ano. Nele, plantas e animais estão submetidos às consequências
metabólicas das baixas temperaturas e, com isso, a estrutura e funcionamento desse sistema polar, em muitos
aspectos, se diferencia dos tropicais e subtropicais, dominantes nos oceanos.
O conhecimento oferecido pelo conjunto de capítulos do livro compreende os princípios básicos da
Oceanografia e é o ponto de partida para estudos mais avançados e profundos. Tenho a certeza de que este
e-book, de fácil acesso, com conteúdo científico sólido, atraente e bem ilustrado, despertará muitas vocações
para os estudos oceanográficos.
Em pleno século XXI, cada vez mais precisamos de, ao invés de dar o peixe, ensinarmos a pescar. Esse
procedimento confere autonomia para a resolução de problemas, dentre os quais se destacam os ambientais
no oceano, que não são e não serão poucos, começando pelo aquecimento global e passando pela poluição
crescente dos nossos mares.
Vejo o livro Noções de Oceanograf ia como um incentivo ao despertar do saber. Sendo fonte sólida
e atualizada, será um importante meio de difusão da Ciência para a sociedade em geral, contribuindo
para o alcance da meta de que tenhamos a "Ciência que precisamos para o oceano que queremos", tema da
Década das Nações Unidas da Ciência Oceânica para o Desenvolvimento Sustentável (2021-2030), e
também para que cresça a conscientização da sociedade sobre o papel que cada um desempenha neste nosso
mundo globalizado.
INTRODUÇÃO
1. Histórico da Oceanografia 21
Elisabete de Santis Braga, Joseph Harari, Leandro Inoe Coelho & Flávia Saldanha-Corrêa
OCEANOGRAFIA GEOLÓGICA
2. Investigando o Planeta Terra 55
Luigi Jovane
3. O Relevo Oceânico 71
Gabriel Tagliaro & Luigi Jovane
4. Sedimentos do Assoalho Oceânico 87
Cintia Yamashita, Ana Cláudia Santarosa, Fabiane Sayuri Iwai & Silvia Helena de Mello e Sousa
5. Metodologias em Geofísica Marinha 107
Daniel Pavani Vicente Alves & Luigi Jovane
6. Metodologias em Testemunhos Marinhos 127
Luigi Jovane
OCEANOGRAFIA FÍSICA
7. Circulação e Massas d'Água 147
Joseph Harari
8. Dinâmica Oceânica: o Oceano como Fluido Geofísico 169
Sueli Susana de Godoi, Ilson Carlos Almeida da Silveira & Luiz Bruner de Miranda
9. Oceanografia Física Costeira e Estuarina 205
Joseph Harari & Sueli Susana de Godoi
10. Circulação na Plataforma Continental 227
Marcelo Dottori & Belmiro Mendes de Castro Filho
11. Circulação Oceânica em Grande Escala e as Mudanças Climáticas 239
Edmo José Dias Campos
12. Ondas no Mar 255
Sueli Susana de Godoi & Joseph Harari
13. Marés e Nível Médio do Mar 277
Joseph Harari, Afrânio Rubens de Mesquita & Ricardo de Camargo
14. O Oceano Austral e o Clima 299
Marcos Tonelli, Ilana Wainer & Natália Silva
OCEANOGRAFIA QUÍMICA
15. Composição Química da Água do Mar 313
Elisabete de Santis Braga
16. Carbono Orgânico e Matéria Orgânica na Coluna de Água nos Oceanos 345
Rafael André Lourenço & Márcia Caruso Bícego
17. Poluição Orgânica Marinha 357
Rosalinda Carmela Montone, Márcia Caruso Bícego & Rafael André Lourenço
18. Poluição por Metais e Elementos Radioativos 381
Bianca Sung Mi Kim, Tailisi Hoppe Trevizani, Paulo Alves de Lima Ferreira & Rubens Cesar Lopes Figueira
19. Bioluminescência Marinha 403
Gabriela Verruck de Moraes & Anderson Garbuglio de Oliveira
OCEANOGRAFIA BIOLÓGICA
20. A Vida no Mar 427
Vicente Gomes & Flávia Saldanha-Corrêa
21. Plâncton Marinho 449
Flávia Sandanha-Corrêa & Sônia Maria Flores Gianesella
22. Oceanografia Microbiana 473
Camila Negrão Signori & Vivian Helena Pellizari
23. Biologia e Ecologia do Ictioplâncton Marinho 491
Mario Katsuragawa, Cláudia Namiki, Maria de Lourdes Zani-Teixeira & Tulia Martinez
24. Diversidade de Peixes Marinhos 521
Marcelo Roberto Souto de Melo & Amanda Alves Gomes
25. Ecologia de Peixes Marinhos 545
June Ferraz Dias, Francesco Silveira Machado Chioatto, Giovana de Assis Garcia, Leandro Fernandes Patrício,
Maria Luiza Flaquer da Rocha, Maria Luiza Leal-de-Paula, Natasha Travenisk Hoff, Renata Ramos Gomes
& Thamíris Christina Karlovic de Abreu
26. Tartarugas Marinhas 573
Marcos César de Oliveira Santos
27. Aves Marinhas 601
Marcos César de Oliveira Santos
28. Mamíferos Marinhos 627
Marcos César de Oliveira Santos
29. Ecologia do Bentos Marinho 649
Thaïs Navajas Corbisier, Márcia Regina Denadai, Tito Monteiro da Cruz Lotufo & Alexander Turra
30. Manguezal: Ecossistema entre a Terra e o Mar 683
Yara Schaeffer-Novelli, Guilherme Moraes de Oliveira Abuchahla & Clemente Coelho-Jr.
31. Ecossistema Marinho Antártico 705
Paulo Yukio Gomes Sumida, Karin Lütke Elbers, Arthur Ziggiatti Güth, Angelo Fraga Bernardino
& Phan Van Ngan
MUSEU OCEANOGRÁFICO
32. Educação Ambiental para o Mar: Museu Oceanográfico como Espaço Educativo 733
Elisabete de Santis Braga
33. Atividades de Campo do Museu Oceanográfico no Curso “Noções sobre Oceanografia” 747
Sérgio Teixeira de Castro, Fabiano da Silva Attolini & Luciano Pereira de Souza
OCEANOGRAFIA APLICADA
34. Instrumentação Oceanográfica 763
Luiz Vianna Nonnato
35. Campanhas Costeiras e Cruzeiros Oceanográficos 791
Elisabete de Santis Braga & Luiz Vianna Nonnato
ATUAÇÃO DO OCEANÓGRAFO
36. Uso e Conservação do Oceano: Para Além do que se Vê 819
Briana Bombana, Natalia de Miranda Grilli, Luciana Yokoyama Xavier, Leandra Regina Gonçalves,
Marcus Polette & Alexander Turra
37. O Perfil e a Atuação do Oceanógrafo 849
Alexander Turra, Sueli Susana de Godoi, Marcos Tonelli, Vicente Gomes, Joseph Harari,
Elisabete de Santis Braga & Leandro Inoe Coelho
Capítulo 1
HISTÓRICO DA
OCEANOGRAFIA
Elisabete de Santis Braga, Joseph Harari,
Leandro Inoe Coelho & Flávia Saldanha-Corrêa
Histórico da Oceanografia
Elisabete de Santis Braga, Joseph Harari,
Leandro Inoe Coelho & Flávia Saldanha-Corrêa
1. Introdução
A imensidão azul do oceano sempre fascinou a humanidade e suscitou a importância de se conhecer
e explorar esse ambiente. Diversas civilizações se lançaram aos mares, impelidos pela necessidade de
recursos e alimentos para sua subsistência ou motivados pela curiosidade, admiração e pelo espírito
aventureiro. No imaginário popular de tempos remotos, os mares eram povoados por monstros e criaturas
imensas e perigosas (Fig. 1), relatadas em contos e narrativas, muitas das quais, até hoje reproduzidas. A
verdade é que as inúmeras experiências que os humanos acumularam com a exploração desse ambiente
geraram conhecimento e cultura, que foram transmitidos de geração em geração. Com o tempo, esse
conhecimento foi organizado e compilado, ao passo que estudos dedicados e focados no conhecimento
sobre o oceano constituíram os primórdios da ciência conhecida como Oceanografia. Neste capítulo será
apresentado um breve relato de como foi essa história.
FIGURA 1. Ilustração publicada no século XVI, durante o período Renascentista, por Sebastian Münster
(cartógrafo e autor da obra Cosmographia). Fonte: Wikimedia Commons.
O oceano recobre 71% da superfície do planeta Terra. É natural que, desde os primórdios das
civilizações, a espécie humana tenha se lançado em embarcações para conhecê-lo e explorá-lo. Estima-se
que atualmente mais de 2,4 bilhões de pessoas, 40% da população mundial, habitem as zonas costeiras.
21
Noções de Oceanografia
A história da Oceanografia é composta por registros que mostram a evolução de muitos esforços
no sentido de descrever a geografia do oceano e das terras adjacentes, seguidos por uma exploração mais
sistemática, com muitas semelhanças às da verdadeira investigação científica. Os avanços gerados por
esses estudos pioneiros, pelo desenvolvimento científico e tecnológico e pela colaboração internacional
entre cientistas, foram as bases do que hoje se conhece por Oceanografia Moderna.
Os polinésios possuiam uma grande vocação para desbravar os mares, colonizando mais de
dez mil ilhas do Pacífico, usando canoas e sem a ajuda de instrumentos de navegação. Para isso,
se orientavam pela posição das estrelas e pela observação da direção e intensidade das correntes
marítimas, dos ventos e outras características do ambiente, como os padrões das ondas, o voo de aves
migratórias, as cores das nuvens e da água. Eventualmente, até a fumaça de vulcões podia ser usada
como referência geográfica. Essas observações e conhecimentos eram transmitidos entre as gerações e
foram organizados em mapas rústicos, que eram feitos com conchas, cordas e gravetos. Os polinésios
navegaram pelo Pacífico desde 4.000 a.C. até 1.000 d.C., alcançando inicialmente as ilhas Salomão e
Samoa, e chegando a locais longínquos, como as ilhas do Taiti, de Páscoa e do Havaí, que ficam a mais
de 2.500 milhas náuticas (cerca de 4.600 km) de distância de sua origem (Fig. 2).
FIGURA 2. Navegação polinésia: A) reconstrução de mapa rudimentar indicando correntes, ventos e ilhas; B)
canoa típica polinésia, com estabilizadores laterais; e C) embarcações tipo catamarã (casco duplo), utilizado para
viagens longas. Fonte: Wikimedia Commons.
22
Histórico da Oceanografia
Os fenícios, uma civilização que ocupava a região litorânea onde hoje é a Síria, o Líbano e o
norte de Israel, revelaram-se também exímios navegadores. Eles desenvolveram algumas das primeiras
tecnologias de construção naval, com suas galés e birremes, além de serem os primeiros a estabelecer
rotas comerciais marítimas de longa distância pelo mar Mediterrâneo, entre 1.500 e 300 a.C, com
entrepostos estabelecidos até na Espanha. Há referências que indicam que os fenícios chegaram até
a Irlanda, e que possam ter circunavegado o continente africano por volta de 700-600 a.C. Embora
fizessem a navegação a partir de referências em terra, os fenícios provavelmente foram os primeiros
a efetuar travessias do Mediterrâneo utilizando uma navegação verdadeiramente marítima, sendo
também os primeiros a utilizar a Estrela Polar (Polaris, estrela mais brilhante da constelação da Ursa
Menor) para a orientação na navegação.
23
Noções de Oceanografia
Por volta de 400 a.C. já se fazia relação entre as fases da Lua e as marés. Heródoto, por sua vez,
descreveu a regularidade das marés no Golfo Pérsico, observou a deposição de sedimentos finos do
Delta do Nilo e foi o primeiro autor a utilizar o termo “Atlântico”, para descrever o oceano ocidental.
Aristóteles (cerca de 350 a.C.) foi o primeiro a estudar o oceano a partir de uma fundamentação
científica e deu importantes contribuições para o seu conhecimento. No seu modelo, a Terra era um
corpo esférico e o Sol promovia a evaporação da água marinha superficial, que voltava na forma de
chuva após a condensação, estabelecendo assim as bases da concepção do Ciclo da Água.
FIGURA 3. Reconstrução (séc. 19) do mapa do mundo de acordo com Eratóstenes. Fonte: Wikimedia Commons.
Um dos mais notáveis protagonistas da Era Helênica foi Píteas, que relatou suas viagens no
documento “Sobre o Oceano”. Partindo de sua cidade natal (a atual Marselha, na França), em 325
a.C., rumou para o Atlântico e navegou para Norte até a Escócia. Relatou o encontro da Ilha de
Thule, que pesquisadores acreditam ser a Noruega ou Islândia, e é possível que tenha alcançado o Mar
Báltico, descrevendo os gelos polares, o Sol da meia-noite e a aurora boreal. Píteas utilizou a navegação
astronômica (baseada no Sol e nas estrelas), obtendo determinações de posição a partir da Estrela
Polar. Suas observações também apontavam a relação entre os estados da maré e as fases da Lua.
Arquimedes, que viveu na Sicília por volta de 250 a.C., foi um dos maiores matemáticos de
todos os tempos e também trouxe valiosas contribuições ao estudo do oceano. Seus métodos de
cálculo integral precederam, em 2.000 anos, os de Newton e de Leibniz, com trabalhos notáveis
sobre mecânica e hidrostática, que foram absolutamente essenciais para o posterior desenvolvimento
das Ciências Marinhas.
24
Histórico da Oceanografia
Após as Guerras Púnicas, os romanos passaram a dominar o Mar Mediterrâneo, período em que
promoveram grandes avanços para a navegação e exploração marítima. Herdaram os conhecimentos e os
métodos científicos da civilização helênica e prosseguiram com sua ampliação e aperfeiçoamento. Dotados
de espírito prático, optaram pela Ciência Aplicada, dedicando-se ao aperfeiçoamento das embarcações e
das técnicas de navegação, além de introduzirem novos métodos de captura e conservação de pescado.
Dada a importância de se conhecer o ambiente marinho, por onde se realizavam as rotas de comércio
e exploração, novas tecnologias e estudos foram surgindo. Essa evolução culmina com a contribuição de
Ptolomeu, por volta do ano 150 d.C., que influenciou toda a sociedade ocidental, com enorme impacto
na Geografia e na Cartografia.
O mundo de Ptolomeu
Ptolomeu foi um geógrafo e astrônomo grego que viveu grande parte da sua vida
em Alexandria. Ele refinou a proposta de Parmênides de Eléa, dividindo o globo em
latitudes e longitudes, coordenadas usadas até os dias de hoje. Sua obra “Geographia” foi
referência para esta ciência durante mais de 1.400 anos. Seus mapas introduziram a prática
de orientação com o Norte na parte superior e o Leste do lado direito do mapa, também
utilizadas até hoje, bem como os seus sistemas de projeção (cônica, esférica modificada,
ortográfica e estereográfica).
25
Noções de Oceanografia
Após a queda do Império Romano, iniciou-se um período adverso da história europeia, a Idade
Média, onde grande parte do conhecimento existente na Antiguidade Clássica foi perdida. Os trabalhos
de Ptolomeu foram “esquecidos”, mas felizmente preservados nos estados islâmicos, nas versões grega
e árabe, que serviram de fonte para as traduções para o latim, já na Alta Idade Média. Dessa maneira,
puderam ser recuperadas e reintroduzidas na Europa, por volta do século XIII. Foi um período conturbado
também para as relações comerciais europeias, que definharam, e a navegação no Mediterrâneo e
adjacências passou a ser dominada pelos povos árabes. Até o Renascimento, poucos estudos originais
viriam a ser desenvolvidos na Europa e o interesse pelas Ciências Naturais praticamente desapareceu.
Entre 500 e 1450 d.C., os navegantes escandinavos, os Vikings, se destacaram nas navegações.
Entre os séculos IX e XII, estenderam sua influência na Europa e no Oceano Atlântico, alcançando
também a Groenlândia e estabelecendo colônias temporárias em Terra Nova (Newfoundland), no
Canadá. Eles usavam como referência para o posicionamento a altura da Estrela do Norte e cálculos
cuidadosos da posição do Sol, relativos à época do ano.
Ao final da Idade Média, iniciaram-se as “grandes navegações”, expedições motivadas por fins políticos,
econômicos e religiosos. Os habitantes da Europa ocidental vieram a se tornar excelentes exploradores,
aventurando-ser a cruzar o Atlântico e atingindo o Oceano Pacífico nos séc. XV e XVI.
O explorador italiano Cristóvão Colombo, financiado pelos reis da Espanha, chegou à América
em 1492. Os navegadores portugueses tiveram muito sucesso em suas explorações (Fig. 4): Bartolomeu
Dias cruzou o Cabo da Boa Esperança (1498); Vasco da Gama também contornou este cabo e
prosseguiu em direção à Índia (1497-1499); Pedro Álvares Cabral chegou ao Brasil em 1500; e Fernão
de Magalhães liderou a primeira expedição de circunavegação do globo. Magalhães partiu da Espanha
em 1519, com uma flotilha de cinco embarcações, passou pelo Brasil e chegou ao Oceano Pacífico
cruzando o Estreito de Magalhães (batizado em sua homenagem), de onde seguiu para as Filipinas,
onde faleceu em 1521. Após a morte de Magalhães, Juan Sebastián Elcano assumiu o comando da
expedição e terminou a circunavegação, retornando à Espanha em 1522. A partir dos registros de seu
diário de bordo, o italiano Antonio Pigafetta escreveu o relato “A primeira viagem ao redor do mundo”,
no qual descreve a fauna, a flora e os habitantes das regiões por onde passou essa expedição.
FIGURA 4. O Planisfério de Cantino (1502). Cantino foi um cartógrafo português que registrou o mundo
conhecido no final do séc. XV e início do séc. XVI, após as grandes viagens de exploração europeias. O
mapa faz parte do acervo da Biblioteca Universitária de Módena (Itália). Fonte: Wikimedia Commons.
26
Histórico da Oceanografia
James Cook, velejador, astrônomo e matemático inglês, foi um dos pioneiros nessa exploração.
Entre 1768 e 1771, viajou pelo Pacífico Sul no HMS Endeavour, da Marinha Real Britânica, realizando
estudos astronômicos, sondagens de profundidades, medição de correntes marinhas e ventos. Reuniu
um importante conjunto de informações sobre geologia e biologia e relatou a existência de diversas
populações nativas. Mapeou ilhas, avistou a costa da Nova Zelândia e demonstrou que ela não fazia
parte da Terra Australis (o grande continente da região polar Sul). Já no fim de sua viagem, ao contornar
a Oceania, passou pela Grande Barreira de Corais, na Austrália, antes de retornar à Inglaterra.
Cook também comandou os navios HMS Adventure e o HMS Resolution, entre 1772 e 1775.
Acompanhando os ventos de Oeste, atravessou o Cabo da Boa Esperança e seguiu pelo Atlântico Sul até
avistar icebergs do continente ao sul. Em 1779, Cook atingiu o Oceano Pacífico e visitou diversas ilhas,
incluindo as do Havaí. Seguindo para o Norte, atingiu o Mar de Bering, chegando à latitude 70°44’N,
tornando-se assim o primeiro explorador a navegar em mares polares dos dois hemisférios.
O naturalista inglês Edward Forbes (1815-1854), por sua vez, foi o pioneiro nos estudos de
biogeografia da região costeira, com base especialmente em suas observações nas Ilhas Britânicas.
Publicou ensaios sobre estrelas-do-mar e moluscos e participou de várias expedições marítimas,
incluindo aquela realizada no Mar Egeu, base para a formulação da hipótese de que não haveria vida
(ou ela seria rarefeita), em profundidades abaixo dos 550 m, devido à alta pressão e ausência de luz e
oxigênio, que ficou conhecida por Teoria Azoica. Essa teoria foi refutada, posteriormente, por coletas
de amostras em regiões profundas, que traziam uma grande variedade de organismos.
Em 1825 o navio HMS Beagle foi amplamente adaptado para as grandes viagens que viria a
realizar. A primeira, acompanhando o HMS Adventure, tinha a missão de efetuar levantamentos
hidrográficos nas águas costeiras da Patagônia e da Terra do Fogo. Não havendo concluído o objetivo
da primeira viagem, o Beagle passou por novas reformas, que o deixaram mais seguro e equipado.
Assim, em 1831, partiu para sua segunda viagem, contando com o jovem Charles Darwin a bordo,
na função de naturalista. A expedição passou pelo arquipélago de Abrolhos, dentre outros pontos
da costa brasileira, e realizou um extenso levantamento hidrográfico da costa atlântica da América
do Sul. Alcançou o Oceano Pacífico, contornando o Cabo Horn, e concluiu o levantamento de
parte da costa ocidental sul-americana. Sempre coletando informações, passou pela Austrália e
Nova Zelândia antes de retornar à Inglaterra, pelo Atlântico, com escalas no Rio de Janeiro e nos
Açores. A circunavegação foi concluída em 1836, notabilizando-se por ser uma das maiores viagens
de exploração até então realizadas.
Darwin fez muitas observações da geologia e biologia marinha, observando como as mudanças
latitudinais ao longo do percurso se relacionavam com a biota (conjunto de seres vivos). Nas ilhas
Galápagos, verificou modificações entre as populações de animais nas diferentes ilhas, relacionando-as
ao isolamento geográfico. Darwin levou anos analisando e compreendendo o enorme volume de dados
que havia obtido. Tais informações lhe permitiu formular a Teoria da Evolução, publicada em 1859 no
revolucionário trabalho “On the Origin of Species”. O HMS Beagle ainda participou de uma terceira
grande expedição, pela costa da Austrália e Mar de Timor, que durou quase seis anos.
27
Noções de Oceanografia
Terceira viagem (1776-79): Em sua última grande viagem, James Cook tentava encontrar
uma rota que ligasse o Pacífico ao Atlântico, ao norte do Canadá. Comandando novamente o
HMS Resolution e acompanhado pelo HMS Discovery, foram os primeiros europeus a chegar
às ilhas havaianas. Após retornar das águas do Mar de Bering, fizeram uma nova parada no
arquipélago havaiano, onde faleceu durante conflito com nativos (1779). Após sua morte, a
expedição retornou para a Inglaterra (1780), já sob comando do capitão John Gore.
28
Histórico da Oceanografia
FIGURA 5. Mapa de correntes (Physical Geography of the Sea, M.F. Maury). Fonte: Wikimedia Commons.
29
Noções de Oceanografia
4. A Oceanografia Moderna
A primeira expedição científica de cunho estritamente oceanográfico foi realizada pela corveta
HMS Challenger (Fig. 6), no período de 1872 a 1876, quando navegou cerca de 70 mil milhas náuticas
(equivalente a cerca de 130 mil km) por todos os oceanos. O Challenger foi modificado e equipado com
instrumentos e laboratórios de química e história natural. A equipe contava com 243 tripulantes e 6
cientistas, sob direção de Sir C. Wyville Thompson1. A equipe realizou 492 medições de profundidade,
133 dragagens e 362 estações oceanográficas. Foram feitas observações de correntes oceânicas e
costeiras, análises dos sedimentos do fundo oceânico e da composição química da água do mar. Com
o material coletado, os naturalistas descreveram 4.417 novas espécies, um resultado absolutamente
fantástico. A Teoria Azoica foi definitivamente refutada, pois coletas em grandes profundidades
trouxeram para bordo um número expressivo de organismos.
FIGURA 6. Rota percorrida pela expedição, com o navio da Marinha Real Britânica HMS Challenger. Pintura
de W.F. Mitchell (Wikimedia Commons).
Posteriormente, diversos outros países promoveram expedições oceanográficas, com destaque para
as seguintes: a S.M.S. Gazelle Expedition (1874 – 1876), expedição alemã que realizou circunavegação;
a Vitiaz Expedition (1886 – 1889), expedição russa que também realizou circunavegação; a Albatross
Expedition (1887 – 1888), expedição americana que explorou os Oceanos Atlântico, Pacífico e o Índico,
passando por águas brasileiras, desde a Paraíba até o Rio de Janeiro; a Plankton Expedition (1889),
expedição alemã no Atlântico, quando o naturalista Victor Hansen propôs a utilização do termo
Plâncton, no sentido em que se usa atualmente; a S.M.S Pola Expedition (1890 – 1898), expedição
austríaca que fez pesquisas nos mares Adriático, Vermelho e no Mar Mediterrâneo oriental; a Fram
1
C. Wyville Thompson é considerado o pioneiro em pesquisas de mar profundo com suas expedições nos navios HMS Lightning
(1868) e Porcupine (1869-1870), quando realizou coletas em grandes profundidades e descobriu os corais de mar profundo.
30
Histórico da Oceanografia
Expedition (1893 – 1896), expedição norueguesa cujo objetivo era atingir o polo Norte e na qual foram
realizadas valiosas observações em Oceanografia, Astronomia e Meteorologia; a Belgian Antartic
Expedition (1897 – 1899), a bordo do R.V. Belgica, considerada a primeira expedição do Período
Heróico de Exploração da Antártica; a Siboga Expedition (1899 – 1900), expedição holandesa com a
finalidade de estudar a biologia e a hidrologia das águas do leste da Índia e da Malásia.
No início do século XX (1903), foi fundada nos EUA a “The Scripps Institution of Biological
Research”, a atual “The Scripps Institution of Oceanography”, da Universidade da Califórnia, em La
Jolla, um importante centro de pesquisa oceanográfica. Em 1906, a expedição alemã S.M.S. Planet
Expedition, navegando pelos oceanos Atlântico e Índico, descobriu duas novas fossas submarinas ao
sul do Arquipélago de Java, com profundidades superiores a 7.000 m. Em 1910, a British Antarctic
Expedition seguiu rumo à Antártica, para coleta de organismos planctônicos e bentônicos.
A Garrafa de Nansen, projetada por ele para a coleta de água, foi amplamente usada como
instrumento básico de coleta oceanográfica por muitas décadas (vide capítulo Instrumentação
Oceanográfica), permitindo o acoplamento de dois termômetros de modo que, no mesmo lançamento,
fazia-se a coleta da água e a medida da temperatura naquela profundidade. Atualmente esse modelo
de garrafa é pouco utilizado, mas o mecanismo de funcionamento foi reproduzido em outros modelos
de coletores de água.
31
Noções de Oceanografia
A obtenção de recursos marinhos vivos ou não vivos sempre foi necessária à sociedade,
mas, ao mesmo tempo, um alvo de preocupação para os cientistas. Sem dúvida, ao se explotar2 os
recursos marinhos, muitos conhecimentos foram adquiridos, entretanto, foi tornando-se crescente
a necessidade de se regular essa explotação.
2
Entende-se por "explotação" o aproveitamento econômico de recursos naturais ao passo que "exploração" é o processo de busca de
novos recursos.
32
Histórico da Oceanografia
5. As organizações científicas
Em dezembro de 1946 a International Whaling Commission (IWC - ou Comissão Internacional de
Caça à Baleia) foi criada, com o objetivo de garantir a conservação das baleias e regulamentar a captura
desses animais. A IWC conta com 88 países membros, permanecendo ativa até os dias de hoje3. Era uma
ação direcionada à exploração sustentável, termo que ainda não havia sido proposto.
Em comemoração aos cem anos da primeira expedição Galathea, uma segunda foi organizada,
entre 1950 e 1952. Nessa circunavegação, a expedição cruzou o Canal do Panamá, um canal artificial que
conecta os oceanos Atlântico e Pacífico, que foi inaugurado em 1914. Um dos marcos dessa expedição
foi o êxito em coletar organismos na Trincheira das Filipinas, em profundidade de 10.190 m, um
recorde para a época. O cientista Claude ZoBell, considerado "Pai da Microbiologia Marinha", foi um
dos pesquisadores que participou dessa expedição, que permitiu a descrição de muitas espécies até então
desconhecidas, especialmente aquelas encontradas em mar profundo.
O AGI estabeleceu caminhos para a criação de várias organizações e ações de cooperação científica
em âmbito internacional. Um dos legados foi a criação, ainda em 1957, do Scientific Committee on Ocean
Research, SCOR (Comitê Científico de Pesquisa Oceânica), de caráter permanente, vinculado ao atual
International Science Council (ISC). O SCOR promoveu uma série de congressos que reuniram cientistas de
diversas áreas da Oceanografia e de diversas partes do mundo, de 1959 até 1988, quando outras sociedades
profissionais surgiram e passaram a cumprir esse papel. Contudo, o SCOR continua ativo, promovendo
projetos e mantendo grupos de trabalho em temas específicos4.
Como resultado de muitas pesquisas e avanços tecnológicos, o primeiro submarino movido por
propulsão nuclear, o Nautilus, foi lançado ao mar em 1954 e, em 1958, realizou a travessia submersa do polo
Norte. Tais feitos só foram possíveis graças ao esforço conjunto de muitos cientistas, engenheiros e técnicos,
que abriram novos caminhos para a Oceanografia e outras ciências.
Outra importantíssima organização que foi criada em decorrência do AGI foi a Comissão
Oceanográfica Intergovernamental (COI) no âmbito da UNESCO (Organização das Nações Unidas para
a Educação, a Ciência e a Cultura).
Criação da COI
"Em julho de 1960, a UNESCO convocou uma conferência oceanográfica em
Copenhague, na Dinamarca. Delegações de 35 países se reuniram com representantes
de outras agências das Nações Unidas e de organizações internacionais, recomendando
que a UNESCO estabelecesse um novo organismo intergovernamental para promover a
investigação científica do oceano. A proposta foi aceita pela Conferência Geral, em dezembro
de 1960. Não havia precedentes: as ciências oceânicas nunca estiveram em uma posição
tão alta na agenda política internacional”. Fonte: UNESCO.
3
Para saber mais, acesse: <https://iwc.int/home>.
4
Para saber mais, acesse: <https://scor-int.org/scor/history/>.
33
Noções de Oceanografia
Uma das primeiras e mais importantes ações da COI foi assumir a organização e coordenação
das Expedições Internacionais ao Oceano Índico, que ocorreram de 1959 até 1965, das quais participaram
45 embarcações de 14 países. Os dados adquiridos nesse esforço conjunto permitiram a construção de
mapas e expandiram grandemente o conhecimento sobre a Geologia, a Geofísica e a Biologia daquele
oceano. Foi possível também o entendimento do fenômeno das monções e sua dinâmica, bem como
a avaliação de recursos vivos e não vivos (ex. depósitos minerais). Outro importante legado dessas
expedições foi a criação e o aprimoramento de infraestrutura para o desenvolvimento das ciências
marinhas em países como Índia, Indonésia, Paquistão e Tailândia.
Com sessenta anos de existência, a COI conta com 150 Estados-Membros, dos quais o Brasil
faz parte, e tem apoiado importantes projetos e ações em âmbito mundial, como o Sistema de Alerta e
Mitigação de Tsunamis do Pacífico, criado em 1965. Outro protagonismo importante foi a participação
na Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar (UNCLOS, em inglês), o marco de ação
legal mundial para o oceano5.
As expedições Equalant I e Equalant II, entre 1961 e 1963, também coordenadas pela COI,
tiveram a participação do Brasil, Argentina, Alemanha, Nigéria, Congo, Costa do Marfim, Espanha,
EUA e a então União Soviética. Nessas iniciativas foram utilizados vários navios oceanográficos, que
fizeram observações de parâmetros hidrológicos, químicos, biológicos e meteorológicos do Oceano
Atlântico. Na costa brasileira, fez levantamentos entre o Oiapoque e a Bahia.
Jacques-Yves Cousteau
A popularização da Oceanografia, sem dúvida,
deve-se em grande parte a Jacques-Yves Cousteau, que
foi oficial da marinha francesa e um grande entusiasta
do mundo submarino e da cinegrafia. Ele conseguiu
arrendar e reformar o icônico navio Calypso, com o qual
fez inúmeras viagens a partir de 1955.
Muitas das bandeiras sobre a preservação dos mares, que hoje são fortemente
defendidas, foram levantadas por ele em seus trabalhos. Embora não fosse um oceanógrafo
de formação, ele contribuiu significativamente para o avanço da ciência e está no imaginário
de muitas pessoas como a figura do oceanógrafo. Foto: NASA (Wikimedia Commons).
A década de 1970 foi designada pelas Nações Unidas como a Década Internacional de
Exploração dos Oceanos, objetivando o incentivo aos estudos científicos no ambiente marinho.
No início daquela década foi realizado um grande levantamento da química da água do mar, por
meio do projeto Geochemical Ocean Sections Study (GEOSECS), focando os principais elementos
5
O texto completo da UNCLOS pode ser encontrado em: <https://www.un.org/Depts/los/convention_agreements/texts/unclos/unclos_e.pdf>.
34
Histórico da Oceanografia
químicos presentes no oceano e alguns isótopos (13C, 14C e 3H), com a finalidade de se entender
os ciclos biogeoquímicos dos elementos e a circulação marinha profunda. Foram também utilizados
traçadores radioativos para entender as vias de circulação dos elementos. As expedições cobriram os
oceanos Atlântico (julho de 1972 a maio de 1973), Pacífico (agosto de 1973 a junho de 1974) e Índico
(dezembro de 1977 a março de 1978), gerando um imenso e valioso conjunto de dados que alavancou
o entendimento da biogeoquímica marinha.
A grande vantagem do uso dos satélites na Oceanografia é a imensa quantidade de dados que
podem ser coletados, com cobertura ampla e em um curto intervalo de tempo. O uso dessas ferramentas
propiciou o entendimento de fenômenos em escala global e tem sido fundamental para estudos do clima
da Terra e das mudanças climáticas.
FIGURA 9. Renderização artística do satélite TOPEX/Poseidon e sua sequência de satélites Jason. Fonte:
NASA (Wikimedia Commons).
35
Noções de Oceanografia
O Programa Joint Global Ocean Flux Study ( JGOFS, Estudo Conjunto dos Fluxos Oceânicos
Globais) foi um programa internacional patrocinado pela SCOR, entre 1987 e 2003, e que contou com
a participação de diversos pesquisadores brasileiros, com o objetivo de estudar os fluxos de carbono entre
a atmosfera, a superfície do oceano e o interior dos oceanos. Posteriormente, esse programa veio a se
tornar um dos pilares do Programa Internacional Geosfera-Biosfera, conduzido entre 1987 e 2015, para o
estudo das mudanças globais.
Diversos outros programas e projetos internacionais foram conduzidos por várias agências ou
órgãos de pesquisa de diversos países, com objetivos e durações variadas, como por exemplo: o The
Coordinated Ocean Research and Exploration Section Program (CORES)” (1980-1990); o TOGA-
Tropical Ocean and Global Atmosphere (1984-1995), organizado pelo World Climate Research Programme,
com o objetivo de entender e fazer previsão de fenômenos climáticos; o WOCE- Experimento da
Circulação Oceânica Mundial (1988-1998), que englobou vários projetos no Atlântico, incluindo alguns
no Atlântico Equatorial e Sul como Romanche-1, Cither 1 e 2, Etambot-1 e 2, Equalant; e o GLOBEC
(Global Ocean Ecosystem Dynamics), criado em 1991, para avaliar como as mudanças globais afetam a
abundância, a diversidade e a produtividade da biota marinha.
A Assembleia Geral da ONU declarou 1998 como o Ano Internacional dos Oceanos, visando
colocar em foco a questão dos limites dos recursos marinhos, uma vez que muitos ecossistemas já
apresentavam sinais de estresse e degradação, por conta das atividades antrópicas. Era incontestável
a percepção de que a capacidade de autodepuração do oceano não é ilimitada, como se pensava no
passado, e de que era necessário estabelecer um uso sustentável dos recursos marinhos, e medidas
educacionais e de sensibilização precisavam ser estimuladas em escala global.
Importante ressaltar que estamos na Década das Nações Unidas para a Ciência Oceânica e
Desenvolvimento Sustentável, ou Década do Oceano (2021-2030), também declarada pela ONU,
com o objetivo de disseminar a cultura oceânica para todas as pessoas e estimular o intercâmbio
de conhecimento, tecnologia e expertise entre a comunidade científica ligada aos oceanos. Apesar
dos grandes avanços da ciência oceanográfica, ainda há muito o que se descobrir e entender. O uso
sustentável do oceano somente será viável por meio da educação e da conscientização da sociedade, e
do pleno entendimento da importância do oceano para a manutenção da vida na Terra.
36
Histórico da Oceanografia
Os polinésios, por sua vez, mantinham lendas sobre uma grande massa de terra ao sul, fria e
circundada por blocos de gelo que bloqueavam suas canoas. Mercator encontrou um mapa de autoria
de Orontus Finaeus, que indicava uma “Terra Australis” (austral quer dizer do/ao sul), centrada no
polo Sul, que realmente remetia ao continente Antártico, depois descoberto. Um fragmento de um
mapa de 1513, guardado em um museu de Istambul, feito pelo geógrafo e almirante otomano Piri
Reis, também indicava um continente ao sul.
Na mesma época o Czar Alexandre I enviou navios com a missão de fazer uma circunavegação
e atingir a região mais próxima do polo Sul. As corvetas “Vostok” e “Mirny”, comandadas pelo Barão
von Bellingshausen, navegaram em torno da Antártica e talvez tenham sido, realmente, os primeiros a
visualizar o continente. No entanto, a descoberta “oficial” da Antártica é creditada ao capitão baleeiro
estadunidense Nathaniel Palmer, em 17 de novembro de 1820.
Historicamente, a procura por focas e baleias levava vários navios à região antártica. Com a
descoberta do polo magnético Norte, em 1831, pelo inglês James Clarke Ross, o matemático Karl
Gauss previu a existência de um polo homólogo ao Sul, perto das coordenadas 66°S e 146°E (localização
prevista para aquela época, pois os polos magnéticos sofrem deslocamento com o tempo). Assim, em
1840, foram realizadas várias expedições para localizar o polo magnético Sul, mas sem sucesso. Em
uma dessas viagens, a Terra de Adélia foi descoberta pelo comandante francês Dumont d’Urville, em
20 de janeiro de 1840, local onde localiza-se a base francesa de pesquisa na Antártica, que recebeu o
nome de seu descobridor.
O inglês James Clarke Ross foi o primeiro a forçar a travessia do gelo com sua flotilha. Navegou
para Leste e descobriu a Terra de Vitória (nome dado em homenagem à rainha da Inglaterra), onde
localiza-se a Cordilheira Transantártica, com 4.800 km de extensão e composta por altas montanhas.
Em 1841 foi descoberto o vulcão Erebus, localizado na Ilha de Ross (batizada com seu nome), que
atualmente é o vulcão mais ativo na Antártica. A expedição se encerrou em uma grande barreira de
gelo, batizada de Plataforma de Gelo Ross, a maior do mundo, com uma área semelhante à da França.
As expedições científicas à Antártica ficaram suspensas por cerca de meio século, até que
o continente voltou a ser foco das atenções, com o Congresso Geográfico de 1895, que designou a
exploração da Antártica como um dos maiores projetos a se desenvolver. Havia o interesse científico,
mas também o comercial, relacionado à caça de focas e baleias.
37
Noções de Oceanografia
Este mapa, desenhado por Guillaume de L'Isle e atualizado em 1739 por Covens e
Mortier, mostra o Hemisfério Sul do planeta, indicando a "Terra Australis" (Terres Australes).
No mapa estão detalhadas as rotas de diversos exploradores, como Magalhães, Vespucci,
Mendana, Dampier, L'Aigle, S. Louis, Halley, Maury, entre outros. Muitas das informações
que constam no mapa são baseadas nas explorações de Lozier Bouvet (registradas em
francês e em holandês nas laterais da carta).
Um dos grandes defensores dessa teoria, no século 18, foi Philippe Buache de
la Neuville, geógrafo francês e membro da Academia Francesa de Ciências. Além
das "Considerações geográficas das terras austrais e da Antártica" (Considerations
geographiques sur les terres australes et antarctiques), Buache também estabeleceu
a divisão do globo em bacias oceânicas e foi pioneiro no uso de curvas de nível para
expressar relevos em mapas. Mapa: Wikimedia commons.
38
Histórico da Oceanografia
O período entre os anos 1897 e 1922 ficou conhecido posteriormente como Idade Heroica da
Exploração Antártica. Cerca de dezessete expedições foram organizadas para explorar o continente,
com uma corrida entre as nações pelas conquistas do polo Sul geográfico e do polo Sul magnético.
Liderados por Gerlache, Borchgrevink, Scott, Drygalski, Nordenskiöld, Bruce, Charcot, Shackleton,
Shirase, Amundsen, Filchner, Mawson e Mackintosh, muitos homens cheios de ideais e espírito
aventureiro se lançaram às condições adversas de sobrevivência no continente gelado.
Quatro expedições foram as mais importantes para encontrar o polo Sul geográfico, sendo três
britânicas e uma norueguesa: as de Scott (1901-1904 e 1910-1913); a de Shackleton (1907-1909) e
a do norueguês Amundsen (1910-1912), que foi o primeiro a atingir o polo em 14 de dezembro de
1911, quase um mês antes de Scott chegar ao mesmo ponto (Fig. 10). Fatalmente, Scott e sua equipe
perderam não só a corrida pela conquista do polo Sul, mas também suas vidas, devido ao frio e à fome.
A conquista do polo Sul magnético foi realizada pelo navegador britânico Ernest Shackleton,
em 1909. Após esse feito, o explorador retornou à Antártica em 1914, com seu navio Endurance,
tendo como objetivo cruzar o continente. Nessa expedição a embarcação ficou presa no gelo e foi
danificada, devido à pressão dos blocos congelados sobre sua estrutura. Mesmo em condições adversas,
a tripulação foi resgatada e os relatos foram contados em livros e filme.
39
Noções de Oceanografia
Após o início das pesquisas, o continente mais frio, inóspito, seco e com maior altitude
média (cerca de 2.000 m) se tornou mais conhecido. Na Antártica, as condições climáticas mudam
repentinamente, com ventos de até 100 km/h, que podem durar dias. Não há moradores na Antártica,
apenas uma população sazonal de cientistas, militares e equipes de apoio que passam períodos
determinados em Bases de Pesquisa.
O turismo, em pequena escala, existe há muitos anos, e é atualmente regulado pela Associação
Internacional das Operadoras de Turismo Antártico (IAATO, em inglês), da qual fazem parte dezenas de
companhias de turismo, de vários países. Visitar um local tão particular e especial como a Antártica
é uma experiência singular e desejo de muitas pessoas. Para isso, no entanto, deve-se considerar a
prioridade em se preservar esse ambiente, insubstituível e único no planeta.
A região Antártica, considerada a área ao Sul de 60°S de latitude, foi alvo de disputa entre vários
países por posses territoriais e exploração econômica. Após muitas reuniões e tratativas, em 1º de
dezembro de 1959, o Tratado Antártico foi firmado, com a assinatura dos doze países interessados em
explorar ou pesquisar a região (África do Sul, Argentina, Austrália, Bélgica, Chile, Estados Unidos
da América, França, Japão, Nova Zelândia, Noruega, Reino Unido e Rússia), que se tornaram os
membros signatários originais.
Em 23 junho de 1961 o Tratado Antártico entrou em vigor. Com isso, o continente passou a ser
considerado uma reserva natural, livre para pesquisa científica em cooperação internacional, respeitando
os códigos de bioética, conservação e preservação do ecossistema e consagrada à paz. O Brasil, tornou-
se signatário em 1975, por reconhecer a relevância e a amplitude da influência Antártica para o
desenvolvimento nacional. O Protocolo ao Tratado da Antártica sobre Proteção ao Meio Ambiente,
também conhecido como Protocolo de Madri, concedeu à Antártica o status de “Reserva Natural
Internacional dedicada à Ciência e à Paz”, sendo assinado no dia 4 de outubro de 1991 e entrando em
vigor em 14 de janeiro de 1998, propondo a proteção integral do continente por 50 anos.
O Protocolo de Madri só poderá ser modificado em 2048, desde que haja acordo unânime
dos membros consultivos do Tratado da Antártica. Nele, são estabelecidas normas de conduta para
visitantes da região (pesquisadores, turistas e pessoal de apoio logístico), visando a minimização
dos impactos negativos sobre o meio ambiente. Recomendações como: evitar perturbar os animais,
procurar não caminhar sobre a vegetação (em geral rasteira composta por líquens e musgos), não
coletar animais ou plantas sem fins científicos, não levar organismos estranhos ao ecossistema, não
usar armas e armazenar todos os resíduos produzidos, recuperando ou retornando ao país de origem
responsável pela expedição, são algumas das normativas preconizadas nesse acordo.
Atualmente, o Tratado Antártico conta com 53 países signatários e prevê, ainda, a adesão de
qualquer país membro das Nações Unidas. Dos países signatários, 29 são considerados membros
consultivos, por serem signatários originais ou por conduzirem pesquisas científicas substanciais
naquele continente, com direito a voto nas decisões sobre o continente (que é o caso do Brasil). Os
demais 24 países são considerados membros não consultivos, convidados a participar das reuniões,
porém, sem direito a voto nas decisões sobre o futuro da Antártica. A premissa é que os países
dialoguem sobre o uso do continente, com o propósito de preservá-lo e de não permitir que se torne
objeto de discórdia internacional.
40
Histórico da Oceanografia
Dentre os vários programas oceanográficos nacionais, que serão apresentados mais adiante,
um dos mais popularmente conhecidos é o Programa Antártico Brasileiro (PROANTAR). Em
dezembro de 1982, o Navio de Apoio Oceanográfico Barão de Teffé, (H42) o primeiro navio polar
brasileiro, pertencente à Marinha do Brasil, e o Navio Oceanográfico Prof. W. Besnard, do Instituto
Oceanográfico da Universidade de São Paulo, deixaram o Brasil rumo à Antártica, iniciando a
Operação Antártica com o cruzeiro PROANTAR I (Fig. 11).
FIGURA 11. Os pioneiros brasileiros na Antártica: NApOc H42 Barão de Teffé e N/Oc. Prof. W. Besnard
juntos (à esquerda) e o N/Oc. Prof. Besnard (à direita). Fotos: Acervo IOUSP.
Completando o esforço brasileiro na Antártica, a Força Aérea Brasileira participa com o apoio
logístico, possibilitando o transporte de pesquisadores, equipamentos e suprimentos entre o Brasil
e a estação Comandante Ferraz. O Ministério de Minas e Energia, por meio da Petróleo Brasileiro
S.A. (Petrobras), fornece o combustível necessário à condução das Operações Antárticas.
7. A Oceanografia no Brasil
No período do Brasil colonial, os levantamentos hidrográficos na costa brasileira eram realizados
pelos portugueses, especialmente por meio das expedições de reconhecimento e guarda-costas. Já na
primeira metade do século XIX, as campanhas hidrográficas no litoral brasileiro foram lideradas pelos
capitães franceses Roussin, Barral e Montravel. Roussin navegou do Maranhão à Santa Catarina e
gerou mapas da costa que foram publicados entre 1822 e 1827, com destaque para a Carta Geral da
Costa Brasileira. Barral complementou esse levantamento, indo de Santa Catarina ao Chuí, publicando
as cartas em 1833, enquanto Montravel completou a parte norte, do Maranhão ao Cabo Orange,
no Amapá, em 1842. Sendo assim, a costa brasileira foi toda mapeada, incluindo trechos de águas
interiores, como dos rios Amazonas, Pará e Tapajós, além da Baía de São Marcos.
No período entre 1856 e 1868, o capitão Mouchez realizou vários levantamentos hidrográficos
e cartográficos, com destaque para o do Arquipélago de Abrolhos, gerando cartas mais detalhadas de
muitos trechos da costa brasileira, publicadas em 1866, apresentando também uma primeira tentativa
de delimitação da plataforma continental brasileira.
6
Um ambiente prístino é aquele que mantém sua condição original, sem alterações ou modificações antrópicas.
42
Histórico da Oceanografia
Atualmente a DHN, além das cartas náuticas de excelente qualidade e das tábuas de
previsões de marés, oferece vários outros serviços, com destaque para o Banco Nacional de
Dados Oceanográficos (BNDO)7, criado em 1994, como um Centro Depositário da Comissão
Oceanográfica Intergovernamental (COI). Dentre as atribuições do BNDO estão as de obter, receber,
analisar e verificar a coerência dos dados recebidos, organizar, controlar, arquivar e disseminar dados
oceanográficos oriundos de instituições brasileiras e estrangeiras. A DHN é a instituição nacional
que tem por função promover e coordenar a participação do Brasil nas atividades relacionadas com
os serviços oceânicos e o mapeamento oceânico no âmbito da COI.
Em 1946 o Governo do Estado de São Paulo criou o Instituto Paulista de Oceanografia (IPO),
inicialmente vinculado à Secretaria da Agricultura. O Professor Wladimir Besnard, um naturalista
russo, com ampla experiência em vários países e instituições de pesquisa, especialmente na França, foi
contratado para liderar a entidade. Em 1948 o IPO iniciou suas atividades, mantendo um vínculo de
trabalho com a Universidade de São Paulo, o que culminou com sua incorporação à USP em 1951,
contando com os esforços do Dr. Ingvar Emilsson e da Dra. Marta Vanucci, recebendo o nome de
Instituto Oceanográfico da USP (IOUSP). Portanto, o IOUSP é a primeira e mais antiga instituição
do país dedicada à Oceanografia.
7
Para saber mais, acesse: <https://www.marinha.mil.br/chm/chm/bndo>.
43
Noções de Oceanografia
44
Histórico da Oceanografia
O primeiro Navio Oceanográfico brasileiro, o N/Oc. Prof. W. Besnard, cumpriu uma longeva e
corajosa jornada de expedições desde 1967. Em sua viagem inaugural, da Noruega para o Brasil, realizou
sua primeira expedição cientifica, a Vikindio. Dentre as várias expedições realizadas, seis delas foram
à Antártica (PROANTAR I-VI). O navio foi desativado em 2008, depois de ter viabilizado muitas
pesquisas na costa brasileira e em águas internacionais8, e com importante atuação na formação de
recursos humanos qualificados, além de contribuir à expansão territorial do Brasil, com a participação
nas pesquisas antárticas, subsidiando o ingresso do país no Tratado Antártico.
A iniciativa do Governo de São Paulo para os estudos oceanográficos logo foi se replicando em outros
Estados da União. Em 1995 foi criado o primeiro centro oceanográfico da região nordeste, o Instituto
de Biologia Marinha e Oceanografia, que posteriormente passou a ser o Departamento de Oceanografia
da Universidade Federal de Pernambuco. Em 1960, foi criada a Estação de Biologia Marinha, como
Instituto da Universidade Federal do Ceará, que em 1969, passou a se chamar Laboratório de Ciências
do Mar (LABOMAR) e, em 1998, Instituto de Ciências do Mar, desenvolvendo pesquisas nas áreas de
Oceanografia (Geológica, Biológica, Química e Física), Pesca e Prospecção, Microbiologia Ambiental
e do Pescado e Análises de Impactos Ambientais e de Contaminação do Ambiente Marinho e Costeiro.
Posteriormente foram criados centros de estudos nas regiões nordeste e sul, respectivamente, o da
Universidade Federal do Rio Grande do Norte, em Natal (1962-63) e o Centro de Estudos Costeiros,
Limnológicos e Marinhos (Ceclimar) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), em 1978.
8
A lista com os principais cruzeiros oceanográficos realizados pelo N/Oc. Prof. W. Besnard pode ser acessada em:
<https://www.io.usp.br/images/Embarcacoes/cruzeiros_oceanograficos.pdf>.
45
Noções de Oceanografia
O interesse pela ciência e a demanda pelo profissional oceanógrafo expandiram-se para outras
regiões e estados do Brasil, estimulando a criação de novos cursos.
Alguns cursos de pós-graduação em Oceanografia foram criados muito antes dos de graduação
em seus respectivos institutos, como é o caso do Instituto Oceanográfico da USP, que iniciou sua
pós-graduação em 1966 e a graduação só foi iniciada em 2002. Atualmente existem nove programas
de pós-graduação em Oceanografia cadastrados na CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de
Pessoal de Nível Superior), todos em universidades públicas: na USP e nas universidades federais
do Rio Grande (FURG), Santa Catarina (UFSC), Rio de Janeiro (UERJ), Espírito Santo (UFES),
Pernambuco (UFPE), Maranhão (UFMA) e Pará (UFPA).
46
Histórico da Oceanografia
Em 1973 foi criado o Projeto Camarão, pelo governo do Rio Grande do Norte, junto com
a Empresa de Pesquisas Agropecuárias do Rio Grande do Norte (EMPARN), na margem do rio
Potengi, destinada à larvicultura e criação de camarões em viveiros. Em 1975, criou-se o Departamento
de Pesca e Aquicultura da Universidade Federal Rural de Pernambuco, que desenvolve trabalhos em
Oceanografia Pesqueira e Biologia, e também o NEPREMAR - Núcleo de Estudos e Pesquisas dos
Recursos do Mar, em João Pessoa (PB), constituído de diversos laboratórios, que tem como finalidade
elaborar projetos e executar pesquisas de assuntos relacionados com o mar. Em 1982 foi criado o
Núcleo de Pós-Graduação em Estuários e Manguezais da Universidade Federal de Sergipe, com
atuação em Ciências Biológicas e Ecologia e também foi formalizada a criação do Centro de Estudos
do Mar (CEM) da Universidade Federal do Paraná (em Pontal do Sul, PR), organizado em 1980
como unidade de pesquisa vinculada ao Setor de Ciências Biológicas.
Em 1983 foi criado o Centro de Pesquisa e Gestão de Recursos Pesqueiros do Litoral Nordeste
(CEPENE), um dos Centros Especializados do IBAMA voltados para o estudo, a pesquisa e a gestão
dos recursos pesqueiros. Situado na praia de Tamandaré, litoral sul do Estado do Pernambuco, desenvolve
trabalhos sobre Estatística Pesqueira, Biologia e o potencial de camarão marinho, lagosta e peixes.
Destaque deve ser dado também às instituições como: o Instituto Alberto Luiz Coimbra, de
Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (COPPE –
UFRJ), o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE, com os programas de Meteorologia e
Sensoriamento Remoto), o Centro de Previsão de Tempo e Estudos Climáticos (INPE / CPTEC),
institutos de pesquisa da Marinha do Brasil, como o Instituto de Estudos do Mar Almirante Paulo
Moreira (IEAPM) e o Instituto de Pesquisas da Marinha (IPqM). Devem ser considerados também
os cursos de graduação e/ou pós-graduação em Ciências Biológicas, Ciências Marinhas, Ecologia,
Biologia Marinha, Engenharia do Petróleo e Gás, Gestão ou Engenharia Ambiental, dentre outros,
de diversas instituições, como: UNESP (Campus do Litoral Paulista), UNIFESP (bacharelado
Interdisciplinar em Ciências e Tecnologia do Mar), PUC-Rio, Universidade Federal do Rio de Janeiro,
Universidade Santa Úrsula (RJ), Universidade Estadual de Santa Cruz (BA), dentre outras.
47
Noções de Oceanografia
A expedição, apoiada pelo Governo Federal e chefiada pelo Cel. João Alberto, tinha como
cientistas responsáveis o Prof. Besnard e João Capistrano Raja Gabaglia. O objetivo era planejar a
colonização e a construção de uma base aeronaval no arquipélago, além de outros interesses políticos
e econômicos. A Ilha da Trindade foi definitivamente ocupada por militares da Marinha do Brasil
apenas em 1957, com a criação do posto Oceanográfico da Ilha da Trindade (POIT), que até hoje
segue em operação.
FIGURA 14. Expedição ao Arquipélago de Trindade e Martim Vaz: A) Prof. W. Besnard analisando amostras
coletadas; e B) Foto da Ilha de Trindade, tirada pelo próprio Prof. Besnard, durante a expedição. Fotos:
Acervo IOUSP.
48
Histórico da Oceanografia
A participação de equipes brasileiras em projetos internacionais iniciou-se nos anos 1960 com
o Equalant International Expeditions (1960-1964), na área equatorial atlântica. Seguiram-se outros
projetos, como: o Global Atmosphere Research Programmes (GARP) e o GARP Atlantic Tropical Experiment
(GATE, de 1974-1979); o First Global GARP Experiment (FGGE, de 1979); e o World Ocean Circulation
Experiment (WOCE, de 1990 a 1998, com os Projetos Romanche, Cither, Etambot), que foi parte do
Programa Internacional de Pesquisa Climática Mundial (World Climate Research Program - WCRP) e
teve como objetivo estabelecer o papel dos oceanos no sistema climático da Terra. A fase de análise e
modelagem destes dados se estendeu até 2002, no âmbito dos programas Global Ocean Observing System
(GOOS), que é um programa permanente de observação, análise e modelagem de dados oceanográficos,
do qual derivou o programa Global Sea Level Observing System (GLOSS), que visa o monitoramento
e estudo das variações do nível do mar. Os ramos brasileiros desses programas constituem o GOOS-
BRASIL e o GLOSS-BRASIL, que se encontram ativos e operacionalizados da Marinha do Brasil.
Atualmente o Brasil possui grupos de pesquisa bem consolidado, cursos de boa qualidade e uma
relevante produção científica, com participação em diversos programas nacionais e internacionais de
pesquisa oceanográfica, financiados por agências brasileiras de fomento à pesquisa, como: o Conselho
Nacional de Desenvolvimento Cientifico e Tecnológico (CNPq); a Financiadora de Estudos e Projetos
(FINEP); e a FAPESP (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo), além de suas
correlatas em outros estados (ex.: FAPERJ, FACEPE, FAPESB, FAPERGS, FAPESC, FAPERN).
Existem ainda projetos que integram programas nacionais coordenados pela Secretaria da
Comissão Interministerial para os Recursos do MAR (SECIRM), que estão relacionados às águas
de jurisdição nacional, a Amazônia Azul, como o LEPLAC, REMPLAC, REVIZEE, REVIMAR,
PROARQUIPELAGO, PROTRINDADE e o próprio PROANTAR, entre outros.
Todos os projetos citados são apenas alguns exemplos, dentre tantos que já foram desenvolvidos
ou que estão em andamento na área de Oceanografia no Brasil.
49
Noções de Oceanografia
8. A Década do Oceano
A década de 2021 a 2030 foi proclamada pelas Nações Unidas como a Década das Nações Unidas
da Ciência Oceânica para o Desenvolvimento Sustentável, ou Década do Oceano. Nesse sentido,
serão destinados esforços, por meio da interface ciência–política, para fortalecer a gestão do oceano e
das zonas costeiras, em benefício da humanidade, de modo que os países avancem na implementação
da Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável. A criação da Década visa oportunizar o trabalho
em conjunto das nações, para a produção de uma ciência oceânica multilateral. Além disso, já está claro
que a gestão do oceano deve ser compartilhada, visto que muitas das ações e impactos locais, podem
atingir ou gerar consequências em escala global. A coordenação das atividades para o delineamento da
Década do Oceano está a cargo da Comissão Oceanográfica Intergovernamental (COI/UNESCO),
para que todos possam obter “o oceano que precisamos para o futuro que queremos”.
9. Considerações finais
Este capítulo não encerra toda a história da Oceanografia. Ele teve como objetivo apresentar a
construção e a evolução da ciência, destacando alguns de seus principais marcos e feitos. É uma longa
história que se mistura à própria história da humanidade.
Espera-se que tenha ficado claro que a Oceanografia é uma ciência multidisciplinar, cujo
avanço depende do desenvolvimento de tecnologias, de técnicas analíticas e observacionais, além da
necessidade de cooperação entre diferentes atores, órgãos e nações, e da dedicação e do talento de
especialistas das mais diversas áreas do conhecimento. A Oceanografia, assim como seu objeto de
estudo, o oceano, é uma ciência sem fronteiras. É uma ciência única.
50
OCEANOGRAFIA
GEOLÓGICA
Capítulo 2
INVESTIGANDO O
PLANETA TERRA
Luigi Jovane
Nosso planeta pode ser dividido com base em suas propriedades químicas (composicionais)
ou físicas (reológicas). No primeiro caso é dividido em Crosta, Manto e Núcleo. No segundo caso,
em Litosfera, Astenosfera, Mesosfera e Endosfera (Fig. 1).
FIGURA 1. A estrutura interna da Terra com as principais subdivisões. Ilustração: Leandro Coelho.
Os estudos geofísicos, auxiliados pela sismologia, têm procurado esclarecer várias questões relacionadas
ao interior do Terra. Um dos resultados mais importantes dos estudos sismológicos foi fornecer os modelos
de velocidade das ondas sísmicas (primárias, chamadas ondas P, e secundárias, chamadas ondas S). Através
do estudo da propagação das ondas de terremotos (sismos) é possível inferir sobre os tipos de materiais que
essas ondas atravessam ao se propagarem pelas diferentes camadas do planeta.
As variações e os desvios das ondas oferecem elementos para conhecer a estrutura interna da
Terra, ou seja, suas camadas, suas propriedades e seus limites.
O estudo do vulcanismo, da densidade
dos minerais e do grau geotérmico também são fundamentais para auxiliar os geofísicos em sua
busca de conhecimento sobre essas regiões.
55
Noções de Oceanografia
VOCÊ SABIA?
O furo de sondagem das camadas geológicas mais profundo já realizado até hoje foi
perfurado na Rússia e é chamado de Furo SG-3.
A perfuração foi iniciada em 1970 e foi realizada no Norte da Rússia (na Península
de Kola), com o objetivo de chegar até a base da crosta terrestre (cerca de 15 km). A
perfuração foi encerrada em 1989, após atingir a profundidade de 12.262 m. Apesar de ser
o furo mais profundo da Terra, ele só atingiu os primeiros quilômetros da crosta, o que
representa um valor ainda insignificante quando comparado aos aproximadamente 6.371
km até o centro da Terra.
Abaixo, registros do SG-3: A) durante a perfuração; B) uma das brocas utilizadas para
perfuração; e C) o furo, atualmente lacrado. Imagens: ZME Science.
56
Investigando o planeta Terra
A camada mais fina e externa da Terra é a crosta. A crosta é tão fina que pode ser comparada
à casca de uma maçã em relação à maçã inteira. É a camada mais acessível e melhor conhecida de
forma direta, uma vez que é aqui que ocorre a vida. Apesar de observarmos que é formada por rochas
e materiais fundamentalmente sólidos e muito resistentes, a crosta é uma camada muito frágil.
Sua espessura é variável, sendo maior onde há grandes montanhas e menor nos oceanos. É
dividida em crosta continental e crosta oceânica, com composições diversas e espessuras diferentes.
As espessuras externas variam de poucos quilômetros próximo às dorsais, onde teoricamente chega a
0, a até 70 quilômetros, abaixo das montanhas e cordilheiras.
A crosta continental é formada essencialmente por silicatos aluminosos e tem uma composição
global semelhante à do granito (ou granodioríticas, que são rochas ricas em quartzo e silicatos de
sódio e cálcio), medindo de 25 a 70 km de espessura. A crosta oceânica é composta essencialmente de
basalto, formada por silicatos de ferro e magnésio, possui de 5 a 10 km (média de 7 km) de espessura
e é mais densa que a crosta continental por conter mais ferro.
A crosta terrestre apresenta uma estrutura sísmica variável, com velocidade média das ondas
ondas P de 6,5 km/s e das ondas S de 3,8 km/s, podendo-se assumir uma espessura média de cerca
de 40 km. A crosta oceânica é mais fina, com uma velocidade média da onda P de mais de 6,0 km/s.
As placas tectônicas são fragmentos rígidos da Litosfera (Fig. 3) que flutuam sobre uma camada
plástica, chamada Astenosfera, movimentando-se em direções e velocidades diferentes (até alguns
centímetros por ano). Isso faz com que em algumas regiões da Terra as placas se afastem umas das
outras (limites divergentes) ou se choquem (limites convergentes). Neste ultimo caso, uma placa pode
ir abaixo da outra, acontecendo um processo chamado subdução.
FIGURA 3. Limites das placas tectônicas e a idade da litosfera oceânica (em milhões de anos). Adaptado
de National Geophysical Data Center - NOAA.
57
Noções de Oceanografia
1.2 O manto
O manto está abaixo da crosta e representa cerca de 83% do volume do planeta e 67% de sua
massa, possuindo uma espessura total de cerca 2.900 quilômetros. O manto, que é a camada mais
espessa da Terra, divide-se em manto superior e manto inferior. O manto superior (entre 35-100 km)
tem uma velocidade de ondas sísmicas de 8,0 km/s e temperatura relativamente baixa (100°C). Mais
abaixo, no manto inferior, a velocidade das ondas sísmicas chega a até 13,5 km/s e a temperatura
varia de 2.200°C, em sua porção mais externa, a 3.500°C, próximo ao núcleo. Essa discrepância na
velocidade das ondas sísmicas deriva da uma mudança na composição química e física das rochas.
VOCÊ SABIA?
Na base da crosta existe uma descontinuidade chamada Descontinuidade de
Mohorovicic (ou simplesmente Moho).
58
Investigando o planeta Terra
Se o contato crosta/manto é bem definido, ao contrário, o mesmo não acontece com o limite
entre litosfera e astenosfera, que é um limite que depende muito do que está logo acima na crosta. A
densidade varia de 3,2 (próximo da litosfera) a 3,7 (400 km). Abaixo desse limite ocorre um processo
de equilíbrio gravitacional das placas, em função de sua densidade e o peso da massa acima delas. Esse
processo, definido como equilíbrio isostático, faz com que os blocos da crosta que recebem mais material
na superfície afundem, e os que são erodidos levantem.
No manto existem alguns pontos fixos que têm uma temperatura constantemente mais alta que
a região ao seu redor e são chamados de hot spots (pontos quentes). Nesses pontos, o material quente
sobe e funde a crosta que está acima, criando estruturas vulcânicas complexas.
VOCÊ SABIA?
Sendo a crosta formada por placas em movimento, um vulcão é gerado quando uma
placa passa por um ponto quente (hot spot). Com o passar do tempo o mesmo se apaga
quando a placa desliza por cima desse ponto e, ao se deslocar, gera um novo vulcão.
Esse processo pode acontecer por milhões de anos, enquanto o ponto quente
estiver ativo, gera-se uma fileira de vulcões progressivamente mais antigos, com somente
o mais jovem ainda ativo.
1.3 O núcleo
59
Noções de Oceanografia
O núcleo terrestre é constituído principalmente por ferro (80%) e níquel, sendo dividido
em uma parte externa líquida, e outra interna sólida e densa. Dentro do núcleo externo, que tem
a espessura de cerca de 2.200 quilômetros, a velocidade das ondas P aumenta gradativamente até
chegar a uma nova e forte descontinuidade, chamada Descontinuidade de Lehman, que separa o
núcleo externo do interno. Nessa profundidade, a velocidade das ondas P aumenta, estabilizando-
se em 11 km/s e as ondas S reaparecem (portanto, em um ambiente “sólido”) para valores de
cerca de 3,8 km/s. Essa é a mais profunda e menos conhecida das camadas que compõem o globo
terrestre. O núcleo interno tem uma espessura de 1.250 km e é caracterizado por estar sob forte
pressão. Isso faz com que o material (Fe-Ni), apesar de possuir a mesma composição que o núcleo
externo, seja sólido. A temperatura pode chegar a até 5.000°C (um pouco inferior à temperatura
da superfície do Sol).
Devido ao núcleo da Terra girar juntamente com o restante do planeta, é gerada uma corrente
elétrica que provoca um campo magnético. Assim a Terra pode ser descrita como um único e enorme
imã chamado Campo Magnético Terrestre, com polaridade oposta nos dois polos de rotação. O
núcleo interno tem uma velocidade de rotação um pouco mais rápida que o restante do planeta e
essa variação de velocidade de rotação é compensada pelo núcleo exterior, que é líquido.
2. Terremotos
O principal mecanismo de geração de ondas sísmicas na Terra encontra-se na liberação de
energia mecânica por ocasião de terremotos, podendo haver ainda, pequenas ondas sísmicas
(microssismos) devido à interferência do oceano ou das ondas do mar. Geralmente, um terremoto
ocorre como resultado da fratura de uma parte da crosta da terra incapaz de suportar os esforços
tectônicos acumulados em uma determinada área.
Existem ainda terremotos com fontes mais profundas do que a crosta, à exemplo das
zonas de subducção. Simultaneamente com a fratura, ocorre a liberação do esforço aplicado e
frequentemente, como o primeiro resultado visível, um deslocamento ao longo de uma superfície
que é chamada de plano de falha (pode haver casos em que a falha não é visível na superfície, mas
ainda está presente em profundidade).
Os terremotos ocorrem por diversas causas, que incluem diferentes eventos naturais como falhas
ou explosões vulcânicas, por exemplo. Finalmente, também existem fontes sísmicas atribuídas a causas
artificiais, incluindo explosões de vários tipos.
Supondo que a origem de um terremoto seja um ponto específico em subsuperfície, este ponto
é chamado de hipocentro (ou foco), ou seja, o ponto no interior da Terra a partir do qual a energia
sísmica é liberada. Epicentro é a projeção do hipocentro na superfície (também aqui idealmente
identificado por um ponto).
Durante a propagação da fratura, ondas sísmicas são emitidas. Quanto acontece um evento
sísmico a uma pequena distância do hipocentro, a extensão do fenômeno e a intensidade dos esforços
podem ser capazes de ultrapassar o limite do comportamento plástico e podem ocorrer deformações
permanentes, como fraturas e falhas (Fig. 4).
60
Investigando o planeta Terra
FIGURA 4. Modelo de deformação relacionando pressão e estresse. A deformação de cada material pode
ser: elástica (o material volta às condições iniciais após a pressão); plástica (o material volta parcialmente
as condições iniciais após pressão); e fratura (o material é afetado permanentemente e não volta às
condições iniciais).
Acima de uma certa distância, quando a intensidade do fenômeno diminui, é possível classificar
as ondas sísmicas como ondas elásticas. Se excluirmos, portanto, a vizinhança imediata do hipocentro,
podemos assumir que a perturbação espacial que se propaga no meio da Terra após um terremoto é
uma onda elástica. Isso significa que as partículas do meio interagem elasticamente e que a energia
sísmica é transmitida por meio de um complexo de movimentos de onda (Fig.5). Para terremotos
muito fortes, a energia de excitação é tal que permite que as ondas sísmicas percorram grande parte do
interior da Terra ou mesmo fazer com que todo o nosso planeta oscile.
61
Noções de Oceanografia
3. Ondas de volume
Dentro de um meio homogêneo, dois tipos de ondas elásticas são propagadas, também conhecidas
como ondas de volume: longitudinais e transversais. No primeiro (longitudinal, primárias ou P), as
partículas do meio oscilam longitudinalmente na direção da propagação da onda de forma semelhante
às ondas acústicas que causam compressões e dilatações alternadas do meio (Fig. 6).
62
Investigando o planeta Terra
VOCÊ SABIA?
As principais ondas que se propagam dentro da crosta terrestre podem ser imaginadas
como raios sísmicos.
• Pg e Sg: ondas diretas que fizeram seu caminho na primeira camada que constitui
a crosta terrestre, tradicionalmente conhecida como camada de granito. Eles se
registram como primeiras chegadas de ondas sísmicas até uma distância máxima de
algumas dezenas de km do hipocentro.
• RiPg e RiSg: ondas refletidas pela superfície que separa a camada granítica da basáltica
(Conrad).
• P* ou Pb e S* ou Sb: indicam ondas com trajetória mista em granito e basalto.
• PmP e SmP: ondas refletidas na Moho.
• Pn e Sn: ondas que cruzaram toda a crosta e são refratadas criticamente na interface
crosta-manto, se propagaram com a velocidade do manto superior abaixo da Moho.
Além de uma certa distância angular crítica do hipocentro do terremoto (∆~110°, cerca
de 12.000 km), a onda P não é mais registrada, devido à interposição do núcleo da terra que
gera uma “sombra” (a área cinza). Assim, a primeira onda registrada é a PKP.
63
Noções de Oceanografia
4. Os sismogramas
O sismômetro é uma ferramenta fundamental para o estudo das ondas sísmicas. Neles são
produzidos os sismogramas (tradicionalmente reproduzidos em papel) (Fig. 8), nos quais são exibidos
os registros das ondas sísmicas durante os terremotos (na prática, atualmente, os sismogramas são
produzidos a partir de dados armazenados em formato digital). Os sismogramas ainda são o meio
mais imediato de reconhecer as características das ondas sísmicas de um terremoto, como o momento
em que foi gerado e o caminho que a onda sísmica realizou até atingir a estação que a registrou.
5. Ondas acústicas
As ondas sísmicas, sendo onda acústicas (ondas onde a energia se propaga dentro de um meio
por compressão e descompressão), podem também se propagar facilmente na água do mar (velocidade
média de 1.500 m/s), nas camadas de rochas e sedimentos no fundo. Por isso, os elementos descritivos
das ondas acústicas no mar podem ser simplificados.
Amplitude (A): distância entre a posição de repouso de um elemento de matéria e sua posição
com deslocamento máximo.
Fase (F): é um termo que se refere a uma determinada posição em um ciclo, por exemplo, o pico
de uma onda em forma de seno, que ocorre repetidas vezes em um determinado ponto e pode
ser tomado como referência para a observação da propagação da onda.
Comprimento de onda (λ): a distância entre dois pontos de mesma fase em ciclos adjacentes.
Frequência (f): número de ciclos que ocorrem por unidade de tempo em uma determinada
posição, medida em Hertz (Hz).
64
Investigando o planeta Terra
Período (P): tempo necessário para completar-se um ciclo. É o inverso da frequência (1 / f).
Frequência angular: expressão da frequência em termos da trajetória que seria percorrida sobre
uma circunferência após cada unidade de tempo, com a circunferência representando um ciclo
completo:
Importantes relações entre esses elementos podem ser facilmente deduzidas, sendo uma das
mais úteis a relação entre comprimento de onda (λ), velocidade (v) de propagação e frequência (f):
λ=v/f
Temos também que o índice de refração (n) é dado por n = V / v, onde V é a velocidade no vácuo
e v é a velocidade da propagação da onda no meio estudado.
Oscilações com padrão senoidal, comumente utilizadas em exemplo didáticos, podem ser
descritas pela seguinte equação:
y = A ⸳ sen (k ⸳ x – ϭ ⸳ t)
Dado um meio heterogêneo no qual há uma descontinuidade plana separando dois meios com
características físicas diferentes (Fig. 9), em analogia à óptica geométrica, uma onda incidente na
descontinuidade pode ser representada com um raio sísmico para o qual são defindos os seguintes
ângulos: i = incidência; R = Reflexão; e r = refração.
FIGURA 9. Representação gráfica do raio incidente e raio refletido através do meio 1 e do raio refratado
através do meio 2. Ilustração: Leandro Coelho.
65
Noções de Oceanografia
Com referência à figura, o plano da água é o plano de incidência. A Lei de Snell permite
determinar os ângulos de reflexão e refração conforme duas mídias passam com velocidade v1 e v2.
No caso da reflexão:
No caso da refração:
Portanto:
As condições de contorno impostas na equação de onda mostram que na interface entre dois
meios podemos ter conversão entre ondas P e S.
Como não há adição de energia ao sistema, o aumento de área da esfera durante a propagação é
compensado pela perda de amplitude, de forma a manter constante a energia total. A amplitude decai,
em função desse efeito, proporcionalmente ao quadrado da distância percorrida.
Pode-se determinar a forma que uma frente de onda, caracterizada como uma superfície irregular,
irá possuir após um intervalo de tempo t admitindo-se que a nova frente será a superfície envoltória
de todas as frentes de ondas que existiriam se cada ponto na frente anterior fosse uma pequena fonte.
Este é o chamado Princípio de Huygens.
66
Investigando o planeta Terra
A representação gráfica do Princípio de Huygens (Fig.10) define que a segunda posição da frente
de onda pode ser determinada considerando-se cada ponto da frente anterior como uma nova fonte.
Em outras palavras, ao passar do tempo a frente de onda formada por um número infinitésimo de
pontos produz um número infinitésimo de novas ondas geradas por cada um de pontos, estabelecendo
uma nova frente de onda no instante seguinte que mantém a mesma geometria.
Muitas vezes é pouco conveniente representar uma onda pela frente de onda, que muda de
posição constantemente. Mais frequentemente é utilizada a representação do raio da onda, definido
como a menor trajetória entre dois pontos, como no caso de uma fonte e um receptor.
Quando uma onda de corpo atinge um limite entre dois meios com velocidades diferentes,
ocorrem dois fenômenos principais:
• Parte da onda incidente é refletida de volta para o meio 1. O ângulo de reflexão é igual ao
de incidência, ou seja, o ângulo entre o raio da onda incidente e uma normal ao plano de
reflexão é igual ao ângulo entre o raio da onda refletida e essa normal;
• Parte é transmitida pelo meio 2. Para que se mantenha a coerência da frente de onda com
o Princípio de Huygens, o raio muda de direção de acordo com a mudança de velocidade.
Essa mudança de direção segue a Lei de Snell, que relaciona o ângulo de incidência (i1), o
ângulo de refração (i2), ambos medidos em relação a uma normal ao plano, e as velocidades dos
meios 1 e 2 (v1 e v2).
A Lei de Snell não era publicada até Huygens a mencionar em seu tratado sobre a luz. Assim
n1 e n2 representam os coeficientes de refração dos dois meios, e α1 e α2 são os ângulos de incidência e
refração do raio R com a normal (perpendicular) N.
67
NOÇÕES DE OCEANOGRAFIA
Capítulo 3
O RELEVO OCEÂNICO
Gabriel Tagliaro & Luigi Jovane
O Relevo Oceânico
Gabriel Tagliaro & Luigi Jovane
Até os anos de 1950, pouco se sabia sobre a estrutura e o relevo do fundo oceânico. O
desenvolvimento de técnicas de sonar, durante a Segunda Guerra Mundial, possibilitou que cientistas
utilizassem estas técnicas para mapear o fundo dos oceanos durante os anos 50 e 60. Entre os pioneiros
no mapeamento do relevo submarino se destacam Marie Tharp e Bruce Heezen, ambos da Universidade
de Columbia (EUA), que compilaram dados de sonar adquiridos ao redor do mundo (Fig. 1).
FIGURA 1. O primeiro mapa global do assoalho oceânico publicado por Heezen e Tharp em 1964. Os
trabalhos de Heezen e Tharp durante os anos de 1950-1960 foram pioneiros no mapeamento do relevo
oceânico e abriram caminho para o entendimento dos processos de formação do assoalho oceânico.
Fonte: The Floor of the Oceans, American Geographical Society.
71
Noções de Oceanografia
Marie Tharp era quem tinha a responsabilidade de ilustrar o relevo submarino a partir dos dados
compilados e foi a primeira a identificar a presença de uma grande cadeia de montanhas submarinas
no centro do Atlântico Norte. Posteriormente, feições semelhantes também foram encontradas no
centro de todos os grandes oceanos, no Atlântico, no Pacífico e no Índico.
A identificação dessas cordilheiras submarinas foi uma revolução científica, já que os modelos de
formação dos continentes então aceitos não conseguiam explicar a formação destas montanhas, hoje
chamadas de dorsais meso-oceânicas. Tharp considerava que as dorsais meso-oceânicas se formavam
a partir da quebra e da separação do assoalho oceânico, o que resultaria em grandes derrames
vulcânicos submarinos, que então formariam tais montanhas submersas. Dessa forma, se o assoalho
oceânico atualmente se expandia na região das dorsais, isso significava que no passado geológico os
oceanos eram menores e que os continentes poderiam ter estado unidos, o que era exatamente a ideia
da Deriva Continental de Wegener.
Com o passar dos anos, diversas técnicas de pesquisa científica foram desenvolvidas e ajudaram
a confirmar a hipótese científica de Wegener, Tharp e Heezen. Dentre estas, com a técnica de
paleomagnetismo, geólogos aprenderam a medir o magnetismo das rochas e descobriram que o campo
magnético da Terra possuía um comportamento diferente no passado. Entre intervalos de tempo
geológicos, foi observado que o polo magnético da Terra mudava de orientação do polo Norte (como
é hoje) para o polo Sul, e vice-versa, em um movimento binário que ficou gravado no magnetismo
das rochas ígneas formadas nestes intervalos. Assim, ao coletar e medir o magnetismo de amostras
do assoalho oceânico localizadas entre os continentes e as dorsais meso-oceânicas, e associando-se as
idades absolutas das rochas oceânicas com as medidas de paleomagnetismo, cientistas descobriram
que as rochas do fundo oceânico eram mais novas próximas às dorsais e mais antigas em direção aos
continentes. Foi assim revelado que os continentes estão em constante movimento ao longo do tempo,
flutuando sobre o mar de magma da astenosfera.
VOCÊ SABIA?
Até a década de 1960, mulheres não podiam participar da maioria das expedições
oceanográficas.
Marie Tharp pôde participar de uma expedição oceânica apenas em 1965, quase 20
anos após o início da sua carreira. Fonte: Lamont-Doherty Earth Observatory.
72
O relevo oceânico
Em um limite convergente, a placa tectônica mais densa (normalmente formada por crosta
oceânica mais fria e antiga) mergulha por baixo da placa sobrejacente, em um movimento chamado
de subducção. Assim, a outra extremidade da placa que mergulhou é gradualmente afastada da placa
vizinha, o que forma uma zona de limite divergente no outro extremo da borda desta placa tectônica.
Nesta zona de limite divergente, chamada de rifte ou zona de rifteamento tectônico, o afastamento
tectônico resulta em grandes fissuras na litosfera terrestre que permitem que o magma da astenosfera
suba até a superfície. Em seguida, o contato deste magma da astenosfera com as águas frias profundas,
solidificará o magma rapidamente formando as rochas de um novo assoalho oceânico. Ao longo do
tempo, este rifteamento expandirá gradualmente este novo oceano, separando os continentes. Por
último, o resfriamento das rochas do assoalho oceânico ao longo de milhões de anos concomitante
com a deposição de espessos pacotes de sedimentos nas margens dos continentes faz com que a
crosta oceânica (mais densa e fina) afunde sob a crosta continental, formando então um novo limite
convergente de placas que consumirá a crosta oceânica, reiniciando o ciclo (Fig. 2).
73
Noções de Oceanografia
Este contínuo ciclo de geração e destruição de oceanos, chamado de Ciclo de Wilson, gerou
a formação de sete supercontinentes e superoceanos durante os 4,6 bilhões de anos da história da
Terra, dos quais os últimos foram o supercontinente Pangaea e o superoceano Pantalassa, formados
há cerca de 250 milhões de anos antes do presente. Existem também limites de placas onde a crosta
não é produzida, nem destruída, chamados de zona de limites transformantes. Nestes limites, as placas
deslizam entre si em um movimento lateral. Um exemplo de um limite transformante é a Falha de San
Andreas na Califórnia, que separa a placa Norte-Americana e a placa do Pacífico.
Abaixo da zona mais próxima da superfície formada pelos derrames de lava, há uma camada de
rochas basálticas orientadas na vertical, chamada de enxame de diques basálticos. Diques basálticos
formam-se por entre as fraturas que transportam o magma para a superfície, com espessuras ao redor
de 1 km de profundidade. Por último, abaixo dos diques, o resfriamento mais lento do magma em
profundidades mais altas resulta na formação de Gabros. São rochas com cristais maiores e de cores
mais claras que os basaltos. Esta camada possui ao redor de 4,5 km de espessura e forma a base da
crosta oceânica, em contato com o magma da astenosfera.
74
O relevo oceânico
para a crosta continental diminui a profundidade dos oceanos. Por último, em zonas de limites
convergentes, como ao longo da costa oeste na América do Sul, o afundamento de uma das placas
tectônicas gera zonas de fossas abissais que podem chegar a profundidades acima de 10 km. Com
base nestas diferenças, duas grandes áreas do relevo são então delimitadas e serão descritas a seguir:
as margens continentais e as bacias oceânicas.
VOCÊ SABIA?
Até o ano 2020, apenas 19% do relevo oceânico havia sido mapeado em alta resolução.
75
Noções de Oceanografia
5. Margens continentais
As margens continentais constituem a zona de transição entre a crosta continental, mais
leve e espessa, e a crosta oceânica, mais densa e fina. Estão localizadas entre a zona costeira dos
continentes, ao nível do mar, até regiões de mar profundo com até 5 km de profundidade. Estas
regiões são extremamente importantes para a vida em sociedade, em virtude do transporte naval e
dos amplos recursos naturais explorados, como a pesca e a extração de hidrocarbonetos. Margens
continentais são do tipo passivas quando estão próximas a limites de placas divergentes e do tipo ativa
quando estão próximas a limites de placas convergentes. Margens passivas estão divididas em três
subprovíncias fisiográficas: a plataforma continental, o talude continental e a elevação continental.
Já as margens ativas não apresentam a elevação continental. Estas subprovíncias fisiográficas são
descritas em detalhe a seguir.
A elevação continental, também conhecida como sopé continental, estende-se da base do talude
até a planície abissal, com profundidades superiores a 5 km. É a zona de transição entre o relevo
relativamente acentuado do talude e as planícies abissais, que possuem declives de no máximo 1 grau.
76
O relevo oceânico
O relevo da elevação continental é muitas vezes irregular pela presença de montes e platôs
submarinos. Espessos depósitos de sedimentos concentram-se na elevação continental, principalmente
em margens continentais próximas a grandes rios onde formam-se vastos leques submarinos que
concentram uma grande quantidade de recursos petrolíferos. A elevação continental marca o fim da
transição entre a crosta continental e a crosta oceânica.
FIGURA 4. Principais sub-províncias fisiográficas e feições de uma margem continental passiva. Adaptado
de Encyclopedia Britannica.
6. Bacias oceânicas
As bacias oceânicas localizam-se nas porções mais profundas, além da elevação continental.
Geologicamente, o assoalho das bacias oceânicas é formado por crosta oceânica, rochas de densidades
mais altas do que as rochas continentais, formadas pelo vulcanismo nos limites tectônicos de placas
divergente. Dessa forma, o assoalho oceânico é menos espesso nas bacias oceânicas do que nas margens
continentais, e está composto por elementos químicos mais pesados. As maiores bacias oceânicas
são a bacia do Pacífico, do Atlântico, do Índico, do Oceano Austral e do Oceano Ártico. Três áreas
principais compõem as bacias oceânicas, descritas a seguir: a planície abissal, as cordilheiras meso-
oceânicas, e as fossas abissais.
As planícies abissais são as zonas mais extensas do assoalho oceânico, cobrindo ao redor
de 30% de toda superfície oceânica. Estendem-se da elevação continental até as cordilheiras
meso-oceânicas ou fossas abissais na porção mais central dos oceanos. Possuem relevo plano e
profundidades médias entre 4-5 km.
77
Noções de Oceanografia
As fossas abissais são as regiões mais profundas dos oceanos, com profundidades de até 10.920 m,
na Fossa das Marianas. São formadas ao longo de limites convergentes de placas, que podem ser entre
uma crosta continental e uma oceânica, como na margem oeste da América do Sul, mas também entre
duas crostas oceânicas, como no Japão. As fossas abissais mais profundas encontram-se nestes limites
entre crostas oceânicas, onde ocorrem alinhamentos de vulcões ativos, formando os arcos vulcânicos
(ou arco de ilhas), como se observa no Japão. Fossas abissais possuem declives muito elevados ao
redor de 10 graus e dessa forma são consideradas as zonas mais íngremes do relevo oceânico. Apenas
recentemente as fossas abissais começaram a ser exploradas e ainda muito pouco é conhecido sobre as
características geológicas, oceanográficas e biológicas destas regiões.
FIGURA 5. Relevo oceânico ao longo da Fossa das Marianas (em roxo). A Fossa das Marianas é o resultado
da colisão da placa tectônica do Pacífico (crosta oceânica) com a placa das Marianas (crosta oceânica),
que formou, além da fossa, um conjunto de ilhas no centro do Oceano Pacífico. Em verde temos as Ilhas
de Guam e as Ilhas Marianas. Fonte: NOAA.
78
O relevo oceânico
Fumarolas hidrotermais submarinas são como gêiseres no assoalho oceânico, os quais localizam-
se geralmente em limites divergentes de placas tectônicas. Nestas regiões, a ascensão do magma
quente esquenta a água localizada entre os poros e fraturas da rocha de maneira similar como ocorre
em fontes hidrotermais na superfície. Entretanto, fontes hidrotermais submarinas podem chegar a
temperaturas da água de até 400°C, sem entrar em ebulição devido à alta pressão que a coluna de água
exerce sob o fundo marinho. As altas temperaturas e o contato com o magma rico em minerais torna
o fluido hidrotermal enriquecido em metais como ferro, zinco, cobre, chumbo e cobalto, entre outros.
O contato do fluído hidrotermal com a água gélida das profundezas precipita estes metais em formato
de torres hidrotermais, que podem chegar a ter 60 m de altura.
Estas estruturas foram descobertas em 1977 no Oceano Pacífico próximo às Ilhas Galápagos,
em profundidades ao redor de 2.500 m. O que causou grande espanto na época, é que associadas a
essas fontes hidrotermais submarinas há todo um ecossistema de organismos vivos, que era até então
totalmente desconhecido. Foi então descoberto que a base desse ecossistema era formada por pequenos
microorganismos que se alimentam de substâncias químicas presentes nas torres hidrotermais, como o
sulfeto de hidrogênio. A presença destes microorganismos anaeróbicos, por sua vez, sustenta toda uma
cadeia alimentar composta por mais de 300 espécies de organismos marinhos, incluindo poliquetas,
camarões e peixes, de forma independente da ação fotossintética do Sol.
FIGURA 6. Uma fumarola negra do campo de fontes hidrotermais do limite divergente de placas do
Atlântico Norte. As fumarolas negras possuem uma composição rica em sulfetos metálicos enquanto as
fumarolas brancas são ricas em óxidos de Bário, Cálcio e Silício. Fonte: Center for Marine Enviromental
Sciences. MARUM - Research Faculty University of Bremem.
79
Noções de Oceanografia
Vulcões submarinos são formados a partir de fissuras do assoalho oceânico, por onde ocorre o
extravasamento de magma do manto terrestre. Este vulcanismo submarino ocorre principalmente em
ambientes limites de placas tectônicas, tanto em limites divergentes como em limites convergentes.
Contudo, vulcões submarinos também podem se formar no interior da placa tectônica, em zonas de
anomalia de calor no manto, conhecidas como pontos quentes (Hot Spots), como o Hot Spot do Havaí
ou da Cadeia Vitória-Trindade no Brasil. A montanha mais alta do planeta é o vulcão submarino
Mauna Kea no Havaí com 10.210 m de altura, mais de 1.300 m a mais que o Monte Everest.
FIGURA 7. Mapa batimétrico do vulcão submarino de Kolumbo no Mar Egeo próximo a famosa Ilha
de Santorini que também é um vulcão. Note que a caldeira do vulcão no centro da montanha é mais
profunda que o assoalho oceânico ao redor do vulcão.
80
O relevo oceânico
VOCÊ SABIA?
A exploração do assoalho oceânico em áreas ultraprofundas somente é possível
utilizando-se submersíveis e, mais atualmente, com drones e robôs submarinos.
O submersível Alvin é o mais famoso em atuação. Foi com ele que cientistas
exploraram fontes hidrotermais, em 1977, e os destroços do Titanic, em 1986. Fonte: WHOI.
FIGURA 8. Distribuição dos maiores platôs oceânicos. Adaptado de Kerr & Mahoney, 2007.
81
Noções de Oceanografia
Cânions submarinos são grandes canais sinuosos presentes ao longo do talude das margens
continentais. Representam canais que transportam grandes quantidades de sedimentos dos
continentes para o fundo dos oceanos, conectando diretamente a plataforma continental com a planície
abissal. Representam canais que transportam grandes quantidades de sedimentos dos continentes
para o fundo dos oceanos. A formação dos cânions submarinos está relacionada a avalanches de
sedimentos originadas no topo do talude continental. Estas avalanches geram correntes de turbidez
de alta densidade com velocidades de até 50 km/h. A passagem da corrente de turbidez erode os
sedimentos previamente depositados no assoalho oceânico, gerando canais escavados na região onde
o deslizamento ocorreu. À medida que novas correntes de turbidez fluem nestes canais escavados pela
ação da força gravitacional, vai-se então formando o cânion submarino que pode chegar a relevos de
centenas de metros. Estas correntes de turbidez podem ser formadas naturalmente no topo do talude,
pela alta deposição de sedimento, mas também ocorrem frequentemente durante terremotos. Dessa
forma, a margem continental do estado da Califórnia nos Estados Unidos é famosa pela presença
de inúmeros cânions submarinos, devido à alta frequência de terremotos gerados pela Falha de San
Andreas. Importantes cânions submarinos incluem o Cânion de Monterrey na Califórnia e o Cânion
do Amazonas na margem continental norte do Brasil.
Leques submarinos são depósitos sedimentos e de rochas sedimentares em forma de leques, que
ocorrem na base do talude continental. Estão muitas vezes associados a cânions submarinos, sendo
o depósito final dos sedimentos transportados ao longo dos cânions. De maneira similar aos cânions
submarinos, são formados por correntes de turbidez que transportam sedimentos desde a plataforma
continental até as planícies abissais, através do talude e elevação continentais. Leques submarinos
podem atingir extensões de milhares de quilômetros, constituindo uma das maiores feições do relevo
oceânico. Os maiores leques submarinos encontrados nos oceanos estão localizados próximos a deltas
de grandes rios, como o Leque Bengala, formado por sedimentos transportados da cordilheira dos
Himalaias pelos grandes rios Ganges e Brahmaputra. Este leque submarino possui 3.000 km de
extensão, 1.430 km de largura e uma espessura total de sedimentos de 16,5 km. No Brasil, se destaca
o leque submarino do Amazonas (Cone do Amazonas), formado gradualmente ao longo dos últimos
10 milhões de anos após o desenvolvimento do atual delta do Rio Amazonas.
Recifes de corais, ou arrecifes, são grandes estruturas formadas por rochas carbonáticas. Estas
rochas são basicamente os esqueletos de vastas colônias de corais, organismos marinhos invertebrados
que extraem o carbonato de cálcio da água do mar para produzir o exoesqueleto que protege os
frágeis pólipos de cada indivíduo da colônia. Ao longo do tempo, a acumulação dos exoesqueletos de
inúmeras gerações de corais é capaz de construir grandes plataformas carbonáticas, com quilômetros
de espessuras e dezenas de quilômetros de extensão. Uma vez que as espécies de corais dependem
de muita luz solar para o seu metabolismo, o topo dos recifes de corais está sempre próximo ao nível
do mar, no topo da chamada zona fótica. Dessa forma, quando ocorre um aumento do nível do mar
gradual, corais tendem a aumentar a secreção de exoesqueletos na superfície da plataforma carbonática,
para manter a colônia dentro da zona fótica. Por isso, as bordas de uma plataforma carbonática são
82
O relevo oceânico
muito íngremes, com ângulos de até 50 graus. Por outro lado, se o aumento do nível do mar ocorre
de maneira muito rápida, como atualmente em virtude do aquecimento global, a incidência da luz
solar se torna insuficiente sobre aqueles organismos, o que eventualmente dizima a colônia de corais.
Entretanto, mesmo com a morte da colônia, a plataforma carbonática será preservada, como um
registro fóssil de antigos recifes de corais.
Recifes de corais são encontrados em todos os oceanos, do Alasca ao Sul da Austrália, mas são
principalmente localizados em águas claras e quentes das zonas equatoriais, como no mar do Caribe
e no Pacífico Central. O maior sistema de corais ativo está localizado na Grande Barreira de Corais
da Austrália, com mais de 2.400 km de extensão. No Brasil destaca-se o grande Banco de Corais de
Abrolhos entre as costas do Espírito Santo e da Bahia, que compreende uma área total de 56.000 km².
FIGURA 9. A) A Grande Barreira de Corais na Austrália é o maior sistema de recife de corais do mundo
e inclui 600 ilhas e 300 atóis. B) Esta estrutura viva sustenta uma imensa biodiversidade marinha no
Oceano Pacífico, que está atualmente ameaçada de extinção pela acidificação dos oceanos em virtude do
aquecimento global. Fonte: VCG.
83
Noções de Oceanografia
7.7 Atóis
Um atol é uma ilha oceânica em formato circular formado pela interação entre diferentes
processos geológicos ao longo do tempo. A formação de um atol começa pela formação de um vulcão
submarino próximo ao nível do mar, localizado em um limite de placas tectônicas ou em zonas de
anomalias de calor do manto terrestre. Após um longo período de atividade vulcânica esses vulcões se
tornam inativos, gerando montanhas e ilhas. A partir daí, recifes de corais se desenvolvem no assoalho
oceânico próximo a superfície, formando uma franja de corais circular ao redor da margem da ilha
vulcânica. Ao longo de milhões de anos o topo do antigo vulcão vai desaparecendo, pelo afundamento
da crosta oceânica e pela ação erosiva das ondas, formando uma laguna na parte central da ilha,
entre os recifes de coral. O desenvolvimento final de um atol é marcado pelo total desaparecimento
do vulcão original, permanecendo ao nível do mar apenas o recife de corais em formato circular.
Exemplos de ilhas de atol incluem as Ilhas Bora Bora no Oceano Pacífico, onde parte do vulcão ainda
permanece acima do nível do mar, e as Ilhas Maldivas no Oceano Índico e o Atol das Rocas no Brasil,
onde apenas o recife de corais está acima do nível do mar.
FIGURA 10. A) Foto aérea da Montanha do Sassolungo nas Dolomitas da Itália, um antigo Atol formado
há 220 milhões de anos atrás, época em que esta região da Itália estava inundada por um grande oceano
de nome Tétis. B) Foto aérea do Atol das Rocas (Marinha do Brasil). Note a laguna que se forma na parte
central da ilha, acima da antiga cratera de um vulcão. Ilhas de atol formam locais de natureza paradisíaca
que estão atualmente ameaçados pelo aumento do nível do mar causado pelo aquecimento global.
84
NOÇÕES DE OCEANOGRAFIA
Capítulo 4
SEDIMENTOS DO
ASSOALHO OCEÂNICO
Cintia Yamashita, Ana Cláudia Santarosa,
Fabiane Sayuri Iwai & Silvia Helena de Mello e Sousa
RENATA HANAE NAGAI (UFPR), GABRIEL TAGLIARO (IOUSP) E MARIA VIRGÍNIA ALVES MARTINS (UERJ)
CITAÇÃO SUGERIDA: YAMASHITA, Cintia et al. Sedimentos do assoalho oceânico. In: HARARI,
Joseph (org.). Noções de Oceanografia. São Paulo: Instituto Oceanográfico, 2021. E-book. Cap.
4: p. 87-103.
Sedimentos do assoalho oceânico
Quando vamos à praia e pisamos na areia, podemos nos perguntar de onde vêm os grãos de areia,
como e quando se formaram, do que são constituídos, se existem partículas semelhantes recobrindo
todo o fundo marinho e se modificam de uma bacia oceânica para outra.
Outras questões podem vir à mente: há alguma relação entre fenômenos geológicos que ocorrem
no continente e os processos oceânicos, como correntes marinhas, na formação e distribuição das
partículas sedimentares? Há algum interesse econômico nos depósitos formados por essas partículas
depositadas no fundo marinho? O que o estudo dessas partículas pode nos revelar para a compreensão
da história dos oceanos?
Neste capítulo, vamos abordar a história dos sedimentos marinhos, genericamente considerados
como partículas sedimentares, desde a sua formação até a sua chegada no oceano, sua composição e
classificação, e a importância de seu estudo para o entendimento dos fenômenos geológicos e processos
oceanográficos atuais e do passado.
A maior parte do fundo marinho está coberta por espessas camadas de sedimentos. Em regiões
mais jovens do fundo marinho, onde ainda não houve tempo suficiente para uma acumulação significativa,
os sedimentos são mais escassos. Globalmente, as camadas de sedimentos marinhos têm em média cerca
de 1 km de espessura, mas podem exceder 15 km em áreas de alta acumulação, como por exemplo em
desembocaduras de rios que depositam volumes expressivos de material.
Os processos pelos quais as partículas sedimentares passam, desde sua formação, transporte e
deposição final, alteram as características físicas e químicas dos sedimentos. Dessa forma, depósitos de
sedimentos marinhos constituem um grande arquivo, registrando as condições geológicas, oceanográficas e
climáticas presentes no momento de sua deposição. Os padrões e a composição das camadas de sedimentos
no assoalho oceânico são de grande interesse para o estudo das condições do passado do oceano e suas
interações com o continente e a atmosfera.
87
Noções de Oceanografia
Temos maior familiaridade com sedimentos resultantes de processos continentais, como a areia
da praia e os sedimentos do fundo de um rio. A maior parte dos sedimentos que chega aos oceanos
provêm do intemperismo de rochas presentes nos continentes. Pela ação da água e vento, e também
árvores, animais e bactérias, ou mesmo geleiras, as rochas são desgastadas dando origem a esses
sedimentos. Estas rochas são chamadas de rocha-matriz, ou rocha-mãe, tendo esse nome justamente
por ser a fonte de sedimentos.
As rochas, porém, não são a única fonte de sedimentos no ambiente continental. As explosões
vulcânicas além de produzirem grande quantidade de lava, liberam também grandes quantidades de
cinzas vulcânicas, que são capazes de viajar em suspensão na atmosfera até serem depositadas em áreas
continentais a longas distâncias do vulcão de origem, ou até mesmo caírem diretamente sobre os oceanos.
Quanto ao material extraterrestre que pode fazer parte dos sedimentos marinhos, ele muitas
vezes não é facilmente identificado, sendo frequentemente necessária uma análise minuciosa em
88
Sedimentos do assoalho oceânico
microscópio e às vezes até mesmo análise geoquímica para identificar sua presença em uma amostra.
Os sedimentos cosmogênicos vêm em duas formas principalmente: como esferas microscópicas;
e como fragmentos de meteoros maiores. A origem das partículas esféricas está provavelmente
associada à desintegração dos meteoros quando esses entram em contato com a atmosfera do nosso
planeta. Já os fragmentos maiores vêm de colisões de meteoritos com a Terra. A presença de
sedimentos extraterrestres não é muito representativa nem sobre os continentes nem no fundo
marinho, embora estima-se que entre 5 e 300 toneladas de material cosmogênico chegam diariamente
à superfície da Terra.
VOCÊ SABIA?
Diamantes podem ser encontrados no fundo dos oceanos.
3.1 Detrítico
89
Noções de Oceanografia
3.1.1 Terrígeno
3.1.2 Vulcânico
Os sedimentos vulcânicos são compostos por minerais trazidos para o oceano principalmente
pelo vento, como poeira e cinzas de erupções vulcânicas. São partículas muito finas, com tamanho
aproximado de 1 µm (1 × 10-6 m). O componente vulcanogênico nos sedimentos marinhos pode
ser bastante expressivo nas proximidades de vulcões ativos e após grandes erupções, como a do
vulcão Krakatoa (Indonésia) em 1886. Depositados em águas profundas, também podem ser
encontrados sedimentos de origem vulcânica submarina, como fragmentos de lava inalterados,
vidro vulcânico e grãos minerais.
3.1.3 Cosmogênico
3.2 Biogênico
90
Sedimentos do assoalho oceânico
Já as partes duras mineralizadas são representadas essencialmente por dois tipos de partículas
biogênicas, os carbonatos e a sílica biogênica (opala). Essas vasas calcárias ou silicosas, como são
chamadas, podem abranger 75% do fundo marinho. O carbonato biogênico em águas rasas é produzido
principalmente por corais e algas calcárias. Já em maiores profundidades, o carbonato biogênico tem como
principais fontes os cocolitoforídeos (algas marinhas unicelulares) (Fig. 2), foraminíferos (protozoários)
e pterópodes (gastrópodes marinhos) (Fig. 3). Já as vasas silicosas são menos comuns em comparação
com as carbonáticas. Os organismos responsáveis pela produção de sílica são as diatomáceas, radiolários
(Fig. 2) e em menor quantidade, os silicoflagelados (algas de coloração marrom-dourado).
FIGURA 2. Exemplos de cocolitoforídeo, diatomácea, radiolário e coral. Fonte: Monteiro et. al. (2016);
fickleandfreckled (wikimedia commons); Andreas Drews (https://pxhere.com/en/photo/239774); e coral por
Hannes Grabe/AWI (wikimedia commons), respectivamente.
FIGURA 3. Amostra sedimentar coletada na Bacia de Santos, a 700 metros de profundidade, contendo
foraminíferos e pterópodes. Utiliza-se um estereomicroscópio com aumento de pelo menos 80 vezes
para estudo desses organismos. Fonte: Arquivo pessoal de Cintia Yamashita e Ana C. Santarosa.
91
Noções de Oceanografia
3.3 Autigênico
Os sedimentos autigênicos são aqueles formados no mesmo local onde estão presentes, a partir
de lentas reações físico-químicas entre compostos minerais específicos e a água do mar. Os principais
representantes, e que são considerados recursos minerais de interesse econômico, são as acumulações
de óxidos e hidróxidos de manganês e ferro em forma de nódulos polimetálicos na superfície do fundo
marinho, com tamanhos que variam entre 0,5 a 10 cm (Fig. 4). Depósitos hidrotermais também são
autigênicos, precipitando-se em torno de cordilheiras ativas onde a circulação hidrotérmica lixivia
certos tipos de metais da rocha basáltica e transporta o material dissolvido para o fundo marinho.
As condições oxidantes e o resfriamento dessas soluções hidrotermais resultam na precipitação de
óxidos e hidróxidos de Fe e Mn, além de sulfetos e sulfatos. Esses depósitos são predominantemente
encontrados em regiões profundas, onde o ambiente é calmo e estável, favorecendo as lentas reações
físico-químicas envolvidas na sua formação.
FIGURA 4. A) Depósito marinho de nódulos polimetálicos. Fonte: NOAA. Detalhe de exemplares coletados
nos oceanos Pacífico (B) e Índico (C). Arquivo pessoal cedido por Luigi Jovane.
Outro importante exemplo de depósito autigênico são os evaporitos. Sua formação é favorecida
em locais de clima árido e de circulação marinha restrita, onde o processo de evaporação excede
a quantidade total de água proveniente de chuvas e descargas de rios e córregos. Esses depósitos
apresentam minerais evaporíticos de grande interesse econômico, utilizados nas indústrias química,
agrícola e de construção. Dentre esses, podemos citar a halita, mais conhecida como “sal de cozinha” e
a gipsita, utilizada tanto na fabricação de gesso quanto para correção de solos na agricultura. Depósitos
evaporíticos também desempenham um papel significativo como rochas selantes de hidrocarbonetos,
possibilitando o acúmulo de petróleo.
92
Sedimentos do assoalho oceânico
VOCÊ SABIA?
Os depósitos de sedimentos autigênicos marinhos são grandes “minas de ouro”.
Os principais meios de transporte dos sedimentos até o oceano ou dentro do ambiente oceânico
são o vento, a água e a gravidade, carregando o sedimento de uma área fonte de sedimentos até seu
destino final no oceano. Esses três agentes de transporte podem agir de diferentes formas sobre os
sedimentos, dando origem a diferentes tipos de transporte. A força desses agentes pode agir sobre um
grão individual, fazendo o transporte grão a grão por rolamento, rastejamento, saltação ou suspensão
(Fig. 5), ou sobre uma massa de grãos, dando origem a transportes de massa como avalanches, correntes
de turbidez e areias movediças. O vento e a água podem atuar sobre grãos individuais de sedimento
enquanto a gravidade atua em massas de sedimento, como será detalhado adiante.
93
Noções de Oceanografia
No caso dos sedimentos de origem química apresentados no item 3.3, o sedimento é formado
no próprio local de deposição do sedimento. No entanto, ainda assim ocorre transporte dos
elementos que formarão o sedimento de uma área fonte para a área de deposição. Nesse caso,
os elementos que formarão o sedimento químico são transportados dissolvidos na água na forma
de íons, dando nome a esse tipo de transporte, transporte iônico (Fig. 5). Quando o material em
solução encontra condições ideais à formação de compostos sólidos, ocorre então a precipitação
desse material, transformando-se assim em sedimento.
Os principais agentes de transporte de sedimentos das áreas continentais para os oceanos são
o vento e a água. O transporte eólico transporta os sedimentos principalmente por suspensão, pelo
movimento do ar. Os sedimentos também podem ser transportados para o ambiente marinho pela
94
Sedimentos do assoalho oceânico
água, tanto em sua forma líquida ou sólida pela ação de rios e geleiras, respectivamente. Os rios são
considerados os mais importantes meios de transporte de sedimentos e transportam os materiais
de três maneiras diferentes: por rolamento, por suspensão e por solução (transporte iônico) (Fig.
5). O transporte pelo gelo, importante em áreas alpinas e/ou polares, é originado pela ação da
gravidade, através da acumulação de neve. Os sedimentos podem ser transportados pelas geleiras na
sua superfície, no seu interior ou na sua região basal. Blocos de gelo que se desprendem das geleiras
podem transportar fragmentos de minerais, de rochas pré-existentes e de partículas finas que se
depositaram na sua formação (Fig. 7).
VOCÊ SABIA?
O Rio Amazonas transporta anualmente cerca de 170 milhões de toneladas de
substâncias em solução e 425 milhões de toneladas em suspensão.
95
Noções de Oceanografia
Ao chegar ao ambiente marinho, parte dos sedimentos é depositada ao longo das margens
continentais, onde são depositadas predominantemente as partículas terrígenas, transportadas, em
geral, por rolamento ou suspensão. Além das partículas terrígenas, são depositados sedimentos
biogênicos em algumas áreas de alta produtividade biológica ou condições físico químicas favoráveis.
Depósitos de sedimentos terrígenos em bacias oceânicas são formados quase que exclusivamente
por argilas transportadas para as desembocaduras dos rios e depositadas onde a sedimentação de
partículas são favorecidas.
Nos oceanos os sedimentos podem ser transportados ou redistribuídos por diferentes formas de
correntes. Quem observa as ondas se quebrando na beira da praia e o movimento de subida e descida
das marés pode observar a quantidade de sedimento que é mobilizado do fundo das praias pelas
correntes formadas pela ação das ondas. No entanto, um grande volume de sedimentos é transportado
nos oceanos sem que a gente consiga observar esse transporte. Existem diferentes tipos de correntes
oceânicas que podem ser formadas pela interação dos ventos com a superfície dos oceanos e também
por diferenças de densidade entre águas quentes/frias e salinas/menos salinas.
A interação dos ventos com o mar torna-se mais intensa em eventos de tempestade e pode
haver interação do vento com o fundo marinho. Durante esses eventos, substratos sedimentares,
que em situações cotidianas não sofrem transporte, podem ser mobilizados por ondas geradas por
vento. No decurso de tempestades violentas, sedimentos com tamanho de grão, que comumente são
transportados em uma dada região e profundidade oceânica, podem ser remobilizados e, uma vez
colocados em suspensão, levados para áreas diferentes. Esse tipo de transporte não ocorre em situações
normais, sendo então caracterizado como transporte episódico.
Em regiões marinhas onde há elevado gradiente batimétrico, como no talude (ver capítulo O
Relevo Oceânico), a instabilidade causada pela sobrecarga de sedimentos, movimentos associados a
atividade sísmica e outros eventos que podem ocorrer no fundo marinho podem resultar no transporte
de grandes volumes de sedimentos na forma de fluxos de massa. Essa forma de transporte é chamada
de corrente de turbidez, capaz de atingir altas velocidades (até algumas dezenas de km/h) e transportar
os grãos de sedimento de forma conjunta em um fluxo de água e sedimentos (Fig. 8).
96
Sedimentos do assoalho oceânico
VOCÊ SABIA?
O transporte de sedimentos marinhos já causou a interrupção da comunicação global
entre os continentes.
97
Noções de Oceanografia
VOCÊ SABIA?
O tamanho das partículas, o grau de seleção, arredondamento e esfericidade são
frequentemente utilizados para classificar os sedimentos.
Ainda que matacão, bloco e seixos sejam encontrados nos oceanos, a maioria dos
sedimentos é constituída por material formado por partículas mais finas, como areia, silte e
argila. Geralmente, quanto menor for o tamanho das partículas, mais facilmente poderão ser
transportados por correntes marinhas. Os sedimentos podem ser compostos de partículas
de tamanhos semelhantes ou por uma mistura de grãos de tamanhos variados.
Em geral, o sedimento de praias tem tamanho menor e coloração mais clara do que sedimentos
de rios, onde encontramos maior quantidade de cascalho e seixos mais escuros. Isso ocorre porque o
sedimento presente nas praias, estiveram sujeitos, em geral, a muitos ciclos sedimentares, enquanto
os sedimentos dos rios são menos retrabalhados e comumente se encontram próximos da rocha mãe.
Ao longo do seu caminho os sedimentos se desgastam, diminuem de tamanho e sofrem alterações
químicas que resultam na perda de cor do grão. No entanto, existe uma grande variedade de sedimentos
98
Sedimentos do assoalho oceânico
de praia; praias com areias mais claras ou escuras; com maior ou menor quantidade de conchas; e
até mesmo praias rochosas. Os diferentes tipos de sedimentos de praias podem indicar, portanto, o
caminho que o grão percorreu até chegar à praia, seja um caminho mais curto e com baixa energia ou
mais longo e com alta energia.
Os diferentes tipos de sedimentos que ocorrem no fundo marinho não apresentam distribuição
homogênea nos oceanos, variando de um local para outro. O acúmulo de determinado tipo de
sedimento dependerá da quantidade de material proveniente da fonte, da distância da fonte, do tempo
que o sedimento teve para acumular, da preservação do sedimento e da quantidade de outros tipos de
sedimentos que também é adicionada ao sistema.
O carbonato de cálcio se dissolve mais facilmente em águas frias e, portanto, a maior parte desse
tipo de sedimento concentra-se nas regiões mais rasas e elevadas dos oceanos, como cordilheiras e
plataformas, localizadas em zonas tropicais, subtropicais e temperadas, onde as temperaturas mais
amenas favorecem o desenvolvimento e a proliferação dos organismos calcários. Em determinada
profundidade, conhecida como profundidade de compensação do carbonato (PCC), a taxa de
fornecimento de carbonato de cálcio da superfície é igual à taxa de dissolução, devido ao aumento da
pressão, diminuição da temperatura e aumento da concentração de CO2 dissolvido na água. Portanto,
abaixo da PCC, em torno de 4.000 metros de profundidade, ocorre a dissolução dos minúsculos
esqueletos de carbonato de cálcio e dessa forma, não há acúmulo de material biogênico calcário.
99
Noções de Oceanografia
As vasas silicosas coincidem com regiões oceânicas ricas em nutrientes, onde altas concentrações de
nitrogênio, fósforo e sílica na camada eufótica resultam dos processos de mistura vertical e ressurgência. As
vasas de diatomáceas se depositam em duas faixas extensas, uma em torno da Antártica e a outra localizada
na porção norte do oceano Pacífico. A presença marcante das vasas de diatomáceas nas regiões polares se
deve à afinidade desses organismos para a sobrevivência em condições oceânicas frias. Já as vasas silicosas
ricas em radiolários são observadas nas regiões equatoriais onde ocorre o fenômeno de ressurgência.
O predomínio das partículas biogênicas ocorre em assoalhos das bacias oceânicas, onde o
aporte de material terrígeno é pequeno e em plataformas rasas ao longo do Equador. Em regiões mais
profundas e distantes da costa, predomina a ocorrência de vasas carbonáticas e silicosas. Depósitos de
minerais autigênicos podem ser encontrados nas margens continentais ou nos assoalhos das bacias
oceânicas em lugares onde tenham condições físico-químicas (temperatura, Eh, pH) adequadas para
a cristalização dos minerais, a partir dos íons presentes na água do mar.
A Figura 9 mostra de maneira genérica o resultado da interação entre os fatores acima citados e
apresenta a distribuição dos diferentes tipos de sedimento no fundo marinho.
FIGURA 9. Distribuição dos sedimentos no assoalho oceânico. Ilustração: Leandro Coelho, adaptada de
Wikimedia Commons.
de sedimentos coletada nesses locais pode fornecer registros ambientais que abrangem até milhões
de anos. Informações como o aumento e diminuição das calotas polares, variações da intensidade
de chuvas sobre os continentes e o comportamento do campo magnético da Terra são algumas das
informações que podem ser obtidas através do estudo de um testemunho marinho.
FIGURA 10. Representação esquemática da renovação do relevo continental, permitindo que o ciclo
sedimentar não seja interrompido. Sedimentos do fundo oceânico retornam ao interior terrestre, mais
tarde se tornando novamente rochas suscetíveis à erosão, transporte e sedimentação. Adaptado de U.S.
Geological Survey.
101
Noções de Oceanografia
VOCÊ SABIA?
Sedimentos marinhos podem ser observados apenas em fundos oceânicos?
102
Sedimentos do assoalho oceânico
Referências Bibliográficas
103
NOÇÕES DE OCEANOGRAFIA
Capítulo 5
METODOLOGIAS EM
GEOFÍSICA MARINHA
Daniel Pavani Vicente Alves & Luigi Jovane
REVISÃO: ALEX BASTOS (UFES), MARCO IANNIRUBERTO (UNB), TEREZA ARAUJO (UFPE)
E DENISE MOURA (IAG-USP)
CITAÇÃO SUGERIDA: ALVES, Daniel Pavani Vicente; JOVANE, Luigi. Metodologias em geofísica
marinha. In: HARARI, Joseph (org.). Noções de Oceanografia. São Paulo: Instituto Oceanográfico,
2021. E-book. Cap. 5: p. 107-123.
Metodologias em geofísica marinha
O estudo da geologia de qualquer local se inicia na observação. Depois de observar, são necessárias
amostras das rochas e sedimentos para que sejam realizadas análises e construção dos modelos
geológicos. Entretanto, no ambiente marinho, essa etapa nem sempre é tão simples, já que entre os
pesquisadores e o leito marinho está a coluna d’água. Com centenas ou milhares de metros de água
entre o observador e o fundo marinho, não é possível identificar afloramentos, montes submarinos,
diferentes tipos de sedimento e rochas ou quaisquer outras características geológicas que em terra
são muito mais facilmente observadas. Para contornar essa limitação, os estudos de Oceanografia
Geológica por vezes utilizam amostragens indiretas do fundo marinho, e cada uma delas fornece
informações diferentes sobre as características do ambiente.
Os métodos indiretos são assim chamados porque utilizam propriedades físicas do meio, seja
ele a água ou o substrato, para inferir outras propriedades. Utilizando-se, por exemplo, a propagação
do som na água, é possível determinar a distância de alvos desde o emissor desse som – assim como
fazem animais na natureza, como os golfinhos ou os morcegos. Por isso, a utilização de métodos
indiretos traz grandes vantagens para o estudo do fundo do mar, como cobertura espacial, velocidade
de aquisição de dados, amarração com dados diretos, como amostras de sedimentos, entre outras.
Dentre os métodos indiretos existentes, no ambiente marinho, destacam-se os métodos acústicos e
os métodos potenciais.
VOCÊ SABIA?
Sonares vêm sendo utilizados até hoje em dia para a identificação de minas submarinas.
107
Noções de Oceanografia
1. Métodos acústicos
Talvez os mais importantes métodos indiretos utilizados no ambiente marinho sejam os
métodos acústicos, ou seja, todos aqueles baseados na emissão de ondas sonoras. De forma geral,
um método acústico funciona pela emissão e recepção das ondas sonoras após sua interação
com o substrato. Essa interação pode gerar dados simples como o tempo de retorno da onda, até
dados mais complexos, como a fase ou amplitude de retorno dessa onda. Assim, cada uma dessas
interações entre o substrato e as ondas acústicas está relacionada a uma forma bastante específica
de geração e emissão das ondas.
1.1 Ecobatimetria
∆S = v ⸳ ∆t / 2
108
Metodologias em geofísica marinha
FIGURA 1. Apesar de funcionarem de forma similar, pela emissão e recepção de ondas sonoras refletidas
pelo meio, os ecobatímetros monofeixe (A) e multifeixe (B) produzem resultados diferentes. Enquanto o
sistema monofeixe resulta em dados batimétricos “em linha”, o sistema multifeixe produz resultados em
uma faixa de cobertura, permitindo até mesmo a cobertura total do leito marinho. Fonte: NOAA.
109
Noções de Oceanografia
Por maior que seja a qualidade do ecobatímetro utilizado, todo e qualquer levantamento
batimétrico necessita de duas informações que devem ser extremamente precisas: o valor da velocidade
de propagação do som na água do mar local; e o posicionamento da embarcação utilizada.
A velocidade de propagação do som pode ser aferida de diferentes formas. Os testes de barra (“bar
check”, como é mais conhecido em inglês) são os mais simples e consistem na medição da profundidade
entre o ecobatímetro e uma placa metálica, posicionada logo abaixo do emissor, a profundidades
conhecidas e variadas, controladas pelo operador. Assim, sabendo-se a profundidade real da placa
(determinada pelo comprimento da corda ou cabo utilizado), é possível ajustar a profundidade aferida
pelo ecobatímetro, até que se encontre o valor da velocidade.
O teste de barra é bastante primitivo e contém muitas fontes de incertezas. Por isso, equipamentos
eletrônicos são preferíveis para a determinação da velocidade. Esses equipamentos podem ser tanto
CTDs, com diversos equipamentos acoplados, quanto perfiladores de som especificamente produzidos
110
Metodologias em geofísica marinha
para isso. A grande vantagem dos perfiladores de velocidade do som é que eles realizam medidas em
intervalos muito pequenos (da ordem de centímetros) no eixo vertical – isto é, na coluna d’água -
sendo capazes de produzir um perfil vertical de velocidade praticamente contínuo.
VOCÊ SABIA?
Sistemas de aquisição multifeixe podem ser acoplados a sistemas de radar aéreos,
permitindo o mapeamento completo de zonas portuárias.
Outro método acústico bastante conhecido é o método sísmico, principalmente com a sísmica
de reflexão. Esse método utiliza a reflexão de ondas sísmicas (um tipo de onda acústica) em interfaces
que marcam camadas sedimentares de diferentes contrastes de impedância acústica. A impedância
111
Noções de Oceanografia
acústica (Z) é uma característica dos meios físicos relacionada à sua densidade (ρ) e à velocidade de
propagação (v) da onda sonora nesse meio:
Z=ρ⸳v
A reflexão das ondas sísmicas acontece sempre que há uma diferença nas impedâncias acústicas
entre dois meios subsequentes, ou seja, sempre que a onda encontrar uma variação de Z, ocorrerá uma
reflexão. Essa reflexão será tão intensa quanto o coeficiente de reflexão (R), que é calculado com base
na Z dos meios 1 e 2:
Ou seja, quanto maior a diferença entre as impedâncias acústicas entre os meios, maior será
o coeficiente de reflexão e, portanto, maior será a amplitude da onda refletida. Consequentemente,
as amplitudes refletidas têm relação direta com o tipo de interface entre os meios, dando pistas
importantes para se inferir a composição sedimentar do substrato marinho (Fig. 3). Por essa razão,
as seções sísmicas obtidas com a sísmica de reflexão fornecem informações sobre a morfologia do
subfundo, estratigrafia, petrografia, evolução deposicional, entre outras.
FIGURA 3. A sísmica de reflexão marinha é obtida pela interação de ondas sísmicas geradas por uma
fonte sísmica, que refletem nas interfaces de contraste de impedância acústica, voltando até receptores
acústicos (hidrofones). Ilustração: Leandro Coelho.
A sísmica de reflexão é utilizada amplamente tanto na terra quanto no mar, e é muito difundida
entre pesquisadores e, principalmente, na indústria do petróleo. Seções sísmicas são utilizadas para
a obtenção de dados do subfundo marinho, podendo penetrar vários quilômetros no leito marinho,
atingindo sedimentos e rochas de muito milhões de anos atrás (Fig. 4). Além disso, com uma complexa
análise do sinal sísmico, é possível também chegar a informações como a composição das rochas, teor
112
Metodologias em geofísica marinha
de fluidos e granulometria, sendo essenciais para a exploração de óleo e gás no mar. A sísmica de
reflexão pode ser classificada ainda como sísmica rasa, quando a penetração é da ordem de poucas
dezenas ou centenas de metros, e também sísmica profunda, quando a penetração pode atingir muitos
quilômetros no subleito marinho.
FIGURA 4. Os sinais refletidos possuem diversas características, como fase e amplitude, e são utilizados
para a geração de seções sísmicas.
A sísmica de reflexão possui duas técnicas principais, podendo ser bidimensional (2D) ou
tridimensional (3D). A sísmica 2D realiza a aquisição de dados sísmicos em linhas de navegação, com
apenas duas dimensões. Nela, há uma fonte e um streamer (Fig. 5B), que é um conjunto de hidrofones,
dependendo do número de canais do sistema. Já a sísmica 3D, muito mais complexa, realiza a aquisição
com diversos streamers, o que gera uma aquisição normalmente na vertical, mas também no plano,
resultando em três dimensões.
Recentemente, uma nova tecnologia passou a ser desenvolvida, com a análise temporal das
variações sísmicas. A chamada sísmica 4D é produzida por levantamentos 3D idênticos, mas em
tempos distintos. Ou seja, estudos desse tipo buscam analisar as diferenças ocorridas no fundo oceânico
ao longo do tempo – como, por exemplo, durante a exploração de uma reserva de petróleo. Esse tipo
de estudo é muito utilizado pela indústria para o volume e segurança de reservatórios, por exemplo.
113
Noções de Oceanografia
FIGURA 5. O sistema de aquisição sísmico é formado essencialmente por uma fonte emissora de ondas
sísmicas, exemplificado em (A) por um sparker, e por um conjunto de receptores, conhecidos por
hidrofones, que ficam instalados em longas “mangueiras” (B), conhecidas como streamers.
114
Metodologias em geofísica marinha
1.2.1. Sismoestratigrafia
A análise das seções sísmicas busca pela identificação dessas terminações, padrões de reflexões
internas às camadas (amplitude, frequência), velocidade intervalar e características morfológicas para
definir as sismofácies. As sismofácies ajudarão na caracterização das sequências sísmicas, permitindo sua
melhor correlação com a sequência sedimentar e com poços de amarração. Aliás, a amarração dos dados
sísmicos com dados litológicos através de dados provenientes de poços de exploração é fundamental para
a correta interpretação das seções sísmicas e sua correlação com a sequência estratigráfica.
Enquanto a sísmica de reflexão está interessada nas ondas acústicas que foram refletidas nas
interfaces com contraste de impedância acústica, a sísmica de refração analisa as ondas que foram
refratadas nessas mesmas interfaces. Lembrando-se da Lei de Snell, uma onda incidente sobre uma
interface entre diferentes meios, produzirá uma onda refletida e uma onda refratada. Assim, um
levantamento sísmico de refração terá os mesmos componentes de um sistema de reflexão, com a
diferença da onda que será registrada.
Na sísmica de refração, a fonte sísmica emite a onda acústica que percorrerá a coluna d’água e
atingirá o solo marinho. A partir daí, a cada interface de contraste de impedância acústica haverá a
geração de uma onda refratada. Ainda segundo a Lei de Snell, quando a onda incidente atinge o ângulo
crítico, a onda refratada terá ângulo de 90° em relação à normal, percorrendo “horizontalmente” a região
de interface entre os dois meios. Após certo tempo, essa onda é refratada novamente, retornando à
superfície para ser lida pelos hidrofones.
115
Noções de Oceanografia
116
Metodologias em geofísica marinha
2. Métodos potenciais
2.1. Gravimetria
Gravimetria é uma área da Geofísica que estuda as variações da aceleração da gravidade. Essas
medidas podem ser usadas em operações de reconhecimento de corpos profundos em pequena ou
grande escala nas regiões marinhas, com aplicações nos estudos crustais, minerários e do fundo
marinho. As medidas podem ser feitas no mar com navios, submarinos ou por satélite.
A gravimetria marinha surgiu como uma técnica gravimétrica padrão há cerca de 50 anos,
embora as primeiras tentativas tenham sido feitas ainda mais cedo, nas décadas de 1920 e 1930, a
bordo de submarinos. Ficou claro desde o início que as medições marítimas tinham uma precisão
inferior às realizadas na superfície da terra. No mar, o gravímetro está sujeito às acelerações da
embarcação, portanto, os efeitos dessa movimentação precisam ser removidos dos dados. Qualquer
aceleração experimentada pela embarcação também é sentida pelo gravímetro a bordo. Essa aceleração
a é automaticamente adicionada ao vetor de gravidade real, g, para que o medidor registre a soma dos
valores e assim, os efeitos da aceleração do navio sejam, tanto quanto possível, removidos:
g* = g + a
117
Noções de Oceanografia
O GRACE durou muito além de sua vida útil de missão de cinco anos, e terminou em outubro
de 2017. Enquanto isso, o GRACE-FO (GRACE - Follow-on – Fig. 7D) é um projeto de missão
quase idêntico, o que proporcionaria continuidade no registro de dados, ao mesmo tempo em que
proporciona alguma melhoria na resolução devido aos avanços tecnológicos básicos dos últimos 10
anos. Essa missão foi lançada em maio de 2018 e vai permitir o estudo das variações do campo
gravitacional nos mares além do monitoramento da disponibilidade de água com base em gravimetria
na próxima década.
Quando se efetua um levantamento gravimétrico, várias correções precisam ser feitas. Entre as
mais importantes são a correção de Terra Normal, correção de Eötvös, correção de maré, correção de
ar-livre, correção Bouguer e correção de terreno.
A correção de Terra Normal remove dos dados um modelo teórico da Terra em forma de um
elipsóide de referência em rotação. Depois que essa correção é feita, os dados são denominados de
anomalias gravimétricas. A correção de Eötvös é feita quando os dados são adquiridos em movimento,
caso das medidas feitas no mar. Essa correção elimina o efeito cinemático dos veículos em movimento.
A correção de maré elimina os efeitos gravitacionais do Sol e da Lua, e é feita a partir de modelos
teóricos da movimentação desses corpos celestes com relação à Terra. A correção ar-livre (FAC – Fig.
7A) corrige a diminuição da gravidade com o distanciamento do ponto de medida do centro da terra,
de acordo com a Lei de Newton. Em síntese, remove o efeito da elevação onde a gravidade foi medida,
com relação ao nível médio do mar não perturbado (NMM).
A correção Bouguer (BC – Fig. 7B) remove o efeito das massas entre o ponto de medida e
a superfície do NMM pela aproximação da camada de rocha por uma placa horizontal infinita de
espessura igual a elevação. Após efetuadas as correções ar-livre e de Bouguer, a anomalia gravimétrica
resultante indica variações anômalas de massa, sendo, portanto, negativa em áreas montanhosas e
cratônicas e positiva em regiões com acumulo de minerais densos.
A correção de terreno complementa a correção de Bouguer simples, por esse motivo, quando
realizada, os dados são denominados de anomalia Bouguer completa. Essa correção remove o efeito
de massas topográficas, ou seja, grandes cadeias de montanhas ou fossas. Somente se faz necessária
próxima dessas feições.
