Revista o Biologo 57

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OBIÓLOGO REVISTA DO CONSELHO REGIONAL DE BIOLOGIA - 1ª REGIÃO (SP, MT, MS) | ANO XIII - NÚMERO 57 - JUL/AGO/SET 2021 | ISBN

BN 1982-5897

FOTO: FRANCIELLY REIS (@FRANBIO.SR) | CARRAPATEIRO (MILVAGO CHIMACHIMA)


BIODIVERSIDADE
AMEAÇADA
O trabalho de Biólogos e Biólogas pela conservação
de espécies no país mais biodiverso do mundo

ENTREVISTAS GRANDES BIÓLOGOS


Biólogos Cristiana Simão Seixas Arnildo e Vali Pott, referência
e Carlos Alfredo Joly em estudos da flora do Pantanal
INSCRIÇÕES ABERTAS!
www.25conbio.com.br
SUMÁRIO
O Biólogo
Revista do Conselho Regional de Biologia
1a Região (SP, MT, MS)
Ano XIII – Nº 56 – Abr/Mai/Jun 2021 4 Editorial
ISSN: 1982-5897
Conselho Regional de Biologia - 1ª Região
(São Paulo, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul)
5 Capa
www.crbio01.gov.br
Sede SP:
Rua Manoel da Nóbrega, 595 – Conjunto 111
CEP: 04001-083 – São Paulo – SP 8 Entrevista: Carlos Joly
Tel.: (11) 3884-1489 – crbio01@crbio01.gov.br

Delegacia MS:
Rua 15 de novembro, 310, 7º andar - sala 703, Centro 12 Entrevista: Cristiana Simão Seixas
CEP: 79002-140 - Campo Grande – MS
Tel.: (67) 3044-6661 – delegaciams@crbio01.gov.br

Delegacia MT: 17 Resenha Documentário


Avenida Miguel Sutil, 8388, 14º andar - sala 1409,
Santa Rosa – CEP: 78015-100 – Cuiabá – MT
Tel.: (65) 3359-3354 – delegaciamt@crbio01.gov.br
19 Resenha Tese
Diretoria
Presidente: Iracema Helena Schoenlein-Crusius
Vice-Presidente: Celso Luis Marino
Secretário: Giuseppe Puorto
Tesoureira: Maria Teresa de Paiva Azevedo 20 Em Campo
Conselheiros Efetivos (2020-2023)
Ana Paula de Arruda Geraldes Kataoka,
Edison de Souza, Ermelinda Maria De Lamonica 22 Grandes Biólogos
Freire, José Carlos Chaves dos Santos, Sérgio dos
Santos Bocalini, João Alberto Paschoa dos Santos

Conselheiros Suplentes 27 #MINHAFOTONOCRBIO01


Ana Eugenia de Carvalho Campos,
Juliana Moreno Pina, Maria Antonia Carniello,
Marta Condé Lamparelli, Paulo Roberto Urbinatti,
Regina Célia Mingroni Netto

Comissão de Comunicação e Imprensa do CRBio-01:


Giuseppe Puorto (Coordenador) Mudou de endereço, telefone ou e-mail? Informe o CRBio-01.
João Alberto Paschoa dos Santos Mantenha o seu cadastro atualizado.
Patricia Maria Contente Valenti

Analista de Comunicação do
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Edição: Diagrama Comunicações Ltda-ME
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Editor e redator: Marcelo Cajueiro
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Periodicidade: Trimestral
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Antes de emitir uma ART, consulte a Resolução CFBio nº 11
lidade dos cursos e vagas divulgados. A publicação
de 05/07/2003 e o Manual da ART.
destes visa apenas dar conhecimento aos profissio-
nais das opções disponíveis no mercado.
O BIÓLOGO | JUL/AGO/SET 2021 | 3
EDITORIAL

Caros leitores,
Encaminhamo-nos para o fim do ano de 2021 observando que a superação da grave crise
sanitária, que já vitimou quase 600 mil brasileiros, ainda segue lentamente, sem previsão
segura de término. Um relatório recente da Plataforma Intergovernamental sobre Biodiver-
sidade e Serviços Ecossistêmicos (Ipbes) alerta para o risco da eclosão de novas pandemias,
caso não haja uma reversão do processo de degradação ambiental e de perda da biodiver-
sidade, conforme destacamos na reportagem de capa desta edição.
A próxima COP-15 da Convenção da Biodiversidade (CDB) oferecerá uma oportunidade para
que os países se mobilizem num esforço mundial para deter o acelerado processo de extin-
ção de espécies. A reportagem mostra o trabalho de Biólogos brasileiros na conservação da
biodiversidade em iniciativas internacionais, como a CDB e a Ipbes, e nacionais, como a Pla-
taforma Brasileira de Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos (Bpbes) e o Instituto Virtual
da Biodiversidade (Biota-Fapesp), aqui em São Paulo.
O texto destaca o trabalho de Biólogos registrados no CRBio-01 na conservação da biodi-
versidade no Pantanal. Na APA Baía Negra, em Ladário, nos deparamos com um caso con-
creto de uma população ribeirinha que zela pela proteção do meio ambiente, em linha com
estudos mundiais que valorizam a atuação e saberes de povos tradicionais. Conhecemos
também a atuação de nossos colegas tanto em diagnósticos macros sobre as ameaças ao
Pantanal, quanto em pesquisas sobre a perda da chamada biodiversidade oculta.
A reportagem também apresenta o engajamento de profissionais registrados no nosso
conselho na conservação ex situ, complementar ao in situ, que oferece boas oportunidades
profissionais, e um trabalho importante em zoológicos e aquários com 25 espécies brasilei-
ras em risco de extinção.
Em complementação ao texto, assista aos vídeos com entrevistas com os Biólogos Carlos
Joly e Cristiana Seixas e ouça os podcasts com os colegas Horacio Teles e Dione Meger.
Na seção de resenha de documentários, tratamos de Rompendo barreiras: nosso planeta,
que examina os limites planetários propostos por um grupo de 28 especialistas mundiais
liderados pelo cientista sueco Johan Rockström.
A resenha de tese apresenta o trabalho da Bióloga Alice de Moraes, que identificou iniciati-
vas na área rural do município de São Luiz do Paraitinga (SP) enquadradas no conceito de
ecosystem stewardship.
Na seção “Em Campo”, conheça a rotina de trabalho do Biólogo Cauê Monticelli, da Fun-
dação Parque Zoológico de São Paulo, pela conservação da perereca-pintada, uma espécie
sob risco de extinção.
E na seção “Grandes Biólogos”, contamos com satisfação a linda história de amor, entre si
e com a Biologia, do casal Arnildo e Vali Pott, referência em estudos da flora do Pantanal.
Boa leitura!

Iracema Helena Schoenlein-Crusius


Presidente do CRBio-01

4 | O BIÓLOGO | JUL/AGO/SET 2021


CAPA

FOTO: RENAN DEMÉTRIO (@RENANDEMETRIO.BIO/@RENANDEMETRIO.PHOTOGRAPHY) | MACACO-PREGO (SAPAJUS NIGRITUS)

O trabalho de
Biólogos e Biólogas
pela conservação de
espécies no país mais
biodiverso do mundo

BIODIVERSIDADE
AMEAÇADA
A PARTICIPAÇÃO da comuni- versidade, foi ratificada por fazer história com a assina-
dade científica brasileira – lide- 196 países e consolidou-se tura de documentos com
rada por Biólogos e Biólogas –, como o principal articulador um conjunto de metas para
diplomacia e terceiro setor no das ações para conservação os próximos dez anos e ob-
esforço para reverter o acele- da biodiversidade planetá- jetivos amplos para 2050. O
rado processo global de per- ria. Nas reuniões das partes acordo substituirá as Metas
da da biodiversidade pode ser (COPs) da CDB, realizadas de Aichi, estabelecidas na
ilustrada pelo fato de a assina- a cada dois anos, represen- COP-10, no Japão, para o pe-
tura da Convenção Sobre Di- tantes dos governos discu- ríodo de 2010 a 2020.
versidade Biológica (CDB) ter tiram e assinaram compro- Depois de dois adiamen-
acontecido no Brasil, durante missos para o cumprimento tos devido à pandemia, é
a Conferência das Nações Uni- de metas e tratados especí- grande a expectativa de es-
das sobre o Meio Ambiente e o ficos sobre biodiversidade. pecialistas e governos pela
Desenvolvimento (Rio-92). A COP-15, que começa em COP-15, que será realizada
A CDB, também conhecida outubro deste ano em Kun- em dois momentos: uma
como Convenção da Biodi- ming, na China, promete versão híbrida (virtual e pre-

O BIÓLOGO | JUL/AGO/SET 2021 | 5


CAPA
FOTO: RAFAEL BENETTI (@RAFABENETTI) | COBRA-VERDE, COBRA-CIPÓ OU COBRA-CIPÓ-VERDE (PHILODRYAS OLFERSII)

“A Convenção objetiva a con- metas da CDB são mensurá-


servação, o uso sustentável e veis – ao contrário do que em
a repartição dos benefícios da geral acontece com as metas
biodiversidade e debate não estabelecidas pela Conven-
apenas questões ambientais, ção do Clima – e que não há
mas também sociais e econô- mecanismos sólidos de ava-
micas. As recomendações são liação das implementações.
negociadas, palavra por pala- Embora os países tenham fi-
vra”, afirma Braulio Dias, que cado muito aquém de cum-
é doutor em Zoologia pela prir as 20 Metas de Aichi, es-
Universidade de Edimburgo. tabelecidas para os últimos
O especialista prevê que as 10 anos, os compromissos
negociações da COP-15 no- funcionaram para estimular
vamente refletirão a disputa iniciativas de governos, agên-
de posições entre os países cias de financiamento, co-
desenvolvidos e os em desen- munidade científica, ONGs
volvimento. Os desenvolvidos, etc. Com relação à meta 11 de
sencial) de 11 a 15 de outubro que historicamente já devasta- Aichi, “Expandir e implemen-
e um grande encontro pre- ram suas florestas e têm taxas tar sistemas de áreas protegi-
sencial no período de 25 de de natalidade decrescentes, das”, houve avanços signifi-
abril a 8 de maio de 2022. querem impor compromis- cativos, inclusive no Brasil.
Brasileiro formado em Ci- sos rígidos, por exemplo, com
ências Biológicas, o Prof. Dr. o desmatamento zero. Já os Perda da biodiversidade
Braulio Ferreira de Souza países em desenvolvimento, Apesar dos avanços pontuais,
Dias, professor do Departa- onde as florestas estão de pé, estamos muito distantes de
mento de Ecologia da Uni- as populações estão crescen- estancar o processo acele-
versidade de Brasília (UnB), do e há muita pressão, por rado de perda da biodiversi-
ocupou o cargo principal de exemplo, para o aumento da dade. O estudo de Avaliação
secretário geral da CDB de fronteira agropecuária, reivin- Global de 2019 da Platafor-
fevereiro de 2012 a fevereiro dicam que os ricos paguem a ma Intergovernamental so-
de 2017, na sede da Conven- conta da conservação. bre Biodiversidade e Servi-
ção, em Montreal, no Canadá. “A Convenção reconhece as ços Ecossistêmicos (Ipbes),
soberanias nacionais sobre principal referência científica
os recursos naturais. E o prin- mundial na área, alerta que
cípio das responsabilidades aproximadamente 1 milhão
comuns, mas diferenciadas: de espécies podem ser ex-
países ricos têm mais respon- tintas nas próximas décadas,
sabilidade pela implemen- considerando espécies des-
tação das metas, provendo critas e não descritas.
recursos financeiros, capacita- O Biólogo Prof. Dr. Carlos Al-
ção etc.”, ressalta Braulio Dias. fredo Joly (veja entrevista na
As metas estabelecidas na página 8), professor titular de
CDB devem ser adaptadas Ecologia Vegetal do Instituto
por cada país-membro em de Biologia da Unicamp, afir-
estratégias nacionais. Braulio ma que estamos perdendo es-
Prof. Dr. Braulio Dias (UnB) esclarece que nem sempre as pécies que ainda não conhe-

