Revista o Biologo 62

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OBIÓLOGO REVISTA DO CONSELHO REGIONAL DE BIOLOGIA - 1ª REGIÃO (SP, MT, MS) | ANO XIII - NÚMERO 62 - OUT/NOV/DEZ 2022 | ISBN

BN 1982-5897
FREEPIK

TECNOLOGIA
E BIOLOGIA
Como a revolução digital
e o avanço tecnológico nas
últimas décadas impactaram
o trabalho dos Biólogos

VÍDEOS E PODCASTS CSI BRASIL EM CAMPO


Mayana Zatz, Patrícia Entomólogos forenses Um dia de trabalho com
Thyssen, Oswaldo Keith usam insetos para a ROV subaquático no litoral
e Carolini Kaid elucidação de crimes de São Paulo
ENTROU EM CONTATO VIA
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SUMÁRIO
O Biólogo
Revista do Conselho Regional de Biologia 4 Editorial
1a Região (SP, MT, MS)
Ano XIII – Nº 61 – Jul/Ago/Set 2022
ISSN: 1982-5897
Conselho Regional de Biologia - 1ª Região
(São Paulo, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul)
5 Capa
www.crbio01.gov.br
Sede SP:
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e o Manual da ART.

O BIÓLOGO | OUT/NOV/DEZ 2022 | 3


EDITORIAL
Caros leitores,

O acelerado desenvolvimento tecnológico nas últimas décadas redefiniu a nossa atuação


profissional. Conheça nesta edição o trabalho de Biólogos brasileiros com tecnologia de
ponta, em diferentes áreas da Biologia.
Em biotecnologia, entrevistamos a Profa. Dra. Mayana Zatz, do CEGH-CEL/USP, cujo Progra-
ma de Xenotransplante tem como objetivo permitir o transplante de órgãos de suínos geneti-
camente modificados para humanos. Conversamos com a Dra. Carolini Kaid, empreendedo-
ra que desenvolve uma droga à base do vírus zika para tumores do sistema nervoso central.
O Prof. Dr. Oswaldo Keith, do IB/USP, discorre sobre a utilização de terapias gênicas no tra-
tamento de doenças causadas por mutações genéticas. Ele e o Prof. Dr. Euclides Matheucci
detalham como os testes genéticos permitem personalizar o cuidado com a saúde do indi-
víduo com base no seu genoma.
O Dr. Diogo Biagi nos informa sobre sua pesquisa com células IPS, atualmente no desenvolvi-
mento de uma terapia para a Síndrome de Rett. O Prof. Dr. Alysson Muotri, que está à frente
de um laboratório na Universidade da Califórnia em San Diego, descreve o desenvolvimento
de aplicações em inteligência artificial com base em organoides cerebrais. A Dra. Cínthia Bo-
natto, da Embrapa, nos conta sobre suas pesquisas aplicadas com nanobiotecnologia.
Os avanços tecnológicos também impactaram o trabalho dos Biólogos em outras áreas. O
Prof. Dr. Normandes Matos, da UFR, relata como os drones revolucionaram o monitoramen-
to de espécies, reflorestamento e estudos de impacto ambiental. O Prof. Dr. Marcos César
Santos, do IO/USP, aponta como os equipamentos de acústica submarina permitem o mo-
nitoramento de cetáceos.
O Dr. Frederico Krause, da UnB, apresenta aplicações na Biologia da chamada realidade au-
mentada, recurso que integra elementos virtuais ao mundo real. A Dra. Sheina Koffler apresenta
uma plataforma online que permite o monitoramento de abelhas por meio de vídeos gravados
por criadores com seus celulares. A Profa. Dra. Patrícia Thyssen, especialista em entomologia
forense da Unicamp, explica como os insetos fornecem evidências sobre a autoria de crimes.
A seção “Resenha Tese” trata do trabalho do Prof. Dr. Renan Ribeiro, que desenvolveu um
sistema de previsão de balneabilidade das praias de Santos por meio de modelagem nu-
mérica operacional determinística.
Na seção “Em Campo”, Amanda Carminatto, doutoranda da UFSCar, mostra como coleta
imagens do fundo do mar para sua pesquisa por meio de um veículo operado remotamen-
te (ROV) subaquático.
E a seção “Por Dentro do CRBio-01” traz uma matéria sobre uma série de reuniões de representan-
tes do Conselho com empresas e órgãos governamentais em Mato Grosso e Mato Grosso do Sul.
Como complemento aos textos, assista aos vídeos com Mayana Zatz e Patrícia Thyssen e
ouça os podcasts com Carolini Kaid e Oswaldo Keith.
Boa leitura!

Iracema Helena Schoenlein-Crusius


Presidente do CRBio-01

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CAPA
FREEPIK

TECNOLOGIA E BIOLOGIA
Como a revolução digital e o em meados da década se- Paulo (USP) enumera mar-
avanço tecnológico nas últimas guinte. Daí em diante, as cos das “várias revoluções
mudanças aconteceram em nos últimos anos”.
décadas impactaram o trabalho
ritmo exponencial: telefo- Em 1996, pesquisadores do
dos Biólogos nes celulares, canais de TV Instituto Roslin, na Escócia,
por assinatura, redes sociais, liderados pelos Biólogos Ian
BIÓLOGOS com mais de 55 aplicativos de toda a sorte, Wilmut e Keith Campbell,
anos vivenciaram já no merca- streaming, a lista é longa. clonaram a ovelha Dolly. Em
do de trabalho as transforma- Os extraordinários avanços 2003, o Projeto Genoma Hu-
ções impostas pela mudança tecnológicos nas últimas dé- mano foi declarado essen-
do analógico para o digital. Ali- cadas redefiniram o trabalho cialmente completo (falta-
ás, não só Biólogos, mas pro- dos Biólogos em todas as ram alguns trechos), após 13
fissionais de praticamente to- áreas de atuação, tanto em anos de trabalho envolven-
das as áreas, ou melhor, toda Biotecnologia e Produção do mais de 2.800 pesquisa-
a humanidade foi impactada como na Saúde e em Meio dores de 18 países e um cus-
pela revolução digital. Ambiente e Biodiversidade. to de US$ 3 bilhões.
A tecnologia digital data de Em Biotecnologia, a Profa. Outro marco tecnológico,
meados do século 20. Aqui Dra. Mayana Zatz, Bióloga destaca Mayana Zatz, foi a
no Brasil, os computadores diretora do Centro de Estu- pesquisa com células-tron-
pessoais começaram a se dos do Genoma Humano e co pluripotentes induzidas
popularizar no fim da dé- Células-Tronco (CEGH-CEL) (do inglês, induced pluri-
cada de 1980 e a internet da Universidade de São potent stem cells, IPS), que

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CAPA

podem se transformar, te- grama de Xenotransplante patibilidade de 98% entre


oricamente, em qualquer do laboratório. O termo se o genoma das duas espé-
outro tipo celular do corpo, refere a transplantes de ór- cies. Mas os transplantes de
estudo que levou o médico gãos entre espécies diferen- órgãos de suínos normais
Shinya Yamanaka a receber tes. No caso, o objetivo do (não geneticamente modi-
o Prêmio Nobel em 2012. programa é permitir que ór- ficados) são rejeitados pelo
gãos de suínos (porcos) ve- organismo humano.
ACERVO PESSOAL

nham a ser transplantados Por meio da técnica de


para humanos. (Saiba mais Crispr, os pesquisadores do
no vídeo com a entrevista de CEGH-CEL silenciaram os
Mayana Zatz). genes dos suínos que pro-
“Esse projeto, que foi inicia- vocam rejeição aguda de
do como uma coisa bastan- órgãos transplantados para
te futurística, se mostrou es- humanos. Eles já consegui-
tar muito mais próximo da ram criar embriões de suínos
realidade. No final do ano com esses genes silencia-
passado e início desse ano, dos, que estão armazenados
Mayana Zatz foram feitos dois transplan- no laboratório.
tes de rins de suínos, nos O próximo passo, explica a
Mais recentemente, outro EUA, em pessoas em morte Bióloga, será inserir esses
salto tecnológico foi o de- cerebral. E se viu que o rim embriões em barrigas de
senvolvimento do Crispr, funcionou por cerca de três aluguel, no útero de porcas.
Conjunto de Repetições dias”, relata Mayana Zatz. “E Mas antes será necessário
Palindrômicas Curtas Re- depois foi feito um trans- construir biotérios de por-
gularmente Espaçadas (em plante cardíaco usando o cos com estrito nível de se-
inglês, Clustered Regularly coração de um suíno num gurança contra infecções,
Interspaced Short Palindro- paciente vivo. Ele estava em as chamadas pig facilities.
mic Repeats), uma ferra- fase terminal, ligado a apa- Segundo Mayana Zatz, o
menta que consegue editar relhos, e foi por isso que foi planejamento é construir
o DNA, estudo reconhecido permitido fazer esse experi- duas pig facilities, uma me-
pelo Prêmio Nobel em 2020 mento em um humano”. nor ligada ao Instituto de
para Emmanuelle Charpen- O transplantado conseguiu Biociências (IB) da USP e
tier e Jennifer Doudna. sobreviver por 60 dias com outra mais ampla no Insti-
Uma das aplicações do Cris- o coração de um suíno ge- tuto de Pesquisas Tecnoló-
pr no CEGH-CEL é no Pro- neticamente modificado. gicas (IPT). Ela estima que
O resultado foi considera- as estruturas estarão pron-
do muito positivo, quando tas, na melhor das hipóte-
Vídeo com entrevista
comparado à sobrevida de ses, no fim de 2023. A previ-
com Mayana Zatz
só 18 dias do paciente do são é que os experimentos
primeiro transplante de co- de inseminação das porcas
ração (de humano para hu- aconteçam a partir de 2024.
mano) em 1967. Se bem-sucedida, a pesqui-
CLIQUE
Os suínos têm os órgãos sa permitirá a realização de
E ASSISTA
muito semelhantes aos dos transplantes de rim, cora-
humanos e há uma com- ção, pele, córnea e talvez fí-

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CAPA

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gado de suínos para huma- nários com mais de 110 anos


nos, mitigando – ou mesmo – que tiveram formas muito
resolvendo – o principal gar- leves de Covid ou não tive-
galo para os procedimen- ram a doença.
tos, que é a falta de órgãos A pesquisa associou a re-
disponíveis para doação. sistência à presença nesses
No Brasil, o CEGH-CEL é o idosos de determinados ge-
único com pesquisas avan- nes, em particular o MUC22,
çadas com xenotransplan- que codifica a proteína mu-
te. No mundo, centros nos cina. Nos idosos resistentes,
EUA, China, Alemanha e a “limpeza” propiciada pela
Nova Zelândia estão traba- mucina inibe processos in-
lhando com a tecnologia. flamatórios. Os pesquisado-
Mayana Zatz criou o labora- res do CEGH-CEL já publi- como ferramenta no trata-
tório em 1998 com recursos caram dois artigos com as mento de tumores agressi-
do Programa de Apoio aos conclusões iniciais da pes- vos do sistema nervoso cen-
Núcleos de Excelência (Pro- quisa, que continua. tral. O estudo foi publicado
nex), do governo federal. A “A população está envelhe- em abril de 2018 na revista
partir de 2000, ele se tornou cendo e todos querem en- Cancer Research, da Ameri-
um dos Centros de Pes- velhecer bem. Não adianta can Association for Cancer
quisa, Inovação e Difusão nada ser um velho todo es- Research, que dedicou a
(Cepids) da Fapesp. O CE- tropiado”, pondera Mayana capa da edição à descoberta.
GH-CEL é ligado ao IB/USP Zatz. “A conclusão mais im- Na pesquisa, que fez par-
e ocupa um prédio próprio portante é que a resistência te do doutorado de Caro-
com mais de 2 mil metros tem fundo genético. A ideia lini Kaid no IB/USP, foram
quadrados, na Cidade Uni- é descobrir o que os genes inseridas células humanas
versitária. A equipe do Cen- protetores fazem. Assim, tumorais nos cérebros de
tro conta com cerca de 100 poderíamos ter uma receita camundongos. Em seguida,
profissionais, que, além de para todos, mesmo os que injetou-se uma dose única
fazerem pesquisa de pon- não nasceram com esses de vírus zika nos cérebros
ta, atendem pacientes com genes protetores”. com tumor. Três semanas
doenças genéticas diversas. depois, os vírus provocaram
Outra linha de pesquisa Vírus oncolítico a remissão total dos tumo-
do CEGH-CEL é com ido- Uma terceira e importante res, inclusive de outros ór-
sos, particularmente com linha de pesquisa do CEGH- gãos metastáticos.
os centenários. O objetivo -CEL está em processo de No pós-doc em 2020 no
é entender o que mantém desenvolvimento pela star- CEGH-CEL, Carolini Kaid e
uma pessoa saudável na ve- tup Vyro, fundada por cien- equipe continuaram a pes-
lhice e mapear os seus me- tistas do Centro. quisa em cachorros que já
canismos de resistência. Mayana Zatz, o Prof. Dr. tinham tumores no sistema
Na pandemia, os pesquisa- Oswaldo Keith Okamoto, nervoso central. Eles inje-
dores estudaram o genoma do IB/USP, e a Dra. Carolini taram vírus zika na nuca
de 100 pessoas com mais de Kaid Davila, todos Biólogos, (intratecal) dos animais e o
95 anos – incluindo 20 cen- descobriram que o vírus zika resultado foi a redução em
tenários e três supercente- brasileiro pode ser usado até 5 cm dos tumores e a