118
Metodologias em geofísica marinha
FIGURA 7. A) Mapa de anomalia free-air do Ceará Plateau; B) Mapa normal de Bouguer do Ceará Plateau;
C) Gravímetro dinâmico ZLS Dynamic Meter™ da ZLS Corporation; D) Logo do projeto GRACE FOLLOW-
ON (GRACE-FO); E) Mapa residual de Bouguer do Ceará Plateau; F) Dados observados da anomalia
magnética do Ceará Plateau; G) Anomalia Magnética do Atlântico Sul (AMAS); H) Magnetômetro marinho
rebocado da Marine Magnetic – SeaSpy2 a bordo do N/Oc. Alpha Crucis. As figuras do Ceará Plateau são
do artigo: Denise Silva de Moura, Eder Cassola Molina, Ya-ra Regina Marangoni, Luigi Jovane, Gravity
and magnetic constraints on the crustal structure of the Ceará Plateau, Brazilian Equatorial Margin, 2019,
Frontiers in Earth Science, 7, 309.
119
Noções de Oceanografia
Além destes, existem outros tipos de correções que são mais relacionadas a dados gravimétricos
marinhos em função do movimento do navio e com as ondas do Mar. A partir de dados de uma unidade
de medida inercial (IMU, já comentada anteriormente), é possível corrigir as variações de movimento da
embarcação durante a aquisição dos dados. Estes movimentos podem ser decorrentes das oscilações da
embarcação em seus três eixos de movimento (x, y, e z), além do movimento das ondas, conhecido por heave.
2.2. Magnetometria
O campo magnético da Terra se assemelha ao campo gerado por um grande imã localizado no
centro da Terra. Atualmente, os polos magnéticos são inclinados 11,5° em relação ao eixo de rotação
da Terra. A origem do campo magnético terrestre decorre da dinâmica do núcleo da Terra (97 a 99%),
das rochas magnetizadas da crosta (1 a 2%) e de fontes externas como o vento solar (1 a 2%). O campo
principal seria produzido por correntes de convecção, no núcleo externo líquido, acopladas com a rotação
da Terra. Porém, a dinâmica do núcleo externo é ainda pouco conhecida e o núcleo é quente demais para
permitir qualquer magnetização (temperatura de Curie inferior a 770°C). O campo principal varia de
aproximadamente 25.000 nT próximo ao equador até 65.000 nT nos polos. O campo magnético terrestre
penetra no espaço (10 vezes o raio do planeta) na região chamada magnetosfera. A forma dipolar do
campo é distorcia pelo vento solar, cujas partículas viajam a velocidades da ordem de 400 km/s.
O campo geomagnético pode ser representado por um vetor F que possui magnitude e direção.
A direção do campo é definida pela declinação D e pela inclinação I.
(X² + Y² + Z²) 1 / 2
O campo geomagnético se desenvolve também na parte externa da Terra em uma área que se
chama Magnetosfera que cobre e protege a Terra do vento solar. A região, próxima às regiões polares,
onde a Magnetosfera é enfraquecida e o vento consegue quase chegar a superfície da Terra é o cinturão
de Van Allen (Fig. 8).
120
Metodologias em geofísica marinha
FIGURA 8. Esquema gráfico representando o Sol e a Terra com o vento solar e a Magnetosfera. Distancias
e dimensões não reais. Fonte: Wikimedia commons.
VOCÊ SABIA?
A partir de dados magnéticos das rochas presentes ao longo de um testemunho, é
possível realizar uma datação relativa das rochas.
121
Noções de Oceanografia
Variações diurnas: existem variações diurnas do campo com, por exemplo, variações de 10 a
100 nT em dias calmos, ou seja, sem tempestades magnéticas. Essa variação diurna pode ser
monitorada com um magnetômetro fixo em uma estação-base em terra.
Auroras: luzes geradas por partículas carregadas, entrando com alto ângulo nos polos Norte e
Sul magnéticos da Terra. As partículas carregadas formam espirais em torno das linhas de força
magnética.
• Mapeamento estrutural;
• Fraturas no embasamento;
122
Metodologias em geofísica marinha
• Arqueologia marinha;
2.2.5 Magnetômetros
Vetor campo magnético: mede a densidade de fluxo em uma direção especifica no espaço
(componentes X, Y e Z);
Existem três tipos principais de instrumentos para a medição da densidade de fluxo magnético (B):
O magnetômetro Fluxgate funciona com duas bobinas primárias opostas envoltas por uma
segunda bobina de medição. Uma corrente contínua passa através da bobina primária. O campo
H reforça um dos campos primários e reduz o outro. A voltagem induzida na bobina secundária é
proporcional ao campo geomagnético.
123
NOÇÕES DE OCEANOGRAFIA
Capítulo 6
METODOLOGIAS
EM TESTEMUNHOS
MARINHOS
Luigi Jovane
REVISÃO: HELENICE VITAL (UFRN), MARTINO GIORGIONI (UNB) E JAIRO F. SAVIAN (UFRGS)
CITAÇÃO SUGERIDA: JOVANE, Luigi. Metodologias em testemunhos marinhos. In: HARARI,
Joseph (org.). Noções de Oceanografia. São Paulo: Instituto Oceanográfico, 2021. E-book. Cap.
6: p. 127-141.
Metodologias em testemunhos marinhos
Metodologias em
Testemunhos Marinhos
Luigi Jovane
Os testemunhos de sedimentos de fundo do mar são especialmente úteis porque não são afetados
por processos de intemperismo, modificações e também alterações antrópicas, típicas dos ambientes
terrestres. Sendo assim, são caracterizados por uma sedimentação mais constante e contínua, que permite
aos cientistas obter registros mais claros e completos de períodos da história da Terra. Por exemplo, o estudo
de testemunhos de sedimentos marinhos permite encontrar padrões climáticos em eras antigas, como
durante os impactos de corpos celestes, eventos quentes extremos e as eras glaciais. Essas informações são
muito úteis para aprimorar o entendimento das interações entre oceanos, atmosfera e sistema climático e
calcular padrões de mudanças futuras.
127
Noções de Oceanografia
que os testemunhos contêm podem durar centenas de milhares e até milhões de anos. Os cientistas
podem usar essas informações para melhorar a compreensão do sistema climático e prever cenários e
eventos no futuro através de modelagem matemática.
Existem várias técnicas para coletar testemunhos com intuito de determinar as características
dos sedimentos e dos processos sedimentares ao longo do tempo geológico. A seguir serão apresentadas
as principais delas.
O testemunhador por gravidade (em inglês gravity corer) permite que os pesquisadores amostrem e
estudem as camadas de sedimentos no fundo de lagos e oceanos. Tem esse nome porque é constituído por
um tubo testemunhador que é levado para o fundo do corpo d’água e inserido no sedimento pela gravidade.
Para operar o testemunhador por gravidade, os usuários precisam de um barco com um guincho
poderoso o suficiente para abaixar e elevar o testemunhador (pode pesar de centenas a milhares de
quilogramas) e de um cabo de aço, comprido o suficiente para alcançar o fundo do mar (Fig. 1).
FIGURA 1. A) Trilho do testemunhador por gravidade do navio brasileiro Alpha Crucis (Cruzeiro RGR1 -
2018). B) O testemunhador por gravidade do navio alemão Maria S. Merian (Cruzeiro AMADEUS - 2012).
Há as vantagens de ser simples, robusto, relativamente confiável, com pouco custo associado, fácil
de usar e requer pouca manutenção. Entretanto, o testemunhador por gravidade pode ser pesado para
manejar e complicado de implantar e recuperar. Os testemunhos são longos (dezenas de metros, com
máximo de 60 m) e devem ser levantados na posição horizontal e manobrados sobre o trilho para trazê-
los a bordo do navio. A cabeça de perfuração (core-catcher, em inglês) está na base do testemunho e inclui
também um aparelho que não permite aos sedimentos saírem, chamado “aranha”.
128
Metodologias em testemunhos marinhos
O testemunhador a pistão (em inglês, piston corer) é um tubo longo, com um peso de chumbo, utilizado
para extrair amostras de sedimentos lamosos. Os testemunhadores de pistão têm um mecanismo que e acionado
quando um retentor atinge o fundo e ajuda a evitar a perturbação no sedimento (Fig. 2). Além disso, há um
pistão dentro do tubo, que gera um vácuo, permitindo a recuperação de amostras com até 27 m de comprimento.
129
Noções de Oceanografia
VOCÊ SABIA?
O que permite a captura de sedimento com um testemunhador por pressão?
Você pode ter uma ideia ao colocar um canudo em um milk-shake, cobri-lo com o
dedo por cima, depois extrair o canudo e notar que o sorvete fica preso. Da mesma maneira,
o testemunhador por pistão mergulha no fundo do mar e coleta lama em seu tubo. Uma
vedação na parte inferior reterá a amostra de sedimentos durante a recuperação.
1.3 Vibracorer
O testemunhador por vibração (vibracorer) (Fig. 4) é uma técnica para recuperar uma variedade
de sedimentos que vai desde inconsolidados, muito macios até muito densos, em locais que a maioria
das outros testemunhadores simplesmente não podem ser utilizados, em geral locais muito rasos onde
os navios não podem ter acesso. O equipamento testemunhador por vibração consiste em um cabeçote
vibrante, que é conectado a um tubo de testemunhagem de alumínio, PVC, aço ou aço inoxidável, de 5
a 10 cm de diâmetro, que pode ter até 15 metros de comprimento. Os sedimentos podem ser coletados
diretamente nos tubos sem revestimento, ou com um revestimento rígido ou macio. Para uma melhor
taxa de penetração e recuperação, a frequência de vibração pode variar para diferentes tipos de materiais.
Os testemunhos coletados com essa técnica são contínuos, preservam as estruturas sedimentares
e a taxa típica de recuperação, em geral, é superior a 90%. Para segurar o sedimento, são utilizadas
válvulas de retenção e combinações de coletores de testemunho tipo aranha que podem ser adaptadas
para diferentes tipos de sedimentos.
130
Metodologias em testemunhos marinhos
maioria dos materiais consolidados e não consolidados pode ser retirada do testemunho pelo método
hidráulico-rotativo; e (2) a retirada do testemunho hidráulico-rotativo é um processo lento e caro,
exigindo uma quantidade considerável de paciência e experiência do operador. Areia, silte, argila e
combinações desses materiais podem ser coletados pelo método hidráulico-rotativo (Fig. 5), com
muito pouco distúrbio ou contaminação, se forem usadas as técnicas adequadas.
Camadas de sedimentos muito grossos, como seixos e blocos, sem um material mais fino que os
ligam, são muito porosas e permeáveis, tornando-se, portanto, totalmente desagregadas e contaminadas
pela intrusão do fluido de perfuração.
FIGURA 5. A) O navio Joides Resolution - programa International Ocean Discovery Program (IODP), que
tem capacidade de fazer as perfurações de rotação. B) Exemplo de testemunho de sedimentos vulcânicos
consolidados coletados da IODP, feito com rotação.
VOCÊ SABIA?
O que é o programa IODP?
• Correlação estratigráfica furo a furo e local a local, para construção de seções compostas;
FIGURA 6. O sistema Multi Sensor Core Logger (MSCL) da GeoTek, com sensores de colorimetria,
luminescência, raio gama natural, raio gama induzido, susceptibilidade magnética, onda-P e resistividade
elétrica. Foto: Geotek.
As radiações eletromagnéticas visíveis ao olho humano têm comprimento de onda entre 380
e 750 nm, que é um pequeno intervalo do amplo espectro eletromagnético. Comprimentos de onda
abaixo de 380 nm são chamados luz ultravioleta (UV) e acima de 750 nm, luz infravermelha. Através
da Colorimetria e Espectrofotometria obtemos as medidas quantitativas e digitalizadas da cor e da
luz, respectivamente.
A colorimetria se baseia na substituição de respostas subjetivas, como “azul claro”, “roxo escuro
intenso” ou “ouro brilhante”, por um sistema numérico objetivo, calculado com escalas de cores como
Pantone Matching System (PMS), CMYK (Cyan, magenta, yellow e black), HTML (código de 6 letras e
números) e RGB (Red, Green, Blue).
132
Metodologias em testemunhos marinhos
133
Noções de Oceanografia
A massa e o volume dos sais provenientes da evaporação da água intersticial são calculados a
respeito da salinidade padrão e da densidade da água do mar em condições de laboratório e de uma
densidade média de sal da água do mar.
As amostras principais para análise de umidade e densidade (MAD) são coletadas de uma
seção para medir:
As unidades de condutividade térmica são medidas aplicando uma temperatura por um lado
do testemunho e medindo o tempo que se percebe uma variação de temperatura do outro lado do
testemunho. Sua unidade de medida é W / (m ⸳ K) no sistema internacional (SI). Essas medidas são
destrutivas, e podem ser feitas somente em amostras discretas.
2.4 Ondas P
usando os dois transdutores juntos. O sistema usa um par de transdutores de orientação vertical
medindo um sinal acústico de 230 kHz e aplicando pressão de amostra consistente através do uso
de um sistema de fuso de esferas de precisão com alça destacável internamente. O nível de pulso do
transmissor é ajustável, assim como o ganho do sinal, garantindo o recebimento de um sinal claro. A
temperatura ambiente e a distância de percurso são registradas automaticamente usando a sonda de
temperatura conectada e o deslocamento (offset) do micrômetro a laser.
A conversão do sinal analógico em digital de alta frequência permite que o sinal da onda seja
exibido através do software em um osciloscópio digital, com a forma de onda de primeira chegada
escolhida automaticamente e a velocidade calculada. Para melhorar o acoplamento entre o transdutor
e a amostra, os testemunhos têm que conter o fluido original da rocha. Em amostras discretas é
possível aplicar água destilada às cabeças do transdutor/receptor.
As emissões de raios gama naturais (NGR) dos sedimentos são uma função do decaimento aleatório
e discreto dos isótopos radioativos que ocorem naturalmente nos sedimentos, predominantemente os
isótopos de 238U, 232Th e 40K, e são medidos através de detectores de cintilação alojados em um coletor
blindado. O detector de NGR em testemunhos possui uma janela de medição de 7,5 cm e o intervalo
de amostragem é definido em 6 cm, a fim de maximizar a resolução das medidas e minimizar a
reamostragem de intervalos. Os dados são apresentados como contagens totais por segundo e referem-
se à integração de todas as contagens de emissões na faixa de energia de raios gama entre 0 e 3 MeV
e são mais adequados para correlação entre testemunhos.
Nenhuma correção é feita nos dados do NGR para levar em conta os efeitos de volume
relacionados ao sedimento preenchendo incompletamente o revestimento do testemunho. A medida
de NGR define o número de contagem de raios gama que chegam ao sensor em relação aos materiais
radioativos como U, Th e K, que são presentes principalmente nas argilas. Portanto, os valores de NGR
são diretamente relacionados à quantidade de argilas presentes no testemunho.
2.6 Densidade de Raio Gama, Raios Gama Induzido ou Raio Gama Aparente
Os fótons incidentes são espalhados pelos elétrons do sedimento pela dispersão de Compton.
Portanto, o valor do número de contagem de Raios Gama que chega ao sensor, em relação a fonte
radioativa do outro lado do testemunho, é diretamente relacionada à densidade aparente do sedimento
dentro do testemunhador.
135
Noções de Oceanografia
A unidade SI de resistividade elétrica é o ohm ⸳ metro (Ω ⸳ m). Por exemplo, se uma amostra de
rocha de material sólido de 1 m × 1 m × 1 m tiver contatos em duas faces opostas e a resistência entre
esses contatos for de 1 Ω, a resistividade do material será de 1 Ω ⸳ m.
A resistência ao cisalhamento não drenada (S) dos sedimentos pode ser medida usando
diferentes dispositivos. O torvane e o penetrômetro de bolso são dispositivos portáteis que permitem
a determinação rápida da resistência ao cisalhamento em sedimentos coesivos. O penetrômetro de
bolso é mais eficaz quando os sedimentos ficam levemente endurecidos, enquanto o torvane permite a
determinação da força de cisalhamento em sedimentos fracos e moderadamente endurecidos.
O torvane é um dispositivo pequeno, portátil e de mola, com uma lâmina de palheta pressionada
na amostra e girada. As medições de força feitas com o torvane são afetadas por alterações na quantidade
de pressão aplicada ao dispositivo e na taxa de rotação. Semelhante aos testes automatizados de
cisalhamento de palhetas, as determinações de S usando o portátil torvane assumem que um cilindro
de sedimento é cisalhado uniformemente em torno do eixo da palheta e permanece em uma condição
136
Metodologias em testemunhos marinhos
não drenada durante o teste. Nesse estado, a coesão é o principal contribuinte para a resistência ao
cisalhamento. A violação dessa suposição ocorre com o rompimento progressivo da amostra com falha,
drenagem das pressões locais dos poros e comportamento de escorregamento.
O penetrômetro de bolso (Fig. 8) mede a resistência à compressão não confinada dos sedimentos,
que, em uma argila ideal, é igual a duas vezes S. As medições são feitas pressionando a cabeça retrátil
do penetrômetro na extremidade do testemunho. A quantidade de força necessária para pressionar a
cabeça 5 mm no sedimento é lida em uma escala calibrada. A resistência máxima ao cisalhamento
mensurável com o penetrômetro de bolso é de 245 kPa.
O cone de queda mede a penetração de um cone padrão, à medida que cai livremente a uma distância
definida e se incorpora ao sedimento. O cone de queda é geralmente o dispositivo usado em terra. Durante
o teste, o cone é abaixado de forma que apenas toque e marque a superfície do testemunho dividido antes de
ser travado no lugar com a leitura do mostrador. O cone é então liberado e penetra na superfície da amostra.
A resistência ao cisalhamento não drenada é determinada usando uma fórmula empírica.
2.9 Paleomagnetismo
2.9.1 Magnetoestratigrafia
A magnetoestratigrafia é mais conhecida como uma técnica que emprega correlação entre
diferentes seções estratigráficas, usando as direções magnéticas que definem as reversões de polaridade
geomagnética como horizonte-marcador definido na escala global de polaridade (Global Polarity Time
Scale - GPTS). As idades das inversões de polaridade fornecem amarração entre pontos de comparação
comuns entre os testemunhos e a GPTS, permitindo uma correlação de tempo extremamente precisa.
137
Noções de Oceanografia
Assim, a magnetoestratigrafia não representa mais uma ferramenta de datação baseada apenas
nas inversões de polaridade geomagnética, mas compreende um conjunto de técnicas que inclui
medições de todos os parâmetros do campo geomagnético, magnetismo ambiental, alteração magnética
e paleoclimática das rochas registradas em rochas sedimentares e correções importantes das direções
magnéticas relacionadas à geodinâmica, tectônica e processos diagenéticos.
Diagramas de componentes vetoriais (ou Zijderveld modificados) são usados para exibirem dados
de desmagnetização passo a passo. Quando uma série de camadas de rocha apresenta o mesmo sinal de
inclinação da magnetização remanescente característica (ChRM), é chamada de magnetozona (ou unidade
magnetoestratigráfica). Isso se dá pois, dentro deste intervalo, há uma única polaridade do campo magnético.
138
Metodologias em testemunhos marinhos
3. Micropaleontologia
As interações entre água, ar, rocha e vida na Terra são fundamentais para a dinâmica dos
processos do nosso planeta. As composições dos oceanos e da atmosfera são definidas por essas
interações, nas quais os microrganismos desempenham um papel particularmente importante. Eles
retiram o CO2 da atmosfera produzindo calcário e matéria orgânica, mas requerem nutrientes como
cálcio, fosfato e ferro, fornecidos pelos processos geológicos para fazê-lo. Por sua vez, a atividade
microbiana afeta as taxas e os processos cíclicos pelos quais esses nutrientes são fornecidos e
reciclados. A partir dessa complexa rede de reação, são examinados diversos compartimentos, desde
respiradouros e escoamentos no fundo do mar até sedimentos marinhos e recifes de corais.
A Terra possui arquivos ricos que são lidos usando rastreadores isotópicos para entender como
o reciclagem de elementos pode ter variado no passado. Assim podem ser reconhecidas várias formas
de microfósseis, tanto calcários, como algas coccolitóforas (nanoplâncton calcário) e foraminíferos
(planctônicos e bentônicos), quanto silicosos, como radiolários, diatomáceas, silicoflagelados, bem
como pólens e dinoflagelados.
A presença ou ausência de cada espécie e sua forma, ao longo de um testemunho, que representa
uma sequência temporal, significa a ocorrência ou desaparecimento da espécie naquele ambiente, que
pode ter um significado de evento, seja de extinção (última ocorrência) ou de aparecimento (primeira
ocorrência) de uma nova espécie. Pode ainda indicar um “turnover”, em que as espécies mudaram de
área porque as condições ambientais se tornaram desfavoráveis. Portanto, os microfósseis podem dar
informações sobre a idade dos sedimentos, mas também sobre as condições e os processos presentes
naquele ambiente de deposição (ver capítulo Sedimentos do Assoalho Oceânico).
4. Geoquímica
As análises geoquímicas em testemunhos incluem associações de elementos e minerais, a
caracterização de gases voláteis, a composição da água intersticial, a geoquímica do carbono inorgânico
e carbono orgânico sedimentar. Essas medidas podem providenciar informações sobre transformações,
fluxos e ciclos de elementos no ambiente e sobre os diversos aspectos geoquímicos que moldam os
ecossistemas marinhos.
Podem ser analisadas a composição química de rochas, os sedimentos sólidos, a coluna de água,
os fluidos de poros e partículas que vão da superfície do oceano para o fundo do mar. O objetivo é
esclarecer os meios de subsistência dos microrganismos e seu importante papel nos ciclos de elementos
da Terra moderna. Também visa o entendimento sobre os processos paleoambientais a partir da
assinatura química no registro de sedimentos marinhos. Essas análises são também realizadas para
estudar a presença de compostos relacionados à poluição.
139
Noções de Oceanografia
Para responder as perguntas científicas e entender os processos através dos números dos metadados,
utilizamos uma abordagem estatística com ênfase em análise de cluster, onde desenvolve-se métodos
computacionais (baseados em algoritmos de partição) capazes de gerar padrões de agrupamentos de
acordo com as semelhanças (ou diferenças), existentes em um determinado pacote de dados.
Algoritmos particionais, por sua vez, irão separar os elementos em k clusters (ou grupos)
distintos e fornecem informações composicionais sobre os grupos gerados. Porém, necessitam de um
número (k) de clusters pré-definido pelo analista. No tocante aos métodos estatístico-computacionais
desenvolvidos, podemos usar dois algoritmos de agrupamento particionais, o PAM (Partioning Around
Medoids) e o Fuzzy C-Means.
Além disso, registros ambientais obtidos por medições finamente amostradas ao longo de
sequências, podem ser avaliados como séries temporais e relacionadas a variações paleoclimáticas e
mudanças paleoambientais. Em particular, as mudanças paleoclimáticas em escalas de 105–106 anos,
muitas vezes resolvidas no registro sedimentar, foram fortemente moduladas por insolação forçada
astronomicamente. O registro de frequências de forçantes astronômicas em proxies paleoclimáticos
pode ser usado como uma ferramenta para executar ajustes astronômicos e desenvolver escalas de
tempo contínuas sequências estratigráficas.
140
Metodologias em testemunhos marinhos
As técnicas de identificação de impacto devem considerar como as questões devem ser organizadas,
como o material deve ser apresentado, quais limites geográficos e outros devem ser fixados para manter
a análise em um tamanho gerenciável e quais critérios descritivos devem ser incluídos.
Esses julgamentos devem ser feitos sistematicamente e, sempre que possível, de maneira que os
valores resultantes formem uma escala de intervalo ou proporção, em vez de meramente uma escala
ordinal. Assim, é necessário entender qual parâmetro sedimentologico, físico ou geoquímico pode ser
usado para definir a relação direita com o impacto e, portanto, a significância da avaliação. O estudo de
testemunhos sedimentares marinhos representa, portanto, uma das técnicas de comparação de impacto,
além da avaliação de impacto, ponderando a importância relativa de cada impacto e combinando os
impactos para uma avaliação geral do projeto e quaisquer alternativas a ele.
Embora a preparação do Estudo de Impacto Ambiental (EIA) suscite vários dos problemas mais
espinhosos que ocorrem no planejamento da tomada de decisões, estudo dos parâmetros de impacto em
testemunhos são problemas que devem ser enfrentados e não evitados. Embora as técnicas sugeridas
acima, de maneira alguma resolvam todos os problemas levantados, elas fornecem respostas parciais.
As pessoas envolvidas na avaliação de impacto ambiental só tem a ganhar criando um arcabouço de
dados (metadados) pensando sistematicamente sobre exatamente quais tarefas devem ser realizadas e
fazendo uma escolha apropriada de técnicas para realizar essas tarefas.
141
OCEANOGRAFIA
FÍSICA
Capítulo 7
CIRCULAÇÃO E
MASSAS D'ÁGUA
Joseph Harari
CITAÇÃO SUGERIDA: HARARI, Joseph. Circulação e massas d'água. In: HARARI, Joseph (org.).
Noções de Oceanografia. São Paulo: Instituto Oceanográfico, 2021. E-book. Cap. 7: p. 147-166.
Circulação e massas d'água
1. Introdução
O estudo científico dos oceanos tem se desenvolvido extraordinariamente desde meados do
século XX, com a adoção de modernas tecnologias de medição e o desenvolvimento de teorias para
explicar as características observadas (Castello & Krugg, 2017). Mas quais são os principais objetivos
de pesquisas e estudos em Oceanografia Física? Aqui estão os mais importantes:
4) Classificar as águas oceânicas, em “tipos d'água” e “massas d'água”, a partir de valores típicos
de temperatura, salinidade e profundidade (ou pressão). O reconhecimento de massas d’água e o
acompanhamento de suas trajetórias é essencial para os estudos oceanográficos; e
147
Noções de Oceanografia
É medida em °C e no mar aberto varia entre os limites de -2°C a +30°C. O limite inferior é
regulado pelo ponto de congelamento da água do mar (um pouco abaixo do ponto de congelamento
da água pura, que é de 0°C, devido à presença dos sais dissolvidos na água do mar). E o limite superior
é definido pelo calor específico da água do mar (capacidade de reter calor), sua condutividade térmica
(capacidade de conduzir calor), a mistura de águas com diferentes temperaturas e a evaporação (mais
da metade da energia recebida nas camadas superiores do oceano é utilizada para evaporação, e o
restante para variações de temperatura). Entretanto, águas costeiras rasas podem ter valores máximos
de temperatura um pouco acima de 30°C.
2.2 Salinidade
É o peso da coluna de água por unidade de área no mar. A pressão total num certo nível de
profundidade corresponde à soma da pressão hidrostática com a pressão atmosférica na superfície do
mar (sendo que a pressão atmosférica normal é 1.013 x 102 N/m2, ou seja, 1.013 hPa, corresponde
a 1 atmosfera). Note-se que a cada 10 metros de aumento em profundidade resulta um aumento
de pressão de cerca de 1 atmosfera. A profundidade média dos oceanos é de 3.730 m (enquanto a
elevação média dos continentes é de 840 m) e a máxima profundidade dos oceanos é de 11.524 m,
148
Circulação e massas d'água
na Fossa Mindanao, no Pacífico Oeste (e a máxima altitude dos continentes é de 8.840 m, no Monte
Everest, Himalaia, Ásia). Consequentemente, a pressão hidrostática média no fundo do mar é de 370
atmosferas, e a máxima é de 1.100 atmosferas.
É a relação entre massa e volume da água do mar, sendo expressa em kg/m3. Na superfície varia
tipicamente entre 1.020 e 1.030 kg/m3, sendo que em profundidade se chega a ter valores próximos a
1.050 kg/m3. A densidade da água pura à pressão atmosférica é de 1.000 kg/m3, sendo que a água do
mar tem valores maiores principalmente devido à presença dos sais. A salinidade (s), a temperatura
(t) e a pressão (p) e determinam a densidade da água do mar (ρ), através de uma equação polinomial
chamada “equação do estado da água do mar”.
Em geral, as isotermas acompanham os paralelos terrestres, com temperaturas mais baixas nas
regiões polares e mais altas nas baixas latitudes (Fig. 1). Isto se deve principalmente ao efeito da
radiação solar, cuja média anual chega a ultrapassar 400 Watts/m2 na região equatorial e não ultrapassa
200 Watts/m2 nas áreas polares. Porém, nas baixas latitudes, se tem temperaturas mais baixas no lado
leste do que no lado oeste dos oceanos; esta característica é notória no Atlântico Sul e no Pacífico Sul,
nas isotermas de 25°C no verão e nas isotermas de 20°C no inverno; este aspecto se deve aos ventos
alísios (na região tropical), que tendem a afastar as águas no lado leste dos oceanos para o mar aberto,
favorecendo o afloramento de águas mais frias vindas abaixo da superfície.
149
Noções de Oceanografia
FIGURA 1. Temperatura média na superfície dos oceanos, em fevereiro e agosto, em °C. Dados extraídos
do WOA – World Ocean Atlas – 2009, de Locarnini et al., 2010.
150
Circulação e massas d'água
Nas latitudes baixas, a coluna d'água em geral possui três camadas (Fig. 2A): camada da superfície,
com espessura típica de 50 a 200 m e temperatura próxima à da superfície; termoclina principal, de 200 a
1.000 m, com grande variação da temperatura com a profundidade; e a camada do fundo, abaixo dos 1.000
m, com pequena variação de temperatura com a profundidade. Em altas latitudes, não há termoclina:
temperatura é relativamente uniforme na vertical (Fig. 2C); e nas latitudes médias, a termoclina principal
é uma “termoclina sazonal“, pois só ocorre no verão (Fig. 2B). A camada da superfície é chamada “camada
de mistura”, por ser homogênea, devido à mistura causada pelo vento e pelas ondas.
FIGURA 2. Perfis verticais típicos de temperatura nas baixas (A), médias (B) e altas latitudes (C), em ºC.
Nessa figura, se encontram valores médios mensais de fevereiro (verão) e agosto (inverno), na longitude
de 30,5ºW e nas latitudes de 5,5ºS (baixa latitude), 47,5ºS (latitude média) e 67,5ºS (alta latitude). Dados
extraídos do WOA – World Ocean Atlas – 2009, de Locarnini et al., 2010.
151
Noções de Oceanografia
Em águas oceânicas, nas áreas tropicais e nas altas latitudes, as variações sazonais da estrutura
vertical da temperatura são muito pequenas, visto que as temperaturas na superfície do ar e do mar
não variam significativamente. Entretanto, nas latitudes médias, há uma variação sazonal marcante da
estrutura vertical da temperatura das águas oceânicas, o que origina uma "termoclina sazonal" (Fig. 2).
Abaixo dos 500 m, as variações de temperatura do oceano com as estações do ano são muito pequenas,
sugerindo um ambiente muito homogêneo para a temperatura nas grandes profundidades. Por outro
lado, águas costeiras possuem variações diurnas e sazonais de temperatura bem maiores que o oceano
profundo, com valores até em torno de 10°C.
A salinidade na superfície dos oceanos varia geralmente entre 33 e 37, tendo variação meridional,
com baixos valores nas altas latitudes, máximos em cerca de 25°N e S e mínimo logo ao Norte do Equador
(Fig. 3). A salinidade na superfície nas regiões oceânicas (longe da costa) é controlada principalmente
por dois fatores: a evaporação, que a aumenta, e a precipitação, que a reduz. Os máximos de salinidade
na superfície estão nas regiões dos ventos alísios, que provocam um máximo de evaporação menos
precipitação. O congelamento de água aumenta a salinidade, e o degelo a diminui, mas estes efeitos
são secundários e localizados. Assim, baixos valores de salinidade são encontrados em regiões de alta
precipitação e nas regiões polares, enquanto que valores muito altos aparecem em regiões com excesso de
evaporação, como por exemplo o Mar Mediterrâneo (39) e o Mar Vermelho (41). Em regiões costeiras,
além de precipitação e evaporação, pode haver a influência do desaguadouro de rios com grande vazão
fluvial e a drenagem continental de precipitação, de modo que valores de salinidade abaixo de 30 podem
ocorrer (note-se os baixos valores de salinidade próximo ao Rio Amazonas e o Rio da Prata).
FIGURA 3. Salinidade média anual na superfície dos oceanos, em ups. Dados extraídos do WOA – World
Ocean Atlas – 2009, de Antonov et al, 2010).
152
Circulação e massas d'água
Quanto à distribuição vertical de salinidade, esta não é tão simples de descrever como a
de temperatura. Isto porque a densidade (que é o fator responsável pela estabilidade vertical) é
principalmente determinada pela temperatura (em águas oceânicas). Somente nas águas costeiras,
e em estuários, a salinidade é tão importante quanto a temperatura como elemento controlador da
densidade. De qualquer forma, os efeitos principais que determinam os perfis de salinidade em
águas oceânicas são a evaporação e a precipitação, que aumentam a salinidade de superfície nas
baixas latitudes e diminuem a salinidade de superfície nas altas latitudes (Fig. 4).
Em águas muito profundas, abaixo de 4.000 m, a salinidade é muito uniforme, 34,6 a 34,9,
e a temperatura tem pequenas variações (-0,9 a 2°C); isto significa que essas águas profundas
têm características bastante uniformes. Nos perfis verticais, uma camada intermediária entre a de
superfície e a do fundo pode apresentar grande variação de salinidade com a profundidade, sendo
chamada “haloclina”. Por outro lado, em regiões costeiras com grande descarga de água doce de
rios, a salinidade é diminuída pela influência fluvial, principalmente na superfície, e pode também
ocorrer uma haloclina, entre a camada de superfície (pouco salina) e a de fundo (muito salina).
FIGURA 4. Perfis verticais típicos de salinidade em áreas oceânicas, no Atlântico Sul. Nessa figura se
encontram valores médios mensais de fevereiro (verão) e agosto (inverno), na longitude de 30,5°W e nas
latitudes de 25,5°S (baixa latitude) e 47,5°S (latitude média). Dados extraídos do WOA – World Ocean Atlas
– 2009, de Antonov et al., 2010.
153
Noções de Oceanografia
FIGURA 5. Perfis verticais típicos de densidade potencial em áreas oceânicas, no Atlântico Sul. Nessa
figura se encontram valores médios anuais, na longitude de 30,5°W e nas latitudes de (A) 5,5°S (baixa
latitude) e (B) 67,5°S (latitude média) (B). Valores extraídos do Banco de Dados LEVITUS 94 (Levitus &
Boyer, 1994).
154
Circulação e massas d'água
4. Massas de água
Uma vez conhecidas as distribuições espaço-temporais das propriedades físico-químicas da
água do mar, o passo seguinte na construção do conhecimento se encontra na classificação das massas
de água nos oceanos (Tomczak & Godfrey, 1994).
Não é possível reconhecer uma parcela de água somente pela sua densidade, visto que há muitas
combinações de temperatura e salinidade (e pressão) que produzem a mesma densidade; entretanto, a
combinação temperatura-salinidade (e pressão) pode ser usada para este fim, com a vantagem destas
propriedades serem conservativas nas camadas abaixo da superfície; isto significa que, abaixo da
superfície, não há nenhum processo que introduza ou remova calor ou sal, de modo que a quantidade
total de calor e sal é aproximadamente constante.
As águas de superfície não recaem em categorias exatas de massas d'água devido à grande
variabilidade de seus parâmetros. Em geral, espera-se que as águas de maior profundidade sejam
formadas nas latitudes mais altas, enquanto as mais próximas à superfície sejam formadas mais
próximo ao Equador. Dessa forma, na superfície de áreas tropicais se considera a formação das
Massas de Água Tropicais, com altas temperaturas e salinidades (> 20°C, > 36 ups).
Adicionalmente, em áreas costeiras de baixas latitudes e grande aporte fluvial (ou drenagem
de águas continentais) são detectadas as Massas de Água Costeiras, com altas temperaturas e
baixas salinidades (> 26°C, < 34 ups).
O Quadro 1 apresenta os principais tipos e massas de água do Oceano Atlântico, com seus
valores limites de temperatura e salinidade e as profundidades em que atingem o equilíbrio vertical
e passam a fluir horizontalmente.
155
Noções de Oceanografia
QUADRO 1. Principais tipos e massas de água no Oceano Atlântico, com suas profundidades de equilíbrio
e intervalos de temperatura e salinidade.
FIGURA 7. Diagramas TS para o valores médios climatológicos mensais em abril (linhas azuis) nos pontos
30,5ºW 22,5ºN (esquerda) e 30,5ºW 22,5ºS (direita) e os limites de temperatura e salinidade dos principais
tipos e massas de água no Oceano Atlântico Norte (esquerda) e Sul (direita).
156
Circulação e massas d'água
deslocando as antigas residentes no local. A excessiva perda de energia térmica pelos oceanos
nas altas latitudes provoca um aumento da densidade das águas na superfície e gera este tipo de
circulação (Fig. 8A). O efeito isolado da salinidade na geração da circulação termohalina ocorre
principalmente nas regiões tropicais (Fig. 8B), por efeito de evaporação (regiões de máxima
salinidade na superfície). Em grande escala, os efeitos térmicos prevalecem sobre os halinos. Os
“efeitos termohalinos” ocorrem também em escalas menores, como por exemplo em estuários,
onde há o encontro de água doce do rio com água salina do mar, ou no mar Mediterrâneo (Fig. 9).
FIGURA 8. Esquema da circulação termohalina em grande escala: A) parte térmica; e B) parte halina.
157
Noções de Oceanografia
FIGURA 10. Perfil vertical das correntes geradas pelo vento (no Hemisfério Sul). Ilustração: Leandro Coelho.
4) Inclinações do nível médio do mar também induzem acelerações no oceano, do nível maior
para o menor, desde a superfície até o fundo (Fig. 11B).
5) O Sol e a Lua atuam com a força da gravidade, gerando as correntes de maré astronômica, ao
longo de toda a coluna d'água; ver esquema da Figura 12: devido à presença do corpo celeste (no caso,
a Lua), as águas no seu quadrante tem elevação; as águas no quadrante oposto também tem elevação;
e as águas nos outros dois quadrantes tem rebaixamento; como a Terra gira, para um observador em
Terra (por exemplo na ilha), as águas se elevam e rebaixam duas vezes por dia – gerando as correntes
de maré (ver capítulo sobre marés e nível médio do mar).
158
Circulação e massas d'água
FIGURA 11. Aceleração gerada por gradiente: A) de pressão atmosférica; e B) do nível médio do mar.
• Pela força de Coriolis, devida à rotação da Terra, que deflete as correntes para a esquerda no
Hemisfério Sul, e para a direita no Hemisfério Norte; e
• Por efeitos de continuidade, que são também importantes nos fluxos oceânicos (raramente
ocorrem variações muito abruptas na intensidade e direção das correntes).
• Fricção vertical (entre camadas de fluido em movimento relativo ao longo da coluna d'água); e
• Fricção lateral (entre porções vizinhas de fluido em movimento relativo na mesma profundidade).
A seguir, serão estudados os grandes sistemas de circulação nos oceanos, com uma divisão:
circulação na superfície e circulação em águas profundas. Não existe uma fronteira definida entre
159
Noções de Oceanografia
• Nos giros subtropicais, as circulações de superfície são horárias no hemisfério Norte e são
anti-horárias no hemisfério Sul;
• Nos giros subtropicais, as correntes de superfície são mais concentradas e mais intensas no
lado Oeste do que no lado Leste do oceano;
• Nas regiões de altas latitudes ocorrem os giros polares, que são anti-horários no hemisfério
Norte e horários no hemisfério Sul.
FIGURA 13. Circulação média de superfície no oceano global. 1) Confluência Brasil – Malvinas; e 2)
bifurcação da Corrente Sul Equatorial (gerando a Corrente do Brasil e Corrente Norte do Brasil). Adaptado
de Neumann & Pierson (1966).
160
Circulação e massas d'água
No Atlântico Norte, o giro subtropical (horário) é formado pela Corrente Norte Equatorial,
Corrente do Golfo (corrente de limite Oeste, muito intensa e concentrada, chegando a atingir 2,5 m/s),
Corrente do Atlântico Norte e Corrente das Canárias (corrente de limite Leste, fraca e espalhada). No
Atlântico Sul, o giro subtropical (anti-horário) é formado pela Corrente Sul Equatorial, Corrente do
Brasil (corrente de limite Oeste, muito intensa e concentrada), Corrente do Atlântico Sul e Corrente
de Benguela (corrente de limite Leste, fraca e espalhada).
No Oceano Atlântico, há duas feições adicionais específicas para a circulação de superfície (Fig. 13):
• A Confluência Brasil – Malvinas, que ocorre ao largo da América do Sul, entre 38°S e 42°S
e a 48°W, com o encontro de águas quentes e salinas da Corrente do Brasil e águas frias e de
baixa salinidade da Corrente das Malvinas; e
FIGURA 14. Detalhamento da circulação média de superfície no lado Oeste do Oceano Atlântico Sul.
Correntes assinaladas com numerais: 1) Corrente do Brasil; 2) Corrente das Malvinas; 3) Confluência Brasil
– Malvinas; 4) Corrente do Atlântico Sul (também conhecida como Corrente de Deriva Vento Oeste); 5)
Bifurcação da Corrente Sul Equatorial (gerando a Corrente do Brasil e Corrente Norte do Brasil); 6) Contra-
corrente Equatorial (para Leste); 7) Corrente Norte do Brasil; e 8) Corrente Norte Equatorial. Adaptado de
Pickard & Emery (1990).
161
Noções de Oceanografia
A Água de Fundo Antártica também flui para Leste, em torno do Continente Antártico
e, devido ao surpreendente efeito de grande alcance em profundidade da corrente de superfície
Deriva Vento Oeste, se mistura a esta, formando a Água Circumpolar Antártica (ACAA), que
é bastante homogênea. A Água Circumpolar Antártica fornece água de fundo para os Oceanos
Índico e Pacífico Sul (Fig. 15).
Em torno de 45° de latitude, no inverno dos dois hemisférios, são formadas a Água Central
do Atlântico Norte (ACAN) e a Água Central do Atlântico Sul (ACAS). Elas afundam até cerca
de 300 m e se dirigem ao Equador, perdendo a sua identidade à medida que se espalham (Fig. 15).
Uma significativa incursão de águas ocorre através da Água Mediterrânea (AM), a qual
encontra o seu nível de equilíbrio a 1.500 m de profundidade; ela entra no Atlântico Norte
após atravessar o Estreito de Gibraltar. Esta água é continuamente formada na parte Norte do
Mediterrâneo Oeste, pelo resfriamento do inverno e pela evaporação através do ar seco que sopra
da África do Norte. Estas águas frias e salinas afundam e fluem para o Sul e para Oeste. Elas
têm uma forte influência na Água Profunda do Atlântico Norte, sentida a até 3.000 km a Oeste
e Sul de Gibraltar.
162
Circulação e massas d'água
FIGURA 15. Circulação em águas profundas no Oceano Atlântico, envolvendo as massas de água: AFAA -
Água de Fundo Antártica; APAN - Água Profunda do Atlântico Norte; AIAA - Água Intermediária Antártica;
AIAN - Água Intermediária do Atlântico Norte; ACAS - Água Central do Atlântico Sul; ACAN - Água
Central do Atlântico Norte; AM - Água Mediterrânea (intrusão pelo Canal de Gibraltar); e ACAA – Água
Circumpolar Antártica (circunda a Antártica).
FIGURA 16. Esquema de massas de água e circulação ao largo da costa sudeste brasileira. Baseado nas
análises de Silveira et al (2000).
163
Noções de Oceanografia
8. Complementação
Medições oceanográficas e modelos computacionais têm demonstrado o acoplamento
das circulações de superfície e profunda, no oceano global, em função dos maiores volumes
transportados, o que gera a “célula de revolvimento meridional”, que abrange e interliga os
Oceanos Atlântico, Pacífico e Índico.
Uma ilustração desta célula global se encontra na Figura 17; para o Oceano Atlântico, os
maiores transportes de volume são devidos à Corrente Sul Equatorial, Corrente Norte do Brasil
e Corrente do Golfo (na superfície), além do deslocamento da Água Profunda do Atlântico
Norte (desde sua região de formação na Groenlândia, até superfície na Antártica) e da Água
Circumpolar Antártica.
FIGURA 17. Célula de revolvimento meridional, acoplando os maiores transportes de volume pela
superfície (setas vermelho) e pelo fundo (setas em azul).
Neste capítulo foi dada ênfase à circulação em grande escala, gerada principalmente por efeitos
meteorológicos, com os ventos forçando a circulação de superfície e influências termohalinas forçando
a circulação em profundidade.
164
Circulação e massas d'água
FIGURA 18. Correntes de superfície no estuário de Santos, em 07 de fevereiro de 1997, 22h GMT, em
condição de maré vazante.
165
Noções de Oceanografia
Referências Bibliográficas
NOÇÕES DE OCEANOGRAFIA
Capítulo 8
DINÂMICA OCEÂNICA:
O OCEANO COMO
FLUIDO GEOFÍSICO
Sueli Susana de Godoi, Ilson Carlos Almeida da Silveira
& Luiz Bruner de Miranda
167
Noções de Oceanografia
CITAÇÃO SUGERIDA: GODOI, Sueli Susana de; SILVEIRA, Ilson Carlos Almeida da & MIRANDA,
Luiz Bruner de. Dinâmica oceânica: o oceano como fluido geofísico. In: HARARI, Joseph (org.).
Noções de Oceanografia. São Paulo: Instituto Oceanográfico, 2021. E-book. Cap. 8: p. 169-201.
168
Dinâmica oceânica: o oceano como fluido geofísico
Dinâmica Oceânica:
O Oceano como Fluido Geofísico
Sueli Susana de Godoi, Ilson Carlos Almeida da Silveira
& Luiz Bruner de Miranda
1. Apresentação
A abordagem aqui apresentada, sobre dinâmica oceânica com enfoque no oceano como fluido
geofísico, visa introduzir, inicialmente, conceitos básicos e ilustrações relacionados com a Oceanografia
Física Descritiva ou Oceanografia Sinótica e Oceanografia Dinâmica. Conceitos sobre circulação
oceânica gerada pelo vento e circulação termohalina são apresentados, baseados na interação oceano-
atmosfera e estratificação de massa, isto é, na distribuição de densidade da água do mar.
Na sequência, são inseridos conceitos sobre a escala de dimensão horizontal, característica dos
oceanos, pela observação de mapas horizontais de temperatura, salinidade e de densidade. A escala
vertical é observada pela visualização de seção vertical de densidade da água do mar. Tais conceitos são
de suma importância no tópico relacionado com análise de escalas da dinâmica oceânica.
Finalmente, o leitor é convidado a interagir com a prática da Oceanografia Física, pela observação
de ilustrações, referentes ao Sistema Corrente do Brasil, relacionando produtos gerados pela aplicação
de métodos de estudo da Oceanografia Física Descritiva e Oceanografia Dinâmica. A abordagem se
encerra com exemplos de algumas embarcações oceanográficas, importantes no ensino e na pesquisa
oceanográfica, do Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo em um tempo passado,
"Navio Oceanográfico Professor Wladimir Besnard", e presente, "Navio Oceanográfico Alpha Crucis"e
"Barco Oceanográfico Alpha Delphini".
Foto: Bruno Coelho
169
Noções de Oceanografia
Sob o aspecto da Oceanografia Física há dois principais enfoques de estudo que merecem ser
abordados: Oceanografia Física Descritiva ou Sinótica e a Oceanografia Dinâmica.
• Oceanografia Dinâmica: Oceanografia Dinâmica: utiliza leis da Física para obter relações
matemáticas entre as forças atuantes nas águas do oceano e seus consequentes movimentos,
podendo inferir previsões.
Importante observar que estudos realizados com enfoque em dinâmica dos oceanos são
complementados com a Oceanografia Física Descritiva.
FIGURA 1. Diagrama esquemático: ar/mar/fundo oceânico. Cortesia: Miranda & Godoi (em revisão).
170
Dinâmica oceânica: o oceano como fluido geofísico
A interação mútua entre o sistema oceano-atmosfera se faz através dos balanços de calor e sal,
os quais determinam a concentração dessas propriedades na camada de superfície dos oceanos; essas
concentrações, que são medidas em função da temperatura (T) e da salinidade (S), isto é quantidade de
sais dissolvidos na água do mar, geram movimentos nas camadas superficiais e profundas denominados
de circulação termohalina, governada pela densidade da água do mar (ρ), de natureza baroclínica.
Um ponto a colocar é que, a força de gradiente de pressão pode ser gerada pela inclinação da
superfície livre e pela variação baroclínica do gradiente de pressão. No primeiro caso, esta é denominada
de força barotrópica de gradiente de pressão. O termo "barotrópica" significa que as isopicnais, linhas
de mesma densidade, estão na mesma direção da pressão ou das isóbaras. Ambas são paralelas. No
segundo caso, tem-se a força de gradiente de pressão baroclínica. Nesta situação, significa que as
isopicnais são inclinadas relativamente às isóbaras. As isopicnais cruzam as isóbaras.
171
Noções de Oceanografia
Observar o sentido dos giros subtropicais, sobre os oceanos Atlântico, Pacífico e Índico (Fig. 2).
Nos oceanos Atlântico e Pacífico, no Hemisfério Sul, o giro é anti-horário e no Hemisfério Norte o giro
é horário. No oceano Índico, o regime de ventos é governado pelas monções, isto é, ventos que mudam
com as estações do ano. Notar que no oceano Austral, o qual circunda a Antártica, o vento sopra de oeste
para leste, também denominado de vento de deriva oeste.
Por razões históricas, o vento é de onde vem e a corrente no oceano é para onde vai. Então, por exemplo,
vento de nordeste significa que o vento sopra de nordeste e a corrente flui para sudoeste. Antigamente,
saber de onde vem o vento era muito importante para erguer edificações robustas de tal forma que estas não
fossem afetadas pela intensidade dos ventos. Por outro lado, na navegação, ter conhecimento do sentido da
corrente é um fator importante que pode auxiliar a embarcação ter um melhor desempenho.
FIGURA 2. Mapa mostrando o sistema global de ventos de superfície, em julho. Os centros de alta
pressão, (A - anti-ciclones), e de baixa pressão (B - ciclones), estão também indicados. A Zona da
Convergência Intertropical (ITCZ) indica o encontro dos ventos alíseos de Nordeste e Sudeste. Adaptado
de The Open University (2001).
O mapa da circulação oceânica global em superfície pode ser observado na Figura 3. Aqui há de
se notar a influência do padrão de ventos (Fig. 2) sobre o sentido das correntes de superfície. Embora
o vento atue na interface ar-mar, transferindo quantidade de movimento, que consiste no produto
entre massa e velocidade, do ar para o mar formando as ondas e as correntes de superfície, seus efeitos
são sentidos indiretamente até 1.000 metros de profundidade. Naturalmente, os primeiros metros da
coluna de água consistem em uma camada bem misturada, denominada de camada de mistura.
172
Dinâmica oceânica: o oceano como fluido geofísico
Complementando, os giros subtropicais, caracterizados por centros de alta pressão, isto é, anti-
ciclônicos, têm sentido anti-horário no Hemisfério Sul e horário no Hemisfério Norte. O sentido dos
giros pode ser entendido pela aplicação do balanço geostrófico, definido previamente.
As correntes oceânicas (Fig. 3) estão denominadas de acordo com a região em que estão fluindo, por
exemplo, Oceano Atlântico Sul - Corrente do Brasil, Corrente de Benguela; Oceano Atlântico Norte -
Corrente do Golfo, Corrente da Noruega, Corrente das Canárias; Oceano Pacífico Sul - Corrente do Peru;
Oceano Pacífico Norte – Corrente de Kuroshio, Corrente da Califórnia; Oceano Índico – Corrente da
Somália. Notar o sistema de correntes equatoriais, presentes nos oceanos Atlântico, Pacífico e Índico. No
Oceano Austral flui a Corrente Circumpolar Antártica, oriunda da ação dos ventos de deriva oeste.
FIGURA 3. Circulação oceânica global em superfície. Adaptado de The Open University (2001).
173
Noções de Oceanografia
FIGURA 4. Circulação termohalina global simplificada - "A esteira transportadora". Cortesia Leandro Coelho.
Aqui vale ressaltar a escala horizontal em larga escala, correspondente aos giros subtropicais,
característica do oceano, a qual é da ordem de 106 m. Isto significa que um navegador necessita
percorrer 103 km de distância para se ter uma variação de temperatura de aproximadamente 20°C
entre o Equador e altas latitudes. Essa escala horizontal característica será utilizada posteriormente na
análise da geometria do oceano como fluido geofísico.
174
Dinâmica oceânica: o oceano como fluido geofísico
FIGURA 5. Mapa horizontal da temperatura da superfície do mar (°C), obtido com modelagem numérica. A
escala horizontal associa níveis de cores e valores de temperatura. Cortesia Daniel Moita.
FIGURA 6. Mapa horizontal de salinidade da superfície do mar, obtido com modelagem numérica. A
escala horizontal associa níveis de cores e valores de salinidade. Cortesia Daniel Moita.
175
Noções de Oceanografia
FIGURA 7. Mapa horizontal de densidade convencional (kg. m-3) da superfície do mar. A escala horizontal
associa níveis de cores e valores de densidade convencional. Fonte: Talley et al. (2011).
176
Dinâmica oceânica: o oceano como fluido geofísico
FIGURA 9. Seção vertical meridional de densidade potencial convencional (kg. m-3). A linha tracejada em
2000 m indica a interface entre as estruturas de densidades usando níveis de referência: superfície do
mar (σθ) e 4000 dbar (σ4). Oceano Atlântico. Adaptado de Talley et al. (2011).
177
Noções de Oceanografia
Uma característica importante no estudo do oceano como fluido geofísico é a estrutura vertical da
coluna de água. Neste caso, observa-se na Figura 9 as configurações da camada de mistura, picnoclina,
onde há um gradiente acentuado de densidade, e camada do oceano profundo.
Com a finalidade de visualizar de forma geral a interação entre a incidência da radiação solar,
circulação atmosférica, circulação oceânica e massas de água ao longo da coluna de água, é apresentado
o diagrama esquemático esboçado na Figura 10. A estrutura mostra que o oceano é verticalmente
estratificado, formado por infinitas camadas. Este é, também, um conceito relevante no estudo do
oceano como um fluido geofísico, o qual será abordado no próximo item.
FIGURA 10. Diagrama esquemático mostrando a interação entre a incidência da radiação solar,
circulação atmosférica, circulação oceânica e massas de água ao longo da coluna de água. ZCIT (Zona da
Convergência Inter Tropical). Adaptado de The Open University (2001).
178
Dinâmica oceânica: o oceano como fluido geofísico
5.1.1 Conceitos
• Um elemento sólido, quando submetido à uma força externa, tem um formato preferencial,
que tende a retornar quando da remoção das forças atuantes; e
• Um elemento fluido não possui nenhum formato preferencial e irá se deformar continuamente,
perante a aplicação de uma força externa.
• Sabendo que o volume do Oceano Atlântico é da ordem de 3 · 1018 m3, o número de moléculas
correspondente é de 1048 moléculas;
» continuum.
Concluindo, é possível ignorar a estrutura molecular discreta do fluido e tratá-lo como um meio
contínuo - o continuum.
179
Noções de Oceanografia
A Geofísica pode ser definida como a ciência que estuda a estrutura, as propriedades físicas e os
processos dinâmicos que occorem nas esferas que compõem o planeta Terra.
ESFERAS TERRESTRES
Atmosfera, hidrosfera e litosfera
180
Dinâmica oceânica: o oceano como fluido geofísico
δ=H/L
181
Noções de Oceanografia
• 1 mn = 1.852 m.
Portanto,
δ0 = Ho / Lo = 3 . 103m / 3 . 106 m
δ0 = 1 . 10−3
Analogamente, outra razão de aspecto importante é dada entre a profundidade média dos
oceanos (Ho) e o raio médio da Terra (RTerra), ou seja:
δ = 3 . 103 m / 6 . 106 m
δ = 0,5 . 10−3
Qual é o significado?
No primeiro caso, a profundidade média dos oceanos é mil vezes menor que a escala horizontal
dos oceanos e, no segundo, duas mil vezes menor do que o raio médio da Terra. Em termos de ordem
de grandeza corresponde a 103.
Significado físico: as velocidades verticais nos oceanos são relativamente menores que as
velocidades horizontais, da ordem de 10-4 m/s e 10-1 m/s em larga escala, respectivamente. A razão é
que há pouco espaço na vertical para as velocidades se desenvolverem, comparativamente com aquele
para as velocidades horizontais.
182
Dinâmica oceânica: o oceano como fluido geofísico
FIGURA 12. Perfis verticais de densidade convencional – SigmaT (kg . m-3): equador, trópicos e altas
latitudes. Adaptado de The Open University (1995).
Observar, na Figura 12, que há três perfis verticais de densidade convencional, referentes às
regiões do equador, trópicos e altas latitudes. Notar a presença das camadas de mistura, das picnoclinas
e do oceano profundo. Do equador para as altas latitudes, os gradientes de densidade convencional,
característicos da picnoclina, se mostram comparativamente menores. Em altas latitudes, a picnoclina
já não se mostra tão acentuada, pois há um limite para o máximo de densidade.
183
Noções de Oceanografia
A rotação da Terra (Fig. 13) em torno de seu eixo conduz ao chamado efeito de Coriolis.
Lembrando, o parâmetro de Coriolis é a igual a f = 2 Ω senφ, em que:
No Hemisfério Norte, objetos em movimento tendem a ser defletidos para a direita da direção
de sua trajetória. Já no Hemisfério Sul, objetos em movimento tendem a ser defletidos para a esquerda
da direção de sua trajetória. O efeito é mais acentuado nos polos, e decai para zero em direção ao
equador. A razão é que o parâmetro de Coriolis depende do seno da latitude.
FIGURA 13. A rotação da Terra e a aceleração de Coriolis, entre o Equador e o polos Norte e Sul. Adaptado
de The Open University (2001).
A R O TA Ç Ã O D A T E R R A
O efeito da rotação da Terra pode ser visualizado considerando a trajetória de uma
aeronave, viajando do Polo Norte em direção à uma Ilha no Oceano Atlântico Norte.
Observando do espaço:
184
Dinâmica oceânica: o oceano como fluido geofísico
Para entender essa questão, observe o conjunto de banheiras mostradas na Figura 14.
FIGURA 14. Simulação do efeito da rotação da Terra, considerando a geometria de uma banheira.
Cortesia: Victor Alves de Souza.
Ao remover o tampo da banheira, será que o escoamento de água gira no sentido horário no
Hemisfério Norte e anti-horário, no Hemisfério Sul, semelhante aos sentidos dos Giros Subtropicais
em cada correspondente hemisfério? Isto é, será que o efeito da rotação da Terra influencia no sentido
do movimento do escoamento?
Com a finalidade de responder essa questão, será iniciado o estudo de análise de escalas. Para
isso, deve-se considerar primeiramente as dimensões físicas e unidades características de processos
oceânicos em estudo. Aspectos que serão abordados no próximo item.
185
Noções de Oceanografia
A análise de escalas permite a estimativa de cada termo que compõe as equações hidrodinâmicas,
que são equações diferenciais parciais sem soluções gerais conhecidas. Isto significa que tais equações são
resolvidas utilizando condições de contorno, por exemplo, ar-mar, mar-fundo marinho, mar-continente. A
finalidade da análise de escala é simplificar tais equações, reduzindo o número de termos, e, desta forma,
entender os processos oceânicos de forma mais simples. E como estimar a escala de tempo no oceano?
No oceano é mais “fácil” estimar uma escala de velocidade, pois há instrumentos oceanográficos
que registram essa quantidade “in situ’’, do que a escala de tempo. Consequentemente, a escala de
tempo pode ser inferida a partir da definição de velocidade:
U=L/t → t = L/U
As escalas de tempo dos movimentos do oceano podem variar, de frações de segundos a décadas.
Um espectro de ondas, mostrando características de tipos de ondas, pode ser visualizado na Figura 15.
FIGURA 15. Espectro das características de tipos de ondas. Adaptado de The Open University (2000).
186
Dinâmica oceânica: o oceano como fluido geofísico
Questão: como a rotação da Terra e a estratificação de massa podem ter sua importância avaliada
nos movimentos oceânicos?
Avaliar a importância do efeito da rotação da Terra nos escoamentos irá permitir responder
à questão, levantada previamente, sobre o sentido de escoamento da água ao retirar o tampão de
uma banheira.
Para saber se a rotação da Terra tem influência em um dado movimento, deve-se comparar a
escala de tempo do movimento com a escala de tempo de uma revolução. Se os movimentos do fluido
evoluem em escala de tempo comparáveis ou mais longas que o período de rotação da Terra, pode-se
afirmar que o fluido irá sentir o efeito da rotação. Logo, tem-se a razão:
ε = (Tempo de 1 revolução) / (Tempo que a partícula necessita para cobrir uma distância L, tendo
velocidade U)
ε = Ω−1 / LU-1,
Concluindo, considerando o número de Rossby local (εt) e número de Rossby advectivo (ε):
187
Noções de Oceanografia
• Banheira → ε = 103 >>1, para um escoamento de pequena escala, significa que a rotação da
Terra não influencia no sentido da circulação!!!
• Oceano → ε = 10-3 <<1, para um escoamento de larga escala, significa que a rotação da Terra
influencia no sentido da circulação!!!
“A água que escoa pelo ralo de uma banheira, após retirar o tampão, “gira” no mesmo sentido ou em
sentidos opostos nos hemisférios Norte e Sul?”,
pode agora ser respondida. Conforme visto pela análise de escala, utilizando o número de Rossby
advectivo, no caso da banheira, a rotação da Terra não influencia no sentido de rotação do escoamento.
O oceano, tipicamente, consiste de camadas de fluido de diferentes densidades, que sob a ação da
gravidade, tendem a se arranjar em pilhas verticais, correspondentes a um estado de energia potencial
mínima. No entanto, o movimento dos fluidos tende a perturbar esse estado de equilíbrio, soerguendo
fluido mais denso e afundando fluido mais leve (Fig. 16).
FIGURA 16. Esquema ilustrando o deslocamento vertical de uma parcela de água devido à perturbação na
estrutura de densidade, isto é, na estratificação de massa, ao longo da coluna de água.
Assim, por conservação de energia, o aumento de energia potencial tem que ocorrer às custas de
decréscimos de energia cinética. Logo, a importância da estratificação deve ser avaliada comparando
a energia cinética (EK) e a potencial (EP). Denominando por número de Froude, Fr, a razão dada por:
188
Dinâmica oceânica: o oceano como fluido geofísico
Simbolicamente,
Fr = EK / EP
onde,
U [L / t] – velocidade;
D [H] profundidade.
Se Fr ≈ 1,
Se Fr << 1,
Se Fr >> 1,
189
Noções de Oceanografia
Supondo uma situação em que, tanto a rotação, como a estratificação são importantes no
movimento. Isso significa que ambos, número de Rossby advectivo (ε) e número de Froude (Fr) são da
ordem 1, ou seja: ε = O(1); e Fr = O(1). Portanto, se:
• f0 = 10-4 . s-1
190
Dinâmica oceânica: o oceano como fluido geofísico
r = xi + yj + zk,
Portanto, P = P( ri , t )
FIGURA 17. Experimento Lagrangiano: Circulação no Oceano Atlântico ao largo da Costa do Brasil, mapeada
com boias de deriva. Fonte: <https://oceancurrents.rsmas.miami.edu/atlantic/spaghetti-speed.html>.
191
Noções de Oceanografia
Descrição Euleriana: assume que P = P (r, t). As propriedades do fluido são determinadas pela
"posição" do sistema no espaço-tempo, logo r e t são tomadas como variáveis independentes.
Significado físico: além de observar a variação local de uma propriedade no tempo, simula-se
em seguir a parcela de água. Para isto, considera-se que uma dada propriedade é advectada, ou seja,
transportada, pelas correntes oceânicas. No estudo da dinâmica de processos oceânicos, normalmente
adota-se a descrição euleriana.
Exemplificando, a Figura 18 ilustra um método de estudo usando a descrição euleriana. Nesta figura
está esboçada a rede de estações oceanográficas realizadas durante o Projeto Circulação Oceânica da Região
Oeste do Atlântico Sul (COROAS): Subprojeto Hidrografia de Meso-escala - HM. Observa-se que as
localizações das redes hidrográficas se superpõem para os períodos indicados de verão/1993 e inverno/1993.
A área em estudo consiste na Região Central do Embaiamento de São Paulo – Oceano Atlântico Sudoeste.
O contorno da costa e o relevo de fundo desta região podem ser observados na Figura 19.
FIGURA 19. Contorno da costa e relevo de fundo da região referente ao Embaimento de São Paulo.
Cortesia: Laboratório de Dinâmica Oceânica - IOUSP.
192
Dinâmica oceânica: o oceano como fluido geofísico
Em cada estação oceanográfica (Fig. 18) é lançado, por exemplo, entre outros instrumentos, um
perfilador de condutividade, a qual é convertida em salinidade, temperatura, em função da profundidade
(“Conductivity, Temperature and Depth” – CTD). Com o conjunto de registros de dados pode-se elaborar
perfis e seções verticais de propriedades físico/químicas da água do mar. Mapas horizontais destas
propriedades na superfície e nos diversos níveis amostrados podem complementar a análise.
FIGURA 20. Experimento Euleriano 2. Mapa da distribuição horizontal da salinidade da água do mar,
superposto a rede de estações oceanográficas. Cruzeiro oceanográfico HM-2 – Projeto COROAS. A linha
editada em preto representa a isohalina de 36, indicando a interface entre Água Costeira e Água Tropical
transportada pela Corrente do Brasil. Região Central do Embaiamento de São Paulo – Oceano Atlântico
Sudoeste. Fonte: Godoi (2005).
As seções verticais de temperatura potencial (Fig. 21A), salinidade (Fig. 21B) e de densidade
potencial convencional (Fig. 21C) são, também, exemplos considerando uma descrição euleriana.
O conjunto de seções verticais se refere à radial 7 (Fig. 18) do cruzeiro oceanográfico COROAS
- Região Central do Embaiamento de São Paulo – Oceano Atlântico Sudoeste. As estruturas
verticais das referidas propriedades mostram o sistema de Corrente do Brasil e Corrente de
Contorno Intermediária. O núcleo da Corrente do Brasil é evidente, transportando Água Tropical
para sul/sudoeste com temperaturas maiores que 20°C, salinidades maiores que 36 e águas menos
densas, em média 25,5 kg . m-3.
FIGURA 21. Experimento Euleriano 2: Região Central do Embaiamento de São Paulo – Oceano Atlântico
Sudoeste, Radial 7 - Os triângulos brancos no topo das seções verticais indicam as localizações das
estações oceanográficas: (A) Seção vertical de tempertura potencial (°C); (B) seção vertical de salinidade;
e (C) seção vertical de densidade potencial convencional (kg . m-3). Fonte Godoi (2005).
193
Noções de Oceanografia
No presente momento, é adequado inserir, para finalizar, uma aplicação de método de estudo
de dinâmica oceânica, considerando os breves fundamentos teóricos apresentados previamente. Com
a finalidade de observar a estrutura vertical das correntes oceânicas e massas de água associadas, na
região ao largo da costa Nordeste, Leste e Sudeste do litoral Brasileiro, o leitor é convidado a interagir
com o diagrama esquemático apresentado na Figura 22. Este diagrama retrata parcialmente o padrão
de circulação e massas de água associado ao Giro Subtropical do Atlântico Sul na referida região.
FIGURA 22. Esquema mostrando a estrutura vertical da circulação oceânica e massas de água
transportadas pelos sistemas de correntes ao largo da costa Nordeste, Leste e Sudeste do litoral
Brasileira, inseridas no Giro Subtropical do Atlântico Sul: Corrente Sul Equatorial (CSE); Corrente Norte
do Brasil (CNB); Subcorrente Norte do Brasil (SNB); Corrente do Brasil (CB); Corrente de Contorno
Intermediária (CCI); e Corrente de Contorno Profunda (CCP). As correspondentes massas de água estão,
assim, indicadas: Água Tropical (AT); Água Central do Atlântico Sul (ACAS); Água Intermediária Antártica
(AIA); e Água Profunda do Atlântico Norte (APAN). Fonte Soutelino (2008).
194
Dinâmica oceânica: o oceano como fluido geofísico
Mas, como estimar a circulação oceânica usando dados observados de temperatura, salinidade
em função da pressão? Conforme colocado previamente, pode-se estimar a velocidade de corrente
utilizando instrumentos oceanográficos. Em dinâmica, há a possibilidade de utilizar o método dinâmico
clássico para inferir campos de velocidades relativas, denominadas de velocidades geostróficas (Pond &
Pickard, 1991). Este método necessita de um nível de referência, denominado de nível de movimento
nulo, isto é, onde o valor da velocidade da corrente é zero, por exemplo, na interface entre dois sistemas
de correntes e massas de água associadas, fluindo em sentidos opostos.
Com a estimativa do nível de referência, o passo seguinte é aplicar o método dinâmico (Pond
& Pickard, 1991). A aplicação deste método irá produzir as velocidades relativas geostróficas, isto é,
ao nível de referência adotado.
Neste ponto, vale complementar, um pouco mais, sobre o movimento geostrófico. No estudo da
dinâmica do oceano faz-se uso de leis de conservação: quantidade de movimento linear; massa; calor;
sal; vorticidade; entre outras. Entende-se por lei de conservação, aquela em que a variação total de uma
propriedade qualquer, composta pela variação da propriedade no tempo e advecção da propriedade
pelo campo de velocidade, é nula se não houver fontes e/ou sorvedouros.
195
Noções de Oceanografia
Pela análise de escalas típicas para meso-escala, citadas previamente, as componentes da equação
de conservação de momento linear, compostas pelas velocidades zonal (leste / oeste), meridional (norte
/ sul) e vertical (w), podem ser simplificadas. O resultado para um escoamento estacionário e sem atrito,
conduz ao balanço geostrófico! O movimento geostrófico é dado pelo conjunto de equações abaixo.
- fv = - 1/ρ ∂p/∂x
fu = - 1/ρ ∂p/∂y
∂p/∂z = - ρg
Conforme colocado previamente, esta pode ser estimada usando o método dinâmico. Tendo
o campo de velocidades geostróficas, pode-se calcular o campo de função de corrente geostrófica,
a qual satisfaz a conservação de massa (Pond & Pickard, 1991). Após essa breve explanação, será
apresentado o resultado da estrutura horizontal do campo de função de corrente geostrófica,
considerando o sistema CB-CCI (Fig. 23 – painel superior). A base de dados considera as
observações registradas durante o cruzeiro oceanográfico HM-2, realizado no inverno de 1993,
durante o projeto COROAS (Fig. 18).
196
Dinâmica oceânica: o oceano como fluido geofísico
FIGURA 23. Interpretação conjunta do mapa da função de corrente geostrófica para 2 dbar - cruzeiro
HM2 - inverno 1993 (painel superior), ressaltando o escoamento da Corrente do Brasil (CB), delineado pelo
traçado preto, na região central do embaiamento de São Paulo e imagem da Temperatura da Superfície
do Mar - AVHRR/NOAA-11 - 20/julho/1993 (painel inferior). Nesta imagem a escala de cores (à direita)
fornece níveis de temperatura. A frente termal da Corrente do Brasil está delineada pela linha tracejada
(branco). As setas ao longo dessa frente indicam o sentido de escoamento da Corrente do Brasil. O
meandramento dessa corrente acompanhado de vórtices ciclônicos (B - centro de baixa pressão) e anti-
ciclônicos (A - centro de alta pressão) são evidentes (traçado preto). O retângulo (branco) indica a região
investigada pelo projeto COROAS - subprojeto HM – meso-escala (Fig.18). Fonte: Godoi (2005).
197
Noções de Oceanografia
FIGURA 24. Estrutura vertical de velocidade geostrófica de corrente usando o método dinâmico clássico
(painel superior). Estrutura vertical de velocidade baroclínica de corrente modelada usando o código
numérico seccional “Princeton Ocean Model” (POM xσ) (painel inferior). Radial 7 (25° - 27°S) - Cruzeiro
oceanográfico HM2 - Inverno/1993 - Projeto COROAS. Fonte: Godoi (2005).
198
Dinâmica oceânica: o oceano como fluido geofísico
De forma bem simples, entende-se por velocidade baroclínica quando há “cisalhamento da corrente”
ou “cisalhamento geostrófico”, isto é, variação vertical da velocidade horizontal ao longo da coluna de água.
À medida que aumenta a profundidade, as superfícies isobáricas tornam-se cada vez mais próximas da
horizontal. Então, o gradiente horizontal de pressão diminui e o mesmo ocorre com a velocidade geostrófica,
até que em alguma profundidade as superfícies isobáricas são horizontais e a corrente geostrófica é nula.
A Oceanografia observacional é uma vertente que necessita do uso de embarcações para obter
registros de dados “in situ”. No momento é oportuno apresentar algumas embarcações oceanográficas,
utilizadas no ensino e na pesquisa oceanográfica. Exemplificando, o cruzeiro oceanográfico do Projeto
COROAS foi realizado a bordo do “Navio Oceanográfico Professor Wladimir Besnard” (Fig. 25)
– IOUSP, ou simplesmente “N/Oc. W. Besnard”. Este navio, construído em Bergen - Noruega, foi
protagonista na história dos estudos marítimos brasileiros e operou de 1967 a 2008.
FIGURA 25. Navio Oceanográfico Prof. Wladimir Besnard - IOUSP. Cortesia: Francisco Luiz Vicentini Neto.
Também é oportuno comentar sobre a atual flotilha ativa do IOUSP, composta pelo “Navio
Oceanográfico Alpha Crucis” (Fig. 26), o “Barco Oceanográfico Alpha Delphini” (Fig. 27), e mais dois
barcos de pesquisa de pequeno porte: o Albacora e o Veliger II. As duas primeiras embarcações encontram-
se atracadas junto ao armazém 8, no Porto de Santos, São Paulo, onde também já esteve atracado, em um
tempo passado, o “Navio Oceanográfico Professor Wladimir Besnard”. Os barcos de pesquisa Albacora e
Veliger II se encontram, respectivamente, nas Bases de Pesquisas e Ensino doutor João de Paiva Carvalho,
Cananeia, litoral sul paulista, e Clarimundo de Jesus, Ubatuba, litoral norte paulista. Estas duas últimas
embarcações navegam, principalmente, em áreas costeiras e de plataforma interna.
199
Noções de Oceanografia
FIGURA 26. Navio Oceanográfico Alpha Crucis – IOUSP. Cortesia: Francisco Luiz Vicentini Neto.
FIGURA 27. Barco Oceanográfico Alpha Delphini – IOUSP. Cortesia: José Gustavo Imakawa.
“Aos navegantes que singram Mares sem Fim” … em busca de novos horizontes !!!
200
Dinâmica oceânica: o oceano como fluido geofísico
Referências Bibliográficas
201
Oceanografia física costeira e estuarina
NOÇÕES DE OCEANOGRAFIA
Capítulo 9
OCEANOGRAFIA
FÍSICA COSTEIRA E
ESTUARINA
Joseph Harari & Sueli Susana de Godoi
203
Noções de Oceanografia
CITAÇÃO SUGERIDA: HARARI, Joseph; GODOI, Sueli Susana de. Oceanografia física costeira e
estuarina. In: HARARI, Joseph (org.). Noções de Oceanografia. São Paulo: Instituto Oceanográfico,
2021. E-book. Cap. 9: p. 205-223.
204
Oceanografia física costeira e estuarina
Oceanografia Física
Costeira e Estuarina
Joseph Harari & Sueli Susana de Godoi
1. Oceanografia costeira
Uma definição básica de zona costeira é “a interface ou zona de transição onde parte do continente
é afetada pela proximidade com o mar e onde parte do oceano é afetada devido a sua proximidade com o
continente” (Sorenson & McCreary, 1990).
• O efeito da costa como uma fronteira limite nas correntes oceânicas é óbvio. Aqui se tem uma
das poucas situações em que o homem pode exercer uma significativa influência no oceano; por
exemplo, a construção de diques, para a proteção da navegação, pode também redirecionar as
correntes. Por outro lado, correntes e ondas na costa podem modificar as praias, com o transporte
de areia e sedimentos ou por efeito de erosão.
• Os efeitos das correntes de maré são relativamente maiores na costa. Essas correntes podem
causar variações diurnas e semidiurnas no volume d'água, mistura vertical, homogeneização e
transporte de calor.
• A radiação solar penetra até o fundo nas colunas d’água de locais rasos, causando elevações de
temperatura maiores que no oceano profundo.
• O efeito direto da descarga de rios é de reduzir a salinidade das camadas de superfície, e até mesmo das
camadas profundas. Naturalmente, isto ocorre se houver acentuada mistura vertical. Em geral, a descarga
de rios tem uma significativa variação sazonal, o que provoca flutuações sazonais da salinidade em águas
costeiras muito maiores que no oceano aberto. Como os rios frequentemente carregam sedimentos
em suspensão, normalmente águas costeiras são opacas; a deposição destes sedimentos diminui a
profundidade, conduzindo ao assoreamento, e em consequência resultam problemas de navegação.
• Em locais de baixa precipitação, a evaporação se torna importante e são então observados valores
elevados de salinidade bem como de temperatura, em baías e mares parcialmente fechados.
• Massas de ar continentais, soprando sobre o oceano, afetam suas características, como por exemplo
em áreas costeiras nas vizinhanças de imensos desertos, onde ocorrem elevados níveis de evaporação.
• Condições físico-químicas podem afetar fortemente a pesca. Por exemplo, no Atlântico Norte, a
elevação da temperatura de valores ligeiramente negativos para + 1°C proporciona um acentuado
aumento na pesca do bacalhau.
205
Noções de Oceanografia
• Medições oceanográficas em águas costeiras devem levar em conta a expressiva variação espacial
e temporal das propriedades. Por exemplo, enquanto em mar aberto a distância entre estações
oceanográficas é entre 20 e 100 km, medições costeiras devem ser efetuadas a intervalos de 5
a 10 km, ou menos. Além disso, as intensas variações costeiras diárias, sazonais e anuais das
propriedades requerem medições nas respectivas escalas temporais. Por outro lado, eventualmente,
alguns estudos no oceano profundo requerem pequeno espaçamento entre as estações, como por
exemplo no caso de vórtices associados às correntes de contorno Oeste.
2. Estuários
Dentre os sistemas costeiros, os estuários têm interesse especial por constituírem polos de atração
de atividades econômicas, portuárias, de lazer, entre outros (Miranda et al., 2002). Entretanto, são
notórios os problemas advindos das atividades exercidas pelo homem nesses ambientes, especialmente
quanto a seu equilíbrio ambiental e ecológico (Silva, 2000). Inicialmente, será apresentada uma breve
discussão sobre a definição de estuário.
O termo estuário tem sido tradicionalmente usado para denotar a parte mais baixa de um rio,
onde a maré e o fluxo do rio interagem. Para os oceanógrafos, uma definição mais precisa é necessária,
de modo a definir o conjunto de fenômenos associados ao encontro de águas oceânicas com águas
interiores de características diferentes. Alguns cientistas definem o estuário simplesmente como a
região em que a água oceânica é diluída por descarga de rios vindos do continente; mas esta definição
incluiria extensas regiões costeiras, com fronteiras continentais muito diversas.
Uma definição de estuário é colocada por Cameron e Pritchard (1963): "Um estuário é um corpo
d'água costeiro semifechado, tendo uma conexão livre com o mar aberto, e no qual a água do mar é diluída com
água não salina provinda do continente". Outra definição de estuário, que enfatiza a presença de um rio
afluente e o efeito da maré, é dada por Fairbridge (1980): “Um estuário é uma reentrância de mar em um
vale fluvial, estendendo-se até o limite da propagação da maré, e divisível em três setores: o baixo estuário, ou
zona marítima, com ligação direta com o mar; o estuário médio, onde ocorre a mistura de água doce e salina; e
o estuário superior, ou fluvio-marítimo, com água doce, mas sujeito à influência da maré” (Fig. 1). O extremo
fechado de um estuário é chamado "cabeceira" e o extremo marítimo é chamado "barra" ou "boca".
FIGURA 1. Esquema de um estuário e de seus setores. Ilustração: Leandro Coelho, baseado em Fairbridge, 1980.
206
Oceanografia física costeira e estuarina
A água do rio que escoa pelo estuário parcialmente se mistura com a água salina do
mar e eventualmente flui na direção do mar aberto, na camada superior. Por continuidade um
correspondente fluxo de água do mar escoa abaixo da superfície, para o interior do estuário; exemplo
deste padrão de circulação é apresentado na Figura 2, a partir dos cálculos das correntes médias
mensais na Baía de Santos, através de modelo numérico hidrodinâmico (Harari et al., 2009). Os
fluxos de entrada e saída são dinamicamente associados. Enquanto o aumento do fluxo do rio
tende a diminuir a salinidade da água do estuário, simultaneamente há um aumento do fluxo vindo
do mar, o que, por sua vez, eleva a salinidade. Portanto, em um estuário, se observa um equilíbrio
dinâmico, quase-estacionário, entre os aportes de água fluvial e de água salina, cujas interações
definem as características do estuário.
FIGURA 2. Mapa da circulação na Baía de Santos – Litoral Sul Paulista – com as correntes médias mensais,
em março de 2006, calculadas por modelo numérico hidrodinâmico: A) superfície (painel superior) – onde
predomina a corrente vazante (na direção do mar aberto); B) a 05 m (inferior esquerdo); e C) a 10 m de
profundidade (inferior direito) – onde predomina corrente enchente (em direção ao interior do estuário).
Escala dos vetores em m/s. Fonte: Harari et al., 2009.
Como as marés em geral afetam bastante a circulação e a mistura de águas nos estuários, é
importante considerar variações significativas que ocorrem nos períodos de maré de sizígia (na lua
nova ou cheia, quando ocorrem as maiores amplitudes de maré) e os períodos de maré de quadratura
(na lua cheia ou minguante, quando ocorrem as menores amplitudes de maré). Na maré de sizígia
se tem as maiores preamares e as menores baixa-mares, enquanto na maré de quadratura se tem as
menores premares e as maiores baixa-mares.
207
Noções de Oceanografia
Os processos que ocorrem nos estuários, como por exemplo a distribuição da salinidade, são
tipicamente advectivos, associados aos transportes pelas correntes, ou difusivos, associados a efeitos de
transferência moleculares ou turbilhonares. Alguns estuários apresentam uma camada intermediária,
caracterizada por acentuada variação de salinidade com a profundidade, chamada haloclina.
3. Classificação de estuários
Os estuários podem ser classificados de várias maneiras. Em termos de geomorfologia (Pritchard,
1967; Fairbridge, 1980), podem ser divididos em:
Estuários associados a planícies costeiras: são geralmente rasos e com topografia de fundo suave.
Fiordes (do norueguês, Fjords): são caracterizados por águas relativamente profundas e encostas
íngremes. Estes ocorrem principalmente em regiões onde a glaciação é o efeito mais importante
na forma do continente.
Estuários associados a barras: são constituídos por um canal estreito entre o continente e uma
barra, construída pela sedimentação provocada por ondas.
Quanto à qualidade ambiental, os estuários podem ser analisados de acordo com vários
indicadores (Silva, 1993):
Qualidade estética: relacionada à presença de resíduos visíveis, como óleos ou espumas, podendo
ser boa, aceitável ou má.
Poluição tóxica: relacionada com a presença de substâncias nocivas aos organismos aquáticos.
Controlados por rios: estuários nos quais a descarga fluvial é preponderante nos padrões de
circulação e mistura.
Controlados pela maré: estuários onde as correntes de maré determinam a circulação e a mistura
de águas.
208
Oceanografia física costeira e estuarina
Outra classificação dos estuários é em função de sua salinidade, podendo ser (Pritchard, 1967):
Os estuários são também classificados em função do grau de estratificação (Bowden, 1980 - Fig. 3):
209
Noções de Oceanografia
Estuários do tipo cunha salina (D): nestes, a secção longitudinal de salinidade é característica: a
água salina do mar se introduz como uma cunha abaixo da água do rio. Esta situação normalmente
ocorre em rios com grande transporte de volume d'água. Note-se que a correspondente secção
longitudinal apresentada na Figura 3 é exagerada na direção vertical; na verdade, a cunha salina
é realmente bastante fina, de modo que as isohalinas são na realidade quase horizontais. A
estrutura salina dos estuários do tipo cunha salina é similar à dos fortemente estratificados, com
a distinção que nos de cunha salina não há gradientes de salinidade na superfície, devido ao
imenso volume d'água dos rios.
210
Oceanografia física costeira e estuarina
Com este diagrama, foi estabelecido um critério analítico e quantitativo para a classificação de
estuários nos seguintes tipos:
Tipo 1: estuário homogêneo, isto é, bem misturado: há fluxo para jusante e transporte de sal
para montante, apenas por difusão. O tipo 1a é homogêneo e o tipo 1b tem fraca estratificação
vertical.
Tipo 3: caracterizado por fluxo em duas camadas e a transferência de sal para montante é
principalmente advectiva; o tipo 3a é fracamente estratificado e o tipo 3b é fortemente
estratificado.
Tipo 4: estuário de cunha salina: a haloclina e o fluxo de água doce ocorrem sobre uma superfície
quase estacionária.
211
Noções de Oceanografia
As classificações de estuários acima apresentadas são muito úteis para a sua caracterização e para
o desenvolvimento de pesquisas, considerando que estas regiões, dentre todos os compartimentos dos
oceanos, são as que apresentam as maiores interações entre fenômenos físicos, químicos, biológicos,
geológicos e de atividades humanas. Por conseguinte, são as regiões em que mais atuam equipes
interdisciplinares, com a colaboração de especialistas de várias áreas do conhecimento.
4. Exemplos de estuários
A seguir, serão apresentados dois estuários de grande importância no Estado de São Paulo, com
algumas de suas características físicas e hidrodinâmicas: o Sistema Estuarino – Lagunar de Cananéia
– Iguape e o Estuário de Santos – São Vicente - Bertioga.
O sistema estuarino - lagunar de Cananéia - Iguape está localizado localizado no litoral sul do
Estado de São Paulo, entre 24° 36’ e 25° 06’S e 47° 15’ e 48° 06’ W (Fig. 5). Este sistema possui uma
configuração deveras complexa, formado por quatro ilhas: Cardoso, Cananéia, Comprida e Iguape, as
quais estão separadas entre si por sistemas de canais lagunares influenciados por rios e marés. Esses
canais se comunicam com o oceano através de desembocaduras denominadas Cananéia, Icapara e
Ribeira; devido ao rompimento do canal arenoso ao sul da Ilha do Cardoso, foi formada uma nova barra,
denominada de Barra Nova de Cananéia, a qual tem conexão direta com as águas interiores do canal de
Ararapira; a antiga barra de Ararapira agora encontra-se assoreada, fechando a comunicação com águas
oceânicas ao sul deste canal.
FIGURA 5. Complexo estuarino – lagunar de Cananéia-Iguape (de acordo com Bonetti & Miranda, 1997),
mostrando: as Ilhas Cardoso, Cananéia, Comprida e Iguape; as Barras de Ararapira, Cananéia, Icapara e
Ribeira; a Barragem do Valo Grande e o Rio Ribeira de Iguape.
212
Oceanografia física costeira e estuarina
O aporte de água doce no sistema estuarino-lagunar ocorre por meio da bacia de drenagem
formada pelos rios Ribeira do Iguape, Taquari, Mandira, das Minas, Itapitangui e outros de menor
expressão. O rio Ribeira do Iguape é a principal fonte de água doce, fluindo ao longo do canal artificial
do Valo Grande, localizado no Município de Iguape.
O canal foi construído no século XIX, em 1855, por mão de obra escrava, e apresentava,
originalmente, 4 m de largura e 2 m de profundidade, tendo a finalidade de facilitar o transporte de
arroz produzido na cidade de Iguape. Devido à força das águas do rio Ribeira de Iguape, atualmente a
largura do canal chega a quase 300 metros, com sete metros de profundidade.
FIGURA 6. Batimetria da região costeira de Cananéia – Iguape (em metros), com dois pontos assinalados
(círculos em vermelho, a 47,68°W 24,8°S e 47,6°W 24,9°S) nos quais foram analisadas as variações
temporais de propriedades, e um zoom na região estuarino – lagunar, com a localização do Mar Pequeno.
A salinidade tem valores bem menores no interior do estuário (devido ao aporte de água doce,
principalmente pelo Rio Ribeira de Iguape) e as velocidades são muito intensas nas desembocaduras
de Cananéia e Icapara (por efeito de continuidade).
213
Noções de Oceanografia
FIGURA 7. Mapas de temperatura (°C, acima), salinidade (ups, no meio) e correntes (m/s, abaixo), na
superfície, no Sistema Estuarino – Lagunar de Cananéia – Iguape e região costeira adjacente, às 22h do dia
14 de novembro de 2019. Mapas de correntes com zoom nas Barras de Cananéia e Icapara.
A figura 8 mostra a evolução temporal das propriedades ao longo do tempo, no mês de novembro
de 2019, nos dois pontos selecionados – um no interior do estuário (47,68°W 24,8°S) e outro na região
costeira frente à Ilha Comprida (47,6°W 24,9°S). Esta figura demonstra que as séries temporais de
nível do mar são similares; isto se deve ao fato das ondas de maré penetrarem no sistema estuarino
pelas duas barras (Cananéia e Icapara); entretanto, níveis do mar abaixo de zero são mais intensos ao
largo, o que demonstra uma retenção de águas no estuário durante as vazantes; novamente se observa
temperaturas um pouco mais altas no interior do estuário do que na região costeira, mas o efeito de
frentes frias e a correspondente queda de temperatura a partir do dia 10 são notáveis nos dois pontos;
finalmente, há enorme diferença de salinidade entre os pontos analisados, evidentemente devido à
influência dos rios no sistema estuarino – lagunar.
214
Oceanografia física costeira e estuarina
FIGURA 8. Evolução temporal das propriedades ao longo do tempo, no mês de novembro de 2019, nos
dois pontos selecionados – no interior do estuário (47,68°W 24,8°S, à esquerda) e na região costeira em
frente à Ilha Comprida (47,6°W 24,9°S, à direita): nível do mar (m, acima), temperatura (°C, no meio) e
salinidade (ups, abaixo).
215
Noções de Oceanografia
O sistema estuarino de Santos - São Vicente - Bertioga se encontra na Baixada Santista, entre
23° 48’S e 24° 06’S e entre 46° 30’W e 46°W, sendo formado pelas Ilhas de São Vicente e Santo
Amaro, e contendo a Baía de Santos e os Canais de São Vicente, de Piaçaguera do Porto de Santos
e de Bertioga; seus principais rios são Cubatão, Perequê, Mogi-Piaçaguera, Quilombo e Itapanhaú
(Fig. 9). No Canal de Bertioga se encontra a foz do rio Itapanhaú, que constitui a principal bacia
hidrográfica da área e a principal fonte potencial de sedimentos, cuja descarga ocorre a apenas 2,5
km da desembocadura do Canal; este rio possui 25 km de extensão e largura média de 460 m, com
profundidades que variam entre 3 a 15 metros.
FIGURA 9. Estuário de Santos – São Vicente - Bertioga, mostrando: as Ilhas de São Vicente e Santo Amaro;
a Baía de Santos e os Canais de São Vicente, do Porto de Santos, de Piaçaguera e de Bertioga; e os
principais rios: Cubatão, Perequê, Mogi-Piaçaguera, Quilombo e Itapanhaú.
216
Oceanografia física costeira e estuarina
Este sistema estuarino constitui, portanto, uma zona de transição entre as águas salinas do
Oceano Atlântico e as águas provindas dos rios acima citados, formando um ambiente bastante
dinâmico e complexo. Esta região se destaca pela grande ocupação e desenvolvimento econômico,
em função do polo industrial de Cubatão, do turismo de veraneio e, principalmente, das atividades
portuárias – sendo o Porto de Santos o maior da América Latina.
Também para o Estuário de Santos – São Vicente – Bertioga serão apresentados inicialmente
os resultados de um modelo numérico hidrodinâmico que inclui a área costeira adjacente (Harari et
al., 2002; Harari et al., 2013).
A batimetria considerada na modelagem é apresentada na Figura 10, com dois pontos geográficos
assinalados, nos quais foram extraídas séries temporais de resultados do modelo. Novamente os
resultados de modelagem a serem apresentados são referentes ao mês de novembro de 2019.
FIGURA 10. Batimetria do Estuário de Santos – São Vicente – Bertioga e região costeira adjacente (em
metros), com dois pontos assinalados (setas em vermelho, em 46,355°W 23,92°S e 46,35°W 24°S) nos quais
foram analisadas as variações temporais de propriedades.
A Figura 11 mostra mapas de temperatura, salinidade e correntes (na superfície), às 22h do dia
14 de novembro de 2019, nos quais há várias similaridades nas análises realizadas para a região de
Cananéia – Iguape. A distribuição de temperatura na região da Baixada Santista mostra valores mais
elevados no interior do estuário (com a absorção de calor numa coluna de água reduzida, e portanto
maior aquecimento); a salinidade tem valores bem menores no interior do estuário (devido ao aporte
de água doce); e as velocidades são muito intensas nas entradas dos Canais (do Porto de Santos e de
São Vicente, por efeito de continuidade).
217
Noções de Oceanografia
FIGURA 11. Mapas de temperatura (°C, acima), salinidade (ups, no meio) e correntes (m/s, abaixo), na
superfície, no Estuário de Santos – São Vicente – Bertioga e região costeira adjacente, às 22h do dia 14 de
novembro de 2019. Mapas de correntes com zoom nas entradas dos Canais do Porto e de São Vicente.
FIGURA 12. Evolução temporal das propriedades ao longo do tempo, no mês de novembro de 2019, nos
dois pontos selecionados – no Canal de Piaçaguera (46,355°W 23,92°S, à esquerda) e na Baía de Santos
(46,35°W 24°S, à direita): nível do mar (m, acima), temperatura (°C, no meio) e salinidade (ups, abaixo).
Também para o Estuário de Santos – São Vicente – Bertioga diversos estudos sintetizaram seu
comportamento, através de campanhas de medições e resultados de modelos numéricos hidrodinâmicos.
O processo básico que ocorre nesta circulação estuarina é a mistura de água doce oriunda da drenagem
219
Noções de Oceanografia
continental com a água salgada do oceano; e os fatores essenciais que controlam esse processo são as
marés e as vazões fluviais, considerando as variações de densidade causadas pela mistura entre as águas
fluviais e as advindas do oceano adjacente.
Nos canais estreitos do Estuário Santista, a maré vazante implica a predominância de água
doce, enquanto a maré enchente favorece a manutenção de águas salobras, definindo uma circulação
estuarina homogênea. Nos largos (Pompeba e entrada do Canal de São Vicente) ocorrem efeitos
mínimos dos fluxos fluviais residuais, havendo circulação predominantemente por correntes de marés,
constituindo-se em zonas de baixa energia. O mesmo ocorre no Canal de Bertioga, que mostra áreas
de influência de correntes de maré junto à cidade de Bertioga, mas fluxos fluviais residuais de pouca
penetração e pequeno transporte de fundo no sentido Bertioga-Canal do Porto.
Resultados obtidos por Roversi et al. (2016a) indicam que, a cada 30 dias, todo o Sistema
Estuarino de Santos apresenta uma renovação das águas maior que 95%; as regiões da Baía de Santos
e da embocadura do Canal de Bertioga apresentam taxas de renovação mais elevadas em relação às
regiões localizadas no interior do estuário, onde foram identificadas diferenças sazonais, em razão das
influências das vazões fluviais afluentes. Os mapas obtidos por Roversi et al. (2016b) indicam que as
águas do Rio Cubatão e do Rio Quilombo alcançam a Baía de Santos preferencialmente pelo Canal
de São Vicente e pelo Canal do Porto de Santos, respectivamente. Os autores destacam ainda que as
águas do Rio Cubatão permanecem aprisionadas na região de mangue na maior parte do tempo.
O estuário Santista não se enquadra num modelo simples de circulação estuarina, possuindo
transições entre diversos tipos. Na região do Alto Estuário, as águas dos rios provenientes da Serra do Mar
adentram o sistema, originando um predomínio de fluxo unidirecional que se propaga em direção à baía
(Harari et al., 2002); esta característica é notada também no Canal do Porto e, na parte centro leste da baía
de Santos, o fluxo resultante unidirecional segue em direção ao mar aberto, como mostrado na Figura 2A.
Segundo o trabalho de Miranda et al. (2012), o Canal de Piaçaguera pode ser classificado como
parcialmente misturado e fracamente estratificado (tipo 2a); durante os períodos de quadratura e
sizígia, as velocidades longitudinais de enchente variaram entre 0,20 m/s e 0,30 m/s; na vazante,
variaram entre 0,40 m/s e 0,45 m/s; no entanto, a estratificação da salinidade permaneceu inalterada
em ambas as condições. Por outro lado, segundo Miranda et al (1998), o Canal de Bertioga pode ser
classificado como parcialmente misturado (tipo 2); neste canal, devido às mudanças nas forças de maré
durante os períodos de sizígia e quadratura, a classificação muda do tipo 2b (altamente estratificado)
para o tipo 2a (fracamente estratificado); e as velocidades de pico ao longo do canal variaram de 0,4
m/s a 0,6 m/s, durante as enchentes, e de 0,7 m/s a 1,0 m/s, durante as vazantes.
220
Oceanografia física costeira e estuarina
4.3 Conclusão
Os exemplos dos dois estuários apresentados demonstram a enorme variabilidade das condições
hidrodinâmicas e dos parâmetros físico-químicos nos estuários. Esses aspectos, aliado ao fato destas
regiões serem em geral muito ocupadas e exploradas pelo homem, faz com que seja importante a
realização de pesquisas e monitoramentos de estuários, com a contribuição de especialistas em várias
áreas do conhecimento, como oceanógrafos físicos, biólogos, geólogos e químicos, além de engenheiros,
meteorologistas, sanitaristas, ecólogos, ambientalistas, entre outros.
221
Noções de Oceanografia
Referências Bibliográficas
IBAÑEZ, D.; PONT, D.; PRAT, N. 1997. Characterization of the Ebre and Rhone Estuaries.
Limnology and Oceanography, 42 (1), p. 89 – 101.
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Brazil (lat, 24°).- Relatório Interno do Instituto Oceanográfico da USP, n° 11, 14 p.
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MIRANDA L. B.; OLLE E. D.; BÉRGAMO A. L.; SILVA L. D. S.; ANDUTTA F. P.
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223
Circulação na plataforma continental
NOÇÕES DE OCEANOGRAFIA
Capítulo 10
CIRCULAÇÃO NA
PLATAFORMA
CONTINENTAL
Marcelo Dottori & Belmiro Mendes de Castro Filho
225
Noções de Oceanografia
226
Circulação na plataforma continental
1. Introdução
A plataforma continental é a região mais rasa dos oceanos, tendo seu início no encontro dos
continentes com as águas oceânicas e terminando onde as profundidades começam a aumentar
abruptamente, região conhecida como quebra da plataforma continental. A plataforma continental pode
ser considerada, de fato, como uma porção do continente que está coberta por águas marinhas.
Como características mais gerais, a plataforma continental tem profundidades entre 0 e 200
metros, com uma largura que pode variar significativamente entre alguns poucos quilômetros e centenas
de quilômetros. A inclinação do fundo é da ordem de um para 1.000, ou seja, para cada quilômetro
que se caminha em direção ao oceano profundo, ganha-se um metro de profundidade. Quando se
mede a fração da área dos oceanos ocupadas pela plataforma continental, chega-se a um valor global
da ordem de 15%. No Oceano Atlântico, a plataforma continental ocupa uma fração maior, de cerca
de 19%. Entretanto, quando se olha para os volumes de água dos oceanos que estão sobre a plataforma
continental, teremos valores muito menores, dadas as profundidades típicas da plataforma continental
e a média das profundidades dos oceanos (~3.700 metros).
Apesar de suas dimensões reduzidas, tanto em sua área quanto dos volumes de suas águas, a
plataforma continental adquire uma importância singular por se tratar da região onde as interações
entre os seres humanos e os oceanos ocorrem.
As características físicas da plataforma continental, isto é, seu pequeno volume, fundo inclinado e
barreira física continental, por exemplo, tornam os processos físicos da plataforma continental diferentes
daqueles observados no oceano profundo. Dentre esses processos, podemos destacar a maior amplitude
das oscilações da superfície devido às marés, as correntes geradas pelo vento e aquelas geradas pelas
descargas fluviais. Vale destacar, entretanto, que apesar desta dinâmica peculiar, não há uma barreira física
entre a plataforma continental e as outras regiões oceânicas e, portanto, existe uma interação entre os
processos nas regiões profundas dos oceanos e os processos na plataforma continental.
Neste capítulo, vamos abordar algumas destas questões dinâmicas características da plataforma
continental do ponto de vista qualitativo e de uma maneira relativamente simples, quantitativa, quando
possível (Brink & Robinson, 1998; Simpson & Sharples, 2012; Emery & Thompson, 2015).
227
Noções de Oceanografia
Lançou, em 7 de maio de 2019, junto com o Prof. Dr. Marcelo Dottori e equipe do
Laboratório de Hidrodinâmica Costeira do IOUSP, o sistema on-line de Previsão do Mar
(PREAMAR), inédito e acessível gratuitamente para toda a sociedade. A ferramenta
fornece previsão com até 48 horas de antecedência sobre o comportamento das correntes
marinhas, a elevação da superfície do mar, além de temperatura e salinidade para três
regiões da costa do Estado de São Paulo: a plataforma continental, o canal de São Sebastião
e o sistema estuarino de Santos-São Vicente-Bertioga.
Em sua carreira profissional, o Prof. Dr. Belmiro Mendes de Castro Filho se dedicou ao
ensino, pesquisa, extensão e administração com muito afinco. Complementando, sempre
esteve presente, participando da vida da Instituição e de toda a comunidade Oceanográfica.
Como homenagem póstuma, foi criado recentemente o "Colóquio Prof. Belmiro Castro
de Oceanografia Física" (CBC), constituído por um ciclo de seminários. A motivação para
a realização do CBC vem ao encontro de um antigo desejo do estimado Prof. Dr. Belmiro
Mendes de Castro Filho, em criar um espaço para proporcionar encontros da comunidade
de Oceanografia Física, ainda tão pequena, com a finalidade de divulgar, discutir e aprimorar
pesquisas de suma relevância na academia e nas demais esferas correlatas.
228
Circulação na plataforma continental
Por que, então, há diferenças tão marcantes nas oscilações de maré na costa e no oceano profundo?
Como mencionado anteriormente, as características físicas da plataforma continental (pequena
profundidade, inclinação e presença dos continentes) são responsáveis por este comportamento
diferente e amplificado das variações do nível do mar associados com a maré. É importante salientar,
contudo, que as marés observadas na praia são principalmente o resultado de ondas que se propagam
na plataforma continental, e a ação direta da atração gravitacional do Sol e da Lua contribuem com
uma parcela muito pequena nessas oscilações.
Para entender como esta amplificação da maré ocorre, vamos tratar de uma plataforma continental
equatorial e de profundidade uniforme. Assim, com estas simplificações, a força de Coriolis deixa de
existir (plataforma equatorial), e teremos uma onda de gravidade se propagando, com velocidade de
propagação igual a √(g ∙ H), onde g é a aceleração da gravidade e H é a profundidade da plataforma
continental. Suponha, agora, que na quebra da plataforma continental, isto é, a região onde termina a
plataforma continental e começa o oceano profundo, o nível do mar (ηa) oscila devido a maré com a
seguinte expressão:
Assim, a oscilação na costa é igual a oscilação na quebra da plataforma dividida por cos (α L).
Como o cosseno é uma função limitada entre -1 e 1, a elevação na costa será sempre igual ou maior
do que a oscilação da maré na quebra da plataforma, mostrando, portanto, a amplificação deste sinal
entre o oceano profundo e a plataforma continental.
229
Noções de Oceanografia
A Equação (3) é capaz, ainda, de explicar casos como as marés observadas na foz do Rio Amazonas
e na Baía de São Marcos, no Maranhão. Nestes 2 casos, há uma amplificação significativa da maré, que
chega a variar entre a maré baixa e a maré alta até 7 metros, dependo da fase da Lua. Observe que, nas
Equações (2) e (3), haverá o fenômeno de ressonância se cos (α L) = 0. Neste caso, teremos:
Assim, se usarmos a definição dada anteriormente para α, teremos a seguinte relação entre a
largura da plataforma e o comprimento de onda no caso de ressonância:
230
Circulação na plataforma continental
Neste cenário, inicialmente, com o vento soprando por um tempo relativamente longo, o transporte
de Ekman deslocará as águas da superfície para oeste, em direção ao continente. Esse deslocamento,
associado à barreira física do próprio continente, fará com que as águas da plataforma comecem a ser
empilhadas junto à costa. Esse empilhamento irá gerar uma inclinação da superfície e, portanto, um
diferencial de pressão entre a região costeira, com o nível do mar mais elevado, e a região afastada da costa,
com o nível do mar rebaixado. Por fim, esse diferencial de pressão, uma vez em equilíbrio geostrófico, irá
gerar correntes para norte, na mesma direção daquela observada para o vento (Fig. 3).
231
Noções de Oceanografia
FIGURA 3. Esquema ilustrando o empilhamento de água junto à costa, devido ao transporte de Ekman
(Hemisfério Sul).
• Embora as correntes geradas pelo vento e o próprio vento ocorram na mesma direção, as
correntes são, de fato, uma resposta indireta à ação do vento;
• No equador, onde a força de Coriolis é nula, não é possível observar essa dinâmica; e
É importante notar que ventos perpendiculares à linha de costa também são capazes de gerar
correntes na plataforma continental. Entretanto, as correntes geradas por esses ventos são, normalmente,
muito menos intensas do que aquelas geradas por ventos paralelos.
A razão para isto está no fato de que ventos perpendiculares geram um transporte de Ekman
que é paralelo à linha de costa e, portanto, não é eficiente em acumular, ou remover, águas junto a
região costeira. Assim, os ventos perpendiculares à costa não são capazes de gerar inclinações do nível
do mar significativas e, portanto, as correntes associadas a estes ventos são muito menos intensas.
232
Circulação na plataforma continental
Vamos imaginar uma situação similar àquela proposta anteriormente, mas com o vento atuando
na direção oposta. Teremos, então, o seguinte: uma plataforma continental, localizada no Hemisfério
Sul, com uma linha de costa meridional, com o continente localizado à oeste do oceano e, por fim,
um vento que sopra na superfície de Norte para Sul, mantendo sua intensidade e direção, na direção
oposta do que mostra a Figura 3.
Neste cenário, o transporte de Ekman, que se dá à esquerda do vento, remove águas da costa e,
inicialmente, gera uma inclinação da superfície com consequente geração de correntes, como explicado
anteriormente, mas para sul, neste caso. Simultaneamente, águas mais frias de regiões mais profundas
da plataforma continental deslocam-se em direção à costa, para ocupar a superfície. Eventualmente, as
águas que se encontram abaixo da termoclina afloram, gerando a ressurgência (Fig.4) .
O vento soprando na direção adequada, entretanto, não é suficiente para que a ressurgência
ocorra. De fato, é necessário que os ventos soprem por longos períodos de tempo (da ordem de poucos
dias) constantemente na mesma direção, além de uma topografia de fundo que favoreça o processo de
ressurgência, como no caso de Cabo Frio.
233
Noções de Oceanografia
Todas essas informações podem ser observadas nas cartas náuticas da Diretoria de Hidrografia e
Navegação (DHN) da Marinha do Brasil. Estas cartas, atualmente, encontram-se praticamente todas
em formato digital no site1 da DHN, e estão disponíveis para download gratuitamente.
1
Para saber mais sobre as cartas náuticas, acesse <https://www.marinha.mil.br/chm/dados-do-segnav-cartas-nauticas/cartas-nauticas>
234
Circulação na plataforma continental
Referências Bibliográficas
BRINK, K.H. & A.R. ROBINSON (eds.). 1998. The Global Coastal Ocean: Processes and
Methods. John Wiley & Sons, Inc., 604 p, ISBN 0471115444, 9780471115441.
EMERY, W.J. & R.E. THOMPSON. 2015. Data Analysis Methods in Physical Oceanography
(Second edition). Pergamon Press, 658 p., ISBN 0-444-50757-4
SIMPSON, J.H., SHARPLES, J., 2012. Introduction to the Physical and Biological
Oceanography of Shelf Seas, Cambridge University Press, 448 p, ISBN: 9780521701488
235
Circulação oceânica em grande escala e as mudanças climáticas
NOÇÕES DE OCEANOGRAFIA
Capítulo 11
CIRCULAÇÃO OCEÂNICA
EM GRANDE ESCALA
E AS MUDANÇAS
CLIMÁTICAS
Edmo José Dias Campos
237
Noções de Oceanografia
CITAÇÃO SUGERIDA: CAMPOS, Edmo José Dias. Circulação oceânica em grande escala e as
mudanças climáticas. In: HARARI, Joseph (org.). Noções de Oceanografia. São Paulo: Instituto
Oceanográfico, 2021. E-book. Cap. 11: p. 239-251.
238
Circulação oceânica em grande escala e as mudanças climáticas
Neste capítulo iremos primeiramente abordar os aspectos gerais da circulação dos oceanos em
grande escala, isto é, escalas que se relacionam às dimensões das bacias oceânicas. Em seguida, faremos uma
exposição dos mecanismos físicos gerais, através dos quais os oceanos regulam o clima e suas variabilidades.
1. A circulação oceânica
Os oceanos cobrem cerca de três quartos da superfície terrestre, com uma profundidade média de
cerca de 4 mil metros. Esse imenso volume de água está em constante movimento, em escalas espaciais
que variam desde distâncias intermoleculares até dimensões planetárias. A Oceanografia Física é a
ciência que estuda os movimentos oceânicos em escalas macroscópicas, cujas principais causas são
a atração gravitacional da própria Terra e dos outros corpos celestes, os gradientes de pressão e as
diferenças de densidade, resultantes do aquecimento diferencial da superfície do planeta e da ação dos
ventos. No domínio do tempo, os movimentos também se manifestam em uma grande variedade de
escalas. As marés, movimento resultante do efeito combinado das atrações astronômicas e da rotação
do planeta, são fenômenos cuja maior energia se concentra em períodos da ordem de um dia.
239
Noções de Oceanografia
O vento exerce uma força (tensão) sobre a superfície do oceano, proporcional ao quadrado da sua
velocidade. Isso não só produz ondas no mar, mas também transfere quantidade de movimento para a
camada superficial do oceano. O vento faz com que toda a camada superficial do oceano se movimente
em uma "espiral" devido ao efeito da rotação do planeta (“Força” de Coriolis). Essa camada, conhecida
como camada de Ekman (nome do cientista que desenvolveu a teoria em 1908), tem apenas cerca de
50 a 200 metros de profundidade mas produz gradientes de pressão que estendem ação do vento para
até mil metros. A média de transporte dentro da camada de Ekman é de 90° para a direita do vento
no Hemisfério Norte, 90° para a esquerda no Hemisfério Sul.
As regiões subtropicais dos oceanos são caracterizadas por grandes células de circulação
anticiclônicas (sentido horário no Hemisfério Norte e anti-horário no Hemisfério Sul), conforme
ilustrado pela Figura 2. Devido à esfericidade e rotação da Terra (efeito de Coriolis), as correntes do
lado oeste das bacias são bem mais intensas do que do lado leste.
FIGURA 2. As correntes forçadas pelo vento nas camadas superiores do oceano são caracterizadas por
circuitos fechados, razão pela qual esse conjunto de correntes é denominado Circulação. Nas regiões
subtropicais destacam-se os giros anticiclônicos, células de circulação no sentido horário no Hemisfério
Norte e anti-horário no Hemisfério Sul. Na região equatorial as correntes são predominantemente zonais
(direção Leste-Oeste). No Oceano Austral, a Corrente Circumpolar Antártica perfaz um giro completo ao
redor da Antártica.
240
Circulação oceânica em grande escala e as mudanças climáticas
FIGURA 3. A “Esteira Transportadora Termohalina”: Águas superficiais das diferentes bacias oceânicas fluem
em direção ao Atlântico Sul, de onde são transportadas para o Atlântico Norte. No Mar da Noruega essas
águas liberam calor para atmosfera, afundam e então retornam pelo fundo para completar o circuito.
• Águas superficiais das outras bacias oceânicas adentram o Atlântico Sul pela passagem
de Drake e ao Sul da África, e eventualmente são transportadas para o Atlântico Norte;
• Ao passar pela região equatorial do Atlântico, essas águas se aquecem e se tornam mais
salinas devido à evaporação;
241
Noções de Oceanografia
Nesse sistema, águas de regiões próximas à África do Sul fluem em direção Noroeste através
da Corrente de Benguela. Na parte central do Atlântico, essa corrente passa a ser denominada de
Corrente do Atlântico Sul, a qual se bifurca entre aproximadamente 15°S e 5°S. O ramo norte dessa
bifurcação é denominado Corrente Norte do Brasil, fluindo em direção ao Hemisfério Norte. O ramo
sul dá origem à Corrente do Brasil, a qual escoa para Sul como parte do giro subtropical. Essa corrente
serpenteia ao largo da costa Brasileira transportando águas mais quentes e salinas até aproximadamente
38°S, onde se separa da costa e flui para Leste, como a Corrente do Atlântico Sul. Nas proximidades
da África, essa corrente se conecta com a Corrente de Benguela, completando o circuito.
Ao sul de 50°S, o padrão de circulação é dominado pela Corrente Circumpolar Antártica, que
como o nome indica, flui ao redor do continente Antártico. O ramo mais ao norte dessa corrente, ao
adentrar a bacia do Atlântico através da Passagem de Drake, contorna o Arquipélago das Malvinas
242
Circulação oceânica em grande escala e as mudanças climáticas
e flui para Norte ao largo da extensa plataforma continental Argentina. Esse fluxo, denominado de
Corrente das Malvinas (também conhecida como Corrente das Falklands), segue para Norte até
encontrar a Corrente do Brasil e também se separar da costa.
É importante ressaltar que a Corrente das Malvinas mantém sua estrutura vertical em
praticamente toda a coluna de água, desde a superfície ao fundo. Essa característica impede que a
Corrente das Malvinas adentre a plataforma continental e continue para Norte até a Bacia de Santos,
conforme é descrito, erroneamente, em algumas publicações mais antigas.
Na verdade, a Corrente das Malvinas nem mesmo se mistura à Corrente do Brasil. Ao separar-
se da costa, volta-se para Sul-Sudeste reintegrando-se ao sistema da Corrente Circumpolar Antártica.
Nas regiões Equatoriais os padrões de circulação são predominantemente zonais, isto é, fluxos
ao longo de faixas latitudinais de Leste para Oeste ou de Oeste para Leste. Próximo ao continente sul-
americano, predomina-se a Corrente Norte do Brasil, que cruza o Equador e transporta para Norte
águas do Hemisfério Sul em direção ao Caribe, Golfo do México e, eventualmente, às altas latitudes
do Atlântico Norte.
243
Noções de Oceanografia
A região de encontro das correntes do Brasil e das Malvinas é conhecida como Confluência
Brasil-Malvinas (CBM) e constitui-se em uma das regiões mais energéticas dos oceanos terrestres
(Fig. 6). A CBM é um elemento fundamental na formação de águas que eventualmente irão circular
como parte da Célula Meridional do Atlântico. A alta variabilidade espaço-temporal da latitude de
confluência dessas duas correntes de contorno oeste tem grande impacto na redistribuição do calor e,
consequentemente, nas condições climáticas, tanto em nível regional quanto global.
FIGURA 6. Resultado de modelo numérico desenvolvido pelo Laboratório de Modelagem Numérica dos
Oceanos (LABMON), do IOUSP, mostrando a distribuição de Temperatura da Superfície do Mar na região de
confluência Brasil-Malvinas. Essa zona de alto contraste térmico representa uma das mais energéticas de todo
o oceano terrestre e desempenha papel de grande importância para o clima, em escalas regional e global.
As correntes do Brasil e das Malvinas fluem ao longo da quebra da plataforma continental, como
paredes verticais delimitando as regiões mais rasas da Plataforma continental e o oceano profundo.
Na região de Cabo Frio e em outros pontos ao longo da Corrente do Brasil, por um mecanismo
conhecido como ressurgência, porções da ACAS são bombeadas para próximo à superfície, por sobre a
plataforma continental, propiciando uma maior concentração de nutrientes e, consequentemente, uma
maior produtividade biológica.
244
Circulação oceânica em grande escala e as mudanças climáticas
Nas escalas temporais mais longas, a circulação na plataforma continental sudeste da América
do Sul, desde a Patagônia Argentina até as proximidades de Cabo Frio, resulta da ação combinada
do vento e das diferenças de densidade. Ao contrário das regiões mais ao largo, onde as diferenças de
densidade são causadas principalmente por gradientes de temperatura, sobre a plataforma continental
as diferenças de salinidade também contribuem decisivamente para o movimento. Esses gradientes de
salinidade são causados principalmente pelo aporte de água doce desde o continente.
Na região em destaque, são duas as principais fontes de água doce para a plataforma continental:
o Estreito de Magalhães, no extremo sul da Patagônia, e o Rio da Prata. A massa de água que adentra
a plataforma continental patagônica pelo Estreito de Magalhães é originada do Pacífico e tem baixa
salinidade por conter uma grande quantidade de águas resultantes de degelo das geleiras andinas. Sob
a ação dos ventos e do efeito de Coriolis, essas águas fluem para Norte, contribuindo decisivamente
para a formação das Águas de Plataforma ao largo da Argentina. Mais ao norte, essas águas se juntam
ao grande volume de água doce do Rio da Prata.
O Rio da Prata – o quinto maior rio em volume de água no mundo e o segundo maior no
Hemisfério Sul – foi descoberto em 1516 por Juan Dias de Solis, um explorador português a serviço da
Espanha, em sua busca por uma passagem conectando o Atlântico ao Pacífico. Sua bacia de drenagem
cobre aproximadamente 20% do continente sul-americano, encompassando parte substancial da
Argentina, Bolívia, Brasil, Uruguai e Paraguai (Fig. 7).
FIGURA 7. A bacia hidrográfica do rio da Prata ocupa uma vasta área da América do Sul, incluindo rios
importantes como o Paraguai, o Paraná e o Uruguai. Em média, o Rio da Prata injeta cerca de 23 mil
metros cúbicos de água por segundo, formando uma pluma de baixa salinidade (cor azul escura), que
pode atingir até mesmo a latitude de Cabo Frio, no litoral do Rio de Janeiro.
245
Noções de Oceanografia
Sua desembocadura forma o estuário mais largo do mundo (220 km de largura), de onde são
lançados em média 23.000 metros cúbicos de água por segundo e cerca de 57 milhões de metros cúbicos
de sedimentos, por ano, sobre a plataforma continental adjacente. Essa massa de água lamacenta se
espalha ao longo do litoral norte da Argentina, do Uruguai e do sul do Brasil, injetando carbono e
poluentes de origem continental para o oceano aberto, alterando a estratificação de densidade da
região oceânica adjacente e impactando o ecossistema marinho costeiro. Esses efeitos são modulados
por variações climáticas em sua bacia de drenagem. Registros hidrológicos, por exemplo, mostram que
fenômenos climáticos globais tais como El Niño têm efeitos substanciais na magnitude da descarga do
Rio da Prata, podendo atingir valores superiores a 50 mil metros cúbicos por segundo.
Até recentemente, apesar dos impactos econômicos e ambientais, muito pouco era conhecido
sobre a pluma formada pelas águas do Rio da Prata sobre a plataforma continental, ou de seus efeitos
na física e biologia da região costeira. Há apenas uma década, mesmo a extensão latitudinal (Norte-
Sul) dessa pluma era desconhecida.
Por exemplo, durante o inverno Austral de 1993, durante uma campanha de pesquisa conduzida
pelo Instituto Oceanográfico da USP (Projeto COROAS), águas de salinidade e temperatura
inesperadamente baixas foram detectadas na plataforma continental ao largo de Santos (vide painel
A da Fig. 5). Inicialmente pensou-se que essas águas eram resultantes de precipitação ou de descargas
fluviais na vizinhança. Entretanto, análises posteriores de imagens de satélite da temperatura da
superfície do mar, obtidas durante o período, mostraram que essas águas eram oriundas da região da
desembocadura do Rio da Prata.
Hoje, os resultados das pesquisas mostram que a pluma de baixa salinidade formada pelas
águas do Prata flui para Norte, devido à ação do vento e do efeito da rotação do planeta. Durante
o inverno, quando os ventos de Sudoeste são predominantes, essa massa de água alcança as maiores
distâncias ao longo do litoral brasileiro. Há períodos em que combinações de alta descarga e ventos
de Sudoeste mais persistentes fazem com que a pluma chegue até mesmo a latitude de Cabo Frio.
Quando isso ocorre, a presença dessa água de baixa densidade sobre a plataforma continental interfere
no mecanismo de ressurgência (bombeamento) da ACAS para regiões mais internas da plataforma,
impactando drasticamente a produtividade primária e a atividade pesqueira na região. Há estudos que
mostram uma alta correlação entre variações na captura de pescados com a presença dessas águas ao
largo do litoral brasileiro.
O calor específico da água, cerca de mil vezes maior do que o do ar e um dos mais altos dentre
todas as substâncias conhecidas, representa uma grande capacidade térmica. Isto é, a mudança de
temperatura da água é relativamente lenta e implica em uma troca de grandes quantidades de calor
com o meio. Essa alta “inércia térmica”, associada com a grande quantidade de água que cobre a
superfície do planeta, é um elemento fundamental no controle das condições climáticas.
246
Circulação oceânica em grande escala e as mudanças climáticas
As complexas reações químicas que levaram ao surgimento da vida no planeta Terra certamente
ocorreram no ambiente termicamente estável representado pelos oceanos, e a manutenção dessa vida
só é possível devido à grande massa líquida que recobre o planeta.
O Sol é a fonte principal da energia que mantém o clima da Terra. Princípios termodinâmicos
básicos estabelecem que todo o corpo que recebe calor se aquece e emite calor, até atingir uma
temperatura de equilíbrio, quando a quantidade de calor emitida for igual à recebida. Assim, ao longo
de milhões de anos a Terra tem apresentado uma temperatura de equilíbrio, por meio da devolução
para o espaço do calor recebido do Sol. O simples fato de o leitor estar neste momento lendo estas
linhas comprova definitivamente o fato de essa temperatura de equilíbrio ter se mantido em uma faixa
propícia à vida, ao longo de um longo período da história do planeta. Menos óbvio, porém, é o fato de
essa temperatura de equilíbrio ser distribuída sem grandes variações espaciais.
O balanço entre o calor recebido do Sol e a radiação emitida de volta ao espaço varia
latitudinalmente. Em baixas latitudes existe um ganho líquido de calor, ou seja, a radiação de ondas
curtas recebida do Sol é maior que a radiação de ondas longas devolvida ao espaço. Nas altas latitudes
ocorre o inverso. Na ausência de um mecanismo transferindo o excesso de calor das baixas para as altas
latitudes, a temperatura média da região tropical seria muito superior e a das regiões subpolares muito
inferior aos valores atuais. Na verdade, essas temperaturas seriam tão diferentes que a vida, como ela
é na Terra, só seria possível em uma faixa muito estreita nas latitudes médias. O movimento da capa
fluida formada pela atmosfera e os oceanos é o mecanismo responsável pela transferência meridional
de calor, resultando em variações latitudinais de temperatura que permitem a vida em praticamente
toda a extensão da superfície terrestre.
De uma forma geral, esse mecanismo global transporta, nas camadas superiores, águas desde o
Pacífico e o Índico até o Atlântico Sul. Ao sul da África, águas oriundas do Índico adentram o Atlântico
por meio do processo conhecido como o “Vazamento das Agulhas”. Ou seja, enormes quantidades de
águas mais quentes e salinas do Índico aprisionadas em “anéis” destacados da Corrente das Agulhas,
devido às instabilidades hidrodinâmicas na região onde essa corrente retroflete e se volta para Leste (Fig.
8). Essa via de transporte de águas entre as duas bacias é conhecido como a “Rota Quente”.
247
Noções de Oceanografia
FIGURA 8. Vazamento das Agulhas. Resultado de modelo numérico mostrando a transferência de águas
superficiais quentes, do Índico para o Atlântico Sul, por meio de anéis e filamentos na região de retroflexão da
Corrente das Agulhas.
Do lado oeste da bacia, ao sul da América do Sul, águas mais frias e menos salinas transportadas
pela Corrente Circumpolar Antártica (CCA) adentram o Atlântico Sul e uma parte dessas águas
flui para Norte ao largo da plataforma continental Argentina, na forma da Corrente das Malvinas.
Em aproximadamente 38°S essa corrente se encontra com a Corrente do Brasil (CB) e se volta para
Sudeste, reintegrando-se à CCA.
Na região de confluência com a CB, parte dessas águas vindas do Pacífico se mistura com
águas locais contribuindo com a formação da massa de água das regiões superiores do Atlântico
Sul. Essa rota de entrada de águas através da Passagem de Drake é conhecida na literatura como
a “Rota Fria”.
Nas camadas superiores da região subtropical do Atlântico Sul, as águas transportadas pelas duas
rotas alimentam a Corrente Sul Equatorial . Essa corrente se dirige para Noroeste até as proximidades
da costa brasileira, entre aproximadamente 5°S e 10°S, onde se bifurca.
O ramo sul dessa bifurcação dá origem à Corrente do Brasil. O ramo norte forma a Corrente
Norte do Brasil (CNB), transportando águas em direção ao Equador, alimentando um sistema
complexo de correntes que resulta em um transporte líquido de águas do Hemisfério Sul para o Norte,
transportando o excesso de calor das regiões tropicais para as altas latitudes do Atlântico Norte.
248
Circulação oceânica em grande escala e as mudanças climáticas
Estudos das condições oceânicas durante a ocorrência desse fenômeno mostraram que a temperatura
da superfície do mar na região estava mais alta que o normal, o que possivelmente tenha sido a razão para
o crescimento incomum de um ciclone extratropical, transformando-o em e um furacão.
No filme “O Dia Depois de Amanhã” (The Day After Tomorrow, em inglês), Hollywood aborda
de forma sensacionalista, porém com um certo embasamento científico, um tema relacionado com
a resposta oceânica ao aquecimento global. Colocado de maneira simplista, um dos efeitos do
aquecimento do planeta é o degelo das camadas de gelo no Ártico, o que é um fato já verificado. Esse
degelo resulta em uma grande quantidade de água de baixa salinidade nas altas latitudes do Atlântico
Norte, fazendo com que as águas trazidas de sul pela CMA se tornem mais pesadas muito antes
de atingir as latitudes presentemente alcançadas. Esse afundamento antecipado resultará em menor
quantidade de calor liberado para a atmosfera, eventualmente fazendo com que a temperatura caia.
Como a inércia térmica oceânica é grande, o processo de alteração da corrente é lento e, uma vez
desencadeado, demandará um tempo grande para retornar ao estado original. Assim, o resultado final
seria uma espécie de uma nova era glacial no Atlântico Norte.
249
Noções de Oceanografia
Com a absorção do CO2, aspectos da biogeoquímica dos oceanos vão se alterando. O conteúdo
total de carbono inorgânico nos oceanos aumentou em quase uma centena de gigatoneladas (Gt = bilhões
de toneladas) entre o início da era industrial (1750) e o final do século XX. E continua a aumentar.
Existem evidências recentes que hoje o oceano está absorvendo menos carbono de origem
antrópica (em termos relativos) do que no período entre 1750 e 1994. Estas evidências são consistentes
com a expectativa de diminuição da capacidade dos oceanos de absorver carbono, com impactos
negativos no cenário de mudanças climáticas globais. No entanto, a carência de medidas consistentes
não permite uma conclusão definitiva.
Ao mesmo tempo, o excesso de CO2 sequestrado reage com a água do mar tornando-a mais ácida,
contribuindo para a redução do pH, o que acarreta em consequências drásticas para a biodiversidade
marinha. Os efeitos já são perceptíveis na destruição dos recifes de corais.
O Brasil, pela sua enorme extensão costeira margeando o Atlântico Sul e pelo seu elevado peso
no cenário sociopolítico entre os países que margeiam esta bacia oceânica, deve, portanto, fornecer
contribuição científica significativa ligada à temática proposta.
250
Circulação oceânica em grande escala e as mudanças climáticas
Referências Bibliográficas
CLAUZET, G., WAINER, I., LAZAR, A., BRADY, E, OTTOBLIESNER, B.A. 2007.
numerical study of the South Atlantic circulation at the Last Glacial Maximum. Palaeogeography,
Palaeoclimatology, Palaeoecology, v. 253, p. 509-528, 2007.
DAHL K.A., BROCCOLI A.J., STOUFFER R. 2005. Assessing the role of North Atlantic
freshwater forcing in millennial scale climate variability: a tropical Atlantic perspective. Clim.
Dyn. 24:325–346
HAARSMA, R.J., SELTEN, F.M., DRIJFHOUT, S.S.. 2008. Decelerating Atlantic meridional
overturning circulation main cause of future west European summer atmospheric circulation
changes. Environ. Res. Lett. 10 094007, 9p.
VELLINGA M., WOOD R.A. 2002. Global climatic impacts of a collapse of the Atlantic
thermohaline circulation. Clim. Change. 54:251–267.
ZHANG R., DELWORTH T.L. 2005. Simulated tropical response to a substantial weakening
of the Atlantic thermohaline circulation. J. Clim. 18:1853–1860.
251
Ondas no mar
NOÇÕES DE OCEANOGRAFIA
Capítulo 12
ONDAS NO MAR
Sueli Susana de Godoi & Joseph Harari
253
Noções de Oceanografia
CITAÇÃO SUGERIDA: GODOI, Sueli Susana de; HARARI, Joseph. Ondas no mar. In: HARARI,
Joseph (org.). Noções de Oceanografia. São Paulo: Instituto Oceanográfico, 2021. E-book. Cap.
12: p. 255-273.
254
Ondas no mar
Ondas no Mar
Sueli Susana de Godoi & Joseph Harari
1. Introdução
Informações sobre ondas nos oceanos, decorrentes de observações, análise de dados, modelagem
numérica e sistemas de previsão, são de suma relevância nos meios acadêmico, científico e social e
econômico, em grande número de atividades, como a engenharia costeira, a proteção à navegação, o
lazer, entre outros.
FIGURA 1. Parâmetros de uma onda: perfil vertical de duas ondas oceânicas idealizadas, mostrando as
dimensões lineares e a forma senoidal. Adaptado de Open University (1999).
Altura de onda (H): é a distância vertical entre uma crista (máxima elevação) e o cavado (mínima
elevação) adjacente.
Comprimento de onda (L): é a distância horizontal entre cristas consecutivas (ou cavados
consecutivos), na direção de propagação da onda.
Período da onda (T): é o intervalo de tempo entre a ocorrência de cristas (ou cavados) sucessivos,
numa posição fixa; frequência é o inverso do período, f = 1 / T.
"Esbeltez": é a relação H / L; ondas baixas e longas têm pequena esbeltez, ondas altas e curtas
possuem grande esbeltez.