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CAPA

cemos. As taxas de extinção seado no número de espé- anos, quando conseguimos


atuais são semelhantes às dos cies descritas. Na publicação reduzir significativamente
períodos em que ocorreram online “A biodiversidade ex- o desmatamento, voltamos
as cinco grandes extinções no plicada em 8 pontos”, ela- a ter taxas muito elevadas
planeta Terra. A quinta extin- borada pelo Prof. Dr. Tho- e que continuam em eleva-
ção, que ocasionou o fim dos mas Lewinsohn, consta que ção”, adverte o Biólogo.
dinossauros, aconteceu há 66 nosso país possui 37,7 mil A solução para que o agro-
milhões de anos e levou à des- espécies de plantas vascula- negócio continue a aumen-
truição de praticamente dois res (musgos, samambaias e tar a produção de alimentos
terços da vida terrestre. plantas com sementes), que sem expandir suas fronteiras
“As taxas atuais de perda correspondem a 11% da flora é o aumento da produtivida-
de espécies em todos os mundial. Nenhum outro país de no campo, impulsionado
grupos de organismos são se aproxima dessa diversida- por tecnologias já disponí-
muito semelhantes àquelas de de plantas. A Colômbia veis, avalia Carlos Joly.
que precederam algumas e o México detêm cerca de Quanto à perda de biodi-
dessas extinções. Por isso, 7% da flora mundial cada versidade do ambiente ma-
há um conjunto grande de um. O Brasil tem também o rinho na costa brasileira, o
pesquisadores, no qual eu maior número de espécies grande vilão é a poluição ad-
me incluo, que acredita que de mamíferos (722, 11,3% do vinda do lançamento de es-
estamos entrando num sex- total mundial conhecido), goto e plásticos, problemas
to processo de extinção em aves (1.924, 17,2% do mundo) gravíssimos, mas mitigáveis,
massa, desta vez causado e peixes de água doce (3.467, aponta o especialista, com
pelo homem”, alerta Carlos 23,2% do mundo). a construção de sistemas
Joly. “Se nós não conseguir- A liderança brasileira no de saneamento básico e a
mos estabelecer mecanis- ranking de biodiversidade regulamentação da obriga-
mos para diminuir os drivers tende a se manter, prevê Tho- toriedade para que as em-
que levam à perda da bio- mas Lewinsohn, porque o
FOTO: KEILA NUNES (@KEILA_BIOLOGA) | MARIA-LEQUE (ONYCHORHYNCHUS CORONATUS)
diversidade, então nós esta- país ainda conta com grandes
mos destinados a uma sexta extensões de biomas relativa-
extinção em massa. E talvez mente conservadas e com es-
uma das espécies extintas pécies ainda não descobertas.
seja o próprio ser humano”. A exuberância de vida no
Os cinco principais drivers Brasil está ameaçada princi-
(causas, fatores) da perda de palmente pela conversão do
biodiversidade no Brasil são uso da terra, aponta Carlos
semelhantes aos de outras Joly. O desmatamento e as
regiões do mundo, segundo queimadas são em geral mo-
o Biólogo: o desmatamen- tivados pela expansão das
to, a destruição de habitats, fronteiras agrícola e pecuária,
a introdução de espécies além da mineração, e levam
exóticas invasoras, o aque- à fragmentação de habitats.
cimento global e a poluição. “Nos últimos três anos, o
O Brasil tem reconhecida- desmatamento voltou a
mente a maior biodiversi- preocupar muito. A cada
dade entre todos os países ano, temos um novo recor-
do mundo, em ranking ba- de. Depois de mais de 15

O BIÓLOGO | JUL/AGO/SET 2021 | 7


CAPA ENTREVISTA

presas produtoras de plásti-


co se responsabilizem pelo
destino final dos produtos (o CARLOS JOLY
chamado ciclo completo).
Se algumas das causas da É possível reverter o processo
perda de biodiversidade po- de destruição da natureza?
dem ser mitigadas, há um Desde 1972, quando a ONU fez a primeira reunião para
determinante que tende a se discutir questões ambientais, o planeta vem procurando
agravar. Segundo Carlos Joly, soluções para os seus problemas, que são o aquecimento
o aquecimento global se tor- global, a perda de biodiversidade e o aumento das áreas
nará em 2050 a principal cau- desertificadas. Essas convenções foram assinadas na Rio92,
sa de extinção de espécies. maior reunião de meio ambiente do mundo, com a presen-
No ambiente terrestre, o aque- ça maciça de chefes de Estado. O homem vem tentando
cimento global provoca uma reduzir a destruição. Conseguimos alguma efetividade, em
mudança na faixa de ótimo função dessas convenções. Mas ainda estamos muito lon-
de ocorrência de espécies. Um ge de conseguirmos chegar a um ponto de estabilidade, no
exemplo, cita o Biólogo, é o do qual a gente não tenha uma perda maior de biodiversidade.
pinheiro-do-paraná (Arauca- Da mesma forma, nós continuamos aquecendo o planeta.
ria angustifolia), que tem um
ótimo de ocorrência entre o sul Já temos evidências do impacto atual do
do estado de São Paulo, o sul aquecimento global na biodiversidade?
de Minas Gerais e os estados Já temos evidências de espécies que estão tentando migrar
do Paraná e Santa Catarina. para áreas mais favoráveis. No hemisfério sul, a tendência é
Com o aquecimento global, os de que migrem para o sul. No hemisfério norte, a tendên-
indivíduos jovens de araucá- cia é de migrarem para áreas mais próximas do Ártico. Já
ria não vão mais conseguir se vemos isso em pássaros, borboletas e outras espécies com
desenvolver em algumas áre- ciclos de vida mais curtos do que as árvores, por exemplo.
as e ela será empurrada mais No Cerrado, haveria um deslocamento da sua região mais
para o sul. A questão é que o rica, que está no Centro Oeste, para o Sudeste. Acontece
limite sul é o limite do nosso que, na região Sudeste, as áreas que seriam propícias ao
planalto e, portanto, a faixa de Cerrado estão ocupadas por cidades ou culturas. Este é
deslocamento é relativamen- um aspecto que precisamos começar a pensar ao criar
te estreita. Se o aquecimento unidades de conservação. Elas vão precisar funcionar
ultrapassar um determinado como corredores, que permitam eventualmente essa mi-
limiar, o pinheiro-do-paraná gração de espécies.
está fadado à extinção.
A distribuição de espécies Por que a próxima COP é tão importante?
é afetada também porque É importantíssima. Em 2010, em Aichi, a Convenção da
plantas dependem de polini- Biodiversidade assumiu 20 metas, que deveriam ser cum-
zadores, que podem mudar pridas até 2020. Nós, no Brasil, assim como o restante do
de faixa ótima de ocorrência. mundo, não conseguimos cumprir integralmente nenhu-
Então, podemos ter as plan- ma delas. Mas conseguimos cumprir parcialmente algu-
tas num lugar e seus poliniza- mas, por exemplo, a quantidade de áreas de conservação
dores migrando para outros, terrestres e marinhas aumentou. Hoje temos mais de 17%
o que impede a reprodução. das áreas terrestres e mais de 10% das áreas marinhas
“Esses dois temas, aqueci- protegidas. Mas muitas dessas unidades de conserva-