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OBIÓLOGO
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melhora clínica dos cães, sores, os cientistas envolvi- cortaram a sequência por
que voltaram a fazer ati- dos na pesquisa decidiram engenharia genética, modi-
vidades rotineiras, como abrir uma empresa (uma ficando o genoma do vírus.
comer sozinho, levantar a startup) para o desenvolvi- O zika é um vírus de RNA,
cabeça e responder aos tu- mento de um produto (uma que, como se sabe, é pro-
tores. (Ouça o podcast com droga) para tratamento de duzido a partir de um DNA.
Carolini Kaid). tumores do sistema nervo- Com o DNA geneticamente
so central em pessoas, par- modificado no plasmídeo, a
ACERVO PESSOAL

ticularmente em pacientes equipe gerou o RNA do ví-


infantis. rus zika sintético.
A Vyro foi criada em feve- “O RNA replicou e produziu
reiro de 2021 e tem como vírus zika ativo modificado e
sócios-fundadores os três 100% sintético. Ele não cau-
Biólogos envolvidos direta- sa doença, porque é modifi-
mente na descoberta, um cado. Nossos testes em cé-
quarto Biólogo (Dr. Luiz Cai- lulas in vitro demonstraram
res), um farmacêutico (Dr. que esse vírus zika sintético
Ernesto Goulart) e um ad- é incapaz de infectar células
Carolini Kaid Davila ministrador (Hugo Cabrera). normais, como neurônios.
A empresa está incubada Ele só infecta, e destrói, as
A pesquisa também rea- no Centro de Inovação, Em- células de tumores do siste-
firmou a segurança da te- preendedorismo e Tecnolo- ma nervoso central”, explica
rapia. Os cachorros não fi- gia (Cietec) da USP/Ipen, no a Bióloga.
caram doentes com zika, campus da USP, que abriga A droga em desenvolvi-
confirmando o resultado dezenas de startups de Bio- mento se enquadra na ca-
observado nos camundon- tecnologia e outras áreas. tegoria de “vírus oncolítico”,
gos, que também não apre- O desenvolvimento de uma que são vírus modificados
sentaram o vírus na corren- droga requer testes clínicos em laboratório que atuam
te sanguínea. Além disso, os em pessoas. Como não é sobre células cancerígenas
cães não tiveram qualquer possível usar o vírus natural sem afetar células saudá-
efeito colateral do trata- selvagem em humanos, a veis, uma nova fronteira do
mento. O estudo foi publi- equipe da startup, que con- tratamento oncológico.
cado na revista Molecular ta com dez profissionais, ge- O desenvolvimento está hoje
Therapy em maio de 2020. rou um vírus geneticamente na fase pré-clínica, de en-
Com resultados tão promis- modificado, seguro e qualifi- saios em camundongos, que
cado para aplicação clínica. estão confirmando a eficácia
A empresa encomendou e segurança do tratamento.
PODCAST junto a um fornecedor local Carolini Kaid acredita que,
com Carolini Kaid Davila uma sequência genética em alguns anos, a empresa
(genoma) do zika vírus bra- produzirá uma droga para
sileiro, colocada na forma tratamento de câncer de
de um anel dentro de um cérebro em geral, em parti-
plasmídeo. Por meio da téc- cular de tumores agressivos
CLIQUE E OUÇA nica de DNA recombinante, em pacientes infantis.
Carolini Kaid e equipe re- Como a cepa brasileira do

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CAPA

FREEPIK

vírus zika tem um tropismo da participação acionária na


natural pelo cérebro, a fu- startup para uma grande
tura droga provavelmente empresa ainda no processo
será de fácil administração, de desenvolvimento, como
injetável na corrente san- acontece com frequência.
guínea do paciente. Para custear as fases 1 e 2 dos
Antes do lançamento ainda estudos clínicos, a Vyro abri-
há um longo caminho a se rá uma segunda rodada de
percorrer. O cronograma de investimentos, na qual pre-
desenvolvimento prevê que cisa levantar cerca de US$20
os testes pré-clínicos se es- milhões. Com o propósito de
tendam até o fim de 2023. facilitar o processo de busca
O início dos ensaios clínicos de investidores e o desenvol-
em humanos deve aconte- vimento, os sócios criaram
cer em meados de 2024. A uma empresa nos EUA, que
fase 1 (de segurança) e fase já submeteu duas patentes tratamento com potencial
2 (de efetividade) dos estu- ao United States Patent and comercial forte, uma big
dos clínicos estão previs- Trademark Office (USPTO). pharma compra a startup
tas para durar até o fim de A equipe da startup hoje tra- e patentes e realiza as fases
2025, quando deve come- balha integralmente em São finais do desenvolvimento
çar a fase 3 (multicêntrico), Paulo, mas a previsão é que com equipe própria.
que consiste na repetição num futuro próximo migre Os sócios de uma startup
dos ensaios em vários cen- para um centro de pesquisa bem-sucedida, em geral, em-
tros em diferentes países. nos EUA. bolsam quantias expressivas
Para custear a atual fase de A fase 3 dos estudos clíni- na venda e são totalmente
estudos pré-clínicos, a star- cos, prevista para come- desligados do desenvolvi-
tup realizou sua primeira ro- çar no fim de 2025, vai de- mento. Se tudo der certo,
dada de investimentos e re- mandar investimentos da Carolini Kaid vai ficar “de-
cebeu em fevereiro de 2022 ordem de US$50 milhões. sempregada” em algum mo-
US$1,5 milhão da Vesper Mas Carolini Kaid acredita mento nos próximos anos.
Ventures, o primeiro fundo que, se o desenvolvimento O que ela pretende fazer?
brasileiro especializado em continuar a mostrar resul- “Nós vamos partir para
Biotecnologia. tados positivos, sua startup fundar outros negócios. O
No modelo de negócios con- será comprada por uma big Brasil é um campo muito
sagrado em países desenvol- pharma (grande empresa fértil para novas empresas
vidos, mas ainda incipiente da indústria farmacêutica) de biotec, porque não tem
no Brasil, fundos adquirem antes do lançamento do nada. Sempre que eu pre-
participações acionárias em produto final. ciso de algum serviço, não
startups que desenvolvem As startups de Biotecnolo- encontro, então há muitas
produtos e serviços com tec- gia com frequência se en- oportunidades para se abrir
nologia de ponta. O objetivo carregam apenas das fases uma empresa aqui. Para
desses investimentos de ris- iniciais de desenvolvimento a gente fervilhar a área de
co é futuramente lucrar com dos produtos. Se a tecnolo- Biotecnologia no Brasil, va-
a comercialização do produ- gia se prova viável e apon- mos ter que criar novas em-
to ou serviço – ou na venda ta para a produção de um presas”, defende a Bióloga.

O
OBIÓLOGO
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Terapia gênica e benefícios. Ainda não há o padrão de procedimentos


O Prof. Dr. Oswaldo Keith tratamentos aprovados. bem conhecidos da comuni-
Okamoto, professor do De- Os estudos clínicos mais dade médica, como transfu-
partamento de Genética adiantados se referem a sões de sangue e transplan-
e Biologia Evolutiva do IB/ terapias gênicas para do- tes de medula óssea.
USP, destaca que a possibi- enças hematológicas cau- Em outras doenças, o re-
lidade de se editar o geno- sadas por mutações genéti- povoamento pode ser bem
ma ampliou as condições cas. Um exemplo é a terapia mais trabalhoso e desafia-
para o desenvolvimento de para tratamento da anemia dor. Nas doenças musculo-
terapias gênicas. falciforme, doença heredi- esqueléticas, seria necessá-
tária caracterizada pela de- rio substituir as células de
ACERVO PESSOAL

formação e escassez de gló- toda a musculatura esque-


bulos vermelhos no sangue. lética. No caso de doenças
As terapias em fase de en- do sistema nervoso, a difi-
saio clínico preveem a reti- culdade está na anatomia
rada de células-tronco he- complexa do cérebro. Já no
matopoiéticas da medula caso de doenças genéticas
óssea do paciente. Essas que causam cegueira, por
células são as que dão ori- se tratar de uma população
gem às demais células que de células restrita a uma
compõem o sangue. Por área específica, o repovo-
Oswaldo Keith Okamoto meio de técnicas de edição amento pode ser factível,
de DNA, pode-se corrigir a avalia o Biólogo.
O Biólogo se especializou em mutação genética que oca-
aplicações da Biotecnologia siona a anemia falciforme. Testes genéticos
na saúde humana, em parti- As células-tronco hemato- O sequenciamento de DNA
cular nas terapias avançadas, poiéticas sem o erro são en- está na base da criação das
durante o pós-doc no Depar- tão expandidas e inseridas técnicas de edição do geno-
tamento de Biologia Molecu- na corrente sanguínea do ma e do desenvolvimento
lar e Celular da Universidade paciente. de terapias gênicas, ressalta
de Harvard, nos EUA, e expe- Oswaldo Keith relata que Oswaldo Keith.
riências profissionais no Hos- há várias outras terapias No doutorado sanduíche e
pital Israelita Albert Einstein de edição gênica para do- pós-doc em Harvard, o Biólo-
e na Universidade Federal de enças diversas em fase de go teve a oportunidade de in-
São Paulo (Unifesp). ensaios clínicos. Ele alerta teragir com o grupo do Prof.
Segundo Oswaldo Keith, que o desafio não é só cor-
as terapias baseadas em rigir a mutação. É preciso
PODCAST
edição gênica por técnicas também devolver as célu-
com Oswaldo Keith
como o Crispr já são uma las corrigidas ao paciente e
Okamoto
realidade do ponto de vista repovoar o tecido ou órgão
técnico, mas ainda carecem afetado. (Ouça o podcast
de aprovação em estudos com Oswaldo Keith).
clínicos em curso, que ava- No caso de doenças hemato-
liam a segurança dos mé- lógicas, o repovoamento é re- CLIQUE E OUÇA
todos e o balanço dos riscos lativamente simples e segue

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Dr. Walter Gilbert, que, em sua evolução e na escolha de


conjunto com o Dr. Frederick opções de tratamento”, apon-
Sanger e o Dr. Paul Berg, ga- ta Oswaldo Keith.
nhou o Prêmio Nobel de 1980 Essa nova área, denomina-
por seu trabalho em sequen- da medicina de precisão,
ciamento de DNA. que personaliza o cuidado
Segundo Oswaldo Keith, com a saúde do indivíduo
os estudos desses pesqui- com base no seu genoma,
sadores pavimentaram os ainda é pouco difundida no
avanços dos projetos de se- Brasil. Hoje sua aplicação é
quenciamento de DNA, ini- principalmente na oncolo-
cialmente de organismos gia e em doenças crônico-
menores (procariotos), que -degenerativas, cuja predis-
culminaram no sequencia- posição é determinada por
mento do genoma huma- mutações genéticas. sócio-fundador do Grupo
no, concluído em 2003. Por exemplo, as alterações DNA, uma das empresas
O Biólogo testemunhou na germinativas nos genes pioneiras em testes genéti-
sua vida profissional a evo- BRCA1 e BRCA2 estão asso- cos no Brasil, destaca a im-
lução técnica dos processos ciadas ao câncer de mama portância desses exames
de sequenciamento, que hereditário. A doença não é personalizados na preven-
inicialmente eram caros e transmitida, mas a alteração ção de doenças e no diag-
lentos. As etapas manuais confere uma predisposição nóstico precoce.
foram gradativamente au- aumentada ao desenvolvi- Os testes genéticos ofereci-
tomatizadas e os custos se mento deste tipo de câncer. dos pela empresa analisam
reduziram até chegarmos Oswaldo Keith lembra que cerca de 800 mil marcado-
à atual técnica de sequen- o câncer e doenças crônico- res de DNA. Por meio de
ciamento de nova geração -degenerativas são multifa- softwares, os bioinformatas
(NGS, do inglês next-gene- toriais e decorrem tanto de da empresa comparam os
ration sequencing). alterações em genes como resultados de cada exame
Em paralelo, aconteceu o também de condições do com a massa de informa-
desenvolvimento da área de ambiente. No caso do câncer, ções contida em bancos de
Bioinformática, fundamen- só em torno de 10% dos casos dados mundiais, que servem
tal para armazenar e pro- têm origem hereditária. como base para a produção
cessar a imensa quantidade Ainda assim, a medicina de de laudos personalizados.
de dados gerados pelos exa- precisão propicia inúmeros A empresa, que fica sediada
mes de sequenciamento, benefícios e a tendência é em São Carlos (SP), oferece
que estão se popularizando que seja crescentemente exames com o sequencia-
e já são oferecidos por labo- utilizada, não só na onco- mento completo do genoma,
ratórios no Brasil. logia e em doenças crô- exomas e genotipagem, que
“A tendência é cada vez mais nico-degenerativas, mas permitem análises de ca-
termos testes baseados em in- também para doenças me- racterísticas (“trilhas”), como
formações genéticas, que po- tabólicas e outras condi- saúde mental e sono, saúde
dem nos ajudar não somente ções, prevê Oswaldo Keith. da mulher, saúde do homem,
no diagnóstico de doenças, O Prof. Dr. Euclides Ma- anti-aging, nutrition e ances-
mas também na previsão de theucci Júnior, Biólogo e tralidade e curiosidades.