255
Noções de Oceanografia
Ondas progressivas: são aquelas em que a configuração da onda se move, e a energia se desloca
através da superfície.
Ondas estacionárias: são formadas a partir de uma superposição de duas ondas idênticas
viajando em sentidos opostos: nas ondas estacionárias a configuração da onda não se move, e
não há transporte de energia.
Ondas de corpo: ondas que viajam com o material, como por exemplo ondas sonoras, onde a
variável física que sofre oscilação é a pressão.
FIGURA 2. Espectro de energia das ondas – Tipos de ondas de superfície, mostrando as relações entre
comprimento de onda, frequência e período da onda, a natureza das forçantes atuantes e a quantidade
de energia em cada tipo de onda. Adaptado The Open University, 2000.
256
Ondas no mar
Os principais efeitos geradores de ondas nos oceanos são ventos e maremotos, além da atração
gravitacional do Sol e da Lua. Estas últimas forçantes atuam para formar um tipo especial de ondas
– as ondas de maré. As principais forças que controlam as características das ondas, denominadas de
“forças restauradoras”, são:
Tensão da superfície da água: importante somete para ondas de pequenos valores de amplitude,
período e comprimento de onda;
Força da gravidade;
Força de Coriolis: associada à rotação da Terra, importante somente para ondas muito longas.
Algumas características dos principais tipos de ondas no oceano são comentadas a seguir (Le
Blond & Mysak, 1978; Kinsman, 1984; Pond & Pickard, 1991):
Ondas capilares: ventos muito fracos provocam distúrbios muito pequenos na superfície do mar,
gerando as ondas capilares, com alturas de décimos de centímetros, comprimentos de poucos centímetros e
períodos de décimos de segundos; a força restauradora é a tensão da superfície do mar.
Ondas geradas pelo vento tipo vagas: quanto mais fortes sopram os ventos, maior a amplitude
das ondas geradas. As maiores amplitudes são associadas com maiores comprimentos de onda e
maiores períodos: a presença dos ventos faz com que as ondas geradas não tenham feições regulares,
mas parecendo ter "cristas reduzidas". Ondas das mais variadas amplitudes, comprimentos e períodos
podem ser identificadas. As cristas das ondas são notavelmente na forma de picos e tendem a ser
inclinadas na direção de propagação. Ainda que a direção geral de progressão coincida com a dos
ventos presentes e recentes, há consideráveis variações de ondas individuais; isto resulta em picos mais
curtos e no "mar confuso". A Figura 3 ilustra imagem do estado do mar, em uma região de tempestade.
FIGURA 3. Ondas no mar geradas pelo vento, na região de tempestade. Foto: Pexels por Pixabay.
257
Noções de Oceanografia
No marulho as cristas e cavados formam linhas longas e retas, que se estendem por pelo menos
6 ou 7 comprimentos de onda, perpendicularmente à direção de propagação. Uma única crista viaja
uma distância L num tempo T, de modo que a velocidade de fase da onda ou celeridade é dada por
c = L / T, variando tipicamente de 3 a 10 m/s (10 a 36 km/h). O marulho representa ondas geradas pelo
vento que viajaram para fora da área de atuação do vento, ou o vento local cessou.
FIGURA 4. Ondas tipo “swell” no oceano profundo e chegando à praia. Foto: Francisco Luiz Vicentini Neto.
"Surf beat": ondas resultantes da sobreposição de ondas incidentes em praias inclinadas são
chamadas "surf beat", cujo período típico é de vários minutos.
258
Ondas no mar
Ondas de tormentas: são ondas devidas a ventos muito fortes (Fig. 5).
Tsunamis: são ondas geradas por distúrbios do fundo marinho, maremotos ou terremotos
(Fig. 6), em intervalos irregulares; seu nome japonês é indicativo de sua frequente ocorrência no
Oceano Pacífico. Devido ao fato de que a perturbação ocorre no interior do sistema, estas ondas são
denominadas também de ondas de corpo. No mar aberto, essas ondas longas passam praticamente
desapercebidas, embora a energia transmitida seja grande; já em regiões rasas, essas ondas atingem um
efeito espetacular, formando verdadeiras paredes de água, de até 5 ou 10 metros de altura, causando
destruição avassaladora na costa. Os períodos das ondas são da ordem de 10 a 60 minutos, e os
comprimentos de onda no oceano profundo vão de poucos quilômetros a centenas de quilômetros.
259
Noções de Oceanografia
Marés de tormenta ou ressacas: ventos persistentes podem empilhar água contra a costa, elevando
de forma anormal o nível da superfície do mar; podem também rebaixar de forma exagerada este nível.
Esses efeitos são chamados marés de tormenta ou ressacas, e podem ser tratados como ondas de longo
período, embora esses distúrbios não sejam, estritamente falando, periódicos.
Ondas de trans-marés: são formadas pela composição de distúrbios gerados por tempestades ou
furacões com as marés astronômicas.
Ondas planetárias: são ondas muito longas, devidas à variação da vorticidade planetária, que
consiste na variação do efeito de rotação da Terra nas correntes marítimas; como exemplo, se tem as
ondas de Rossby (que sempre se deslocam para Oeste, ao longo dos paralelos terrestres) e ondas de
Kelvin (que se propagam nas plataformas continentais e no Equador para leste).
No presente capítulo, ênfase será dada às ondas de gravidade. Especificamente, são abordadas
ondas geradas pelo vento: vagas e marulhos (Kinsman, 1984).
Matematicamente, ondas geradas pelo vento são representadas pela somatória de termos senos
e cossenos. Os parâmetros característicos das ondas podem apresentar valores extremos e valores
médios. Por exemplo, a "altura significativa das ondas" (H1/3 ou Hs), é a média das alturas de um terço
das ondas de maior amplitude (numa região, em um particular intervalo de tempo). Somente ventos
fortes, com extensa pista ou longa duração, geram ondas significativas no oceano; o arrasto do vento
gera ondas cuja esbeltez (H / L) tem valores entre 0,03 e 0,06 (tipicamente, para ventos muito fortes,
H = 5 m e L = 100 m). O "período significativo" é a média dos períodos associados com as ondas
consideradas no cálculo da "altura significativa".
A relação entre velocidade do vento, estado do mar e altura significativa das ondas pode
ser apreciada pelo uso da Escala Beaufort, originalmente proposta pelo Almirante britânico Sir
Francis Beaufort (1774-1857) – ver Tabela 1. Essa escala é válida somente para ondas geradas no
interior de um sistema com atuação de vento local e supõe-se um tempo suficientemente longo
para que o padrão das ondas (altura, comprimento, etc.) seja estabelecido (resultando então, no “mar
completamente desenvolvido”).
Por outro lado, “Mar de Almirante” é uma expressão usada para um mar extremamente calmo,
praticamente sem ondulações (Fig 7).
260
Ondas no mar
TABELA 1. Escala Beaufort: relação entre denominação, velocidade do vento (m/s), estado da superfície
do mar e altura significativa das ondas (m). Adaptado de Open University (1999).
Velocidade Altura
Beaufort
Nome do vento Estado da superfície do mar significativa
Nº
(m/s) das ondas (m)
261
Noções de Oceanografia
FIGURA 7. “Mar de almirante”: mar calmo, espelhado, praticamente sem ondulações. Foto: Bruno Coelho.
Dada a variabilidade das ondas no mar, surge a questão de como quantificar uma dada onda
para a análise de intervenções numa região costeira. Uma primeira abordagem consiste na análise
estatística de dados de ondas observadas em determinado local.
Uma análise análoga pode ser efetuada para o período das ondas registradas, podendo-se
inclusive analisar estatisticamente de forma conjunta a altura e o período das ondas.
262
Ondas no mar
Os primeiros cálculos de ondas geradas pelo vento foram realizados no projeto JONSWAP
- Joint North Sea Wave Project (Hasselmann et al., 1973). Baseado em dados observacionais foram
desenvolvidas as seguintes relações empíricas para o cálculo da altura significativa das ondas (Hs, em
metros) e do período (T, em segundos), em função da intensidade do vento a 10 m de altura (U10 , em
m/s), da pista de vento (F, em metros) e aceleração da gravidade (g, em m/s):
De acordo com estas equações, o aumento da intensidade do vento e da pista produz maiores
alturas de onda, mas existe um limite para o crescimento; este limite ocorre quando a velocidade de
fase da onda atinge a velocidade do vento em superfície (Pierson & Moskowitz, 1964). Quando ambos
se propagam com mesma velocidade, o vento não transfere mais energia para o oceano, atingindo
o estágio de maturação ou desenvolvimento total. Neste estágio tem-se o “oceano completamente
desenvolvido”. Observações comprovam a existência desse limite, em que:
As relações precedentes limitantes podem ser observadas na Figura 8, onde se tem a altura
significativa do campo de ondas (m) em função da pista (km) que o vento sopra. Observar que, dado
um valor de vento, mesmo que a extensão da pista aumente, a altura significativa da onda e o período
não ultrapassam um valor limite, atingindo portanto um valor de estabilização. Conforme colocado,
este estágio configura o oceano completamente desenvolvido, isto é, a taxa de energia fornecida pelo
vento é equivalente à taxa de energia dissipada pelas ondas.
A partir do limite em que as ondas não podem mais receber energia dos ventos, estas tendem
a se propagar para fora da região de geração formando o marulho (swell). Conforme se propagam,
as ondas de diversas velocidades e frequências separam-se umas das outras, configurando o
fenômeno da dispersão das ondas. Após percorrer vários quilômetros, agrupam-se então os
conjuntos de ondas com parâmetros relativamente semelhantes, chamados de grupos de ondas
(Kinsman, 1984). Na natureza apenas as ondas com maior amplitude e período se organizam
dessa maneira; entretanto são raros os casos em que só exista marulho (swell) ou apenas ondas de
vento (vagas).
263
Noções de Oceanografia
FIGURA 8. Desenvolvimento limite da altura significativa Hs (m), em função da extensão da pista (km),
para velocidades do vento de 5, 10, 15, 20 e 25 m/s. As linhas retas paralelas configuram um oceano
completamente desenvolvido.
Assim, a superfície η varia no espaço (na direção de propagação x) e no tempo (t) na forma:
264
Ondas no mar
As equações da Teoria de Airy definem o movimento orbital das partículas individuais de água.
Em locais profundos, as partículas se movem em órbitas circulares fechadas, com raio R = A (- 2 π z / L), ou
seja, o raio da órbita circular diminui exponencialmente com a profundidade z.
A Figura 9 mostra as órbitas das trajetórias das partículas de água, as velocidades orbitais
instantâneas e as linhas de corrente (tracejadas) numa onda que se propaga em águas profundas;
abaixo da profundidade igual à metade do comprimento de onda (z = L / 2) o movimento orbital das
partículas é desprezível.
Em locais rasos, as trajetórias das partículas de água são elipses achatadas, cujo eixo horizontal é
(A L) / (π h) e o eixo vertical é 2 A (h-z) / h, como mostrado na Figura 10 (o eixo horizontal é constante
na profundidade e o eixo vertical diminui linearmente com o aumento da profundidade).
FIGURA 9. Trajetórias circulares de partículas de água para ondas de gravidade se deslocando em águas
profundas. Ilustração: Leandro Coelho.
265
Noções de Oceanografia
FIGURA 10. Trajetórias elípticas de partículas de água para ondas de gravidade se deslocando em águas
rasas (junto ao fundo são retilíneas). Ilustração: Leandro Coelho.
É interessante notar que, em águas rasas, a velocidade de fase c varia com a profundidade
h, segundo a expressão c =√gh ; como c = L / T, então o comprimento de onda também varia
com a profundidade (L = c T = = √gh ∙ T), mantendo o período constante. Portanto, em regiões
progressivamente mais rasas, a velocidade de fase diminui e o comprimento de onda diminui, mas
o período se mantém.
Nesse ponto do presente estudo, uma vez conhecidos os conceitos de velocidade de fase e
velocidade das partículas de ondas, é interessante fazer uma comparação entre velocidades de alguns
processos geofísicos: ventos fortes na superfície tem velocidades da ordem de 10 m/s a 20 m/s (36 km/h
a 72 km/h) e correntes intensas no oceano tem velocidade na superfície da ordem de 1 m/s a 2 m/s (3,6
km/h a 7,2 km/h); sob condições de ventos fortes em pistas muito longas, as ondas de superfície tem
velocidades orbitais na superfície da mesma ordem das correntes de superfície; nessas condições, as ondas
de superfície possuem velocidade de fase típica de 15 m/s desde o oceano profundo até a plataforma
(cerca de 54 km/h, até 50 m de profundidade), que diminui à medida que a profundidade diminui, para
cerca de 10 m/s (36 km/h, a 10 m de profundidade), e diminui cada vez mais até a arrebentação.
266
Ondas no mar
Reflexão das ondas: obstáculos na água, tais como diques e ilhas, podem parcialmente refletir as
ondas que se movem ao seu encontro.
Refração das ondas: como a velocidade de fase em águas rasas normalmente varia com a
profundidade, as ondas em águas rasas sofrem refração na direção das regiões mais rasas. Em
consequência, numa praia reta e longa, com inclinação do fundo uniforme, todas as ondas tendem a
se propagar perpendicularmente à linha da costa (Fig. 11). Isto se deve ao fato que uma linha de crista
cuja extremidade atinge antes a praia tem velocidade menor (por estar em região mais rasa) e, de certa
forma, “espera” até que o restante da linha de crista atinja a mesma profundidade.
FIGURA 11. Refração para ondas atingindo uma praia retilínea com isobatimétricas paralelas à linha da
praia: linha de crista tende a ficar paralela à lista da costa. Ilustração: Leandro Coelho.
267
Noções de Oceanografia
FIGURA 12. Esbeltez e ângulo de crista na quebra de uma onda. Ilustração: Leandro Coelho.
Quando há arrebentação de ondas, muitas vezes ocorre acúmulo de água na linha da costa e, em
consequência da convergência de fluxos opostos ao longo da linha da costa, são geradas “correntes de
retorno” (Fig. 13), no sentido do mar aberto, que podem ser especialmente perigosas para banhistas.
FIGURA 13. Arrebentação de ondas numa região praial e formação de correntes de retorno. Ilustração:
Leandro Coelho.
268
Ondas no mar
FIGURA 14. Esquema indicando as energias potencial e cinética das ondas, associadas à altura da onda e
ao movimento orbital das partículas de água. Ilustração: Leandro Coelho.
Num local com profundidade sem distúrbio h e densidade da água uniforme ρ, sendo A a amplitude
das ondas, a energia potencial Ep e a energia cinética Ek, por unidade de área, são dadas por:
Note-se que a energia de uma onda depende de um único parâmetro da onda, sua amplitude
(ao quadrado).
A potência por unidade de largura numa frente de onda, em águas rasas, é dada por:
269
Noções de Oceanografia
No oceano, à medida que as ondas caminham em direção à costa, sua amplitude vai aumentando
gradativamente, em função do aumento da densidade espacial de energia, causado pela diminuição
de profundidade. Para a profundidade tendendo a zero, as amplitudes das ondas tenderiam para um
valor infinito, fato este não observado na prática. Na realidade, em locais rasos, as ondas ficam mais
curtas e mais altas, portanto mais esbeltas, ficam então instáveis e arrebentam (H / L > 1/7), dissipando
sua energia de forma intensa, até desaparecerem. O fenômeno da arrebentação de ondas é de grande
importância para a estabilidade de praias e de estruturas costeiras.
FIGURA 15. Propagação de ondas de áreas profundas, com pequena esbeltez, para áreas rasas, com
grande esbeltez, ocorrendo a quebra de ondas em regiões muito rasas. Ilustração: Leandro Coelho.
8. Ondas internas
As ondas apresentadas previamente são as que se manifestam como uma oscilação da interface
ar - mar, sendo a relação de densidades do ar e do mar aproximadamente 1:1000. Oscilações similares
são possíveis na interface de dois fluidos de densidades diferentes. A energia envolvida nas oscilações
depende da razão:
Quando a diferença de densidades é uma pequena fração da densidade, ondas de grande amplitude
podem se propagar com pequena energia. No oceano real, observações tem demonstrado que variações
de temperatura em profundidade podem ser associadas a ondas internas, notáveis principalmente nas
variações espaciais e temporais das profundidades das isotermas (Fig. 16).
270
Ondas no mar
FIGURA 16. Ondas internas no oceano, evidenciadas pelas oscilações das isotermas. Ilustração: Leandro Coelho.
9. Medições de ondas
Atualmente, ondógrafos direcionais são utilizados para medições, baseados em boias de superfície
fundeadas, em geral na plataforma continental, mas livres para se deslocar por pequenas distâncias
(Fig. 17). Essas boias são dotadas de acelerômetros, que medem a aceleração da água, fornecendo
assim os parâmetros das ondas: altura, direção, período e velocidade.
FIGURA 17. Ondógrafo direcional (A) e o esquema de seu fundeio (B). Ilustração: Leandro Coelho.
271
Noções de Oceanografia
Radares de abertura sintética e escaterômetros (em satélites ou aviões) são usados para medições
remotas de ondas, com base nas características dos ecos de pulsos emitidos; fotografias aéreas também
fornecem informações sobre as ondas, a partir da rugosidade da superfície.
Finalmente, medições da altura significativa de ondas são realizadas pela altimetria de satélite,
em função da forma dos ecos de sinais eletromagnéticos emitidos pelo satélite, os quais são mais
alterados quanto maior a altura significativa das ondas.
Atualmente, previsões de ondas são realizadas por modelos numéricos da propagação de ondas,
através do cálculo do espectro de densidade da energia, a partir de informações de vento fornecidas
por previsões meteorológicas (ou, eventualmente, a partir de informações de maremotos). A Figura
18 mostra previsão de modelo de ondas global MFWAM do Serviço Meteorológico Francês,
com informações sobre a altura significativa e a direção de incidência das ondas, no Sudoeste do
Oceano Atlântico.
FIGURA 18. Distribuição das alturas significativas de ondas (em metros) e da direção de incidência,
segundo os cálculos do modelo de ondas global MFWAM, na região 15°S - 45°S 55°W - 35°W, para 12h GMT
de 30 de outubro de 2020.
272
Ondas no mar
Referências Bibliográficas
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HASSELMANN, L. et al., 1973. Measurements of wind-wave growth and swell decay during
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LE BLOND, P. H. , MYSAK, L. A. 1978. Waves in the Ocean. Elsevier Scientific Publishing,
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PIERSON W.J., AND L. MOSKOWITZ. 1964. A proposed spectral form for fully developed
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POND, S., PICKARD, G.L. 1991. Introductory Dynamical Oceanography. Pergamon Press.
329p.
THE OPEN UNIVERSITY, 2000. Waves, Tides and Shallow-Water Processes. Second
Edition. Butterworth-Heinemann, Oxford, 227p.
273
Marés e nível médio do mar
NOÇÕES DE OCEANOGRAFIA
Capítulo 13
MARÉS E NÍVEL
MÉDIO DO MAR
Joseph Harari, Afrânio Rubens de Mesquita
& Ricardo de Camargo
275
Noções de Oceanografia
CITAÇÃO SUGERIDA: HARARI, Joseph; MESQUITA, Afrânio Rubens de; CAMARGO, Ricardo de.
Marés e nível médio do mar. In: HARARI, Joseph (org.). Noções de Oceanografia. São Paulo:
Instituto Oceanográfico, 2021. E-book. Cap. 13: p. 277-296.
276
Marés e nível médio do mar
1. Introdução
As mais longas ondas no oceano são associadas com as marés astronômicas, as quais são
geradas por forças externas (atração gravitacional do Sol e da Lua) e possuem períodos exatos (por
exemplo, 12 h 25 min 14 seg). Os comprimentos de onda são, em todos os lugares, muito maiores
que a profundidade da água, de modo que a progressão das ondas é governada pela velocidade de
fase em águas rasas; esta velocidade de fase é cerca de 720 km/h para uma profundidade de 4.000 m
e cerca de 115 km/h para uma profundidade de 100 m. A principal maré semi diurna tem período de
12,42 h e comprimentos de onda de 10.000 km (a 4.000 m de profundidade) a 1.500 km (a 100 m de
profundidade). Em função dessas características, a aceleração de Coriolis (devida à rotação da Terra)
tem efeito importante nos movimentos devidos à maré; e por conta do tamanho limitado das bacias
oceânicas, não ocorrem trens de vários comprimentos de onda (McLellan, 1968).
No mar aberto, os termos preamar, baixamar, range, amplitude e correntes de maré se aplicam
igualmente; apenas inexistem as marés enchente e vazante e as estofas de preamar e baixa-mar,
pois as correntes de maré são representadas por vetores rotativos no tempo, os quais descrevem as
denominadas elipses das correntes de maré.
1) O range da maré não é o mesmo em todo lugar e varia virtualmente do zero a mais de 15
metros. Pontos anfidrômicos no oceano são regiões nas quais a maré tem range praticamente zero.
277
Noções de Oceanografia
2) Num dado local, a preamar ocorre aproximadamente uma hora mais tarde que no dia anterior.
O intervalo médio da maré é o tempo médio entre duas preamares sucessivas, e vale 12 horas, 25
minutos e 14 segundos.
3) Em muitos lugares, as duas marés de um dia têm ranges diferentes. Nestes lugares, a natureza
da desigualdade diurna varia através do mês, usualmente sendo reproduzida a cada mês. Em geral
a “desigualdade diurna” é associada a variações no intervalo de tempo entre sucessivas preamares,
chamadas “desigualdades no intervalo da maré”; num caso extremo, os intervalos da maré podem
ser 14 horas e 11 horas (Fig. 1).
4) O range da maré numa dada posição não é constante, variando periodicamente entre
máximos e mínimos (Fig. 2). Normalmente há dois ciclos completos num mês, ainda que em alguns
lugares apenas um. Períodos em que o range é máximo são conhecidos como sizígia e as marés que
então ocorrem são as marés de sizígia. Períodos com range mínimo são quadraturas, com as marés
de quadratura. Marés de sizígia ocorrem com Lua Cheia ou Nova enquanto as de quadratura, com
Lua Crescente ou Minguante.
FIGURA 2. Marés de sizígia (SIZ) e quadratura (QUAD) ao longo de um mês (setembro de 2009), em
Cananéia (SP). A linha azul representa o nível do mar medido e a linha vermelha representa o cálculo dos
efeitos meteorológicos e de densidade no nível do mar.
278
Marés e nível médio do mar
3. Marégrafos
Marégrafos são aparelhos que registram o nível do mar, e podem ser de flutuador, de pressão ou
de radar. Na costa, qualquer destes métodos pode ser empregado, enquanto que, no oceano aberto, são
utilizados marégrafos de pressão ou medições de altímetros a partir de satélites ou aviões.
Marégrafos de pressão são normalmente sensores de pressão colocados no fundo do mar e que
medem a pressão (ou a altura) da coluna d'água e a registram internamente a determinados intervalos
de tempo (nessas medidas, deve ser subtraída a pressão atmosférica). Em locais profundos, esses
aparelhos (acoplados a boias) são fundeados por longos períodos de tempo com poitas ou âncoras; ao
final dos períodos de medições, na sua recuperação, os marégrafos de pressão são liberados das poitas
ou âncoras por meio de comunicação acústica; uma vez liberados, as boias acopladas aos aparelhos
os levam até a superfície, onde são coletados pelos navios (e os registros de nível do mar são lidos).
Marégrafos de pressão são também utilizados na linha da costa, juntamente com barógrafos, o que
facilita a subtração da pressão atmosférica (e, evidentemente, não há necessidade das operações de
fundeio e recuperação, possibilitando a leitura imediata dos registros).
Atualmente, marégrafos de radar são também utilizados: eles operam fora da água e enviam
pulsos eletromagnéticos para baixo, os quais voltam refletidos na superfície do mar; o intervalo de
tempo entre a emissão dos pulsos e a recepção dos ecos indica a distância do emissor à superfície do
mar, da qual se extrai a informação sobre o nível da superfície do mar (Fig. 4).
279
Noções de Oceanografia
O nível da superfície do mar pode também ser medido através de altímetros (sensores ativos)
colocados em satélites ou aviões; esses sensores enviam sinais (eletromagnéticos) e os recebem
refletidos: o intervalo de tempo para a recepção do eco, a intensidade e a forma do mesmo permitem
inferir o nível da superfície do mar, a intensidade do vento e a altura das ondas de superfície (Fig. 5).
FIGURA 5. Esquema de medição de nível do mar pela altimetria de satélite (nível do mar = altitude do
satélite – range – superfície média do mar); range é calculado em função do intervalo de tempo entre
emissão e recepção de sinal eletromagnético; altitude é dada continuamente por estações rastreadoras;
altitude e superfície média do mar são fornecidos em relação a um elipsoide de referência.
280
Marés e nível médio do mar
4. Níveis de referência
O registro da maré em um dado local por um período de tempo suficientemente longo, da
ordem de vários anos, permite determinar os níveis de referência da maré neste local (Fig. 6).
1) Nível médio do mar: corresponde à média das alturas de maré observadas num longo período.
2) Níveis médios de preamares e baixa-mares: são os valores médios das elevações observadas
nas preamares e baixa-mares, respectivamente.
3) Níveis médios das preamares e baixa-mares de sizígia: correspondem aos valores médios das
preamares e baixa-mares observadas nos períodos de sizígia.
FIGURA 7. Esquema básico da Teoria do Equilíbrio das marés, com a configuração da superfície do mar na
presença da Lua.
281
Noções de Oceanografia
No sistema Terra – Lua, as marés são associadas ao movimento da Terra e da Lua em torno do
Centro de Massa comum, cujas forças atuantes dão origem a dois quadrantes com elevações (bulbos)
diametralmente opostos em relação ao centro da Terra, no quadrante da Lua e no quadrante oposto
ao da Lua, e dois quadrantes com depressões (Fig. 7). Atuam, neste movimento, as forças gravitacional
e centrífuga; no quadrante da Terra com bulbo do lado da Lua predomina a força gravitacional,
enquanto no quadrante da Terra com bulbo oposto ao da Lua predomina a força centrífuga (Fig. 7).
Como a Terra efetua um giro completo em 24 horas, um mesmo local experimenta duas preamares e
duas baixa-mares por dia. Para uma maré de equilíbrio devido à Lua, o deslocamento do equilíbrio é
de +35,4 cm na preamar e -17,7 cm na baixa-mar. É importante salientar que esta força centrífuga não
se deve ao movimento de rotação da Terra em torno de seu eixo.
Quando o astro gerador da maré se encontra deslocado do plano equatorial da Terra (declinação)
a configuração do equilíbrio corresponde à da Figura 8, o que explica a desigualdade das duas marés
observadas num dia (“desigualdade diurna”).
Como a órbita lunar possui uma declinação de 28° em relação ao plano do Equador terrestre,
dependendo da latitude, os bulbos apresentam desigualdade diurna, ou seja, as preamares de um dia
não são iguais, assim como as baixa-mares, e também não há simetria entre preamares e baixa-mares
(Fig. 1). Note-se também que a Lua tem uma órbita elíptica ao redor da Terra, o que implica em
variações da distância e, portanto, do potencial gerador de marés. Quando a distância Terra – Lua é
mínima (apogeu lunar) o potencial gerador de maré é 20% maior que a média, enquanto na condição
de distância Terra – Lua máxima (perigeu), o potencial é 20% menor que a média.
Uma configuração similar pode ser feita para o sistema Sol - Terra. Ainda que o Sol tenha uma
massa muito maior que a da Lua, sua distância à Terra também é muito maior, e os deslocamentos do
equilíbrio por ele produzidos são +16,2 cm para a preamar e -8,2 cm para a baixa-mar. O potencial
gerador da maré solar é, portanto, cerca de 46% do potencial gerador da maré lunar.
De maneira similar à Lua, a órbita do Sol tem uma declinação (de 23°) em relação ao plano do
Equador terrestre, o que também implica em desigualdades diurnas das marés geradas pelo Sol. E,
assim como no caso da Lua, a órbita elíptica da Terra em torno do Sol apresenta situações de distâncias
máximas e mínimas (periélio e afélio), que provocam variações do potencial gerador da maré solar, mas
de apenas 2% em relação ao valor médio.
282
Marés e nível médio do mar
no espaço), nota-se que o resultado da combinação dos efeitos depende fundamentalmente da fase
da Lua. Quando o Sol e a Lua estão em linha em relação à Terra (Lua Nova ou Cheia), os efeitos
são aditivos, daí as marés de sizígia. Quando Sol-Terra-Lua estão em quadratura (Lua crescente ou
minguante), os efeitos de um tendem a cancelar o do outro e daí as marés de quadratura (Fig. 2).
Embora a Teoria do Equilíbrio das marés proporcione uma boa descrição das forças geradoras
de maré e explicações qualitativas de muitas características das marés, ela não explica as amplitudes
e fases das marés observadas, as quais são muito diferentes das das correspondentes marés calculadas
pela Teoria do Equilíbrio. Isto se deve ao fato que a Teoria do Equilíbrio não leva em consideração:
1) A existência dos continentes; 2) A topografia do fundo dos oceanos; 3) A progressão das ondas
de maré, representada pela equação característica em águas rasas (c = √(g ⸳ h), onde g é a aceleração
da gravidade e h é a profundidade); 4) A aceleração de Coriolis, que é importante neste tipo de
movimento; e 5) Os modos naturais de oscilação das bacias.
Por outro lado, as frequências (e períodos) das marés são exatamente aquelas previstas pela
Teoria do Equilíbrio.
As marés podem ser consideradas como ondas forçadas, uma vez que nunca alcançam equilíbrio
com as forças geradoras das oscilações. Ademais, há razões dinâmicas que envolvem a existência de um
intervalo de tempo para a resposta do oceano às forças geradoras de maré, uma vez que a reação não é
instantânea ou estática. Por fim, ao considerar as escalas de espaço e de tempo das oscilações de maré,
entende-se que o efeito de rotação da Terra exerce um papel importante na deflexão dos fluxos de maré.
Na modelagem numérica das marés, as equações hidrodinâmicas são resolvidas para grades que
cobrem as regiões de interesse e as equações diferenciais são substituídas por equações a diferenças
finitas, a partir da discretização do espaço e do tempo.
283
Noções de Oceanografia
FIGURA 9. Simulação da circulação costeira por modelagem numérica hidrodinâmica, considerando as forçantes
de maré e meteorológicas: maré enchente (A), estofa da preamar (B) e maré vazante (C).
284
Marés e nível médio do mar
Matematicamente, o potencial pode ser resolvido num número finito de componentes periódicas.
Doodson (1921) lista cerca de 390 componentes, chamadas componentes de maré, sendo 100 de longo
período, 160 diurnas, 115 semi-diurnas e 14 ter-diurnas: 1) As componentes diurnas têm período Tj
em torno de 24 h solares (velocidade angular σj = 360° / Tj em torno de 15°/h); 2) as semi-diurnas têm
período Tj aproximado de 12 h (σj aproximadamente igual a 30°/h); 3) as ter-diurnas possuem Tj ≈ 8h
(σj ≈ 45°/h); e 4) e as de longo período possuem períodos maiores que 1 dia. Para cada componente,
há uma amplitude de equilíbrio e uma fase de equilíbrio, para cada ponto do oceano. As amplitudes
de equilíbrio das componentes de maré são usualmente relacionadas com a amplitude de equilíbrio da
principal componente lunar semi-diurna M2. As principais componentes, seus símbolos, frequências
angulares, períodos e amplitudes de equilíbrio são listadas na Tabela 1.
TABELA 1. Principais componentes astronômicas de maré, com seus símbolos, frequências angulares,
períodos e amplitudes de equilíbrio (referentes à M2, de amplitude = 100).
Onde σj são as velocidades angulares das diversas componentes de maré, constantes, dadas
pela Teoria do Equilíbrio; fj, v0j e uj são características de cada componente, funções do tempo t,
sendo também determinadas pela Teoria do Equilíbrio; e, finalmente, Hj e Gj são as constantes
harmônicas de cada componente, no local das medições; são portanto funções da posição do
ponto de observação das marés no oceano, sendo fornecidos pela análise harmônica de maré
(Godin, 1972; Franco, 1988).
Dessa forma, a Teoria do Equilíbrio fornece os valores de σj, fj, v0j e uj; e a análise harmônica
da maré de um local, baseada na análise de Fourier de um registro, informa como a geometria dos
continentes, a topografia do fundo dos oceanos, a progressão das ondas de maré, a força de Coriolis e os
modos naturais de oscilação modificam a maré de equilíbrio naquele local, dando os valores de Hj e Gj.
Para cada ponto do oceano, a combinação dos efeitos das componentes de maré astronômica,
principalmente M2, S2, O1, K1, N2, K2 e P1, é a principal responsável pelas marés de sizígia e quadratura,
assim como pela desigualdade diurna e desigualdade no intervalo da maré.
Deve-se notar que a determinação das forças e acelerações na Teoria Dinâmica das Marés,
considerando a Terra real (com continentes e topografia do fundo dos oceanos) e demais efeitos
não considerados pela Teoria do Equilíbrio, é muito difícil, devido à extrema complexidade do
sistema de equações e de suas condições de contorno. Assim, a análise harmônica da maré estuda
o fenômeno evitando a formulação matemática das causas e se ocupando do efeito. Nesta análise,
o procedimento é de modo que a análise de Fourier dos registros de altura de maré nos pontos do
oceano determina como cada componente de maré é afetada, na amplitude e fase, pelos efeitos não
considerados na Teoria do Equilíbrio.
Componente de
K1 O1 M2 S2
maré
Local H (cm) G (°) H (cm) G (°) H (cm) G (°) H (cm) G (°)
Cananéia 6,5 187,33 11,00 126,72 36,6 179,25 23,7 184,20
Santos 6,4 184,33 11,7 127,52 37,3 173,35 23,9 179,30
Ubatuba 5,9 183,83 10,9 128,72 29,7 165,85 17,2 171,60
fm Tipo de maré
fm ≤ 0,25 Semi-diurna
0,25 < fm ≤ 1,5 Mista, de desigualdades diurnas
1,5 < fm ≤ 3,0 Mista, com predominância diurna
fm > 3,0 Diurna
A partir dos dados da Tabela 2, os números de forma da maré nas posições ao longo do litoral
do Estado de São Paulo foram: 0,2902 (Cananéia), 0,2958 (Santos) e 0,3582 (Ubatuba), ou seja, são
marés semi-diurnas com desigualdades diurnas.
9. As correntes de maré
Deslocamentos de grandes volumes de água são responsáveis pelas oscilações periódicas
do nível do mar, sendo então denominados correntes de maré. Cabe enfatizar que a atuação
das correntes de maré ocorre em toda a coluna de fluido, e não apenas na camada superficial do
oceano. A explicação para este fato é que as forças geradoras descritas anteriormente possuem
ínfima variação de intensidade com a profundidade, fazendo com que toda a coluna de água seja
submetida à mesma força e apresente o mesmo movimento; somente nas proximidades do fundo
a influência do atrito das correntes de maré tende a diminuir sua intensidade. De qualquer forma,
como as forças atuam igualmente ao longo da vertical, e como elas atuam igualmente para locais
profundos e rasos, os deslocamentos de volumes de água estarão associados a correntes mais
intensas em locais rasos do que em regiões profundas.
287
Noções de Oceanografia
FIGURA 10. Elipses das correntes da componente de maré M2, na superfície, na plataforma do Estado de
São Paulo (Harari & Camargo, 1994).
As elipses de maré sobre as plataformas continentais muitas vezes possuem alta excentricidade,
com intensidades bem maiores em determinada direção, caracterizando condições típicas de maré
enchente e de maré vazante. O sentido de rotação das elipses de maré sobre as plataformas é
normalmente controlado pela inclinação do fundo e também pela propagação das ondas em áreas
rasas (incluindo baías e canais). À medida que as restrições geométricas aumentam, como em canais
estreitos, por exemplo, as correntes de maré tendem a se tornar praticamente retilíneas, alternando seu
sentido ao longo de um ciclo completo, do tipo vai-vém.
288
Marés e nível médio do mar
outro lado, a propagação ao redor do ponto anfidrômico faz com que as linhas de mesma fase das
componentes sejam radiais em relação a ele (Fig. 11). No oceano profundo, longe das influências de
linhas de costa, o potencial gerador de marés e a força de Coriolis agem no sentido de induzir giros
das ondas ao redor dos pontos anfidrômicos. Note-se que linhas cotidais de amplitudes correspondem
a pontos com a mesma amplitude da componente de maré; linhas cotidais de fase correspondem a
pontos nos quais as preamares e baixamares desta componente ocorrem simultaneamente.
Uma metodologia muito útil no estudo do fenômeno das marés se encontra na utilização de
modelos numéricos para a geração de séries temporais de nível do mar e correntes, em grades que
cobrem regiões de interesse, e posterior análise de maré pelo método harmônico dessas séries temporais,
gerando as constantes harmônicas de nível do mar e de correntes (em diversas profundidades). Os
modelos podem ser processados considerando somente as forçantes de maré (nos contornos abertos e
pela inclusão do potencial de maré) ou considerando todas as forçantes da circulação conjuntamente.
A partir das análises das séries em todos os pontos de grade, mapas de linhas cotidais de amplitude e
fase podem ser obtidos, incluindo a localização de pontos anfidrômicos, como apresentado na Figura
11 para o Oceano Atlântico Sul e a componente M2 de maré.
FIGURA 11. Mapa cotidal da M2 para o Atlântico Sul, obtido a partir de resultados do modelo global de
maré TPXO 7.1 (Egbert & Erofeeva, 2002), com as amplitudes H em cm e fases G em graus, referentes
ao meridiano de Greenwich. Nota-se a presença de um ponto anfidrômico a 20º W 30º S e as grandes
amplitudes da M2 no Norte do Brasil e na Patagônia.
289
Noções de Oceanografia
Através das teorias demonstradas, fica evidente o caráter determinante das fases da Lua para
reger as variações de amplitude, assim como os efeitos da batimetria e da rotação da Terra nos períodos
de oscilação dominantes.
Como a conformação dos continentes impõe restrições ao livre deslocamento das águas, cada
bacia oceânica é dominada por alguns períodos típicos de oscilação. Além disso, o comportamento
das ondas de maré é significativamente influenciado pela diminuição de profundidade nas áreas de
plataforma, costeiras e estuarinas, fazendo com que cada uma dessas regiões tenha características
específicas das ondas de maré.
Essas componentes de pequeno fundo possuem frequências angulares (ou seja, períodos)
que são combinações lineares das frequências angulares (períodos) das principais componentes
que interagem; por exemplo, a interação das componentes M2 e S2 pode gerar uma componente
MS4, cujo índice 4 indica que esta componente se repete cerca de 4 vezes por dia, ou seja, seu
período é em tono de 6 horas; outro exemplo: a componente 3MNS6, formada pela interação das
componentes de maré M2, N2 e S2, se repete cerca de 6 vezes por dia, portanto, seu período é em
torno de 4 horas. Há componentes de pequeno fundo que se repetem 12 por dia, ou seja, possuem
períodos em torno de 2 horas.
290
Marés e nível médio do mar
As variações do nível médio do mar, geralmente entre alguns centímetros e poucos metros,
algumas vezes apresentam características de oscilações periódicas, como as associadas aos ciclos diurno
e sazonal de insolação e de atuação dos ventos, embora a repetibilidade dos efeitos (e das respostas do
oceano) não seja tão precisa como no caso das marés. Porém, em geral, as variações do nível médio do
mar são “aperiódicas” e, consequentemente, previsões das variações do nível do mar de alta precisão
e grande antecedência normalmente se restringem à parte das marés astronômicas, enquanto que a
previsão do nível médio do mar é limitada a poucos dias de antecedência, dependendo muito de boas
previsões meteorológicas e de modelos numéricos hidrodinâmicos de boa qualidade.
De qualquer forma, como resultado final, as variações do nível do mar são devidas aos
efeitos aditivos de marés (astronômicas) e dos demais efeitos acima citados, gerando resultados
como a série temporal da Figura 12, que mostra a decomposição desta série no sinal periódico
das marés e no sinal residual.
FIGURA 12. Decomposição da série temporal do nível do mar em Cananéia, em setembro de 2009 (A) nos
sinais de maré (B) e residual (C).
291
Noções de Oceanografia
FIGURA 13. Exemplo de maré com forte assimetria enchente – vazante na costa brasileira, na maré de sizígia,
com 4 e 8 horas, respectivamente, no Rio Caeté, Município de Bragança (PA). Adaptado de Pereira et al, 2010).
Dentre os efeitos “aperiódicos” que mais afetam o nível do mar podem ser destacados: 1)
grandes vazões fluviais; 2) o ciclo diurno de aquecimento solar e a brisa marítima; 3) sistemas
frontais intensos, tempestades e furacões; 4) variações meteorológicas sazonais (pressão atmosférica,
radiação solar, temperatura, vento, etc.); 5) variabilidades meteorológicas intra-sazonais; 6) oscilações
atmosféricas inter-anuais e decadais em grande escala; e 7) variações climáticas globais, como as
associadas ao efeito estufa.
Na composição desses efeitos com os efeitos de maré, muitas vezes condições extremas são
registradas, como por exemplo na ocorrência de furacões em períodos de maré de sizígia, que podem
acarretar a inundação de vastas áreas costeiras, especialmente as de baixa topografia, como planícies de
maré, ou podem rebaixar demasiadamente o nível médio do mar, causando riscos à navegação.
Dentre os efeitos acima citados, o aquecimento global tem sido motivo de grande preocupação da
sociedade e dos cientistas. A taxa média global de variação do nível médio do mar é de 3,42 ± 0,4 mm/ano,
como demonstram observações globais de altimetria de satélite; entretanto, há uma enorme variabilidade
espacial da tendência anual do nível médio do mar, com muitas áreas oceânicas experimentando inclusive
redução do nível médio a longo prazo (Figs. 14 e 15).
292
Marés e nível médio do mar
FIGURA 14. Tendência de elevação do nível médio do mar global a partir de medições de altimetria de
satélite, de janeiro de 1993 a setembro de 2020, com valor médio de + 3,42 ± 0,40 mm/ano (com 90% de
confiança). Fonte: <https://www.aviso.altimetry.fr>.
FIGURA 15. Distribuição das tendências de elevação do nível médio do mar em todos os oceanos (em
mm/ano), para o período de janeiro de 1993 a outubro de 2019, segundo medições por altimetria de
satélite. Fonte: https://www.aviso.altimetry.fr/>.
293
Noções de Oceanografia
De fato, os oceanos podem produzir dois tipos de energia: a térmica, a partir do calor do sol, e a
mecânica, pela ação de ondas e marés. Como os oceanos cobrem mais de 70% da superfície da Terra,
constituem eficientes coletores solares: a energia do sol aquece a camada da superfície muito mais do que
as águas profundas do oceano, de modo que esta diferença de temperaturas gera energia (Avery & Wu,
1994). Já no caso da energia mecânica, elevações e correntes são impulsionadas principalmente pelos ventos
e as marés, envolvendo grandes quantidades de energias cinética e potencial que podem ser convertidas em
eletricidade (Gorlov, 2004). Em geral, ondas e marés são fontes de energia intermitentes, enquanto a energia
térmica do oceano é contínua. Estimativas do potencial energético no oceano indicam 40 bilhões de MW
na exploração da energia térmica, 2,5 milhões de MW para as ondas e 2,7 milhões de MW para as marés.
A geração de eletricidade a partir das marés é semelhante à geração hidrelétrica (Gorlov, 2001),
com exceção que nas marés a água flui em dois sentidos (e as pás das turbinas devem ser reversíveis).
O mais simples sistema para gerar energia das marés envolve uma barragem, em geral numa enseada,
com portões que regulam a vazão das águas nas marés enchentes e vazantes: na subida da maré, a água
enche o reservatório, passando através das turbinas e produzindo energia elétrica, e na descida da maré,
o reservatório é esvaziado e água que sai do reservatório passa novamente através das turbinas, também
produzindo energia elétrica.
Para que este sistema funcione bem, são necessárias marés e correntes fortes (um desnível da água
de pelo menos 5,5 metros da preamar para a baixa-mar), uma área de bacia suficientemente grande e
um número de turbinas que tornem o empreendimento viável. De acordo com Pugh (1996), existem
poucos locais no mundo onde se verificam estas condições (entre 20 e 40), como La Rance (França), a
Baía de Fundy (Canadá) e o Estuário de Severn (Inglaterra). A Figura 16 apresenta a localização das
regiões com grandes amplitudes de maré, nas quais há potencial uso da energia das marés.
Outro fator importante é a proximidade do local gerador da energia a uma área com demanda.
Evidentemente, a construção de uma barragem em uma enseada pode ter impactos ambientais como,
por exemplo, mudar o nível das marés na bacia e afetar os padrões de sedimentação, erosão e turbidez
da água, bem como prejudicar a navegação, a recreação e a cadeia alimentar marinha local.
Outro problema com o aproveitamento da energia das marés se encontra nas variações de
amplitude no tempo como, por exemplo, entre as marés de sizígia (na lua nova ou cheia), com grandes
amplitudes, e as de quadratura (na lua crescente ou minguante), de pequenas amplitudes. A usina de
maré de La Rance é a mais completa do seu tipo no mundo, localizada no norte da França, no rio La
Rance, no Canal da Mancha. A usina foi concluída em 1967, com 24 turbinas, cada uma capaz de
produzir 10 MW de potência. A barragem propriamente dita tem 750 m de comprimento e 13 m de
altura. Para construir essa única planta, 25 anos de estudos e 6 anos de construção foram necessários;
o local foi escolhido porque tem uma das maiores amplitudes de maré do mundo, acima de 6,5 m, e
produz cerca de 550 GWh anualmente. A unidade também é equipada com bombas que permitem
bombear água para a bacia, de modo a poder gerar mais eletricidade se houver aumento de demanda.
294
Marés e nível médio do mar
FIGURA 16. Localização das regiões com maiores amplitudes de maré em todos os oceanos, com
destaque para as regiões da Patagônia (ARG), Norte do Brasil (BRA), Baía de Fundy (CAN) – que possui o
maior range de maré do mundo com 15 metros, e Estuário de La Rance (FRA) – que possui a usina maré
motriz mais conhecida no mundo.
Como alternativa às usinas com barragens, há a opção de utilizar “cercas de maré”: barreiras
conduzem fortes correntes de maré (algo entre 1 e 2 m/s) que passam por turbinas montadas em canais,
os quais podem ser entre o continente e uma ilha vizinha ou entre duas ilhas (Gorlov, 2001). Como
resultado, as cercas de marés têm menos impacto sobre o ambiente, pois não exigem a inundação de
bacias, além de terem instalação significativamente mais barata.
Quanto à energia de marés no Brasil, há alguns locais adequados à construção de usinas maré-
motriz, como na foz do rio Mearim (Maranhão), na foz do Tocantins (Pará) e na foz da margem
esquerda do Amazonas (Amapá); nesses locais, o impacto ambiental seria mínimo, pois as águas
represadas pelas barragens não inundariam terras novas, apenas aquelas que a própria maré já cobre. No
país, grandes alturas (ranges) de maré são observadas em São Luís, na Baia de São Marcos (Maranhão,
com 6,8 m) e em Igarapé do Inferno, na Ilha de Marajó (Amapá, com 11,5 m), mas nestas regiões a
topografia do litoral não favorece a construção de reservatórios, o que exigirá dos brasileiros vencer um
grande desafio científico e tecnológico para o aproveitamento econômico de sua energia.
295
Noções de Oceanografia
Referências Bibliográficas
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296
O Oceano Austral e o clima
NOÇÕES DE OCEANOGRAFIA
Capítulo 14
O OCEANO AUSTRAL
E O CLIMA
Marcos Tonelli, Ilana Wainer & Natália Silva
297
Noções de Oceanografia
CITAÇÃO SUGERIDA: TONELLI, Marcos; WAINER, Ilana; SILVA, Natália. O Oceano Austral e o
clima. In: HARARI, Joseph (org.). Noções de Oceanografia. São Paulo: Instituto Oceanográfico,
2021. E-book. Cap. 14: p. 299-308.
298
O Oceano Austral e o clima
O oceano que circunda o Continente Antártico (CA) é conhecido como Oceano Austral (OA)
e, devido ao seu isolamento geográfico, possui características particulares e representa uma das regiões
do globo com menor influência direta da atividade antrópica.
Limitado ao sul pelo CA, o OA não possui uma definição única para sua extensão norte, uma
vez que esta varia em função dos diversos processos e mecanismos estudados pelos diferentes campos
de pesquisa das ciências da Terra. Segundo o Tratado Antártico (Hanessian, 1960), o OA representa
o oceano ao redor do CA que se estende até 60° de latitude sul (60°S). Contudo, baseando-se em uma
definição dinâmica que considere os processos oceanográficos da região, o OA pode facilmente atingir
30°S, sendo essa a maior extensão norte da Frente Subtropical (do inglês, STF – Subtropical Front,
Sokolov & Rintoul, 2009).
A ACC é formada por uma complexa estrutura que consiste de múltiplos jatos frontais
(i.e., zonas de gradientes máximos locais de altura do nível do mar e velocidades de correntes)
que definem as propriedades das massas de água e limitam os regimes da circulação ao redor do
Continente Antártico. Em regiões onde a ACC se distancia do CA, ocorre a formação de grandes
giros ciclônicos, dos quais se destacam o Giro de Weddell e o Giro de Ross (Fig. 1; Deacon, 1979;
Rodman & Gordon, 1982; Reid, 1997).
A criosfera é um dos compartimentos do sistema climático com maior impacto sobre a dinâmica
do OA e sobre o transporte global de calor pelos oceanos. Os componentes da criosfera presentes no
ambiente Antártico governam a maior parte da dinâmica regional. O CA passa a maior parte do ano
circundado por uma camada de água do mar congelada (gelo marinho) com espessura variando entre
1 e 2 metros (Lythe et al., 2001). Em setembro, o gelo marinho cobre uma área de 19-20 ⸳ 106 km2,
quando as primeiras camadas finas de gelo do ano alcançam 60°S ao redor do continente, e chegando
a 55°S na região do Mar de Weddell. A maior parte desse gelo, contudo, derrete durante o verão e tem
sua área reduzida para aproximadamente 3 ⸳ 106 km2 em março, ou seja, menos de 20% da extensão
máxima anual (Fig. 2).
299
Noções de Oceanografia
FIGURA 2. Mapas mostrando a extensão de gelo marinho no Oceano Austral no inverno (setembro –
esquerda) e verão (fevereiro – à direita). Os mapas representam a média da extensão de gelo do período
1979 e 2002/2003, baseado nas observações de satélite (ESMR–nimbus–5). Extraída de Tonelli (2014).
300
O Oceano Austral e o clima
Até mesmo uma fina camada de gelo tem impacto sobre o clima na Antártica. Com apenas
10 cm de espessura, o gelo marinho é capaz de reduzir a troca de umidade e de gases entre o
oceano e a atmosfera, diminuindo a troca de calor em 90% (Rintoul et al., 2012a). Além disso,
o gelo marinho tem um efeito muito importante sobre o albedo da superfície. Por exemplo,
enquanto a superfície livre do mar é capaz de absorver 90% da radiação solar incidente, o gelo
reflete de volta para o espaço a mesma quantidade de radiação, dependendo da espessura do gelo
ou cobertura de neve, isolando termicamente as águas do oceano subjacente. Por outro lado, um
processo de retroalimentação ocorre quando o gelo recua: o calor absorvido pela superfície livre
do oceano aquece as águas superficiais, o que intensifica o processo de derretimento do gelo
marinho (Rintoul et al., 2012a).
301
Noções de Oceanografia
Uma atualização para o esquema da THC foi apresentada por Schmitz (1996), evidenciando,
além da interação multicamadas entre as massas de água, o papel central do Continente Antártico
e do Oceano Austral no estabelecimento desse padrão global de transporte de calor. Processos de
transformação que ocorrem exclusivamente sobre a plataforma continental da Antártica resultam na
formação na Água de Fundo Antártica (AFA; do inglês, AABW – Antarctic Bottom Water; Fig 4); uma
das principais componentes do ramo inferior da THC (Orsi et al., 2002). Por fim, uma vez que a THC
é forçada não apenas por gradientes de temperatura e salinidade (i.e., densidade), mas também por
processos de trocas de momento na interação oceano-atmosfera-criosfera, um termo mais abrangente
foi adotado recentemente pela comunidade científica para definir essa circulação de escala planetária:
Circulação de Revolvimento Meridional (do inglês, MOC – Meridional Overturning Circulation).
FIGURA 4. Representação do processo de formação da Água de Fundo Antártica. O Giro de Weddell (WG)
interage com a Corrente Circumpolar Profunda (ACC) advectando águas relativamente quentes para
região da quebra da plataforma do ar de Weddell (a). Essas águas formam a Warm Deep Water (WDW)
que interage com águas de plataforma (SW) para formar a Água Profunda do Mar de Weddell (WSDW) e a
Água de Fundo do Mar de Weddell (WSBW), posteriormente exportadas como Água de Fundo Antártica
(AABW). Extraída de Tonelli et al., 2014.
302
O Oceano Austral e o clima
Os impactos da MOC sobre o sistema climático vão muito além do balanço energético da
Terra, afetando, por exemplo, os ciclos de carbono e nutrientes do planeta. Além do calor, as águas
superficiais do OA carregam oxigênio e dióxido de carbono para interior do oceano durante a formação
de águas densas, ventilando as camadas profundas e aumentando a capacidade do OA para sequestrar
e armazenar calor e carbono. Graças à MOC, estima-se que o oceano tenha armazenado mais de
85% de todo o excesso de calor acumulado pelo sistema climático terrestre durante a segunda metade
do século XX (sendo a maior parte aprisionada no OA), impedindo o aquecimento excessivo da
atmosfera e o derretimento dos componentes da criosfera (Levitus et al., 2005). Segundo Rintoul et
al., (2012b), quando integrada zonalmente, a quantidade de calor OA armazenada pelo OA é maior
do que qualquer outra faixa de latitude do planeta.
Sobre o dióxido de carbono, Sabine et al., (2004) sugerem que aproximadamente 40% do
inventário total de CO2 antropogênico se encontra ao sul de 30°S, o que mostra a eficiência da célula
superior da MOC em transportar águas com grandes concentrações de CO2 da superfície para o
oceano profundo. Assim, esse processo de formação de águas densas remove o CO2 antropogênico da
atmosfera e o aprisiona nas camadas profundas do oceano. Reciprocamente, a ressurgência de águas
ricas em carbono em altas latitudes promove a liberação de CO2 de volta para a atmosfera, de modo
que alterações na MOC podem resultar em mudanças nos processos de sequestro e armazenamento
de CO2 pelo oceano (Butler et al., 2007; Le Quéré et al., 2007; Verdy et al., 2007).
Apesar da evidente importância da criosfera para o OA, bem como para o restante do planeta,
estudar as componentes desse compartimento do sistema climático na sua própria variabilidade,
interação com o oceano e impactos potenciais, como a elevação do nível do mar, não é uma tarefa
fácil. A área da superfície congelada durante o inverno pode ser maior do que a área do próprio CA
(Fig. 2; Convey et al., 2009). Variações na extensão ou no volume do gelo marinho impactam diversos
processos locais: taxas de formação de águas profundas, fluxos de interface oceano-atmosfera, a cadeia
trófica do fitoplâncton aos animais superiores e até mesmo no albedo da Terra em escala planetária
(Rintoul et al., 2012a). Águas mais quentes advectadas para o interior da plataforma continental
promovem o derretimento basal das plataformas de gelo, alterando o balanço de água doce em altas
latitudes e a estratificação da coluna de água, pro fim, alterando o balanço de massa do manto de gelo
da Antártica e a taxa em que o gelo continental flui para o oceano (Rignot et al., 2004).
303
Noções de Oceanografia
O Modo Anular do Hemisfério Sul (do inglês, SAM) é o principal deles e corresponde à mais
de um terço da variabilidade climática nas altas latitudes do hemisfério sul (Marshal, 2007). Esse
fenômeno natural refere-se a uma estrutura atmosférica zonalmente simétrica ao redor da Antártica,
centrada em 55° S, que se determina pelo gradiente de pressão entre médias e altas latitudes (Thompson
& Wallace, 2000; Marshall, 2003). Ou seja, é estimado pela diferença de pressão entre 40° e 65°S de
latitude (Gong & Wang, 1999). Devido ao aumento da concentração de gases estufa, desde 1950 um
centro de baixa pressão tem se estabelecido na costa da Antártica, fazendo com que o índice do SAM
migre para sua fase positiva (Hartman et al., 2013). Nesse cenário, observa-se fortalecimento dos
ventos de oeste que rodeiam a Antártica e intensificação no padrão de dipolo da temperatura, isto é,
aquecimento na Península Antártica e no oeste do continente, oposto ao resfriamento no leste (Turner
et al., 2005; Silva et al., 2019). Na Figura 5A, extraída de Yuan et al., (2008), é possível observar o
padrão espacial do modo climático SAM.
FIGURA 5. Representação do padrão espacial dos três principais modos climáticos na Antártica: (A) SAM;
B) Pacific South American (PSA); e C) Onda 3 (WAVE3). Adaptada de Yuan et al., 2009.
O segundo modo que domina a região austral é o Pacific South America (do inglês, PSA).
Relacionado com o fenômeno El Niño (do inglês, ENSO – El Niño Southern Oscillation) e com o trem
de ondas de Rossby, esse modo de variabilidade natural resulta em um centro de baixa pressão no Mar
de Amundsen-Bellingshausen, à oeste da Península Antártica, que permite a entrada de massas de ar
quente e úmidas para a região oeste da Antártica (Hall & Visbeck, 2002; Yuan et al., 2008; Raphael et
al., 2016). Esse padrão climático pode ser conferido na Figura 5B.
A Onda 3 (do inglês, WAVE 3) representa cerca de 10% do clima austral e pode ser observada
como uma assimetria no padrão zonal de circulação (Yuan et al., 2008). Tal assimetria diz respeito
ao fluxo atmosférico que se alterna em direção ao norte ou sul, rodeando a Antártica na latitude
aproximada de 60°S (Figura 5C; Raphael, 2004). Apesar de contribuir para o clima austral em menor
proporção que os demais modos de variabilidade, a WAVE 3 é de fundamental importância, pois
determina regiões no continente onde o fluxo atmosférico será preferencialmente meridional, guiando
o transporte de calor e umidade para dentro e para fora do continente (Schlosser et al., 2018).
304
O Oceano Austral e o clima
desde a década de 70, resultando em seu resfriamento (Spence et al., 2014, Fan et al., 2014, Armour
et al., 2016, Swart et al., 2018). Por outro lado, em profundidades maiores que 700 metros o aumento
de temperatura é intenso (Strass et al., 2020) e, segundo Gille (2002), corresponde ao dobro do
aquecimento do oceano global.
Dada a importância do global Oceano Austral, as mudanças desse ambiente tão particular devem
ser monitoradas, analisadas e comunicadas. Mudanças nos mecanismos de interação oceano-atmosfera-
criosfera, como o transporte de calor pela MOC, a extensão do gelo marinho e o derretimento basal
das plataformas de gelo vão resultar em respostas do sistema capazes de intensificar o cenário de
mudanças climáticas (Turner, 2010).
O papel do OA no balanço energético do planeta e nos ciclos de água doce, carbono e nutrientes
não pode ser negligenciado. Enquanto as evidências de que o Oceano Austral está mudando se
acumulam (e.g., Bracegirdle et al., 2020; Roach et al., 2020), é fundamental que as esferas política e
científica da sociedade unam forças para aperfeiçoar a pesquisa Antártica de excelência.
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308
OCEANOGRAFIA
QUÍMICA
NOÇÕES DE OCEANOGRAFIA
Capítulo 15
COMPOSIÇÃO QUÍMICA
DA ÁGUA DO MAR
Elisabete de Santis Braga
311
Noções de Oceanografia
CITAÇÃO SUGERIDA: BRAGA, Elisabete de Santis. Composição química da água do mar. In:
HARARI, Joseph (org.). Noções de Oceanografia. São Paulo: Instituto Oceanográfico, 2021.
E-book. Cap. 15: p. 313-342.
312
Composição química da água do mar
Composição Química
da Água do Mar
Elisabete de Santis Braga
1. Oceanografia Química
A Oceanografia Química ocupa uma posição central na inter-relação com as demais áreas
da Oceanografia, pois possui conexão com algumas propriedades conservativas, como é caso da
salinidade, muito relevante na Oceanografia Física; estabelece também ligação com a Oceanografia
Biológica, mostrando as propriedades necessárias à construção de matéria orgânica no primeiro
nível trófico - a produção primária; e ainda, mostra interação com a Oceanografia Geológica, junto
às interações com os sedimentos e águas intersticiais. Além disso, tem ligação com a descoberta de
recursos marinhos, monitoramento ambiental e indicação de processos de poluição e relação com as
atividades humanas de um modo geral.
Os constituintes que estão em menores quantidades na água do mar, por sua vez, são também
importantes, pois atuam como nutrientes principais na composição da matéria orgânica que forma a
biota marinha, como é o caso do nitrogênio, fósforo e silício, além dos microelementos que participam
do metabolismo celular, atuando como catalizadores e heteroátomos em biomoléculas. Existem
ainda, elementos em quantidades muito pequenas (constituintes traços) que possuem propriedades
potencialmente tóxicas, quando suas concentrações se elevam acima das relatadas como naturais.
Praticamente todos os elementos da tabela periódica podem ser encontrados na composição química
da água do mar, porém em quantidades diferentes.
313
Noções de Oceanografia
Os gases dissolvidos na água, sem dúvida, constituem outro importante grupo que participa
no ciclo da vida, tendo no gás carbônico e no oxigênio dois de seus principais representantes nos
processos biológicos. Os gases também atuam nas mudanças climáticas, pois alguns deles além de
estarem envolvidos em processos biológicos ou de origem antrópica possuem a capacidade de aquecer,
participando do efeito estufa. Um gás, tido antigamente como gás inerte, é o nitrogênio, abundante
na atmosfera e também presente na água do mar, destaca-se nos processos de fixação biológica, que
ocorrem de modo mais significativo em locais com baixa disponibilidade de outras formas inorgânicas
de nitrogênio como N-amoniacal, nitrito e nitrato.
No caso dos elementos traços, presentes em quantidades ínfimas no meio marinho, devido ao
baixo envolvimento em funções biológicas de modo positivo. Sua presença e comportamento podem
ser usados como traçadores de massas d’ água, bem como com indicadores de processos de poluição
caso haja um aumento nas concentrações. Como traçadores de origem, também podem ser utilizados
isótopos e razões isotópicas que mostram as contribuições de origem terrestres, atmosféricas e
marinhas em sedimentos e corpos de água, identificando também emanações vulcânicas emersas
e submarinas que atingem os corpos de água. Componentes radioativos e nucleares podem
indicar processos localizados, enquanto radioisótopos naturais podem apresentar comportamento
conservativo, indicando processos de mistura de massas d’ água e movimentos de afundamento na
coluna d’ água, além de identificar a entrada de águas subterrâneas em fundos marinhos. Já, elementos
artificiais, hoje, indicam a fragilidade dos meios aquáticos à poluição pela radioatividade.
Riquezas minerais podem ser indicadas pela presença de moléculas orgânicas nos sedimentos,
como é caso do petróleo e também zonas de formação de nódulos de metais, como os de FeMn.
Enfim, a Oceanografia Química tem posição de destaque nos estudos físicos, biológicos e geológicos
que compõem a Oceanografia.
314
Composição química da água do mar
Pela ação do campo gravitacional do protoplaneta, foi iniciada a separação entre as partículas de
poeira (mais densas) e os gases. As partículas de poeira eram constituídas principalmente de silicatos,
ferro metálico e os gases, de uma mistura de Hidrogênio, Hélio, Amônia e Metano. Pela contração do
protoplaneta, devido à ação da gravidade, a temperatura aumentou, podendo ter atingido 3.000°C no
centro. Ao mesmo tempo, o Sol irradiava quantidades imensas de energia. O efeito do aumento de
temperatura foi drástico, resultando na perda de quase todos gases da protoatmosfera (Fig. 2).
FIGURA 2. Formação do planeta e seu satélite, protoplaneta com temperatura muito elevada e seu satélite.
315
Noções de Oceanografia
Após condensação da Terra como um corpo sólido, o que marca o início de sua história
geológica, o calor gerado por radioatividade ocasionou a fusão de alguns componentes. A elevação
da temperatura causou a dissociação de alguns compostos, liberando água, oxigênio e amônia. Esses
dois gases, reagindo entre si e com os gases residuais da atmosfera primitiva, deram origem ao
dióxido de carbono e o nitrogênio livre. Dessa forma, começou a se formar a atmosfera atual, que
inicialmente, era pobre em oxigênio.
Com a diminuição das densas nuvens presentes na atmosfera e aprisionamento da água na forma
líquida nas grandes bacias oceânicas, a penetração de luz favoreceu o aparecimento dos primeiros vegetais
(algas unicelulares e bactérias) e parte do CO2 e da água foram participando de processos metabólicos,
que davam origem ao oxigênio. Assim, a Terra no início de sua história geológica se apresentava como
uma massa de silicatos de ferro parcialmente fundidos e uma atmosfera constituída predominantemente
por nitrogênio, dióxido de carbono, vapor d’ água, oxigênio, amônia e metano.
Figura 3. Corte mostrando o núcleo mais denso formado de níquel e ferro (NiFe), a camada mediana
formada principalmente por silício e magnésio (SiMg) e a camada mais externa, crosta, formada por silício
e alumínio (SiAl).
FIGURA 4. Inventário da água no planeta Terra. Adaptado de The Open University (1989).
316
Composição química da água do mar
3. A substância água
A molécula de água é composta por dois átomos de hidrogênio e um átomo de oxigênio, sendo
a presença do grupo OH na molécula um fator que confere propriedades especiais, conhecidas como
propriedades anômalas da água pura. A explicação das propriedades anômalas da água pura reside na
sua estrutura molecular, que consiste em um átomo de oxigênio ligado a dois átomos de hidrogênio. O
ângulo entre as ligações é ~105° (Fig. 5A).
A presença do oxigênio (átomo fortemente eletronegativo) na molécula, leva a uma divisão interna
das cargas dos átomos de hidrogênio e de oxigênio (Fig. 5A), favorecendo a formação de um momento
dipolar, que dá um balanço mais positivo ao lado dos hidrogênios e mais negativo do lado do oxigênio.
Esta distribuição de cargas internas faz com que as moléculas de água apresentem atração entre elas (lado
mais positivo de uma molécula com o lado negativo de sua vizinha), contribuindo à formação de grupos
parcialmente ordenados, onde a ligação entre as moléculas é chamada de “ponte de hidrogênio” (Fig. 5B).
As pontes de hidrogênio apresentam energia de ligação da ordem de 4,5 kcal/mol e são intermediárias
entre as forças de van der Waals (0,6 kcal/mol) e as da ligação covalente normal (20 kcal/mol). Cada
molécula de água tem a capacidade de formar 4 ligações do tipo dipolo-dipolo.
Por exemplo, os pontos de fusão e ebulição da água pura são mais elevados que os esperados
para outros compostos contendo hidrogênio. Esse fato é muito importante, pois, caso contrário, a água
existiria apenas sob a forma de gás na temperatura da superfície terrestre e, sendo assim, dificilmente
haveria a formação dos oceanos. De fato, a água é a única substância que coexiste naturalmente como
gás, líquido e sólido na superfície do nosso planeta.
A estrutura da água na forma sólida, o gelo, é bem regular e, quando se funde, apenas 15% de suas
ligações são rompidas. Na água líquida, cada molécula de H2O é ligada por hidrogênio a 3,4 vizinhas,
em média, com uma estrutura parcialmente ordenada. Os agregados ligados por hidrogênio estão
constantemente se formando e se rompendo. As moléculas de água tem a capacidade surpreendente de
ligar-se a si mesma (altamente coesiva) e sua polaridade a torna bastante reativa, sendo uma competidora
efetiva nas interações polares. A coesão e a polaridade são importantes parâmetros ativos nas interações
moleculares em sistemas biológicos, lembrando que todo ser vivo é um sistema hidratado.
FIGURA 6. Distribuição das moléculas de água nos estados físicos da água pura. Baseado no modelo de
Frank-Wen Flickering em Horne, 1969.
317
Noções de Oceanografia
Desta forma, a água na forma líquida é composta por um grupo de moléculas ligadas, parcialmente
ordenadas e algumas mais livres (Fig. 6). Este arranjo contendo ligações pelo hidrogênio lhe confere
características similares àquelas dos líquidos associados. Configura-se assim, um caso especial onde
moléculas neutras (H2O) que possuem momento dipolar apresentam forte atração. Dessa forma, a
melhor representação da substância água seria como um polímero (H2O)n, o que auxilia na explicação
de suas propriedades físicas anômalas.
Outra propriedade da água, que a difere de outras substâncias com peso molecular próximo a
18 u.m.a, é o ponto de ebulição. O ponto de ebulição da água é 100°C ao nível do mar, enquanto do
álcool metílico é 65°C e do álcool etílico é de 78°C. Esses três pontos de ebulição são superiores aos
previstos para massas moleculares 18, 32 e 46, respectivamente.
A explicação do ponto de ebulição anômalo da água, comparativamente com álcoois, está ligada
ao fenômeno das pontes de hidrogênio, ponto fundamental para se compreender as propriedades dos
líquidos “associados”. Observe o caso do ponto de ebulição de hidretos do grupo VI – H2M (Tab. 1).
No estado sólido (0°C), as moléculas de água estão bem ordenadas, ocupando um espaço mais
expandido e apresentam uma densidade menor do que a água na forma líquida. À medida que a
temperatura aumenta, a energia das moléculas também aumenta, as moléculas se aproximam umas das
outras, ocupando menos espaço e aumentando a densidade da água. Quando o aquecimento continua,
a expansão térmica das moléculas contribui à diminuição da densidade. Assim, entre 0 e 4°C, o “efeito
da ordenação” predomina. Por isso, em temperaturas maiores, a expansão térmica é mais significativa.
A combinação dos dois efeitos torna a densidade da água pura maior a 4°C (Tab. 2).
Os chamados líquidos associados, no caso da água com uma fórmula representada por (H2O)n,
podem ter o ponto de ebulição mais adequado com sua massa molecular.
318
Composição química da água do mar
TABELA 3. Propriedades físicas anômalas da água pura no estado líquido. Modificado de Open
University,1989, Sverdrup, Johnson & Fleming, 1942).
319
Noções de Oceanografia
O calor latente indica a aquisição de calor, mantendo a permanência do estado físico da água (Fig.7).
A água apresenta o maior calor específico, ou seja, precisa absorver uma grande quantidade de
calor para elevar em 1°C a temperatura de uma unidade de massa da substância. Isso significa que, em
termos globais, a água pode absorver grande quantidade de calor sem alterar de modo acentuado a sua
temperatura, possibilitando a transferência de calor entre as regiões durante a circulação. A circulação
oceânica atua como grande distribuidora de calor no planeta Terra (Fig. 8), auxiliando na temperança
climática, levando calor para as regiões mais frias e removendo calor das regiões mais quentes com
base no calor específico de água salgada.
FIGURA 8. Padrão global de circulação (águas quentes superficiais em vermelho e águas profundas frias
em azul).
320
Composição química da água do mar
A transparência da água permite a penetração da luz solar nos meios aquáticos (Fig. 9), havendo
um fracionamento da penetração dos comprimentos de onda, de modo que, nos primeiros metros
da coluna de água, há energia suficiente para alimentar os processos de fotossíntese, permitindo o
desenvolvimento dos primeiros elos da cadeia alimentar e a participação biológica no equilíbrio dos
gases vitais (CO2 e O2) no meio líquido.
O poder de dissolução da água na forma líquida está associado ao seu momento dipolar,
como citado anteriormente, ao seu “arranjo” na forma líquida, ou seja, com parcela de moléculas
ligadas por pontes de hidrogênio e parcela de moléculas mais livres. Desse modo, na presença
de um soluto, as moléculas se arranjam em torno do material, formando camadas de hidratação,
sendo a primeira camada a de hidratação primária, seguida da zona de grupos de moléculas e,
terminando com a água livre (Fig. 10).
FIGURA 10. Íons solvatados (A); e camadas de solvatação em torno do íon Na+ (B).
321
Noções de Oceanografia
A água do mar é uma solução eletrolítica e apresenta em sua composição todos os elementos da
Tabela Periódica de Elementos Químicos (Fig. 11), porém, em concentrações diversas, sendo que os
elementos constituintes da água do mar podem ser divididos em dois grupos básicos:
Figura 11. Tabela Periódica de elementos químicos. Os constituintes maiores da água do mar estão destacados
em quadrados vermelhos. Tais elementos correspondem a cerca de 99% da composição da água do mar.
322
Composição química da água do mar
A maior parte das evidências atualmente disponíveis para explicar a origem da água do
mar foram obtidas a partir de um balanço geoquímico, onde a comparação entre as rochas ígneas
primitivas expostas ao intemperismo no passado em relação às rochas sedimentares, pois em qualquer
tempo geológico, a quantidade de material originado pelo intemperismo e erosão de rochas expostas,
somado ao material derivado de erupções vulcânicas e fontes termais deveria ser igual à quantidade
de material depositado sobre a plataforma continental e fundos oceânicos, mais o material existente
na hidrosfera e atmosfera (biosfera).
A composição da água do mar prevista pelo modelo do balanço geoquímico é similar à composição
atual, com exceção dos valores de silicato e de cloreto de sódio, que estariam em excesso, pois o modelo
não aponta o papel de mecanismos de remoção para os mesmos, que seja significativo no balanço.
Observando-se a composição química da água do mar, nota-se a presença de íons, podendo ter
carga positiva (cátions) ou negativa (ânions), cuja origem está ligada ao intemperismo de rochas ígneas
primárias, seguido do transporte pela água e pelo vento, para os primeiros. Emanação por erupções
vulcânicas e por fontes termais, passando para a atmosfera, posteriormente atingindo a água do mar
ou por emanações submarinas, direto na água do mar, correspondem à origem dos ânions.
TABELA 4. Constituintes maiores na água do mar. Modificado de Sverdrup, Johnson & Fleming, 1942 e Pinet, 1999).
*Somente os seis primeiros componentes já perfazem 99,36% dos sais dissolvidos na água do mar.
323
Noções de Oceanografia
Em suma, pode-se dizer que a composição química da água do mar foi gerada a partir da
introdução de componentes oriundos do desgaste de rochas ígneas primárias e de componentes
voláteis em excesso, que foram liberados em grande quantidade e que ainda estão sendo suavemente
liberados do interior do planeta. A maior parte dos cátions, como Ca++, K+, Na+, Mg++, e pequena parte
dos ânions, provém do intemperismo dos silicatos, enquanto a maior parte dos ânions tem origem a
partir de voláteis em excesso, como é o caso do Cl- e do SO4--.
Por titulação dos íons cloretos (levando em consideração iodetos e brometos), segue-se a premissa
da grande quantidade de íons cloreto estar sobretudo na forma livre e também pela sua baixa utilização em
processos biológicos e geoquímicos, havendo uma tendência a esse componente ser bastante conservativo
na água do mar, o que também é uma propriedade atribuída aos constituintes maiores da água do mar, ou
seja aqueles que estão fortemente ligados à propriedade “salinidade” (Fig. 12).
Os elementos que estão em maior quantidade na água do mar são o cloreto e o sódio, sendo o
cloreto de sódio, também conhecido como sal de cozinha, bastante abundante nos oceanos. O cloro
está 100% presente na forma de íon cloreto e pouco participa de processos biológicos, sendo um
elemento conservativo com alto tempo de residência na água do mar. O teor de sais dissolvidos na
água do mar tem assim, importante fração de cloretos e íon sódio perfazendo 85,6% de todos os
componentes da água do mar.
A abundância de NaCl na água do mar acaba conferindo-lhe o sabor, porém ela apresenta
outros componentes que participam do total de sais presentes na água do mar. Associados aos dois
componentes citados acrescentam-se: sulfatos (SO4--); magnésio (Mg++); cálcio (Ca++); e potássio (K+),
perfazendo 99% dos solutos presentes na água do mar. Adicionando-se os íons bicarbonato, brometo,
borato, estrôncio e fluoreto, chega–se a cerca de 99,98% dos elementos dissolvidos na água do mar, os
quais, além de serem conhecidos como constituintes maiores, também são conhecidos como elementos
conservativos, pois dificilmente apresentam modificações em seus teores, devido ao consumo ou aporte
por processos biológicos, estando apenas sujeitos a modificações via processos físicos ou abiótico (não
ligados à vida). Firma-se aqui, mais uma vez, que os componentes maiores estão ligados à importante
propriedade da água, a salinidade.
324
Composição química da água do mar
Assim, a presença de cátions, tais como os íons potássio, sódio, cálcio e magnésio nos oceanos,
pode ser razoavelmente bem explicada pelo desgaste de rochas e subsequente transporte pelo vento e
água. Por outro lado, os ânions, tais como: cloretos, brometos e bicarbonatos, estão mais associados às
emanações vulcânicas que passam através da atmosfera e retornam quimicamente à água do mar, ou
advindas de emanações de fumarolas e erupções de vulcões submersos (Fig. 13).
Os sistemas aquáticos são classificados segundo a quantidade de sais pela Resolução CONAMA
357/2005 que segue as condições da Tabela 5, abaixo:
Salinidade Classificação
de 0 a 5‰ Água doce
O termo salinidade deveria designar a massa total de sais dissolvidos por quilograma de água
do mar. Infelizmente essa massa não é fácil de ser determinada, pois o resíduo seco obtido após
a evaporação é fortemente higroscópico. Os pesquisadores Knudsen, Sorensen e Forch, em 1902,
revisaram uma técnica que propunha a secagem à 480°C da água do mar até obter um peso constante
(cerca de 4h30). Nessa operação, a matéria orgânica existente na água é decomposta, os carbonatos
transformados em óxidos, os brometos e iodetos são considerados como parte dos cloretos.
Assim, a definição mais direta de salinidade, passou a ser considerada a massa total, expressa em
gramas, de todos as substâncias dissolvidas em 1 kg de água do mar, considerando que todo carbonato
tenha sido convertido em óxido, que os brometos e iodetos tenham sido substituídos por cloretos e
todos compostos orgânicos tenham sido oxidados a uma temperatura de 480°C até que o peso fique
constante. Esta consideração é bastante completa, pois leva em conta o comportamento químico do
iodeto e do brometo, e a presença de carbono.
325
Noções de Oceanografia
Na verdade, a definição de massa total de sais dissolvidos é a mais adequada, porém a metodologia
analítica para a determinação da salinidade implica na inserção de explicações associadas à definição,
as quais remetem às propriedades dos sais dissolvidos, mostrando a complexidade da composição da
água do mar e a dificuldade de padronizar os instrumentos de leitura.
Foi observado, no início do século XIX, por Murray (1818) e Marcet (1919), que a massa total
de sais dissolvidos pode variar muito de um mar para outro (mais de 40 g kg-1 no Mar Vermelho
e menos de 10 g kg-1 em certas regiões do Mar Báltico), porém a proporção relativa dos principais
sais permanece constante.
Como a salinidade pode variar, as razões entre as quantidades dos constituintes maiores nas águas
dos oceanos são aproximadamente constantes. Em “uma” água do mar com salinidade 35, a quantidade de
cloretos é igual a 19,353 mg L-1 e para salinidade 34, a concentração de cloreto é igual a 18,800 mg L-1.
Assim, a relação da salinidade pela concentração do cloreto é aproximadamente constante, ou seja:
Os constituintes maiores não são utilizados significativamente nos processos biológicos e não
interagem facilmente com partículas inorgânicas, com exceção do cálcio, o qual faz parte das carapaças
dos organismos marinhos. Como as taxas de reações químicas são relativamente lentas, a distribuição dos
constituintes conservativos é controlada principalmente pelos processos físicos (evaporação, precipitação,
congelamento, descongelamento, advecção de massas d’água, difusão molecular dos íons e misturas
turbulentas entre massas d’água de diferentes salinidades). Os tipos de transporte de água podem alterar
as concentrações, mas não as proporções relativas entre os constituintes maiores.
O estudo intensivo feito por Dittmar (1884), a partir de 77 amostras de água do mar coletadas
durante o cruzeiro de circunavegação do H.M.S. Challenger (1873-1877), confirmou a veracidade da
observação das proporções constantes entre os constituintes maiores (íons maiores) presentes na água
do mar. Dittmar observou variação no caso da relação cálcio/cloreto, mostrando valores maiores em
águas profundas, comparadas com águas da superfície. A explicação é que há um enriquecimento em
cálcio nas águas de fundo, que pode ser explicado pela ação do dióxido de carbono em águas frias,
sobre o carbonato de cálcio que compõe vários exoesqueletos que atingem o fundo, e também pela
maior solubilidade do cálcio em águas mais frias.
A partir de análises realizadas sobre a composição química da água do mar em amostras provenientes
da Expedição do H.M.S. Challenger (vide capítulo Histórico da Oceanografia), foi observado por
Dittmar que os constituintes maiores da água do mar apresentam sempre as mesmas proporções entre si,
ou seja, independentemente da salinidade total da água do mar (total de sais dissolvidos) seus elementos
maiores (Na+, Cl- Ca++, Mg++, HCO3-, SO4--) apresentam proporções constantes entre si (Tab. 6).
326
Composição química da água do mar
35 35
40 40
31 31
x ~ 0,556 y ~ 3,334
L e i d a s P r o p o r ç õ e s Co n s t a n t e s
Para entender a Lei das Proporções constantes, considere que será preparado um
bolo para 5 convidados, com os seguintes ingredientes:
Caso o número de convidados fosse maior, por exemplo, 10 pessoas, seria necessário
fazer um bolo maior, onde usaríamos:
327
Noções de Oceanografia
Tem-se que levar em consideração algumas condições onde a Lei das Proporções Constantes
entre os constituintes maiores da água do mar não é válida (Tab. 7). Locais sujeitos a processos que
acabam inserindo ou removendo elementos de modo diferenciado não atendem a essa constância.
TABELA 7. Condições sob as quais a composição da água do mar é alterada, modificando a constância das
proporções entre os constituintes maiores dissolvidos. (Braga, E. S.).
Bacias anóxicas: a utilização do oxigênio para oxidar a matéria orgânica originada na superfície
confere às águas profundas características anóxicas (OD < 1,0 mL L-1) e reduz o potencial de
óxido-redução (pEh), propiciando a proliferação de bactérias redutoras de sulfato: SO4-- → H2S,
então, a proporção SO4--/Cl- diminui. Foto: Wikimedia commons.
Recifes de corais: considerando que o carbonato precipita em temperaturas altas, como é o caso
das águas rasas e quentes, estas águas propiciam a precipitação do carbonato de cálcio devido
aos fatores físico-químicos e biológicos, então a proporção Ca++/Cl- torna-se mais baixa nas
águas mais superficiais. Foto: Paulo Y. Sumida (Projeto ProAbrolhos).
Mistura com "salmoura geológica": águas muito salinas (225-326) e quentes (45-58°C),
são liberadas a partir de fissuras, no fundo marinho. Nessas águas, as concentrações de
Mg++, SO4--, F-, Br– são alteradas e existe modificação nas proporções entre elas e, delas com
os demais constituintes maiores. Foto: Pixabay.
Entorno de icebergs: A concentração dos sais em torno do gelo formado na água aumenta
devido à passagem da água pura para a fase sólida, modificando assim, as proporções de entre
os íons maiores. Porém, pequena quantidade de sais é geralmente removida da água e retida no
gelo marinho, formando pequenos núcleos de sais, mas nem todos os íons são incorporados da
mesma maneira. Foto: Pixabay.
Interface com a atmosfera: as trocas com a atmosfera ocorrem quando bolhas se rompem na
superfície da água do mar liberando íons na forma de aerossol e quando há transporte pelas
águas de chuva. Os íons Na+, Cl- e SO4-- participam das trocas e desempenham um papel
importante no fenômeno da nucleação de nuvens de chuva. Foto: Elisabete de Santis Braga.
Interface com o sedimento: a concentração do Mg++ em águas intersticiais diminuí pela reação
com o CaCO3 formando a dolomita CaMg(CO3)2. A concentração do K+ tende a aumentar um
pouco com a hidrólise dos feldspatos (3KAlSi3O8). Foto: Leandro Coelho.
328
Composição química da água do mar
A definição de salinidade com o enfoque mais químico é feita com base na determinação do teor
de cloretos (clorinidade), levando em consideração que a metodologia de precipitação dos cloretos
com nitrato de prata avalia íons iodeto e brometo como se fossem cloretos e, considera que a presença
de compostos orgânicos e carbonatos deva ser eliminada. Dittmar sugeriu que seria possível, portanto,
estimar a salinidade da água do mar pela determinação de um destes constituintes maiores e, por esta
proporção, sugeriu então a estimativa do cloreto (+ brometo e iodeto). Em 1899, Knudsen desenvolveu
um método de titulação bastante preciso para a determinação do cloreto e também investigou a relação
entre esta quantidade e a salinidade da água do mar (Forch et al., 1902).
Os oceanógrafos físicos consideram a quantidade total de sais, porém, utilizam para a medida
de salinidade, a condutividade elétrica, que é uma propriedade que na água pura é mínima e na água
salina é proporcional ao teor de sais. A resistividade da água acaba sendo o parâmetro mais facilmente
avaliado para transformação em salinidade. Essa propriedade é dependente da temperatura da água.
A água pura congela a 0 °C, sendo que, a adição de sal à solução leva ao abaixamento do ponto
de congelamento, por exemplo, a água com salinidade 35, congela a -1,91 °C, pois a presença de sais
hidratados na solução interfere junto às moléculas de água fazendo com que elas tenham “dificuldade“
em se rearranjarem na forma de cristal.
5.2 Densidade
329
Noções de Oceanografia
FIGURA 14. Composição da atmosfera primitiva e sua evolução com o aumento da penetração da luz solar.
330
Composição química da água do mar
Existem gases dissolvidos na água do mar? Os gases atmosféricos podem penetrar e serem
trocados através da superfície marinha com relativa rapidez, observando-se semelhança na composição
gasosa atmosférica e na água.
No interior dos oceanos, os gases possuem destino que depende de sua dispersão pelos
movimentos e mistura das massas d’água, bem como de sua participação em reações químicas e
bioquímicas. Somente a partir do advento dos processos de fotossíntese pelos vegetais verdes é que o
oxigênio passou a apresentar um excesso na atmosfera e nos oceanos, o que levou à oxidação de alguns
componentes reduzidos, atingindo os valores de equilíbrio conhecidos atualmente.
Assim, a composição química atual dos oceanos resulta do balanço entre a velocidade em que a
matéria dissolvida é adicionada ao oceano, a partir da terra e da atmosfera e, da velocidade com que ela
é removida do oceano pela incorporação ao sedimento e à biosfera, ou devolvida à atmosfera.
Lei de Henry
Ao considerar-se a distribuição dos gases no mar, deve-se admitir que todos os elementos de
um volume de água, em um determinado momento, estiveram em contato com a atmosfera e que um
equilíbrio fora estabelecido.
Os processos mais recentes também mostram a ocorrência de forte pressão antrópica modificando
o equilíbrio, sobretudo nas margens dos continentes, onde a velocidade de adição da matéria dissolvida
e qualidade da mesma estão sendo alteradas, modificando os equilíbrios atingidos anteriormente.
Assim, os principais gases que existem na atmosfera podem ser encontrados dissolvidos no mar.
No caso dos gases nitrogênio, oxigênio e gases raros, a solubilidade segundo a Lei de Henry é atendida
sem que os gases reajam com a molécula de água, enquanto no caso do gás carbônico existe uma reação
formando ácido carbônico (Fig. 16).
331
Noções de Oceanografia
FIGURA 15. Envolvimento do gás carbônico dissolvido no ciclo da vida e no sistema CO2-carbonato-
bicarbonato, atuando no pH e, portanto, na condição tampão da água do mar.
Ou seja, a água do mar é uma solução que suporta adição de pequenas quantidades de ácidos
fortes (H+) e pequenas adições de bases fortes (OH-) sem sofrer grandes variações em seu pH, o que
é muito favorável aos organismos que vivem nesse meio que apresenta uma estabilidade (homeostase)
diminuindo o gasto de energia pelos organismos com variações externas.
pH = - log [H+]
332
Composição química da água do mar
FIGURA 17. Especiação química de carbono inorgânico mais abundante no pH (~8) da água do mar.
Outros gases presentes no meio marinho possuem importância biológica, como o próprio
nitrogênio, que considerado inicialmente como gás inerte para a vida (“azoto”- de azóico - não utilizado
pelos seres vivos), passou a ser visto como de grande importância para os processos de fixação biológica
em águas pobres em outras formas inorgânicas de nitrogênio dissolvido. O processo de fixação do N2
envolve um grande gasto de energia (ATP) e também envolve a existência de um complexo enzimático
específico para a transformação de N2 em N assimilável para incorporação nas biomoléculas. Assim
poucos organismos conseguem incorporar esta forma de N em moléculas orgânicas, como é o caso dos
organismos fixadores como as cianobactérias.
333
Noções de Oceanografia
Outros gases, como por exemplo o metano e outros, podem ser encontrados no meio marinho,
considerando o equilíbrio entre as pressões parciais em interfaces e o efeito da pressão da coluna
de água (a cada 10 m de aprofundamento na coluna d’água, a pressão aumenta 1 atm), além das
fontes marinhas. Em conjunto com a temperatura, a pressão e a salinidade exercem influência sobre
a solubilidade do gás na água do mar (Fig. 18). Quanto menos salina a água, mais fácil é a retenção
do gás em solução e vice-versa. Pense na dificuldade de se manter um aquário de água salgada aerado
e um de água doce! Observe que o sistema de aeração dos aquários de água salgada é mais potente.
FIGURA 18. (A) Temperatura, pressão e salinidade são fatores abióticos que atuam solubilidade dos gases
na água do mar. (B) Modelo simplificado de transporte de gás pela interface ar-mar (Cg = concentração
na atmosfera, Cfg = concentração no filme de gás junto a interface, Cfl = concentração de gás no líquido
junto à interface, Cl = concentração de gás no líquido).
Gases dissolvidos também são encontrados em águas profundas, pois em um “momento” eles
estiveram em contato com a superfície e zonas rasas e afundaram, permanecendo aprisionados sob
influência de alta pressão e baixo consumo, além de fontes de eliminação subterrânea pelo assoalho
marinho. Sem dúvida os gases CO2 e O2 dissolvidos no meio marinho participam de importantes
processos biológicos como a respiração e a fotossíntese.
334
Composição química da água do mar
FIGURA 19. Esquema das fases de claro (depende de luz) e da fase de escuro (que não depende de luz)
onde a incorporação do C inorgânico em molécula orgânica e a transformação de energia luminosa e
biomoléculas energéticas ocorrem.
Pois bem, outro grupo possui elementos que são essenciais na formação da matéria viva e são
retirados do material dissolvido presente na água do mar – os nutrientes, os quais fazem parte dos
constituintes menores da água do mar.
7.1 Nutrientes
335
Noções de Oceanografia
FIGURA 20. Esquema dos sais nutrientes sendo assimilados para a composição da matéria orgânica viva
no primeiro nível trófico (produtores primários).
Os elementos nutrientes (N, P e Si) integram matéria orgânica e seguem a Lei de Lavoisier
ou seja, da conservação das massas ("na natureza, nada se cria, nada se perde, tudo se transforma") de
modo que esses elementos apresentam processos de ciclagem que permite que sua disponibilidade
na forma orgânica e inorgânica se alterne mantendo um contínuo ciclo produção/decomposição de
matéria orgânica em um sistema marinho.
De um modo geral, quando estão na camada eufótica (camada de penetração de luz, adequada à
produção primária), os nutrientes têm função trófica atuando como elementos não conservativos, com
concentrações alteradas por processos biológicos de absorção; assimilação e excreção/regeneração, auxiliando
os estudos da Oceanografia Biológica, enquanto as interações com os sedimentos, nos processos de troca
com o fundo e com os continentes, revelam processos geoquímicos que auxiliam a Oceanografia Geológica.
A necessidade de átomos para construção de matéria orgânica viva nos primeiros níveis tróficos
da cadeia alimentar envolve a disponibilidade de material inorgânico a ser absorvido e assimilado em
matéria viva. O processo de fotossíntese é a principal forma de obtenção de energia para ser usada na
assimilação de material inorgânico em orgânico na produção primária.
336
Composição química da água do mar
Como nos vegetais que vivem no solo, os organismos aquáticos necessitam encontrar o material
construtor no meio. Portanto, na água do mar, o carbono (C), o nitrogênio (N), o fósforo (P) e o silício
(Si), devem estar biodisponíveis. Redfield realizou a determinação de C, N e P da matéria orgânica de
alguns organismos do primeiro e segundo níveis tróficos marinhos (fito e zooplâncton), observando
uma necessidade média de 106 átomos de carbono para 16 de nitrogênio e 1 de fósforo, ficando esta
relação conhecida como Relação de Redfield. Goldman repetiu o experimento quase duas décadas
depois e obteve uma proporção bastante similar (Fig. 21).
337
Noções de Oceanografia
O fósforo e o nitrogênio são elementos necessários para a formação de biomoléculas como ATP,
DNA, RNA entre outras, sendo que o N é muito importante na composição do anel pirrólico das
clorofilas, uma molécula essencial para os vegetais.
FIGURA 23. Esquema geral de entrada de nutrientes (MI) nos oceanos e sua passagem pela cadeia
alimentar (MO) e sua ciclagem no meio marinho.
Ainda com o olhar na construção de biomoléculas, importantes para todos os seres vivos, alguns
átomos são necessários em algumas biomoléculas em quantidade muito pequena, ou mesmo como
catalisadores de reações metabólicas. Estes elementos como Fe, Co, Cu, Zn entre outros estão em um
grupo de elementos disponíveis em menor quantidade na água, os elementos traço.
338
Composição química da água do mar
Elementos traço são componentes que existem em pequenas concentrações (< 0,01%) os
quais podem apresentar alguma função biológica positiva (micronutrientes), como é o caso do Fe,
Co, Cu, Zn, entre outros.
Alguns elementos traço, não possuem função biológica positiva e, quando atingem os
organismos em quantidades mais elevadas, atuam como desreguladores metabólicos, responsáveis
por anomalias, processos mutagênicos e carcinogênicos diante exposições agudas ou crônicas,
como o Hg, Pb, Cd e outros. Quando em quantidades acima dos níveis naturais, estes elementos
participam de processos de bioacumulação e de biomagnificação, estando envolvidos em quadros
de poluição nas zonas costeiras.
Os elementos traço existem na natureza em concentrações baixas, na faixa de ppb (10-9) e ppt
(10-12), não interferindo de forma negativa nos organismos aquáticos.
Os elementos que estão presentes em pequenas quantidades na água do mar (Tab. 8) também
atuam como catalisadores de reações bioquímicas e como núcleos de moléculas orgânicas vitais aos
organismos vivos, como é o caso do Fe, Cu, vitamina B12 e entre outros, executando funções positivas
mesmo em concentrações baixas.
TABELA 8. Concentração de alguns elementos traço na água do mar. Adaptado de Pinet, 1999.
Concentração
Elementos traço
(10-9 ppb)
Iodo (I)* 60
Molibdênio (Mo) 10
Zinco (Zn)* 10
Ferro (Fe)* 10
Alumínio (Al)* 10
Cobre (Cu)* 3
Manganês (Mn)* 2
339
Noções de Oceanografia
8. Compostos orgânicos
Os compostos orgânicos existentes na água do mar são constituídos por moléculas de diversos
graus de complexidade, as quais são produzidas por organismos vivos e por atividade antrópica.
As substâncias orgânicas dividem-se em várias categorias, como: lipídeos; proteínas; carboidratos;
hormônios; vitaminas, entre outras. Normalmente, elas ocorrem em pequenas concentrações na
forma dissolvida e já desassociada de seres vivos, sendo que algumas delas podem ser assimiladas
como fontes de nutrientes pelos organismos do fitoplâncton, como é o caso da ureia, de alguns
aminoácidos livres, entre outras, que são assimiladas como material estrutural (plástico) e energético
por vários grupos de heterótrofos.
Muitas moléculas orgânicas são eliminadas sob a forma de excreção, como parte do metabolismo
interno dos organismos. De toda forma, a matéria orgânica, composta por átomos de C, H, O, N,
P, S, etc., participa da ciclagem biogeoquímica da matéria no ambiente marinho, sendo assimilada,
excretada e decomposta nesse sistema.
Além dos sais e substâncias dissolvidas, o meio marinho contém partículas em suspensão
(seston). O seston, por sua vez, comporta duas grandes categorias de materiais: o plâncton (formado por
componentes vivos) e os componentes não vivos, o tripton. O tripton pode atingir quantidades muito
importantes, que muitas vezes pode ser observado com um aspecto de “neve marinha” (Braga, 2002).
No que concerne ao tripton, ele pode ser proveniente de animais mortos, da agregação de partículas,
ou da floculação de substâncias orgânicas, tipo coloides.
9. Conclusão
Na água do mar existem componentes inorgânicos, “sais”, que são classificados como constituintes
maiores, por estarem em maiores quantidades. Dentre eles, o carbono “C” tem grande importância na
constituição da matéria orgânica viva, feita pelos produtores primários, no primeiro nível da cadeia
alimentar, com auxílio da energia luminosa captada pelo processo de fotossíntese. Parte do carbono
existente na água do mar vem das interações gasosas com a atmosfera e do equilíbrio gás carbônico-
carbonato-bicarbonato, que acaba também estando envolvido no pH da água do mar.
Além do carbono, outros elementos são necessários para composição da matéria viva, como o
fósforo, o nitrogênio e o silício, este último no caso de alguns organismos do fitoplâncton marinho. Esses
elementos são chamados de nutrientes principais e se encontram no grupo dos constituintes menores.
Na composição da matéria orgânica existem alguns outros átomos que são necessários em
pequenas quantidades e que integram o grupo dos micronutrientes. Esses elementos, juntamente com
nutrientes, luz e temperatura, podem atuar como limitantes da produção primária marinha.
341
Noções de Oceanografia
Referências bibliográficas
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342
Carbono orgânico e matéria orgânica na coluna de água nos oceanos
NOÇÕES DE OCEANOGRAFIA
Capítulo 16
CARBONO ORGÂNICO
E MATÉRIA ORGÂNICA
NA COLUNA DE ÁGUA
NOS OCEANOS
Rafael André Lourenço & Márcia Caruso Bícego
343
Noções de Oceanografia
CITAÇÃO SUGERIDA: LOURENÇO, Rafael André; BÍCEGO, Márcia Caruso. Carbono orgânico
e matéria orgânica na coluna de água nos oceanos. In: HARARI, Joseph (org.). Noções de
Oceanografia. São Paulo: Instituto Oceanográfico, 2021. E-book. Cap. 16: p. 345-353.
344
Carbono orgânico e matéria orgânica na coluna de água nos oceanos
1. Introdução
A matéria orgânica é formada por um conjunto de compostos químicos orgânicos e exerce uma
importante função na natureza, pois serve como fonte de alimento para organismos vivos e como elo
de ligação entre diversos ciclos biogeoquímicos. A matéria orgânica pode transitar entre ambientes
terrestres e aquáticos e passa por processos de degradação e reciclagem no ambiente, processos esses
promovidos principalmente por microrganismos (Roth et al., 2019).
A matéria orgânica (MO) é constituída principalmente por átomos de carbono, que representam
entre 45 e 55% de sua massa total, além de outros elementos como oxigênio, hidrogênio, nitrogênio,
fósforo, enxofre, potássio e outros constituintes menores (Tab. 1) (Cabaniss et al. 2005).
Carbono 45 a 55
Oxigênio 35 a 45
Hidrogênio 3a5
Nitrogênio 1a4
Outros <2
A massa total de carbono na Terra é estimada em 7,5 x 107 Gt (1 Gt = 1012 kg). Aproximadamente
99% desse total está armazenado em rochas sedimentares, restando apenas cerca de 1% para os
demais compartimentos do planeta (Berner, 1982, Hedges et al., 1997) (Fig. 1).
O ciclo do carbono contido nas rochas sedimentares é muito lento, da ordem de milhões ou
bilhões de anos, portanto esse carbono se encontra imobilizado e praticamente indisponível para
ciclagem (Suarez et al., 2019). Cerca de 80% do carbono contido nas rochas sedimentares corresponde
a carbono inorgânico. O restante, 20%, está na forma de carbono orgânico (Lee et al., 2019).
A maior parte do carbono que não está armazenado nas rochas sedimentares, está na forma
inorgânica, na atmosfera ou nas águas dos oceanos.
345
Noções de Oceanografia
As águas dos oceanos armazenam cerca de 37.000 Gt de carbono na forma de íon bicarbonato
(HCO3-) e cerca de 1.300 Gt de carbono na forma de íon carbonato (CO3-2). Há ainda 740 Gt de carbono
que se encontram como gás carbônico (CO2) dissolvido nos oceanos. Nos sedimentos marinhos, 2.500
Gt de carbono estão armazenadas na forma de carbonato precipitado (Lee et al., 2019).
A atmosfera contém cerca de 770 Gt de carbono inorgânico, a maior parte na forma de CO2
(760 Gt) e na forma de metano (10 Gt) (Olson et al. (1985).
Em relação ao carbono orgânico disponível para ciclagem, quase 2/3 residem nos continentes e
estão armazenados principalmente em solos húmicos (1.550 Gt) e na biomassa terrestre (1.050 Gt).
Nos oceanos, a maior parte do carbono orgânico disponível encontra-se na água na forma de carbono
orgânico dissolvido (COD), cerca de 680 Gt, ou na forma de carbono orgânico particulado (COP), cerca
de 20 Gt. Os sedimentos marinhos recentes armazenam cerca de 150 Gt de COP. Já a biota marinha
compreende apenas cerca de 3 Gt de carbono orgânico (Hedges et al., 1997, Houghton, 2007).
FIGURA 1. Reservatórios e estoques de carbono na Terra. Quantidades em giga toneladas. (COP = Carbono
Orgânico Dissolvido, COP = Carbono Orgânico Particulado). Hedges, 1997, Houghton, 2007.
Dessa forma, de todo o carbono orgânico existente no planeta, apenas a pequena fração que não
se encontra armazenado em rochas sedimentares participa do ciclo global do carbono.
Atualmente os fluxos naturais de carbono estão cada vez mais difíceis de serem distinguidos e
identificados, uma vez que a redistribuição do carbono armazenado em combustíveis fósseis como
petróleo, carvão e gás natural tem influenciado o ciclo global de carbono, alterando os fluxos e os
reservatórios desse elemento (Houghton, 2007).
346
Carbono orgânico e matéria orgânica na coluna de água nos oceanos
FIGURA 2. Diferenciação entre matéria orgânica particulada e matéria orgânica dissolvida pelo tamanho
da molécula ou partícula (Chester, 1990).
FIGURA 3. Variação da quantidade de moléculas ou partículas com o seu tamanho (Harvey, 2006).
347
Noções de Oceanografia
As fontes externas, ou alóctones, de carbono orgânico para os oceanos, como rios, transporte
atmosférico e drenagem continental, apesar de significativamente menores do que as fontes locais, ou
autóctones, representam também importantes fontes de COD para os oceanos (Hedges, 1997).
A concentração média de carbono orgânico dissolvidos nos oceanos varia entre 0,3 e 3 mg ∙ L-1,
contudo em regiões costeiras a concentração pode alcançar cerca de 20 mg ∙ L-1. As maiores concentrações
de COD são encontradas na zona fótica, ou seja onde ocorre a fotossíntese. Em águas mais profundas,
a concentração de COD representa cerca da metade daquela encontrada em águas superficiais (Carlson
& Hansell, 2015).
Uma vez que a maior parte da matéria orgânica tem origem na produção primária, são
observadas também variações sazonais nas concentrações da matéria orgânica dissolvida. Em
períodos de verão a produtividade primária é aumentada devido à maior incidência da luz solar,
o que gera um aumento na quantidade de matéria orgânica dissolvida. Em períodos de inverno a
produção primária é inibida pelo menor período de luminosidade, o que resulta em uma menor
concentração de matéria orgânica nas águas.
Pelo mesmo motivo, ou seja, pela maior ou menor incidência solar, os oceanos em regiões tropicais
e subtropicais apresentam concentrações maiores de matéria orgânica dissolvida do que oceanos em
regiões polares ou subpolares.
348
Carbono orgânico e matéria orgânica na coluna de água nos oceanos
COD Lábil: Representa de 30 a 90% de todo carbono orgânico produzido a partir da fotossíntese.
São compostos que não se acumulam nos oceanos por serem rapidamente intemperizados. Esses
compostos permanecem no ambiente por um período curto de horas ou dias. O COD lábil fornece
um suporte autóctone para o ciclo microbiótico na zona fótica.
COD Semi-Lábil: São compostos que também alimentam o ciclo micróbiotico na zona fótica.
Por serem mais resistentes a degradação do que a fração lábil, esses compostos são exportados
verticalmente na coluna de água (1,5 Gt de C/ano) e correspondem a fração mais importante
da matéria orgânica para a bomba biológica, ou seja, para a incorporação e armazenamento de
carbono no oceano profundo através de processos biológicos (fotossíntese, respiração, alimentação,
decomposição e precipitação biogênica de carbonatos). Contudo, por serem pouco refratários,
esses compostos possuem um papel limitado no sequestro de carbono, visto que seus produtos de
mineralização retornam para a interface ar-água em questão de meses.
COD Refratário: É representado por compostos bastante estáveis e corresponde a maior porção
de carbono ciclável da Terra. Uma vez que o tempo de residência desses compostos é da ordem de
séculos a milênios, são importantes sequestrantes de carbono.
349
Noções de Oceanografia
Por estar onipresente nos oceanos, acredita-se que o CODC seja formado por compostos
biologicamente refratários como as substâncias húmicas, ou seja biogeopolímeros onde se agregam
pigmentos carotenoides, hidrocarbonetos e polifenóis. São compostos que possuem caráter levemente
aromático com maior teor de nitrogênio e maior peso molecular em relação ao COD. Contudo, o
CODC é formado por compostos fotorreativos que são rapidamente decompostos quando expostos
a luz solar, produzindo carbono inorgânico e compostos orgânicos menores. (Nelson et al., 2004; Del
Castillo & Coble, 2000; Stedmon & Markager, 2001).
Na zona eufótica o clareamento fotoquímico é mais eficiente e pode ocorrer produção autóctone
de matéria orgânica dissolvida menos cromófora. Nestas águas, em função das temperaturas mais
elevadas do que em águas de fundo, ocorre também uma maior degradação microbiana. Em águas
profundas, com menor radiação solar, menor clareamento fotoquímico e temperaturas mais baixas,
é possível que o metabolismo microbiano seja inibido e ocorra uma maior preservação residual de
cromóforos orgânicos dissolvidos (Helms et al., 2008; Swan et al., 2009).
Nos sistemas marinhos o CODC pode representar de 50 a 70% do total de COD e pode ser
usado como ferramenta para a diferenciação de matéria orgânica autóctone e alóctone.
350
Carbono orgânico e matéria orgânica na coluna de água nos oceanos
Em oceano aberto estima-se que apenas 1% do COP original alcance 4.000 m de profundidade.
A pequena fração de COP que alcança o sedimento pode também ser degradado biologicamente (Yu
et al., 2001; Lampitt & Antia, 1997; Wakeham & Canuel, 2005).
As maiores concentrações de COP nos oceanos são encontradas em regiões costeiras, onde há
uma contribuição alóctone de COP através do carreamento de rios e drenagem continental, e em
regiões polares no período de verão, dada a drenagem continental pelo derretimento do gelo polar
(Wakeham & Canuel, 2005).
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Noções de Oceanografia
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353
Poluição orgânica marinha
NOÇÕES DE OCEANOGRAFIA
Capítulo 17
POLUIÇÃO ORGÂNICA
MARINHA
Rosalinda Carmela Montone, Márcia Caruso Bícego
& Rafael André Lourenço
355
Noções de Oceanografia
356
Poluição orgânica marinha
1. Introdução
Os oceanos ocupam praticamente 71% da superfície terrestre e sempre foram utilizados pelo
homem, desde os primórdios, como fonte de alimentos e posteriormente como meio de transporte e
fonte de matérias-primas. A mobilização de matérias-primas e energia geram uma enorme quantidade
de resíduos, a qual pode ser reciclada ou não, gerando uma grande quantidade de lixo.
Devido à crescente ocupação territorial, os oceanos sempre foram uma opção econômica
para os dejetos da nossa civilização industrial, independente do aumento no rigor na legislação
ambiental quanto aos critérios para disposição dos resíduos em depósitos específicos em terra ou
em cursos de água. O próprio fato dos grandes polos industriais e de concentração humana terem
se estabelecido próximos da zona costeira e estuarina levou ao uso indiscriminado dos oceanos
como depósito final. Muitas das maiores cidades do planeta estão localizadas em áreas costeiras
e 40% da população mundial do planeta vive a 60km da costa (PBMC, 2016). Desta maneira, os
oceanos acabam sendo o depósito final dos descartes da nossa civilização e podem causar o que
denominamos poluição marinha.
Afinal, o que é poluição marinha? O GESAMP (Group of Experts on the Scientific Aspects of
Marine Environmental Protection), grupo de peritos sobre os aspectos científicos da poluição marinha
da UNESCO, define poluição marinha como, “a introdução pelo homem, direta ou indiretamente, de
substâncias ou energia no ambiente marinho que resultem em efeitos deletérios tais como, danos para os
recursos vivos, perigo para a saúde humana, obstáculo para as atividades marinhas incluindo a pesca,
diminuição da qualidade da água do mar ou redução das atividades recreativas”.
Bioacumulação é o termo geral que descreve um processo pelo qual substâncias (ou compostos
químicos) são absorvidas pelos organismos. O processo pode ocorrer de forma direta, quando as
substâncias são assimiladas a partir do meio ambiente (solo, sedimento, água) ou de forma indireta
pela ingestão de alimentos que contém essas substâncias. Esses processos frequentemente ocorrem de
forma simultânea, em especial em ambientes aquáticos.
357
Noções de Oceanografia
2. Esgotos domésticos
Constituem o maior problema a nível global, seja pelo volume de material despejado, seja
devido aos problemas concretos de saúde pública que causam (Weber, 1992). O esgoto doméstico
consiste em uma mistura complexa de dejetos humanos, água e compostos químicos derivados
de produtos de uso doméstico e/ou industrial (Kennish, 1997). Um litro de água de esgoto pode
conter bilhões de bactérias, podendo tanto ser ingeridas pelo homem como absorvidas pela pele
(Tommasi, 2009).
As principais doenças para o homem por águas contaminadas vinda principalmente das fezes
humanas são a cólera, a febre tifóide e a hepatite virótica, entre outras listadas na Tabela 1. Além
das fezes humanas, restos de alimentos, sabões e detergentes também são constituintes comuns
do esgoto. Muitos poluentes como hidrocarbonetos do petróleo e metais pesados, tornam-
se constituintes comuns no esgoto devido a sua facilidade para adsorção na matéria orgânica
particulada (Kennish, 1997).
TABELA 1. Principais doenças causadas por microrganismos presentes no esgoto. Fonte: Kennish, 1997.
As fontes de esgoto para o ambiente marinho podem ser pontuais ou não pontuais, incluindo
efluentes municipais e industriais, drenagens urbanas e agrícolas, materiais dragados e lodo de esgoto
doméstico. A grande parte das descargas de esgoto em regiões costeiras é feita por córregos e canais
que têm como destino final as praias (CETESB, 1996).
358
Poluição orgânica marinha
TABELA 2. Concentrações típicas de compostos nos esgotos. Fonte: Metcalf & Eddy (1991).
359
Noções de Oceanografia
A “maré vermelha” é um fenômeno natural que provoca manchas de coloração escura na água
do mar. Essas manchas são causadas pelo crescimento excessivo de algas microscópicas presentes no
plâncton marinho, num processo chamado de floração. Dependendo da espécie de alga, a mancha
pode adquirir coloração vermelha, marrom, laranja, roxa ou amarela. Uma vez que a água nem sempre
fica vermelha, o termo "maré vermelha" vem sendo substituído por “floração de algas nocivas”.
No Brasil, um grande evento de “maré vermelha” ocorreu na Baía de Todos os Santos, Bahia,
em 2007, o qual provocou a morte de cerca de 50 toneladas de mariscos e peixes, representando uma
ameaça às atividades econômicas da população local.
Outros registros na mídia incluem a Baía sul de Florianópolis, Santa Catarina (2008), Praia
de Ponta Negra, Rio Grande do Norte (2008) e Praia de Piratininga, Rio de Janeiro (2011) também
atingidas por floração de algas nocivas (Castro & Moser, 2012). Para resolver o problema da poluição
por esgotos têm sido adotados os sistemas de tratamento de esgotos e os emissários submarinos.
No Brasil apenas 38% dos esgotos recebem algum tipo de tratamento antes de serem lançados
em corpos receptores (Instituto Trata Brasil, 2021)1. As principais formas de manejo do esgoto se dão
ou através das Estações de Tratamento de Esgoto (ETE) ou através dos Emissários Submarinos.
1
Para saber mais, acesse: <http://www.tratabrasil.org.br>.
360
Poluição orgânica marinha
Tommasi (1982) já apontava a poluição fecal como uma das formas mais generalizada de
poluição no litoral brasileiro e o quadro não é muito diferente nos dias atuais. O tratamento de esgoto
é sem dúvida fundamental para a qualidade das águas, tanto que em 2008 foi declarado pela ONU
o Ano Internacional do Saneamento Básico. A avaliação da poluição por esgotos é de importância
crucial seja por questões de saúde pública, estética ou razões ecológicas.
Além desses indicadores biológicos podem ser usados os indicadores químicos como os
esteróides (coprostanol e seus isômeros) e surfactantes de uso doméstico como os alquilbenzenos
lineares (LABs). Entretanto, a análise rotineira desses indicadores químicos é cara e demorada.
3. Petróleo e derivados
A partir da intensificação do uso do petróleo iniciou-se um aporte de contaminação para
o meio marinho a partir de diversas fontes. As fontes de compostos do petróleo para o ambiente
podem ser naturais e/ou provenientes das atividades humanas.
361
Noções de Oceanografia
FIGURA 1. Principais fontes de hidrocarbonetos para o ambiente marinho. Fonte: ITOPF, 1987.
O restante é formado por compostos contendo outros elementos como enxofre, nitrogênio e
oxigênio. O petróleo também pode conter metais como níquel, vanádio, cromo e ferro. (UNEP, 1992).
Os hidrocarbonetos alifáticos saturados presentes no petróleo podem ser de cadeia normal (parafinas),
ramificada (isoprenóides) ou cíclica (naftenos). Os alcanos normais (n-alcanos), são, de forma geral, os
compostos mais abundantes no petróleo e podem conter quantidades de carbono que variam de 1 a 78
átomos em alguns tipos de petróleo (NRC,1985). O grupo mais importante dos alcanos ramificados são
os isoprenóides, tendo o pristano e o fitano, 19 e 20 átomos de carbono, respectivamente (Volkman et
al., 1992). Os nacanos presentes no petróleo normalmente apresentam uma distribuição homogênea, não
havendo predominância para compostos com número par ou ímpar de carbonos (NRC, 1985).
Os hidrocarbonetos policíclicos aromáticos (HPAs) contêm pelo menos dois anéis benzênicos
condensados e representam em média 7% da composição de um óleo cru (NRC, 2003). Outros
compostos aromáticos, que não são considerados hidrocarbonetos pois apresentam em sua estrutura
alguns elementos como enxofre, nitrogênio e oxigênio, ocorrem nos petróleos e como são detectados
pelas mesmas técnicas analíticas que os HPAs, são normalmente discutidos em conjunto.
A abundância dos HPAs no petróleo normalmente decresce com o aumento do peso molecular.
Na maioria dos casos os HPAs com 1 a 3 anéis e os dibenzotiofenos compõem cerca de 90% dos
hidrocarbonetos aromáticos presentes no petróleo. Os HPAs com 4 a 6 anéis estão presentes em
baixas concentrações nos óleos crus (Neff, 1979; NRC,1985). Os HPAs presentes no petróleo
geralmente contêm substituintes alquílicos, que como regra geral, são mais abundantes que os HPAs
não substituídos (Sportsφl et al., 1983; Laflamme & Hites, 1978). Segundo Steinhauer & Boehm
(1992), a presença de derivados alquilados, particularmente de 2 a 4 anéis, em amostras ambientais
indica a introdução de petróleo ou derivados.
362
Poluição orgânica marinha
A predominância dos HPAs não alquilados sugere fontes pirológicas para esses compostos.
Entretanto, estudos cuidadosos devem ser feitos para avaliar corretamente a origem desses compostos.
Existem mecanismos naturais que podem modificar a distribuição dos HPAs depois que a mistura é
depositada. Um dos mecanismos é a diferença de solubilidade desses compostos na água. Homólogos
menos alquilados, incluindo as espécies não substituídas, continuam a ser fracionados na água de
forma inversamente proporcional ao seu número de átomos de carbono (Laflamme & Hites, 1978).
Tanto a foto-oxidação como a oxidação microbiológica de hidrocarbonetos dissolvidos na água do
mar, ocorrem preferencialmente em compostos alquilados (Davies & Tibbets, 1987; Ehrhardt et al.,
1992). Esses processos também influenciam o destino dos hidrocarbonetos que se depositam nos
sedimentos. Os HPAs são mais resistentes à biodegradação microbiológica e bastante estáveis no
ambiente. São fortemente adsorvidos nos sedimentos, persistindo por muitos anos no ambiente.
Baseado em suas propriedades e massas moleculares, pode-se distinguir duas classes de HPAs,
aqueles com 2 a 3 anéis aromáticos (do naftaleno ao antraceno) e os de 4 a 6 anéis (do fluoran 4. eno
ao indeno(1,2,3-cd)pireno). Os primeiros, de baixa massa molecular, apresentam uma significativa
toxicidade aguda, enquanto alguns daqueles de massa molecular mais elevada, mostram-se dotados de
alto potencial carcinogênico (Neff, 1979; Varanasi et al., 1989).
Apesar de sua toxicidade, os HPA são rápida e eficazmente metabolizados por organismos
vertebrados. Os vertebrados possuem um desenvolvido sistema de oxigenase de função mista capaz
de metabolizar os HPAs, convertendo-os em produtos hidrofílicos que são facilmente excretados pela
rota biliar e renal. Dessa forma são esperadas concentrações baixas de HPAs nos tecidos biológicos
desses organismos (Helm et al., 2015).
363
Noções de Oceanografia
Os bifenilos policlorados (PCBs) foram sintetizados pela primeira vez no final do século
XIX na Alemanha, mas a produção em escala comercial iniciou-se somente em 1929. Eles formam
um grupo de 209 isômeros e congêneres (Fig. 2) teoricamente possíveis através da cloração do
grupo bifenil, seguindo nomenclatura estabelecida por Ballschmiter & Zell (1980). As diversas
formulações técnicas contêm entre 18% e 79% de cloro (em massa), podendo contabilizar cem ou
mais compostos. Tais formulações foram produzidas em vários países do mundo com diferentes
denominações, como, Aroclor (Estados Unidos), Clophen (Alemanha), Kanechom e Santotherm
( Japão), Phenoclor e Pyralene (França), Genclor e Capitólio (Itália), Soval (ex-URSS) e Delor (ex-
Tchecoslováquia) (Kennish, 1997). Os PCBs não chegaram a ser produzidos no Brasil, mas foram
importados dos Estados Unidos e comercializados com o nome de Ascarel.
364
Poluição orgânica marinha
Entre as principais características dos PCBs podem-se destacar, a grande estabilidade química,
alta constante dielétrica e resistência a temperaturas elevadas. Devido a estas propriedades eles
foram usados em: transformadores e capacitores, como fluidos isolantes; tintas e vernizes, como
plastificantes; borrachas e resinas de poliéster, como retardantes de chama; e aditivos de óleo
lubrificante, em máquinas agrícolas. Outro importante uso dos PCBs foi como agente sinergístico
para aumentar o período de vida ativa dos inseticidas organoclorados (Penteado & Vaz, 2001).
Penteado & Vaz (2001) descrevem inúmeros relatos de acidentes envolvendo PCBs, tanto no
exterior quanto no Brasil. Entre eles destaca-se o caso Yusho, ocorrido no Japão em 1968, quando
mais de 1.600 pessoas consumiram um óleo de arroz contaminado com esses compostos. Tal
episódio marcou o reconhecimento definitivo dos PCBs como contaminantes nocivos ao homem.
A repercussão negativa e as consequências sociais e ambientais dos acidentes contribuíram para a
proibição do comércio e uso de PCBs em todo o planeta, embora os equipamentos contendo PCBs
já instalados continuem sendo usados até o fim de suas vidas úteis.
Estudos realizados por Tanabe (1988) indicavam que a produção mundial acumulada de PCBs
era da ordem de 1,2 milhão de toneladas. Deste total, 4% teriam sido degradados ou incinerados,
31% teriam entrado no ambiente e 65% ainda estaria em uso ou armazenado para futuro descarte.
Segundo o autor, os níveis de PCB no ambiente, especialmente em áreas remotas, não devem
decrescer em um futuro próximo e a problemática da poluição por PCBs está longe de um final,
a menos que sejam feitos esforços para reduzir mais descartes na natureza. Em trabalho recente,
Breivik et al., 2007 estimaram que um declínio acentuado de PCBs está previsto para 2040-2050,
uma vez que a última fábrica pertencente à ex-URSS fechou em 1993.
Antes da introdução desses pesticidas, o controle de pragas era feito por compostos
inorgânicos à base de cobre e de extratos vegetais como a rotenona e a nicotina (Larini, 1999).
Dentre os pesticidas organoclorados amplamente utilizados destacam-se o DDT, HCB e HCH e
suas principais características estão sumarizadas na Tabela 3.
O DDT foi sintetizado pela primeira vez em 1874 por Othmar Zeidler, mas somente em 1939
Paul Müller descobriu suas propriedades inseticidas. Pela importância da descoberta e sua posterior
aplicação no combate a mosquitos transmissores de doenças, Müller recebeu o Prêmio Nobel de
Química em 1948 (Zambrone et al., 1986). O DDT é o inseticida mais conhecido e empregado no
mundo e no início, foi considerado um pesticida ideal devido à alta toxicidade para insetos, grande
365
Noções de Oceanografia
efeito residual e baixo custo financeiro. Pensou-se até que ele seria capaz de erradicar a malária de
todo o planeta (Gladwell, 2001). Porém, com o tempo, os insetos passaram a desenvolver resistência
à sua ação e seus impactos negativos no ambiente foram evidenciados.
Diversos países aboliram o uso do DDT a partir da década de 1970, porém, pela Conferência
das Nações Unidas de dezembro de 2000, o DDT deixou a lista dos compostos totalmente
proibidos, principalmente pela baixa toxicidade aos humanos, para o controle de vetores.
Atualmente alguns países ainda fazem uso para controle de vetores transmissores de doenças
tropicais como a malária, tifo, dengue e febre amarela. Entre eles encontram-se o México, a
Venezuela, Equador e Costa Rica e outros países provenientes da África e Ásia. Dessa maneira,
atualmente ainda existe a introdução de DDT nos ecossistemas. O Brasil aboliu seu uso agrícola
em 1985, mas continuou sua utilização até 1997 para controle da malária e leishmaniose, sob
supervisão da FUNASA (Fundação Nacional de Saúde).
O HCB foi amplamente utilizado como um protetor de sementes para prevenir fungos sobre
os grãos, mas o seu uso foi interrompido na maioria dos países na década de 1970. O HCB também
foi empregado na manufatura de fogos de artifício, munições e de borracha sintética. Continua a
ser liberado para o ambiente principalmente durante a manufatura, combustão ou decomposição de
produtos clorados como solventes e PCBs (WHO, 1997).
O HCH também erroneamente denominado como BHC (benzeno hexacloro), foi produzido
e utilizado na mesma época que o DDT como veneno de contato para insetos. Dos cinco isômeros
de HCH somente o gama (γ), denominado “lindano”, e o HCH grau técnico (mistura de isômeros)
possuem propriedades inseticidas e foram utilizados para tratamento de sementes e solo, tratamento
de animais contra ectoparasitas e na saúde pública para controle de piolhos (WHO, 1991). No
Brasil, o HCH foi especificamente usado no tratamento de culturas de café, soja e algodão, bem
como no controle da doença de Chagas (Weber & Montone, 1990).
O primeiro alerta dos perigos do uso indiscriminado do DDT e outros pesticidas organoclorados
foi dado pela bióloga americana Rachel Carson em seu livro “Primavera Silenciosa” publicado em
1962. Entretanto, foi a partir de 1970 que a maioria dos pesticidas organoclorados foram banidos
ou tiveram seu uso restrito.
A persistência dos POPs ocorre em função de sua baixa degradação por processos bióticos e
abióticos, acarretando em elevada meia-vida no ambiente, que pode chegar a anos ou décadas ( Jones
& de Voogt, 1999). Devido a sua lipofilicidade, PCBs e pesticidas organoclorados são absorvidos
pelos organismos através da alimentação (membrana do trato gastrointestinal), respiração (brânquias
e pulmões) e pele. Após a absorção, esses compostos são rapidamente distribuídos para vários tecidos
(principalmente aqueles com alto teor de lipídios), estabelecendo-se um fluxo entre estes tecidos e
o sangue (Tordoir & van Sittert, 1994). A toxicologia desses contaminantes é altamente complexa
e específica para cada composto. Assim, podem existir múltiplas respostas tóxicas dependendo da
espécie, sexo e órgãos atingidos (Safe, 2000).
366
Poluição orgânica marinha
4,3 – 8,26
log Kow
5 a 7 (maioria congêneres)
6,19 (pp’-DDT);
log Kow 5,5 (pp’-DDD)
DDT
5,7 (pp’-DDE)
170 horas no ar
5.500 horas na água
Meia-vida
17.000 horas no solo
55.000 horas no sedimento
1 ano no solo
Meia-vida
2 anos na água
Em relação aos pesticidas organoclorados, esses compostos podem causar carcinogenia, efeitos
neurotóxicos e doenças de pele no homem, além de distúrbios hepáticos e disfunções imunológicas
e reprodutivas em diversos organismos. Os mamíferos marinhos estão entre os organismos mais
vulneráveis à toxicidade crônica dos organoclorados, pois os concentram em grande quantidade.
Esses animais estão sujeitos, portanto, ao desenvolvimento de carcinogênese, teratogênese, disfunções
imunológicas e anormalidades reprodutivas nos mamíferos marinhos (Tanabe et al., 1994).
367
Noções de Oceanografia
Os POPs podem atingir os oceanos via drenagem urbana e/ou transporte atmosférico. Uma
vez no oceano, os POPs são distribuídos e transferidos através da coluna d’água, biota e sedimento.
Existe uma evaporação significativa da superfície do oceano para a atmosfera. Também podem
sofrer processos de dispersão, degradação e concentração similar aos demais poluentes como o
petróleo e os metais pesados.
Muitos POPs podem sofrer transformações através de reações fotoquímicas, degradações por
ação de microrganismos ou uma combinação destes fenômenos.
Uma pequena parte dos PCBs na água do mar é dissolvida pelos processos de mistura
(turbulência) e a maior parte é incorporada às micelas coloidais. Os POPs associados a estas
substâncias, que formam 90% da matéria orgânica dissolvida na água do mar, são transferidos para
o fitoplâncton estabelecendo um equilíbrio dinâmico entre material particulado e fitoplâncton. O
material particulado não assimilado pelo fitoplâncton, e que constitui a maior fração, é incorporado
ao sedimento. Consequentemente, os sedimentos de fundo, tornam-se reservatórios e fontes de
POPs no oceano. A distribuição global dos POPs tem sido facilitada pelo transporte atmosférico
envolvendo os processos cíclicos de deposição seca/úmida e sublimação ou evaporação, combinados
com o fluxo de calor atmosférico líquido das regiões equatoriais. As regiões tropicais atuam como
principais fontes de emissão dos POPs contribuindo para a contaminação global através do
transporte atmosférico de longa distância. (Kennish, 1997).
5. Plásticos
Além desses poluentes, pode-se destacar também o plástico, principal componente do lixo
marinho. Plásticos são polímeros orgânicos sintéticos derivados do petróleo e estima-se que existam
há apenas um século. Os polímeros mais usados e abundantes são polietileno de alta densidade
(HDPE), polietileno de baixa densidade (LDPE), cloreto de polivinila (PVC), poliestireno (PS),
polipropileno (PP) e tereftalato de polietileno (PET) que juntos representam aproximadamente
90% da produção total de plástico no mundo (Li et al, 2016). Plásticos são materiais versáteis,
leves, fortes, duráveis e baratos os que fazem com que sejam amplamente utilizados como matéria-
prima para a manufatura de diversos produtos (Derraik, 2002). Devido a essas características podem
causar sérios problemas para o ambiente, caso não tenham um destino final adequado.
Estima-se que 8,9 bilhões de toneladas de plásticos primários ou secundários já foram fabricados
desde meados do século passado em escala industrial (Geyer et al., 2017). Em 2018, a produção global
de plásticos quase atingiu 360 milhões de toneladas (Plastic Europe, 2019). No Brasil são gerados
mais de 78,3 milhões de toneladas de resíduos sólidos/ano, dos quais 13,5% são de plástico2.
2
Agência Brasil: <https://agenciabrasil.ebc.com.br>
368
Poluição orgânica marinha
Atualmente o Brasil é o 4º maior produtor de lixo plástico no mundo com 11,85 milhões de
toneladas por ano, superado apenas por Estados Unidos, China e Alemanha3.
A predominância dos plásticos no ambiente pode ser explicada pelo seu elevado tempo de
residência, sua abundância e crescente utilização pela sociedade, capacidade de transporte por longas
distâncias e programas de gerenciamento pouco eficientes.
As primeiras observações de plásticos no oceano foram feitas pelo pesquisador norueguês Dr.
Thor Heyerdahl durante suas expedições científicas à Polinésia (1937-38) e Noroeste da América
(1940-41) e Expedição Kon tiki (1947). Desde então, trabalhos posteriores confirmaram elevadas
densidades de plásticos flutuantes nos oceanos como os conduzidos por Carpenter & Smith (1972),
Thompson et al. (2004), e Law et al. (2010).
As fontes terrestres de detritos plásticos contribuem com 80% dos detritos plásticos no
ambiente marinho. Os plásticos são transportados por rios e sistemas de drenagem de municípios
costeiros, sendo que as maiores introduções de lixo plástico são provenientes de áreas industrializadas
ou densamente povoadas, principalmente na forma de embalagens. Grande parte dos plásticos chega
aos oceanos através de drenagem de rios que banham cidades costeiras que possuem sistemas de
coletas insuficientes e baixa taxa de reaproveitamento e reciclagem. As fontes oceânicas respondem
pelos 20% restantes de detritos marinhos de plástico, para os quais a pesca comercial é a principal
contribuição da atividade humana (Derraik et al., 2002; Li et al., 2016). Por outro lado, os detritos
gerados por navios são a principal fonte de detritos marinhos encontrados em margens remotas.