8 | O BIÓLOGO | JUL/AGO/SET 2021


CAPA

ção foram criadas no papel e não foram implementadas. mento global e perda da
Em outros aspectos, especialmente os drivers que estão biodiversidade, estão inter-
por trás das cinco principais causas da perda de biodi- conectados e deveriam ser
versidade, praticamente não avançamos. Quais são os discutidos conjuntamente”,
drivers que estão por trás do desmatamento? É o avan- pondera Carlos Joly.
ço da fronteira agrícola, da pecuária, para a abertura de
novas áreas para pastagem, da grilagem de terras públi- Ipbes, Bpbes e Biota
cas? Quais são os drivers que levam ao aumento da po- Biólogos e Biólogas são pro-
luição? Não estamos controlando as emissões industriais tagonistas no esforço de pre-
e domésticas, não temos um sistema de saneamento servação da biodiversidade.
adequado, e principalmente não estamos diminuindo a Eles integram equipes mul-
queima de combustíveis fósseis e a produção de plástico. tidisciplinares em organiza-
A ideia da convenção é que, de 2020 a 2030, a gente con- ções internacionais, como a
siga estabelecer todos os mecanismos necessários para Ipbes, cuja secretária executi-
reverter as forças que estão causando esses problemas. va é a francesa Prof. Dra. Anne
Tudo isso tem que estar estabelecido e funcionando en- Larigauderie, que tem mes-
tre 2020 e 2030, para que até 2050 a gente tenha reverti- trado em Biologia Molecular
do esse processo, atingindo a meta de viver em harmo- e doutorado em Ecologia.
nia com a natureza. Essa é a proposta ambiciosa dessa Sediado em Bonn, na Ale-
COP, que vai precisar ser bastante negociada para que manha, a Ipbes é uma orga-
todos os países adotem e sigam as decisões. nização intergovernamental
criada em 2012 e atualmen-
Nas negociações, há divergências entre países te com 137 países-membros.
desenvolvidos e em desenvolvimento? Ela foi concebida para exer-
A tensão é muito grande. Nós, países do hemisfério sul, cer um papel similar ao do
de uma maneira geral, América Latina e África, e tam- Painel Intergovernamental
bém parte do Sudeste Asiático, detemos a maior par- sobre Mudanças Climáticas
te da biodiversidade, mas não temos a tecnologia para (IPCC) para as questões do
usá-la de forma sustentável. Toda briga é sobre a trans- aquecimento global.
ferência de tecnologia. Nós não queremos ser somente A Dra. Cristiana Simão Sei-
fornecedores de matéria prima da nossa biodiversidade xas (veja entrevista na pági-
para indústria farmacêutica, de cosméticos e de alimen- na 12), Bióloga pesquisadora
tos no hemisfério norte, como somos fornecedores de do Núcleo de Estudos e Pes-
commodities de grãos e minérios. Nós queremos traba- quisas Ambientais (Nepam)
lhar a biodiversidade, desenvolver fármacos e alimentos da Unicamp, relata que ao
a partir da nossa biodiversidade, agregando valor a ela. menos 15 brasileiros com
Os países megadiversos querem a tecnologia. O hemis- formação em Ciências Bio-
fério norte quer que nós aumentemos as nossas áreas lógicas já contribuíram com
de conservação, preservemos a nossa biodiversidade e a Ipbes. Ela foi cocoorde-
sejamos fornecedores de insumos para a sua indústria. nadora do Diagnóstico Re-
Isso, obviamente, não pode dar certo. Nós temos que gional de Biodiversidade e
participar desse desenvolvimento. A própria Conven- Serviços Ecossistêmicos das
ção da Biodiversidade prevê uma divisão justa e equi- Américas, elaborado de 2015
tativa dos benefícios oriundos do uso sustentável da a 2018, e é editora de revisão
biodiversidade e é essa a briga que coloca os países do do capítulo 2 do Relatório
hemisfério sul contra os do norte. Temático sobre Uso Susten-

O BIÓLOGO | JUL/AGO/SET 2021 | 9


ENTREVISTA CARLOS JOLY
FOTO: MURILLO COUTO (@COUTO_MURILLO) | ABELHA-DOMÉSTICA OU ABELHA-DO-MEL (APIS MELÍFERA)

Como a nossa biodiversidade pode ser usada de


forma sustentável?
A nossa biodiversidade se reflete em algo que aprendemos
a chamar de quimiodiversidade. Nossas plantas, animais e
microrganismos têm uma quantidade enorme de compos-
tos e moléculas, que têm potencial de utilização comercial.
O que nós queremos é que, se identificamos uma molécu-
la que uma indústria do hemisfério norte utilize, nós tenha-
mos participação nos lucros da venda desses remédios. É
o que diz a Convenção de Biodiversidade e o Protocolo de
Nagoya. Nós precisamos ter uma compensação justa. Este
é o cerne da disputa que vemos no âmbito da Convenção.
O Protocolo de Nagoya é um enorme passo e reforça a
questão do justo e equitativo, mas ainda está em imple-
mentação. O Brasil demorou dez anos para ratificar. Ele
foi assinado em 2010 e só ratificamos em 2021. Agora tável de Espécies Selvagens,
que somos membros, precisamos começar a utilizar as ambos trabalhos da Ipbes.
vantagens que o protocolo traz para um país de biodi- Inspirado pela Ipbes, especia-
versidade tão exuberante como o nosso. listas brasileiros, liderados por
Biólogos e Biólogas, criaram
Qual é o papel dos Biólogos? em 2015 a Plataforma Brasi-
Nós, Biólogos, estamos na linha de frente. Somos nós leira de Biodiversidade e Ser-
que vamos a campo, vamos coletar material e descre- viços Ecossistêmicos (Bpbes),
ver espécies de plantas, animais e microrganismos. Esse que congrega cerca de 120
é um trabalho típico da nossa profissão e ele é funda- autores, incluindo professores
mental. Você não pode usar de forma sustentável algo universitários, pesquisadores,
que não conhece, então o conhecer é fundamental. São gestores ambientais e toma-
os Biólogos que estudam as interações entre plantas e dores de decisão. Carlos Joly
animais que são reguladas por princípios ativos. São os e Cristiana Seixas integram a
Biólogos que fazem as modelagens de biodiversidade. coordenação da plataforma.
Nós geramos a base de todo esse conhecimento. O objetivo é produzir sínte-
Quando optei pela carreira de Biólogo, há 40 anos, a ses do melhor conhecimento
Biologia já se mostrava uma frente muito rica. Agora eu disponível pela ciência e sa-
acho que ela é essencial para que a gente consiga de- beres tradicionais sobre as te-
senvolver mecanismos e técnicas que nos levem para máticas da biodiversidade e
um caminho de maior sustentabilidade. dos serviços ecossistêmicos e
sumários para tomadores de
decisões, que visam a orien-
Vídeo com entrevista
de Carlos Joly tar o aperfeiçoamento de po-
líticas públicas e privadas.
Cristiana Seixas conta que a
Bpbes já realizou um diag-
nóstico nacional com foco nos
CLIQUE
biomas continentais do Bra-
E ASSISTA
sil (Amazônia, Mata Atlântica,
Caatinga, Cerrado, Pantanal

10 | O BIÓLOGO | JUL/AGO/SET 2021


CAPA
FOTO: RENAN DEMÉTRIO (@RENANDEMETRIO.BIO) | CALANGO (TROPIDURUS HISPIDUS)

e Campos Sulinos) e qua-


tro relatórios temáticos so-
bre biodiversidade e serviços
ecossistêmicos, com enfoque
em: polinização, polinizado-
res e produção de alimentos;
água; clima e biodiversidade;
e restauração de paisagem e
ecossistemas. Um diagnóstico
nacional com foco no sistema
marinho-costeiro e dois relató-
rios temáticos, sobre agricul-
tura (incluindo pecuária e sil-
vicultura) e espécies exóticas
invasoras, estão em produção.
Em nível estadual, a princi-
pal iniciativa é o Instituto Vir-
tual da Biodiversidade (Bio-
ta-Fapesp), que desde 1999 O Biota produz artigos cien- trole de Endemias (Sucen).
articula os estudos sobre tíficos, formou mais de 500 Ele cita os surtos de febre
biodiversidade da comuni- doutores, edita o periódico amarela entre 2016 e 2018
dade científica em São Pau- Biota Neotropica e conta no Sudeste, em particular
lo. Mais uma vez, o esforço é com um programa associa- no estado de São Paulo. O
protagonizado por Biólogos do de bioprospecção, que vírus da febre amarela nor-
e Biólogas. Na coordenação identifica novos compostos malmente circula somen-
do Biota, estão, entre outros, em plantas, animais e mi- te em áreas silvestres, no
Carlos Joly e o Biólogo Prof. crorganismos com poten- Brasil sobretudo na região
Dr. Alexander Turra, profes- cial econômico. amazônica, mas passou a se
sor do Instituto Oceanográ- disseminar em periferias de
fico da USP e coordenador O ser humano e a cidades na borda de matas
da Cátedra Unesco para a biodiversidade
Sustentabilidade do Ocea- Se restavam dúvidas sobre
no, com a qual o CRBio-01 a dimensão do impacto da PODCAST
estabeleceu recentemente perda da biodiversidade na com o Biólogo
um acordo de cooperação. saúde humana, elas se dis- Dr. Horacio Teles
Segundo Carlos Joly, o Biota es- siparam com a pandemia
CLIQUE E OUÇA
tabeleceu a padronização para de Covid-19. A relação entre
a coleta de material e criou um desequilíbrio ecológico e o
banco de dados online para re- desenvolvimento de doen-
ceber as informações produzi- ças em humanos é ampla-
das por pesquisadores em São mente conhecida, ressalta
Paulo. A integração dos dados o Biólogo Dr. Horacio Te-
permitiu o desenvolvimento les (ouça podcast ao lado),
de ferramentas utilizadas pelo conselheiro do Conselho
governo do estado para esta- Federal de Biologia (CFBio)
belecer e aperfeiçoar políticas e pesquisador científico da
de conservação. Superintendência de Con-
O BIÓLOGO | JUL/AGO/SET 2021 | 11
ENTREVISTA

no Sudeste. Com a perda de


biodiversidade nesses locais,
os mosquitos vetores da
CRISTIANA doença passaram a buscar
sangue humano para se ali-
SIMÃO SEIXAS mentar, em substituição ao
de animais silvestres, e con-
A senhora costuma dizer que o ser humano é, sim, uma taminaram moradores das
ameaça à biodiversidade, mas também a única solução zonas urbanas com o vírus.
para a crise ambiental. Poderia nos explicar melhor essa Em junho, a Ipbes divulgou um
perspectiva? relatório sobre a relação entre
Por muito tempo, a gente pensou a conservação da biodiver- a perda de biodiversidade e a
sidade como conservação de populações e ecossistemas, mas eclosão de pandemias, que foi
deixamos de considerar o ser humano como parte da equação. produzido por 22 especialistas
A degradação ambiental é resultado da atividade humana, do mundiais. Os autores estimam
crescimento da economia movida pelas sociedades humanas. que há cerca de 1,7 milhão de ti-
Mas eu sempre gosto de salientar: nós somos a causa do proble- pos de vírus desconhecidos em
ma, mas também a solução. mamíferos e aves, dos quais 631
A solução passa por uma mudança de comportamento nossa mil a 827 mil podem infectar
e nos nossos processos produtivos, nas escolhas em todos os humanos. Outras pandemias,
níveis, desde o individual até as políticas públicas. ainda mais letais que a de Co-
vid-19, podem ocorrer no futuro.
Esse conceito já é aceito no Brasil? “Os países vão ter que adotar
A criação das unidades de conservação no Brasil foi muito inspi- ações para a preservação da
rada no movimento ambientalista norte-americano, de se criar biodiversidade e o reestabe-
parques e estações ecológicas, onde atividades humanas extrati- lecimento do equilíbrio eco-
vistas não eram permitidas. Essa visão predominou nos anos 70 e lógico, se é que isso ainda é
80. Só no fim da década de 90 e início dos anos 2000, se começou possível”, destaca Horacio
a valorizar a conservação feita por populações tradicionais que ha- Teles. “Tudo está interligado.
bitavam essas áreas, principalmente a partir do movimento dos A Terra é uma nave”, resume.
seringueiros e da criação das reservas extrativistas na Amazônia. Cristiana Seixas, por sua vez,
O conceito das reservas extrativistas foi trazido para as áreas mari- defende que o ser humano
nhas e costeiras. E surgiram, principalmente na Amazônia, os acor- representa, sim, uma ameaça
dos de pesca: as comunidades se organizavam para decidir como à natureza, mas é também a
gerir, cuidar e usar os recursos naturais da sua biodiversidade. única solução para a crise am-
Houve um processo de reconhecimento do papel das popula- biental, com ações desde o ní-
ções tradicionais como guardiãs da biodiversidade. Isso ficou vel local até a implementação
muito claro com a promulgação do Sistema Nacional de Unida- dos acordos globais. O enten-
des de Conservação da Natureza, o Snuc, que tem tanto as ca- dimento de que o ser humano
tegorias de unidade de conservação de uso sustentável quanto é parte integral dos ecossiste-
aquelas de proteção integral. mas foi difundido pelo concei-
to de sistemas socioecológicos
Como a perda da biodiversidade impacta a nossa vida? do Prof. Dr. Fikret Berkes, da
Mesmo nós, Biólogos, muitas vezes não percebemos o quanto a Universidade de Manitoba, no
nossa vida está conectada e é dependente da natureza. Todo nosso Canadá, que orientou o douto-
bem-estar depende da natureza. Nossa segurança alimentar e hí- rado de Cristiana Seixas. Seus