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OBIÓLOGO
BIÓLOGO||OUT/NOV/DEZ
JUL/AGO/SET 2022 | 11
CAPA

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intervertebral, osteoartrite, Quando terminou o douto-


perda óssea, acne, alergia rado em Biologia Molecu-
alimentar, doença celíaca e lar em 1998, fundou a sua
síndrome metabólica, entre empresa, que inicialmente
várias outras condições. fazia testes de DNA para de-
Os resultados também po- terminação de paternidade
dem indicar traços com- e em casos forenses, áreas
portamentais e riscos de com as quais continua a tra-
adições e doenças mentais, balhar até hoje.
como depressão, suscepti- Eles compraram em 2005 o
bilidade ao alcoolismo e ta- seu primeiro sequenciador
bagismo, propensão à irrita- de DNA – o mesmo mode-
bilidade, vulnerabilidade ao lo usado no Projeto Geno-
estresse, exaustão relacio- ma Humano – com verba
O procedimento para a reali- nada ao trabalho e tendên- do primeiro dos cinco pro-
zação dos exames é simples. cia à extroversão. gramas Pesquisa Inovativa
O cliente recebe um kit em “Os testes genéticos permi- em Pequenas Empresas
casa, coleta material da boca tem que você conheça as (Pipe/Fapesp) obtidos pela
com cotonete e manda para suas fragilidades. Se você empresa. O equipamento
o laboratório. O laudo com sabe que tem risco aumen- os permitiu entrar na área
os resultados é enviado para tado para uma determinada de exames de paternida-
o e-mail do cliente e só pode doença, você pode preveni- de de bovinos, caprinos e
ser aberto por meio de se- -la, por exemplo, com a ado- outros animais. Com a rá-
nha cadastrada. ção de um estilo de vida ade- pida evolução tecnológica,
quado, mudanças na dieta e o sequenciador, adquirido
ACERVO PESSOAL

ingestão de vitaminas e su- por quase meio milhão de


plementos. Se a pessoa tem dólares, ficou obsoleto em
propensão a um tipo de cân- alguns anos e acabou ven-
cer, certamente vai manter dido como ferro velho.
os exames específicos em O advento dos sequencia-
dia, que vão detectar o possí- dores com a tecnologia NGS
vel desenvolvimento da do- revolucionou o setor e hoje
ença logo no estágio inicial”, é possível fazer o sequencia-
enfatiza Euclides Matheucci. mento completo do geno-
O Biólogo conta que se inte- ma de uma pessoa em um
ressa por Biologia Molecular dia por menos de US$ 1 mil.
desde a sua iniciação cientí- Com tanta informação ge-
Euclides Matheucci
fica no fim dos anos 80. No nética disponível, o maior
Os laudos podem apontar, mestrado, no Laboratório desafio atualmente é con-
por exemplo, propensão a do Prof. Dr. Hamza Fahmi seguir processar os dados,
Alzheimer (de início tardio Ali El-Dorry, no Instituto de de maneira que possam
ou precoce), Parkinson, cân- Química da USP, trabalhou embasar laudos e análises
cer de mama e próstata, en- com clonagem e sequen- úteis e confiáveis. Para tan-
dometriose, doença de disco ciamento de genes. to, todo laboratório necessi-

12 | O BIÓLOGO | OUT/NOV/DEZ 2022


CAPA

ta de bioinformatas, profis- depois renomeada Lizar-

ACERVO PESSOAL
sionais com formação em Bio (“Oi Brazil” ao contrá-
TI, como engenheiros de rio). A startup, que obteve
computação, biotecnologis- um primeiro financiamen-
tas e programadores. Biólo- to de US$1,1 milhão de uma
gos estão habilitados a atu- farmacêutica brasileira, fi-
ar nessa área, mas em geral cou inicialmente incubada
necessitam buscar forma- numa empresa em Campi-
ção em programação, des- nas (SP) e depois se instalou
taca Euclides Matheucci. no Cietec da USP/Ipen.
A equipe de sua empresa “Nós conseguimos produzir
tem um total de 27 profis- células cardíacas de ótima
Diogo Biagi
sionais de nível superior e qualidade a partir de célu-
técnico, incluindo quatro Bi- O êxito da pesquisa motivou las IPS e vendê-las para a
ólogos e três bioinformatas. Diogo Biagi a fundar uma comunidade científica no
“A Biologia Molecular e a Ge- startup voltada para a pro- Brasil e exterior. Mas nosso
nômica, analisadas através dução de células cardíacas produto era muito caro. As
da Bioinformática, vão per- humanas a partir de células células necessárias para um
mitir que a gente viva mais IPS. Os potenciais clientes experimento pequeno cus-
e melhor. Vamos ter longevi- são empresas da indústria tavam em torno de 2 mil re-
dade com boa qualidade de farmacêutica que desenvol- ais”, relata Diogo Biagi.
vida. Essa tecnologia vai aju- vem drogas para tratamen- Em 2018, os sócios então
dar na prevenção, diagnósti- to de doenças cardíacas. decidiram mudar o foco da
co, prognóstico e prescrição Os testes iniciais de desen- startup para o desenvolvi-
médica”, avalia o Biólogo. volvimento dessas drogas mento de uma terapia ce-
não podem ser realizados lular para tratamento de
Células IPS em humanos. As empresas insuficiência cardíaca com
O Dr. Diogo Biagi, gradua- precisam de células cardía- cardiomiócitos (célula mus-
do em Ciências Biológicas cas para manipular em la- cular cardíaca) produzidos a
na USP, fez seu doutorado boratório, mas não podem partir de células IPS. A insu-
na Faculdade de Medicina retirá-las de uma pessoa ficiência cardíaca acontece
da USP com células IPS. Em viva e o uso de células do porque o coração perde for-
sua pesquisa de doutorado, coração de cadáveres se ça de contração e há a pre-
retirou células da pele de pa- mostrou pouco satisfatório. missa de que a doença pode
cientes com cardiomiopatia Assim, a opção mais viável ser tratada injetando cardio-
hipertrófica e as transfor- e já colocada em prática em miócitos funcionais no co-
mou em células IPS. Em se- outros países é fazer os es- ração do paciente. Estudos
guida, transformou as célu- tudos com células cardíacas nessa linha acontecem em
las IPS em células cardíacas criadas a partir de células outros países, mas até hoje
e, por fim, comparou as cé- IPS, afirma o pesquisador. não se conseguiu desenvol-
lulas de indivíduos portado- Em 2014, Diogo Biagi e ou- ver uma terapia efetiva.
res de mutações associadas tros dois pesquisadores, A startup conseguiu inicial-
à cardiomiopatia hipertrófi- com recursos de um projeto mente avançar no desenvol-
ca com células cardíacas de Pipe/Fapesp, deram início vimento da terapia com tes-
indivíduos saudáveis. à startup Pluricell Biotech, tes pré-clínicos em ratos na

O
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CAPA

FREEPIK

York voltado para os aspec- volvimento de uma terapia


tos gerenciais e financeiros para tratamento da Síndro-
do negócio. me de Rett, doença neuro-
Nesse meio-tempo, novos só- lógica genética rara e seve-
cios entraram na startup, que ra. Os meninos que nascem
abriu uma segunda área de com essa síndrome geral-
desenvolvimento de terapias mente vivem pouco. As me-
para doenças neurológicas, ninas costumam viver mais,
em parceria com a Univer- mas enfrentam problemas
sidade da Califórnia em San de coordenação motora, fala
Diego (UCSD), onde Diogo e outras condições que ten-
Biagi iniciou seu pós-doc no dem a se tornar críticas com
segundo semestre de 2022. o passar dos anos.
Longe de suas famílias, os Alysson Muotri levantou um
UFRJ. Diogo Biagi e equipe sócios trabalharam ao lon- investimento de US$1,2 mi-
iniciaram então a segunda go do primeiro semestre de lhão do governo da Califór-
etapa dos estudos pré-clíni- 2022 na “última tentativa de nia para o desenvolvimento
cos em porcos, mas a pesqui- viabilizar a empresa”, mas de uma terapia para a do-
sa foi interrompida porque o nenhum investidor se in- ença com células IPS dife-
único biotério com esses ani- teressou em fazer o aporte renciadas em progenitores
mais no país, o do Einstein, necessário. Eles então deci- de astrócitos – células que
foi fechado na pandemia. diram, no fim de 2022, en- desempenham funções im-
A startup conseguiu um se- cerrar a LizarBio, após dez portantes no sistema nervo-
gundo investimento de R$ 2 anos de atividades. so, como a sustentação e a
milhões no fim de 2020, mas Diogo Biagi ficou, natural- nutrição dos neurônios.
o valor era muito inferior aos mente, decepcionado com O projeto tem duração de
US$ 10 milhões necessários o fim da empresa e por não dois anos e pode ser pror-
para terminar os ensaios ter conseguido concluir o rogado. No laboratório de
pré-clínicos e realizar os es- desenvolvimento da terapia Alysson Muotri, o Muotri Lab,
tudos clínicos em humanos. que beneficiaria pacientes Diogo Biagi e equipe estão
Como não há investidores com insuficiência cardíaca. conduzindo os ensaios, que
no Brasil dispostos a fazer Mas os estudos na frontei- consistem em gerar proge-
um investimento desse por- ra do conhecimento com nitores de astrócitos e inserir
te numa startup de Biotec- células IPS credenciaram o em camundongos com Sín-
nologia, o caminho foi abrir cientista a ficar à frente do drome de Rett.
uma empresa nos EUA. Dio- projeto em neurologia em No período de dois anos, o
go Biagi se mudou para San parceria com a UCSD, agora cientista espera obter resulta-
Diego, na Califórnia, para inteiramente assumido pela dos promissores que levem à
participar de um programa universidade. obtenção do financiamento
científico na IndieBio, uma A convite do Prof. Dr. Alys- de US$10 milhões necessário
das mais importantes ace- son R. Muotri, diretor do Pro- para a realização de ensaios
leradoras de startups de grama de Células-Tronco da clínicos em humanos.
Biotecnologia do mundo. UCSD, que é brasileiro, Dio- Os planos são ambiciosos.
Seu sócio participou do pro- go Biagi assumiu a coorde- Se a terapia para Síndrome
grama da IndieBio em Nova nação do projeto de desen- de Rett se provar eficiente,

14 | O BIÓLOGO | OUT/NOV/DEZ 2022


CAPA

a ideia é desenvolver trata- Formado em Ciências Bio- pandir suas ferramentas de


mentos com base em pro- lógicas pela Universidade inteligência artificial, finan-
genitores de astrócitos ge- Estadual de Campinas (Uni- cia parcialmente o estudo.
rados por células IPS para camp), Alysson Muotri fez Alysson Muotri explica que o
outras doenças neuroló- o doutorado em Genética objetivo final das pesquisas
gicas, como Parkinson, Al- pelo Instituto de Biologia nessa área é conseguir com
zheimer e esclerose. da USP e o pós-doutorado que a inteligência artificial
Agora com a presença da a partir de 2002 no Instituto “aprenda sozinha”, como fa-
família em San Diego, Dio- Salk, em San Diego, onde se zem os cérebros humanos.
go Biagi está entusiasmado especializou em neurociên- Os atuais sistemas de inteli-
com a possibilidade concre- cias e células-tronco. gência artificial conseguem
ta de desenvolvimento de processar um volume imen-
uma terapia que possa be- so de dados, mas não têm a

ACERVO PESSOAL
neficiar tantas pessoas. capacidade de “aprendiza-
Mas por que isso não foi do inato”, como o cérebro
possível no Brasil? humano.
“As condições no nosso Um carro que dirige sozi-
país são desfavoráveis para nho precisa ser treinado a
uma startup de Biotecnolo- identificar todas as varia-
gia. Faltam reagentes, que ções possíveis de outros car-
demoram a chegar. Uma ros, pessoas, cachorros etc.
empresa de pesquisa e de- Esse processo requer muita
senvolvimento precisa de in- energia e tempo e, mesmo
vestimentos e os investido- Alysson Muotri
com um treinamento deta-
res no Brasil ainda não estão lhado, a inteligência artifi-
acostumados com esse tipo Criado em 2008, o Muotri cial tem dificuldade de fa-
de negócio, que demora a Lab é um dos centros de re- zer a distinção, por exemplo,
dar retorno. Nos EUA, existe ferência mundial em estu- entre algo concreto e sua
todo um mercado desde a dos com o cérebro humano. foto. Já uma criança, após
década de 70. Os investido- O laboratório recebe recur- ser apresentada a dois ou
res sabem que vale a pena sos do Estado da Califórnia três cachorros, daí em dian-
e investem em várias em- e do National Institutes of te conseguirá identificar
presas de Biotecnologia. A Health (NIH) – equivalente outros cães intuitivamente.
maioria falha, mas uma dá ao CNPq no Brasil –, além Da mesma forma, um bebê
certo e gera muito dinheiro”, de financiamento de em- aprende uma língua sem ser
pondera Diogo Biagi. presas privadas e dinheiro formalmente ensinado. Mais
de filantropia de fundações do que isso: entende os nu-
Inteligência orgânica na área médica. ances do discurso, mensa-
O Muotri Lab, que é ligado Uma das linhas de pesquisa gens subliminares passadas
à UCSD, ocupa um prédio do Muotri Lab, iniciada em pelo tom de voz, expressão
próximo ao campus e conta 2017, busca desenvolver apli- corporal e outras sutilezas
com equipe de 35 profissio- cações em inteligência arti- que hoje escapam aos siste-
nais, incluindo professores, ficial com base na chamada mas de inteligência artificial.
pós-graduandos, graduan- inteligência orgânica. A Mi- A pesquisa com inteligência
dos e técnicos. crosoft, interessada em ex- orgânica no laboratório visa