Segundo o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (UNEP), em 2009, estimava-
se que cerca de cinco milhões de detritos marinhos sólidos eram diariamente jogados ao mar ou
perdidos de navios (Hammer et al., 2012).
Os MPs são classificados como MPs primários ou secundários, dependendo da fonte. Os MPs
primários incluem partículas produzidas intencionalmente como os “pellets” (esférulas de plásticos
usadas como matéria-prima para a produção de utensílios), microesferas para funções abrasivas ou
microfibras que se formam a partir de tecidos sintéticos. A liberação de MPs primários pode ocorrer
pelo derramamento industrial (Fig. 3) ou descarte incorreto, mas a principal fonte para o ambiente é a
utilização de produtos que os contêm em suas formulações, como tinta para diferentes aplicações. Os
MPs primários também são liberados a cada ciclo de lavagem, a partir de tecidos sintéticos (GESAMP,
2015, Galafassi et al. 2019).
3
Para saber mais, acesse: <https://worldpopulationreview.com/country-rankings/plastic-pollution-by-country>.
369
Noções de Oceanografia
MPs secundários, em vez disso, são formados pela degradação de artigos de plástico. A
fragmentação de plásticos é um processo principalmente devido à foto-oxidação de espécies reativas
de oxigênio e luz UV (Andrady, 2011), levando à quebra de ligações químicas e à perda de resistência
à tração. O estresse mecânico durante o uso de itens de plástico ou intempéries também é uma
fonte importante de MPs secundárias. Tensões fotoquímicas, químicas e mecânicas podem causar a
fragilização do material em fragmentos menores (GESAMP, 2015, Galafassi et al., 2019). Devido à
necessidade de luz e oxigênio, a degradação do plástico é mais rápida nas praias e na terra, onde a luz
solar pode aumentar a temperatura, acelerando ainda mais o processo, enquanto diminui à medida
que a profundidade aumenta, tornando-se quase zero no fundo do mar (Andrady, 2011; GESAMP,
2015). Nos ecossistemas aquáticos, uma fonte importante de MPs secundárias é o estresse mecânico
devido à interação dos MPs com os sedimentos naturais, impulsionados, por exemplo, pelo transporte
turbulento nos rios (Galafassi et al., 2019).
Muitos itens de plástico flutuam porque são constituídos por material polimérico leve ou
porque suas formas permitem capturar o ar (por exemplo, garrafas e sacos). Esses detritos flutuantes
parecem acumular-se particularmente em áreas de convergência oceanográfica, mares fechados e
correntes oceânicas. O giro central do Pacífico Norte, uma área de alta pressão atmosférica com
uma corrente oceânica no sentido horário, força os detritos a uma área central onde os ventos e as
correntes desaparecem. Devido ao grande acúmulo de detritos plásticos, principalmente partículas
meso e micro plásticas, o centro do giro do Pacífico Norte agora é conhecido como o “Grande Lixo
do Pacífico” ou “Vórtice do Lixo Pacífico” (Allsopp et al., 2007).
O giro do Atlântico Norte também foi monitorado para plásticos entre 1986 e 2008 pela
organização educacional Sea Education Association (SEA) vinculada à Instituição Oceanográfica
Woods Hole (EUA). O Mar do Caribe apresentou uma concentração média de 1.414 ± 112 peças ⸳ km–2,
enquanto que o Golfo do Maine 1.534 ± 200 peças ⸳ km–2, ambas com uma ordem de magnitude inferior à
370
Poluição orgânica marinha
concentração média em torno de Latitude 30°N (20.328 ± 2324 peças ⸳ km–2). A maior concentração
de detritos plásticos foi observada nas latitudes subtropicais e associada à convergência em larga escala.
Apesar de um rápido aumento na produção e descarte de plástico durante o período estudado, não
foi observada tendência de concentração de plástico na região de maior acúmulo (Law et al., 2010).
Portanto, os giros oceânicos são pontos críticos particulares de acúmulo de resíduos plásticos.
Os objetos de plásticos, em sua maioria, flutuam até ficarem muito pesados devido ao
crescimento da biota em sua superfície ou porque ficam encharcados e afundam. Assim, os detritos
plásticos são encontrados no fundo do mar em todas as profundidades. Estima-se que, no mar do
Norte, até 70% do lixo marinho está no fundo do mar. Os dados sobre a abundância de detritos
plásticos nos ambientes bentônicos ainda são muito limitados e são restritos pelas dificuldades
de amostragem e pelos custos da pesquisa em ecossistemas do fundo do mar. Portanto, boa parte
das investigações de detritos no fundo do mar tem sido concentrada nas plataformas continentais
(Hammer et al., 2012).
Os plásticos expostos na água do mar podem concentrar vários contaminantes ambientais como
os PCBs e HPAs. Esses contaminantes orgânicos hidrofóbicos têm maior afinidade por plásticos
como polietileno (PE), polipropileno (PP) e policloreto de vinil (PVC) do que pelos sedimentos.
A biodegradação dos contaminantes pode ser reduzida quando absorvidos nos plásticos. Assim, os
plásticos não apenas absorvem e transportam contaminantes, mas também podem aumentar sua
persistência ambiental (Teuten et al., 2009). A adsorção de contaminantes pelos polímeros tem sido
estudada principalmente em microplásticos como o International Pellet Watch4, que monitora as
concentrações de contaminantes em “pellets” encontrados nas praias de várias regiões no mundo. A
durabilidade de “pellets” no ambiente marinho ainda é incerta, mas parece durar de 3 a 10 anos, e com
os aditivos provavelmente esse período pode estender para 30 a 50 anos (Derraik et al., 2002).
Os microplásticos (MPs) têm recebido crescente atenção uma vez que podem ser facilmente
ingeridos pelos organismos (Ryan et al., 2009). Além disso, os MPs também apresentam uma potencial
absorção de contaminantes hidrofóbicos a partir de resíduos plásticos ingeridos pelos organismos e
podem ser bioacumulados na cadeia alimentar (Teuten et al., 2009; Tanaka et al., 2013; Van der Hal
et al., 2020). Assim a ingestão de plásticos pode desempenhar um papel significativo no acúmulo de
diversos contaminantes pelos organismos marinhos.
4
International Pellet Watch: <http://pelletwatch.org/>
371
Noções de Oceanografia
De acordo com o Programa de Meio Ambiente das Nações Unidas (UNEP), há, em média,
18.000 pedaços visíveis de plástico flutuando em cada quilômetro quadrado do mar. Algumas nódoas
de lixo flutuante são até mesmo visíveis em fotos de satélite. Pesquisadores da Fundação de Pesquisa
Marinha Algalita avaliaram 11 sítios randomicamente escolhidos no meio do Oceano Pacífico e
descobriram uma massa de plástico seis vezes maior do que a massa de plâncton. Através do tempo
o plástico se desintegra em pedaços cada vez menores, mas leva séculos até que ele desapareça
completamente (Bojanowski, 2010).
Leis internacionais proíbem o descarte de plástico nos oceanos, mas a aplicação desta proibição
é praticamente impossível e as violações são comuns. Dentre os vários protocolos internacionais
criados para a proteção dos oceanos o mais importante foi o Protocolo da Convenção Internacional
para Prevenção da Poluição por Navios (MARPOL) criado em 1978. Esse protocolo reconhecia
que navios representavam uma significativa, porém controlável fonte de poluição do ambiente
marinho (Lentz, 1987).
O anexo V do MARPOL restringe a descarga de lixo no mar e bane o descarte de plástico e outros
materiais sintéticos, tais como cordas, redes de pesca e sacos de lixo de plástico, com exceções limitadas.
É a autoridade que controla o despejo de materiais por navios e entrou em vigor em 1988. Aplica-se a
todas as embarcações, incluindo pequenos barcos de recreação. Até 2002, 79 países ratificaram o anexo
V, inclusive o Brasil (Derraik, 2002). A maior dificuldade é garantir o cumprimento da legislação em
uma área tão vasta como as dos oceanos. Portanto, é comum a violação dessa lei internacional.
372
6. Conclusão
Como resolver o problema da poluição marinha uma vez que não existem fronteiras geográficas
para a sua disseminação? Segundo Gonçalves (2009), a melhor ferramenta para a conservação dos
oceanos é a criação de áreas marinhas protegidas (AMPs), sejam reservas ou unidades de conservação
sustentável. De fato, a Organização das Nações Unidas (ONU) recomenda que, a curto e médio
prazos, 20% dos oceanos sejam protegidos com a adoção de Áreas Marinhas Protegidas, subindo para
30% no longo prazo. Atualmente, apenas 0,4% das águas territoriais brasileiras estão protegidas em
unidades de conservação federais.
Os órgãos internacionais, como a ONU, também são importantes na preservação dos oceanos.
Um dos capítulos da agenda da Conferência das Nações Unidas para o Ambiente e Desenvolvimento
(UNCED 92) tratou especificamente da proteção dos mares e zonas costeiras. Em outubro e novembro
de 1995, foi discutido pelos países membros da ONU, o programa da UNEP para “Proteção do
ambiente marinho da poluição marinha oriunda das atividades terrestres”. Em 1996 foi criada a
Comissão Mundial Independente sobre os Oceanos onde foram discutidas 30 convenções relativas à
proteção dos oceanos. Em 1998 foi decretado o Ano Internacional dos Oceanos.
As pesquisas científicas cada vez mais crescentes nas últimas décadas têm reforçado a importância
do mar e sua conservação. A Reunião Anual da SBPC em 2010 teve como tema central “Ciências
do mar, herança para o futuro”. Recentemente, as Nações Unidas declararam o período de 2021 até
2030 como a “Década da Ciência Oceânica para o Desenvolvimento Sustentável”. Essa iniciativa visa
ampliar a cooperação internacional em pesquisa para promover a preservação dos oceanos e a gestão
dos recursos naturais de zonas costeiras.
373
Noções de Oceanografia
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Noções de Oceanografia
378
Poluição por metais e elementos radioativos
NOÇÕES DE OCEANOGRAFIA
Capítulo 18
POLUIÇÃO POR
METAIS E ELEMENTOS
RADIOATIVOS
Bianca Sung Mi Kim, Tailisi Hoppe Trevizani,
Paulo Alves de Lima Ferreira & Rubens Cesar Lopes Figueira
379
Noções de Oceanografia
CITAÇÃO SUGERIDA: KIM, Bianca Sung Mi et al. Poluição por metais e elementos radioativos.
In: HARARI, Joseph (org.). Noções de Oceanografia. São Paulo: Instituto Oceanográfico, 2021.
E-book. Cap. 18: p. 381-399.
380
Poluição por metais e elementos radioativos
1. Introdução
Os oceanos têm sido tradicionalmente e historicamente considerados como fonte segura de
riqueza, oportunidade, abundância e local de despejo. O crescente conhecimento sobre os oceanos
vem modificando esta visão, mostrando que a capacidade de auto regulação é grande, porém limitada.
Devido a isto, em 1982, em Montego Bay, Jamaica, foi realizada a Convenção das Nações Unidas
sobre o Direito do Mar (UNCLOS) que definiu conceitos e estabeleceu princípios para a explotação
de recursos marinhos, no qual cada Estado tem a obrigatoriedade de reduzir, prevenir e controlar a
poluição proveniente de qualquer origem seja continental ou atmosférica.
Em 2015, a Assembleia Geral da ONU adotou a Agenda 2030, que define 17 novos Objetivos
do Desenvolvimento Sustentável Global1 (ODS), baseado nos 8 Objetivos de Desenvolvimento do
Milênio anteriormente dispostos em 2000. Esta Agenda consiste em um plano de ações mundiais
que devem ser alcançadas até o ano de 2030 que visam acabar com a pobreza, reduzir a desigualdade,
promover a prosperidade e o bem-estar para todos e proteger e realizar o uso sustentável dos oceanos
e ecossistemas terrestres.
Dentro destes objetivos, o ODS 14 define “Conservação e uso sustentável dos oceanos, dos mares
e dos recursos marinhos para o desenvolvimento sustentável”, no qual tem como meta “Aumentar o
conhecimento científ ico, desenvolver capacidades de pesquisas e transferir tecnologia marinha, tendo em
conta os critérios e orientações sobre a Transferência de Tecnologia Marinha da Comissão Oceanográf ica
Intergovernamental, a f im de melhorar a saúde dos oceanos e aumentar a contribuição da biodiversidade
marinha para o desenvolvimento dos países em desenvolvimento, em particular os pequenos estados
insulares em desenvolvimento”.
Frente a estes desafios, este capítulo tecerá conceitos acerca da poluição marinha por metais e
elementos radioativos. Dada à elevada toxicidade e efeitos deletérios associados a estes elementos,
sua presença no ambiente tem sido motivo de preocupação mundial. Estas preocupações foram
motivadas por grandes acidentes históricos, como exemplo o envenenamento por mercúrio ocorrido
em Minamata, no Japão, a contaminação dos cursos de água e lençol freático por cromo no sul da
Califórnia, ou até mesmo os acidentes nucleares de Chernobyl, na Ucrânia, e Fukushima, no Japão.
Dessa forma, o capítulo é dividido em metais e elementos radioativos. Ambos contendo conceitos
acerca destes elementos no ambiente natural, somado à influência antrópica, com o objetivo de aumentar
o conhecimento científico, dando suporte ao melhor entendimento da poluição dos corpos d’água através
destes elementos para então, garantir a conservação e uso sustentável dos recursos marinhos.
1
Para saber mais sobre os ODS, acesse: <https://sdgs.un.org/goals>.
381
Noções de Oceanografia
2. Metais
Metais são elementos doadores de elétrons, condutores de eletricidade e calor, maleáveis, dúcteis
e apresentam brilho metálico. Representam quase 80% de todos os elementos existentes na Tabela
Periódica, sendo pertencente aos grupos de elementos representativos e/ou de transição.
O termo metal pesado refere-se a elementos que apresentam elevada massa específica, massa atômica
e número atômico. O termo foi criado em 1936, definindo metais pesados como uma classe de elementos
em função da densidade, na qual deveria ser maior que 4 g ⸳ cm-3 (Bjerrum & Bjerrum, 1936). Dentro de
alguns critérios, alguns autores consideram qualquer tipo de metal como metal pesado e outros incluem
apenas metais de transição. Além das propriedades químicas utilizadas na sua definição, alguns outros
autores destacam outros aspectos na conceituação de metal pesado. Hawkes (1997) concluiu que existem
outras propriedades importantes na sua definição, tais como a formação de sulfetos e hidróxidos insolúveis.
Destaca-se que a precipitação é uma técnica comumente utilizada na remoção de metais no tratamento de
efluentes industriais, nos quais ocorre a elevação do pH levando a formação de hidróxidos insolúveis.
De uma maneira geral, o termo metal pesado está associado a propriedades químicas e físicas
que não designam seu potencial tóxico. Duffus (2002) reportou que o conceito metal pesado foi
utilizado em muitos estudos como um grupo de metais e semimetais associados a contaminação e
a seu potencial toxicológico. Dessa forma, as propriedades toxicológicas e efeitos ambientais foram
associados a definição de metais pesados, devido aos impactos ao ambiente e a saúde humana,
decorrente da disposição destes elementos no ambiente.
382
Poluição por metais e elementos radioativos
No ambiente, assim como outros elementos, os metais existem em níveis naturais (background)
na crosta terrestre derivado de xistos, arenitos, rochas metamórficas e ígneas (Kabata-Pendias &
Pendias, 2001), compondo a estrutura cristalina de minerais primários e secundários. Na Tabela 1 são
listados alguns metais e sua concentração média em solos. Dessa forma, a presença de metais não é
um indicativo de contaminação visto que solos não contaminados apresentam concentrações naturais
provenientes do material parental.
Al 71.000
Fe 38.000
Cu 30
Cr 100
Cd 0,06
Zn 50
As 5
Se 0,3
Ni 40
Pb 10
Hg 0,03
De uma forma geral, os metais são distribuídos naturalmente em diferentes compartimentos, sendo:
383
Noções de Oceanografia
TABELA 2. Estimativa da emissão de metais e semimetais para a atmosfera. Fonte: Pacyna et al., 1995.
A adição de metais pela ação humana é representada por fontes pontuais e difusas, dentre elas, a
utilização de fertilizantes, o descarte de resíduos de tratamento de esgotos e as atividades industriais.
Estes elementos vêm recebendo crescente atenção devido ao seu potencial tóxico e sua persistência no
ambiente. São considerados poluentes prioritários pela Agência de Proteção Ambiental Americana
(US Environmental Protection Agency) e, especialmente o As, Cd, Cr, Ni e Pb, e fazem parte da lista
de elementos químicos de preocupação pública pela OMS (Organização Mundial da Saúde). Altas
concentrações destes elementos no ambiente, induzidas pela introdução humana, acabam afetando
a produtividade dos sistemas naturais, bem como sua biodiversidade, constituindo, então, riscos ao
próprio ecossistema e a saúde humana.
Como exemplo, o Fe em condições anóxicas encontra-se como Fe2+, sendo solúvel em água, porém
em condições óxicas, o Fe2+ oxidará para Fe3+ e precipitará. O Cr hexavalente (Cr6+) é relativamente
mais lábil, ligado fracamente aos grãos, sendo extremamente tóxico e conhecido por ser carcinogênico
aos humanos, diferente do Cr trivalente (Cr3+) que é mais estável, formando precipitados insolúveis
com baixa toxicidade. Dessa forma, esta característica governará sua distribuição geoquímica,
biodisponibidade, tempo de residência, transformação metabólica preferencial e assimilação biológica
e, como consequência sua toxicidade associada (Crews et al., 2003).
Entre os anos 50 até o final dos anos 60, milhares de pessoas sofreram envenenamento por
mercúrio, na cidade de Minamata, no Japão. Nessa região havia uma fábrica que utilizava mercúrio
em seus processos químicos de produção de acetaldeído entre outros compostos. O rejeito contendo
o Hg era lançado na Baía de Minamata e as pessoas comeram os peixes dessa região que estavam
contaminados com esse elemento e o metil-Hg, uma forma extremamente tóxica do Hg, o que mostra
que as formas químicas dos metais influenciam na sua toxicidade. Os residentes locais desenvolveram
doenças neurológicas graves e problemas de desenvolvimento motor. Isso foi um alerta para o mundo
dos efeitos na saúde decorrentes da contaminação por Hg. Milhares sofreram envenenamento, que
em casos extremos levou à insanidade, deformação e morte. Muitas crianças cujos mães que comeram
peixes contaminados nasceram com gravesdeficiências, mesmo quando suas mães não apresentavam
sintomas evidentes (Weis, 2015).
384
Poluição por metais e elementos radioativos
Quando um elemento metálico é introduzido nos sistemas aquáticos, este pode se particionar em
diversos compartimentos. Dentre eles, as principais matrizes são a água, o sedimento e os organismos.
A maior parte dos contaminantes é adsorvida na matéria particulada em suspensão, que pode ser
transportada para o sedimento por floculação e sedimentação, fazendo com que o sedimento seja o
ponto terminal de acumulação de elementos potencialmente contaminantes.
A água apresenta um duplo papel, sendo como reativa, devido à sua hidrólise, e como solvente,
dispersando em seu meio espécies químicas iônicas através da dissolução. Suas características
estruturais conferem uma coesão interna excepcional, apresentando um alto calor latente de fusão
e vaporização, uma alta capacidade de adsorção de íons, permitindo uma interação eletrostática
entre as superfícies minerais e a molécula de água. Além disso, devido à forte polaridade e
formação de H3O+ e OH-, a água apresenta capacidade solvente que atua na hidratação de íons,
como os metais.
385
Noções de Oceanografia
Metais em água são bastante reativos, podem ser encontrados em solução de forma livre, como
íons (ex. Ca2+, Cd2+, Zn2+), em complexos orgânicos/inorgânicos solúveis ou associado a compostos
inorgânicos lábeis e material orgânico coloidal, ou seja, o material entre 0,01 e 10 µm e, a concentração
total destes elementos refere-se à soma de todas estas formas. A forma química (estado de oxidação
ou Nox) desses metais também governará sua reatividade e seu transporte entre matrizes diferentes e,
consequentemente, a sua toxicidade. De uma maneira geral, no meio aquoso, há vários íons em solução
e, a forma livre é a mais tóxica, devido a potencial biodisponibilidade, porém apresentam-se em baixa
porcentagem em relação às outras formas.
TABELA 3. Níveis máximos de metais (em mg/L) em águas salinas estabelecidos pela Resolução
CONAMA N°357/2005.
Valor máximo
Elemento
(mg/L)
Al (dissolvido) 1,5
As 0,01
Ba 1,0
Cd 0,005
Pb 0,01
Cu 0,005
Cr 0,05
Fe 0,3
Mn 0,1
Hg 0,0002
Ni 0,025
Ag 0,005
Zn 0,09
386
Poluição por metais e elementos radioativos
TABELA 4. Valores de nível 1 e 2 (em mg/kg) para água salina/salobra da Resolução CONAMA N°454/2012.
387
Noções de Oceanografia
ou seja, para um mesmo volume de sedimento, maior a área reativa em sedimentos mais finos. Além
disso, os metais também são ligados aos carbonatos, apresentando uma relação direta principalmente
com metais divalentes como o Ca2+, Sr2+ e Ba2+ (Kabata-Pendias, 2001). No caso da matéria orgânica,
a presença em sua configuração de grupos fenólicos e carboxílicos formam sítios de adsorção que
propiciam ligações iônicas e/ou agentes quelantes (Campos, 2010).
Tendo em vista que metais de origem natural são provenientes do material parental, além dos
atributos geoquímicos citados, deve-se levar em consideração a mineralogia da rocha fonte. Existem
diversas fontes naturais de metais, que podem exceder os limites legais, como exemplo altos valores
de Cr que podem ser encontrados em cloritas, ou níveis de Ni encontrados em esmectitas (Bonifacio
et al., 2010). No Brasil, o As é amplamente discutido, apresentando altos teores em sedimento
marinho, proveniente da erosão de rochas enriquecidas em As (exemplo: Angeli et al., 2019, Mirlean
et al., 2012). Os valores normalmente reportados de As apresentavam-se acima da regulamentação
CONAMA 344/2004 que era baseada em no guia de qualidade estabelecido nos Estados Unidos
(ERL/ERM). Devido a isto, esta resolução foi revogada e a resolução CONAMA 454/2012 tomou
seu lugar, modificando os níveis de aceitação de As de 8,2 para 19 mg/kg.
Os organismos marinhos são capazes de integrar as variações das concentrações de poluentes ao longo
do tempo e acumular metais em seus tecidos, através dos processos de bioacumulação e biomagnificação.
A bioacumulação é definida como a transferência de metais a partir de uma fonte, como a água,
os sedimentos ou os alimentos, para um organismo. Estes elementos se acumulam e as concentrações
obtidas nos organismos refletem a quantidade dos elementos que foi ingerida e retida em seus tecidos.
Esta é calculada através do Fator de Bioacumulação (FB), seguindo a fórmula:
388
Poluição por metais e elementos radioativos
389
Noções de Oceanografia
Os peixes são importantes rastreadores da contaminação por metais, por seu ciclo de vida
conhecido, por ocuparem uma variedade de habitats, e devido ao seu alto consumo por animais de
topo de teia alimentar e pelo homem. Eles são recursos alimentar e econômico, portanto a avaliação
da concentração de metais em peixes é de grande importância para a saúde pública e ecossistêmica
(Trevizani et al., 2019). Por este motivo se fez necessária a criação de uma legislação especifica para
regular as concentrações permitidas para consumo humano. Mundialmente a legislação é estabelecida
pela FAO (Food and Agriculture Organization of the United Nations, 1983) e nacionalmente pela
ANVISA (Agencia Nacional de Vigilância Sanitária, 1965, Brasil 1998), os níveis toleráveis de alguns
metais em pescado para consumo humano estão expostos na Tabela 5.
TABELA 5. Concentrações toleráveis de metais pesados em pescado para o consumo humano de acordo
com a legislação da FAO e da ANVISA em mg/kg.
Fonte As Cr Cu Ni Pb Zn Hg
FAO 1 - 30 5 2 50 0,5
A toxicidade dos metais depende da dose e da especiação em que se encontram nos organismos
marinhos. Os nuclídeos arsênio em suas formas inorgânicas (As3+ e As5+) são cancerígenos e teratogênicos,
mas estudos reportam que em alimentos marinhos o As se apresenta predominantemente como um
composto orgânico chamado arsenobetaína, que é inofensivo a estes organismos, e quando ingerido é
facilmente excretado (Francesconi, 2010). O mesmo ocorre com o Cromo, embora seja um elemento
essencial, na forma Cr (III), na qual participa da utilização de açúcar, proteína e gordura, na forma Cr
(V) possui efeitos adversos, como redução do crescimento e mortalidade. Mesmos efeitos adversos
causados pelo excesso de Ni (Eisler, 2010 a, b).
390
Poluição por metais e elementos radioativos
Apesar da toxicidade e crescente exposição aos metais de fontes antrópicas, existem mecanismos de
defesa dos organismos marinhos à intoxicação. Peixes e mamíferos marinhos regulam as concentrações
de metais no tecido muscular, acumulando preferencialmente no fígado, órgão com maiores níveis
das proteínas metalotioneínas, que desempenham um papel importante no armazenamento e
desintoxicação de metais, principalmente Cd, Cu e Zn (Eisler, 2010b). O Se é um elemento essencial
para atividade metabólica de todas as formas de vida que têm sistema nervoso, e atua como agente
de proteção contra a toxicidade do Hg em diversos organismos marinhos (Feroci et al., 2005). Ainda,
as aves marinhas eliminam metais, especialmente o Hg, através de penas, ovos e excretas (Burger &
Gochfeld, 2004), reduzindo a intoxicação.
3. Materiais radioativos
Alguns isótopos de elementos químicos são chamados de radioativos se apresentam átomos
com algum tipo de instabilidade energética em seu núcleo que leva à liberação de radiação. O
descobrimento da existência da radioatividade, cuja medição identifica os radionuclídeos (núcleos de
átomos radioativos) em uma mistura complexa qualquer de diversos elementos, possibilitou o uso desses
átomos emissores de radiação como traçadores ambientais. Dessa forma, a análise de radionuclídeos
tornou-se um instrumento importante em estudos oceanográficos, pois os oceanos, ocupando a maior
parte da superfície terrestre, são, consequentemente, os principais destinos desses elementos.
Tendo em vista o grande número de modos de emissões radioativas, foi criada uma classificação
básica destas emissões de acordo com sua penetrabilidade na matéria (Loveland et al., 2006). Essas
radiações, ou raios, foram nomeadas alfa (α, equivalente a um núcleo de 4He), beta (β, equivalente a
um elétron/β- ou um pósitron/β+) e gama (γ, um fóton, partícula sem massa), em ordem crescente de
poder de penetração pela matéria (Fig. 4).
Além da classificação dos tipos de emissão radioativa, há também uma classificação dos
radionuclídeos, de acordo com sua origem. Nela, os radionuclídeos são divididos em dois grandes
grupos: naturais, ou seja, de ocorrência natural no Universo; e artificiais ou antropogênicos, isto é,
aqueles produzidos pela atividade humana (Rankama, 1954).
391
Noções de Oceanografia
do gênero. As partículas alfa não são consideradas tão deletérias, tendo em vista que são barradas
facilmente pela camada de células mortas na pele, ao contrário da radiação gama, que possui energia
capaz de atravessar blocos de concreto ou chumbo (Fig. 4, Mazzilli et al., 2011).
FIGURA 4. Tipos de penetração das emissões radioativas e poder de penetração. Fonte: adaptado de
Mazzilli et al., 2011.
Essa nova área da ciência passou a ser aplicada nos mais diversos campos, como produção de
energia nuclear (considerada limpa), fabricação de radiofármacos para tratamento de doenças (como
cânceres) e construção das ogivas nucleares. Esse conhecimento foi impulsionado principalmente pelas
grandes guerras e pela corrida armamentista da Guerra Fria. É justamente do uso da radioatividade em
atividades humanas que ocorre a contaminação do meio ambiente por radionuclídeos, principalmente
o meio marinho. A maioria dos materiais produzidos pela indústria bélica nuclear, além possuir uma
alta toxicidade, tem um enorme tempo de meia-vida no meio ambiente.
Enquanto alternativa aos combustíveis fósseis, a produção de energia nuclear possui baixa
emissão de CO2 e alta eficiência energética por massa de combustível consumido, entretanto, há
dificuldades no manejo dos rejeitos nucleares, ocorrência de acidentes e vazamentos, vida útil limitada
das usinas, altas externalidades sociais e ambientais e a possibilidade de produção de armas nucleares
com o reprocessamento dos rejeitos, com implicações como terrorismo e disputas geopolíticas entre
nações (Dresselhaus & Thomas, 2001; Sovacool, 2008).
392
Poluição por metais e elementos radioativos
Nos seres humanos, o maior perigo é a incorporação pelos pulmões de partículas contendo
o radionuclídeo (UNEP, 1984). Um grama de plutônio é equivalente a 100 g de urânio e uma
tonelada de óleo em termos energéticos, daí a importância deste elemento nos processos de
reprocessamento do combustível nuclear (Singh, 1997). 137Cs e 90Sr tem alto rendimento de fissão
e meia-vida de aproximadamente 30 anos. Tendo em vista que ambos são semelhantes ao potássio
e ao cálcio, respectivamente, 137Cs e 90Sr tem potencial de se depositar nos músculos e ossos
(Figueira, 2000).
393
Noções de Oceanografia
• Acidentes nucleares, como o de Chernobyl, que causou uma deposição direta de radionuclídeos
em mares locais e áreas próximas; e
Aproximadamente 3,7 Ebq (exabecquerel – 1017 Bq) de materiais radioativos com diferentes
características nucleares e tempos de meia-vida que variaram de minutos a milhares de anos foram
liberados do núcleo do reator e se espalharam por toda Europa, Ásia e América do Norte. Os níveis
de radioatividade lançados na atmosfera superaram em 400 vezes a explosão da bomba atômica
em Hiroshima (IAEA, 1997). Os mares europeus próximos ao acidente foram os mais impactados,
dentre eles o mais atingido foi o mar Báltico, cujo nível de contaminação por 137Cs foi da ordem de
4,5 PBq (petabecquerel – 1015 Bq). Esse mar foi a principal fonte de entrada de 137Cs no nordeste
do Atlântico (Aarkrog, 2003).
2
O fallout radioativo ou “nuvem radioativa” é uma das principais vias de contaminação dos oceanos por radionuclídeos que são
distribuídos por todo o globo terrestre por movimentos de ar que ocorrem na atmosfera. Esta forma de contaminação ocorre devido
aos testes de armas nucleares na atmosfera. Dependendo da potência do artefato nuclear, o fallout pode ser troposférico (no mesmo
Hemisfério) ou estratosférico (em todo o globo terrestre).
394
Poluição por metais e elementos radioativos
FIGURA 6. Comparação dos inventários de dois radionuclídeos naturais (Potássio-40 e Urânio-238), com
o Césio-137 produzido por diversas fontes antrópicas. Os inventários são apresentados em PBq (1015
Becqueréis, 1 Bq = um decaimento radioativo por segundo). Fonte: modificado de Buesseler, 2014.
FIGURA 7. Capacidade de geração de energia nuclear entre 1955 a 2016 (área azul, eixo esquerdo).
Adições anuais (barras vermelhas) e capacidade de reatores desativados (barras amarelas). Fonte:
https://www.carbonbrief.org/mapped-the-worlds-nuclear-power-plants.
395
Noções de Oceanografia
A partir do que foi colocado, a energia nuclear sempre será alvo de questionamentos, apesar de
ser considerada uma energia verde, ela possui problemas, principalmente quando os acidentes ocorrem,
devido à alta periculosidade da radiação e ao processo de contaminação que ocorre em pequenas
quantidades e atingem todo o planeta. Uma alternativa é o uso da fusão nuclear, semelhante ao que é
realizado no Sol, onde dois núcleos são “fundidos” formando um novo elemento e liberando energia
muito maior do que o processo de fissão. Acredita-se que ao longo da metade desse século, esse tipo
de energia poderá estar disponível.
4. Considerações finais
• Metais existem em concentração natural na crosta e podem ser considerados micronutrientes
essenciais às atividades metabólicas;
• Elementos radioativos são aqueles que apresentam instabilidade energética em seu núcleo;
• O tempo de meia-vida é o tempo necessário para uma certa quantidade de nuclídeos decaia
para metade da quantidade inicial;
• Quando inseridos nos sistemas aquáticos, os radionuclídeos podem ser dispersos, diluídos,
redistribuídos e acumulados em compartimentos específicos do ecossistema.
396
Poluição por metais e elementos radioativos
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398
Poluição por metais e elementos radioativos
399
Bioluminescência marinha
NOÇÕES DE OCEANOGRAFIA
Capítulo 19
BIOLUMINESCÊNCIA
MARINHA
Gabriela Verruck de Moraes & Anderson Garbuglio de Oliveira
401
Noções de Oceanografia
CITAÇÃO SUGERIDA: MORAES, Gabriela Verruck de; OLIVEIRA, Anderson Garbuglio de.
Bioluminescência marinha. In: HARARI, Joseph (org.). Noções de Oceanografia. São Paulo:
Instituto Oceanográfico, 2021. E-book. Cap. 19: p. 403-422.
402
Bioluminescência marinha
Bioluminescência Marinha
Gabriela Verruck de Moraes & Anderson Garbuglio de Oliveira
1. Introdução
A bioluminescência pode ser definida como o processo de emissão de luz fria e visível por
organismos vivos. Esse fenômeno tem sido estudado em uma grande gama de grupos e táxons,
tanto em termos de suas reações químicas, quanto em aspectos evolutivos e ecológicos (Haddock
et al., 2010). Essa habilidade está presente desde bactérias e protistas unicelulares até organismos
mais complexos, como cefalópodes (lulas, polvos, entre outros) e elasmobrânquios (tubarões e raias)
(Haddock et al., 2010).
Assim como sua distribuição diversificada, há uma impressionante gama de cores, intensidades e
cinéticas. Como a bioluminescência marinha evoluiu em oceano aberto, grande parte dos organismos
luminescentes emitem luz de cor azul, centrada no comprimento de onda que tem a capacidade de
maior penetração na água do mar (λmáx = 475 nm) (Widder, 1999). Contudo, há também outras
cores: o verde é o mais comum depois do azul, principalmente nas espécies bentônicas e costeiras,
provavelmente porque a maior movimentação da água nesses ambientes favorece a dispersão do azul
e, portanto, a melhor transmissão de maiores comprimentos de onda (Herring, 1983; Johnsen et al.,
2004; Widder 2010). Por último, as cores violeta, amarelo, laranja e vermelho são as mais raras e, na
maioria dos casos, com sua função e química desconhecidas (Herring, 1983; Widder et al., 1983; Latz
et al., 1988; Haddock & Case, 1999; Widder, 2010; Shimomura 2006).
403
Noções de Oceanografia
Outros registros da luminescência foram também feitos por Plínio, o Velho (23-79 a.C.) em
seu livro Naturalis Historia, o qual, junto com diversos outros assuntos, trata também de uma grande
gama de organismos e observações feitas a respeito da emissão de luz, incluindo a do molusco (bivalve)
Pholas dactylis, um organismo que seria essencial na descoberta do processo químico da emissão de luz
ao ser estudado muito posteriormente por Dubois (Anctil, 2018).
A partir do meio do século XVII, as teorias a respeito do que é luz e como ela se comporta
começaram a ser mais debatidas e reformuladas, usando não só, mas também, observações feitas
com organismos bioluminescentes (Lee, 2008). Em um processo análogo, o século seguinte foi
banhado por descobertas como a da molécula de oxigênio, emissão de luz e combustão, fatores os
quais foram essenciais para as descobertas que viriam a seguir a respeito do processo químico da
bioluminescência (Anctil, 2018). Assim, foi no século XIX que a bioluminescência ganhou espaço
nos estudos científicos, primeiramente com a classificação dos organismos responsáveis pela “luz dos
oceanos”, os dinoflagelados, e a observação de que o estímulo mecânico promovia a emissão, levando
às primeiras hipóteses ecológicas de uma função da bioluminescência: uma função de proteção
(Quatrefages, 1850). Assim, foi a partir da análise da função ecológica da bioluminescência marinha
que outros organismos também passaram a serem observados sob esse viés, como os vaga-lumes,
para os quais a bioluminescência foi proposta como forma de comunicação entre indivíduos para
reprodução (Quatrefages, 1850). Associado a isso, os estudos químicos também avançaram com as
primeiras observações da quimiluminescência de um composto orgânico sintético relacionado à lofina
(2,4,5-trifenilimidazol).
A lofina foi preparada pela primeira vez por Radziszewski em 1877, após a qual, ele
descreveu uma ampla gama de compostos orgânicos sintéticos, incluindo certos aldeídos e amidas
(Radziszewski, 1877; Wiedemann, 1888). Nesta fase, em 1888, Wiedemann classificou várias
formas de luminescência, incluindo quimiluminescência, e as diferenciou da incandescência
(Wiedemann, 1895a; Wiedemann, 1895b; Wilson & Wilson’s, 1992), o que levou à ideia de que
a bioluminescência seria um processo químico de emissão de luz (quimiluminescência) ocorrendo
dentro de um organismo vivo (Dubois, 1885).
Esta ideia foi comprovada por Raphaël Dubois, farmacêutico francês que no final do século estudou
o bivalve luminescente Pholas dactylis (Dubois, 1885), observado mais de 1800 anos antes por Plínio, o
Velho (Lee, 2008), além de um besouro do gênero Pyrophorus (Dubois, 1885). A partir de alguns desses
besouros, Dubois realizou um dos mais importantes experimentos no campo da bioluminescência, que
contribuiu enormemente para o início da compreensão molecular desse fenômeno. Ele preparou dois
extratos usando alguns dos Pyrophorus coletados, de maneira que um desses extratos foi feito em água
fervente, enquanto o outro em água fria. Durante o processo de preparação dos extratos ele observou
apenas uma fraca emissão de luz no extrato frio, ao passo que no extrato quente nada foi observado. Em
seguida, Dubois aguardou que ambos os extratos atingissem a temperatura ambiente, e misturou em um
terceiro frasco uma porção do extrato frio e do extrato quente. Quando porções desses dois extratos eram
misturadas a emissão de luz era restabelecida com intensidade (Dubois, 1885).
404
Bioluminescência marinha
Baseado nesses resultados, Dubois concluiu que havia fatores diferentes responsáveis por essa
emissão de luz. O extrato quente estava enriquecido com um fator ou substrato, que não era destruído
pela alta temperatura, enquanto no extrato frio havia um fator proteico (uma enzima, inativada no
extrato quente), porém mantida ativa no extrato frio. Dessa forma, ao se misturar o substrato e a
enzima a emissão de luz era obtida (Dubois, 1885). À essa enzima, ele deu o nome de “luciferase”
(Dubois, 1887) e ao seu substrato, “luciferina” fazendo referência à palavra latina Lucifer (carreador,
portador da luz) indicando respectivamente enzima e substrato portadores da luz.
Dando seguimento a Dubois, Edmund Newton Harvey (1887–1959), zoólogo norte americano,
Professor de Zoologia da Universidade de Princeton, EUA, se encantou com a bioluminescência
marinha em uma viagem e graças às suas descobertas relacionadas a esse fenômeno, se tornou um
das maiores referências mundiais no campo da bioluminescência, ganhando grande destaque a partir
da década de 20 (Anctil, 2018). Harvey começou a estudar a Cypridina, um Ostracoda (Crustáceo)
bioluminescente, além de outros organismos, incluindo o molusco marinho Pholas dactylis, enviado a
ele pelo próprio Dubois (Anctil, 2018).
Comparando tais organismos e seus resultados com os de Dubois, ele concluiu que a “luciferina”
e “luciferase”, eram, na verdade nomes genéricos, ou seja, que essas substâncias não seriam iguais para
todos os organismos luminosos, mas que, na verdade, cada espécie possuiria substratos e enzimas
luminescentes próprias. Assim, os termos “luciferina” e “luciferase” representam estruturas com função
de permitir a bioluminescência nos organismos de forma ampla. Assim, Harvey concluiu que cada
espécie ou cada grupo próximo evolutivamente de organismos possui um certo tipo de luciferina e
luciferase (Harvey, 1922), assim, com o tempo, surgiram nomes específicos das luciferinas e luciferases
para cada espécie estudada, ou então, elas são referidas como “luciferase do vaga-lume”, por exemplo.
Ainda, Harvey adentrou nas razões para a emissão de luz ter diferentes cores, além da que já
era conhecida: a de que o órgão emissor de luz possuía filtros que alteravam o comprimento de onda
emitido (Harvey, 1924). Não obstante, o pesquisador explorou a razão química para essa mudança
quando não havia um filtro envolvido. Com isso, ele também obteve a surpreendente descoberta de
que as luciferases seriam as principais responsáveis pelas diversas cores da luz emitidas (Harvey, 1925),
além de ter notado a presença da fluorescência em organismos bioluminescentes, abrindo um caminho
que revolucionaria a ciência anos depois, pelo farmacêutico japonês, Osamu Shimomura (Anctil, 2018).
Um pouco depois dessas suas descobertas, Harvey e um de seus alunos, Peter A. Snell, fizeram
diversas observações quanto ao comportamento da emissão de luz em vários organismos, que levaram
às primeiras noções evolutivas da bioluminescência (Harvey, 1932). A grande diversidade das cores e
das formas de emissão, além da presença de diferentes luciferinas e luciferases, levaram-no a concluir
que a bioluminescência teria evoluído independentemente muitas vezes, o que hoje se sabe ser verdade
(Haddock et al., 2010), e, mais do que isso, baseado no papel essencial do oxigênio no processo químico
de bioluminescência, Harvey sugeriu que esse fenômeno teria se desenvolvido por meio de mudanças
em um mecanismo já existente nas células (Harvey, 1932).
Por essa proposta, a molécula de luciferina reagiria com o ATP e luciferase na presença de
Mg levando a formação de um complexo luciferase-luciferina-amp (adenosina monofosfato).
2+
Em seguida, a luciferina nesse complexo seria oxidada pela ação do oxigênio molecular com
concomitante produção de luz. Com a descoberta do sistema de emissão de luz dos vaga-lumes, foi
possível notar que, para esse sistema, a quantidade de ATP e luciferina presente era proporcional
à luz emitida (Seliger & McElroy, 1959). Ou seja, quanto maiores as concentrações de ATP e
luciferina, maior a intensidade da luz emitida. A partir disso, sendo o ATP uma molécula de
energia essencial ao metabolismo dos organismos vivos, esse sistema permitiu a criação de kits
para diagnósticos de doenças metabólicas, resultando em uma das primeiras aplicações advindas
de estudos fundamentais da bioluminescência.
Em sua carreira, Shimomura desvendou sistemas que estavam há muitos anos sem respostas
e desenvolveu novas formas de realizar testes de emissão de luz (Shimomura & Johnson, 1966;
Nicolas et al., 1982; Anctil & Shimomura, 1984), além de ter cunhado o termo “fotoproteína”
para designar um complexo estável formado pela ligação luciferina-luciferase (Shimomura &
Johnson, 1966). Além disso, outro grande feito de Shimomura veio quando Johnson ofereceu a ele
a possibilidade de estudar a água-viva Aequorea victoria, a qual renderia importantes descobertas
no campo da bioluminescência.
Paralelamente, Shimomura também notou que a água-viva A. victoria emitia luz verde in
vivo, mas que, in vitro, seus extratos produziam luz azul. Dessa maneira, havia necessidade de um
outro fator capaz de modular a luz da cor azul para a verde. Sabendo disso, quando o pesquisador
descobriu, em 1961, uma proteína que ficava associada à aequorina e que fluorescia na cor verde
(Shimomura et al., 1962), Shimomura percebeu que ela deveria ser a responsável pela emissão
final da luz verde produzida no animal vivo ( Johnson et al., 1962). Assim, essa proteína foi
chamada de GFP (Proteína Verde Fluorescente, do inglês, Green Fluorescent Protein) (Morin &
Hastings, 1971).
Essa proteína, a princípio, não recebeu muita atenção, mas nos anos seguintes, os trabalhos
de pesquisadores como Martin Chalfie e Roger Tsien, fizeram com que essa proteína se tornasse
revolucionária para a Medicina (Shimomura, 2008). A GFP passou a ser clonada e expressa
em organismos vivos por Chalfie e colaboradores (1994), tornando-se então um marcador de
expressão gênica extremamente utilizado atualmente (Shimomura, 2005). Tsien colaborou
no processo de compreender como a GFP fluorescia (Tsien, 1998), além de ter desenvolvido
406
Bioluminescência marinha
metodologias para alterar a cor da fluorescência emitida (vermelho, azul, amarelo), permitindo
aos cientistas observar diferentes processos biológicos ao mesmo tempo (Matz et al., 1999; Matz
et al., 2002). Assim, tamanha descoberta rendeu aos três estudiosos, Shimomura, Chalfie e Tsien,
o Nobel de Química em 2008 (Lee, 2017).
O trabalho desenvolvido por Shimomura mostra a importância da pesquisa básica no mar, que
permitiu o desenvolvimento de uma gama de utilizações, sobretudo biotecnológicas. Baseado nessas
grandes descobertas e nas possibilidades de aplicações, a bioluminescência marinha tem se tornado
cada vez mais um campo de estudo extremamente relevante com ainda muito a ser explorado.
Quatro diferentes moléculas de luciferinas são responsáveis pela maioria das reações
luminescentes nos oceanos (Fig. 1), embora existam sem dúvidas muitos outros sistemas
bioluminescentes cujos componentes químicos ainda não foram determinados. Enquanto luciferinas
são conservadas, luciferases e fotoproteínas são derivadas de muitas linhagens evolucionárias.
Ainda, entre os organismos marinhos bioluminescentes já estudados, destaca-se a molécula de
celenterazina, que é a luciferina em ao menos nove diferentes filos, abrangendo protozoários, águas-
vivas, crustáceos, moluscos, quetognatas e vertebrados (Haddock et al., 2010).
407
Noções de Oceanografia
FIGURA 1. Estruturas dos quatro grupos de luciferinas encontradas em organismos marinhos: (A)
vargulina, utilizada por ostrácodas e alguns peixes; (B) celenterazina, luciferina presente em ao menos
nove filos diferentes; (C) luciferina de dinoflagelados, encontrada também em crustáceos luminescentes;
e (D) FMN (flavina mononucleotídeo) utilizada por bactérias.
O nome celenterazina foi originalmente dado devido ao fato dessa molécula ter sido isolada
inicialmente a partir dos celenterados bioluminescentes Aequorea e Renilla (Shimomura & Johnson,
1975), apesar de ser conhecida sua ocorrência em muitos outros organismos. A explicação para essa
convergência é que nem todos esses organismos estão sintetizando a celenterazina, mas muitos deles
adquirem essa molécula através de sua alimentação (Tsuji et al., 1972; Harper et al., 1999). Como as
luciferinas estão presentes em ambos organismos marinhos não luminosos e luminosos (Shimomura
et al., 1980; Thompson et al., 1997), elas são relativamente fáceis de serem obtidas. Porém, como não
são conhecidas as rotas biossintéticas para nenhuma luciferina marinha até o presente momento, suas
origens permanecem desconhecidas (Haddock et al., 2010).
408
Bioluminescência marinha
Embora as luciferinas sejam conservadas através dos filos, existe uma grande diversidade em
relação às luciferases, com algumas de organismos luminosos apresentando duas enzimas diferentes
capazes de produzir luz em dois comprimentos de onda distintos (por exemplo, no “verme trenzinho”
Phrixothrix hirtus) (Viviani et al., 1999). As luciferases descrevem o componente enzimático da reação
e, diferentemente do substrato da luciferina, tendem a ser sensíveis ao estresse térmico. Segundo
Shimomura (2006), as fotoproteínas podem ser distinguidas das luciferases por dois meios gerais;
não utilizando oxigênio molecular diretamente para emissão de luz e sendo capazes de emitir luz
proporcional à quantidade de proteína presente (Shimomura, 1985; Mirza, 2019).
FIGURA 2. Mecanismo químico proposto para a emissão de luz em reações de bioluminescência que
utilizam a molécula de celenterazina como luciferina. Fonte: adaptado de Shimomura (2006).
409
Noções de Oceanografia
et al., 1969). Esse muco luminoso é produzido a partir de glândulas especializadas de dois tipos de células,
uma produzindo a luciferina e a outra a luciferase (Shimomura & Johnson, 1970; Shimomura, 2006). Kato
e colaboradores (2004, 2007) demonstraram também que a luciferina envolvida nesse processo é sintetizada
a partir de triptofano, isoleucina e arginina, através de uma via que é atualmente desconhecida.
De fato, dinoflagelados e bactérias bioluminescentes também podem ser usados para avaliar a
qualidade do tratamento da água para consumo humano, além de serem usados para observar os efeitos de
poluentes na água do mar (Hurtado-Gallego et al., 2019). Por exemplo, kits de monitoramento podem ser
usados para avaliar a toxicidade de sedimentos e descargas industriais. Isso é feito expondo os dinoflagelados
luminescentes (por exemplo, L. polyedrum e P. lunula) a várias concentrações de contaminantes, em um
intervalo de horas a até 10 dias (Rosen et al., 2008). Dessa maneira, o grau de inibição da atividade da luz
pode ser correlacionado com a concentração relativa dos contaminantes (Hurtado-Gallego et al., 2019).
410
Bioluminescência marinha
Assim, a maior parte dos organismos bioluminescentes está no mar e, apesar de incerto,
isso deve se dar pelos fatos de que: o oceano possui condições ambientais mais estáveis; é mais
transparente à luz ao comparar com lagos e rios; e, a maior parte desse ambiente não recebe luz
(Haddock et al., 2010). Dessa forma, esse contexto marinho deve ter favorecido o aparecimento
da bioluminescência por meio desses dois cenários, hoje os mais aceitos: (1) por meio da evolução
da luciferase a partir de enzimas oxigenases menos específicas (Widder, 1999), as quais sofreram
mutações que ofereceram vantagem em especial aos animais que migravam para águas mais
profundas a fim de se camuflar na escuridão e assim, defender-se de predadores, ou se alimentar
(Widder, 2010); e (2) por meio da evolução da luciferina que protegia organismos de espécies
reativas de oxigênio (EROs). Nesse caso, os organismos luminosos migravam mais para o fundo,
para fugir de predadores, onde já não havia estresse oxidativo significativo. Assim, a pressão seletiva
pode ter mudado para favorecer o potencial comunicativo da bioluminescência (Widder, 1999).
Além disso, essa habilidade possui uma enormidade de comportamentos, espécies e mecanismos
químicos ainda por serem descobertos. Dentre tal variedade, pode-se citar a forma como a emissão e
produção de luz é feita: há organismos com órgãos emissores de luz bastante complexos controlados
pelo sistema nervoso, emitindo luz conforme a necessidade e/ou certos estímulos (Shimomura, 2006).
Em contrapartida, têm-se organismos em que uma única célula contém todo o aparato de emissão de
luz, brilhando continuamente (Shimomura, 2006). Por fim, têm-se os intermediários entre esses dois
extremos (Shimomura, 2006).
No entanto, compreender como esse e outros organismos utilizam e interagem com o meio através
de sua bioluminescência muitas vezes é um desafio, já que muitos dos organismos que emitem luz estão
em regiões profundas (Haddock et al., 2010) e, portanto, é difícil acessá-los. Apesar disso, seu papel em
diversos âmbitos ecológicos já é conhecido, tendo como grandes contribuidores nesse conhecimento, os
biólogos Edith Widder (Associação de Conservação e Pesquisa dos Oceanos, ORCA) e Steven Haddock
(Instituto de Pesquisa do Aquário Monterey Bay, MBARI) (Anctil, 2018). Ambos foram essenciais para
compreender que a bioluminescência não era só muito comum nos oceanos, mas que também cumpria
papel fundamental em seu funcionamento ecossistêmico (Widder, 2010; Haddock et al., 2010).
411
Noções de Oceanografia
Contudo, baseado nos experimentos de Branchini e colaboradores (2013), foi possível observar
que uma agitação do tubo, a qual poderia ser realizada por um possível predador, levava o animal a
liberar seu muco luminescente azul (Mirza et al., 2019) na coluna d’água, sugerindo um possível papel
de distração de predadores. Essa função também foi atribuída a outro anelídeo marinho, o Harmothoe sp.
(Livermore et al., 2018), que emite luz no comprimento de onda da cor verde. No caso desse animal, a
bioluminescência está presente nos seus élitros (estruturas semelhantes a escamas que protegem o dorso
do animal) (Bassot & Nicolas, 1995; Shimomura, 2006). Quando atacado, ele destaca uma ou mais
escamas, as quais, com seu brilho, distraem o predador e permitem a sua fuga (Livermore et al., 2018).
Abordando uma outra função ecológica, pode-se citar os dinoflagelados do gênero Pyrocystis (Fig.
3). Esses organismos planctônicos emitem uma grande quantidade de luz quando estão aglomerados,
após receberem algum estímulo mecânico. Assim, se um predador, como alguma ave ou um peixe,
se locomover por entre esses organismos, buscando alimentar-se, por exemplo, a luminescência será
disparada (Mensinger & Case 1992). Essa função ecológica foi definida como “alarme de roubo” (em
uma tradução livre do inglês, burglar alarm) e seria uma forma de iluminar o predador que está ali para
se alimentar, a fim de que o predador de seu predador o veja (Haddock et al., 2010).
Existem outras funções, como as relacionadas com reprodução, a qual inclui o anelídeo silídeo
Odontosyllis que produz uma secreção luminosa quando estimulado, também responsável por atrair os machos
durante a desova (Fischer & Fischer, 1995; Deheyn & Latz, 2009, Haddock et al., 2010). Já com relação à
comunicação intraespecífica, pode-se citar a lula de Humboldt, Dosidicus gigas, a qual teve seu mecanismo
químico de bioluminescência recentemente investigado (Galeazzo et al., 2019), e teve averiguado, também
recentemente, o papel da luminescência nesse animal, como forma de coordenar comportamentos, facilitar
decisões coletivas e manter a coesão do grupo no fundo do oceano (Burford & Robison, 2020).
412
Bioluminescência marinha
FIGURA 3. Frasco contendo uma cultura do dinoflagelado Pyrocystis lunula emitindo luz após agitação
mecânica. Créditos: Anderson G. Oliveira, 2019.
Mais do que isso, há também algumas outras formas da bioluminescência interagir com o ambiente,
sendo uma delas a chamada sacrificial tag, a qual envolve a autotomia (Haddock et al., 2010). Nesse
caso, um animal libera parte de seu corpo voluntariamente (autotomiza) ao encontrar um predador
(Haddock et al., 2010). Esse fragmento é liberado emitindo luz, e pode ficar horas brilhando (Robison,
1992; Herring & Widder, 2004) mesmo dentro do estômago do predador. Assim, como no fundo dos
oceanos a transparência é uma característica comum ( Johnsen & Widder, 1998), a parte do animal
que fica emitindo luz dentro daquele que a comeu chama a atenção de outros predadores, tornando
arriscado se alimentar de presas bioluminescentes (Haddock et al., 2010). Assim, a bioluminescência,
nesse caso, pode funcionar como uma forma de afastar, confundir e distrair predadores.
Outro grande uso da bioluminescência está relacionado à atração de presas (Haddock et al.,
2010. Um exemplo engloba vários peixes da ordem Lophiiformes, genericamente conhecidos como
tamboril, os quais possuem uma estrutura semelhante a uma haste, a qual, em sua extremidade,
possui bactérias bioluminescentes (Haygood & Distel, 1993; Pietsch, 2009). Nesse caso, não é
somente o peixe que produz e emite a luz (a chamada bioluminescência intrínseca), mas também
as bactérias com as quais ele se associou (a chamada bioluminescência extrínseca) (Haddock et
al., 2010). A partir dessa haste luminosa, esses peixes atraem presas para delas se alimentarem
(Haygood & Distel, 1993).
Por fim, outra forma de predar animais utilizando a bioluminescência é usando-a para atordoar
presas, como faz a lula Taningia danae (Kubodera et al., 2007) (Fig. 4). Ela emite vários flashes
rapidamente, permitindo confundir peixes e cefalópodes menores. Esses flashes também podem ter
um papel na comunicação intraespecífica e reconhecimento de espécies, mas muito pouco se sabe
sobre isso (Kubodera et al., 2007).
413
Noções de Oceanografia
Dentre a variedade dos usos da bioluminescência no meio marinho, a visão dos organismos que
ali habitam é um fator de grande influência em como esse fenômeno se relaciona com o ambiente e
com os outros organismos, o que se associa, entre outras formas, com o uso da bioluminescência para
iluminar presas. Nesse caso, o animal possui uma forma de emitir a luz pra buscar a presa usando um
comprimento de onda que ela não consiga notar, como foi visto para alguns peixes dragão, da ordem
Stomiiformes, os quais utilizam a luz vermelha para essa função (Herring & Cope, 2005).
FIGURA 4. Molusco Taningia danae coletado durante a expedição DEEP OCEAN II a bordo do N/Oc.
Alpha Crucis do Instituto Oceanográfico da USP. Créditos: Gabriela A. Galeazzo, 2019.
Isso foi reportado em lulas de profundidade e de áreas rasas (Young & Mencher, 1980;
Herring et al., 1992; Jones & Nishiguchi, 2004), no peixe Porichthys notatus (Harper & Case, 1999),
nos quais foi possível observar que ele buscam emitir uma luz que corresponda à intensidade, à
distribuição angular ou à cor da luz que está entrando na coluna d’água.
Além deles, a luminescência como forma de contrailuminação também foi vista para os
tubarões Etmopterus spinax (Claes et al., 2010), Squaliolus aliae e Etmopterus splendidus, os quais,
ao invés de variarem a intensidade da luz emitida de acordo com a quantidade da que vem da
superfície, na verdade, emitem luz de forma constante e se movem para cima e para baixo na coluna
d’água a fim de calibrar a luz emitida com a superficial (Claes et al., 2014).
414
Bioluminescência marinha
FIGURA 5. Esquema geral das funções da bioluminescência. Ilustração: Gabriela Verruck de Moraes.
415
Noções de Oceanografia
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Noções de Oceanografia
420
Bioluminescência marinha
421
Noções de Oceanografia
422
OCEANOGRAFIA
BIOLÓGICA
NOÇÕES DE OCEANOGRAFIA
Capítulo 20
A VIDA NO MAR
Vicente Gomes & Flávia Saldanha-Corrêa
425
Noções de Oceanografia
CITAÇÃO SUGERIDA: GOMES, Vicente; SALDANHA-CORRÊA, Flávia. A vida no mar. In: HARARI,
Joseph (org.). Noções de Oceanografia. São Paulo: Instituto Oceanográfico, 2021. E-book. Cap.
20: p. 427-446.
426
A vida no mar
A Vida no Mar
Vicente Gomes & Flávia Saldanha-Corrêa
1. Introdução
Este capítulo inicia a seção da Oceanografia Biológica, o ramo da Oceanografia que estuda quem
são, onde vivem e como vivem os organismos marinhos. A vida no mar é extremamente abundante
e diversificada. O ambiente marinho apresenta habitats muito distintos e, eventualmente, condições
muito particulares que demandam adaptações comportamentais, morfológicas e/ou fisiológicas dos
organismos para que possam sobreviver. Apresentaremos um apanhado geral sobre a origem da vida no
mar, os grandes compartimentos marinhos e as características gerais dos organismos que os habitam.
Os capítulos subsequentes detalharão vários aspectos desses compartimentos e da dinâmica entre
os componentes bióticos (vivos) e abióticos (não vivos), de modo que a estrutura e complexidade do
ambiente marinho sejam mais bem compreendidas pelos leitores, que ficarão fascinados com a riqueza
e biodiversidade oculta pelas águas!
2. A vida na Terra
Estima-se que a vida no planeta Terra tenha surgido entre 3,5 a 4 bilhões de anos atrás. A hipótese
mais difundida é de que as primeiras formas de vida surgiram no ambiente marinho, nas fumarolas
hidrotermais, protegidas da radiação ultravioleta do Sol. A partir de então, a vida se desenvolveu e
evoluiu primeiramente nos ambientes aquáticos. As evidências fósseis mais antigas encontradas até
hoje datam de 3,4 a 3,7 bilhões de anos, em rochas de origem orgânica, denominadas de estromatólitos,
que teriam sido formadas por organismos procariotos (organismos geralmente unicelulares, sem um
núcleo verdadeiro e sem organelas complexas em sua constituição).
Há cerca de 2,5 bilhões de anos, ocorreu um evento de extrema importância para a evolução da
vida no nosso planeta: o oxigênio produzido por cianobactérias e outros microrganismos aquáticos
fotossintetizantes começou a se acumular, modificando a composição da atmosfera. As cianobactérias
também formaram estromatólitos que se preservaram em grandes quantidades como rochas fósseis de
biossedimentos depositados em camadas. Curiosamente, hoje ainda existem na Austrália representantes
vivos de cianobactérias que formam estromatólitos. O oxigênio produzido por esses organismos foi
se dissolvendo, acumulando na água e se difundindo gradativamente para atmosfera ainda anóxica,
principalmente após ter oxidado o ferro e outros compostos que estavam na forma livre. O oxigênio,
por ser altamente reativo, deve ter eliminado vários tipos de organismos não resistentes à sua presença.
Entretanto, ele permitiu o estabelecimento de reações metabólicas mais eficientes na utilização dos
compostos orgânicos para a produção de energia, o que possibilitou a evolução de organismos mais
complexos, de maior porte.
Os fósseis dos primeiros eucariotos (organismos com células complexas constituídas de núcleo
e demais organelas com distintas funções) têm cerca de 1,5 bilhão de anos, e devem ter surgido,
em grande parte, devido à disponibilidade de oxigênio dissolvido na água. Nos eucariotos, o DNA,
427
Noções de Oceanografia
material de suma importância para a vida, está protegido pela membrana nuclear que, inclusive, atua
para preservá-lo das reações de alta energia e do estresse oxidativo que ocorre nas mitocôndrias.
Desde a origem da vida, e durante vários bilhões de anos, os seres vivos eram todos microscópicos.
Os primeiros organismos multicelulares provavelmente surgiram entre 900 e 600 milhões de anos
(M.a.), no período Algonquiano. Há cerca de 540 M.a. ocorreu a chamada “explosão” do Cambriano.
Nesse período, diversas condições propícias tais como níveis de nutrientes, quantidade de oxigênio na
atmosfera e o estágio de evolução genética dos seres vivos, devem ter promovido a rápida evolução
e diversificação dos seres vivos marinhos. No Cambriano, já estava presente a grande maioria dos
grupos de invertebrados que conhecemos, além de outros que se extinguiram. Os ancestrais dos peixes
e, portanto, dos vertebrados em geral, surgiram nessa explosão do Cambriano, e tiveram uma grande
expansão no Siluriano-Devoniano, há cerca de 450 M.a.
QUADRO 1. Sumário dos principais períodos geológicos e eventos biológicos. Adaptado de Garrison (2016),
Calijuri et al. (2013) e Portal do Professor do MEC.
428
A vida no mar
Houve vários eventos naturais de extinção ao longo da história da Terra, que tiveram grande
impacto sobre a evolução dos seres vivos. Os motivos podem ser muitos, tais como mudanças climáticas,
grandes erupções vulcânicas, mudanças na composição da atmosfera terrestre (como a oxigenação da
atmosfera), glaciações, epidemias, alterações do habitat, relações presa-predador, dentre outros. Os dados
paleontológicos indicam que, de tempos em tempos, essas extinções foram de grandes proporções e, pelo
menos parte delas, foram causadas por acontecimentos catastróficos, tais como impactos de meteoritos
de grandes dimensões. Por volta de 250 M.a., no final do Paleozóico, período Permiano, extinguiram-se
cerca de 95% das espécies existentes no planeta e, há 65 M.a., no final do período Cretáceo, cerca de 75%
delas foram novamente dizimadas, incluindo os grandes dinossauros.
Na Figura 1 apresentamos exemplos de fósseis, com destaque para os exemplares A e B que são
alguns dos fósseis de animais mais antigos registrados. Eles só perdem em antiguidade para os fósseis de
animais do folhelho Qingjiang na China, com 518 M.a., considerados os mais antigos do planeta.
429
Noções de Oceanografia
A vida existe em todo o planeta, incluindo os locais mais inóspitos como fontes termais com
temperaturas acima de 300°C, regiões geladas e as grandes profundidades marinhas. O número total
de espécies presentes hoje na Terra ainda é desconhecido. Estão descritas, atualmente, cerca de 1,25
a 1,8 milhão de espécies, sendo que cerca de 18.000 novas espécies são identificadas todos os anos.
Considerando-se a primeira estimativa, são cerca de 1 a 1,4 milhão de espécies na terra e 250.000
a 400.000, nos oceanos. Conhecemos cerca de 10.000 procariotos (bactérias e arqueias), 55.000
protozoários, 120.000 fungos, 300.000 plantas, incluindo as algas, 1.300.000 animais e 200.000
“espécies” de vírus, se os incluirmos entre os seres vivos (há controvérsias sobre isso).
3. O ambiente marinho
O mar cobre cerca de 70% da superfície terrestre, uma área de 361 milhões de quilômetros
quadrados, contendo cinco quatrilhões de toneladas (5. 1015t) de água.
No ambiente marinho, existem organismos que vivem desde a zona praticamente seca, no limite
do supralitoral (existem caranguejos de terra firme, por exemplo), até aqueles que vivem nas fossas
marinhas, que chegam a mais de 11 km de profundidade e que, por conta disso, são regiões ainda
pouco exploradas. Em 1850, o biólogo inglês Edward Forbes lançou a hipótese de que abaixo dos
550 m de profundidade não deveria haver vida marinha, devido principalmente à ausência total de
luz solar e às altas pressões (Teoria Azóica). Contudo, como já haviam sido capturados organismos a
profundidades maiores do que a proposta por ele, havia um grande debate a esse respeito. A questão
foi resolvida definitivamente após as expedições científicas britânicas dos navios HMS Lightning e
Porcupine, em 1868 e 1869, respectivamente, e do navio HMS Challenger, entre 1872-1876, nas quais
o cientista chefe era o escocês Sir Charles Wyville Thomson. Nessas expedições já havia tecnologia
suficiente para coletar organismos em maiores profundidades e, efetivamente, eles foram coletados
abundantemente. As pesquisas mais recentes, utilizando tecnologia e equipamentos avançados,
permitiram o conhecimento de áreas profundas que, até pouco tempo, eram inatingíveis.
Podemos considerar como marinhas desde a região da linha d’água das marés máximas até
as grandes profundidades das fossas abissais. Na linha de costa, encontramos diversas feições que
determinam ecossistemas muito diferentes uns dos outros como praias, mangues, marismas, planícies
de maré, estuários, lagunas costeiras, costões, recifes de arenito e de corais, alguns dos quais serão
abordados nos capítulos seguintes.
A região litorânea ou entremarés é aquela que se localiza entre os limites da maré mínima
e a maré máxima; a supralitorânea é a que normalmente recebe apenas respingos vindos do mar e
raramente é recoberta por água (exceto em eventos extremos de ressaca) e a região sublitorânea, ou
infralitoral, é a que fica permanentemente coberta pela água, sendo delimitada pelo nível inferior
da maré mais baixa. A partir deste limite, a área submersa divide-se em grandes regiões (Fig. 2), que
podem variar de extensão de acordo com a geomorfologia local.
430
A vida no mar
FIGURA 2. Representação das principais províncias do relevo submarino (exagero vertical de cerca de 50 vezes).
A borda submersa dos continentes tem declive suave e estende-se mar adentro em faixas de largura
variável. É o que chamamos de plataforma continental, que ainda pode ser subdividida em plataforma
interna e externa em relação à distância da costa e ao fato de terem características oceanográficas
distintas. As plataformas continentais são áreas de grande interesse econômico e biológico porque é
onde há maior abundância e diversidade de organismos. Contudo, também estão mais sujeitas aos
efeitos das ações antrópicas, uma vez que grande parte da população habita zonas costeiras.
A margem continental é a região onde são estabelecidas as divisões políticas de soberania nacional
dos países costeiros, como o do Mar Territorial - até 12 milhas náuticas (mn) = 22 km - e, a partir deste
limite, a Zona Contígua (até 24 mn) e a Zona Econômica Exclusiva (até 200 mn). A área oceânica
brasileira, juntamente com as águas interiores, compõe o que se conhece por Amazônia Azul. O Brasil
possui 3,6 milhões de km2 de ZEE e mais 2,1 milhões de km2 de solo e subsolo marinhos podem
ser acrescidos à soberania nacional, de acordo com a Convenção das Nações Unidas sobre Direito do
Mar1 (Fig. 3). No total, isso representará uma área de 5,7 milhões de Km2 de águas jurisdicionais, o
equivalente à 67 % do território continental. A Amazônia Azul é uma fonte riquíssima de recursos
vivos (biodiversidade, pesca) e não-vivos (petróleo, gás natural, minerais e rotas comerciais), que têm
um papel estratégico para o desenvolvimento do país.
A bacia oceânica constitui a porção do assoalho oceânico que se estende do sopé continental até a
outra margem continental. O relevo da bacia oceânica é plano em grande parte, mas apresenta diversas
feições como: cordilheiras (como a Dorsal Mesoatlântica), planícies abissais (áreas extensas e planas);
montes e platôs submarinos; ilhas vulcânicas (que podem estar relacionadas às cordilheiras oceânicas ou a
outras áreas de atividade vulcânica que afloram à superfície); além das fossas submarinas, que constituem
zonas de convergência de placas litosféricas, com grandes profundidades e geralmente associadas a arcos
insulares. A fossa das Marianas, no Pacífico Norte, é a maior depressão da crosta terrestre, com 11.035 m
de profundidade, seguida pela de Mindanao, nas Filipinas, com 10.830 m. Como comparação, podemos
citar o monte Mauna Kea, o ponto mais alto do arquipélago havaiano, que tem 10.203 m de altitude, dos
quais 6.033 m ficam submersos e 4.170 m estão acima do nível do mar.
1
Para saber mais, acesse: <https://www.marinha.mil.br/secirm/amazoniaazul>.
431
Noções de Oceanografia
FIGURA 3. Área oceânica que compõe a Amazônia Azul: em azul claro, as áreas sob jurisdição nacional e
em azul escuro as áreas solicitadas para ampliação do limite exterior da plataforma continental, que estão
sob análise na ONU.
A profundidade média dos oceanos é de cerca de 4.000 m e a luz do Sol penetra apenas em uma
fina camada que, em média, chega entre 150 e 200 m de profundidade. Esta zona iluminada é chamada
zona eufótica, que corresponde aproximadamente à zona epipelágica. Abaixo desta camada encontra-
se a zona disfótica, onde a quantidade de luz é ínfima e só pode ser medida por equipamentos muito
sensíveis. O recorde de maior profundidade da zona disfótica foi de 600 m, registrado no Oceano
Pacífico (Garrison, 2016). Abaixo da zona disfótica, segue-se a imensa massa dos oceanos que é
absolutamente escura (afótica = sem luz) e fria (a temperatura média é de 4°C). Estas características
determinam importantes processos no ambiente, como veremos adiante.
432
A vida no mar
Os organismos podem viver fixos ao substrato (sésseis) ou locomover-se sobre o fundo (vágeis).
Alguns vivem enterrados no sedimento, inclusive podendo formar galerias para se abrigar. Os substratos
podem ser naturais (rochas, sedimento) ou artificiais (como embarcações naufragadas, estruturas que
ficam submersas como ancoradouros e cascos das embarcações).
Um dos pais da oceanografia biológica, o naturalista alemão Christian Andreas Victor Hensen,
criou o termo “plâncton” e Ernst Haeckel, outro naturalista alemão de grande influência, diferenciou e
conceituou os termos nécton e bentos (Haeckel, 1890).
4.1 O Plâncton
Há uma classificação relacionada ao tamanho dos organismos, que tem estreita relação
com o aparato utilizado para coletá-los e as técnicas de estudo que permitiram a descoberta e
visualização das formas menores. Contudo, essa classificação também tem forte relação com a
biologia e função ecológica dos grupos. De acordo com Sieburth et al. (1978) temos as categorias:
fentoplâncton (menores que 0,2 µm), picoplâncton (0,2 a 2 µm), nanoplâncton (2 a 20 µm),
microplâncton (20 a 200 µm), mesoplâncton (200 µm a 20 mm), macroplâncton (2 a 20 cm) e
megaloplâncton (acima de 20cm).
433
Noções de Oceanografia
O plâncton tem um papel importantíssimo no ambiente marinho. Além de ser a principal base
das redes tróficas marinhas, a maioria dos organismos bentônicos e nectônicos tem seus estágios larvais
no plâncton. Portanto, essa comunidade, tão rica e diversa, também tem a função de ser um “berçário
marinho” A comunidade planctônica será apresentada com detalhes no capítulo Plâncton Marinho.
4.2 O Nécton
O nécton é constituído por animais que têm capacidade locomotora suficiente para vencer
as forças das correntes. Eles podem ser classificados em pelágicos e demersais, sendo os pelágicos
aqueles que vivem na coluna d’água e os demersais aqueles que vivem próximos ao fundo, mas possuem
flutuabilidade neutra ou positiva.
Sua distribuição, portanto, está condicionada a diversos fatores ambientais, mas não depende
diretamente do arraste físico das correntes marinhas. É o domínio com a menor diversidade em grupos
taxonômicos e espécies. Cerca de 5.000 espécies dos animais nectônicos são consideradas verdadeiramente
pelágicas, ou seja, vivem e se alimentam na coluna d’água. Entretanto, vários peixes considerados nectônicos,
vivem mais próximos ao fundo. Essa é uma estimativa parcial, pois não conhecemos toda a biodiversidade
da Terra, principalmente a de águas marinhas mais profundas. No nécton, há desde peixes muito pequenos
até grandes mamíferos, como as baleias-azuis, que podem chegar aos 30 m. Alguns peixes adultos, como
a Schindleria brevipinguis que habita recifes de corais da Austrália, têm menos de 10 mm. Apesar de esta
espécie ser bento-pelágica, alguns pesquisadores a consideram como pertencente ao plâncton, uma vez que
os organismos não conseguem vencer as correntes. Várias espécies formam cardumes ou agregados, mas
outras vivem isoladas. Os cardumes e os agregados têm diferentes funções, como reprodução, migração,
proteção dos indivíduos, entre outras. Muitas espécies nectônicas são carnívoras ou onívoras. Dentre as
onívoras, há várias espécies muito abundantes que são planctófagas (que se alimentam do plâncton).
A maioria dos animais nectônicos pertence ao grupo dos vertebrados, com exceção de alguns moluscos,
como as lulas, e de alguns crustáceos decápodes, como algumas espécies de camarões, “krill” e siris. Os
vertebrados que conhecemos como “peixes” são os dominantes no nécton. Peixe é um termo popular usado
para identificar animais aquáticos com nadadeiras e respiração aquática por brânquias (com várias exceções de
peixes que respiram também no ar), e não pertencem a uma categoria taxonômica que inclua apenas a eles. Por
exemplo, o grande grupo dos Osteichthyes (que em grego significa literalmente peixe ósseo) inclui não apenas
os peixes com esqueleto ósseo, mas todos os vertebrados com mandíbulas, exceto os peixes cartilaginosos
(os Chondrichthyes). Há cerca de 32.000 espécies que chamamos de peixes (em rios, lagos e mares),
principalmente de dois grandes grupos: o dos peixes ósseos e o dos peixes cartilaginosos juntamente com as
feiticeiras (Myxiniformes) e lampreias (Petromysontiformes). Os peixes ósseos podem ter nadadeiras raiadas
(Actinopterygii), que correspondem à maioria dos peixes viventes, ou nadadeiras lobadas (Sarcopterygii),
que podem ser os celacantos (Actinistia) ou os peixes pulmonados (Dipnoi). Os peixes cartilaginosos são os
tubarões, raias e quimeras. Maiores detalhes serão apresentados no capítulo Diversidade de Peixes Marinhos.
Os peixes têm hábitos de vida muito diferentes uns dos outros. Eles vivem em todas as regiões marinhas,
desde as costeiras até áreas oceânicas, e em todas as profundidades. Há peixes da família Gobiidae, como os
saltadores-do-lodo, que caminham pela lama e podem subir em árvores para se alimentar, há peixes-voadores
que podem planar distâncias curtas e outros que habitam as grandes profundidades abissais. A quantidade de
peixes nos diferentes ambientes marinhos não é homogênea. Eles são mais abundantes nas regiões costeiras,
estuarinas, recifais e nas áreas de ressurgência, onde há mais alimento. Existem espécies como a sardinha, que
são tipicamente pelágicas, pois vivem na coluna d’água e se alimentam do plâncton. No sistema pelágico há
também muitos predadores que estão no topo da teia trófica como os atuns e vários tubarões.
434
A vida no mar
Além dos peixes, encontram-se no nécton organismos do grupo dos Sauropsidas (tartarugas,
serpentes, crocodilos e aves) e dos Mammalia (mamíferos). Eles têm origem de tetrápodes terrestres
que se adaptaram ao meio aquático. Dentre esses animais, podem ser consideradas marinhas: sete
espécies de tartarugas, cinco das quais ocorrem no Brasil; uma espécie de lagarto, a iguana-marinha;
duas espécies de crocodilos-marinhos e cerca de 69 de serpentes-marinhas.
As aves marinhas são bastante diversificadas, havendo cerca de 300 espécies entre aves costeiras e
oceânicas, mas todas se reproduzem em terra. Dentre as cerca de 130 espécies de mamíferos aquáticos
atuais, incluem-se os cetáceos, ou seja, baleias, golfinhos e orcas, compondo cerca de 87 espécies; quatro
espécies de sirênios (três peixes-boi e uma de dugongo); 36 espécies pinípedes (as focas, leões-marinhos,
lobos-marinhos e morsas); os mustelídeos, com cerca de seis a oito espécies, que incluem a lontra-
marinha e a lontra-européia, que pode ser encontrada em regiões costeiras. O único Ursidae marinho é
o urso-polar que habita o polo Norte, hoje seriamente ameaçado de extinção devido ao derretimento da
calota polar Ártica. O capítulo Mamíferos Marinhos tratará esse assunto com maior abrangência.
As tartarugas marinhas vivem o tempo todo na água, mas todas elas desovam em terra, em ninhos
escavados na areia. Somente as fêmeas saem da água para desovar. Possuem as patas modificadas em
nadadeiras, o casco é mais leve do que o dos jabutis e a forma do corpo é mais hidrodinâmica para
facilitar a natação. O hábito alimentar dos adultos é variado; das que ocorrem no Brasil, a tartaruga-
oliva é predominantemente carnívora, alimentando-se de salpas, crustáceos, peixes e, eventualmente,
algas. É a menor espécie, com cerca de 35 a 65 kg. Já a tartaruga-verde é herbívora, alimentando-se de
algas e outros vegetais, e atinge 160 kg. A tartaruga-de-pente vive em corais e alimenta-se, sobretudo,
de esponjas, anêmonas, lulas, camarões e tem, em média, 85 kg. A tartaruga-cabeçuda também pode
ser encontrada em recifes e alimenta-se de crustáceos, moluscos, mexilhões e outros invertebrados, e
tem entre 70 a 180 kg. Finalmente, a tartaruga-de-couro alimenta-se principalmente de águas-vivas e
salpas, é a maior espécie com peso médio de 400 kg, podendo chegar a 900 kg. Para conhecer melhor
esse assunto, leia o capítulo Tartarugas Marinhas.
435
Noções de Oceanografia
436
A vida no mar
As duas espécies de aves apresentadas na Figura 4 são comuns na costa brasileira. Algumas
aves marinhas podem passar anos no mar e virem para a terra apenas ao atingirem a maturidade, para
desovar. Elas podem nadar na superfície e/ou sob a água usando as asas e os pés para isso. As asas dos
pinguins são especialmente modificadas para nadar e essas aves perderam totalmente a capacidade de
voo. São animais endotérmicos, os ditos de “sangue quente”, e com metabolismo alto. O voo requer um
grande gasto energético, por isso necessitam de áreas ricas em alimento. Os pinguins têm os corpos
mais pesados e densos do que as aves que voam, além das penas curtas e imbricadas. Essas adaptações
são importantes para sobrevivência e cuidados com a prole sob as baixas temperaturas onde vivem.
A maioria das aves tem visão extremamente desenvolvida, mas o sentido do gosto e olfato não são
tão aguçados. Muitas espécies são migratórias e podem percorrer longas distâncias, como os trinta-
réis que migram do Ártico para a Antártica, em busca dos verões de ambos os hemisférios. Nas rotas
migratórias, as aves precisam parar para descansar e se alimentar ao longo do caminho. A urbanização
e outras mudanças provocadas pelo homem podem prejudicar enormemente esse processo e causar
mortalidade em massa dos indivíduos. O capítulo Aves Marinhas tratará com detalhes deste grupo
especial e fascinante da fauna marinha.
São poucos os invertebrados que podem ser considerados verdadeiramente nectônicos, pois a
maioria das espécies tem capacidade natatória menor do que a de vertebrados em geral. Entretanto,
alguns moluscos e crustáceos, principalmente, podem ser considerados do nécton. As lulas são as mais
conhecidas, bastante abundantes, ótimas nadadoras e importantes comercialmente. Lulas gigantes,
como a do gênero Architeuthis, podem chegar aos 20 m de comprimento, vivem em profundidade e são
nadadoras velozes. Alguns camarões e caranguejos também têm capacidade de natação desenvolvida.
O krill, um crustáceo muito abundante na Antártica, é um caso controverso. Alguns autores os
consideram planctônicos, enquanto outros, como nós, os consideram nectônicos.
4.3 O Bentos
437
Noções de Oceanografia
pode contribuir substancialmente para a produção primária (esse conceito será apresentado mais
adiante). Em regiões profundas, as bactérias bentônicas quimiossintetizantes são as principais
responsáveis pela produção primária, especialmente nas fontes hidrotermais em mar profundo.
Os animais bentônicos (zoobentos) que vivem enterrados no sedimento, como vários moluscos,
são denominados infauna. Aqueles que ficam sobre o sedimento ou substrato constituem a epifauna,
que pode ser vágil (pode se locomover) como camarões e lagostas, estrelas-do mar; ou séssil (fixo ao
substrato), tais como ostras, cracas, anêmonas, esponjas, ascídias e outros. Organismos bentônicos,
principalmente os sésseis e os de hábitos de vida mais restritos, são muito utilizados em trabalhos de
monitoramento ambiental, por refletirem as condições do solo e/ou da água circundante.
Diferentes estratégias reprodutivas são adotadas pelos organismos bentônicos. Muitos apresentam
desenvolvimento direto, mas a grande maioria apresenta estágios larvais, geralmente planctônicos,
com metamorfose e mudas em alguns casos. As fases larvais planctônicas garantem a dispersão dos
organismos para outras áreas, especialmente para os que são sésseis na fase adulta. No plâncton, essas
numerosas larvas podem encontrar alimento em abundância, mas também sofrem grande predação.
Os manguezais são áreas alagadiças de interface terra-água, que estão condicionadas à ação das
marés. São ambientes muito produtivos, embora relativamente pouco diversos. Sua vegetação, no Brasil,
é composta por árvores de médio porte dentre as quais têm destaque as espécies: Laguncularia racemosa,
Rhizophora mangle e Avicennia schaueriana, que popularmente são conhecidas como mangue branco,
vermelho e preto, respectivamente, devido a características das plantas (Shaeffer-Novelli, 1995). Uma
fauna abundante e diversificada habita o sedimento fino sob estas árvores. Os mangues são ambientes
importantes em termos de ciclagem de nutrientes, constituem área de reprodução para muitas espécies
e, em termos econômicos, são muito utilizados como fonte de recursos para as populações caiçaras. Esse
importante ecossistema será tratado no capítulo Manguezal: ecossistema entre a terra e o mar.
As marismas são ambientes planos ou com pouca declividade, periodicamente cobertos pelas
marés, que são colonizados principalmente por plantas herbáceas resistentes a variações de temperatura
e salinidade. Predominam o gênero Spartina nas áreas mais inundadas e o junco nas áreas mais secas.
Esses ambientes são bastante produtivos e têm um importante papel na criação de habitats para
diversos organismos bentônicos (inclusive perifíton) e aves migratórias. Além disso, atuam como
estabilizadores de linha de costa evitando a erosão, uma vez que as águas perdem velocidade no contato
com os talos das plantas.
Os costões rochosos são ambientes habitados por uma diversificada flora e fauna bentônicas
que apresentam padrões horizontais de distribuição (zonação) em função da variação da maré. Esses
ambientes serão apresentados no capítulo Ecologia do Bentos Marinho.
As areias das praias contêm uma comunidade abundante, com predomínio de nemátodas,
tardígrados, bactérias, fungos e microalgas que podem ficar aderidos aos grãos de areia ou nos
interstícios dos sedimentos. Esses organismos podem realizar uma migração vertical ao longo
438
A vida no mar
Os recifes de coral exigem, para sua formação, temperaturas da água acima de 20°C, águas
rasas e iluminadas, limpas, com pouca turbidez, salinidade constante e energia de ondas. Os pólipos
dos corais abrigam zooxantelas, algas fotossintetizantes, que vivem em simbiose em seus tecidos.
Os recifes, especialmente os de corais, são extremamente ricos, produtivos e importantes, ocupando,
por vezes, grandes áreas nos trópicos, como na Austrália. Os recifes de coral são os ambientes com
maior biodiversidade dentre os ambientes marinhos do planeta. Efeitos globais estão ameaçando esse
importante, mas frágil ecossistema.
Considerando as regiões mais profundas, existem ecossitemas bentônicos muito singulares como
as fontes termais (onde ocorrem exsudações de material magmático por fraturas na crosta terrestre) e
os respiradouros frios (do inglês “cold-seeps”) e os lagos salgados profundos, que serão apresentados no
capítulo Oceanografia Microbiana.
Vale ressaltar que há vários organismos que não são considerados marinhos, mas frequentam esses
ambientes e utilizam seus recursos. São encontrados, sobretudo, em praias, manguezais e restingas, tais
como sapos, cobras, lontras, jacarés, gambás, ratões, aves, insetos, dentre outros, além dos domésticos
como cães e gatos. Da mesma forma, existem espécies marinhas que invadem outras áreas, como
exemplo: os caranguejos-guaiamum, peixes marinhos que entram na água doce, como os robalos
e as tainhas, e muitas aves, como o talha-mar (Rynchops niger), comum no Brasil Central, nos
rios Araguaia e Tocantins.
Existem também várias espécies que são de água doce cujo ancestral era marinho, como os boto-
tucuxi (Sotalia fluviatilis) e boto-cor-de-rosa (Inia geoffrensis), caranguejos (Trichodactylidae), lagostins
(Aegla sp.) e camarões (Macrobrachium sp.), mexilhão-dourado (Limnoperna fortunei), vários peixes
(manjubas, corvinas, góbios, raias), etc.
Por fim, não podemos esquecer do ser humano, que, desde os primórdios da civilização, utiliza
o mar e seus recursos de muitas maneiras diferentes. Hoje, nossa influência sobre os ambientes
marinhos, em especial nas regiões costeiras, é maior do que nunca e deve ser motivo de profunda
reflexão e responsabilidade. A Figura 5 apresenta alguns representantes do bentos.
439
Noções de Oceanografia
440
A vida no mar
Os organismos heterotróficos (ou heterótrofos) são os que utilizam matéria orgânica pronta
disponível no meio, sendo representados pelas bactérias e protistas heterótrofos e os animais.
São os “consumidores” da teia trófica. Os organismos mixotróficos são aqueles que podem
fazer fotossíntese quando se encontram na zona eufótica, mas que são capazes de sobreviver
alimentando-se de substratos complexos, como matéria orgânica dissolvida na água, quando
permanecem na zona afótica. Portanto, apresentam hábitos autotróficos ou heterotróficos de
acordo com as condições do meio.
Toda a energia que sustenta as regiões marinhas provém, em princípio, da produção primária.
O plâncton, por conter as microalgas e bactérias autótrofas, é a principal base das redes tróficas
marinhas. Entretanto, em algumas áreas rasas ou onde a luz penetra até o sedimento, o microfitobentos
(comunidade de microalgas que habita o sedimento), as macroalgas e as plantas marinhas também são
importantes produtores primários. O fluxo de nutrientes ao longo da coluna de água e na interface
água-sedimento é um fator que condiciona a produtividade primária de uma região.
Há regiões onde a produção fitoplanctônica é alta (como nas ressurgências) e, portanto, ela
se constitui na via principal de entrada de energia para teia trófica. Porém, em mar profundo, a
via de entrada principal é a bentônica pela quimiossíntese das bactérias e o aporte de matéria
orgânica que vem das camadas superficiais. A relação dinâmica entre coluna d’água e o fundo é
chamada acoplamento bento-pelágico. A Figura 5 apresenta de modo esquemático e simplificado
uma rede trófica marinha.
441
Noções de Oceanografia
FIGURA 5. Esquema de uma teia alimentar marinha simplificada, com destaque para a “Alça Microbiana”.
O bacterioplâncton tem um papel ecológico muito importante que só foi descoberto na década de
1980 (Azam et al., 1983). Por poder utilizar a matéria orgânica dissolvida (MOD) na água, resultante
da excreção do fitoplâncton, ele acaba por sintetizar biomassa suficiente para alimentar organismos
nano e microheterótrofos, que por sua vez tornam-se alimento para o microzooplâncton, constituindo
uma via alternativa de alimento para estes últimos organismos, em relação à cadeia trófica tradicional.
Esta MOD estaria perdida para a rede trófica tradicional, não fosse a capacidade de
reaproveitamento deste material pelos microrganismos do picoplâncton (via produção heterotrófica).
Criou-se, então, a expressão “alça microbiana” para identificar este elo adicional entre produtores e
consumidores no ambiente marinho.
Em termos de fluxo de matéria e energia na teia trófica existem controles que atuam dos níveis
tróficos inferiores para os superiores, os controles ascendentes (do inglês, “bottom-up”), ou dos níveis
tróficos superiores para os inferiores, os controles descendentes (ou “top-down”).
A deficiência de nutrientes leva a uma menor produção primária que determinará menor
biomassa ao longo da teia trófica, representando um controle ascendente. Um exemplo de controle
descendente é a pressão de predação que um predador de topo pode exercer sobre os organismos de
níveis tróficos inferiores, diminuindo sua biomassa.
442
A vida no mar
A radiação solar é a principal fonte de energia do nosso planeta. A energia do Sol penetra na
coluna de água e parte dela é absorvida e convertida em calor. O fator mais determinante para o
gradiente latitudinal advém de o eixo da Terra estar inclinado em relação ao Sol, de modo que a
incidência e intensidade da radiação solar não são homogeneamente distribuídas no planeta, causando
as variações climáticas sazonais nos continentes e também nos oceanos. Esta distribuição desigual
de calor determina padrões de estratificação da coluna de água e padrões de circulação de correntes
marinhas. As águas superficiais dos oceanos são aquecidas pelo Sol, o que estabelece uma estrutura
térmica vertical em três camadas principais: a camada de mistura, mais superficial e mais quente (de 50
a 150 m de profundidade), a camada intermediária, onde ocorre uma rápida redução da temperatura em
função da profundidade (o que chamamos termoclina permanente), e a camada profunda que banha
o leito oceânico, cujas temperaturas variam entre 0 e 4°C. Nas regiões polares, como o aquecimento
superficial é pequeno, a coluna de água é homogênea. Já nas regiões tropicais, esta estratificação em
camadas é bem marcante e ainda há a formação de uma termoclina sazonal na camada de mistura,
especialmente no verão. A presença da termoclina é um fenômeno muito importante porque ela atua
como uma barreira física para os microrganismos e para o fluxo de nutrientes ao longo da coluna de
água. Isso tem consequências importantes em toda hidrodinâmica e dinâmica trófica.
Considerando o gradiente vertical, além das variações de temperatura e luz já discutidas, outra
forçante importante é a pressão hidrostática, gerada pelo peso da coluna de água, que condiciona limites
físicos para organismos que habitam zonas profundas ou para os que nadam ao longo de diferentes
profundidades. Os peixes batiais têm adaptações morfológicas e fisiológicas muito particulares para
sobreviverem naquelas condições (como será visto no capítulo Diversidade de Peixes Marinhos).
Além da luz, um dos principais fatores que limitam a produção primária marinha é a
disponibilidade de nutrientes, como nitrogênio, fósforo, potássio e sílica. Os ambientes que apresentam
grande disponibilidade de nutrientes são ditos eutróficos, seguidos pelos mesotróficos (intermediários)
e os oligotróficos (pobres em nutrientes). Os fotoautótrofos absorvem os nutrientes inorgânicos
presentes na zona eufótica para a produção de biomassa. Assim, a camada de mistura tende a ficar
empobrecida e a produtividade primária pode diminuir em função disto. Normalmente, as camadas
mais profundas possuem uma maior disponibilidade nutricional porque o consumo é menor e também
porque a matéria orgânica que sedimenta é decomposta por bactérias e outros decompositores ao longo
da coluna de água (ou no fundo). Esse processo é chamado de remineralização: a matéria orgânica
é decomposta e os nutrientes inorgânicos são redisponibilizados para o meio (Fig. 5). Cerca de 1/3
da produção primária da zona eufótica é exportada para as camadas mais profundas, por meio do
443
Noções de Oceanografia
afundamento passivo das partículas, constituindo a neve marinha. Esta entrada de matéria orgânica
que é utilizada pelas comunidades de camadas mais profundas (nas zonas disfótica e afótica) constitui
um processo chamado bomba biológica (Longhurst & Harrison, 1989). Eventualmente, esse material
que sedimenta também vai sofrendo decomposição, e os nutrientes podem voltar na forma inorgânica
para a coluna de água. A comunidade picoplanctônica tem papel fundamental nesta dinâmica, por
meio da alça microbiana.
Neste contexto, outro gradiente vertical é estabelecido: as camadas mais superficiais apresentam
geralmente menor disponibilidade nutricional do que as camadas profundas e, para que o ciclo de
produção, consumo, regeneração e reutilização se feche, é necessário que estes nutrientes voltem à zona
eufótica. Muitos são os mecanismos advectivos que levam águas profundas (e ricas em nutrientes) para
as camadas superficiais, como por exemplo: as ressurgências, turbulências, vórtices, zonas de divergência
de células de circulação, processos que levem à desestabilização da termoclina, o revolvimento do
fundo por ação de ondas ou correntes de maré.
Da mesma maneira, nutrientes “novos” entram nos mares pelo aporte de rios, drenagem
continental, água intersticial continental que deságua direto na área costeira, por precipitação
atmosférica (trocas ar-mar ou por dissolução de partículas do ar nas chuvas), e circulação profunda,
que leva as águas frias e ricas em nutrientes das regiões polares em direção ao Equador, pelas camadas
profundas da coluna de água, sofrendo interações e modificações ao longo de seu percurso. Correntes
de fundo também podem interagir com o relevo submarino (como uma montanha ou uma ilha), e
subir para a zona fótica, enriquecendo o ambiente com nutrientes.
Considerando os organismos, é preciso que exista um equilíbrio osmótico entre o teor de sal
no interior das células e no meio externo. Há vários mecanismos fisiológicos que são utilizados para
manter esse controle. No entanto, há limites. Cada organismo tem uma faixa de ótimo de salinidade
para sobreviver. Próximo aos extremos desta faixa começa a haver danos em estruturas celulares,
444
A vida no mar
entrada ou saída excessiva de água por osmose, alterações na flutuabilidade, fatores que podem levar o
organismo à morte. Os organismos que têm uma ampla faixa de tolerância à variação de salinidade são
ditos eurihalinos, em oposição aos que têm uma tolerância mais restrita, os estenohalinos.
7. Conclusão
Quando observamos a superfície do mar, ele nos parece uma imensa massa homogênea de água.
Contudo, os ambientes marinhos e as formas de vida que os ocupam são muito diversos e complexos.
Os avanços recentes da tecnologia e do conhecimento humano têm nos permitido desvendar e
entender melhor a imensidão compreendida pelos oceanos. No entanto, há muita coisa que ainda
desconhecemos, não apenas no aspecto da biodiversidade marinha, mas também sobre os ambientes
extremos, recursos naturais e processos em diversas escalas espaço-temporais, que ainda precisam ser
mais bem investigados e entendidos, inclusive para que a relação do homem com os oceanos se torne
mais sustentável. Sem dúvida, há um vasto campo de estudo aberto para a Oceanografia em todas as
suas vertentes e com todas as suas interconexões com as outras ciências.
445
Noções de Oceanografia
Referências Bibliográficas
AZAM, F.; FENCHEL, T.; FIELD, J. G.; GRAY, J. S.; MEYER-REIL, L. A. & THINGSTAD,
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FIELD, C. B., BEHRENFELD, M. J., RANDERSON, J. T. & FALKOWSKI, P. 1998. Primary
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GARISSON, T. 2016. Fundamentos de Oceanografia. 2ª ed. São Paulo, Cengage Learning. 480p.
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SHAEFFER-NOVELLI, Y. 1995. Manguezal: ecossistema entre a terra e o mar. Caribbean
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SIEBURTH, J. M. C. N.; SMETACEK, V. & LENZ, J. 1978. Pelagic ecosystem structure:
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Limnol. Oceanogr., 23(6): 1256-1263.
446
Plâncton marinho
NOÇÕES DE OCEANOGRAFIA
Capítulo 21
PLÂNCTON MARINHO
Flávia Saldanha-Corrêa & Sônia Maria Flores Gianesella
447
Noções de Oceanografia
448
Plâncton marinho
Plâncton Marinho
Flávia Saldanha-Corrêa
& Sônia Maria Flores Gianesella
1. Introdução
O plâncton é uma comunidade constituída por uma ampla gama de organismos que vivem em
suspensão na coluna de água e apresentam pouco ou nenhum poder de locomoção, sendo, portanto,
transportados passivamente por correntes ou movimentos das massas de água nas quais se encontram.
O termo plâncton é originário do grego (planktos = errantes) e foi proposto pelo biólogo alemão
Victor Hensen em 1887, designando todas as partículas orgânicas, vivas ou mortas, que flutuam
livremente nos corpos de água.
Hoje, o termo se aplica apenas aos organismos que se encontram em suspensão nas águas,
sejam elas doces, salobras ou marinhas. As partículas em suspensão não-vivas (organismos mortos,
detritos orgânicos e minerais) recebem o nome de trípton e o plâncton + o trípton compõem o que
se conhece por séston.
As primeiras observações do plâncton foram feitas em 1832 por Johannes Müller, médico e
pesquisador alemão, que capturou esses organismos ao passar uma rede de seda pela superfície do mar
e observar o material em um microscópio. Portanto, Müller é considerado o criador da planctologia.
Pelo tamanho diminuto, os organismos só podem ser observados com algum detalhe a partir de
um aumento de cerca de 30 vezes. Entretanto, existem alguns organismos visíveis a olho nu.
Dada esta grande diversidade, o plâncton é subdividido em várias categorias de acordo com
características como: nível de organização celular, tipo de nutrição, tamanho do organismo, habitat e
até mesmo com o tempo de permanência no ambiente planctônico ao longo do ciclo de vida.
2. As classificações do plâncton
De acordo com o nível de organização celular, os organismos planctônicos podem ser
classificados como:
449
Noções de Oceanografia
Micoplâncton: é o grupo composto pelos fungos, especialmente por suas formas reprodutivas.
Essas categorias listadas acima serão apresentadas com maior detalhamento na seção 3
“Componentes do Plâncton”.
Outro critério bastante útil, é a divisão por classes de tamanho do organismo, que surgiu
em decorrência dos aparatos utilizados para coleta e, no caso das categorias menores, graças ao
desenvolvimento de novas técnicas ou aplicação à oceanografia de técnicas utilizadas em ciências
correlatas (como a biologia molecular). Desse modo, temos:
Picoplâncton: organismos de tamanho entre 0,2 e 2,0 μm, composto por arqueias, bactérias,
proclorófitas e organismos eucariontes de vários grupos (como as picobilifita). A descoberta destes
organismos ocorreu com o desenvolvimento e aplicação de técnicas microscopia eletrônica, no fim da
década de 1970. O picoplâncton corresponde à fração de organismos mais abundantes nos oceanos,
especialmente em águas oligotróficas (pobres em nutrientes) como as de regiões oceânicas.
Megaloplâncton: representado pelos organismos maiores (acima de 20 cm), tais como medusas
e caravelas que vivem na coluna de água ou flutuando na superfície da água.
Em termos de habitat ou distribuição geográfica, o plâncton marinho também pode ser chamado
de haliplâncton, enquanto que o plâncton de água doce é denominado limnoplâncton.
450
Plâncton marinho
Estuarino: Habita os estuários. Como esses ambientes apresentam grande variação de salinidade em
função das marés, normalmente predominam nos estuários os organismos eurihalinos, que suportam
essas condições, em contraposição aos organismos estenohalinos, que toleram pouca variação de
salinidade e predominam no plâncton oceânico. As espécies que têm ampla distribuição pelos
oceanos são ditas cosmopolitas, enquanto que as mais restritas a certos locais são ditas endêmicas.
Plêuston: parte do corpo fica fora da água e os ventos auxiliam no deslocamento dos organismos,
como as macrocolônias de medusas dos gêneros Physalia e Vellela.
Epipelágico: vivem na faixa até os 200m de profundidade, que corresponde também à zona
eufótica. Portanto é nesta camada onde encontramos a maioria dos organismos fotossintetizantes.
Abissopelágico: vivem em estreita relação com o fundo, como nas fontes hidrotermais (“chaminés
submarinas”). As bactérias merecem destaque nessas profundidades por serem os principais
produtores primários. Em condições muito especiais, pode ocorrer uma fotossíntese muito
particular, que utiliza a radiação infravermelho das exsudações quentes de material magmático
como fonte de energia. Contudo, o principal processo é a quimiossíntese realizada por bactérias,
como será visto no capítulo Oceanografia Microbiana.
Holoplâncton ou Euplâncton: o organismo tem o seu ciclo de vida no plâncton. São exemplos:
o fitoplâncton, os copépodos, os chaetognatos e os apendiculárias.
Meroplâncton: são os organismos que permanecem no plâncton apenas uma parte do ciclo
de suas vidas. É o caso dos ovos e fases larvais dos peixes (ictioplâncton) e de vários outros
animais bentônicos como os cirripédios (cracas), poliquetos, moluscos, equinodermos, decápodes
(camarão, siris e caranguejos) e octópodes (polvos).
451
Noções de Oceanografia
3. Os componentes do plâncton
3.1 Virioplâncton
Eles são extremamente abundantes na água do mar, correspondem a 5% de toda massa viva dos
oceanos. Suas concentrações variam entre 10 a 100 milhões de partículas por mL e são encontrados
em todos os ambientes marinhos.
A virologia marinha é um campo fértil para novas descobertas. Até 2019 cerca de 15 mil
espécies de vírus marinhos eram conhecidas, quando uma publicação assinada por dezenas de autores
(Gregory et al., 2019) reportou a existência de cerca de 200 mil espécies novas de vírus marinhos,
distribuídos em cinco áreas bem diferenciadas: o oceano Ártico, o Antártico e nas águas temperadas
próximas dos trópicos nas camadas superficiais, intermediárias (de 150 a 1.000 m) e profundas até
4.000 m. Essa publicação foi resultado de uma expedição1 que cobriu todos os oceanos e contou
com a participação de centenas de pesquisadores de vários países, contribuindo para revelar muitos
organismos desconhecidos, além dos vírus.
Os autores do referido artigo relatam que a zona temperada é a que apresenta maior diversidade
de vírus, seguida pelo oceano Ártico. Normalmente, a diversidade de espécies da maioria dos seres
vivos é maior na região do Equador e diminui em direção aos polos.
No caso dos vírus, isso vale para o oceano Antártico, onde existe comparativamente menor
diversidade do que nas regiões temperadas, mas não é o que se observa em direção ao Ártico. Os autores
destacam que é precisamente este oceano que está mudando mais rápido devido à mudança climática.
Provavelmente os vírus podem infectar vários organismos, porém ainda pouco se sabe sobre estas
relações. Dos 10% dos vírus marinhos melhor estudados, observa-se que há preferência por infectar
organismos unicelulares: há os bacteriófagos, que infectam as bactérias e os ficovírus, que infectam o
fitoplâncton. Há evidências de que uma única célula possa ser infectada por diversos tipos de vírus
simultaneamente. O entendimento destas relações ainda demanda muito estudo de metagenômica.
De acordo com Fuhrman (1999), os vírus sofrem rápidas flutuações em suas populações e
desempenham um papel ecológico importante, porque influenciam muitos processos biogeoquímicos
e biológicos, incluindo os ciclos de nutrientes, respiração do sistema, distribuição de partículas e
taxas de afundamento, diversidade e distribuição de bactérias e algas, controle de florações algáceas
e transferências genéticas. Portanto é um campo bastante promissor para importantes descobertas e
entendimento da dinâmica marinha.
1
Fondation Tara Océan: <https://oceans.taraexpeditions.org/>
452
Plâncton marinho
3.2 Arqueoplâncton
As arqueias são uma categoria de organismos procariontes, que até pouco tempo pertenciam
ao bacterioplâncton. Contudo, com a evolução dos estudos e o entendimento de suas características
e funções, verificou-se a existência de características singulares que as diferenciam das bactérias, por
isso foram propostos dois Domínios distintos: Domínio Archea e Domínio Bacteria. As arqueias
são organismos muito antigos, encontrados em ambientes de condições extremas, por isso são
considerados organismos extremófilos. Podem viver em ambientes com altas salinidades (halófitas) ou
altas temperaturas (termófilas). Muitas são anaeróbicas obrigatórias, outras produzem metano. Podem
apesentar metabolismo autotrófico ou heterotrófico e também podem ser encontradas no sedimento,
compondo nesse caso, a comunidade bentônica. As arqueias serão melhor exploradas no capítulo
Oceanografia Microbiana, que tratará também do bacterioplâncton.
3.3 Bacterioplâncton
3.4 Micoplâncton
Os fungos, de um modo geral, são encontrados nos substratos compondo o bentos ou perifíton,
ou associados a outros organismos, estabelecendo relações simbióticas ou parasitárias com animais,
plantas e algas. No entanto, existem fungos em suspensão na água, compondo o que se conhece por
453
Noções de Oceanografia
micoplâncton. Eles são encontrados no plâncton como meroplâncton (as formas de reprodução
sexuada ou assexuada como esporos e conídios) ou como ticoplâncton, quando hifas e micélios vão
acidentalmente para a coluna de água (quando descolados de seu substrato por ação de ondas ou
correntes, por exemplo).
A grande maioria dos fungos é sapróbia (se alimenta de matéria orgânica morta) e por isso têm
grande importância na ciclagem de nutrientes, especialmente pela produção de enzimas como celulases,
amilases, lipases e proteases que decompõem a matéria orgânica. Vários bioativos produzidos pelos
fungos têm aplicação biotecnológica, talvez o mais popular deles seja a penicilina, produzida pelos fungos
do gênero Penicillium.
Os fungos ocorrem em elevada quantidade e diversidade, com ampla distribuição geográfica. São
resistentes às condições hidrológicas adversas, como amplas variações de pH, temperatura, saturação
de oxigênio e eutrofização (Moreira & Schoenlein-Crusius, 2010).
FIGURA 1. Imagens microscópicas de fungos isolados na Baía do Araçá (SP) onde predominam os gêneros
Aspergillus e Penicillium. Imagem retirada do artigo de Doi et al. (2018).
454
Plâncton marinho
3.5 Fitoplâncton
O tamanho das microalgas varia em quatro ordens de magnitude, desde menores que 1 μm até
2000 μm (2 mm), incluindo, portanto, organismos pertencentes ao pico, nano, micro e mesoplâncton.
As frações menores são coletadas por meio de garrafas e as maiores podem ser coletadas por redes de
poros de 20 ou 30 μm (Fig. 2).
FIGURA 2. A) Garrafa de Van Dorn utilizada para a coleta de água contendo a comunidade planctônica
total; B) Rede cônico-cilíndrica para coleta de plâncton. O diâmetro da boca da rede e o tamanho do
poro do tecido variam de acordo com a classe de tamanho do organismo que se deseja coletar; e C) Rede
tipo bongô para coleta de ictioplâncton. Os fluxômetros acoplados à boca das redes permitem análises
quali-quantitativas do material coletado, por registrarem o volume de água que passou pelas redes. Fotos:
Leandro Coelho (A), Luiz Vianna Nonato (B) e Francisco Vicentini (C).
A maioria dos organismos fitoplanctônicos se reproduz por mitose, mas pode haver também
reprodução sexuada. As taxas de crescimento variam desde algumas duplicações por dia (prolorófitas
e algumas cianobactérias) até uma duplicação a cada dez dias (como as grandes diatomáceas). De
modo geral, quanto maior é a célula, maior é o tempo para a duplicação. As formas reprodutivas
têm morfologia muito diferente das formas vegetativas. Algumas formam esporos de resistência para
sobreviver a condições adversas, que também são bem diferentes da célula original (ver adiante Fig. 6).
Como apresentado no capítulo anterior, a produção primária é o processo pelo qual ocorre
formação de matéria orgânica a partir de substratos inorgânicos com energia da luz (fotossíntese)
ou da quebra de compostos químicos simples (quimiossíntese).
455
Noções de Oceanografia
Portanto, para que a fotossíntese ocorra é preciso que haja disponibilidade de luz e nutrientes.
O fitoplâncton encontra um ponto ótimo de crescimento quando consegue obter luz e nutrientes
suficientes para isso.
No oceano aberto, a zona eufótica (Zeu) pode variar de 150 a 200 m de profundidade. Em regiões
costeiras, com alto teor de material em suspensão na água, a Zeu pode se restringir a poucos metros (ou
centímetros no caso de estuários). Considerando-se que os oceanos têm uma profundidade média de 4000
m, a zona eufótica representa um diminuto compartimento deste ambiente. Em termos práticos, o limite
da Zeu é definido como a profundidade onde chega apenas 1% da luz que atinge a superfície do mar. Essa
profundidade também corresponde ao Ponto de Compensação, que representa a profundidade na qual
toda energia química convertida pela fotossíntese é consumida pelo próprio organismo para manutenção
de seus processos vitais. Portanto, não há produção primária líquida abaixo desta profundidade.
Uma forma rápida e simples de se estimar a profundidade da Zeu é por meio do Disco de Secchi
(Fig. 3). O disco é mergulhado na água até a profundidade na qual deixamos de enxergá-lo. Essa
profundidade (em metros) é anotada e usada na equação:
456
Plâncton marinho
FIGURA 3. A) Disco de Secchi sendo lançado a partir do convés do N/Oc. Prof. W. Besnard; B) Radiômetro
submersível com sensor de luz esférico; e C) perfil subaquático de extinção da luz realizado com o
radiômetro (em azul) e a linha de ajuste da função exponencial (em preto). Neste ponto, a zona eufótica
se estendia até os 45 m, mas as medidas foram feitas até os 25 m, onde ainda havia 2,5% da luz incidente
na superfície. Imagens de Flávia Saldanha-Corrêa.
Os sensores de luz subaquáticos, como o da Figura 3, indicam a quantidade de luz total que
chega em cada profundidade. Os espectrorradiômetros permitem que essas medidas sejam feitas para
cada comprimento de onda de interesse.
As células absorvem os nutrientes que estão na microcamada de água ao seu redor. Como o
transporte difusivo de substâncias no meio líquido é muito lento (por exemplo, o tempo de difusão
de um sal na água em repouso é da ordem de 3 cm por dia), o fitoplâncton precisa de mecanismos
ativos que promovam a recirculação de água no seu entorno para evitar o esgotamento nutricional
na sua camada de contato com o meio externo. Isso é possível por meio do batimento de cílios e
flagelos e pequenos deslocamentos na coluna de água graças a variações na composição e disposição
do citoplasma na célula, que permitem que a célula se desloque por poucos milímetros. O pequeno
tamanho, por aumentar a razão superfície /volume, favorece a absorção de nutrientes e também de
luz, devido ao menor sombreamento dos cloroplastos pelas demais organelas intracelulares e menor
absorção pelo próprio citoplasma.
457
Noções de Oceanografia
trófica marinha. Elas possuem clorofila-a e ficobilinas (ficoeritrina ou ficocianina) cuja cor pode se sobrepor
ao verde da clorofila, conferindo-lhes uma coloração vermelha ou azul-esverdeado, bem característica. As
cianobactérias podem viver isoladas ou formando colônias ou filamentos (os tricomas). Muitas espécies
apresentam um envoltório mucilaginoso comum a várias células. Um gênero bastante abundante de
cianobactérias em águas oligotróficas é o Synechococcus cujas células são extremamente pequenas, da ordem
de 1 µm. Alguns exemplos de cianobactérias são apresentados na Figura 4.
458
Plâncton marinho
5A2). Ainda na figura 5 temos a diatomácea Coscinodiscus wailesii fotografada em vista valvar (I),
conectival ( J) e o detalhe da lígula (K), uma estrutura semelhante a uma lingueta, cuja função é manter
as valvas unidas. Essas imagens demonstram bem como o aspecto da célula é diferente dependendo
da posição na qual ela é observada. Observe a ornamentação das aréolas (pequenos poros) que se
distribuem em raios do centro para a margem da valva (I) e cobrem metade da superfície valvar na
lateral ( J). Nesta espécie, na área de encaixe das valvas não há aréolas. Note os pequenos cloroplastos
em grande número e dispersos por toda a célula. Esse padrão é típico para esta espécie e permite sua
identificação. Outra curiosidade interessante na imagem 5J é a presença de uma vorticela (na valva de
baixo), um simbionte que se fixa à superfície celular.
FIGURA 5. Imagens de várias espécies de diatomáceas planctônicas: A) Pleurosigma sp; A2) frústula da
mesma espécie porém sem o conteúdo celular, permitindo observar detalhes da ornamentação da valva,
especialmente a rafe na parte central; B e C) frústulas sem conteúdo celular das espécies Coscinodiscus
e Bacteriastrum, respectivamente. As imagens seguintes correspondem a células com todo conteúdo
interno, sendo possível observar os cloroplastos e as ornamentações da frústula em alguns casos:
D) Odontella mobiliensis; E) Paralia sulcata (forma cadeia); F) Cyclotella sp; G) Actinopticus sp; H)
Triceratium sp; e detalhes da diatomácea cêntrica Coscinodiscus wailesii: I) vista valvar; J) vista conectival;
e K) detalhe da lígula. Imagens de Flávia Saldanha-Corrêa.
459
Noções de Oceanografia
Na fase vegetativa, as diatomáceas não apresentam flagelos. Algumas podem apresentar hábitos
mixotróficos, embora a maioria seja autótrofa contendo clorofilas a e c além de vários carotenoides.
Algumas espécies produzem toxinas que podem provocar mortalidade de outros animais marinhos.
FIGURA 6. Alguns exemplos de dinoflagelados móveis (A-E): A) Tripos furca; B) Protoperidinium sp; C)
Tripos tripos; D) Dinophysis caudata e E) Peridinium sp. A seta branca indica o cíngulo e a vermelha o sulco,
de onde sai o flagelo perpendicular à célula. Dinoflagelados sem movimento: F) Prorocentrum lima; e G)
Pyrocystis fusiformis (célula vegetativa) e, respectivamente, H e I a fase móvel de reprodução e um cisto de
resistência desta espécie; J) Pyrocystis lunula. Estas duas espécies de Pyrocystis são bioluminescentes. K)
esqueleto de um silicoflagelado da espécie Dictyocha fibula. Imagens de Flávia Saldanha-Corrêa.
Dentre as cerca 3.600 espécies de dinoflagelados descritas (Guiry & Guiry, 2020), a maioria
vive isolada, mas algumas formam colônias, como a espécie Gymnodiniun catenatum. São encontradas
nos oceanos, estuários e águas continentais. Apresentam hábitos autotróficos, mas muitos são
mixotróficos e até heterotróficos, como a Noctiluca sp., o maior dinoflagelado conhecido (com cerca
de 2 mm), que possui um tentáculo em lugar dos flagelos. Tanto a Noctiluca sp. como a Pyrocystis
lunula e a P. fusiformis apresentam uma bioluminescência azulada, que é ativada por ação mecânica.
Essa luz é bem visível à noite com a movimentação da água, quando alguma destas espécies está
presente em grande quantidade.
460
Plâncton marinho
Várias espécies de dinoflagelados produzem toxinas, que podem causar as marés vermelhas
se esses organismos atingirem altas densidades na água (florações). Dentre alguns gêneros
potencialmente tóxicos podemos citar: Alexandrium, Gonyaulax, Prorocentrum, Gymnodinium,
Scripsiella e Pfisteria. Alguns, no entanto, podem ser nocivos mesmo em baixas concentrações na
água, como o gênero Dinophysis.
461
Noções de Oceanografia
3.6 Zooplâncton
Assim, o zooplâncton ocupa vários níveis da teia alimentar aquática, o que lhes confere uma
grande importância ecológica uma vez que têm papel fundamental na transferência de energia química
para animais de níveis tróficos superiores.
Ctenóforos: são organismos que têm o corpo gelatinoso de forma globosa ou achatada
apresentando placas ciliadas dispostas em oito fileiras meridionais. Existem 306 espécies
catalogadas, todas marinhas, holoplanctônicas e carnívoras. A maioria dos ctenóforos é
luminescente. Ex.: Beroe sp. e Pleurobrachia sp.
462
Plâncton marinho
Poliquetos: os poliquetas são animais bentônicos em sua maioria, porém apresentam uma
fase larval que é planctônica (larva trocófora). As larvas têm hábitos carnívoros e podem ser
encontradas em ambientes estuarinos, costeiros e pelágicos em regiões tropicais e subtropicais.
A liberação de grande massa de gametas na superfície da água em certas fases da lua é um
fenômeno bastante comum em mares tropicais.
A Classe Malacostraca abrange cerca de 40.000 espécies, com indivíduos apresentando o corpo recoberto
por uma carapaça. Os decápodes, como as larvas de camarão, lagosta, lagostin, siri, caranguejo, são os
principais representantes dos Malacostraca que também conta com organismos de outras ordens como
os Mysida, Cumacea, Tanaidacea, Amphipoda, Isopoda e Euphausiacea. A maioria é meroplanctônica
e apresenta vários estágios larvais, com hábitos herbívoros, carnívoros, onívoros e detritívoros.
Filo Chordata: os cordados são representados no plâncton marinho por animais dos subfilos
Urochordata, Cephalochordata e Vertebrata.
Cephalochordata: representados pelos estágios larvais dos anfioxos, que são animais marinhos,
bentônicos, cujo indivíduo adulto tem até de 8 cm de tamanho, vive enterrado no sedimento,
mas é capaz de nadar ativamente por pequenas distâncias. Existem cerca de trinta espécies.
Urochordata: são representados pelas apendiculárias, salpas e dolíolos (que são animais
filtradores, holoplanctônicos, com corpo transparente e gelatinoso) e pelas larvas das ascídias,
cujo adulto é bentônico. As apendiculárias apresentam um envoltório na cabeça e o restante
do corpo é uma longa cauda que cujo batimento propulsiona o animal. As salpas da espécie
Thalia democratica são indicadoras de águas frias e são capazes de se reproduzir rapidamente em
resposta à abundância de fitoplâncton do qual se alimentam. Eventualmente estas florações são
463
Noções de Oceanografia
levadas pela água até a praia e os organismos ficam depositados na areia, como umas bolinhas
gelatinosas que podem ser confundidas com celenterados.
464
Plâncton marinho
3.7 Ictioplâncton
Após a eclosão dos ovos e total absorção do vitelo, surgem as larvas propriamente ditas, que
também são planctônicas, mas nesse caso não se restringem mais à região da película superficial. Os
estádios larvais duram de alguns dias até meses, também de acordo com a espécie. A identificação
baseia-se em características morfológicas, morfométricas e merísticas, como por exemplo: forma do
corpo, relação largura/comprimento, forma dos olhos, número de raios das nadadeiras, dentre outros.
Maiores detalhes são apresentados no capítulo Biologia e Ecologia do Ictioplâncton Marinho.
4. A vida planctônica
O principal problema que o hábito planctônico acarreta é a tendência ao afundamento, uma
vez que os organismos são mais densos que a água do mar. A densidade da água do mar varia
entre 1,02 e 1,04 g ⸳ L-1, enquanto a densidade média do citoplasma dos organismos planctônicos
varia entre 1,03 a 1,10 g ⸳ L-1. A situação se agrava naqueles que possuem o corpo recoberto por
carapaças como as diatomáceas, os cocolitoforídeos, tintinídeos e copépodos, dentre outros. Este é
um problema particularmente crítico para o fitoplâncton que precisa manter-se na zona eufótica
para realizar a fotossíntese. A diminuição do peso pela redução do tamanho do corpo é uma regra
geral para os organismos planctônicos.
465
Noções de Oceanografia
O afundamento também pode ser evitado através do posicionamento dos organismos nas células
de convecção (ou células de Lagmuir) que se formam na água devido à ação de correntes e do vento.
Entre essas células, formam-se zonas de subida de água (ressurgência) e de descida (subsidência) que
carregam os organismos consigo. Alguns organismos conseguem se manter em uma determinada
profundidade valendo-se desses movimentos da água.
Pigmentos com cores metálicas e iridescentes são típicos de organismos do nêuston e plêuston,
auxiliando na reflexão da luz que atinge as células como proteção à radiação ultravioleta que pode
causar danos ao DNA.
o da Cypridina hilgendorfi, que descarrega na água pequenas nuvens luminescentes e que, mesmo
muito tempo depois de expostas ao ar, quando umedecidas com água ainda produzem luminescência.
Os eufausiáceos apresentam numerosos órgãos luminosos e muito diferenciados. Os Pyrosoma são
tunicados que formam grandes colônias gelatinosas e planctônicas que devem seu nome justamente à
sua luminescência (pyros = fogo).
O plâncton não apresenta uma distribuição homogênea nos oceanos. O padrão geral é a ocorrência
em manchas ou aglomerados. Há também variações verticais e horizontais nesta distribuição. Em
termos de distribuição vertical, os principais gradientes que se impõem aos organismos planctônicos
estão relacionados à luz, temperatura, pressão e disponibilidade de nutrientes. Uma feição bem
característica nos perfis de distribuição vertical do fitoplâncton é o “máximo profundo de clorofila”
(ou DCM de Deep Chlorophyll Maximum, no inglês). Esse máximo normalmente está associado à
presença da termoclina que atua como uma barreira física para o afundamento das células, que acabam
se acumulando nestas imediações.
Uma espécie típica de uma região pode ser transportada para outra que não seja o seu habitat
natural. Ela pode não se adaptar às condições deste novo local e morrer. Porém, há também a
possibilidade de se adaptar e prosperar. Se a população desta nova espécie passar a ser dominante,
467
Noções de Oceanografia
causando danos à biota natural ela será considerada uma “espécie invasora”. Muitas vezes, esta espécie
alóctone, por não possuir predadores naturais, acaba aumentando muito sua população, muitas vezes
excluindo organismos da biota nativa por predação ou competição. O exemplo mais conhecido que
temos no Brasil, é o do mexilhão-dourado, oriundo da China, que penetrou pelas águas do rio da Prata
e hoje ameaça a fauna do Pantanal e prejudica o funcionamento de usina hidrelétrica de Itaipú.
Algumas espécies apresentam grande vínculo com as massas de água que habitam e por esse motivo
são consideradas “espécies indicadoras”. Um exemplo clássico são as salpas (Thalia sp.) que são indicadoras
de águas frias. Este conceito pode também ser aplicado para espécies que se adaptam e se desenvolvem em
algumas condições específicas do ambiente, como em situações de poluição ou eutrofização.
5. Importância do plâncton
Os organismos planctônicos têm um papel fundamental no equilíbrio da Terra. A presença de
oxigênio livre na atmosfera deve-se a organismos planctônicos que passaram a realizar a fotossíntese
oxigênica, causando uma grande mudança nas características da atmosfera e biosfera pretéritas (há
cerca de 2,5 bilhões de anos). Atualmente, têm função decisiva no balanço de gases na atmosfera, sendo
um dos controladores de gases estufa como o gás carbônico. Muitos organismos fitoplanctônicos são
capazes de produzir o dimetil sulfonil propionato (DMSP) que origina o dimetilsulfato (DMS), gás
volátil que passa para a atmosfera e que atua como núcleo de condensação de nuvens. Desta maneira,
o fitoplâncton pode afetar o clima da terra, através da variação no albedo terrestre em função da sua
contribuição para a formação de nuvens.
O despejo de esgotos e outros dejetos nas águas costeiras causam o aumento de nutrientes
orgânicos e inorgânicos nas águas. Isto pode favorecer o desenvolvimento excessivo (florações) de
algumas microalgas e cianobactérias que acarretam a perda de qualidade de água (através da alteração
468
Plâncton marinho
da cor ou cheiro). Em alguns casos, as algas podem produzir toxinas que podem causar a morte da
biota marinha natural ou cultivada, atingindo inclusive o homem. Estas florações de algas nocivas têm
causado problemas econômicos e de saúde pública no mundo inteiro. Dada a importância do assunto,
a Comissão Oceanográfica Intergovernamental da UNESCO criou em 1993 o Programa de Floração
de Algas Nocivas2, visando promover o manejo eficaz e a pesquisa científica relacionados às florações
algáceas nocivas a fim de entender suas causas, prever suas ocorrências e mitigar os seus efeitos.
SITES RECOMENDADOS
CIFONAUTA. Banco de imagens de biologia marinha: <http://cifonauta.cebimar.usp.br/>
Referências Bibliográficas
AZAM, F.; FENCHEL, T.; FIELD, J. G.; GRAY, J. S.; MEYER-REIL, L. A. & THINGSTAD,
F. 1983. The ecological role of water-column microbes in the sea. Mar. Ecol. Prog. Ser.,10: 257-
263.
BERGER, W. H.; SMETACEK, V. S. & WEFER, G. 1989. Ocean productivity and
paleoproductivity: an overview. In: Productivity of the ocean: present and past (W.H. Berger, V.S.
Smetacek & Wefer,G., eds). Wiley-Interscience, Berlin.1-34.
DOI, S.A.; PINTO, A.B.; CANALI, M.C.; POLEZEL, D.R; CHINELLATO, R.A.M.
& OLIVEIRA, A.J.F.C. 2018. Density and diversity of filamentous fungi in the water
and sediment of Araçá bay in São Sebastião, São Paulo, Brazil. Biota Neotropica 18(1):
e20170416.
FIELD, C.B.; BEHRENFELD, M.J.; RANDERSON, J.T. & FALKOWSKI, P. 1998. Primary
Production of the Biosphere: Integrating Terrestrial and Oceanic Components. Science, 281(10):
237-240.
FUHRMAN, J.A. 1999. Marine viruses and their biogeochemical and ecological effects. Nature,
399: 541–548.
2
Harmfull Algal Bloom Programme - IUCN: <http://hab.ioc-unesco.org/>
469
Noções de Oceanografia
470
Oceanografia microbiana
NOÇÕES DE OCEANOGRAFIA
Capítulo 22
OCEANOGRAFIA
MICROBIANA
Camila Negrão Signori & Vivian Helena Pellizari
471
Noções de Oceanografia
472
Oceanografia microbiana
Oceanografia Microbiana
Camila Negrão Signori & Vivian Helena Pellizari
1. Introdução
Oceanografia Microbiana é uma disciplina recente, com termo proposto nos anos 2000, que
integra os princípios e conceitos de Microbiologia Marinha, Ecologia Microbiana e Oceanografia,
que visa observar e compreender a vida microbiana, seu papel na estrutura e funcionamento
dos ecossistemas marinhos em um sentido abrangente e inter- e multidisciplinar. A diversidade
taxonômica e funcional, e os processos microbianos que suportam diferentes metabolismos
são, por sua vez, influenciados pelo ambiente oceanográfico e suas forçantes ambientais, físicas,
químicas, geológicas e biológicas.
Os experimentos in situ ainda são menos efetivos em relação às demais abordagens, já que
ainda nos falta o total conhecimento dos biomas marinhos a ponto de desenharmos experimentos
com boas respostas do ecossistema, especialmente em escalas espaciais e temporais adequadas,
que de fato influenciem nos processos microbianos.
473
Noções de Oceanografia
FIGURA 1. Placas com bactérias marinhas isoladas (manchas coloridas) do biofilme associado a polímeros
plásticos coletados no Saco da Ribeira, Ubatuba, São Paulo, Brasil. Foto: Maria Carolina Kmit.
474
Oceanografia microbiana
VOCÊ SABIA?
Os micro-organismos podem ser classificados de acordo com a fonte de energia,
elétrons e carbono como indicativo de seu metabolismo. Adaptado de Karl (2009).
475
Noções de Oceanografia
2. Microbioma marinho
O microbioma marinho desempenha um papel de destaque no ciclo biogeoquímico dos
elementos (ex. C, N, S, P) e na base da teia alimentar marinha, sendo, portanto, fundamental
para a ecologia do mar e para a regulação do clima. Descobertas de compostos bioativos de
interesse biotecnológico e industrial também motivam as pesquisas no tema. Micro-organismos
são onipresentes no oceano. Eles existem como organismos individuais ou como comunidades,
livres na coluna d`água ou presos a substratos, fora ou dentro de outros organismos, e exibem
diferentes tipos de interações entre si e com o ambiente oceanográfico.
FIGURA 2. Abundância de bactérias e arqueias em diferentes habitats da Terra, com estimativa de cerca
de 1,2 x 1030 células microbianas no total. Os cinco maiores habitats ocupados por bactérias e arqueias
(99%) são representados por: oceano, sedimento superficial (até 50 cm de profundidade), subsuperfície
oceânica profunda, solo (até 8 m de profundidade) e subsuperfície continental profunda. Outros habitats,
exemplificados na caixa à direita, têm abundância de cerca de 5 x 1027 células de bactérias e arqueias,
correspondentes a 1% do total. Adaptado de Flemming & Wuertz (2019).
476
Oceanografia microbiana
Imaginando um transecto da terra para o mar, tem-se as zonas costeiras e estuarinas, que recebem
a influência de água marinha através do movimento de marés, e principalmente do aporte continental
das bacias hidrográficas adjacentes. Juntamente com a plataforma continental, esses ecossistemas são
movidos pela fotossíntese, que depende da disponibilidade de luz e nutrientes, e é realizada tanto pelos
grupos fitoplanctônicos, como por algas marinhas, plantas maiores como os kelps (ex. Laminaria sp.)
e gramíneas (ex. Posidonia oceanica e Zostera marina). Praias e rochas, de ambientes rasos a profundos,
são por vezes cobertas pelos tapetes microbianos (também chamados de biofilmes), que estão entre
os ecossistemas microbianos mais ricos do planeta (Fig. 4). São conhecidos por serem ecossistemas
pequenos e autossustentáveis, abrangendo comunidades fotolitoautotróficas, quimiolitoautotróficas e
quimioorganotróficas que formam uma teia alimentar complexa em uma camada de apenas alguns
milímetros. No sedimento, cianobactérias e diatomáceas são os principais produtores na camada
superficial, enquanto que imediatamente abaixo (<5 mm), micro-organismos redutores de sulfato
prevalecem em sedimentos de mar profundo.