12 | O BIÓLOGO | JUL/AGO/SET 2021


ENTREVISTA CRISTIANA SIMÃO TEIXEIRA
FOTO: ALLAN ANJOS (@ALLANCORRALANJOS) | CACHORRO-DO-MATO (CERDOCYON THOUS)

drica. Nossa saúde física, emocional e mental também está bastan-


te relacionada com a possibilidade de estar na natureza. A natureza
nos provê, ainda, benefícios imateriais: inspiração, beleza cênica, pos-
sibilidade de práticas culturais. Essas contribuições que a natureza
provê para nossa qualidade de vida referem-se ao termo conhecido
como serviços ecossistêmicos.

Como nossas ações impactam na perda da biodiversidade?


A gente não se dá conta de como cada ação de consumo – do móvel
que compro para casa, da roupa que visto, do alimento que como, das
viagens que eu faço – tem impacto na biodiversidade.
estudos deixam claro que as O que tem da natureza em um celular? Para se produzir, você
populações locais não só po- precisa de minerais e sua extração causa um impacto enorme
dem viver em harmonia com na biodiversidade.
o meio ambiente, como tam- Todas as nossas escolhas de consumo refletem na biodiversida-
bém exercer um papel funda- de. O que podemos fazer? Como indivíduos: reciclar, reutilizar,
mental na sua conservação. evitar desperdícios. Como sociedade, agir coletivamente para
No Brasil, povos originários, que nosso voto seja consciente e eleja governantes que tenham
ribeirinhos, seringueiros, qui- essas preocupações. Que apoiem o desenvolvimento econômi-
lombolas, castanheiros e ou- co, sim, mas aliado à conservação da natureza e biodiversidade.
tras populações tradicionais
interagem de forma susten- Como os Biólogos podem contribuir para a conservação da
tável com as florestas e outros biodiversidade?
biomas onde habitam. Esses É fundamental o papel do Biólogo na elaboração dessas sínte-
povos detêm conhecimentos ses de conhecimento, de como a natureza afeta o ser humano
acumulados durante gerações, e como o ser humano afeta a natureza, e de como podemos co-
cuja importância é crescente- locar freios na perda da biodiversidade e agir para restaurar am-
mente valorizada na busca de bientes degradados.
soluções para a crise ambiental. O Biólogo tem uma formação bastante ampla e pode atuar em di-
“Nós somos a causa do pro- versas áreas. Nesses diagnósticos precisamos de especialistas, mas
blema, mas também a so- que também sejam capazes de dialogar com outras disciplinas.
lução. É fundamental con- Sou apaixonada por tudo que estudamos na Biologia, mas pre-
siderar o ser humano como cisamos entender que a gente tem maior impacto quando dia-
parte da equação para bus- loga com as outras disciplinas, na busca de soluções para os pro-
car soluções para a perda blemas ambientais e para conservação mais efetiva da natureza.
da biodiversidade”, sintetiza
Cristiana Seixas.

Vídeo com entrevista


No Pantanal de Cristiana Simão Seixas
A Bióloga Lígia Lopes Teixeira
de Santana trabalha com uma
comunidade ribeirinha na Área
de Proteção Ambiental (APA)
CLIQUE
Baía Negra, em Ladário, no esta-
E ASSISTA
do do Mato Grosso do Sul. Ela é
servidora da Fundação de Meio

O BIÓLOGO | JUL/AGO/SET 2021 | 13


CAPA
FOTO: BRUNA LUCIANER

permitem que outras pesso- damental para a gestão de


as venham caçar. Fazem um unidades de conservação.
trabalho de conservação”, Biólogos e Biólogas sempre
relata Lígia Teixeira, que atua estiveram à frente do esforço
no conselho gestor da APA. para a conservação da biodi-
Com a escassez de peixes, mo- versidade do Pantanal, tan-
radoras formaram em 2018 a to em projetos específicos
Associação de Mulheres Pro- quanto em avaliações globais
dutoras da APA Baía Negra, do bioma. O Biólogo Prof. Dr.
Área de Proteção Ambiental Baía Negra
que produz doces e compotas Geraldo Alves Damasceno
com a laranjinha-de-pacu (um Júnior, professor da Universi-
FOTO: ALLAN ANJOS (@ALLANCORRALANJOS) | TATU-PEBA (EUPHRACTUS SEXCINCTUS)
fruto) e o jaracatiá (uma raiz), dade Federal de Mato Grosso
encontrados na APA, além de do Sul (UFMS), faz um diag-
artesanato com aguapé (cama- nóstico dos riscos ao Panta-
lote), planta aquática que cobre nal que difere do enfoque
partes na superfície do rio. predominante na cobertura
A ONG Ecoa – Ecologia e Ação, dos veículos de comunicação.
presidida por André Luiz Si- Para ele, a maior ameaça ao bio-
queira, que é graduado em ma não são os grandes incên-
Ciências Biológicas e também dios, mas sim a construção das
participa do conselho gestor da chamadas pequenas centrais
FOTO: MARILENE DE SOUZA (@ENELIRAMAZUOS) | BORBOLETA-ESCAMANDRO (PTEROURUS SCAMANDER GRAYI)
APA, prestou consultoria para o hidrelétricas (PCHs) em rios que
estabelecimento jurídico da as- contribuem para o alagamen-
sociação, treinamento das cozi- to do Pantanal na estação de
nheiras e criação de marcas e cheia, localizados principalmen-
embalagens para os produtos, te na Bacia do Alto Paraguai.
entre outros aspectos. “As barragens diminuem o
A Ecoa também doou parte pulso de inundação, que é
dos recursos para a constru- o fator fundamental na al-
ção de uma cozinha industrial ternância de cheias e secas.
para a associação. O outro do- É a inundação que impede
ador foi um patrocinador do a destruição do Pantanal”,
Ambiente e Desenvolvimento programa Caldeirão do Huck, aponta Geraldo Damasceno.
Rural da Prefeitura de Ladário. que veiculou uma entrevista O Biólogo explica que a
À beira do Rio Paraguai, a com dona Júlia Gonzales, pre- inundação sazonal torna im-
APA Baía Negra foi estabe- sidente da associação. praticável o estabelecimen-
lecida em 2010 e conta com O trabalho na APA Baía to de fazendas no Pantanal
quase 6 mil hectares e pai- Negra contou ainda com para a monocultura de soja
sagens exuberantes cober- a contribuição do Biólogo e outros produtos do agro-
tas por mata ciliar, onde re- Prof. Dr. José Milton Longo, negócio, presentes nas regi-
sidem 40 famílias. responsável pela Delega- ões adjacentes do Cerrado.
“São famílias que estão vi- cia Regional do CRBio-01 Segundo levantamento da
vendo diretamente com a no Mato Grosso do Sul. Ele Ecoa publicado no final de
biodiversidade animal e ve- coordenou a elaboração do 2020, há 38 PCHs em ope-
getal. Eles não caçam, só ex- plano de manejo da APA, ração na Bacia do Alto Para-
traem. Cuidam do local. Não que é um documento fun- guai, quatro em construção
CAPA
FOTO: ALLAN ANJOS (@ALLANCORRALANJOS) | ARARAS-CANINDÉ (ARA ARARAUNA)

e 18 em fase de projeto. cegos), 17% das aves e 1% dos


A segunda maior ameaça ao morcegos foram estudados
Pantanal, acrescenta Geral- acerca de seus parasitos.
do Damasceno, é o desma- A percepção de que os parasi-
tamento, não só no bioma, tos são organismos que neces-
mas também nas cabeceiras sariamente causam doenças
dos rios, o que também im- é uma distorção disseminada
pacta na diminuição do fluxo pelas escolas parasitológicas
de água para a planície. médicas, avalia o especialista.
A biodiversidade no Pantanal Os hospedeiros em geral são
remete a imagens de mamí- saudáveis e vivem em equilí-
feros, aves e répteis majesto- brio com seus parasitos.
sos. Mas Biólogos e Biólogas Ao contrário do senso comum, oportunidades profissionais.
estão envolvidos também a presença de parasitos pode A Bióloga Dione Meger (ouça
com a pesquisa e conservação ser um indicador da saúde de podcast abaixo) é a diretora do
da chamada biodiversidade um ambiente. Em ambientes Centro de Manejo de Fauna Sil-
oculta do bioma. É o caso do mais saudáveis, tende-se a en- vestre Ex Situ (CMFS-ES) da Se-
Biólogo Prof. Dr. Luiz Eduardo contrar mais riqueza de para- cretaria de Infraestrutura e Meio
Tavares, professor da UFMS, sitos, afirma Tavares. Ambiente do Estado de São
que trabalha com parasitos Os parasitos estão em co- Paulo (Sima), que faz a gestão
(helmintos) em animais ver- evolução com seus hospe- de fauna no estado. Ela lidera a
tebrados silvestres. Ele inte- deiros e sujeitos à coextin- equipe do CMFS-ES, que conta
gra o grupo de pesquisa do ção, que é uma das causas com três Biólogos, dois veteriná-
Laboratório de Parasitologia da perda de biodiversidade rios e uma profissional com as
Animal da universidade, que oculta. Muitas espécies se- duas formações, além de técni-
realiza trabalhos de campo na rão extintas antes que as cos nas regionais e estagiários.
base de estudos da UFMS na conheçamos, diz o Biólogo. O CMFS-ES é responsável
região do Passo do Lontra, em “A perda da biodiversidade ocul- pela concessão de autoriza-
Corumbá, Mato Grosso do Sul. ta provoca um desequilíbrio no ções para empreendimentos
As pesquisam buscam enten- ecossistema. Estudar os parasi- de fauna – como zoológicos
der fatores-chave da distribui- tos pode nos gerar muitos sub- e aquários, mantenedouros,
ção e riqueza dos parasitos e sídios para compreender o fun- criadouros científicos e con-
sua interação com vertebra- cionamento de ecossistemas
dos silvestres, além da descri- e conservar a biodiversidade”,
PODCAST
ção e redescrição (com outros aponta Luiz Eduardo Tavares.
com a Bióloga Dione Meger
detalhes) de espécies.
Segundo Luiz Eduardo Tava- Ex situ
CLIQUE E OUÇA
res, os parasitos são um grupo O trabalho de Biólogos e Bi-
muito interessante sob o olhar ólogas pela conservação da
da interação biológica, mas biodiversidade não aconte-
ainda pouco estudado. Do to- ce somente na natureza. É
tal de espécies conhecidas no crescente a valorização da
Pantanal e Cerrado, só 9% dos conservação ex situ (fora do
répteis, 6% dos peixes, 9% dos lugar de origem), que tem
anfíbios, 27% dos mamíferos funções complementares
não voadores (exclui os mor- ao in situ e oferece amplas