O
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CAPA

DIVULGAÇÃO

para se locomover pelo labi- mano, inspirados nessa in-


rinto sem tocar em nenhu- teligência orgânica.
ma parede. Se o estudo continuar a
Ao contrário do robô, um ser apresentar resultados pro-
humano, mesmo sem co- missores, os pesquisadores
nhecer o labirinto, tem ca- devem abrir uma startup
pacidade de caminhar sem nos EUA, que terá como
bater nas paredes. O objeti- missão desenvolver a desco-
vo da pesquisa é conseguir berta numa tecnologia com
com que os robôs aprendam aplicação na área de inteli-
sozinhos a fazer o mesmo. gência artificial. Caso o de-
Para isso, os pesquisadores senvolvimento vá adiante, o
colocaram em torno dos or- mais provável é que a Micro-
ganoides cerebrais eletrodos soft venha a comprar a star-
Robô com
inteligência a mapear o funcionamento similares aos de um eletro- tup, prevê Alysson Muotri.
artificial
das redes neurais huma- encefalograma, que captam
nas, de maneira a entender a informação elétrica pro- Bionanotecnologia
como o nosso cérebro con- duzida pelas redes neurais. Datam da Antiguidade os
segue aprender sozinho. Essa informação elétrica é primeiros relatos do inte-
Os experimentos são feitos transmitida ao robô e co- resse por aquilo que é tão
com organoides cerebrais, manda a sua locomoção. O pequeno que não pode ser
recriações do cérebro hu- robô, por sua vez, informa visto a olho nu. A partir dos
mano, que ficam armaze- ao organoide quando seus anos 1980, com o avanço da
nados em placas de Petri sensores detectam a aproxi- microscopia e da ciência em
(recipiente cilíndrico acha- mação de uma parede e, em geral, os cientistas come-
tado) no laboratório. Os pes- seguida, recebe de volta um çaram a manipular isolada-
quisadores criaram os orga- estímulo do organoide para mente as nanopartículas.
noides cerebrais a partir de mudar de direção. Hoje, a Nanotecnologia é
células IPS, que receberam “A gente quer que o robô amplamente utilizada nas
sinais para se especializa- percorra o labirinto sem es- indústrias eletroeletrônica,
rem em células do sistema barrar nas paredes. Hoje ele automotiva, farmacêutica,
nervoso humano. ainda precisa de treino para têxtil, de energia, de produ-
Os cientistas utilizam tam- isso. Queremos que ele faça tos esportivos, de tintas, de
bém uma interface robótica sem treinamento nenhum. cosméticos, de construção,
com inteligência artificial, Ou seja, você coloca o robô lá aeroespacial etc.
que se locomove por um la- e ele vai aprender a se guiar Semicondutores, telas de
birinto construído no labo- nesse labirinto, sem nenhum televisores, computadores
ratório. Cada robô tem dois aprendizado, que é o que e celulares, lâmpadas LED,
sensores de infravermelho, uma pessoa consegue fazer”, baterias, diversos remédios,
que detectam quando ele resume Alysson Muotri. vacinas contra a Covid-19
está se aproximando de um O passo seguinte será a (Pfizer/BioNTech e Moder-
obstáculo. Hoje eles preci- criação de modelos ma- na), roupas antitranspiran-
sam de “treino” – informa- temáticos, que simulam o tes e antibactericidas, tintas
ções inseridas no sistema comportamento das redes especiais, raquetes de tênis,
de inteligência artificial – neurais de um cérebro hu- tacos de golfe, xampus, pro-

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CAPA

FREEPIK

tetores solares, cremes para


a pele e inúmeros outros
produtos dispõem de Na-
notecnologia.
Nanoestruturas sempre esti-
veram presentes na nature-
za, por exemplo, em metais,
muitas folhas de plantas e
dentes de humanos e ani-
mais, assim como nas vento-
sas das patas das lagartixas,
que proporcionam forte ade-
são a superfícies, e nas asas
das borboletas azuis, oca-
sionando refração e o efeito
óptico de mudança de cor
de acordo com o ângulo de
observação ou iluminação. fundamentais, como as quí- pectos biológicos da Nano-
A escala nanométrica se re- micas, físicas e mecânicas, tecnologia.
fere a partículas com 1 a 100 diferentes dos materiais de Em particular, a Bióloga tra-
nanômetros (nm). Um nanô- escala macro. São essas di- balha com Nanobiotecnolo-
metro equivale a um bilioné- ferenças nas propriedades gia verde, que consiste no
simo do metro: 0,000.000.001 fundamentais das nanopar- desenvolvimento de aplica-
metro. Esse tamanho é apro- tículas que permitem o de- ções e produtos valendo-se
ximadamente 100 mil vezes senvolvimento de produtos de precursores biológicos,
menor do que o diâmetro de nanoestruturados com apli- como microrganismos, mo-
um fio de cabelo. cações práticas. léculas e proteínas, entre
Um átomo (H) tem 0,1 nm, As equipes que trabalham outros, de maneira a mini-
enquanto o tamanho das com Nanotecnologia são mizar o uso de agentes no-
proteínas varia de 5 a 50 nm geralmente multidisciplina- civos e tóxicos durante as
e os vírus têm de 75 a 100 nm. res e integradas por Biólo- etapas de produção.
As bactérias (1.000 a 10.000 gos, físicos, químicos, enge- Na Embrapa Recursos Gené-
nm) e células brancas (10.000 nheiros e profissionais com ticos e Biotecnologia, sedia-
nm) já estão fora da escala outras formações. A área da em Brasília (DF), Cínthia
nano. Elas são da escala mi- engloba várias outras subá- Bonatto trabalha atualmen-
crométrica, sendo que 1 mí- reas e tem interfaces com te num projeto que utiliza
cron equivale a 1.000 nm. outros campos da pesquisa a Nanobiotecnologia verde
Efeitos como gravidade, fric- de base e aplicada. para desenvolvimento de ali-
ção, combustão, eletrostáti- A Dra. Cínthia Caetano Bo- mentos com gosto similar a
ca, forças de Van der Waals natto, bolsista da Empresa frutos do mar e peixes à base
e movimentos brownianos Brasileira de Pesquisa Agro- de pulses, que são grãos e
estão relacionados com es- pecuária (Embrapa), realiza sementes secas de algumas
calas de tamanho. Partícu- pesquisa aplicada com Na- leguminosas, como feijão, er-
las na escala nanométrica nobiotecnologia, uma das vilha, lentilha e grão-de-bico.
apresentam propriedades subáreas que envolve os as- De 2017 a 2021, a Bióloga

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CAPA

participou do desenvolvi- que conferiram outras cores homogêneas podem ser de-
mento de nanopigmentos às nanopartículas magnéti- positadas mais facilmente”,
magnéticos, num projeto cas”, ressalta Cínthia Bonatto. aponta Cínthia Bonatto. “Já
realizado em parceria entre Uma das potenciais apli- o atributo de cor é importan-
a Embrapa e a TecSinapse, cações da nova tecnologia te. Ele indica que a semente
uma empresa de tecnolo- está no desenvolvimento de foi tratada. E pode ser uma
gia de São Paulo. A pesqui- sensores. Os pigmentos na- assinatura que permita au-
sa já foi concluída com êxito noestruturados criados na mentar a rastreabilidade das
e está em processo de vali- pesquisa podem ser a base sementes e assim diminuir a
dação pela Embrapa e de para sensores de detecção, falsificação. Há um mercado
realização de testes que de- por exemplo, de variações de falsificação de sementes”.
terminarão possíveis aplica- na temperatura ou pH, ex-
ções da tecnologia. plica a Bióloga. Drones
A equipe do projeto contou Um sensor de temperatura Além da pesquisa, a revolu-
com Cínthia Bonatto, que com essa tecnologia poderia ção digital e o rápido avanço
tem mestrado e doutorado ser acoplado, por exemplo, tecnológico impactaram o
pela UnB em Biologia Ani- a embalagens de produtos trabalho dos Biólogos em di-
mal na subárea de Nano- que precisam ser armazena- versas outras áreas. Geopro-
tecnologia, e outros quatro dos a baixas temperaturas cessamento, monitoramento
pesquisadores da Embrapa ou que não podem aquecer de espécies, reflorestamento,
e empresa. A Bióloga relata demais. O sensor na emba- estudos de impacto ambien-
que trabalhou em todas as lagem mudaria de cor para tal – são muitas as aplicações
etapas de desenvolvimen- alertar sobre a elevação da do uso de drones na Biologia,
tos da tecnologia, principal- temperatura. e mais ainda fora dela. O Prof.
mente “na bancada”. Outra aplicação prática dos Dr. Normandes Matos da Sil-
pigmentos nanoestrutura- va, Secretário de Inovação e
ACERVO PESSOAL

dos criados na pesquisa seria Empreendedorismo da Uni-


no revestimento de semen- versidade Federal de Rondo-
tes utilizadas na agricultura, nópolis (UFR), no estado de
em linha com a tradição da Mato Grosso, está envolvido
Embrapa de desenvolvimen- há mais de uma década em
to de tecnologias de melho- projetos com drones nas áre-
ramento de sementes. as de Biologia e Engenharia
Caso seja efetivamente de- Ambiental.
senvolvido, o revestimento Normandes Matos come-
com pigmentos nanoestru- çou a se interessar por ge-
turados vai conferir às se- oprocessamento ainda na
mentes duas novas caracte- graduação, quando as ima-
Cínthia Bonatto
rísticas: uma superfície mais gens de satélite não eram
“As partículas magnéticas homogênea e lisa e uma cor corriqueiras como hoje em
geralmente apresentam co- diferente da original. dia. Na primeira metade dos
res que vão do marrom ao “No processo de plantio, as se- anos 1990, o trabalho dele
preto. A inovação foi, durante mentes geralmente passam era manual, quase artesa-
o processo de síntese, conse- por máquinas. As sementes nal, usando fotos impres-
guirmos fazer modificações com estruturas externas mais sas e estereoscópios para

18 | O BIÓLOGO | OUT/NOV/DEZ 2022


CAPA

visualizar imagens em 3D. nósticos para recuperação. muitas dificuldades. Os dro-


Na época, eram poucos os Investimos muito no uso nes também podem chegar
Biólogos interessados, mas dessas aeronaves remota- a áreas de difícil acesso ou a
hoje há mais profissionais mente pilotadas para fazer espaços que possam ofere-
da Biologia nesse campo. mapeamentos aéreos em cer algum risco à presença
O Biólogo afirma que o larga escala. Já chegamos, humana, como áreas afeta-
trabalho com geoproces- com um único equipamen- das por acidentes radioati-
samento e sensoriamento to, a tirar fotografias aéreas vos e desastres naturais.
remoto permite fazer inves- de 5 mil hectares aqui em Outros usos na Biologia in-
tigação de qualidade am- Rondonópolis”, conta ele. cluem monitoramento de
biental numa escala geo- Além do mapeamento aéreo, fauna, com drones equipa-
gráfica grande sem precisar o Biólogo participa também dos com câmeras sensíveis
percorrer longas distâncias de projetos de uso de drones à variação de temperatura,
a pé ou de carro. Desde 2011, para dispersão de sementes: que conseguem localizar
além de trabalhar com pro- primeiro o drone, equipado grupos de macacos na copa
cessamento de imagens de com uma câmera, fotogra- das árvores, por exemplo. É
satélite, a UFR investiu no fa a área, e depois o equipa- uma espécie de busca ativa
uso de drones para mapea- mento volta à mesma área de populações, permitindo
mento aéreo. O objetivo era para liberar as sementes. um entendimento melhor de
ter vídeos e fotografias aére- Em 2019, a equipe da UFR Ecologia de populações e da
as de alta qualidade para di- chegou a construir seu distribuição espacial desses
versos projetos. No caso de próprio drone, um equipa- animais. Esse monitoramen-
Normandes Matos, o foco mento de madeira para li- to também pode ser feito em
está em projetos de recupe- beração de sementes que unidades de conservação.
ração de áreas degradadas. tinha código aberto, ou seja, Além disso, é possível aco-
qualquer pessoa poderia plar sensores nos drones
acessar alguns materiais e a para medir a qualidade do
ACERVO PESSOAL

metodologia e construir um ar, usar as imagens para fa-


semelhante. Segundo o Bió- zer uma identificação pré-
logo, foi o primeiro modelo via da qualidade da água
de drone com essas carac- ou mesmo fazer monito-
terísticas na América Latina ramento para prevenir ou
a conseguir voar. combater incêndios flores-
O trabalho com drones faci- tais, localizando focos de
lita a vida de Biólogos e ou- incêndio com mais rapidez.
tros profissionais, pois per- Muitas consultorias ambien-
mite o acesso mais rápido tais empregam drones em
a áreas maiores, oferecendo projetos de diagnóstico e es-
Normandes Matos
enormes ganhos logísticos tudos de impacto ambiental
e otimizando o uso de equi- realizados antes da constru-
“A gente queria usar as ima- pes. De acordo com Nor- ção de barragens ou insta-
gens para ter uma espécie mandes Matos, um time de lação de ferrovias. Existem
de raio-x fiel dessas áreas dois biólogos consegue, em também projetos de identi-
degradadas, para fazer bons um só dia, semear uma área ficação e dimensionamento
diagnósticos e propor prog- de cinco a dez hectares sem de erosões usando drones.