477
Noções de Oceanografia
478
Oceanografia microbiana
Características do mar profundo como a ausência de radiação solar, baixa temperatura e elevada
pressão hidrostática tornam este ambiente fisicamente uniforme, e em sua maioria, abrigando baixa
abundância e diversidade de micro-organismos. Com exceção de habitats especiais, como as fontes
hidrotermais, carcaças de baleias (Fig. 6 e 7), bacias hipersalinas anóxicas e exsudações frias (cold seeps),
que são considerados hotspots de diversidade e atividade microbiana.
FIGURA 6. A e B) Bactérias marinhas associadas ao osso de baleia coletado na Antártica, Projeto LARISSA.
Imagens obtidas com uso da microscopia eletrônica de varredura (MEV). Foto: Ulisses Lins.
479
Noções de Oceanografia
As zonas profundas correspondem a cerca de 90% do ambiente marinho, e são marcadas por uma
separação física das massas d’água determinada pela temperatura e densidade (denominada termoclina).
Os corpos d’água diferentes e separados devido à termoclina possuem sistemas de circulação e
comunidades microbianas distintas. Como exemplo, sabe-se que as comunidades microbianas polares
de águas profundas são diretamente relacionadas à dispersão por correntes marinhas.
Embora a fotossíntese ainda possa contribuir de forma indireta para a teia alimentar dessas regiões
profundas, através do afundamento de partículas provenientes da zona eufótica, o metabolismo nessas
regiões é dominado pela quimiossíntese, definida pela produção biológica de compostos orgânicos
(glicose = alimento) a partir da incorporação de gás carbônico e nutrientes, usando a energia química
(ao invés da luminosa) gerada pela oxidação de moléculas inorgânicas (ex. amônia, hidrogênio, ferro,
enxofre) ou orgânicas (ex. metano, metanol).
Na interface entre a água e o sedimento forma-se uma zona de transição bem demarcada que
permite a coexistência e interação de diversos micro-organismos. A parte superior é constituída
principalmente de sedimento fino e lamoso, com altos percentuais de matéria orgânica acumulada
da zona eufótica.
As bactérias heterotróficas que são comumente encontradas incluem membros das classes
Gamma-, Delta-, Epsilonproteobacteria, Firmicutes e Bacteroidetes, capazes de realizar a fermentação
e redução de sulfato simultaneamente e criar as condições para a metanogênese.
480
Oceanografia microbiana
Também não se pode deixar de mencionar os vírus marinhos, que são provavelmente o
maior reservatório de novos genes da biosfera, e desempenham um papel importante na história
natural e dinâmica populacional naturais da maioria dos organismos vivos e, principalmente para as
bactérias, arqueias e protozoários, contribuindo para o funcionamento do ecossistema marinho e para
a estabilidade e desempenho das comunidades microbianas. Abordagens independentes de cultivo
permitiram rápidos avanços na compreensão da diversidade e da funcionalidade dos vírus marinhos,
mas ainda não excluem a necessidade de medições da taxa de lises virais in situ, bem como estudos
experimentais de interações vírus-hospedeiro.
No entanto, estudos de biogeografia microbiana são complexos por uma série de fatores
e limitações metodológicas. Primeiramente, o ambiente de estudo é aberto, tridimensional, muito
dinâmico e sujeito aos processos de pequena (ex. turbulências), média (ex. vórtices) e larga escala
(ex. correntes oceânicas). Portanto, sempre existe a possibilidade de ocorrer a subamostragem,
quando os movimentos físicos de correntes, vórtices, frentes, advecção e ressurgência proporcionam
diferentes condições ambientais diferentes daquelas normalmente encontradas, favorecendo diferentes
comunidades microbianas, mesmo em pequenas escalas espaciais ou até em um único local durante
curtos períodos de tempo. Em escalas maiores, as correntes de superfície podem limitar a estrutura
biogeográfica da comunidade microbiana ao afetar seus limites físicos e, portanto, contribuir para a
dispersão microbiana nas camadas superiores dos oceanos.
481
Noções de Oceanografia
Nos séculos XIX e XX, a maioria dos estudos sobre diversidade foi realizada para grupos específicos,
em micro-organismos marinhos cultiváveis e com características morfológicas ou metabólicas bem
definidas, que permitiram sua identificação taxonômica através do cultivo e microscopia de luz simples.
Como exemplo, as bactérias do gênero Photobacterium foram das primeiras a serem descritas, por serem
facilmente cultiváveis e identificadas. Ainda entre 1960 e 1990, outros grupos de bactérias foram
isolados e classificados com base em suas habilidades metabólicas ou características morfológicas (ex.
bactérias metilotróficas, diazotróficas nitrificantes). Micro-organismos eucarióticos do fitoplâncton,
por possuírem caracteres morfológicos visíveis ao microscópio de luz (ex. flagelos em dinoflagelados,
paredes celulares de silicato em diatomáceas, revestimento de carbonato de cálcio em cocolitoforídeos)
eram mais facilmente identificados e descritos.
Pesquisas em Oceanografia Microbiana devem ser reforçadas com mais estudos comparando as
comunidades microbianas de diferentes localidades para avaliar a relativa extensão da biodiversidade,
as tendências sazonais para os mesmos grupos de procariotos e suas distintas distribuições geográficas,
além da coleta de amostras investindo em escalas temporais, desde variações diárias à interanual.
Como exemplo, estudos pretéritos sobre a estrutura das comunidades microbianas polares mostraram
que a amostragem de frequência sazonal é fundamental para a compreensão de sua ecologia, por
estar diretamente vinculada ao metabolismo funcional e suas estratégias de adaptação às mudanças
das condições ambientais em altas latitudes, auxiliando consequentemente, na melhor compreensão
da estrutura e funcionalidade do ecossistema polar como um todo e na determinação dos efeitos das
mudanças climáticas na base da cadeia alimentar do Oceano Austral.
Diferentes escalas de espaço e tempo podem e devem ser utilizadas em Ecologia Microbiana
para melhor compreensão da variação das comunidades microbianas, tanto naturalmente, quanto pela
intervenção de fenômenos naturais (ex. climáticos, oceanográficos) ou pela intervenção do homem (ex.
mudanças climáticas).
Uma abordagem bem direta de se observar a dinâmica das comunidades microbianas marinhas
é através do uso de estudos oceanográficos de séries temporais que analisam a sua composição.
Estudos com abordagens temporais são mais raros do que estudos com abordagens espaciais, apesar
de serem fatores igualmente importantes para a variação das comunidades microbianas aquáticas,
podendo oferecer conhecimentos ecológicos únicos sobre a estabilidade da comunidade e sua
resposta a perturbações que não se conseguem obter de outras maneiras. Informações combinadas
a partir de análises temporais de múltiplas escalas podem melhorar a inferência das interações
observadas nas comunidades.
Acredita-se que a abordagem mais indicada para se observar a dinâmica microbiana marinha
é através de estudos de séries temporais oceanográficas que avaliam a composição da comunidade
microbiana. Existem alguns estudos de longo prazo nos principais locais de séries temporais e
482
Oceanografia microbiana
muitos estudos em média e pequena escalas, para os quais normalmente se mensuram em conjunto
as características abióticas (ex. temperatura, salinidade e concentrações de nutrientes) e bióticas (ex.
clorofila), que têm uma forte influência sobre a dinâmica microbiana.
Para exemplificar o uso de diferentes escalas em estudos para melhor compreensão da dinâmica
temporal das comunidades microbianas, sabe-se que em microbiomas marinhos determinados por
características sazonais, os intervalos de amostragem variam de semanas a meses normalmente.
Diferentes frequências de amostragem podem ser usadas para quantificar propriedades diferentes
e complementares de um sistema, e podem até modificar as associações inferidas a partir de dados
obtidos por uma série temporal mais longa, como demonstrado por estudos sobre representantes de
SAR11 (um clado da classe Alphaproteobacteria, o micro-organismo mais abundante dos oceanos) -
que foram correlacionados com uma escala diária e não mensal.
Estudos que abordam outras escalas temporais (com variações mensais a sazonais, ou interanuais)
não deixam de ser importantes e de mostrar a estabilidade e/ou alterações das comunidades microbianas
marinhas. As forçantes que mais variam entre os anos incluem, por exemplo, o El Niño Oscilação
Sul; a variabilidade climática ou de tempo interanual; a mudança climática (ex. aquecimento global
antropogênico e acidificação dos oceanos); outras variações ambientais regionais antropogênicas (ex.
hipoxia e anoxia causadas pela eutrofização); os efeitos cascata da cadeia alimentar devido a variações
em organismos maiores. Vale ressaltar que as variações sazonais das comunidades microbianas são
ainda mais evidentes em maiores latitudes.
Já a escala temporal diária a semanal é conveniente para observar a variação microbiana em resposta
a alterações ambientais, como o tempo, os processos oceanográficos de mesoescala, as interações com
organismos maiores (de protistas a peixes), os efeitos cascata da teia trófica, e as interações microbianas
envolvendo vírus, bactérias, arqueias e protistas. Essa escala também é apropriada para o estudo da
dinâmica associada com blooms fitoplanctônicos, que têm influência direta e indireta na composição
de bactérias e arqueias.
Sabe-se que a amostragem contínua e a longo prazo é de grande dificuldade logística e financeira,
ainda mais se considerando locais de difícil acesso e condições climáticas extremas, como é o caso
da Antártica. Ao mesmo tempo, sabe-se também da necessidade da condução de estudos a longo
prazo para distinguirmos melhor as variações naturais daquelas decorrentes das mudanças climáticas,
especialmente em ambientes complexos e muito dinâmicos.
483
Noções de Oceanografia
Precisamos desenvolver e explorar novas estratégias para completar as lacunas entre genômica
microbiana, metagenômica, bioquímica, fisiologia, genética populacional, biogeoquímica, oceanografia
e biologia ecossistêmica. A diversidade microbiana, seu potencial metabólico, a caracterização
biogeoquímica e oceanográfica da área de estudo está interligada através de múltiplas escalas de espaço
e tempo (Fig. 8). Portanto, colaborações internacionais e estudos multidisciplinares e de multi-escalas
(de genomas a biomas, com abordagens espaciais e temporais) são essenciais para que esses objetivos
e necessidades sejam alcançados.
484
Oceanografia microbiana
Ainda é necessário melhorar nossa compreensão dos fatores que determinam a biogeografia
microbiana marinha, tanto através dos mecanismos de dispersão (ex. correntes, vento, transporte
antropogênico) como de sua adaptação às condições ambientais (ex. nutrientes, temperatura, luz,
matéria orgânica). Dada a importância dos micro-organismos marinhos para os ciclos biogeoquímicos
globais e cadeias alimentares, é de extrema importância a compreensão dos mecanismos de adaptação,
dispersão e os padrões biogeográficos resultantes, a fim de sermos capazes de prever e talvez até
atenuar os efeitos negativos das mudanças climáticas e outras influências antropogênicas sobre as
comunidades microbianas marinhas.
Hoje reconhecemos que as mudanças climáticas globais, incluindo, mas não se limitando ao
aquecimento superficial e à acidificação dos oceanos, afetam a estrutura e a dinâmica das comunidades
microbianas. No entanto, ao menos que saibamos a biodiversidade microbiana atual, incluindo os
inúmeros simbiontes da macrofauna, nunca seremos capazes de reconhecer quais e quando as mudanças
ocorreram e ocorrem. Extinções microbianas já devem estar acontecendo em ritmo alarmante.
485
Noções de Oceanografia
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486
Oceanografia microbiana
488
Biologia e ecologia do ictioplâncton marinho
NOÇÕES DE OCEANOGRAFIA
Capítulo 23
BIOLOGIA E ECOLOGIA
DO ICTIOPLÂNCTON
MARINHO
Mario Katsuragawa, Cláudia Namiki,
Maria de Lourdes Zani-Teixeira & Tulia Martinez
489
Noções de Oceanografia
490
Biologia e ecologia do ictioplâncton marinho
Biologia e Ecologia do
Ictioplâncton Marinho
Mario Katsuragawa, Cláudia Namiki,
Maria de Lourdes Zani-Teixeira & Tulia Martinez
1. Introdução e histórico
A maioria dos peixes actinopterígeos marinhos possui ovos e/ou larvas planctônicas,
independentemente da afinidade sistemática, hábito pelágico ou demersal, distribuição costeira ou
oceânica, tropical ou temperada. Assim como os demais organismos do plâncton, os ovos e as larvas de
peixes ficam à deriva na coluna d’água, pois a pequena capacidade natatória das larvas não é suficiente
para que elas consigam vencer as correntes e as marés. Os ovos e as larvas de peixes (Fig. 1) são
coletivamente chamados de ictioplâncton (ictio = peixes) e são classificados como meroplâncton
(mero= parte), já que passam apenas uma parte do seu ciclo de vida no plâncton.
O estudo do ictioplâncton envolve diversas áreas, tanto das ciências básicas, como sistemática,
taxonomia, fisiologia, relações tróficas etc., quanto das ciências aplicadas, como biologia pesqueira
e aquicultura. Na realidade, todas essas áreas se misturam, pois as informações dos estudos básicos
sobre alimentação e crescimento das larvas, por exemplo, podem ser utilizados para o desenvolvimento
da aquicultura e também na previsão da duração dos estágios larvais e taxas de mortalidade, muito
importantes para as estimativas de recrutamento de espécies de peixes pescadas comercialmente
(Ciechomski, 1981). O recrutamento se refere ao número de indivíduos de uma espécie que a cada
491
Noções de Oceanografia
ano entra pela primeira vez na área de pesca (Cadima, 2000), passando a fazer parte da população
disponível à pesca. Os estudos de distribuição, que identificam a presença e a abundância de ovos
e larvas de uma espécie de peixe numa determinada área, são utilizados para indicar a presença e
estimar a abundância de cardumes de adultos, fornecendo estimativas independentes da pesca sobre a
flutuação do estoque adulto e indicando mudanças na área e época de desova, causadas por variações
nas condições ambientais.
Entre 1880 e 1900 foram realizados vários estudos pioneiros por investigadores ingleses ( J.T.
Cunningham, W.C. M’Intosh & A.T. Masterman, W.C. M’Intosh & E.E. Price, E.W.L. Holt),
alemães (E. Ehrenbaum) e italianos (F. Raffaele). Através de fecundações artificiais, eles descreveram
os ovos e estágios larvais iniciais de cerca de 80% dos teleósteos de interesse econômico da Europa
na época. Em 1895, o alemão Victor Hensen começou a desenvolver um sistema de amostragem
do plâncton com redes especialmente desenvolvidas para sua coleta e equipamentos para medir a
eficiência de filtração das mesmas (Wiebe & Benfield, 2003). Isso propiciou o início dos estudos
quantitativos do plâncton e permitiu determinar a época e a extensão da desova, assim como estimar
a biomassa dos estoques de peixes através da abundância do ictioplâncton.
No Brasil, até aproximadamente fins da década de 1960, estudos sobre o ictioplâncton marinho
eram raros. Os primeiros registros foram um relatório sobre ocorrência de ovos e larvas em amostras
de zooplâncton na região entre as ilhas Vitória e Trindade (Vannucci & Almeida Prado, 1959) e a
descrição de uma pequena coleção de larvas obtidas durante o cruzeiro do R/V "Calypso" entre janeiro
e fevereiro de 1962 (Aboussouan, 1969).
492
Biologia e ecologia do ictioplâncton marinho
YA S U N O B U M AT S U U R A ( 1 9 4 2 - 2 0 0 3 )
In memoriam
Após três anos, foi convidado para trabalhar no IOUSP e admitido como funcionário
em 1967. Iniciou assim uma carreira acadêmica de sucesso, que incluiu o Doutorado em
1976. Professor Associado em 1986 e Professor Titular em 1988.
2. Métodos de coleta
Os estudos do ictioplâncton, especialmente na região oceânica, geralmente utilizam
embarcações oceanográficas de grande porte para a coleta das amostras. Assim, é necessário
um planejamento prévio rigoroso para minimizar os erros de amostragem, otimizar o tempo
de coleta e diminuir os custos da expedição. Normalmente se consideram as seguintes etapas
em um planejamento: A) estabelecimento dos objetivos da viagem, relacionados ao projeto em
desenvolvimento; B) elaboração do plano de cruzeiro que inclui a definição da área geográfica
a ser coberta, a plotagem em um mapa das posições das estações oceanográficas ou locais dos
arrastos a serem realizados, decisão sobre a estratégia de amostragem, que inclui o rumo da
493
Noções de Oceanografia
Caso a área de estudo esteja localizada em um local mais próximo à costa, como os estuários e regiões
próximas a recifes por exemplo, o porte da embarcação pode ser menor, como uma traineira ou uma lancha,
mas os cuidados com os planos de amostragem e preparação do material de coleta devem ser os mesmos.
Os arrastos com redes de plâncton podem ser basicamente de três tipos: vertical – com um arrasto
de baixo para cima na coluna de água; horizontal - junto à superfície ou em outras profundidades
determinadas da coluna de água de forma a obter amostras estratificadas; ou oblíquo – arrasto que
integra a coluna de água a partir da superfície até uma profundidade desejada. Os arrastos horizontal
e oblíquo são realizados com a embarcação em movimento, enquanto no arrasto vertical a embarcação
se mantém parada no ponto de amostragem.
A rede do tipo cônica ou cilíndrico-cônica (Fig. 3A) é a mais simples, sendo constituída por
uma boca geralmente circular, feita de metal ou outro material rígido, um corpo de forma cônica ou
cilíndrico-cônica, confeccionado com panagem de rede feita de material resistente, principalmente
nylon, e um copo coletor de plástico ou metal, rosqueado no final da rede. O conjunto recebe um
reforço externo por um sistema de amarração com cabos de nylon desde o final da rede até a boca e
finalizados em forma de tirantes, para permitir o seu arrasto. Dependendo da sua dimensão, pode ser
lançada a partir de qualquer tamanho de embarcação, em arrastos horizontais ou verticais.
Para fazer arrastos verticais é necessário o uso de um lastro abaixo da rede. Instalando-se um
sistema com um laço no corpo da rede e um gatilho na junção dos tirantes com o cabo que arrasta
a rede, que possibilitam o fechamento da rede antes de sua chegada à superfície, é possível efetuar
amostragens estratificadas.
A rede Bongô (Fig. 3B) consiste em duas redes cilíndrico-cônicas instaladas de forma paralela
numa armação dupla de metal ou outro material rígido. Possui alto coeficiente de filtração e possibilita
o uso de redes com diferentes aberturas de malha num mesmo lance. Por não possuir tirantes na boca
da rede, minimiza-se o problema de fuga de organismos. Essa rede foi desenvolvida por McGowan &
Brown (1966) e apresentada como equipamento padrão para amostragem quantitativa de ovos e larvas
de peixes pela FAO - Food and Agriculture Organization of the United Nation (Smith & Richardson,
1977) e desde então tem sido o amostrador mais utilizado para a coleta de ictioplâncton em todo o
mundo. As dimensões padrão da rede Bongô são: boca de 60 cm de diâmetro, redes de 300 cm de
comprimento (150 cm na parte cilíndrica e 150 cm na parte cônica) e malhas de 333 µm e 505 µm.
Mais detalhes sobre os procedimentos para amostragem quantitativa com essa rede estão descritos no
trabalho de Smith & Richardson (1977).
Para a coleta de ovos de pequenos peixes pelágicos na camada epipelágica foi desenvolvida a
rede CalVET (CalCOFI-Vertical Egg Towl) (Fig. 3C) que possui o mesmo formato da rede Bongô,
porém com menor dimensão. Essa rede foi desenvolvida para a aplicação de um método conhecido
por EPM (Egg Production Method) para a avaliação de estoque de anchovetas e sardinhas.
A rede de nêuston (Fig. 3D) foi desenvolvida para ser arrastada junto à superfície da água,
até cerca de 5,0 cm de profundidade. Esta camada é habitada por diversos grupos de organismos,
incluindo ovos e larvas de peixes, que podem ocorrer ocasionalmente ou habitar exclusivamente essa
região. Além de ser uma ótima complementação na amostragem do ictioplâncton, a rede de nêuston
tem se tornado importante também para a coleta de microplásticos que se encontram espalhados sobre
a superfície do mar (Day et al., 1990).
495
Noções de Oceanografia
FIGURA 3. Tipos de rede utilizadas para a coleta do ictioplâncton. A) Rede cônica; B) rede Bongô; C) rede
CalVET; D) rede de nêuston; E) rede Motoda (MTD); F) Multi Plankton Sampler (MPS); G) Multiple Opening
Closing Net Environmental Sensing System (MOCNESS); e H) picaré para coleta de larvas em estuários.
Para coletas estratificadas foram desenvolvidos os amostradores MTD (rede Motoda) (Fig. 3E),
MPS (Multi Plankton Sampler) (Fig. 3F) e MOCNESS (Multiple Opening Closing Net Environmental
Sensing System) (Fig. 3G) que possuem sistemas compostos por um conjunto de redes que podem ser
operadas para amostrar diferentes camadas de profundidade numa mesma estação oceanográfica.
A rede MTD é a mais simples, sendo cada unidade constituída por uma rede simples acoplada
a uma armação triangular que permite o arrasto horizontal na coluna de água com a embarcação em
movimento. Várias redes podem ser instaladas num mesmo cabo e, após o arrasto, é realizado seu
fechamento sequencial por um sistema de mensageiros de metal que escorregam pelo cabo de aço.
As redes MPS e MOCNESS são aparelhos sofisticados, compostos por um conjunto de redes
e controles eletrônicos de bordo para abertura e fechamento das redes. Para o lançamento destes
equipamentos é necessário um cabo eletromecânico. O sistema comporta também outros equipamentos,
como um CTD (Conductivity, Temperature and Depth) ou um profundímetro, que permitem a obtenção
de dados ambientais simultaneamente às coletas biológicas.
Em estuários, a rede do tipo picaré (Fig. 3H) é bastante utilizada para coleta das larvas de peixes
que habitam as margens.
496
Biologia e ecologia do ictioplâncton marinho
O fluxômetro é um aparelho de formato hidrodinâmico que possui uma hélice na sua parte
traseira que é acoplada diretamente a um contador digital que regista o número de rotações durante o
arrasto (Fig. 4). O volume de água filtrado é calculado através da fórmula:
V=a⸳n⸳c
Onde:
FIGURA 4. A) Fluxômetro mecânico digital; e B) Fluxômetros instalados (rede Bongô) para o cálculo do
volume de água filtrado.
As larvas de peixes também podem ser coletadas através de armadilhas luminosas, que podem
ser feitas de diversos materiais, baseando-se no princípio de que as larvas de peixes serão atraídas pela
luz. Este é um equipamento bastante seletivo, pois nem todas as espécies são atraídas pela luz, isto é,
possuem fototaxia positiva, e normalmente as larvas já estão em estágios avançados, com o sistema
visual bastante desenvolvido.
Seja qual for o objetivo do estudo ou tipo de coleta, é fundamental registrar o máximo de
informações possíveis sobre as atividades realizadas. Neste caso é aconselhável elaborar documentos
chamados de “fichas de coleta” ou “fichas de bordo”.
As informações mais importantes que devem constar nessas fichas são: nome do projeto, nome
do responsável pela coleta; número da estação, número da amostra, geoposicionamento da estação
oceanográfica, data e horário, profundidade local, profundidade de coleta, dados do fluxômetro e
numeração dos frascos de armazenamento das amostras (Fig. 5).
497
Noções de Oceanografia
FIGURA 5. Ficha de campo utilizada para anotar todas as informações referentes à coleta de amostras de
ictioplâncton. Laboratório de Ictioplâncton (IOUSP).
498
Biologia e ecologia do ictioplâncton marinho
Quando o estudo requer análises moleculares, como nos estudos da identificação através do
código genético ou da análise de condição larval pelo método da proporção RNA/DNA (Dias et al.,
2004), as amostras devem ser fixadas em álcool etílico ou congeladas em nitrogênio líquido.
VOCÊ SABIA?
Para estudos de crescimento larval através da análise de otólitos (estruturas compostas
de carbonato de cálcio presentes na cápsula auditiva dos peixes ósseos relacionadas
ao seu equilíbrio e audição) é recomendável fixar as amostras em álcool imediatamente
após a coleta, conforme mostra o protocolo apresentado abaixo.
• Filtrar a amostra usando uma malha de abertura igual ou menor à utilizada na coleta;
• Retirar os otólitos das larvas dentro de poucos meses após a fixação da amostra.
Após a fixação, o material coletado é guardado a bordo em local abrigado, longe de fontes de
calor, em frascos de plástico resistente, apropriadamente etiquetados, de forma que cada amostra
possa ser relacionada com o local de coleta e dados ambientais associados.
499
Noções de Oceanografia
FIGURA 6. Passo a passo para a determinação do volume de plâncton pelo método do deslocamento de
líquido. Ilustração: Leandro Coelho, adaptado de Kramer et al., 1972).
Para a obtenção da biomassa (peso úmido) as amostras são pesadas em balanças de precisão,
após a retirada do excesso de líquido da amostra. O excesso de líquido é retirado deixando a amostra
concentrada em uma rede com malha de abertura menor ou igual àquela utilizada na rede de coleta,
repousando por alguns minutos sobre um papel absorvente. Deve-se tomar cuidado para não secar a
amostra completamente, sob o risco de danificar os organismos. Após esses procedimentos, a amostra
é estocada em frascos definitivos, geralmente potes de vidro, recebendo uma numeração que permita a
obtenção de todos os dados relacionados à coleta (número da amostra, data, geoposicionamento etc.).
A triagem dos ovos e das larvas de peixes é uma das partes mais demoradas do processamento das
amostras de plâncton, pois exige muita atenção e paciência do triador, além de conhecimento mínimo
sobre organismos do zooplâncton. As amostras devem ser diluídas e analisadas pouco a pouco, em
placas de Petri ou de Bogorov, sob um microscópio estereoscópico binocular. Os ovos e as larvas são
armazenados em frascos (normalmente pequenos, de vidro, e sempre com boa vedação), devidamente
etiquetados e estocados, aguardando o passo seguinte da análise.
500
Biologia e ecologia do ictioplâncton marinho
As amostras podem ser preservadas na mesma solução utilizada para sua fixação. No entanto,
como o formaldeído é extremamente tóxico, muitas instituições têm optado por substituir a solução de
formol utilizada para a fixação das amostras e preservá-las em álcool etílico 70%, diminuindo o risco
de intoxicação das pessoas, principalmente durante a manutenção em acervo.
As amostras de ictioplâncton podem ser preservadas por prazo indeterminado, o que leva a
necessidade de cuidados especiais para que sejam mantidas de forma mais adequada e segura possível.
Vários problemas podem ocorrer caso não haja uma manutenção adequada das amostras, sendo o
ressecamento das amostras um dos mais graves.
501
Noções de Oceanografia
FIGURA 8. Larvas de peixes depositadas na Coleção Biológica “Prof. Edmundo F. Nonato” do Instituto
Oceanográfico da Universidade de São Paulo (ColBIO). Fotos: Gabriel Monteiro.
Por exemplo, em águas brasileiras são conhecidas pelo menos 1155 espécies de actinopterígeos
(Menezes et al., 2003), mas na bibliografia específica apenas 227 dessas espécies possuem descrição
das fases iniciais de desenvolvimento até o momento (Bonecker et al., 2014; 2006; Richards 2006a,
2006b; Itagaki et al., 2007; Matsuura & Katsuragawa, 1981; Sinque, 1980).
502
Biologia e ecologia do ictioplâncton marinho
O embrião está ligado ao saco vitelínico, que contém o vitelo, sua reserva nutritiva, e é
envolto pelo córion, que é a membrana protetora externa. Entre o córion e o embrião está o espaço
perivitelino ou perivitelínico, que além de proteger também auxilia na regulação osmótica (Fig. 9).
Os ovos de peixes podem ou não possuir gotas de óleo, que variam em número e tamanho, de acordo
com a espécie e o estágio de desenvolvimento.
Os ovos pelágicos flutuam na coluna de água, especialmente devido à presença das gotas de óleo
e do vitelo (composto principalmente por lipídios), que são menos densos do que a água. Esses ovos
são geralmente transparentes e pouco pigmentados (características que possivelmente dificultam serem
vistos por predadores), apresentam diâmetro variável e são providos de uma membrana fina e não adesiva.
A maioria dos ovos de peixes possui forma esférica, mas outras formas podem ser observadas,
como no caso das manjubas (Família Engraulidae) e algumas espécies de peixe-papagaio (Scaridae),
cujos ovos são elípticos (Ishihara et al., 2011).
503
Noções de Oceanografia
FIGURA 10. Caracteres utilizados na identificação de ovos: A) formato elipsoide de Engraulis anchoita
(Foto: Jana M. del Favero); B) esférico; C) diferentes tamanhos de ovos; D) vitelo e córion; E, F) córion
ornamentado Maurolicus sp.; G) gotas de óleo; H) pigmentos no embrião (1) e na gota de óleo (2), e gota
de óleo sem pigmento (3); e (I) Pigmentos no embrião.
A larva de peixe recém eclodida de um ovo pelágico geralmente possui menos de 5,0 mm
de comprimento, é transparente e possui uma nadadeira primordial contínua, conhecida também
como nadadeira vitelínica. Além disso é possível notar a presença do saco vitelínico e, por isso,
esse estágio de desenvolvimento é chamado de saco vitelínico, ou larva vitelínica. Os estágios
posteriores são classificados, principalmente, de acordo com a flexão da região final da notocorda,
que se volta para cima ao longo do desenvolvimento, devido à formação dos ossos hipurais da
nadadeira caudal (Fig. 11).
504
Biologia e ecologia do ictioplâncton marinho
Dessa forma, os estágios larvais seguintes são: pré-flexão, que começa no momento da absorção
total do vitelo e vai até o início da flexão da notocorda; flexão, período em que a notocorda está
se flexionando, ao mesmo tempo em que elementos da nadadeira caudal estão se formando; pós-
flexão, começa quando a notocorda já está totalmente flexionada e termina quando todos os raios
das nadadeiras estão formados. Depois da pós-flexão a larva passa por um estágio de transição ou de
metamorfose, na qual os indivíduos mantêm caracteres larvais e ao mesmo tempo em que desenvolvem
algumas características dos adultos, como escamas. Este estágio pode ser abrupto ou prolongado,
dependendo da espécie, e antecede a fase juvenil. Os juvenis já possuem a forma dos adultos e passam
a ter hábito pelágico, na coluna d’água, ou demersal, junto ao fundo, dependendo da espécie (Fig. 11).
As larvas de peixes são identificadas com base em características merísticas (que podem ser
contadas) como número de raios e espinhos das nadadeiras, número de miômeros, número de pigmentos,
presença e número de espinhos e cristas na cabeça etc. (Fig. 12); características morfométricas (que
podem ser medidas) como comprimento total, comprimento da cabeça, altura do corpo e proporções
entre essas medidas (ex: relação do comprimento da cabeça em relação ao comprimento do corpo)
(Fig. 13) e outras características morfológicas, como nadadeira caudal arredondada ou pontuda, olhos
elípticos ou arredondados, intestino estriado ou liso, posição relativa das nadadeiras.
Os miômeros são blocos de fibras musculares estriadas, dispostos ao longo de ambos os lados do
corpo, e são mais óbvios em peixes (Pough et al., 2003). O número de miômeros é um caractere muito
importante para a identificação das larvas, pois é igual ao número de vértebras dos peixes adultos na
maioria das espécies.
505
Noções de Oceanografia
FIGURA 12. Nomenclatura das cristas e dos espinhos da cabeça. Larva de Cynoscion microlepidotus
(Scianidae) no estágio de pós-flexão. Os espinhos da cabeça recebem o nome do osso onde se
encontram. Fonte: Gonsales, 2012.
FIGURA 13. Principais medidas utilizadas para caracterização morfológica. CCo: Comprimento do Corpo;
CPND: Comprimento Pré-nadadeira Dorsal; DO: Diâmetro do Olho; CF: Comprimento do Focinho; AC:
Altura do Corpo; MAC: Máxima Altura do Corpo; CM: Comprimento da Mandíbula; CPA: Comprimento
Pré-anal; CPNA: Comprimento Pré-nadadeira Anal. Fonte: Gonsales, 2012.
Conforme Leis & Rennis (1983), existem basicamente três métodos para identificar as larvas
de peixes: 1) Utilizando a literatura e/ou aproveitando a experiência de outros especialistas; 2) criando
uma série de desenvolvimento na qual se compara as características de um grupo de indivíduos, desde
o estágio de transformação, que possui características de adulto e larva até as menores larvas coletadas;
e 3) através de cultivo em laboratório, a partir de desovas de adultos conhecidos. Evidentemente, a
506
Biologia e ecologia do ictioplâncton marinho
terceira opção nem sempre é viável, sendo as duas anteriores usualmente adotadas. É importante
também fazer um levantamento prévio das espécies que ocorrem na área de estudo e se há descrição
dos estágios iniciais.
As ilustrações são de fundamental importância para estudar as fases iniciais do ciclo de vida de
peixes, especialmente servindo como guias de identificação para toda a comunidade de pesquisadores
da área de ictioplâncton. Embora atualmente os recursos fotográficos estejam bem desenvolvidos,
os desenhos podem evidenciar detalhes dos caracteres de um organismo que muitas vezes são
imperceptíveis numa foto.
Os desenhos são feitos utilizando-se uma câmara clara acoplada a um estereomicroscópio. É uma
atividade trabalhosa e demorada, que depende muito do treinamento e principalmente da habilidade
que poucas pessoas possuem.
507
Noções de Oceanografia
As características das larvas de peixes foram utilizadas como fonte de informação para a
taxonomia e a sistemática de diversos grupos. Por exemplo, a relação filogenética e a classificação dos
diferentes gêneros da família Scopelarchidae (conhecida como pearleye fishes, mas sem nome comum
em português) foi proposta com base em informações genéticas somadas a diversas características dos
adultos e das larvas, como pigmentação, posição da nadadeira peitoral em relação à nadadeira dorsal,
tamanho da cabeça e tempo de metamorfose prolongado ou curto ( Johnson, 1974, Davis, 2015). Na
análise da sistemática da família Myctophidae (peixes-lanterna) foram utilizadas 59 características,
das quais 13 eram de larvas (Paxton et al., 1984). Interessantemente, as larvas das espécies de peixes-
lanterna podem ser separadas em dois grupos distintos de acordo com o formato dos olhos, e esta
divisão é compatível com a classificação sistemática das subfamílias Lampanyctinae, composta por
espécies com larvas de olhos redondos e Myctophinae, composta por espécies com larvas de olhos
elípticos (Moser & Ahlstrom, 1974).
Por exemplo, nas larvas de Engraulis mordax, uma espécie pelágica bastante estudada no Atlântico
Norte e congênere da anchoita (E. anchoita) que ocorre na costa brasileira, a linha lateral é funcional
assim que a larva eclode e tem um papel importante na detecção de predadores durante a noite
enquanto o sistema visual da larva não está totalmente desenvolvido. Os olhos se tornam funcionais
quando a larva tem apenas 4,0 mm de comprimento, coincidindo com o início da alimentação exógena,
mas os bastonetes (células da retina dos olhos dos vertebrados que detectam os níveis de luminosidade)
só iniciam sua diferenciação nas larvas com aproximadamente 10,0 mm de comprimento (O’Connel,
1981). Nessa fase as larvas de E. mordax começam a realizar migrações verticais e apresentam maior
atividade, mesmo em baixa luminosidade (Hunter & Sanchez, 1976). Também é possível notar que
nesse estágio de desenvolvimento, a vesícula gasosa das larvas de E. mordax fica inflada durante a noite,
com um volume significativamente maior do que o observado durante o dia. As larvas com a vesícula
gasosa inflada afundam mais lentamente do que as larvas que não inflam as vesículas, indicando que
o desenvolvimento desse órgão é muito importante para que as larvas de peixes mantenham a sua
posição na coluna d’água (Hunter & Sanchez, 1976).
508
Biologia e ecologia do ictioplâncton marinho
Com o crescimento também surgem mudanças nas necessidades nutricionais das larvas, que
são acompanhadas pelo desenvolvimento do trato digestório e de sua capacidade de digerir diferentes
tipos de alimentos. No caso das larvas de E. mordax, a digestão de proteína tem início do meio para o
final do desenvolvimento larval. Nas larvas do olhete (Seriola lalandi) a boca se abre e o trato digestório
já está preparado para receber alimentos no segundo dia após a eclosão (Hunter & Sanchez, 1976).
Nas larvas dessa espécie, após o início da alimentação exógena surgem glândulas gástricas, ligadas à
digestão de lipídios e proteínas. No quinto dia as partes do trato digestório já estão bem diferenciadas
em cavidade bucofaringeana, esôfago, estômago, intestino anterior e posterior. Os dentes faringeanos,
papilas gustativas e a língua aparecem no oitavo dia. Os cecos pilóricos, que aumentam a área para
digestão e absorção sem aumentar o comprimento do intestino, se formam no 18º dia e indicam a
transição para a fase juvenil (Chen et al., 2006).
Com a expansão do conhecimento sobre o desenvolvimento dos estágios iniciais dos peixes,
surgiram teorias relacionando a mortalidade das larvas com a variabilidade no recrutamento e sua
influência direta nos estoques pesqueiros. Johan Hjort, pesquisador norueguês, propôs duas hipóteses:
a Teoria do Período Crítico (Hjort, 1914), na qual as principais causas da mortalidade das larvas
seriam a falta de alimento adequado no início da alimentação exógena, levando à inanição, e a teoria
do Transporte de Larvas pelas Correntes (Aberrant Drift) a lugares com condições inadequadas para o
recrutamento (Hjort, 1926). A primeira hipótese de Hjort lançou luz sobre a alimentação e a segunda
sobre a hidrodinâmica, e foram as bases para estudos subsequentes, que têm mostrado a importância
da interação dos processos físicos e biológicos sobre a variabilidade do recrutamento (Houde, 2008).
A teoria de Encontros e Desencontros (Match-Mismatch) (Cushing, 1974, 1990) considera que deve
haver uma janela de tempo ideal entre a desova e a produção máxima de zooplâncton (presas), para
que as larvas de peixes tenham alimento em abundância. Caso contrário, as larvas podem sofrer de
inanição, o que causaria maior mortalidade e baixo nível de recrutamento.
Ruben Lasker (1978), por sua vez elaborou a hipótese do Oceano Estável (Stable Ocean), na
qual as larvas de peixes dependeriam de uma maior estabilidade da coluna de água para conseguir
capturar o alimento. Nesse caso, a sobrevivência das larvas em regiões de ressurgência, seria maior em
períodos de calmaria, devido à estratificação temporária da coluna de água, a qual permitiria que larvas
de peixes e suas presas ficassem agregadas na interface entre as diferentes massas de água, garantindo
maior sucesso na alimentação. Esta hipótese foi estendida para o conceito de Janela Ambiental
Ótima (Optimum Environmental Window) (Cury & Roy, 1989) ao considerar que ventos moderados
controlariam as perdas por advecção e o sucesso da predação através da microturbulência.
509
Noções de Oceanografia
uma taxa média de crescimento de 0,44 ± 0,008 mm por dia e, com esse dado, foi possível estimar a
taxa de mortalidade diária de 17,2%. O tamanho máximo atingido no período larval varia entre as
espécies, desde menos de 5,0 mm em alguns linguados da família Achiridae, até mais de 100 mm
no caso de moréias. O tamanho larval máximo da maioria das espécies está entre 10 e 30 mm de
comprimento. O período larval pode durar poucas horas ou até alguns anos. No caso da enguia do
Atlântico a duração é de 18 a 22 meses (Moser, 1996).
O tamanho da larva pode determinar os possíveis predadores e presas, sendo que no caso
das presas o tamanho da abertura da boca da larva é mais importante. Com base nesse conceito
de tamanho levantou-se a hipótese de que quanto maior fosse a larva, maior seria a sua chance
de sobreviver (Bigger is better), pois ao mesmo tempo que o espectro de tamanho de suas presas
aumentasse, o número de possíveis predadores diminuiria. No entanto, essa teoria foi contestada
por não considerar que, embora diversos predadores deixem de ser uma ameaça, as larvas de peixes
maiores se tornam mais visíveis e, portanto, mais suscetíveis a predação por outros predadores que
antes não conseguiam enxergá-las. Passou-se então a considerar a própria taxa de desenvolvimento
como um fator importante da sobrevivência (Faster is better). Nesse caso, quanto mais rápido a larva
se desenvolve, maior é a sua chance de capturar presas e fugir de predadores, devido ao aumento da
capacidade de enxergar e perceber os movimentos ao seu redor, bem como de nadar e se movimentar
com mais eficiência (Houde, 2002).
A alimentação das larvas pode ser estudada através da identificação das presas presentes no trato
digestório e do grau de importância de cada presa através de alguns índices. Associados a outros dados,
como horário da coleta e composição da comunidade planctônica, podemos avaliar a preferência e
horário de alimentação das larvas de peixes.
510
Biologia e ecologia do ictioplâncton marinho
A alimentação das larvas de peixes pode ser diferente para cada espécie e varia ao longo do
desenvolvimento. Em geral, as larvas de peixes se alimentam do zooplâncton até a fase de transformação,
mas os atuns (Scombridae) possuem um desenvolvimento extremamente rápido e passam a se alimentar
de outras larvas de peixes, incluindo indivíduos da mesma espécie ainda na fase larval (Young & Davis,
1990; Shoji & Tanaka, 2001).
5.4 Distribuição
Através da análise da distribuição espacial também é possível notar que muitas vezes as larvas se
desenvolvem em locais muito diferentes daquele onde vive o peixe na fase adulta. Um bom exemplo
é o da enguia americana, uma espécie que passa a fase adulta vivendo na água doce e que migra para
o meio do oceano, no Mar do Sargassum para desovar. Os ovos e as larvas se desenvolvem na coluna
d’água ao mesmo tempo que são transportados pelas correntes. Depois de muitos meses as larvas
alcançam a região costeira e adentram os estuários na forma conhecida como “enguias de vidro”.
Outra espécie bastante conhecida é o mero (Epinephelus itajara) que passa a fase adulta junto a
recifes e parcéis, e a fase larval sendo transportado até alcançar, na fase de transformação, os manguezais,
onde passará toda a fase juvenil antes de migrar novamente para o habitat dos adultos.
A maioria das espécies de peixe desova em limites bem definidos de temperatura. Dessa forma,
pode-se estabelecer uma relação entre a época do ano e o seu período de reprodução, principalmente em
ambientes temperados, onde as estações do ano são mais bem definidas (Ré, 2005). Já em ambientes
tropicais, muitas espécies desovam ao longo de todo o ano, com períodos nos quais a desova é mais
intensa, refletindo numa maior abundância de ovos e larvas, principalmente no verão. Outro fator
importante são as áreas de ressurgência, nas quais as águas profundas afloram trazendo os nutrientes
para a superfície e aumentando a produtividade planctônica.
Algumas espécies estão bastante relacionadas com esse fenômeno, como por exemplo a sardinha-
verdadeira (Sardinella brasiliensis) que depende do acúmulo de alimento nos máximos subsuperficiais
de clorofila, associado à estabilidade da coluna d’água e ao enriquecimento de nutrientes causado
511
Noções de Oceanografia
pela intrusão da Água Central do Atlântico Sul (ACAS) na plataforma continental sudeste brasileira
(Brandini, 1990, 2006; Castro et al., 2006; Moraes et al., 2012; Brandini et al., 2013). Em anos de fraca
intrusão da ACAS sobre a plataforma durante o período de desova da sardinha-verdadeira nota-se um
declínio do estoque desovante nos anos seguintes (Castello et al., 1991; Matsuura et al., 1992; Cergole,
1995; Matsuura, 1998).
Para realizar estudos quantitativos de ovos e larvas de peixes, como em análises de distribuição
de uma espécie numa determinada região, é necessário transformar os valores de número de indivíduos
em dados relativos de densidade ou abundância, em termos de área ou volume. Normalmente, para
amostras coletadas com a rede Bongô, a estimativa é feita seguindo Tanaka (1973) e Smith &
Richardson (1977), sendo os resultados expressados em área, conforme a fórmula abaixo:
Y = (d ⸳ x ) / V
Onde:
Y: nº de indivíduos ⸳ m-2;
O conhecimento sobre a população de peixes e sua exploração no ponto ótimo pode ser ampliado
utilizando os ovos e as larvas como indicadores do futuro recrutamento, localização, viabilidade e
tamanho do estoque parental. Estes estudos podem auxiliar na diferenciação entre o efeito natural
e o efeito da pesca sobre o estoque de peixes e detectar tendências a longo prazo na distribuição,
composição e abundância das populações de espécies de peixes.
512
Biologia e ecologia do ictioplâncton marinho
desova (Cadima, 2000). Portanto os estágios iniciais de peixes tornam-se matérias para avaliação de
ideias sobre regulação e dinâmica de sistemas biológicos marinhos.
Outra contribuição seria na determinação dos processos básicos que afetam a sobrevivência e
então o recrutamento ao estoque parental. As flutuações no tamanho das populações de peixes podem
ser consequência de mudanças no influxo anual de jovens ou recrutas. Às vezes o efeito da explotação
humana pode contribuir para a ocorrência destas variações do recrutamento, e uma pedra fundamental
da administração de população de peixes é a suposição de uma relação básica entre biomassa desovante
e o subsequente recrutamento. Na realidade, tais relações são de difícil demonstração e o implícito
processo “dependente da densidade” pobremente definido. A grande variação no recrutamento que
geralmente apaga qualquer relação “dependente de densidade” é atribuído ao efeito de variações
ambientais na sobrevivência de ovos e larvas. Consequentemente, uma substancial proporção da pesquisa
de campo com ovos e larvas de peixes têm se justificado em termos de aumentar o conhecimento dos
fatores naturais que afetam o recrutamento.
O esforço de pesca pode destruir uma população de peixes em pouco tempo, pois a pesca moderna
é muito agressiva. Desta forma é necessário levantar informações que propiciem a explotação ótima
dos recursos vivos aquáticos e fazer um dimensionamento da potencialidade pesqueira.
A avaliação dos estoques é feita através de modelos matemáticos que requerem, além das
informações sobre os processos biológicos, dados sobre o esforço de pesca e sobre o desembarque.
Através deles pode-se fazer previsões sobre o desempenho da captura e o impacto de mudanças no
esforço de pesca (número de barcos, tipo de redes etc.) visando principalmente subsidiar as medidas
de gerenciamento no sentido de conservar os estoques pesqueiros.
O princípio do uso do ictioplâncton para fazer uma estimativa de estoques parte dos seguintes
pressupostos considerando as seguintes etapas do ciclo de vida de peixes: Abundância de ovos (E),
Recrutamento (R) e Estoque desovante (P).
1 2 3
Isto é, entre E e R (1) não haveria correlação devido à alta taxa de mortalidade larval; entre R e
P (2) há correlação, porque após o recrutamento a taxa de mortalidade torna-se constante; e entre P e
E (3) há correlação, pois podemos calcular o estoque desovante através de ovos.
Desta forma, uma estimativa do estoque desovante através de ovos pode ser feita através da
seguinte fórmula: B = E / R ⸳ F, onde B = biomassa desovante em número; E = abundância de ovos
depositados numa determinada área; R = proporção sexual ("sex ratio"); e F = fecundidade (número
de ovócitos produzidos por fêmea num período de desova). Observa-se que E é obtido através do
estudo do ictioplâncton, enquanto que R e F são parâmetros de adultos. A descrição completa dessa
metodologia pode ser vista em Matsuura (1983).
513
Noções de Oceanografia
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Diversidade de peixes marinhos
NOÇÕES DE OCEANOGRAFIA
Capítulo 24
DIVERSIDADE DE
PEIXES MARINHOS
Marcelo Roberto Souto de Melo & Amanda Alves Gomes
519
Noções de Oceanografia
CITAÇÃO SUGERIDA: MELO, Marcelo Roberto Souto de; GOMES, Amanda Alves. Diversidade
de peixes marinhos. In: HARARI, Joseph (org.). Noções de Oceanografia. São Paulo: Instituto
Oceanográfico, 2021. E-book. Cap. 24: p. 521-542.
520
Diversidade de peixes marinhos
1. Introdução
Os peixes representam mais da metade da diversidade de vertebrados, com mais de 35.400
espécies conhecidas, classificadas em 365 famílias e mais de 85 ordens (Nelson et al., 2016; Fricke
et al., 2020). Essa diversidade fantástica, é o resultado de uma complexa e bem sucedida história
evolutiva com mais de 400 milhões de anos, que resultou em adaptações morfológicas, fisiológicas,
comportamentais e ecológicas que permitiram aos peixes colonizar praticamente todos os ambientes
aquáticos disponíveis, incluindo regiões extremas como os polos, lagos hipersalinos e hiperalcalinos,
poças temporárias, cavernas, regiões com déficit de oxigênio e o oceano profundo. O termo peixes tem
origem no latim Pisces, já o ramo da ciência que estuda os peixes é chamado de ictiologia (do grego
Ikthus-, peixe + -logos, estudo), e cultivo de peixes é chamado de piscicultura (do latim Pisces-, peixe +
-cultura, ato de cultivar).
Os peixes são vertebrados aquáticos que respiram através das brânquias, um órgão especializado
em realizar trocas de oxigênio (O2) e dióxido de carbono (CO2) com a água, se locomovem por
movimento das nadadeiras e, na maioria dos casos, possuem o corpo revestido por escamas. Entretanto,
algumas dessas características não são exclusivas dos peixes, não estão presentes em todos os peixes,
ou possuem apenas semelhança superficial. Por exemplo, as brânquias funcionais também estão
presentes em alguns invertebrados aquáticos, como as ascídias e anfioxos e nos estágios larvais dos
anfíbios; além disso, as estruturas derivadas das brânquias formam as cartilagens e ossos da boca, arco
hióide, base do crânio, faringe e foram parar até mesmo dentro do crânio, como os ossículos estribo
e martelo da orelha interna (Kardong, 2011). A nadadeira caudal também está presente naqueles
mesmos invertebrados, além dos girinos de sapos e nas salamandras (Amphibia), e as nadadeiras
peitorais e pélvicas, que são ausentes nas lampreias e peixes-bruxas, se modificaram para formar nossos
braços e pernas, respectivamente. Finalmente, as escamas também são ausentes nas lampreias e peixes-
bruxas, são compostas por dentículos dérmicos nos peixes-cartilaginosos, ossos dérmicos nos peixes-
ósseos e foram substituídas por placas ósseas nos cavalos-marinhos, peixes-cascudos e baiacus, e são
embriologicamente distintas das escamas dos répteis.
Mas afinal, por que é tão difícil definir e classificar os peixes? Essa é uma discussão interessante
que se estende desde Aristóteles (384–322 a.C.), considerado o pai da zoologia e biologia marinha,
até os dias de hoje (Nelson et al., 2016). Linnaeus (1735), na primeira edição do Systema Naturae,
classificou todos os vertebrados aquáticos na Classe Pisces, inclusive as baleias e golfinhos (Cetáceos), e
os peixes-boi (Sirenia). Atualmente, as classificações são baseadas em grupos naturais, ou seja, refletem
hipóteses testadas por métodos científicos e incluem todos os descendentes do mesmo ancestral.
Seguindo esta metodologia, os cetáceos e peixes-bois são agrupados na Classe Mammalia, junto com
os cachorros, gatos e seres humanos e todos os descendentes do ancestral mais antigo, que possuía
glândulas mamárias e pelos. Desta forma, apesar de ainda ser muito popular, o termo Pisces caiu em
desuso, por reunir as espécies em um grupo artificial, pois não possuem um ancestral único e exclusivo.
521
Noções de Oceanografia
A classificação atual dos peixes é bastante complexa e envolve diversos nomes derivados do
grego e latim que parecem difíceis à primeira leitura (Fig. 1). Os peixes são classificados em cinco
grupos naturais: Cyclostomata; Chondrichthyes; Actinopterygii; Dipnoi; e Cladistia. Esses grupos
são organizados a partir de hipóteses de relações de parentesco em grupos mais inclusivos. A Clado
Cyclostomata (do grego cyclo-, redondo + -stoma, boca), inclui os peixes-bruxas e lampreias, é o grupo
irmão do Clado Gnathostomata (do grego gnatho-, mandíbula + -stoma, boca), que são os vertebrados
com arco mandibular e nadadeiras pares – peitorais e pélvicas, ou braços e pernas, respectivamente.
Gnathostomata inclui as Classes Chondrichthyes (do grego chondro-, cartilagem + -ichthyes, peixes),
ou seja, os peixes-cartilaginosos, e Osteichthyes (do grego osteo-, osso + -ichthyes, peixes).
Neste capítulo, os nomes científicos das espécies são apresentados junto com os nomes comuns
e um nível hierárquico mais abrangente entre parênteses – a terminação “-dae”, indica família (ex.
Cichlidae, Carangidae) e “-formes”, indica ordem (ex. Cichliformes, Carangiformes).
FIGURA 1. Filogenia e classificação dos vertebrados, com ênfase nos grupos de peixes atuais. Baseado em
Nelson et al. (2016) e Fricke et al. (2020).
522
Diversidade de peixes marinhos
A ordem Myxiniformes é composta por 80 espécies, pertencentes à uma única família, popularmente
conhecidas como peixes-bruxas ou feiticeiras. Os peixes-bruxa possuem entre 18 cm (Myxine kuoi e Myxine
pequenoi) e 1,27 metro (Eptatretus goliath). Todas as espécies são marinhas, habitam águas geladas das regiões
temperadas e oceano profundo e possuem hábitos fossoriais, ou seja, vivem em tocas ou buracos no fundo dos
mares. No Brasil, são conhecidas cinco espécies, todas de oceano profundo (Mincarone, 2000). Os peixes-
bruxa são caracterizados por possuírem corpo alongado e liso (sem escamas), olhos rudimentares ou ausentes,
apenas uma narina localizada acima da boca, e três ou quatro pares de tentáculos orais. A característica mais
marcante deste grupo é a presença de células mucosas especializadas ao longo do corpo, capazes de produzir
um muco de polissacarídeos que se expande em grandes volumes ao entrar em contato com a água e serve
como mecanismo de defesa contra predadores como chernes e tubarões (Zinztel et al., 2011).
Os peixes-bruxas são carniceiros, alimentando-se de restos de animais marinhos mortos que chegam
ao fundo dos oceanos. Seu nome popular está relacionado com o hábito de entrarem nas carcaças de peixes
fisgados em espinhéis que, eventualmente, morrem antes de serem retirados do mar pelos pescadores.
Assim, os pescadores têm a desagradável surpresa de encontrar o pescado com suas entranhas comidas pelos
peixes-bruxas. Apesar disto, os peixes-bruxas possuem um importante papel na cadeia alimentar do oceano
profundo, por reciclar nutrientes provenientes de camadas superficiais e disponibilizá-los na teia trófica.
523
Noções de Oceanografia
do Norte) e apenas duas espécies no hemisfério Sul, no Sul do Chile e Argentina – portanto, nenhuma
espécie ocorre no Brasil (Renaud, 2011). As lampreias também possuem corpo alongado e liso, têm
apenas uma narina localizada na parte dorsal da cabeça, além da ausência de nadadeiras pares e estruturas
de mastigação. Os adultos possuem a boca em forma de ventosa, munida de numerosos e afiados dentes
córneos, que é a principal característica do grupo. Várias espécies de lampreias são parasitas externos e se
fixam temporariamente em peixes e cetáceos enquanto se alimentam da carne e fluidos corpóreos.
As lampreias possuem o ciclo de vida complexo, que envolve a utilização de diferentes habitats ao
longo do desenvolvimento e a migração por grandes distâncias entre o ambiente dulcícola e marinho.
As lampreias nascem nas cabeceiras de rios de médio e grande porte. As larvas, chamadas de amocete,
são filtradores de zooplâncton, vivem enterradas no substrato e necessitam de água pura, corrente e
com grande oxigenação. Ao longo do desenvolvimento, os amocetes descem o rio até que, ao atingirem
a fase adulta, se metamorfoseiam nos adultos e migram para o ambiente marinho. Durante o período
reprodutivo, as lampreias adultas param de se alimentar e migram novamente para as cabeceiras dos
rios, onde desovam e, depois, morrem, completando ciclo em cerca de quatro anos.
3. Chondrichthyes
A Classe Chondrichthyes inclui cerca de 1.200 espécies organizadas em 192 gêneros, 54 famílias e
14 ordens distribuídas em todos os mares e oceanos do mundo (Nelson, 2016). No Brasil, existem mais
de 90 espécies de tubarões, 90 de raias e cinco de quimeras, algumas delas descritas recentemente. Os
Chondrichthyes são subdivididos em Elasmobranchii (do grego elasmo-, chapa metálica + -branchii, brânquia,
em alusão às brânquias lamelares), que inclui os tubarões (Selachii) e raias (Batoidea), e Holocephali (do
grego hólos, completa + -képhalos, cabeça, devido ao formato da cabeça), que inclui as quimeras. Diversas
especializações morfológicas únicas entre os vertebrados caracterizam os Chondrichthyes, tais como a
calcificação prismática do esqueleto cartilaginoso, dentes arranjados em fileiras com reposição contínua,
corpo coberto por dentículos dérmicos, um órgão especializado em detectar campo elétrico composto pelas
ampolas de Lorenzini, e as nadadeiras pélvicas dos machos modificadas em uma estrutura para fecundação
interna, denominada clasper ou mixopterígio (Nelson et al., 2016).
Entre os tubarões, as maiores espécies são o tubarão-baleia (Rhincodon typus), que pode chegar
a medir 12 metros e pesar mais de 20 toneladas, o tubarão-peregrino (Cetorhinus maximus), com até 8
metros e 4,6 toneladas, e o tubarão-branco (Carcharodon carcharias), com até 6 metros e 6,6 toneladas.
Entre as raias, as maiores espécies são a raia-manta (Mobula birostris), com até 7 metros de diâmetro
de disco (entre uma ponta e outra das nadadeiras peitorais) e 3 toneladas e a raia-gigante-de-água-
1
Para saber mais, acesse: <http://www.glfc.org/sea-lamprey.php>.
524
Diversidade de peixes marinhos
doce (Urogymnus polylepis), a mais longa, com 6 metros entre a ponta do focinho e a cauda e peso de
600 Kg. A maior espécie conhecida é o megalodon (Carcharocles megalodon), uma espécie já extinta que
viveu entre 2,3 e 3,6 milhões de anos atrás, e tinha o tamanho estimado entre 13 e 20 metros e peso
de 12 a 37 toneladas. A maioria das espécies, entretanto, não ultrapassa 1,5 metro de comprimento,
sendo as menores o tubarão-lanterna (Etmopterus perryi), com apenas 18 cm de comprimento, e a
raia-elétrica-colombiana (Diplobatis colombiensis), com 17 cm de comprimento (Compagno, 1984a, b).
Outro mito é a “má reputação” devido a incidentes com seres humanos. Os Chondrichthyes possuem
uma posição elevada na cadeia alimentar dos mares e, eventualmente, dos rios. Contudo, a maioria das espécies
alimenta-se de peixes, lulas e crustáceos. Poucas espécies de tubarões incluem regularmente na dieta grandes
vertebrados, como focas, lobos marinhos e tartarugas e, entre essas, apenas três são reconhecidas por causar
incidentes fatais não provocados à seres humanos: o tubarão-branco (Carcharodon carcharias), o tubarão-tigre
(Galeocerdo cuvier) e o tubarão-cabeça-chata (Carcharhinus leucas). Isso corresponde a menos de 0,25% de
todos os Chondrichthyes! Outro tipo de acidente que é ainda mais comum, é causado por várias espécies de
raias, alguns tubarões e pelas quimeras, que possuem ferrões ou espinhos como estruturas de defesa e podem
causar uma experiência bastante dolorosa quando molestadas ou pisadas. De qualquer forma, esses incidentes
acontecem apenas quando o homem invade o ambiente em que esses animais vivem. Por outro lado, os
peixes-cartilaginosos são alvo de pesca implacável que está levando várias espécies ao desaparecimento.
Todas as espécies de quimeras, a maior parte dos tubarões e das raias são marinhos, mas cerca de
170 espécies de tubarões e raias utilizam os estuários ou são obrigatoriamente de água doce (Compagno
& Cook, 1995). Entre as raias obrigatoriamente de água doce, a família Potamotrygonidae é a mais
diversificada com 33 espécies distribuídas nas bacias Amazônica e do rio Paraná, mas algumas espécies
da família Dasyatidae ocorrem nos rios entre o Sul da Ásia e Austrália (Carvalho et al., 2003; Compagno,
2002). Entre os tubarões, apenas uma espécie, Glyphis gangeticus, que ocorre no sudeste asiático
(Bangladesh, Índia, Mianmar e Bornéo) é exclusiva de água doce, mas há várias espécies que usam os
estuários para alimentação, reprodução e crescimento dos jovens. O tubarão-cabeça-chata (Carcharhinus
leucas), é a espécie marinha com maior tolerância à água doce, sendo frequentemente encontrada em
estuários, grandes rios e lagos em várias partes do mundo, como em Angola, África do Sul, Austrália,
Brasil, Irã, Estados Unidos, Nicarágua e, até mesmo, em Iquitos, no Peru, e Letícia, na Bolívia, cerca de
4.000 Km à montante da foz do rio Amazonas (Carvalho & McEachran, 2003; Li et al., 2015).
Para a maior parte das espécies vivíparas, a mãe fornece alimento para o embrião após ele
consumir o saco vitelínico, das seguintes maneiras: macrófito (todos os tubarões Lamniformes e
525
Noções de Oceanografia
alguns Carcharhiniformes) o embrião alimenta-se de ovos não fecundados (oofagia) e, até mesmo,
de outros embriões menores (embriofagia), como é o caso do tubarão-mangona (Carcharias taurus);
histotrófico (tubarões Squaliformes e Carchariniformes e raias Myliobatiformes), o embrião alimenta-
se de secreções produzidas pelo útero da mãe; ou placentotrófico (vários tubarões Carcharhiniformes),
o saco vitelínico se transforma em uma placenta conectada ao útero da mãe através de um cordão
umbilical, similar ao dos mamíferos placentários (Musick & Ellis, 2005).
Atualmente, são conhecidas mais de 400 espécies de tubarões, também conhecidos como cações,
pertencentes à 33 famílias e nove ordens (Nelson et al., 2016). Os tubarões são caracterizados por possuírem
de cinco a sete pares de fendas branquiais, localizadas lateralmente laterais no corpo, e as nadadeiras
peitorais não fusionadas à cabeça, como nas raias. A maioria das espécies possui duas nadadeiras dorsais,
às vezes com um espinho em cada nadadeira, e uma nadadeira anal, embora esta seja ausente em algumas
espécies. A boca é normalmente ventral ou subterminal. O corpo, normalmente, é fusiforme e bastante
hidrodinâmico, mas os cações-anjos (Squatiniformes), por exemplo, possuem o corpo achatado dorso-
ventralmente, semelhante às raias. São amplamente distribuídos em todos os oceanos, do Ártico às
ilhas subantárticas, nas regiões costeiras próximas a recifes, praias e em baías rasas e fechadas, em águas
oceânicas distantes da costa, e em grandes profundidades, sendo que algumas espécies podem ocorrer
abaixo dos 2.000 m de profundidade. São mais diversos em águas costeiras de mares tropicais e de clima
quente, sendo que a maior diversidade do grupo se encontra no Oeste dos oceanos Índico e Pacífico.
Todos os tubarões são predadores, porém existe uma grande variedade de tipos de presas que fazem
parte da dieta de diferentes espécies. Curiosamente, as maiores espécies, o tubarão-baleia (Rhincodon typus) e
o tubarão-peregrino (Cetorhinus maximus), são oceânicos e pelágicos e se alimentam de plâncton e pequenos
organismos pelágicos. Várias espécies, como o tubarão-lixa (Ginglymostoma cirratum) e o tubarão-azul (Prionace
glauca), têm suas dietas compostas principalmente por pequenos peixes, crustáceos e moluscos. Os tubarões-
charutos (Etmopteridae) conseguem arrancar pequenos pedaços de animais maiores, como cetáceos e lulas-
gigantes, deixando cicatrizes características. Já os grandes predadores, como o tubarão-tigre (Galeocerdo cuvier),
o tubarão-cabeça-chata (Carcharhinus leucas) e o tubarão-branco, (Carcharodon carcharias), são generalistas e se
alimentam de outros elasmobrânquios, peixes-ósseos, tartarugas-marinhas, cetáceos e focas.
As raias, ou arraias, compõem o grupo mais diversificado entre todos os Chondrichthyes, com
mais de 530 espécies, em 17 famílias e quatro ordens. As raias são fáceis de distinguir por possuírem
o corpo achatado dorso-ventralmente, cinco ou seis fendas branquiais localizadas na região ventral do
corpo, nadadeiras peitorais conectadas ao crânio, e nadadeira anal ausente (Nelson et al., 2016). As raias
possuem uma grande diversidade morfológica com diversas características únicas, tais como a cauda
afilada, sem a nadadeira caudal e com um ou mais espinhos serrilhados que são utilizados para defesa
nas raias-manta, raias-de-água-doce e raias-prego (Myliobatiformes); grandes projeções labiais nas
raias-manta (Mobulidae); um órgão especializado em produzir descargas elétricas nas raias-elétricas
(Torpediniformes); e o rostro com grandes espinhos laterais nos peixes-serra (Pristiformes).
As raias também são amplamente distribuídas em todos os mares e oceanos, em diversos tipos
de habitat. Assim como os maiores tubarões, as gigantescas raias-manta (Mobulidae) são pelágicas
oceânicas e se alimentam de pequenos organismos pelágicos. A maioria das raias, entretanto, possui
526
Diversidade de peixes marinhos
527
Noções de Oceanografia
3.3 Quimeras
Os fósseis mais antigos dos celacantos e dos peixes-pulmonados são do Devoniano Superior
(350 milhões de anos atrás) e a maior diversidade de fósseis é do Cretáceo (145-66 milhões de anos
atrás). Acreditava-se que os celacantos estivessem extintos até que, em 1938, um exemplar foi pescado
na África do Sul. A espécie foi batizada pelo ictiólogo sul-africano James B. Smith como Latimeria
chalumnae e é considerada até hoje como uma das maiores descobertas na história da ictiologia
(Weinberg, 2001). Para surpresa de todos, 60 anos depois, em 1998, uma segunda espécie foi descoberta
na Indonésia, desta vez descrita como Latimeria menadoensis.
528
Diversidade de peixes marinhos
A maior parte dos peixes actinopterígeos realiza fecundação externa, ou seja, gametas masculinos
e femininos são liberados na água, onde acontece a fecundação. Os ovos planctônicos são carregados
pela água, mas várias espécies possuem cuidado parental elaborado. Várias espécies produzem e cuidam
de ninhos que podem ser feitos de bolha de ar (peixes-de-briga, Betta splendens), areia (acarás, família
Cichlidae), rocha (peixes-donzelas, família Pomacentridae), algas e plantas (alguns góbios, família
Gobiidae) e até mesmo dentro de mexilhões (família Cyprinidae).
A determinação do sexo em peixes pode ter controle genético ou ambiental, com genes localizados
nos cromossomos sexuais XY (como em mamíferos), ZW (como em aves) ou em cromossomos
autossômicos. A temperatura de incubação dos ovos influência na determinação do sexo de várias
espécies, como por exemplo a tilápia-do-nilo (Oreochromis niloticus).
Muitas espécies trocam de sexo após a maturação inicial, ou seja, são hermafroditas. O
hermafroditismo protogínico, quando o indivíduo nasce fêmea e se transforma em macho, é comum
entre os como os peixes-palhaços (Amphiprion spp., Pomacentridae). O hermafroditismo protândrico,
quando o indivíduo nasce macho e se transforma em fêmea, é comum nos badejos, garoupas, mero
(Epinephelidae e Serranidae) e bodiões (Labridae). A tilápia-do-nilo (Oreochromis niloticus, Cichlidae),
possui sexo determinado pelos cromossomos XY, mas pode ser revertido em qualquer direção por
condições ambientais e hormonais, e no michole-de-areia, (Diplectrum radiale, Serranidae), o
hermafroditismo é simultâneo, com as gônadas feminina e masculina funcionais ao mesmo tempo
(Devlin & Nagahama, 2002; Kobayashi et al., 2008).
529
Noções de Oceanografia
O ambiente marinho possui cerca de 58% das espécies de peixes. A maior diversidade das
espécies está concentrada em regiões tropicais de água rasa, como os recifes de corais e manguezais no
triângulo da biodiversidade do Indo-Pacífico, grande barreira de corais da Austrália, Mar Vermelho e
Mar do Caribe. Apenas 1% das espécies, chamadas de eurialinas, possuem mecanismos de regulação
osmótica que as permitem transitar entre os ambientes marinhos, dulcícolas ou viver em água salobra.
Alguns dos ambientes marinhos são críticos para a vida, como o oceano profundo, onde a penetração
de luz é mínima ou ausente e a pressão da água é até 1.300 vezes maior do que a atmosférica. Os peixes
de oceano profundo possuem adaptações fisiológicas para aguentarem essas condições e, em diversas
espécies, desenvolveram fotóforos que produzem bioluminescência. Outros ambientes extremos são
o Ártico e Antártica, onde os períodos sem luz podem chegar a 6 meses e a temperatura da água é de
até -1,9°C. As espécies que vivem nesses ambientes possuem proteínas anticongelantes no sangue. Nas
próximas seções, serão abordados alguns desses ambientes.
Estima-se que apenas 0,0093% de toda água do planeta esteja disponível nos rios, lagos, arroios,
igarapés, pântanos, brejos e veredas que compõem os ecossistemas dulcícolas. Apesar do pequeno
volume quando comparado aos oceanos, esses ambientes possuem uma complexa história geológica,
grande heterogeneidade de habitats e alto grau de isolamento, que possibilitaram a diversificação de
mais de 17.800 espécies de peixes. Dessas, cerca de 3.000 espécies ocorrem no Brasil, que é considerado
o país com maior riqueza de peixes dulcícolas no mundo (Reis et al., 2016).
Os peixes primários de água doce são aqueles que estão confinados nos rios e lagos, cujo ancestral
evoluiu nesses ambientes e, fisiologicamente, não possuem tolerância à água salgada, por exemplo os
lambaris e piranhas (Characiformes), cascudos e mandis (Siluriformes) e as carpas (Cypriniformes). Os
peixes secundários de água doce, possuem alguma tolerância à água salgada, e normalmente derivam
de grupos marinhos que secundariamente invadiram a água doce, como as raias (Potamotrygonidae),
os guarus (Poeciliidae) e os ciclídeos (Cichlidae) (Myers, 1938).
530
Diversidade de peixes marinhos
No Brasil, os ambientes dulcícolas são dominados por três ordens pertencentes à um grupo
chamado Ostariophysi, que possui as quatro primeiras vértebras modificadas para conectar a bexiga
natatória à orelha interna: Siluriformes (cascudos, bagres, mandis), com cerca de 1.300 espécies;
Characiformes (lambaris, piranhas e curimbatás), com cerca de 1.000 espécies; e Gymnotiformes
(turviras, ituís e poraquês), com cerca de 300 espécies. Além dessas três ordens, merecem destaque pela
diversidade os Cyprinodontiformes (peixes-anuais e barrigudinhos), com 307 espécies; os Cichliformes
(acarás e tucunarés), com 270 espécies; e, pelo tamanho e importância ecológica, os Osteoglossiformes
(pirarucu e aruanã), com sete espécies (Buckup et al., 2007; Menezes et al., 2020).
531
Noções de Oceanografia
Algumas espécies não nativas foram introduzidas no Brasil e acabaram se tornando invasoras,
causando prejuízos à fauna brasileira: a carpa (Cyprinus carpio), originária da China; a tilápia-do-
nilo (Oreochromis niloticus) e a tilápia-saint-peter (Coptodon rendalli), da África; a truta-arco-íris
(Oncorhynchus mykiss), da América do Norte; e o guppy ou lebiste (Poecilia reticulata), da Venezuela.
Os peixes costeiros são aqueles que habitam a região nerítica, ou seja, a zona marinha localizada
acima da plataforma continental, entre 0 e 200 metros de profundidade. No Brasil, a largura da
plataforma continental é extremamente variável, com cerca de 200 km nas regiões Sul, Sudeste, no
Banco de Abrolhos e ao largo da foz do Rio Amazonas a até apenas 6–10 km, na maior parte do
Nordeste. A plataforma continental é uma região que combina a alta incidência de luz solar com
grande aporte de nutrientes, portanto possui alta produtividade primária que dá suporte à grande
biomassa de peixes. Também é uma região com grande heterogeneidade de habitats, como os estuários,
fundos arenosos ou lamosos, poças de maré e recifes (Helfman et al., 2009).
Os estuários são ecossistemas costeiros de transição entre os rios e o mar. Esses ambientes
estão sob influência diária das marés e sazonal de chuvas no continente, o que faz com que tenham
grande variação de salinidade, pH, sedimentos em suspensão, oxigênio dissolvido e temperatura. O
manguezal é um dos principais biomas tropicais estuarinos de alta produtividade e estão distribuídos,
no Brasil, entre o Amapá e Santa Catarina (ICMBio, 2018a).
532
Diversidade de peixes marinhos
Os peixes recifais são aqueles que vivem em fundos consolidados de origem abiótica (costões
rochosos, rochas vulcânicas e arenitos) ou biótica (corais e hidrocorais, esponjas e algas calcáreas). Os
recifes estão amplamente distribuídos em mares tropicais de água rasa e oligotrófica, porém ocupam
uma área de menos de 1% dos oceanos. Estima-se que os recifes abriguem cerca de 25% de toda a
diversidade marinha, incluindo 4.000 espécies de peixes e 800 espécies de corais. Do ponto de vista
econômico, também é um ambiente extremamente relevante, com 1 bilhão de pessoas se beneficiando
dos recifes como fonte de alimento e de renda por meio do turismo (Mora, 2015).
Algumas espécies de peixes recifais chamam a atenção pelo colorido exuberante, que é importante
para a camuflagem em meio ao colorido das algas, esponjas e corais, pode indicar dimorfismo sexual,
ou ser utilizado para atrair a atenção de outras espécies, no caso dos peixes limpadores, como os
peixes-borboleta (Chaetodontidae), peixes-anjo (Pomacanthidae), peixes-donzela e peixes-palhaço
533
Noções de Oceanografia
O Brasil abriga todos os recifes do Atlântico Sul ocidental, distribuídos desde o Amapá até
Santa Catarina, incluindo o Atol das Rocas e os arquipélagos de Fernando de Noronha, São Pedro e
São Paulo e Vitória-Trindade. Nesta área, foram registradas 733 espécies de peixes recifais, sendo 27%
endêmicas, ou seja, possuem distribuição restrita.
As famílias mais diversificadas são Carangidae (35 espécies, como pampos e xaréus), seguida de
Gobiidae (31 espécies, como os góbios e dormidores), Epinephelidae (25 espécies, como as garoupas
e o mero) e Serranidae (25 espécies, como as garoupas e micholes). Por ser um ambiente complexo,
os recifes compreendem espécies de todos os níveis e nichos tróficos. No Brasil, 60% das espécies
alimentam-se de pequenos invertebrados, como esponjas, corais, crustáceos e moluscos (peixes-
anjo, bodiões e peixes-borboleta), 14 % é planctófagas (sardinhas, manjubas e peixes-sargentinho),
12% é herbívora (peixes-cirurgião, marias-da-toca e algumas espécies de peixes-donzela), e 12 %
macrocarnívoras (garoupas e barracudas) (Pinheiro et al., 2018).
534
Diversidade de peixes marinhos
As espécies oceanódromas são pelágicas e realizam grandes migrações durante a vida. As espécies
planctófagas são filtradoras e alimentam-se principalmente de como as sardinhas e anchovas (Clupeidae)
e peixes-voadores (cerca de 70 espécies da família Exocoetidae). Algumas espécies alimentam-se
exclusivamente águas-vivas (Cnidaria), como os peixes-lua (cinco espécies da família Molidae), o
peixe-remo (Regalecus glesne, Lampriformes), e o opah (Lampris guttatus, Lampriformes). A maioria
das espécies, entretanto, é predadora incluindo o tubarão-azul (Prionace glauca, Carcharhinidae),
tubarão-raposa (Alopias vulpinus), e tubarão-mako (Isurus oxyrinchus), cerca de 10 espécies de marlins
e agulhões (Istiophoridae), a meca (Xiphias gladius, Xiphiidae), os atuns, bonitos, cavalas e cavalinhas
(Scombridae) e o dourado-do-mar (Coryphaena hippurus, Coryphaenidae).
Para poder viver nessas condições, os peixes de oceano profundo desenvolveram diversas adaptações
morfológicas e fisiológicas únicas. Várias espécies possuem órgãos bioluminescentes que são utilizados
para reconhecimento interespecífico, isca, mecanismo de fuga e lanterna (Rees et al., 1998). Diversas
espécies de peixes-pescador (Lophiiformes) possuem dimorfismo sexual acentuado e os machos se fixam
permanentemente nas fêmeas, tornando-se um apêndice produtor de gametas (Pietsch, 2005).
Estima-se que de 10 a 15% das espécies de peixes ocorram no oceano profundo: duas espécies
de celacanto; 78, de Myxini; 1.140, de Chondrichthyes; e mais de 15.000, de Actinopterygii (Pride
& Froese, 2013; Linley et al., 2016). No Brasil, são conhecidas 715 espécies de peixes que habitam
essa região, pertencentes à 145 famílias e 37 ordens (Melo et al., 2020). Os peixes de oceano profundo
podem ser classificados de acordo com o habitat que ocorrem, sendo pelágicos, aqueles que vivem na
coluna d'água, e demersais, os que vivem próximos do fundo.
535
Noções de Oceanografia
As espécies mesopelágicas, que vivem entre 200 e 1.000 metros e normalmente fazem migração
vertical diária para buscar comida em águas rasas durante a noite e se esconderem na escuridão das
profundezas durante o dia, incluem mais de 250 espécies de peixes-lanterna (Myctophiformes), 400
espécies peixes-víbora (Stomiiformes) e os tubarões-lanterna (Etmopteridae).
As espécies abissais vivem próximas à planície abissal, o assoalho submarino, entre 4.000 e 6.000
m, como as brótulas (Ophidiiformes) e peixes zoarcídeos (Zoarcidae). As espécies hadais vivem em
fossas oceânicas, com profundidades maiores do que 6.000 metros. O peixe-caracol (Pseudoliparis
swirei, Liparidae), e a brótula-abissal (Abyssobrotula galatheae, Ophidiidae), coletadas em 8.145 metros
e 8.370 metros, respectivamente, são os recordistas de profundidade entre todos os vertebrados.
Os ambientes polares estão localizados nos hemisférios Norte e Sul, em latitudes maiores do que
60°. Esses ambientes são caracterizados pela baixa temperatura da água, que pode chegar à -1,9°C e
ampla variação da duração do dia de acordo com a estação do ano. Portanto, é um dos ambientes com
condições mais extremas para a vida.
Para sobreviverem nesses ambientes, os peixes polares possuem proteínas anticongelantes que se
juntam aos cristais de gelo impedindo o seu crescimento (Cziko et al., 2014). Os peixes-gelo (família
Channichthyidae) são os únicos vertebrados que não possuem glóbulos vermelhos nem hemoglobina
no sangue como adaptação contra o congelamento (Ruud, 1954).
A Antártica, localizada no hemisfério Sul, está separada dos demais continentes desde a
formação do Oceano Austral, há cerca de 30 milhões de anos, o que possibilitou o isolamento e
separação de grupos endêmicos. São conhecidas 320 espécies de peixes e várias ainda não descritas,
sendo a maioria formada pelos peixes-caracol (Liparidae), peixes-gelo (Nototheniidae) e zoarcídeos
(Zoarcidae) (Gon & Heemstra, 1990).
Localizado no hemisfério norte, o Ártico não possui esse tipo de isolamento e serve de conexão
entre as massas d'água do Atlântico Norte e Pacífico Norte. A fauna de peixes é semelhante às das
áreas adjacentes e formada por espécies migratórias que se movem para outras áreas com o inverno.
No Oceano Atlântico, algumas espécies comuns são o arenque (Clupea harengus, Clupeiformes),
o bacalhau-do-atlântico (Gadus morhua, Gadiformes) e o salmão-do-atlântico (Salmo salar,
Salmoniformes). Já no lado do Oceano Pacífico, algumas espécies são o bacalhau-do-pacífico (Gadus
macrocephalus, Gadiformes), tubarão-dorminhoco (Somniosus pacificus, Squaliformes) e a enguia-lobo
(Anarrhichthys ocellatus, Perciformes) (Helfman et al., 2009).
536
Diversidade de peixes marinhos
É como fonte de alimento, entretanto, que os peixes têm a principal importância para os
homens, servindo também de identidade cultural como prato típico de diversos países e regiões
e, principalmente, como importante fonte de nutricional – por exemplo, os peixes representam
mais de 70% da proteína animal consumida na região Norte do Brasil. Estima-se que a pesca e
aquicultura sejam responsáveis pelo emprego de 59 milhões de pessoas e movimentam um mercado
de U$150 bilhões (FAO, 2018). No Brasil, é uma importante atividade econômica, tanto em termos
financeiros quanto socioambientais.
O risco de extinção é a chance que uma espécie tem de desaparecer da natureza e discriminado
em três categorias, de acordo com o grau de ameaça: Vulnerável; Em Perigo; e Criticamente
Ameaçada. A categoria Quase Ameaçada é aquela quando já existem evidências de um declínio
populacional, mas o desaparecimento da espécie ainda não é eminente. Já as espécies consideradas
extintas são aquelas que desapareceram de uma determinada área (Regionalmente); desapareceram
da natureza, mas ainda existem indivíduos mantidos em criadouros (Extinta na Natureza); ou
desapareceu por completo (Extinta).
Os resultados apresentados são bem alarmantes, com 410 espécies, ou 9,1% da fauna de peixes
brasileiros corre risco de extinção. Entre os peixes continentais (dulcícolas) 312 espécies foram
537
Noções de Oceanografia
consideradas ameaçadas de extinção (9,9% do total), sendo 101 categorizadas como Criticamente em
Perigo (3,2%); 112, Em Perigo (3,5%); e 99, Vulnerável (3,1%). Entre as espécies marinhas, 98 foram
consideradas ameaçadas de extinção (7,1% do total), sendo 34 categorizadas como Criticamente
em Perigo (2,5%); 14, Em Perigo (1%); 50 Vulnerável (3,6%); além de duas espécies de tubarões
consideradas regionalmente extintas.
No ambiente dulcícola, as principais ameaças são causadas por destruição de habitats através
de atividades de agropecuária (125 espécies), construção de hidrelétricas (104 espécies), expansão
urbana (87 espécies) e poluição (61 espécies). Já entre as espécies marinhas, as principais ameaças estão
relacionadas à captura pela pesca (90 espécies) e destruição de habitats por poluição (21 espécies).
Entre os grupos mais ameaçados, destacam-se os peixes Actinopterygii de água doce, que
representam 75% das espécies ameaçadas, com 100 delas categorizadas como Criticamente Ameaçadas.
As espécies mais ameaçadas são os peixes-anuais, cujos habitats estão sendo aterrados ou transformadas
áreas de pasto e agricultura, espécies endêmicas que foram dizimadas pela construção de grandes
hidrelétricas, como Belo Monte no Pará, e espécies que ocorrem na bacia e estuário do rio Doce, no
Espírito Santo, e foram impactadas pelo lançamento de dejetos de mineradora.
SITES RECOMENDADOS
Catálogo Taxonômico da Fauna do Brasil: <http://fauna.jbrj.gov.br/>
538
Diversidade de peixes marinhos
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542
Ecologia de peixes marinhos
NOÇÕES DE OCEANOGRAFIA
Capítulo 25
ECOLOGIA DE PEIXES
MARINHOS
June Ferraz Dias, Francesco Silveira Machado Chioatto,
Giovana de Assis Garcia, Leandro Fernandes Patrício,
Maria Luiza Flaquer da Rocha, Maria Luiza Leal-de-Paula,
Natasha Travenisk Hoff, Renata Ramos Gomes
& Thamíris Christina Karlovic de Abreu
543
Noções de Oceanografia
CITAÇÃO SUGERIDA: DIAS, June Ferraz et al. Ecologia de peixes marinhos. In: HARARI, Joseph
(org.). Noções de Oceanografia. São Paulo: Instituto Oceanográfico, 2021. E-book. Cap. 25: p.
545-570.
544
Ecologia de peixes marinhos
1. Introdução
A distribuição das quase 20.000 espécies de peixes marinhos depende de fatores ambientais
bióticos e abióticos. Fatores bióticos, como disponibilidade de alimento adequado, presença de
predadores e doenças, influenciam diretamente as relações intra- e interespecíficas. Fatores abióticos,
como o tipo de substrato ou de habitat, condicionam a existência de abrigo ou de determinado alimento.
Por outro lado, fatores abióticos físicos e químicos, como temperatura, salinidade, oxigênio
dissolvido e pressão hidrostática, afetam a tolerância e a fisiologia dos organismos e, portanto, sua
distribuição. Essa diversificação de fatores leva a que os peixes marinhos sejam um grupo diferenciado
em sua anatomia funcional, comportamento, fisiologia e ecologia.
Este capítulo tratará da ecologia de peixes marinhos, ou ictiofauna marinha, com ênfase em
exemplos da costa do estado de São Paulo. A região servirá como base para a descrição da estrutura da
ictiofauna e de seu papel funcional nas costas norte, central e sul do estado.
A costa de São Paulo, com seus quase 700 km, apresenta uma grande variedade de ambientes
e habitat, como estuários, praias arenosas, costões rochosos, formações recifais e ilhas. Em virtude da
posição da Serra do Mar em relação à zona costeira, que resulta numa planície costeira estreita na
porção norte, ampliando-se em direção ao sul do estado, tanto ilhas quanto costões rochosos estão
presentes em maior número na costa norte.
545
Noções de Oceanografia
Entretanto, esses números poderiam ser ainda maiores, havendo amostragens padronizadas e
mais eficientes nos microambientes de praias, costões e fundos rochosos (Menezes et al., 2003; Rossi-
Wongtschowski et al., 2009), além das regiões mais profundas, fora da plataforma continental.
A ictiofauna pode ser classificada de acordo com o padrão de ocupação da coluna de água ou
na superfície de fundo. Espécies pelágicas ocupam a coluna de água, enquanto as demersais podem
ocupar a coluna de água mas mantêm alguma relação com a superfície de fundo. Assim, enquanto
as pelágicas se alimentam e se reproduzem no pelagial, espécies demersais podem se alimentar ou se
reproduzir no fundo, enquanto as bentônicas podem se enterrar no substrato. Espécies bentopelágicas
vivem e se alimentam tanto na coluna de água como próximas da superfície do fundo.
QUADRO 1. Principais famílias de peixes da costa paulista. Desenhos de Joana Dias Ho e Natasha
Travenisk Hoff.
Carangídeos (Carangidae)
Cienídeos (Sciaenidae)
Labrídeos (Labridae)
547
Noções de Oceanografia
Gobiídeos (Gobiidae)
Paralictídeos (Paralichthyidae)
Hemulídeos (Haemulidae)
Engraulídeos (Engraulidae)
Carcarrinídeos (Carcharhinidae)
Clupeídeos (Clupeidae)
548
Ecologia de peixes marinhos
Na região costeira do estado de São Paulo as principais espécies demersais capturadas podem
ser agrupadas cinco famílias com maior abundância em número de indivíduos. A família Sciaenidae
apresenta 17 espécies mais abundantes, seguida pelos bagres da família Ariidae (7 espécies), pelos
linguados da família Paralichthyidae (5 espécies), por Pomacentridae (5 espécies), e as raias da
família Arhyncobatidae (4 espécies).
A distribuição dos organismos que compõem a ictiofauna pode ser controlada por fatores
abióticos, como pressão hidrostática, penetração de luz, temperatura, salinidade e oxigênio dissolvido;
e fatores bióticos, como as interações interespecíficas, a disponibilidade de alimento e a produtividade
da região. A região costeira do estado de São Paulo apresenta relativa uniformidade ambiental,
com a presença de dois estuários, o estuário de Santos e o sistema estuarino-lagunar de Cananéia-
Iguape, e uma ampla plataforma continental com substrato lamoso e arenoso (Mahiques et al., 2004),
proporcionando a existência de habitat diferenciados, e tendo como consequência a predominância de
peixes demersais (Menezes et al., 2003; Rossi-Wongtschowski et al., 2009).
Avaliando as 111 espécies demersais que compõem a ictiofauna da região de Ubatuba, as massas
d’água e a composição sedimentar da área, Rocha & Rossi-Wongtschowski (1998) observaram
diferentes associações entre espécies de cienídeos, como o goete (Cynoscion jamaicensis), betara
(Menticirrhus americanus) e tortinha (Isopisthus parvipinnis), com águas mais quentes, como da AC,
enquanto os actinopterígios pescada-olhuda (Cynoscion guatucupa), castanha ou papa-terra (Umbrina
canosai), mariquita (Dules auriga), os linguados Etropus longimanus e P. patagonicus, e as espécies de
elasmobrâquios raia-santa (Atlantoraja cyclophora), raia-emplastro-mirim (Psammobatis extenta), cação-
anjo (Squatina guggenheim) e raia-chita (Atlantoraja castelnaui) acompanham os movimentos da ACAS,
além de ocorrem em fundos arenosos e lamosos. O pargo (Pagrus pagrus), a corcoroca (Orthopristis
ruber) e o carapicu (Eucinostomus argenteus) apresentaram maior relação com sedimentos de maior
granulometria, como areia e cascalho. Por sua vez, cabrinha (Prionotus punctatus) e mamangá-liso
(Porichthys porosissimus) apresentaram ampla distribuição na região, sendo a segunda uma das poucas
espécies euribáticas (que suportam ampla variação de pressão hidrostática), atingindo profundidades
maiores que 100 m. As espécies corvina, raia-santa, cabrinha e mamangá-liso são descritas por Rossi-
Wongtschowski & Paes (1993) como espécies estruturais do ecossistema de plataforma continental
de Ubatuba, assim como mariquita, goete, cangoá, betara e raia-emplastro-mirim são descritas como
sazonais nas diferentes porções da plataforma continental.
549
Noções de Oceanografia
Muitas são as espécies que utilizam os ambientes estuarinos, atingindo até mesmo ambientes de
águas interiores e salinidade próxima de 0, em diferentes momentos de seu ciclo de vida, como juvenis
ou para reprodução, ou durante toda sua vida. Espécies de tainhas (Mugilidae), manjubas (Engraulidae),
bagres (Ariidae) e robalos (Centropomidae) são exemplos de organismos frequentemente capturados
em ambientes estuarinos, dentre as 223 espécies de actinopterígios e 23 de elasmobrânquios para a
região de Cananéia, costa sul do estado (Contente, 2013).
Uma intensa pesca advinda de diversas frotas pesqueiras incide sobre a ictiofauna paulista, sendo
tradicionalmente a sardinha-verdadeira (Sardinella brasiliensis) e a corvina (M. furnieri) importantes
pelo volume descarregado. Outras espécies também são intensamente explotadas na região, tais como
a tainha (Mugil liza), a palombeta (Chloroscombrus chrysurus), a pescada-foguete (Macrodon atricauda),
o peixe-porco (Balistes capriscus), o chicharro (Trachurus lathami), a cavalinha (Scomber colias), e outros
pequenos pelágicos (Rossi-Wongtschowski et al., 2009, Ávila-da-Silva et al., 2019).
3. Ambientes insulares
Ilhas representam ambientes muito peculiares, cobrindo apenas 5% da área terrestre global.
De alta prioridade para a conservação da biodiversidade, pois são refúgios de espécies ameaçadas e
de importância comercial, encontram-se expostas a diversas ameaças, incluindo a perda de habitat, a
pesca predatória e ilegal, a ocorrência de espécies invasoras e as mudanças climáticas (Fonseca et al.,
2006), devido a seu pequeno tamanho e isolamento.
As ilhas da costa do estado de São Paulo estão alinhadas em dois grupos: um mais raso, na
isóbata de 15 m, e um mais profundo, na isóbata dos 40 m. A incidência de ilhas na costa de São Paulo
diminui do norte para o sul: enquanto são observadas mais de 70 ilhas e ilhotas na costa norte, na costa
sul se encontram as ilhas do Bom Abrigo, Cardoso, Cananéia e Comprida.
Podemos destacar as ilhas de São Sebastião, Búzios e Vitória, em que, pelo menos, 106 espécies
ocorrem (Gibran & Moura, 2012); a ilha Anchieta, com 97 espécies demersais de fundo inconsolidado
(Nonato et al., 1993) e 103 espécies recifais (Souza et al., 2018), o arquipélago dos Alcatrazes, onde
foram registradas 140 espécies, entre elasmobrânquios e actinopterígios (Hoff, 2015; Rolim et al.,
2017); a laje de Santos, com 196 espécies registradas (Luiz Jr. et al., 2008), e a ilha da Queimada
Grande, com o registro de 40 espécies (Pivetta et al., 2012).
A Figura 1 ilustra a distribuição das principais espécies de peixes, a partir da isóbata dos 20
metros, na região do arquipélago de Alcatrazes, costa norte do estado de São Paulo. É possível
identificar espécies de ampla distribuição, bem como outras de áreas específicas, como zona rasa,
costeira e profunda com espécies características.
550
Ecologia de peixes marinhos
551
Noções de Oceanografia
4. Ictioplâncton marinho
Ao longo do último século, o estudo do ictioplâncton, constituído por ovos e larvas de peixes
(Fig. 2), acumulou conhecimento sobre sua identificação, alimentação, causas de mortalidade e
dispersão, e consequentemente, seu efeito na composição e distribuição das comunidades ictíicas.
Mais recentemente, esse grupo também vem sendo estudado em relação à conectividade genética
e populacional, mudanças climáticas e aos efeitos da pesca e de estressores antropogênicos (Llopiz
et al., 2014). A grande mortalidade nas fases iniciais do ciclo de vida dos actinopterígios, tanto
por predação como por inanição, é a responsável, em parte, pela flutuação dos estoques pesqueiros,
principalmnte das espécies de pequenos pelágicos, como as sardinhas e as anchovetas. O capítulo
Biologia e Ecologia do Ictioplâncton Marinho apresenta mais informações sobre o ictioplâncton.
FIGURA 2. Ovo e larvas de peixes marinhos de diferentes espécies (fora de escala, todos menores que 1 cm),
ilustrando formas de corpo. Desenhos de Joana Dias Ho.
Para descrever a estrutura das comunidades de peixes é especialmente útil o uso de expressões
matemáticas que permitam estimativas da diversidade e da riqueza que podem ser comparadas em
diversas escalas espaciais e temporais, a partir das espécies coletadas. Dentre tais ferramentas destacam-
se os índices ecológicos, que reúnem informações de todas as espécies encontradas no local. Exemplos
desses indicadores ecológicos podem ser os índices de diversidade e de riqueza, sendo esta última, uma
das métricas mais simples e mais utilizadas.
Além do entendimento da estrutura, o uso dos índices facilita a interpretação dos resultados e a
visualização de padrões. A frequência relativa acumulada (F %), que identifica as principais espécies em
termos de abundância em número, também auxilia na indicação das espécies consideradas dominantes
(Yáñez-Arancibia, 1986). A riqueza de espécies pode ser estimada pela simples contagem do número
de espécies (S), ou calculada através de índices. A riqueza estimada somente pelo número de espécies
em uma área privilegia as espécies raras, já que estas têm o mesmo peso das espécies mais abundantes
numa lista. Já a riqueza estimada por índices considera o número de espécies em função do número
total de indivíduos capturados.
Diversidade de Shannon (H): assume que se tenham amostras ao acaso de uma comunidade
infinita; - atribui um peso maior às espécies raras e é um dos mais utilizados em trabalhos
sobre ecologia de comunidades, cujo cálculo é feito pela fórmula: H = - ∑ ( pi ⸳ ln pi), onde pi é a
proporção de indivíduos da espécie i;
Esses métodos de análise são muito importantes devido à grande diversidade de peixes na zona
costeira e áreas adjacentes, a qual está distribuída de forma desigual por seus diversos ecossistemas.
O fator mais importante na distribuição de peixes marinhos é a temperatura, mas outros fatores que
formam o habitat também desempenham papel relevante.
553
Noções de Oceanografia
Em estudos sobre comunidade de peixes demersais (peixes que têm alguma forma de associação
com a superfície de fundo) o tipo de fundo é claramente um fator fundamental no controle da
distribuição dos peixes: fundos arenosos, lamosos ou consolidados, cada um abrigando comunidades
características de invertebrados ou macroalgas, que são importantes itens alimentares para peixes
demersais (Lowe-McConnell, 1999). Dessa maneira, a distribuição e abundância das diferentes
espécies se caracteriza pelo ambiente onde vivem, como por exemplo, espécies que são associadas
a fundos não consolidados, espécies associadas a costões rochosos ou a recifes de coral, espécies
estuarinas e pelágicas (Eschmeyer et al., 2010).
TABELA 1. Métricas para o total da captura nas seis áreas ao longo da zona costeira paulista. As letras
representam os indicadores ou índices ecológicos calculados: H = Diversidade de Shannon; D = Dominância
de Simpson; J = Equidade de Pielou; S = Riqueza numérica e F = frequência relativa acumulada (%) = número
de espécies que compõem 80% de captura.
Localidade/métrica H D J S F%
Apesar de os índices aplicados parecerem simples na sua concepção e leitura, eles envolvem
um grande e importante volume de dados coletados, juntando evidências observáveis, mensuráveis
e empíricas (baseadas na experiência), além de resultados elaborados através de métodos específicos,
que permitem produzir e desenvolver um novo conhecimento, bem como reproduzir, prever, corrigir e
integrar conhecimentos obtidos anteriormente.
Padrões podem ser observados nos valores dos índices estimados e apresentados na tabela
acima. Algumas áreas apresentam uma semelhança maior entre si: o primeiro grupo observado é
formado pela Plataforma Continental Interna e Costa Norte. Em relação à ictiofauna, esse grupo
apresentou maior diversidade (H) e equidade (J), menor dominância (D) e grande número de
espécies em ambas as áreas. Observa-se, também, um maior número de espécies mais abundantes
nas duas áreas, onde se destaca a presença dos cienídeos, com nove representantes nas duas áreas:
cangoá (Ctenosciaena gracilicirrhus), betara (Menticirrhus americanus), oveva (Larimus breviceps),
554
Ecologia de peixes marinhos
O cangoá (C. gracilicirrhus), a espécie que apresentou maior abundância numérica nas duas áreas,
apresenta comportamento sazonal ao mudar sua distribuição no verão, associado à movimentação da
Água Central do Atlântico Sul (ACAS), quando se aproxima da costa (Rocha et al., 2010; Rossi-
Wongtschowski & Paes, 1993). Essa espécie e a tortinha (I. parvipinnis) foram apontadas como
espécies tropicais que ocorreram com maiores abundâncias em associação com águas rasas (12 a 41
m), quentes, costeiras e de fundos areno-lodosos (Rossi-Wongtschowski et al., 2008).
A corvina (M. furnieri), outra espécie relevante, também apresenta deslocamentos, mas no
sentido norte-sul ao longo das estações do ano e, além disso, realiza movimentos para as regiões
estuarinas e lagunares para alimentação e crescimento; quando atingem a maturidade voltam para a
plataforma continental para reprodução (Vazzoler, 1993).
Dessa maneira, a partir das medidas de diversidade, as populações que habitam essas áreas
próximas à costa, associadas ao tipo de fundo, podem: obedecer a regimes sazonais das condições
oceanográficas; realizar migrações para mais perto da costa, dependendo da fase do seu ciclo de vida;
concentrar importantes estoques pesqueiros.
Com base nos resultados dos indicadores de diversidade, o segundo padrão observado de maior
semelhança entre si é formado pelos entornos das ilhas costeiras dos 15 e dos 40 m que, embora
sejam separadas em função da distância e profundidade, apresentam em comum um ambiente mais
heterogêneo devido à proximidade de costões rochosos, fundos com sedimento mais grosso e que
apresentam valores intermediários de diversidade (Prates et al., 2012). Esse grupo apresenta valores
muito próximos quanto à diversidade (H), equidade (J) e dominância (D). O número de espécies que
compõe 80% de frequência e a riqueza numérica também mostram um padrão semelhante.
As áreas presentes no entorno de ilhas e de costões rochosos são de grande relevância para a
comunidade ictiofaunística, desde que há uma maior complexidade estrutural da superfície de fundo,
como um grande número de abrigos e mais interações entre espécies nesse tipo de habitat, como
mudanças comportamentais mais notáveis em função do ciclo noite-dia (Bertoncini et al., 2018;
Rocha et al., 2010).
555
Noções de Oceanografia
(Mullus argentinae), linguados (Etropus longimanus), carapicu (Eucinostomus gula), carapeba (Diapterus
rhombeus) etc., além da presença da raia-viola de focinho curto (Zapteryx brevirostris), representando
os peixes cartilaginosos, entre os mais abundantes.
As corcorocas (Haemulidae) estão associadas a áreas rochosas com fundos de areia contendo
fragmentos de conchas e fundos de pedras; vive em águas costeiras, mas também comum em áreas
de praias abertas, baías e lagunas costeiras. Os gerreídeos (Gerreidae), representados pelos carapicus
e carapebas, são peixes costeiros comumente encontrados no litoral paulista e podem se mover para
áreas mais rasas nas diferentes fases do seu ciclo de vida. Apesar de não serem recursos pesqueiros, são
frequentemente capturados em alguns tipos de arrastos (Froese & Pauly, 2019).
O terceiro grupo formado pelas semelhanças dos indicadores ecológicos é composto pela
Costa Central e Sul do estado, que são representativos de um habitat muito singular, o sistema
estuarino. Regiões estuarinas e costeiras proporcionam condições ideais para o desenvolvimento
do ciclo de vida de diversas espécies, principalmente por atuarem como áreas de alimentação,
reprodução, berçário e infantário, sendo fundamentais para a manutenção das pescarias em toda a
região marinha adjacente.
Apesar das diferenças dos aspectos fisiográficos e hidrológicos, as duas áreas têm em comum,
condições exigentes para os peixes: as áreas estuarinas apresentam os valores mais baixos de diversidade,
embora representem os habitat considerados mais produtivos dentro do nosso exemplo. Os estuários
apresentam um alto dinamismo, como grandes variações da salinidade e das marés. Assim, a diversidade
é mais baixa, pois a quantidade de espécies capazes de tolerar as variações extremas de salinidade
também é menor (Whitfield & Elliott, 2002).
Importante observar o padrão do índice de dominância: os valores são opostos aos dos índices
de diversidade. A ictiofauna típica de regiões estuarinas ou de baías influenciadas por estuários é
caracterizada por um número reduzido de espécies dominantes, mas muito abundantes (Haedrich,
1983). Os valores de riqueza numérica são semelhantes ao de riqueza encontrada no grupo das ilhas,
entretanto, o número de espécies mais abundantes é consideravelmente menor.
Dentre as poucas espécies que compõe 80% de abundância, destacam-se duas: o cienídeo
cangoá (Stellifer rastrifer) e o ariídeo bagre-amarelo (Cathorops spixii). O cangoá é encontrado em
águas litorâneas, de 1 a 40 metros de profundidade, sobre fundos de areia ou lama, mas principalmente
em regiões estuarinas, onde é muito abundante, mas sem valor comercial.
Os bagres são comuns no litoral brasileiro e o bagre-amarelo (C. spixii) é uma espécie
dominante nas regiões estuarinas do litoral paulista (Schmidt et al., 2008), ocorrendo em águas
pouco profundas, em fundo de lama ou areia e, em geral, procuram a desembocadura dos rios e
regiões estuarino-lagunares na época de desova (Froese & Pauly, 2019).
Com esses exemplos verifica-se que a diversidade e a distribuição dos peixes, além de serem regidas
pelas condições oceanográficas, são fortemente associadas ao tipo de ambiente onde são encontrados.
Os agrupamentos ilustrados para a ictiofauna da costa paulista na Figura 3 indicam semelhanças entre
a plataforma continental central e norte, entre as ilhas de regiões das isóbata de 15 e 40 m, e entre a
baía de Santos e o sistema estuarino de Cananéia, a partir das espécies mais abundantes. A observação
de padrões consistentes da ictiofauna, através de algumas medidas de diversidade, mostra que estudos
ecológicos utilizando ferramentas numéricas simples são importantes quando o objetivo é caracterizar
as comunidades de peixes e seus habitat.
556
Ecologia de peixes marinhos
FIGURA 3. Esquema dos agrupamentos das áreas da costa paulista onde foram encontradas semelhanças
nos resultados dos índices de diversidade (H; J e D) e riqueza numérica (S). As figuras são exemplos dos
peixes mais abundantes, segundo o cálculo da frequência relativa acumulada (F %).
Apesar de os índices apresentarem restrições importantes, que devem ser consideradas, como o
tamanho das amostras, o uso de diferentes amostradores, a sensibilidade à presença de espécies raras,
e se o inventário das espécies está completo, o uso adequado das ferramentas também possibilita
comparações entre áreas. Ao favorecer o melhor entendimento sobre a biodiversidade, é possível
monitorar e proteger os ecossistemas e as espécies, garantindo os serviços ecossistêmicos.
557
Noções de Oceanografia
As guildas tróficas designam grupos de espécies que têm como preferência os mesmos
recursos alimentares e podem compartilhar adaptações anatômicas (Bemvenuti & Fischer, 2010) e
comportamentais que otimizam o consumo de uma determinada presa. Existem diversas propostas de
guildas ou grupos funcionais de alimentação. Uma possível divisão apresenta oito categorias de guildas
alimentares para a ictiofauna: planctívoros, nectívoros, zoobentívoros, herbívoros, detritívoros,
onívoros, sapróvoros e oportunistas/com dieta mista. Esta proposta mistura tanto o tipo de presa
(heterótrofos, autótrofos, matéria orgânica), bem como onde são capturadas (coluna de água –plâncton
ou nécton, ou superfície-subsuperfície de fundo -bentos). Nem sempre é simples classificar as espécies,
uma vez que, em situações adversas os organismos podem se tornar oportunistas, alimentando-se de
itens de maior abundância nos locais (Elliot et al., 2007).
São consideradas como espécies planctívoras aquelas que possuem sua dieta baseada em micro-
e macroplâncton (Batista, 2016). Organismos planctófagos podem ser divididos em dois subgrupos,
os fitoplanctívoros, que se alimentan principalmente de diatomáceas, dinoflagelados, cianobactérias,
organismos mixotróficos etc., e os zooplanctívoros que consomem principalmente hidróides, crustáceos
planctônicos, moluscos, ovos e larvas de peixe. Por se alimentarem de organismos planctônicos, algumas
características são comuns nos diversos grupos de peixes, como por exemplo, olhos muito desenvolvidos,
de modo a aumentar a percepção do alimento, e a maior quantidade de rastros brânquias alongados
e cerdosos, de modo a proporcionar uma melhor filtragem da água (Pavlov & Kasumyan, 2002). A
sardinha-verdadeira (Sardinella brasiliensis) e a manjuba (Anchoviella lepidentostole) são planctófagas.
558
Ecologia de peixes marinhos
de organismos intersticiais, como é o caso do carapicu (Eucinostomus gula) (Zahorksac et al., 2000),
até adaptações nos dentes para quebrar carapaças e conchas, como os incisivos fusionados em bico dos
Tetraodontiformes (baiacus, peixes-porco), ou os molariformes com forma de pavimento de raspagem
como na raia-viola Pseudobatos horkelii (Bemvenuti & Fischer, 2010) ou ainda com forma de placas
faríngeas dos esparídeos como o pargo (Pagrus pagrus) (Lowe-McConnell, 1989).
São classificadas como onívoras as espécies que não possuem um item alimentar principal,
podendo variar sua dieta de acordo com alterações ambientais, sazonais ou históricas no ciclo de
vida, consumindo tanto organismos de origem vegetal quanto animal (Ferreira et al., 2004; Medeiros,
2011; Batista, 2016), e tanto os que estão na coluna de água quanto os que se encontram no bentos
(Silva, 2009). As espécies onívoras também apresentam intestino maior, quando comparado com o
das espécies das demais dietas (Santos et al., 2011). Na costa de São Paulo são encontradas diversas
espécies onívoras, sendo o peixe-rei (Atherinella brasiliensis), uma das mais comuns.
559
Noções de Oceanografia
Segundo a dieta, as 701 espécies consideradas para a região costeira do Estado de São Paulo,
do norte de Ubatuba a Cananéia, até 50 metros de profundidade, foram classificadas nas 8 guildas
aqui apresentadas, das quais apenas uma não apresentaram correspondentes, os sapróvoros. Em toda
essa faixa litorânea, nas Áreas de Proteção Ambiental Marinhas (APAM) do Litoral Sul, Centro e
Norte, observou-se uma maior frequência de espécies pertencentes aos grupos de zoobentívoros e
nectívoros, totalizando em torno de 70% das espécies, sendo o primeiro mais expressivo que o segundo.
Contudo, a análise da dieta das espécies consideradas no Parque Estadual Marinho (PEM) da Laje de
Santos mostrou que nessa área há maior frequência de nectívoros, e além disso, os herbívoros são mais
frequentes do que nas demais áreas (Tab. 2). Outro padrão é apresentado na Refúgio da Vida Silvestre
(REVIS) de Alcatrazes, com alta porcentagem de zoobentívoros; porém, a ausência de representantes
de herbívoros e a baixa porcentagem de planctívoros podem estar relacionadas com a forma de captura:
neste caso foi usada uma rede de arrasto de fundo, que não prospecta fundos com rochas e macroalgas,
e subamostra a coluna de água.
TABELA 2. Porcentagem de ocorrência de grupos funcionais tróficos por espécies para cada região da
costa do estado de São Paulo, a partir da análise da dieta das espécies levantadas por Bachur (2018) e
Hoff (2015). As letras representam as guildas: DV = Detritívora; HV = Herbívora; NV = Nectívora; OP =
Oportunista; OV = Onívora; PV = Planctívora; SV = Sapróvora; ZB = Zoobentívora.
A ecologia alimentar dos peixes estabelece interações entre as espécies que participam na
determinação da estrutura da comunidade desses animais. A competição por recursos alimentares
pode levar a ajustes na distribuição espacial ou então no rearranjo de presas consumidas: espécies
diferentes podem consumir presas de tamanhos diferentes numa mesma área (Wootton, 1992).
560
Ecologia de peixes marinhos
Outras interações são observadas e beneficiam todos os envolvidos, como é o caso dos peixes
limpadores que se alimentam dos ectoparasitas da cavidade bucal de outros peixes, e que se não
o fizessem, como demonstrado em experimentos de remoção dos limpadores, ocorre uma queda
drástica nas populações de seus clientes observada em poucos dias (Lowe-McConnell, 1989).
Facilitações para predação são geradas por espécies que ao se alimentarem disponibilizam recursos
para outras, como as trilhas (Mullus argentinae) zoobentívoras que, procurando por invertebrados da
infauna, levantam nuvens de sedimentos das quais outras espécies se alimentam (Lowe-McConnell,
1989). Outras interações se formam para reduzir o risco de predação, como a organização dos peixes
em cardumes (Moyle & Cech, 1988).
Estudos sobre ecologia trófica dos peixes podem utilizar abordagens diferentes, além do
conhecimento da dieta, como o uso de isótopos estáveis de carbono e nitrogênio, medidos na
musculatura dos peixes, para o entendimento de seu nível trófico (Corbisier et al., 2006).
A reprodução é um processo pelo qual os indivíduos, que representam uma espécie, se perpetuam,
transmitindo a seus descendentes todas as mudanças ocorridas nas células germinativas.
Como os peixes são animais vertebrados, o padrão principal reprodutivo é o sexuado, que
envolve a produção de dois tipos de gametas, um feminino e um masculino, por indivíduos
diferentes (gonocorismo) ou pelos mesmos indivíduos (hermafroditismo). Mas existem casos de
reprodução unisexual em peixes, sendo ginogênese e hibridogênese (Vazzoler, 1996), reconhecidas
em laboratório, e a partenogênese confirmada em animais mantidos em aquários. Nesses três casos
não ocorre a participação do gameta masculino da mesma espécie, e os ovócitos se desenvolvem sem
sua contribuição gênica. Outros aspectos reprodutivos relacionados à sexualidade dos peixes são
apresentados nos Quadros 2 e 3.
No caso das espécies hermafroditas simultâneas (Sadovy de Mitcheson & Liu, 2008), em
que ocorre o desenvolvimento e a maturação de gametas masculinos e femininos no ovotestes
ao mesmo tempo, existem mecanismos de defasagem temporal na eliminação dos gametas para
prevenir a autofecundação.
Dentre as espécies que ocorrem na região costeira do estado de São Paulo, 85,5% são
gonocoristas, 1,7% hermafroditas protogínicas e 0,5% hermafroditas protândricas. Ainda não é
conhecida a sexualidade de 9,3% das espécies.
561
Noções de Oceanografia
Bissexual, dióica
Machos ou fêmeas Gônadas = testículos ou ovários
ou gonocorista
Produção de gametas masculinos e
Simultâneo feminino ao mesmo tempo;
gônada = ovotestes
Ptotogínico - porção ovariana do
Sexualidade
Monóica ou ovotestes amadurece primeiro
hermafrodita Protândrico - porção testicular do
Sequencial (com
ovotestes amadurece primeiro
mudança de sexo)
Bidirecional - mais de uma
mudança de sexo tanto para macho
como para fêmeas
Reprodução apenas
Semélparo Um ciclo reprodutivo
Período uma vez na vida
reprodutivo Reprodução várias
Iteróparo Vários ciclos reprodutivos
vezes na vida
Estrutura para transferência de
Interna Cópula
Fecundação espermatozoides
Externa Pareamento Gametas na água
Desova individual e populacional
Eliminação de ovócitos
Total delimitada em curto espaço de
em curto período
Tipo de desova tempo
Eliminação de ovócitos Desova individual e da população
Parcelada
em períodos sucessivos dispera em longo período
O padrão vivíparo placentário caracteriza-se pela formação de uma ligação entre a parede
do saco vitelínico do embrião e a parede uterina da mãe, denominada placenta. Do total dos
elasmobrânquios conhecidos, 43% das espécies são ovíparos, enquanto 57% são vivíparos, sendo
27% lecitotróficos, 2% ovofágicos e adelfofágicos, 19% trofonemáticos e 9% placentários.
562
Ecologia de peixes marinhos
Completo
Externa/
Ovocíparo ou não na Nenhuma
Actinopterígios
externo
eclosão
Stellifer rastrifer
Interna/
Vivíparo Completo Proteção
interno
Jenynsia multidentata
Ovíparo Interna/
Completo Nenhuma
estendido externo
Atlantoraja cyclophora
Ovíparo Interna/
Completo Proteção
retido interno
Scyliorhinus sp.
Proteção; casca
Vivíparo
Interna/ que envolve o
aplacentário Completo
interno embrião bastante
lecitotrófico
Elasmobrânquios
Vivíparo
Embriões mais
aplacentário
Interna/ Completo, velhos predam
matrotrófico
interno insuficiente ovos ou embriões
ovofágico/
irmãos Isurus oxyrinchus
adelfofágico
Vivíparo
Filamentos
aplacentário Interna/ Completo,
produzem leite
matrotrófico interno insuficiente
uterino
trofonemático
Hypanus americanus
563
Noções de Oceanografia
A primeira proposta de classificação dos peixes em guildas funcionais dos modos de reprodução
foi proposta por Balon (1975), idealizada para peixes actinopterígios de águas interiores. A classificação
é hierarquizada em graus de complexidade e apresenta três guildas principais para as espécies: não-
guardadoras, guardadoras e carregadoras de prole. Neste capítulo tal proposta foi simplificada e
adaptada para as espécies de actinopterígios marinhos.
A classificação das espécies em guildas reprodutivas deve ser vista em um contexto amplo, que
subsidie o entendimento sobre qual o papel funcional das áreas de ocorrência e permanência das
espécies: nas áreas de desova, ou berçários, ocorrem ovos e larvas das espécies; nos locais de retenção
de jovens, ou infantários, há disponibilidade de alimento e proteção que asseguram seu crescimento.
As estratégias reprodutivas identificadas são respostas à dinâmica ambiental.
As espécies guardadoras compõem 10,3% das espécies da região costeira paulista. Tais
espécies apresentam fecundação externa e graus diferentes de cuidado com a prole. Ao contrário
das espécies não-guardadoras, a guarda da prole inclui a retenção de ovos em locais protegidos e
que evitem dispersão.
Nessa guilda são incluídas espécies que apresentam diversas estratégias: -deposição de ovócitos
em substratos específicos, que assentam na superfície de fundo e são fecundados, como alguns baiacus-
lisos (Sphoeroides testudineus); -produção de ovócitos com substâncias adesivas (donzela- Stegastes
fuscus) ou filamentos adesivos (peixe-rei- Atherinella brasiliensis), que os mantêm presos a macroalgas
ou fundos com determinada granulometria; -construção de ninhos, cavando o substrato, empilhando
areia (alguns baiacus), aglutinando diferentes materiais, ou cavando e limpando uma área (peixe-
porco- Balistes capriscus); -manutenção de os ovos em densas trilhas de muco flutuantes produzidas
pela mãe durante a desova (peixe-diabo- Lophius gastrophisus), ou em massas gelatinosas (peixe-
pedra/mangangá- Scorpaena spp.), entre outras. Em muitos casos o macho cuida da prole, utilizando
comportamentos agonísticos, como a abertura da boca, movimentos bruscos, e a produção de sons e
de luz (bioluminescência), como o macho de mamangá-liso (Porichthys porosissimus), além de retirar
sedimento depositado nos ovos, como o peixe-sargentinho (Abudefduf saxatilis).
Espécies carregadoras de prole podem manter ovos, larvas ou jovens na boca, como os bagres
(Ariidae) e os bocões-de-boca-amarela (Opistognathidae), ou em bolsas especiais fora da cavidade
do corpo, como é o caso do peixe-cachimbo (Syngnathus folletti) e do cavalo-marinho (Hippocampus
erectus). Nestes dois últimos, a fecundação é externa e a bolsa incubadora não apresenta ligação com a
cavidade abdominal dos machos, mas é feita a partir de uma projeção da pele. Como o nome sugere, as
espécies carregadoras de prole apenas transportam os ovos ou larvas e juvenis: a nutrição dos embriões
é suprida pelo vitelo dos ovos, proveniente dos ovócitos. Um total de 3,5% das espécies da costa
paulista são carregadoras de prole.
564
Ecologia de peixes marinhos
A estrutura da comunidade ictíica é regulada pela complexa interação entre fatores abióticos e
bióticos. Reconhecer e compreender os processos que atuam na organização funcional da ictiofauna,
como a disponibilidade de habitat, a fisiologia, as relações ecológicas e os padrões reprodutivos, entre
outros, subsidiam previsões sobre o futuro das comunidades de peixes frente à pressão pesqueira,
à contaminação e às mudanças globais. Os efeitos isolados ou combinados dessas ameaças trazem
alterações como o encolhimento dos habitat, alterações no limite de distribuição das espécies, mudanças
fenológicas e colapso dos estoques pesqueiros, que afetarão as populações humanas. Estudos sobre a
integridade biótica dos ecossistemas permitem identificar e ordenar ações de recuperação da ictiofauna.
A criação de áreas marinhas protegidas, reconhecidas como berçários e infantários, a eliminação de
práticas pesqueiras destrutivas, e o controle da contaminação da zona costeira, no contexto da adoção
dos objetivos de desenvolvimento sustentável (ODSs) da Organização das Nações Unidas, são os
principais enfrentamentos, baseados em conhecimento científico, para que as comunidades de peixes
possam ser preservadas.
565
Noções de Oceanografia
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569
Noções de Oceanografia
570
Tartarugas marinhas
NOÇÕES DE OCEANOGRAFIA
Capítulo 26
TARTARUGAS
MARINHAS
Marcos César de Oliveira Santos
571
Noções de Oceanografia
CITAÇÃO SUGERIDA: SANTOS, Marcos César de Oliveira. Tartarugas marinhas. In: HARARI,
Joseph (org.). Noções de Oceanografia. São Paulo: Instituto Oceanográfico, 2021. E-book. Cap.
26: p. 573-597.
572
Tartarugas marinhas
Tartarugas Marinhas
Marcos César de Oliveira Santos
1. Introdução
Apesar de serem representadas por apenas sete espécies remanescentes de uma longa história
evolutiva, as tartarugas marinhas, junto aos elasmobrânquios (tubarões e raias), as aves marinhas e os
mamíferos aquáticos (baleias, golfinhos, focas, lobos e leões marinhos e peixes-boi), são vertebrados
que costumam encantar as sociedades humanas globalmente. Dada essa característica, costumam ser
incluídos em um grupo popular conhecido por “megafauna carismática”.
Esses vertebrados constituem o seleto grupo não taxonômico dos organismos marinhos que são
utilizados como espécies-bandeira de proteção aos oceanos pela empatia que geram aos humanos.
Em função de uma alta popularidade, consequente de uma ultra exposição de imagens e informações,
esses organismos costumam atrair um número considerável de pessoas a participar de cursos técnicos
e/ou de nível superior nas áreas da Oceanografia, da Biologia (marinha) e da Ecologia, com o anseio
de se dedicar à pesquisa e/ou à conservação de espécies e de seus ecossistemas, ou simplesmente para
apreciar a beleza e a natureza dessas formas de vida. Para atender a esse público, este livro apresenta
aos leitores três capítulos específicos sobre as tartarugas, as aves e os mamíferos marinhos. Informações
sobre esses grupos de vertebrados são dificilmente encontradas nos livros-texto adotados em cursos
superiores em língua portuguesa e, muitas vezes, estão ausentes em cursos técnicos ou acadêmicos.
Nos três casos, o objetivo é tratar cada um dos grupos com enfoque técnico, deixando de lado seus
altos “índices de fofulência”.
Tartarugas, aves e mamíferos marinhos têm histórias evolutivas ímpares, adaptações incríveis
aos meios em que vivem, e desempenham papéis ecológicos únicos nos sistemas ecológicos onde
podem ser encontrados. E são essas particularidades que precisam ser melhor conhecidas pelo público.
Objetiva-se que esses textos sirvam como um alicerce a quem deseja conhecer mais detalhes sobre esses
organismos mencionados, e que deste primeiro contato surja interesse em procura de mais referências
bibliográficas, atualmente mais facilmente acessíveis pelos meios digitais de procura. Como consta no
título, neste capítulo serão apresentadas as tartarugas marinhas.
O termo quelônio deriva-se do grego “kelone”, que significa “armadura”, que é uma referência ao
casco ou carapaça, uma estrutura única e exclusiva na história evolutiva dos vertebrados. Já o termo
“tartaruga”, em uma das versões etimológicas, vem do francês “tortoise”, que originalmente relacionou-
573
Noções de Oceanografia
se a “marine tortoise” por volta dos anos 1600, derivado de “tortue” ou “tortre”, da própria língua francesa
do século XIII, associado frequentemente a “besta diabólica”. Que diferença de ótica após sete séculos,
não? Certamente pode ter sido centrada em desconhecimento sobre a maior parte das formas de vida
naqueles tempos. Há outra versão etimológica do termo que descreve uma origem latina oriunda da
palavra “testa”, que significaria proteção e, supostamente, a partir desse termo se originaria o termo
“tortoise” em língua francesa, e “turtle” em língua inglesa.
Assim, faz mais sentido compreender a origem da terminologia que define taxonomicamente
o grupo que inclui todas as tartarugas terrestres e as espécies de águas doce, salobra e marinha: os
“Testudines”. Eles são representados atualmente por pouco mais de 300 espécies de ocorrência
concentrada em zonas tropicais, subtropicais e temperadas, com tamanho total variando entre 10 cm
a 2,5 m quando adultas.
Junto com as serpentes, os lagartos, a iguana marinha e a tuatara – um pequeno lagarto endêmico
da Nova Zelândia (“Lepidosauria”, 7.800+ espécies), os jacarés e crocodilos (“Archosauria Crocodilia”,
23+ espécies) e as aves (“Archosauria Aves”, 11.000+ espécies), compõem o clado “Sauropsida” (Fig.
1), que significa “face de lagarto”. “Sauropsida” são dioicos e, com exceção de algumas espécies de
serpentes, são todos ovíparos.
FIGURA 1. Cladograma simplificado dos clados Sauropsida e Synapsida. Adaptado de Liem et al. (2013).
Arte: Marcos Santos.
574
Tartarugas marinhas
Nos dias atuais, a Ciência apresenta cada vez mais novidades sobre os possíveis ancestrais dos
quelônios, que deveriam se tratar de lagartos que não apresentavam casco, que por sua vez passariam a
se desenvolver por mutações dos genes HOX relacionados ao desenvolvimento embrionário, há cerca
de 220 milhões de anos.
Até o presente momento, o primeiro registro fóssil de uma tartaruga marinha é vinculado a uma
espécie encontrada na bacia do Araripe, no norte-nordeste do Brasil, datado de 206 milhões de anos:
Santanachelys graffneyi, com até 20 centímetros de comprimento total. As maiores tartarugas marinhas
existentes pertenceram à família Protostegidae e ao gênero Archelon, atingindo até 4,6 metros de
comprimento total e pesando cerca de 2,8 toneladas. Suas nadadeiras peitorais chegavam a ter quase
5 metros de comprimento, e sua cabeça tinha cerca de 1 metro de comprimento. Esses organismos
apresentavam uma forte mandíbula, e deveriam se alimentar de invertebrados dotados de fortes carapaças.
As sete espécies viventes nos dias atuais pertencem a apenas duas famílias: Dermochelyidae,
composta por uma espécie apenas, a tartaruga-de-couro, Dermochelys coriacea, e Cheloniidae, composta
por seis espécies, a tartaruga-cabeçuda, Caretta caretta, a tartaruga-de-pente, Eretmochelys imbricata,
a tartaruga-verde, Chelonia mydas, a tartaruga-olivácea ou tartaruga-oliva, Lepidochelys olivacea, a
tartaruga-de-Kemp, Lepidochelys kempii, e a tartaruga-de-casco-achatado, Natator depressus. Apenas
as duas últimas espécies não contam com registros em águas brasileiras, com a tartaruga-de-Kemp
ocorrendo apenas no Atlântico Norte Ocidental, e a tartaruga-de-casco-achatado ocorrendo apenas
na Oceania, com maior incidência na plataforma continental da Austrália.
Antes de apresentar as características principais diagnósticas das cinco espécies que ocorrem
em águas brasileiras, torna-se necessário apresentar suas principais características anatômicas das
tartarugas marinhas.
Ainda na cabeça, um conjunto de escamas dérmicas revestem a mesma em todas as espécies, com
exceção da tartaruga-de-couro. As escamas ou placas pré-frontais indicadas na Figura 2 servem como
uma das principais ferramentas diagnósticas para identificar as seis espécies remanescentes de tartarugas
575
Noções de Oceanografia
O casco das tartarugas marinhas tem como principal função a proteção dos órgãos internos.
É formado por vértebras modificadas com costelas fusionadas, associados a placas ou escudos
queratinizados com terminologia relacionada ao seu posicionamento, com as seguintes nominações:
nucal ou cervical, marginal, lateral ou costal, central ou vertebral, e suprapigal (Fig. 2). As placas
queratinizadas laterais do casco de todas as tartarugas marinhas, exceto as tartarugas-de-couro, são as
outras principais ferramentas usadas como diagnóstico para identificar espécies.
A porção ventral do casco é chamada de plastrão, que está associado às costelas abdominais.
A cobertura do plastrão também é formada por placas ou escudos queratinizados com terminologia
relacionada ao seu posicionamento, com as seguintes nominações no sentido antero-posterior:
intergular, gular, humeral, peitoral, abdominal, femoral e anal (duas de cada), e as inframarginais
576
Tartarugas marinhas
abaixo das marginais da porção superior do casco (várias). As nadadeiras são constituídas por ossos
comumente encontrados na maioria dos vertebrados, e são anatomicamente estruturadas para as
atividades de locomoção em meio aquático e terrestre, para escavar e cobrir ninhos em praias onde são
depositados os ovos pelas fêmeas, para ancoragem ao substrato, e até para cobrir os olhos quando o
reflexo do sol interfere em seu campo de visão do substrato marinho.
Nos machos, as unhas nas nadadeiras são proporcionalmente maiores, e são importantes para
agarrarem-se às fêmeas nos momentos de cópula. Para ambos os sexos, as unhas podem auxiliá-los na
ancoragem no substrato marinho. O úmero dos membros anteriores de tartarugas marinhas encontradas
mortas é utilizado pelos cientistas para determinar a idade daqueles indivíduos após preparação
histológica. Há deposições anuais de camadas de crescimento, que auxiliam os investigadores a realizar
estudos de crescimento e reprodução, além de avaliar as classes etárias mais afetadas por mortalidade.
Tanto machos quanto fêmeas apresentam uma cauda com estrutura óssea em sua sustentação.
Na cauda se encontra a cloaca, que é a cavidade onde se abrem o trato intestinal, o sistema urinário, e
o sistema reprodutivo; ou seja, via por onde são eliminadas as fezes e a urina, e são liberados o esperma
dos machos e os ovos pelas fêmeas. A cauda dos machos adultos é proporcionalmente maior do que
das fêmeas adultas, e a cloaca dos machos se encontra em uma posição mais distal quando comparada
à posição da cloaca das fêmeas.
577
Noções de Oceanografia
Coloração: dorso negro ou cinza-escuro com pintas arredondadas claras, e ventre claro.
Características diagnósticas da cabeça: dois entalhes laterais na maxila e um entalhe frontal. Sem
placas pré-frontais.
Características diagnósticas do casco: sem placas ósseas. Origem do seu nome científico – “dermo” =
pele; “chelys” = quelônio/tartaruga; “corium” = couro; “acea” = natureza. Apresentam cinco cristas dorsais
na carapaça.
578
Tartarugas marinhas
Características diagnósticas da cabeça: cabeça robusta com dois pares de placas pré-frontais.
579
Noções de Oceanografia
Coloração: dorso âmbar a marrom escuro, com matizes amareladas. Ventre claro, amarelado.
Características diagnósticas da cabeça: cabeça com dois pares de placas pré-frontais. Ranfoteca
pronunciada lembra um bico de ave, de onde se originou seu nome popular em língua inglesa:
“hawksbill” = bico de falcão.
Características diagnósticas do casco: quatro pares de placas laterais. Placas dorsais se encontram
imbricadas = uma peça é parcialmente coberta pela anterior e assim cobre a subsequente; de onde se
origina seu nome específico. As placas marginais são serrilhadas.