O BIÓLOGO | JUL/AGO/SET 2021 | 15


CAPA
FOTO: ELIS OLIVEIRA (@ELIS_BIOLOGA) | CAMALEÃO (IGUANA IGUANA)

cuidar da higiene, alimentação, e privados, assinou em 2018


segurança e manejo dos ani- um acordo de cooperação
mais, estudar a Biologia das es- técnica com o Instituto Chi-
pécies e o comportamento dos co Mendes para Conserva-
indivíduos em cativeiro, obser- ção da Biodiversidade (ICM-
var os requisitos de densidade Bio) e Ministério do Meio
ocupacional e enriquecimento Ambiente (MMA) para con-
nos recintos e registrar e contro- servação ex situ de espécies
lar dados sobre os espécimes. ameaçadas brasileiras.
servacionistas, criadouros e Dione Meger é uma entusias- Diversas instituições brasileiras
estabelecimentos comerciais, ta em particular do trabalho públicas e privadas integram
centros de triagem e reabili- realizado pelos zoológicos. o programa de conservação e
tação de animais e áreas de Ela destaca que há muito es- mantêm as 25 espécies ame-
soltura e monitoramento – e ses estabelecimentos deixa- açadas indicadas pelo ICMBio
acompanhamento desses lo- ram de ser apenas locais para como prioritárias para esse ma-
cais por meio de vistorias. entretenimento e exposição nejo: sagui-da-serra-escuro, mu-
O estado de São Paulo conta de animais e hoje atuam com riqui-do-sul, sauim-de-coleira,
com cerca de 600 empreen- pesquisa, educação ambien- mico-leão-da-cara-dourada, ma-
dimentos de fauna ativos e tal e conservação da biodiver- caco-prego-de-peito-amarelo,
autorizados, mais do que to- sidade, entre outras funções. macaco-aranha-de-testa-branca,
dos os outros estados brasi- “Os zoológicos deixaram de tamanduá-bandeira, cachorro-vi-
leiros somados. O plantel de ser uma vitrine de animais sil- nagre, onça-pintada, lobo-guará,
animais sob gestão do estado vestres, como no início da sua cervo-do-pantanal, cardeal-ama-
nesses empreendimentos é criação, e atualmente têm relo, jacutinga, jacucaca, jandaia-
de cerca de 135 mil indivíduos. um papel muito mais com- -sol, ararajuba, pato-mergulhão,
“Existe um espaço para os plexo e participativo”, tam- cágado-de-hogei, jararaca, pere-
Biólogos nesse mercado de bém ressalta a Bióloga Mara reca-pintada, peixe-anual, suru-
trabalho, seja no manejo, na Cristina Marques, servidora bim, tubarão-mangona, tubarão-
consultoria ou na pesquisa”, da Fundação Parque Zoológi- -lixa e cascudo-zebra.
destaca Dione Meger. co de São Paulo e presidente O trabalho para conservação da
Os Biólogos e Biólogas que tra- da Associação de Zoológicos perereca-pintada, por exemplo,
balham nos empreendimen- e Aquários do Brasil (Azab). acontece na Fundação Parque
tos de fauna exercem funções A Azab, que congrega 42 zo- Zoológico de São Paulo, sob
como estruturar ambientes, ológicos e aquários públicos responsabilidade do Biólogo
Cauê Monticelli (veja seção Em
Links de aprofundamento Campo, na página 20).
1. https://www.cbd.int/ “Esse é um grande desafio as-
2. https://pp.nexojornal.com.br/perguntas-que-a-ciencia-ja-respondeu/2020/A-biodiversidade-
explicada-em-8-pontos sumido pela Azab, mas temos
3. https://pp.nexojornal.com.br/glossario/Biodiversidade2
4. https://pp.nexojornal.com.br/glossario/Biodiversidade-e-serviços-ecossistêmicos
certeza que, com a expertise
5. https://www.youtube.com/watch?v=Wa7qso3d7S0&t=57s dos profissionais envolvidos e
6. https://www.ipbes.net/
7. https://www.youtube.com/watch?v=_8CdGluT7Ow a integração das instituições,
8. https://www.bpbes.net.br/
9. https://www.biota.org.br/ poderemos contribuir para
10. https://www.ecodebate.com.br/2021/02/28/ameaca-de-extincao-atinge-125-do-total-
da-biodiversidade-animal-e-vegetal-do-planeta/ minimizar os impactos sobre
11. https://ecoa.org.br/apa-baia-negra/ estas 25 espécies e para a re-
12. https://globoplay.globo.com/v/8908008/?fbclid=IwAR3ZYer63ddW2L-ew5DcxAe-_
bnxRelBVEPNzTBdlSQ2y7D1OnXzdQPECgo dução das ameaças”, afirma
13. https://arte.folha.uol.com.br/ambiente/2021/pantanal-sitiado/em-cerco-ao-pantanal-
hidreletricas-desmatamento-e-agrotoxico-formam-tripe-de-ameacas-contra-o-bioma/ Mara Cristina Marques.

16 | O BIÓLOGO | JUL/AGO/SET 2021


RESENHA DOCUMENTÁRIO

ROMPENDO BARREIRAS: NOSSO PLANETA


FREEPIK

OS LIMITES DOS NOVE


SISTEMAS PLANETÁRIOS
ESSENCIAIS
O documentário Rompen-
do barreiras: nosso planeta,
lançado este ano na plata-
forma de streaming Netflix,
apresenta limites planetá-
rios estabelecidos pelo cien-
tista sueco Johan Rockström
que, se ultrapassados, torna-
riam a vida dos humanos na
Terra insustentável.
O longa-metragem detalha
o trabalho de Rockström à
frente de um grupo de 28
especialistas mundiais, que o desenvolvimento de gran- dentro de zona de seguran-
em 2009 identificou nove des civilizações e do mundo ça, não tendo sido ultrapas-
sistemas planetários essen- moderno que conhecemos. sado seus respectivos limi-
ciais. Os cientistas aponta- Estamos no antropoceno, a tes. É caso da camada de
ram os limites para cada um idade dos humanos, porque ozônio, que filtra a radiação
dos sistemas, por vezes com nós agora somos os prin- ultravioleta e já foi uma das
parâmetros quantitativos, e cipais impulsionadores da principais preocupações da
o documentário avalia se as mudança no planeta. comunidade científica. O
barreiras já foram ultrapas- Rockström, que atualmente alerta de estudos que iden-
sadas, examina as tendên- é diretor adjunto do Instituto tificaram um buraco na ca-
cias e propõe soluções. Potsdam para Pesquisa de mada provocou a assinatu-
A apresentação e narração fi- Impacto Climático, na Ale- ra de protocolos mundiais
cam a cargo do nonagenário manha, afirma que a tem- pelo fim do uso de gases
britânico Sir David Attenbo- peratura média na Terra já clorofluorcarbonos.
rough, graduado em Ciências subiu 1,1o C. O limite aceitável A segunda ameaça ainda
Naturais pela Universidade é de uma elevação adicional sob controle é a da acidifi-
de Cambridge, que desde os de no máximo 0,4o C, o que cação do oceano, uma con-
anos 50 dá voz a produções representaria um aumento sequência do aumento do
audiovisuais sobre a nature- total de 1,5o C. A superação gás carbônico atmosférico,
za. A direção é de Jon Clay. dessa barreira ocasionaria que afeta organismos ma-
A primeira ameaça analisada uma série de desequilíbrios, rinhos com estruturas cor-
é a do aquecimento global. com graves consequências porais rígidas, como corais,
Segundo o documentário, para a humanidade. moluscos de concha e crus-
chegamos ao fim do holo- Ao examinar os demais sis- táceos. O terceiro sistema
ceno, o período de mais de temas essenciais, Rocks- ainda fora da zona de peri-
10 mil anos de temperaturas tröm avalia que em apenas go, segundo o documentá-
altas e estáveis que permitiu três deles ainda estamos rio, é o do uso de água doce.