O
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BIÓLOGO||OUT/NOV/DEZ
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CAPA

FREEPIK

oferece disciplinas de em-


preendedorismo para alu-
nos da graduação e realiza
projetos juntando alunos de
vários cursos.
Normandes Matos conside-
ra que os currículos em geral
são bastante conservadores
sob esse aspecto e que se
explora, de forma muito con-
sistente, elementos básicos
da formação dos Biólogos,
como Zoologia, Botânica ou
Ecologia, mas com frequên-
cia a inovação tecnológica
e o empreendedorismo são
deixados de lado.
Ele afirma que é importante
Um aluno de Normandes cipalmente porque os cus- as universidades abraçarem
Matos desenvolveu um pro- tos para aquisição destes a tecnologia até para que as
jeto para identificação, com equipamentos têm diminu- empresas comecem a enxer-
imagens de drone, de obje- ído consideravelmente ao gar nos Biólogos e Biólogas
tos em terrenos baldios que longo dos anos, o que tem profissionais que têm muito
pudessem ser potenciais lo- permitido que grupos de a oferecer a equipes multi-
cais de surgimento de larvas pesquisa, na área de Biolo- disciplinares, já que na área
de mosquitos da dengue, gia ou outras áreas, possam ambiental há uma grande
com o intuito de criar um adquiri-los sem maiores concorrência de profissio-
protocolo básico de traba- problemas. O que eu vejo é nais de diversas carreiras.
lho para os profissionais que que os Biólogos ainda não Normandes Matos lembra
fazem vistorias em casas e exploraram todo o poten- que estamos na década da
quintais. Como às vezes es- cial que as tecnologias po- ONU para a restauração de
ses profissionais se deparam dem oferecer”, afirma ele. ecossistemas, um período
com terrenos fechados ou Para mudar esse cenário, é de muitos investimentos de
locais onde o acesso é com- essencial que os cursos de países e agências interna-
plicado por conta do mato e Ciências Biológicas acom- cionais de fomento à pes-
de animais peçonhentos, a panhem os avanços tecno- quisa, e que os Biólogos têm
ideia é utilizar o drone para lógicos e apresentem aos uma expertise muito grande
facilitar o trabalho. alunos mais possibilidades nesse campo. Ao conciliar o
“Tem tantas possibilidades de uso de diferentes tecno- currículo clássico da Biologia
que o drone em si é con- logias em suas carreiras. O com o uso de tecnologias já
siderado uma tecnologia Biólogo usa como exemplo consolidadas, os Biólogos
disruptiva, uma coisa que o núcleo de inovação tec- podem se tornar profissio-
mexeu com muitas áreas nológica da UFR, batizado nais estratégicos para áreas
de conhecimento e trouxe de Secretaria de Inovação como monitoramento e fis-
muitas possibilidades, prin- e Empreendedorismo, que calização ambiental.

20 | O BIÓLOGO | OUT/NOV/DEZ 2022


CAPA

Bioacústica de cetáceos dispositivo contra a água e nes ficaram a uma profun-


O desenvolvimento tecno- pressão, mas não interfira didade de 12 metros, fixados
lógico dos equipamentos e na recepção do áudio. por cabos que não balançam.
técnicas de acústica subma- Os pesquisadores progra-
rina permitem que cientis- maram o equipamento para

ACERVO PESSOAL
tas e gestores incrementem gravar 1 minuto a cada 5 mi-
o monitoramento de cetáce- nutos, de maneira a aumen-
os (baleias e golfinhos) e do tar a duração da bateria para
ambiente marinho costeiro três meses. Ao fim desse pe-
como um todo. ríodo, eles recolhiam os equi-
O Prof. Dr. Marcos César de pamentos, retiravam o cartão
Oliveira Santos, Biólogo do de memória, trocavam as 16
Instituto Oceanográfico (IO) pilhas e recolocavam os ci-
da USP, conta que diversos lindros novamente nos mes-
animais marinhos emitem mos dois locais. As gravações
sons, inclusive uma parte Marcos César Santos
foram feitas durante 24 me-
considerável das espécies ses, de 2015 a 2017.
de peixes, que produzem o Marcos César Santos res- O trabalho de doutorado de
chamado “coro de peixes”. salta que os hidrofones são Diogo Destros Barcellos ti-
Mas os cetáceos têm apa- adequados para o moni- nha como objetivo compa-
relho vocal com capacida- toramento da fauna e am- rar a ocorrência de baleias e
de de transmitir sons em biente marinhos, porque o golfinhos numa área impac-
diversas frequências e se som se propaga muito bem tada pela ação humana com
valem das vocalizações para por meio da água – a velo- a incidência desses animais
a ecolocalização – as ondas cidade e distâncias superio- numa área protegida.
sonoras funcionam como res às da propagação pelo Ele passou cerca de dois anos
um sonar biológico – e co- ar. O monitoramento por extraindo as informações das
municação com outros indi- câmeras em geral não apre- gravações nos dois locais.
víduos de sua espécie para senta bons resultados, uma Não bastava ouvir, porque
finalidades de alimentação, vez que as águas do mar es- algumas espécies de cetáce-
procriação, coordenação de tão frequentemente turvas. os, como os misticetos (ba-
ações em grupo etc. O Biólogo orientou duas im- leias grandes), emitem sons
O equipamento elétrico cha- portantes pesquisas do IO/ de frequência baixa, que são
mado hidrofone, que capta USP com acústica marinha ininteligíveis ao ouvido hu-
vibrações sonoras transmi- no litoral norte do estado de mano. O pesquisador preci-
tidas na água, é o mais uti- São Paulo. Os projetos, um de sou acompanhar visualmen-
lizado para o monitoramen- doutorado e outro de mes- te na tela do computador o
to de cetáceos. O hidrofone trado, utilizaram estruturas sonograma, gráfico com re-
é um microfone adaptado no mar montadas no Canal presentação da frequência,
para a água e conectado a de São Sebastião (uma área duração e intensidade das
um computador com car- impactada pela ação huma- amostras de som.
tão de memória. O conjunto na) e no Parque Estadual da Diogo Barcellos detectou na
é geralmente encapsulado Ilha Anchieta (área protegi- pesquisa uma disparidade
em algum tipo de material da, com pouco impacto). muito grande na ocorrência
que proveja proteção ao Os cilindros com os hidrofo- de cetáceos nas duas áreas

O
OBIÓLOGO
BIÓLOGO||OUT/NOV/DEZ
JUL/AGO/SET 2022 | 21
CAPA

estudadas, apesar da proxi- cada espécie de cetáceos, áreas estudadas. O trabalho


midade entre os locais. As formando uma biblioteca. consistiu na separação nas
gravações identificaram a “Não dá para simplesmente gravações dos ruídos pro-
presença de três vezes mais usar a biblioteca desenvol- duzidos por animais e pela
cetáceos nas águas prote- vida por pesquisadores de natureza – cetáceos, coros
gidas no Parque Estadual outros países. Nós vamos de peixes, camarões-de-es-
da Ilha Anchieta do que na ter que construir a nossa. talo, ondas, chuva etc. – dos
região antropizada do Canal Isso porque os dialetos de sons de motores de embar-
de São Sebastião. uma mesma espécie de ce- cações e outras ocorrências
Marcos César Santos apon- táceo variam de uma bacia de natureza antrópica.
ta que o próximo avanço oceânica para outra”, des- O estudo concluiu que o
tecnológico nas pesquisas taca Marcos César Santos. nível de poluição sonora
de bioacústica de cetáceos “As baleias-jubarte dos He- no Canal de São Sebastião
será a incorporação de fer- misférios Norte e Sul têm é muito elevado e que sua
ramentas de inteligência dialetos diferentes, o que causa principal é o barulho
artificial, em linha com o também acontece com ou- de motores de lanchas du-
que já se faz em centros no tras espécies de cetáceos. rante o ano inteiro. Há tam-
exterior. A inteligência arti- Trata-se de um extraordiná- bém um ruído intermitente
ficial permite a automação rio exemplo de cultura não no canal, que não cessou
do processo de extração de humana, transmitida de ge- durante os 24 meses moni-
dados do sonograma, que ração para geração”. torados pelo estudo.
pode ser realizado em muito O Biólogo orientou também Os pesquisadores não con-
menos tempo. As ferramen- a pesquisa de mestrado de seguiram identificar a ori-
tas conseguem também ar- Amanda Martinelli, que des- gem desse ruído. A hipótese
mazenar os parâmetros físi- creveu e comparou a “pai- mais provável é que o baru-
cos das emissões sonoras de sagem acústica” nas duas lho seja causado por algu-
FREEPIK ma estrutura presente no
Porto de São Sebastião ou
no terminal da Petrobras no
canal. Eles tentaram realizar
uma investigação acústica
nessas instalações, mas não
obtiveram autorização.
O estudo identificou que o
nível de sons de natureza an-
trópica nas águas no Parque
Estadual da Ilha Anchieta é
relativamente baixo, apesar
do pico de ruídos de moto-
res de lanchas no verão.
Marcos César Santos des-
taca que a dissertação de
Amanda Martinelli foi o pri-
meiro estudo a alertar para
a poluição sonora no Canal

22 | O BIÓLOGO | OUT/NOV/DEZ 2022


CAPA

FREEPIK

de São Sebastião. Ele acre- acústico, as autoridades


dita que as autoridades e mudaram as rotas de nave-
sociedade civil brasileira em gação para os dois portos e
geral não têm consciência os atropelamentos pratica-
da gravidade do problema mente cessaram.
da poluição sonora no am- O monitoramento continua
biente marinho. e permitiu identificar a nova
Os ruídos de natureza an- ameaça às baleias-francas
trópica, por exemplo, de na Costa Leste, que são as
motores de embarcações grandes estruturas subma-
e plataformas de petróleo rinas de pesca de lagostas,
afetam diretamente os ce- compostas por cabos e ar-
táceos que ocorrem na cos- madilhas. As autoridades
ta brasileira. A poluição so- agora agem para coibir a
nora confunde a orientação pesca predatória da região,
dos animais – o que pode que coloca em risco a escas-
explicar porque tantas ba- sa população de cerca de
leias encalham nas praias 300 indivíduos da espécie
– e afeta sua capacidade de no Hemisfério Norte.
localizar presas. O processo “Os cientistas americanos
de reprodução também é sabem onde estão as ba-
prejudicado, porque os ma- leias-francas por meio de
chos de espécies como as sensores e boias que en-
baleias jubartes atraem as viam emissões sonoras e
fêmeas emitindo canções. passam informações para
A acústica é amplamente as autoridades portuárias.
utilizada em países desen- Esse é um caso de sucesso lar jogo para celular Poké-
volvidos para o monitora- de conexão entre ciência e mon Go permite ao jogador
mento e proteção de espé- gestão”, aponta Marcos Cé- apontar a câmera para qual-
cies marinhas ameaçadas, sar Santos. “É assim que eu quer direção e observar uma
sobretudo de cetáceos, se- vislumbro a nossa costa em criatura virtual que deve ser
gundo o Biólogo. O governo 15 anos. A utilização da acús- capturada. Uma simples
dos EUA investiu milhões tica para o monitoramento busca por “pato” no Google
de dólares para construir da costa deveria ser priori- oferece a oportunidade de
uma rede de monitoramen- dade no Brasil”. visualizar o animal em 3D
to acústico na Costa Leste, pela tela do celular. É a rea-
onde estão os portos de Realidade aumentada lidade aumentada, recurso
Nova York e Boston. A cena já se tornou corri- que integra elementos vir-
No passado, havia muitas queira em algumas grandes tuais ao mundo real e que
ocorrências nessa região cidades: os restaurantes dis- vem se popularizando nos
de atropelamento de ba- ponibilizam um QR code nas últimos anos.
leias-francas por navios que mesas, o cliente aponta a câ- Mas nem só de jogos e car-
cruzavam áreas de alimen- mera para o código e tem dápios digitais vive a reali-
tação dessa espécie. Com acesso ao cardápio com ima- dade aumentada. Na Uni-
base no monitoramento gens 3D dos pratos. O popu- versidade de Brasília (UnB),