Hábitos alimentares: onívora. Muitas vezes chamadas de “sponge eaters”em língua inglesa pelas preferências
em se alimentarem de esponjas. Algas e cnidários também fazem parte desta lista preferencial.
580
Tartarugas marinhas
Coloração: dorso com diversos padrões de cores; variam com idade. Filhotes com casco escuro, juvenis
variando entre marrom escuro a verde-oliva, e adultos variando entre marrom, marrom com pintas/
machas/raios claros. Ventre claro, amarelado. O componente de coloração “verde” dos nomes populares
em português e inglês é proveniente da cor de sua gordura subcutânea, e não do casco.
581
Noções de Oceanografia
Características diagnósticas da cabeça: cabeça robusta com dois pares de placas pré-frontais.
582
Tartarugas marinhas
Além da direta relação com os sistemas excretor e reprodutivo, a cloaca também tem uma função
importante no auxílio em trocas gasosas, em uma proporção menor do que aquela realizada pelos
pulmões ao subirem à superfície da água para obterem oxigênio (Fig. 8). Uma estrutura altamente
vascularizada encontrada na cloaca de tartarugas marinhas, e denominada bursae, efetua as trocas de
oxigênio e gás carbônico em meio aquático, contribuindo com o tempo de permanência das mesmas
em meio aquático. O tempo máximo dos mergulhos das tartarugas marinhas pode variar entre 40
e 80 minutos, a depender da espécie. Esse intervalo longo de tempo de mergulho é importante às
tartarugas para que elas otimizem ao máximo a procura e a captura de alimento, assim como para os
períodos de descanso realizados junto ao substrato.
FIGURA 8. Tartaruga-verde, Chelonia mydas, visitando a superfície da água para respirar ao largo de
Fernando de Noronha. Foto: Marcos Santos.
583
Noções de Oceanografia
Com relação à temperatura corpórea, a vida em meio aquático fez com que as tartarugas marinhas
concentrassem seus padrões de distribuição em águas tropicais, subtropicais e temperadas. A literatura
tradicional trata todos os quelônios marinhos como ectotérmicos, ou seja, aqueles organismos cuja
temperatura corpórea é regulada pela temperatura do ambiente, com limites de tolerância definidos
para cada espécie. Entretanto, interessantes estudos mais recentes têm indicado uma terceira possível
adaptação fisiológica de alguns organismos intermediária à ectotermia e à endotermia – essa última
compartilhada por aves e mamíferos modernos que regulam sua temperatura corpórea em um ótimo
fisiológico. Dinossauros terrestres como o tiranossauro rex, e formas viventes como atuns e tartarugas-
de-couro se encaixariam na categoria de adaptação fisiológica chamada de mesotermia. Basicamente
ela seria uma mescla entre as duas outras categorias de adaptações à temperatura do meio. Essa
adaptação habilitaria as tartarugas-de-couro a visitarem águas mais frias tanto latitudinalmente em
zonas temperadas frias, como em profundidades maiores como mencionado anteriormente. Quanto
mais profundo o mergulho, mais fria estará a água pela ausência da influência do aquecimento
proveniente dos raios solares e da atmosfera restrito às camadas superficiais.
A visão das tartarugas marinhas é considerada boa para águas superficiais claras. Elas contam
com o apoio de sensores químicos para a detecção de características na água que as levem às presas/
zonas de alimentação. O balanço osmótico é regulado pela atuação conjunta de um par de rins, bem
como com o suporte de glândulas de sal situadas atrás dos olhos. Essas glândulas também lubrificam
os olhos das tartarugas marinhas quando elas visitam os substratos terrestres continentais e insulares.
Essas visitas ocorrem, de forma generalizada, nos momentos de desova por parte das fêmeas, que em
sua maioria de ocasiões ocorrem no período noturno. Dessa forma, evita-se a desidratação provocada
pelos raios solares durante o dia, bem como a fácil detecção por parte de predadores em potencial.
Iniciando pela eclosão dos ovos, na porção esquerda da Figura 9, é importante destacar o
tamanho da prole em cada ninho, representada por numerosas crias geradas após a eclosão de
cerca de 50 até 130 ovos, a depender da espécie. Ao nascerem, os filhotes tendem a se deslocar
geralmente em períodos de ausência de luz em sentido ao mar. Como mencionado anteriormente, a
missão de vencer este desafio com a luminosidade diária incidente sobre o caminho entre os ninhos
e o mar é mais difícil com predadores à espreita. Esses filhotes nascem com menos de 10 cm de
comprimento total, um porte consideravelmente menor do que os adultos. Aqueles filhotes que
chegam à zona de águas rasas, seguem o desafio contra a ação de predadores em meio aquático (ex.:
peixes cartilaginosos e ósseos).
584
Tartarugas marinhas
FIGURA 9. Ciclo de vida generalizado das tartarugas marinhas. Ilustração Leandro Coelho.
A etapa seguinte ficou conhecida como “anos perdidos” por décadas, em função de não haver
indícios dos caminhos percorridos pelas crias, e onde elas permaneciam em seus anos de infância.
Havia um consenso generalizado de que esses filhotes eram levados por fortes correntes marinhas, a
quilômetros de distância dos seus ninhos de origem, sem executar escolhas ou apresentar preferências
de áreas de uso.
585
Noções de Oceanografia
Nota-se, portanto, que a ciência aplicada em longo prazo à investigação do ciclo de vida das
tartarugas marinhas evidenciou uma alta plasticidade nos dados de história de vida, a depender da
espécie, bem como do estoque populacional de cada espécie. E ainda há muitas lacunas de conhecimentos
a serem preenchidas; praticamente da maior parte das populações de tartarugas marinhas viventes.
Os intervalos de retorno das fêmeas adultas para novas desovas em anos posteriores podem
variar entre espécies, e entre populações de uma mesma espécie. Populações estudadas de tartarugas-
586
Tartarugas marinhas
Por fim, merece destaque na descrição do ciclo de vida das tartarugas marinhas a capacidade
migratória das sete espécies. Dados envolvendo marcação de indivíduos por meio de anilhas,
associados a monitoramentos com base em uso de tecnologias satelitais em tempos recentes, indicam
deslocamentos em amplas áreas por indivíduos adultos.
Tartarugas-de-couro já cruzaram rotas migratórias de até 7000 km entre uma área de alimentação
e a praia de desova. Apesar do menor porte, os mesmos estudos realizados para tartarugas-de-pente e
para tartarugas-verde adultas indicaram movimentos de até 2.500 km. O que mais tem impressionado
os cientistas em tempos recentes é a observação de não haver padronização de rotas migratórias
desempenhadas por fêmeas de mesma espécie e que desovam nas mesmas praias. Há, em alguns casos,
deslocamentos para latitudes totalmente antagônicas, quando se consideram duas ou mais fêmeas
marcadas com transmissores satelitais em uma mesma praia, às vezes em uma mesma semana. Ainda
há um longo caminho de investigações a serem realizadas para compreender como esses quelônios
utilizam seu habitat principal – os oceanos.
587
Noções de Oceanografia
8. Ameaças à sobrevivência
Com as primeiras formas surgindo há cerca de 200 milhões de anos no nosso planeta, a
sobrevivência das tartarugas marinhas passou a ser ameaçada em larga escala principalmente a partir
dos anos 1960 a 1970. São dois os propulsores principais para que essas ameaças se tornassem cada vez
mais frequentes e mais opressoras ao bem-estar desses quelônios: o aumento populacional humano de
forma exponencial, e o inadequado uso dos oceanos e das zonas costeiras, sem planejamento adequado,
sem respeito ao meio ambiente, e sem conhecimentos sobre uma parte considerável da vida marinha.
O aumento populacional humano gera duas demandas que perturbam gravemente a saúde dos
oceanos: 1) a necessidade de explotar (=extrair com fins econômicos) recursos marinhos vivos como
o pescado, principalmente, em quantidades cada vez maiores para gerar proteína de origem marinha
a essa crescente população, e de recursos não vivos, como óleo e derivados, principalmente, para
alimentar economias mundiais baseadas em atingir metas irreais e insustentáveis de um “Produto
Interno Bruto”; e 2) a necessidade de prover empregos e diversão a essa crescente população
humana. Em paralelo, os produtos finais de muitas atividades humanas em ambientes terrestres
e aquáticos são representados pela poluição e contaminação do ar, do solo e da água, afetando a
própria qualidade de vida dos humanos.
Mas por que esse avanço emplacou a partir das décadas de 1960 e 1970? Principalmente pelo
fato de que a humanidade se tornou bastante dependente do uso da energia e dos subprodutos gerados
pela indústria do óleo explorado (fase de prospecção; de procura e mapeamento) e explotado nos
oceanos. E foi justamente naquele período mencionado que se deu início a uma nova era de prospecção
e explotação desse recurso com o avanço de novas tecnologias e consideráveis investimentos de capital
por diversas nações incluindo o Brasil.
De maneira sinergética, ao menos nove principais ameaças à sobrevivência das tartarugas marinhas
se tornaram frequentes daqueles anos até o presente momento, e encontram-se listadas a seguir:
A sobrepesca desequilibra as teias tróficas marinhas constituídas ao longo de milhões de anos por
processos de co-evolução entre seus componentes. Ao desequilibrar essas tramas tróficas no processo
de retirada de milhares de toneladas de espécies de pescado, de moluscos como ostras, lulas e polvos, e
de crustáceos como caranguejos e lagostas, as sociedades humanas afetam a si mesmas.
588
Tartarugas marinhas
Tartarugas marinhas e seus ovos serviram como fonte de proteína a diversas sociedades
humanas que habitaram regiões costeiras globalmente, incluído o litoral brasileiro, bem como aos
navegantes do hemisfério norte em suas descobertas de colônias em ilhas e continentes no hemisfério
sul. Por acreditarem que era um recurso abundante e infinito, essas sociedades utilizaram fêmeas
de tartarugas marinhas que visitaram praias para desova como alimento, e seus ovos depositados
também foram consumidos.
Define-se captura acidental como a captura não intencional de organismos não-alvo em operações
de pesca. Onde ela ocorre? Globalmente onde há ocorrência de megafauna marinha (elasmobrânquios,
tartarugas, aves e mamíferos marinhos) e petrechos de pesca. No caso das tartarugas marinhas, ao se
envolverem com petrechos de pesca como redes e espinhéis quando estão submersas, elas tendem a
morrer por afogamento por não conseguirem voltar à superfície da água para respirar. Muitas vezes
podem chegar a detectar barcos em operações de arrasto de fundo, mas não conseguem evitar a captura.
Há situações em que buscam se alimentar das iscas utilizadas em pontiagudos espinhéis para a captura
de pescado, e acabam sendo fisgadas pelos mesmos. Há situações em que as tartarugas marinhas chegam
a ser trazidas a bordo com vida, mesmo após se envolverem nesses petrechos de pesca. Elas podem vir à
embarcação ainda bastante ativas e estressadas, ou elas podem chegar desacordadas pelo estresse da falta
de oxigênio. Neste segundo caso, manobras de reanimação podem traze-las de volta à lucidez, podendo
em seguida retornar ao meio marinho.
É uma tarefa bastante complexa avaliar as taxas de mortalidade de tartarugas marinhas provocadas
pelas capturas acidentais em operações de pesca. O ponto crucial é que, em quase toda a sua totalidade, as
atividades pesqueiras não são adequadamente monitoradas globalmente. Tanto em relação às avaliações
de produção pesqueira condicionadas ao entendimento dos ciclos de vida das espécies-alvo para seu
manejo adequado, como em relação ao registro dos dados de megafauna capturada. Neste segundo caso, a
falta de uma política nacional adequada de pesquisa e de conservação abre caminhos para a subnotificação
pelas nações pesqueiras, ou para uma irrisória notificação bastante distante da realidade dos fatos.
589
Noções de Oceanografia
com as capturas de tartarugas marinhas, há que se considerar os petrechos de pesca e à deriva como redes
e cabos com espinhéis que vitimam milhares de indivíduos anualmente por dificultarem sua natação e,
consequentemente, mata-las afogadas pela fadiga.
Existe uma categoria de compostos químicos orgânicos de baixa a alta toxicidade que são
produzidos por indústrias de transformadores de energia, assim como de pesticidas, e que não é quebrada
ou metabolizada por organismos vivos. Por essas propriedades, eles são coletivamente conhecidos
como “organopersistentes”, pelas características de persistirem por longo prazo no meio ambiente
sem serem processados por quaisquer organismos ou processos naturais. Assim, eles se acumulam e
aumentam seguidamente em todos os elos das teias tróficas contaminadas inicialmente pela absorção
dos produtores primários, em um processo conhecido como biomagnificação. Portanto, as taxas de
contaminação dos níveis tróficos mais altos (nos oceanos é na megafauna) tendem a oferecer um
diagnóstico da contaminação do meio ambiente.
Em taxas baixas, aparentemente e pelo que consta em literatura até o presente momento,
esses compostos podem ter pouca ou nenhuma ação deletéria ao estado de saúde dos organismos
contaminados. Entretanto, estudos realizados com diversas espécies que ocupam topos de teias
alimentares como os cetáceos, por exemplo, comprovaram que muitos desses compostos atuaram sobre
o sistema reprodutivo dos mesmos, gerando má-formação de filhotes, processos cancerígenos em
adultos, e desequilibrando o sistema imunológico de adultos. As ações desses compostos, na maioria
das espécies marinhas, ainda são muito pouco conhecidas, e aqui se incluem as tartarugas marinhas.
A preocupação vigente em águas brasileiras é que alguns estudos realizados com tartarugas
marinhas já detectaram vários desses compostos, mas ainda em baixas concentrações. O país teve
um histórico de altíssima produção de organopersistentes para a indústria dos transformadores nos
anos 1970, com um polo de larga produção e que operou na Baixada Santista, no sudeste do Brasil.
Ao longo de toda a costa, produtos químicos utilizados em cultivares são carreados pelo ar, quando
pulverizados por aviões e drones, ou pelos rios, quando ocorrem as chuvas em lavouras. E esses rios
desaguam em estuários e/ou no mar. Nos oceanos, seguem carreados por correntes marinhas para
locais distantes do centro de origem, como as áreas polares onde já foram notificados.
Cultural e globalmente, as sociedades humanas chegaram à conclusão de que seus dejetos deveriam
ser lançados em um local distante de seus lares. Dessa forma, por séculos, nos habituamos a poluir rios e
oceanos com esse objetivo. Muitas cidades litorâneas globalmente contam com “emissários submarinos”,
que são estruturas tubulares construídas para conduzir os dejetos gerados nas edificações dessas cidades
em direção ao mar, em uma região ligeiramente distante de nossas praias. Esse comportamento gerou às
populações humanas a falsa sensação de que assim estávamos livres de produtos que, caso acumulassem
aos nossos redores, se tornariam um grande incômodo e afetariam nossas saúdes.
590
Tartarugas marinhas
Além da degradação do habitat marinho pela poluição e pelos arrastos em operações de pesca,
a ocupação humana não planejada em regiões costeiras que contavam com praias de desova de
tartarugas marinhas tornou-se um motivo de grande preocupação. Elas perderam espaço para portos,
marinas, bares, restaurantes, residências e hotéis. E continuam perdendo esses espaços em países
sem legislação adequada para proteção do meio ambiente e de tartarugas marinhas. Muitos estoques
populacionais tiveram que evitar praias anteriormente usadas, e procurar áreas pouco conhecidas ou
desconhecidas para desova. E assim, sucessivamente, enquanto as faixas costeiras passaram por um
forte processo de antropização.
Fica claro, neste item, que tanto as áreas de alimentação, quanto as áreas importantes para a
reprodução das tartarugas marinhas, estão sendo afetadas pelas ações antrópicas. Essas ações devem
afetar a saúde das populações de tartarugas marinhas globalmente, contribuindo como todos os demais
itens, a declínios de abundâncias populacionais.
Os desastres ambientais provocados pela contaminação de óleo e derivados nos oceanos são uma
constante rotineira. Esta fonte de poluição marinha e, a posteriori, do ar, será inesgotável enquanto a
humanidade depender amplamente da energia gerada por combustíveis fósseis.
Os processos de extração e transporte de óleo e derivados não são 100% seguros, estimando-
se que no século XXI os vazamentos são praticamente diários em escala global. Esses compostos
591
Noções de Oceanografia
químicos irritam as mucosas das tartarugas marinhas e, dependendo de sua densidade, dificultam ou
impossibilitam seus movimentos, impedindo-as de evitar a fonte poluidora.
As trocas gasosas efetuadas pela cloaca potencializam a contaminação das tartarugas marinhas
em águas contaminadas por esses produtos. Os gases gerados pelos raios solares na interação mar-
atmosfera no processo de vaporização geram estresse respiratório aos organismos marinhos que
necessitam vir à superfície da água para respirar por meio de pulmões.
Uma parte considerável dos produtos voláteis que compõem o óleo e seus derivados é tóxica e ataca
os pulmões das tartarugas marinhas. Os componentes químicos dos derivados de óleo no meio aquático
contaminam o alimento a ser ingerido pelas tartarugas marinhas, desde as algas que absorvem os mesmos,
passando pela miríade de espécies que compõem a dieta das mesmas. Na sequência, o estado de saúde
desses vertebrados será afetado pelos componentes químicos tóxicos oriundos de seus itens alimentares.
O primeiro estágio envolve a ingestão acidental de sacolas plásticas, que geralmente são
confundidas com águas-vivas – itens alimentares de algumas espécies – ou de restos de materiais
plásticos depositados no substrato marinho quando estão se alimentando de algas ou invertebrados. A
sobrepesca e outras interferências humanas nas teias tróficas marinhas, por meio de distintas formas
de poluição, têm dificultado a procura e a captura de alimento pela fauna marinha. Restos plásticos
podem ser confundidos pelas tartarugas por itens alimentares, e constantemente são ingeridos pelas
mesmas. Além de poder provocar o bloqueio do trato digestório com consequentes danos à saúde do
quelônio que ingeriu o plástico, seu processamento pelo mesmo trato libera contaminantes tóxicos
na circulação sanguínea, debilitando o mesmo. Ainda são desconhecidos os efeitos patológicos desses
compostos acumulados nas tartarugas em médio a longo prazo.
O segundo estágio afeta toda a biota marinha. Ele ocorre quando esses dejetos plásticos
permanecem se decompondo nos oceanos, liberando seus componentes tóxicos em longo prazo. Esses
componentes podem ser absorvidos pelos produtores primários e, destes, serem transferidos por toda
a teia trófica sem serem metabolizados, incluindo aqui uma parte importante da proteína animal
representada por peixes, moluscos e crustáceos, que compõe a dieta de cerca de 50% da população
humana. Como mencionado aos petrechos de pesca, os restos de materiais plásticos podem provocar
sufocamento e/ou enforcamento de tartarugas marinhas, também as levando a óbito.
8.8 Doenças
Nas últimas quatro décadas, as doenças em tartarugas marinhas passaram a ser melhor
investigadas quando os profissionais da área de Medicina Veterinária vieram a atuar mais proximamente
às mesmas. Com o estabelecimento de redes de monitoramento de ocorrências, centros de reabilitação,
e colheitas adequadas de material biológico para investigações científicas, é que este conhecimento
vem gradativamente aumentando e se consolidando. Certamente, as perspectivas são muito boas, caso
haja investimento financeiro adequado e isento para a realização desses estudos.
592
Tartarugas marinhas
Dentre uma série de doenças já descritas para as tartarugas marinhas, a fibropapilomatose tem
atraído bastante atenção globalmente. Esta doença se caracteriza pelo desenvolvimento de um ou mais
tumores epiteliais benignos, que possivelmente tem como agente etiológico o herpes vírus. Esse vírus
é comumente encontrado em áreas degradadas, poluídas.
A fibropapilomatose é uma doença global, que afeta entre 50 e 70% das populações de tartarugas
marinhas encontradas principalmente em águas tropicais e subtropicais. Apesar de se tratar de um tumor
benigno, com o tempo ele pode se tornar debilitante, trazendo complicações às tartarugas marinhas para
se deslocarem, se alimentarem, ou se reproduzirem; podendo leva-las ao óbito em consequência.
Mesmo que negacionistas afirmem que estamos em um período interglacial e que, por isso, um
sensível aumento da temperatura média do ar e dos oceanos seria esperado, é clara a relação de causa-
efeito sincronizado do aumento das emissões dos gases de efeito estufa – gerados pelas atividades
humanas poluidoras – e o aumento das referidas temperaturas.
E as previsões e modelagens são cada vez mais assustadoras; com algumas delas já sendo notadas
em nossas rotinas com uma sucessão de maior frequência de eventos catastróficos gerados pelo clima,
como tsunamis, furacões e ressacas. As últimas podem lavar praias de desova de tartarugas, expondo os
ovos dos ninhos a predadores e aos raios solares de forma direta, implicando possivelmente na morte
de toda uma geração (ou coorte) de um determinado estoque populacional.
Dentre os gases do efeito estufa, o dióxido de carbono gerado principalmente pela queima de
combustíveis fósseis é o que mais afeta os oceanos de maneira direta. Em maiores concentrações na
atmosfera, o CO2 tende a ser absorvido pelos oceanos, que ocupam 71% da superfície do planeta,
por difusão. O dióxido de carbono em excesso nos oceanos gera a acidificação dos mesmos, com
a formação do ácido carbônico (H2CO3). Em consequência, reduz-se a disponibilidade do íon
carbonato (CO3-2) nos oceanos, que é essencial aos organismos que secretam conchas de CaCO3
para suas proteções como uma ampla gama de espécies de crustáceos (ex.: caranguejos, lagostas)
e moluscos (mexilhões, ostras). Há previsão de perdas irreparáveis de diversidade biológica nos
oceanos associadas a este processo de acidificação nos próximos 30 anos, caso não haja uma
redução considerável e urgente no uso e na emissão de combustíveis fósseis no planeta. Uma
parcela considerável desses organismos faz parte da dieta de muitas populações de tartarugas
marinhas e, certamente, a falta destes itens deverá levar a declínios populacionais de elevadas
proporções desses quelônios.
Além desse processo de acidificação dos oceanos, já está ocorrendo um processo globalizado
de branqueamento de recifes corais. Esses sistemas marinhos são os maiores oásis de diversidade
biológica no planeta, oferecendo bens e serviços, direta e indiretamente, a cerca de um bilhão de
seres humanos. Entretanto, o aumento da temperatura dos oceanos tem provocado a mortalidade
em massa de corais em todas as bacias oceânicas. O estresse térmico consequente desse aumento
de temperatura em meio aquático induz à expulsão da zooxantela (dinoflagelado) simbiótica dos
pólipos de corais. Como ocorre este processo? O aumento da temperatura da água do mar induz
ao aumento da produção de oxigênio por parte das zooxantelas, de forma que os níveis acumulados
desse gás se tornem tóxicos aos pólipos que, como resposta, expelem as zooxantelas. Sem as mesmas,
os próprios pólipos acabam sucumbindo. Esse processo é chamado de “branqueamento dos corais”
pois, sem as zooxantelas, os pólipos tornam-se brancos. E como esse processo afeta as tartarugas
593
Noções de Oceanografia
marinhas? Os recifes de corais estão concentrados nos trópicos e subtrópicos e servem como área
de residência, de alimentação e de descanso de diversas populações de ao menos quatro das sete
espécies de tartarugas marinhas. Sem este habitat saudável, as tartarugas marinhas sofrerão um
impacto sem precedentes em sua história evolutiva.
O aumento da temperatura dos oceanos também será responsável pela elevação global do
nível do mar, pelas propriedades da água se expandir à medida em que é aquecida, e pelo degelo das
calotas polares. Áreas costeiras deverão ser afetadas no médio a longo prazo. Certamente, muitas
praias de desova de tartarugas marinhas serão afetadas, possivelmente desaparecendo do mapa. Outra
grande preocupação reside na influência de temperaturas mais altas afetando a determinação do sexo
dos filhotes nos ninhos em praias arenosas. Seria possível ocorrer um desequilíbrio voltado a gerar
apenas filhotes do sexo feminino pelas elevadas temperaturas nos ninhos? Se possível, como avaliar as
consequências em curto, médio e longo prazos?
As soluções para mitigar essas ameaças em curto a longo prazo passam pelo estabelecimento de
programas internacionais adequados de pesquisa e de conservação de tartarugas marinhas e dos oceanos,
bem como por um processo de mudanças de hábitos da humanidade.
9. Conservação
Pesquisar e proteger tartarugas marinhas é uma missão bastante complexa em função de suas
amplas áreas de vida. A dependência de uso de praias para a incubação de ovos, de zonas oceânicas
para o período de infância dos filhotes, e das plataformas continentais para a alimentação, impõem
mudanças de uso de área de acordo com faixas etárias distintas. O monitoramento de toda a extensão
dessa área para um indivíduo apenas já é bastante difícil em se executar. A situação fica bem mais
complicada quando se consideram as variações individuais de uso de área em uma mesma espécie,
e entre espécies diferentes. E esses processos esbarram em outro desafio: o uso de áreas oceânicas
geopolíticas pertencentes a algumas nações descompromissadas pela proteção de tartarugas marinhas
e oceanos, bem como o uso de águas internacionais onde, apesar de haver consenso quanto ao uso e
respeito ao meio ambiente, não há nos dias atuais formas adequadas de fiscalização e de punição a
nações que gerem danos ambientais nessas águas.
A se considerar que há ao menos nove distintas fontes de ameaças à sobrevivência das tartarugas
marinhas, e que a maturidade sexual das distintas espécies é somente alcançada entre 9 e 40 anos de
idade, a depender do estoque populacional e da espécie, é possível que uma parcela considerável delas
não seja capaz de repor o estoque populacional nem pela primeira vez na vida. Quando estoques não
são repostos, os declínios de abundâncias populacionais são as consequências imediatas.
Preocupa também o intervalo de desovas de fêmeas entre distintas temporadas, que pode
levar entre 1,5 a 5 anos, a depender do estoque populacional e da espécie. Por fim, outro fato
preocupante reside no fato de que a população humana continua crescendo globalmente, aumentando
gradativamente os efeitos de cada uma das ameaças listadas e descritas neste documento. Do outro
lado da equação, o resultado a ser observado será óbvio: os declínios populacionais das populações
das sete espécies de tartarugas marinhas.
A União Internacional para a Conservação da Natureza (sigla IUCN, em língua inglesa), avalia
os estoques populacionais globais de milhares de espécies vivas para disponibilizar seus estados de
594
Tartarugas marinhas
conservação na lista vermelha das espécies ameaçadas de extinção a um amplo leque de profissionais
que inclui cientistas, professores, agentes públicos de proteção ao meio ambiente, e os altos escalões de
governos responsáveis por estabelecer políticas públicas de pesquisa e conservação da natureza.
Para ilustrar a complexidade que envolve a pesquisa e a proteção das sete espécies de tartarugas
marinhas, as últimas avaliações efetuadas para cada uma delas ocorreram no intervalo compreendido
entre 1996, no caso da avaliação da tartaruga-de-casco-achatado encontrada na Oceania, e 2019, no
caso da avaliação da tartaruga-de-Kemp no Atlântico Norte Ocidental.
Seis das sete espécies estão inseridas na categoria de “ameaçadas de extinção”, em três diferentes
subcategorias. A tartaruga-de-Kemp e a tartaruga-de-pente estão avaliadas como “criticamente
em perigo”, a tartaruga-verde está avaliada como “em perigo”, e a tartaruga-de-couro, a tartaruga-
cabeçuda, e a tartaruga-olivácea estão avaliadas como “vulneráveis” à extinção. Para a tartaruga-de-
casco-achatado, ainda não estão disponíveis dados suficientes para avaliar seu estado de conservação.
Esse cenário é bastante preocupante, visto que estas são representantes das apenas sete linhagens
remanescentes de um processo evolutivo de 200 milhões de anos. E ações humanas manejáveis estão
pavimentando o caminho do desaparecimento de organismos ímpares que habitaram e habitam o planeta;
os únicos que se adaptaram ao mar e levaram consigo a novidade evolutiva do casco para sua proteção.
O que mais nós perdemos sem as tartarugas marinhas nos oceanos? Junto a outras espécies de
vertebrados aquáticos de médio a grande porte, de dieta variada, e de grande mobilidade, as tartarugas
marinhas: 1) desempenham papel fundamental na manutenção da diversidade biológica, ao manter
estáveis as populações de suas variadas presas e, em consequência, as teias alimentares em que estão
envolvidas; 2) transportam nutrientes horizontalmente (entre latitudes) e verticalmente (ao longo da
coluna d’água) quando efetuam seus constantes deslocamentos regionais e migratórios, fertilizando
por meio de suas excretas nitrogenadas o fitoplâncton das camadas superficiais quando estão relaxadas
nas águas superficiais às quais visitam constantemente para respirar, contribuindo com a produção
de uma parte considerável de oxigênio vital para a vida no planeta (incluindo os seres humanos); e
3) promovem a disponibilização de recursos alimentares a uma miríade de outras espécies marinhas,
como peixes ósseos que geralmente estão associados às áreas de ocorrência de tartarugas marinhas,
bem como de organismos que vivem associados ao substrato e, em ambos os casos, se beneficiam da
geração de restos de itens alimentares gerados nos processos de forrageamento e capturas de suas
presas por meio de suas poderosas ranfotecas. Esses três papéis ecológicos são essenciais à própria
sobrevivência humana, pela sua dependência de recursos vivos de origem marinha.
Perder as tartarugas marinhas dos oceanos resultará em um efeito dominó, que levará à perda de
uma considerável diversidade biológica global, podendo afetar a produção de oxigênio pelos oceanos
que é responsável por ao menos metade desse gás vital que a humanidade consome.
As ações urgentes que devem ser tomadas pela humanidade estão centradas em mudança de
comportamento. Essa mudança deve ocorrer em escalas local, regional e global. Ela envolve uma série
de atitudes que devem mudar nossas rotinas em curto e médio prazo para proporcionar condições
mínimas e adequadas para a vida neste planeta.
595
Noções de Oceanografia
É urgente o investimento em formas limpas de energia como as energias solar e eólica. Veículos
movidos a energia elétrica, desde que sua produção não emita poluentes como os combustíveis fósseis,
devem substituir os meios de transporte atuais altamente poluentes.
É necessário banir a produção e a distribuição de sacolas plásticas, bem como a produção de uma
série de derivados de plástico desnecessários à vida humana, e que podem ser substituídos por produtos
sustentáveis. O estabelecimento de um programa de planejamento familiar por meio de políticas públicas
torna-se necessário em escala global, pelas dimensões limitadas do planeta e de seus recursos.
Com o crescimento populacional sendo regulado, haverá menor demanda por recursos como
óleo e derivados, por alimentos oriundos dos oceanos, e por alimentos gerados por extensas plantações
e pecuária que, a cada ano, avançam indiscriminadamente sobre ecossistemas únicos existentes no
planeta como a Mata Atlântica, a Caatinga, a Floresta Amazônica, o Pantanal, dentre outros. Dessa
forma, esses ecossistemas poderão se recuperar em longo prazo, oferecendo bens e serviços de forma
manejada e sustentável.
596
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597
Aves marinhas
NOÇÕES DE OCEANOGRAFIA
Capítulo 27
AVES MARINHAS
Marcos César de Oliveira Santos
599
Noções de Oceanografia
CITAÇÃO SUGERIDA: SANTOS, Marcos César de Oliveira. Aves marinhas. In: HARARI, Joseph
(org.). Noções de Oceanografia. São Paulo: Instituto Oceanográfico, 2021. E-book. Cap. 27: p.
601-624.
600
Aves marinhas
Aves Marinhas
Marcos César de Oliveira Santos
1. Introdução
Assim como as terminologias populares comumente utilizadas em nosso dia a dia e aplicadas
a grupos de vertebrados como as “tartarugas marinhas” e os “mamíferos marinhos”, o grupo não
taxonômico das “aves marinhas” (Fig. 1) ganhou força de uso em diferentes idiomas. Esse grupo é
resultante de uma mistura de representantes de distintos clados de aves, e não há uma definição clara
e concreta de quais aves são consideradas “marinhas”, e quais não são.
Como no caso das tartarugas marinhas e dos mamíferos marinhos, esse grupo não taxonômico
de vertebrados passou por muito tempo despercebido pelo meio acadêmico no Brasil. Obviamente,
por questões logísticas, financeiras e práticas, sempre foi mais acessível de maneira geral, investir-
se em estudos de organismos terrestres e de água doce, ante aos organismos marinhos. E quando
consideramos um país de dimensões continentais como o Brasil, que apresenta uma série de biomas
extraordinários em estrutura, função e diversidade de espécies, onde se incluem as aves no meio
terrestre, era mais do que esperado que as Ciências Biológicas tivessem uma preferência histórica para
investigar esses ecossistemas terrestres prontamente acessíveis.
O mar ganhou notoriedade por frentes de ações humanas que avançaram globalmente,
principalmente dos anos 1960 e 1970 em diante. Esses processos foram iniciados primeiramente nos
países ricos, chegando nos anos 1980 e 1990 aos países em desenvolvimento com suas complexas
limitações. A exploração, definida como a prospecção ou procura de áreas para gerar recursos,
e a explotação, definida como o processo de extração ou retirada de recursos para aproveitamento
econômico, de óleo e gás impulsionaram as investigações em meio marinho em busca do ouro negro,
e ainda moldam o ritmo das economias mundiais.
A ciência-chave nessa linha de negócios sempre foi a otimização da explotação dos recursos não
naturais e a necessidade em se monitorar os impactos em fauna surgiu apenas a posteriori. Movimentos
ecológicos de proteção ao meio ambiente ganharam vozes que se espalharam pelos quatro cantos do
601
Noções de Oceanografia
nosso planeta desde os anos 1960 e 1970, por meio de cidadãos preocupados com o bem-estar da
natureza e, consequentemente, de nós mesmos, seres humanos. Nos sistemas terrestres brasileiros,
por exemplo, as campanhas de proteção da Mata Atlântica e do mico-leão-dourado tiveram grande
repercussão e culminaram em resultados ímpares, com a não extinção e conservação da espécie e do
bioma mencionados, por enquanto. A campanha internacional de proteção às baleais chegou ao Brasil
nos anos 1980, com a decisão do país em cessar suas operações de matança em 1986.
Menos populares que as tartarugas marinhas e que os mamíferos marinhos, as aves marinhas
ainda recebem pouca atenção de autoridades brasileiras de proteção à natureza, bem como ainda são
foco de poucos estudos acadêmicos realizados pelo país. São lembradas principalmente em processos
de compensação ambiental envolvendo danos provocados aos oceanos e zonas costeiras, quando da
realização de grandes empreendimentos que geram impactos diretos e indiretos aos recursos naturais.
Segundo esta proposta, as aves “costeiras” passam toda a vida, ou a maior parte dela, em áreas
costeiras rasas, e em muitos casos se adaptando às águas estuarinas. São representadas principalmente
por gaivotas, algumas espécies de trinta-réis, talha-mares, biguás, fragatas, uma espécie de pelicanos,
algumas espécies de atobás e a maioria das espécies de pinguins. As aves “pelagiais” ou “pelágicas”
passam a maior parte das suas vidas vagando pelos oceanos abertos, geralmente próximo aos limites
da quebra de plataformas continentais, frequentemente distantes de terra firme, e retornando a ilhas
remotas, oceânicas ou costeiras, apenas para a reprodução. Neste grupo se destacam os albatrozes, os
petréis, os fulmares, algumas espécies de atobás, de pinguins e de gaivotas.
Os cientistas estimam que cerca de 350 espécies de aves seriam consideradas “aves marinhas”; uma
fração muito pequena perante as mais de 11.000 espécies descritas. Por que tão poucas espécies ocupam
essa faixa de oceanos que representa praticamente 71% de espaço do nosso planeta? Uma das razões é
602
Aves marinhas
que os sistemas marinhos ofereceram e oferecem poucos nichos ecológicos distintos para a evolução das
aves. No processo evolutivo, os oceanos apresentaram poucas possibilidades de isolamento reprodutivo às
aves para se especiarem na mesma taxa como ocorreu com as espécies de hábitos terrestres.
Pelo que foi exposto até aqui, os agrupamentos populares de aves marinhas, tartarugas e
mamíferos marinhos são considerados como não funcionais, gerando mais dúvidas e controvérsias
do que entendimento. Para evitar essas dúvidas é que a taxonomia e a sistemática, que são ciências
tradicionais que se baseiam em características que definem relações ancestral-descendentes dos
organismos vivos para ordená-los, contribuem para pavimentar caminhos mais férteis ao entendimento
dos seres vivos. Porém, o ensino de quesitos básicos sobre essas ciências ainda é muito incipiente
nos ensinos fundamental e médio no Brasil, onde acaba prevalecendo a difusão do conhecimento
popular em uma grande extensão do país. Taxonomicamente, as aves marinhas estão inseridas no
clado “Sauropsida” (Fig. 2), que significa “face de lagarto”.
FIGURA 2. Cladograma simplificado dos clados Sauropsida e Synapsida (=mamíferos). Adaptado de Liem
et al. (2013). Arte: Marcos Santos.
603
Noções de Oceanografia
“Sauropsida” são dioicos e, com exceção de algumas espécies de serpentes, são todos ovíparos.
“Sauropsida” se subdivide em “Testudines” (quelônios = tartarugas, com cerca de 300+ espécies),
“Lepidosauria” (lagartos, serpentes, iguana marinha e tuatara – um pequeno lagarto endêmico da
Nova Zelândia, com cerca de 7.800+ espécies), e “Archosauria”, que por sua vez é subdividido em
“Crocodilia” (jacarés e crocodilos, com cerca de 23+ espécies), e “Aves” (pássaros e aves terrestres e aves
marinhas, com cerca de 11.000+ espécies).
É muito importante aos leitores terem a compreensão que o cladograma simplificado da Figura
2, apesar de nos remeter às formas viventes no planeta em tempos modernos, obrigatoriamente
incluem as espécies extintas, por ter como base o princípio da filogenética para a sua elaboração.
E este princípio envolve a formação de clados mutuamente exclusivos baseados em linhagens
únicas de ancestrais-descendentes com identidade própria quando comparadas a outras linhagens.
Neste sentido, é importante esclarecer que o clado das “Aves” está incluído em um outro clado mais
abrangente conhecido como “Theropoda”, que inclui dinossauros terrestres de locomoção bípede e
extintos, como o tiranossauro (Tyrannosaurus rex) e os “velociraptors”, que ganharam maior exposição
com a sequência de filmes para o cinema conhecido como “Jurassic Park” em língua inglesa, ou “Parque
dos Dinossauros” em português.
O clado das aves modernas viventes (“Neornithes”) é representado por cerca de 11.000
espécies subdivididas em 22 ordens. As ordens são basicamente diferenciadas com base em caracteres
morfológicos envolvendo o bico, o tamanho e a forma da asa e da cauda, e a forma de penas e pés/
patas, por exemplo. Essas diferenças implicam em distintas adaptações para alimentação, reprodução,
locomoção e nas escolhas de habitat, por exemplo.
604
Aves marinhas
Mais da metade dessas espécies (ca. 6.500) está inserida na ordem Passeriformes – que inclui os
pássaros (nome popular mais conhecido), geralmente de pequeno ou médio porte, que se distinguem
de todas as demais espécies de aves pela disposição de seus artelhos (“dedos”) dos membros posteriores
ou patas: três deles voltados para frente e um voltado para trás.
As principais ordens com o maior número de representantes de espécies que são dependentes
das regiões costeiras, oceânicas e/ou áreas úmidas estão listadas abaixo, com alguns exemplos de
representantes com seus nomes populares. A Figura 4 ilustra alguns desses exemplares.
Sphenisciformes: pinguins.
Ciconiiformes: maguaris.
Gruiformes: saracuras.
Coraciiformes: martins-pescadores.
605
Noções de Oceanografia
Pelo que foi apresentado até aqui, nota-se que não é possível quantificar precisamente quantas
espécies de aves são “marinhas”. Mais importante aos interessados em investigar “aves marinhas”, será
estudar e compreender quais são as distintas ordens existentes, seus representantes, suas características
principais e suas histórias evolutivas. Certamente é um universo magnífico bastante conhecido e ainda
com muito a se desvendar. Para uso de terminologia científica adequada aos nomes populares adotados
e padronizados em língua portuguesa, e associados aos nomes científicos, é prudente consultar a
página web do Comitê Brasileiro de Registros Ornitológicos1. O propósito em disponibilizar uma
lista atualizada em meios acessíveis gratuitamente a todos propicia maior e mais eficiente divulgação
do conhecimento científico aos interessados, e facilita as atualizações geradas por novas investigações,
principalmente aquelas vinculadas às novidades taxonômicas que podem mudar uma ou mais espécies
de clados como as ordens, por exemplo.
1
Acesse em: <http://www.cbro.org.br>
606
Aves marinhas
O bico das aves é formado por uma estrutura óssea, revestida por um anexo tegumentário que
lhe promove proteção. A morfologia do bico tem íntima relação com os itens alimentares das aves,
variando entre distintas funções de coleta de grãos e sementes, pincelagem de presas móveis como
peixes e lulas em meio aquático a partir de posicionamento em meio terrestre, ou pouco ágeis ou
sésseis como invertebrados em substratos consolidados ou não consolidados, filtragem de zooplâncton,
e pesca de presas como peixes e lulas na superfície da água com ou sem a necessidade de pouso. As
estratégias variam entre a busca ativa pelas presas, ou a estratégia “senta e espera” para que elas estejam
mais facilmente disponíveis à captura, seguindo a teoria do forrageamento ótimo. Alguns exemplos
são ilustrados nas Figuras 6 e 7.
607
Noções de Oceanografia
608
Aves marinhas
As penas das aves são formadas primariamente por beta-queratina (90% de sua composição),
água (8%), lipídeos (1%) e outras proteínas e pigmentos (1%). Elas têm diferentes formatos e
funções, como as penas de contorno que envolvem o corpo e estão associadas ao auxílio ao voo,
conhecidas como rêmiges nas asas e como rectrizes na cauda, as semiplumas ao longo do corpo e sob
as penas de contorno e que estão associadas ao isolamento térmico, as cerdas na base do bico, olhos,
cabeça e artelhos com função sensorial tátil e de proteção, dentre outras. As penas são trocadas
sazonalmente. Diferenças em padrões de colorações de plumagem e de bicos com base nas classes
etárias é comum em aves (Fig. 9).
O tamanho das asas das aves varia entre as espécies e tem direta relação com a autonomia do
voo. Por essa relevância, costuma-se destacar a informação sobre a envergadura das aves, que é uma
medida morfológica que registra a distância em linha reta entre as pontas das asas. Das aves modernas,
o albatroz-errante é a espécie de maior envergadura, chegando a atingir cerca de 3,7 metros (Fig. 10).
FIGURA 10. A e B) Albatroz-errante (Diomedea exulans; Procellariiformes), ave com maior envergadura
nos dias atuais, em voo no Estreito de Drake. Fotos em diferentes escalas: Marcos Santos.
609
Noções de Oceanografia
Assim como no caso das tartarugas marinhas, as aves marinhas apresentam uma cloaca, que é a
cavidade onde se abrem o trato intestinal, o sistema urinário e o sistema reprodutivo; ou seja, via por
onde são eliminados fezes e urina, e por onde são liberados o esperma dos machos e ovos pelas fêmeas.
Acredita-se que as aves mais antigas que passaram a alçar voos apresentavam pequeno porte
e foram ágeis corredoras. Elas possuíam penas que cobriam o corpo com principal função de
isolamento térmico. Ao se deslocarem freneticamente em busca de suas presas de pequeno porte
que tinham habilidade de voo, as aves ancestrais desenvolviam altas velocidades com o apoio dos
membros posteriores sobre o solo, e buscavam equilibrar seus corpos com a movimentação dos
membros anteriores. Com alguns saltos e maior movimentação dos membros anteriores visando o
equilíbrio, as aves antigas conseguiriam capturar presas que estavam alçando voos a alturas maiores
que seus comprimentos. Com o tempo, esses saltos foram tornando-se mais estáveis por modificações
na estrutura dos membros anteriores, associadas a uma maior cobertura de penas, e adaptações no
arcabouço muscular corpóreo associado às asas.
O esterno, osso situado logo abaixo da região peitoral das aves, passa a desenvolver uma quilha
com maior expansão para o aporte de uma rede de fibras musculares vinculadas ao bater de asas. Essa é
resumidamente a teoria cursorial relacionada ao voo das aves e a mais aceita nos dias atuais, que indica
que os primeiros voos foram alçados do solo para o ar.
Mas apenas essas adaptações anatômicas ósseas e musculares não seriam suficientes para o sucesso
das aves na conquista do espaço aéreo. O peso sempre foi um obstáculo para o voo das aves. Muitas
delas de maior porte e peso, como as extintas aves-elefante de Madagascar (Aepyornithiformes) e os
moas da Nova Zelândia (Dinornithiformes), que chegavam a cerca de 3 metros de altura e a pesar
quase 500 quilos, e as maiores espécies ratitas viventes como o avestruz-comum (Struthio camelus;
Struthioniformes) e a ema (Rhea americana; Rheiformes), limitaram-se a não desenvolver o voo em
suas histórias de vida.
A ave moderna carinata que se encontra praticamente no limite de alçar voos é o cisne-bravo
(Cygmus cygmus; Anseriformes), que chega ao limite de 15 a 17 quilos de peso. Para reduzir o impacto
imposto pelo peso ao voo, a história evolutiva das aves marcou um processo de adaptação morfológica
610
Aves marinhas
óssea de extrema importância. Os ossos tornaram-se mais leves, com estruturação de cavidades
aéreas em seu interior, que implicaram na nominação a esses ossos de “ossos aéreos” ou “ossos
pneumáticos”. Ao mesmo tempo em que são leves, continuam sendo resistentes para sustentar o
corpo das aves. Em espécies com maior dependência do meio aquático como os pinguins, os ossos
mantiveram-se mais densos, pois os auxiliam em mergulhos a maiores profundidades e no rápido e
eficiente deslocamento nos oceanos.
Houve uma fusão em larga escala de ossos nas aves, como a das costelas com vértebras com
a cintura escapular e o esterno, uma redução do tamanho dos membros anteriores com fusão de
alguns dedos e a perda secundária de outros dedos. As penas passaram a ter funções cada vez mais
especializadas ao voo e, dessa forma, esse grupo de vertebrados definitivamente conquistou o meio
aéreo de maneira eficiente para a exploração em importantes etapas de suas histórias de vida.
Um capítulo à parte envolvendo o voo das aves se encontra nos processos migratórios. Esses
processos foram desenvolvidos em milhões de anos de adaptações ao clima e à oferta de habitats
seguros para alimentação e para reprodução. Dessa forma, sazonalmente uma parcela considerável
de aves (ca. 400 espécies) percorre rotas migratórias que muitas vezes, mas não necessariamente,
extrapolam os hemisférios do planeta.
A maioria das espécies de aves que migra entre hemisférios realiza a nidificação (geração de
novas crias) no hemisfério norte e a alimentação no hemisfério sul. É o caso do trinta-réis-ártico
(Sterna paradisaea; Charadriiformes) (Fig. 11) que completa cerca de 25.000 km em um circuito de
ida e volta do Ártico à Antártica. Os sinais para que essas espécies iniciem e terminem suas rotas
migratórias devem estar relacionados à sensibilidade ao fotoperíodo. E muito se discute sobre quais
seriam as principais orientações que as aves migratórias seguiriam, que podem envolver um sinergismo
de uso deles, como a sensibilidade aos pólos geomagnéticos do planeta ao apresentarem magnetita no
cérebro, o uso do sol e de estrelas como referências, o aprendizado em mapear referenciais geográficos
identificados com o tempo e as rotas, e características químicas do ar.
Há uma série de espécies de albatrozes, pardelas e petréis que mantém suas rotas migratórias
restritas ao mesmo hemisfério. No hemisfério sul, as ilhas subantárticas representam uma ampla
área de nidificação de algumas espécies, como o albatroz-de-sobrancelha mostrado na Figura 11.
Muitas vezes alguns representantes dessas espécies visitam a costa brasileira no inverno quando
estão em busca de alimento.
611
Noções de Oceanografia
Para regularem sua temperatura corpórea em ambientes frios e durante o voo e mergulhos, as
aves contam com o processo fisiológico da endotermia, compartilhado com os mamíferos. Esses dois
clados evolutivamente contam com um sistema de manutenção de calor em torno de uma temperatura
adequada ao bom funcionamento de órgãos e do metabolismo vital. Esse sistema necessita de um
combustível constante para sua operacionalização: alimento ou reserva de alimento sob a forma
de gordura. O metabolismo de aves e mamíferos é uma usina que transforma alimento e reservas
de gordura, dentre outros produtos, em matéria-prima básica para manter a temperatura corpórea
regulada. E, somada a anexos tegumentários como as penas/a plumagem nas aves e os pelos nos
mamíferos, a endotermia cumpre seu papel de manutenção corpórea da temperatura de aves marinhas
em voo, na água, ou em ninhos/colônias.
Nas situações de excesso de calor, as aves não contam com glândulas sudoríparas. A temperatura
pode ser regulada por meio de ventilação do trato respiratório, como se funcionasse como um radiador
(Fig. 12A), assim como com o aumento do fluxo sanguíneo ao bico para perder calor ao meio.
FIGURA 12. Atobá-grande (Sula dactylatra; Suliformes): A) regulando sua temperatura corpórea na Ilha
Redonda, em Abrolhos (BA); e B) membranas interdigitais de um indivíduo da mesma espécie em B,
evidenciando uma das adaptações morfológicas ao deslocamento em meio aquático. Fotos em diferentes
escalas: Marcos Santos.
Ainda sobre a regulação da temperatura corpórea, é intrigante como as patas de pinguins não
congelam em contato direto com o gelo antártico. As aves marinhas também podem controlar a
temperatura das suas pernas e patas pela constrição do fluxo sanguíneo às suas extremidades corpóreas,
reduzindo assim a perda de calor ao meio sem o risco de congelamento do sangue e das patas.
Os pinguins mantêm a menor superfície de contato possível das patas com a camada de gelo,
geralmente mantendo os artelhos (=dedos) fora do alcance do solo. Um sistema de contra-corrente
612
Aves marinhas
envolvendo uma intrincada rede de artérias e veias que irrigam as patas evitam o congelamento
das mesmas ao receberem sangue quente do coração, não perderem calor ao meio e manterem as
patas em temperatura acima do ponto de congelamento no retorno desse sangue ao coração. Por
fim, em temperaturas mais extremas, uma camada de gordura interna, as penas mantendo uma
camada de ar quente isolando seu corpo do meio externo, as penas escuras absorvendo calor do sol
e da atmosfera, a redução do metabolismo e da circulação sanguínea não essencial, a recuperação de
até 85% do calor que seria perdido na respiração no bico (= radiador), e a agregação de indivíduos
protegendo-se entre eles e constantemente alterando posições, são outros fatores que colaboram
para a manutenção da temperatura corpórea da maioria das espécies de pinguins em ambientes
antártico e subantártico. Com essas adaptações, pinguins-imperadores (Aptenodytes forsteri) podem
suportar temperaturas de até -60°C.
Nos mergulhos, as asas são potencialmente mais efetivas do que as patas, fazendo com que
algumas espécies de pinguins alcancem velocidades de cerca de 25 a 30 km/h. Apesar do porte, o
pinguim-imperador é um excelente nadador e mergulhador, alcançando profundidades de 580 metros,
e permanecendo até cerca de 20 minutos em meio aquático sem respirar. O segredo de resistir a
grandes profundidades e a esse longo tempo reside em apresentar uma estrutura de órgãos e ossos
resistente à força da pressão, e ao gerenciamento do oxigênio em grandes concentrações em músculos
principalmente. Na superfície da água, diferentemente da maioria das aves marinhas, os pinguins se
posicionam com praticamente todo o corpo embaixo da água, exceto a cabeça, e assim, as asas seguem
como suas importantes forças propulsoras.
Além de contarem com rins eficientes para auxiliar no processo de osmorregulação, as aves
marinhas apresentam um par de glândulas de eliminação de sal, que contribuem com este importante
processo fisiológico. Estas glândulas se posicionam na porção dorsal dos olhos, e se conectam por
canalículos às narinas, de onde gotículas de sal são expelidas ao meio externo. Em albatrozes, petréis,
pinguins, pelicanos, atobás e gaivotas, elas tendem a ser mais eficientes e a apresentarem maior porte
com relação ao crânio. Gotículas de secreções salgadas chegam à ponta do bico das aves marinhas,
que se livram das mesmas ao chacoalhar a cabeça. O sal acaba sendo ingerido acidentalmente quando
da captura de presas, bem como vem associado a alguns itens alimentares, principalmente no caso de
peixes e crustáceos como o krill. A água doce muitas vezes é extraída do próprio alimento (peixes e lulas
geralmente), do metabolismo de gordura, ou buscando-se diretamente uma fonte para ingestão ativa.
No meio terrestre, as aves necessitam sustentar seus corpos sobre sua estrutura esquelética e
caminhar com o apoio de pernas e patas. O deslocamento em meio terrestre envolve processos distintos
entre saltar, caminhar, escalar e se empoleirarem. Certamente, as aves marinhas têm mais habilidade
no ar e/ou no mar para se deslocarem, e usam o meio terrestre muitas vezes de maneira “desajeitada”
sob a ótica humana. Independente dessa pequena limitação em movimentos, o meio terrestre é vital
para todas as espécies de aves. Somente fora da água ocorrem as desovas, em locais que variam entre
o solo nu à elaboração de ninhos complexos em diferentes locais como o solo, copas de árvores e até
em falésias. Em ovos amnióticos, a pequena ave em desenvolvimento depende das trocas gasosas com
o meio externo. Embaixo da água, ovos de quaisquer espécies de aves não gerariam vida. Maiores
detalhes desta importante etapa do ciclo de vida das aves marinhas é tratada no tópico seguinte.
613
Noções de Oceanografia
Para seguir uma sequência lógica de temas, os seguintes subitens serão tratados separadamente:
os sistemas reprodutivos, a corte, a cópula e a fertilização, os ninhos e ninhegos (termo técnico auferido
às crias), as colônias, os ovos e a incubação, e o nascimento. Aves marinhas em geral apresentam
maturação sexual tardia e longevidade relativamente alta (ca. 20 a 60+ anos), o que torna um desafio a
investigação e o conhecimento dos ciclos reprodutivos de todas as espécies.
Mesmo em meio a uma miríade de diferentes estratégias para reprodução, em mais de 90%
das espécies de aves os machos participam de múltiplas tarefas que envolvem o acasalamento, como
encontrar o local onde será construído o ninho, ajudar a construí-lo, chocar o(s) ovo(s), alimentar a(s)
cria(s) e, em muitas espécies, também alimentar as fêmeas que estão chocando ovo(s) ou cuidando da(s)
cria(s), e cuidar da(s) e proteger a(s) cria(s). Os machos dessa maioria de espécies de aves só não desovam.
Dessa forma, em função desta cumplicidade em participação de tarefas, geralmente há uma tendência
de machos acasalarem com uma só fêmea por estação reprodutiva (ER). Esse sistema reprodutivo é
conhecido como monogamia, e é a estratégia de acasalamento mais comum em aves marinhas.
Em alguns grupos de aves, a relação monogâmica é fixa para mais de uma ER e dura enquanto
o par de aves estiver vivo, como nos casos de cisnes, gansos, águias, muitas espécies de corujas e
papagaios, por exemplo. Entretanto, por haver condições biológicas para os machos competirem entre
si para fertilizarem mais fêmeas na mesma ER, em algumas espécies a poligamia pode ser observada.
E ela se aplica tanto a machos fertilizarem mais do que uma fêmea (=poliginia), quanto a fêmeas terem
sido fertilizadas por mais de um macho (=poliandria), e nos raros casos em que machos e fêmeas têm
mais de um parceiro na ER (=poliginandria). Uma curiosidade interessante no sistema reprodutivo das
aves, e que difere dos mamíferos, é que na determinação dos sexos, os machos são homozigotos (ZZ)
e as fêmeas são heterozigotas (ZW).
6.2 Corte
Machos de uma grande parcela das espécies de aves se exibem de maneira elaborada, dedicada
e ritualizada para atrair fêmeas para o acasalamento. Elas, por sua vez, podem ser parceiras passivas à
corte, ou responderem com exibições também elaboradas. A corte tem papéis importantes como levar
pares de mesma espécie a se reproduzir, já que a geração de híbridos estéreis leva a baixo investimento de
energia por parte de ambos no processo evolutivo; mostrar ao potencial parceiro algumas características
importantes para o acasalamento, como o estado de maturidade de cada um, o status de cada um em
614
Aves marinhas
meio à sociedade da referida espécie, e a prontidão em que se encontram para o acasalamento; além de
mostrar eventuais características do futuro parceiro para atender às etapas que virão e que demandam
energia e dedicação de ambos – como é o caso de uma parte considerável das aves marinhas.
O repertório de exibições de corte é complexo e bastante amplo nas aves. Ele pode envolver
a importância de se exibir porções do corpo ao par, principalmente no caso de penas brilhantes; a
exibição de um ninho bem construído; o oferecimento de alimento, que é bastante comum em algumas
garças, em gaivotas e em trinta-réis; a demonstração de movimentos corporais que chamem a atenção
do sexo oposto; ou rituais mútuos de dança ou de esgrima com uso dos bicos, quando os parceiros
são bastante parecidos, como é o caso de muitas espécies de albatrozes. Muitas vezes esses rituais são
acompanhados por vocalizações e chamados somente dos machos, ou de ambos os sexos.
No ciclo de vida das aves, a cópula em si é a etapa mais rápida a ocorrer, levando menos de
cinco segundos em um pouco mais de 30% das espécies. Este é um dado subestimado, já que não é
possível aos investigadores terem a certeza de que todos os contatos observados levaram efetivamente
a cópulas concluídas com êxito. Geralmente, os machos montam no dorso das fêmeas, balançam as
asas rapidamente e, em muitos casos, agarram com o bico as penas do pescoço ou da cabeça das fêmeas
como apoio. A transferência do esperma dos machos para as fêmeas é facilitada por um contato cloacal
entre ambos. As fêmeas podem estocar o esperma dos machos em intervalos que variam entre seis e
110 dias. Em albatrozes, as fêmeas estocam o esperma dos machos por até dois meses, já que há uma
possibilidade dos pares não mais se encontrarem por este período logo após a cópula, quando as fêmeas
passam semanas se alimentando no mar para obter nutrientes suficientes para produzir um único ovo
de grande porte e com uma rica gema, enquanto os machos permanecem na colônia reprodutiva para
proteger o ninho de rivais.
615
Noções de Oceanografia
Apesar de haver espécies de aves que não constroem ninhos, eles têm papel de grande valor nos
cuidados parentais das aves que tentem produzir prole de tamanho limitado a uma ou poucas crias.
Ninho pode ser definido como uma estrutura construída por um ou ambos genitores, com função de
proteger o(s) ovo(s) e a(s) cria(s) de intempéries, de predadores e muitas vezes de congêneres da mesma
espécie, bem como para descanso para jovens e adultos de algumas espécies. Na maioria dos casos, eles
precisam ser estrategicamente construídos para a manutenção de uma temperatura adequada para a
incubação do(s) ovo(s) e para a sobrevivência do(s) ninhego(s).
Ninhos podem ser construídos diretamente no solo; como no caso de muitas espécies de pinguins
ao usarem pequenas pedras como matéria-prima; usando-se vegetação em áreas úmidas como fazem
algumas espécies de garças; vegetação, penas e guano como fazem algumas espécies de albatrozes; em
vegetação de ilhas rochosas como o caso de fragatas e atobás; em cavidades no próprio solo, como
fazem pinguins-de-Magalhães, ou em barrancos como fazem algumas espécies de Martim-pescador;
e em troncos e galhos de árvores como fazem algumas espécies de trinta-réis.
Há uma tendência do grau de complexidade do ninho, bem como a altura onde é construído,
estarem diretamente relacionados à habilidade de voo da espécie e ao grau de desenvolvimento do
ninhego ao nascer. Quanto menos desenvolvido nasce o ninhego, nominalmente chamado de cria
altricial, ele requer maior proteção do ninho e dos pais. Ninhegos altriciais nascem com as pálpebras
fechadas, completamente ou quase completamente nus, sem ou com raras penas, sem capacidade de
movimento e são dependentes dos pais por dias, semanas e até meses. Aqui temos como exemplos os
atobás, os pelicanos, os biguás e as fragatas. No outro extremo, estão as crias chamadas de precoces,
que têm maior mobilidade e desenvoltura que os ninhegos altriciais, e que geralmente nascem em
ninhos menos complexos em estrutura e mais associados ao solo. Nascem de olhos abertos e com
densa plumagem cobrindo o corpo e incluem exemplos de algumas espécies de gansos, patos e cisnes.
O tempo de construção de ninhos pode levar de cinco a sete semanas até cerca de quatro meses
e meio. Há casos em que algumas espécies de adultos tomam ninhos já construídos por outros adultos,
bem como retiram às escondidas partes constituintes de ninhos vizinhos – fato que tende a ocorrer
com espécies de pinguins que usam pequenas pedras para moldar seus ninhos em colônias onde vários
vizinhos estão muito próximos.
6.5 Colônias
616
Aves marinhas
agregar indivíduos de mesma espécie principalmente em estações reprodutivas, por aumentar a proteção
de todos os seus membros contra a ação de predadores, por facilitar o encontro e a seleção de parceiros,
e por aumentar as taxas de sobrevivência das crias, considerando-se a longevidade das espécies de
aves marinhas. Por outro lado, viver em colônias pode trazer algumas desvantagens, como gerar maior
competição por recursos se houver colônias próximas, por facilitar a dispersão de parasitas e doenças aos
congêneres, e pela vulnerabilidade às espécies invasoras, bem como aos eventos naturais estocásticos.
Nas aves, as desovas podem gerar de um a 19 ovos, dependendo da herança genética, dos efeitos
da seleção natural e do porte das espécies, principalmente. Em média, as desovas de aves marinhas
geram de um (exs: albatrozes, petréis, pinguim-rei e pinguim-imperador) a dois ovos. A tendência é
que um ninhego se desenvolva. Os ovos de aves variam em tamanho, forma e padrão de coloração. A
maioria das espécies de aves marinhas é capaz de gerar uma desova anual.
Há espécies de albatrozes em que o ciclo de vida não é anual, podendo haver geração de crias em
anos alternados. Espécies cujos progenitores investem mais tempo em cuidado parental geralmente
são incapazes de gerar uma desova anual. O(s) ovo(s) geralmente é/são incubado(s) em proximidade
direta com o corpo, na região ventral, ou nas pernas e/ou pés dos adultos, para assim mantê-lo(s) em
temperatura que varia entre 34°C e 39°C para as aves em geral.
Em uma resposta hormonal, a maioria das espécies de aves apresenta uma área no ventre em que as
penas são perdidas após a desova, e esse setor altamente vascularizado do corpo pode transferir calor aos
617
Noções de Oceanografia
ovos em desenvolvimento. Essas manchas sem penas no ventre são frequentemente encontradas somente
em um dos sexos que incubam os ovos: em cerca de 25% das espécies são as fêmeas, e em cerca de 5% são
apenas os machos, e em mais da metade das espécies de aves ambos os sexos cuidam dos ovos.
Muitos albatrozes e pinguins não apresentam essa mancha sem penas, mas sim uma cavidade
sem penas no ventre rodeada por penas extra densas, e que mantêm esse ovo acomodado de uma
maneira que o mesmo não role para os lados quando os adultos se levantam. Em um outro extremo de
temperatura para o calor, os adultos podem reduzir o tempo que chocam os ovos, podem gerar sombra
aos ovos com as asas, ou voarem a um local úmido para molhar sua plumagem e retornar ao ninho para
resfriá-los. Essa é mais uma característica do cuidado parental das aves em geral.
O período de incubação dos ovos varia geralmente de acordo com o peso dos mesmos. Dessa
forma, as aves de menor porte tendem a apresentar tempos mais curtos de incubação do que as de
maior porte. Albatrozes de maior porte, por exemplo, incubam seus ovos em média entre 75 e 82 dias.
Os machos dos pinguins-imperadores apresentam o maior período contínuo de incubação nas aves,
variando entre 62 e 67 dias, em pleno inverno antártico. Enquanto ele choca o único ovo gerado pela
fêmea, ela passa um período em que se alimenta no mar logo após a desova, para então retornar para
tomar conta do filhote já nascido, quando será a vez do macho seguir ao mar para se alimentar.
6.7 Nascimento
O nascimento das crias, marcado pela quebra da casca do ovo e abandono do mesmo, pode
levar entre alguns minutos, em aves de menor porte, até cerca de seis dias em algumas espécies de
albatrozes. O bico do ninhego apresenta um pequeno dentículo afiado, pontiagudo e calcário, que se
encontra na porção dorsal da maxila e o auxilia na quebra da casca aos poucos. Durante o processo de
incubação, os ovos tendem a se tornar mais fracos em função da absorção do carbonato de cálcio pela
cria em desenvolvimento. Há espécies em que, no dia em que abandona o ovo, o ninhego precoce já
se apresenta independente para seguir seus progenitores. E há outros casos, como nos albatrozes de
grande porte, em que se leva até 8-9 meses ou mais para o filhote se tornar independente dos pais.
7. Ameaças à sobrevivência
Foram dois os principais fatores propulsores para que a sobrevivência das aves marinhas
se tornasse cada vez mais ameaçada: o aumento populacional humano de forma exponencial e o
inadequado uso dos oceanos e das zonas costeiras, sem planejamento adequado, sem respeito ao meio
ambiente e sem conhecimentos sobre uma parte considerável da vida marinha.
O aumento populacional humano gera duas demandas que perturbam gravemente a saúde dos
oceanos: 1) a necessidade de explotar recursos marinhos vivos (pescado principalmente) em quantidades
cada vez maiores para gerar proteína de origem marinha a essa crescente população, e de recursos
não vivos (óleo e derivados principalmente) para alimentar economias mundiais baseadas em atingir
metas irreais e insustentáveis de um “Produto Interno Bruto”; e 2) a necessidade de prover empregos
e diversão a essa crescente população humana. Em paralelo, os produtos finais de muitas atividades
humanas em ambientes terrestres e aquáticos são representados pela poluição e contaminação do ar,
do solo e da água, afetando a própria qualidade de vida dos humanos.
618
Aves marinhas
Mas por que esse avanço emplacou a partir das décadas de 1960 e 1970? Principalmente pelo fato
de que a humanidade se tornou bastante dependente do uso da energia e dos subprodutos gerados pela
indústria do óleo explorado e explotado dos oceanos. E foi justamente naquele período mencionado
que se deu início a uma nova era de prospecção e explotação desse recurso, com o avanço de novas
tecnologias e consideráveis investimentos de capital por diversas nações incluindo o Brasil.
Aves marinhas e seus ovos serviram como fonte de proteína a diversas sociedades humanas que
habitaram regiões costeiras globalmente, incluído o litoral brasileiro, a exploradores que habitaram
ilhas remotas como escalas ou as tornaram colônias de países do hemisfério norte. Por acreditarem
que era um recurso abundante e infinito, essas sociedades consumiram aves marinhas encontradas
de forma vulnerável em seus ninhos em grandes colônias, assim como seus ovos depositados. É
praticamente impossível estimar o número de aves mortas e consumidas pelos humanos, pelo fato de
que essas capturas diretas não eram contabilizadas, tampouco deixaram restos e/ou provas que fossem
suficientes para avaliar as proporções dessa matança.
Define-se captura acidental como a captura não intencional de organismos não-alvo em operações
de pesca. Onde ela ocorre? Globalmente onde há ocorrência de megafauna marinha (elasmobrânquios,
tartarugas, aves e mamíferos marinhos) e petrechos de pesca. No caso das aves marinhas, ao se envolverem
com petrechos de pesca, como redes e espinhéis, quando estão submersas, elas tendem a morrer por
afogamento por não conseguirem voltar à superfície da água para respirar, ou têm seus tratos alimentares
perfurados por espinhéis. As aves marinhas aprendem facilmente a buscar os recursos marinhos, cada
vez menos disponíveis pela ação pesqueira globalizada, nas iscas utilizadas em pontiagudos espinhéis
para a captura de pescado, onde geralmente acabam sendo fisgadas pelos mesmos.
É uma tarefa bastante complexa avaliar as taxas de mortalidade de aves marinhas provocadas
pelas capturas acidentais em operações de pesca. O ponto crucial inicial é que, em quase toda
a sua totalidade, as atividades pesqueiras não são adequadamente monitoradas globalmente.
Tanto em relação às avaliações de produção pesqueira, condicionada ao entendimento dos ciclos
619
Noções de Oceanografia
de vida das espécies-alvo para seu manejo adequado, como em relação ao registro dos dados de
megafauna capturada. Neste segundo caso, a falta de uma política nacional adequada de pesquisa e
de conservação abre caminhos para a subnotificação pelas nações pesqueiras, ou para uma irrisória
notificação bastante distante da realidade dos fatos.
A comunidade pesqueira, geralmente sem ter acesso adequado às portarias e legislações vigentes,
por medo de punição se afasta de agentes do governo e de grupos de pesquisa e, quando questionada
sobre capturas acidentais de megafauna, na grande maioria dos casos prefere comentar que não ocorre
e/ou que nunca viu.
Além dessas interações diretas e indiretas com as capturas de aves marinhas, há que se
considerar os petrechos de pesca flutuantes, como redes e cabos com espinhéis, que vitimam milhares
de indivíduos anualmente por dificultarem sua natação (Fig. 14) e, consequentemente, matando-os
afogados pela fadiga.
620
Aves marinhas
Os desastres ambientais provocados pela contaminação de óleo e derivados nos oceanos são uma
constante rotineira. Esta fonte de poluição marinha e, a posteriori, do ar, será inesgotável enquanto a
humanidade depender amplamente da energia gerada por combustíveis fósseis.
Os processos de extração e transporte de óleo e derivados não são 100% seguros, estimando-se
que no século XXI os vazamentos são praticamente diários em escala global. Esses compostos químicos
irritam as mucosas das aves marinhas e, dependendo de sua densidade, dificultam ou impossibilitam
seus movimentos, impedindo-as de evitar a fonte poluidora.
Uma parte considerável dos produtos voláteis que compõem o óleo e seus derivados é tóxica
e ataca os pulmões das aves marinhas. Os componentes químicos dos derivados de óleo no meio
aquático contaminam o alimento a ser ingerido pelas aves marinhas e, em seguida, afetam seu estado
de saúde. Muitos deles compõem a base de alimentação de sociedades humanas.
O primeiro estágio envolve a ingestão acidental de itens plásticos de pequeno porte, como
tampas de garrafas pet, escovas de dentes e cápsulas não reutilizáveis de cafeteiras, que geralmente são
ingeridos como consequência da falta de alimento gerada pela sobrepesca humana. Restos plásticos
podem ser confundidos pelas aves marinhas por itens alimentares e, constantemente, são ingeridos
pelas mesmas. Além de poder provocar o bloqueio do trato digestório com consequentes danos à
saúde da ave que ingeriu o plástico, seu processamento pelo mesmo trato libera produtos tóxicos na
circulação sanguínea, debilitando a mesma. Ainda são desconhecidos os efeitos patológicos desses
compostos acumulados nas aves em médio a longo prazo.
O segundo estágio afeta toda a biota marinha, quando esses dejetos plásticos permanecem se
decompondo nos oceanos, liberando seus componentes tóxicos em longo prazo. Esses componentes
podem ser absorvidos pelos produtores primários e, destes, serem transferidos por toda a teia trófica
sem serem metabolizados, incluindo aqui uma parte importante da proteína animal representada por
peixes, moluscos e crustáceos, que compõe a dieta de cerca de 50 % da população humana. Como
mencionado aos petrechos de pesca, os restos de materiais plásticos podem provocar sufocamento e/
ou enforcamento de aves marinhas, também as levando a óbito.
621
Noções de Oceanografia
8. Conservação
Pesquisar e proteger aves marinhas é uma missão bastante complexa em função de suas amplas
áreas de vida. A dependência de uso de ecossistemas terrestres continentais e insulares para incubação
de ovos, tanto em zonas costeiras como oceânicas, bem como de extensas áreas de oceanos e estuários
para alimentação, torna as aves marinhas bastante vulneráveis às ações antrópicas recentes.
O que mais nós perdemos sem as aves marinhas nos oceanos? Junto com outras espécies
de vertebrados aquáticos de médio a grande porte, de dieta variada e de grande mobilidade, as aves
marinhas desempenham papel fundamental na manutenção da diversidade biológica, ao manter estáveis
as populações de suas variadas presas e, em consequência, as teias alimentares em que estão envolvidas.
Esses três papéis ecológicos são essenciais à própria sobrevivência humana, pela sua dependência de
recursos vivos de origem marinha. Perder as aves marinhas dos oceanos resultará em um efeito dominó,
que levará à perda de uma considerável diversidade biológica global, afetando a produção de oxigênio
pelos oceanos, que é responsável por ao menos metade desse gás vital que a humanidade consome.
622
Aves marinhas
As ações urgentes que devem ser tomadas pela humanidade estão centradas em mudança de
comportamento. Essa mudança deve ocorrer em escalas local, regional e global. Ela envolve uma série
de atitudes que devem mudar nossas rotinas em curto e médio prazo, para proporcionar condições
mínimas e adequadas para a vida neste planeta.
As políticas voltadas a enfrentar os agentes que geram declínios populacionais de aves marinhas
requerem acordos internacionais que sejam discutidos, planejados, instaurados e respeitados no
longo prazo. É necessário reduzir em larga escala e paulatinamente o uso e a nossa dependência de
combustíveis fósseis para gerar energia e nos transportes.
É urgente o investimento em formas limpas de energia, como as energias solar e eólica. É necessário
banir a produção e a distribuição de sacolas plásticas, bem como a produção de uma série de derivados de
plástico desnecessários à vida humana, e que podem ser substituídos por produtos sustentáveis.
Novas tecnologias para investigar padrões de distribuição, uso de área e descritores de aspectos
reprodutivos e alimentares mais refinados devem ser aplicadas globalmente, sempre que possível com
integração entre grupos de pesquisa que interajam com pesquisadores de outros países.
623
Noções de Oceanografia
Referências Bibliográficas
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624
Mamíferos marinhos
NOÇÕES DE OCEANOGRAFIA
Capítulo 28
MAMÍFEROS
MARINHOS
Marcos César de Oliveira Santos
625
Noções de Oceanografia
CITAÇÃO SUGERIDA: SANTOS, Marcos César de Oliveira. Mamíferos marinhos. In: HARARI,
Joseph (org.). Noções de Oceanografia. São Paulo: Instituto Oceanográfico, 2021. E-book. Cap.
28: p. 627-646.
626
Mamíferos marinhos
Mamíferos Marinhos
Marcos César de Oliveira Santos
Para evitar essa forma de agregar espécies de maneira equivocada, há séculos os cientistas
procuram criar critérios robustos que as agrupem da melhor forma possível. Com isso, surgiu o que
os cientistas chamam de categorias taxonômicas ou taxa, palavra em latim cujo termo em singular é
táxon. Cabe a este capítulo tornar claro aos leitores a necessidade em se reconhecer as diferenças entre
as categorias taxonômicas que compõem esse grupo zoológico artificial.
Desde as primeiras investidas voltadas à classificação e ordenamento dos seres vivos, tem sido
cada vez mais claro que esse exercício deve, necessariamente, passar pelo zelo em agrupar espécies
assemelhadas no tempo evolutivo, envolvendo ancestrais e seus descendentes. Com o advento da
tecnologia acoplada aos esforços científicos e à junção de expertise que envolve estudos realizados
por morfologistas, paleontólogos, geneticistas, dentre muitos outros profissionais, muitas mudanças
tomaram corpo para gerar as modernas classificações dos seres vivos.
Os organismos que viveram ou vivem no Planeta Terra são agrupados com base em uma miríade
de caracteres, e em função de suas histórias evolutivas. Assim chegamos aos mamíferos, por exemplo,
que são animais de sangue quente, que secretam leite materno fundamental para a sobrevivência de seus
filhotes e que apresentam pelos em ao menos uma fase do seu ciclo de vida. Humanos são mamíferos,
assim como cães domésticos, gatos, morcegos, baleias e golfinhos peixes-boi, focas, lobos-marinhos
e leões-marinhos. Pelas características descritas, aliadas a muitas outras, nós fazemos parte de um
grupo seleto de organismos que, aparentemente, ainda apresentam muitas diferenças entre si. Por isso
que existem as categorias taxonômicas. A partir desse agrupamento do que os taxonomistas chamam
de classe dos mamíferos, teremos subdivisões de grupos menores de organismos com características
similares, gerando outras categorias denominadas como ordem, infraordem, família, gênero e espécie.
O fato de muitas espécies de mamíferos utilizarem o meio aquático em alguma fase do ciclo
de vida, ou mesmo passarem a integridade de suas vidas em meio aquático, não representa motivo
suficientemente robusto para agrupar espécies em alguma categoria taxonômica.
627
Noções de Oceanografia
específicas. Nesse refinamento, as espécies que são geralmente incluídas na categoria artificial dos
“mamíferos marinhos” são agrupadas em ordens distintas, a saber: lontras, ariranhas, ursos-polares,
lobos e leões-marinhos e focas na ordem dos carnívoros; as baleias e os golfinhos na ordem dos
cetartiodactyla e subordem dos cetáceos; e os peixes-boi e dugongos na ordem dos sirênios.
Talvez não só o fato de utilizarem o meio aquático em parte de suas vidas ou integralmente em
suas vidas os reúnam em tal grupo. Costumo comentar com meus alunos que ainda acredito que
o “nível alto de fofura” dos representantes do grupo, que eu chamo cientificamente de “índice de
fofulência”, ajuda a reunir tantos animais charmosos e evolutivamente distintos em um só grupo
não taxonômico, sem utilidade prática.
O urso polar é incluído por passar parte considerável de sua vida sobre o mar congelado. No
caso das lontras marinhas, apesar de existir mais de uma dezena de espécies de lontras, apenas a
lontra marinha encontrada na costa oeste norte-americana e canadense tem recebido especial atenção.
Obviamente isto ocorre pelo fato de que a literatura popular sobre mamíferos “marinhos” é proveniente
desses dois países, que ignoram a existência de outras espécies de mustelídeos fora da América do Norte.
E aqui, há mais uma questão que deve ser levantada sobre o uso dos termos “mamíferos marinhos”.
Quase uma dezena das espécies é encontrada em água doce fora da América do Norte, e não
em água salgada. Temos exemplos clássicos na fauna de mamíferos encontrada no Brasil: a ariranha,
o boto-vermelho ou boto-cor-de-rosa, e o boto-tucuxi. Sendo assim, seria mais adequado agrupá-los
em uma categoria artificial denominada “mamíferos aquáticos”.
Neste capítulo, trataremos dos cetáceos, dos pinípedes e dos sirênios, os três principais grupos de
“mamíferos aquáticos” incluídos na categoria coletiva e artificial dos “mamíferos marinhos”. O objetivo
é que os leitores saibam diagnosticar os representantes de cada um desses grupos, compreendendo
aspectos sobre sua diversidade biológica, onde são encontrados no globo terrestre, e aspectos gerais de
morfologia, dieta e reprodução.
Também serão apresentadas informações sobre as origens evolutivas de cada um dos grupos para
que o leitor compreenda o que foi exposto até o presente momento em referência às diferenças entre
os mesmos. Para alcançar este objetivo proposto, cetáceos, pinípedes e sirênios serão tratados à parte.
Foto: Marcos Santos
628
Mamíferos marinhos
2. Cetáceos
Entre os três grupos anteriormente citados como representantes mais comuns na literatura, o
mais diversificado é o dos cetáceos. Nesse grupo encontramos os mamíferos que popularmente são
conhecidos como baleias, golfinhos, botos, toninhas, cachalotes e orcas. São 89 espécies reconhecidas,
das quais até o ano de 2020 tivemos notificação de 47 em águas brasileiras. Ocuparam todas as bacias
oceânicas e encontram-se atualmente em três bacias de água doce na América do Sul e na Ásia.
Apresentam a maior diversidade de formas e tamanhos, com grande plasticidade para ocupar nichos
dos mais diversos, sejam águas estuarinas, sejam águas oceânicas, sejam águas polares, ou mesmo a
imensidão da Amazônia. É sem sombra de dúvidas o grupo taxonômico, dentre os mamíferos, que
melhor se adaptou ao meio aquático, onde passam todo o seu ciclo de vida.
O mais incrível desse fascinante táxon de mamíferos é que, quando surgiram, os cetáceos possuíam
quatro patas, pelos por todo o corpo e vagavam em ambiente terrestre. Isso mesmo! Há cerca de 55 a 50
milhões de anos, animais semelhantes a lobos passaram a procurar alimento em um ambiente aquático
no chamado Mar de Thethys, aproximadamente onde hoje temos a junção entre a Europa e Ásia com a
África. Essa informação nos fazer compreender as razões pelas quais a evolução das espécies, seguindo
a conformação do Planeta Terra, foi fundamental para chegar às formas viventes atualmente. Todos nós
sabemos que o planeta sofreu mudanças em milhões de anos para alcançar a formação atual dos continentes
e das bacias oceânicas. Nos primórdios, o Planeta Terra era constituído por uma massa de terra chamada de
Pangeia (do grego pan = todo + gea = terra), cercada por um único oceano chamado Pantalassa. Em função
da movimentação de placas tectônicas, o planeta dividiu-se em Gondwana ao sul e Laurásia ao norte,
separados pelo Mar de Thethys. Foi justamente ali que surgiram os primeiros cetáceos.
Mas se esses cetáceos arcaicos tinham quatro patas, quem foram seus ancestrais? O que ocasionou
transformações tão marcantes em cerca de 55 milhões de anos de história evolutiva? Sugere-se que
o ancestral dos cetáceos era um quadrúpede conhecido como Condylarthra Mesonychidae. Esse
ancestral não somente representa a essência que fez surgir os atuais golfinhos e baleias, mas também
os hipopótamos, porcos, girafas, cabras e bois, dentre outros mamíferos terrestres que apresentam
número par de dedos nas patas. Eles são cientificamente conhecidos como “artiodactyla” (do grego
artios = número par + daktulos = dedo). Uma de suas principais características é apresentar o tarso
paraxônico, ou seja, apresentar um plano de simetria entre o terceiro e o quarto dedos.
Por incrível que pareça, os primeiros cetáceos arcaicos também apresentavam o tarso paraxônico,
pois também eram quadrúpedes, o que em anos recentes fez os cientistas criarem uma nova ordem
de mamíferos chamada de cetartiodactyla, que representa a fusão dos cetáceos com os artiodactyla.
Portanto, estudos baseados em morfologia e genética molecular têm apontado os hipopótamos como
os parentes mais próximos dos cetáceos atualmente viventes. Esses, ao longo do processo evolutivo,
tiveram uma perda secundária dos membros posteriores.
Uma linhagem do ancestral acima descrito, e que foi buscar alimento no Mar de Thethys altamente
produtivo, passou a encarar mudanças em sua morfologia na sequência dos anos. Houve deslocamento
das narinas da ponta do focinho para o topo da cabeça, redução quase completa de pelos, desaparecimento
dos membros posteriores, redução dos membros anteriores e transformação em nadadeira peitoral, e
surgimento de um pedúnculo caudal associado a uma nadadeira caudal formada por dois lobos para
maior eficiência na propulsão em ambiente aquático. Sobre os pelos, o leitor deve estar pensando onde se
encontram os pelos nos cetáceos atualmente viventes. Na maioria das espécies viventes, os pelos apenas
surgem no estágio embrionário e se concentram no rostro dos cetáceos (veja o que vem a ser o rostro
na descrição de morfologia mais à frente), sendo perdidos nos primeiros dias de vida. Eles deixam uma
629
Noções de Oceanografia
pequena marca nos exemplares juvenis, e que some com o tempo. Para as espécies de cetáceos com
barbatanas na boca para apreensão de alimento (ver adiante), eles se mantêm concentrados na região da
cabeça na vida adulta, e provavelmente têm função de captação de vibração de ondas do meio aquático.
Com essas transformações morfológicas que levaram alguns milhões de anos para ocorrer,
precisamos lembrar que os continentes continuavam a mudar suas conformações pela tectônica
de placas. Há cerca de 35 milhões de anos, passa a surgir no hemisfério sul uma corrente chamada
de “Corrente Circumpolar Antártica”. Ela praticamente gira ao redor do globo terrestre entre os
extremos da América do Sul, África e Oceania, funcionando como um eficiente veículo responsável
pelo aumento da produtividade biológica dos mares austrais. Naquela situação, temos a presença
de cetáceos arcaicos que já estão extintos, chamados de arqueocetos (Archaeoceti), cetáceos que
apresentavam cerdas bucais para apreensão de alimento que deram origem às baleias atualmente
viventes e chamados de misticetos (Mysticeti), e cetáceos que apresentavam dentes para apreensão de
alimento que originaram os golfinhos atualmente viventes e chamados de odontocetos (Odontoceti).
Hoje são 89 espécies reconhecidas, número que o leitor perceberá que varia consideravelmente
quando são comparadas diferentes fontes literárias. Essa variação se explica pelas datas de publicação
das obras e o conhecimento existente naquelas ocasiões, assim como nas divergências entre cientistas
sobre a descrição e redescrição de novas espécies a partir das que se conheciam.
Nos dias atuais, os representantes dos cetáceos apresentam uma variação de formas impressionante
ao se considerar um único táxon de organismos viventes. Ao se comparar o maior e o menor cetáceo
vivente, temos a baleia-azul (Fig. 1) com 32 m de comprimento e alcançando cerca de 190 ton quando
adulta em um extremo, e a o golfinho-de-Hector, pequeno golfinho encontrado na Nova Zelândia,
com 1,4 m e 60 kg quando adultos.
FIGURA 1. Esqueleto de uma baleia-azul (Balaenoptera musculus) comparado ao autor deste capítulo na
foto. Foto: Acervo LABCMA.
630
Mamíferos marinhos
É uma variação de 19 vezes em tamanho e 3.160 vezes em peso. A baleia-azul ainda é considerada
como o maior organismo que viveu no Planeta Terra em toda a sua história. Ao longo da evolução,
o fato dos cetáceos não mais dependerem de sustentar estruturas esqueléticas em substrato firme em
função da força da gravidade fez com que eles atingissem proporções corpóreas colossais. Por outro
lado, quando por algum motivo quaisquer das espécies de cetáceos encalham em praias, possivelmente
o destino é a morte, já que todo o peso do corpo recai nos pulmões e caixa torácica, complicando a
respiração e o funcionamento de funções vitais à sobrevivência.
O número, o padrão de coloração e o tamanho das placas de barbatanas variam entre as diferentes
espécies de misticetos, servindo como diagnóstico para identificar espécies. Cada placa de barbatana
tem suas extremidades franjadas para apreender o alimento no interior da boca. Ao colocar uma
grande quantidade de água ou lodo com alimento na boca, os misticetos pressionam o palato ou céu
da boca com a língua, fazendo com que a água ou lodo sejam eliminados para o meio externo pelas
frestas existentes entre as placas de barbatanas e pela comissura bucal. O alimento fica aprisionado nas
franjas das cerdas bucais e, com a língua, os misticetos carregam o mesmo para a faringe.
Outra característica que diferencia os misticetos dos odontocetos reside no fato dos primeiros
apresentarem dois orifícios respiratórios, e os demais apenas um. Ambos apresentam dois canais nasais que
partem dos pulmões para o topo da cabeça. Entretanto, em função de um processo de compactação dos
ossos do crânio nos odontocetos para acomodação de uma estrutura chamada de melão envolvida com o
processo de ecolocalização, há apenas uma comunicação respiratória ao meio externo no topo da cabeça.
Os odontocetos apresentam dentes (Fig. 2) para apreensão de alimento. Esses dentes variam
em número, tamanho e em forma, aspectos que também servem para que os investigadores consigam
distinguir diferentes espécies. Apenas uma dentição se faz presente ao longo do ciclo de vida dos
odontocetos. Este fato possibilita aos investigadores estimar a idade desses cetáceos por meio de
confecção de lâminas histológicas, ao se fazer cortes longitudinais nos dentes coletados de animais
mortos e de vivos capturados para este fim. Há uma deposição anual de camadas de dentina no interior
dos dentes dos odontocetos, indicando assim suas idades. Os odontocetos se alimentam principalmente
631
Noções de Oceanografia
de peixes e lulas, sendo observadas dietas específicas por parte de algumas populações de algumas
espécies, como algumas orcas que se alimentam de animais de sangue quente como pinguins, pinípedes,
golfinhos e baleias. Os dentes dos odontocetos têm crescimento contínuo e são gastos com o atrito com
o alimento, tonando-se rasos nos exemplares idosos, quando a taxa de crescimento deve ser reduzida.
FIGURA 2. Comparação entre as principais estruturas bucais utilizadas para captura de presas pelos
misticetos (baleia-franca-do-Atlântico-norte, Eubalaena glacialis) (A) e pelos odontocetos (golfinho-
nariz-de-garrafa, Tursiops truncatus) (B). Fotos: Marcos Santos.
Uma notável diferença entre odontocetos e misticetos reside no fato de que, apenas nos primeiros,
o processo de ecolocalização é conhecido. Esse processo está relacionado com a produção e emissão de
ondas sonoras ao meio para detecção de presas, predadores, obstáculos e congêneres. Seria o mesmo
processo envolvido em sonares de embarcações e emitido pelos morcegos.
Anatomicamente, os odontocetos têm uma grande diferença quando comparados aos misticetos,
que é representada pela presença do melão, uma estrutura composta por gordura que se encontra à
frente do orifício respiratório e sobre o crânio dos mesmos. A gordura é um excelente meio condutor
de ondas sonoras, e facilita a propagação do som produzido pela ação muscular do canal nasal que
pressiona o ar ali contido, gerando som. Seria o mesmo processo de pressionar a saída do ar de bexigas
utilizadas em festas de crianças e emitir som gerado pelo atrito do ar com as paredes do canal de
saída das bexigas. Esse som emitido segue ao ambiente externo, bate em obstáculos e retorna aos
odontocetos que não possuem pavilhão auditivo para captar o som. O pavilhão auditivo causaria atrito
com a água e atrapalharia em seu deslocamento. O som segue por um canal de gordura encontrado
na mandíbula dos odontocetos e que está conectado ao ouvido interno. Do ouvido interno os sinais
sonoros são processados no cérebro. Aqui os cientistas não sabem ao certo se há uma decodificação
de ondas sonoras em imagens, ou em sinais que os odontocetos aprendem a decifrar com o tempo e
suas experiências utilizando seu sonar. Cabe aqui esclarecer que há dois tipos principais de emissões
sonoras: os assobios, utilizados para comunicação entre indivíduos, e os cliques de ecolocalização,
relacionados com a localização no espaço físico.
É possível que esse avançado sistema de localização tenha tornado os odontocetos os mamíferos
que mais sucesso obtiveram na reconquista do meio aquático. Neste meio, utilizar racionalmente e
eficientemente o som torna-se a chave para o sucesso. A luz tem penetração restrita no meio aquático,
limitando o uso da visão. O olfato dos cetáceos é considerado inexistente, com potencialidade para
detecção de características do meio com o uso de papilas gustativas. Assim sendo, o uso do som torna
a audição o sentido mais importante para os cetáceos no ambiente aquático. Na água, o som se propaga
cinco vezes mais rapidamente do que no ar, sendo um instrumento primordial para comunicação e
632
Mamíferos marinhos
localização. O fato dos misticetos não apresentarem a estrutura do melão não quer dizer que eles não se
comunicam. Sabe-se que baleias-jubarte emitem sons estruturados chamados de canções em áreas de
reprodução e cria de filhotes (ver a seguir). Se elas não apresentam estruturas como o melão, como esses
sons são emitidos? Os estudos realizados até o presente momento indicam que há vibração da laringe
dos misticetos, que deve ter papel importante na emissão de sons para comunicação e, possivelmente,
localização. Nota-se que, em pleno século XXI, ainda há muito a se conhecer envolvendo esses leviatãs
do mundo aquático. E quem são esses leviatãs?
A família Balaenopteridae é a que se constitui pelo maior número de representantes. São oito
espécies no total considerando a baleia-azul, a baleia-fin, a baleia-sei, a baleia-de-Bryde, a baleia-de-
Omura, a baleia-jubarte, e duas espécies de baleias-minke. Com exceção da baleia-de-Bryde, as demais
espécies realizam movimentos migratórios entre as regiões polares e subpolares, onde se concentram
em uma parte do ano (verão) para se alimentar, e as regiões tropicais e subtropicais, onde se concentram
em outra parte do ano (inverno) para reproduzirem e gerar filhotes. Um filhote é gerado por gestação
para todos os cetáceos. Os períodos de gestação variam de espécie para espécie entre sete e 17 meses.
Uma das características morfológicas que possibilita aos misticetos migrar entre polos e trópicos
é a presença de uma camada de gordura revestindo o corpo internamente e chamada de “blubber”, em
língua inglesa. Os odontocetos também possuem o “blubber”, porém nos misticetos a espessura sempre
é maior do que nos odontocetos. O “blubber” tem três funções vitais para os cetáceos: 1) auxilia na
flutuabilidade; 2) é uma reserva de energia para períodos críticos sem alimento; e 3) atua como um
isolante térmico da temperatura externa, sempre menor do que a temperatura corpórea dos cetáceos.A
baleia-de-Bryde é um rorqual que chega a cerca de 15 m de comprimento quando adulta, e não se
encontram registros em águas polares e subpolares. Há suspeitas de que elas realizem movimentos
longitudinais nos trópicos e subtrópicos. Na costa brasileira é comum encontrá-la no litoral paulista e
fluminense, geralmente associada a áreas de ressurgência.
alcança até 1/3 do seu comprimento total de 15 m, ou seja, chegam a 5 m de comprimento. Por isso
seu nome científico é Megaptera novaengliae, que significa “asas imensas da Nova Inglaterra” (do
latim, mega = imenso + pterus = asa).
Outras duas famílias de misticetos são monoespecíficas, ou seja, constituídas cada uma
delas por uma espécie só. Elas não têm representantes registrados na costa brasileira. A família
Eschrichtiidae é representada pela baleia-cinzenta, que só ocorre no Oceano Pacífico, e a família
Neobalaenidae é representada pela baleia-franca-pigméia, que ocorre apenas no hemisfério sul. Os
membros desta família chegam a medir 6 m de comprimento quando adultos e ainda são pouco
conhecidas. As baleias-cinzentas chegam a atingir 15 m de comprimento quando adultas, e são os
únicos misticetos a se alimentar de crustáceos encontrados no substrato lodoso. Ambas espécies
não apresentam sulcos ventrais e sim ranhuras na porção ventral e anterior do corpo que não se
expandem como os sulcos dos rorquais.
Outra espécie de baleia muito conhecida dos brasileiros é a baleia-franca (Fig. 4). Esta baleia
pertence à família Balaenidae, que por sua vez é composta por quatro espécies: a baleia-franca-austral,
único representante do hemisfério sul, a baleia-franca-do-Atlântico-norte, a baleia-franca-do-
Pacífico-norte e a baleia-da-Groenlândia. Essas baleias são lisas no ventre, ou seja, não apresentam
sulcos ventrais. A base da dieta dessas baleias se concentra no zooplâncton, que é filtrado pelas cerdas
bucais ao se deslizarem na superfície ou na coluna d’água.
As três espécies de baleias-franca apresentam calosidades na região da cabeça, que são utilizadas
como diagnóstico para identificar indivíduos. Essas calosidades são protuberâncias de pele como se
fossem nossas verrugas. Outra estrutura da morfologia dos representantes desta família e que servem
de diagnóstico é a nadadeira peitoral em forma de trapézio. Na idade adulta, as baleias-franca chegam
a 15 m, enquanto as baleias-da-Groenlândia chegam a 20 m de comprimento. Nos meses de inverno
e primavera é comum encontrar uma grande concentração de baleias-francas-austrais (Eubalaena
australis) no litoral sul de Santa Catarina. Ali se concentra uma das áreas de reprodução e cria desta
espécie no hemisfério sul. Nos mesmos meses, há registros da mesma espécie até o litoral sul da Bahia,
o que pode representar uma expansão da área de reprodução.
Uma curiosidade importante, e que precisa ser esclarecida aos leigos, é que esta espécie tem
preferência de uso de águas rasas na costa da América do Sul. Quando visitam a costa brasileira,
634
Mamíferos marinhos
tendem a passar dias concentradas próximas à zona de arrebentação de ondas, quando em muitas
ocasiões chegam a apoiar a nadadeira caudal no substrato. Leigos se desesperam e fazem grande alarde
para “salvar” as baleias-franca de um encalhe eminente. Sua história de vida mostra que esta é uma
das espécies com menor incidência em registros de encalhes na costa brasileira, justamente porque se
adaptaram muitíssimo bem a repousar nas águas rasas ao longo de sua evolução. O que mais preocupa
em relação à sua segurança não é a possível eminência do encalhe, mas sim as atitudes geradas pela
ação de moradores locais no intuito de espantar a baleia de onde está tranquilamente descansando,
podendo gerar colisão da embarcação com a baleia com injúrias a humanos e ao cetáceo. Portanto, o
melhor a se fazer é contemplar à distância, evitando-se aproximação indevida e suicida.
Apresentar os odontocetos é uma tarefa mais difícil. São dez famílias descritas recentemente,
sendo que uma, a família Lipotidae, foi considerada extinta em 2007. Esta família era monoespecífica
e era representada pelo Baiji, Lipotes vexillifer, pequeno golfinho encontrado em uma bacia de água
doce na China. A utilização desordenada e irracional daquela bacia aquífera pelos humanos gerou a
extinção desta espécie. Ao final deste capítulo, o leitor entenderá como os humanos estão levando
gradativamente uma grande parte dos cetáceos à extinção.
Das famílias remanescentes, cabe aqui ilustrar apenas algumas delas e as espécies mais
importantes ao conhecimento pelos brasileiros. Os cachalotes (Physeter macrocephalus), famosos pela
obra de Herman Melville conhecida como “Moby Dick”, são os representantes únicos da família
Physeteridae. Nessa espécie é possível notar o que os cientistas chamam de dimorfismo sexual, ou
seja, distinção do sexo entre adultos pelo porte. Os machos chegam a 18,5 m de comprimento quando
adultos, enquanto as fêmeas não passam dos 13 m.
Dos demais odontocetos, costuma chamar a atenção o narval, cetáceo que atinge até 4 m de
comprimento quando adulto sem contar um dente que parte da região frontal do crânio para o meio
635
Noções de Oceanografia
externo. Este dente chega a cerca de 2,7 m de comprimento e é mais comum em machos. Há raros
registros de fêmeas que apresentam este dente, e há casos de registros de machos com dois dentes
exteriorizados. Por essa morfologia estranha aos humanos, os narvais ficaram conhecidos como os
unicórnios-do-mar. Eles ocorrem apenas no hemisfério norte em águas polares e subpolares. Lá eles
compartilham espaço com as belugas, odontocetos de coloração esbranquiçada quando adultos, e que
chegam até 5 m de comprimento. As belugas são conhecidas como os “canários do mar”, em função
de seu particular repertório sonoro que se assemelha a cantos de aves.
Outros odontocetos que pouco conhecemos são chamados de baleias bicudas. São 21 espécies
conhecidas até o presente momento que têm preferência por utilizar águas pelágicas. O rostro dessas
baleias é estreito e a mandíbula costuma ser mais extensa do que a maxila. Assim como os cachalotes, são
excelentes mergulhadores, podendo permanecer até 120 minutos sob a superfície da água sem respirar.
O número, a forma e a posição dos dentes na boca servem de diagnóstico entre as espécies, sendo que
a maioria delas apresenta dentes apenas na mandíbula e reduzidos a um ou dois pares. O tamanho
dos adultos varia entre 3,5 m até 10 m. As baleias bicudas se alimentam principalmente de lulas que
são sugadas quando ingeridas. Essas espécies ainda representam um mistério ao conhecimento dos
cetáceos em função da dificuldade de acesso para estudo da maior parte das espécies. São os melhores
mergulhadores em profundidade no planeta, alcançando a marca de quase 3000 metros.
FIGURA 5. Exemplar de orca (Orcinus orca) avistado ao largo de Ilhabela, São Paulo, em dezembro de
2012. Foto: Marcos Santos.
636
Mamíferos marinhos
Dentre os delfinídeos precisamos enfatizar o boto-cinza (Sotalia guianensis) (Fig. 6), espécie
de cetáceo mais comum na costa brasileira. Ocorrendo do Amapá até Santa Catarina, o boto-cinza
é endêmico das Américas do Sul e Central, onde ocorre até Honduras. Chega a cerca de 2 m de
comprimento quando adulto e é encontrado principalmente em baías e estuários. Tem comportamento
arisco quando da aproximação de pessoas e de embarcações. Há regiões onde é facilmente observado,
como a baía norte e a baía da Babitonga em Santa Catarina, o estuário de Paranaguá no norte do
Paraná, o estuário de Cananéia no sul do Estado de São Paulo, as baías de Paraty, Ilha Grande,
Sepetiba e Guanabara no Rio de Janeiro, e a praia do Pipa no Rio Grande do Norte.
FIGURA 6. Par formado por fêmea e filhote de boto-cinza (Sotalia guianensis) no estuário de Cananéia,
São Paulo. Foto: Marcos Santos.
Há uma espécie muitíssimo parecida com o boto-cinza, porém de porte menor e apenas
encontrada na bacia Amazônica: o boto-tucuxi (Sotalia fluviatilis). O tucuxi chega a 1,7 m de
comprimento quando adulto e também é arisco quanto à aproximação de humanos. Até 2007, o boto-
cinza e o tucuxi eram considerados como pertencentes a uma mesma espécie, porém estudos baseados
em genética molecular separaram as mesmas em duas espécies distintas.
637
Noções de Oceanografia
Por fim, cabe destacar mais duas famílias de odontocetos que têm muita importância em águas
brasileiras. A toninha (Pontoporia blainvillei) (Fig. 7), chamada de franciscana no Uruguai e Argentina,
é um pequeno odontoceto que chega a 1,8 m de comprimento quando adulta. Ela ocorre do Espírito
Santo até o norte da Argentina, sendo uma espécie endêmica da América do Sul. A toninha tem
coloração parda e caracteriza-se por apresentar um longo rostro e olhos de tamanho reduzido. Ela
é a única representante da família Pontoporiidae. Muitíssimo arisca com relação à aproximação de
humanos, a toninha tem preferência por ocorrer em águas costeiras, rasas e turvas. Há duas regiões
estuarinas onde podem ser encontradas ao longo de todo o ano no Brasil: a Baía de Babitonga em
Santa Catarina e a Baía das Laranjeiras no norte do Paraná.
FIGURA 7. Toninha (Pontoporia blainvillei) fotografada na Baía das Laranjeiras, norte do Paraná no ano de 2008,
quando uma população foi descrita pela primeira vez para as águas estuarinas locais. Foto: Marcos Santos.
Após essa descrição superficial das principais espécies de cetáceos, o leitor poderia questionar:
onde podemos encontrar misticetos e odontocetos? A pequena diversidade e os maiores estoques
dos misticetos estão concentrados no hemisfério sul em função da formação do Oceano Austral no
tempo, e pelo simples fato de que há mais áreas navegáveis no hemisfério sul do que no norte, onde os
continentes ocupam mais espaço.
Todos os misticetos estão adaptados a viver em todas as bacias oceânicas. Uma parte
considerável deles realiza movimentos migratórios e irão ocupar faixas distintas dos oceanos
de acordo com a estação do ano no hemisfério em que se encontram. Já os odontocetos, como
mencionado anteriormente, irão ocupar bacias oceânicas seja em águas estuarinas, costeiras ou
pelágicas, além de três bacias de água doce. A diversidade dos estoques se concentra em áreas de
ressurgência situadas nos trópicos e subtrópicos.
638
Mamíferos marinhos
3. Sirênios
Como ocorreu com os cetáceos, os sirênios surgiram a partir de exemplares quadrúpedes que
passaram a utilizar o Mar de Thethys há cerca de 50 milhões de anos. Com origem sugerida para
onde atualmente se encontra a Jamaica (gênero do fóssil: Prorastomus) e o Egito (gênero do fóssil:
Protosiren), os sirênios passaram a buscar alimento em rios e estuários férteis. O ponto crucial que
os diferenciou dos cetáceos ao longo do período evolutivo foi que ancestrais e descendentes foram
primariamente herbívoros. Este hábito fez com que a maioria das espécies ancestrais e todas as
quatro espécies viventes tivessem suas distribuições restritas a águas rasas.
As quatro espécies viventes se dividem em duas famílias: Trichechidae (com três espécies) e
Dugongidae (com uma espécie). Os adultos podem chegar entre 2,8 m e 4,5 m de comprimento.
Nenhuma delas tem nadadeira dorsal e uma das formas de distinguir as famílias se dá pela morfologia
da nadadeira caudal: nos Trichechidae ela é unilobada e nos Dugongidae ela é bilobada. A presença
ou ausência de unhas também difere entre as espécies como será mostrado adiante.
639
Noções de Oceanografia
A família Dugongidae é representada pelo Dugongo (Dugong dugon). Esta espécie ocorre
apenas nos oceanos Índico e Pacífico, nas regiões costeiras da África, Ásia e Austrália. Ela chega
a 3,3 m de comprimento quando adulta e não apresenta unhas nas nadadeiras peitorais. Um
representante desta família foi extinto pelos humanos em apenas 27 anos após ter sido descrita. A
vaca-marinha-de-Steller (Hydrodamalis gigas) foi descrita em 1741 por Vitus Bering durante uma
expedição russa ao Alasca, na época chamada de “terra incognita”.
No dia 10 de agosto de 1741, Bering afirma ter se deparado com um animal desconhecido
(“unusual animal”) que chegava a 8 m de comprimento e era lento em seu deslocamento. Desbravadores
interessados em explorar a nova fonte de proteína animal descobriram uma grande concentração
de gordura representada pelo “blubber”, também encontrado nos cetáceos. A caça de um mamífero
dócil foi intensa e perdurou até 1768, quando a vaca-marinha-de-Steller foi considerada extinta.
Algumas características morfológicas dos sirênios são muito interessantes. Por exemplo, como
se tratam de pastadores, seus dentes são adaptados para este hábito alimentar. Eles apresentam de
cinco a sete dentes funcionais por ramo mandibular e maxilar, e esses dentes apresentam crescimento
contínuo, sendo gastos com o tempo. Apenas o dugongo tem um par de dentes incisivos que serve
para cortar vegetais associados ao fundo, além de acídias e poliquetas.
4. Pinípedes
Como mencionado no início deste capítulo, os pinípedes pertencem à ordem Carnivora, subordem
Caniformia. Têm origem evolutiva muito mais recente, quando comparados a cetáceos e sirênios, e não
passam toda a vida em ambiente aquático. Seus ancestrais datam de cerca de 27 a 25 milhões de anos,
descendentes de um grupo de organismos viventes semelhantes aos pinípedes modernos e chamados de
Pinnipedimorpha. Supõe-se que o centro de origem e dispersão se deu nas proximidades do que hoje é
o Oregon nos Estados Unidos, havendo algumas controvérsias sobre o tema.
640
Mamíferos marinhos
pinípedes tiveram sucesso na ocupação das altas latitudes, próximos às calotas polares em águas polares
e subpolares. Há menos registros de colônias em regiões tropicais e subtropicais.
Ao longo da evolução, duas espécies tiveram suas distribuições limitadas a lagos separados do
oceano na Europa e na Ásia pela movimentação das placas tectônicas: a foca-do-lago-Baikal (Pusa
sibirica) e a foca-do-Mar-Cáspio (Pusa caspica).
Apresentam uma menor diversidade biológica, quando comparados aos cetáceos, representados
por 35 espécies viventes. A plasticidade em formas e tamanhos também é menor, quando comparada
aos cetáceos. O macho de elefante-marinho chega a 4 m de comprimento total e a pesar 2,5 ton
quando adulto, enquanto o menor pinípede, a foca-do-lago-Baikal, chega a medir 1,5 m e a pesar 70
kg: 2,5 vezes menor e 35 vezes mais leve.
São conhecidas apenas três famílias de pinípedes: Odobenidae, representada por uma espécie,
Phocidae, representada por 19 espécies, e Otariidae, representada por 15 espécies. Como comentado
aos cetáceos, esses números devem variar de acordo com a referência bibliográfica consultada. As
diferenças diagnósticas para estas famílias se concentram em aspectos relacionados à pelagem, fórmula
dentária, presença ou ausência de pavilhão auditivo, e apoio ou não aos membros anteriores quando
se deslocam em meio terrestre.
A família Odobenidae é representada pelas morsas, aqueles pinípedes que apresentam dois dentes
caninos exteriorizados. Sim, é o famoso personagem “Leôncio” do desenho do Pica-Pau. As morsas
têm distribuição restrita ao hemisfério norte em uma extensa área circundando o Ártico. Machos são
geralmente maiores que as fêmeas e chegam a 3,5 m e a pesar 1,5 ton. Os dentes exteriorizados servem
para procura e captura de bivalves no substrato, seu principal item alimentar. Os dentes também são
utilizados nas suas interações sociais, e como suporte para subir em panquecas de gelo. Os filhotes
nascem sem os dentes exteriorizados que crescem e aparecem na fase juvenil. As morsas se apoiam em
membros anteriores para se locomoverem no substrato terrestre e não apresentam pavilhão auditivo.
Sua pelagem é reduzida e suas unhas são vestigiais.
641
Noções de Oceanografia
FIGURA 9. Uma das diferenças básicas entre um Otariidae (A) e um Phocidae (B). Nota-se a o apoio nos
membros anteriores no exemplar de lobo-marinho-subantártico, Arctocephalus gazella, e o hábito
rastejante em mesmo substrato do pelo elefante-marinho-do-sul, Mirounga leonina. Fotos: Marcos Santos.
A família Otariidae é representada por lobos e leões-marinhos. Eram esses os artistas que
povoavam circos fazendo malabarismos com bolas de plástico no passado, e que eram cunhados
de maneira muitíssimo equivocada como focas. Ainda nos dias de hoje, quando a mídia comenta
em malabarismos com bolas, acaba por utilizar o termo equivocado de foca. Leões-marinhos são
distinguidos dos lobos pela pelagem adensada que os machos adultos apresentam na região do “pescoço”
e que se assemelha a uma juba de leão. São 16 espécies divididas em sete gêneros, sendo o gênero
Arctocephalus representado por oito espécies. Os otarídeos apoiam-se nos membros anteriores para se
deslocar (Fig. 9), têm pelagem densa, pavilhão auditivo (Fig. 10) e unhas vestigiais. Representantes
dessa família são encontrados em áreas polares, subpolares, temperadas, subtropicais e tropicais.
FIGURA 10. Outra das diferenças básicas entre um Otariidae (A) e um Phocidae (B). Nota-se a presença
do pavilhão auditivo no exemplar de lobo-marinho-subantártico, Arctocephalus gazella, e a ausência do
mesmo na foca-de-Weddell, Leptonychotes weddellii. Fotos: Marcos Santos.
Apenas duas das 35 espécies formam colônias de alimentação e descanso no sul do Brasil:
o lobo-marinho-sul-americano (Otaria flavescens) e o lobo-marinho-de-dois-pelos (Arctocephalus
australis). Para a região Sul e Sudeste do Brasil, com notificações esporádicas no Nordeste, há uma
tendência em se reportar registros entre o outono e a primavera, quando indivíduos são trazidos em
função do aporte de correntes e ventos fortes e mais constantes. Até 2020, foram registradas oito
espécies no país: o lobo-marinho-sul-americano (O. flavescens), o lobo-marinho-de-dois-pelos (A.
australis), o lobo-marinho-subantártico (A. tropicalis), o lobo-marinho-antártico (A. gazella), a foca-de-
Weddell (Leptonychotes weddellii), a foca-leopardo (Hydrurga leptonyx), a foca-caranguejeira (Lobodon
carcinophaga) e o elefante-marinho-do-sul (Mirounga leonina). Indivíduos de determinadas espécies
que não ocorrem em águas brasileiras serão denominados como “vagantes” ou “exploradores” (“stray”
em língua inglesa) de suas áreas de distribuição originais.
642
Mamíferos marinhos
5. Ameaças e conservação
Em função de nosso irracional uso dos ambientes aquáticos, principalmente após a Revolução
Industrial, cetáceos, sirênios e pinípedes encontram-se ameaçados em praticamente todas as bacias
em que ocorrem. Historicamente, o homem moderno os explorou como fonte de alimento, óleo ao
processar o “blubber”, pelagem, dentre outros produtos. Com essa ação, reduzimos praticamente todos
os estoques populacionais, levando algumas espécies à extinção (ex.: vaca-marinha-de-Steller) e outras
à beira da extinção (ex.: baleia-franca-do-Atlântico-norte e vaquita). Não contentes com isso, povoamos
os mares e rios com extensas dimensões de redes de pesca que podem cobrir o planeta por quatro vezes
se unidas. Essas redes não só reduziram consideravelmente os estoques de pescado para o próprio
consumo humano, mas também para consumo dos cetáceos e pinípedes. Em paralelo, acidentalmente,
esses mamíferos acabaram se emaranhando nas redes e morrendo afogados. Há estimativas anuais de
600 mil “mamíferos marinhos” mortos em operações de pesca por ano no Planeta Terra (Fig. 11).
Ainda não contentes, reduzimos o habitat das espécies encontradas em rios, ocupando suas
áreas com residências, hidrelétricas, reservatórios, explotações de metais, dentre outras ações. Em
consequência lógica, nós poluímos a residência desses mamíferos. Ainda não contentes, em nossa
história tão curta e insignificante no Planeta Terra, nós decidimos que os oceanos e os rios devem ser
o depósito dos nossos esgotos que não suportamos ter em casa.
643
Noções de Oceanografia
Além das nossas excretas, lançamos nesses ambientes aquáticos todos os produtos tóxicos à
nossa saúde que queríamos longe de nós: metais pesados e organoclorados. Claro que fomos descobrir
apenas em anos recentes que essa contaminação toda volta a todos nós quando consumimos pescado,
e que uma parte considerável desses compostos é cancerígena.
Resolvemos, em um dado momento de nossa história, que cruzar mares navegando é uma ótima
forma de lazer e de se fazer comércio entre nações. Afetamos a saúde de oceanos e rios de outra forma:
com a poluição sonora! Estamos gerando ruído suficiente para quebrar a comunicação entre cetáceos,
pinípedes e sirênios, além de conseguirmos, em alguns casos, provocar trauma auditivo, levando-os à
morte. Com números cada vez maiores de embarcações, começamos a atropelar esses mamíferos (Fig.
12), levando-os à morte ou incapacitando-os, tornando-os alvos fáceis a seus predadores. Recentemente,
estamos descobrindo que nossos hábitos devem ter relação com um aumento não esperado da temperatura
do planeta, com consequente desequilíbrio nas teias tróficas marinhas e de água doce.
FIGURA 12. Filhote de toninha (Pontoporia blainvillei) após atropelamento por embarcação no litoral norte
do Estado de São Paulo. Notar machucado gerado pela hélice no rostro, e marcas indicativas da presença
do pelo comum em filhotes nas primeiras semanas de vida. Foto: Marcos Santos.
Depois de estarmos cientes de tudo isso, continuamos a pensar em aumentar o “Produto Interno
Bruto” das nações a todo custo, doa a quem doer, desapareçam as espécies que tenham que desaparecer.
Contentemo-nos com uma fauna pobre, composta por pombos, pardais, bagres, e liquidemos toda
a beleza que a evolução nos presenteou. Liquidemos a nós mesmos! Esse é o caminho que estamos
traçando. Se quisermos mudar esse rumo, temos que começar já. Temos que investir em mudança de
hábitos. Para a espécie humana, esse será o desafio do século XXI. Se não mudarmos nossos hábitos
agora, estaremos sujeitos a viver em um mundo contaminado, repleto de pragas e doenças, com
praticamente nenhuma qualidade de vida.
644
Mamíferos marinhos
Cetáceos, pinípedes e sirênios são mamíferos carismáticos. Suas imagens podem ser utilizadas
para convencimento (Fig. 13). Precisamos investir em proteção de grandes ecossistemas em que
esses mamíferos se encontram. Campanhas envolvendo a defesa de baleias e golfinhos tendem a
proteger, em consequência, estoques pesqueiros, por exemplo. Essa é uma das estratégias para mudar
os hábitos de humanos.
Outra estratégia reside em investir em pesquisa científica adequada. Saber investir em uma área
do conhecimento que ajude a avaliar as magnitudes e as extensões dos impactos antrópicos nos cetáceos,
pinípedes e sirênios é prioritário. Em paralelo, conhecer com detalhes as informações de densidade,
hábito alimentar, reprodução, dentre outros aspectos é necessário para entender as consequências
das ações humanas. Só excesso de amor e carinho aos mamíferos comentados não é suficiente. Pelo
contrário, muitas vezes atrapalha, pois muitas ações voltadas a protegê-los são dotadas apenas de um
radicalismo desnecessário que só atrapalha o caminho árduo e de longo prazo a ser investido.
Ao compreender as ações das fontes de impactos sobre os mamíferos, as primeiras ações devem
visar suas mitigações para possível interrupção no futuro. Como todo o processo envolve diferentes
atores, a estratégia ideal no século XXI envolve uma ação de manejo participativo, ou seja, colocar à mesa
todos os interessados: os explotadores e os atores interessados em conservação da natureza. É importante
que se trabalhe em cima de bons argumentos. Apenas o apreço pela “fofulência” desses seres não serve!
É importante entender seu papel na teia trófica, seu valor econômico no que tange a contemplação,
seu papel na cadeia de detritos, as suas características ímpares conhecidas, e o fato deles representarem
geralmente os melhores indicadores biológicos da qualidade do meio em que se encontram.
Os que visam a conservação de cetáceos, pinípedes e sirênios, devem ser inteligentes o suficiente
para entender que esses organismos dependem de área de vida de grandes dimensões e que, caso
seus esforços não contemplem a conservação de ecossistemas como um todo, suas iniciativas estarão
fadadas ao fracasso. Portanto, mãos à obra! A leitura deste capítulo pode ter representado o primeiro
de muitos passos.
FIGURA 13. Nadadeira caudal de baleia-jubarte (Megaptera novaeangliae) na Península Antártica: uma
simbologia na luta pela conservação dos oceanos. Foto: Marcos Santos.
645
Noções de Oceanografia
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646
Ecologia do bentos marinho
NOÇÕES DE OCEANOGRAFIA
Capítulo 29
ECOLOGIA DO
BENTOS MARINHO
Thaïs Navajas Corbisier, Márcia Regina Denadai,
Tito Monteiro da Cruz Lotufo & Alexander Turra
647
Noções de Oceanografia
CITAÇÃO SUGERIDA: CORBISIER, Thaïs Navajas et al. Ecologia do bentos marinho. In: HARARI,
Joseph (org.). Noções de Oceanografia. São Paulo: Instituto Oceanográfico, 2021. E-book. Cap.
29: p. 649-680.
648
Ecologia do bentos marinho
1. Introdução
O bentos marinho reúne todos os organismos - vírus, bactérias, algas, fungos, plantas,
invertebrados e vertebrados - que vivem em associação com o fundo do mar, da região entremarés às
fossas abissais do oceano. Devido à grande diversidade de habitats bentônicos existente no oceano,
e visto que os organismos bentônicos colonizaram toda a área costeira-oceânica do globo terrestre
(361,9 milhões km2), a diversidade de organismos bentônicos é enorme, podendo alcançar cerca de
950 mil espécies. O bentos compreende cerca de 98% das espécies conhecidas pela ciência e viventes
no oceano e nas regiões costeiras, sem considerar os micro-organismos.
Os ecossistemas bentônicos possuem grande importância para o ser humano. Muitos organismos,
como caranguejos, camarões, ostras, mexilhões, lulas, polvos e peixes bentônicos são vastamente
consumidos pela sociedade como alimento. Muitos destes organismos também representam o principal
item alimentar da maioria das espécies de peixes, crustáceos e moluscos capturados pela pesca artesanal
e comercial, sendo a base da economia e da subsistência de comunidades tradicionais ao longo do
planeta. Os organismos bentônicos sedentários ou sésseis possuem uma estreita relação com o ambiente
por não se deslocarem ou se deslocarem muito pouco ou vagarosamente, sendo, portanto, sensíveis às
alterações ambientais e servindo como indicadores biológicos de impactos (como a poluição) ao meio
ambiente. Além disso, são um grande atrativo nas atividades turísticas de mergulho e podem ser fontes
de compostos químicos para uso medicinal ou na indústria de cosméticos.
A conservação do oceano, além de todos os benefícios diretos e indiretos que traz para os seres
humanos, é de suma importância para a proteção dessa grande diversidade biológica. A proteção
do fundo marinho e sua biodiversidade é essencial para a qualidade do oceano, trazendo benefícios
também para o meio ambiente terrestre, uma vez que muitos desses organismos são responsáveis pelo
sequestro e estocagem de gás carbônico que auxiliam na manutenção das características da atmosfera,
no combate ao efeito estufa e na regulação climática.
Os ambientes bentônicos estão sujeitos a diversos gradientes de fatores ambientais, que irão
determinar quais organismos os habitam, como profundidade, tipo de fundo, salinidade, temperatura,
luz e exposição ao ar, estes últimos na região entremarés. Com relação à profundidade, os ambientes
bentônicos podem ser divididos em: 1) litoral (ou entremarés) - faixa periodicamente descoberta
pelas marés baixas e inundadas pelas marés altas, possui vida animal e vegetal abundante e diversa; 2)
sublitoral - entre a linha da maré baixa e o fim da plataforma continental, com vida animal abundante,
bancos de algas e gramas marinhas e pescaria intensa; 3) zona batial - faixa correspondente ao talude
continental, com aumento substancial do gradiente de profundidade, possui atividade biológica
intensa e abundância de alimento; 4) zona abissal - compreende fundos oceânicos com profundidades
geralmente além de 4.000 m até o nível superior das fossas oceânicas, possui fauna escassa e organismos
fotossintetizantes ausentes; e 5) zona hadal - engloba o fundo das fossas oceânicas, onde apenas
organismos altamente especializados sobrevivem (Fig. 1).
649
Noções de Oceanografia
Com relação ao tipo de fundo, os ambientes bentônicos podem ser classificados em consolidados
e inconsolidados. Os fundos consolidados compreendem os costões rochosos, os recifes de corais,
além de estruturas construídas pelo homem, como píeres, plataformas de petróleo e espigões. Os
fundos inconsolidados, por sua vez, congregam todos os fundos constituídos por areia, lama e cascalho,
podendo ser entremarés ou sublitoral (todas as profundidades ou zonas descritas acima).
Os organismos bentônicos vivem em relação íntima com o substrato, podendo fixar-se a ele,
perfurar, cavar ou caminhar sobre a sua superfície. Podem ser classificados, quanto à sua estrutura,
funcionamento e forma de obtenção de energia, em fitobentos (fotossintetizantes) ou zoobentos
(animais). O fitobentos engloba desde organismos unicelulares microscópicos, como algas diatomáceas
e protozoários, a algas multicelulares macroscópicas (ex. Sargassum e Ulva), angiospermas (gramas
marinhas como Halodule) e árvores de manguezal. O zoobentos engloba uma grande variedade de
650
Ecologia do bentos marinho
seres. Segundo seu tamanho pode ser classificado como: 1) megafauna (megabentos), animais maiores
que 50 mm; 2) macrofauna (macrobentos), que possuem tamanho entre 0,5 e 50 mm; 3) meiofauna
(meiobentos), grupo constituído por animais entre 0,063 e 0,5 mm e que normalmente ocupam os
interstícios do sedimento; e 4) microfauna (microbentos), que engloba os organismos menores que
0,063 mm, normalmente unicelulares (protistas, entre outros). Cada uma dessas categorias tem uma
relação específica com o substrato e uma função particular no ecossistema.
2. Habitats bentônicos
2.1.1 Estuários
Os estuários são sistemas de transição entre o oceano e o continente, por se tratar de um local
onde a água doce de um rio se mistura à água salgada do mar (Fig. 2). As descargas de água doce podem
ocorrer por um ou mais rios ou apenas pela drenagem do continente. São sistemas semifechados,
tendo uma conexão livre com o mar aberto, a qual pode ser permanente ou periódica (quando a barra
de um rio é fechada de tempos em tempos).
Devido às forçantes fluviais e marinhas que atuam juntas, criam-se, nesses locais, ambientes
entremarés únicos, com a formação de habitats lamosos e pântanos. Devido aos nutrientes transportados
pelos rios, os estuários são ambientes com alta produtividade biológica. No entanto, por conta de sua
configuração semifechada, esses locais podem ser altamente impactados pelo acúmulo de poluentes,
levando a uma situação de forte degradação ambiental.
651
Noções de Oceanografia
FIGURA 2. Estuário durante a maré baixa evidenciando bancos lamosos cuja fauna bentônica serve de
alimento para aves residentes e migratórias. Foto: Lorena Bissoli.
Poucas espécies passam a vida toda nos estuários, mas muitas espécies dependem destes ambientes
em algum momento do seu ciclo de vida. Assim, os estuários possuem alta importância ecológica e
socioeconômica, sendo local de reprodução e criação para diversas espécies marinhas, como moluscos,
crustáceos e peixes. Caracterizados por abrigarem algas planctônicas e bentônicas, sua vegetação vai
desde florestas de mangue, em climas tropicais, até marismas, em ambientes subtropicais e temperados.
2.1.2 Manguezal/Marisma
FIGURA 3. Manguezal durante a maré baixa ilustrando a densa vegetação (Rhizophora mangle) e os
bancos de lama em sua borda externa. Foto: André S. Rovai.
652
Ecologia do bentos marinho
O solo dos manguezais é úmido, salgado, lodoso, pobre em oxigênio e muito rico em nutrientes,
além de apresentar grande capacidade de estocar carbono retirado da atmosfera pela fotossíntese. A
alta decomposição de matéria orgânica em meio ao sedimento desprovido de oxigênio produz um
odor típico, por conta do gás sulfídrico que é produzido nesse processo.
As árvores do mangue são conhecidas como halófitas, pois estão adaptadas às variações de
salinidade, eliminando o excesso de sal por glândulas presentes em suas folhas. Outras adaptações
desta vegetação são as raízes aéreas, que lhes permitem ocupar solos pobres em oxigênio, e as raízes-
escora, que lhes permitem viver em ambiente inundado e pouco consolidado (Fig. 4). A variedade de
nichos ecológicos possibilita a existência de uma fauna bastante diversificada.
FIGURA 4. Raízes aéreas (pneumatóforos) de Avicennia sp. (A) e raízes-escoras de Rhizophora mangle (B).
Fotos: Márcia Denadai e Cláudia Câmara do Vale.
653
Noções de Oceanografia
A diversidade florística das espécies de marismas varia com a latitude, com menor diversidade
próximo ao Equador (cinco espécies) e maior em zonas temperadas (vinte espécies). Estressores
biológicos em regiões tropicais, como a intensa competição por espaço e sombreamento, resultam
em um desenvolvimento menos estruturado que em regiões temperadas, onde os estressores, como
altas temperaturas, são menos intensos. De forma semelhante aos manguezais, nas marismas existe
uma grande quantidade de matéria orgânica, que dá suporte a uma alta produtividade primária,
contribuindo para as teias alimentares associadas. Além disso, a exemplo dos manguezais, atenuam os
processos erosivos costeiros e oferecem abrigo para juvenis de diversas espécies de peixes, crustáceos e
moluscos, que utilizam esse ambiente para a reprodução.
FIGURA 5. Marisma localizada em estuário da região de Cananéia, SP, ilustrando a estrutura da vegetação
e sua importância para alimentação e descanso de aves marinhas. Foto: Marília Cunha Lignon.
Costões rochosos são mais um exemplo de ambiente de transição comuns em áreas costeiras
ao redor do mundo (Fig. 6). São formados por rochas sólidas, formando diferentes habitats, como
penhascos íngremes, plataformas, poças rochosas e áreas pedregosas, com áreas expostas à variação
das marés ambientes (entremarés) ou sujeita a borrifos esporádicos das ondas em momentos de maior
energia que se estendem para o supralitoral.
Há uma relação entre a fisiografia ao longo da região costeira brasileira e a ocorrência de costões
rochosos. Em áreas onde a serra está próxima ao oceano, ocorre a predominância de costões rochosos
(ex., litoral norte de São Paulo); já em locais onde a serra está distante do oceano, há a predominância
de outros ambientes costeiros (praias, manguezais e restingas; ex., litoral sul de São Paulo).
O tipo de rocha que forma os costões depende da geologia do local, podendo ter natureza
vulcânica, como na maioria das ilhas oceânicas, ou metamórfica, nas quais predominam granitos e
gnaisses, como no litoral do sudeste brasileiro. No nordeste do Brasil, os costões são substituídos, via
de regra, por afloramentos de arenitos, que abrigam uma biota similar.
654
Ecologia do bentos marinho
FIGURA 6. Entremarés do costão rochoso da praia do Lázaro (Ubatuba, SP) ilustrando a zonação dos
organismos sésseis de fundo consolidado. Foto: Thaïs Navajas Corbisier.
Os costões podem ser divididos em: 1) costões batidos (expostos): formados normalmente por
paredões lisos, sob forte hidrodinamismo e impacto das ondas, tem menor diversidade de habitats; e 2)
costões protegidos (abrigados): sob hidrodinamismo mais fraco sendo, portanto, bastante heterogêneos
e fragmentados, levando à formação de habitats mais complexos. Os costões batidos possuem
geralmente menor diversidade, pois menos espécies toleram a intensa ação das ondas. Os costões
protegidos podem ter maior quantidade de microhabitats, com fendas, reentrâncias e rochas soltas, e
assim oferecem abrigo para um maior número de espécies. Em geral, os costões são substrato para uma
grande variedade de algas e invertebrados sésseis, que atingem um grande adensamento populacional,
formando faixas de distribuição no entremarés de acordo com suas tolerâncias à dessecação e às altas
temperaturas e sua capacidade de competir por espaço e resistir à predação ou à herbivoria. Esse tipo
de distribuição, chamado zonação, é bem conhecido para os costões rochosos.
A zona superior (supralitoral), permanentemente exposta ao ar, recebe apenas borrifos da água
do mar e caracteriza-se pela ocorrência de organismos bem adaptados à perda de água e à variação de
temperatura, como: organismos terrestres (liquens, bromélias, cactos), cirripédios (cracas do gênero
Chthamalus), isópodes (Ligia) e gastrópodes (Littorina).
A zona intermediária (entremarés), sujeita às variações das marés, é ocupada por organismos
resistentes a essas oscilações, como cirripédios, moluscos e algas, essas últimas em especial nas faixas
mais próximas à linha da água. Nessa zona também se formam as poças de marés, depressões onde
a água fica represada durante a maré baixa, sujeitas ao calor excessivo, redução do oxigênio e alta
salinidade (devido à evaporação da água).