O BIÓLOGO | JUL/AGO/SET 2021 | 17


RESENHA DOCUMENTÁRIO

Dois sistemas essenciais do Reino Unido foram à Su- O que difere essa produção
para a vida no planeta en- écia roubar rainhas de abe- das demais é a abordagem
contram-se em situação lhas-europeias, que estão integrada dos múltiplos as-
intermediária: a poluição extintas no seu país desde pectos da crise e a busca por
do ar e a poluição quími- os anos 90. Essa espécie é uma visão panorâmica das
ca (por substâncias tóxicas, polinizadora na produção ameaças à vida humana.
plásticos, metais pesados e de alimentos. Em comum com outros do-
contaminação radioativa). A biodiversidade precisa cumentários, a produção
Nesses casos, já ultrapassa- ser protegida não só por alerta para a necessidade
mos a zona de segurança, ser bela ou por termos res- de ações imediatas, confor-
mas ainda não adentramos ponsabilidade moral, mas me enfatiza Rockström: “O
a zona de perigo. também porque é a engre- que fizermos entre 2020 e
Rockström avalia que já ul- nagem fundamental para 2030, considerando os da-
trapassamos as barreiras em termos comida, ar puro, dos que temos hoje, será
quatro sistemas essenciais. água potável, sequestro de decisivo para o futuro da
O primeiro, já citado, diz carbono e reciclagem de humanidade na Terra. O
respeito à elevação da tem- nutrientes. que vai acontecer nos pró-
peratura média global. Pas- Rockström conclama a co- ximos séculos será deter-
samos também dos limites munidade internacional a minado pelas atitudes que
com relação à destruição de estabelecer urgentemente tomarmos nesta década”.
biomas – devido ao desma- um compromisso que fixe Por fim, cabe ressaltar que
tamento e outras alterações como meta zerar a perda de os Biólogos monitoram as
no uso do solo, por exemplo, biodiversidade no planeta. mudanças e eventos do
para produção agrícola – e O documentário analisa in- planeta, levantam dados de
ao uso excessivo de fertili- dividualmente cada um dos tudo o que se relaciona com
zantes, que provoca a eutro- nove sistemas planetários os seres vivos, seus ambien-
fização de corpos de água, essenciais, mas ressalta sua tes e hábitos e ainda desen-
como rios, lagos e oceano. interligação. A Prof. Ricarda volvem alternativas para
O documentário aponta que Winkelmann, que integra uso sustentável de recursos
também entramos na zona a equipe de Rockström no naturais e para a recupera-
de perigo quanto à perda de Instituto Potsdam para Pes- ção de ambientes degrada-
biodiversidade. A Dra. Anne quisa de Impacto Climático, dos, visando ao reestabele-
Larigauderie, da Plataforma afirma: “O sistema plane- cimento do equilíbrio dos
Intergovernamental sobre tário é interconectado. Se ecossistemas e dos biomas.
Biodiversidade e Serviços uma parte do sistema cli- Além de coletores e espec-
Ecossistêmicos (Ipbes), des- mático chegar ao ponto de tadores da riqueza das espé-
taca que um milhão de es- inflexão, aumentará a pro- cies, como foram na era dos
pécies de plantas e animais babilidade de outras partes grandes naturalistas, hoje os
estão atualmente ameaça- do sistema também cru- Biólogos partem para o de-
das de extinção. zarem o limiar crítico, num senvolvimento tecnológico
Rockström conta que um efeito dominó”. em busca de conhecimen-
episódio noticiado pela im- Rompendo barreiras: nos- tos em prol da conservação,
prensa sueca chamou a sua so planeta figura entre as da preservação, da recupe-
atenção para a gravidade várias opções no streaming ração e do uso sustentável
do impacto da perda da de documentários sobre a dos recursos oferecidos por
biodiversidade. Cientistas crise ambiental planetária. nosso planeta.

18 | O BIÓLOGO | JUL/AGO/SET 2021


RESENHA TESE

INICIATIVAS DE ECOSYSTEM STEWARDSHIP


EM SÃO LUIZ DO PARAITINGA
NA TESE de doutorado Servi- serviços ecossistêmicos em sis-
ços ecossistêmicos em uma temas socioecológicos rurais?”.
paisagem rural serrana: A autora aponta na justificativa
contribuições para a resiliên- da tese a importância, para a
cia socioecológica, a Bióloga conservação da biodiversida-
Dra. Alice Ramos de Moraes de, da gestão de ecossistemas
identifica iniciativas na área em áreas rurais com atividades
rural do município de São agropastoris. As áreas prote-
Luiz do Paraitinga (SP) que gidas são fundamentais, mas
se enquadram no conceito abrigam menos da metade das
de ecosystem stewardship. espécies em território brasileiro.
O termo ecosystem steward- A Rede para o Desenvolvimen-
ship, que ainda não tem to Sustentável do Alto Paraíba Bióloga Dra. Alice de Moraes
uma tradução consensual (Redesuapa) foi uma das inicia-
para o português, expressa a tivas locais enquadradas pela pública sobre a importância
gestão – e também cuidado, pesquisadora no conceito de do rio Paraitinga, que mar-
zelo e proteção – de ecossis- ecosystem stewardship. For- geia o município, e inclui ofi-
temas para a manutenção mada após a grave enchente cinas com professores.
do fluxo de serviços ecossis- de 2010 em São Luiz do Parai- Alice de Moraes também es-
têmicos, sempre consideran- tinga, a rede é uma organiza- tudou a Feirinha da Vila, or-
do o ser humano como parte ção informal com voluntários, ganizada por moradores da
integrante da natureza. vários deles servidores de ór- Vila de Catuçaba, na região
O conceito foi proposto por gãos ambientais municipais rural do município. A iniciati-
um grupo de pesquisadores e estudais e outros ativos em va mobilizou moradores para
liderado pelo Biólogo estadu- ONGs. Ela impulsionou pro- a produção, consumo e valo-
nidense Prof. Dr. F. Stuart (Ter- jetos, financiados por editais rização de produtos alimen-
ry) Chapin III há pouco mais públicos, de rotação de pasto tícios locais, como hortaliças,
de dez anos. Alice de Moraes do gado, recuperação de ve- queijos, pães e geleias.
fez parte de seu doutorado na getação nativa em nascentes A autora enfatiza, na conclu-
Universidade do Alasca, sob e plantio de árvores em pro- são da tese, a importância da
orientação de Terry Chapin. priedades rurais, entre outras ação coletiva local para a con-
Sua tese, orientada pela Dra. ações relacionadas a solo, água, servação dos ecossistemas,
Cristiana Seixas e defendida floresta e produção agrícola. em colaboração com o Esta-
em 2019 no Instituto de Bio- A segunda iniciativa estuda- do e grandes ONGs. Alinhar o
logia da Unicamp, é conside- da foi o Projeto Nossa Parai- saber das populações com o
rada a primeira a estudar ini- tinga, de educação ambien- conhecimento científico favo-
ciativas no Brasil sob o prisma tal, conduzido pela Oscip rece a compreensão da dinâ-
do ecosystem stewardship. Akarui, em parceria com mica dos fatores sociais e eco-
A pesquisa foi guiada pela per- a secretaria municipal de lógicos que interagem entre si
gunta “como favorecer, em ter- Educação. O projeto busca e afetam os serviços ecossistê-
mos de gestão, a qualidade dos sensibilizar alunos da rede micos e o bem-estar humano.

O BIÓLOGO | JUL/AGO/SET 2021 | 19


EM CAMPO

O TRABALHO EX SITU PELA SOBREVIVÊNCIA


DE UMA ESPÉCIE BRASILEIRA
PREZADO LEITOR, me cha- Após o processo de descrição mais reprodutores que atua-
mo Cauê Monticelli, sou Bió- e publicação para a comuni- rão como as matrizes iniciais
logo, trabalho no Centro de dade científica, em 2013, a da população de segurança.
Conservação de Fauna Silves- espécie foi considerada cri- Essa população precisa ser
tre (CECFAU) da Fundação ticamente ameaçada de ex- trabalhada de forma colabo-
Parque Zoológico de São Pau- tinção pela preocupante si- rativa, com planejamento e
lo (FPZSP), e hoje venho rela- tuação em que se encontra. organização. O responsável
tar para vocês minha experi- A única população conheci- por essa logística é chama-
ência com a perereca-pintada da ocorre em um pequeno do de studbook keeper, que
(Nyctimantis pomba). fragmento de 1,36 km² de nada mais é do que um con-
Vale lembrar que o Brasil é Mata Atlântica não protegi- sultor genealógico. Como o
um território com riquíssima do e com recorrentes impac- CECFAU é a única instituição
FOTOS: ACERVO PESSOAL tos advindos das atividades da Azab que possui a espécie
agropastoris e coleta ilegal no momento, eu fui seleciona-
de madeira. Devido ao cená- do para ser o responsável pela
rio crítico, acredita-se que a gestão da população da pere-
perereca-pintada possa ser reca-pintada em cativeiro.
extinta em poucos anos. Para as ações de campo
Neste contexto, a espécie foi com objetivo de obter os
considerada prioritária para a fundadores, uma parceria
conservação ex situ, ou seja, foi firmada entre a FPZSP/
em cativeiro. Tal conclusão CECFAU e a Universidade
foi estabelecida em acordo Federal de Viçosa, institui-
de cooperação técnica entre ções representadas pelo
a Associação de Zoológicos e Clodoaldo, pela Bióloga
Aquários do Brasil (Azab) com Cybele Lisboa e eu. Após o
o Instituto Chico Mendes de trâmite burocrático para
biodiversidade, e por isso Conservação da Biodiversida- aquisição das licenças de
não é surpresa nos deparar- de (ICMBio/MMA). O objetivo pesquisa, as ações em cam-
mos periodicamente com da manutenção ex situ é pro- po para obtenção dos fun-
uma nova espécie sendo piciar uma população de se- dadores foram iniciadas.
descoberta. Esse é o caso da gurança da espécie para caso Por se tratar de uma espécie
perereca-pintada, espécie ela seja extinta na natureza, noturna, a lanterna é impres-
recém descrita pela ciência, assim como determinam as cindível, assim como uma boa
pois apenas em 2011 o Biólo- diretrizes da conservação ex perneira, bota e vestimentas
go Clodoaldo Assis, da Uni- situ estabelecidas pela União adequadas para a imersão
versidade Federal de Viçosa, Internacional para Conserva- na mata. Neste caso, eu pre-
encontrou o primeiro indiví- ção da Natureza (IUCN). firo usar galocha de cano alto,
duo da espécie durante suas Toda população de segurança pois a maior parte dos pontos
pesquisas em campo na re- mantida em cativeiro precisa em que procuramos é brejo
gião de Cataguases (MG). de fundadores, ou seja, os ani- ou riacho. A ideia de ficar das