O
OBIÓLOGO
BIÓLOGO||OUT/NOV/DEZ
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CAPA

o Dr. Frederico Coelho Krau- to as estruturas diminutas, utilizando o canteiro central


se, Biólogo e pesquisador, que são invisíveis a olho nu do Instituto de Ciências Bio-
utiliza esse recurso para e muitas vezes difíceis de lógicas para fazer exposições
projetos educacionais. Ele visualizar até mesmo por com realidade aumentada
ressalta que há uma varie- instrumentos, quanto pro- e assim contornar a falta de
dade imensa de usos para cessos em larga escala, que um espaço físico.
essa tecnologia. envolvem o planeta como O interesse de Frederico
“Por exemplo, se você quiser um todo e não podem ser Krause pela computação
estudar o sistema circulató- observados diretamente, gráfica e o uso de mídias
rio, pode usar marcadores, como o ciclo da água, por educativas é antigo. Ele gos-
como QR codes, imagens ou exemplo. tava de mexer com progra-
a própria superfície e pro- Outros usos possíveis in- mas de edição de imagens
jetar um objeto tridimen- cluem o oferecimento de e, durante o curso de Ciên-
sional, fazer aparecer uma informações em aquários, cias Biológicas, se interes-
imagem em cima da mesa zoos e parques. Por exem- sou por uma disciplina de
e visualizar todo o funcio- plo, um parque pode usar computação gráfica para
namento do coração, usar um marcador (QR code ou ilustração científica. Em pa-
transparência para mostrar imagem) que, ao ser aces- ralelo, buscou o mestrado
as válvulas, mostrar como sado, forneça ao usuário in- e doutorado em Educação,
funciona dentro”, conta ele. formações sobre uma espé- que lhe permitiram aliar o
Essas imagens podem ser cie de planta ou animal em ensino de Biologia às ferra-
visualizadas tanto pelas te- particular, imagens em 3D mentas gráficas.
las de dispositivos como ta- sobre suas características
blets e celulares como tam- morfológicas, ou os nomes

ACERVO PESSOAL
bém por meio de óculos de de espécies similares. É pos-
realidade aumentada, que sível até mesmo dispensar o
fazem parecer que o ele- marcador e utilizar o próprio
mento virtual realmente espécime – o usuário apon-
está à nossa frente. É uma ta para o animal e o progra-
tecnologia que antes en- ma reconhece a espécie e
contrava barreiras na pou- apresenta as informações.
ca capacidade de proces- Nesse caso, a identificação
samento dos celulares, que do animal é feita por inteli-
não permitiam essa visua- gência artificial.
lização com boa qualidade. Esse mesmo princípio pode
Frederico Krause
Hoje em dia, no entanto, a ser aplicado a visitações a
qualidade de processamen- museus. É possível até mes- Além dos projetos de reali-
to desses aparelhos melho- mo fazer museus inteira- dade aumentada, o Biólogo
rou muito, permitindo a po- mente virtuais em ambien- também está focado no uso
pularização da ferramenta. tes em que você não tem educacional dos vídeos: ele
Segundo Frederico Krause, condições de ter as espécies participa de um projeto de
os modelos tridimensio- de maneira física, conta Fre- divulgação científica com
nais utilizados na realidade derico Krause. A própria UnB estudantes do Ensino Médio
aumentada são de grande está trabalhando em um de escolas públicas do Distri-
ajuda para representar tan- museu de Biologia virtual, to Federal, em que os alunos

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CAPA

criam vídeos sobre ciência e de abelhas sem ferrão, como ção pública na geração de
tecnologia e postam no You- parte de seu pós-doutora- conhecimentos científicos.
Tube. Trata-se do 1º Vídeo Ci- do no Instituto de Estudos A equipe multidisciplinar
ência, uma mostra virtual de Avançados (IEA) da USP. de sete pesquisadores do
ciência e tecnologia. O projeto BeeKeep criou um protocolo
é vinculado ao Museu Virtu- de pesquisa e desenvolveu

ACERVO PESSOAL
al de Ciência e Tecnologia da uma plataforma online que
UnB: os alunos buscam temas permitem que criadores –
do museu e criam os vídeos, denominados “cientistas ci-
realizando eles mesmos a edi- dadãos” – realizem o monito-
ção de imagens e narração. ramento de atividade de voo
Frederico Krause acredita de abelhas jataí (Tetragonis-
que ainda há muito espaço ca angustula). Essa ação de
de crescimento para o uso de monitoramento ganhou o
tecnologias como a realidade nome de #cidadãoasf.
aumentada na Biologia, seja O criador grava com o seu
com usos educativos ou ou- celular vídeos de 30 segun-
Sheina Koffler
tras aplicações. E para os que dos da entrada das col-
desejam se aprofundar nes- O Projeto BeeKeep está inse- meias, de acordo com as
sa área, é importante ir além rido no estudo internacional especificações do protocolo,
da universidade e buscar co- Surpass2 (Salvaguardando que estipula a sistemática
nhecimentos em softwares o serviço de polinização em das filmagens, como enqua-
de programação, inteligência um mundo em mudança: dramento, iluminação e dias
artificial, edição de imagens, teoria na prática), cujo braço e horários das captações.
modelagem 3D e animação, brasileiro é financiado pela Em seguida, o cientista ci-
dependendo da área de foco. Fapesp. Além do Brasil, o dadão insere o arquivo do
“Como é uma área em de- Surpass2 engloba pesquisas vídeo na plataforma online
senvolvimento, os currículos sobre polinização no Reino beekeep.pcs.usp.br, uma pá-
ainda não acompanharam a Unido, Chile e Argentina. gina de internet que funcio-
formação desse profissional. O BeeKeep surgiu a partir do na no celular e computador,
Algumas universidades têm Curso de Extensão em Meli- desenvolvida pelo Prof. Dr.
disciplinas que tangenciam ponicultura e Ciência Cidadã, Bruno Albertini, da Poli USP.
o assunto, mas os currícu- uma das iniciativas do Sur- No passo seguinte, o próprio
los têm que se adaptar. Tem pass2, cujas quatro edições produtor do vídeo faz a con-
uma nova geração de profis- online contaram com a par- tagem das jataís que: saíram
sionais atuando nas universi- ticipação de mais de 2.400 da colmeia; entraram na col-
dades, então acho que esses criadores de abelhas de di- meia; e entraram carregan-
cursos vão surgir gradativa- versos estados brasileiros. do pólen. O cientista cidadão
mente”, acredita o Biólogo. Como forma de engajar insere as informações das
os criadores participantes contagens no sistema.
Monitoramento do curso, os pesquisado- A plataforma entrou em ope-
de abelhas res do Surpass2 formata- ração no início de 2021 e já con-
A Dra. Sheina Koffler traba- ram o BeeKeep dentro do ta com mais de 3.800 vídeos e
lha num projeto de ciência conceito de ciência cidadã, uma base de dados robusta.
cidadã de monitoramento que consiste na participa- “Sem essa tecnologia, seria

O
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CAPA

FREEPIK

máticas e competição com


espécies invasoras.
Os pesquisadores do BeeKe-
ep escolheram trabalhar com
a jataí porque ela ocorre em
todo o território nacional e a
atividade comercial de cria-
ção da espécie é expressiva
e crescente. O saboroso mel
da jataí é considerado “gour-
met” e há também uma per-
cepção de que apresenta
propriedades antibióticas, o
que ainda precisa ser confir-
mado por novos estudos, res-
salta Sheina Koffler.
A equipe de pesquisadores
está no momento trabalhan-
Abelhas jataí do num segundo estudo cien-
(Tetragonisca impossível reunir uma base Stingless Bees Flight Activity tífico, que avalia o nível de
angustula)
de dados tão volumosa. Se- (em tradução livre, Confiabili- aprendizagem adquirido pe-
ria impraticável coletar in- dade dos dados em um pro- los cientistas cidadãos durante
formações em tantos locais tocolo de ciência cidadã para a participação no #cidadãoasf.
e em diferentes épocas do monitoramento da ativida- “Ao mesmo tempo em que
ano, e imagine os custos de de voo de abelhas sem geram dados, os cientistas ci-
de um trabalho de campo ferrão), os autores afirmam dadãos podem ampliar seus
dessa dimensão”, destaca não ter identificado diferen- conhecimentos a respeito da
Sheina Koffler, que é forma- ça estatística na percepção e Biologia e da Ecologia das
da em Ciências Biológicas e contagem das atividades de abelhas sem ferrão e o senso
tem mestrado e doutorado entrada e saída das abelhas de corresponsabilidade pela
em Ecologia pela USP. realizadas por especialistas e conservação das espécies”,
Os pesquisadores do Bee­ pelos cientistas cidadãos. enfatiza Sheina Koffler.
Keep coassinaram um ar- As abelhas fornecem o que Os pesquisadores esperam
tigo publicado em agosto chamamos de serviço ecos- publicar um terceiro estudo
de 2021 na revista científica sistêmico de polinização, es- em 2023, que pretende com-
Insects, que atesta a quali- sencial para a reprodução de pilar os dados coletados no
dade dos dados coletados e diversas espécies de plantas programa e analisar como a
compilados pelos criadores de interesse comercial – açaí, estrutura da paisagem – as-
de jataís, em linha com a quiabo, morango, melão etc. pectos da região, como pre-
percepção mundial positi- – e de matas nativas. Como sença ou não de vegetação,
va sobre a contribuição dos outros polinizadores, as abe- se rural ou urbano etc. – e
cientistas cidadãos. lhas sofrem uma série de outros condicionantes (tem-
No artigo, intitulado Data ameaças, como a perda de peratura, época do ano etc.)
Reliability in a Citizen Scien- habitats, contaminação por impactam a atividade de voo
ce Protocol for Monitoring agrotóxicos, mudanças cli- das abelhas sem ferrão.

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CSI BRASIL

ENTOMOLOGIA FORENSE
AJUDA NA INVESTIGAÇÃO
DE CRIMES
ACERVO PESSOAL

Bióloga da Unicamp po de atuação e forma novos


profissionais da área, muitos
conta como os insetos
dos quais seguem carreira
fornecem evidências como peritos criminais.
sobre a autoria de A entomologia forense une
mortes violentas e as informações que os inse-
outros crimes tos fornecem – dados biológi-
cos, ecológicos e de distribui-
ção – para elucidar questões
A PROFA. DRA. Patrícia judiciais de modo geral, so-
Jacqueline Thyssen é apai- bretudo questões criminais.
xonada por insetos desde São casos de morte violenta,
criança. Criava insetos em maus tratos a pessoas e ani-
casa e já na graduação se mais, contaminação de ali-
interessou por um projeto mentos e medicamentos e
de sucessão ecológica, em crimes ambientais, em que
que estudou espécies que os insetos podem fornecer
colonizavam carcaças de evidências sobre a autoria
pequenos animais. Desde dos crimes ou a responsabili-
que descobriu a utilização dade de uma ou outra parte.
dos insetos na ciência fo- Ao identificar a que espé-
rense, decidiu que esse se- cie de inseto pertence uma
ria seu campo de estudo. larva que está consumindo
Da graduação, embarcou no um cadáver e seu estágio
Patrícia
mestrado e doutorado na de desenvolvimento, é pos- construir um amplo banco Jacqueline
Unicamp e nunca mais pa- sível determinar, por exem- de dados que auxilia o traba- Thyssen

rou. Hoje Patrícia Thyssen é plo, há quanto tempo uma lho de peritos de todo o país,
docente na própria Unicamp pessoa morreu. Além disso, fornecendo ferramentas para
e presta auxílio à polícia técni- a partir da análise de ves- que possam identificar cor-
co-científica de São Paulo. Ela tígios de drogas presentes retamente os insetos encon-
identifica e calcula a idade de nessas larvas, é plausível trados em cenas de crimes e
espécies de insetos coletados fornecer pistas sobre a cau- extrair deles informações que
em corpos, o que contribui sa da morte de alguém. ajudem a responder pergun-
para o avanço do conheci- Ao longo dos anos, os estu- tas que surgem durante as
mento na área de entomolo- dos e análises da Bióloga e investigações.
gia forense, divulga esse cam- de seus alunos ajudaram a São estudos, simulações e

O BIÓLOGO | OUT/NOV/DEZ 2022 | 27


CSI BRASIL

FREEPIK
envolvam insetos e algum
aspecto jurídico.”
Na entomologia forense, a
taxonomia tem grande im-
portância, mas o uso das cha-
ves dicotômicas tradicionais
pode tomar muito tempo e
exigir um nível de conheci-
mento muito mais aprofun-
dado dos peritos. Para tentar
sanar problemas com o diag-
nóstico das espécies, Patrícia
Thyssen tem trabalhado com
a e-taxonomia, por exem-
plo com chaves de múltiplo
acesso no computador. Nes-
sas chaves não há um único
experiências que descre- consultoria, emitindo laudos ponto de início no processo
vem como os insetos coloni- e relatórios técnicos que po- de identificação e o usuário
zam corpos em decomposi- dem ser anexados aos pro- pode começar a análise por
ção, com que velocidade as cessos judiciais. qualquer característica mor-
larvas crescem, como varia “O meu objetivo principal fológica que lhe parecer mais
sua aparência ao longo de na universidade é estudar a fácil ou for mais acessível. As
seu crescimento e como Biologia, saber quais espé- chaves são interativas, suge-
outros fatores podem afe- cies colonizam corpos em rindo novas características
tar o seu desenvolvimento, decomposição, porque exis- a serem comparadas com
entre os quais estão as dro- tem muitas delas: aqui no imagens 3D para referência.
gas. Experimentos de labo- Brasil temos mais de vinte A ferramenta, disponível pela
ratório, por exemplo, mos- espécies diferentes de mos- internet e de acesso gratui-
traram que escopolamina e ca varejeira. Se eu não sou- to a partir de qualquer dis-
Diazepam podem, respec- ber a Biologia da espécie, positivo eletrônico, permite
tivamente, atrasar e acele- qual é a espécie e o que ela aos peritos mais autonomia
rar o desenvolvimento das está fazendo, vou obter um de trabalho e agilidade para
larvas que se alimentam de cálculo de tempo de morte identificar as espécies.
corpos – aspectos que, se equivocado. Então eu estu- Outra tecnologia muito pre-
não forem levados em con- do as espécies que vão nos sente é o DNA, utilizado quan-
sideração, poderiam levar a corpos em decomposição e do o exame morfológico não
conclusões equivocadas so- que tipo de resposta podem é suficiente para a identifica-
bre o tempo de morte. dar para o perito criminal”, ção do inseto – caso de mui-
Patrícia Thyssen também conta ela. “Nós construímos tas larvas, que apresentam
analisa amostras enviadas bancos de dados que os pe- número restrito de caracterís-
por peritos para testes mais ritos podem utilizar no dia a ticas que poderiam ajudar a
avançados no campo da dia, para tentar achar as res- defini-las, especialmente no
morfologia, química ou mo- postas para as questões que primeiro estágio de desenvol-
lecular, além de fornecer eles levantam em casos que vimento. A tecnologia tam-