A zona inferior (sublitoral), localizada abaixo da linha das marés e sempre submersa, é habitada
por uma variedade de algas e invertebrados sésseis (fixos) e vágeis (que se deslocam). Nessa zona, as
relações bióticas (ex. predação, competição e herbivoria) passam a ter maior importância, visto que
os fatores abióticos são mais estáveis. Os costões rochosos possuem grande importância ecológica e
econômica por fornecerem abrigo e alimento para várias espécies de peixes e invertebrados bentônicos.
655
Noções de Oceanografia
As praias arenosas são ecossistemas costeiros que podem dominar a linha de costa tanto em
regiões tropicais como temperadas. São ambientes de transição entre terra e mar formados por
substrato inconsolidado, sendo, portanto, ambientes dinâmicos e controlados por fatores físicos (Fig.
7). As praias são definidas como depósitos de sedimentos arenosos, que sofrem a ação das ondas e das
marés, podendo ser remobilizados constantemente.
Mas a praia é mais ampla do que normalmente conhecemos. Uma praia se inicia no ponto em que
o fundo marinho e as ondas passam a interagir, podendo atingir os 20 m de profundidade, e se estende
até o limite com outros habitats costeiros, como as dunas costeiras ou a vegetação de restinga. As praias
estão sujeitas aos fatores físicos, como energia das ondas, marés, ventos e oscilações na precipitação e
aporte de água doce. Esses fatores determinam o tipo de praia, incluindo diferentes tipos de sedimento
(desde areia grossa até fina, silte e argila, ou mesmo matacões e fragmentos rochosos) e inclinações.
Podem ser divididas em dois tipos extremos: 1) praias refletivas: ocorrem em áreas em que
as ondas quebram junto à praia o que faz com que a energia dessas seja refletida pela face da praia;
possuem declividade acentuada e grãos grossos de areia; e 2) praias dissipativas: ocorrem em áreas
onde a energia das ondas se dissipa por vasta região de quebramento (zona de surfe); possuem
declividade suave e grãos finos de areia. Além desses dois tipos extremos, existem vários outros tipos
intermediários, que mesclam características de praias dissipativas com refletivas.
FIGURA 7. Praia arenosa com morfodinâmica dissipativa (A), localizada na Ilha do Cardoso, litoral sul
de SP (Foto: Márcia Denadai), e refletiva (B), localizada em Ubatuba, litoral norte de SP. Foto: Marina
Mourão Santana.
O bentos de praias arenosas é composto predominantemente por animais sedentários, que passam
todo seu período de vida pós-larval enterrados no sedimento. Os organismos podem ser classificados,
de acordo com o seu modo de vida, em epifauna (vivem na superfície do sedimento) ou endofauna
(vivem enterrados no substrato); ou de acordo com o seu tamanho, em macrofauna (maiores que 0,5
mm), ou meiofauna (menores que 0,5 mm).
O sedimento das praias arenosas é normalmente pobre em nutrientes e matéria orgânica, pois
eles são constantemente removidos pela ação das ondas e/ou do vento. Além disso, a radiação solar
atinge a areia com grande intensidade, devido à sua pobre vegetação. Tais características tornam o
ambiente praial muito austero para sua biota. Portanto, os organismos que vivem nesse ambiente
apresentam diversas adaptações contra a dessecação e altas temperaturas, criando zonas de tolerância
das espécies em um gradiente de influência da água do mar, assim como a zonação descrita para
costões, mas que não é tão visível em praias pelo fato dos organismos se enterrarem.
656
Ecologia do bentos marinho
As variações diárias de amplitude das marés determinam três faixas de saturação do sedimento
pela água: uma superior, constantemente umedecida por borrifos, mas somente coberta pelo mar em
marés altas excepcionais, ressacas e tempestades; uma faixa intermediária coberta e descoberta a cada
ciclo de maré; e uma faixa inferior, submersa, mas que sua parte superior pode, eventualmente, ficar
exposta em marés extremamente baixas.
A faixa superior é ocupada por espécies mais bem adaptadas à vida terrestre que à aquática, como
o caranguejo “maria-farinha” (Ocypode), as “pulgas-da-praia” (Atlantorchestoidea) e alguns besouros
(Bledius); a faixa intermediária é ocupada por uma grande diversidade de espécies, principalmente
crustáceos, moluscos e poliquetas, com adaptações morfológicas e/ou comportamentais para impedir
a perda de água durante a baixamar; a faixa inferior é habitada por organismos pouco tolerantes à
exposição ao ar, podendo inclusive ocorrer mortalidades em caso de marés excepcionalmente baixas
(ex. o hidrozoário Renilla sp., as estrelas-do-mar e as bolachas-da-praia).
Uma planície é uma grande área com pouca ou nenhuma variação de altitude. As planícies
costeiras ou litorâneas são formadas por sedimentos terciários (66,4 a 1,6 milhões de anos) ou
quaternários (1,6 milhões de anos até os tempos atuais), depositados na zona costeira. Sua formação
está relacionada a diversos fatores, que incluem as variações do nível do mar do quaternário associadas
às correntes de deriva litorâneas, às fontes primárias de sedimento, e às armadilhas para retenção do
sedimento (promontórios, barragens, enrocamentos e espigões). As planícies se formam pela ação dos
rios, mares e ventos, os quais carregam sedimentos que vão se acumulando até formar uma superfície
uniforme. Não por acaso, a maioria das planícies litorâneas está localizada às margens de rios e do mar.
O termo “restinga” é muitas vezes utilizado com o sentido de planícies litorâneas ou do sistema
solo-vegetação como um todo (Fig. 8). Em outras ocasiões é empregado como a denominação dada
ao tipo de vegetação ocorrente em planícies costeiras, como a vegetação de dunas, que ocorre na
linha de praia das planícies litorâneas de forma adaptada às condições salinas (halófilas) e arenosas
(psamófilas) sob influência das marés. Após esta faixa, sobre cordões arenosos mais estáveis, encontra-
se uma vegetação arbustiva e arbórea densa, denominada jundu, com muitas bromélias terrícolas. A
fauna é composta por inúmeros invertebrados, pequenos mamíferos e aves.
FIGURA 8. Planície costeira com vegetação de restinga na transição com o ambiente praial. Foto: Lucas Barbosa.
657
Noções de Oceanografia
2.1.6 Dunas
As dunas se formam quando o mar traz mais areia para a praia do que consegue carrear de volta.
São elevações arenosas que podem ter desde poucos centímetros até centenas de metros de altura (a
maior duna conhecida tem mais de 2.000 m acima do nível do mar).
As regiões em que as dunas são formadas apresentam algumas características que favorecem
o acúmulo de areia, como ventos constantes que sopram em uma direção predominante, baixa
pluviosidade, e uma área extensa, onde a areia possa se acumular (Fig. 9).
FIGURA 9. Duna frontal em uma praia arenosa e sua vegetação rasteira típica. Foto: Lucas Barbosa.
A formação das dunas ocorre quando o sedimento transportado pelos ventos, ao encontrar um
obstáculo (pedra, tronco etc.), começa a se acumular, formando uma elevação. A partir daí a própria
duna passa a ser um obstáculo, acumulando sedimento e aumentando sua altura gradativamente.
As dunas não são estáticas, podendo “mudar de lugar” com o passar do tempo. Isso ocorre
porque os sedimentos continuam a ser carregados pelos ventos, sendo depositados mais adiante
e, portanto, a duna vai se formando sempre na direção do vento. No entanto, as dunas podem se
tornar mais estáveis a partir do momento em que começam a ser cobertas por vegetação. Por isso é
importante a proteção dessa vegetação.
A vegetação das dunas é rasteira, composta principalmente por gramíneas e outras plantas
herbáceas, que desempenham o importante papel na formação e fixação das dunas. Dentre os
invertebrados bentônicos que ocupam esses ambientes, está o caranguejo-fantasma, ou maria-farinha
(Ocypode quadrata; (Fig. 10), que vive em tocas. A fauna inclui também insetos e vertebrados, como
roedores, cobras, anfíbios e diversas aves.
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Ecologia do bentos marinho
659
Noções de Oceanografia
o termo Blue Carbon (Carbono Azul) tem sido utilizado para designar o carbono acumulado nas
pradarias marinhas, bem como nas demais áreas úmidas costeiras (manguezais e marismas). Essas
monocotiledôneas marinhas também melhoram a qualidade da água pela oxigenação e remoção do
excesso de nutrientes, ou mesmo de poluentes.
As pradarias abrigam muitos animais marinhos, que buscam proteção contra ondas e correntes
e também contra os predadores. Também são ótimos abrigos para a postura de ovos e sua vegetação
serve de alimento para diversas espécies. Dentre as espécies que ocupam esses habitats estão diversos
invertebrados, cavalos-marinhos, raias, tubarões, tartarugas-marinhas, peixes-boi, além de muitas aves
marinhas. Dentre as fanerógamas marinhas que ocupam as pradarias brasileiras, Halodule wrightii e
Ruppia maritima são as mais abundantes e conhecidas.
FIGURA 12. Biodiversidade em recife de coral em Oahu (Hawaii, EUA). Foto: Tito Monteiro da Cruz Lotufo.
660
Ecologia do bentos marinho
Apesar da clara dominância dos corais na comunidade que ocupa os recifes, há ainda uma
enorme variedade de espécies de diferentes grupos taxonômicos, incluindo algas, moluscos, crustáceos,
esponjas e ascídias, entre outros componentes bentônicos que contribuem com a estrutura do ambiente.
A dominância dos corais contribui para um sistema com grande complexidade tridimensional, pois
há grande variação nos tamanhos e formatos desses animais, que podem crescer multiplicando seus
pólipos de forma assexuada.
Uma das características mais marcantes dos recifes de coral é o fato de constituírem um
ambiente que foi remodelado e construído por organismos marinhos, os chamados bioconstrutores
ou bioengenheiros, e por isso se diz que são formações biogênicas. Dessa forma, os corais e outros
bioconstrutores vão adicionando o material que produzem, que vai se acumulando, e ao longo de
milhares de anos vão se consolidando e formando rochas calcárias. Os recifes não apenas crescem pela
ação dos bioconstrutores, mas são constantemente erodidos pelos animais perfuradores e bioerodidores,
havendo um balanço entre processos de calcificação e erosão.
A formação dos recifes de coral é um processo bastante lento e delicado, que depende de
condições oceanográficas adequadas, como temperaturas mais quentes, águas claras e fundos rasos
com boa penetração de luz. Nessas condições, os recifes podem se desenvolver até o limite da zona
entremarés e, em áreas litorâneas, formam o que se chama de recife em franja. Em áreas rasas também
podem ocorrer manchas recifais, de forma mais isolada e espalhadas por extensões de tamanho variável.
As lentas mudanças no nível do mar ao longo de dezenas, centenas ou milhares de anos (não as
rápidas oscilações das marés) podem fazer com que esta franja recifal sirva de base para o crescimento
dos corais quando há um aumento do nível do mar, originando então os recifes em barreira, que se
localizam um pouco distantes da costa, com um canal recifal que os separa dela. Este mesmo processo,
quando ocorre em ilhas oceânicas, pode originar os atóis. Entre os processos que podem originar os
atóis, há casos em que a ilha afunda com os movimentos tectônicos e o nível do mar sobe, as barreiras
que circundam a ilha tornam-se anéis recifais com uma laguna central sobre o topo do que é agora
um monte submarino. Nos Oceanos Índico e Pacífico há um grande número de atóis, e a própria
palavra deriva do dialeto falado nas Ilhas Maldivas, um país formado por 26 grandes atóis, cujos anéis
são formados por mais de 1.000 atóis menores. No Brasil há o Atol da Rocas (Fig. 13), um ambiente
único situado 270 km da nossa costa e que, ao contrário da maioria dos atóis do planeta, foi construído
majoritariamente por algas calcárias, mas também tem a contribuição de corais e outros organismos.
FIGURA 13. Imagem de satélite do Atol das Rocas, RN. Fonte: Google Earth.
661
Noções de Oceanografia
Nos recifes há também uma variação importante de estrutura e composição quando se percorre
sua extensão desde o mar aberto até o interior de um canal ou laguna (Fig. 14).
A parte mais externa do recife, chamada de fronte recifal, é caracterizada geralmente por
um declive mais acentuado e grande diversidade de espécies. Esta zona pode estar mais ou menos
exposta à ação de ondas, e isso também se reflete nas espécies que crescem ali. Sob forte ação de
ondas geralmente as espécies presentes tendem a formar crostas ou ramos mais robustos, ao passo
que em águas mais calmas se observa a formação de ramos curtos e compactos, ou cabeças de corais
mais hemisféricos.
No topo da fronte recifal há uma crista recifal, que está mais vulnerável e sob forte ação das
marés, podendo ficar exposta ao ar durante as marés mais baixas.
A área mais extensa dos recifes é o platô recifal, que forma um ambiente bastante raso, e por
isso sujeito também a variações ambientais mais rápidas de temperatura, oxigênio e outras condições
essenciais para os organismos.
No lado voltado para a costa ou para o interior da laguna, o recife forma uma zona de declive mais
suave, caracterizada também por uma grande diversidade de formas de vida, chamada de pós-recife.
FIGURA 14. Vista aérea de um recife de coral em barreira, com as zonas indicadas (Moorea, Polinésia
Francesa). Foto: Tito Monteiro da Cruz Lotufo.
662
Ecologia do bentos marinho
A maior formação recifal do planeta encontra-se ao largo da costa leste da Austrália, sendo
denominada de Grande Barreira de Recifes da Austrália, no Oceano Pacífico, ao passo que a
segunda maior formação desse tipo está localizada no Mar do Caribe, ao largo de Belize, na
América Central. Há regiões do mundo onde os recifes são particularmente diversos, sendo que o
mais importante em termos de biodiversidade é o chamado Triângulo dos Corais, localizado entre os
oceanos Índico e Pacífico, entre Indonésia, Filipinas e Papua Nova Guiné.
Os recifes no mundo inteiro sofrem ameaças, tanto de ações pontuais como da pesca desordenada,
poluição e construções humanas, mas também são fortemente impactados por alterações no clima do
planeta. O aquecimento do planeta, decorrente do lançamento de gases de efeito estufa, tem ameaçado
praticamente todos os recifes de coral no mundo. Em decorrência desse aquecimento, tem ocorrido
com maior intensidade e frequência um fenômeno chamado “branqueamento”. No branqueamento,
ocorre a perda de pigmentos dos corais e a expulsão das zooxantelas (microalgas simbiontes), fazendo
com que o coral fique totalmente branco.
Em alguns casos, os corais podem recapturar as microalgas da água e voltar à sua condição
saudável. Em muitos casos, contudo, a perda das zooxantelas irá ocasionar a morte do coral, que
depende da energia fornecida por estes parceiros. Infelizmente há hoje um número reduzido de regiões
que não foram afetadas por branqueamento e mortalidade de corais.
Do ponto de vista geológico, os depósitos de algas calcárias são considerados como sedimentos
ricos em carbonato, chamados “granulados bioclásticos”. Por terem origem biológica, esses depósitos
podem ser definidos como fundos organogênicos, incluindo cascalho, areias biogênicas (ou bioclásticas)
e sedimentos carbonáticos.
Do ponto de vista biológico, os rodolitos são constituídos por crostas de algas calcárias, que formam
nódulos de diversos formatos e tamanhos (~10 centímetros), podendo ser formados por uma ou mais
espécies de algas calcárias vermelhas (rodófitas, de onde seu nome se origina). Um “banco de rodolitos”
(Fig. 15) forma-se quando, além de um conjunto de rodolitos, tem-se uma comunidade formada por
outros organismos associados, semelhante ao que ocorre em um recife de coral.
663
Noções de Oceanografia
Do ponto de vista ambiental, os rodolitos têm ainda a importante função de retirar carbono em
excesso da atmosfera, ajudando a regular o clima no planeta. Apesar disso, os bancos de rodolitos são
fortemente ameaçados pelas atividadeshumanas devido, por exemplo, à exploração pelo calcário e à
exploração de petróleo em seus arredores.
664
Ecologia do bentos marinho
A maior parte das plataformas continentais é coberta por sedimentos arenosos ou lamosos.
As comunidades são dominadas por animais, embora bancos de rodolitos e pradarias (tratados
anteriormente) também se estabeleçam em fundos inconsolidados, em áreas mais rasas onde a luz
ainda atinge o fundo do mar. A luz é geralmente insuficiente para organismos fotossintetizantes,
exceto em regiões costeiras onde se encontram as microalgas bentônicas, as angiospermas marinhas e
as macroalgas gigantes (estas últimas em águas frias).
O fundo de águas mais rasas pode ser mais afetado por ondas e correntes, que revolvem o fundo
e podem remover a fauna. O despejo de água doce e de sedimentos em suspensão de grandes rios
pode reduzir a densidade, soterrar a fauna e diminuir a diversidade, como ocorre ao largo do delta do
Amazonas, na região norte do Brasil.
665
Noções de Oceanografia
FIGURA 16. Sentido e profundidade das principais massas d'água ao largo da costa brasileira.
666
Ecologia do bentos marinho
Dos 200 m de profundidade até o fundo das fossas oceânicas (cerca de 11.000 m) o assoalho do
oceano corresponde ao mar profundo, constituindo cerca de 97% da área do fundo oceânico: taludes
12%; elevações 5%; montanhas/cordilheiras 36%; planos abissais 42%; e fossas 2%.
No mar profundo não há luz, a temperatura é baixa (cerca de 4°C), a salinidade e o teor de
oxigênio da água são mais constantes, a pressão hidrostática é alta (1 atm a cada 10 m de profundidade)
e os sedimentos são muito finos, com predominância de silte, argila e vasas biogênicas. Há pouca
quantidade de alimento, uma vez que depende, em grande parte, da exportação de material das zonas
iluminadas, pois não há produção primária importante (exceto em fontes hidrotermais; ver adiante).
A fauna apresenta muitas adaptações morfológicas e ecológicas, peculiares para viver neste
ambiente de alta pressão, sem luz, com sedimentos muito finos e com pouco alimento. A maioria
da fauna é comedora de depósito (sedimentos), sendo que os pepinos do mar (holotúrias) ocorrem
em grande número.
As características biológicas gerais da fauna do mar profundo são: taxas metabólicas e nível
de atividade baixos; baixa concentração de enzimas e de proteínas; conteúdo de água do corpo
alto para o equilíbrio com a pressão da água; crescimento lento e alta longevidade; baixa taxa
de colonização, baixas densidades populacionais, baixa mortalidade (devido à baixa pressão de
predação); maturidade sexual lenta e tardia, poucos ovos de tamanhos grandes, gametogênese e
desenvolvimento embriológico lentos.
667
Noções de Oceanografia
populações de animais, com uma enorme biomassa, como os vermes vestimentíferos e mexilhões, que
têm bactérias simbiontes em seus tecidos, as quais fornecem matéria orgânica para esses invertebrados
por meio de quimiossíntese. As bactérias utilizam o sulfeto eliminado nas plumas como fonte primária
de energia para síntese de matéria orgânica.
Além dessas, há outras comunidades especiais. As carcaças de baleias, que chegam ao mar
profundo, têm associadas a elas comunidades especiais, em particular os vermes-zumbi (Siboglinídeos
do gênero Osedax). Esses vermes “enraizam” seus tecidos dentro dos ossos e, em simbiose com bactérias,
utilizam o tutano (com alto conteúdo de lipídios) para produzir a energia para seu metabolismo.
Os corais de águas frias são cnidários que incluem corais pétreos (Scleractinia), octocorais
(gorgônias, corais-joia, corais bambu), corais negros (Anthipatharia) e hidrocorais (Stylasteridae), que
são azooxantelados (sem os dinoflagelados simbiontes). Estes corais são alimentados pela produção
primária da água de superfície, transportada para o fundo oceânico. Estão ameaçados por dragagens de
fundo, perfuração de petróleo e mineração. A acidificação do oceano tem efeito potencial na redução
da calcificação dessa fauna, principalmente nos mares do Norte.
Outro efeito importante do gelo sobre as comunidades bentônicas ocorre durante o verão,
quando icebergs se desprendem, são deslocados pelos ventos e correntes e causam escavações no fundo,
os “ice-scours”, por ação mecânica, causando a destruição ou remoção da fauna (Fig. 17).
No inverno, até cerca de 30 m de profundidade, pequenas placas de gelo – “anchor ice” - se formam
no fundo e à medida que aumentam de tamanho cercam os invertebrados sésseis ou sedentários que,
em geral, congelam. À medida que aumentam, ficam menos densas que a água do mar e deixam o
fundo carregando os invertebrados, podendo suspender até 25 Kg de sedimento.
Pode ocorrer ainda o congelamento de áreas maiores do fundo pelo contato com o gelo que se
forma rapidamente a partir da costa, fenômeno chamado de “ice foot”. Com exceção do efeito do gelo
em áreas costeiras, o ambiente marinho possui temperaturas baixas o ano todo e, com exceção do
degelo, não há deságue de rios trazendo água doce para o mar.
668
Ecologia do bentos marinho
FIGURA 17. Comportamento do gelo nas diferentes estações do ano e sua influência nas comunidades
bentônicas.
Por essas razões, as áreas submersas mais rasas, até onde o efeito do gelo se estende, não têm
comunidades permanentes. As macroalgas se desenvolvem nos fundos duros quando o gelo derrete.
Durante o período livre de gelo, essas áreas são habitadas por organismos vágeis ou transitórios, como
anfípodes e os gastrópodes Nacella, e os organismos sésseis são raros. Mais abaixo, os invertebrados
são abundantes, com alta riqueza de espécies e comunidades características, com uma zonação
relacionada à variação de fatores ambientais associados à profundidade, como o tipo de sedimento e a
quantidade de alimento. Na Antártica, a biomassa em qualquer profundidade é cerca de uma a duas
ordens de magnitude maior que no Ártico. Esse fato está provavelmente relacionado à água mais rica
em nutrientes e à alta produtividade das águas sobre a plataforma, quando a luz se torna disponível
durante o verão. Além disso, a fauna da Antártica tem um alto grau de endemismo relacionado à longa
história evolutiva e isolamento das plataformas de outros continentes.
A fauna bentônica tem baixa taxa metabólica, gigantismo de alguns invertebrados, longevidade
prolongada, baixas taxas de crescimento, baixa fecundidade, reprodução sazonal e atraso na maturidade
dos organismos. Essas características são similares às da fauna de mar profundo, devido à baixa
temperatura da água e à disponibilidade esporádica de alimento.
3. Biodiversidade bentônica
Aqui apresentamos os principais agrupamentos de organismos marinhos com base em sua
função no ambiente: produtores primários, consumidores e estruturantes, exemplificando alguns de
seus componentes (Fig. 18), e como se dá o fluxo de matéria e energia nesse sistema.
FIGURA 18. Principais tipos de organismos bentônicos marinhos, com base em seus tamanhos, posição
trófica (produtores primários e consumidores) e hábitos de vida.
O Fitobentos utiliza a energia luminosa para fixar CO2 em matéria orgânica, realizando a fotossíntese.
3.1.1 Microfitobentos
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Ecologia do bentos marinho
Em geral presentes até 30-40 metros de profundidade, em fundos consolidados. Têm talo
flexível, apressório para a fixação, fronde com células ativas nas duas superfícies, onde ocorre a
absorção de nutrientes e a fotossíntese. Estão associadas às comunidades de outros organismos,
sendo muito diversas. As macroalgas gigantes e “kelps” ocorrem em águas frias, ricas em nutrientes,
onde atingem tamanhos de até 50 m, como Macrocystis e Laminaria. Há comunidades faunísticas
muito diversas associadas a elas.
Angiospermas marinhas, com raízes e flores, são principalmente produtores de detritos; há fauna
muito rica associada. Incluem monocotiledôneas (seagrasses), como Thalassia, Halodule, Halophila
e Zostera, geralmente submersas; marismas (salt-marshes), como Spartina, geralmente emersas;
dicotiledôneas, como as árvores de manguezal, possuem adaptações à vida em sedimento mole, salgado
e constantemente inundado: caules (raízes suporte e adventícias), folhas espessas, plântulas que se
desenvolvem na planta mãe, como: Rhizophora, Avicennia e Laguncularia. O manguezal tem função
muito importante de aprisionar sedimento fino e filtrar poluentes por meio de seu sistema radicular.
3.2.1 Megafauna
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Noções de Oceanografia
3.2.2 Macrofauna
Os organismos bentônicos vivem em relação íntima com o substrato, podendo fixar-se a ele,
perfurar, escavar ou caminhar sobre a sua superfície. Quanto à sua posição no substrato, podem ser
epibentônicos (vivem sobre o substrato) ou endobentônicos (vivem no interior do substrato); quanto
à sua mobilidade, em sésseis (fixos à uma superfície sólida - como cracas, corais, crinóides e ostras),
sedentários (mobilidade limitada - moluscos bivalves, poliquetas, estrelas-do-mar, bolachas-da-praia)
ou vágeis (possuem a capacidade de se movimentar sobre o substrato - caranguejos, caramujos e
peixes bentônicos). Dentre os endobentônicos, existem os cavadores (moluscos bivalves, poliquetas
e alguns crustáceos) e os perfuradores (alguns moluscos bivalves e poliquetas). Com relação aos
hábitos alimentares, podem ser comedores de depósitos, suspensívoros (ou filtradores), herbívoros
(consumindo algas e vegetais superiores), carnívoros ou necrófagos.
3.2.3 Meiofauna
Grupo constituído de filos de animais pequenos (< 0,5 mm), pouco conhecidos, invisíveis para
nós, que vivem entre os grãos do sedimento ou outros habitats marinhos e ocorrem desde as praias
até o mar profundo. Podem ser muito numerosos, alcançando densidades de cerca de um milhão de
indivíduos por metro quadrado no sedimento da plataforma continental.
Os nematódeos (filo Nematoda), em especial nos sedimentos, são muito abundantes; a maioria
é pequena, têm corpos cilíndricos e delgados. Alimentam-se de bactérias, microalgas ou matéria
orgânica, e alguns podem ser predadores. Estima-se que haja até meio milhão de espécies ainda a
serem descobertas na meiofauna.
Constituído por organismos unicelulares, como protistas e bactérias heterotróficos. São muito
importantes na reciclagem da matéria orgânica e como alimento para outros componentes do bentos.
672
Ecologia do bentos marinho
3.3 Estruturantes/arquitetos
Poríferos: Apesar de não parecerem, as esponjas são animais muito complexos que podem
alcançar grande tamanho, dominando o fundo em diversas regiões do planeta. Por sua natureza
porosa e repleta de cavidades, as esponjas tornam-se verdadeiros condomínios com diversos animais
associados, como camarões, equinodermos e até mesmo cnidários. Parte considerável de sua biomassa,
na verdade, é de micro-organismos associados que vivem nos espaços disponíveis.
Cnidários: Dentre estes animais, o grupo mais emblemático é o dos corais que, como mencionado
anteriormente, podem formar grandes estruturas, por vezes com muitos quilômetros de extensão.
Seu esqueleto calcário confere grande complexidade aos ecossistemas e seu crescimento é geralmente
muito lento. Outros grupos de cnidários, como as gorgônias, possuem esqueletos mais flexíveis, e
também podem atuar reduzindo o fluxo da água no local.
Poliquetas: Alguns destes anelídeos podem secretar tubos calcários ou ainda formar grandes
condomínios aglutinando areia do ambiente.
Crustáceos: As cracas são crustáceos muito modificados, o que faz com que muitas pessoas não
os reconheçam como animais relacionados com camarões e caranguejos, por exemplo. Sua estrutura
externa calcificada auxilia na estruturação de microhabitats importantes para outras espécies.
Ascídias: Trata-se de um grupo de animais pouco conhecido das pessoas, mas que pode formar
colônias também bastante grandes. Alimentam-se por filtração, assim como as esponjas, e muitas
vezes são confundidos com esses animais por seu aspecto externo.
Briozoários: São também animais bastante comuns e que podem por vezes formar estruturas
bastante complexas, com formas incrustantes ou arborescentes. Suas colônias podem ser confundidas
até mesmo com macroalgas num olhar descuidado.
673
Noções de Oceanografia
Espécies herbívoras do bentos, que se alimentam diretamente de algas marinhas (ex. gastrópodes
e ouriços), constituem o segundo nível trófico e são denominados consumidores primários. Os níveis
tróficos subsequentes são formados por espécies carnívoras que se alimentam de espécies herbívoras
(consumidores secundários, como os caranguejos) e por carnívoros que se alimentam dos carnívoros
menores (consumidores terciários, como alguns peixes).
No caso do bentos, há uma forte conexão com o que se processa na coluna d’água, pois muitos
animais bentônicos são filtradores e muitos animais do nécton se alimentam no bentos. Além disso,
a maior parte dos organismos bentônicos possui uma fase da vida no plâncton. Esses processos de
conexão entre os compartimentos marinhos formam o que se chama de acoplamento bento-pelágico.
674
Ecologia do bentos marinho
Dentre os organismos que não se fixam ao substrato consolidado, estão crustáceos (caranguejos
e isópodes - baratas-da-praia), que possuem agilidade para se abrigarem em fendas quando as ondas
atingem a costeira.
Já os organismos que ocupam fundos não consolidados são, em sua maioria, endofaunais. Para
conseguirem viver no interior do sedimento, esses organismos possuem adaptações para a escavação
(pés musculosos dos moluscos bivalves, abdome de alguns crustáceos) ou para a construção de tubos e
galerias (muitos poliquetas e alguns crustáceos).
O caranguejo “maria-farinha”, por exemplo, utiliza suas quelas para retirar areia de dentro de
sua galeria, aprofundando-a e limpando-a. O poliqueta Diopatra constrói tubos elaborados com muco,
grãos de areia e fragmentos diversos, dentro do qual permanece por toda sua vida.
Espécies eurialinas são definidas como aquelas que possuem adaptações para suportarem
grandes variações de salinidade, estando aptas a ocuparem ambientes desafiadores, como os
estuários. Da mesma forma, espécies euritérmicas conseguem enfrentar grandes variações de
temperatura, podendo ocupar ambientes com aflorações de águas profundas geladas, como ocorre
no evento das ressurgências.
Conforme afundamos na coluna d’água, temos a percepção de que o colorido marinho vai
mudando. Na verdade o que ocorre é que quem está mudando é a luz, pois o que vemos é apenas a sua
reflexão. O espectro luminoso é afetado de tal forma que cores como vermelho e amarelo são extintas
logo nos primeiros metros da coluna d’água, restando, por último, a luz azul, que pode penetrar muitas
dezenas de metros (Fig. 19).
675
Noções de Oceanografia
A luz é um elemento essencial para a maior parte da vida marinha e no bentos não é diferente.
Em águas marinhas muito transparentes, a luz é capaz de penetrar até cerca de 200 m de profundidade.
A maior parte das zonas rasas costeiras, no entanto, não possuem águas muito transparentes por conta
da maior produtividade e presença de partículas em suspensão. Nessas áreas, a penetração de luz é
muito menor, por vezes chegando até poucos metros. A zona que recebe luz nos ambientes marinhos
é chamada de zona fótica, ao passo que as regiões mais profundas onde não há mais luz compõem a
zona afótica.
FIGURA 19. Penetração da luz visível na coluna d'água, indicando as zonas eufótica e afótica, e o processo
de absorção da luz em águas costeiras e estuarinas.
Para os produtores primários, como as algas, a vida depende totalmente da existência de luz
suficiente para o organismo obter sua energia com taxas em que a fotossíntese seja maior que a
respiração. Dessa forma, o fitobentos está sempre restrito a uma fração variável da zona fótica.
Como mencionado anteriormente, a luz é essencial também para os recifes de coral, nos quais
corais, moluscos e outros organismos dependem da produção primária das zooxantelas presentes
em seus tecidos.
Dessa forma, há um gradiente luminoso conforme se mergulha para profundidades cada vez
maiores, e este gradiente reflete-se na composição e estrutura da biota bentônica.
676
Ecologia do bentos marinho
Organismos marinhos bentônicos possuem uma forte associação com o ambiente onde vivem,
apresentando locomoção limitada, geralmente passando todo seu período de vida pós-estabelecimento
larval em um mesmo local, uma vez que suas larvas se estabelecem em áreas favoráveis ao sucesso da
espécie. Sua mortalidade é muitas vezes causada por distúrbios ambientais, naturais ou antrópicos, aos
quais muitas espécies não resistem.
Os principais distúrbios causados pelo ser humano ao ambiente marinho, bem como suas
consequências para os organismos, ecossistemas e seres humanos, são:
Oitenta porcento dos resíduos que chegam ao mar têm origem terrestre (doméstica, industrial,
turismo) e 20%, origem marinha (embarcações de pesca, transporte e turismo, plataformas de
petróleo, portos). Cerca de 90% dos resíduos encontrados no mar são algum tipo de plástico.
Diversos são os efeitos do lixo sobre a biota, podendo ser agudos (morte) ou crônicos (efeito
no metabolismo e balanço energético), os quais podem ser causados pela ingestão, sufocamento
ou emaranhamento (ex. pesca-fantasma).
Grandes perdas econômicas podem atingir os seres humanos, como danos às embarcações,
prejuízos à pesca e ao turismo, deterioração ambiental e disseminação de doenças.
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Noções de Oceanografia
O pH da água do oceano vem baixando e, portanto, tornando-se mais ácido, devido ao aumento
dos gases do efeito estufa na atmosfera e a consequente dissolução do dióxido de carbono (CO2)
atmosférico no oceano. Estima-se que o oceano absorva cerca de 25% do CO2 antropogênico, reduzindo
fortemente os impactos desses gases no clima do nosso planeta. No entanto, esse benefício à atmosfera
tem consequências sérias ao oceano. A absorção do CO2 altera a química da água, levando a um
aumento na formação de ácido carbônico. A água torna-se mais corrosiva, prejudicando a sobrevivência
de organismos de interesse ecológico e econômico que dependem do carbonato de cálcio (CaCO3),
como os moluscos e os corais.
Em linhas gerais, além da poluição, descrita acima, o oceano está sob a ameaça de quatro outras
atividades derivadas da ação humana: destruição ou degradação de habitats (ex. erosão costeira e
supressão de manguezais e restingas), sobrepesca, invasão de espécies exóticas e mudanças no clima. A
acidificação é um efeito das mudanças no clima causadas pelo aumento das emissões de CO2.
A perda da saúde do ambiente marinho reverte-se em prejuízos para o próprio ser humano e suas
atividades. Um ambiente degradado perde a capacidade em prover recursos e serviços para a sociedade,
de forma que o desenvolvimento de atividades econômicas, tanto ligadas quanto não relacionadas ao
oceano, dependem de um ambiente equilibrado. O bentos é um importante componente marinho
nessa discussão, pois além de ser importante para a sociedade tem um relevante papel ao nos auxiliar
como sentinela das mudanças que estamos causando no oceano.
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Ecologia do bentos marinho
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Noções de Oceanografia
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680
Manguezal: ecossistema entre a terra e o mar
NOÇÕES DE OCEANOGRAFIA
Capítulo 30
MANGUEZAL:
ECOSSISTEMA ENTRE
A TERRA E O MAR
Yara Schaeffer-Novelli, Guilherme Moraes de Oliveira Abuchahla
& Clemente Coelho-Jr.
681
Noções de Oceanografia
682
Manguezal: ecossistema entre a terra e o mar
Manguezal:
Ecossistema entre a Terra e o Mar
Yara Schaeffer-Novelli, Guilherme Moraes de Oliveira Abuchahla
& Clemente Coelho-Jr.
1. Introdução
Manguezais colonizam paisagens costeiras de climas tropical e subtropical, em espaços abrigados
com relevo suave, onde as marés atuam de forma a delimitar os terrenos passíveis de colonização pelas
plantas típicas. Podem estar associados a corpos de água estuarina ou diretamente de frente para o mar.
A paisagem costeira é modelada numa escala de tempo geológica de milhares a milhões de anos,
por diversas forças controladoras que podem ser organizadas em forçantes atmosféricas/hidrográficas
e forçantes oceanográficas/geológicas. As mesmas forçantes atuam sobre o ecossistema manguezal em
menor escala de tempo, de meses à décadas, criando gradientes ambientais típicos, onde as marés são
um dos principais mecanismos de manutenção do ecossistema (Fig. 1).
683
Noções de Oceanografia
As marés, como motrizes da penetração das águas marinhas no interior da costa, por meio
dos segmentos a jusante das bacias hidrográficas, são o agente de formação e de manutenção dos
substratos dos manguezais, aptos a serem colonizados pelas espécies típicas de mangue (cobertura
vegetal), tolerantes ao sal (classificadas como halófitas facultativas). As preamares atingem os pontos
mais internos e distantes da costa pelo intrincado sistema de pequenos canais de maré (chamados
popularmente de gamboas ou camboas), lavando o substrato dos manguezais por ocasião das vazantes.
Dessa forma, a matéria orgânica sintetizada pelas plantas do manguezal supre uma miríade de
organismos detritívoros, constituindo a base de consumidores da teia trófica estuarino-costeira. O
limite do manguezal coincide com o limite máximo até onde penetra a água salgada (preamares de
sizígia) na planície costeira.
A frequência com que os bosques de mangue são inundados pelas preamares depende do relevo
do terreno e da distância em relação ao corpo d’água adjacente (rio, baía, laguna). Bosques próximos
ao corpo d’água geralmente possuem topografia mais baixa, enquanto que bosques mais distantes,
próximos à terra firme, colonizam áreas mais elevadas e, por conseguinte, com menor frequência de
inundação pelas preamares. Isso faz com que se crie um gradiente de inundação, afetando diretamente
a salinidade da água intersticial no sedimento do manguezal.
Em regiões com déficit hídrico, ou seja, onde a taxa anual de precipitação é menor que a taxa de
evapotranspiração, a salinidade intersticial e superficial na zona topograficamente mais elevada e com
menor frequência de inundação é geralmente alta, podendo chegar a mais de 90 (limite de tolerância
ao sal das espécies típicas de mangue). Nesse trecho podemos encontrar a feição apicum, desprovida
de vegetação vascular, mas rica em nutrientes, abundância em plantas halófitas, além de microalgas e
de cianofíceas (Fig. 2). Os manguezais do nordeste apresentam esse tipo de feição.
FIGURA 2. Gradiente ambiental onde se destacam as feições lavado, bosque de mangue e apicum,
caracterizando uma região com déficit hídrico, onde a taxa de pluviosidade é menor que a taxa de
evapotranspiração. Ilustração: Leandro Coelho, adaptada de Twilley (2001) e foto: Clemente Coelho Junior.
684
Manguezal: ecossistema entre a terra e o mar
FIGURA 3. Gradiente ambiental onde se destacam as feições lavado e bosque de mangue. A transição
com a restinga é caracterizada por um ecótone com espécies diferentes de plantas. Ilustração: Leandro
Coelho, adaptada de Twilley (2001) e foto: Clemente Coelho Junior.
Alguns fatos a respeito da biogeografia dos manguezais ainda nos intrigam, como o bosque
monoespecifico de mangue-branco (Laguncularia racemosa L.) no Manguezal do Sueste, localizado na
baía de mesmo nome, na principal ilha do Arquipélago de Fernando de Noronha, sendo considerado
o único manguezal em ilha oceânica do Atlântico Sul. Ainda não se sabe como e quando teriam
chegado lá os primeiros propágulos de mangue-branco, trazidos pelas correntes marinhas.
685
Noções de Oceanografia
As árvores típicas de mangue estabilizam o sedimento com seu intricado sistema de raízes e
troncos. Tal emaranhado de raízes e troncos reduz a energia das ondas, que de outra forma permitiria
a ressuspensão de partículas de sedimento das áreas costeiras mais rasas. Ao mesmo tempo, aprisionam
poluentes prevenindo que estes contaminem águas costeiras adjacentes. A copa das árvores funciona
como verdadeira cortina-de-vento, atenuando os efeitos de tempestades nas áreas costeiras.
As plantas, consideradas como típicas de mangue, são aquelas cujas características adaptativas
permitem que se desenvolvam em ambientes banhados por águas salobras ou salgadas, apesar de serem
fisiologicamente aptas a se desenvolver em ambientes de água doce.
Na água doce as plantas típicas de mangue perdem na competição com espécies glicófitas
(espécies de água doce). As espécies de mangue possem sistemas de sustentação adequados à
fixação em substratos pouco consolidados, isto é, sedimentos lamosos ou de areia e lama.
Entretanto, também são competentes a se desenvolver sobre afloramentos coralíneos podendo
formar verdadeiras ilhas de manguezal.
No extremo norte do Brasil, nos litorais dos estados do Amapá, Pará e Maranhão, os manguezais
são bem desenvolvidos, extensos, e suas árvores podem alcançar mais de 30 metros de altura. É neste
segmento do litoral brasileiro que se encontra a maior extensão contínua de manguezais do mundo,
nos estados do Pará e Maranhão.
686
Manguezal: ecossistema entre a terra e o mar
FIGURA 4 Mapa do Brasil mostrando a ocorrência de manguezais nos 17 estados da Federação, desde
o Amapá até Santa Catarina. O mapa também delimita as unidades de conservação (UCs) em que se
encontram os manguezais brasileiros (assunto tratado mais adiante no capítulo). Fonte: ICMBio (2018).
Em direção aos estados do Piauí, Ceará e norte do Rio Grande do Norte, as condições do
ambiente costeiro mudam (litorais com baixa pluviosidade), e os manguezais apresentam menor
desenvolvimento estrutural (altura das árvores e diâmetro dos troncos) e presença mais marcante
da feição apicum.
Do Rio Grande do Norte em direção aos litorais dos estados de Paraíba, Pernambuco, Alagoas
e Sergipe, os manguezais voltam a apresentar maior desenvolvimento estrutural de seus bosques. É
nesse segmento que vamos encontrar, no Arquipélago Fernando de Noronha, o manguezal do Sueste,
constituído por uma única espécie vegetal, Laguncularia racemosa (o mangue-branco) (Fig. 5).
687
Noções de Oceanografia
FIGURA 5. Manguezal da Baía do Sueste, em Fernando de Noronha (PE). Adjacente à praia do Sueste,
existe um cordão de dunas frontal parcialmente vegetado, exceto na desembocadura do Riacho Maceió.
O manguezal do Sueste possui 0,89 ha e está associado a um corpo lagunar posicionado a 2,40 m acima
do nível do mar, com cerca de 300 m de comprimento e 25 m de largura, encaixado paralelamente entre
o cordão de dunas frontal (2,5 m de altura) e cordão de dunas mais antigo (8-10 m), à retaguarda da
pequena planície costeira de 0,125 km2 (Barcellos et al., 2013). É o único manguezal de ilha oceânica do
Atlântico Sul, possuindo apenas uma espécie arbórea, o mangue-branco (Laguncularia racemosa). Foto
composta: A) ao fundo, Baía do Sueste registrada por Claudio Bellini; e B) desembocadura do Riacho
Maceió registrada por Clemente Coelho Junior.
Na Baía de Todos os Santos (BA), o terreno é fértil, e florescem manguezais com estruturas bem
desenvolvidas, chegando facilmente aos 15 metros de altura. Do litoral sul da Bahia até o Espírito
Santo encontramos um litoral marcado por estuários e baías, onde se desenvolvem bosques de mangue
bordejando suas margens.
A partir do Rio de Janeiro até o Sul, com a proximidade da Serra do Mar, o litoral fica estreito,
dando menos espaço para o desenvolvimento de extensos manguezais. Mas há exceções, como o
fundo da Baía de Guanabara (RJ), a porção norte da Baía de Sepetiba (RJ), a Baixada Santista (SP),
o Sistema Cananéia-Iguape (SP), a Baía de Paranaguá (PR) e a Baía da Babitonga (SC), onde
os bosques de mangue dominam as paisagens com seu verde escuro contrastante com os tons da
vegetação da restinga e da Floresta Atlântica. Os bosques de mangue atingem seu limite austral de
ocorrência em Laguna (SC).
O ecossistema manguezal é caracterizado pelo conjunto de árvores típicas, uma vez que são elas
que exibem aspectos marcantes, principalmente pelos sistemas de sustentação sobre o ambiente lamoso:
688
Manguezal: ecossistema entre a terra e o mar
Ao longo da costa brasileira ocorrem seis espécies típicas, distribuídas em três gêneros. As
plantas do gênero Rhizophora são conhecidas por mangue-vermelho, gaiteiro ou mangue-verdadeiro,
dentre outros. São três espécies desse gênero no Brasil: Rhizophora mangle, R. harrisonii e R. racemosa.
Destas espécies, somente R. mangle (Fig. 6) ocorre ao longo de praticamente toda a costa (limite
de ocorrência fica na latitude da Ilha de Santa Catarina). As outras duas espécies, R. harrisonii e R.
racemosa ocorrem desde o extremo norte do Brasil até o Delta do Parnaíba (PI).
As plantas do gênero Avicennia são conhecidas por mangue-preto, siriba, siriúba ou canoé (Fig.
7) e apresentam duas espécies no país: Avicennia schaueriana e A. germinans. A espécie A. schaueriana
ocorre ao longo de toda a costa brasileira, enquanto A. germinans ocorre desde o extremo Norte até o
norte do Rio de Janeiro.
689
Noções de Oceanografia
690
Manguezal: ecossistema entre a terra e o mar
Um traço comum entre essas espécies típicas de mangue é a tolerância ao sal, tanto do
sedimento, quanto da água que os banha, e a reprodução por meio de propágulos. Os propágulos
não são frutos nem sementes, mas estruturas reprodutivas que rapidamente formam uma nova
planta ainda presos à árvore-mãe, fixando-se ao encontrarem substratos favoráveis. Os propágulos
podem flutuar por meses na água do mar (mangue-vermelho), enquanto outros resistem apenas por
poucas semanas (mangue-branco e mangue-preto).
Crescendo sobre galhos e troncos das árvores de mangue, podem ser encontradas epífitas como
líquens, musgos, samambaias, gravatás, filodendros, orquídeas, cactos e até uma hemiparasita, a erva de
passarinho. O sistema de sustentação e o segmento dos troncos mais frequentemente banhados pelas
marés são colonizados por algas marinhas de diferentes grupos.
Nos terrenos mais elevados, raramente atingidos pelas marés, ocorrem espécies como o
algodoeiro-da-praia ou embira-do-mangue (Hibiscus tiliaceus var. pernambucensis), o avencão ou
samambai-do-mangue (Acrostichum aureum), o mangue-de-botão (Conocarpus erectus) e algumas
espécies de Ciperáceas. Na franja do mangue, em contato com o estuário, também é comum a presença
de vegetação de marismas, como o capim-marinho ou capim-praturá (Spartina spp.) na frente do
bosque de mangue, próximo ao curso d’água (Fig. 9).
691
Noções de Oceanografia
Alguns destes são encontrados em meio aquático (rio, estuário, laguna, mar). Peixes como baiacus,
robalos, tainhas, siris e até os carismático mamífero peixes-boi (Fig. 10). Há ainda os de vida livre que
voam, como insetos e aves, como, por exemplo, mutucas, maruins, mosquitos hematófagos, abelhas, e
aves como garças, colhereiros, guarás, martins-pescadores, biguás e o papagaio-de-cara-roxa.
FIGURA 10. Natália, uma fêmea de peixe-boi marinho nadando livremente na margem do rio Tatuamunha
(APA Costa dos Corais, AL). O peixe-boi é protegido por lei federal e está na lista de animais ameaçados.
Seu habitat, o manguezal (ao fundo), é explorado pelo turismo de observação de base comunitária no
litoral norte de Alagoas e em Mamanguape, no litoral paraibano. Foto: Clemente Coelho Junior.
692
Manguezal: ecossistema entre a terra e o mar
Animais arborícolas
Um segundo grupo de representantes da fauna de vida livre incluem os arborícolas que, em sua
maioria, vivem sobre as copas das árvores, incluindo o macaco-prego, a cobra caninana, lagartos e teiús.
Sobre os troncos, encontramos o caranguejo-marinheiro (Aratus pisonii, Fig. 11) e a maria-mulata (ou
aratu-do-mangue, Goniopsis cruentata). As copas das árvores ainda abrigam ninhos de várias espécies de aves.
FIGURA 11. Em destaque caranguejo marinheiro (Aratus pisonii) sobre tronco de mangue-vermelho (R.
mangle). Foto: Clemente Coelho Junior.
Animais sésseis
O termo “séssil” é sinônimo de imóvel. Estes são os organismos que colonizam os segmentos
das porções inferiores dos troncos e o sistema de sustentação do mangue, ou seja, os substratos duros
(consolidados) do manguezal. Exemplos desses animais são as cracas e as ostras, incluindo as ostras-
do-mangue brasileiras Crassostrea rhizophorae e C. brasiliana (Fig. 12).
FIGURA 12. Ostras fixadas em rizóforos do mangue-vermelho. Foto: Clemente Coelho Junior.
693
Noções de Oceanografia
Animais rastejadores
FIGURA 13. Caramujo Melampus coffea rastejando sobre a lama do manguezal, durante a maré baixa. Nas
marés enchentes ele costuma subir nas raízes e troncos. Foto: Clemente Coelho Junior.
Animais escavadores
Por conta do substrato inconsolidado, mole, sobre o qual crescem as árvores de mangue e,
consequentemente, se forma o ecossistema manguezal, há diversos animais que vivem enterrados ou
constroem galerias no sedimento do mangue. Entre eles, podemos citar os bivalves sururu, o mapé
e a unha-de-velho, e os crustáceos caranguejo-uçá (Ucides cordatus, Fig. 14), guaiamum (Cardisoma
guanhumi, este mais na transição com a terra-firme) e o caranguejo chama-marés (Uca spp.). O turu
ou teredo é um escavador mais críptico, tratando-se de um bivalve muito alongado que constrói suas
galerias dentro dos troncos de árvores e até em cascos de barcos.
FIGURA 14. Caranguejo-uçá, Ucides cordatus. Esta espécie tem grande importância ecológica e socioeconômica.
Suas galerias (ou tocas) levam oxigênio às raízes, e sua atividade de limpeza das tocas remobiliza o sedimento,
disponibilizando nutrientes para a vegetação de mangue e microalgas. A espécie tem valor nutricional, sendo
apreciado na gastronomia, e garante renda para as famílias tradicionais. Foto: Guilherme M. O. Abuchahla.
694
Manguezal: ecossistema entre a terra e o mar
3. Conectividade
Ecossistemas como os manguezais são sistemas abertos, ou seja, exercem influência sobre outros
sistemas adjacentes, ao mesmo passo que são influenciados pelos mesmos (Fig. 15). Esta troca de
influências, chama-se conectividade, que pode ser estrutural ou funcional com outros ecossistemas
costeiros. A seguir, exemplificaremos, superficialmente, manifestações dessa conectividade.
FIGURA 15. Rio Tatuamunha, em Porto de Pedras (AL), desembocando no mar da APA Costa dos Corais,
onde se localiza o projeto Peixe-Boi (ICMBio/CEPENE). Nota-se, nas margens do rio, bosque de mangue.
Ao fundo, as cores contrastantes revelam diferentes ambientes: praia, banco de gramas marinhas e
recifes de coral. Foto: Rafael Munhoz (Fundação Toyota do Brasil).
695
Noções de Oceanografia
FIGURA 16. Ciclo de vida de peixes lutjanídeos como exemplo de conectividade entre diferentes
ecossistemas. Figura Fundação SOS Mata Atlântica/Renata Mamede.
4. Serviços ecossistêmicos
Os primeiros registros sobre a ocorrência de árvores crescendo em ambientes de águas salgadas
datam de 325 A.C. e foram feitos pelos navegadores de Alexandre, o Grande, a respeito dos manguezais
no delta do rio Indo (atual Paquistão). Muitos séculos depois, quando do período das grandes
navegações, europeus relatavam o íntimo contato que os nativos de novas terras exploradas tinham
com os manguezais, onde chegavam a viver em alguns períodos do ano, fato que deixou registros
por meio do acúmulo de conchas, restos de caranguejos, ossos e espinhas de peixes acumulados e
consolidados em montes chamados sambaquis (Fig. 17), encontrados de norte a sul do Brasil (Fig. 7).
696
Manguezal: ecossistema entre a terra e o mar
FIGURA 17. Sambaqui recoberto por vegetação costeira. Os sambaquis podem alcançar dezenas de
metros de altura e centenas de metros de comprimento. Fonte: https://paineira.usp.br/aun/index.
php/2018/05/24/entre-sambaquis-e-o-valo-grande-a-historia-ambiental-de-santos-e-do-vale-do-ribeira-
e-investigada/ (Acesso: 13/05/2020, 10:30).
Os manguezais sempre ofertaram gratuitamente bens, alimentos e proteção aos seres humanos.
Assim foi que se formaram os primeiros povoados junto à costa, mais tarde dando origem às cidades
e metrópoles que vicejam ao longo do litoral. O ambiente abrigado do manguezal propiciava, além
de abundância de alimento e proteção contra as ondas e ressacas do mar, condições ideais para
estabelecimento de portos de pesca e atracagem. Estes e outros benefícios do manguezal e de outros
ecossistemas são chamados serviços ecossistêmicos e podem ser categorizados em serviços de suporte,
regulação, provisão e serviços culturais (Quadro 1).
Categorias Exemplos
Formação e estabilização do substrato
Ciclagem de nutrientes
Dispersão de propágulos
Suporte Conectividade da paisagem
Manutenção da biodiversidade
Exportação de biomassa
Berçário de espécies costeiras e marinhas
Alimento
Provisão
Matérias-primas
Controle de erosão
Retenção de sedimentos
Regulação
Anteparo para o avanço da maré (NMRM)
Estoque de carbono
Beleza cênica
Valor educacional
Culturais Recreação e turismo
Conservação da paisagem
Religioso e espiritual
697
Noções de Oceanografia
VOCÊ SABIA?
Entre os primeiros relatos conhecidos para o Brasil aparecem: “Tratado Descritivo do Brasil”,
de Gabriel Soares de Souza (1569-1587) (Souza, 1987). Referências aos manguezais da
Capitania de São Vicente podem ser encontradas nas “Cartas Jesuíticas”, do Padre José de
Anchieta (Anchieta, 1984). Imagem: http://www.mapas-historicos.com/atlas-miller.html.
No Brasil, e na grande maioria de países onde há manguezais, ainda podem ser encontradas
comunidades pouco numerosas, nas quais a economia de subsistência é intimamente ligada
ao ambiente costeiro e ao manguezal. Tais comunidades são, no Sul e Sudeste do nosso País,
denominadas comunidades praianas ou caiçaras.
698
Manguezal: ecossistema entre a terra e o mar
Muitos serviços ecossistêmicos também são difíceis de ser visualizados, geralmente enaltecidos
pela comunidade científica. Dentre eles, podemos destacar a estocagem de carbono. Baseando-se em
dados de aquecimento global e outras mudanças climáticas, formou-se a economia do carbono, que
atribui créditos à emissão de gases de efeito estufa, principalmente o monóxido de carbono (CO), o
dióxido de carbono (CO2) e o gás metano (CH4). Pesquisas recentes evidenciam que os manguezais
têm capacidade de estoque de carbono muito superior à de outras florestas tropicais, o que os torna
aliados importantes na tentativa de desacelerar as mudanças globais causadas direta e indiretamente
pela humanidade da era industrial.
Outro serviço intangível, e, por muitas vezes negligenciado, é o serviço cultural de ordem religiosa
ou espiritual. Ao redor do globo, incluindo o Brasil, é muito comum encontrar alguma lenda, mito ou
ritual associado ao ambiente do manguezal, o que só comprova o papel relevante deste ecossistema
para o desenvolvimento de diversas atividades culturais.
5. Impacto ambiental
Os impactos ambientais podem ser naturais ou induzidos pelo homem. Entre os naturais
estariam excesso de salinidade, periodos de estiagem prolongada, ressacas, entre outros. No contexto
dos impactos induzidos pelo homem, temos desde aterros, alteração do curso de rios, dragagens,
desmatamentos, lixões, portos, marinas, tanques de aquicultura, sobrepesca, mineração, assentamentos
humanos, entre outros.
Pesquisadores indicam a carcinicultura como a atividade atual que mais promove a supressão de
manguezais no mundo. Vastas áreas de vegetação de mangue são devastadas para que se construam
piscinas ou tanques de cultivo de camarão próximas à costa, o que facilita e barateia logisticamente a
atividade. A vida útil média de tais estruturas é de cerca de não mais que dez anos, porém os efeitos
adversos no ambiente (passivos ambientais) podem perdurar para sempre.
Portos e marinas
Assentamentos humanos
A grande maioria da população mundial vive a menos de 100 km da costa. Com a crescente
tendência de expansão das atividades econômicas, a população de grandes centros urbanos tende
a crescer, principalmente em suas periferias. Margens de estuário com manguezal tornam-se áreas
especuladas por condomínios de luxo ou por moradias de baixo-custo, como palafitas e outras, quando
não se tem planejamento urbano adequado.
699
Noções de Oceanografia
Sobrepesca
Poluição
Estruturas portuárias e cidades costeiras acabam por despejar, direta ou indiretamente, poluentes
de natureza diversa nos corpos d’água que banham os manguezais. Dentre eles, encontram-se
hidrocarbonetos (derivados de petróleo), detergentes e surfactantes, metais pesados, esgoto doméstico
e resíduos sólidos (os famigerados plásticos e microplásticos). Os rios podem também trazer poluentes
oriundos de atividades humanas à montante, como agrotóxicos lixiviados de plantações, efluentes da
cana-de-açúcar, esgoto doméstico de cidades distantes da costa, entre outros.
Atividades de mineração, muitas vezes próximas a rios, fazem com que partículas de solo e areia
cheguem ao ambiente do manguezal, o que provoca alterações no substrato. A drenagem de canais,
para facilitação de passagem de embarcações, provoca aceleração de correntes e, consequentemente,
aumenta a erosão. Encostas erodidas dificultam a manutenção da sustentação de árvores adultas
de mangue e dificultam o processo de estabelecimento de novos propágulos. Em geral, quaisquer
mudanças em cursos d’água têm grande efeito sobre o ecossistema manguezal e seu funcionamento;
por exemplo, o represamento de marés com diques e o a retificação de canais de maré ou rios.
700
Manguezal: ecossistema entre a terra e o mar
6. Legislação e conservação
Perante a legislação ambiental brasileira,o ecossistema manguezal tem categoria de Área de Preservação
Permanente (APP) em toda a sua extensão (Lei Federal no 12.651/2012). É o único ecossistema costeiro
que goza de tal categoria, garantindo destarte certo grau de proteção e de garantia aos demais ecossistemas
com os quais mantêm conectividade, como marismas, recifes de coral e pradarias marinhas.
O extenso litoral brasileiro conta com 18 estados costeiros (apenas o Rio Grande do Sul nao possui
manguezais), e a área total dos manguezais brasileiros tem cerca de 14 mil km2, equivalentes a 9% do
total global deste ecossistema. Cerca de 87% deles estão inclusos em Unidades de Conservação (UCs) no
Brasil (Fig. 4), sendo que 83% delas são de uso sustentável e 13% de proteção integral (ICMBio, 2018).
Dentre as estratégias adicionais para a conservação dos manguezais brasileiros, podemos destacar
a ratificação da Convenção de Ramsar, em 1996, e o Plano de Ação Nacional para a Conservação das
Espécies Ameaçadas e de Importância Econômica do Ecossistema Manguezal (PAN Manguezal), em
2004. O último tem como objetivo “aumentar o estado de conservação dos manguezais brasileiros, reduzindo a
degradação e protegendo as espécies-alvo, mantendo suas áreas e usos tradicionais, a partir da integração entre as
diferentes instâncias do poder público e da sociedade, incorporando os saberes acadêmicos e tradicionais, até 2019”.
Referências Bibliográficas
701
Noções de Oceanografia
702
Ecossistema marinho antártico
NOÇÕES DE OCEANOGRAFIA
Capítulo 31
ECOSSISTEMA
MARINHO ANTÁRTICO
Paulo Yukio Gomes Sumida, Karin Lütke Elbers,
Arthur Ziggiatti Güth, Angelo Fraga Bernardino
& Phan Van Ngan
703
Noções de Oceanografia
CITAÇÃO SUGERIDA: SUMIDA, Paulo Yukio Gomes et al. Ecossistema marinho antártico. In:
HARARI, Joseph (org.). Noções de Oceanografia. São Paulo: Instituto Oceanográfico, 2021.
E-book. Cap. 31: p. 705-728.
704
Ecossistema marinho antártico
1. A região Antártica
O Continente Antártico, ou Antártica1, distribui-se em latitudes que vão de 90°S (Polo Sul
geográfico) a cerca de 60°S na porção mais ao norte da Península Antártica, sendo o quinto maior
continente2 do planeta com quase 14 milhões de km2 (Fig. 1), o que representa cerca de 1,6 vezes o
tamanho do território brasileiro.
FIGURA 1. Localização e topografia do Continente Antártico e do Oceano Austral. Faixas radiais indicam
territórios reivindicados. Fonte: modificado de Hugo Ahlenius, UNEP/GRID-Arendal.
1
Antártica ou Antártida? Etimologicamente o nome do continente vem de sua oposição à região Ártica (que é denominada a partir
da constelação da Estrela Polar, Ursa Menor; sendo arktos urso em grego). Ou seja, Antártica significa literalmente o ‘anti-Ártico’. Na
língua portuguesa, o termo Antártica é mais utilizado, no entanto, tanto Antártica ou Antártida são igualmente corretos.
2
Ao contrário da região Antártica, que é formada por uma massa de terra cercada por um oceano, a região Ártica é formada por um oceano
(Oceano Ártico) cercado por terras. Não há um continente sob o Polo Norte, apenas um oceano coberto por uma calota de gelo polar.
705
Noções de Oceanografia
A Antártica e o oceano que a circunda, chamado Oceano Austral, formam a Região Antártica, que cobre
mais de 45 milhões de km2, ou quase 10% da superfície terrestre. As condições climáticas, as características
ambientais e o funcionamento do ecossistema do Continente Antártico e do Oceano Austral fazem desta
região um ambiente muito peculiar e com atributos únicos em relação a outras regiões do planeta.
O continente é famoso por seus extremos: é considerado o mais frio, o mais alto, o mais seco e
o mais ventoso. As temperaturas na Antártica estão entre as mais baixas do planeta. A média anual
de temperatura no Polo Sul geográfico é de -49°C. No entanto, o Polo Sul não é o local mais frio
do continente, e sim a região conhecida como Domo A, que é uma elevação no platô do manto de
gelo da Antártica Oriental com 4.093 m de altitude e onde a temperatura média anual gira em torno
de -58,3°C e desconfia-se ocorrerem as menores temperaturas absolutas do planeta. Oficialmente a
menor temperatura da Terra foi registrada na estação de pesquisa russa Vostok, próxima ao Domo A,
quando no mês de julho de 1983 os termômetros marcaram -89,2°C.
A altitude média do continente está em torno dos 2.000 m, o que é três vezes superior à média
de qualquer outro continente. No entanto, o que confere a este continente suas grandes altitudes é o
manto de gelo antártico, uma camada de gelo com espessura média de 1.829 m e máxima de 4.776
m que recobre 99,7% do continente3. Sob ele encontram-se não só as rochas continentais, mas rios e
lagos subglaciais, sendo o maior deles o lago Vostok, com aproximadamente 14.000 km2, localizado
entre 3.750 e 4.150 m abaixo da estação russa, com profundidades que variam de 200 a 800 m.
Se todo o manto de gelo antártico derretesse, ou seja, cerca de 30 milhões de km3 de gelo
(ou 30 ⸳ 1018 litros), o continente perderia cerca de 50% de sua área, fazendo com que muitas de
suas feições características se transformassem em ilhas, como por exemplo, a Península Antártica.
Calcula-se que o derretimento do manto de gelo antártico elevaria o nível do mar em 60 m.
3
O manto de gelo antártico corresponde a cerca de 90% de todo o gelo e de 70% da água doce mundial. Como comparação, a Bacia
Amazônica detém cerca de 20% de toda água doce em estado líquido presente no planeta.
706
Ecossistema marinho antártico
As chuvas e neve são mais comuns na região costeira da Antártica. Isso porque sistemas
atmosféricos provenientes de latitudes mais baixas podem atingir a costa, trazendo massas de
ar mais úmidas. Sobre o Oceano Austral existem centros de baixa pressão que formam uma faixa
circumpolar em torno das latitudes 60-65°S, conhecido como cavado circumpolar, uma das regiões
mais tempestuosas do mundo.
O limite norte do Oceano Austral, o qual também limita a chamada Região Antártica, é
chamado de Zona da Frente Polar Antártica. É neste local em que a água fria e densa da Antártica
encontra as águas mais quentes e menos densas dos oceanos adjacentes (Atlântico, Pacífico e Índico),
afundando sob elas. Este local também coincide com a isoterma de 10°C do mês de fevereiro (mês
mais quente do ano). Sua posição média (latitude 58°S) está ao norte do Círculo Polar Antártico, no
entanto, esta barreira oceanográfica não possui um limite fixo, pois o seu extremo norte pode oscilar
de acordo com a posição das massas de água ao longo do ano.
De maneira geral, o Oceano Austral tem uma largura que varia de 200 a 1.000 km,
abrangendo uma área que equivale a cerca de 10% do oceano global. A enorme quantidade de
gelo presente no manto antártico faz com que a massa de rocha continental esteja afundada
cerca de 500 a 1.000 m em relação a outros continentes4. Em consequência, a plataforma
continental antártica é também mais estreita (com exceção dos mares de Ross e Weddell) e
mais profunda do que as plataformas em outros lugares da Terra. Assim, enquanto os mares
sobre essas plataformas continentais têm profundidade máxima de 200 m, na Antártica, a
profundidade das águas ao redor do continente varia entre 500 e 750 m. A região mais profunda
do Oceano Austral possui 7.235 m.
A característica mais importante da Região Antártica, tanto em termos físicos como biológicos,
é a sazonalidade. Todo ano, durante o inverno, uma área de cerca de 20 milhões de km2 é adicionada
ao continente através da formação de uma camada de gelo marinho de até 3 metros de espessura (a
média é de 1 m) sobre o Oceano Austral (Figs. 2 e 3).
No verão, a área de gelo que recobre o oceano reduz-se em 1/5 (cerca de 4 milhões de km2).
Este processo de avanço e retração da banquisa de gelo é considerado o maior processo sazonal
da Terra e possui papel fundamental no sistema climático global, já que altera o albedo e as trocas
de calor e umidade com a atmosfera. Além disso, possui um efeito marcante sobre a biota do
Oceano Austral.
4
Este fenômeno, conhecido como depressão isostática, surge em decorrência do equilíbrio das placas tectônicas sobre a camada de
magma da astenosfera terrestre, que é dependente da densidade e do peso das placas.
707
Noções de Oceanografia
FIGURA 2. Formação do gelo marinho no Oceano Austral: A) estágio de formação de uma banquisa
(pack ice), conhecido como banquisa aberta, em que as placas de gelo (pancake ice) ainda não estão em
contato entre si (Margherite Bay, Antártica); e B) gelo fixo; Navio de Pesquisa (quebra-gelo) Nathaniel B.
Palmer (EUA) (Margherite Bay, Antártica). Imagens: Arthur Z. Güth (Laboratório de Ecologia e Evolução de
Mar Profundo, Instituto Oceanográfico, Universidade de São Paulo).
FIGURA 3. Extensão média do gelo marinho no Oceano Austral entre 1979 e 2002/2003: A) durante os meses
de setembro (Inverno); e B) fevereiro (Verão). Fonte: modificado de Hugo Ahlenius, UNEP/GRID-Arendal
708
Ecossistema marinho antártico
O padrão de circulação do vento sobre o Oceano Austral é considerado mais intenso e constante
do que em qualquer outra região do mundo. São estes campos de vento que governam sua circulação
superficial. As correntes superficiais mais importantes presentes no Oceano Austral são a Corrente
Circumpolar Antártica (CCA) e Corrente Costeira Antártica (CCoA).
A CCA é considerada a maior corrente oceânica do mundo, que flui de oeste para leste ao
redor da Antártica com velocidades relativamente baixas (20 a 40 cm/s), mas que atingem velocidades
maiores em regiões de estrangulamento, como na Passagem de Drake.
A CCoA é governada pelo regime costeiro de ventos de leste, originado no centro de alta
pressão existente sobre o manto de gelo continental, portanto, flui no sentido contrário da CCA com
velocidades entre 2,5 e 25 cm/s e está localizada mais próxima à costa. No entanto, a CCoA não é uma
corrente circumpolar contínua, ela sofre interrupções ao longo da Península Antártica e nos mares de
Ross e Weddell devido a presença das plataformas de gelo.
As massas de água ao redor do continente circulam sobre um fundo oceânico formado por
bacias oceânicas com profundidades entre 4.000 e 7.000 m, rodeadas por montes e elevações
submarinas que tendem a restringir e desviar a passagem de massas de água. Em áreas mais próximas
à costa, as correntes e as propriedades das massas de água são influenciadas principalmente pela
profundidade da plataforma continental e, em determinados locais, como no Mar de Ross e no
Mar de Weddell por sua grande extensão. Na Região Antártica é formada a Água Antártica de
Fundo (AAF), rica em oxigênio, que circula lentamente junto ao assoalho oceânico, demorando
centenas de anos até retornar a superfície.
A região costeira antártica é composta por diversas feições rochosas e sedimentares associadas
ao gelo, neve, solo, permafrost (solo permanentemente congelado), lagos e rios de degelo. Estes habitats
abrigam uma baixa biodiversidade de organismos constituídos por invertebrados, micro-organismos,
liquens, fungos, musgos, microalgas e apenas duas espécies nativas de plantas com flores: Deschampsia
antarctica e Colobanthus quitensis (Fig. 4).
A maior parte destes organismos está confinada à região costeira do continente não coberta
pelo manto de gelo, condição mais comum na Península Antártica e nas ilhas subantárticas (e.g.
Ilhas Geórgia do Sul, Shetlands do Sul, Macquarie, Kerguelen, dentre outras), formando um
bioma conhecido como tundra antártica. No interior do continente a biodiversidade é ainda mais
baixa, sendo que apenas bactérias, algas, liquens, protozoários, tardígrados e rotíferos residem neste
ambiente tão inóspito.
709
Noções de Oceanografia
Os musgos e líquens constituem a maior parte dos organismos observados na tundra antártica.
Mais de 250 espécies de liquens e 100 espécies de musgos já foram descritas na Antártica. Ambos
podem formar extensos campos, pequenas áreas ou até pequenos tufos isolados.
Todos estes organismos contribuem para o colorido observado nas encostas rochosas e planícies
das regiões livres de gelo durante os meses mais quentes e servem de hábitat ou alimento para os
pequenos invertebrados (Fig. 4).
FIGURA 4. Flora da região costeira antártica em áreas expostas durante o verão: A) Comunidade de
planta com flores, musgos e liquens ao redor da estação Copacabana (EUA); B) Colobanthus quitensis;
C) líquen Usnea aurantiacoatra; e D) microalgas habitando o gelo (Baía do Almirantado, Ilha Rei George,
Arquipélago Shetlands do Sul). Imagens: Karin L. Elbers (Laboratório de Ecologia e Evolução de Mar
Profundo, Instituto Oceanográfico, Universidade de São Paulo).
5
Organismos que até a década de 1970 eram agrupados sob um mesmo táxon (Bacteria), mas agora tratados como do Reino
Archaea. Apesar de morfologicamente semelhantes às bactérias, são estrutural e metabolicamente muito diferentes e são comumente
encontrados em ambientes extremos, tais como fontes hidrotermais, lagos e mares hipersalinos e ambientes ricos em gás sulfídrico ou
metano.
710
Ecossistema marinho antártico
Aves e pinípedes (focas e leões-marinhos) também ocupam as áreas terrestres da região costeira,
mas buscam alimento no oceano. Estes grandes organismos contribuem para o ecossistema terrestre
através de restos de alimento, cadáveres, fezes e como hospedeiros dos invertebrados parasitas. Por
exemplo, o gaivotão antártico (Larus dominicanus) alimenta-se de um gastrópode muito comum na
zona entre marés chamado Nacella polaris, deixando conchas e restos orgânicos sobre as encostas. A
única ave realmente terrestre é a pomba-antártica (Chionis alba), que se alimenta de carcaças, fezes,
ovos e restos de alimentos.
Assim como no Oceano Austral, a sazonalidade também é bem marcada nos ambientes
costeiros. Nos meses de verão as temperaturas são mais altas, os períodos de luz são maiores e uma
pequena parcela da área terrestre permanece livre de gelo. Porém, no início do inverno, as temperaturas
começam a diminuir, juntamente com os períodos de luz, e toda essa região começa a ser recoberta
por gelo e neve. Desse modo, os organismos terrestres estão adaptados e respondem rapidamente a
estas mudanças de diversas formas. A sincronização do ciclo de vida (reprodução, crescimento) com
os regimes de temperatura, luz e disponibilidade de água é uma estratégia de sobrevivência neste
ambiente. Por exemplo, alguns organismos possuem formas de resistência (cistos) nos meses de
inverno, um mecanismo que os protege do frio e da dessecação.
6
Estão presentes em regiões subantárticas 387 espécies de invertebrados terrestres: 127 nas áreas costeiras e 107 no interior do
continente. Cabe ressaltar que muitas dessas espécies podem viver em mais de uma região.
711
Noções de Oceanografia
O avanço e retração sazonal do gelo marinho interfere nos níveis de produção primária já que
durante os meses de inverno o gelo cobre grande parte do Oceano Austral, impedindo a passagem
da luz. Durante a formação do gelo sobre o oceano, há incorporação e desenvolvimento de algas
(conhecidas como 'algas do gelo') e a formação de um complexo sistema microbiano nos buracos e
na superfície inferior do gelo que permanece em contato com a água do mar. As algas do gelo podem
sobreviver com apenas 1% da luz incidente, em um ambiente frio e super-salino (-10°C e 150 psu7).
7
A salinidade média dos oceanos gira em torno de 35 psu (Unidades Práticas de Salinidade).
712
Ecossistema marinho antártico
Os macronutrientes presentes na água do mar do Oceano Austral, como nitrato, fosfato e silicato,
geralmente ocorrem em quantidades não limitantes à produção primária, mesmo quando ocorrem os
picos de floração do fitoplâncton. Em geral, a disponibilidade de micronutrientes como íons Ferro
(Fe2+) limita a produção primária em áreas afastadas do continente antártico, isto porque grande parte
do Oceano Austral possui um suprimento de ferro (principalmente de fontes eólicas) muito baixo
(e.g.: 0,1 g ⸳ C/m2/ano), provocando baixos níveis de ferro dissolvido (0,16 nmol/kg) na água do mar.
Estudos de fertilização marinha com Ferro têm sido realizados desde a década de 90 para testar a
hipótese da limitação da produtividade por ferro na região11.
8
Regiões oligotróficas consistem em locais com baixa concentração de nutrientes e baixa produtividade biológica (e.g.: as vastas
regiões de giro subtropical), já as regiões ricas em nutrientes e com alta produtividade biológica são chamadas de eutróficas.
9
Em algumas regiões costeiras da Antártica, os valores de produtividade primária podem ultrapassar 3 g ⸳ C/m2/dia. Porém, valores
acima de 5 g ⸳ C/m2/dia já foram registrados no Oceano Austral.
10
Os nutrientes podem ser classificados em macro e micronutrientes. Macronutrientes são os necessários em grande quantidade e
fornecem energia e componentes necessários para o crescimento e manutenção, enquanto os micronutrientes são necessários em
pequenas quantidades (mili ou microgramas).
A idéia de que a deficiência de ferro em águas antárticas limitava o crescimento do fitoplâncton na região foi proposta por J. H.
11
Martin e colaboradores em 1990. Esta deficiência evitaria a ocorrência de florações de fitoplâncton e a utilização por completo dos
nutrientes disponíveis.
12
Larvas holoplanctônicas constituem o grupo de larvas de organismos que passam todo o seu ciclo de vida no plâncton
(holoplâncton) como, por exemplo, a larva náuplio dos copépodes. Larvas meroplanctônicas (meroplâncton) são aquelas que se
desenvolvem na coluna de água, mas se assentam e se tornam adultas no bentos, como algumas espécies de estrela-do-mar.
13
Ictioplâncton consiste no conjunto de ovos e larvas de peixes presentes no plâncton.
713
Noções de Oceanografia
Esta alta abundância pode ser explicada pelo acoplamento dos ciclos de vida de muitas espécies
herbívoras do zooplâncton com a sazonalidade e ciclos reprodutivos de populações do fitoplâncton.
Algumas espécies que pastejam apenas durante o verão acumulam lipídios de modo a suprir a falta de
alimento no inverno e várias espécies predadoras podem se reproduzir, crescer e se alimentar ao longo
do ano todo. Muitas destas espécies dependem do gelo marinho como hábitat ou para a alimentação
e são chamadas de fauna criopelágica. O zooplâncton criopelágico se alimenta das algas e micro-
organismos que se desenvolvem nos buracos a na superfície inferior da camada de gelo.
Os organismos do zooplâncton também podem ser encontrados desde a superfície até regiões
mais profundas do oceano. Algumas espécies de copépodes, por exemplo, são migrantes sazonais,
ou seja, ao longo do ano eles vivem em diferentes profundidades para reprodução, crescimento e
alimentação. Outras realizam migrações verticais diárias, permanecendo em regiões mais profundas
durante o dia e retornando à superfície durante a noite. A presença de indivíduos zooplanctônicos
em diferentes profundidades ao longo do ano, aliada a diferenças na distribuição espacial e temporal,
também pode ser uma estratégia para evitar a competição inter-específica por alimento.
714
Ecossistema marinho antártico
Apesar de existir mais de uma espécie de krill, a mais conhecida e abundante é a Euphausia
superba, que ocorre em torno de todo o continente. Este pequeno crustáceo, com pouco mais de
6 cm de comprimento e cerca de 1 a 2 gramas de peso, ocorre em grande número. Calcula-se que
a população total de krill nas águas antárticas gire em torno de 600 trilhões de indivíduos, ou 19
milhões/km2, e biomassa total de krill de ca. 650 milhões de toneladas.
Não é de se admirar que o krill sirva de alimento, direta ou indiretamente, para uma ampla gama
de grandes predadores, entre baleias verdadeiras, focas, pinguins, lulas, peixes e outros invertebrados.
Isso faz com que a cadeia alimentar antártica seja abreviada em alguns ramos (e.g.: fitoplâncton -
krill - baleias), embora esteja longe de ser simples (Fig. 7). Alguns organismos podem apresentar
uma dieta quase exclusiva de krill e estima-se que os predadores de krill consumam cerca de 250
milhões de toneladas a cada ano.
715
Noções de Oceanografia
Estes estoques são importantes para a reprodução e manutenção das populações na região. Alguns
superagregados de krill podem conter 2,1 milhões de toneladas em 450 km2, apesar de agregados de
10 a 100 toneladas serem mais comuns.
O ciclo de vida do krill é muito peculiar. Os ovos fertilizados são liberados na água e os
embriões desenvolvem-se à medida que afundam até a eclosão, que pode ocorrer a cerca de 750 m
de profundidade. A partir daí os estágios larvais começam uma migração em direção à superfície,
onde chegam como estágios larvais avançados ou pós-larvas e ali permanecem até atingir o estágio
adulto. Estudos sugerem que o krill alcance um tamanho de 6 centímetros em 2 ou 3 anos, podendo
viver até mais de 7 anos.
Existem inúmeras espécies de peixes vivendo no Oceano Austral, sendo uma grande parte
endêmica da região (90%, no caso de peixes bentônicos). Só a Subordem Notothenioidei engloba
14
Animais termoconformadores são aqueles incapazes de regular a temperatura corpórea (em oposição aos termorreguladores). São
também chamados de animais de “sangue frio”. Apesar disto ser verdade na Antártica, nem sempre um animal termoconformador
possui sangue frio, pois isso depende da temperatura do meio onde vive.
716
Ecossistema marinho antártico
mais de 120 espécies, sendo que a família dos bacalhaus antárticos (Nototheniidae) representa a maior
parte delas (cerca de 50 espécies que vivem por toda a coluna de água), seguida pela família dos peixes
de gelo ou icefish (Channichthyidae).
Estes últimos são muito interessantes por não possuírem hemoglobina, uma vez que a alta
solubilidade do oxigênio em baixas temperaturas, aliada a uma taxa metabólica muito reduzida, permite
que o oxigênio seja transportado dissolvido no sangue, sem a ajuda de um pigmento respiratório.
A ausência da hemoglobina torna estes peixes tipicamente transparentes e com órgãos internos
esbranquiçados (Fig. 8).
FIGURA 8. A) Coleta de Notothenia rossii na Baía do Almirantado; B) Peixe de gelo (icefish) sobre fundo
lamoso coberto de ofiuroides. Imagens de: A) Edson Rodrigues (Universidade de Taubaté – UNITAU); B)
Julian Gutt (Alfred-Wagener-Institut – AWI; expedição Ant-XXIII/8 do Navio de Pesquisa Polarstern).
Muitos se apoiam sobre algum substrato ou se protegem entre algas e rochas, porém, para
algumas espécies esta associação com o fundo pode ocorrer apenas em determinada idade ou fase da
vida. Esta relação com os fundos oceânicos resulta em uma distribuição bastante ampla de algumas
espécies, podendo atingir até cerca de 4.000 m de profundidade, como por exemplo, a merluza negra
ou merluza da Patagônia (Dissostichus eleginoides).
15
Skua, pinguim-imperador e o petrel-antártico.
717
Noções de Oceanografia
FIGURA 9. Aves marinhas antárticas: A) skua-antártica (Stercorarius sp.); B) ninho com ovo de skua-
antártica; C) gaivotão (Larus dominicanus); e D) biguás-de-olhos-azuis (Phalacrocorax atriceps). Ilha Rei
George, arquipélago Shetlands do Sul. Imagens: Karin L. Elbers (Laboratório de Ecologia e Evolução de
Mar Profundo, Instituto Oceanográfico, Universidade de São Paulo).
Existem mais de vinte espécies de pinguins habitando o planeta. Apenas uma espécie habita
a região equatoriana, nas Ilhas Galápagos; muitas ocorrem em regiões temperadas do Hemisfério
Sul (e.g.: Spheniscus magellanicus, conhecido como pinguim-de-magalhães, que habita a porção mais
meridional da América do Sul) e a maioria pode ser encontrada na Antártica e ilhas subantárticas,
como o pinguim-de-adélia (Pygoscelis adeliae), pinguim-marcaroni (Eudyptes chrysolophus), pinguim-
gentoo ou papua (Pygoscelis papua), entre outros (Fig. 10).
718
Ecossistema marinho antártico
Uma das características mais marcantes da maioria das espécies de aves marinhas antárticas é a
migração. Durante a primavera e verão as aves procuram locais na região costeira para a reprodução e
construção de ninhos, nas encostas ou nas colônias de reprodução, que ficam livres de gelo nesta época
do ano. Durante o inverno, muitas espécies migram em direção ao Norte, para regiões mais quentes.
Uma das poucas espécies que permanecem durante o inverno na Antártica é o pinguim-
imperador, a maior espécie de pinguim (adultos podem atingir 1,22 m). Esta espécie possui
719
Noções de Oceanografia
FIGURA 11. Pinguineiras de pinguim-papua (Pygoscelis papua): A) Ilha Rei George, arquipélago Shetlands
do Sul; e B) Ilha Petermann, lado oeste da Península Antártica, considerada a colônia mais austral
desta espécie. Imagens: Karin L. Elbers (Laboratório de Ecologia e Evolução de Mar Profundo, Instituto
Oceanográfico, Universidade de São Paulo).
Os mamíferos marinhos antárticos são os mais importantes predadores de pinguins e outras aves
marinhas e são considerados os predadores do topo da cadeia alimentar do Oceano Austral. Eles são
representados por dois grupos: 1) os cetáceos (Ordem Cetacea), que inclui as baleias e golfinhos; e 2)
os pinípedes (Infraordem Pinnipedia), que inclui as focas, lobos-marinhos, leões-marinhos e elefantes-
marinhos. Ambos possuem adaptações para viverem sob regimes de temperatura extremamente baixos,
como por exemplo, o desenvolvimento de uma grossa camada de gordura logo abaixo da pele, isolando
e diminuindo a perda de calor corporal para o ambiente.
Entre os cetáceos, são poucos os que vivem permanentemente na região antártica ou subantártica,
chamados de residentes (e.g.: baleia-bicuda-de-arnoux e golfinho-cruzado ou ampulheta). A maioria
das espécies de baleias realiza migração no início do outono, em busca de água tropicais quentes para
a reprodução e nascimento dos filhotes, que não possuem uma camada de gordura suficientemente
desenvolvida ao nascerem, para suportar o frio antártico.
Na primavera elas retornam para as águas do Oceano Austral, onde se alimentam até o
início do outono seguinte. Por exemplo, as baleias jubarte (Megaptera novaeangliae) passam o
verão nos arredores de ilhas subantárticas, mas durante o inverno se acasalam e têm filhotes
na região nordeste do Brasil. Outras baleias de barbatana (Subordem Mysticeti) que realizam
migração anual são as baleias minke, azul, fin, sei e franca, que se alimentam principalmente do
krill nas águas do Oceano Austral.
720
Ecossistema marinho antártico
Alguns cetáceos com dentes (Subordem Odontoceti), como os cachalotes e as orcas, podem
permanecer durante o inverno no Oceano Austral. No caso dos cachalotes, apenas os machos vivem
nesta região, pois as fêmeas permanecem em água tropicais e subtropicais. Eles se alimentam de
lulas, polvos e peixes, enquanto as orcas, além destas presas, consomem pinguins e outras aves,
pinípede e outras baleias.
Os pinípedes são mamíferos marinhos aptos a viver na terra e no mar, mas é na água que
mostram sua grande agilidade. Os lobos e leões-marinhos (Família Otariidae) possuem orelha e são
um pouco mais ágeis em terra que as focas verdadeiras e elefantes-marinhos (Família Phocidae),
que não possuem orelha externa e geralmente se deslocam em terra rastejando.
Estes grupos alimentam-se no mar, de peixes, crustáceos e lulas, mas se reproduzem em terra,
tendo apenas um filhote por vez, que pode viver até cerca de 25 anos. Algumas espécies presentes
na Antártica são: a foca-caranguejeira (Lobodon carcinophagus), a foca-de-Weddell (Leptonychotes
weddellii), a foca-leopardo (Hydrurga leptonyx), o lobo-marinho-antártico (Arctocephalus gazella) e o
elefante-marinho (Mirounga leonina) (Fig. 12).
721
Noções de Oceanografia
Em regiões onde o impacto físico causado por icebergs ou gelo ancorado é reduzido, as
comunidades bentônicas apresentam-se abundantes e frequentemente com alta diversidade. Estas
comunidades são dominadas principalmente por equinodermes (estrelas-do-mar, pepinos-do-mar,
ouriços, lírios-do-mar e ofiuróides ou serpentes-do-mar), esponjas, anêmonas, gorgônias, vermes e
crustáceos (Fig. 13).
Animais tais como, crustáceos e moluscos, acumulam sais e compostos orgânicos que reduzem
o ponto de congelamento dos fluidos corpóreos.
A maioria dos organismos marinhos bentônicos da Antártica depende da matéria orgânica produzida
pelo fitoplâncton na coluna de água, salvo exceções em áreas costeiras dominadas por macroalgas. A
produtividade primária do fitoplâncton é altamente sazonal ao redor do continente antártico.
16
A fossa das Ilhas Sanduíche do Sul possui 7.235 m de profundidade e constituem a região mais profunda do Oceano Austral.
17
Icebergs são formados pela quebra de grandes blocos de gelo da calota polar em áreas costeiras. Eles podem atingir dimensões
gigantescas de, por exemplo, 240 km x 110 km.
18
Processo pelo qual os icebergs produzem cicatrizes no assoalho oceânico quando a profundidade da coluna de água é menor do que
o tamanho de sua parte submersa.
Foram encontradas marcas no assoalho oceânico a 450 metros de profundidade, provavelmente causadas por icebergs gigantescos.
19
722
Ecossistema marinho antártico
Durante o verão ocorre um crescimento rápido do fitoplâncton estimulado pela presença de luz
e nutrientes adequados. A transferência de alimento da coluna d’água para o ecossistema bentônico
pode ocorrer de forma direta (afundamento de biomassa fitoplanctônica) ou através da cadeia alimentar
pelágica, passando pelos micróbios e animais herbívoros (e.g. krill), antes de chegar ao fundo sob a
forma de excretas ou restos de animais.
723
Noções de Oceanografia
Apesar do alto endemismo, a fauna e a flora terrestres possuem, em geral, baixa biodiversidade
se comparada a outros continentes. Plantas superiores praticamente não ocorrem no continente e
não existem vertebrados terrestres nativos. Algumas espécies de liquens e vegetais ocorrem nas ilhas
oceânicas próximas ao continente, sendo que os principais grupos de animais são representados por
aves e mamíferos marinhos que utilizam estas regiões principalmente para alimentação e reprodução.
O Oceano Austral conecta-se com todas as maiores bacias oceânicas – Oceanos Pacífico, Atlântico,
e Índico, o que promove uma relativa conexão com os demais ecossistemas marinhos mundiais. Apesar
de a Zona da Frente Polar Antártica limitar parte da dispersão de organismos marinhos planctônicos
para os oceanos adjacentes, ela não é uma barreira à migração de muitos organismos pelágicos ou
bentônicos. Como resultado, muitos peixes e invertebrados bentônicos que habitam a plataforma
continental antártica (tipicamente com 600 m de profundidade), ocorrem em regiões oceânicas ao
largo da América do Sul e das demais bacias oceânicas profundas.
4.1 Pesca
A pesca comercial tem levado ao colapso vários estoques mundiais de peixes em virtualmente
todos os oceanos e mares conhecidos. Os impactos da pesca são altamente destruidores por vários fatores.
Primeiro, a alta frequência com que regiões marinhas são pescadas não permite a recuperação
dos estoques, sendo que algumas áreas são pescadas centenas de vezes por ano. Dessa forma, estas
comunidades permanecem num constante estado de degradação, que é acentuado pela natureza
das espécies pescadas que apresentam lento crescimento e maturação tardia (e.g. baleias e outros
mamíferos marinhos).
As expedições baleeiras que ocorreram nos séculos XIX e XX ao redor da Antártica quase
dizimaram por completo as populações de focas e baleias da região. Com o esgotamento dos estoques
pesqueiros mundiais, é altamente provável que a pesca na Antártica seja direcionada para outras espécies
de menor valor comercial, o que iria potencializar os danos nos ecossistemas devido à utilização de
outras técnicas de pesca, as quais promovem alta destruição de habitats e morte de espécies associadas.
O segundo fator que acentua os danos causados pela pesca predatória na Antártica, correlaciona-
se com a diminuição da extensão da cobertura por gelo e início antecipado do seu derretimento. Com
a diminuição da camada de gelo sobre os mares Antárticos, aumentou o acesso de frotas pesqueiras à
estoques que antes estavam fora do seu alcance.
725
Noções de Oceanografia
A diminuição na cobertura por gelo e mudanças no início do seu derretimento podem levar a
alterações significativas nos ciclos de vida dos organismos associados, afetando toda a cadeia trófica
Antártica que depende energeticamente da produção sazonal de alimento produzido no verão. Por
exemplo, o ciclo do krill – a principal fonte de alimento das baleias e pinguins durante o verão
Antártico – está intimamente associado à dinâmica de derretimento do gelo marinho e ao ciclo dos
nutrientes no mar, indicando que qualquer alteração significativa nesses processos podem impedir que
estoques inteiros de krill não se desenvolvam durante o verão, com consequências dramáticas para as
baleias e outros predadores. A partir da década de 1970, os estoques de krill foram reduzidos em mais
de 50% na região da Península Antártica. No mesmo período, houve também uma drástica redução
no número de pinguins-de-adélia (Pygoscelis adeliae) se reproduzindo nessa área. Contudo, não foi
comprovada a relação de causa e efeito entre esses dois fenômenos.
Os cientistas ainda tentam compreender a importância que o Oceano Austral tem no sequestro
de carbono antropogênico que se acumula na atmosfera no decorrer dos anos, e procuram descobrir
como a dinâmica das comunidades marinhas planctônicas influencia esse sequestro. Na Antártica
também se formam as massas de água frias e densas que afundam próximo ao continente e percorrem as
grandes bacias oceânicas, levando nutrientes e oxigênio para as espécies de mar profundo a milhares de
quilômetros de distância da Antártica. É possível que a entrada de água doce oriunda do derretimento
das geleiras altere o balanço físico-químico dessas massas de água, acarretando em mudanças na
circulação oceânica profunda com efeitos negativos para as comunidades bênticas ao redor do globo.
permitem que ocorram reações que formam substâncias químicas que destroem a camada de ozônio,
principalmente durante a primavera. Em setembro de 2000 foi detectado o maior buraco na camada
de ozônio medido pelo homem com cerca de 28,3 milhões de km2. A última medição em 2009
registrou um buraco de 24,1 milhões de km2 (Fig. 15).
FIGURA 15. Gráfico superior: média (período de 7 de setembro a 13 de outubro) da área do buraco de
ozônio em milhões de km2. Gráfico inferior: média (período de 21 de setembro a 16 de outubro) do mínimo
de ozônio (em Unidades Dobson –UD). Nota: Nenhum dado foi adquirido durante o período no ano de
1995. Fonte: NASA/Ozone Hole Watch – http://ozonewatch.gsfc.nasa.gov/.
SITES RECOMENDADOS
Cool Antarctica: <www.coolantarctica.com>
727
Noções de Oceanografia
Referências Bibliográficas
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728
MUSEU
OCEANOGRÁFICO
NOÇÕES DE OCEANOGRAFIA
Capítulo 32
EDUCAÇÃO
AMBIENTAL PARA
O MAR: MUSEU
OCEANOGRÁFICO
COMO ESPAÇO
EDUCATIVO
Elisabete de Santis Braga
731
Noções de Oceanografia
CITAÇÃO SUGERIDA: BRAGA, Elisabete de Santis. Educação ambiental para o mar: Museu
Oceanográfico como espaço educativo. In: HARARI, Joseph (org.). Noções de Oceanografia. São
Paulo: Instituto Oceanográfico, 2021. E-book. Cap. 32: p. 733-744.
732
Educação ambiental para o mar: Museu Oceanográfico como espaço educativo
“Recursos hídricos” é a expressão comumente associada à parcela de água utilizável pelos seres
humanos. No entanto, é mais do que isso. O desenvolvimento tecnológico permite inúmeros usos,
então praticamente toda a água da Terra seria utilizável, como é o caso da retirada de sais dissolvidos
da água dos oceanos e de outros depósitos de água salgada, tornando-a adequada ao consumo humano.
As tecnologias de dessalinização (retirada de sal) da água do mar ainda são muito caras, sendo pouco
exploradas. Tal processo é utilizado somente em locais realmente desprovidos de outras fontes de água,
como é o caso de algumas ilhas, como é Curaçao.
Para suprir suas necessidades, a humanidade conta principalmente com as águas dos lagos, dos
rios e de depósitos ou aquíferos subterrâneos. A má utilização da água agrava o problema da sua
reposição natural. Por exemplo, cerca de 70% da água utilizada na irrigação evapora ou infiltra-se
no solo sem efetivamente ser incorporada aos vegetais. Cerca de 40% da água distribuída pelas redes
urbanas é perdida em vazamentos. A escassez de água, em termos de qualidade, vem se tornando uma
realidade. Além disso, o uso na agricultura, indústria e doméstico são intensos.
A utilização dos corpos de água como grandes receptores de efluentes domésticos e industriais
é desmedida, colocando em risco a saúde, a biodiversidade e o equilíbrio ambiental. A poluição por
esgotos em regiões costeiras é vista como a mais importante preocupação em termos de poluição
marinha atual, sendo que o lixo plástico vem ganhando dimensão nesta última década. São milhões
de toneladas de esgoto sendo lançadas no mar. Esgoto este que pode ter de tudo, como detergentes,
pesticidas, hidrocarbonetos de petróleo, nutrientes em excesso, agentes patogênicos, medicamentos,
micro e nanoplásticos, dentre outras substâncias e materiais.
733
Noções de Oceanografia
O mar, devido ao seu imenso volume de água, é tido como grande diluente do material nele
inserido. No entanto, a realidade já não é mais essa, pois a inserção de material ocorre em uma
quantidade e velocidade tais que superam a capacidade de diluição nas zonas costeiras, ou seja, nas
margens dos continentes, onde a ação antrópica (resultante das atividades humanas) está mais presente.
A complexidade de interações que a água estabelece com o clima, o mar, a vida, as relações humanas,
os recursos vivos e não vivos, as lendas, a tecnologia, faz com que o roteiro de seu conhecimento possa
ter várias vertentes como as geológicas, físicas, químicas, biológicas, humanas, tecnológicas e assim vai.
A abordagem da água é múltipla e o Museu Oceanográfico adotou um percurso expositivo com foco
nos oceanos, mas que não perde de vista as relações da água com os demais temas.
FIGURA 1. Entrada do Museu Oceanográfico da USP: Embarcação Camboriú (A); e a roda do uso da água (B).
Fotos: Elisabete S. Braga.
734
Educação ambiental para o mar: Museu Oceanográfico como espaço educativo
A interação com o Planeta logo na entrada do Museu inicia a navegação na exposição, onde
a espiral histórica da geologia mostra diferentes momentos da formação da Terra com destaque ao
aparecimento dos oceanos. Segue-se a deriva continental, a interação ar-mar, e alguns aspectos da água
subterrânea com destaque ao aquífero Guarani.
FIGURA 2. Representação tridimensional do Planeta Terra (A). A espiral geológica, a deriva continental,
a circulação termohalina e o aquífero Guarani representados nas peças (B). Fotos: José Carlos Gonçalves
Dias (A) e Elisabete S. Braga (B).
FIGURA 3. Um pouco de história: o logotipo do Instituto Paulista de Oceanografia (A); o Prof. W. Besnard
(B); uma garrafa de deriva (C); a embarcação Camboriú (D); e o Navio Prof. W. Besnard, em construção (E).
Fotos: Acervo Museu Oceanográfico.
735
Noções de Oceanografia
Os oceanos, por sua vez, estão envolvidos no equilíbrio do clima no planeta. Assim, conhecer o
papel dos oceanos e da preservação de suas condições naturais é uma atitude que deve ser praticada
em todos os ambientes de formação dos cidadãos deste planeta, passando pela educação formal e por
todas as práticas educativas não formais, que alertam para a preservação e conservação deste enorme
reservatório de água do planeta que a Terra abriga.
A água salgada representa 97,5% da água do planeta, enquanto 2,5% é de água doce. A presença
de sais na água do mar e de diferentes átomos que atingiram as depressões oceânicas, lixiviados e
eliminados pelo vulcanismo nos momentos de grande intemperismo no planeta, contribuíam com
o acúmulo de sal nas bacias oceânicas.
FIGURA 4. Representação do inventário da água, com a grande porcentagem de água salgada. Foto:
Elisabete S. Braga.
A origem da vida associada aos oceanos é remetida em vários momentos na sopa de átomos e água
submetida a inusitadas cargas de energia e organização de moléculas, com forte participação de carbono.
736
Educação ambiental para o mar: Museu Oceanográfico como espaço educativo
FIGURA 6. A vida no mar: os átomos compondo o DNA (A); os diferentes ecossistemas (B); e esqueleto
de baleia (C). Fotos: Elisabete S. Braga.
737
Noções de Oceanografia
A interface entre os domínios da terra e do mar são amplas fronteiras onde o homem se relaciona
de modo direto ou indireto com a água e com os oceanos, considerando atividades de alimentação,
transporte, lazer, cultura, entre outras.
FIGURA 7. Os utensílios desenvolvidos para armazenar a água ao longo da história (A) e as construções
relacionadas à água, como os aquedutos (B). Foto: Elisabete S. Braga.
FIGURA 8. As lendas e o misticismo ligados às ao mar (A), e Meios de transportes aquáticos (B). Fotos:
Elisabete S. Braga.
738
Educação ambiental para o mar: Museu Oceanográfico como espaço educativo
Em todos os momentos difíceis, as atitudes mais corretas, duradouras, e que oferecem alguma
esperança à humanidade e aos ecossistemas, incluem a educação. A educação como transmissão de
conhecimento e atitudes, busca de soluções, participação e formação da cidadania. O ambiente é um
todo e está à mercê de ações em todos os setores.
A grandeza dos oceanos, seu papel na manutenção da vida no planeta Terra junto à temperança
do clima, ao ciclo da água, à manutenção da vida marinha como via de transporte, como grande
dispersor dos poluentes e sumidouro de carbono, mantenedor de culturas e tradições, abrigo de mitos
e do desconhecido, deve ser objeto da educação. Na educação ambiental, valores regionais, nacionais,
globais e mesmo individuais são cultivados. O enfoque e a perspectiva holística que relaciona o homem,
a natureza e o universo assim como o caráter multi e interdisciplinar, podem ser praticados, com muita
didática junto às ciências do mar.
A tecnologia desenvolvida para pesquisa nos oceanos foi uma importante etapa para aquisição
de conhecimento. Alguns instrumentos estão presentes no museu, mostrando uma evolução.
FIGURA 9. O desenvolvimento da tecnologia: o Batiusp (A); e o modelo de casco do navio Besnard, feito
para os testes hidrodinâmicos antes de sua construção (B). Foto: Elisabete S. Braga.
739
Noções de Oceanografia
A educação ambiental praticada por ações extraclasse, formais ou não formais, junto a um
objeto de estudo como os oceanos, tem efeitos bastante surpreendentes na fixação de conceitos e
na sensibilização das práticas da defesa e conservação. O mar, a praia, o mangue e os estuários são
verdadeiros laboratórios para a prática da educação para o mar em todos os níveis, seja fundamental,
médio, superior ou melhor idade. Todos nós nos deixamos levar ao conhecimento nestes locais. O mar
é atraente, lúdico, poético, misterioso e gigante. Um ecossistema com todas essas qualidades desperta
interesse em todas as idades, contribuindo para as ações educativas.
Aquários, exposições, palestras, excursões, oficinas, programas de férias, filmes, livros, desenhos
animados, trilhas marinhas, são alguns recursos muito utilizados para a transmissão do conhecimento,
formando bases sólidas para a prática da cidadania em defesa daquele que é responsável por boa parte
da temperança climática do planeta. Aquele que distribui calor, transportando-o dos lugares mais
quentes para os mais frios; aquele que mantém uma diversidade grande de seres vivos; aquele que gera
recursos vivos e não vivos; aquele que é via de transporte, aquele que guarda grande parte da água e a
libera aos poucos; aquele que fornece condições para amenizar o poder dos contaminantes.
Nos grandes aquários marinhos é possível conhecer a qualidade da água do mar, os tipos de
vegetais e animais que vivem em cada cenário marinho, passando por zonas costeiras, regiões entremarés,
recifes de corais, costões rochosos, lajes, taludes, oceano profundo, a vida abissal, as hidrotermais e as
regiões polares. Montar um aquário simples é uma atividade singela que fornece uma importante
noção de quão frágil é o sistema marinho, quão frágil é a vida marinha fora de seu ambiente natural,
do quão difícil é mantê-la sob equilíbrio.
As leis de proteção ambiental são verdadeiras cartilhas que devem ser adotadas, mas há a
necessidade de compreensão do todo, do porquê e para quê elas foram concebidas. O homem é muito
inteligente e pode até manter a vida em aquários a partir de reproduções adequadas, porém licenças
devem ser adquiridas para a comercialização de espécies criadas para este fim. Sempre há uma saída
adequada e a sustentabilidade deve ser prezada como lei universal.
FIGURA 11. Material educativo para empréstimo à escolas, professores e feira de ciência, disponível no
Serviço de Museu Oceanográfico do IOUSP. Foto: Elisabete S. Braga.
741
Noções de Oceanografia
O conceito de ações locais para a preservação global também é materializado por meio da
compreensão de que os oceanos atuam junto ao clima de todo o planeta, firmando a necessidade de
tomadas de decisões em conjunto por todas as nações, para a preservação do planeta e da vida.
FIGURA 12. A “Ciência na esfera” sala de projeção para uso na exposição e também com reservas para aulas.
Fotos: Fabiano Attolini (esquerda) e Luciano Souza (direita).
O conhecimento do mar por meio de exposições, acampamentos junto ao mar, trilhas marinhas,
ações de estudantes de Oceanografia junto às escolas, geração de material didático específico, capacitação
de professores de ciências da natureza, integração das atividades de graduação e pós-graduação das
Universidades e as atividades educativas não formais junto às comunidades, são exemplos de práticas
que são aplicadas no Brasil e também no âmbito internacional.
Exposições fotográficas também representam importantes ferramentas para a ação educativa, como
é o caso da Pesquisa Antártica Brasileira (Programa PROANTAR), que sempre desperta curiosidade nos
visitantes. A exposição oferece um excelente espaço para a prática da educação não formal, mostrando a
importância do continente gelado e dos oceanos polares na temperança climática do planeta.
742
Educação ambiental para o mar: Museu Oceanográfico como espaço educativo
FIGURA 13. Exposição fotográfica de diferentes aspectos da região Antártica tomadas durante as
pesquisas com participação de integrantes do IOUSP no Programa Antártico Brasileiro (PROANTAR).
Fotos: Elisabete S. Braga.
A prática da preservação por meio de conhecimento aberto à comunidade em geral também faz
parte de uma estratégia de sucesso ao conhecimento dos oceanos. Cursos de Extensão Universitária
aproximam a comunidade da Universidade e do conhecimento, como ocorre no curso de extensão
“Usos e abusos do mar!”, no “Descobrindo os Oceanos: Embarque imediato”, e no curso de difusão
cultural “Noções sobre Oceanografia”, oferecido aos domingos pelo Instituto Oceanográfico da
Universidade de São Paulo a um público eclético e heterogêneo, do público leigo aos profissionais
das mais diversas áreas do conhecimento, cuja curiosidade sobre assuntos do mar deve ser saciada.
A educação ambiental para o mar permite reorientar estilos de vida coletivos e individuais em
prol de ações integradoras e globais, facilitando um exercício de cidadania planetária.
Vamos preservar o meio marinho e interagir com ele com conhecimento e respeito, a caminho
de uma relação de sustentabilidade para a manutenção do Planeta. O lixo nos oceanos preocupa a
todos e a degradação dos materiais que atingem os oceanos pode ser muito lenta, sendo que os danos
causados ao ecossistema podem ser irreparáveis. O tempo de degradação de alguns materiais estão
indicados no percurso expositivo.
744
Atividades de campo do Museu Oceanográfico no curso "Noções sobre Oceanografia"
NOÇÕES DE OCEANOGRAFIA
Capítulo 33
ATIVIDADES DE
CAMPO DO MUSEU
OCEANOGRÁFICO
NO CURSO
“NOÇÕES SOBRE
OCEANOGRAFIA”
Sérgio Teixeira de Castro, Fabiano da Silva Attolini
& Luciano Pereira de Souza
745
Noções de Oceanografia
CITAÇÃO SUGERIDA: CASTRO, Sérgio Teixeira de; ATTOLINI, Fabiano da Silva; SOUZA, Luciano
Pereira de.Atividades de campo do Museu Oceanográfico do IOUSP durante o curso. In: HARARI,
Joseph (org.). Noções de Oceanografia. São Paulo: Instituto Oceanográfico, 2021. E-book. Cap.
33: p. 747-757.
746
Atividades de campo do Museu Oceanográfico no curso "Noções sobre Oceanografia"
Atividades de Campo do
Museu Oceanográfico no Curso
“Noções sobre Oceanografia”
Sérgio Teixeira de Castro, Fabiano da Silva Attolini
& Luciano Pereira de Souza
1. Introdução
Como atividade de campo (opcional) do curso de difusão “Noções sobre Oceanografia” do
IOUSP, o Museu Oceanográfico coordena uma vivência prática com os alunos do curso na base de
apoio ao ensino e pesquisa do IOUSP “Dr. João Paiva de Carvalho”, em Cananéia, litoral sul de São
Paulo (aproximadamente 230 km da capital).
Essa atividade é uma adaptação do projeto de excursão ecológica “A Escola Vai Ao Mar” do
Museu Oceanográfico do IOUSP, criada por Sérgio Castro e aplicada a escolas de ensino médio da
rede pública e privada de São Paulo desde 1992 e suspenso em 2001, por conta do excesso de utilização
das bases após a implantação do curso de graduação em oceanografia. Desde este período, a atividade
é oferecida semestralmente aos alunos do curso de difusão a “Noções Sobre Oceanografia” do IOUSP.
Esta vivência com o meio ambiente marinho é uma oportunidade única que permite ao aluno
praticar o que ele aprendeu na teoria durante o curso. A ideia é que eles possam se sentir como
um pesquisador desenvolvendo suas pesquisas a bordo de embarcações oceanográficas, manipulando
equipamentos, analisando o material coletado em laboratório e debatendo temas correlatos a
Oceanografia e a preservação do ambiente marinho.
Primeiramente os alunos do curso fazem uma inscrição prévia para a saída de campo e,
caso haja necessidade, participam de um sorteio por conta do número restrito de 20 vagas para a
operacionalização do projeto.
A atividade é optativa devido ao valor de custo cobrado por aluno para a sua realização, pois
há necessidade de contratação de um transporte (ônibus), seguro de acidentes pessoais, educadores
(pós-graduação do IOUSP) para a realização das atividades, pagamento de alimentação, hospedagem
e combustível para as embarcações (Albacora e lanchas), além das taxas de diárias das mesmas.
Após a formação do grupo, os alunos recebem uma ficha cadastro (médica) para que possamos
acompanhar as pessoas que possuem algum tipo de enfermidade, alergia a remédios, comidas, insetos,
etc. Também é fornecida, ao grupo, uma lista de sugestão com itens de uso pessoal a serem levados
para a viagem como roupas para entrar nos manguezais, protetor solar, repelente, capa de chuva, etc.
Nesta lista os alunos tomam conhecimento também de tudo que é oferecido pela Base do IOUSP.
Período de realização das atividades: final de semana subsequente ao término do curso de difusão
Noções sobre Oceanografia. Este programa é restrito a maiores de 18 anos por questões de segurança
e de responsabilidade civil.
747
Noções de Oceanografia
Objetivos: “Proporcionar uma experiência prática com o ambiente marinho, aplicando parte
da teoria abordada no curso de difusão Noções sobre Oceanografia do IOUSP, visando sempre uma
reflexão sobre nossos valores e nossa consciência de sustentabilidade”.
2. Cronograma de atividades
19:00 Jantar
Palestras sobre Cananéia (história e cultura), formação geológica da região,
20:00
ecossistema estuarino lagunar, manguezal e sobre a ação antrópica do Valo Grande
Apresentação do programa e divisão dos grupos. Após a apresentação da
programação e do cronograma de atividades, os alunos são separados por sorteio
em dois diferentes grupos para facilitação da logística de operação. Cada
21:00 grupo participa simultaneamente com os outros das atividades pré-estabelecidas
e, em um rodízio, executarão cada atividade em um período do final de semana,
se encontrando apenas durante as refeições, palestras, debates e reconhecimento
da base e da cidade
08:00 Café da manhã
09:00 Atividades práticas I (Grupo A) e II (Grupo B)
12:30 Almoço
(sábado)
2º dia
748
Atividades de campo do Museu Oceanográfico no curso "Noções sobre Oceanografia"
Tradicionalmente, ao final de cada versão do programa, os alunos são todos “batizados” com
substrato retirado do fundo do Canal do Mar Pequeno, próximo à Base do IOUSP, onde cada um
recebe um nome de um organismo marinho associado às características mais marcantes do mesmo,
avaliada e registrada pelos educadores e equipe técnica do Museu Oceanográfico do IOUSP, durante
o período das atividades.
3. Atividades principais
O objetivo destas palestras iniciais é orientar os alunos quanto a sua localização geográfica,
apresentar a estrutura de formação geológica da região (decorrente dos fenômenos de transgressão e
regressão do nível do mar), discutir sobre a importância da estrutura, da dinâmica e da biodiversidade
dos ecossistemas estuarinos lagunares e manguezais, além da necessidade de sua preservação, bem
como apresentar a problemática e as consequências de uma ação antrópica crucial para a formação do
Canal do Mar Pequeno ou Mar de Cananéia, a construção do Valo Grande em Iguape (instalação da
barragem e desvio do leito do Rio Ribeira do Iguape).
749
Noções de Oceanografia
Os alunos fazem a simulação de uma estação oceanográfica, promovendo um estudo básico das
características físico químicas, geológicas e biológicas do ambiente marinho, utilizando a embarcação
Albacora do IOUSP e equipamentos oceanográficos como:
Rede de plâncton: rede cônica ou cilíndrica de malha muito fina (60 a 500μm), confeccionada
para coletar organismos do plâncton (fito ou zooplâncton).
750
Atividades de campo do Museu Oceanográfico no curso "Noções sobre Oceanografia"
Rede de arrasto: rede composta por duas “portas” de madeira que se mantêm afastadas e servem
para abrir a rede, aumentando a área de captura. Na parte de cima existem flutuadores e, na de baixo,
pesos para manter a rede no fundo e sempre esticada. É utilizada principalmente para coleta de peixes
e organismos da megafauna bentônica.
Além destas práticas com equipamentos oceanográficos, os alunos aprendem um pouco sobre
salvatagem (técnicas de segurança a bordo), observam a cobertura de nuvens, a intensidade dos ventos, o
posicionamento geográfico (latitude e longitude) através do GPS, avaliam a carta náutica local, observam
a profundidade através do ecossonda e ainda conhecem um pouco da estrutura e funcionamento de
uma embarcação oceanográfica do IOUSP, a Albacora (traineira de aproximadamente 14 m adaptada
para trabalhos oceanográficos). Nesta atividade, os alunos geram uma planilha oceanográfica para
registrarem todos os dados coletados, além promover os registros fotográficos. Durante todo o trabalho
embarcado, os alunos permanecem com coletes salva vidas por medidas de segurança.
751
Noções de Oceanografia
FIGURA 5. A e B) Retorno para as chatinhas após a visita ao manguezal. Fotos: Luciano Pereira de Souza.
FIGURA 6. A e B) Sambaqui do rio Embu-Guaçu (Ilha Comprida). Fotos: Luciano Pereira de Souza.
No retorno da atividade, uma parada estratégica é realizada em um Cerco (ou Curral), armadilha
de bambus para captura de peixes, utilizada pelos caiçaras e provavelmente advinda da cultura indígena,
onde podemos observar uma essência sustentável empírica na estrutura onde os peixes de interesse
comercial e de consumo são retirados e os demais devolvidos à natureza, deixando o fluxo das correntes
e marés correrem naturalmente onde são fixados. Nesta atividade, toda explicação e demonstração da
estrutura é realizada por um funcionário da Base do IOUSP, caiçara, nativo de Cananéia, com muita
experiência na construção e utilização de Cerco para pesca.
752
Atividades de campo do Museu Oceanográfico no curso "Noções sobre Oceanografia"
A partir da coleta feita durante os trabalhos na embarcação, o plâncton é observado sob lupa
ou microscópio e são identificados os grupos mais representativos como copépodas, diatomáceas,
dinoflagelados e larvas de peixes e invertebrados bem como algumas de suas principais adaptações.
Para tanto, os alunos utilizam-se de livros com chaves de identificação e pranchas com ilustrações
(material do próprio museu).
FIGURA 7. Consulta bibliográfica, pranchas de identificação e mapas da região. Foto: Luciano Pereira de Souza.
Os peixes coletados através da rede de arrasto são analisados através do estudo da morfologia
externa (escamas, nadadeiras, forma do corpo, etc), morfologia interna (órgãos principais) e
conteúdo estomacal (tentativa de identificação do alimento ingerido). É também realizado um
estudo sobre forma e função, procurando associar algumas características morfológicas (estrutura
e posição da boca, tipo de arcos branquiais, posição e tipo das nadadeiras, presença de barbilhões,
coloração, etc.) com alguns hábitos e modos de vida dos peixes (carnívoro ou filtrador, pelágico
ou bentônico, etc.).
753
Noções de Oceanografia
Dinâmica e debate sobre sustentabilidade e preservação ambiental, social e cultural. Nesta atividade
os alunos são levados a refletir sobre o que absorveram até o momento nas atividades que participaram.
Ainda em grupos, eles são convidados a elaborar uma estratégia de apresentação para os demais
participantes sobre os conceitos importantes adquiridos e, de uma forma crítica e reflexiva, relatar a
importância disto nas mudanças de seus próprios hábitos em busca de um mundo mais sustentável.
Portanto, seja através de jingles, rap ou mesmo através de dramatizações (pequenos contos ou
comerciais), todos os alunos participam e contribuem com reflexões, discussões, e soluções para esta
grande problemática da preservação ambiental e de recursos naturais para as próximas gerações.
754
Atividades de campo do Museu Oceanográfico no curso "Noções sobre Oceanografia"
FIGURA 9. A e B) Dinâmica de grupo onde os alunos escolhem algumas formas de representar o conteúdo
abordado durante o dia, nas atividades de estação oceanográfica e manguezal. C e D) Encerramento do
programa, após o batismo simbólico. Fotos: Luciano Pereira de Souza.
No retorno a São Paulo, os alunos recebem um questionário simples de avaliação para que
possamos aperfeiçoar nosso programa e manter o nível de excelência. Um atestado também é fornecido
aos alunos que participaram das atividades de campo, com um total de 16 horas.
4. Anexos
4.1 Ficha cadastro/médica que os alunos levam para a viagem (trabalho de campo)
755
Noções de Oceanografia
CADASTRO DE VIAGEM
NOME: DATA DE NASCIMENTO:
ENDEREÇO: BAIRRO:
RG:
ALUNO DO CURSO: C P F:
DURANTE O PERÍODO DE :
NOME DO PAI:
SABE NADAR TEM RESTRIÇÕES PARA ENTRAR NA AGUA TEM RESTRIÇÕES PARA ALGUMA ATIVIDADE FISICA? CASO AFIRMATIVO, INFORMAR QUAIS.
Qual o seguro saúde? Informe o telefone de emergência do seguro e o número de segurado. Se possível envie a carteira
de associado com ele ou com um responsável na viagem.
TEM ALERGIA QUE NÃO SEJA RELACIONADA A MEDICAMENTOS? QUAL? COMO O MÉDICO PROCEDE DE COSTUME?
QUAL O NOME E TELEFONE DO MÉDICO PARA SER USADO EM CASO DE EMERGÊNCIA? JÁ SOFREU ALGUMA CIRURGIA? QUAL?
___________________________________________________
Local, data e assinatura.
- Anexo 1 -
756
Atividades de campo do Museu Oceanográfico no curso "Noções sobre Oceanografia"
A - Atividades Educativas:
B – Infraestrutura e apoio:
2 – Refeições oferecidas:
3 – Embarcações e Laboratórios:
C – Sugestões:
Se desejar, relacione no verso sugestões e críticas que possam contribuir para o projeto.
Museu Oceanográfico do Instituto Oceanográfico da USP – Praça do Oceanográfico, 191 - Butantã (SP) – Brasil.
CEP: 05508-120. Tel.: (0xx11) 3091 6587 – E-mail: museu.io@usp.br
- Anexo 2 -
757
OCEANOGRAFIA
APLICADA
NOÇÕES DE OCEANOGRAFIA
Capítulo 34
INSTRUMENTAÇÃO
OCEANOGRÁFICA
Luiz Vianna Nonnato
761
Noções de Oceanografia
CITAÇÃO SUGERIDA: NONNATO, Luiz Vianna. Instrumentação oceanográfica. In: HARARI, Joseph
(org.). Noções de Oceanografia. São Paulo: Instituto Oceanográfico, 2021. E-book. Cap. 34: p.
763-788.
762
Instrumentação oceanográfica
Instrumentação Oceanográfica
Luiz Vianna Nonnato
1. Introdução
De um modo geral, cada área de pesquisa científica emprega instrumentos de medida e outros
equipamentos que são específicos para o tipo de trabalho desenvolvido naquela área. Não fugindo a
esta regra geral, a Oceanografia dispõe de um vasto conjunto de equipamentos especiais, próprios para
a coleta de informações sobre o ambiente marinho.
Desde os primeiros estudos científicos sobre o ambiente marinho, em meados do século 19,
inúmeros instrumentos oceanográficos foram desenvolvidos. Os primeiros instrumentos, devido às
limitações tecnológicas da época, tiveram concepção basicamente mecânica, embora em alguns casos
incorporassem mecanismos muito engenhosos (Fig. 1) e possibilitassem a realização de medições com
alta precisão.
Com o avanço da tecnologia, sistemas eletrônicos de controle e aquisição de dados, assim como
novas classes de sensores de alto desempenho e novos materiais (alumínio, titânio e plásticos especiais),
foram sendo gradativamente incorporados no projeto de novos equipamentos. Na atualidade, boa parte
dos instrumentos empregados em levantamentos oceanográficos apresenta subsistemas eletrônicos
sofisticados, incorporando microprocessadores poderosos, podendo inclusive implementar estratégias
sofisticadas de controle e processamento de dados, como inteligência artificial.
763
Noções de Oceanografia
Pressão externa elevada: equipamentos que operam submersos devem suportar grandes pressões
externas, uma vez que a pressão na coluna d’água aumenta cerca de uma atmosfera a cada dez metros
de profundidade. Assim, por exemplo, um instrumento que opere a 1.000 m de profundidade está
submetido a uma pressão 100 vezes superior à da superfície. Desta forma, as câmaras estanques
de instrumentos que operam a grandes profundidades devem ser extremamente reforçadas, sendo
usualmente construídas de aço inoxidável, vidro ou titânio (Fig. 2A).
Ambiente quimicamente ativo: a água do mar, devido aos diversos sais nela dissolvidos, é bastante
ativa quimicamente, podendo acarretar rápida corrosão de componentes dos equipamentos. Para
minimizar os efeitos do ambiente, usualmente equipamentos oceanográficos recebem revestimentos
especiais ou são construídos em materiais apropriados, como aço inoxidável, vidro ou materiais
termoplásticos (nylon, policarbonato, etc).
Rápida incrustação por organismos vivos: equipamentos que operam na superfície ou próximo
a ela estão sujeitos a incrustação por organismos vivos (algas, moluscos, crustáceos, entre outros).
Esta incrustação pode causar modificação nas dimensões dos equipamentos (acarretando um
aumento do arrasto hidrodinâmico do equipamento, por exemplo), obstrução de sensores, prejudicar
a movimentação de partes móveis (como hélices ou lemes) ou, em casos extremos, danificar
irreparavelmente o mesmo (como no caso de incrustação de moluscos teredinídeos, que perfuram
estruturas de madeira). Revestimentos especiais dos instrumentos, como tintas anti-incrustantes,
podem retardar o crescimento dos organismos, mas equipamentos instalados próximos à superfície
necessitam obrigatoriamente de limpeza periódica (Fig. 2B).
Agitação constante: devido à ação de ondas e vento, equipamentos que operam na superfície
ou próximo a ela estão sujeitos a permanente agitação. Assim, componentes do equipamento podem
apresentar problemas decorrentes de fadiga mecânica do material e do deslocamento de peças.
Como consequência, por exemplo, peças aparafusadas podem se soltar ou placas eletrônicas podem
apresentar mau-contato. Desta forma, especial cuidado deve ser tomado na fixação adequada dos
diversos componentes do equipamento.
FIGURA 2. Efeitos das condições adversas do ambiente marinho: A) pressão – Garrafa de Nansen
danificada pela pressão elevada (esquerda), ao lado de um instrumento em boas condições de
funcionamento (direita); e B) crescimento de organismos – correntômetro totalmente coberto por
organismos. Fotos: L.V. Nonnato e Chico Vicentini.
764
Instrumentação oceanográfica
Os equipamentos oceanográficos, de uma maneira bastante simplista, podem ser classificados em:
Dragas: redes reforçadas ou estruturas metálicas que são arrastadas sobre o fundo, coletando
organismos vivos ou material mineral que se encontra sobre o fundo ou na camada mais superficial
do fundo (primeiros 20 - 30 cm do fundo); diferentes modelos de dragas podem ser utilizados em
diferentes tipos de fundo, como lodo, areia, cascalho ou coral (Fig. 3).
765
Noções de Oceanografia
FIGURA 3. Dragas: A) esquema de operação; e B) Recuperação de após amostragem. Foto: L.V. Nonnato.
Pegadores de fundo: sistemas mecânicos constituídos por, usualmente, duas (em alguns casos,
três ou quatro) conchas metálicas articuladas que, abertas, são descidas até o fundo; ao tocar o fundo,
as conchas se fecham, retendo um volume pré-determinado de sedimento do fundo (incluindo
organismos nele enterrados). Estes equipamentos são bastante eficientes para coleta de amostras
em locais de fundo mole, embora possam causar alguma perturbação na estrutura do material
amostrado; o volume de material coletado, para diferentes equipamentos, pode variar entre menos
de um litro até algumas centenas de litros (Fig. 4).
766
Instrumentação oceanográfica
“Box corers”: sistemas mecânicos similares aos pegadores de fundo, mas constituídos por um
recipiente metálico , usualmente em forma de paralelepípedo, aberto em sua base; este equipamento é
descido até o fundo e, por seu peso, penetra no sedimento; um mecanismo faz com que, então, uma chapa
metálica feche a base da caixa, retendo o sedimento ali presente. São equipamentos projetados para a
coleta de sedimento com perturbação mínima (ou seja, a estrutura do sedimento é bem preservada)
em locais de fundo mole; são amplamente empregados em levantamentos quantitativos de organismos
bênticos, avaliação de processos geoquímicos na camada superior do fundo e sedimentologia, entre
outros estudos (Fig. 5).
767
Noções de Oceanografia
Em oceanografia é utilizada uma enorme gama de redes, específicas para diferentes tipos de
trabalhos de pesquisa; assim, são utilizadas desde redes com malhagem (abertura da malha do tecido
que forma a rede) muito fina, da ordem de algumas dezenas de micrômetros (para coleta de organismos
unicelulares), até redes com malhagem de alguns centímetros (para coleta de peixes adultos), como
mostrado na Figura 7.
FIGURA 7. Alguns dos diferentes tipos de redes utilizados para coleta de organismos em meia-água: A)
rede de fitoplâncton – própria para coleta de organismos unicelulares - malhagem da ordem de algumas
dezenas de micrômetros; B) rede Bongô – adequada para captura de ovos e larvas de peixe – malhagem
da ordem de alguns décimos de milímetros; C) rede de pesca comercial – voltada à captura de peixes
adultos – malhagem da ordem de alguns centímetros; e D) Multi-Plancton Sampler – equipamento que
permite a abertura e fechamento controlado de um conjunto de redes – um sinal elétrico enviado a partir
da embarcação comanda a atuação do sistema. Fotos: L.V. Nonnato.
768
Instrumentação oceanográfica
Também, existem diversas formas de execução da operação de amostragem; algumas redes são
projetadas para arrasto vertical, com o navio parado (visando a coleta dos organismos que se encontram
em uma faixa relativamente ampla da coluna d’água, num determinado local), enquanto outras são
projetadas para arrasto horizontal ou oblíquo, com o navio em movimento (viabilizando a coleta de
organismos que se encontram em um estrato limitado da coluna d’água, em uma área mais ampla que
no caso das redes de arrasto vertical).
Para a coleta de amostras de água, são usualmente utilizadas garrafas de amostragem. Estas
garrafas são recipientes cilíndricos ocos, usualmente metálicos ou de material sintético, que possuem
válvulas em suas extremidades. Estas garrafas, com as válvulas abertas, são descidas na coluna
d’água e, uma vez posicionadas na profundidade de amostragem, têm as válvulas fechadas, por um
processo mecânico ou elétrico; são então trazidas para a superfície, onde as amostras coletadas são
recolhidas e armazenadas. Posteriormente estas amostras são processadas em laboratório (exemplos
de processamento são filtragem para coleta de material em suspensão na água ou análise química
para determinação das concentrações de determinadas substâncias dissolvidas na água).
Ao contrário das garrafas de amostragem antigas, que apresentavam sistemas de atuação mecânico,
as garrafas mais modernas são frequentemente instaladas em Rosettes, estruturas de montagem que,
conectadas à superfície por um cabo elétrico, permitem controlar o instante de fechamento das garrafas
através de sinais elétricos (Figs. 8B e 8C).
FIGURA 8. Garrafa de Niskin: A) fechada (acima) e aberta (abaixo); B) Rosette com 24 garrafas de
Niskin com capacidade de 5 litros; e C) Coleta de amostra de água de uma das garrafas da Rosette.
Fotos: L.V. Nonnato.
769
Noções de Oceanografia
Os equipamentos de medição “in situ” podem ter duas formas distintas de operação: os valores
medidos podem ser apresentados instantaneamente ao operador (instrumentos de leitura direta) ou os
valores medidos podem ser armazenados internamente ao instrumento, sendo recuperados a posteriori
(instrumentos de registro interno). Também, em função do objetivo de um levantamento, diferentes
estratégias de operação dos equipamentos podem ser implementadas (Fig. 9):
De um modo geral, cada instrumento possui características que o tornam mais adequados para
implementação de uma das estratégias de coleta de dados mencionadas, embora existam equipamentos
que podem implementar mais de uma estratégia. Alguns instrumentos, inclusive, apresentam estratégias
complexas, como sistemas que realizam, por longo período, repetidos perfis verticais.
770
Instrumentação oceanográfica
A seguir, apresenta-se alguns dos parâmetros físicos de grande importância para a pesquisa
oceanográfica, bem como alguns dos respectivos equipamentos de medição.
A temperatura e a salinidade da água do mar variam em uma faixa bastante ampla. Assim, a
temperatura de superfície em regiões tropicais pode superar 30°C, enquanto em áreas polares ou em
grandes profundidades pode ser inferior a 0°C. Por sua vez, a salinidade pode variar desde valores
muito baixos, em áreas estuarinas, até cerca de 38 PSU em regiões oceânicas (grosseiramente, 1 PSU
corresponde a 1 grama de sais dissolvidos em 1 kg de água).
Temperatura e salinidade são grandezas independentes, que podem ser medidas por
instrumentos distintos. No passado, a temperatura da água do mar era usualmente medida
por termômetros de mercúrio especiais (termômetros de reversão), enquanto a salinidade era
determinada em laboratório, através da análise química de amostras coletadas previamente. Na
atualidade, entretanto, são disponíveis diversos equipamentos que permitem a medição simultânea
de temperatura e salinidade.
Um dos equipamentos modernos extensivamente utilizados para medição destes dois parâmetros
é o CTD (perfilador de condutividade, temperatura e pressão). Este é um equipamento eletrônico de
alta precisão, que permite a medição contínua da temperatura, salinidade e pressão desde a superfície
até o fundo. São equipamentos que, tipicamente, apresentam grande acurácia e resolução nas medidas
e altas taxas de amostragem. A Tabela 1 apresenta as especificações típicas de um CTD apropriado
para utilização em oceano profundo.