20 | O BIÓLOGO | JUL/AGO/SET 2021


EM CAMPO

FOTO: CAUÊ MONTICELLI


17h às 2h da manhã com uma tema de suporte à vida e a
bota molhada não me agra- vegetação natural dos ter-
da muito. Até o momento, as rários. Avalio também se os
buscas ocorreram em quatro animais comeram os inse-
campanhas de uma semana tos ofertados no dia anterior
cada. Métodos de busca ativa e a quantidade ingerida de
e playback foram utilizados cada inseto, pois aqui ofere-
para encontrar os espécimes. cemos grilos, baratas, larvas
Por ser uma espécie rara e e besouros de tenébrio.
que ocorre em baixa densida- Como forma de entender me-
de, poucos indivíduos foram lhor o comportamento das da espécie para a formação
encontrados até hoje. pererecas em cativeiro, avalio de uma população saudável
Além das buscas pelos ani- onde cada indivíduo optou que cumpra o papel de se-
mais, nós nos preocupamos por se abrigar ao término de gurança até que as ameaças
em dar as melhores condi- suas atividades noturnas. No em natureza cessem ou a es-
ções para as pererecas sele- geral, entre todas as opções pécie seja realmente extinta.
cionadas a compor a popula- de abrigo disponíveis, é possí- Essa situação é potenciali-
ção de segurança. Com isso, vel observar certa preferência zada por um fato que muito
aproveitamos as atividades dos indivíduos na seleção do me aflige: não encontramos
em campo para coletar infor- local de dormida. Faço ano- fêmeas. Desde o primeiro
mações sobre os parâmetros tações nas fichas de controle indivíduo acessado em 2011
físico-químicos dos copos e inicio a visualização parcial por Clodoaldo, pouquíssimas
d’água que a espécie utili- das imagens noturnas grava- fêmeas foram encontradas
za, temperatura da água, do das com auxílio de câmeras e, após a parceria citada em
ar, umidade, tipos de abrigo infravermelho. Essas grava- 2019, não achamos nenhuma.
utilizados pela espécie e de- ções ajudam a entender o Apesar dos machos estarem
mais fatores que podem au- comportamento da espécie, sendo mantidos em cativeiro
xiliar na manutenção ex situ. sobre a qual se sabe pouco. com sucesso até o momento,
Todos os indivíduos acessa- Para acompanhar o desenvol- sem fêmeas não existe possi-
dos passam por coleta de vimento dos animais, periodi- bilidade de reprodução. Atual-
material biológico, medidas camente eu retiro as pererecas mente estamos em busca de
biométricas, pesagem, foto- do terrário, efetuo a pesagem, financiamento para a conti-
-identificação e soltura no avalio o escore corporal e faço nuidade das ações em campo
mesmo local de encontro. Já nova foto dos padrões de man- com objetivo de encontrar fê-
os animais selecionados para chas que são utilizados para meas que possam ser integra-
formação da população de identificação individual. Por das à população de seguran-
segurança são igualmente se tratar de uma espécie com ça antes que as ameaças se
analisados e encaminhados muitas manchas pelo corpo, é agravem e a perereca-pintada
para um local previamente possível identificá-las com efi- seja mais uma espécie extin-
preparado no CECFAU. ciência através de fotos. Utili- ta. Apesar das dificuldades fi-
No CECFAU, ao chegar pela zamos esse método tanto para nanceiras, logísticas e de todo
manhã, começo o dia com os animais mantidos em cati- empenho requerido para en-
um café puro e, em seguida, veiro quanto para os captura- contrar os animais, sigo espe-
dou uma olhada na sala das dos e recapturados em campo. rançoso de que nosso esforço
pererecas-pintadas. Vejo a Até o momento estamos um dia poderá fazer diferen-
temperatura ambiente e longe de concretizar nosso ça para a sobrevivência dessa
umidade e checo todo o sis- objetivo, que é a reprodução magnífica espécie brasileira.

O BIÓLOGO | JUL/AGO/SET 2021 | 21


GRANDES BIÓLOGOS BRASILEIROS

ARNILDO E VALI POTT: UMA


HISTÓRIA DE AMOR, UM COM
O OUTRO E COM A BIOLOGIA
FOTO: ACERVO PESSOAL

Casal destaca-se pela


contribuição à Botânica
brasileira, especialmente da
região do Pantanal

GERALMENTE a seção
Grandes Biólogos fala de
uma pessoa que se desta-
cou em seu campo na Bio-
logia. Desta vez, falaremos
de dois profissionais, que português. Conheceram-se Bilac & E.M. Bonfim – aju-
não apenas se destacaram, aos 18, em Panambi, em dou a despertar o interesse
mas também fizeram isso uma festa de Ano Novo, à pela natureza do país. O avô
juntos, em um trabalho tão meia noite. Vali conta que ficou impressionado que
interligado que seria difícil “Feliz Ano Novo” foram as ele não largava o livro e dizia
tratar dos dois separada- primeiras palavras que dis- “estuda para ser professor,
mente: Arnildo e Vali Pott. seram um ao outro – e não poderás usar terno branco,
O casal Pott é conhecido se separaram mais. Em co- fumar charuto e ter o res-
por sua grande contribui- mum, já tinham o interesse peito de todos”.
ção à Botânica brasileira, por Botânica. “Eu tinha 13 anos quando
especialmente da região do “De família já temos esse entrei para a escola agrícola
Pantanal, onde se radica- pendor por plantas. Diziam de Panambi. Chegou uma
ram nos anos 1980. Mas sua que a mãe da Vali tinha um coleção de mudas e semen-
história de amor – um com jardim botânico no quintal. tes e eu comecei a copiar
o outro e com a Biologia – A minha mãe gostava mais os nomes científicos”, conta
data de muito antes. de plantas comestíveis, mas ele. “Um professor disse que
Nasceram em 1946, no Rio tinha flores também”, relata eu iria ficar louco com todos
Grande do Sul, Arnildo em Arnildo. aqueles nomes. Mas o dire-
Panambi e Vali em Cara- Arnildo conta que, aos 7 tor disse: deixa ele, ele já está
zinho. Descendentes de anos, um pequeno livro, louco por isso. Esse diretor
imigrantes alemães, apren- clássico de sua época – sempre dizia que eu tinha
deram alemão antes do Atravez do Brazil, de Olavo que fazer faculdade”. Era o

22 | O BIÓLOGO | JUL/AGO/SET 2021


GRANDES BIÓLOGOS BRASILEIROS
FOTO: ACERVO PESSOAL | PASSIFLORA POTTIAE

pai do botânico Ben Hur Ma- em particular e disse: trata


rimon, da Universidade do de te formar e vem trabalhar
Estado do Mato Grosso (Une- comigo. O que mais eu que-
mat) em Nova Xavantina. ria?”, conta Arnildo.
Mais tarde, ele estudou em Casaram-se aos 25, depois
um internato agrícola em de Vali completar o giná-
Viamão, na região metropo- sio, quando Arnildo estava
litana de Porto Alegre, onde a um ano da graduação em
adorava aprender por conta Agronomia e já empregado
própria sobre plantas. Assis- como técnico agrícola no
tia a palestras noturnas na herbário da Secretaria da
Associação de Naturalistas Agricultura.
do Rio Grande do Sul e no Já casada, Vali cursou o su-
dia seguinte dormia em aula. pletivo para completar o an-
Terminada a escola agrícola, tigo segundo grau e pres-
Arnildo decidiu cursar Agro- tou vestibular para História
nomia na Universidade Fe- Natural na PUC-RS. Arnildo
deral do Rio Grande do Sul terminou a graduação e fez Ao final dos dois cursos, par-
(UFRGS). Foi uma decisão mestrado em Fitotecnia na tiram para a Austrália, onde
prática: ali havia uma casa de UFRGS, com dissertação permaneceram de 1976 a
estudante gratuita se nela sobre vegetação de campo 1979 para o doutorado de Ar-
trabalhasse e o curso de His- natural (hoje Pampa), em nildo em Ecologia Vegetal na
tória Natural era na cidade. que a Vali ajudava anotan- Universidade de Queensland.
E enquanto Arnildo se de- do os dados das espécies e “Eu saí de Panambi, fui para
dicava à faculdade de Agro- prensando as coletas. Porto Alegre, de lá para a
nomia, Vali continuava em Na UFRGS, ele teve sua pri- Austrália. O que mais eu
Panambi, onde se dedicava meira experiência como queria da minha vida?”,
a completar o antigo giná- professor. “No primeiro conta Vali.
sio, que não tivera a opor- semestre do mestrado, o Vali teve vários trabalhos na
tunidade de cursar antes professor titular disse que Austrália, que ajudaram o
pela ausência do curso em abriria uma turma de repe- parco orçamento e a me-
sua cidade natal. O namoro tentes e perguntou: quer lhorar sua compreensão do
continuava por cartas, en- pegar? Era uma turma que idioma inglês: trabalhou na
quanto os dois mergulha- odiava Botânica, mas, dali, residência estudantil, fez vo-
vam nos estudos. três se tornaram pesqui- luntariado na ONG Littoral
“Logo na primeira aula de sadores de plantas em ins- Society, transplantando mu-
Botânica na faculdade, eu tituições de pesquisas. Eu das nativas, e foi revendedora
teimei com o professor em mudei a maneira de ensi- da Avon. Foi durante esse pe-
uma coisa. Os outros alunos nar: em vez de ficar só na ríodo que nasceu o primeiro
me avisaram que ele tinha teoria, com a Botânica clás- dos dois filhos do casal.
fama de mau, mas na aula sica, da Europa, eu trazia Ambos descrevem o perí-
seguinte ele deu a mão à pal- braçadas de plantas e leva- odo na Austrália como rico
matória e disse para os outros va os alunos pro mato”, diz em experiências. Nem to-
que tinham que fazer como Arnildo. Depois, ele entrou das foram positivas – Arnil-
eu, estudar o material antes. por concurso no Departa- do, que nunca adoecia, teve
Depois da aula, me chamou mento de Botânica. um caso de mononucleose