28 | O BIÓLOGO | JUL/AGO/SET 2022


CSI BRASIL

bém pode ser usada na in- vive e com a sua dieta. Ao com a graduação, sendo
vestigação de crimes sexuais comparar o perfil de hidro- possível ir se especializando
– para comparação do DNA carbonetos de insetos de depois”, conta ela.
encontrado na larva com o de um local onde o corpo foi Mas ainda há espaço para
algum suspeito – e em crime encontrado, é possível sa- crescimento, tanto para
ambientais: como os insetos ber se esses insetos habita- os Biólogos nessa carreira
respondem rápido ao impac- vam aquele ambiente ou se quanto para as técnicas usa-
to ambiental, a ausência de vieram de um lugar diferen- das. De acordo com Patrícia
determinados grupos de in- te, fornecendo assim mais Thyssen, daqui a alguns anos
setos que deveriam estar pre- indícios para a investigação. o uso de inteligência artificial
sentes no bioma pode indicar Quando Patrícia Thyssen na identificação dos insetos
degradação, e para fazer essa começou a trilhar o campo e larvas na área forense deve
identificação da composição da entomologia forense, a ter avançado mais, ajudando
faunística o DNA tem sido área ainda era desconhe- a diminuir a subjetividade da
muito utilizado. cida de muitos, e a partici- interpretação das imagens e
Uma terceira tecnologia uti- pação de Biólogos na área melhorando a precisão dos
lizada é a cromatografia. Pa- forense era vista com estra- diagnósticos.
trícia Thyssen relembra um nheza. Hoje tanto o campo Os bancos de dados de Patrí-
caso em que essa investiga- quanto a presença dos Bió- cia continuarão a se expan-
ção química mostrou traços logos atuando nele já estão dir. No momento, ela está
de cocaína nas larvas que mais consolidados. A ento- envolvida em um projeto fi-
consumiam um cadáver, in- mologia forense é conhe- nanciado pela Fapesp para
dicando que o consumo da cida do público em geral investigar as moscas varejei-
droga tinha relação com a principalmente por seria- ras da região neotropical, co-
morte daquela pessoa – uma dos como CSI, que mostra letando espécimes em toda
relação difícil de determinar o trabalho de peritos em a América do Sul e parte da
em um corpo em avançado diversas áreas. Entre os Bi- América Central para montar
estado de putrefação, em ólogos, o campo também um banco de dados comple-
que análises de sangue e uri- é mais conhecido, graças a to, morfológico, biológico e
na ficam prejudicadas. um trabalho constante de molecular, sobre todas as es-
Da mesma maneira, as téc- divulgação. Na Unicamp, a pécies de larvas que se criam
nicas de cromatografia com Bióloga ministra uma dis- em corpos em decomposi-
análise dos hidrocarbonetos ciplina sobre o assunto na ção nessas localidades.
da cutícula do tegumento graduação, para que os fu-
dos insetos (que os recobre turos profissionais fiquem
externamente) podem aju- cientes de mais essa área Vídeo com entrevista
dar até mesmo a descobrir de atuação e das possibili- da Profa. Dra. Patrícia
se um corpo foi movido de dades de carreira. Jacqueline Thyssen
algum outro lugar para o lo- “Se o Biólogo se interes-
cal onde foi encontrado: es- sar por trabalhar na polícia
ses hidrocarbonetos, conta científica, ele pode ingres-
Patrícia Thyssen, dentro da sar através de concurso. É CLIQUE
mesma espécie variam de uma carreira importante E ASSISTA

acordo com a localidade ou e interessante, à qual con-


ambiente em que o inseto seguem ter acesso apenas

O BIÓLOGO | OUT/NOV/DEZ 2022 | 29


RESENHA TESE

BIÓLOGO DESENVOLVE
TECNOLOGIA PARA PREVER
BALNEABILIDADE DE PRAIAS

FREEPIK
ACERVO PESSOAL

NESTA EDIÇÃO, a seção operacional determinística.


Resenha analisa a tese de A classificação da qualidade
doutorado Previsão de bal- da água em praias é uma
neabilidade com o uso da informação de utilidade
modelagem numérica ope- pública, já que a exposição
racional para as praias das a água de má qualidade é
Baías de Santos e de São considerada um risco signi-
Vicente, escrita pelo Prof. ficativo à saúde, tendo sido
Dr. Renan Braga Ribeiro relacionada a sintomas de
para seu doutoramento no doenças gastrointestinais
Programa de Pós-Gradu- em banhistas. Ao infor-
ação em Ciência Ambien- mar com acurácia o nível
tal da Universidade de São da qualidade da água nas
Paulo (USP) em 2021. da água para fins de recre- praias, as autoridades mu-
A tese, orientada pelo Prof. ação – para as praias locali- nicipais dão aos cidadãos
Dr. Joseph Harari, demons- zadas nas Baías de Santos uma ferramenta para fazer
tra a criação de um sistema e de São Vicente, no lito- escolhas mais informadas.
de previsão de balneabilida- ral de São Paulo, por meio Para determinar níveis de
de – ou seja, de qualidade de modelagem numérica balneabilidade, utiliza-se

30 | O BIÓLOGO | JUL/AGO/SET 2022


RESENHA TESE

ACERVO PESSOAL
globalmente a presença e testar um sistema de pre-
concentração de bactérias visão feito por modelagem
indicadoras de contamina- numérica, que levasse em
ção fecal, como o enteroco- consideração os variados
cos, utilizado no estudo. De aspectos meteorológicos,
acordo com Renan Ribeiro, geográficos, ecológicos e
os atuais sistemas de infor- sociais que afetam as Baí-
mações sobre a balneabili- as de Santos e São Vicente.
dade das praias se baseiam Entre esses aspectos, es-
em métodos microbiológi- tão, por exemplo, o regime
cos, que envolvem coleta pluviométrico da região,
de água nesses locais, cul- afetado por fatores como a
tura das bactérias e poste- presença da Serra do Mar
rior contagem de colônias e o sistema meteorológico
formadas. No entanto, ar- da Zona de Convergência
gumenta o autor, essas cul- do Atlântico Sul; a maré do
turas requerem um tempo sistema estuarino de São
mínimo de 24 horas para Vicente e Santos; as di-
fornecer os resultados, o versas fontes de poluição
que torna impossível para que afetam os canais que
os gestores fornecer avalia- desaguam nas duas baías,
ções da qualidade da água considerando o nível de
para o mesmo dia em que a atendimento do esgota-
amostragem é feita. mento sanitário; a vazão
Como resultado, a indica- desses cursos d’água e os
ção de balneabilidade das eventos de abertura de
praias não está baseada suas comportas. cesso, acurácia satisfatória Renan Braga
Ribeiro
nas condições atuais das O desempenho de previsão e adequada disseminação
águas, e sim em condições do modelo foi avaliado du- da informação com previ-
passadas. A proposta da rante dois anos de monito- são de até três dias, mesmo
tese é que a utilização de ramento da balneabilidade, considerando as simplifica-
modelos de previsão po- testando a precisão das pre- ções e incertezas”.
deria fornecer resultados visões comparadas à reali- O sistema desenvolvido
ágeis e confiáveis, que re- dade. Ao fim do período, o por Renan Ribeiro está em
fletissem de maneira mais autor concluiu que o siste- funcionamento e os dados
precisa as condições re- ma de previsão implantado produzidos pelo modelo
ais de balneabilidade das foi capaz de fornecer uma são repassados às autori-
praias, contribuindo para representação satisfatória dades sanitárias locais. Os
o fornecimento amplo de dos processos que resultam resultados desse sistema
informações que possam em má qualidade da água estão disponíveis no site do
nortear as tomadas de de- nas praias das Baías de San- Núcleo de Pesquisas Hidro-
cisão de agentes públicos tos e de São Vicente, em dinâmicas da Universidade
ou do cidadão comum. especial naquelas localiza- Santa Cecília, laboratório ao
Dessa forma, o objetivo das no município de Santos, qual o Biólogo está vincula-
do trabalho foi construir e “com elevado nível de su- do: (Clique aqui).

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EM CAMPO

UM DIA DE TRABALHO
COM ROV SUBAQUÁTICO
NO LITORAL DE UBATUBA
ACERVO PESSOAL

CARO LEITOR, meu nome é


Amanda Aparecida Carmi-
natto. Sou Bióloga, mestre
em Ecologia pela Universida-
de Santa Cecília (Unisanta), e
atualmente curso o Doutora-
do no Programa de Pós-Gra-
duação em Planejamento e
Uso de Recursos Renováveis
na Universidade Federal de
São Carlos (UFSCar).
No meu trabalho, intitulado
Caracterização e estrutura
da comunidade de peixes
de recifes rochosos de duas
ilhas costeiras do sudeste
do Brasil: uma avaliação
espaço-temporal utilizan-
do drone subaquático, ana-
liso, sob vários aspectos, a
comunidade de peixes ro- rado remotamente). O equi- a 150 metros e servem para Amanda
Aparecida
chosos nas áreas da Ilha An- pamento é similar a um dro- inspeção visual e pequenas Carminatto
chieta e Ilha do Mar Virado, ne aéreo no sentido de que é intervenções; os compac-
ambas localizadas na costa operado à distância, mas dife- tos são maiores, têm capa-
de Ubatuba, litoral do esta- rentemente do drone aéreo, cidade de carga e podem
do de São Paulo. Comecei o ROV subaquático tem um chegar a cerca de 300 me-
meu doutorado em meio à cabo que o conecta ao contro- tros de profundidade; e os
pandemia, em 2020, o que le operado pelo usuário. chamados work class ROVs
causou uma série de difi- Existem ROVs dos mais va- são robôs de trabalho, que
culdades e atrasos, inclusive riados tipos, geralmente operam a grandes profun-
na realização do trabalho de agrupados em três classes didades de mais de 500
campo, iniciado em 2022. de acordo com sua funcio- metros e são utilizados, por
Para a coleta de imagens su- nalidade: os micro ROVs, exemplo, na indústria de
baquáticas, utilizo um ROV su- como o meu equipamento, óleo e gás e na busca por
baquático (do inglês remotely são pequenos, podem che- destroços de navios – como
operated vehicle, veículo ope- gar a profundidades de 100 o equipamento usado para

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achar os restos do transa-


tlântico Titanic, em 1985.
Trabalho com ROVs des-
de a graduação. Durante
o mestrado, meus orienta-
dores (Dr. Walter Barrela,
Dr. Matheus Rotundo e Dr.
Miguel Petrere) sugeriram
aliar o meu trabalho pilo-
tando esses equipamentos
à pesquisa, substituindo os
mergulhos pelas imagens
captadas por esses robôs.
Utilizei imagens de ROVs
tanto no mestrado quanto
no doutorado e pretendo
continuar utilizando esse
recurso tão útil no pós-doc.
Inicialmente utilizava um a coleta de espécies, de se- e a mesma fique turva. Por- Amanda usa o
celular como
equipamento da empresa dimento e o monitoramen- tanto, quanto mais calmo o tela do módulo
de controle
onde presto serviços, mas pos- to de vários aspectos no mar e quanto mais límpida
teriormente adquiri um ROV ambiente submarino utili- a água, melhor! Para o agen-
próprio, o que me permitiu zando sensores que podem damento do campo, verifico
mais liberdade para fazer os ser acoplados ao dispositivo. se as condições climáticas
trabalhos de campo. Acredito Para o meu doutorado, rea- estão favoráveis através do
que o custo dos ROVs é um lizei uma série de 12 coletas aplicativo Wind Guru, mui-
impeditivo para a realização de dados, em quatro pontos to usado por surfistas, que
de mais pesquisas utilizando pré-estabelecidos, uma por mostra dados de chuva,
essas ferramentas no Brasil: mês, de janeiro a dezembro maré, ondulação e velocida-
são equipamentos importa- de 2022, nos períodos diurnos de e direção dos ventos.
dos, que podem ser extrema- e noturnos. As coletas foram Em um dia típico de cam-
mente caros. Felizmente, com divididas em três campanhas po, acordo cedo para sair
a entrada dos equipamentos por estação, para que eu pu- de São Paulo em direção
chineses no mercado – o meu desse comparar os dados sa- a Ubatuba. A viagem leva
ROV é chinês – agora existe zonalmente. A profundidade três horas e meia de carro.
uma alternativa mais barata. nas ilhas estudadas é de cer- Quando chego a Ubatuba,
Mesmo assim, ainda não são ca de seis ou sete metros. me dirijo ao píer Saco da
aparelhos acessíveis a todos, A realização do trabalho de Ribeira, onde encontro o
infelizmente. campo depende das condi- barqueiro com quem faço
Eu trabalho com os tipos ções climáticas: os dias en- todas as saídas. Essas idas
menores de ROVs, que po- solarados são os melhores, e à campo são feitas duran-
dem ser usados para uma é importante não ter chovi- te a semana, pois o barco
variedade de atividades, do no dia anterior, pois isso que utilizo transporta pes-
desde a observação científi- faz com que o sedimento cadores nos sábados. Estou
ca e inspeção industrial até das ilhas escoe para a água sempre acompanhada de