CTDs para uso em áreas costeiras (profundidade inferior a 500 m) usualmente têm seu
corpo construído em materiais plásticos e têm dimensões e massa reduzidas. Por outro lado,
sistemas para utilização em áreas profundas possuem corpo metálico (alumínio, aço inoxidável ou,
para equipamentos apropriados para coleta de dados em áreas extremamente profundas - 7.000 m
ou mais -, titânio), apresentando dimensões e massa maiores que os apropriados para áreas rasas.
771
Noções de Oceanografia
772
Instrumentação oceanográfica
Existem duas classes básicas de equipamentos de medição “in situ”de correntes (correntômetros1)
(Fig. 11):
• Os equipamentos permanecem fixos, medindo a velocidade da água que passa por eles; e
• Os equipamentos são deixados à deriva, sendo transportados pela corrente; neste segundo
tipo de equipamento, a velocidade da corrente é calculada através da determinação das
posições do instrumento em instantes sucessivos.
FIGURA 11. Métodos para medição de correntes: A) instrumento fixo (instalado em fundeio); e B)
instrumento à deriva.
Sistemas de medição de corrente fixos podem utilizar diferentes princípios físicos para a
mensuração da intensidade de correntes marinhas. A maioria dos correntômetros disponíveis na
atualidade utiliza sensores mecânicos, eletromagnéticos ou acústicos, conforme descrito a seguir (Fig.
12). Por sua vez, para determinação da direção e sentido da corrente, usualmente utiliza-se bússolas
mecânicas ou eletrônicas.
Correntômetros mecânicos utilizam rotores ou hélices como elementos sensores; o rotor é forçado
a girar pelo fluxo de água nele incidente; o instrumento mede, assim, a velocidade angular do rotor (ou
o número de rotações por unidade de tempo), que é proporcional à intensidade da corrente;
1
Historicamente, os instrumentos que realizavam a medição de corrente e apresentavam visualmente os resultados das medições ao
operador eram denominados correntômetros, enquanto aqueles que armazenavam as informações internamente, correntógrafos.
Atualmente, esta distinção é muito mais tênue e os dois termos são utilizados indistintamente. Neste texto, será adotado o termo
correntômetro, análogo ao termo inglês “current meter”.
773
Noções de Oceanografia
Embora correntômetros possam ser posicionados na coluna d’água através de cabos descidos de
embarcações ou outra estrutura flutuante, mais frequentemente eles são fixados a estruturas apoiadas
no fundo oceânico, como píeres, armações rígidas no fundo ou fundeios oceanográficos.
Fundeios são estruturas não-rígidas compostas basicamente por uma base de concreto ou metal
de grande massa (poita), à qual é fixado um cabo flexível de aço ou material sintético; elementos
774
Instrumentação oceanográfica
flutuadores (usualmente, boias) são fixados em alguns pontos do cabo (muitas vezes, agrupados em sua
extremidade oposta à poita). Instrumentos de medição são então fixados em posições predeterminados
do cabo. Ao ser lançada ao mar, a poita se acomoda no fundo (não permitindo deslocamento
horizontal da estrutura), enquanto o cabo assume uma disposição aproximadamente vertical, devido
ao empuxo produzido pelas boias nele fixadas; consequentemente, os instrumentos de medição são
posicionados em níveis definidos da coluna d’água (pode haver alguma oscilação do nível de instalação
dos instrumentos, devido à inclinação do cabo causada por ventos ou correntes oceânicas). Muitas
vezes, instrumentos instalados em fundeios permanecem no mar por períodos contínuos de vários
meses ou até de alguns anos.
A Figura 13 apresenta duas possíveis concepções de fundeios. O fundeio à direita possui uma
boia de sinalização na superfície, o que facilita a localização do sistema e a operação de recuperação
dos instrumentos, embora potencialize o efeito de ondas e vento sobre a inclinação do cabo e o torne
susceptível a abalroamento por embarcações ou dano por vandalismo. O fundeio da esquerda, por sua
vez, não possui boia na superfície (a boia na extremidade superior do cabo pode se encontrar a centenas
de metros de profundidade), o que minimiza aqueles aspectos negativos; entretanto, esta concepção
traz um grande problema, a dificuldade de localização do fundeio e de recuperação dos instrumentos;
assim, nestes fundeios é usualmente necessária a instalação de um equipamento adicional, o liberador
acústico. Liberadores acústicos cumprem duas funções: são elementos de referência de posição,
permitindo que embarcações nas proximidades determinem, através de comunicação acústica, sua
distância ao liberador e, assim, se aproximem ao máximo da posição de instalação do fundeio; sua
segunda função é a de um elemento de atuação mecânica, acarretando a desconexão entre o cabo e a
poita quando do recebimento de um sinal acústico específico (emitido pela embarcação na superfície)
e consequente vinda dos equipamentos para superfície, onde serão recuperados.
FIGURA 13. Duas concepções de fundeios oceanográficos. Baseado em desenho de Chico Vicentini.
775
Noções de Oceanografia
Derivadores são equipamentos que seguem livremente o movimento de uma massa d’água, tendo
sua posição geográfica determinada periodicamente. O valor da velocidade, em pontos consecutivos da
trajetória do instrumento, é obtido através do quociente entre a distância entre estes pontos e o tempo
transcorrido neste deslocamento. A obtenção da posição do instrumento pode ser feita pelo próprio
instrumento, através do uso do sistema de satélites GPS ou de sistemas acústicos, ou por estações em
terra, através de sistemas de radar ou radiofrequência. Eventualmente, aeronaves ou satélites podem
ser utilizados para este fim.
Alguns destes equipamentos são projetados para permanecerem flutuando na superfície, permitindo
a medição de correntes nas camadas mais superficiais da coluna d’água, enquanto outros são projetados para
se deslocarem no interior da coluna d’água, viabilizando a medição de correntes profundas. Em ambos os
casos, um elemento central do processo de medição de corrente é a existência de um procedimento preciso
para determinação da posição do instrumento durante todo o período de medição.
A Figura 11B apresenta um derivador de superfície, composto por uma bóia na superfície,
que aloja os sistemas eletrônicos de posicionamento e transmissão de dados, e uma vela submarina
(“drogue”), posicionada a alguns metros (no máximo, algumas dezenas de metros) de profundidade.
A vela, sofrendo arrasto causado pelo deslocamento da água na camada em que a está instalada, força
todo o sistema a deslocar-se solidariamente àquele volume de água.
776
Instrumentação oceanográfica
FIGURA 15. Trajetória de 5 derivadores RAFOS, lançados em diferentes pontos do Atlântico Sul, em
diferentes datas.
Diversos fatores podem causar a alteração do nível da superfície do mar, como maré, vento ou
corrente marinha. Existem diversos tipos de medidores do nível do mar, tanto para instalação acima
da superfície do mar quanto para instalação no fundo.
Um dos tipos destes medidores extensivamente utilizado para a medição das variações do
nível da superfície decorrentes da maré é o marégrafo de boia e contrapeso (em inglês, “stilling-well
gauge”), cujo funcionamento é esquematizado na Figura 16. Este equipamento é composto de um
tubo vertical, aberto em suas extremidades, que é fixado verticalmente em uma estrutura imóvel
(como uma das colunas de um píer ou a estrutura de uma plataforma de petróleo offshore), de forma
que sua extremidade inferior fique posicionada abaixo do nível de maré mínima; no interior do tubo,
uma boia flutua na superfície da água, movendo-se verticalmente conforme o nível da água se altera;
um cabo fino transmite o movimento da boia a uma polia montada externamente ao tubo, causando
a rotação da mesma; o ângulo de rotação da polia é periodicamente medido e armazenado por um
sistema mecânico ou eletrônico.
É importante enfatizar que este equipamento exige a disponibilidade de uma estrutura imóvel
para instalação, não sendo possível, assim, utilizá-lo em embarcações ou estruturas flutuantes.
Em regiões distantes da costa, onde não estão disponíveis estruturas fixas para a montagem
do equipamento, podem ser utilizados marégrafos de pressão. Instalados no fundo oceânico, estes
instrumentos efetuam a medição da pressão hidrostática naquele local. A variação da altura da
coluna d’água no local de medição implica em uma variação da pressão no fundo, que é medida por
sensores específicos.
777
Noções de Oceanografia
3.4 Ondas
Ondas marinhas, na acepção usual do termo (mais rigorosamente, ondas de gravidade), são
fenômenos que, assim como marés, causam a variação periódica do nível do mar. Entretanto, ondas
de gravidade têm períodos (intervalo de tempo entre dois máximos de altura sucessivos) da ordem de
alguns segundos, enquanto marés têm períodos da ordem de 12 horas. Para a caracterização das ondas
marinhas, são relevantes os seguintes parâmetros: período, amplitude e direção de propagação.
De uma maneira geral, ondas podem ser medidas por marégrafos de boia e contrapeso ou outros
equipamentos de medição do nível do mar (eventualmente, com algumas modificações). Entretanto,
equipamentos específicos para medição de ondas, com características otimizadas para esta aplicação,
foram desenvolvidos. Duas classes destes equipamentos são apresentadas na Figura 17.
Wave riders são essencialmente boias de superfície fixas ao fundo por cabos elásticos, que
permitem que as mesmas se movimentem de forma praticamente livre na superfície do mar. A boia
sofre o efeito das ondas, deslocando-se verticalmente e horizontalmente e inclinando-se. Um conjunto
de acelerômetros (medidores de aceleração), instalados no interior da boia, permite a medição destes
movimentos. Os resultados das medições podem ser armazenados internamente ao instrumento ou
transmitidos a uma estação terrestre via rádio ou sinal de satélite.
Medidores de velocidade orbital são instrumentos fixos, instalados sobre o fundo ou em estruturas
rígidas (como a coluna de um píer), que medem continuamente a velocidade da água e a pressão
hidrostática naquele ponto; a sequência de valores medidos permite o cálculo dos parâmetros de
778
Instrumentação oceanográfica
interesse da onda no local. Estes instrumentos valem-se de uma característica peculiar do movimento
das moléculas de águas causado pela passagem de uma onda de superfície: na ausência de correntes
marinhas, elas descrevem uma trajetória elíptica fechada (orbital), cuja amplitude é função da amplitude
da onda e da distância do ponto de medição à superfície.
FIGURA 17. Esquema de operação de ondógrafos: A) medição pelo orbital; e B) Wave Rider.
4.1.1 Sonares
779
Noções de Oceanografia
Outra atividade em que sonares são elementos essenciais é a pesca comercial, onde estes equipamentos
permitem detectar e identificar as dimensões de cardumes de peixes e outros organismos marinhos.
Na atualidade, são disponíveis sonares muito sofisticados, com características especiais (emissão
simultânea de diversos pulsos ou pulsos com frequências variáveis, por exemplo) e que possuem
sistemas de processamento computacional poderosos, permitindo a obtenção de informações bastante
específicas sobre o ambiente oceânico, como mapeamento de grandes áreas do fundo, identificação do
tipo de fundo, estimativa da biomassa de cardumes (massa de organismos por unidade de volume de
água) ou identificação dos organismos que compõem o cardume.
780
Instrumentação oceanográfica
4.1.2 ADCPs
Acoustic Doppler Current Profiler (Perfilador Acústico de Corrente por Efeito Doppler) – ADCP
é um equipamento derivado do sonar, cujo objetivo básico é a medição de intensidade e direção de
correntes marinhas.
• Ao ser recebido o eco, sua frequência acústica é medida e a diferença em relação à do sinal
original é calculada; sabendo-se que a diferença de frequências é proporcional à velocidade
das partículas, a intensidade da corrente pode ser inferida; e
Como curiosidade, vale a pena mencionar que o princípio de operação de um ADCP é idêntico
ao de um radar para detecção de velocidade de automóveis, embora neste segundo caso sejam utilizados
pulsos eletromagnéticos ao invés de acústicos.
781
Noções de Oceanografia
Diversas características da superfície dos oceanos podem ser medidas remotamente por
equipamentos que incorporam sensores sensíveis a radiação eletromagnética em diferentes faixas do
espectro (radiação na faixa de microondas, radiação infravermelha ou radiação na faixa visível).
A partir do fim da Segunda Guerra Mundial, observou-se uma grande evolução neste campo de
pesquisa, culminando, em 1972, com o lançamento do primeiro satélite especialmente projetado para
estudo e monitoramento da superfície da Terra, o Landsat I. Desde então, mais de uma centena de
satélites de sensoriamento remoto foram lançados por diversos países e organizações.
Sensores passivos, que detectam a radiação emitida pela superfície terrestre ou a radiação
proveniente de fontes naturais (como o Sol) e refletida pela superfície. Estes sensores, genericamente
chamados de radiômetros, medem a intensidade da radiação em específicas faixas do espectro
eletromagnético, como luz visível ou radiação termal (infravermelho). Alguns sistemas têm a capacidade
de medição simultânea de dezenas ou até algumas centenas de bandas do espectro.
Sensores ativos, que emitem um pulso de energia em direção à superfície terrestre e detectam
a radiação por ela refletida ou espalhada. Nesta categoria encontram-se sistemas que utilizam laser
(LIDAR), radares, altímetros por microondas e “scaterometers” (sistemas que utilizam radiação na faixa
de microondas para medir a rugosidade da superfície do oceano).
2
Sistemas de radar empregados para medição de correntes superficiais e ondas. Vide: <https://ioos.noaa.gov/project/hf-radar/>.
3
Para saber mais, acesse: <https://earthdata.nasa.gov/learn/remote-sensors>.
782
Instrumentação oceanográfica
FIGURA 20. Classes de sensores eletromagnéticos para sensoriamento remoto: A e B) sensores passivos; e
C e D) sensores ativos.
783
Noções de Oceanografia
FIGURA 21. Imagens obtidas a partir de sensoriamento remoto por satélite – satélite MODIS Acqua:
A) temperatura da superfície do mar (costa brasileira) - nesta imagem é possível observar-se
nitidamente a Corrente do Brasil (faixa irregular vermelho/laranja que acompanha a costa brasileira
desde o sula da Bahia até o norte do Uruguai); e B) concentração de clorofila (Atlântico Sul) – nota-se
que a região central do Atlântico Sul é extremamente pobre em clorofila, ou seja, a concentração de
fitoplâncton na área é muito baixa (regiões lilás e azul escuro na imagem); por outro lado, observa-
se produtividade muito alta nas regiões próximas à costa da Argentina, costa oeste da África e costa
norte da América do Sul (regiões amarelas e vermelhas na imagem). Imagens cedidas pelos Drs. Olga
T. Sato e Paulo Polito, IOUSP.
Por outro lado, tais sistemas apresentam uma limitação drástica, que é a restrição das medições à
superfície dos oceanos (ou aos primeiros metros da coluna d´água, no caso de alguns sistemas baseados
em lasers). Isto é decorrente da intensa atenuação de radiação eletromagnética de alta frequência
(inclusive da luz visível) ao se propagar na água.
784
Instrumentação oceanográfica
Como descrito anteriormente neste capítulo, o oceanógrafo tem a seu dispor um conjunto
enorme de equipamentos para observação do ambiente marinho, embora sua quase totalidade apenas
permita observações indiretas, ou seja, o pesquisador não está presente no exato local de observação.
Em algumas situações, entretanto, é desejável que o pesquisador tenha acesso àquele local, seja para
observação visual do ambiente, seja para coleta seletiva de amostras. Nestas situações, caso o local de
observação esteja próximo à superfície (profundidade inferior a 100 metros), o cientista pode valer-se
de equipamentos de mergulho autônomo.
Deve-se notar que submersíveis para grande profundidade são equipamentos de custo extremamente
alto, exigindo embarcações e equipes de operação extremamente especializadas. O número de veículos
de pesquisa para grandes profundidades atualmente operacionais é pequeno (da ordem de vinte). Alguns
destes são o Alvin (Estados Unidos), o Shinkai ( Japão) e o Nautile (França) (Fig. 22).
785
Noções de Oceanografia
Uma alternativa aos submersíveis tripulados é constituída pelos veículos não tripulados operados
remotamente (ROVs) (Fig. 23). Estes equipamentos são operados a partir de uma embarcação, sendo
ligados a ela por um longo cabo (cabo umbilical), que fornece energia ao veículo e permite a comunicação
entre este e a embarcação (envio de sinais de controle a partir da embarcação e recebimento de dados
e imagens coletados pelo veículo). Possuem propulsão e dispõem de uma ou mais câmeras de vídeo e
iluminadores, utilizadas para monitoramento do ambiente e navegação do equipamento.
Frequentemente, incorporam outros sensores e manipuladores.
Em alguns destes casos, entretanto, pode-se utilizar veículos autônomos, sem conexão física a
embarcações na superfície, que realizam a navegação e coleta de dados de forma autônoma.
De uma maneira geral, estes equipamentos têm sua trajetória e estratégia de coleta de dados
programadas previamente, são lançados ao mar e, terminado o levantamento, retornam à superfície
para recuperação. Sistemas computacionais internos realizam automaticamente correções de rota e
procuram solucionar situações de emergência (como mau funcionamento de algum subsistema).
786
Instrumentação oceanográfica
5.3.2 Gliders
Gliders (deslizadores, em tradução literal) (Fig. 25), são veículos não equipados com propulsores,
que ciclicamente alteram sua flutuabilidade, mergulhando até determinado nível de profundidade e
posteriormente retornando à superfície. Devido à presença de aletas montadas externamente ao veículo,
este movimento vertical gera uma pequena força horizontal, que impulsiona o glider horizontalmente.
Através da alteração da distribuição de massa em seu interior, é possível alterar a direção de deslocamento.
A cada vez que o glider sobe à superfície, um receptor GPS interno determina sua posição,
viabilizando o cálculo das necessárias correções de rota. Eventualmente, breve comunicação via satélite
pode ser estabelecida entre o veículo e uma estação em terra durante o período de sua permanência
na superfície Diferentes sensores podem ser instalados em gliders, como sensores de temperatura,
salinidade ou turbidez, além de ADCPs e sistemas acústicos, mas câmeras de vídeo ou fotografia são
muito pouco frequentes.
Em vista de seu baixíssimo consumo de energia (uma vez que não há dispêndio de energia
com propulsão), gliders podem operar continuamente por muitos meses, deslocando-se por grandes
distâncias. Alguns destes veículos, lançados na costa leste do Estados Unidos, atravessaram o Oceano
Atlântico da América do Norte até a costa da Europa.
FIGURA 25. Glider: A) trajetória típica; e B) preparação para o lançamento. Foto: L.V. Nonnato.
787
Noções de Oceanografia
SITES RECOMENDADOS
Oceanographic Instrumentation: <http://www.mt-oceanography.info/IntroOc/notes/
lecture13.html>
Referências Bibliográficas
BAKER JR., D.J. 1981. Ocean Instruments and Experiment Design. In: WARREN, B.A. &
WUNSCH, C. Evolution of Physical Oceanography. MIT Press, Cambridge, Mass.
CALAZANS, D. (org). 2011. Estudos Oceanográficos: do instrumental ao prático. ed. Pelotas.
ROSSBY, T., DORSON, D. & FONTAINE, J. 1986. The RAFOS System. Journal of
Atmospheric and Oceanic Technology vol. 3, p.672-679.
SOUZA, R. B. (org). 2009. Oceanografia por Satélites. 2a Edição Revisada e Ampliada. 2. ed.
São Paulo: Oficina de Textos.
788
Campanhas costeiras e cruzeiros oceanográficos
NOÇÕES DE OCEANOGRAFIA
Capítulo 35
CAMPANHAS COSTEIRAS
E CRUZEIROS
OCEANOGRÁFICOS
Elisabete de Santis Braga & Luiz Vianna Nonnato
789
Noções de Oceanografia
CITAÇÃO SUGERIDA: BRAGA, Elisabete de Santis; NONNATO, Luiz Vianna. Campanhas costeiras
e cruzeiros oceanográficos. In: HARARI, Joseph (org.). Noções de Oceanografia. São Paulo:
Instituto Oceanográfico, 2021. E-book. Cap. 35: p. 791-813.
790
Campanhas costeiras e cruzeiros oceanográficos
Campanhas Costeiras e
Cruzeiros Oceanográficos
Elisabete de Santis Braga & Luiz Vianna Nonnato
1. Introdução
A Terra realmente é o planeta azul! Cerca de 70 % da sua superfície está coberta por água,
formada desde sua origem, presa em sua proto-atmosfera, sendo em parte condensada sob a forma
líquida e parte resultante das emanações vulcânicas na forma de vapor, por liberação a partir de
reações químicas que ocorreram no interior do planeta, sendo eliminadas de modo intenso, quando
o intemperismo (fortes tempestades com muitos raios) tomou conta da Terra. Uma abundante
cobertura de água na forma de vapor encontrava-se em torno do planeta, em um momento em
que a escuridão na superfície estava presente. Gases estufa faziam parte da protoatmosfera e, após
o resfriamento da crosta terrestre (camada mais superficial do Planeta) e a formação das grandes
depressões (bacias oceânicas), um enorme volume de água na forma líquida ficou aprisionado em
um único mar, o Panthalassa ou mar de Tethys.
Com a deriva continental (separação entre os continentes), outros corpos de água surgiram,
formando os grandes oceanos, que armazenam uma quantidade de água calculada em 1.322.000 ∙ 1015
kg de água, constituído o maior reservatório de água do planeta, atingindo profundidades de mais de
10 km na região das fossas das Marianas no Oceano Pacífico. Considerando os três maiores oceanos
do Planeta Terra, suas bacias apresentam uma profundidade média de 4.117m. Como estudar esta
imensidão? Já falavam os antigos que se conhece mais do espaço do que das profundezas oceânicas.
Todo avanço científico está ligado às pesquisas tecnológicas que permitam o acesso ao objeto
de estudo. Laboratórios submarinos sempre fizeram parte do ideal de pesquisa, e grandes “navios”
(galeras, caravelas, etc.) iniciaram o conhecimento sobre o imenso “azul” desde a época dos Vikings,
em que grandes navegadores como Eric, o Vermelho, já desbravavam os oceanos. No quadro histórico,
durante quase toda a idade média (500 a 1450), pouco do mar foi explorado pelos europeus. A
partir do final do século XV, os oceanos voltaram a ser objeto de grande atenção por parte da Europa
Ocidental, com a geração de muito conhecimento e o surgimento de novos conquistadores.
O navio HMS Beagle, em expedição realizada entre 1831 e 1834, tinha a bordo o pesquisador
Charles Darwin (1809-1882), que buscava conhecer as espécies de organismos que habitavam o
grande azul, resultando na descrição de muitas espécies novas e contribuindo para a formulação da
Teoria da Evolução.
791
Noções de Oceanografia
FIGURA 1. Trajeto percorrido pela expedição Challenger (1872-76). No destaque, pintura de W.F. Mitchell
do navio britânico HMS challenger (Wikimedia Commons).
A coleta de dados oceanográficos em águas de superfície, seja por embarcações científicas ou por
embarcações mercantes (que coletam dados ao longo de sus trajetos, a partir de sensores de temperatura,
salinidade e mesmo de pCO2), permite a aquisição de informações que podem ser transmitidas a
centros de pesquisa e armazenadas em bancos de dados nacionais e internacionais, contribuindo à
formação de um panorama global de dados cada vez mais acurados e completos para compreensão dos
processos que ocorrem em nosso planeta.
Também, imagens obtidas sobre a parte terrestre auxiliam na compreensão de feições costeiras
e trocas entre continente e oceanos, bem como, fenômenos integrados entre a atmosfera e os oceanos,
como deslocamentos de massas de ar, formação de sistemas frontais, e outros que atuam nas mudanças
climáticas intensificadas pelas as ações humanas, como é o exemplo do aumento de gases estufa devido
à intensificação da queima de combustível fóssil.
792
Campanhas costeiras e cruzeiros oceanográficos
Mas o que dizer da composição da água do mar? Sabemos que contém sais, na verdade toda a
tabela periódica de elementos, porém em proporções diferentes. Os constituintes em maior quantidade
são relacionados às propriedades conservativas como a salinidade, enquanto outros, em concentrações
menores, estão associados aos nutrientes necessários para a produção da matéria orgânica dos seres vivos
(constituintes não-conservativos). Existem ainda aqueles em quantidades muito menores, os elementos
traços, alguns atuando como micronutrientes. Sem falar nos componentes orgânicos dissolvidos e o
material particulado de origem orgânica e inorgânica. Como obter informação sobre essa composição?
Como estudar os organismos presentes nos oceanos, distribuídos nas diferentes profundidades,
em toda a coluna d’água, possuindo diferentes tamanhos, de ínfimos (na escala de pico e nanoplâncton),
passando a microplâncton e diferentes fases larvais de organismos que são transportados com as
massas d´agua, até organismos maiores como moluscos, crustáceos, peixes, répteis e mamíferos que
possuem maior autonomia no deslocamento (nectônicos), além de organismos com vida associada a
um substrato como os bentônicos?
E a poluição, intensa nas áreas costeiras e a ameaça que representa para o mar aberto e ainda, a
relação das mudanças climáticas e os oceanos, como estudar esses processos?
Assim, são muitas as perguntas que geraram e geram inúmeros projetos e programas de pesquisas,
que motivam campanhas oceanográficas, visando a obtenção de informações sobre os oceanos e zonas
costeiras. Nos últimos 20 anos, alguns programas de pesquisa têm se dedicado ao maior conhecimento
do Atlântico Sul, e mesmo da região Antártica, nos quais muitos países demonstram grande interesse.
O que acontece nos mares austrais tem efeitos sobre todo o Planeta, sendo esse um local importante
para pesquisas voltadas à compreensão das mudanças climáticas globais. Afinal, no Planeta Terra
temos dois importantes meios fluídos, o ar e a água. O acoplamento entre os oceanos e a atmosfera é
grande responsável pela temperança climática, pois o ar e o mar trocam energia, uma vez que a água
possui alto calor específico e consegue absorver calor das regiões mais quentes (equatoriais e tropicais),
distribuindo às regiões mais frias (polares). As diferenças extremas de temperatura no Planeta Terra de
hoje, estão entre -80°C (Antártica, base russa de Vostok) e +50°C (Arábia).
793
Noções de Oceanografia
FIGURA 2. A Amazônia Azul inclui o Mar Territoral, a Plataforma Continental, a Zona Econômica Exclusiva e
as águas interiores brasileiras.
Voltando ao conhecimento sobre o mar aberto, distante da costa e profundo, deve-se contar
com embarcações de pesquisa como os melhores instrumentos para obtenção de conhecimento
desse “imenso azul”. Navios construídos ou adaptados para isto são importantes ferramentas de
coleta de informações em diversos pontos dos oceanos. Entretanto, o custo de aquisição, operação e
manutenção destes “equipamentos de pesquisa” é alto, pois tratam-se de navios especiais, equipados
com instrumentos de última geração para pesquisa e navegação, exigindo tripulação especializada e
treinada para operação dos equipamentos científicos e de pesquisa.
Programas de estudos realizados por um único país ou, em muitos casos, em cooperação entre
vários países, constituem a fórmula básica para os melhores estudos oceanográficos. Em particular, a
união de esforços para estudos em áreas de difícil acesso, muitas vezes em águas internacionais e/ou
atingindo áreas de jurisdição de mais de um país, é uma solução que permite a troca de experiência
e capacitação das equipes, além da potencialização do uso dos recursos disponíveis. A construção e
gestão de embarcações oceanográficas podem, inclusive, ser feitas em parcerias entre instituições
de mais de um país na forma de consórcio, como é o caso, por exemplo, da França e Espanha, que
construíram e fazem gestão de um Navio de Pesquisa em parceria, o “N/Oc. Thalassa” (Fig. 3A).
794
Campanhas costeiras e cruzeiros oceanográficos
2. Embarcações oceanográficas
As embarcações oceanográficas constituem o principal equipamento de ensino e pesquisa
utilizado para capacitação profissional e aquisição de informações sobre o ambiente marinho. Elas
podem ser de pequeno, médio e grande porte, e mesmo jet-skis podem ser utilizados, no caso para
aquisição de dados em áreas costeiras com o uso de sensores.
A área a ser estudada, a distância da costa, o tipo de trabalho a ser realizado, a autonomia da
embarcação em permanência na água e suporte de equipamentos e tripulantes, ou seja a capacidade
de acomodação da equipe e estrutura para coleta e análise de dados a bordo, definem as características
básicas da embarcação a ser utilizada no estudo.
Uma pequena embarcação motorizada como “uma voadeira”, uma lancha ou um jet-ski pode
ser muito útil em levantamentos de dados em regiões costeiras rasas como estuários, em que não
há necessidade de utilização de equipamentos volumosos ou em grande número ou de equipe
numerosa. Este porte de embarcações é perfeitamente adequado para atividades como observação
de animais (como “avistamento” de botos), acesso a manguezais, observação de feições costeiras ou
acompanhamento de mergulhos, como apresentado na Figura 4.
FIGURA 4. Atividades de pesquisa a bordo de embarcações de pequeno porte. Fotos: Elisabete S. Braga.
795
Noções de Oceanografia
FIGURA 5. Atividades de pesquisa a bordo de embarcações de médio porte. Fotos: Luiz V. Nonnato (A) e
Elisabete S. Braga (B, C e D).
796
Campanhas costeiras e cruzeiros oceanográficos
FIGURA 6. Atividades de pesquisa a bordo de embarcações de grande porte. Fotos: Luiz V. Nonnato (A, C e
D) e Elisabete S. Braga (B).
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Noções de Oceanografia
798
Campanhas costeiras e cruzeiros oceanográficos
799
Noções de Oceanografia
Diversos instrumentos científicos necessitam que seus sensores sejam instalados por longo
período em pontos específicos do navio (Fig. 10). Ecossondas e sonares usualmente têm seus elementos
transdutores instalados aderidos ao casco da embarcação, abaixo da linha d’agua; sensores de equipamentos
meteorológicos são usualmente instalados no topo dos mastros da embarcação. Em particular, transdutores
acústicos instalados no casco do navio são elementos centrais para o controle, posicionamento em relação
à profundidade e relevo de fundo e aquisição de dados específicos por instrumentos de medição, como
derivadores de profundidade, atuadores acústicos ou alguns tipos de veículos submarinos.
FIGURA 10. Equipamentos instalados nos mastros e casco do N/Oc. Alpha Crucis: A) estação
meteorológica e antenas de GPS instaladas em um dos mastros; B) dois transdutores acústicos das
ecossondas, instalados sob o casco; C) transdutor do sonar multifeixe, instalado próximo à quilha; e D)
haste de fixação do transdutor do sistema de posicionamento submarino USBL, instalado no costado.
Fotos: Luiz Vianna Nonnato (A) e Elisabete S. Braga (B, C e D).
Equipamentos para coleta de amostras ou de medição de variáveis oceanográficas são por vezes
volumosos e pesados; assim, sua instalação e retirada da água pode ser uma operação complicada e, em
alguns casos, sujeitando as pessoas nela envolvidas a razoável risco de acidente. A disponibilidade, na
embarcação, de equipamentos para a movimentação de carga, como guindastes e guinchos simplifica
enormemente as operações a bordo oferecendo maior segurança e menor risco de acidentes e perda
dos equipamentos. Guindastes ou assemelhados são utilizados para deslocamento de equipamentos
no convés da embarcação e sua colocação e posterior retirada da água; guinchos (máquina utilizada
para liberar ou recolher grandes extensões de cabos de aço ou fibras sintéticas) são imprescindíveis
para lançamento e arrasto de redes e outros coletores de amostras, bem como para descer alguns
equipamentos a grandes profundidades. Embarcações de maior porte usualmente disponibilizam
cabos de diferentes bitolas e construções (e respectivos guinchos), para distintas aplicações: cabos de
grande bitola, para arrasto de redes e operação de amostradores de fundo, cabos de pequena bitola
para operação de redes de plâncton e arrasto de equipamentos pequenos e cabos eletromecânicos
(que incorporam um ou mais condutores elétricos), para operação de CTDs e outros perfiladores
eletrônicos, entre outros tipos de cabos (Fig. 11). Uma aplicação muito específica é a operação de
ROVs, que exige a utilização de cabos especiais e guinchos bastante complexos.
800
Campanhas costeiras e cruzeiros oceanográficos
FIGURA 11. Equipamentos de movimentação de carga: A) os dois guindastes e o arco de popa (estrutura
para lançamento de equipamentos pesados) do N/Oc. Alpha-Crucis; B) convés superior do N/Oc. Alpha
Crucis, mostrando um dos guindastes, o arco de boreste e os dois guinchos de pesca; C) guincho de
pesca do B/Pq. Veliger II; e D arco de popa do N/OC. Alpha Delphini. Fotos: Luiz Vianna Nonnato (A e B) e
Elisabete S. Braga (C e D).
Naturalmente, uma pequena embarcação oceanográfica talvez ofereça apenas uma pequena área
do convés protegida por um toldo, enquanto embarcações oceanográficas de maior porte podem dispor
de um ou mais laboratórios propriamente ditos, bem equipados, com infraestrutura especializada para
análises de grande complexidade e redes computacionais de grande capacidade, entre outras características.
801
Noções de Oceanografia
FIGURA 12. Laboratórios: A) Laboratório de sistemas eletrônicos (B/Pq. Alpha Delphini); B) Laboratório
geral (N/Oc. Alpha Crucis); e C) Laboratório de Aquisição de Dados N/Oc. Alpha Crucis. Fotos: Elisabete S.
Braga (A e B) e Luiz Vianna Nonnato (C).
FIGURA 13. Alojamento e refeitório: A) cozinha (B/Pq.Veliger II); B) refeitório (B/Pq. Alpha Delphini); C)
cozinha (N/Oc. Alpha Crucis); D) camarote (N/Oc. Alpha Crucis); e E) Banheiro (N/Oc. Alpha Crucis). Fotos:
Elisabete S. Braga (A, B e C), e Chico Vicentini (D e E).
802
Campanhas costeiras e cruzeiros oceanográficos
803
Noções de Oceanografia
É importante mencionar que cada campanha é única, sendo praticamente impossível sua
repetição nas mesmas condições temporais e ambientais, levando em conta as alterações das condições
climáticas e sazonais em relação à campanha original. Alguns dos fatores importantes a serem levados
em conta no planejamento de um levantamento oceanográfico são descritos a seguir.
Uma vez discriminados os trabalhos a serem desenvolvidos e a localização geográfica dos pontos
(estações oceanográficas) onde serão executadas as tomadas de informações, é importante criar um
mapa de trabalho que explicite o trajeto da embarcação e as atividades a serem desenvolvidas em cada
estação (mapa de estações), indicando graficamente cada uma destas atividades (para tal, é importante
a inclusão de uma legenda neste mapa), como exemplificado na Figura 15. O mapa de estações é
também muito útil para o detalhamento logístico do cruzeiro, como a estimativa da duração da
campanha e consequente aprovisionamento da embarcação com alimentos, combustível e água, além
de identificação das demandas de saída, acostamento em portos e identificação de pontos de apoio. A
adequada elaboração deste mapa permite o incremento da segurança dos trabalhos e a minimização
do tempo para sua execução.
Mais uma vez, é importante mencionar que o entrosamento entre o Chefe Científico e o
Comandante/Mestre da embarcação é fundamental em todas as fases do planejamento da campanha,
permitindo a integração entre as atividades de navegação/operação da embarcação e pesquisa, sendo
um fator que colabora marcantemente para o sucesso dos trabalhos. Da mesma forma, um fator
importante para a segurança e bom desempenho dos trabalhos a bordo é a disponibilidade de uma
equipe em terra para contato e acompanhamento da navegação/operação, fornecendo apoio logístico
à embarcação e, em caso de emergência, atuando como elemento de ligação entre a embarcação as
autoridades de salvaguarda portuárias e navais.
804
Campanhas costeiras e cruzeiros oceanográficos
FIGURA 15. Exemplos de mapa de estações, mostrando posição das estações, tipo de atividades a serem
desenvolvidas em cada estação e batimetria da região de estudo. Imagens cedidas pelo projeto SAMBAR/
FAPESP (A) e Prof. Ilson Silveira (B).
805
Noções de Oceanografia
Trabalhos de convés
Um fator que deve ser objeto de particular atenção durante o planejamento das
atividades a bordo é o estabelecimento de protocolos para operações no convés da
embarcação. É importante a adequada organização, de modo produtivo e seguro de cada
procedimento de coleta de amostra, operação de equipamento e registro de informações.
A partir do mapa de estações, podem ser estimados os intervalos de tempo necessários para
a realização dos trabalhos, assim como para a navegação. Consequentemente, a duração total do
levantamento pode ser determinada, de forma aproximada, embora eventos climáticos como tormentas
e estado do mar podem interferir na duração do cruzeiro.
Deve-se levar em conta que qualquer atividade a bordo de embarcações possui inerentemente
um certo grau de imprevisibilidade associada a diferentes fatores. O estado do mar pode alterar-se
rapidamente, a embarcação pode deslocar-se por efeito de ventos e correntes, pesquisadores podem
ter mal-estar súbito ou equipamentos podem apresentar falhas, o que implica em maior duração dos
trabalhos. Assim, o cronograma deve incluir alguma flexibilidade em termos de duração dos trabalhos
(uma margem de 20 % neste tempo é adequada). A experiência mostra que um cronograma de
atividades muito rígido é contraproducente, sendo muito difícil de ser seguido à risca e causando
considerável estresse na equipe.
806
Campanhas costeiras e cruzeiros oceanográficos
Ainda, a longa permanência com um mesmo grupo e em um espaço restrito muitas vezes acarreta
“um desgaste entre as pessoas”. Assim, uma pausa é recomendada e a privacidade individual deve
ser assegurada em longas campanhas. De todo modo, é importante que a as pessoas que embarcam
tenham uma boa saúde física e psicológica. Uma doença detectada pode obrigar um retorno imediato
ao porto e um possível atraso ou cancelamento dos trabalhos.
Durante um embarque, especial atenção deve ser dada à alimentação, pois é essencial que a
energia dispendida com o esforço físico constante, decorrente das atividades a bordo, seja compensada
por uma alimentação equilibrada. Infelizmente, o “mal de mar” (enjoo) não é uma ocorrência rara
a bordo, devendo ser objeto de preocupação do chefe científico e do comando do navio, pois há
uma tendência à pessoa deixar de se alimentar, o que pode levar a quadros mais agudos. Eventuais
ocorrências devem ser levadas ao conhecimento do oficial de saúde de bordo, cujas orientações
devem ser ouvidas.
Em especial, eventos como a travessia do Equador, de um dos trópicos ou dos Círculos Polares
são ocasiões muito apropriadas para comemorações, com os novos participantes sendo “batizados”
e recebendo um Diploma de Travessia. Tais atividades contrabalançam a pesada rotina de trabalho
a bordo, muitas vezes em turnos ou em horários noturnos, 7 dias por semana. Da mesma forma, é
importante também a previsão do tempo de recomposição e descanso após o retorno para terra.
807
Noções de Oceanografia
Trabalhos realizados nos cruzeiros têm uma característica peculiar: as equipes dispõem única e
exclusivamente do material presente a bordo. Caso algum material não seja embarcado, sua quantidade
não seja suficiente para atender a todo o trabalho previsto, ou um dano ocorra a um equipamento,
sem possibilidade de reparo a bordo, devido à não disponibilidade de sobressalentes, só cabem duas
alternativas: não realizar a atividade ou retornar ao porto ou cais para reparo de algum equipamento
ou complementar o material embarcado, levando ao um prejuízo de tempo e nos custos da operação.
Desta forma, o preparo do material e dos equipamentos, bem como o respectivo “check list” deve ser
feito com muito cuidado e atenção.
Infelizmente, não pode ser evitado que pequenas peças caiam no mar ou cabos se rompam,
implicando na eventual perda de equipamentos no mar, correspondendo a um prejuízo duplo: “a perda
e a poluição”. Em função dos cuidados com adequada preparação do material e suprimento de peças
e equipamentos sobressalentes, os problemas ocasionados por estes tipos de acidentes podem ser de
baixa significância ou podem levar ao retorno da embarcação para terra e ao encerramento da pesquisa.
Planejamento e preparação
Com relação a equipamentos científicos, é imprescindível que instrumentos de
medida e coletores de amostras, sempre que possível, sejam preparados (em especial,
que sejam completamente limpos e tenham eventuais baterias substituídas), calibrados e
testados em terra, antes do início do cruzeiro.
Realizar estas atividades durante o cruzeiro, com o navio jogando1, é bem mais
difícil e bastante desconfortável, além de ser bem mais complicado solucionar qualquer
problema detectado.
Da mesma forma, redes para coleta de organismos (peixes, fitoplâncton, zooplâncton), pegadores
de fundo, dragas e testemunhadores devem estar em bom estado. Deve haver um bom planejamento
em relação a material para lançamento e manutenção de fundeios, boias e outros equipamentos de
longa permanência no mar. Os freezers e câmaras frigoríficas devem estar em bom funcionamento.
1
Jogo - termo náutico significando a movimentação oscilatória do navio causada principalmente por ondas ("balanço").
808
Campanhas costeiras e cruzeiros oceanográficos
FIGURA 17. Exemplo de fixação de equipamentos em uma bancada no navio, com o uso de cabos
sintéticos e extensores elásticos. Foto: Luiz Vianna Nonnato.
Paralelamente, deve-se levar em conta que uma das atividades mais relevantes na quase
totalidade dos cruzeiros oceanográficos é o treinamento e embarque de iniciantes, sejam eles alunos,
técnicos ou pesquisadores (Fig. 18). O acompanhamento das atividades de levantamento é uma ótima
oportunidade para novos pesquisadores familiarizarem-se com os procedimentos práticos de campo,
mas é importante que tal atividade não impacte negativamente o desenvolvimento dos trabalhos.
809
Noções de Oceanografia
• Segurança do pessoal;
Indiscutivelmente, a segurança das pessoas envolvidas nos trabalhos deve ser a preocupação
primordial de toda a equipe. Os recursos para atendimento médico a bordo, mesmo que o navio
disponha de médico ou enfermeiro, são extremamente limitados. Dependendo do local onde o navio
esteja trabalhando, o atendimento adequado às pessoas gravemente acidentadas pode só ser possível
após vários dias de navegação.
É importante que haja uma organização adequada durante a operação de equipamentos pesados,
de modo a restringir o acesso no entorno ao mínimo de pessoas necessárias para a execução do serviço.
Muitas vezes o rompimento de um cabo pode “chicotear”, representando um perigo de acidente sério.
De toda forma, o trabalho externo, na popa, proa ou convés da embarcação deve ser feito por um
mínimo de duas pessoas, para que no caso de uma delas se acidentar (num caso extremo, cair no mar),
haja sinalização imediata para que o grupo rapidamente tome as medidas necessárias. A supervisão das
condições de segurança durante estes trabalhos está normalmente a cargo dos oficiais de navegação
do navio, que se valem de sistemas de câmera e comunicação entre os diversos setores do navio (caso
disponíveis) para monitoramento dos trabalhos.
810
Campanhas costeiras e cruzeiros oceanográficos
FIGURA 19. Garantir condições adequadas de segurança deve ser uma preocupação permanente em
campanhas oceanográficas. Fotos: Luiz Vianna Nonnato.
Também, no caso de equipamentos que são colocados na água, como perfiladores, amostradores
de água, redes e outros, um fator de acidente ou até de perda do equipamento é o mau estado de
cabos e ferragens; este material deve ser vistoriado periodicamente para identificação de eventuais
danos e pontos de corrosão ou desgaste, que possam comprometer sua resistência. Finalmente,
um importante fator de danos aos equipamentos é a sua utilização em condições de mar (vento e
ondas) inadequadas; para evitar tal problema, é fundamental o bom senso do pesquisador quanto
à avaliação da viabilidade de execução ou não de um específico trabalho, em função das condições
atmosféricas e estado do mar.
811
Noções de Oceanografia
Também, os dados e amostras devem ser verificados após cada operação de coleta (e não só
ao fim do cruzeiro), de forma que qualquer anormalidade de operação do equipamentos possa ser
identificada e sanada sem comprometer as operações subsequentes. Um cuidado especial deve ser
tomado em relação a equipamentos eletrônicos de medição, que armazenam dados em forma digital;
uma vez recuperados do instrumento, os dados devem ser replicados e copiados para diferentes
elementos de armazenamento (pen drives, disco rígido, etc.), de forma a evitar transtornos devidos a
falha ou perda de um dos elementos de armazenamento.
4. Conclusão
Sintetizando, diante das diversas considerações apresentadas sobre a obtenção de informações
oceanográficas, constata-se que há necessidade de uso de um equipamento muito importante
e de alto custo de operação e manutenção, a embarcação de pesquisa. Sendo a Oceanografia uma
ciência multidisciplinar, que aborda os oceanos sob aspectos físicos, químicos, geológicos, biológicos
e meteorológicos, também necessita do envolvimento de pesquisadores com formação não só em
oceanografia, mas também em diversas outras áreas da ciência, além de tripulação especializada,
técnicos e alunos. Além disso há necessidade de um importante investimento de recursos financeiros
para a realização da pesquisa e de todas as análises a bordo e em terra, em diferentes laboratórios
(eventualmente, em outros países).
812
Campanhas costeiras e cruzeiros oceanográficos
SITES RECOMENDADOS
Embarcações IOUSP: <http://www.io.usp.br/index.php/embarcacoes/apresentacao.html>
Referências Bibliográficas
813
ATUAÇÃO DO
OCEANÓGRAFO
NOÇÕES DE OCEANOGRAFIA
Capítulo 36
USO E CONSERVAÇÃO
DO OCEANO: PARA
ALÉM DO QUE SE VÊ
Briana Bombana, Natalia de Miranda Grilli,
Luciana Yokoyama Xavier, Leandra Regina Gonçalves,
Marcus Polette & Alexander Turra
817
Noções de Oceanografia
CITAÇÃO SUGERIDA: BOMBANA, Briana et al. Uso e conservação do oceano: para além do que
se vê. In: HARARI, Joseph (org.). Noções de Oceanografia. São Paulo: Instituto Oceanográfico,
2021. E-book. Cap. 36: p. 819-845.
818
Uso e conservação do oceano: para além do que se vê
1. Introdução
O oceano1 e os mares2 influenciam e são influenciados diariamente pelas atividades humanas.
Essa inter-relação é observada em exemplos cotidianos que permeiam assuntos tão diversos como a
meteorologia, medicina, economia, política e alimentação. Em muitos casos, ela ocorre até mesmo onde
a população humana se encontra a quilômetros de distância desses corpos de água salgada. Para citar um
exemplo, a integração e a coordenação para a apresentação do conteúdo deste capítulo foram realizadas
totalmente por meio da internet, a qual depende em 99% de conexões estabelecidas por cabos submarinos
que cruzam o assoalho marinho de ponta a ponta, unindo o Brasil a outras regiões do planeta.
1
Embora os livros clássicos de geografia falem de diferentes oceanos, como o Atlântico e o Pacífico, essas divisões correspondem a critérios
geopolíticos, dado que o oceano é um sistema integrado de circulação de energia, matéria e organismos, do ponto de vista oceanográfico. Assim,
o movimento pela alfabetização ou cultura oceânica (do inglês, Ocean Literacy) propõe que se adote e divulgue a ideia de um único oceano global,
como será visto neste capítulo, no qual empregamos o termo "oceano" (sem o “s”). Cabe destacar também que este é definido como o corpo de
água salgada de grandes dimensões que circunda os continentes. É o principal reservatório de água da superfície do planeta, abrangendo por
volta de 70% da mesma e contendo aproximadamente 97% da água existente. A sua profundidade média está calculada em cerca de 4.000m.
2
Entendemos por mar o corpo de água salgada que, geralmente, conecta-se com o oceano e apresenta uma menor dimensão quando
comparada com este último. Devido à circulação limitada entre ambos, mar e oceano, normalmente, o primeiro exibe características
oceanográficas diferentes deste. Esse é o caso do Mar Mediterrâneo, por exemplo.
3
O sertão nordestino não é um exemplo de deserto subtropical. Ele se localiza em latitudes menores que 20º, é caracterizado como semidesértico
e difere de outras regiões similares por ser circundado por áreas que apresentam uma umidade média significativamente mais alta.
819
Noções de Oceanografia
Apesar da importância central do oceano e dos mares no nosso dia-a-dia, pode-se dizer que o nosso
entendimento sobre esse complexo sistema aquático é ainda muito deficiente. De forma geral, a sociedade
desconhece a real importância de mantê-los saudáveis para a presente e as futuras gerações, bem como
os meios para fazê-lo. Também, a sociedade que vive distante do mar ainda não consegue compreender a
relevância que o litoral tem em suas vidas, e em especial em sua qualidade de vida e bem-estar.
Dois dos desafios das "ciências para o mar"4 , como a Oceanografia, são justamente aprofundar
e divulgar esse conhecimento. Foi pensando nisso que, nas próximas páginas, aprofundaremos o
entendimento da importância do oceano e dos mares, definindo alguns dos conceitos mais relevantes
relacionados à temática. Isto é, apresentaremos os serviços ecossistêmicos providos pelo oceano, os usos
e impactos humanos no contexto do Antropoceno e as opções ou caminhos para o uso sustentável.
Trataremos também dos principais arranjos institucionais, ações e ferramentas para a governança e a
gestão do oceano, dos mares e das zonas costeiras5, tendo como foco o Brasil. Dessa forma, pretendemos
que a informação apresentada, embora não exaustiva, seja útil não somente para expandir a visão sobre
a importância do ambiente marinho, mas também para servir como estímulo para ações individuais e
coletivas em prol da conservação marinha e costeira.
Embora criticado por apresentar uma visão utilitarista da natureza, o conceito de SE destaca a
relação de dependência vital que a humanidade estabelece com os diversos ecossistemas para a garantia
do seu bem-estar. Especialmente, entender que a natureza apresenta limitações no seu “estoque” e na
sua capacidade de produzir e fornecer SE (Costanza & Daly, 1992; Norgaard, 1994) nos faz perceber
que a conservação dos ecossistemas é ação essencial para evitar ameaças à própria existência humana.
Por exemplo, estima-se que 90% dos grandes predadores marinhos já foram removidos de todos os
mares pela pesca desordenada, estando algumas dessas espécies em colapso (Steffen et al., 2015).
4
Aqui usamos o termo "ciência para o mar" ao invés de "ciência do mar", conforme proposto pelo Dr. Ariel Troisi, presidente da
Comissão Oceanográfica Intergovernamental (COI) da UNESCO, para indicar todos os tipos de conhecimento que são relevantes
para a promoção de seu uso sustentável, incluindo as ciências que tradicionalmente estudam o oceano, como a Oceanografia.
5
Áreas nas quais os processos ocorrentes em terra e mar se encontram e se inter-relacionam, especialmente na margem terrestre-
marinha. As fronteiras desse espaço variam de acordo com as características físicas locais e regionais, bem como de acordo com as
atividades humanas aí desempenhadas, o contexto legal-institucional correspondente etc.
820
Uso e conservação do oceano: para além do que se vê
da natureza, existem diversas dimensões do bem-estar humano, desde necessidades básicas até necessidades
econômicas, do meio-ambiente e relacionadas com a felicidade subjetiva (Summers et al., 2012).
De maneira geral, os SE podem ser classificados em quatro tipos (MEA, 2005, Fig. 1):
1. Provisão: bens e produtos essenciais para a vida humana, como a água doce, a alimentação,
os combustíveis, e recursos vivos;
3. Culturais: benefícios não materiais, tais como, recreação, turismo, e valores espirituais;
Tendo em vista que o oceano ocupa cerca de 70% da superfície terrestre e se distribui por todas
as latitudes do planeta, são inúmeros os benefícios que ele proporciona.
821
Noções de Oceanografia
Vale acrescentar que adotamos neste capítulo a nomenclatura e conceitos apresentados pela
Avaliação Ecossistêmica do Milênio (do inglês, Millennium Ecosystem Assessment - MEA, 2005), uma
vez que a mesma é a mais difundida e utilizada ainda nos dias de hoje. No entanto, outras abordagens
vêm emergindo mais recentemente, devido a algumas inconsistências no esquema mencionado, como
a classificação da água doce e da alimentação como serviços de provisão, enquanto o ar limpo não é
assim considerado (Raffaelli & White, 2013).
FIGURA 2. Somente em 2007, os turistas deixaram US$11 bilhões para a cidade de Miami Beach
(Flórida, EUA) que, embora conte com outros pontos turísticos, tem na praia que leva o mesmo
nome, a sua principal atração. Foto: Briana Bombana.
6
De acordo com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), o “Sul Global” refere-se aos países em
desenvolvimento considerando que todos os países industrialmente desenvolvidos do mundo (com exceção de Austrália e Nova
Zelândia) ficam ao norte dos países em desenvolvimento (para referência adicional, consultar: <https: //kups.ub.uni- koeln.de/6399/1/
voices012015_concepts_of_the_global_south.pdf>).
822
Uso e conservação do oceano: para além do que se vê
Alguns exemplos dessas novas abordagens são o projeto Economia dos Ecossistemas e
Biodiversidade (TEEB) que enfatiza os benefícios monetários oriundos da natureza (TEEB,
2008); a Classificação Internacional Comum de Serviços Ecossistêmicos (CICES) que distingue
entre a estrutura, processos, serviços, benefícios e valores dos ecossistemas e destaca a influência
do componente social no capital natural (Haines-Young & Potschi, 2018); e, a Plataforma
Intergovernamental sobre Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos (IPBES) que utiliza a
nomenclatura "contribuição da natureza para as pessoas" para destacar, de forma mais ampla, o valor
intrínseco da natureza, a conexão direta entre a natureza e a boa qualidade de vida e a necessidade de
incluir visões tradicionais sobre relações Natureza-Humanidade (por exemplo, visões tradicionais e
indígenas sobre a natureza) na tomada de decisão (Pascual et al., 2017).
Nos próximos anos o conceito de SE, seus arcabouços e abordagens serão, sem dúvida, ajustados
e mais difundidos e aplicados por diferentes áreas do conhecimento e setores de gestão, facilitando
a transdisciplinaridade e o diálogo entre a ciência, incluindo a Oceanografia, e a tomada de decisão.
No início do presente século, o químico holandês Paul Josef Crutzen, sugeriu que estaríamos
vivendo uma nova época geológica: o Antropoceno.
Logo depois, em coautoria com Eugene Stoermer, Crutzen publicou um artigo (Crutzen &
Stoermer, 2000) no qual afirmaram que vivíamos no Holoceno, época geológica pós-glacial (últimos
10-12 milênios), durante o qual a evolução dos seres humanos foi impressionante, mas ainda com
impactos de menor magnitude. Inicialmente, como caçadores-coletores reunidos em pequenos grupos
e que utilizavam o fogo, os humanos progrediram na manufatura de ferramentas que auxiliassem na
caça, na domesticação de animais e na produção de alimentos, produzindo emissões de CO2 que,
quando comparadas com o período Pré-revolução Industrial, são consideradas mínimas. Mesmo
modificando os ecossistemas costeiros e terrestres, os seus impactos permaneceram em grande parte
locais e transitórios, dentro dos limites da variabilidade natural dos ambientes.
823
Noções de Oceanografia
Mais tarde, as grandes navegações dos séculos XV e XVI marcaram o início de práticas coloniais
ao longo do Globo baseadas, de forma geral, na apropriação de recursos, estando muitas delas vigentes
até os dias atuais. A partir da Revolução Industrial, em meados do séc. XVIII, essa ação humana sobre
o planeta foi potencializada, acarretando em mudanças de natureza geológica e morfológica. Assim,
pode-se observar o aumento dos níveis de concentração de dióxido de carbono e metano na atmosfera,
e de materiais particulados (ex., carbono negro e microplásticos) e substâncias químicas (ex., metais
pesados e derivados de petróleo) em rochas sedimentares no mar. Estas alterações de escala planetária
fizeram com que ingressássemos no Antropoceno (Crutzen, 2002; 2006), o qual pode ser atualmente
dividido em três estágios principais:
1. Meados de 1800 até 1945: Estágio marcado pela industrialização e utilização de combustíveis
fósseis, como carvão, petróleo e gás. O resultado da queima de combustíveis fósseis, o uso de
fertilizantes na agricultura, a criação intensiva de gado, as alterações de uso e ocupação do
solo e consequente desmatamento aumentaram os gases do efeito estufa substancialmente
na atmosfera, alterando os padrões das chuvas, provocando aumentos de temperatura e
aumentando o nível dos mares.
2. A Grande Aceleração, entre os anos de 1945 (pós-II Guerra Mundial) e 2015: Nesse estágio,
a população mundial praticamente dobrou com intenso desenvolvimento econômico e
amplo fluxo de capitais e comércio ao longo do planeta. As áreas costeiras tiveram seu maior
aporte populacional e migratório com intensas alterações na estrutura e funcionamento dos
seus principais ecossistemas e a atividade pesqueira experimentou seu período de maior
explotação. O aumento do consumo de petróleo, a aceleração do processo de urbanização
e o advento de novas tecnologias foram fatores decisivos para grandes transformações
planetárias e impactos de todas as magnitudes.
3. Desde meados de 2015 à atualidade: Existe uma crescente consciência do impacto humano
sobre o ambiente em escala global e as primeiras iniciativas de construir governança global
e sistemas capazes de gerenciar essa relação entre a humanidade com os sistemas terrestre,
824
Uso e conservação do oceano: para além do que se vê
Em resumo, na presente época, além do intenso avanço dos mais diversos setores econômicos, a
humanidade teve sua população incrementada em bilhões de habitantes, a Terra se converteu em um
planeta urbano, com um imprevisto e deliberado uso de recursos naturais renováveis e não-renováveis
como jamais ocorreu. Embora alicerçada em diferenças assimétricas entre países, regiões, povos e
classes sociais, uma profunda alteração resultante dessa relação Natureza-Humanidade é observada
de forma ampla pelo planeta, cujos impactos ambientais são diariamente percebidos por todos nós,
fermentando discussões sobre uma governança global.
Quando olhamos especificamente para o oceano, percebemos que os impactos das atividades
humanas já estão presentes em todas as suas partes e vêm aumentando ao longo do tempo
(Halpern et al., 2019) (Fig. 3). Todas as atividades, especialmente aquelas realizadas diretamente
no oceano, têm o potencial de afetar suas características físicas e biológicas e, consequentemente,
seus SE. Em 2019, a chegada de toneladas de petróleo às praias brasileiras chamou atenção para
os riscos associados à exploração e transporte de petróleo em alto mar e a um ineficiente sistema
de governança e gestão.
FIGURA 3. O impacto cumulativo das atividades humanas afeta todo o oceano. A escala à direita do mapa,
embora sem unidade, indica que quanto mais próximo de 0 o impacto cumulativo diminui e quanto mais
próximo de 5 aumenta. Assim, é possível observar que há poucas áreas onde o impacto cumulativo é
mínimo - como a região equatorial do Pacífico, e muitas áreas onde o impacto se aproxima de valores
mais altos, de 3 a 5. Sugerimos desconsiderar os três pontos castanho-avermelhados no mapa, dado
que se referem à informação apresentada na figura original, não relevante para o presente texto. Fonte:
Halpern et al., 2019.
825
Noções de Oceanografia
Não basta uma atividade ser desenvolvida no oceano para ser considerada parte da
Economia Azul. Alguns princípios desse tipo de economia incluem (WWF, 2015):
FIGURA 4. Múltiplos aspectos da Economia Azul que considera igualdade e respeito socioambiental.
Fonte: retirada e adaptada de Bennet et al. (2021).
826
Uso e conservação do oceano: para além do que se vê
Além das atividades diretamente relacionadas ao mar e à zona costeira, a conexão do oceano
a corpos de água dos continentes também expõe esse sistema a impactos de atividades terrestres. O
caso do rompimento da barragem de minério do município de Mariana, em Minas Gerais, é um
exemplo emblemático de como tragédias ambientais do interior dos continentes podem afetar o
oceano (Fig. 5). A lama tóxica liberada pela barragem em novembro de 2015 alcançou o Rio Doce e
foi transportada por mais de 600 km até atingir o litoral e se espalhar 770 km2 mar adentro. Os reais
impactos de tal tragédia para o ecossistema oceânico e para as populações que se beneficiam de seus
serviços ecossistêmicos ainda não são inteiramente conhecidos.
FIGURA 5. Foto de satélite da lama invadindo o mar na data de 16/12/2015. Fonte: Wikimedia Commons.
Para a escala mundial, calculou-se que o oceano recebeu entre 4,8 e 12,7 milhões de toneladas de lixo
plástico somente em 2010 ( Jambeck et al., 2015), o que equivale a despejar um caminhão de lixo plástico
por minuto no mar. Esses resíduos são prejudiciais à saúde dos ecossistemas marinhos e sua biodiversidade,
além de impactar negativamente setores econômicos, como a pesca, o turismo e a navegação, além da
própria saúde humana.
7
Aquelas pessoas, grupos ou organizações que afetam/influenciam ou são afetados/influenciados pelos processos de gestão de uma
parte do território.
8
Uma instituição pode ser entendida como uma estrutura/atividade cognitiva, normativa ou regulatória que fornece estabilidade e
sentido a um dado comportamento social.
9
Área delimitada topograficamente, na qual toda a água do seu interior, especialmente àquela oriunda da chuva, é drenada por um
sistema de afluentes e/ou um curso d’água (rio principal) até descarregar no ponto mais baixo dessa área (foz do rio).
827
Noções de Oceanografia
Além dos impactos da poluição, o oceano também tem sentido os efeitos de ser percebido como
uma fonte inesgotável de recursos, os quais são, frequentemente, afetados por práticas predatórias.
A sobreexplotação do pescado, por exemplo, tem causado o declínio acentuado de populações das
principais espécies comerciais. Dados apontam que, entre 1974 e 2017, a porcentagem de recursos
pescada em níveis insustentáveis aumentou de 10% para 34,2% (FAO, 2020).
FIGURA 6. Localidades com manchas e vestígios de óleo bruto encontradas no Nordeste brasileiro.
Fonte: Gonçalves et al. (2020).
828
Uso e conservação do oceano: para além do que se vê
Não apenas ações humanas diretas impactam o oceano. O grande aumento da concentração
de gás carbônico na atmosfera, gerado pelas atividades humanas, indiretamente promove mudanças
climáticas que intensificam os impactos negativos no oceano. Este, por sua vez, tem funcionado
como um amortecedor global às mudanças climáticas ao absorver parte do calor e do carbono
atmosférico. Mais carbono no oceano significa águas mais ácidas.
FIGURA 7. Corais das espécies Agaricia agaricites (A) e Mussismilia hispida (B) após evento de
branqueamento no entorno da Ilha dos Frades, Baía de Todos os Santos (BA), em 2019. Fotos: Bárbara
Pinheiro (Laboratório de Conservação no Século XXI, Universidade Federal de Alagoas).
829
Noções de Oceanografia
Apesar de ainda existirem muitos desafios que possam garantir a gestão integrada e uma
governança justa, sustentável e inclusiva do oceano, mares e zonas costeiras, existem atualmente
instrumentos normativos e instituições que têm promovido o uso do oceano em benefício da
humanidade e da manutenção e conservação da biodiversidade e serviços ecossistêmicos. Pode-se dizer
que estes instrumentos conformam a espinha dorsal das iniciativas de gestão e governança marinho-
costeiras produzidas em escala internacional e nacional. Por isso, estão abaixo divididas de acordo com
o contexto ao qual correspondem.
830
Uso e conservação do oceano: para além do que se vê
Para citar um exemplo, Gudynas (2000) versa sobre dois tipos de sustentabilidade:
a forte e a fraca. Isto é, enquanto esta última considera uma possível substituição da
natureza por capital manufaturado, por exemplo, quando um país ou empresa paga
um certo valor monetário por uma área protegida marinha, a qual “presta o serviço” de
sequestrar o carbono (um dos elementos causadores das mudanças climáticas) por meio
de organismos fotossintéticos marinhos, com o intuito de compensar suas atividades
que produzem carbono; a primeira não aceita tal substituição, assim defendendo que
a natureza em si própria deva ser o objeto a ser conservado, ou seja, a implantação de
alternativas para isto, como pode ser uma área protegida marinha, deve ocorrer com o
objetivo último de manter as funções e processos de um dado ambiente, para além das
regras de mercado. Assim, os diversos valores da natureza são enfatizados, não somente o
monetário, como por exemplo, o seu valor intrínseco e o valor sentimental que apresenta
para uma comunidade de pessoas.
Globalmente, foi na Conferência de Estocolmo sobre o Meio Ambiente Humano, em 1972, que
as preocupações com o oceano foram ampliadas, assim como as relações existentes entre os sistemas
ecológico e social foram mais bem compreendidas. A divisão do oceano entre os países, as formas
para explorá-lo e lidar com os impactos gerados e as proposições de regulamentações foram discutidas
pela Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas, que então deu início à construção da
Convenção das Nações Unidas para o Direito do Mar (CNUDM). A "constituição do oceano" como é
popularmente conhecida demorou mais de dez anos para ser negociada, adotada e ratificada pelos mais
de 150 países que hoje são seus signatários. Ela representa um marco importante para a governança
global do oceano, uma vez que traz objetivos para a promoção da utilização equitativa e eficiente dos
recursos vivos e não vivos marinhos e também estabelece critérios para determinar a soberania e as
responsabilidades e regras para o uso.
831
Noções de Oceanografia
Você sabia?
Depois da “Guerra das Lagostas” ocorrida na década de 1960, na qual a França
disputou com o Brasil o direito de pescar esses crustáceos na plataforma continental do
Nordeste brasileiro, é que se pleiteou a necessidade de reconhecer a soberania dos países
em gerir as suas águas marítimas adjacentes (até 200 milhas da costa, excetuando alguns
casos específicos).
Dez anos mais tarde, em 1992, a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e
Desenvolvimento (Rio 92) discutiu mais amplamente o conceito de desenvolvimento sustentável,
voltado à promoção do bem-estar social e econômico das gerações atuais e futuras. No documento
resultante dessa conferência, a Agenda 21, um capítulo inteiro (o Capítulo 17) é dedicado à proteção
do oceano, adotando princípios como o da precaução e o das responsabilidades comuns diferenciadas.
Enquanto o primeiro argumenta que, na ausência de informações que comprovem determinados
impactos ambientais, deve-se adotar a precaução, o último almeja impulsionar a equidade e as
iniciativas de cooperação internacional voltadas ao meio ambiente. Também, foi na Rio 92 que outros
instrumentos internacionais que se relacionam indiretamente com a governança do oceano foram
discutidos, como a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima (UNFCCC)
e a Convenção sobre Diversidade Biológica (COP).
Adentrando o novo século, em 2010, durante a 10ª Conferência das Partes da Convenção sobre
Diversidade Biológica (COP-10), as Metas de Aichi para a Biodiversidade chamaram a atenção
para a necessidade de promover o uso sustentável dos estoques pesqueiros (Meta 6); minimizar
impactos antrópicos relacionados à alterações climáticas e acidificação do oceano sobre recifes de
coral e ecossistemas vulneráveis (Meta 10); e proteger 10% dos ecossistemas representativos das zonas
costeiras e marinhas (Meta 11). Em 2012, na Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento
Sustentável (Rio + 20), a declaração "O Futuro que queremos" destacou ações para promover a
sustentabilidade do oceano, zona costeira e ilhas. Especialmente, o tema recebeu destaque na carta
produzida durante o evento, na qual foi destacada a importância do oceano, do que já existe em
termos de arranjos institucionais10 e a necessidade de ir além das águas territoriais para preservação do
ambiente marinho como um todo no planeta. Também foi salientada a importância do oceano para a
questão climática e para o bem-estar humano.
Na esteira da Rio+20, em 2015, a ONU fez uma revisão dos Objetivos de Desenvolvimento
do Milênio (1990 a 2015) para a promoção da sustentabilidade. É a conhecida “Agenda 2030 para o
Desenvolvimento Sustentável”, que apresenta 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS).
Os ODS preconizam a importância da participação cidadã11 na construção das metas estabelecidas
até o ano de 2030. Com o slogan “Ninguém fica para trás”, a Agenda 2030 indica a necessidade de
integração entre suas metas e ações, ressaltando questões de justiça social e equidade de gênero.
Por arranjos institucionais entende-se o conjunto de costumes, leis, instituições e estratégias estabelecidas para orientar e negociar
10
832
Uso e conservação do oceano: para além do que se vê
FIGURA 9. Conheça as metas do ODS 14: Vida na água. Fonte: Xavier et al. (2020).
833
Noções de Oceanografia
FIGURA 10. Interações entre as metas (de 1 a 7) do "Objetivo de Desenvolvimento Sustentável 14: Vida na
Água" com os demais ODS. A espessura da linha representa uma maior (7) ou menor (1) ligação do ODS 14
com os demais ODS. Fonte: adaptado de Claudet et al. (2020).
Dessa forma, podemos dizer que, especialmente a partir da década de 1990, a comunidade
internacional tem se voltado à busca de uma melhor forma de promover a governança do oceano. A
consolidação da agenda internacional para o oceano ocorreu em 2017, na Conferência da ONU sobre
o Oceano, por meio do quadro de ação e acompanhamento para o oceano e mares da declaração “O
Futuro que queremos”, assinada em 2012. Nela, mais de 1500 compromissos voluntários, de governos,
das Organizações Não-Governamentais, das empresas e da sociedade civil em geral, foram propostos
para promover a sustentabilidade do oceano por meio de variadas estratégias.
834
Uso e conservação do oceano: para além do que se vê
1. Um oceano limpo;
4. Um oceano previsível;
5. Um oceano seguro;
6. Um oceano acessível;
Por exemplo, a delimitação da área protegida marinha em torno das ilhas Galápagos (Equador)
não preveniu que, nos últimos anos, frotas de navios de empresas chinesas sejam frequentemente vistas
explorando os recursos pesqueiros contidos na fronteira com as áreas internacionais, e, de forma mais grave,
também dentro da Zona Econômica Exclusiva equatoriana. Só em julho de 2020, foram avistados 260
navios pescando nessa área. Acredita-se que a única forma de impedir a pesca ilegal seja por meio de uma
vigilância permanente que, em contrapartida, demanda muitos recursos materiais e humanos para os países
marinho-costeiros. O conflito observado no Equador, comum a seus países vizinhos, elevou-se a tal ponto
em que, atualmente, estejam ocorrendo diálogos para que seja apresentada uma posição regional conjunta
com Colômbia, Peru, Chile, Argentina, Panamá e Costa Rica. Esta, ainda que de caráter paliativo a esse
histórico de exploração econômica não permitida pelos governos nacionais envolvidos, tem como intuito
chamar a atenção internacional aos abusos cometidos pelos navios de empresas estrangeiras.
12
O conjunto de processos nos quais se debate, forma, transmite e se aplica o conhecimento sobre como o oceano influencia as nossas
vidas e como as nossas ações influenciam o oceano.
835
Noções de Oceanografia
A Amazônia Azul
Com mais de 8,6 mil quilômetros de
costa, o Brasil possui atualmente 5,7 milhões de
quilômetros quadrados (km2) de espaço marinho
sob sua jurisdição. Esse território corresponde
à área onde se aplica a legislação brasileira
e que o Brasil pode decidir como explorar
economicamente. Por conta das riquezas
naturais e minerais abundantes, a área marinha
sob jurisdição brasileira é chamada de Amazônia
Azul, em uma comparação à importância da
Floresta Amazônica para o país.
836
Uso e conservação do oceano: para além do que se vê
Com base nessas políticas, em 1982, a CIRM passou a promover encontros e reuniões para discutir
o gerenciamento costeiro. Desse processo, surge, ainda que de forma embrionária, o sistema de gestão
costeira brasileiro, que considerou um modelo descentralizado e participativo. Esse debate dá origem
ao Programa Nacional de Gerenciamento Costeiro que em 1988 publica a Lei 7.661/1988 e institui o
Plano Nacional de Gerenciamento Costeiro (PNGC), regulamentado pelo Decreto 5.300/2004. Este
é a base legal de planejamento e gestão ambiental da zona costeira brasileira e, atualmente, é válido
por meio do PNGC II (versão atualizada e revisada pela Resolução CIRM de 05 de 3 de dezembro
de 1997).13 A nova versão estabelece os objetivos e instrumentos que operacionalizam o plano. Ela
mantém a característica de gestão descentralizada e cooperativa entre os níveis federativos e, para
favorecê-la, cria o Grupo de Integração do Gerenciamento Costeiro (GIGERCO), no âmbito da
CIRM, com representações de diferentes setores, entre eles: ministérios, sociedade civil, instituições
de pesquisa e confederações empresariais. O GIGERCO foi pensado para atuar por meio de diversos
atores, cada um dos quais desenvolvendo ações que auxiliam o sistema a avançar em etapas de inovação
e transformação coordenadas e lideradas pelo governo federal, e previstas e aprovadas no Plano de
Ação Federal para a Zona Costeira (PAF-ZC), que está em sua quarta edição 2017-2019.
Com sua origem em 1988, o arcabouço para a gestão da zona costeira brasileira apresenta a
mesma idade da nossa Constituição Federal, na qual tal zona foi também considerada "Patrimônio
Nacional" e onde se estabeleceu que a utilização desse espaço deveria obedecer a condições que
assegurem a preservação do meio ambiente inclusive quanto ao uso dos recursos naturais. O Brasil
possui quase 10.000 km de linha de costa (se considerarmos todos os recortes e reentrâncias), permeados
por um mosaico de ecossistemas, usos e impactos, e habitado por diferentes culturas e comunidades.
Principalmente devido a isto, à organização político-administrativa territorial do estado brasileiro e à
multiplicidade de instituições, processos, normas e controles de diferentes naturezas é que o desafio da
gestão costeira no Brasil é grande e complexo.
A conservação costeira e marinha também é pautada pelo quadro normativo para o estabelecimento
e gestão das unidades de conservação, condensado pelo Sistema Nacional de Unidades de Conservação
(SNUC). Segundo o Cadastro Nacional de Unidades de Conservação, a primeira unidade de conservação
criada com uma porção marinha no Brasil foi o Parque Nacional do Monte Pascoal, na Bahia, em 1961.
O parque é predominantemente terrestre, mas inclui em sua área restingas e manguezais. Já a primeira
área marinha protegida (AMP) criada no Brasil foi a Reserva Biológica do Atol das Rocas, em 1979, com
objetivo de proteger tartarugas marinhas e aves migratórias. Desde então, o número e os ecossistemas
abrigados por unidades de conservação que incluem o bioma marinho e costeiro cresceram, assim como
o reconhecimento de sua importância e dos diversos benefícios proporcionados por tais áreas. As AMPs
e as unidades de conservação mistas (com áreas terrestres e marinhas) representam uma estratégia de
conservação e manutenção da biodiversidade e dos serviços ecossistêmicos costeiros e marinhos.
Finalmente, cabe destacar que nos dias atuais, o Brasil se encontra em fase final de construção
do Plano Nacional para a Década da Ciência Oceânica para o Desenvolvimento Sustentável como
fruto de uma ampla discussão e participação social de todas as regiões do Brasil. Internacionalmente,
está alinhado ao Planejamento Global da Década do Oceano realizado pela Comissão Oceanográfica
Intergovernamental (COI), da UNESCO, órgão que coordena a Década em escala global. Esse Plano
prevê uma ampla reflexão nos próximos dez anos entre cientistas, formuladores de políticas, tomadores
de decisão, organizações da sociedade civil e iniciativa privada para a identificação e o desenvolvimento
de abordagens científicas orientadas a soluções para a sustentabilidade do oceano.
Segundo a Constituição Federal Brasileira (1988), a “linha de baixa-mar do litoral continental e insular, tal como indicada nas cartas
13
837
Noções de Oceanografia
Conheça o SNUC
No Brasil, as unidades de conservação (UCs) são reguladas pelo Sistema Nacional
de Unidades de Conservação (SNUC - Lei Federal 9.985/2000), que apresenta diretrizes
e procedimentos para a criação e gestão das áreas protegidas. O SNUC prevê diferentes
categorias de UCs, que podem ser de proteção integral ou de uso sustentável (Fig. 12).
FIGURA 12. Categorias de UCs previstas pelo SNUC. Fonte: elaboração própria.
Hoje, o Brasil tem mais de 25% do território marinho sob jurisdição nacional
coberto por unidades de conservação de diversos tipos (Quadro 1), o que coloca o
país alinhado às metas de conservação de Aichi, em particular, a Meta 11 de proteger
ao menos 10% dos ecossistemas costeiros e marinhos, ainda que não de forma
amplamente representativa. Caso a proposta de extensão da Plataforma Continental
Jurídica brasileira seja aceita e não haja a criação de novas unidades de conservação,
esta porcentagem cairá para 16,2%.
838
Uso e conservação do oceano: para além do que se vê
QUADRO 1. Categorias de Unidades de Conservação que incluem áreas costeiras e marinhas no Brasil.
Fonte: Cadastro Nacional de Unidades de Conservação (consulta realizada em 14 de abril de 2020).
839
Noções de Oceanografia
Neste sentido, a participação da sociedade nos processos de tomada de decisão é fator primordial
para julgar, de forma democrática, as consequências de intervenções no ambiente. Ela permite
identificar estratégias de prevenção ou mitigação de danos à qualidade desse ambiente que possam ser
causados por tais intervenções. Esse não é um processo simples pois exige ética e compromisso com a
atual e as futuras gerações.
A partir desse breve histórico, percebemos que, tradicionalmente, entende-se a "ciência oceânica"
como o estudo das variáveis geo-físico-químicas e biológicas do oceano. Contudo, nos últimos anos,
tem ganhado força o conceito de Oceanografia Humana ou Social, um campo de conhecimento que
compreende pesquisas etnográficas, de impacto ambiental, gerenciamento costeiro, resiliência de
sistemas socioecológicos, gestão de políticas públicas, entre outras. O desdobramento dessa outra
face da Oceanografia tem como motivação principal aportar novas perspectivas e alternativas aos
problemas encontrados nas zonas marinho-costeiras.
840
Uso e conservação do oceano: para além do que se vê
Como vimos, a degradação dos ambientes marinho-costeiros tem sido intensificada nas últimas
décadas. Apesar da constante e crescente evolução científica no tema, ainda há lacunas de conhecimento
importantes no entendimento dos processos marinho-costeiros e de sua gestão e governança, em
diferentes escalas de tempo e espaço. Por exemplo, não se sabe como a elevação do nível do mar, uma
das consequências das mudanças climáticas, afetará os ecossistemas e populações costeiras, nem quais
estratégias estas formularão para se adaptarem a esse novo contexto. Essas carências tendem a explicar,
mesmo que limitadamente, a falha na gestão do uso e exploração do oceano e das zonas costeiras,
materializada em uma miríade de problemas de diversas magnitudes e escalas, ao passo que também
destacam as limitações da ciência convencional em propor soluções aos mesmos.
Assim, o desafio que se coloca à frente das pessoas envolvidas com a ciência oceanográfica para a
sustentabilidade é compreender a complexidade dos sistemas, identificar e compreender os processos
relacionados à sua manutenção e dos SE para, por fim, propor medidas de gestão que os resguardem
dos impactos das atividades humanas. Ressalta-se que o caráter integrador e adaptativo da GBE não
se limita à integração dentro da própria abordagem, mas deve ser ampliado, buscando integração com
outras propostas de gestão focadas na zona costeira, mares e oceano. Em outras palavras, o trabalho
e colaboração de um ou mais grupo(s) de pesquisadores e outros atores deve ser guiado pela antes
mencionada interdisciplinaridade, mas também pode evoluir até incluir processos de aprendizagem
mútua entre a ciência e a sociedade, o que se denomina como transdisciplinaridade ( Jahn et al., 2012).
Tão importante quanto investir em formação de recursos humanos e tecnológicos em ciência oceânica,
é reconhecer que o oceano é um espaço plural, em diversos sentidos. A pluralidade do oceano se traduz
na diversidade de atores interessados que devem ter voz na hora da tomada de decisão.
Nesse contexto, no que tange às políticas públicas, embora seja fundamental que se desenvolvam
com base no conhecimento científico disponível, é importante reconhecer que a ciência não deve
ser a única voz e que esta, normalmente, é mais diversa e influenciada por valores e experiências
pessoais do que pensamos.
841
Noções de Oceanografia
Não é incomum que políticas e planos de gestão do ambiente marinho que supervalorizam dados
e critérios ambientais em relação ao contexto social em que a área em questão está inserida, tenham
sua eficácia reduzida no longo prazo. De fato, muitas das políticas públicas e estruturas institucionais
relacionadas podem apresentar um viés utilitarista do oceano e zonas costeiras adjacentes que, em
casos mais extremos, inclusive intensificam conflitos socioambientais existentes ou provocam novas
disputas. Situações emblemáticas nesse sentido têm ocorrido com a implementação de algumas UCs
e a delimitação de cotas de captura de pesca, em diversos locais do mundo.
Dessa forma, para a tomada de decisão, é necessário não apenas contar com um maior
aprofundamento do conhecimento científico, mas também com uma maior diversidade desses
conhecimentos, incluindo o conhecimento tradicional, sendo capaz de incrementar a sua qualidade e
progredir para alcançar a transdisciplinaridade. Para tanto, a ciência deve manter um diálogo horizontal
com outros saberes. Isto é, seria necessário não só mais conhecimento científico, mas também uma
mudança na forma como construímos esse conhecimento por meio da participação ampliada da
sociedade, se quisermos que ele seja útil e pertinente para a gestão costeira e oceânica.
6. Considerações finais
Estamos em um momento único da história recente, no qual os efeitos do Antropoceno estão
cada vez mais presentes. Uma pandemia assola o planeta, estamos ameaçados pelas mudanças do
clima, as assimetrias sociais e econômicas não deixam de aumentar em um planeta cada vez mais
urbano onde a população cresce sem parar. Mais do que nunca, temos que refletir sobre o momento
atual e estabelecer respostas e medidas conjuntas para um futuro cada vez mais hostil à sobrevivência
da espécie humana.
Tendo em vista que os processos característicos do Antropoceno já fazem parte do nosso dia-
a-dia e ainda ocorrerão por milhares de anos, fica evidente que temos uma grande tarefa em escala
planetária, nacional, regional e local para construir uma estratégia de uso sustentável e justo dos
recursos naturais e, desta forma, mitigar os impactos ambientais no oceano, mares e zonas costeiras.
Para isso é fundamental o uso adequado do conhecimento, a participação da sociedade por meio de
práticas de cidadania, bem como aproveitar a criatividade e a diversidade humana para neutralizar os
problemas e conflitos decorrentes de tais impactos.
O que promove a cidadania são as atitudes e a participação ativa por meio da defesa dos
princípios ou ideias associadas à democracia. Essas podem variar desde a simples presença passiva
de um indivíduo nas reuniões da associação do bairro, até formas de contribuição social nas quais
este indivíduo influencia os processos de tomada de decisão. Neste sentido, a ciência tem um papel
importante - pois por meio desta é possível estabelecer caminhos inovadores junto aos processos de
proposição e avaliação de políticas públicas.
842
Uso e conservação do oceano: para além do que se vê
Fica assim cada vez mais evidente que cada indivíduo que vive em uma cidade e/ou município
da zona costeira brasileira, e que frequenta as suas praias, estuários, lagoas e lagunas, durante todo
o ano, no veraneio, ou de vez em quando - e até os que estão muito distantes da costa, e que nunca
viram o mar sequer. Todos, absolutamente todos - estão interligados a ele pelo clima, pelas bacias
hidrográficas, ou pelos recursos e benefícios que ele gentilmente nos oferece todos os dias. Todos nós
devemos entender estas conexões e fazer a sua parte no dia de hoje, no dia de amanhã e durante os
próximos anos das nossas vidas, pois esta conexão entre o tempo e o espaço está também relacionada
com aqueles que irão viver um dia neste planeta.
Neste sentido, é imprescindível o processo de participação social, pois este se constitui como
uma alavanca para as ações institucionais dos governos federal, estaduais e municipais. É uma força
necessária para compreender a importância que o território oceânico possui nas suas economias, bem
como das suas potencialidades e oportunidades ambientais e paisagísticas ali existentes – especialmente
considerando a importância dos serviços ecossistêmicos costeiros, bem como dos seus limites de
capacidade de carga e resiliência.
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& Biodiversity: An Interim Report. A Banson Production, Cambridge, UK.
UNESCO. Cultura oceânica para todos: kit pedagógico. https://unesdoc.unesco.org/ark:/48223/
pf0000373449. Acesso em 03 de dezembro de 2020.
UNESCO (2020). United Nations Decade of Ocean Science for Sustainable Development
2021 – 2030. Second Implementation plan. https://www.oceandecade.org/assets/uploads/
documents/Ocean-Decade-Implementation-Plan-Version-2-compressed_1599601175.pdf
Acessado em maio, 2021.
WWF (World Wildlife Fund). 2015. Baltic Ecoregion Programme. Principles for a Sustainable
Blue Economy. http://wwf.panda.org/wwf_news/?247477/Principles-for-a-Sustainable-Blue-
Economy# Acesso em 05 de dezembro de 2020.
XAVIER, L. Y. et al. 2020. ODS 14 - Vida na Água. In: FREY, K. et al. (Eds.). Objetivos
do Desenvolvimento Sustentável: Desafios para o planejamento ambiental na Macrometrópole
Paulista. Santo André, SP: EdUFABC, p. 233–244.
XAVIER, L. Y.; STORI, F. T.; TURRA, A. 2016. Desvendando os oceanos: Um olhar sobre a
Baía do Araçá. 1. ed. São Paulo: Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo, 2016.
845
O perfil e a atuação do oceanógrafo
NOÇÕES DE OCEANOGRAFIA
Capítulo 37
O PERFIL E A ATUAÇÃO
DO OCEANÓGRAFO
Alexander Turra, Sueli Susana de Godoi, Marcos Tonelli,
Vicente Gomes, Joseph Harari, Elisabete de Santis Braga
& Leandro Inoe Coelho
847
Noções de Oceanografia
CITAÇÃO SUGERIDA: TURRA, Alexander et al. O perfil e a atuação do oceanógrafo. In: HARARI,
Joseph (org.). Noções de Oceanografia. São Paulo: Instituto Oceanográfico, 2021. E-book. Cap.
37: p. 849-890.
848
O perfil e a atuação do oceanógrafo
O Perfil e a Atuação
do Oceanógrafo
Alexander Turra, Sueli Susana de Godoi, Marcos Tonelli, Vicente Gomes,
Joseph Harari, Elisabete de Santis Braga & Leandro Inoe Coelho
1. Oceano e a Sociedade
O oceano sempre esteve em lugar de destaque na história da humanidade e, neste último século,
tem estado em evidência pelo seu envolvimento em muitas transformações relacionadas à exploração
dos recursos vivos e não-vivos, mudanças climáticas, destruição de habitats e poluição. Esse destaque
ao meio marinho já não era sem tempo.
De modo mais recente, um relevante passo nesse sentido foi dado pela Organização das Nações
Unidas (ONU), que lançou em 2017 a proposta de realização da Década das Nações Unidas da Ciência
Oceânica para o Desenvolvimento Sustentável1, entre os anos de 2021 e 2030. Sob a coordenação
da Comissão Oceanográfica Intergovernamental (COI) da Organização das Nações Unidas para a
Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), a Década do Oceano reforçou a centralidade do oceano
na homeostase2 do planeta e, consequentemente, no suporte das atividades humanas. O principal foco
da Década do Oceano é ampliar os esforços para reverter a tendência de perda de sua qualidade e criar
condições para seu uso sustentável. Esse processo prevê um “chamado para ação”, para que a sociedade
como um todo esteja mobilizada e atuante. Tal chamado é também para os profissionais que gerarão
a “ciência que precisamos para o oceano que queremos”.
A Década do Oceano busca um oceano: (1) limpo; (2) seguro; (3) saudável e resiliente; (4)
produtivo e explorado sustentavelmente; (5) previsível; (6) transparente e acessível; e (7) inspirador e
envolvente. Esses sete objetivos são interconectados e contribuem para o desenvolvimento sustentável
do oceano e do planeta como um todo. Um oceano limpo, com as fontes de poluentes terrestres e
marinhas conhecidas e controladas, é saudável e capaz de lidar com eventuais pressões que venham
a acontecer no futuro. A diminuição da poluição reduz o risco de consumo de alimentos de origem
marinha e evita também a acumulação de compostos prejudiciais em diferentes grupos de organismos,
contribuindo para a preservação da biodiversidade e da saúde humana.
Além de fonte de recursos vivos, como o pescado que alimenta a sociedade, o oceano pode
ser fonte de minérios (petróleo e gás) e energia limpa (ventos, marés, correntes e ondas), os
chamados recursos não-vivos, que devem ser explorados de forma racional de modo a fornecer
benefícios à sociedade de modo sustentável. O desenvolvimento de uma economia do mar, (também
chamada de economia azul) depende da oferta de conhecimento, segurança e tecnologia àqueles
que desenvolvem atividades no meio marinho, como extrativistas, pescadores e marinheiros,
bem como àqueles ligados às atividades de turismo, empreendimentos de lazer, construção civil,
mercado imobiliário, energia, portos entre outros.
1
Unesco, 2019. A ciência que precisamos para o oceano que queremos: a Década das Nações Unidas da Ciência Oceânica para o
Desenvolvimento Sustentável (2021-2030). Paris: Unesco, 24p. Disponível em: <https://unesdoc.unesco.org/ark:/48223/pf0000265198_por>.
2
Homeostase. do grego homeo: "similar/igual" e stasis: estático – a estabilidade do ecossistema.
849
Noções de Oceanografia
Para que se possa buscar o uso sustentável do oceano é fundamental que haja capacidade
de prever o complexo comportamento do bioma marinho sob diferentes pressões antrópicas, o
que depende da geração de conhecimento e do compartilhamento de dados de qualidade para se
estabelecer boas estratégias para serem utilizadas em parceria com a sociedade. Logo, o conhecimento
sobre o maior ambiente da Terra deve ser amplamente disseminado, para que a sociedade entenda a
importância do oceano e do valor de sua participação nas ações que envolvam sua proteção e seu uso.
Assim, para superar os desafios impostos pela busca da sustentabilidade do oceano, é necessário
gerar conhecimento e ampliar o entendimento e a valorização desse ambiente pela sociedade de forma
que ele possa ser cada vez mais usado como base para a tomada de decisão e para a elaboração e
implementação de políticas públicas.
850
O perfil e a atuação do oceanógrafo
2. O profissional oceanógrafo
O oceanógrafo é um profissional de formação técnico-científica, direcionado ao conhecimento
e à previsão do comportamento do oceano e ambientes transicionais3 sob todos os seus aspectos.
Tal profissional está capacitado a atuar de forma multi-, inter- e transdisciplinar nas atividades de
uso e exploração racional de bens e serviços providos pelo oceano. A formação holística, integrada
e sistêmica sobre fenômenos e processos que ocorrem no oceano, mares e em ambientes costeiros, e
sua relação com a sociedade, caracteriza o oceanógrafo como um profissional com visão abrangente
e integrada e expressiva capacidade de articulação, necessária no cenário atual de degradação e de
destaque do oceano em escalas nacional e global.
3
Ambientes transicionais são aqueles localizados entre os ambientes marinhos e terrestres como praias, costões rochosos, recifes de
coral, estuários, manguezais e marismas.
851
Noções de Oceanografia
852
O perfil e a atuação do oceanógrafo
O Parecer CNE/CES nº 224/2012 resgata e complementa as diretrizes citadas pela Lei Federal
nº 11.760/2008 em seu Art. 3º, para a atuação profissional do oceanógrafo, organizando-as de forma
a explicitar áreas e formas de atuação, conforme as seguintes considerações:
I. Formular, elaborar, fiscalizar e dirigir estudos, planejamentos, projetos e/ou pesquisas científicas básicas
e aplicadas que visem o conhecimento e a utilização racional do meio marinho e costeiro em todos os seus
domínios, realizando direta ou indiretamente:
a. Levantamento, processamento e interpretação das condições físicas, químicas, biológicas e geológicas,
suas interações, bem como a previsão do comportamento desses parâmetros e dos fenômenos a eles
relacionados;
b. Desenvolvimento e aplicação de métodos, processos e técnicas de exploração, explotação, beneficiamento
e inspeção dos recursos naturais;
c. Desenvolvimento e aplicação de métodos, processos e técnicas de preservação, saneamento e
monitoramento;
d. Desenvolvimento e aplicação de métodos e técnicas direcionados a obras, instalações, estruturas e
quaisquer outros empreendimentos;
e. Orientação, direção, assessoramento e prestação de consultoria;
f. Realização de perícias, emissão e assinatura de laudos técnicos e pareceres;
g. Desenvolvimento e aplicação de métodos e técnicas de gestão ambiental.
II. Exercer atividades ligadas à limnologia, hidrologia, hidrografia, aquicultura, processamento e inspeção
dos recursos naturais de águas interiores;
III. Dirigir órgãos, serviços, seções, grupos ou setores de Oceanografia;
IV. Coordenar planos, programas, projetos e trabalhos inter e transdisciplinares na área marinha e costeira;
V. Desenvolver métodos de ensino e pesquisa oceanográfica;
VI. Conhecer, compreender e aplicar a ética e responsabilidades profissionais.
3. Desafios da Oceanografia
A Oceanografia é considerada uma das profissões do futuro, tanto para garantir conservação
ambiental quanto para combater a tendência de degradação ambiental que infelizmente o oceano
vem enfrentando (Halpern et al., 2008). Nesse contexto, o oceanógrafo tem um papel central em
identificar as fontes de poluentes e caracterizar a qualidade do ambiente marinho. Associado a
isso, esse profissional tem também a capacidade de identificar, articular, propor e implementar
ações de combate a essa degradação, seja na área de gestão pesqueira, do gerenciamento costeiro ou
mesmo do controle das fontes de poluição. As possibilidades de atuação desse profissional podem
estar associadas às potencialidades do oceano em prover recursos e serviços ecossistêmicos para a
humanidade, oportunidades que podem ser exploradas de forma sustentável dentro da perspectiva
da economia do mar, como detalharemos adiante.
853
Noções de Oceanografia
1) Combate à poluição
O desafio é, por exemplo, realizar campanhas e movimentos para diminuir a geração e despejo de
resíduos no mar, especialmente plásticos, como também promover a pesquisa sobre as origens dos poluentes
e possíveis soluções para esse preocupante problema global. Os efluentes não tratados devem ser considerados
como importantes poluentes, pois podem conter vários tipos de substâncias tóxicas dissolvidas, orgânicas
e inorgânicas. Estes também constituem importantes geradores de poluição, que podem ocasionar efeitos
visíveis na biota em pouco tempo ou podem levar a processos de bioacumulação e biomagnificação ao longo
da cadeia alimentar. Os efeitos podem ser transmitidos ao longo da cadeia alimentar, atuando de uma forma
“silenciosa” e provocando efeitos bioquímicos, carcinogênicos e mutagênicos nos organismos.
4
Disponível em: <https://brasil.un.org/pt-br/download/50190/91863>.
5
ONU, 2018. Glossário de termos do Objetivo de Desenvolvimento Sustentável 14. Brasília: ONU Brasil, 40p. Disponível em:
<https://www.br.undp.org/content/dam/brazil/docs/ODS/glossarioODS14.pdf>.
6
Le Blanc et al. 2017. Mapping the linkages between oceans and other Sustainable Development Goals: a preliminary exploration.
DESA Working Paper 149. Disponível em: <https://www.un.org/esa/desa/papers/2017/wp149_2017.pdf>.
854
O perfil e a atuação do oceanógrafo
2) Impactos e conservação
É fundamental a redução de impactos e a conservação ambiental, protegendo os ecossistemas marinhos
e restaurando-os, como também preconiza a Década das Nações Unidas da Restauração de Ecossistemas7.
Para tanto, a ideia é conseguir reduzir as pressões humanas e garantir que esses lugares se mantenham saudáveis.
3) Alimentar o planeta
Manter a pesca e promover o cultivo de organismos marinhos de maneira sustentável é uma tarefa
árdua, mas necessária para que o oceano continue auxiliando a fornecer alimentos para uma população
mundial que só aumenta. Peixes e frutos do mar, como camarões e lagostas, são recursos marinhos
que precisam de tempo para se desenvolver e reproduzir. Naturalmente, temos que compreender as
potencialidades e os limites do oceano como fonte de alimento para a humanidade.
4) Economia do mar
Devemos explorar e gerenciar apropriadamente as diferentes riquezas e benefícios que o mar oferece
ao ser humano, como petróleo, alimento, biotecnologia, energia limpa, turismo, esportes, atividades de lazer,
recreação e até mesmo o comércio internacional. Para que todas essas atividades, ora praticadas, continuem
sendo realizadas e, para que novos modelos de negócios possam ser desenvolvidos, suprindo as necessidades
da sociedade, precisará haver uma mudança na forma como planejamos e executamos as atividades
socioeconômicas no mar. Em especial, devemos aplicar esforços no desenvolvimento de novas tecnologias.
5) Oceano e clima
Também é necessário avançar em pesquisas sobre mudanças climáticas e na melhoria da precisão dos
modelos de previsão climática, lembrando a forte ligação do oceano com o clima. Dessa forma, conseguiremos
contribuir para minimização dos efeitos dessas mudanças e nos adaptar melhor àquelas que já estão em curso.
7
Para saber mais, acesse: <https://www.decadeonrestoration.org/pt-br/sobre-decada-da-onu>.
855
Noções de Oceanografia
7) Observação do oceano
Estudar e monitorar desde áreas afastadas da costa e profundas, o chamado oceano aberto incluindo
as grandes bacias oceânicas, até áreas costeiras, menos profundas e sobre a plataforma continental,
é a base para compreendermos o comportamento do oceano como um todo. Com isso, teremos
informações importantes sobre a estrutura e o funcionamento do ambiente marinho, considerando sua
formação geológica e padrões de sedimentação, movimentos da água como as correntes, propriedades
da água salina na composição dos oceanos e o modo de vida de seus organismos em um sistema tão
diferenciado no planeta. Com esse conhecimento pode-se auxiliar a tomada de decisões sobre o que,
como e quando explorar o mar dentro de uma perspectiva sustentável.
9) Compartilhamento de informações
Disseminar as informações obtidas sobre o oceano, com base em conhecimento gerado nos itens
anteriores, para que cheguem, de forma clara, a todas as pessoas e possam amparar a tomada de decisão
sobre o uso e o futuro do oceano, é um enorme desafio. Para conhecer por inteiro o maior ambiente
da Terra, é necessário esforços multi-, inter- e transdisciplinares, num âmbito global, promovendo
a integração entre todas as áreas do conhecimento. Sem dúvida, essa é uma tarefa que necessitará
promover o livre e amplo acesso às informações existentes.
856
O perfil e a atuação do oceanógrafo
Uma vez definida a vocação de um estudante para o estudo do oceano, Cursos de Graduação
em Oceanografia e Oceanologia são oferecidos no país9, nos quais as habilidades dos estudantes são
exercitadas em um conjunto de disciplinas variadas, com muitas aulas práticas, culminando com um
trabalho de conclusão de curso. Este possibilita a oportunidade de os estudantes amadurecerem o
conhecimento recebido, desenvolvendo um projeto sob orientação de um docente.
8
Para saber mais, acesse: <https://www.mergulhonaciencia.com/>.
9
Para saber mais sobre os cursos de Oceanografia e outras ciências do mar, acesse: <https://cienciasdomarbrasil.furg.br/ensino/
graduacao/graduacao-oceanografia>.
857
Noções de Oceanografia
Há, ainda, a formação complementar dada por cursos de Extensão , inclusive durante a
graduação, e cursos de Especialização (Lato sensu), que só podem ser acessados após a graduação,
como é o caso de cursos de Especialização, os quais têm sido regularmente oferecidos pelas
universidades. No caso do IOUSP tem-se o exemplo do curso de Especialização, Medição, Análise,
Previsão e Modelagem do Nível do Mar.
Como discorre Cordani et al. (2018), a Oceanografia apresenta um acentuado aspecto multi- e
interdisciplinar em suas abordagens físicas, químicas, biológicas e geológicas ao formar o profissional
com conhecimento de seu principal objeto de estudo, o oceano e mares costeiros, ligados aos fenômenos
de média e larga escalas, associados às mudanças globais e climáticas e aos recursos vivos e não vivos.
Porém, deve ser feito investimento na ampliação do leque de formação associado aos sistemas de
interface como estuários e sistemas límnicos, nos quais notáveis alterações antrópicas afetam o oceano,
bem como aprofundamento da relação com as ciências sociais.
Foto: Bruno Coelho
858
O perfil e a atuação do oceanógrafo
O uso ou aplicação do conhecimento pode ser feito com diversas finalidades, além daquelas
já mencionadas previamente. Em especial, podem ser citadas as atividades de consultoria10 e
assessoria11 ambiental. Essas atividades constituem uma forte vertente assimiladora de egressos dos
cursos de graduação em oceanografia. Em síntese, os profissionais especializam-se na realização de
estudos específicos em contextos como aqueles voltados à “Avaliação de Impacto Ambiental”. Essa
formação complementar pode se dar tanto em cursos de especialização, quanto em programas de
pós-graduação. Vários profissionais, no entanto, acabam complementando seu conhecimento com
a vivência profissional. De fato, há uma gama de horizontes possíveis, incluindo a atuação em
Organizações Não Governamentais (ONGs). Estas podem promover mudanças nos processos que
degradam o oceano de modo a protegê-los ou potencializar ações que estejam alinhadas com o
desenvolvimento de inovação tecnológica e/ou com o desenvolvimento socioambiental, com um
viés fortemente aplicado às demandas da sociedade com vistas ao desenvolvimento sustentável.
Empresas, em especial startups, podem corresponder a um espaço promissor a ser ocupado pelos
oceanógrafos com perfil empreendedor.
Além das formas de atuação do profissional oceanógrafo, é importante explicitar seus principais
espaços de atuação, que correspondem ao setor público, iniciativa privada, terceiro setor e organismos
internacionais. Na sequência, são feitos breves comentários sobre cada um deles.
10
Consultoria: consiste em realizar análises para obtenção de um conjunto de dados, avaliá-los, emitir parecer e realizar considerações
sobre os aspectos ambientais.
11
Assessoria: consiste em receber um conjunto de dados já analisados, avaliá-los, emitir parecer e realizar considerações sobre os
aspectos ambientais, continuidade e necessidade de informações adicionais.
859
Noções de Oceanografia
O Setor Público representa uma parcela importante do mercado de trabalho para o oceanógrafo
e permite o desempenho de diferentes funções. É possível ainda prestar consultoria ou assessoria
temporária a órgãos públicos, assim como promover trabalhos conjuntos com ONGs e universidades.
No Setor Público situam-se muitas das principais universidades do país, nas quais a atuação
acadêmica, dedicada à pesquisa científica e ao ensino e extensão universitárias, é o foco do oceanógrafo.
Ainda na esfera governamental, podemos mencionar os Ministérios Públicos Federal e Estadual, além
do próprio Poder Judiciário, que demandam laudos e perícias para embasar ações contra a degradação
do meio ambiente. Essas atividades podem ser realizadas por profissionais habilitados12, tanto a partir
da iniciativa privada como pela academia, via atividades de consultoria e assessoria.
12
Ver requisitos para obtenção de Declaração de Habilitação Técnica (DHT) junto à Associação Brasileira de Oceanografia
(AOCEANO): <https://www.aoceano.org.br/>.
860
O perfil e a atuação do oceanógrafo
Consultoria ambiental
A necessidade do licenciamento ambiental e os princípios de proteção ambiental
que surgiram em função dos crescentes índices de degradação do ambiente marinho
levaram à formação de empresas de consultoria ambiental. Basicamente, o papel de tais
empresas consiste em assessorar tecnicamente empresas contratantes que desejam
realizar empreendimentos ou atividades na região costeira e ou oceânica. Neste contexto,
o oceanógrafo pode atuar em diferentes frentes, planejando e executando Estudos de
Impacto Ambiental (EIA), monitorando parâmetros oceanográficos, produzindo laudos
técnicos e realizando capacitação e atividades de educação ambiental.
Além das variadas opções de trabalho na iniciativa privada, destaca-se o potencial empreendedor
dos oceanógrafos, criando empresas ou planos de negócios que podem se situar no espectro
empresarial tradicional ou como negócios sociais13. Tais negócios despontam como caminhos para
solucionar problemas, sendo financeiramente auto sustentáveis, mas sem distribuição de lucros,
os quais são reinvestidos no negócio que, embora aparentemente tradicional, possui uma missão
essencialmente social.
A maioria das universidades privadas tem um direcionamento mais voltado para o ensino
de graduação, mas também têm empregado oceanógrafos como pesquisadores. Como mencionado
anteriormente, para percorrer esse caminho é necessário, normalmente, buscar uma formação
complementar em nível de Pós-Graduação, realizando mestrado e doutorado.
13
Para saber mais, acesse: <https://www.sistemabbrasil.org/>.
861
Noções de Oceanografia
Na prática, o Terceiro Setor tem tido um papel crucial na conservação marinha e assimilado
um amplo contingente de oceanógrafos. Vale destacar que há a necessidade do desenvolvimento de
habilidades específicas para atuar no Terceiro Setor, como o empreendedorismo socioambiental e
técnicas de escrita, gestão e avaliação de projetos.
Os diferentes modelos de atuação profissional no país são aplicáveis ao exterior. Para tanto é
fundamental que os estudantes interessados busquem caminhos para desenvolver fluência no idioma da
instituição ou do país pretendido. Domínio do inglês é um aspecto básico. Organismos internacionais,
como o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (ONU Ambiente), Organização das
Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO) e Organização das Nações Unidas para a
Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), são exemplos de locais onde a agenda do oceano tem
sido fortalecida e ampliada, tendo possibilidade de assimilação de oceanógrafos.
862
O perfil e a atuação do oceanógrafo
863
Noções de Oceanografia
14
Expressão atribuída ao Prof. Moysés Gonzales Tessler, um dos criadores do curso de graduação do IOUSP.
15
Lei Federal 11.788/2008.
16
<https://ava.icmbio.gov.br/portal/sejaumvoluntario>.
17
<https://www.infraestruturameioambiente.sp.gov.br/programadevoluntariado/>.
864
O perfil e a atuação do oceanógrafo
• Valorização do conhecimento;
• Busca e avaliação crítica de informações;
• Comunicação escrita;
• Comunicação oral;
• Comunicação em língua inglesa;
• Cultura digital;
• Organização do raciocínio e visão sistêmica;
• Análise de dados e raciocínio numérico abstrato;
• Raciocínio geo-espacial;
• Profissionalismo;
• Planejamento e organização;
• Trabalho em equipe;
• Uso de recursos de informática e programação;
• Liderança e cooperação;
• Ética profissional; e
• Capacidade de avaliação de desempenho.
18
<http://www.usp.br/internationaloffice/>.
19
<https://en.unesco.org/careers/>.
20
<https://careers.unesco.org/go/Internships-and-volunteers/783902/>.
21
<http:// ioc.unesco.org/employment>.
22
<https://www.unenvironment.org/work-with-us>.
23
<ttp://www.fao.org/employment/home/en/>.
24
<https://www.isa.org.jm/index.php/training>.
25
<https://www.un.org/Depts/los/index.htm>.
26
<https://www.un.org/en/>.
865
Noções de Oceanografia
Nem todas essas habilidades são necessariamente e explicitamente trabalhadas nos cursos de
graduação, mas podem ser desenvolvidas e fortalecidas em oportunidades de formação complementares
ou cursos especializados oferecidos pelas universidades ou por outras instituições. As experiências de
trabalho ainda durante o curso de graduação são igualmente importantes.
O recado aqui é: aproveite o máximo que puder durante seu tempo de formação com atividades
complementares para sua maior capacitação, olhando em volta e observando o que está disponível para o seu
máximo aproveitamento.
Algumas informações adicionais sobre formação e mercado de trabalho estão disponíveis no Portal
Ciências do Mar Brasil27, vinculado ao Comitê Executivo para a Formação de Recursos Humanos em
Ciências do Mar (PPG-Mar) da Subcomissão para o Plano Setorial para os Recursos do Mar (PSRM):
Dados os desafios apresentados pela Década do Oceano, é fundamental que sejam ampliadas
significativamente as ações de comunicação e divulgação do ambiente marinho e do conhecimento
científico sobre este, mostrando sua importância no dia a dia de cada um de nós.
27
<https://cienciasdomarbrasil.furg.br/grupos-de-trabalho/grupos-de-trabalho-mercado-de-trabalho>.
28
<http://seucursousp.prg.usp.br; https://youtu.be/900n3NzRr0I>.
29
<https://www.aoceano.org.br/>.
30
<http://catedraoceano.iea.usp.br/>.
31
<https://www.io.usp.br/>.
Santoro et al. 2020. Cultura Oceânica para todos - Kit pedagógico. IOC/Unesco & Unesco Venice Office, Paris (IOC Manuals and
32
866
O perfil e a atuação do oceanógrafo
De toda forma, deve-se investir mais esforços na ampliação da divulgação do que o oceano representa
para o Planeta e para a humanidade. Assim, diferentes estratégias precisam ser colocadas em prática por
profissionais capacitados para essa finalidade. Uma estratégia é inserir o tema Oceanografia nos currículos
dos ensinos fundamental e médio no país. Para tanto, são necessárias articulações com o Ministério da
Educação e com as Secretarias Estaduais de Educação, para que a temática possa ser debatida e destacada
na Base Nacional Comum Curricular (BNCC) e nos parâmetros curriculares estaduais.
33
<https://www.io.usp.br/index.php/infraestrutura/museu-oceanografico/apresentacao.html>.
34
Instagram: @entendaolixo.
867
Noções de Oceanografia
Outra frente corresponde ao papel que a mídia, nas mais variadas formas e veículos, pode ter
na comunicação sobre o oceano. O jornalismo científico é uma importante área em que os estudantes
podem se especializar, havendo incentivo de bolsas para essa frente de atuação. Assim, zelar para que
a divulgação seja correta nos meios de comunicação é fundamental para que a sociedade entenda o
papel do oceano em sua vida.
Por fim, é necessário que haja condições institucionais para a formação de profissionais
competentes, engajados e éticos, para tratar diretamente dessa temática, tanto em nível de graduação
quanto de pós-graduação. Há também a premência de uma formação adicional, diferenciada e voltada
para uma inserção e um posicionamento social desses profissionais. Não basta que compreendam a
estrutura e o funcionamento do oceano, eles devem compreender a relação entre o oceano e a sociedade
e contribuir para promoção do desenvolvimento sustentável.
Dentro desse contexto, a Cátedra UNESCO para Sustentabilidade do Oceano35 foi criada em 2018,
junto ao Instituto de Estudos Avançados e ao Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo,
como uma forma de promover a agenda do oceano. A cátedra pretende, dentre outras ações, disseminar
conhecimentos sobre o oceano e estimular a realização de pesquisas aplicadas às demandas da sociedade.
De forma livre, o termo “Economia Azul” tem sido usado para designar novas formas de
exploração dos bens e serviços derivados dos oceanos. Também denominado de crescimento azul
(blue growth), ou economia do mar, compreende “atividades econômicas que apresentam influência direta
do mar, incluindo as atividades econômicas que não tem o mar como fonte de matéria-prima, mas que são
realizadas nas suas proximidades”.
A “Economia Azul” considera uma visão mais abrangente e integrada da relação entre a sociedade
e o meio ambiente, conforme destaca Pauly (2010) em seu livro “The Blue Economy”36. Como exemplo,
compreende que os resíduos gerados pelas atividades humanas possam ser utilizados para gerar alimento,
energia e empregos. Ainda, valoriza o papel de empreendedores locais, pautados pelo desenvolvimento
de tecnologias simples e limpas, cujas ações podem agregar valor aos bens e serviços disponíveis e gerar
empregos para beneficiar suas comunidades, dentro de um contexto de menor desperdício de energia.
Diversas iniciativas têm sido propostas e aplicadas com vistas a explorar, direta ou indiretamente,
os bens e serviços providos pelo oceano. Seus objetivos consistem em reduzir os impactos ambientais
e ampliar os benefícios para a sociedade, por meio da aproximação estratégica entre ciência e a gestão.
35
<http://catedraoceano.iea.usp.br/>.
36
Pauly, G. 2010. The Blue Economy: 10 Years, 100 Innovations, 100 Million Jobs. Paradigm Pubns, 336 p.
868
O perfil e a atuação do oceanógrafo
Pesca e Aquicultura
A produção de alimento é um importante desafio mundial e a provisão de alimento,
historicamente realizada pela pesca, vem sofrendo de problemas derivados da sobre-
explotação dos estoques pesqueiros e da degradação ambiental.
869
Noções de Oceanografia
Atualmente, a Oceanografia pode ser resumida pelo entendimento de processos que governam
os fenômenos que observamos no oceano e que interagem com os ambientes contíguos, a litosfera e
a atmosfera. Esses processos incluem as diferentes áreas da Oceanografia, que se refletem no perfil do
oceanógrafo e que lhe permitem compreender o oceano de uma forma abrangente e integrada para
buscar soluções aos problemas diagnosticados.
Entretanto, é preciso desenvolver cada vez mais a capacidade desses profissionais incorporarem a
complexidade e as diferentes dimensões dos problemas enfrentados pelos sistemas socioecológicos, como
o oceano. Ou seja, é fundamental integrar o conhecimento sobre o funcionamento dos sistemas naturais
e sociais na busca da sustentabilidade do oceano. Um dos primeiros livros estudados pelos oceanógrafos
de outrora era “O homem e o mar” que ficou um pouco abandonado. Atualmente, o ser humano volta
a ganhar um papel de importância nos estudos oceanográficos, tanto no sentido das ameaças que ele
representa como nas demandas e necessidades que possui em relação ao mar.
A Oceanografia deve, portanto, lançar um olhar para o futuro, um olhar que esteja mais atrelado
aos problemas complexos que devem ser compreendidos e superados. Como estratégia, isso inclui
uma aproximação das ciências naturais com as ciências humanas e sociais aplicadas. Esse princípio
vem sendo internalizado no Brasil, como no X Plano Setorial para os Recursos do Mar37 e no Plano
Nacional de Trabalho 2021-2024 do Programa de Formação de Recursos Humanos em Ciências do
Mar (PPGMar)38. A Oceanografia é uma ciência dinâmica, que vem incorporando novos elementos à
medida que os desafios se apresentam. E assim precisa continuar, pois, de fato, necessitamos mais do
que uma Ciência do Oceano; precisamos de uma Ciência para o Oceano39, inclusiva e abrangente, que
tenha condições de produzir a ciência que nos leve ao “Oceano que Queremos”.
37
<https://www.marinha.mil.br/secirm/psrm>.
38
<https://cienciasdomarbrasil.furg.br/>.
39
Expressão atribuída ao Sr. Ariel Troisi, da Comissão Oceanográfica Intergovernamental.
870
O perfil e a atuação do oceanógrafo
40
Unesco, 2019. A ciência que precisamos para o oceano que queremos: a Década das Nações Unidas da Ciência Oceânica
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Noções de Oceanografia
Mas, como concretizar tais objetivos? Neste ponto, é relatada a importância da atuação do
Profissional Oceanógrafo. Breves comentários são inseridos sobre o tipo de formação técnico-
científica do oceanógrafo, que pode contemplar diversos perfis. Uma importante conquista
do oceanógrafo foi a efetivação da regulamentação desta valiosa profissão no Brasil, a qual foi
sancionada pela Lei Federal N° 11.760/2008, em 31 de julho de 2008. A esta, foi somada mais uma
conquista, em 12 de julho de 2018, quando foi aprovada a Resolução CNE/CES nº 2/2018 sobre
as Diretrizes Curriculares Nacionais para disciplinar os cursos de graduação em Oceanografia. Em
síntese, tais documentos legais permitem a identificação de diversas áreas de atuação do oceanógrafo
no mercado de trabalho.
Diante de uma gama de possibilidades para atuar como oceanógrafo, a questão que surge
é: por onde começar? Um ponto de partida é simplesmente ter consciência de que o estudante de
Oceanografia tem o privilégio de visitar/estagiar pelos diversos laboratórios, vinculados às diversas
áreas que compõem a Oceanografia e que estão presentes em uma instituição oceanográfica.
Continuando, salientamos que os aspectos aqui abordados sobre o perfil e atuação do oceanógrafo
são de suma relevância e que devem ser buscados durante e após a formação acadêmica. A ideia
consistiu em ressaltar um conjunto de informações que possam contribuir na formação e desempenho
de um futuro profissional de qualidade.
Do exposto, ressaltamos que há diversos perfis de oceanógrafos, com uma gama de habilidades
peculiares, possibilitando atuarem de forma inclusiva e eficaz para um melhor entendimento do oceano,
sob aspectos multi-, inter- e transdiciplinares. A motivação de estudos e pesquisas de um oceano
extremamente rico, complexo tal como seus infinitos e magníficos tons de azuis, deve estar calcada na
“Ciência para o Oceano” e não restringir simplesmente para a “Ciência do Oceano”. A Oceanografia
é uma área de atuação fascinante e o profissional tem inúmeras oportunidades de se desenvolver
pessoalmente e profissionalmente nas suas diversas vertentes.
Portanto, no vasto oceano cabem variados perfis de atuação e trajetórias de formação, todos
igualmente importantes para a promoção do desenvolvimento sustentável. Formar esses profissionais é o
papel dos cursos de graduação em Oceanografia. Ao oceanógrafo cabe buscar uma formação sólida, com
conteúdos, competências e habilidades para enfrentar os desafios complexos que o oceano e a sociedade
lhes apresentarão, além do importante papel de praticar a difusão do conhecimento sobre o oceano.
Finalmente, para proporcionar ao leitor uma visão dos diversos cenários em que o oceanógrafo pode
atuar, apresentamos uma série de imagens retratando atividades do fascinante universo da Oceanografia.
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O perfil e a atuação do oceanógrafo
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Noções de Oceanografia
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O perfil e a atuação do oceanógrafo
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Noções de Oceanografia
Atividades de laboratório
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O perfil e a atuação do oceanógrafo
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Noções de Oceanografia
Atividades embarcadas
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O perfil e a atuação do oceanógrafo
Atividades embarcadas
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Noções de Oceanografia
Atividades embarcadas
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Atividades embarcadas
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Noções de Oceanografia
Embarques internacionais
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Embarques internacionais
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Noções de Oceanografia
Oceanografia Antártica
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O perfil e a atuação do oceanógrafo
Oceanografia Antártica
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Noções de Oceanografia
Oceanografia Antártica
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O perfil e a atuação do oceanógrafo
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Noções de Oceanografia
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O perfil e a atuação do oceanógrafo
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Noções de Oceanografia
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Leitura sugerida
LEITURA SUGERIDA
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LEITURA SUGERIDA
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Sobre os autores
SOBRE OS AUTORES
903
Noções de Oceanografia
PREFÁCIOS
904
Sobre os autores
AUTORES
ALEXANDER TURRA
É professor titular do Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo (IOUSP)
e coordenador da Cátedra UNESCO para a Sustentabilidade do Oceano, sediada no
Instituto Oceanográfico e no Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São
Paulo. É biólogo com mestrado e doutorado em Ecologia pela Universidade Estadual
de Campinas e bolsista 1B de produtividade em pesquisa do CNPq. A atuação está
voltada para o exercício da pesquisa interdisciplinar e integrada, com foco em temas como
governança, manejo integrado e conservação marinha, impacto ambiental marinho,
mudanças climáticas, poluição marinha (lixo nos mares) e biodiversidade marinha.
turra@usp.br
ORCID: 0000-0003-2225-8371
905
Noções de Oceanografia
906
Sobre os autores
BRIANA BOMBANA
Oceanógrafa pela Universidade do Vale do Itajaí (UNIVALI), especialista em Gestão de
Zonas Costeiras e Estuarinas pela Universitat Politècnica de Catalunya (UPC, Espanha),
mestre em Gestão Costeira Integrada pela Universidad de la República (Udelar, Uruguai)
e doutora em Geografia pela Universitat Autònoma de Barcelona (UAB, Espanha).
Atualmente, trabalha como bolsista na Secretaria de Estado do Desenvolvimento Econômico
Sustentável de Santa Catarina (SDE-SC). Atua nas áreas de ciência pós-normal, qualidade
do conhecimento, sistemas socioecológicos, governança costeira, planejamento regional e local,
gestão costeira integrada, gestão de praias, indicadores para a sustentabilidade.
brianaab@gmail.com
ORCID: 0000-0002-6044-3116
CINTIA YAMASHITA
Bacharel em Oceanografia, mestre em Oceanografia Química e Geológica, doutora em
Oceanografia Geológica pelo Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo.
Tem experiência na área de Oceanografia, com ênfase em bioindicadores ambientais,
micropaleontologia e geoquímica.
cintia.yamashita@usp.br
ORCID: 0000-0001-5333-3982
907
Noções de Oceanografia
CLÁUDIA NAMIKI
Bacharel em Ciências Biológicas e Mestre em Ecologia, ambos pelo Instituto de Biologia
da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Doutora em Oceanografia Biológica pelo
IOUSP. Cofundadora e editora da Plataforma de Divulgação Científica Bate-Papo
com Netuno. Atua principalmente na pesquisa e ensino relacionados a biologia e
ecologia do ictioplâncton marinho e na divulgação das ciências do mar.
namiki@usp.br
ORCID: 0000-0001-9262-8409
CLEMENTE COELHO-JR
Biólogo pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, Mestre e Doutor pelo Instituto
Oceanográfico da Universidade de São Paulo. Professor Adjunto do Instituto de
Ciências Biológicas da Universidade de Pernambuco (UFPE). Cofundador e Diretor-
Presidente do Instituto BiomaBrasil. Desenvolve projetos de pesquisa e extensão
relacionados aos ecossistemas costeiros e marinho, com ênfase nos manguezais.
clemente.coelhojr@gmail.com
ORCID: 0000-0003-2520-7027
908
Sobre os autores
909
Noções de Oceanografia
GABRIEL TAGLIARO
Pós-doutorando em Oceanografia Geológica no Instituto Oceanográfico da
Universidade de São Paulo. Geólogo pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos
com passagem sanduíche pela Baylor University (EUA) e Doutorado em Geociências
pela University of Texas at Austin (EUA). Atua em pesquisas relacionadas às áreas
de Geologia Marinha e Sedimentar, com foco em estratigrafia, paleoceanografia e
paleoclimatologia do Cenozóico.
gabrieltagliaro@usp.br
ORCID: 0000-0002-9309-758X
910
Sobre os autores
ILANA WAINER
Ilana Wainer, Professora do Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo. É
especialista em interação oceano-atmosfera e mudanças do clima utilizando modelos
acoplados de alta complexidade. Atualmente Ilana Wainer coordena o laboratório
de Oceanografia Física Clima e Criosfera (oc2.io.usp.br) e é co-chair do programa
de pesquisa ANtClimNow do SCAR (Scientific Committee for Antartic Research -
https://www.scar.org/science/antclimnow/home/).l
wainer@usp.br
ORCID: 0000-0003-3784-623X
JOANA DIAS HO
Bacharel e licenciada em Ciências Biológicas pelo Instituto de Biociências da USP,
atualmente aluna de mestrado do programa de pós-graduação em Epidemiologia
Experimental Aplicada a Zoonoses da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia
da USP. Atua na área de Ilustração, assim como em pesquisa sobre microbiologia e
biologia molecular.
joanadiasho@gmail.com
911
Noções de Oceanografia
JOSEPH HARARI
Bacharel em Física, Mestre em Oceanografia Física, Doutor em Meteorologia e
Livre-docente em Oceanografia Física, pela Universidade de São Paulo. Atualmente
é Professor Associado do Instituto Oceanográfico da USP, sendo orientador no Curso
de Pós-graduação em Oceanografia, e orientador no Curso de Pós-graduação em
Ciência Ambiental do Instituto de Energia e Meio Ambiente da USP. Atua nas áreas
de modelagem numérica (hidrodinâmica, de ondas e de dispersão), circulação costeira
e da plataforma, análise de séries temporais, marés, nível médio do mar e altimetria
de satélite.
joharari@usp.br
ORCID: 0000-0002-7094-4504
912
Sobre os autores
913
Noções de Oceanografia
LUIGI JOVANE
Professor associado do IOUSP. Especialista em geofísica, paleomagnetismo e propriedades
magnéticas com aplicações no estudo das variações climáticas e eventos globais. Participou
das Expedições IODP-325 (Great Barrier Reef, Austrália), IODP-344 (Costa Rica),
IODP-359 (Maldivas) e Expedição de Perfuração geológica na Antártica (ANDRILL-
SMS). Membro do Comitê Científico IODP-CAPES-BRASIL. Graduado em Geologia
(Universidade degli Studi di Roma TRE), com doutorado em Geofísica (ALMA MATER
STUDIORUM, Università di Bologna), e Pós-doutorado em Paleomagnetismo (University
of California, Davis). Atua principalmente nos seguintes temas: Magnetoestratigrafia,
Paleomagnetismo, Paleoclimatologia, Antártica, Sismoestratigrafia e Geofísica Geral.
jovane@usp.br
ORCID: 0000-0003-4348-4714
MARCELO DOTTORI
Bacharel em física pelo Instituto de Física da USP, possui mestrado em Oceanografia
Física pelo Instituto Oceanográfico da USP e doutorado, também em Oceanografia
Física, pela Florida State University (EUA). Atualmente é Professor Doutor do Instituto
Oceanográfico da Universidade de São Paulo (IOUSP) atuando em hidrodinâmica da
plataforma continental no Laboratório de Hidrodinâmica Costeira (LHiCo).
mdottori@usp.br
0000-0003-2382-4136
914
Sobre os autores
MARCOS TONELLI
Oceanógrafo pela Universidade de São Paulo, Mestre e Doutor em Oceanografia Física
pelo Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo. Tem trabalhado com
Oceanografia de altas latitudes com foco nos impactos das mudanças climáticas sobre a
circulação e formação de massas de água no Oceano Austral, Antártica. Atualmente,
ocupa o posto de Capitão de Corveta (RM3-T) da Marinha do Brasil, servindo como
pesquisador no Instituto de Estudos do Mar Almirante Paulo Moreira (IEAPM), em
Arraial do Cabo, RJ.
marcos.tonelli@gmail.com
ORCID: 0000-0002-0984-6358
915
Noções de Oceanografia
MARCUS POLETTE
Possui graduação em Oceanologia e Geografia pela Fundação Universidade do
Rio Grande - FURG e mestrado e doutorado em Ecologia e Recursos Naturais
pela Universidade Federal de São Carlos - UFSCar. É professor e pesquisador da
Universidade do Vale do Itajaí - UNIVALI atuando nas áreas de Gestão e Governança
Costeira, nos seguintes temas: Planejamento Regional e Urbano, Indicadores
Socioambientais; Gestão de praias e Planejamento Espacial Marinho - PEM.
mpolette@univali.br
ORCID: 0000-0003-0437-4205
916
Sobre os autores
MARIO KATSURAGAWA
Bacharel em Ciências Biológicas pelo IB-USP. Mestre e Doutor pelo IOUSP. Trabalha
no IO desde 1976, atualmente na função de Professor Associado, junto ao Departamento
de Oceanografia Biológica. Exerce atividades em ensino, pesquisa e extensão, sendo
o campo de atuação principal os estudos sobre a biologia e ecologia do ictioplâncton
marinho, em que possui mais de 40 anos de experiência.
mkatsura@usp.br
ORCID: 0000-0001-7986-8096
NATÁLIA SILVA
Possui graduação em Oceanografia, pelo Instituto Oceanográfico da Universidade de
São Paulo (IOUSP) e atualmente é aluna de mestrado do Programa de Pós-graduação
em Oceanografia do IOUSP. Trabalha no Laboratório de Oceanografia, Clima
e Criosfera (OC2), onde desenvolve pesquisas acerca do clima na Antártica e como
este tem variado desde o passado até o período atual. Sua pesquisa busca investigar,
em particular, se as variações do clima antártico resultam da variabilidade climática
natural do Sistema Terrestre, ou se estão respondendo à forçantes externas.
natalia3.silva@usp.br
ORCID: 0000-0002-1434-5427
917
Noções de Oceanografia
918
Sobre os autores
RICARDO DE CAMARGO
Bacharel em Física pela USP (1987), Mestre em Oceanografia Física pela USP
(1991) e Doutor em Meteorologia pela USP (1998). Atualmente é Professor Associado
no Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da Universidade de
São Paulo. Experiência na área de Oceanografia Física e Meteorologia, Interação
Oceano-Atmosfera e Meteorologia Sinótica, atuando principalmente nos seguintes
temas: modelagem numérica da atmosfera e do oceano, em escala regional e em larga-
escala; influências meteorológicas sobre regiões oceânicas, com ênfase em plataformas
continentais e regiões costeiras; eventos marinhos extremos.
ricamarg@usp.br
ORCID: 0000-0002-9425-5391
919
Noções de Oceanografia
920
Sobre os autores
921
Noções de Oceanografia
VICENTE GOMES
Graduado em Ciências Biológicas, Mestre, Doutor e Livre-docente em Oceanografia
Biológica pela Universidade de São Paulo, é atualmente Professor Associado do Instituto
Oceanográfico da USP. Suas áreas de especialidade são ecofisiologia, metabolismo,
biomarcadores e assuntos antárticos.
vicgomes@usp.br
ORCID: 0000-0001-8201-2301
YARA SCHAEFFER-NOVELLI
Professora Associada Sênior do Instituto Oceanográfico da Universidade de São
Paulo. Bacharel e Licenciada em História Natural pela Universidade do Brasil, Rio
de Janeiro. Mestrado em Oceanografia Biológica pelo Instituto Oceanográfico da
USP; Doutorado em Zoologia pelo Instituto de Biociências da USP e Livre-Docente
em Oceanografia Biológica pela USP. Responsável pelo Laboratório de Bioecologia
de Manguezais – BIOMA e pelo Centro de Ensino e Formação sobre Zonas Úmidas
Costeiras Tropicais, com ênfase no Ecossistema Manguezal. Orientadora e Co-
orientadora de Mestrados, Doutorados e Pós-doutorados no Brasil e no Exterior.
Cofundadora do Instituto Bioma Brasil.
novelliy@usp.br
ORCID 0000-0002-8758-7195
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Sobre os autores
AGRADECIMENTOS
Os autores do livro Noções de Oceanografia agradecem às seguintes pessoas:
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Noções de Oceanografia
AGRADECIMENTOS
Os autores do livro Noções de Oceanografia agradecem às seguintes instituições:
Banco Santander
Base de Pesquisa "Clarimundo de Jesus" - Ubatuba (SP)
Base de Pesquisa "Dr. João de Paiva Carvalho" - Cananéia (SP)
Comissão de Cultura e Extensão do IOUSP
Comissão de Memória do IOUSP
Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - CNPq
Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - CAPES
Earthwatch Institute
Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo - FAPESP
Fundação de Apoio à Universidade de São Paulo - FUSP
Laboratório de Dinâmica Oceânica - IOUSP
Marinha do Brasil
Pró-Reitoria de Cultura e Extensão Universitária da USP - PRCEU
Universidade de São Paulo - USP
NOÇÕES DE
OCEANOGRAFIA
REALIZAÇÃO APOIO
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NOÇÕES DE
OCEANOGRAFIA