O BIÓLOGO | JUL/AGO/SET 2021 | 23


diziam que era um mistério, tuição. Arnildo começou na

FOTO: ACERVO PESSOAL | CYPERUS VALIAE


porque sumia e reaparecia. Embrapa em 1980 e Vali al-
Trinta anos antes, havia sido guns anos mais tarde, como
introduzida da África do Sul, bolsista, depois do nasci-
porque resistia às geadas. Eu mento do segundo filho do
ia ao campo e também fiz casal, desta vez uma meni-
um experimento de casa de na. Foi Vali quem começou o
vegetação. Muitas plantas, herbário da instituição.
quando germinam, põem “Quando eu cheguei na Em-
os cotilédones para fora. Os brapa como bolsista, havia
cotilédones começaram a pilhas de plantas coletadas
voltar para dentro do chão. dentro de jornais; eu abria e
Fiz um esquema bem rús- estava quase tudo bichado. Aí
tico daquilo e o orientador nós compramos três armários
disse: Eureka! Eu descobri o de metal, bem vedados. Daí
tal do crescimento contrátil que se começou a colar plan-
da Lotononis bainesii, que tas na cartolina, guardar o
só era conhecido em plantas material e cuidar,” conta Vali.
de clima frio,” diz Arnildo. Depois do período como
“Eu achei que estava tudo bolsista na Embrapa, Vali
muito simples para uma lecionou por dois anos no
tese. E ele disse que não, curso de Biologia na Uni-
que eu dei uma resposta versidade Federal do Mato
simples para algo que era Grosso do Sul (UFMS).
que o fez acreditar que ia complexo. E que isso que “Dava aula teórico-prática
morrer – mas conviveram é ciência. Isso foi uma lição de Botânica para uma tur-
com pessoas de diferentes para mim. Eu tinha aquela ma de alunos já atrasados
nacionalidades, expandin- ideia de que tinha que ter no curso de Biologia. Eu os
do seus horizontes e apren- equipamentos sofisticados. levava pro campo numa Be-
dendo mais idiomas. Claro, depende da pesquisa, lina. Mas uma aula era sex-
No doutorado, Arnildo se de- para bioquímica molecular ta à noite, eles já querendo
dicou ao estudo das plantas você precisa de aparelha- ir tomar cerveja. Eu nunca
forrageiras. Queria estudar gem sensível, tudo muito pensei em dar aula, mas
pastagens naturais, mas essa caro. Mas para a parte mais acabei gostando e fiz con-
não era a linha do orientador. da Biologia, da vida da plan- curso” diz ela.
“Estudei uma planta que eles ta, você precisa de muita Depois do período na UFMS,
observação”, conta ele. Vali retornou, concursada, à
Na volta da Austrália, muda- Embrapa Pantanal e come-
Vídeo com entrevista ram-se para o Mato Grosso çou a trabalhar especifica-
de Arnildo e Vali Pott
do Sul, de onde não saíram mente com plantas aquáti-
mais. O destino foi a Embra- cas. Foi uma divisão natural
pa Pantanal, em Corumbá, de trabalho, porque Arnil-
onde permaneceram por do não gostava de entrar
CLIQUE duas décadas, fizeram carrei- na água. Em 1993, concluiu
E ASSISTA ra, publicaram livros e cons- o mestrado em Botânica
truíram o herbário da insti- na Universidade Federal

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GRANDES BIÓLOGOS BRASILEIROS
FOTOS: ACERVO PESSOAL

do Paraná (UFPR), em que “A gente ia fazer piquenique.


estudou as lemnáceas, es- A nossa filha gostava de co-
pécies aquáticas que são o locar a toalha no chão, sen-
grupo de menores plantas tava, abria a cesta de vime
com flores do mundo. Em com as comidas. Nós comí-
1997, Vali fez o curso inter- amos rapidinho e já íamos
nacional de herbário em nos espalhar pro mato para
Kew Gardens e Arnildo fez procurar plantas. Aí os filhos
pesquisa de pós-doutorado ficavam aos mosquitos e
no Royal Botanic Garden não queriam mais saber de
Edinburgh, na Escócia. fazer piquenique ou pescar.
Foram anos de trabalho de Mas a gente não aguen- Profa. Dra. Suzana Neves Moreira (à esquerda) e Vali,
campo juntos, coletando inú- ta: tem que coletar planta. numa lagoa no Mato Grosso do Sul.

meras plantas para o herbário Imagina eu estar em algum


da Embrapa. O trabalho de lugar diferente e não poder
campo, longe dos filhos, era coletar planta? É uma coisa
longo e complexo, com a cole- que nós gostamos muito de
ta das espécies, limpeza, pren- fazer”, conta Vali.
sa e secagem na estufa. Depois Quando saíram de Corum-
vem a catalogação, com iden- bá para a Embrapa Gado de
tificação do nome científico e Corte, em Campo Grande,
comum, características, loca- depois de duas décadas, o
lização de onde a amostra foi herbário da instituição que
encontrada e o solo da região. haviam construído em Co-
Muitas vezes, ficavam até tar- rumbá contava com 20 mil
Vali (à esquerda), uma amiga e Arnildo, em Brisbane,
de em campo, para fotogra- amostras. Fizeram outro Austrália, em 1976.
far espécies que só florescem herbário na Embrapa em
à noite, como as ninfeias. E Campo Grande, extinto com
quando a planta não estava a aposentadoria de ambos,
florindo e não era possível e as amostras foram doadas
identificá-la, Arnildo e Vali ao herbário da UFMS, do
pegavam um espécime vivo qual Vali se tornou vice-cu-
e levavam para casa, que vivia radora em 2008. De acordo
cheia de plantas a catalogar. com Arnildo, a UFMS tem
“Não tinha os livros ilustrados hoje o maior acervo da flora
que tem hoje, não tinha inter- do estado.
net. Era garimpo: pesquisar, Na Embrapa, desenvolve-
mandar para especialistas no ram pesquisas sobre o Pan-
Brasil e na Argentina, procurar tanal e as veredas, as plantas pações em obras de outros Cerimônia de
entrega de título
em trabalhos do Brasil, Para- do bioma e impacto am- autores, como Nos Jardins Doutora Honoris
Causa para Vali,
guai e Bolívia,” conta Arnildo. biental. Escreveram vários Submersos da Bodoquena: na UFMS.
Embora apreciem a rotina livros – os mais conhecidos Guia de Identificação de
de coletar plantas até nos são Plantas do Pantanal Plantas Aquáticas de Boni-
momentos de lazer, é algo (1994) e Plantas Aquáticas to e Região (1999, UFMS).
que trouxe certos conflitos do Pantanal (2000) –, além Segundo Vali, ela já coletou
com os filhos. de diversos artigos e partici- mais de 12 mil espécimes e

O BIÓLOGO | JUL/AGO/SET 2021 | 25


GRANDES BIÓLOGOS BRASILEIROS
FOTO: ACERVO PESSOAL

do que muitos alunos estão mandam fotos de plantas de


acostumados. Segundo Ar- todos os lugares – às vezes
nildo, os alunos são em sua fotos ruins – perguntando: o
maioria urbanos e não estão que é isso? Ela já identificou
familiarizados com a reali- plantas até da Venezuela”,
dade do trabalho de campo, diz ele, orgulhoso.
sujeito às intempéries, em “Essa é a parte boa: poder
meio aos insetos e serpentes. ajudar alguém. Às vezes a
Mas o trabalho de identifica- pessoa está estudando, mas
ção é necessário para que se não sabe o nome da planta.
conheça melhor o Pantanal, E se a gente resolve isso, é
o Cerrado, a Mata Atlântica uma satisfação muito gran-
de interior e o Chaco. de”, completa Vali.
Casal no Jardim
Botânico de Arnildo, outros 17 mil. Des- “Quando nós chegamos no Com 50 anos de casamento,
Edimburgo, ses, seis foram descritos Pantanal, diziam que a flo- dois filhos, dois netos, vários
em 1997.
como novas espécies bati- ra do Pantanal era um mis- livros e artigos publicados,
zadas em homenagem ao tério. Não é mais. Mas hoje alunos formados e o legado
casal: Euploca pottii, Lessin- não podemos dizer que fi- de um herbário com milhares
gianthus pottii e Xanthoso- zemos o levantamento de de espécimes, Arnildo e Vali
ma pottii, em homenagem 100% das espécies, porque Pott não pensam em parar.
a Arnildo; Cyperus valiae e sempre pode ter um canto Da varanda do apartamento,
Passiflora pottiae, para Vali; que tenha uma que a gente observam a floração dos ipês
e Dyckia pottiorum, que ho- não tenha visto. Tem uma de Campo Grande e renovam
menageia os dois. espécie nova que achamos, o ânimo a cada estação.
O casal também participa a Euploca pottii, nomeada “Cada espécie que floresce
de uma iniciativa para ma- em minha homenagem, nos dá a sensação de mais
pear a distribuição das plan- mas nunca a encontrei no- um ano que passou. Esta-
tas aquáticas brasileiras, o vamente. Andei por tudo mos com 75 e entramos em
Repositório de Dados de nas proximidades e nunca um projeto de longa dura-
Plantas Aquáticas no Brasil, mais a vi”, conta Arnildo. ção (PELD), de 10 anos, um
da Sociedade Botânica do Em 2018, a UFMS concedeu estudo sobre o impacto do
Brasil, disponível online. à Vali o título de Doutora fogo sobre as plantas no
Já aposentados, partiram Honoris Causa pela sua ex- Pantanal. Somos uns oti-
para uma nova fase, na tensa contribuição à Botâ- mistas, daqui a dez anos te-
UFMS, onde lecionam no nica do Pantanal. Além dis- remos 85”, afirma Arnildo.
curso de pós-graduação em so, em sua homenagem, a Continuam no trabalho,
Biologia Vegetal. No curso Unemat instituiu o Herbário sempre juntos.
de campo de duas semanas do Pantanal Vali Joana Pott. “As pessoas perguntam
que os dois ministram jun- Segundo Arnildo, a experi- como a gente consegue
tos com outros professores, ência da Vali com as plantas morar junto e trabalhar o
os alunos participam de to- aquáticas atrai pessoas de tempo todo junto. Eu res-
das as fases da coleta dos es- todos os lugares em busca pondo que se a gente tives-
pécimes, desde o encontro de seus conhecimentos. se que se aguentar, não da-
do espécime em campo até “Depois do livro de plantas ria”, fala Arnildo.
a catalogação no herbário. aquáticas da Vali, a deman- “A gente não compete”, diz
É uma experiência diferente da aumentou. As pessoas Vali. “A gente se completa.”

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#MINHAFOTONOCRBIO01
FOTO: ACERVO PESSOAL THAIS MARTINS

A Bióloga Thais Martins fotografou o papa-vento (Enyalius perditus) quando


estava trabalhando em um resgate de fauna no município de Arujá (SP).
“É um lagartinho muito simpático encontrado no sudeste do Brasil. Possui
hábitos florestais e semiarborícolas, sendo considerada uma espécie en-
dêmica da nossa Mata Atlântica”, explica ela.
Ela conta que resgatou o indivíduo na área de supressão e o levou para
o fragmento de soltura, utilizando luvas de raspa para o manuseio. “Co-
loquei ele em um tronco baixo, ele desceu e pousou sobre os fungos no
chão. Ficou um bom tempo parado lá, então foi a oportunidade para tirar
a foto bem de pertinho!”, conta a Bióloga, que utilizou uma câmera Nikon
P900 para fazer a fotografia.

A fotografia de autoria de Thais Martins (@thaismartins_bio) foi a mais curtida com a hashtag
#MinhafotonoCRBio01 no terceiro trimestre de 2021. Para divulgar suas fotografias com o #CR-
Bio01, compartilhe seu trabalho e use a hashtag #MinhafotonoCRBio01 no Instagram!

O BIÓLOGO | JUL/AGO/SET 2021 | 27


Biólogos e Biólogas,
manter seus dados cadastrais
atualizados no CRBio-01
é muito importante!
Você pode atualizar seu e-mail, telefone e endereço
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