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Cada
filmagem colegas (André Escudeiro, controle, que é muito pareci- de como serão as atividades
dura 15
minutos Giovana Ciongoli ou Paula do com um joystick de dro- em campo está diretamen-
Escudeiro), que me ajudam ne aéreo. Esse se conecta via te relacionado com as aná-
nos aspectos práticos, pi- wi-fi com o celular, que se lises estatísticas. Então tudo
lotando ou gerenciando o torna a tela do joystick. o que faço numa saída, repi-
cabo que liga o ROV ao con- Embora o ROV já tenha sua to nas próximas.
trole, para que, por exem- própria câmera com infor- Passados os 15 minutos, re-
plo, ele não atinja o hélice mações como data, hora, colhemos o ROV e passamos
do barco acidentalmente, profundidade e direção da ao segundo ponto de coleta.
rompendo a conexão, o que bússola, acoplo uma GoPro São quatro pontos pré-esta-
seria um desastre! (câmera subaquática), que belecidos para filmagens na
Saímos do píer por volta das possibilita uma imagem de Ilha Anchieta. Em seguida,
11h da manhã em direção à alta definição e permite a nos direcionamos à Ilha do
Ilha Anchieta, meu primei- identificação das espécies. Mar Virado, que tem esse
ro local de coleta. A ilha faz Em cada ponto amostral nome por conta do mar agi-
parte de uma Unidade de percorremos uma distância tado. Nessa ilha não há praia,
Conservação, portanto não é de 100 metros com o ROV, mas a pesca é permitida. Da
permitida a pesca, mas exis- perfazendo ziguezagues ao mesma maneira, ficamos
te atividade turística. Lanço longo da coluna d’água por 15 minutos em cada ponto.
o equipamento na água e 15 minutos. Dessa forma, Quando finalizamos o úl-
ele circula e faz filmagens fazemos uma amostragem timo ponto do Mar Virado,
por 15 minutos. Como men- representativa e padroni- aguardamos cerca de uma
cionei, o ROV tem um cabo, zada em todos os pontos. hora até o anoitecer e reco-
o umbilical, que conecta o Ao preparar um projeto de meçamos as filmagens.
equipamento ao módulo de pesquisa, o planejamento Com o tempo gasto em cada

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coleta, somado aos desloca- abundâncias. E se existe va-


mentos, costumo passar 12 riação entre as estações do
horas embarcada em cada ano, entre as duas ilhas e
saída. O campo termina por entre dia e noite. O primeiro
volta de 23h30, quando atra- objetivo é fazer esse pano-
camos no píer novamente. rama e identificar se existe
Dali, pego o carro e retorna- algum padrão.
mos a São Paulo. Para a qualificação, analisei
É um pouco cansativo di- os dados das duas primei-
rigir, chegar até lá, depois ras estações do ano, verão e
ficar embarcada e voltar outono, e já pude observar
no mesmo dia. Como é ne- que há, sim, diferença esta-
cessário ficar muito tempo tística na abundância, rique-
olhando para a tela do ce- za e diversidade entre essas
lular com o barco em mo- estações, somada à variação
vimento, eu passo mal em na fauna diurna e noturna.
algumas saídas. Mas o traba- Mas não observei diferenças
lho é recompensador, por- estatísticas entre as duas
que quando piloto o ROV ilhas, apenas na riqueza e na
Amanda fica
vislumbro toda aquela pai- diversidade: a Ilha Anchieta mento; 5- os peixes que pre- cerca de 12 horas
sagem do fundo do mar e tem maior riqueza e diversi- ferem ficar na zona de inter- embarcada

a interações entre os peixes. dade quando comparada à face rocha-sedimento; 6- os


Acontecem coisas inusita- Ilha do Mar Virado. que ficam na coluna d’água
das. De repente aparece O segundo objetivo é carac- desse ambiente; e por últi-
uma raia que eu nunca tinha terizar e descrever a ocu- mo, 7- os peixes que vivem
visto pelo drone e a emoção pação da ictiofauna recifal associados a banco de algas.
é muito, muito grande. Eu nos diferentes micro-habi- Até o momento, com me-
sou suspeita para falar, pois tats do recife rochoso em tade dos dados analisados,
sou apaixonada pelo mar e função do período diurno foram observados 9.696 in-
seus organismos. Quando e noturno, evidenciar quais divíduos e identificadas 66
estou em campo, a emoção atributos ecomofológicos espécies. Analisarei os atri-
fala mais alto, e mesmo pas- respondem à ocupação e butos ecomorfológicos de
sando mal, vale a pena! calcular a diversidade morfo cada uma destas espécies
Meu trabalho tem dois ob- adaptativa das espécies nos para entender quais atribu-
jetivos. O primeiro é carac- diferentes micro-habitats. tos explicam a preferência
terizar a estrutura da co- Já identifiquei sete micro-ha- de determinada espécie
munidade de peixes recifais bitats nesse ambiente recifal: por um micro-habitat espe-
rochosos das duas ilhas. 1- tem o ambiente em que os cífico. Essas questões serão
Estou verificando se existe peixes ficam associados em respondidas na defesa, mar-
variação de riqueza, que é cima da rocha; 2- os peixes cada para meados de 2023.
o número de espécies; de que ficam na coluna d’água Por fim, como pesquisado-
abundância, que é a quanti- dessa área rochosa; 3- os pei- ra, meu objetivo é levantar
dade de indivíduos; e de di- xes que ficam encostados no e testar hipóteses. Afinal, a
versidade, que é a união do sedimento; 4- os que ficam arte da ciência é fazer boas
número de espécies e suas na coluna d’água desse sedi- perguntas.

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POR DENTRO DO CRBIO-01

CRBIO-01 INTENSIFICA ATUAÇÃO EM


MATO GROSSO E MATO GROSSO DO SUL
DIVULGAÇÃO

do meio ambiente e visitou


30 empresas. Em Cuiabá e
na vizinha Várzea Grande,
aconteceram em novembro
reuniões com o governo lo-
cal e visitas a 23 empresas.
Na capital sul-mato-grossen-
se, a delegação do CRBio-01,
que contou com a presença
do Dr. Eliézer José Marques,
vice-presidente do CFBio, se
reuniu com o Biólogo Vander
Melquíades Fabrício de Jesus
(CRBio 020443/01-D) e a Bió-
loga Eliane Crisóstomo Dias
Ribeiro (CRBio 014976/01-D),
Visita ao aquário
do Bioparque COM O OBJETIVO de orien- atividades do Conselho. do Instituto de Meio Am-
Pantanal
tar e verificar a situação de Participaram dessas ativida- biente de Mato Grosso do
conformidade das empresas des o Biólogo Edison Kubo, Sul (Imasul). Na Secretaria
registradas no CRBio-01, o assessor técnico do CR- Municipal de Meio Ambiente
Setor de Fiscalização, com o Bio-01, a Bióloga Lia Matelli e Desenvolvimento Urbano
apoio das Delegacias Regio- Garcia e o auxiliar técnico (Semadur), a delegação foi
nais, realizou uma série de Alexandre Mendes Fajardo, recebida pela Bióloga Gisseli
visitas a empresas e órgãos ambos do Setor de Fiscali- Ramalho Giraldelli dos San-
governamentais em Mato zação do Conselho, com o tos (CRBio 054989/01-D).
Grosso e Mato Grosso do Sul, apoio da delegada regional Os representantes do CRBio
como parte de um trabalho de Mato Grosso, Dra. Maria visitaram também o Bio-
de intensificação da atuação Saleti Ferraz Dias Ferreira, e parque Pantanal, comple-
do Conselho nesses dois es- do auxiliar Raphael Leão Fer- xo inaugurado em março
tados que, juntamente com reira, em Cuiabá (MT), e do de 2022 que abriga o maior
São Paulo, integram sua área delegado regional de Mato aquário de água doce do
de abrangência. Grosso do Sul, Dr. José Milton mundo, projetado pelo ar-
As ações também tiveram o Longo, e do auxiliar Henri- quiteto Ruy Ohtake. O Bio-
propósito de apresentar os que de Souza Ajala Bregolin, parque proporciona tanto
funcionários e disponibilizar em Campo Grande (MS). atrações de lazer para mo-
as instalações das Delega- Em Campo Grande, a de- radores e turistas como ati-
cias Regionais para esclare- legação se reuniu em ou- vidades de educação am-
cimento de quaisquer dú- tubro com representantes biental e infraestrutura de
vidas relacionadas com as de órgãos governamentais laboratórios para pesquisa,

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POR DENTRO DO CRBIO-01

que abrigam trabalhos de são de questões relativas sas de médio e grande por-
mais de 150 técnicos, mui- ao trabalho dos Biólogos, te com atuação em diversas
tos deles Biólogos. como licenciamento am- áreas, como consultoria am-
Em Cuiabá, a delegação vi- biental”, relata Edison Kubo. biental, análises clínicas e
sitou a Secretaria Municipal As reuniões com as empre- físico-clínicas de água, con-
do Meio Ambiente e Desen- sas também foram muito trole de pragas e produção
volvimento Urbano Susten- proveitosas. Lia Matelli des- de cerveja.
tável, onde foi recebida pe- taca que a delegação visi- “O Conselho foi bem rece-
los Biólogos Tony Schurig tou tanto empresas com bido, e empresas e Biólogos
Siqueira (CRBio 051134/01- registro ativo no CRBio-01 sentiram, de certa forma, um
D), Gelsa Meiri dos Santos como aquelas que cance- apoio do Conselho. Informa-
Lima (CRBio 033495/01-D) laram o registro. Nesse se- mos os serviços prestados
e Marta Cristina Costa Silva gundo caso, em geral, são pelas delegacias e entrega-
(CRBio 100817/01-D). empresas que agora estão mos materiais de instrução
“As visitas foram extrema- inscritas em outros conse- para as empresas e Biólogos,
mente produtivas. Nos en- lhos, como o de Química, como o Manual de Respon-
contros no Imasul, Semadur Biomedicina e Engenha- sabilidade Técnica, elaborado
e Secretaria Municipal de ria, mas que podem contar pelo CRBio-01 para orienta-
Cuiabá, discutimos a pos- com Biólogos em seus qua- ção e atuação cada vez mais
sibilidade de organizarmos dros de funcionários. eficiente e segura dos profis-
eventos locais para a discus- A delegação visitou empre- sionais”, conta Lia Matelli.

LGPD
LEI GERAL DE
PROTEÇÃO DE DADOS

O CRBio-01 trabalha prezando pela


proteção dos seus dados!

Visite nosso site e leia a nossa política


de privacidade para entender como
o CRBio-01 trata os dados de seus
profissionais registrados e atende à Lei
Geral de Proteção de Dados (LGPD).

www.crbio01.gov.br
#MINHAFOTONOCRBIO01
FOTO: ACERVO PESSOAL DE MICHEL DE AGUIAR PASSOS

O Biólogo Michel de Aguiar Passos (@aguiarmichel) conseguiu registrar o momento em que um gavião-
-carijó (Rupornis magnirostris) descansava após capturar uma cobra.
“Dentre os maiores predadores de serpentes, estão as aves, sobretudo os rapinantes. Hoje tive o privilégio
de presenciar uma interação dessas. Na foto, um gavião-carijó predando uma serpente da espécie Apos-
tolepis assimilis. Azar da cobra e sorte do gavião”, comentou o Biólogo.
Michel de Aguiar Passos é sócio de uma empresa de consultoria ambiental sediada em Campinas (SP).
Ele fez essa foto com uma câmera Canon SX 50, na região do município de Macedônia (SP).

Para divulgar suas fotografias com o #CRBio01, compartilhe seu trabalho e use a hashtag
#MinhafotonoCRBio01 no Instagram!

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Programa
NEGOCIAÇÃO
de Recuperação
DE DÉBITOS de Créditos

Veja as condições especiais para a regularização


da situação fiscal de Biólogos e empresas
com anuidades vencidas até 31/12/2021
Acesse www.crbio01.gov.br/programa-recuperacao-credito

NÃO PERCA ESSA OPORTUNIDADE


E REGULARIZE SUA SITUAÇÃO PROFISSIONAL!

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